Você está na página 1de 4

AS PRIMEIRAS NOITES

Brian Johnson nasceu segundo filho de William e Laura Johnson em Sacramento, California. Era
uma criança ativa e comunicativa. Sempre gostou de esportes e tinha um certo magnetismo que
fazia as pessoas gostarem e se aproximarem dele. Ainda muito jovem, se encantou pelas lutas de
boxe na TV e implorou aos pais para matricula-lo numa academia de boxe nas redondezas.

Brian tinha facilidade pra lembrar de coisas, inclusive coisas supérfluas. Ele não lembrava apenas
do que aprendia, mas de detalhes, como a frase e os exemplos que o professor usava. Isso o
ajudou tanto na escola, quanto no boxe. Sempre tirava boas notas, apesar de não ser muito
estudioso e nem gostasse muito de ler e estudar, visto que a maioria das provas media apenas a
memorização dos alunos e não sua compreensão. Já do boxe e das atividades físicas ele
gostava. A luta lhe providenciava não só os excitantes momentos no ringue como várias
oportunidades de socializar com seus colegas e conhecer gente nova de outras academias.
Brian, como muitos filhos do meio, tinha uma certa carência social que não era suprida por seus
pais ou por seus irmãos. Perceba, não era que Brian não recebesse carinho e atenção de sua
família, mas ele percebia que todos na família tinham favoritos e que ele não era o favorito de
ninguém. William, seu pai, e Phillip, seu irmão mais velho, favoreciam claramente Alexis, sua irmã
mais nova, que retornava esse favorecimento. Laura, sua mãe, favoritava Phillip, o filho mais
velho e mais capaz intelectualmente. E, apesar de crescer numa família tradicional e funcional,
Brian sentia-se meio só e a maneira que ele encontrou de lidar com isso foi sendo socialmente
mais ativo e fazendo vários amigos e colegas.

A PRIMEIRA MUDANÇA

Quando entrou no ensino-médio, sua vida começou a mudar, estranhamente. Seus amigos mais
antigos começaram e diminuir contato, mas tudo bem, pois estava conhecendo gente nova na
escola nova. Estas mesmas pessoas, porém, que apareciam gostar tanto de sua companhia,
começaram a evita-lo. Os colegas de treino evitavam treinar com ele sempre que possível e até
mesmo seu treinador, Steve Freeman, começou a apresentar reações estranhas ao garoto.
Quando Brian tentou encarar estas pessoas e perguntar o que estava acontecendo, sempre ouvia
respostas como “não tá acontecendo nada, cara, é coisa da tua cabeça”, “Deve ser impressão
sua” ou “Apanhou na cabeça? hahaha”. Após algum tempo, porém, conseguiu espiar conversas
em que eles diziam que Brian gerava neles desconforto, insegurança e até mesmo medo. Depois
disso, o garoto, que já começara se fechar e ficar mais introvertido, ficou ainda mais isolado.

Quando as fúrias repentinas vieram, a família associou isso ao desaparecimento súbito dos
amigos do filho em sua vida somado com os hormônios da puberdade. Steve, seu técnico,
aproveitou dela para que Brian lutasse em cada vez mais competições, na esperança de que, não
só o garoto obtivesse sucesso, como ele também tivesse um cano de escape para suas
emoções. Deu certo. O garoto acabou ganhando um campeonato amador no seu primeiro ano do
ensino médio e conseguiu fazer algumas novas amizades no processo. Uma dessas amizades,
Anne White, se tornou sua primeira namoradinha, para quem ele gostava de contar as histórias
das lutas que ele tinha visto e participado, visto que a garota não gostava de ver as lutas, por
achar muito violentas.

A vida de Brian continuou nesses ritmo de treinos frenéticos, escapadas com a namorada e
circulo social mudando frequentemente até o fim do seu ensino médio. No fim do ano, após
ganhar uma luta importante, na presença de olheiros de universidades do estado, Brian saiu em
busca de Anne para comemorar e contar-lhe as novidades. Encontrou-a beijando um outro
garoto da escola, um dos antigos amigos de Brian.

Parece que algo o possuiu. Ao mesmo tempo, parecia que algo dentro dele, que estava preso, se
libertou. Perdeu o controle de si e viu, em vermelho, seu corpo se contorcer e transformar-se num
monstro que destroçou os dois adolescentes, uivou e fugiu.

NOVA VIDA?

