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Alvaro Bianchi
“
Buscar a real identidade na aparente diferença e
contradição, e procurar a substancial diversida-
de sob a aparente identidade é a mais delicada,
incompreendida e, contudo, essencial virtude do
crítico das idéias e do historiador do desenvolvi-
mento histórico.
” (Q 24, § 3, p. 2268.)
S umário
Prefácio 09
Advertência 11
Introdução 13
Eterno/Provisório 21
Espaços 35
Tempos 47
Materialismo/Idealismo 55
Anti-Bukharin 66
Anti-Croce 95
Estrutura/Superestrutura 121
Política 143
Relações 158
Revolução/Restauração 253
Gioberti 276
Fascismo 286
Conclusão 297
9
10 alvaro bianchi
Dora Kanoussi
Pesquisadora do Instituto de Ciencias Sociales y Humani-
dades da Benemérita Universidad Autônoma de Puebla (México) e
membro do comitê coordenador da International Gramsci Society
Advertência
11
sf Gramsci, Antonio. Socialismo e fascismo: L’Ordine Nuovo (1921-
1922). Turim: Einaudi, 1966.
Introdução
13
14 alvaro bianchi
1
Sobre a internacionalização dos estudos gramscianos, ver a coletânea organizada por Santucci
(1995). Para a difusão de Gramsci na América Latina, ver o estudo pioneiro de Aricó (2005).
Na Argentina foi recentemente publicado o minucioso trabalho de Raúl Burgos (2004) sobre a
trajetória do grupo Pasado y Presente, dirigido por José Aricó. A difusão de Gramsci no Brasil foi
objeto de controvérsia envolvendo Coutinho (1999, p. 279-313) e Dias (1996b). Dois autores
procuraram tratar a questão de modo mais abrangente: Simionatto (2004) e Secco (2002 e 2006,
caps. VI e VII).
16 alvaro bianchi
* * *
1º) uma pesquisa sobre a formação do espírito público na Itália no século passa-
do; em outras palavras, uma pesquisa sobre os intelectuais italianos, suas origens,
21
22 alvaro bianchi
2
O ensaio, escrito em 1926, foi publicado apenas em 1930 na revista Lo Stato operaio, mantida
pelo pcd’i em Paris (cpc, p. 137-158).
eterno/provisório 23
Notas e apontamentos.
Argumentos principais:
1) Teoria da história e da historiografia.
2) Desenvolvimento da burguesia italiana até 1870.
3) Formação dos grupos intelectuais italianos: desenvolvimento, atitudes.
4) A literatura popular dos romances de folhetim e as razões de sua permanência e
influência.
5) Cavalcante Cavalcanti: a sua posição na estrutura e na arte da Divina Comédia.
6) Origens e desenvolvimento da Ação Católica na Itália e na Europa.
7) O conceito de folclore.
8) Experiências da vida no cárcere.
9) A ‘questão meridional’ e a questão das ilhas.
10) Observações sobre a população italiana: sua composição, função da emigração.
11) Americanismo e fordismo.
12) A questão da língua na Itália: Manzoni e G. I. Ascoli.
13) O ‘senso comum’ (cf. 7).
24 alvaro bianchi
3
De modo inapropriado, esta carta é datada de 24 de fevereiro de 1929 na nova edição brasileira
dos Cadernos do cárcere (cc, v. 1, p. 78). Na edição das Cartas do cárcere organizada pela mesma
equipe, a data é registrada de modo correto (Gramsci, 2005, v. 1, p. 328).
eterno/provisório 25
Notas esparsas e apontamentos para uma história dos intelectuais italianos (...)
Ensaios principais: Introdução geral. Desenvolvimento dos intelectuais italianos até
1870: diversos períodos. – A literatura popular dos romances de folhetim. – Fol-
clore e senso comum. – A questão da língua literária e dos dialetos. – Os sobrinhos
do Padre Bresciani. – Reforma e Renascimento. – Maquiavel. – A escola e a educa-
ção nacional. – A posição de B. Croce na cultura italiana até a guerra mundial. – O
Risorgimento e o partido de ação. – Ugo Foscolo na formação da retórica nacional.
26 alvaro bianchi
Esta nota era antecedida por um conjunto de ressalvas que Gramsci fa-
zia a seu próprio trabalho e que permitem definir de modo mais preciso o sentido
atribuído a elas pelo seu autor. O objetivo dessas notas não era uma “compilação
enciclopédica” sobre os intelectuais. Os “Saggi principale” eram de caráter provisório
e a partir deles seria possível construir alguns ensaios independentes, mas não um
trabalho orgânico e sistemático. Entretanto, é importante destacar que essa nota não
circunscrevia o âmbito do conjunto da pesquisa gramsciana, o que é indicado pela
inscrição Apêndices, no plural, seguida apenas de uma única indicação – Americanis-
mo e fordismo –, denotando a intenção de agregar outros itens. O resto da página
encontra se em branco, mas é possível que Gramsci pretendesse enumerar ali outros
temas que não encontrassem lugar nesse conjunto de ensaios sobre os intelectuais.
Pelo estágio em que se encontravam os cadernos já redigidos, é possível
perceber que nem todo o material escrito encontraria seu lugar nesse conjunto de
ensaios sobre os intelectuais. Além do tema Americanismo e fordismo, já previsto
na carta a Tatiana e cuja inclusão como apêndice revela seu caráter autônomo,
poderíamos incluir nessa categoria aquelas notas registradas sob o título Appunti di
filosofia, presentes nos cadernos 4, 7 e 8. Por outro lado, mesmo temas indicados
nesses Saggi principale receberiam, posteriormente, um desenvolvimento muito
diferente, como o estudo sobre Benedetto Croce presente no Quaderno 10, que
não se limitou a seu papel no pós-guerra (cf. Gerratana, 1997, p. 16).4
4
De acordo com a datação de Francioni, os Apuntti do Quaderno 4 já se encontravam totalmente
redigidos quando da nota no Quaderno 8, enquanto o início dos Apuntti do Quaderno 7 coincide
com a redação da nota e lhe sucede. Evidentemente os Apuntti do Quaderno 8 são posteriores à
nota escrita na primeira página (Francioni, 1984, p. 141-142).
eterno/provisório 27
um dos argumentos que mais me interessaram nestes últimos anos foi fixar al-
guns aspectos característicos na história dos intelectuais italianos. Este interesse
nasceu, por uma parte, do desejo de aprofundar o conceito de Estado e, por outra
parte, de compreender alguns aspectos do desenvolvimento histórico do povo italiano.
(lc, p. 459-460. Grifos meus)
Reagrupamentos de matéria:
1º Intelectuais. Questões escolares.
2º Maquiavel.
3º Noções enciclopédicas e temas de cultura.
4º Introdução ao estudo da filosofia e notas críticas a um Ensaio popular de sociologia.
5º História da Ação Católica. Católicos integristas – jesuítas – modernistas.
6º Miscelânea de notas variadas de erudição (Passado e presente).
7º Risorgimento italiano (no sentido da Età del Risorgimento italiano de Omodeo,
mas insistindo sobre os motivos mais estritamente italianos.
8º Os sobrinhos do Padre Bresciani. A literatura popular (Notas de literatura).
eterno/provisório 29
9º Lorianismo.
10º Apontamentos sobre jornalismo. (Q, p. 936)
5
Para as questões de método da edição crítica, ver Gerratana (1997).
30 alvaro bianchi
Como é possível verificar, os cadernos 11, 12, 13, 16, 18, 19, 20, 21,
23, 24, 26 e 28 coincidem com os temas dos “Raggruppamenti”. Por sua vez,
o conteúdo do caderno 10 – A filosofia de Benedetto Croce – consta apenas par-
cialmente do plano dos Saggi principale mas não dos Raggruppamenti; o tema
do Quaderno 22 – Americanismo e fordismo – coincide com o plano do Primo
Quaderno e o apêndice dos “Saggi principale”; não há menção nos planos ante-
riores ao conteúdo do Quaderno 25 – À margem da história (história dos grupos
sociais subalternos) –; as Observações sobre o folclore do Quaderno 27 estavam
previstas nos planos do Primo Quaderno e dos Saggi principale; e as Notas para
uma introdução ao estudo da gramática do Quaderno 29 constavam da carta de
19 de março de 1927 e do plano do Primo Quaderno.
A redação dos cadernos especiais foi bastante acidentada, seja pelas
condições da vida carcerária, seja pela debilitada saúde de seu autor. Os cadernos
especiais de número 16 em diante, particularmente, escritos a partir de meados
de 1933, foram bastante afetados por essas condições. Gramsci, entretanto,
manteve essa atividade intelectual até meados de 1935, quando a deterioração
de seu estado físico o impediu de continuar. Logo depois foi transferido para
uma clínica de saúde em liberdade condicional, onde não teve mais condições
deexercer seu labor nos Quaderni. No início de abril de 1937 foi posto em
liberdade, mas morreu poucos dias depois, em 27 de abril.
eterno/provisório 31
6
De fato, o § 1 do Quaderno 12 não tem título, mas está dedicado à questão dos intelectuais, assim
como o § 3. O § 2, por sua vez, intitula-se Osservazioni sulla scuola: per la ricerca del principio
educativo. O Quaderno 12 é composto apenas por esses três parágrafos citados e reúne textos de
segunda redação presentes anteriormente no Quaderno 4.
32 alvaro bianchi
Não sei se vou lhe mandar algum dia o esquema que havia prometido sobre os
‘intelectuais italianos’. O ponto de vista do qual observo a questão às vezes muda:
talvez seja ainda cedo para resumir e sintetizar. Trata-se de uma matéria ainda em
estado fluido, que deverá ser posteriormente mais elaborada. (LC, p. 615.)
Não tem sido suficientemente destacado que esta carta coincide com
o início da redação do Quaderno 12. As dúvidas sobre o programa de investiga-
ção e o modo de exposição do resultado de sua pesquisa atingiam, portanto, a
7
Gramsci percebeu claramente essa interlocução com o amigo por intermédio de sua cunhada e foi
com ele que dialogou de modo implícito em vários momentos. Na carta de 7 de setembro de 1931,
por exemplo, escreveu a sua cunhada: “Percebe-se que você falou com Piero [Sraffa], porque certas
coisas só ele pode ter lhe dito”. E na mesma carta envia mensagem claramente destinada ao amigo,
mas construída de modo cuidadoso, de modo a evitar a censura: “Li, num artigo do senador Ei-
naudi, que Piero está preparando uma edição crítica do economista inglês David Ricardo; Einaudi
elogia muito a iniciativa e eu também fico muito contente.” (lc, p. 480-481.) Para a reconstrução
dessa interlocução, ver Sraffa (1991).
eterno/provisório 33
Recordar em geral que todas estas notas são provisórias e escritas ao correr da pluma:
elas devem ser revistas e controladas minuciosamente porque certamente contêm
inexatidões, anacronismos, falsas aproximações, etc., que não implicam danos, por-
que as notas têm apenas a missão de rápido pró-memória. (Q 4, § 16, p. 438)
As notas contidas neste caderno, como nos demais, foram escritas ao correr da
pluma, para um rápido pró-memória. Elas devem ser completamente revistas
e controladas minuciosamente porque contêm certamente inexatidões, falsas
aproximações, anacronismos. Escritas sem ter presente os livros a que se referem,
é possível que após o controle devam ser radicalmente corrigidas porque exata-
mente o contrário do que se afirma resulta ser o verdadeiro. (Q 11, p. 1365)
Agora o autor reconhece não apenas que poderia haver erros como
também que as notas poderiam ser “radicalmente corrigidas”. A presença dessa
“Avvertenza” no início do Quaderno 11, o mais acabado de todos, é significati-
va. Mas significativa para quem? Para o autor das notas, a advertência deveria
ser óbvia e, portanto, dispensável. Se os Quaderni del carcere fossem apenas o
registro de uma investigação em andamento, um “caderno de campo” no qual
o pesquisador registrava suas reflexões e o resultado de sua atividade científica,
se essas notas se destinavam apenas à leitura de seu próprio autor, então, que
sentido teria essa advertência?
Gramsci parece, com esses sinais de alerta, antever o destino que seus Qua-
derni teriam. É sabido que sempre ofereceu resistência à publicação de trabalhos
que não considerava prontos. Na já citada carta a Tatiana de 7 de setembro de 1931
ilustrava essa sua atitude: “Em dez anos de jornalismo escrevi linhas suficientes para
constituir 15 ou 20 volumes de 400 p[áginas]., mas essas eram escritas no dia-a-dia
e deviam, a meu ver, morrer no fim do dia. Sempre recusei fazer coletâneas, mesmo
limitadas”. (lc, p. 480). Foi por essa razão que evitou, em 1918, autorizar a publi-
cação de uma seleção de artigos seus e que, em 1921, preferiu recolher o manuscrito
que já se encontrava em vias de publicação na editora de Giuseppe Prezzolini, pa-
gando os custos de uma parte já feita da composição (idem).
eterno/provisório 35
Entre as obras do pensador dado, além disso, é preciso distinguir aquelas que
ele concluiu e publicou daquelas que permaneceram inéditas, porque não con-
cluídas, e foram publicadas por amigos e discípulos, com revisões, modificações,
cortes, ou seja, com uma intervenção ativa do editor. É evidente que o conteúdo
desta obra póstuma deve ser tomado com muito discernimento e cautela, porque
não pode ser considerado definitivo, mas apenas material ainda em elaboração,
ainda provisório; não se pode excluir que essas obras, especialmente se há muito
em elaboração sem que o autor não se decidisse nunca a completá-las (no todo
ou em parte), fossem repudiadas pelo autor ou consideradas insatisfatórias. (Q
16, § 2, p. 1842)
mento das castas dirigentes para manter seu domínio sobre as classes populares,
a rebelião de alguns grandes pensadores perante essa função e os acontecimen-
tos relativos da história e do pensamento italiano. A atenção maior é dedicada
aos anos 1800 e aos nossos tempos e um caderno inteiro trata da filosofia de
B[enedetto]. Croce, o papa laico (...) cuja ditadura sobre a intelectualidade do
último século encobre e assegura a ditadura da casta burguesa reacionária na
ordem econômica e política. (Togliatti, 2001, p. 94-95)
cepção marxista nas três primeiras décadas deste século, devido à atividade
teórica e prática de Lênin e Stalin.” (Gramsci, 1949, p. XVI.)
A afirmação repete o grosseiro retrato construído por Palmiro Togliatti
no artigo “Antonio Gramsci capo della classe operaia italiana” publicado, pela
primeira vez em 1937, no qual Gramsci aparece (e perece) portando “a ban-
deira invencível de Marx-Engels-Lênin-Stalin” (Togliatti, 2001, p. 89). Para o
secretário-geral do PCI, Gramsci não apenas seria um portador desse estandarte
como um discípulo teórico de Stalin: “Gramsci desenvolveu, de 1924 a 1926,
uma atividade excepcional. (...) São deste período os escritos de Gramsci dedi-
cados principalmente a elucidar as questões teóricas da natureza do partido, de
sua estratégia, de sua teoria e de sua organização, nos quais se sente mais forte
a influência profunda exercida sobre ele pela obra de Stalin.” (Idem, p. 82.)
A operação de transformação de Gramsci em um stalinista levada a cabo por
Togliatti foi interpretada como uma tentativa de “salvaguardar o nome de Gra-
msci” perante a Internacional Comunista (p. ex. Liguori, 1996, p. 17), mas se
parece, também, com uma tentativa de salvaguardar a si próprio e ao stalinismo,
apropriando-se do prestígio do prisioneiro de Mussolini.
Os problemas da primeira edição dos Quaderni são acumulativos. Em
primeiro lugar, induzem o leitor a considerar o texto gramsciano como um todo
plenamente acabado e coerente. Não apenas o caráter fragmentário da obra
tornava-se opaco ao leitor, como o agrupamento das notas seguiu o critério
de uma “enciclopédia em compendio de todas as ciências” (Garin, 1996, p.
291), de caráter humanista e até mesmo acadêmico, “uma hierarquia disciplinar
de tipo medieval e idealista: primeiro a filosofia, depois a cultura em geral, a
história, a política e, finalmente, a literatura e a arte” (Monasta, 1985, p. 32)^,
na qual “filósofos, historiadores, políticos, letrados poderiam, assim, encontrar
textos de interesse deles”. (Baratta, 2004, p. 65)
Em segundo lugar, a particular modalidade de investigação do autor
dos Quaderni, “o ritmo do pensamento”, como gostava de dizer, era apagada e
se perdiam as reais determinações dos conceitos por ele elaborados. A própria
ordem de publicação dos escritos tendeu a fazer com que a emergência da crítica
da política na sua produção carcerária perdesse a força original e o autor assim
reconstruído se aproximasse muito da imagem de um crítico da cultura e teó-
38 alvaro bianchi
Que isso não seja ‘fútil’ é demonstrado pelo fato de que ... o maior teórico mo-
derno [Lênin] da filosofia da práxis [do marxismo] ... tenha em oposição às di-
versas tendências ‘econômicas’ revalorizado a frente de luta cultural e construído
a doutrina da hegemonia [da hegemonia do proletariado – isto é das alianças da
classe operária] como forma atual da doutrina quarantottesca [isto é a doutrina
de Marx e não a falsificação feita por Trotsky] da ‘revolução permanente’. (idem,
p. xix-xx. Cf. Q 10/I, § 12, p. 1235)
8
Sobre a primeira edição dos Quaderni, ver Gerratana (1997, p. 57-72). Chiara Daniele (2005)
reuniu a extensa documentação referente à publicação dessa primeira edição por Palmiro Togliatti.
Para o debate que antecedeu e se seguiu a esta edição e, particularmente, seu nexo com o giro polí-
tico do pci após a Segunda Guerra Mundial (a denominada “svolta di Salerno”), ver Liguori (1996,
p. 28-52). Sobre o sentido político da operação de edição dos cadernos 10 e 11, ver a hipótese de
Francioni (1987, p. 45).
eterno/provisório 39
é possível localizar em Gramsci uma cesura nítida entre a suas obras de juven-
tude – entre outras, os artigos do Ordine Nuovo até Il materialismo storico e la
filosofia di Benedetto Croce inclusive – de concepção tipicamente historicista, e as
suas obras de maturidade, de teoria política, os Quaderni di [sic!] carcere – entre
eles Maquiavel, etc. – nos quais elabora o conceito de hegemonia. (Poulantazas,
1977, p. 134)
apresentação de Norberto Bobbio (cf. Texier, 1975). Mas embora bastasse uma
leitura atenta do prefácio dos editores a Il materialismo storico e la filosofia di
Benedetto Croce para não cometer esse grosseiro equívoco, é preciso reconhecer
que a edição temática induzia ao erro.9
Recém-publicados, os textos começaram a percorrer o mundo. Apenas
três anos após a publicação das Lettere dal carcere na Itália, elas foram traduzi-
das para o espanhol e publicadas na Argentina pela editora Lautaro.10 A edição
desse texto foi seguida pela publicação, pela mesma editora, de El materialismo
histórico y la filosofia de Benedetto Croce (1958), Los intelectuales y la organización
de la cultura (1960), Literatura y vida nacional (1961) e Notas sobre Maquiavelo,
sobre la política y sobre el Estado moderno (1962). Ficaram de fora, entretanto, os
volumes Il Risorgimento e Passato e presente, que tiveram que esperar o final dos
anos 1970 para virem à luz pela editora mexicana Juan Pablos (cf. Burgos, 2004,
p. 32 e 42-43 e Aricó, 2005, p. 49-50).
Pode não ser coincidência, ressaltou Jaime Massardo (1999), que a
primeira edição dos Quaderni fora da Itália tenha ocorrido no único país da
América Latina que, segundo Gramsci, não necessitaria atravessar uma fase de
Kulturkampf e de advento de um Estado moderno laico (Q 3, § 5, p. 290). En-
9
Louis Althusser e seus discípulos tiveram em grande medida o mérito de terem projetado a obra
de Gramsci no debate filosófico francês. Mas seus estudos publicados na década de 1960 revelam
um conhecimento apenas superficial, incompatível com a extensão da crítica que pretendiam pro-
mover. Assim, por exemplo, Althusser em meio a sua pretensiosa crítica ao historicismo chega a
interpolar entre colchetes no interior de uma nota de Gramsci dedicada à crítica ao Ensaio popular
uma observação, indicando erroneamente ao leitor que essa obra seria de autoria de Benedetto
Croce, ao invés de Nicolai Bukharin, como saberia qualquer um que tivesse lido com atenção o
texto que o filósofo francês criticava (Althusser, 1980, p. 70). As incompreensões e os desconhe-
cimentos não são exclusividade de Althusser e seus discípulos. Comentando criticamente a leitura
que Althusser fez de Gramsci, Aricó escreveu (em 1987!) que Para leer el Capital, era o “título com
o qual se traduziu para o espanhol seu célebre Pour Marx, redigido em colaboração com alguns de
seus discípulos”. (Aricó, 2005, p. 132.)
10
A editora Lautaro, dirigida por Sara Maglione de Jorge e Gregorio Levin era controlada pelo
Partido Comunista Argentino (pca) e coube a um dirigente desse partido, Héctor Pedro Agosti, a
coordenação da edição de Gramsci na Argentina.
eterno/provisório 41
tretanto, para Aricó, tradutor e apresentador de vários desses livros, tudo pode
ter sido apenas um equívoco, na medida em que a publicação e aceitação de
Gramsci ocorreram devido a um “virtual desconhecimento da especificidade
de sua obra” por parte do Partido Comunista Argentino (pca). Por essa razão,
o sardo teria permanecido marginal na cultura dos comunistas argentinos (cf.
Aricó, 2005, p. 49).
Mesmo assim, na margem, essa cultura vivificou uma importante
corrente político, intelectual-nucleada na revista Pasado y Presente, editada
em Córdoba a partir de abril de 1963, por José Aricó, Oscar del Barco e
outros, expulsos do pca poucos meses depois.11 Foi por meio desse movimento
cultural proveniente da Argentina que o pensamento e a obra de Gramsci
começaram a circular mais intensamente no Brasil. O nome de Gramsci já era,
entretanto, conhecido aqui. Jovens intelectuais vinculados ao Partido Comu-
nista Brasileiro (pcb) passaram a citá-lo e o sardo encontrou maior espaço em
revistas editadas por militantes do partido, como a Revista Brasiliense, dirigida
por Caio Prado Jr. No final dos anos 1950, Elias Chaves Neto utilizava essas
idéias em suas análises da política, além de citar Héctor Agosti (cf. Secco,
2002, p. 24). E no começo dos anos 1960, Antonio Cândido, Carlos Nelson
Coutinho e Leandro Konder fizeram referências ao pensamento filosófico e
à crítica literária de Antonio Gramsci (cf. Coutinho, 1999, p. 283). Coube,
entretanto, a Michael Löwy (1962), um uso mais consistente do pensamento
gramsciano pela primeira vez, para a análise dos problemas políticos, em um
artigo publicado, novamente, na Revista Brasiliense.
Foi nesse contexto de difusão do pensamento gramsciano na Améri-
ca Latina que teve início, a partir de meados dos anos 1960 a preparação da
edição brasileira dos Quaderni del carcere, pela editora Civilização Brasileira.
Desde, pelo menos, outubro de 1962, conforme esclareceu recentemen-
te Coutinho (1999a, p. 32-38) a partir da análise da correspondência do
11
A esse respeito, o ensaio-testemunho de Aricó é imprescindível (2005, p. 89-108). De modo
minucioso, o trabalho de Raúl Burgos (2004) reconstrói essa trajetória. Kohan (2005,) em uma
breve resenha, censurou Burgos por permanecer preso à versão do próprio Aricó e ressaltou que os
estudos gramscianos na Argentina não se limitavam ao grupo de Pasado y presente e teriam incluído
a revista La rosa blindada, dirigida por José Luis Mangieri.
42 alvaro bianchi
12
Avaliações críticas dessa edição e de seu impacto nos estudos gramscianos brasileiros podem ser
vistas em Nosella (2004, p. 27-35) e Dias (1996b).
