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BÁSICA
Alexandre Saramelli
História da Contabilidade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
Relembrar episódios importantes da história mundial.
Identificar o desenvolvimento da contabilidade ao longo do
tempo.
Demonstrar aspectos históricos que influenciaram na contabili-
dade tal como é hoje.
Introdução
Neste texto você estudará a história da contabilidade, principalmen-
te no período do Renascimento. Uma das formas de conhecer esses
procedimentos e hábitos é entender que eles se formaram com o
tempo, ao longo da história. Estudar contabilidade é também apren-
der uma nova linguagem: a linguagem dos negócios, e, para conhe-
cer uma nova língua, é importante conhecer a cultura e as influências
folclóricas e sociais ao longo do tempo.
Epstein (2002) escreveu sobre o que foi a grande saga para a criação da
linguagem escrita. Na esteira desse processo, havia interesses de negócios,
ou seja, os comerciantes, em seu trabalho de aproximar produtores, artesãos
e consumidores, precisavam de algum controle para suas mercadorias e es-
toques. O decorrer do tempo tornou necessário contar histórias com letras e
símbolos, que eram guardadas em livros para serem difundidas e lidas.
A contabilidade era ensinada de geração para geração, de comerciante
para comerciante, como uma valiosa técnica. De acordo com Andrade (2009,
p. 22), descobertas arqueológicas mostram que a contabilidade teria surgido
há cerca de 4.000 a.C. na Suméria (sul da Mesopotâmia, região onde atual-
mente se encontra o Iraque) e no Antigo Egito, como uma forma simples de
“inventariar mercadorias, identificar o seu proprietário e definir o seu valor
de troca”.
Andrade (2009, p. 22) comenta que, no ano de 1228, a obra Liber abaci
(Livro do ábaco) chegou à Europa. Tratava-se de um livro cujo teor era essen-
cialmente a matemática, de autoria do matemático Leonardo Pisano (ou Leo-
nardo Fibonacci). Foi ele que introduziu os caracteres arábicos na Europa e a
“sequência de Fibonacci” ou o “número de Fibonacci”, já apresentando alguns
conceitos e cálculos comerciais.
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Os números arábicos (sobretudo os números negativos) foram amaldiçoados na Eu-
ropa durante muito tempo. Por causa da praticidade de uso – muito mais fácil que os
caracteres romanos –, era usado secretamente pelos comerciantes.
Você talvez já tenha notado que, em alguns relatórios, números negativos são demons-
trados entre parênteses, não com o sinal negativo na frente. Pois bem! Este é um cos-
tume comercial derivado dessa época, em que se evitava o uso de números negativos
porque poderiam ser “maléficos”. Por exemplo, ao invés de –100,00, utiliza-se (100).
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Os livros Liber abaci e Hisbah, além das práticas contidas neles, eram muito restritos
à época de sua publicação. A contabilidade era uma técnica secreta, conhecida por
pouquíssimos homens!
Personagens históricos no desenvolvimento
da contabilidade
Decorridos 200 anos do conhecimento das obras Liber abaci e Hisbah, o
monge franciscano e matemático Luca Pacioli se interessou por contabili-
dade. Pacioli viveu em Veneza, cidade-estado que era um grande centro co-
mercial europeu no século XIV. Veneza viveu um processo muito conhecido
na História, o Renascimento. Enquanto a Europa estava envolta em trevas
– com relação à evolução do conhecimento –, Veneza teve grande desenvolvi-
mento e acumulação de riquezas, por conta de seu comércio frenético, o que
fez efervescer as artes e a ciência.
Luca Pacioli foi considerado o “pai da contabilidade moderna”. Ele buscou
saber como os comerciantes da época controlavam seu patrimônio e percebeu
que usavam controles sofisticados para dominar o patrimônio, os ganhos e as
perdas. Pacioli compilou esses conhecimentos e publicou-os em 1494, no livro
Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalitá. Esta obra
foi tão importante para a contabilidade que chegou a ser reconhecida com a
criação de um selo comemorativo a seus 500 anos de publicação.
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Luca Pacioli era amigo de Leonardo da Vinci, uma das figuras mais importantes do
Renascimento. Acredita-se que Pacioli teria ensinado a “sequência de Fibonacci”, a Da
Vinci, o qual a utilizou em muitas de suas obras, incluindo A última ceia e Mona Lisa.
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As informações aqui dispostas, a respeito dos primeiros passos da contabilidade, datam
de 1490. Nessa época, não havia máquinas que facilitassem o trabalho em escritórios,
embora alguns utilizassem ábacos (espécie de calculador manual, formado por um
quadro com fios paralelos). O que havia para escrever era apenas papel, item difícil de
obter. Evidentemente, já se contava com um bom nível de conhecimento e tecnologia,
mas a população em geral sequer sabia ler e escrever.
Você percebeu que as orientações dadas por Pacioli (citadas por Sá) são
as mesmas que utilizamos hoje? Porém, será que o trabalho descrito era real-
mente praticado pelos comerciantes da época? De acordo com historiadores,
como Sá (2004, p. 59), e pesquisadores (como Vincenzo Masi e Joseph H. Vla-
émminck), os comerciantes naquela época praticavam mesmo a contabilidade
(alguns casos apresentando, inclusive, impressionante nível de sofisticação).