Acordou num parque local, jogado na grama, com as roupas rasgadas e coberto de sangue.
Gostaria de poder dizer que não lembrava do que havia acontecido na noite anterior, mas sua
mente havia guardado cada detalhe. O cheiro do medo, os sons de angústia e dor, a sensação de
arrancar a cabeça do garoto e de morder e rasgar a garganta de sua agora ex-namorada. O
gosto do sangue, o ímpeto violento e a sensação animalesca de vitória por fazer aquilo.

Ao levantar, Brian percebeu que estava na companhia de dois homens. Eles se aproximaram e se
apresentaram. Olhos-de-falcão e Quebra-ursos. Eles lhe explicaram o que ele era. Que não era
homem, nem lobo, mas um Garou. Falaram sobre a Fúria e a Primeira Mudança. Que o que ele
tinha feito não era nada de anormal e absurdo. Quebra-ursos chegou a comentar que a
vagabunda e o moleque não receberam nada mais do que mereciam, cachorros sem honra que
eram. Falaram sobre as tribos. Sobre a guerra que eles enfrentavam. Sobre Wyld, Weaver e
Wyrm. Durante a conversa, Brian tentou se levantar e ir embora, achando que eles eram
bebados, mas sempre que isso acontecia, recebia um cascudo e uma ordem de ficar sentado,
escutar e aprender. Quando os homens mostraram as formas dos Garou, Brian começou a levar
o assunto mais a sério. Descobriu que era um Galliard, que havia nascido na Lua Crescente e que
poderia ter um lugar com as Crias de Fenris, se fosse digno. Conversaram até o amanhecer. Os
homens partiram, com a ordem de que Brian fosse a um certo endereço em San Francisco daqui
a um mês. Brian lavou o excesso de sangue num lago local e voltou para casa. Entrou de fininho
para não acordar seus pais, banhou-se e escondeu as roupas sujas, que foram queimadas nos
dias seguintes.

Os dias seguintes pareciam algo de filme. Os jornais reportaram a morte do casal como um
ataque de animais selvagens. Brian recebeu uma bolsa da University of San Francisco para lutar
boxe e estudar. Seus pais ficaram bastante felizes e, em menos de um mês, Brian estava
morando num kitnet em Mill Valley, a 23km de San Francisco. Teve uma pequena despedida com
os familiares e alguns colegas de academia. Coach Steve estava bastante animado, pois Brian
iria para a mesmo universidade que ele frequentou. Brian se perguntou se parte da felicidade de
Steve não era por se livrar do garoto também.

Chegada a data citada por Quebra-ursos e Olhos-de-falcão, Brian dirigiu-se ao endereço.


Chegou num casa de classe média, aparentemente, perto do Golden Gate Park. Tocou a
campainha e foi recebido por um homem de seus cinquenta anos. Uivo-gélido, como ele se
apresentou, disse que, como um Galliard mais antigo, seria um dos responsáveis por ensina-lo e
testa-lo nos próximos meses.

Uivo-gélido ensinou-lhe as histórias da tribo. A litania. Cantou canções sobre guerreiros


passados, tragédias. Ensinou-lhe a uivar. Ao usar dos uivos para excitar, desanimar, amedrontar.
Mostrou que os hábitos de Brian de zombar de seus inimigos no ringue e de usar de perfomance
na luta para deixa-los com raiva podia ser feito da mesma forma na vida Garou. Cada
ensinamento era seguido de testes. Não provas, como numa escola, mas testes práticos, onde
Brian precisaria usar o que aprendeu naquela lição e nas anteriores. Teve de passar um final de
semana sobrevivendo apenas do que conseguisse caçar como lobo e depois contar a história de
sua caçada para Uivo-gélido.


Testou a memória de Brian em guardar detalhes durante caçadas pelas terras selvagens. Pediu
que Brian recontasse, a sua maneira, as várias histórias e sagas que ouvira, não só de Uivo-
gélido, mas também de Dança-da-Montanha, uma membro da matilha de Uivo-gélido que
contava histórias apenas através de músicas e danças. Mesmo durante as aulas, os
ensinamentos continuaram. Brian descobriu, inclusive, que Uivo-gélido tinha o nome humano de
Taylor Smith e que era professor de história da Escandinávia na University of San Francisco.

Após longos seis meses, Uivo-gélido disse que Brian estava pronto para seu último teste. Ele,
junto com outros três, iria caçar e eliminar uma criatura da Wyrm que havia aparecido
recentemente. Eles deveriam funcionar como uma matilha e o teste começaria na semana
seguinte. Depois de uma semana de iniciada a caçada, alguns Crias iriam se reunir para ouvir sua
história e decidir se ele era digno ou não, o que daria a Brian uma semana para terminar a
caçada.

