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Esta carta foi escrita por Eugenio Barba a um dos seus atores em 1967. É publicada
freqüentemente em livros e revistas, para ilustrar a visão teatral de seu autor e sua
atitude para com um “novo” ator. Foi publicada pela primeira vez no livro Synspzsnéter
om kunst (Pontos de vista sobre a arte, Copenhague: 1968).
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rodeiam já não acreditam em mais nada ou pretendem acreditar para
ficarem tranqüilos, aquele que se afunda em si mesmo para enfrentar a sua
condição, a sua falta de certezas, a sua necessidade de vida espiritual, é
tomado por um fanático e por um ingênuo. Num mundo, cuja norma é o
enganar, aquele que procura “sua” verdade é tomado por hipócrita.
Deve aceitar que tudo no que você acredita, no que você dá liberdade e
forma no seu trabalho, pertence à vida e merece respeito e proteção. Suas
ações, na presença da coletividade dos espectadores, devem estar
carregadas da mesma força que a chama oculta na tenaz incandescente, ou
na voz da sarça ardente. Somente então, suas ações poderão continuar a
viver no espírito e na memória do espectador, poderão fermentar
conseqüências imprevisíveis.
Enquanto Dullin jazia em seu leito de morte, seu rosto se retorcia
assumindo as máscaras dos grandes papéis que viveu: Smerdiakov,
Volpone, Ricardo III. Não era só o homem Dullin que morria, mas também
o ator e todas as etapas de sua vida.
Se lhe pergunto por que escolheu ser ator, me responderá: para expressar-
me e realizar-me. Mas que significa realizar-se? Quem se realiza? O
gerente Hansen que vive uma existência respeitável, sem inquietudes,
nunca atormentado por estas perguntas que ficam sem resposta? Ou o
romântico Gauguin que, depois de romper com as normas sociais, terminou
sua existência na miséria e nas privações de uma pobre aldeia polinésia,
Noa-Noa, onde acreditava ter encontrado a liberdade perdida? Numa época
em que a fé religiosa é considerada como neurose, nos falta a medida para
julgar o êxito ou o fracasso de nossa vida.
Sejam quais foram as motivações pessoais que o trouxeram ao teatro, agora
que você exerce esta profissão, você deve encontrar um sentido que vá
além de sua pessoa, que o confronte socialmente com os outros.
Somente nas catacumbas pode-se preparar uma vida nova. Esse é o lugar de
quem, em nossa época, procura um compromisso espiritual se arriscando
com as eternas perguntas sem respostas. Isto pressupõe coragem: a maioria
das pessoas não têm necessidade de nós. Seu trabalho é uma forma de
meditação social sobre si mesmo, sobre sua condição humana numa
sociedade e sobre os acontecimentos de nosso tempo que tocam o mais
profundo de si mesmo. Cada representação neste teatro precário, que se
choca contra o pragmatismo cotidiano, pode ser a última. E você deve
considerá-la como tal, como sua possibilidade de reencontrar-se, dirigindo
aos outros a prestação de contas de seus atos, seu testamento.
Se o fato de ser ator significa tudo isto pra você, então surgirá um outro
teatro; uma outra tradição, uma outra técnica. Uma nova relação se
estabelecerá entre você e os espectadores que à noite vem vê-lo, porque
necessitam de você.