13
Sobre o acalorado debate a respeito da edição Gerratana e da publicação de uma nova edição das
obras de Gramsci, ver. (Liguori) 1996, p. 247-253).
44 alvaro bianchi
14
Sobre a importância da distinção entre liberalismo e liberismo para o pensamento político
italiano ver Rego (2001, p. 78-80). Em uma resenha da edição brasileira dos Cadernos assinalei
equivocadamente que, embora adequada, a utilização do neologismo liberismo mereceria uma nota
explicativa (Bianchi, 2004). De fato, no caderno 13, publicado no volume 3 dos Cadernos do
cárcere, os autores não justificavam o uso da expressão, mas a justificativa já se encontrava nas notas
ao caderno 10, previamente publicado (cc, v.1, p. 483). Corrijo aqui então minha omissão.
46 alvaro bianchi
por uma versão mista, como já foi dito. O resultado final dificulta enorme-
mente a reconstrução do lessico gramsciano. O trabalho filológico necessário
para tal reconstrução é muitas vezes inviabilizado pela forma de organização
do texto e pela supressão dos textos A. A não ser que o pesquisador recorra
à tabela de correspondências e se ampare na edição Gerratana, esse trabalho
pode se tornar impossível.15
A opção editorial pode ser justificada de várias maneiras e Coutinho
argumenta nesse sentido na bela apresentação publicada no volume 1. Mas é
de se notar que exatamente no momento em que a editora Era, do México,
completava sua publicação em seis volumes dos Cadernos do cárcere, baseada na
edição Gerratana, veio à luz no Brasil uma versão que sintetiza um magnífico
esforço editorial, mas que fica longe de ser definitiva. A nova edição brasileira
está longe, também, de poder ser considerada uma edição “temático-crítica”,
como a ela se referem Carlos Nelson Coutinho e Andréa de Paula Teixeira
(2003, p. 10). E não é a organização temática que impede tal tratamento, mas
a supressão dos parágrafos A, o que torna a publicação dos textos originais in-
completa, bem como os limites de seu aparelho crítico, muito aquém daquele
elaborado por Gerratana.
Se o objetivo era agradar um público mais amplo que fatalmen-
te encontraria dificuldades com a aridez da edição Gerratana, por que não
simplesmente completar a velha coleção temática, mantendo-a no catálogo,
e publicar, paralelamente, a edição crítica, como acabam de fazer no Méxi-
co? O trabalho de leitura dos Cadernos do cárcere não fica mais fácil porque
seus temas foram agrupados. O próprio Gramsci já havia resolvido a questão
reunindo o material nos chamados cadernos especiais. A leitura dos cadernos
continuará, infelizmente, árdua.
15
Sobre a importância desses textos, vale o recente alerta de Baratta: “Aqui é preciso evidenciar
um outro não insignificante problema relacionado a Gramsci escritor. A reelaboração das suas
notas e apontamentos de primeira redação em ‘Cadernos especiais’ representa certamente um passo
adiante na direção de uma almejada redação ‘definitiva’, mas apenas em parte: nem sempre o
que se ganha compensa o que se perde (em força, objetividade, eficácia). Muitos mal-entendidos,
não pouca superficialidade de leitura, tiveram origem na Itália de uma escassa atenção à primeira
redação de boa parte dos Cadernos”. (Baratta, 2004, p. 98)
eterno/provisório 47
Tempos
Se se quer estudar o nascimento de uma concepção de mundo que nunca foi ex-
posta sistematicamente por seus fundador (...), é preciso fazer preliminarmente um
trabalho filológico minucioso e conduzido com o máximo escrúpulo de exatidão,
de honestidade científica e de lealdade intelectual, de ausência de todo precon-
ceito e apriorismo ou posição pré-concebida. É preciso, inicialmente, reconstruir
o processo de desenvolvimento intelectual do pensador dado para identificar os
elementos que se tornam estáveis e ‘permanentes’, ou seja, que são assumidos como
pensamento próprio, diverso e superior ao ‘material’ precedentemente estudado
e que lhe serviu de estímulo; apenas estes elementos são momentos essenciais do
processo de desenvolvimento. (...) a pesquisa do leitmotiv, do ritmo do pensamen-
to em desenvolvimento deve ser mais importante que as afirmações particulares e
casuais e que os aforismos isolados. (Q 16, § 2, p. 1840-1842)
48 alvaro bianchi
16
Segundo Coutinho, “os Cadernos contêm um primeiro tratamento sistemático do material da
investigação, embora Gramsci não tenha tido o tempo e as condições necessárias para trabalhá-lo
adequadamente segundo o método da expostição” (1999, p. 79). O mesmo Coutinho parece ter se
distanciado dessa afirmação ao escrever, recentemente, que “os ‘cadernos especiais’ são tentativas
(ainda que nem sempre exitosas, é verdade) de passar do método da investigação, próprio dos
‘cadernos miscelâneos’, àquele da exposição” (2003, p. 69).
50 alvaro bianchi
Mas o que acontece quando não é possível construir esse novo vocabu-
lário? Nesse caso, devem-se explicitar os novos sentidos atribuídos às palavras,
o que Gramsci procurava fazer de modo minucioso em sua escrita, demarcando
aquilo que era novo do velho. Para explicitar esses novos sentidos que velhos
conceitos assumem, é preciso conhecer os antigos. É preciso reconstruir o
diálogo crítico que Gramsci estabeleceu com Nicolau Maquiavel e Francesco
Guicciardini, com Antonio Labriola e Georges Sorel, com Benedetto Croce e
Giovanni Gentile, com Vladimir Lênin e Leon Trotsky. Foi por meio deles que
Gramsci, no cárcere, se comunicou com o mundo e dialogou com seu tempo,
reencontrando por meio do texto a história que lhe fora confiscada pela prisão.
Materialismo/Idealismo
17
Os Appunti di filosofia I presentes no Quaderno 4 foram redigidos, segundo Francioni, entre
maio de 1930 e novembro do mesmo ano; os Appunti di filosofia II, do Quaderno 7, entre novem-
bro de 1930 e novembro de 1931 (1984, p. 141-142).
55
56 alvaro bianchi
18
Na mesma carta, Gramsci pedia outros livros de Croce que haviam ficado em Roma: Elementi
di politica, Breviario di Estetica e Hegel (cf. LC, p. 263).
materialismo/idealismo 57
19
Ver o desenvolvimento dado à questão por Leonardo Paggi (1973).
materialismo/idealismo 59
mento, seja como for, pressuposto, bem como o fim do materialismo naturalista, no
sentido que a palavra assumia tradicionalmente até há pouco. (idem, p. 238)
20
Para mais detalhes, ver Frosini, 2004a. Segundo Croce, o “movimento do Renascimento per-
maneceu aristocrático, de círculos eleitos e, na própria Itália, que foi sua mãe e nutriz, não deixou
os círculos das cortes, não penetrou até o povo, não se tornou costume ou ‘preconceito’, ou seja,
persuasão coletiva e fé. A Reforma, ao invés, teve porém essa eficácia de penetração popular, mas
pagou-a com um atraso em seu desenvolvimento intrínseco, com a lenta e várias vezes interrompi-
da maturação de seu germe vital” (Croce, 1946a, p. 11-12.).
62 alvaro bianchi
históricas pela variação das condições históricas.” (2000, p. 250. Cf. tb. a crítica
de Croce, 1927, p. 21-54 e os comentários de Gramsci nos Quaderni sob a
rubrica Lorianismo.) Era necessário, assim, marcar distância desse materialismo
natural-cientificista, afirmando o materialismo histórico como sua superação.
Também o neoidealismo italiano, com sua “metafísica do espírito” con-
duzia a esse ponto da história da filosofia que antecedia a Hegel. Com efeito,
Benedetto Croce inseria-se no debate italiano sobre a crise do marxismo, o que
o levou, primeiro, a um diálogo crítico com este e com o autor que introduziu
o materialismo histórico na Itália, Antonio Labriola; e, depois, a um projeto de
aniquilação do próprio marxismo teórico. Esse projeto de aniquilação se deu no
interior da sucessiva edificação de uma “filosofia do espírito”, com sua pretensão
de ser o fundamento de uma operação de hegemonia cultural que completaria
a obra de confutação do materialismo histórico. Afirmando que o marxismo
era também uma metafísica da matéria, o neoidealismo italiano convergia nesse
ponto com o materialismo vulgar (cf. Martelli, 2001, p. 71).
Tanto a metafísica da matéria como a metafísica do espírito suprimiam
do horizonte filosófico aquela que era, para Gramsci, a principal contribuição de
Hegel, a “consciência das contradições” (Q 11, § 62, p. 1487). Era justamente
essa a contribuição da qual Marx se apropriou de modo mais intenso, superando
o idealismo presente no pensamento hegeliano, compreendendo essa consciência
como a expressão das contradições da época histórica e afirmando um novo lugar
para o filósofo, que passa a ser visto como “elemento da contradição”, capaz de
convertê-la em princípio de conhecimento e, portanto, de ação (idem). Para Gra-
msci, a superioridade da filosofia da práxis estaria, justamente, em sua capacidade
de ser teoria das contradições “existentes na história e na sociedade” (Q 10/II, §
41, p. 1320. Cf. tb. Losurdo, 1997, p. 105-109). Segundo o marxista sardo,
aparece claramente esta sua nova construção, esta sua nova filosofia. Muitos ma-
terialistas históricos refizeram com Marx aquilo que havia sido feito com Hegel,
ou seja, da unidade dialética retornaram ao materialismo cru, enquanto, como
foi dito, a alta cultura moderna, idealista vulgar, procurou incorporar aquilo do
marxismo que lhe era indispensável. (Q 4, § 3, p. 424)
Anti-Bukharin
21
Sobre a importãncia desse texto de Marx para a reflexão gramsciana nos Quaderni, ver o capítulo
Estrutura/Superestrutura deste livro.
68 alvaro bianchi
22
Falando a respeito da “religião da liberdade”, escrevia Croce em sua Storia d’Europa nel secolo
decimonono: “Ora, aquele que recolha e considere todos esses traços do ideal liberal não duvidará
em denominá-lo, como era, uma ‘religião’: denominá-lo assim, bem dito, quando se atenha ao es-
sencial e intrínseco de toda religião, que reside sempre em uma concepção da realidade e uma ética
conforme, e se prescinda do elemento mitológico, pelo qual apenas secundariamente as religiões se
diferenciam das filosofias” (Croce, 1999, p. 28-29).
materialismo/idealismo 71
consciente e por meio dela se vinculasse a um grupo social que lhe permitis-
se “participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si
mesmo e não mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria
personalidade” (idem, p. 1376).
Mas o homem ativo, dizia o marxista italiano, não teria necessaria-
mente uma clara consciência teórica de seu agir e seria possível, até mesmo,
que sua consciência estivesse em contraste e oposição com sua ação. Seria
possível, de certa maneira, afirmar que possuiria duas consciências, “uma
implícita em seu agir, que realmente o une a todos os seus colaboradores na
transformação prática da realidade”. Mas além dessa haveria outra, “superfi-
cialmente explícita ou verbal, que herdou do passado e acolhe sem crítica”
(idem, p. 1385). Essa consciência “verbal” seria, pois, aquela afirmada com
palavras e a que se acreditaria seguir, “porque a segue em ‘tempos normais’, ou
seja, quando a conduta não é independente e autônoma, e sim precisamente
submissa e subordinada” (idem, p. 1379).
Não se pense, entretanto, que essa concepção verbal e superficial não
influencia o comportamento humano. Ela o “amarra a um grupo social deter-
minado, influi na conduta moral, na orientação da vontade, de modo mais ou
menos enérgico, que pode chegar até o ponto em que o caráter contraditório da
consciência não permite nenhuma ação, nenhuma decisão, nenhuma escolha e
produz um estado de passividade moral e política” (idem, p. 1386). Haveria assim
uma tensão permanente entre o agir e a consciência, e a resolução dessa situação só
poderia ocorrer pela superação da consciência vinculada ao passado e pela emer-
gência de uma nova consciência, pela unidade entre teoria e prática. Que todos
fossem portadores de uma “filosofia espontânea” não significava que todos fossem
filósofos “sem aspas”, ou seja, filósofos no sentido pleno da palavra:
No sentido mais imediato e exato, não se pode ser filósofo – isto é, ter uma con-
cepção de mundo criticamente coerente – sem a consciência da própria histori-
cidade, da fase de desenvolvimento por ela apresentada e do fato de que ela está
em contradição com outras concepções ou com elementos de outras concepções.
(idem, p. 1377)
72 alvaro bianchi
Uma filosofia da práxis não pode se apresentar inicialmente senão em uma ati-
tude polêmica e crítica, como superação do modo de pensar precedente e do
pensamento concreto existente (o mundo cultural existente). Portanto, acima de
tudo, como crítica do “senso comum” (depois de ter se baseado no senso comum
para demonstrar que “todos” são filósofos e que não se trata de introduzir ex novo
uma ciência na vida individual de “todos”, e sim de inovar e fazer “crítica” uma
atividade já existente) e, portanto, da filosofia dos intelectuais, que tem dado
lugar à historia da filosofia e que, enquanto individual (e de fato se desenvol-
ve essencialmente na atividade de indivíduos isolados particularmente dotados)
pode se considerar como as “pontas” do progresso do senso comum, pelo menos
do senso comum dos estratos mais cultos da sociedade e, através destes, também
do senso comum popular. (Idem, p. 1383)
todo novo organismo histórico (tipo de sociedade) cria uma nova superestru-
tura, cujos representantes especializados e porta-bandeiras (os intelectuais) não
podem, senão, ser concebidos, também, como ‘novos’ intelectuais surgidos da
nova situação e não como continuação da intelectualidade precedente. (Q 11,
§ 16, p. 1407)
próprios dessas funções (cf. Sassoon, 1987, p. 255). Processo esse que é carac-
terístico do Ocidente, na conhecida metáfora gramsciana, ou seja, dos países
capitalistas centrais. Mas é próprio de um Ocidente histórico, concreto. Próprio
de um conjunto de países que a partir do final do século passado protagonizam
um complexo processo de transformações econômicas, sociais e políticas conhe-
cido como a fase imperialista do capitalismo.
Foi justamente a percepção dessa incorporação das funções de direção
ao Estado que colocou o tema dos intelectuais em primeiro plano no pen-
samento gramsciano. A discussão dos intelectuais pode ser traduzida em uma
análise da relação entre dirigentes e dirigidos, dominantes e dominados ou, em
outras palavras, em um estudo sobre a construção e o exercício da supremacia de
uma classe ou fração de classe sobre o conjunto da sociedade.
O início do Quaderno 12, dedicado à história dos intelectuais (Appunti
e note sparse per un gruppo di saggi sulla storia degli intellettuali), começa com uma
interrogação que define o âmbito da pesquisa: “os intelectuais são um grupo social
autônomo e independente, ou todo grupo social tem sua própria categoria espe-
cializada de intelectuais?” (Q 12, § 1, p. 1513.) A pergunta estava dirigida contra
as acepções que recorriam a uma definição ocupacional da condição de intelectual,
restringindo seu âmbito às profissões liberais ou às atividades acadêmicas. Essa
primeira interrogação era acompanhada por outra, que se colocava logo a seguir:
Para Gramsci existiam duas formas principais por meio das quais ocor-
reu o processo histórico real de formação das diversas categorias de intelectuais.
A primeira forma é a que denominou de “intelectuais orgânicos”, especializações
de aspectos parciais da atividade primitiva do novo tipo social que a nova classe
76 alvaro bianchi
trouxe à luz. A questão foi formulada pela primeira vez no Quaderno 4 e reto-
mada, com uma pequena mas importante variante, no Quaderno 12, dedicado
à questão dos intelectuais:
Todo grupo social, nascendo sobre a base originária de uma função essencial
no mundo da produção econômica, cria conjuntamente, organicamente, um
ou mais estratos de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da
própria função no campo econômico. (Q 4, § 49, p. 474-475)
Todo grupo social, nascendo sobre o terreno originário de uma função essencial
no mundo da produção econômica, cria conjuntamente, organicamente, um
ou mais estratos de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da
própria função não apenas no campo econômico, como também no social e
político. (Q 12, § 1, p. 1513. Grifos meus)
23
A passagem que citamos do Quaderno 22 é datada por Francioni entre fevereiro e março de
1934. Sua primeira versão é de fevereiro ou março de 1930. A passagem do Quaderno 4 sobre
os intelectuais é de outubro ou novembro de 1930 e sua versão do Quaderno 12 foi redigida em
meados de 1932. A ressalva a respeito da dimensão social e política da função dos intelectuais foi
feita, portanto, depois da redação da nota sobre o Americanismo do Primo Quaderno e antes de sua
segunda versão no Quaderno 22 (cf. Francioni, 1984, p. 140-145).
materialismo/idealismo 77
mundo externo, mas a própria idéia de um mundo externo não seria concebível
sem o recurso a uma esfera sobrenatural (cf. Haddock, 1998, p. 709).
Elidindo a crítica à origem supersticiosa do senso comum, o Ensaio popu-
lar não era capaz sequer de combater de modo eficaz os fundamentos teológicos do
idealismo subjetivista. Tal ineficácia transparecia na crítica de Bukharin a Berkeley.
Pretendia o marxista soviético enfrentar a concepção subjetivista que reduzia a
realidade a uma criação do espírito e sua influência na filosofia e na ciência con-
têmporânea. Para tal, denunciava a posição que o subjetivismo radical de Berkeley
havia assumido a partir do século XVII, tornando-se uma communis doctorum
opinio com a “tenacidade de um preconceito popular” (Bukharin, 1971).
Afirmava Bukharin que apenas Adão, abrindo os olhos e vendo o
mundo pela primeira vez poderia incorrer na ilusão de que esse mundo exis-
tiria apenas porque ele o pensava e via (idem). Para ser fiel à metáfora, não é
possível pensar a psicologia de Adão, como faz o marxista soviético, uma vez
que ele é o objeto da criação e não seu sujeito. Em toda a narrativa bíblica da
gênese, que é uma extensão da criação do mundo, somente deus é sujeito e,
por essa razão, não existe uma descrição do momento em que Adão desperta
no seu primeiro sopro de vida.
Mas supondo que fosse possível, no âmbito dessa metáfora bíblica,
pensar esse despertar, ainda assim seria mais provável que Adão incorresse na
ilusão de que o mundo que via tinha uma existência material externa a ele,
porque assim havia sido criado por deus. Apoiando-se na leitura da Bíblia, o
senso comum religioso estaria, assim, muito mais próximo do materialismo vul-
gar do que do subjetivismo filosófico, o que enfraqueceria e até inviabilizaria o
argumento do autor do Ensaio popular.
Apesar das duras críticas, Gramsci partilhava com Bukharin a oposição
ao solipsismo. Discutindo as elucubrações de Giuseppe A. Borgese a respeito
das partículas subatômicas, afirmava serem “puros jogos de palavras, de ciência
romanceada e não de um novo pensamento científico ou filosófico”. E pergun-
tava: “Será que a matéria vista ao microscópio não é mais matéria realmente
objetiva, mas uma criação do espírito humano que não existe objetivamente ou
empiricamente?” (Q 11, § 36, p. 1451). A resposta à própria pergunta é uma
cabal rejeição da idéia de que o pensamento criaria a matéria:
84 alvaro bianchi
24
Gruppi defende tese similar à de Coutinho, mas distingue claramente aquilo que é independen-
te de nós e aquilo que objetivamos mediante uma ação ou ato do pensamento, argumentando que
Gramsci confundiria ambas as dimensões (Gruppi, 2000, p. 119-120). Para a crítica a Gruppi, ver
Martelli (1996, p. 37-38).
88 alvaro bianchi
derivam das relações sociais entre os homens. A ‘ênfase’ conferida a uma falsa
‘objetividade’ na teoria conduz ao fetichismo” (idem, p. 44).
Como escapar então do solipsismo próprio do idealismo subjetivista
e desse fetichismo que caracteriza o materialismo vulgar? Gramsci apresentou
a questão em um conjunto de textos, em sua maioria de primeira redação
agrupados ao final do caderno especial dedicado a Bukahrin, sob o subtítulo
“Appunti miscellanei”. Tal posição implica afirmar que constituem o ápice da
reflexão filosófica de Gramsci.25 Afirmava nesses parágrafos que até o momento
do idealismo clássico alemão a filosofia havia sido concebida como uma ativi-
dade receptiva, que acolhia no pensamento um mundo exterior absolutamente
imutável, ou uma atividade ordenadora, capaz de arrumar o mundo por meio
do pensamento, sem, entretanto, transformá-lo. A filosofia clássica alemã, por
sua vez, introduziu em um sentido idealista e especulativo o conceito de criação
(Q 11, § 59, p. 1485-1486).
Gramsci identificava no idealismo alemão uma verdadeira revolução
no pensamento e considerava, como já visto, que era nele que a filosofia da
práxis encontrava seu impulso. Mas o que significa esse conceito de criação? E
como seria possível utilizá-lo sem cair no solipsismo, pressupondo que o mundo
exterior é criado pelo pensamento? Segundo Gramsci,
25
Esses parágrafos foram redigidos provavelmente nos últimos meses de 1932 ou no início de
1933 (cf. Francioni, 1984, p. 145).
materialismo/idealismo 89
temente ancorada na leitura labriolana das Teses sobre Feuerbach. Era por meio
de uma revalorização da práxis histórica que o autor dos Quaderni procurava
resolver as aporias do “duplo revisionismo”. Foi por essa razão que para marcar
sua solução preferiu, a partir dos cadernos 10 e 11, falar de filosofia da práxis
em vez de materialismo histórico, procurando dessa maneira destacar o caráter
histórico de sua concepção. Assim, parafraseando uma passagem de Lênin em
Materialismo e empirocriticismo,26 escrevia Gramsci:
Foi esquecido que, numa expressão muito comum [i.e., o materialismo históri-
co], seria necessário destacar o segundo termo ‘histórico’ e não o primeiro, de
origem metafísica. A filosofia da práxis é o ‘historicismo’ absoluto, a munda-
nização e terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da
história. (Q 11, § 27, p. 1437)
26
Dizia Lênin: “Partindo de Feuerbach e amadurecidos na luta contra os remendões, é natural que
Marx e Engels tivessem, sobretudo, se dedicado a concluir a filosofia materialista, quer dizer, a con-
cepção materialista da história, e não a gnoseologia materialista. Como resultado, nas suas obras
que tratam do materialismo dialético, insistiram muito mais sobre o lado dialético que sobre o lado
materialista; tratando do materialismo histórico, insistiram muito mais sobre o lado histórico do
que sobre o lado materialista” (lcw, v. 14, p. 329).
90 alvaro bianchi
27
Para a versão original de Marx e a publicada por Engels, bem como a comparação entre ambas,
ver o minucioso trabalho de Labica (1990).
28
Na versão original de Marx consta “revolutionäre Praxis” (“práxis revolucionária”), em vez de
“umwälzende Praxis”.
materialismo/idealismo 91
do sujeito” (Gentile, 2003, p. 77). Tais objetos constituídos por essa práti-
ca poderiam ser teóricos ou práticos, poderiam ser conhecimentos e fatos,
afirmava o filósofo neoidealista. Mas a construção permanente do objeto
modificaria as circunstâncias, a educação e o ambiente do sujeito, modifi-
cando desse modo o próprio sujeito. O efeito reagiria então sobre a causa
e “a própria relação se subverte, o efeito fazendo-se causa da causa torna-se
efeito, permanecendo, entretanto, causa”. Desse modo, “a práxis que tinha
como princípio o sujeito e fim o objeto, se subverte, regressando do objeto
(princípio) ao sujeito (termo)” (Gentile, 2003, p. 85. Ver os comentários de
Martelli, 1996, p. 25).
O tema central da obra La filosofia de Marx, escrita por Gentile, o con-
ceito de práxis, constituía-se, desse modo, em uma chave para resolver idealisti-
camente a relação sujeito-objeto, declarando a identidade entre os dois termos
(cf. Badaloni e Muscetta, 1990, p. 36). Para o filósofo neoidealista,
Práxis quer dizer relação entre sujeito e objeto. Por isso, nem o indivíduo-
sujeito, nem o indivíduo objeto como tais sic et simpliciter; mas um na ne-
cessária relação com o outro e vice-versa. Por isso, também, a identidade dos
opostos. Não educador de uma parte e educados de outra, como se tem dito,
mas educadores que são educados; e educados que educam. (Gentile, 2003, p.