O TESTE
Brian foi em direção a clareira onde deveria contar sua história para os Crias, como Uivo-gélido
havia indicado. Era um lugar comum a eles dois, no meio de Muir Woods, onde ele aprendera os
uivos. Havia cumprido a missão dada, mas não havia sido fácil. Não fosse a defesa e capacidade
de recuperação, Brian sabia que teria morrido. Seu corpo agora tinha várias novas cicatrizes,
linhas brancas de variados tamanhos: uma em seu torço, algumas nos braços e pernas.

Quando chegou, viu quatro homens e uma mulher em volta de uma fogueira. Conversavam em
voz alta e bebiam. Reconheceu a figura ereta de Uivo-gélido, que parecia ter vindo direto da
faculdade. À sua direita, Quebra-ursos, um homem largo e baixo como um barril. À sua esquerda,
a figura estranha de Olhos-de-falcão, alto, esguio, com olhos serrados e a franzindo a fronte.
Fechando o circulo, estavam o homem e a mulher que Brian desconhecia. A mulher, alto e negra,
parecia um armário e estava à direita de Quebra-ursos. O homem que sentava à esquerda de
Olhos-de-falcão era jovem, alguns anos mais velho que Brian, apenas. O que chamava a atenção
eram as múltiplas tatuagens em seu corpo e o corte moicano de cabelo, pintado de verde. Brian
se aproximou e pigarreou para chamar a atenção dos presentes.

E foi completamente ignorado.

Eles continuaram falando, rindo e bebendo. Sequer olharam para Brian. Pigarreou novamente e
foi novamente ignorado. Tentou sentar, mas não havia lugar para ele e ninguém parecia disposto
a se afastar para dar espaço a alguém que eles sequer estavam dispostos a reconhecer como
presente. E foi aí que Brian percebeu. Eles não o reconheciam, porque ali estavam apenas os
Crias de Fenris e ele não era visto como um. O seu teste já havia começado antes mesmo dele
chegar. Teria de provar a eles que sua história seria digna de ser ouvida antes de qualquer coisa.
Teria de provar que ele merecia a sua atenção. Deu alguns passos para trás e começou a pensar
no que poderia fazer e em como contaria sua história. Passou alguns minutos indo e voltando em
sua cabeça sobre o que fazer quando lembrou-se de algo que ouvira numa canção. Sobre deixar
os instintos e as emoções guiarem as lendas, canções, histórias. Decidiu o que fazer e, sem
pensar muito para que não mudasse de idéia, o pôs em prática. Caminhou de volta ao grupo,
tomou os copos de madeira das mãos de Quebra-ursos e da mulher desconhecida, um em cada
mão e os arremessou numa árvore próxima. Ambos se exaltaram. Levantaram e gritaram ofensas.

“O que merda foi isto, garoto? Quer apanhar?”

“Isto, meu irmão” disse Brian fitando a ambos nos olhos “foi um brinde a Gaia”


“Um brinde a gaia? E porque caralhos deveríamos brindar a gaia hoje?” resmungou o homen
desconhecido de seu lugar na fogueira.

“Porque, meu irmão,” disse Brian se aproximando “Houve uma vitória. Porque mais um inimigo
da Wyrm caiu. Porque o exército de Gaia cresceu. Porque toda vitória, não importa quão
pequena, deve ser celebrada” Disse isso virando para cada um dos presentes à cada porquê.
Antes que eles pudessem falar, continuou.

“A matilha estava cansada. Longos dias de busca de informação, longos dias rastreando a presa.
Longos dias vagando pela selva de concreto, vidro e teias. Eram quatro. O Primeiro, o alfa?”
andou até Quebra-ursos e levantou-o pela camisa “Uma garota, menor do que você. Mas, como
você, a sua fúria era maior que a sua estatura. Quem melhor para liderar uma caçada como
aquela como um Modi?”

“O Segundo, um Forseti. Um nerd. óculos, camiseta de botão, engomadinho.” eles esboçaram


um sorriso com a descrição. “Enganaria qualquer um. Quem esperaria uma vontade de ferro
como aquela? Quando o Quarto, um atleta Modi, quis exercer autoridade que não tinha, o
segundo estava lá para encara-lo até que ele desistisse.

