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Universidade Presbiteriana Mackenzie

Unidade: CCL Curso: Letras


Nome: Lorraine Ragognette Montini Tia: 31824730
Profª Aurora Gedra Ruiz Alvarez Data: 24/05/2021
(Opcional): e-mail para receber a devolutiva da prova: lorraine_ragognette@icloud.com

2ª Avaliação de Literatura Portuguesa IV

Instruções:

Esta prova trata de reflexões teóricas e de análise literária de Literatura


Portuguesa Contemporânea estudadas em aula. O exame da questão proposta
abaixo deve ser desenvolvido em uma dissertação que siga o padrão da língua culta,
que apresente clareza na redação e consistência nos argumentos.

A prova vale dez pontos.


Redija a prova até no máximo 45 linhas, com espaçamento 1.5, em fonte 12,
Arial ou Times New Roman. Se possível, disponha em versão Pdf. Esclareço que não
será permitido exceder o número de linhas dentro dessa configuração.

A postagem deverá ser feita até o dia 21/05, às 23 h: 59 min.


impreterivelmente.

A literatura é seara onde as relações do indivíduo com a sociedade vicejam,


sublimando as interações do sujeito com o contexto. Para Antonio Candido, a obra
literária “exprime representações individuais e sociais que transcendem a situação
imediata, inscrevendo-se no patrimônio do grupo” (1973, p. 45).

Dentro do amplo universo de temas dominantes na ficção que tem suas raízes nas
sociedades industrial, burocrática etc., a questão identitária comparece com certa
insistência e ganha força e expressão estética com tratamentos inusitados. O romance
Todos os nomes, de José Saramago, constrói um retrato vivo de dramas humanos
silenciados pela classe dominante, representado pela personagem Sr. José, um auxiliar
de escrita da Conservatória Geral do Registro Civil, esmagado pela opressão que esta
atua tanto nas relações profissionais quanto no âmbito da intimidade de seus
subalternos.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. 3. ed. São Paulo: Nacional, 1973.
Discuta as ideias do texto apresentado para reflexão e articule-as com os trechos
do romance Todos os nomes, de José Saramago, dispostos abaixo.

“Está doente, Julgo que não, senhor, Se não está doente, como explica então o mau
trabalho que tem andado a fazer nos últimos dias, Não sei, senhor, talvez seja porque
tenho dormido mal, [...] Se os seus erros de serviço são causados pela insónia e se a
insónia está a ser causada por acusações da consciência, então há que descobrir a
falta cometida, Não cometi nenhuma falta, senhor, Impossível, a única pessoa, aqui,
que não comete faltas, sou eu, olhar sempre para mim quando lhe falo, é do
regulamento disciplinar, eu sou o único que tem direito a desviar os olhos, Sim senhor,
Qual foi a falta, Não sei, senhor, Nesse caso ainda é mais grave, as faltas esquecidas
são as piores, [...] As consciências calam-se mais do que deviam, por isso é que se
criaram as leis, Sim senhor [...].” (p. 78-79)

“[...] A memória, nesta casa de arquivos, é tenaz, lenta a esquecer, tão lenta que nunca
chegará a olvidar nada por completo. Tenha o Sr. José, daqui a dez anos, uma
distracção, por muito insignificante que seja, e verá como alguém lhe recordará logo
todos os pormenores destes desafortunados dias. Provavelmente era a isto que o
conservador se referia quando disse que as piores faltas são aquelas que
aparentemente estão esquecidas.” (p. 80)

“[...] O chefe tem razão, pensava o Sr. José, os interesses da Conservatória devem ser
postos por cima de tudo, vivesse eu duma maneira ajuizada, normal, e certamente não
me teria posto, com esta idade, a fazer colecções de actores, bailarinas, bispos e
jogadores de futebol, é estúpido, é inútil, é ridículo [...].