A inquietação de Luca Pacioli rompeu a tradição oral do conhecimento
contábil, difundindo esta área para o mundo. Esse feito encerrou um período
medieval da contabilidade e deu início a um período moderno. O mérito de
Pacioli não foi o de ter criado a contabilidade – pois isto ele não fez – nem de
ter compilado o conhecimento, mas ter oportunizado a difusão desse conhe-
cimento.
CONTABILIDADE: DO PARTICULAR
PARA O PÚBLICO
Eugen Schmalenbach, no livro Dynamische Bilanz (O balanço dinâmico), de
1955, relatou que até a Idade Média, a contabilidade era produzida para o
empresário, como um assunto particular, secreto, íntimo. Nessa época, os de-
monstrativos contábeis eram apurados somente em períodos especiais, sem
preocupação em fazer uma apuração periódica.
O autor comenta também sobre as navegações e caravanas. Sempre que
uma viagem chegava ao fim, era apurado um balanço contábil com o que
havia sido ganho; descontavam-se despesas, perdas de animais, mercadorias,
roubos e estragos, atingindo um resultado. Isso se chamava contabilidade de
“ganhos e perdas”.
Ganhava-se dinheiro com caravanas e navegações, pois eram viagens mo-
tivadoras e que levavam muita gente a transportar mercadorias por lugares
perigosos, objetivando-se os lucros. Então, surgiram na Europa as rotas co-
merciais, e Veneza, neste aspecto, era um importante ponto de ligação que
atraía pessoas de diferentes culturas e origens.
Exemplo
Como exemplo de personagem que utilizou muito a contabilidade para manter e con-
trolar suas riquezas, Schmalenbach (1955) cita o banqueiro Jacob Fugger, que ficou
conhecido como “o rico”. Fugger aprendeu o método das partidas dobradas, que co-
nheceu em Veneza, e desde então manteve uma contabilidade para seus negócios.
Sabe-se que era muito organizado e mantinha uma estrutura contábil, além de uma
estrutura gerencial e administrativa muito bem desenvolvida.
Uma atitude comum na época (e até mesmo hoje), e que Jacob Fugger
praticava, era manter a contabilidade restrita apenas a seus interesses, ou seja,
privada e secreta. Fugger é um exemplo de comerciante que não publicava
seus balanços.
Luca Pacioli começou a incentivar os comerciantes a apurar balanços
contábeis periodicamente e divulgar esses balanços. Schmalenbach (1955,
p. 11) conta que, para justificar o porquê de orientar esse comportamento,
Pacioli argumentava:
[…] é sempre uma boa coisa fechar os balanços uma vez por ano,
particularmente para aqueles que negociam por parceiros e tercei-
ros. É como o provérbio diz: “ragio spessa, amista longa” [isto é, “uma
contabilidade frequente favorece amizades sólidas e duradouras”].
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Jacob Fugger foi o primeiro investidor estrangeiro no Brasil. Soube do descobrimento
das terras brasileiras por meio de seu representante comercial em Portugal, Fernão de
Noronha, e, ainda em 1503, investiu dinheiro para a exploração do novo território.
Escola contista
A escola contista foi o primeiro movimento que atraiu os contadores em torno
de uma linha de pensamento comum. Segundo Andrade (2009, p. 24), que es-
tudou Hermann Júnior (1996, p. 35), é uma escola que “tal qual se depreende
pelo seu nome, teve como ideia central a fundamentação no mecanismo das
contas, subordinando-as aos modelos de escrituração”.
Schimidt (2008, p. 18) explica que, conforme essa escola, “a contabilidade
deveria se preocupar especialmente com o processo de escrituração e com as
técnicas de registro através do sistema de contas”.
Escola personalista
A escola personalista surgiu na segunda metade do século XIX. Conforme
Andrade (2009, p. 25), as contas deveriam ser abertas para as pessoas em sua
materialização física ou jurídica, “entendendo-se que o dever e o haver repre-
sentariam débitos e créditos para essas mesmas pessoas”. Participaram desse
movimento Francesco Marchi, Guseppe Cerboni e Giovanni Rossi.
As contas contábeis apresentam uma personalidade. De acordo com Fran-
cesco Marchi, há a figura de um gestor entre o ativo e o passivo de um em-
preendimento. Assim,
Andrade (2009, p. 24) afirma que a teoria personalista foi refutada por
Fábio Besta (nome importante na escola descrita a seguir), que
Escola aziendalista
Gino Zappa observou que há uma interdependência entre organização, ad-
ministração e contabilidade. Assim, como aponta Andrade (2009, p. 26),
Zappa formou uma ciência econômica aziendal que “significa, num olhar,
uma abordagem científica da administração econômica das aziendas”.