160. Grifos meus.)
29
Sobre a importânica dos cadernos de tradução de Gramsci ver Borghese (1981) e Francioni
(1992).
30
Augusto Del Noce insistiu na tese de que o pensamento gramsciano seria um capítulo da
história do neoidealismo italiano e, particularmente, do attualismo gentiliano (cf. Del Noce,
1978), amparando essa tese está a afirmação de que um e outro sustentariam sua filosofia em
um ativismo da vontade. Domenico Losurdo critica essa tese de modo preciso e competente,
marcando toda a distância não apenas política, como também teórica, que existe entre o
ideólogo do fascismo Giovanni Gentile e o dirigente comunista Antonio Gramsci (Losurdo,
1997, cap. III).
31
Em italiano a partícula di (della = di + la) pode estabelecer uma relação de especificação,
na qual determina o conceito mais amplo expresso pelo nome do qual depende, mas pode,
também, na dependência de um nome derivado do verbo (como é o caso de “il rovesciamen-
to”), expressar uma especificação subjetiva, designando o sujeito lógico da ação, nesse caso, o
sujeito é “la praxis”.
materialismo/idealismo 93
a ser superado. Sua hora, a hora de sua finitude, ainda não chegou. A filosofia da
práxis é ainda expressão das contradições de nosso tempo e, como tal, deveria
ser desenvolvida: como um pensamento que conspira contra as condições de sua
existência. Como um pensamento que se entende a si próprio como política.
Anti-Croce
32
Para uma discussão das diferentes fases do pensamento croceano, ver Badaloni e Muscetta
(1990, p. 62-75).
33
Com base naquilo que o próprio Croce escreveu, é possível dizer que ele não se reconheceria na
afirmação feita por Finocchiaro de que seu pensamento teria sido marxista (2002, p. 10). Opinião
mais matizada é sustentada por Hughes (1979, p. 82-89). Segundo Badaloni: “Ainda que não
tenha sido socialista ou marxista, Croce, assim como Gentile, necessitou do marxismo para dar
uma base racional a sua atividade de crítico e historiador” (Badaloni e Muscetta, 1990, p. 62).
34
Os ensaios haviam sido publicados originalmente entre 1895 e 1899 em periódicos italianos
e na revista francesa Devenir sociale, dirigida por Georges Sorel. Eles são o resultado do diálogo
crítico de Croce com Antonio Labriola, a quem a obra foi dedicada.
materialismo/idealismo 97
não era nem uma filosofia da história nem um novo método historiográfico, mas
apenas “um cânone de interpretação histórica”, que aconselhava a “dirigir a aten-
ção ao chamado substrato econômico da sociedade, para compreender melhor
suas configurações e vicissitudes” (Croce, 1927, p. 79. Cf. tb. 1946, p. 47).
Para ser bem sucedida, essa valorização do marxismo como “cânone
de interpretação” tinha que acertar as contas com a noção de luta de classes.
Pois era como pensamento que chama a atenção para o “substrato econômico”
que o marxismo poderia perder seu caráter revolucionário e não como pensa-
mento que chama a atenção para o caráter permanente do antagonismo social.
Segundo Croce, a história seria uma luta de classes apenas quando existissem
classes sociais (fato sobre o qual Engels já havia chamado a atenção), quando
existissem interesses antagônicos e quando as classes fossem conscientes desse
antagonismo. Mas nem sempre existiriam esses interesses antagônicos e, se
existissem, não seriam necessariamente conscientes. Assim, o enunciado de
que a “a história é luta de classes” também, segundo Croce, deveria ser re-
duzido ao “valor de cânone e de orientação que reconhecemos em geral na
concepção materialista” (idem, p. 85).
Marx foi, para Croce, uma ferramenta para a crítica da filosofia po-
sitivista predominante na Itália, e um meio para a elaboração de sua filosofia
do espírito, concebida por meio da distinção entre as diferentes formas que
definiam a maneira a partir da qual o espírito operava de modo universal. Em
sua memória apresentada no ano de 1900 na Academia Pontaniana de Napoli,
intitulada Tesi fondamental di un’estetica come scienza dell’espressione e linguistica
generale, Croce elaborou uma primeira versão desse sistema filosófico. Esse tex-
to, revisado e ampliado, passou a integrar, em 1907, o livro Estetica come scienza
dell’espressione e linguistica generale (Croce, 1945), primeiro dos quatro volumes
de Croce dedicados à Filosofia dello Spirito.35
O procedimento filosófico padrão de Croce era um percurso no qual
distinção-classificação-definição era ponto essencial (cf. Garin 1996, p. 3-31).
35
Os outros volumes são Logica come sicenza del concetto puro, publicado originalmente em 1908
(Croce, 1947); Filosofia della pratica: Economia ed etica, de 1908 (Croce, 1947); e Teoria e storia
della storiografia, de 1915 (Croce, 2001).
98 alvaro bianchi
do espírito e uma análise efetiva da experiência humana (cf. Garin, 1996, p. 21). A
tensão manifestava-se no interior da própria obra croceana entre o esquematismo
classificatório dos quatro volumes que reuniam sua Filosofia dello Spirito e a rique-
za da análise presente nos volumes de seus Scritti di Storia Letteraria e Politica.
Os problemas mais graves apareciam justamente nas esferas nas quais
essa experiência assumia a forma de atividade prática, o âmbito daquilo que esse
autor chamou de “filosofia da prática”, os domínios da Economia e da Ética (cf.
Croce, 1923. Ver tb. Martelli, 2001, p. 118-121). No mesmo ano em que Croce
escreveu a primeira versão de sua filosofia do espírito, nas Tesi fondamentali de
1900, redigiu também duas cartas que tinham por destinatário Vilfredo Pareto
discutindo o “princípio econômico”, cartas essas que integram a obra Materia-
lismo storico ed economia marxistica (Croce, 1927, p. 225-247). As cartas não
faziam, obviamente, parte da primeira edição dessa obra, publicada um ano
antes, mas passaram a integrar a edição seguinte, de 1906. Além da importância
para a reconstrução do percurso que levou Croce a sua filosofia do espírito, essas
cartas, na posição que ocupam em Materialismo storico..., revelam que aquilo
que este denominava de Economia era ponto nodal de seu inicial afastamento
da obra de Marx.
Na carta a Pareto de 15 de maio de 1900, a relação existente entre os
domínios da Economia e da Ética era abordada. O fato econômico era definido
como “a atividade prática do homem enquanto se considere em si, independen-
temente de toda determinação moral ou imoral”. Estabelecendo a autonomia
do útil e distinguindo a ação econômica de uma moralidade concebida em sua
pureza categorial, Croce enunciava nessas cartas as bases para sua filosofia da
prática (cf. Bonetti, 2000, p. 13).
O preço desse enunciado era, entretanto, elevado. Um conceito tão laxo
do fato econômico trazia como conseqüência a subsunção pelo econômico de
toda atividade com vistas a transformar de algum modo o ambiente e, portanto,
implicava uma redução do direito e da política a meras expressões da atividade
econômica. Essa expansão conceitual configurava um surpreendente economi-
cismo. Depois de criticar, primeiro, a operação levada a cabo por Achille Loria
e, depois, a suposta transformação por parte de Marx da economia em um “deus
oculto”, Croce paradoxalmente subsumia na economia parte da superestrutura.
materialismo/idealismo 101
36
Quando a prática é objeto da filosofia, esta é uma “filosofia da prática”. Quando a prática é o
objetivo da filosofia, esta é uma mera “filosofia prática”.
37
Para Croce, o conceito puro é omni e ultra-representativo e não se refere a esta ou aquela
representação particular ou a este ou aquele grupo de representações. Os pseudoconceitos, por sua
vez, seriam representações gerais que simulariam uma falsa universalidade. As ciências empíricas
operariam a partir de tais pseudoconceitos (cf. Croce, 1947, 13-36 e Bonetti, 2000, p. 18-22). A
solução elaborada por Croce lhe permitia romper o nó górdio existente entre a Kulturwissenschaften
e a Naturwissenschaften com um golpe de caneta, expelindo arbitariamente todas as noções cientí-
ficas do campo do conhecimento puro (cf. Garin, 1996, p. 23).
104 alvaro bianchi
da política estava muito longe, desse modo, daquele que Mosca procurava deter-
minar. Para Croce, a ciência empírica da política teria apenas um valor restrito
a sua “utilidade instrumental” (idem). Reconhecido esse valor instrumental, se
impediria que a ciência da política degenerasse em filosofemas abstratos e prin-
cípios absolutos contaminando tanto a filosofia como a historiografia.
Essa restrição do âmbito de atuação e da validade da ciência política refor-
çava a distinção que Croce levava a cabo entre teoria e prática, filosofia e política.
Tal distinção, na ênfase que recebia, permitia-lhe recomendar aos filósofos que não
perturbassem a política com uma filosofia inoportuna. Por essa razão, chegou a de-
nunciar o “cretinismo filosófico” e a “fixação filosófica”, assim como Marx havia feito
com o cretinismo parlamentar (Croce, 1993, p. 281. Cf. tb. Bobbio, 1955, p. 105).
Mas a distinção também permitia “preservar o juízo histórico da contaminação da
prática política, que lhe retira amplitude e imparcialidade” (Croce, 1994, p. 290).
Uma vez desenvolvida essa distinção entre a política e a moral na
primeira seção de seus Elementi di politica, Croce passava em revista, na se-
ção seguinte, a história da filosofia da política, de modo a tornar sua filosofia
da política o ponto de culminância de toda a filosofia da política preceden-
te.38 O ponto de partida para tanto não era, senão Maquiavel, considerado
como um expoente da “política pura” e símbolo de uma profunda crise no
desenvolvimento da ciência. Para o filósofo napolitano, Maquiavel teria sido
o inaugurador da “autonomia da política”, anunciando pela primeira vez de
maneira clara as antinomias existentes entre ética e política (idem, p. 292).
Estabelecendo, por um lado, o conhecimento como pensamento “puro”,
e, por outro, a política como “puro” poder e “pura” utilidade, afirmava-se ao mes-
mo tempo a distinção radical entre pensamento e ação, universal e concreto. Como
atividade teórica, a filosofia seria uma atividade desinteressada confinada ao puro
pensamento sem poder se verter em uma prática, a menos que se corrompesse e
perdesse sua pureza. Como atividade prática, a política era lugar das paixões e dos
38
Os Elementi di política, publicados originalmente em 1925, passaram em 1930 a integrar a obra
Etica e politica, deste ano, juntamente com os Frammenti di etica, escritos em 1922. A primeira
seção dos Elementi di política intitulava-se “Politica ‘in nuce’” e a segunda a qual é feita referência
era “Storia della filosofia della política”. Para a história dessa obra, ver a minuciosa nota de Giuseppe
Galasso (Croce, 1994, p. 423-486).
materialismo/idealismo 105
interesses, sem nunca atingir o nível da verdade filosófica, a não ser que deixasse de
ser política e passasse a ser o objeto da filosofia (cf. Fontana, 1993, p. 9).
Esse empreendimento intelectual de Benedetto Croce teve forte im-
pacto sobre o jovem sardo. A admiração que alimentava por Croce é inegável,
a ponto de considerá-lo “o maior pensador da Europa neste momento” (CF,
p. 22). O importante papel atribuído ao crítico napolitano na constituição de
uma nova concepção de mundo pode ser avaliado pela posição que ele ocupava
nas discussões do Clube de Vida Moral, organizado por Gramsci em 1917 para
promover a educação dos jovens socialistas de Turim. Na carta ao pedagogo
Giuseppe Lombardo Radice a respeito das atividades do Clube, o marxista sardo
relatou a organização de estudos sobre “um capítulo de Cultura e vita morale
de B[enedetto]. Croce (...), um comentário de Croce na Critica ou outro, mas
sempre algo que seja marcado pelo movimento idealista atual” (L, p. 92-93).
Colocando-se ao lado de Bendetto Croce e também de Giovanni Genti-
le, o jovem Gramsci cerrava fileiras contra a cultura positivista que predominava
no interior do movimento socialista italiano. Gramsci identificava-se, durante
os primeiros anos de sua vida política, mais com a valorização da ação humana
presente no neoidealismo italiano do que com o grosseiro determinismo econô-
mico que tinha sua máxima expressão teórica nas obras de Achille Loria e sua
face política nos líderes socialistas Filippo Turati e Claudio Treves.
A caracterização de Gramsci a respeito de Treves e de sua revista Critica
sociale é elucidativa a esse respeito. Comentando o diálogo intitulado La morte
del socialismo, de Benedetto Croce (1993, p. 147-156), afirmava o sardo que a
dissolução do “mito” do socialismo era necessária. Tal mito era na verdade uma
“superstição”, era a crença de que o socialismo era um postulado do “positivismo
filosófico”. Essa concepção, que não era científica, mas simplesmente mecânica,
podia ser encontrada no “reformismo teórico” de Claudio Treves, “que não passa
de um passatempo de fatalismo positivista, cujos determinantes são energias
sociais abstraídas do homem e da vontade, incompreensíveis e absurdas: uma
forma de misticismo árido, sem os sobressaltos de uma paixão sofrida.” (cf, p.
25.) Mas se Gramsci utilizava o argumento de Croce não era para concordar
com ele a respeito da “morte do socialismo”, e sim para afirmar que este não
estaria morto enquanto vivessem “homens de boa vontade” (cf, p. 26).
106 alvaro bianchi
com uma segunda fase da relação do crítico napolitano com o marxismo, cujo
início pode ser datado no já citado diálogo a respeito da “morte do socialismo”.
A partir do início da Primeira Guerra Mundial e, principalmente, da Revolução
Russa, essa posição foi radicalizada, convertendo-se em franco antagonismo (cf.
Finocchiaro, 2002, p. 9). Nessa nova fase, o objetivo de Croce não era mais a
revisão do marxismo, e sim sua liquidação. Marx, afirmava o crítico napolitano
no Prefácio de 1917 a Materialismo storico ed economia marxistica, não era mais
o mestre ao qual era preciso render homenagem (cf. Croce, 1927, p. XIII).
A guerra teria mostrado a insuficiência de uma concepção baseada na luta de
classes. Era preciso, portanto, aumentar a distância do antigo mentor.
A evolução intelectual de Croce demonstrava da trajetória do revisionis-
mo. Tendo começado sua carreira intelectual influenciado pelo marxismo, havia
dele tomado tal distância, que se podia declarar adversário. O anti-socialismo do
crítico italiano já se tornara evidente em Cultura e vita morale. Depois de 1917,
esse anti-socialismo havia recebido a forma de um radical anticomunismo. Em
sua Storia d’Europa nel secolo decimonono, publicada em 1932 e concebida como
uma exaltação da burguesia liberal, o comunismo era uma das “religiões opostas”
aos princípios éticos e à política liberal, religião essa que deveria ser derrotada
para que esses princípios pudessem se realizar plenamente (Croce, 1999, p. 47-
53 e 425-438. Ver tb. Badaloni e Muscetta, 1990, p. 89-92.)
Nessa passagem do anti-socialismo de Cultura e vita morale ao anti-
comunismo de Storia d’Europa é possível identificar uma clara radicalização e
uma acentuada politização do discurso teórico. Pois não era apenas o comu-
nismo que ameaçaria a liberdade. O próprio materialismo histórico constitui-
ria uma ameaça, já que sua “metafísica materialista e determinista” levaria os
comunistas a esperarem pela crise, ficando “rígidos e intransigentes ao lado
dos democratas e liberais”, para logo a seguir se voltar contra eles e destruir
tudo (Croce, 1999, p. 254.)
Um pequeno texto, escrito em 1928 para o jornal estadunidense St.
Louis Post Dispatch e publicado na Itália em 1934, sintetiza a atitude beligerante
assumida por Croce perante o marxismo. O título desse texto já era um verda-
deiro programa: Contro le sopravvivenze del materialismo storico (Croce, 1934).
Logo no primeiro parágrafo, o crítico napolitano explicitava seu propósito:
108 alvaro bianchi
projeto político. O que se tratava era de superar os limites políticos aos quais a
filosofia neoidealista havia se condenado com sua oposição à Revolução Russa.39
A atitude de Gramsci para com o neoidealismo e, principalmente para
com Benedetto Croce, com quem havia se identificado mais, evoluiu ao longo
dos primeiros anos da década de 1920. Aos poucos a referência ao crítico
napolitano praticamente desapareceu de seus escritos, ressurgindo, entretanto,
em 1926, no importante texto Alcuni temi della quistione meridionale. Mas o
juízo agora estava longe de ser positivo. Nesse texto, o dirigente comunista
atribuía aos intelectuais meridionais Benedetto Croce e Giustino Fortunato
um papel-chave na constituição de um bloco agrário formado pela “grande
massa camponesa amorfa e desagregada, os intelectuais da pequena e média
burguesia rural, os grandes proprietários de terras e os grandes intelectuais.”
(CPC, p. 150.) As funções de organização, centralização e dominação no inte-
rior desse bloco caberiam aos “grande proprietários, no campo político, e aos
grandes intelectuais no campo ideológico”. Mas era no campo ideológico que
a centralização era mais eficaz, daí o juízo extremamente negativo a respeito
dos intelectuais meridionais:
39
Sobre a posição de Croce e Gentile a respeito da Revolução Russa, ver Martelli (2001, p.
175-181).
110 alvaro bianchi
40
As notas sobre economia dizem respeito, em sua maioria, à rejeição, argumentada por Croce em
Materialismo storico ed economia marxistica, à lei do valor e à queda tendencial da taxa de lucro. O
tema foi discutido em Bianchi (2002).
41
Como esclarece Gerratana no aparelho crítico dos Quaderni e se pode constatar facilmente na
leitura do texto publicado em 11 de fevereiro de 1917, não há sombra de menção nele à filosofia
croceana como premissa de uma retomada do marxismo (CF, p. 21).
114 alvaro bianchi
deve-se fazer esse acerto de contas da maneira mais ampla e profunda possível.
Um trabalho de tal gênero, um anti-Croce que na atmosfera cultural moderna
pudesse ter o significado e importância que teve o Anti-Dühring para a geração
precedente à guerra mundial, mereceria que um inteiro grupo de homens lhe
dedicasse dez anos de atividade. (Q 10/I, § 11, p. 1234)
42
Sobre a análise croceana de Maquiavel e a leitura gramsciana desta, ver Fontana (1993) e Medici
(1990, p. 161-207).
materialismo/idealismo 115
seria necessário compreendê-la a partir do nexo prático sobre o qual ela se funda,
ou seja, reencontrar na ideologia da liberdade a própria “dialética da história”, os
momentos “da força e da luta” (LC, p. 619-620).
Ao mesmo tempo em que estava engajado em uma crítica aos pressupos-
tos políticos da crítica croceana, ou precisamente por isso, Gramsci se mostrava
aberto a uma apropriação crítica do próprio conceito de “história ético-política”
como um “‘cânone empírico’ de investigação histórica” (Q 10/I, § 12, p. 1325).
A afirmação de Gramsci tem um tom claramente provocativo, na medida em
que foi o próprio Croce quem afirmou que o materialismo histórico teria valor
como um “cânone empírico de investigação histórica”.
O pensamento de Croce deve, pelo menos, ser apreciado como valor instrumen-
tal, e, assim, pode-se dizer que ele atraiu energicamente a atenção para a impor-
tância dos fatos culturais e do pensamento no desenvolvimento da história, sobre
a função dos grandes intelectuais na vida orgânica da sociedade civil e do Estado,
sobre o momento da hegemonia e do consenso como forma necessária do bloco
histórico concreto. (Q 10/I, § 12, p. 1235. Cf. tb. LC, p. 616)
A aproximação dos dois termos, ética e política, para indicar a historiografia crocea-
na mais recente é a expressão das exigências nas quais se move o pensamento histó-
rico croceano: a ética se refere à atividade da sociedade civil, à hegemonia; a política
refere-se à iniciativa e à coerção estatal governativa. (Q 10/II, § 41, p. 1302)
materialismo/idealismo 119
Ora, esse juízo é de grande importância não apenas para uma teoria
da hegemonia, o que tem sido freqüentemente ressaltado, mas também para
uma teoria do Estado em seu sentido integral, como será visto mais adiante.
No âmbito de uma teoria gramsciana da revolução e do Estado, o conceito de
história ético-política ganhava um conteúdo materialista e claramente oposto à
perspectiva moderada que orientava seu sentido original.
A apropriação da teoria da história ético-política não era feita de modo
acrítico. Gramsci coloca em suspeição que a historiografia do filósofo meridio-
nal fosse verdadeiramente ético-política. Segundo o marxista sardo, Croce teria
fracassado tanto em sua tentativa de superar todo economicismo e mecanicis-
mo, como em seu intento de livrar o pensamento moderno de todo traço de
transcendência e de teologia. Por um lado, a redução croceana da filosofia da
práxis a um cânone empírico de interpretação histórica, chamando a atenção
dos historiadores para a importância dos fatos econômicos “não fez mais que
reduzi-la a uma forma de ‘economicismo’”, diminuindo a distância entre Croce
e Loria (Q 10/I, § 13, p. 1236). Por outro, ao reduzir toda a história à história
ético-política, Croce “criou uma nova forma de história retórica; sua forma atual
é, de fato, a história especulativa” (LC, p. 620).
Não era, portanto, de modo esquemático que Gramsci aceitava a teoria
da história ético-política, nem ela era inserida de modo mecânico no interior da
filosofia da práxis. A apropriação crítica ocorria como superação. Para isso, a teo-
ria da história ético-política era retirada do interior da historiografia especulativa
de Croce e traduzida na linguagem realista da filosofia da práxis.43 O marxista
sardo se apropriava, desse modo, não de toda a concepção croceana da história,
mas de alguns de seus elementos, inserindo-os de modo orgânico em uma teoria
diferente da original e, desse modo, atribuindo-lhe um significado diverso.
A importância que Gramsci imputava ao pensamento de Croce e à
necessidade de realizar esse procedimento de tradução se revela na comparação
que estabelecia entre os processos políticos sobre os quais o conceito de história
ético-política fazia recair a atenção e o processo histórico de transição ao socia-
lismo na União Soviética sob a direção de Lênin:
43
Sobre a tradução de categorias croceanas por Gramsci, ver Frosini (2003, p. 136-137).
120 alvaro bianchi
no mesmo período no qual Croce elaborava este seu suposto porrete, a filosofia
da práxis, em seu maior teórico moderno [i.e. Lênin] era, elaborada no mesmo
sentido e o momento da ‘hegemonia” ou da direção cultural era justamente,
revalorizado sistematicamente em oposição a algumas concepções mecanicistas e
fatalistas do economicismo. (LC, p. 616. Cf. tb. Q 10/I, § 12, p. 1235)
121
Engels, injustamente acusado por Krieger, em mais de uma oportunida-
de observou a importância das obras históricas para a compreensão da teoria de
Marx e, particularmente, a importância d’O dezoito brumário de Luís Bonaparte.44
E Benedetto Croce, ecoando essas observações do amigo de Marx, utilizava-as
em sua polêmica contra “a pretendida redução da história ao fator econômico”
(Croce, 1927, p. 11-12). Essa observação foi apropriada por Gramsci e, de modo
irônico, dirigida contra o próprio Croce, afirmando a necessidade de avaliar o
pensamento deste “não pelo que pretende ser, e sim pelo que realmente é e se
manifesta nas obras históricas concretas” (Q 10/I, § 12, p. 1235).