“O Terceiro, o Skald, para que o que ocorresse não passasse em branco. Para que o coração da
matilha não falhasse na hora de necessidade”


“E quem porra….” tentou interromper Olhos-de-falcão

“Todos sem tribo!” cortou Brian. “mas todos guerreiros de Gaia ainda assim. Se não em título, em
espírito. E nós, mais que qualquer um, sabemos a importância disto”

“Quatro Garou, em Lupus, se aproximavam daquela residência abandonada. O cheiro pútrido da


Wyrm assaltando as suas narinas. Mas eles continuavam. Sabiam que a presa estava lá. Foram
dias e noites de busca para chegarem alí. Você podai sentir a excitação no ar, Vento-gélido!”
Gritou virando para este. “A tensão que precede a violência estava no ar como um miasma.”
levou as mãos ao chão e espalhou a areia no ar. “E quando entraram, lá estava. Uma criatura que
outrora foi um homem. Tinha ainda o corpo de homem, fora os braços. Em seu lugar haviam
tentáculos, afiados como as garras de um guerreiro” falou levantando a mão de Quebra-ursos,
que ele sabia ser um Modi “E estes tentáculos chicotearam quando os quatro avançaram em
cima dele, na forma de Guerra. Os pelos negros do Primeiro e os vermelhos do Segundo
disfarçavam os ferimentos recebidos, mas o cheiro de sangue era perceptível” cortou a mão com
uma faca e deixou as gotas caírem na fogueira. “O ataque não havia sido em vão, porém, pois o
Terceiro e o Quarto haviam tido sucesso. Dois tentáculos foram partidos e caíram ao chão. MAS”
gritou subitamente “de onde deveriam haver feridas, dois novos tentáculos surgiram. E o Quarto
viu o medo e a dúvida nos olhos de seus companheiros. Eles, diferente dele, não eram Fenris.” e
eles concordaram com a cabeça, riram e desdenharam. “‘Que têm a temer, seus vira-latas?’
gritou ele ‘Estão com medo destas cordinhas?’ e deixou que a criatura o chicoteasse para que
eles percebessem.” Aqui, Brian abriu a camisa, para que eles pudessem ver as cicatrizes que
permaneceram das chicotadas mais severas que recebeu. “eles viram aquilo e ficaram
impressionados. E com um uivo primal, ele avançou, só. Vendo a coragem do Quarto, seus
companheiros se encorajaram também. As garras da matilha rasgaram a carne daquele
abominação” aqui, Brian rasgou sua camisa “e suas mandíbulas quebraram os seus ossos”
pegou o copo de Olhos-de-falcão e o partiu com as mãos. “O combate continuou. A criatura não
iria cair fácil. Chicoteou os guerreiros e os chicoteou mais ainda. Mas eles desistiram? Vocês
acham que eles desistiram? Que o Skald de Fenris havia falhado?” aqui todos negaram de
alguma forma. Olhos-de-falcão cuspiu ao chão, Quebra-ursos xingou Brian por cogitar isto, a
mulher rosnou e Uivo-gélido simplesmente moveu a cabeça. “Durante o combate, ele gritava e
urrava. Não de dor, mas de emoção. Os outros tinham que ver como é que se fazia. A coisa
deveria ter medo e, por Fenris, ela tremia com cada grito. E a cada grito, mais coragem havia no
peito de seus companheiros. E quando a criatura finalmente caiu, o seu uivo foi arrepiante. Todos
sentiram a força e calor de sua paixão naquele uivo. E agora, meus companheiros” virou-se para
eles “Vocês me dizem se este Skald é digno ou não de ser chamado de Cria de Fenris”.

Houve silêncio naquela clareira. Lentamente, Uivo-gélido olhou para cada um presente.
Levantou-se e se aproximou de Brian.

“Você está pronto, Coração-de-fogo, para seu Rito de Passagem?”

Brian sorriu… Não. Não era mais Brian. Coração-de-fogo sorriu, simplesmente concordou com a
cabeça e se preparou. Sabia o que estava por vir.

Uivo-gélido simplesmente sorriu antes de virar Glabro junto com os outros e partir pra cima dele.

GAROU

Coração-de-fogo lembrava destas coisas enquanto se arrumava para a aula na faculdade.


Lembrou de como apanhou dos Crias mais antigos. De Uivo-gélido, Quebra-ursos, Olhos-de-
falcão, Garra-negra e Vê-além. De como após todos terem lutado com ele e o sangue deles ser
derramado, Uivo-gélido realizou o ritual que fizera dele um verdadeiro Cria de Fenris. De como
Quebra-ursos e Olhos-de-falcão lhe ensinaram seu primeiro Dom e dos dois seguintes que
aprendeu com Garra-negra e Vê-além, respectivamente. Descobriu depois que eles eram Crias
de matilhas de outras cidades próximas, como Quebra-ursos e Olhos-de-falcão.

Lembrou, por fim, que ainda não tinha uma matilha, mas sabia que Gaia tinha planos para ele.
Agora, sabendo quem ele realmente era, era só uma questão de tempo

Você também pode gostar