[...] Contudo, há perguntas tenazes, que não desistem, e esta voltou a atacá-lo quando
ele, cansado de corpo, exaurido de ânimo, entrou enfim em casa. Tinha-se atirado para
cima da cama como um trapo, queria dormir, esquecer a cara do chefe, o castigo
injusto, mas a pergunta foi deitar-se ao lado dele, deslizando sussurrante, Não a podes
procurar, não te deixam, desta vez era impossível fingir que estava distraído a falar
com o público, ainda tentou fazer-se desentendido, disse que havia de encontrar uma
maneira, e se não a encontrasse desistiria de tudo, porém a pergunta teimava, Deixas-
te vencer com facilidade, para isso não valia a pena teres falsificado uma credencial e
obrigado aquela infeliz e simpática senhora do rés-do-chão direito a falar do seu
pecaminoso passado, é uma falta de respeito pelos outros entrar-lhes assim pela porta
dentro para lhes devassar o íntimo.”(p. 80-81)

SARAMAGO, José. Todos os nomes. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
Sabe-se que o romance Todos os nomes, de José Saramago, metaforiza a
busca da humanização, isto é, retrata o ser em busca de si mesmo (de sua identidade)
nas relações sociais. Neste sentindo, fundamentando-se no excerto de Antonio
Candido, pode-se afirmar que, no romance em questão, há ênfase na temática da
identidade - individual e coletiva, em que a descoberta do sujeito se dá na interação
social, visto que há a presença da luta de uma pessoa simples em virtude da
instauração de um poder capitalista e opressor. Tendo em vista o personagem Sr. José,
constata-se que este dispõe de duas personalidade, são essas: diurna e noturna, em
que a primeira diz respeito ao funcionário exemplar, cumpridor de ordens, ao passo que
a última se refere a uma figura transgressora. Nesse aspecto de construção de
identidade, o personagem reconhece a condição de oprimido, todavia não se mostra
capaz de se opor contra tal mecanismo. Através dessa duplicidade comportamental do
protagonista, Sr. José passa a elaborar registros do que com ele sucede, por meio da
escrita de seu romance, no qual sua identidade não pode ser considerada fixa.

Ao compreender que as figuras célebres não são constituintes da massa


popular, isto é, não pertencem ao universo do ordinário, o protagonista dispõe de uma
mudança de comportamento, e se mostra refém de um processo de querer saber/
conhecer o outro, e simultaneamente começa a construir sua própria identidade. De
homem regrado, conservado, com medo das relações de poder passa a dominar tais
relações e a transgredir as regras através do rompimento do instituído. A partir desse
ponto, o romance já anuncia que privilegia um microcosmo do mundo herdado da
burocracia e do capitalismo. Com o objetivo de denunciar as relações sociais da
modernidade e as formas manifestas de dominação que imprimem o anonimato ao
trabalhador das classes desprivilegiadas, desapropria o sujeito de sua humanidade.
Através de uma via efêmera e unificada do personagem, já despojado de sua
identidade, a obra assume caráter de literatura marginal, e dá voz às minorias ao
retratar a vida e o sofrimento dos humilhados e ofendidos.

É perceptível que a formação da consciência do Sr. José decorre em detrimento


da interação com o outro, haja vista que com o encontro da ficha da mulher
desconhecida, marca-se o início da quebra dos automatismos. Desta forma, o
protagonista soltou-se dos grilhões e começou sua saída da zona escura de alienação,
opressão, de ausência de conhecimento e consciência de si e migrou em direção à luz.
E, de homem comedido, apático, reconhecido como funcionário exemplar, passa a
estabelecer uma ruptura com a ordem e a ousar nas suas buscas, exercendo, assim,
destruição da ética profissional.

Portanto, os diferentes encontros com o outro, as transgressões, as situações de


limiar provocam no Sr. José questionamentos que o transformam e que constituem a
sua autoconsciência. Na busca da identidade da mulher desconhecida, Sr. José opera
também a busca de si mesmo, do seu eu desconhecido e delineia uma trajetória
marcada pela contracultura, conforme destacou Antonio Candido: "a obra literária
exprime representações individuais e sociais que transcendem a situação imediata,
inscrevendo-se no patrimônio do grupo".

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