Era, assim, repetida uma afirmação realizada anteriormente, num con-
texto muito mais esclarecedor para os problemas aqui tratados. Logo depois de
criticar a pretensão de reduduzir toda flutuação política e ideológica a uma mera
manifestação imediata da estrutura, Gramsci recomendava combatê-la com as
obras políticas e históricas concretas. E ressaltava: “para isso são importantes,
especialmente, o 18 Brumário e os escritos sobre a Questão oriental, mas também
outros (Revolução e contra-revolução na Alemanha,45 A guerra civil na França e
menores)” (Q 7, § 24, p. 871-872). Gramsci era categórico ao afirmar que uma
análise dessas obras permitiria definir melhor “a metodologia histórica marxista,
integrando, iluminando ou interpretando as afirmações teóricas dispersas em
todas as obras” (idem).
A fusão promovida por Gramsci entre metodologia e história con-
creta era de tal forma, que aquelas “cautelas” que Marx introduzia em sua
análise histórica e política penetravam na formulação metodológica através da
afirmação da vontade humana. Que essa vontade não estava ausente da análise
44
Ver a esse respeito as cartas de Engels datadas de 21 de setembro de 1890 e de 25 de janeiro de
1894 (Cf. mecw, v. 49, p. 36 e v. 50, p. 267).
45
Durante muito tempo acreditou-se que Revolução e contra-revolução na Alemanha fosse da auto-
ria de Marx. A obra, na verdade, foi escrita por Engels, a pedido de Marx, e publicada entre 1851 e
1852 na New York Daily Tribune, do qual Marx era correspondente. Somente em 1913, depois da
publicação da correspondência de Marx e Engels, foi descoberta a verdadeira autoria desse texto.
Portanto, quando Gramsci atribuiu a autoria a Marx no Quaderno 7 (1930-1932), esse equívoco
já se havia desfeito.
estrutura/superestrutura 123
marxiana não resta a menor dúvida. O que dizer das primeiras páginas de A
luta de classes na França? Somente depois de analisar as diferentes frações de
classe e, principalmente, da aristocracia financeira, somente depois de expli-
citar a crise fiscal do Estado, somente depois de expor os “sórdidos interesses”
que moviam as diferentes claques parlamentares, somente depois disso é que
aparecia a crise econômica (mecw, v. 10, p. 52). As palavras eram cuidado-
samente escolhidas por Marx: os conhecidos acontecimentos econômicos de
caráter mundial que tiveram lugar no ano de 1848 – a crise agrícola e a crise
geral do comércio e da indústria na Inglaterra – “aceleraram” o desconten-
tamento geral (idem). Não criaram nem produziram, mas precipitaram um
processo que possuía sua própria temporalidade e existência, criando uma
singularidade nova e potencialmente explosiva.
A riqueza das ferramentas interpretativas existentes nessas obras de
cunho histórico concreto é inestimável. Nada mais justo que promover a reva-
lorização dessas obras. Não se trata apenas de inseri-las nos estudos históricos
referentes aos temas por elas abordados. Isso, a rigor, não seria sequer o mais
importante. Importante é encontrar nelas seu verdadeiro valor metodológico,
verificando como aquelas formulações angulosas dos textos teóricos e programá-
ticos tomavam formas plásticas nas análises históricas e políticas.
Foi por meio da Revolução Francesa que a história entrou na reflexão
marxiana. É bastante conhecida a marcante influência que essa revolução exer-
ceu em sua obra, e quem ler seus escritos juvenis encontrará neles um grande
número de referências. Para o círculo de jovens intelectuais alemães que Marx
freqüentava no começo da década de 1840, a Revolução Francesa era um mode-
lo e se tivessem visto Napoleão na Renânia, não hesitariam em dizer com o velho
mestre que haviam presenciado o “espírito do mundo” passar a cavalo.
No verão de 1843, Marx se dedicou a estudar a história dessa revolu-
ção. Mignet, Thiers, Condorcet, madame Roland e madame de Staël estiveram
entre suas leituras de então, e é sabido que, em 1845, planejou escrever uma
obra sobre a sociedade burguesa e a revolução comunista cujo primeiro capítulo
estaria dedicado “à história do nascimento do Estado moderno, ou à Revolução
Francesa” (mecw, v. 4, p. 666). Tal obra nunca veio à luz. Também não escre-
veu, ou pelo menos dela não se tem notícia alguma, a história da Convenção,
124 alvaro bianchi
O “Ensaio popular”. Não é tratado o ponto fundamental: como das estruturas nas-
ce o movimento histórico? E entretanto esse é o ponto crucial de toda a questão do
materialismo histórico, é o problema da unidade entre a sociedade e a “natureza”.
As duas proposições: – 1) a “sociedade” não se coloca problemas para cuja solução
não tenham se dado as condições (premissas) necessárias e suficientes; 2) nenhu-
ma forma de sociedade desaparece antes de ter esgotado todas suas possibilidades
de desenvolvimento – deveriam ter sido analisadas em todas suas possibilidades e
conseqüências. Apenas nesse terreno é possível eliminar todo mecanicismo e todo
traço de “milagre” supersticioso. Também nesse terreno deve ser colocado o pro-
blema da formação dos grupos políticos ativos e, em última análise, o problema da
função das grandes personalidades da história. (Q 7, § 20, p. 869)
46
É preciso deixar claro, entretanto, que essa ordem cronológica é estabelecida de modo aproxi-
mado e não exato. Trata-se aqui de construir uma interpretação da questão e não de encontrar a
verdade do texto.
128 alvaro bianchi
Questões gerais. I. Não é tratado este ponto fundamental: como nasce o movimen-
to histórico sobre a base da estrutura. Entretanto, o problema é ao menos sugerido
nos Problemi fondamentali de Plekhanov e poderia ser desenvolvido. Além disso,
este é o ponto crucial de todas as questões sugeridas em torno à filosofia da práxis e
sem tê-lo resolvido não se pode resolver o outro, o das relações entre a sociedade e a
“natureza”, a qual no Ensaio é dedicado um capítulo especial. As duas proposições
do prefácio à Crítica da economia política: 1) A humanidade se coloca sempre
somente aquelas tarefas que pode resolver; (...) a tarefa entretanto surge somente
onde as condições materiais para sua solução existem ou, ao menos estão em pro-
cesso de seu devir; 2) Uma formação social não perece antes de ter desenvolvido
todas as forças produtivas para as quais ela é ainda suficiente e de que novas e mais
elevadas relações de produção tenham ocupado seu lugar: antes de que as condi-
ções materiais de existência destas últimas tenham sido incubadas no próprio seio
da velha sociedade – deveriam ter sido analisadas em todo seu alcance e conseqü-
ência. Apenas neste terreno é possível eliminar todo mecanicismo e todo traço de
“milagre” supersticioso; apenas nele deve ser colocado o problema da formação dos
grupos políticos ativos e, em última análise, também o problema da função das
grandes personalidades da história. (Q 11, § 22, p. 1422)
Notável nesses textos é a afirmação que seu autor faz a respeito da necessá-
ria eliminação de todo mecanicismo e a importância que atribui ao “Prefácio” para a
supressão de todo “traço de ‘milagre’ supersticioso”, de fé na transformação automá-
tica da sociedade. A ordem do enunciado gramsciano tem grande importância para
tal e é preciso destacar que está em posições inversa à utilizada por Marx.47 Segundo
47
Deixa-se para depois a análise das diferenças terminológicas. Vale a pena, entretanto, comparar
agora o texto de Gramsci com a versão original do “Prefácio”: “Jamais uma sociedade desaparece
antes de desenvolver todas as forças produtivas que ela é capaz de conter; nunca relações de pro-
dução superiores lhe substituem antes que as condições materiais de sua existência se produzam
no próprio seio da velha sociedade. É por isso que a humanidade nunca se coloca problemas que
não seja capaz de resolver: considerando melhor as coisas, se descobrirá sempre que o problema só
surgiu quando as condições materiais para resolvê-lo já existiam ou estavam em vias de aparecer”
(mecw, v. 29, p. 263). A tradução completa do “Prefácio de 1859” encontra-se nos extratos dos
cadernos de traduções (Q, p. 2358-2360).
estrutura/superestrutura 129
André Tosel, esses dois princípios, tal qual reformulados por Gramsci, seriam “o
princípio objetivo da contradição entre relações de produção e forças produtivas,
o princípio subjetivo da maturação das condições ideológico-políticas de solução
da contradição” (Tosel, 1994, p. 42). A primeira dessas regras produz otimismo e
confiança e indica a possibilidade de superação da ordem vigente. A segunda inspira
temor, prudência e Alerta que a superação antes enunciada não ocorre de forma
mecânica e sem resistência, “induz o político a não levar em conta apenas a energia
que a sua ‘parte’ pode desenvolver, mas também os impulsos hegemônicos que o
adversário também pode emitir” (Badaloni, 1978, p. 28).
Na passagem da primeira versão para a segunda, o enquadramento as-
sumia uma dimensão mais ampla mediante a referência a Plekhanov. A própria
crítica a Bukharin adquiria uma nova envergadura a partir do momento em
que o nome do pai do marxismo russo era anunciado. Ao estabelecer um nexo
Plekhanov-Bukharin, o alvo da crítica passava a ser uma tradição marxista do-
minante na Rússia que encontrava seu lugar em parcelas expressivas do grupo
dirigente soviético.
Tais temas foram desenvolvidos por Gramsci em uma nota no mes-
mo Quaderno 11 (§ 29) dedicada à concepção de “instrumento técnico”
presente no manual de Bukharin, composta a partir de textos presentes ante-
riormente no Quaderno 4 (§ § 12 e 19). O marxista soviético não era sequer
mencionado nas notas do Quaderno 4, e seu comparecimento na segunda
redação indica que Gramsci estava disposto a tratar a importante questão
das relações entre estrutura e superestrutura no marco de sua polêmica con-
tra o revisionismo bukhariniano e seus efeitos negativos no desenvolvimento
do marxismo soviético.
Ao equiparar nesse parágrafo o autor do Ensaio popular ao famigerado
Achille Loria, o marxista sardo mostrava o quão negativo era seu juízo: “a esse
respeito, o modo de pensar exposto no Ensaio não é diferente daquele de Loria,
se não for ainda mais criticável e superficial” (Q 11, § 29, p. 1441). A compa-
ração entre os dois autores balizava o alcance da crítica ao positivismo que tinha
lugar nos Quaderni, bem como sua dimensão política. Tanto Bukharin como
Loria – um no âmbito do movimento comunista internacional outro, no do
socialismo italiano travessão exerciam uma influência negativa e constituíam
130 alvaro bianchi
um obstáculo a uma reforma intelectual e moral que precisaria ser superado pela
crítica (cf. Buttigieg, 1990, p. 70-71 e 75).
A crítica a Loria e ao lorianismo, presente desde o Primo Quaderno,
encontrava-se fortemente inspirada no devastador ataque que Benedetto Croce
já havia movido contra ele. Inscrito em Materialismo storico ed economia mar-
xistica, esse ataque revelou para o público italiano que a teoria de Loria não
era senão uma sucessão de plágios e deturpações da obra de Marx. Plágio e
deturpação era o que o expoente do “economicismo histórico” havia feito com o
“Prefácio de 1859” de Marx. Em La terra ed il sistema sociale, por exemplo, Loria
transfigurava completamente a passagem anteriormente citada do “Prefácio”,
na qual Marx comentava a contradição existente entre o desenvolvimento das
forças produtivas e as relações de produção existentes. Segundo Loria,
48
Desta vez a afirmação de Gramsci é equivocada, na medida em que o texto marxiano é citado no
Ensaio (cf. Bukharin, 1974, p. 289-290).
132 alvaro bianchi
Essa afirmação mais uma vez remetia ao “Prefácio de 1859”, uma vez
que nele Marx alertava que no estudo das transformações sociais era necessário
distinguir as mudanças nas formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou
filosóficas, daquelas mudanças nas condições econômicas de produção, “as quais
podem ser determinadas com a precisão das ciências naturais” (mecw, v. 29, p.
263). Essa observação era mobilizada por Gramsci contra a acusação de Croce
de que o materialismo histórico teria destacado a estrutura das superestruturas,
restabelecendo um dualismo de tipo teológico no qual a estrutura ocuparia o
lugar de um “deus-oculto”. Mas ao afirmar que a estrutura poderia ser estudada
“com os métodos das ciências naturais”, já ficava claro que ela era concebida de
modo “ultra-realista” e não poderia, portanto, ocupar o lugar de uma divindade
criadora do real (Q 10/II, § 41, p. 1300).
Em vez de conceber a estrutura como algo imóvel e absoluto, a filosofia
da práxis a concebia como “a própria realidade em movimento”. A acusação de
Croce era, portanto, segundo o marxista sardo, “vazia e superficial” (idem). A
filosofia da práxis, em vez de destacar a estrutura das superestruturas, reconhecia
o desenvolvimento histórico das mesmas como intimamente conexo e necessa-
riamente recíproco.
A questão das superestruturas também recebia em Gramsci um extenso
tratamento. A atenção dedicada ao tema não permite, entretanto, reduzir seu
pensamento a uma “teoria das superestruturas”, como procurou fazer Norberto
Bobbio, em sua intervenção no congresso de estudos gramscianos ocorrido em
Cagliari, no ano de 1967 (cf. Bobbio, 1975). Também na análise das superes-
truturas Gramsci destacava o nexo que elas mantinham com as estruturas, com
base no “Prefácio de 1859”.
Essa análise torna-se mais clara quando localizada na geografia dos Qua-
derni. A referência a esse “Prefácio” presente no Quaderno 7 (§ 20) e acima citada
era precedida e sucedida por duas importantes anotações referentes à questão da
superestrutura e da ideologia (Q 7, §§ 19 e 21). As questões estavam claramente ar-
ticuladas com a colocação do problema pelo texto de Marx e por sua reinterpretação
134 alvaro bianchi
por Gramsci. No § 19, Gramsci protestava contra o uso vulgar e pejorativo da ex-
pressão ideologia quando ela designava “as elucubrações arbitrárias de determinados
indivíduos” (Q 7, § 19, p. 868). Tal uso implicava em afirmar que “toda ideologia é
‘pura’ aparência, inútil, estúpida, etc” (idem).
Esse reducionismo impedia, segundo Gramsci, uma justa análise teóri-
ca do conceito de ideologia. Era necessário distinguir, entretanto, as “ideologias
historicamente orgânicas, isto é, necessárias a uma determinada estrutura”, e
aquelas que seriam arbitrárias e voluntaristas. Enquanto as últimas não alimen-
tariam senão movimentos individualistas e pequenas polêmicas, as ideologias
historicamente necessárias “‘organizam’ as massas humanas, formam o terreno
no qual os homens se movimentam, adquirem consciência da própria posição,
lutam, etc (idem). A ideologia é, desse modo, o aspecto de massa de toda con-
cepção filosófica.
Com seu protesto contra essa confusão terminológica, o marxista sar-
do procurava reservar a expressão ideologia em seu sentido forte para designar
“a superestrutura necessária de uma determinada estrutura” (idem). Com esse
propósito, Gramsci recordava, no § 21 do mesmo Quaderno 7, a afirmação fei-
ta por Marx em O capital a respeito da “solidez das crenças populares”,49 bem
como aquela passagem da Crítica da filosofia do direito de Hegel: “Introdução”,
na qual era feita referência à força material das ideologias.50
Por meio de tais passagens seria possível pensar uma teoria materia-
lista das ideologias na qual as forças materiais são o conteúdo e as ideologias
a forma, sendo essa distinção entre forma e conteúdo uma distinção meto-
dológica e não orgânica, “porque as forças materiais não seriam concebíveis
historicamente sem forma e as ideologias seriam fantasias individuais, sem as
49
“O segredo da expressão de valor, ou seja, todos os tipos de trabalho são iguais e equivalentes
na medida em que são e por serem trabalho humano em geral, só poderia ser descoberto a partir
do momento em que a idéia da igualdade humana possuísse já a firmeza de um preconceito popular”
(mecw, v. 35, p. 70. Grifos meus.)
50
“A arma da crítica não pode, é claro, substituir a crítica das armas, a força material deve ser
derrubada pela força material; mas a teoria também se torna uma força material tão logo se apodera
das massas.” (mecw, v. 3, p. 182. Grifos meus)
estrutura/superestrutura 135
forças materiais” (Q 7, § 21, p. 869). Essa teoria foi desenvolvida por Gramsci
ainda nos marcos do “Prefácio de 1859”.
Repetidamente o marxista sardo parafraseou uma afirmação feita por
Marx nesse mesmo texto e escreveu que os “homens tomam consciência de sua
posição social e, portanto, de suas tarefas, sobre o terreno da ideologia” (Q 10/II,
§ 41, p. 1319).51 A partir dessa afirmação é possível compreender a superestru-
tura como uma realidade objetiva e operante que mantém um nexo indissolúvel
com a estrutura. Dora Kanoussi tem insistido que tal afirmação constitui um
terceiro e imprescindível cânone de interpretação histórica (Kanoussi e Mena,
1985, p. 39 e Kanoussi, 2000, p. 58).
A incorporação desse terceiro “cânone” permite sublinhar que as supe-
restruturas – as ideologias, inclusive – não são para a filosofia da práxis formas
arbitrárias, “são fatos históricos reais, os quais devem ser combatidos e revelados
em sua natureza de instrumentos de domínio” (Q 10/II, § 41, p. 1319). As
razões desse necessário combate são de natureza política. É por meio dele que
se torna possível “tornar os governados intelectualmente independentes dos
governantes, (...) destruir uma hegemonia e criar uma outra, como momento
necessário da subversão da práxis” (idem).
Contestando a acusação de Croce, que afirmava serem as superestru-
turas meras aparências para o marxismo, Gramsci argumentava que como fatos
históricos as superestruturas eram isso mesmo. Mas a concepção das superes-
truturas como aparência não significaria para o marxismo outra coisa que a
afirmação da historicidade e caducidade de toda filosofia, ao lado da afirmação
da validade histórica de todo sistema e de sua necessidade (cf. Q 13, § 10, p.
1570). O postulado de que é no terreno ideológico que os homens adquirem
consciência de suas relações sociais não faria senão corroborar a necessidade e a
validade dessa “aparência” (idem).
51
Segundo Marx, “mudanças nas fundações econômicas promovem cedo ou tarde a transformação
do imenso conjunto da superestrutura. No estudo de tais transformações é sempre importante dis-
tinguir entre as transformações materiais das condições econômicas de produção, as quais podem
ser determinadas com a precisão das ciências naturais, e as transformações jurídicas, políticas, reli-
giosas, artísticas ou filosóficas – em resumo, as formas ideológicas nas quais os homens se tornam
conscientes desse conflito e lutam para resolvê-lo” (mecw, v. 29, p. 263).
136 alvaro bianchi
Recordar os dois pontos entre os quais oscila esse processo: – que nenhuma
sociedade se coloca desafios para cuja solução já não existam ou estejam em vias
de aparecer as condições necessárias e suficientes; – e que nenhuma sociedade
perece antes de ter expressado todo seu conteúdo potencial. (idem)
52
Sobre o uso do conceito de bloco histórico no Partido Comunista Italiano, ver o depoimento de
um de seus dirigentes, Giorgio Napolitano (1970).
138 alvaro bianchi
Análise das situações: relações de força. É o problema das relações entre estrutura e
superestrutura que deve ser posto com exatidão e resolvido para chegar a uma justa
análise das forças que atuam na história de um determinado período e determinar
sua própria relação. É necessário mover-se no âmbito de dois princípios: 1) o de
que nenhuma sociedade assume encargos para cuja solução ainda não existam as
condições necessárias e suficientes, ou que pelo menos não estejam em vias de apa-
recer e se desenvolver; 2) o de que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser subs-
tituída antes de desenvolver e completar todas as formas de vida implícitas nas suas
relações (verificar o exato enunciado destes princípios). (Q 13, § 17, p. 1579)
A proposição de que “a sociedade não coloca diante de si problemas para cuja solução
ainda não existam as premissas materiais”. É o problema da formação de uma
vontade coletiva que depende imediatamente desta proposição. Analisar critica-
mente o significado da proposição implica indagar como se formam as vontades
coletivas permanentes, e como tais vontades se propõem objetivos imediatos e
mediatos concretos, isto é, uma linha de ação coletiva. (Q 8, § 195, p. 1057)
[o marxismo] não situa nunca como fator máximo da história os fatos econômicos
brutos, e sim, sempre, o homem, a sociedade dos homens, dos homens que se re-
únem, se compreendem, e desenvolvem através desses contatos (civilização) uma
vontade social, coletiva, e entendem os fatos econômicos e os julgam, adaptando-os
a sua vontade até que esta se converta no motor da economia em plasmadora da rea-
lidade objetiva, a qual vive, move-se e toma o caráter de matéria telúrica em ebulição,
canalizável por onde a vontade desejar e como a vontade desejar. (cf, p. 514)
142 alvaro bianchi
53
Opinião diferente a respeito desse texto tem Edmundo Fernandes Dias (2000, p. 113), para
quem não se trata de voluntarismo, e sim da interpenetração entre vontade e história.
estrutura/superestrutura 143
Política
54
À observação de Paggi é necessário acrescentar que Gramsci começava sua investigação no Primo
Quaderno no âmbito de uma reflexão sobre a interpretação da obra de Maquiavel, ressaltando o
tempo que lhe era próprio e a necessidade de tratá-la de modo histórico (Q 1, § 10, p. 8-9). A pes-
quisa a respeito da “autonomia do fato político” própria daquele segundo bloco temático apontado
por Paggi apareceria apenas mais tarde, no Quaderno 4, § 56. Segundo Francioni, esse parágrafo
data de novembro de 1930 (1984, p. 141). Era concomitante, portanto, àquelas discussões na
prisão narradas por Athos Lisa, as quais assinalaram um giro político no interior dos Quaderni.
estrutura/superestrutura 145
55
Nas notas intituladas Croce e Marx, pelo contrário, ambos os autores são colocados em oposi-
ção.
146 alvaro bianchi
56
A abordagem croceana já havia sido antecipada, embora de forma muito sumária, em Filosofia
della pratica (Croce, 1923, p. 266-268).
estrutura/superestrutura 147
dos novos tempos” (De Sanctis, 1968, p. 454). Essa dupla função – negativa e
positiva – que havia sido levada a cabo pela Reforma protestante no restante
da Europa teria assumido na Itália uma forma diferente. De Sanctis afirmava,
então, que na península “Lutero foi Nicolau Maquiavel” (Idem). Como homem
do Renascimento, o Maquiavel de De Sanctis foi também um reformador.
Esse dualismo também era destacado por Croce. O secretário floren-
tino, afirmava em Etica e politica, era comumente identificado com o Renas-
cimento. Mas ele pertenceria, também, ao movimento da Reforma e ao seu
desejo, dentro e fora da Itália, de “conhecer o homem e pesquisar o problema de
sua alma [anima]” (Croce, 1993, p. 292). O sentido a partir do qual Maquiavel
era identificado com o espírito da Reforma diferia, entretanto, daquele afirmado
por De Sanctis. Para Croce, o secretário florentino era um reformador da filoso-
fia e não da sociedade de sua época. Por essa razão poderia estar inserido em um
movimento de pesquisa do “problema da alma”, do espírito humano. Maquiavel
assumia, desse modo, o lugar de precursor da filosofia do espírito.
A afirmação do autor de Il Principe como descobridor da autonomia da
política que foi discutida até aqui se tornou célebre e fez de Croce um dos expo-
entes da moderna maquiavelística, apesar de ter dedicado a ele apenas pequenos
artigos e páginas esparsas, encontradas, principalmente, em Etica e Política e
em Storia della età barocca in Italia (cf. Cochrane, 1961, p. 115-116 e Medici,
1990 p. 166). A influência dessa leitura croceana sobre a reflexão de Gramsci
nos Quaderni del carcere é inegável. As referências são por demais explícitas para
serem recusadas. Levando em consideração essas referências, Finocchiaro afirma
simplesmente que o marxista sardo “aceita” de Croce essa tese fundamental (Fi-
nocchiaro, 2002, p. 133). Na verdade, embora ele tenha acolhido a expressão
e faça uso corrente dela nos Quaderni, não fez o mesmo com seu conteúdo. Os
fundamentos e os resultados dessa tese eram, para Croce e Gramsci, diferentes
(Medici, 1990, p. 167), senão contrapostos (cf. Fontana, 1993, p. 7 e 52-73 e
Frosini, 2003, p.164).