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“Azienda” é uma palavra italiana que significa “empresa” no português, mas com
atenção ao patrimônio. Entende-se como “patrimônio” o conjunto de bens, direitos
e obrigações, ou seja, em outras palavras, propriedades, direitos a receber e dívidas.
Aziendas são então estruturas que podem ser administradas, gerenciadas de acordo
com as decisões de um gestor.
Em analogia à área militar, “azienda” seria um exército ou um batalhão equipado, com
limitações e habilidades, tendo poder de empreender ações. Esse exército ou batalhão
pode ser direcionado de acordo com as ordens de um general.
Escola patrimonialista
Os fundamentos da escola patrimonialista foram lançados por Vincenzo Masi
em 1923. De acordo com Andrade (2009, p. 26), a escola patrimonialista ”co-
loca o patrimônio como o objeto de estudo da Contabilidade, observado como
um conjunto de riquezas que, em constante circulação nas aziendas, é admi-
nistrado para o seu crescimento econômico”.
Assim, a contabilidade estuda o patrimônio não apenas sob uma abor-
dagem para dar-lhe valor, mas também como o patrimônio é administrado,
de forma a produzir ações e resultados. Nesse sentido, Andrade (2009, p. 26)
aponta que essa condição patrimonial pode ser estudada sob os seguintes as-
pectos:
Escola americana
Na escola americana, há um foco de preocupação na questão da informação
econômica e financeira (ANDRADE, 2009, p. 27). Devido à riqueza da eco-
nomia norte-americana, do incentivo ao mercado de capitais e da cultura nor-
te-americana, houve grande preocupação com o controle e a regulamentação
das operações financeiras das entidades.
As outras escolas citadas neste texto fomentam uma identificação com
pesquisadores que difundiram os movimentos que traziam uma linha de pen-
samento comum. Já nos Estados Unidos, fortes instituições cumpriram esse
papel como associações de profissionais, como a American Association of
Public Accountants, e grandes agências governamentais, como a Securities
and Exchange Commision.
NORMAS INTERNACIONAIS DE
CONTABILIDADE
Ao longo do tempo, cada país formou normas contábeis de âmbito jurisdi-
cional, limitadas àquele país. Com a evolução dos mercados e a globalização,
já na década de 1950 sentiu-se a necessidade da formação de normas inter-
nacionais.
Na década de 1970, a International Federation of Accountants realizou um
esforço para formar as primeiras normas internacionais de contabilidade, que
seriam as International Accouting Standards (IAS). No entanto, os Estados
Unidos mantinham forte influência nos mercados, o que, na prática, fazia das
Normas Contábeis Norte-americanas as normas de uso internacional, porém,
indevidamente, pois essas normas estavam preocupadas com a realidade dos
Estados Unidos, não com a de outras jurisdições.
Após a criação das IAS, definiu-se a criação de um órgão específico para
a geração de normas internacionais, a International Accounting Standards
Board (IASB), sediada em Londres. A IASB entrou em acordo com a Finan-
cial Accounting Standards Board (o departamento norte-americano respon-
sável pelas normas contábeis), sendo possível, então, a adoção das Normas
Internacionais também nos Estados Unidos.
Após a crise financeira internacional de 2008, o G20 (grupo que reúne os
20 países com as maiores economias do planeta) exigiu que as Normas Inter-
nacionais fossem adotadas como uma das formas para evitar crises, como a
de 2008 e anteriores.
As Normas Internacionais ainda não são consideradas uma “escola” na
literatura, mas alteraram doutrinas contábeis e trouxeram mudanças, como a
adoção de conceitos como o fair value (“valor justo”) e a “essência sobre a
forma”. O grande objetivo das Normas Internacionais é proporcionar hones-
tidade aos mercados.
A CONTABILIDADE E AS NORMAS
INTERNACIONAIS NO BRASIL
Os contadores brasileiros sempre tiveram grande admiração pelas escolas
europeias, sobretudo as italianas, como a escola patrimonialista. Entre as dé-
cadas de 1960 e 1970, o Brasil se alinhou à escola norte-americana por meio
da publicação da Lei das Sociedades Anônimas, nº 6.404/76, cujo objetivo
era o desenvolvimento do mercado de capitais. Essa influência da escola nor-
te-americana foi muito incentivada por grandes nomes da contabilidade, que
denominaram esse alinhamento de revolução contábil.
Posteriormente, o Brasil se alinhou às Normas Internacionais de Contabi-
lidade da IASB, sendo um dos primeiros países a adotar as Normas Interna-
cionais para o setor privado, entre os anos de 2008 e 2011.
Conforme Andrade (2009, p. 27), houve o desenvolvimento de uma escola
brasileira de contabilidade, ou a introdução de uma escola contábil brasileira
pelo contador e pesquisador Antônio Lopes de Sá, que formou as bases da
escola neopatrimonialista. Lopes de Sá utilizou-se dos conhecimentos de
Vincenzo Masi com a escola patrimonialista, mas introduziu conceitos que
complementam o estudo do fenômeno patrimonial.
Referência
HASTINGS, D. F. Contabilidade em contexto: uma novela contábil. São Paulo: Saraiva,
2012.