Para Gramsci, a afirmação de uma “autonomia da política” implicava
o reconhecimento de que a política não poderia ser reduzida à religião ou à
ética. Como campo do conhecimento e como atividade, ou seja, como ciência
e prática, teoria e práxis, a ciência política e a política tinham regras próprias
estrutura/superestrutura 149
57
Maquiavel foi citado em todos os cadernos anteriores ao 8, com a exceção do 7. Mas neles nunca
dedicou mais do que três parágrafos ao florentino. No Quaderno 8, ao invés, é possível encontrar
referências nos §§ 21, 37, 43, 44, 48, 56, 58, 61, 78, 84, 86, 114, 132, 162 e 163.
150 alvaro bianchi
novo Estado. De modo apropriado, Rita Medici chamou a atenção para a escassez
de referências a essa temática nos Quaderni (Medici, 2000, p. 162).58 Tal temática
é, sem dúvida, de grande importância, mas ela não fornece um critério interno de
unidade da abordagem gramsciana de Maquiavel.
A questão que poderia fornecer um critério de unidade foi colocada por
Gramsci, originalmente no Quaderno 8: qual o lugar da atividade política na fi-
losofia da práxis? A própria colocação do problema já marcava distância daquela
assumida por Croce, na medida em que o marxista sardo indicava, já na pergunta
que fazia, a unidade entre filosofia e política (Q 8, § 61, p. 977).59 Apontando
as diferenças existentes entre os dois intérpretes, Frosini argumentou que para o
filósofo napolitano a afirmação maquiaveliana da autonomia da política era uma
descoberta de valor filosófico, enquanto para Gramsci essa dimensão filosófica po-
deria ser afirmada, porque implicava um revolucionamento de toda a concepção
do mundo e uma reinterpretação também da moral e da filosofia. Assim, Gramsci
“subverte a perspectiva croceana, na medida em que avista na própria política a
descoberta in nuce de uma inteira nova filosofia” (Frosini, 2003, p. 164).
Croce, como já visto, fundamentava sua concepção da política a partir
da distinção das diversas formas do espírito, e a definia como um momento da
prática autônomo e independente das demais formas, ainda que relacionado
com elas mediante o nexo circular dos distintos. Gramsci procurava desenvolver
esse conceito em sentido contraposto àquele do filósofo napolitano, em uma
passagem rica de significados:
Onde tudo é prática, em uma filosofia da práxis, a distinção não será entre mo-
mentos do Espírito absoluto, mas entre estrutura e superestrutura, tratar-se-á de
fixar a posição dialética da atividade política como distinção nas superestruturas,
58
De fato, no Quaderno especial dedicado a Maquiavel só há duas referências ao “príncipe moder-
no” (Q 13, § 1, p. 1558 e § 21, p. 1601-1602).
59
Depois de subsumir a interpretação gramsciana da “autonomia da política” na filosofia do es-
pírito croceana, Finocchiaro acusa Gramsci de confundir atividade política com ciência política
(cf, Finocchiaro, 2002, p. 124). Só faria sentido afirmar tal confusão se Gramsci tivesse aceito a
separação entre política e filosofia, coisa que sempre rejeitou.
estrutura/superestrutura 151
60
“Porém, sendo minha intenção escrever algo útil para quem me ler, parece-me mais con-
veniente procurar a verdade efetiva das coisas [verità effettuale della cosa] do que a imaginação
desta.”(Maquiavel, 1971, p. 280)
152 alvaro bianchi
a si própria, mas que contém, ao mesmo tempo, aquilo que lhe é diferente. É
por essa razão que, segundo Gramsci:
bem como na relação de unidade que se estabelece nessa obra entre uma racio-
nalidade universalizada e uma “vontade coletiva” particularizada, personificada
na figura do condottiero. Assim, segundo o marxista sardo,
61
A analogia com o Manifesto Comunista é óbvia e é possível que o marxista sardo tivesse em mente
aquela passagem na qual Benedetto Croce afirmava ter sido Marx o “Maquiavel do proletariado”
(Croce, 1927, p. 112).
156 alvaro bianchi
imagem de conjunto e, por sua aproximação, atribui a cada um deles seu má-
ximo de intensidade. Recorrendo a lembranças pungentes de conflitos particu-
lares, dá um colorido intenso a todos os detalhes da composição apresentada à
consciência. Obtemos, assim, essa intuição do socialismo que a linguagem não
podia oferecer de maneira perfeitamente clara – e a obtemos num conjunto per-
cebido instantaneamente. (idem, p. 182)
Era esse estatuto que Sorel atribuía à greve geral que motivava a crítica de
Gramsci. Segundo o marxista sardo, a realização máxima da práxis política na con-
cepção de Sorel estava circunscrita a um momento econômico-corporativo, momen-
to “negativo e preliminar”, consubstanciado na greve geral, na qual predominava o
impulso irracional e “arbitrário”, a pura espontaneidade (Q 13, § 1, p. 1556-1557).
O mito soreliano teria uma capacidade de dissolver o existente, de negá-lo. Mas essa
negação do presente não seria dialética. Ela não produziria uma nova síntese.
Faltava à concepção de Sorel um momento “construtivo”. A vontade
coletiva, ao abandonar a sua “fase primitiva e elementar de sua mera formação”,
logo se desagregaria em uma multiplicidade disforme de vontades particulares.
Faltaria o elemento capaz de soldar essas vontades, transformando-as em força
histórica criadora. O mito soreliano poderia, desse modo, estimular a destruição
das “relações morais e jurídicas existentes”, mas era incapaz de ser um “produtor
de realidades”: “não pode existir destruição, negação, sem uma implícita cons-
trução, afirmação, e não num sentido ‘metafísico’, mas praticamente, isto é,
politicamente, como programa de partido” (idem, p. 1557).
Detrás da espontaneidade do sindicalismo revolucionário, não haveria
senão um puro mecanicismo, “um máximo de determinismo, por trás do idea-
lismo um materialismo absoluto”, ou seja, vulgar (idem). Daí que o sindicalis-
mo teórico e o anarquismo pudessem ser assemelhados ao liberalismo. Mas o
liberalismo é um programa teórico das classes dominantes, destinado a “mudar,
quando triunfa, o pessoal dirigente de um Estado e o programa econômico
do próprio Estado” (Q 13, § 18, p. 1590) e, portanto, é um programa com
vistas a preservar uma situação de dominação de classes imprimindo uma nova
direção e atualizando a organização estatal. O sindicalismo revolucionário, por
sua vez, se refere ao grupo social subalterno (a classe trabalhadora) que, com
essa teoria, “é impedido de tornar-se dominante, de desenvolver-se para além da
estrutura/superestrutura 157
62
Gramsci partilhou essa aversão em sua juventude (cf. Losurdo, 1997, p. 26). Rita Medici ressal-
tou que o antijacobinismo juvenil de Gramsci devia-se não apenas à influência de Croce e Gentile,
ressaltada por Losurdo, mas também à de Sorel (Medici, 2000, p. 70). No mesmo sentido, ver Del
Roio (2005, p. 37-39). Para um tratamento abrangente da evolução do pensamento de Gramsci a
respeito do jacobinismo, ver Medici (2004).
158 alvaro bianchi
Relações
Parte das alterações feitas por Gramsci nesse texto tinham o evidente
objetivo de torná-lo mais preciso. Assim, esclarecia que a grande política não
diz respeito apenas à “luta pela defesa e a conservação” de um determinada
estrutura, mas também a sua destruição. Também era importante a substitui-
ção de “estrutura social política” por “estruturas orgânicas econômico-sociais”.
Evidentemente, a grande política ainda é política e, por essa razão, provoca
estranhamento essa última alteração. Por que teria sido suprimida a palavra
“política”? E que sentido tem o acréscimo de “orgânicas”, como adjetivo de
estruturas, na segunda versão? Esse é um dos casos a respeito dos quais é
possível apenas supor o sentido das alterações, mas se pode imaginar que elas
tivessem por objetivo demarcar mais claramente a distância que separa a gran-
de política, que tem por objetivo a transformação ou conservação das relações
de produção, da pequena política, que tem por objetivo a substituição de uma
fração do grupo dirigente por outra.
Na mesma nota, a pequena política era definida como a “política do
dia-a-dia, política parlamentar, de corredor, de intriga” (Q 13, § 5, p. 1573).
Nessa dimensão da atividade, as questões eram apenas “parciais e cotidianas”
e colocavam frente a frente no interior de uma estrutura estável “as diversas
frações de uma mesma classe política” (idem). Ao afirmar como própria da
grande política a luta pela transformação e/ou conservação de “determinadas
estruturas orgânicas econômico-sociais”, era ressaltado o caráter estratégico do
antagonismo social. O que está em jogo na alta política é a conformação de uma
nova hegemonia, de um novo bloco histórico cuja possibilidade está inscrita na
totalidade social (cf. Dias, 1996, p. 14).
A exclusão do antagonismo social e da “grande política” do âmbito
da vida estatal e a redução desta a pequenos jogos de intriga entre claques par-
160 alvaro bianchi
lamentares não deixava de ser, segundo Gramsci, a “alta política” das classes
dominantes. Era esse mecanismo de ocultamento dos conflitos sociais o que per-
mitia reduzir os agentes à condição de cidadãos, abstraindo suas determinações
sociais e transformando-os em unidades isoladas (cf. Dias, 1996, p. 25). Nesse
ocultamento próprio do liberalismo, mesmo quando agrupados em partidos,
esses agentes não deixam de ser indivíduos. Era essa ilusão do real o que permitia
a Croce afirmar que no Estado cada um de seus membros era vez por outra
“soberano e súdito” (1994, p. 261).
A percepção do mecanismo de ilusão levava Gramsci a reconhecer em
Giolitti um expoente da “grande política” mesmo quando este a rebaixava ao
nível da “pequena política” ou precisamente por essa razão. A exposição dos
Quaderni pode ser considerada incompleta nesse ponto. Pois além da ilusão que
transforma a grande política em pequena política, seria possível pensar aquela
que se desenvolve em sentido oposto, transformando a pequena política em
uma falsa grande política. Se aquela primeira forma tinha no liberal Giolitti
seu expoente, a segunda encontrava seus representantes no interior do Partito
Socialista Italiano (psi).
A supressão da palavra política não cancelava, portanto, a dimensão
estratégica do conflito social, mas permitia destacar que esta se localiza além da-
quilo que comumente era denominado de “política” – as pequenas escaramuças
parlamentares, a polêmica vazia nos jornais, os escândalos ministeriais. A grande
política está presente no cotidiano, mas naquela dimensão do presente na qual é
possível encontrar as classes antagônicas em conflito aberto ou dissimulado.
Distinguir a grande política da pequena política equivale a diferenciar a
conjuntura da situação. Gramsci ressaltava que no estudo de uma estrutura era
preciso distinguir os movimentos orgânicos (permanentes) daqueles conjunturais
(ocasionais, imediatos, acidentais). Desvendar a estrutura e seu presente é uma
operação que exige decompor o tempo em suas manifestações variadas: o tempo
da época, da situação e da conjuntura; da economia, do social e da política; da
estratégia e da tática; da propaganda e da agitação. Uma decomposição que só
tem sentido quando seguida pela resolução dessas múltiplas temporalidades na
história do presente. A distinção não deveria servir de base para uma separação
estrutura/superestrutura 161
Noções enciclopédicas. (...) Conjuntura. A conjuntura pode ser definida como o con-
junto de circunstâncias que determinam o mercado em uma dada fase, se estas
circunstâncias são concebidas como em movimento, isto é, como um conjunto
que dá lugar a um processo de sempre novas combinações, processo que é o ciclo
econômico. Estuda-se a conjuntura para prever e conseqüentemente também de-
terminar, dentro de certos limites, o ciclo econômico em um sentido favorável aos
negócios. Por essa razão a conjuntura foi também definida como a oscilação da
situação econômica, ou o conjunto das oscilações. (Q 15, § 16, p. 1774)
na qual era estabelecida a distinção existente entre, por um lado, a constelação con-
ceitual conjuntura-tática-agitação e, por outro, situação-estratégia-propaganda. Tais
constelações agrupam conceitos-chave da crítica e da ação política.
O foco inicial na dimensão econômica da conjuntura deve ser com-
preendido como parte da crítica gramsciana ao economicismo. A denúncia do
economicismo e do automatismo acarretava a rejeição de uma visão fatalista
da história, muito em voga à época, que derivava a crise revolucionária dire-
tamente da crise econômica. Tal derivação tendia a aproximar os diferentes
tempos da política e da economia e terminava por diluir a superestrutura na
estrutura. A concepção de Gramsci era antagônica e tendia a afirmar a discor-
dância desses tempos. Atento aos contratempos que poderiam evitar a eclosão
de uma crise política ou modulá-la, afirmava: “pode-se excluir que, de per si,
as crises econômicas imediatas produzam acontecimentos fundamentais; ape-
nas podem criar um terreno favorável à difusão de determinadas maneiras de
pensar, de formular e resolver as questões que envolvem todo o curso ulterior
da vida estatal” (Q 13, § 17, p. 1587).63
Nessa passagem, Gramsci destacava a assincronia existente entre as mu-
danças econômicas e as mudanças políticas. Reconhecer essa diversidade temporal
é um importante antídoto contra todo automatismo. Tal reconhecimento permite
compreender a discordância dos tempos das mudanças na estrutura e na superestru-
tura. Essa discordância faz com que perante o tempo acelerado das formas políticas
e ideológicas, e dos conflitos que tem aí seu lugar, a estrutura apareça como fixa,
devido a seu lento movimento. A ação das massas, bem como seus movimentos
políticos e ideológicos, possui uma temporalidade própria que não necessariamente
é a temporalidade da crise econômica. Pelo contrário, na maioria das vezes, os mo-
vimentos das massas encontram-se atrasados em relação aos fenômenos econômicos
conjunturais. Segundo Gramsci, na análise economicista da realidade,
não se leva em conta o fator ‘tempo’ e, em última análise, não se leva em conta
a própria ‘economia’, no sentido de que não se compreende como os fatos ideo-
63
Para um desenvolvimento maior das relações entre crise econômica e crise política, ver Bianchi
(2002).
estrutura/superestrutura 163
materiais de produção, cada qual ocupando uma posição dada na divisão social
do trabalho. Nesse nível, a classe existe objetivamente. Ela é uma quantidade, um
lugar, uma função. Localiza-se, aqui, uma “realidade rebelde”, mas essencial para
verificar se existem na sociedade, ou se podem se desenvolver nela, as condições
necessárias e suficientes para sua transformação. Ou seja, ela permite verificar o
realismo, a atualidade e o grau de adequação das ideologias nascidas sobre o solo
dessa realidade rebelde e das contradições geradas em seu desenvolvimento.
O posicionamento dessa dimensão como o primeiro nível da análise
reforça o caráter estruturado e estruturante da estrutura econômico-social na
análise gramsciana. A suposição de que o autor dos Quaderni teria invertido as
posições ocupadas pela estrutura e pela superestrutura em sua análise do real (p.
ex. Bobbio, 1975) enfrenta sérias dificuldades para se sustentar quando cotejada
com o § 17. Mas Gramsci, já foi dito, não pretendia deduzir a conjuntura da
estrutura. O resultado da análise das relações de forças objetivas fixava uma
constante para uma situação política, revelando os conflitos potenciais existen-
tes na realidade e suas possibilidades de desenvolvimento, ou seja, sua aderência
ao real. Nesse sentido, a análise de Marx a respeito das revoluções de 1848,
investigando a imaturidade social e política de um proletariado ainda em fase de
constituição, é exemplar.
A fixidez da estrutura e da relação de forças objetivas que nela tem lugar
é o resultado do lento tempo de maturação das forças produtivas. Para Gramsci,
estas são “o elemento menos variável no desenvolvimento histórico, é aquele que
uma e outra vez pode ser identificado e medido com exatidão matemática, que
pode dar lugar, portanto a observações e a critérios” (Q 11 § 30, p. 1443). É,
portanto, na longue durée, naquilo que os economistas denominam de “tendên-
cias seculares”, que essa relação encontra seu tempo.
O segundo nível da análise dizia respeito à correlação de forças políti-
co-ideológicas, capaz de estimar o grau de homogeneidade, autoconsciência e
organização dos vários grupos sociais. Aí são apreendidos os diversos momen-
tos da consciência política coletiva, momentos que se combinam horizontal
e verticalmente, nacional e internacionalmente, criando arranjos originais e
historicamente concretos. A definição dos diferentes momentos dessa relação
de forças político-ideológicas tinha também um caráter prescritivo, na medida
estrutura/superestrutura 167
com depoimento de Angelo Scucchia a Mima Paulesu Quercioli, esse foi um dos
primeiros temas tratados por Gramsci em sua conversa com seus companheiros
detentos em Turi: “Considerava, de fato, fundamental e primordial aprofundar
esses conceitos da classe operária que da ‘classe em si’ se torna a ‘classe para si’, isto
é, da classe que adquire consciência de sua própria função histórica, luta politica-
mente e expressa o partido.” (Quercioli, 1977, p. 220).
Essa passagem na qual ocorre construção dos sujeitos políticos não era
concebida de modo voluntarista por Gramsci. O estudo dos diferentes momen-
tos dessa passagem levado a cabo nos Quaderni del carcere desenvolve, ao invés
de negar, a reflexão de Gramsci na Introduzione al primo corso della scuola interna
di partito, escrita em 1925. Não seria correto, advertia nesse texto, exigir de um
operário comum uma consciência completa das funções que sua classe era cha-
mada a desenvolver no processo histórico. Antes da conquista do Estado seria
impossível modificar completamente a consciência de toda a classe operária.
Gramsci retomava aí uma solução já desenvolvida por Trotsky em Literatura e
revolução: a consciência só se modificaria completamente na totalidade da classe
quando o proletariado se transformasse em classe dominante, controlando os
aparelhos de produção e o poder estatal (cpc, p. 54. Cf. Trotsky, 1980 e Paggi,
1973, p. 1349).
Até aqui foram tratadas as relações de forças objetivas e as relações
político-ideológicas. Gramsci completava sua análise das relações de forças com
um terceiro nível, denominado relação de forças militares, considerado por ele
o “imediatamente decisivo em cada caso” (Q 13, § 17, p. 1585. Grifos meus).
Também aqui eram distinguidos dois momentos: um primeiro, que poderia ser
denominado de técnico-militar, representando uma dimensão mais estritamente
conflitiva; e outro, político-militar.
A utilização de uma terminologia militar neste terceiro nível não tem ou-
tro significado que o de construir uma analogia com a política. Gramsci não teria
desenvolvido toda sua exposição a respeito das relações de forças entre as classes
fundamentais para, subitamente, deslocar seu foco para o conflito interestatal na
arena internacional. A própria discussão sobre a relação de forças militares a partir
da análise do Risorgimento permite compreender a analogia (cf. Q 13, § 17, p.
1586 e Q 19, § 28, p. 2048-2054). A relação de forças militares não é senão uma
estrutura/superestrutura 171
Estado/Sociedade civil
Se bem que seja certo que para as classes produtivas fundamentais (burguesia
capitalista e proletariado moderno) o Estado não seja concebível mais que como
forma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado
sistema de produção, não é dito que a relação entre meios e fins seja facilmente
determinada e assuma o aspecto de um esquema simples e óbvio a primeira vista.
(Q 10/II, § 61, p. 1360)
64
Na redação original Gramsci refere-se ao conceito de “Estado-governo” (Q 4, § 38, p. 458).
176 alvaro bianchi
Fica claro que a definição de Estado até aqui esboçada procurava evitar
uma concepção que o reduziria ao aparelho coercitivo. A construção do consenso
também encontrava lugar nesse Estado. De modo resumido, mas nem por isso
menos significativo, Gramsci apresentava sua concepção de maneira já clássica,
“Estado = sociedade política + sociedade civil, ou seja, hegemonia encouraçada
de coerção” (Q 6, § 88, p. 763-764), ou como dirá mais adiante, no mesmo
Quaderno, “Estado (no sentido integral: ditadura + hegemonia)” (Q 6, § 155,
p. 810-811). A questão era enquadrada no plano de pesquisa dos Quaderni do
seguinte modo em uma carta de 7 de setembro de 1931:
administração direta e do exercício legal da coerção sobre aqueles que não con-
sentem nem ativa nem passivamente, também chamado nos Quaderni de “Esta-
do político” ou “Estado-governo”. Gramsci não perde, em momento nenhum,
esta dimensão, ou seja, não perde de vista a dimensão coercitiva da política,
muito embora não reduza a política a ela.
Mais complexa é a definição do conceito de sociedade civil. Seja porque
no texto gramsciano o conceito tem contornos bastante imprecisos; seja, porque
não existe apenas uma definição para o termo; seja porque na linguagem política
contêmporânea o termo “sociedade civil” foi incorporado fazendo, muitas vezes,
referências ao próprio Gramsci, embora com um sentido diferente; seja por tudo
isso, a confusão é grande.65
Bobbio
65
Vários são os autores que identificaram o uso variado e muitas vezes indiscriminado do conceito
de sociedade civil. Destacamos a respeito Costa (1997) e Foley e Edwards (1996).
estado/sociedade civil 179
Tal é, sem dúvida, a acepção mais freqüente que o termo sociedade civil
encontra nos Quaderni del carcere. Nessa acepção, a sociedade civil é entendida
como o “conjunto de organismos vulgarmente chamados ‘privados’”. Sobre es-
ses “organismos” é importante destacar seu caráter material, como faz Gramsci
no já citado Quaderno 6, utilizando de modo preciso as expressões “aparelho
hegemônico de um grupo social” (Q 6, § 136, p. 800) e “aparelho ‘privado’ de
hegemonia” (Q 6, § 137, p. 801). A materialidade dos processos de conformação
de uma hegemonia ganha, assim, destaque (cf. Liguori, 2006, p. 24). A luta de
hegemonias não é apenas luta entre “concepções de mundo”, como, por exem-
plo, aparece no Quaderno 10, ela é também luta dos aparelhos que funcionam
como suportes materiais dessas ideologias, organizando-as e difundindo-as.
A lista de tais aparelhos hegemônicos é grande, mas conhecida: igrejas,
escolas, associações privadas, sindicatos, partidos e imprensa são alguns deles. A
função desses organismos é articular o consenso das grandes massas e sua adesão
à orientação social impressa pelos grupos dominantes. Esse conjunto de organis-
mos, entretanto, não é socialmente indiferenciado. Os cortes classistas e as lutas
entre os diferentes grupos sociais atravessam os aparelhos hegemônicos e con-
trapõem uns a outros. Esse alerta se justifica na medida em que, no vocabulário
político hodierno, um conceito tocquevilliano de “sociedade civil” tornou-se
preponderante. Nesse conceito, sociedade civil passou a significar um conjunto
de associações situadas fora da esfera estatal, indiferenciadas e potencialmente
progressistas, agentes da transformação social e portadoras de interesses univer-
sais não contraditórios. Tal concepção é partilhada implicitamente por Bobbio
no momento em que afirma uma positividade imanente a essa esfera.
Mas vale alertar a existência daquilo que Simone Chambers e Jeffrey
Kopstein (2001) denominaram apropriadamente de “bad civil society”: o
desenvolvimento de correntes autoritárias ou, até mesmo, totalitárias, no
180 alvaro bianchi
interior da própria sociedade civil, e não à sua margem, como foi o caso
do nazismo na República de Weimar e do fascismo na Itália de Grams-
ci. Percebida não como um todo indiferenciado, mas como um conjunto
marcado pelos profundos antagonismos classistas, a sociedade civil perde
seu véu ilusório. Não se trata apenas da distribuição desigual de recursos
comunicativos que impediriam o livre acesso a uma esfera pública; trata-se,
também, da defesa de desenhos societários antagônicos. Em vez do local da
universalização de interesses particularistas, ela passa a ser vista como um
espaço da luta de classes e da afirmação de projetos antagônicos (cf. Dias,
1996, p. 66-68). A estratégia política de ocupação de espaços na sociedade
civil, advogada por uma leitura reformista, quando não liberal, de Gramsci,
não faz sentido para o autor dos Quaderni. O que se trata é da criação de
novos espaços autônomos das classes subalternas e da negação dos espaços
políticos das classes dominantes.
Além de afirmar a positividade imanente da sociedade civil, Bobbio lhe
atribuiu o papel de determinação da história. Segundo Bobbio, o conceito de
sociedade civil expresso por Gramsci derivaria diretamente de Hegel, e não de
Marx, ao contrário do que muitos acreditam. Pois em Hegel a sociedade civil
compreenderia não apenas o momento das relações econômicas, como tam-
bém as formas de organização espontâneas e voluntárias que ele identificava nas
corporações, consideradas “a segunda raiz ética do Estado, a que está fundada
na sociedade civil” (Hegel, 2003, § 255, p. 68). A fórmula hegeliana aparece
de modo quase literal em um esclarecedor texto A inserido por Gramsci no
Quaderno 6 e citado, também, por Bobbio:
É preciso distinguir a sociedade civil tal como é entendida por Hegel e no sen-
tido em que freqüentemente se emprega nestas notas (ou seja, no sentido de
hegemonia política e cultural de um grupo social sobre a sociedade inteira, como
conteúdo ético do Estado) do sentido que lhe dão os católicos, para os quais a
sociedade civil é, pelo contrario, a sociedade política ou o Estado em confronto
com a sociedade familiar e a Igreja. (Q 6, § 24 p. 703. Grifos meus)
nhecimento que Gramsci possuía da obra de Hegel nem sempre era consistente
(cf. nota Semeraro, 2001, p. 134 a partir da análise de Q 1, § 152, p. 134-135).
Assim, era provavelmente a partir de Croce que o marxista sardo se aproximava
de Hegel. Coube a Bobbio o mérito de colocar em destaque de maneira enfá-
tica esse nexo Gramsci-Hegel. Mas não é possível deduzir a partir desse nexo a
afirmação de que Gramsci, apropriando-se livremente do conceito hegeliano,
teria conferido à sociedade civil (e, portanto, à superestrutura) o lugar ativo a
ela atribuído por Marx.
A aproximação de Gramsci a Hegel, por parte do filósofo turinês, te-
ria como propósito marcar o rompimento do primeiro com a teoria marxista
e sua reconversão a um idealismo. Como um “teórico das superestruturas”, o
marxista sardo veria, desse modo, sua teoria reduzida à denominada “história
ético-política” de Benedetto Croce (cf. Semeraro, 2001, p. 185 e Liguori, 2006,
p. 31). A recorrente crítica que Gramsci levava a cabo, principalmente no Qua-
derno 10, à hipóstase do momento ético-político por parte de Croce desautoriza,
entretanto, essa redução.
De modo adequado, Coutinho (1999, p. 122) criticou a interpretação
de Bobbio, afirmando que se o conceito de sociedade civil de Gramsci não é o
mesmo de Marx, não haveria razão para lhe atribuir a mesma função de deter-
minação em última instância. E não há, de fato, no texto gramsciano, nada que
permita afirmar que o marxista sardo tivesse reinvertido Hegel, colocando-o de
novo sobre sua própria cabeça e afirmado a superestrutura como determinante
do processo histórico.
O argumento de Bobbio revela-se ainda mais frágil quando analisados
os demais sentidos que o conceito de sociedade civil assume no pensamento
gramsciano. Como alertou Texier, a própria passagem citada por Bobbio reve-
la que Gramsci define “freqüentemente” (“spesso”, no texto em italiano), mas
não de modo exclusivo, a sociedade civil como lugar da “hegemonia política
e cultural de um grupo social” (Texier, 1988, p. 8). De fato, esse parece não
ser o único significado que Gramsci atribui ao termo sociedade civil. Veja-se,
por exemplo, uma passagem do § 19 do Quaderno 13, intitulada Alcuni aspetti
teorici e pratici dell “economismo’”
182 alvaro bianchi
66
Vale destacar que, para Hegel, a “mediação da carência e a satisfação do singular pelo seu trabalho
e pelo trabalho e pela satisfação de todos os demais”, o denominado “sistema de carências”, era
momento constitutivo da sociedade civil (cf. Hegel, 2003, § 188, p. 21).
estado/sociedade civil 183
67
Para uma crítica das leituras sobre a sociedade civil que têm prevalecido no universo acadêmico
anglo-saxão, ver Liguori (2006, p. 37-38).
186 alvaro bianchi
68
Uma análise historicamente bem informada sobre o lugar desses intelectuais na Idade Média,
próxima a Gramsci em muitos sentidos e distante de Coutinho, pode ser encontrada em Le Goff
(2003).
estado/sociedade civil 187
Maquiavel
69
A nota do Quaderno 6 é datada por Francioni entre março e agosto de 1931. A nota do Qua-
derno 13 aparece como texto A já no Primo Quaderno (§ 48, p. 59) e é datada por Francioni ente
fevereiro e março de 1929, e sua segunda redação (aquela que citamos) é datada entre maio de 1932
e os primeiros meses de 1934 pelo mesmo autor (Francioni, 1984, p. 140, 142 e 144).
188 alvaro bianchi
Afirma Guicciardini que, para a vida de um Estado, duas coisas são absolutamen-
te necessárias: as armas e a religião. A fórmula de Guicciardini pode-se traduzir
em várias outras fórmulas menos drásticas: força e consenso, coerção e persuasão,
Estado e Igreja, sociedade política e sociedade civil, política e moral (história ético-
política de Croce), direito e liberdade, ordem e disciplina ou, com um juízo implí-
cito de sabor libertário, violência e fraude. (Q 6, § 87, p. 762-763)
70
É possível que a referência a Guicciardini seja apenas indireta, decorrente da leitura de artigo de
Paolo Treves (cf. o aparelho crítico de Gerratana em Q, p. 2720).
estado/sociedade civil 189
torno ai Discorsi del Machiavelli sopra la prima deca di Tito Livio: “É certo que
armas e religião são fundamentos principais das repúblicas e dos reinos e são tão
necessários que faltando qualquer um deles pode-se dizer que faltam as partes
vitais e substanciais” (Guicciardini, 1933, p. 21).
O tema presente nos Discorsi não é estranho a Il Principe. Nesta última
obra, Maquiavel registrava que “os principais fundamentos que devem ter todos
os estados (stati), sejam novos, velhos ou mistos, são as boas leis e as boas armas”
(Machiavelli, 1971, p. 275). A questão dos fundamentos do poder tem longa
história no pensamento político e sua investigação foi, por muitos, considerada
o objeto da filosofia política par excellence. Na tradição política italiana, marcada
pela presença de Maquiavel e Guicciardini, era recorrente a insistência na dupla
natureza do poder político. O filósofo piemontês Vincenzo Gioberti, líder dos
moderados na primeira metade do século XIX, por exemplo, em sua obra Del
primato moral e civile degli italiani, de 1843, afirmava maquiavelianamente ser
o poder soberano fundado
parte na força moral, isto é, sobre o direito, parte em sua força material, isto é,
sobre os exércitos; e ainda que devido à malignidade humana as armas sejam ne-
cessárias para proteger a opinião, estas não podem se desenvolver como aquelas
(...) se não são consentidas por muitos benévolos. (Gioberti, 1932, v. I, p. 95)
uma função e para a outra? A questão não era tratada de modo direto no Qua-
derno 13, no qual parte importante da reflexão sobre o florentino encontrava
seu lugar, nem nos cadernos que o antecedem. Mas ela aparece em várias notas
presentes nos cadernos 14, 15 e 17.
Esse conjunto de cadernos tem características bastante particulares. A
redação do Quaderno 14 começou em dezembro de 1932, após ter início o
Quaderno 13, portanto, com o § 4. Os três parágrafos precedentes são de março
de 1935, conforme constata Francioni (1984, p. 116) a partir do estudo das
referências neles citadas. Ele foi interrompido em fevereiro de 1933, quando
Gramsci empreendeu a redação do Quaderno 15, e foi retomado em março de
1935. O Quaderno 15, por sua vez, registrava em uma importante advertência
em sua primeira folha a tônica desses novos miscelâneos: “Caderno iniciado em
1933 e escrito sem ter em conta aquelas divisões das matérias e dos reagrupa-
mentos de notas em cadernos especiais” (Q 15, p. 1748). O último desses novos
cadernos é o de número 17. Ele tem início após o término do Quaderno 15, em
agosto de 1933, e foi concluído em junho de 1935, pouco antes de Gramsci
interromper seu trabalho.
A redação desses cadernos coincide com o momento no qual a con-
fecção dos cadernos 10, 11, 12 e 13 encontrava-se bastante avançada ou em
vias de conclusão e marca uma fase de transição que se estendeu até meados de
1933, constituindo o último período de uma atividade criativa intensa. Após
sua transferência a Formia, em dezembro de 1933, e com a piora de seu estado
de saúde, esse trabalho criativo chegou praticamente a seu fim. A partir daí o
prisioneiro do fascismo limitou-se, praticamente, a transcrever para os cadernos
especiais, de modo cada vez mais literal, os textos já presentes nos miscelâneos
(cf. Frosini, 2003, p. 26).
Por que razão Gramsci teria dado início a novos cadernos miscelâneos
depois de já ter começado a redação dos especiais? E por que a rubrica Maquiavel
aparece nesses miscelâneos em um momento no qual a redação do Quaderno 13
encontrava-se adiantada ou em vias de conclusão? É possível que tivesse constatado
lacunas existentes em sua pesquisa e que retomasse desse modo o trabalho dos misce-
lâneos com vistas a saná-las, ao mesmo tempo em que dava seqüência à redação dos
especiais. É possível, também, que pretendesse posteriormente transcrever esse ma-
192 alvaro bianchi
terial em novos especiais, como sugere Frosini (2003, p. 27). De fato, nos primeiros
meses de 1934, depois de ter concluído o Quaderno 13, o marxista sardo deu início a
um novo caderno especial intitulado Niccolò Machiavalli. II, no qual escreveu apenas
três páginas, recolhendo três notas presentes já no Quaderno 2. É possível, assim, que
esta fosse a sede prevista das notas contidas nos cadernos 14, 15 e 17.
Nos temas presentes nesses novos cadernos miscelâneos, predominam
nitidamente as notas nas quais são traduzidos para a filosofia da práxis conceitos
e temas maquiavelianos. Uma comparação entre alguns temas presentes no Qua-
derno 13 e no Quaderno 14 é importante para um maior enriquecimento dos con-
ceitos de sociedade civil e Estado, bem como para uma identificação mais precisa
dos nexos existentes entre consenso e coerção. Discutindo as questões do “homem
coletivo” e do “conformismo social”, registrava Gramsci no Quaderno 13:
indivíduos. Para isso o Direito cumpre uma importante função. Não se trata,
entretanto, do Direito como mero dispositivo jurídico, que atua por meio de san-
ções legais. O marxista sardo apresentava naquele parágrafo do Quaderno 13 uma
concepção integral do Direito, o qual abrangeria, também,
Sabe-se, desde Durkheim que “pressão coletiva” não deixa de ser uma
forma de coerção. A sociologia simbólica contêmporânea, que seguiu as trilhas
abertas pelo fundador do L’Année sociologique, muito contribuiu para desvelar
essas formas de violência que se manifestam fora da esfera regulada pelas formas
jurídicas do Direito. Não há nada nos Quaderni que permita indicar que Gra-
msci conhecesse a obra do francês, embora Benedetto Croce a citasse em Mate-
rialismo storico ed economia marxistica (1927, p. 112). O próprio Croce já havia,
em Etica e política, chamado a atenção para a necessidade de ter um conceito de
força que fosse além da violência física e recobrisse outras formas de coação: “A
idéia de força não deve reduzir à tosca representação que sói sugerir essa palavra,
quase a de tomar pelos cabelos e obrigá-los a curvar-se” (1994, p. 257).
Gramsci não partilhava com Croce a localização dessa afirmação no âm-
bito de uma concepção na qual a sede dessa força, o Estado, “não é um fato, é sim
uma categoria espiritual” (idem). Mas podia, muito bem, subscrever a afirmação
que o crítico napolitano fez a respeito da relação entre força e consenso:
nenhum legislador pode ser visto como indivíduo, salvo abstratamente e por co-
modidade de linguagem, porque, na realidade, expressa uma determinada vontade
coletiva disposta a tornar efetiva sua “vontade” , que só é vontade porque a coletivi-
dade está disposta a lhe dar efetividade. (Q 14, § 9, p. 1663. Grifos meus)
71
“Segue-se que todos os profetas armados vencem e que os desarmados se arruínam.” (Machia-
velli, 1971, p. 263.)
estado/sociedade civil 197
Nos Estados Unidos, legalmente e de fato, não falta a liberdade religiosa dentro
de certos limites, como recorda o processo contra o darwinismo, e se legalmente
(dentro de certos limites) não falta liberdade política, esta falta de fato pela pres-
são econômica e pela aberta violência privada. (idem, p. 1666. Grifos meus)
A força das palavras não deixa dúvida de que Gramsci reencontra agora
a coerção também na esfera da sociedade civil. A seqüência dessa nota permite
ainda esclarecer que essa violência privada é coetânea e coextensiva à violência
jurídico-estatal. Para o autor dos Quaderni, o exame crítico da organização judi-
ciária e policial era de grande importância para a compreensão da configuração
política dos Estados Unidos, pois revelava como essas organizações da sociedade
política “deixam impune e apóiam a violência privada voltada para impedir a
formação de outros partidos além do republicano e do democrático” (Idem, p.
1666-1667. Grifos meus).
Cabe fazer a seguinte pergunta: essa elaboração madura de Gramsci
que identifica a presença da coerção na sociedade civil e do consentimento na
sociedade política não cancela sua anterior distinção das especializações fun-
cionais de ambas as esferas? Ou seja, nesse novo enquadramento teórico faria
ainda sentido distinguir sociedade civil da sociedade política? O desenvolvi-
mento teórico dado por Gramsci à questão no Quaderno 14 não é contraditório
com aquele que encontrava sua sede no Quaderno 6, mas é certamente mais
sutil e sofisticado. Fazendo um uso mais literário do que literal dos conceitos é
possível afirmar que na sociedade civil o consenso é “hegemônico”, enquanto na
198 alvaro bianchi
72
Após o fim da Primeira Guerra, movimentos de veteranos adotaram a denominação de arditi e
parte deles manteve relações com o fascismo. Inspirados obviamente nos movimentos precedentes,
na primavera de 1921 surgiram os Arditi del popolo, movimento armado constituído com o obje-
tivo de organizar a defesa contra os bandos fascistas. Embora muitos comunistas tivessem aderido
prontamente aos Arditi, a direção do pcd’i, então dirigido pela fração bordiguista, denunciou
o movimento por estar monopolizado por forças que não eram “estritamente revolucionárias” e
anunciou, em julho do mesmo ano, a criação de destacamentos exclusivamente formados por
comunistas. A posição de Gramsci a respeito, mais ponderada, pode ser vista nos artigos Contro
il terrore e Gli ‘Arditi del popolo, publicados no Ordine Nuovo (SF, p. 287-289 e 541-542. Cf. tb.
Hajek, 1984, p. 43-44).
guerra de movimento/guerra de oposição 201
A tática dos arditi não pode ter, então, para certas classes a mesma importância
que para outras; para certas classes é necessária, porque própria, a guerra de mo-
vimento e de manobra. Que no caso da luta política pode combinar um útil e
até mesmo indispensável uso da tática dos arditi. Mas se fixar no modelo militar
é uma estupidez: a política deve, também aqui, ser superior à parte militar e ape-
nas a política cria a possibilidade da manobra e do movimento. (idem.)
Assim, a luta política da Índia contra os ingleses (e, em uma certa medida, a da
Alemanha contra a França ou da Hungria contra a Pequena Entente) conhece
três formas de guerra: de movimento, de posição e subterrânea. A resistência pas-
siva de Ghandi é uma guerra de posição que se torna guerra de movimento em
certos momentos e guerra subterrânea em outros: o boicote é guerra de posição,
as greves são guerra de movimento, a preparação clandestina das armas e dos
elementos combativos de assalto é guerra subterrânea. (Q 1, § 134, p. 122.)
202 alvaro bianchi
Nestas formas de luta mista, com caráter militar fundamental e caráter polí-
tico preponderante (mas toda luta política tem sempre um substrato militar),
o emprego dos arditi demanda um desenvolvimento tático original para cuja
concepção a experiência da guerra pode fornecer apenas um estímulo, não um
modelo. (Idem, p. 123)
73
Gramsci citava como exemplos dessas guerrilhas de partigiani os comitagi macedônios e a resis-
tência irlandesa. Pelo menos este último caso estava muito longe de poder ser caracterizado como
movimento de minorias.
guerra de movimento/guerra de oposição 203
74
Gramsci parece, entretanto, ter estudado com afinco a questão militar, muito embora seu
conhecimento, ao contrário de Trotsky, fosse apenas teórico. Levantamento preliminar realizado
por Leandro Galastri, com base nas obras citadas nos Quaderni, encontrou referências a cerca de
cinqüenta obras, somando livros, opúsculos e artigos.
guerra de movimento/guerra de oposição 205
Com isso não se quer dizer que a tática de assalto e de derrubada e a guerra ma-
nobrada devam ser consideradas como já desaparecidas do estudo da arte militar:
seria um grande erro. Mas essas, nas guerras entre os Estados mais avançados do
ponto de vista industrial e civil, devem ser consideradas reduzidas mais a funções
táticas que a funções estratégicas, assim como era a guerra de assédio no período
precedente da história militar. A mesma redução deve ocorrer na arte e na ciên-
cia da política, pelo menos no que diz respeito aos Estados mais avançados, nos
quais a “sociedade civil” tornou-se uma estrutura muito complexa e resistente às
“irrupções” catastróficas do elemento econômico imediato (crises, depressões,
etc.): as superestruturas da sociedade civil são como o sistema de trincheiras na
guerra moderna. (Q 7, § 10, p. 859-860.)
206 alvaro bianchi
75
Segundo Francioni (1984, p. 142 e 144), a redação do § 10 do Quaderno 7 é de novembro de
1930 e antecede a do § 155 do Quaderno 10, datado em outubro de 1931.
guerra de movimento/guerra de oposição 207
76
Destacar essa relação indireta e metafórica é importante, pois a metáfora tem uma relevância
analítica muito superior na esfera da política que no campo militar. Se em vez de uma analogia
fosse construída uma equivalência entre os dois campos, a metáfora não se sustentaria.
208 alvaro bianchi
trativos, etc. reforço das “posições” hegemônicas do grupo dominante, etc. Tudo
isso indica que se entrou em uma fase culminante da situação político-histórica,
porque na política a “guerra de posição”, uma vez vencida, é definitivamente
decisiva. Ou seja, na política, subsiste a guerra de movimento enquanto se trata
de conquistar posições não decisivas e quando não são mobilizáveis todos os
recursos da hegemonia e do Estado, mas quando, por uma razão ou outra es-
tas posições perderam seu próprio valor e só aquelas decisivas têm importância,
então se passa à guerra de assédio, tensa, difícil, na qual se exigem qualidades
excepcionais de paciência e de espírito inventivo. (Q 6, § 138, p. 802)
77
As razões para tanto estão longe de serem claras. Dos 211 parágrafos que compõem o Quaderno
6, apenas 25 foram transcritos em notas C, tendo permanecido 186 parágrafos, inclusive os §§ 138
e 155, que tratam do tema em questão, como textos B.
guerra de movimento/guerra de oposição 209
Oriente
78
“Uma tentativa de iniciar uma revisão dos métodos táticos deveria ter sido aquela exposta por
L Davidovitch Bronstein na quarta reunião, quando fez um confronto entre a frente oriental e a
ocidental: enquanto aquela caiu imediatamente, mas foi seguida por intensas lutas, nesta última a
luta se verificaria ‘antes’. Ou seja, tratar-se-ia de saber se a sociedade civil resiste antes ou depois do
assalto, onde este ocorre, etc. A questão, entretanto, foi exposta apenas em forma literária brilhan-
te, mas sem indicações de caráter prático.” (Q 13, § 24, p. 1616). Essa passagem não se encontra
na primeira versão da nota (Q 7, § 10) e sua inclusão denota o caráter contraditório da relação que
Gramsci mantinha com o pensamento de Trotsky. Rosengarten (1984-1985, p. 78-80) considera
o Relatório de Trotsky “uma antecipação das idéias referentes à hegemonia proletária no Ocidente
que Gramsci desenvolveu plenamente nos Quaderni del carcere”.
guerra de movimento/guerra de oposição 211
79
Essa passagem, redigida entre abril e maio de 1932, não se encontrava no respectivo texto A (Q
8 § 236, p. 1088-1089).
214 alvaro bianchi
ano. Por essa razão, se a guerra de posição fosse exclusivamente uma exigência
decorrente do adensamento da sociedade civil não haveria sentido em periodizar
desse modo a passagem de uma forma a outra.
O problema já estava posto nos textos de Lênin e Trotsky, nos quais
uma forte retórica às vezes simplificava excessivamente questões complexas. A
relação inversa entre a revolução socialista e a construção do socialismo que
caracterizavam Oriente e Ocidente era, no discurso de Lênin e, principalmente,
de Trotsky a conseqüência de um movimento desigual (e combinado) de uni-
versalização da economia e da política do capitalismo. Mas essa relação inversa
não poderia ser compreendida de modo absoluto, justamente devido a esse
desenvolvimento desigual e combinado. A revolução socialista na Rússia não
acelerou o tempo da revolução na Alemanha, desarticulando alguns (mas não
todos) obstáculos existentes? E uma revolução na Alemanha não tornaria muito
mais rápida a construção do socialismo na Rússia soviética?
São grandes as dificuldades que se verificam na passagem de uma
leitura sincrônica que valoriza as distinções entre as sociedades “ocidentais” e
“orientais” para uma leitura diacrônica, que valoriza os diferentes momentos
da luta de classes. Luciano Gruppi, por exemplo, procurou separar essas duas
dimensões na definição das noções de guerra de movimento e guerra de posição,
argumentando rapidamente que na dimensão diacrônica esses conceitos “que-
rem indicar fases diversas do decurso histórico e a passagem de abalos rápidos
da estruturação classista e política da sociedade para momentos de estabilidade
relativa.” (2000, p. 138.)
Gruppi, afirma, entretanto, que esse não seria o desenvolvimento mais
profícuo e aprofundado que Gramsci daria a essas noções. O significado mais
rico dessas noções, segundo o comentador, ocorreria quando essas noções não
indicassem “a passagem da ofensiva à defensiva e vice-versa, mas duas estratégias
substancialmente diversas, relativas a duas situações históricas profundamente
diferentes.” (Idem, p. 142.) De modo similar procede Carlos Nelson Coutinho
que procura articular as dimensões sincrônicas e diacrônica do conceito. Para
tal, afirma que a diferença diacrônica ocorre entre “períodos marcados pela de-
bilidade da organização de massas” e períodos “de mais intensa socialização da
política”. Nos primeiros prevaleceria “a ‘guerra de movimento’, o choque frontal
guerra de movimento/guerra de oposição 215
pelo seu domínio” (1998, p. 117). A noção de Ocidente utilizada nos Quaderni,
não indicava desse modo um modelo, um programa ou um ideal. Ela apenas
tinha a finalidade de expressar uma situação histórico-política: a existência de
uma sociedade civil mais densa e, contraditoriamente, de maiores obstáculos à
revolução socialista. Articulados com os conceitos de guerra de movimento e
guerra de posição, os conceitos de Oriente e Ocidente ganham significado mais
rico. Somente nessa articulação torna-se possível à pesquisa reconhecer a distin-
ção necessária entre o tempo das formas estatais e o tempo da luta de classes.
Trotsky
Parece-me que Ilich havia compreendido que ocorrera uma mudança da guerra
manobrada, aplicada vitoriosamente no Oriente em [19]17 para a guerra de po-
sição, que era a única possível no Ocidente, onde, como observa Krasnov, num
guerra de movimento/guerra de oposição 217
Lênin foi dos primeiros a perceber essa mudança. O PCd’I apenas tardia-
mente compreendeu o significado da fórmula política da frente única e o próprio
Gramsci chegou a opor-lhe resistência.80 As primeiras experiências de construção
de uma frente única se deram na Alemanha, onde os comunistas lançaram, por
iniciativa de Paul Levi e Karl Radek, uma Carta Aberta às organizações sindicais
e partidos operários desse país, conclamando a uma luta comum em defesa dos
interesses imediatos da classe trabalhadora (cf. Broué, 1997, p. 204-206 e Hajek,
1984, p. 18-20). A Carta Aberta não encontrou a resposta esperada por parte das
organizações às quais se dirigia e enfrentou, até mesmo, oposição no interior do
próprio Partido Comunista da Alemanha (KPD). Dividido, o partido respondeu à
repressão policial na Saxônia em março do mesmo ano com uma precipitada greve
geral insurrecional.
O fracasso da insurreição terminou com grave derrota para os co-
munistas e um esvaziamento do partido, que perdeu centenas de milhares
de filiados.81 Os conflitos internos não deixaram de aumentar e Paul Levi
rompeu publicamente com a direção do partido, sendo expulso logo depois.
A questão alemã ocupou grande espaço nas discussões do 3º Congresso da
Internacional Comunista realizado em julho de 1921, poucos meses após a
derrota da insurreição. As Teses sobre a Tática adotadas pelo Congresso não
deixaram, entretanto, de refletir o compromisso entre as diferentes correntes.
O texto considerava a ação de Março como “um passo adiante”, ao mesmo
tempo em que condenava “um certo número de camaradas do partido que
apresentaram a ofensiva como o método de luta principal na atual situação”
(Agosti, 1974, p. 426).
80
A respeito da evolução de Gramsci com relação à fórmula política da frente única, o livro de
Marcos Del Roio (2005) é insubstituível.
81
Os dados do próprio partido registravam que o KPD passou de 359.613 membros no início de
1921 a 180.443, no final do mesmo ano (cf. Broué, 1997, p. 221).
218 alvaro bianchi
Dado que na Europa ocidental e na América, onde as massas operárias estão organi-
zadas em sindicatos e partidos políticos, onde em conseqüência não se pode con-
tar no momento com movimentos espontâneos senão em pouquíssimos casos,
os partidos comunistas usando toda sua influência nos sindicatos, aumentando
sua pressão sobre os outros partidos que se apóiam nas massas operárias, devem
procurar um desencadeamento geral do combate pelos interesses imediatos do
proletariado. (Agosti, 1974, p. 424. Grifos meus.)
82
Zinoviev e Bukharin inclinavam-se para a “teoria da ofensiva”. Na véspera do Congresso, Lênin
decidiu impor a disciplina do bureau político do Partido Comunista Russo (bolcheviques) – PCR(b)
– sobre a delegação, impedindo que Zinoviev e Bukharin manifestassem sua própria posição no Con-
gresso da Internacional bem como votassem contra a proposta de tese encaminhada pelo partido (cf.
Hajek, 1984, p. 30). A medida deformava o centralismo democrático e desse modo permitiu que a
delegação russa se apresentasse unida o que facilitou a obtenção de uma maioria sólida no Congresso,
mas criou um grave precedente utilizado posteriormente pela fração stalinista.
220 alvaro bianchi
levar à luta seus estratos determinantes” (Agosti, 1974, p. 413). O conteúdo anti-
blanquista da nova tática da Internacional ficava, assim, definido.
A política da frente única assentava suas raízes nas deliberações do 3º
Congresso, mas ela teve que esperar a reunião do Comitê Executivo da Interna-
cional Comunista realizada em dezembro de 1921 para ser finalmente anuncia-
da. A demora expressava a difícl construção de um contexto político favorável
na Internacional para uma mudança de tática tão importante. Nas Teses votadas
pelo Comitê Executivo essa mudança ganhava forma e conteúdo: “os interesses
gerais do movimento comunista exigem que os partidos comunistas e a Interna-
cional Comunista em seu conjunto apóiem a palavra de ordem da frente única dos
trabalhadores”, anunciava o texto aprovado (Agosti, 1974, p. 524).
As diretivas adotadas na reunião do Comitê apresentavam de modo
coerente, pela primeira vez, a fórmula política da frente única propondo não
apenas a unidade de partidos e sindicatos comunistas e social-democratas,
como, também, a possibilidade de acordos entre as organizações internacionais.
Nas Teses aprovadas nessa reunião, afirmava-se:
83
A própria Ruth Fischer foi, em 1926, expulsa do Partido Comunista Alemão e, em 1936,
sentenciada à morte nos processos de Moscou, acusada de “trotskismo”. A partir da década de
1940, residindo nos Estados Unidos, passou a desenvolver uma intensa agitação anticomunista e
em 1947 participou como testemunha de acusação nos tribunais macartistas.
222 alvaro bianchi
84
Trotsky foi dos primeiros a escrever que, apesar de dirigir formalmente os trabalhos do 6º Con-
gresso, aos olhos de todos encenava-se o ocaso de Bukharin na Internacional (cf. Trotsky, 1989. Cf.
tb. Broué, 1997, p. 483-485).
guerra de movimento/guerra de oposição 223
aliança dos trabalhadores com os pequenos camponeses (cf. Stalin, 1954, v. 12,
p. 208). Mas suas obras não registram, entre 1928 e 1934, nenhuma menção
à frente única como aliança das organizações sindicais e partidos operários. A
idéia da frente única “pela base” estava completamente consolidada, mas con-
traditoriamente era apresentada uma nova fórmula “a frente única nacional”,
esta sim “pelo alto”, mas com as organizações do nacionalismo burguês, como
o Kuomintang chinês (cf. p. ex. Agosti, 1976, p. 658-671; Stalin, 1954, v. 7, p.
135-154 e v. 9, p. 249-255).
A interpretação sectária que prevaleceu a respeito das resoluções do
6º Congresso havia deixado a direção do PCd’I em uma complicada situação.
Gramsci e Terracini se encontravam na prisão desde 1926 e o núcleo dirigente
do partido era composto por Palmiro Togliatti, Ruggero Grieco e Angelo Tasca.
A apreciação dominante no PCd’I sobre o fascismo estava longe de ser tão sim-
plificadora e rudimentar como a que passou a prevalecer na IC. A experiência
do combate contra o governo de Mussolini durante a crise que se desenvolveu
após o assassinato do deputado socialista Giacomo Matteoti, havia educado aos
dirigentes do partido a esse respeito e estavam menos propensos a falsas identi-
dades entre o fascismo e a social-democracia.85
Em um relatório de junho de 1928, às vésperas do 6º Congresso da
IC, portanto, Togliatti escrevia que uma das particularidades “da reação fascista
é precisamente o fato de que o fascismo, diferentemente da maior parte dos
demais movimentos reacionários europeus, exclui o compromisso com a social-
democracia.” (Togliatti, 1973, v. II, p. 398.) A distinção entre fascismo e social-
democracia se fazia ainda mais clara em um artigo publicado pela primeira vez
em russo em agosto de 1928, na revista da Internacional Comunista:
85
Cf. p. ex. alguns dos textos de Gramsci a respeito do assassinato de Mateotti e da posterior
situação italiana (CPC, p. 25-28, 40-43, 85-88. Cf. tb. Spriano, 1976, v. 1, p. 381-404).
224 alvaro bianchi
86
Cf. o ataque de Stalin em seu discurso no pleno de outubro de 1928 do Comitê de Moscou e
da Comissão de Controle Moscovita do Partido Comunista da União Soviética (Stalin, 1954, v.
11, p. 231-248).
guerra de movimento/guerra de oposição 225
87
A carta de Gramsci foi publicada primeiramente por Tasca em 1937 e as cartas de Togliatti
tiveram que esperar sua morte para virem a luz. A volumosa correspondência entre Togliatti e os
dirigentes do PCd’I que estavam na Itália no ano de 1926 foi publicada por Daniele (1999).
guerra de movimento/guerra de oposição 227
88
Comentando essa guinada de Togliatti, o organizador de suas Opere, Ernesto Ragioneri afirma:
“É dúvida a meu ver fora de lugar, ou ainda de impossível solução perguntar-se neste ponto em
que medida as posições mantidas por Togliatti no curso desses anos correspondem a convicções
profundas ou derivam de oportunidade tática na complexa dialética entre a linha geral do Comin-
tern e a atividade do partido italiano.” (Togliatti, 1973, p. LXXI). Profundas ou não tais posições
tiveram efeitos práticos negativos sobre o PCd’I permitindo que centenas de prisões fossem efetu-
adas (cf. Spriano, 1976, v. 2 p. 287-207). A política aventureira do PCd’I nos primeiros meses de
1930 na resistência ao fascismo (Broué, 1997, p. 513) revela que na “dialética entre a linha geral
do Comintern e a atividade do partido italiano” prevaleceu absoluta a primeira. Cotejando as
diferentes citações a respeito do “social-fascismo”, Trotsky, no calor dos acontecimentos afirmou:
“os funcionários da I.C. se rearmaram. Ercoli [Togliatti] se apressou em demonstrar que a verdade
lhe é cara, mas que Molotov lhe é mais caro ainda, e... escreveu um relatório defendendo a teo-
ria do social-fascismo. ‘A social-democracia italiana, declarou ele, se fascistiza com uma extrema
facilidade’. Ai! Com maior facilidade ainda se servilizam os funcionários do comunismo oficial.”
(Trotsky, 1979, p. 152.)
228 alvaro bianchi
89
Uma versão desses episódios hostil aos “três” e simpática a Togliatti encontra-se em Spriano
(1976, v. II, cap. 13). A versão de Togliatti (1973, v. III,1, p. 248-280) pode ser lida no seu
relatório à comissão italiana do Executivo da Internacional Comunista. Os documentos da Nova
Oposição Italiana podem ser encontrados em Massari (2004). O mesmo Massari (2004a) e Ma-
razzi (1990) destacam a semelhança que marcava nesse período as posições de Gramsci e da Nova
Oposição Italiana. No mesmo sentido, escrevem Alfonso Leonetti (1974, p. 189) e Anderson
(2002, p. 92-93).
90
Sobre a crítica de Gramsci a respeito da burocracia soviética e da luta da oposição nessa carta, ver
Moscato (1999) e Vacca (1999, cap. VI). Moscato (1999, p. 152-158) considera que a publicação
dessa carta, bloqueada por Togliatti com o aval do burô político do PCd’I poderia ter contribuído
positivamente para a luta da oposição, principalmente fora da União Soviética.
guerra de movimento/guerra de oposição 229
nheiros de prisão nas quais o tema da Constituinte era dos mais importantes.
As informações sobre tais conversas não são coincidentes. Vivia-se o período da
svolta sectária e da agitação contra o social-fascismo e as posições de Gramsci
encontraram forte resistência entre alguns presos identificados com a linha ofi-
cial. Lisa, freqüentemente citado, não narrou desentendimento algum entre os
prisioneiros. Umberto Clementi, por sua vez, contou que Scucchia afirmava que
Gramsci havia adotado “uma posição de social-democrata” (Quercioli, 1977,
p. 199). Sandro Pertini, que esteve preso com Gramsci, descreve que este ficou
profundamente isolado após expor suas posições (idem, p. 211). E Scucchia
descreveu discussões, sem a presença de Gramsci, mas com a de Lisa, nas quais
os adjetivos “oportunismo”, “posições antipartido”, “desviacionismo” e “traição
ideológica” foram freqüentemente usados (idem, p. 222).
O desenlace de tais discussões provocou a ruptura do gurpo de comu-
nistas presos em Turi e o isolamento de Gramsci na cadeia (cf. Fiori, 1991, p.
41-46). Isolamento agravado pelo fato de Gramsci alimentar as suspeitas de
que teria sido abandonado ou mesmo traído pelo grupo dirigente comunista
e, particularmente por Togliatti. Tais suspeitas existiam desde o recebimento
de uma carta do dirigente comunista Ruggero Grieco em 1928 a qual suposta-
mente teria agravado sua posição no processo judicial. Gramsci considerou essa
“estranha carta” (LC, p. 207) um “ato celerado ou uma ligeireza irresponsável”
e não descartou que quem a escreveu “fosse apenas irresponsavelmente estúpido
e outro, menos estúpido, tenha lhe induzido a escrever” (LC, p. 711). O outro
“menos estúpido” era, sem dúvida, Togliatti, com quem havia rompido por oca-
sião da troca de correspondência sobre a “questão russa” em 1926.
As conclusões às quais Gramsci chegou a respeito da carta de Grieco e
de sua situação na cadeia eram, ao que tudo indica, exageradas. Nada havia na
carta que as autoridades fascistas não soubessem de antemão. No estágio atual
da pesquisa documental, já beneficada pela abertura dos arquivos da ex-União
Soviética, também não é possível afirmar que o dirigente comunista tivessse sido
abandonado pelo seu partido e condenado por essa razão a perecer prematu-
ramente. Nesse sentido não há como desresponsabilizar o fascismo pela morte
do dirigente comunista como demonstra, com base em farta documentação,
Michele Pistillo (2003).
232 alvaro bianchi
91
Para um não italiano não é tão assombroso que Trotsky se referisse desse modo a Labriola.
Manuel Sacristán, por exemplo, em um ensaio que incitava à leitura do filósofo afirmava que
seu “verbalismo, complacido algumas vezes e vergonhoso outras, poderia fazer hoje incomoda
a leitura”, o mesmo autor referia-se ao “genérico gorjeio de um academicismo hoje anacrônico”
(Sacristán, 1969, p. 8 e 9).
92
Comentadores que a respeito de outras questões se mostraram judiciosos passaram muito ra-
pidamente por esse tema (p. ex. Martelli, 1996, p. 91-95, Losurdo, 1997, p. 142, 204 e 242; e
Coutinho, 1999, p. 150-152). A respeito das complexas relações entre Gramsci e Rosa Luxemburg
e Leon Trotsky, Burgio de modo absolutamente questionável chega a afirmar que em ambos os
casos “as páginas dos Quaderni se deixam decifar sem particular esforço” (2003, p. 148). Sena Jr.
(2004) ressaltou as inconsistências e omissões da mitologia brasileira a respeito do antitrotskismo
de Gramsci e a necesidade de uma análsie mais detalhada dos textos.
234 alvaro bianchi
93
As fontes de tal podem muito bem ter sido a miríade de artigos publicados pela imprensa
da Interrnacional Comunista procurando afirmar as raízes mencheviques da teoria da revolução
permanente. Cf., p. ex. o artigo de Stalin “A revolução de Outubro e as táticas dos comunista rus-
sos”, de dezembro de 1924: “Não é verdade que a teoria da ‘revolução permanente’, a qual Radek
timidamente se abstem de mencionar, foi antecipada em 1905 por Rosa Luxemburg e Trotsky. Na
verdade, essa teoria foi antecipada por Parvus e Trotsky. Agora, dez meses depois, Radek corrige a
si próprio e julga necessário castigar Parvus pela teoria da ‘revolução permanente’. Mas por questão
de justiça Radek deveria também castigar o parceiro de Parvus, Trotsky.” (Stalin, 1954, v. 6, p.
397.) Maitan (1958) protestou de modo muito ligeiro contra a aproximação que Gramsci fazia
entre Parvus e Trotsky. Em importante obra sobre as origens da teoria da revolução permanente
de Trotsky, Alain Brossat (1976, p. 77-86) aponta a dívida intectual deste com Parvus, ao mesmo
tempo que pontua as diferenças.
236 alvaro bianchi
cimento do tema, era que seu autor afirmava que os bolcheviques aplicaram “de
fato” a fórmula da revolução permanente.
Esse juízo, de grande importância para a compreensão da relação Gramsci-
Trotsky, reproduzia, de forma sintética, o tratamento dado pelo marxista sardo a esse
tema em uma carta datada de 9 de fevereiro de 1924. Nela, depois da mapear as
diferentes posições presentes no Partido Comunista Russo, Gramsci afirmava:
94
Sobre o juízo positivo com relação a Trotsky emitido na carta, ver Ortaggi (1974), Rosengarten
(1984-1985, p. 81), Massari (2004a, p. 21-22) e Del Roio (2005, p. 115).
guerra de movimento/guerra de oposição 237
95
Alguns comentadores que procuraram abordar de modo menos preconceituoso as relações
Trotsky-Gramsci (Harman, 1983 e Albamonte e Romano, 2003) fracassaram em sua empreitada
devido a um conhecimento rudimentar da obra de Gramsci, sem apoio nas edições críticas. Ca-
íram, por isso, em análises extremamente superficiais. Em sua maioria não fizeram nada além de
repetir argumentos de Anderson (2002).
96
Na vertente da chamada “refundação”, Del Roio (2005) inclui Lênin, Rosa Luxemburg e Gra-
msci. Mas não há razão plausível para Trotsky não pertencer a essa vertente.
guerra de movimento/guerra de oposição 239
97
Para sustentar seu argumento, Rosengarten (1984-1985, p. 89) cita integralmente essa passagem
do texto de Trotsky. Sobre a teoria da revolução permanente, ver Bianchi (2000).
240 alvaro bianchi
permanente e, por essa razão, optou por preservar a expressão ao invés de sim-
plesmente inventar um neologismo.98
Seu autor avançava de modo cauteloso. Escrevia que a doutrina da he-
gemonia era forma atual da “doutrina de 1848”. A referência explicita era, pois, a
Marx e não a Trotsky. Além disso, a fórmula da “revolução permanente” aparecia
entre aspas no texto, recurso que era usado, de modo bastante freqüente, quan-
do se tratava de uma apropriação crítica. Mas ainda assim era uma apropriação
de uma fórmula cujo desenvolvimento – Gramsci sabia muito bem disso – esta-
va associado de modo indissolúvel ao pensamento político de Trotsky. Em um
texto provavelmente contêmporâneo daquele citado acima, Gramsci elaborou
de modo minucioso essa idéia e, por essa razão, vale a pena citar de modo mais
extenso a passagem:
98
Sobre o léxico político de Gramsci e o processo de produção teórica nele condensado ver Burgio
(2003, p. 34-36).
242 alvaro bianchi
99
A acusão de blanquismo lançada contra Trotsky era, como tantas outras acusações, de autoria
de Stalin que com sua prosa característica definia Lênin como um “gigante” e Trotsky como um
“anão” blanquista (Stalin, 1954, v. 6, p. 372).
244 alvaro bianchi
sim de reencontrar nesses autores uma viva preocupação comum com os pro-
blemas de seu tempo e, particularmente, da revolução no Ocidente capitalista
e um empenho igualmente criativo e antidogmático na busca de alternativas. A
diversidade de suas abordagens, as diferentes soluções às quais chegaram atestam
a pluralidade de tradições que confluíram na Internacional Comunista.100 Seus
enfoques, entretanto, partiam de pontos de vista diferentes. Enquanto Gramsci
assumia uma perspectiva que enfatizava as particularidades nacionais dos pro-
cessos políticos, Trotsky trabalhava a partir do ponto de vista internacional.
Não é possível, aqui tratar de modo mais detalhado o internacionalis-
mo metodológico que caracteriza o pensamento do comunista russo (cf. Bian-
chi, 2007). Registra-se, apenas que a caracterização de seu ponto de vista como
“cosmopolita, isto é, superficialmente nacional e superficialmente ocidentalista”, é
desmentida pela sua fina análise das particularidades do desenvolvimento da socie-
dade russa em sua obra Balanço e Perspectivas (cf. p. ex. 1971a, v. 2, p. 147-153). À
análise da sociedade russa seria importante acrescentar seus escritos sobre a Ingla-
terra, a França e a Alemanha nos quais procurou sempre registrar a especificidade
do desenvolvimento do capitalismo em cada um desses países e as características
distintivas de seus movimentos operários (cf. Anderson, 2002, p. 95-96).101
Uma análise poderada dos textos demonstará facilmente que as diversas
perspectivas adotadas por esses diferentes autores não fazem do italiano um “chau-
vinista” nem do russo um “cosmopolita”. A posição de Gramsci, que é a que aqui
interessa apresentar de modo mais circunstanciado poderia ser desenhada a partir
de seus escritos pré-carcerários. Vários autores apontaram em momentos diferen-
tes e com propósitos distintos o dissenso que Gramsci manteve com a direção do
Partido Comunista Russo depois da morte Lênin, e, particularmente, sua oposi-
100
Sobre a diversidade dessas tradições ver Agosti (1988).
101
A acusação de cosmopolitismo foi recorrente na publicística da fração stalinista e não deixava
de carregar forte conteúdo anti-semita, uma vez que Lev Davidovich Bronstein era, como todos
sabem, judeu. A reprodução que Gramsci faz dessa infundada acusação é um dos pontos baixos de
seus Quaderni, assim como a gosseira e estapafúrdia comparação da teoria da revolução permanen-
te com um estupro (Q 7, § 16, p. 866). Esses momentos são raros, entretanto na vida política de
Gramsci, que inúmeras vezes rejeitou a grosseria e a brutalidade no debate político.
246 alvaro bianchi
102
Coube a Stalin lançar a palavra de ordem do “socialismo em um só país” em um texto datado
de 17 de dezembro de 1924. Seu argumento estava assentado em um tosco jogo de palavras no
qual a construção de uma ditadura do proletariado após a vitória dos socialistas em um país (a
Rússia) rapidamente se trasnformava na “vitória do socialismo em um só país” (Stalin, 1954, v. 6,
p. 378).
guerra de movimento/guerra de oposição 247
O ponto que me parece ser necessário desenvolver é este: como segundo a filoso-
fia da práxis (em sua manifestação política) seja na formulação de seu fundador,
mas especialmente no refinamento de seu mais recente grande teórico, a situa-
ção internacional deva ser considerda em seu aspecto nacional. (Q 14, § 68, p.
1728-1729.)
103
A acusão de derrotismo havia sido lançada contra a Oposição Unificada por Stalin nas teses
escritas para 15º Conferência do Partido Comunista da União Soviética, em outubro de 1926: “em
Outubro de 1917, a complicada situação e as dificuldades da transição de uma revolução burguesa
para uma proletária engendraram em uma seção de nosso Partido vacilação, derrotismo e descrédito
na possibilidade do proletariado tomar o poder e mantê-lo (Kamenev, Zinoviev), agora, no presente
período de mudança radial as dificuldades da transição para a nova fase da construção do socialismo
motivaram em certos círculos de nosso partido vacilação, descrédito na possibilidade da vitoriosa
construção do socialismo na URSS. O bloco de oposição é a expressão desse espírito do pessimismo e
do derrotismo nas fileiras de uma seção de nosso Partido.” (Stalin, 1954, v. 8, p. 226.)
guerra de movimento/guerra de oposição 251
Revolução/Restauração
104
Kanoussi e Mena chegam a afirmar que “tudo o que está nos Cadernos tem a ver com o
conceito de revolução passiva.” (1985, p. 13.)
256 alvaro bianchi
sem “ler e escrever” e “possuam bens, ou tenham uma indústria, ou exercitem uma
arte que não seja servil” (Cuoco, 1999, p. 328), o que excluía os trabalhadores rurais
e boa parte dos urbanos da vida política. É paradoxal, pois, que Gramsci tivesse se
apropriado da fórmula de Cuoco e que a utilizasse contra Croce.
A apropriação dessa fórmula tinha, entretanto, um claro viés metodo-
lógico. Com freqüência Gramsci recorria a um método histórico analógico. Tal
método não pode ser confundido, entretanto, com a vulgar comparação empi-
rista, que encontrando umas poucas semelhanças entre acontecimentos históri-
cos distintos pretende, indutivamente, formular uma “lei histórica”. O método
analógico gramsciano tinha por finalidade não a afirmação de tais “leis” e sim
a construção de conceitos capazes de apreender a complexidade do movimento
histórico. O processo histórico sobre o qual Gramsci inicialmente refletiu por
meio desse conceito foi o da formação do Estado nacional italiano sem uma
revolução política de tipo jacobino.
A formação do Estado moderno era para Gramsci o ato de nascimento
da própria modernidade. Entre a conquista do poder pela burguesia e o nasci-
mento do mundo moderno estabelecia-se, assim, uma forte correspondência
(Burgio, 2003, p. 46-47). Como cânone de interpretação, a revolução passiva
era uma chave teórica para a compreenssão do advento da modernidade capi-
talista na maioria dos países da Europa. Foi por contraposição à idéia de uma
hegemonia política tal qual realizada pelos jacobinos que Gramsci elaborou
teoricamente o conceito de revolução passiva como um cânone de interpretação
histórica. A contraposição já se fazia evidente no Primo Quaderno. Nele, seu
autor afirmava que os jacobinos haviam conquistado
com a luta sua função de partido dirigente: eles se impuseram à burguesia fran-
cesa, conduzindo-a a uma posição muito mais avançada daquela que a burguesia
teria desejado “espontaneamente” e ainda muito mais avançada do que aquela
que as premissas históricas deveriam consentir e, por isso, os golpes de retorno e
a função de Napoleão. (Q 1, § 44, p. 50.)
105
Sobre o lugar dos intelectuais na análise gramsciana do Risorgimento, ver Vianna (1997, p.
48-57).
guerra de movimento/guerra de oposição 263
Não eram apenas os adversários mais tenazes dos socialistas que possuí-
am um modo de pensar transformista. Esse era o conteúdo da mentalidade bur-
guesa, bem como, o de alguns membros do próprio Partido Socialista, escrevia
Gramsci em uma artigo intitulado “Il bozzacchine”, publicado no Avanti!, em 4
de junho de 1917. Como modo de agir e pensar o transformismo era expressão
264 alvaro bianchi
106
Gramsci destacava o caráter limitado da hegemonia burguesa na Itália em um texto de 1926,
intitulado La situazione italiana e i compiti del PCI (1926). Nele atribuia à fragilidade intrínseca
do capitalismo italiano a necessidade dos industriais recorreram, para sobreviver, ao compromisso
econômico e político com os proprietários de terra baseado na solidariedade de interesses existentes
entre alguns grupos privilegiados, em detrimento dos interesses gerais da produção e da maioria
dos trabalhadores. Da mesma maneira que não conseguia organizar a economia nacional a sua
imagem e semelhança, a burguesia industrial não organizava, por conta própria, a sociedade e o
Estado: “Para reforçar o Estado e para defendê-lo, era necessário um compromisso com as classes
sobre as quais a indústria exerce uma hegemonia limitada, particularmente os agrários e a pequena
burguesia” (CPC, p. 491. Grifos meus).
guerra de movimento/guerra de oposição 267
107
Gramsci tinha em mente, aqui, a introdução de 1892 de Engels ao livro Do socialismo utópico
ao socialismo científico (cf. MECW, v. 27, p. 298).
268 alvaro bianchi
As “ondas sucessivas” são dadas por uma combinação de lutas sociais de classe e
de guerras nacionais, com o predomínio desta última. (Q 1, § 151, p. 134.)
As “ondas sucessivas” são dadas por uma combinação de lutas sociais de classe, de
guerra de movimento/guerra de oposição 269
intervenções pelo alto do tipo monarquia iluminada e de guerras nacionais, com o pre-
domínio destes dois últimos fenômenos. (Q 10/II, § 61, p. 1358. Grifos meus.)
108
Os neogüelfos defendiam uma unidade italiana sob a supremacia do papado. Sua denominação
relembra a facção política dos güelfos, ativa nas regiões setentrionais e centrais da Itália a partir do
século XIII. O conflito entre Guelfi e Ghibellini foi retratado por Maquiavel no Libro II de suas
Istorie Fiorentine (1971, p. 658-690).
270 alvaro bianchi
109
Sobre as diferentes formulações de Gramsci a esse respeito ver Cospito (2004a, especialmente
p. 239-240 para a análise do Quaderno 15).
272 alvaro bianchi
uma via não revolucionária, a via prussiana, como uma possibilidade de resolução da
questão agrária-camponesa (cf. LCW, v. 13, p. 238-242).110 Por outro lado, Trotsky,
havia ressaltado o papel desempenhado pelo capital financeiro e pelo Estado czaris-
ta no processo de constituição do capitalismo na Rússia contornando a revolução
burguesa (cf. Trotsky, 1971a, t. 1, p. 21-27 e t. 2, p. 147-159). A respeito deste
ponto, o que diferenciava o marxista sardo de seus contêmporâneos era a tentativa
de construir um conceito que desse conta da análise dos processos de transição sem
revolução para o capitalismo, como eles haviam feito, mas que, ao mesmo tempo,
tivesse um alcance metodológico, historiográfico e político mais abrangente.
O conceito de revolução passiva passava a ocupar, assim, um ponto
estratégico na tentativa gramsciana de reconstrução da filosofia da práxis de-
purando-a de todo mecanicismo, economicismo e fatalismo. A esse propósito
é importante prestar atenção na sutil construção metodológica anunciada por
Gramsci no § 56 do Quaderno 15:
110
O coneito de via prussiana seria, posteriormente desenvolvido por Lukács (1968. Ver tb. Rego,
1996).
guerra de movimento/guerra de oposição 273
passiva tenha lugar. Para que tal revolução ocorra é necessário o concurso de deter-
minações eficazes que se manifestam no âmbito das superestruturas e dos conflitos
sociais. O “protagonismo” histórico não pode ser, portanto, do dado inerte.
Os “fatos” aos quais era feita referência não compunham, portanto, a
estrutura; eles eram os movimentos e partidos políticos que congregando um
sem número de “homens individuais” em um projeto coletivo assumiam a di-
mensão de uma “força material”, como afirmava Marx (MECW, v. 3, p. 182).
Era por essa razão que o autor dos Quaderni opunha os “fatos” aos “homens
individuais” e não ao “homem coletivo”, ao partido político.
Certamente o objetivo de Gramsci não era estabelecer entre a política e
a economia uma daquelas separações que Croce estabelecia de modo mecânico
entre as diferentes “esferas do espírito”, nem instituir a política como um “deus
oculto”. Não se trata, pois, “de afirmar a primazia da superestrutura, e sim o da
sua unidade com as forças produtivas, cuja condição está no domínio consciente
do movimento destas por parte de seus portadores.” (Vianna, 1997, p. 47).O
movimento relatado pelo marxista sardo nesse § 56 era, justamente, o movi-
mento dessa unidade. O processo de lenta maturação das relações estruturais
(sociais), que ocorrem sob uma determinada forma política, o surgimento de
novas forças políticas eficazes, o conflito explícito e implícito entre as novas e
as velhas formas políticas e a lenta transformação política destas últimas. Faltava
nessa passagem fechar o círculo indicando o impacto político desse conflito so-
bre as relações estruturais (sociais), mas isso Gramsci fará em outras passagens.
A relação entre estrutura e superestrutura, que havia sido considera-
da a questão fundamental da filosofia da práxis, recebia uma tradução política
no problema “das relações entre as condições objetivas e subjetivas do evento
histórico” (Q 15, § 25, p. 1781). A partir dos conceitos de revolução passiva
e revolução-restauração, Gramsci colocava claramente o acento nas chamadas
condições subjetivas definindo sua centralidade. Mas a definição dessa posição
central não as tornava independentes das condições objetivas, como explicava:
Parece evidente que nunca possam faltar as chamadas condições subjetivas quan-
do existem as condições objetivas, dado que se trata de simples distinção de cará-
ter didático: portanto, é sobre a medida das forças subjetivas e de sua intensidade
274 alvaro bianchi
que se deve colocar a discussão, ou seja, na relação dialética das forças subjetivas
contrastantes. (Idem, p. 1781.)
te” nas revoluções passivas, isto é, o fato de que um Estado substitua aos grupos
sociais locais na direção de uma luta de renovação. É um dos casos nos quais se
tem uma função de “domínio” e não de “direção” nestes grupos: ditadura sem
hegemonia. A hegemonia será de uma parte do grupo social sobre o grupo intei-
ro, não deste sobre outras forças para fortalecer o movimento, radicalizá-lo, etc.
segundo o modelo jacobino. (Q 15, § 61, p. 1825.)
111
Evidentemente, Anderson (2004) não percebe que nos Quaderni são diferenciadas as varias
formas da hegemonia. Por essa razão, acusou seu autor ter simplesmente estendido o uso da noção
de hegemonia no contexto da revolução burguesa para o contexto da revolução operária.
276 alvaro bianchi
Gioberti
Esse “modelo” da formação dos Estados modernos pode repetir-se? Isso pode se
excluir, pelo menos quanto à amplitude e no que diz respeito aos grandes Esta-
278 alvaro bianchi
Esse “modelo” da formação dos Estados modernos pode repetir-se em outras con-
dições. Isso deve ser excluído em senso absoluto, ou pode dizer-se que pelo menos em
parte podem ocorrer desenvolvimentos similares, sob a forma de advento de economia
programática? Pode-se excluir para todos os Estados ou apenas para os grandes? A
questão é de suma importância, porque o modelo França-Europa criou uma men-
talidade que, por ter “vergonha de si” ou por ser um “instrumento de governo” não
é por isso menos significativa. (Q 10/II, § 61, p. 1358. Grifos meus.)
112
Em sua exposição a respeito do desenvolvimento da interpretação gramsciana do fascismo, Ada-
mson (1980) sequer menciona essa conexão, embora tenha o mérito, entretanto, de ter mostrado
as sucessivas elaborações da interpretação e as substanciais diferenças existentes entre a formulação
dos escritos anteriores à prisão e aquela que está contida nos Quaderni.
guerra de movimento/guerra de oposição 279
d’Italia dalle origini fino ai nostri giorni, de Cesare Balbo (1912-1913), ambos
dirigentes políticos do partido moderado, embora o mesmo espaço não tenha
sido concedido a Mazzini, que ficou de fora da coleção.
O autor dos Quaderni insistiu no vínculo Gioberti-Croce, o que
não deixa de surpreender. A obra de Gioberti, Del primato morale e civili
degli Italiani, publicada em 1843 teve grande impacto sobre a opinião pú-
blica da época (cf. Haddock, 1998, p. 705-706) e ainda impressiona o leitor
moderno, às vezes negativamente, com seu estilo farto de “rutilantes ouro-
péis retóricos e nacionalistas” (Q 10/I, § 6, p. 1220. Cf. tb. Woolf, 1973,
p. 351). Mas era esse estilo que a época exigia. Abandonando as veleidades
republicanas da juventude e distanciando-se de Mazzini, de quem chegou a
ser muito próximo, Gioberti procurou demonstrar que a Itália possuía em
si mesma todas as condições necessárias para um “Risorgimento nacional
e político e que para que este efetivamente ocorra não há necessidade de
revoluções internas, nem de invasões ou de imitações estrangeiras.” (1932, v.
I, p. 92. Grifos meus.) O filósofo piemontês, encontrava essas condições
em uma leitura da historia da península que destacava o papado como a
principal instituição italiana, a força dirigente detrás das grandes conquistas
do passado e a possibilidade da Itália aspirar um posição de destaque no
concerto das nações (cf. Haddock, 1998, p. 711).
A proposta de Gioberti encontrava-se amparada em um assumido rea-
lismo conservador. O princípio da unidade italiana, afirmava, deveria ser vivo,
concreto e real (Gioberti, 1932, v. I, p. 92). Distanciava-se, assim, daqueles
como Mazzini, que acusava de pretenderem uma unidade baseada nos diversos
povos da península, que se entenderiam entre si e conspirariam para destruir
seus respectivos governos, fazendo da Itália um Estado unitário (idem, p. 93).
Tal unidade não seria provável e, portanto, era impossível. Mas deveria ser tam-
bém indesejável. A união não ocorreria se ao invés de ser “tranqüila e estável”
fosse “agitada e vacilante” (idem, p. 95).
Os jacobinos, sempre eles, era o que deveria ser evitado na Itália, segundo
o filósofo piemontês. A revolução francesa mostrou quão arriscado seria derrubar
um poder legítimo. Como a maioria – senão todos – dos liberais do início do
século XIX, Gioberti manifestava o temor à democracia e o medo de que esta
guerra de movimento/guerra de oposição 281
o homem de gênio que a Itália expressou de seu interior e que depois de longa
preparação de estudos políticos e de vida prática, e depois de ter participada dos
guerra de movimento/guerra de oposição 283
Cavour era para Croce um amante da liberdade que tinha entre suas
grandes realizações a formação de uma “ordenada atividade parlamentar,
com partidos que representassem desejos e recolhessem forças e pudessem
se necessário reagrupar-se para certos fins comuns” (idem). Os debates na
Câmara e no Senado subalpino, a atividade legislativa e política, os acordos
e a solução das crises no âmbito parlamentar representavam, para o filósofo
napolitano o exemplo que Cavour e o Piemonte haviam dado para a Itália
e a Europa.
A prosa laudatória ocultava aqueles problemas sociais e políticos que
nos primeiros anos após a unificação cobraram seu preço. Nenhuma palavra
era dita sobre ae restrições que impediam à grande maioria da população
participar das eleições.113 Ou sobre o crescente pauperismo no meio rural.
Mas mesmo naquilo que revelava, Croce não deixava de transparecer os li-
mites dessa hegemonia burguesa condotta da Cavour. Os acordos parlamen-
tares e o “connubio” que havia reunido em 1852 os liberais de Cavour com
os democratas moderados liderados por Umberto Rattazzi não eram senão o
primeiro passo em direção ao transformismo e implicavam na neutralização
das correntes democrático-revolucionárias (cf. Woolf, 1973, p. 472-473). O
elogio de Croce ao “connubio” encerrava, assim, uma revalorização positiva
do próprio transformismo.
O fundamento filosófico dessa valorização croceana da revolução
passiva e do transformismo era uma dialética mutilada, a dialética da reação.
Essa dialética da reação baseava-se, segundo Grasmci em um erro de origem
prática: a pressuposição mecânica de que no processo dialético “a tese deve ser
113
Nas primeiras eleições gerais da história da Itália, em 1861, foi adotada a lei eleitoral existente
no Piemonte. Apenas 167 mil pessoas tinham direito a voto na Itália setentrional, 55 mil na Itália
central, 129 mil na Itália meridional e 66 mil nas ilhas (cf. Procacci, 1978, v. 2, p. 390).
284 alvaro bianchi
‘conservada’ pela antítese para não destruir o próprio processo, que, portanto,
é ‘previsto’ como uma repetição infinita, mecânica, arbitrariamente pré-fixa-
da” (Q 10/I, § 6, p. 1221). Essa forma de ver o processo dialético é própria
dos intelectuais, afirmava o autor dos Quaderni. Estes concebem a si mesmos
como árbitros de toda luta política real, como personificações da passagem do
momento econômico-corporativo ao momento ético político, em suma, como
a própria síntese do processo dialético: “aquilo que é ‘prática’ para a classe
fundamental torna-se ‘racionalidade’ e especulação para seus intelectuais”,
afirmava Gramsci (Q 10/II, § 61, p. 1359).
Esse deslocamento de perspectiva não deixava de ter conseqüências no
modo como os intelectuais viam a política e o próprio Estado. Se bem “para as
classes fundamentais produtivas (burguesia capitalista e proletariado moderno)
o Estado não seja concebível senão como forma concreta de um determinado
mundo econômico, de um determinado sistema de produção” (Q 10/II, § 61,
p. 1360), o mesmo não ocorre com os intelectuais. Estes vêem o Estado “como
uma coisa em si, um absoluto racional”, um artefato do pensamento e, portan-
to, dos próprios intelectuais:
na história real, a antítese tende a destruir a tese, a síntese será uma superação,
mas sem que se possa estabelecer a priori o que da tese será “conservado” na
síntese (...) Que isso ocorra de fato é questão de “política” imediata, porque na
história real o processo dialético se esmiúça em momentos parciais inumeráveis
(Q 10/I, § 6, p. 1221).
114
Para a relação entre Benedetto Croce e as correntes revisionistas de sua época ver Gramsci (Q
10/I, § 2, p. 1213-1214). O tema é tratado por Dias (2000, p. 23-32).
286 alvaro bianchi
115
A relação de Croce com o liberal-socialismo representado pelos personagens acima indicados
não deixava de ser ambígua, uma vez que estes haviam sido profundamente influenciados pelo seu
pensamento filosófico. A respeito do liberal-socialismo italiano e da relação de Croce com este, ver
o livro de Walquíria Leão Rego (2001, principalmente caps. 2 e 3).
guerra de movimento/guerra de oposição 287
Fascismo
116
Não é possível aqui afirmar com total certeza isso, uma vez que a edição crítica dos escritos
gramscianos do período só chega até o ano de 1920. Nos textos reunidos em Socialismo e fascismo:
L’Ordine Nuovo (1921-1922) e La costruzione del Partito Comunista (1923-1926) não há, entretan-
to, referências a esses episódios.
290 alvaro bianchi
A hipótese ideológica poderia ser apresentada nos seguintes termos: haveria uma
revolução passiva no fato de que pela intervenção legislativa do Estado e por
meio da organização corporativa, na estrutura econômica do país seriam intro-
duzidas modificações mais ou menos profundas para acentuar o elemento “plano
de produção”, seria acentuado assim a socialização e cooperação da produção
sem por isso tocar (ou limitando-se apenas a regular e controlar) a apropriação
individual e de grupo dos lucros. (Q 10/II, § 9, p. 1228.)
A ação estatal sobre a economia era vista, por Gramsci, como uma
possibilidade de atualização do capitalismo e de desenvolvimento das forças
produtivas em um quadro politicamente reacionário. Como tal, a interpreta-
ção gramsciana inseria-se em uma reflexão que tinha como elemento constante
uma concepção anticatastrofista da crise contêmporânea (Di Bendetto, 2000,
p. 92). O que as ênfases postas no Quaderno 8 permitem comprender é que
Gramci concebia a revolução passiva como uma possibilidade de superação da
crise da economia liberal (“individualista pura”) diferente da economia socialista
(“planificada no sentido integral”). A nota do Quaderno 10, enfatiza o caráter
“médio” dessa alternativa econônomica e demarca seu caráter ainda capitalista.
O estudo das diferentes formas de manifestação da política em con-
textos de revolução passiva permite, desse modo, abordar, por meio desse con-
ceito a complexa realidade “moderna, pós-liberal, das relações massas-Estado,
hegemonia-produção” (Voza, 2004, p. 204. Cf. tb. Baratta, 2004, p. 177). A
revolução passiva passava desse modo a ser desenvolvida em um plano teórico-
político como uma forma de superação ou atenuação da crise do capitalismo do
pós-guerra e a obtenção de um “equilíbrio estático” entre as classes sociais. A via-
bilidade material desse programa no contexto italiano era, entretanto, bastante
débil. O plano fascista de renovação enfrentava uma situação na qual a partilha
colonial já havia sido realizada e a concorrência com a Inglaterra, a França ou
mesmo a Alemanha se fazia em condições que eram desvantajosas para a penín-
sula. Mas a inviabilidade prática desse plano pouco importava em um primeiro
momento. Sua importância política e ideológica residia em sua capacidade de
A americanização exige um ambiente dado, uma dada estrutura social (ou a vonta-
de decidida de criá-la) e certo tipo de Estado. O Estado é o Estado liberal, não no
sentido do liberalismo alfandegário ou da liberdade política efetiva, mas no sentido
mais fundamental da livre iniciativa e do individualismo econômico que alcança
com meios próprios, como “sociedade civil”, pelo próprio desenvolvimento histó-
rico o regime de concentração industrial e do monopólio. (Q 22, § 6, p. 2157.)
guerra de movimento/guerra de oposição 295
Os Quaderni del carcere tiveram uma vida atribulada. Salvos das prisões
de Mussolini, foram conduzidos a uma segunda prisão. A operação de edição
dos escritos gramscianos no imediato pós-guerra e a canonização política e te-
órica de seu autor pelas lideranças do PCI tiveram um efeito duradouro. O
Gramsci de Togliatti, aquele que estava sob a “bandeira invencível de Marx-
Engels-Lênin-Stalin”, cedeu lugar ao do eurocomunismo, e este foi suplantado
pelo do pós-comunismo que, por sua vez, parece ter sido sucedido por um pós-
moderno. O preso era o mesmo, mudaram seus carcereiros.
Não há como negar: a complexidade de seu pensamento e o caráter frag-
mentário de sua obra facilitaram esse aprisionamento. Sendo uma obra provisória,
pôde ser reconstruída, rearranjada, reapresentada sob diversas formas. No que diz
respeito a uma obra de difícil compreensão torna-se fácil substituir o escrito pelo
dito. Prevalece assim um “senso comum” vulgarmente “sociológico” que procede
por meio da construção de tipos-ideais rudimentares e da afirmação de oposições
conceituais binárias: Estado versus sociedade civil, Oriente versus Ocidente, guerra
de movimento versus guerra de posição. As noções morfológicas construídas por
Gramsci para dar conta da complexidade do real cedem lugar, assim, a estreitos
conceitos. Logo com Gramsci que tanto protestou contra a “sociologia”...
O pensamento de Gramsci não se caracteriza pela construção de dico-
tomias e sim pela pesquisa da radical unidade que existe na radical diversidade.
Teria sido mais fácil se Gramsci tivesse escrito um sistema filosófico e político. Mas
ele não era como Croce, que planejou e classificou toda sua obra, antes mesmo
de escrevê-la. Talvez essa seja uma das razões pelas quais no mundo todo hoje
Gramsci é mais lido do que Croce. Toda tentativa de sistematizar, manualizar,
catalogar, tematizar e ordenar os Quaderni, produzirá uma obra diferente daquela
escrita pelo seu autor. Mas o caráter aberto dessa obra não pode fornecer o álibi
para a interpretação ligeira.
O senso comum “gramsciano” encontra seu habitat em aparelhos de he-
gemonia: centros de pesquisa, universidades, organizações não-governamentais
conclusão 299
Leon Trotsky e Georgy Lukács, com José Carlos Mariategui, Che Guevara e Paulo
Freire. Tornou-se possível assim reestabelecer confrontos e confluências que haviam
sido barradas pela concomitância do fascismo e do stalinismo.
Vários companheiros de prisão relataram que Gramsci tinha o hábito
de tomá-los pelo braço para passear enquanto conversavam. Um passeio ao qual
ele nunca renunciava. Durante algum tempo essas conversas na prisão foram
aguardadas com ansiedade por vários deles que viam a oportunidade de apren-
der com o “chefe dos comunistas italianos”. Não eram, entretanto, um monóto-
no monólogo. Gramsci perguntava, inquiria e estimulava seus interlocutores a
dizerem o que pensavam para depois, de modo paciente e com uma fala calma
expor seus próprios argumentos e ilustrá-los com imaginativas metáforas para
que melhor fossem compreendidos.
Quantas dessas conversas não encontraram depois uma forma literária
e teoricamente elaborada nos Quaderni? E quantos novos diálogos não poderiam
ser construídos a partir de seus parágrafos? Tomar seu autor pelo braço para um
diálogo peripatético com outros autores, em outras épocas e outras geografias é
algo que o próprio texto parece exigir. Gramsci deu um conselho que pode ainda
hoje estimular esses confrontos e confluências e orientar uma prática político-
teórica renovada: pessimismo do intelecto; otimismo da vontade. Uma vontade
programaticamente orientada floresce no solo de uma pesquisa das tendências da
realidade contêmporânea que tem como pressupostos metodológicos a cautela, se-
renidade e parcimônia. A investigação não deixa de ser apaixonada ou de orientar-
se políticamente, mas ela não deve se submeter às contingências da vontade.
Uma leitura que de modo lento e cuidadoso manifeste sua impaciência
pode contribuir para a compreensão do presente e ajudar a destravar o debate teó-
rico e a prática política da esquerda latino-americana. Tal leitura é ainda um desa-
fio que, decerto, não foi aqui transposto. Este livro não apresenta senão resultados
provisórios de uma pesquisa que parece não ter fim. É, pois, o retrato de uma
reflexão incompleta. Mas pode ser diferente a interpretação de uma obra que não
foi concluída por seu autor? E não radica nessa incompletude e provisioriedade do
conhecimento, nessa ausência de uma “verdade” defintiva, a possibilidade sempre
renovada de novas pesquisas críticas, de novos e supreendentes resultados?
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