Você está na página 1de 4

Caminhos da Linguística Histórica – Parte III

Nesta terceira parte, Mattos e Silva (2008) trata da realização da mudança


linguística, iniciando por R. Martin, que considera, nos estudos sobre mudança
linguística, os fatores externos, como o contato entre línguas e a pressão externa para
nomear as realidades e conceituar experiências; e internos, como tendências tipológicas
e analíticas da língua.

Deste modo, a autora busca traçar um percurso investigativo sobre as possíveis


“causas” da mudança linguística com base nas pesquisas de precursores como
Bredsdorff, Jespersen, Menendez Pidal, Sapir e Benveniste; do estruturalismo e suas
variações em Coseriu, dos neogramáticos, da sociolinguística, do gerativismo e de R.
Lass.

Segundo Mattos e Silva (2008), Bredsdorff focou na investigação sobre o


desenvolvimento da linguagem em geral e tentou explicar as causas das mudanças
linguísticas. O autor propõe sete causas que são classificadas por Mattos e Silva (2008)
como fisiológicas, psicológicas, social e racional.

A autora descreve que Jespersen acentuou o papel do indivíduo na realização da


mudança linguística. Segundo este autor, o indivíduo tende a economizar esforços
musculares e mentais para utilizar a língua no dia-a-dia e esta seria a razão das
mudanças linguísticas. Esta característica, conforme diz Mattos e Silva (2008) recebeu o
nome de “esforço mínimo”. Assim, de acordo com a autora, Jespersen rejeita as leis
fonéticas propostas pelos neogramáticos e também a teoria do substrato, pois a
considerou unilateral e frágil ao examinar a investigação das línguas crioulas por Hugo
Schuchardt.

Sobre Menéndez Pidal, Mattos e Silva (2008) afirma que este autor também
rejeita as leis fonéticas e assume a ideia da existência de “tendências coletivas”, à
semelhança de R. Martin. E. Sapir, segundo a autora, considerou a mudança linguística
um impulso, que designou de deriva, mas que não se relaciona com a cultura. Conforme
diz Mattos e Silva (2008), para Sapir a língua é um molde que se encaixa em qualquer
cultura e pensamento coletivo. Sapir desenvolve o conceito de uma identidade
linguística ideal, considerando não só o indivíduo, mas a norma social. Em seu estudo
sobre o item lexical do inglês whom, o autor percebe a existência de forças
determinantes do seu desaparecimento, em decorrência de um instinto rítmico que dá
preferência aos vocábulos when e who em algumas construções frasais similares, que
requisitam menor esforço, como descreveu Jespersen. Assim, a autora afirma que estes
seriam sintomas de maiores tendências que operam na língua e explica que essa visão é
de natureza teleológica e, portanto, recebeu críticas, como a de Lightfoot.

Segundo Mattos e Silva (2008), Benveniste recusa a formulação saussureana de


que o signo linguístico é arbitrário e defende uma relação necessária entre significante e
significado. Conforme a autora, Benveniste distingue transformações inovadoras como
o desaparecimento parcial ou completo das distinções de gênero, a eliminação do neutro
e a redução das distinções de número em diversas línguas.

Os neogramáticos, de acordo com Mattos e Silva (2008), como Verner, Leskien,


Scherer e Grimm foram quem estabeleceram as famosas leis fonéticas aplicadas às
línguas indoeuropeias. A autora elucida sobre o primeiro neogramático ter sido Scherer
e não Paul, pois Paul afirmava ser a linguística uma ciência de princípios e não uma
filosofia da linguagem, como seus antecessores e em lugar de leis fonéticas apresentou
condições gerais, fatores psíquicos e físicos como princípios da história da língua. Paul
identificou a presença de uma regularidade nos processos linguísticos dos indivíduos,
atestando um conhecimento científico sobre os mesmos. Também se posicionou sobre
um outro método científico de estudo da língua, diferente do histórico, afirmando que
um método não-histórico seria incompleto. Segundo a autora, para Paul, o que sofria
transformação eram os organismos psíquicos de execução da língua e não a fala e
propunha o conhecimento destas mudanças mediante a auto-observação, determinando
que os processos de aprendizagem da língua são a principal origem dessas
modificações.

De acordo com Mattos e Silva (2008), o estruturalismo diacrônico, representado


por Jakobson e Martinet, propõe uma teoria da mudança intrassistêmica. Martinet baseia
sua teoria em três pontos principais: função, estrutura, assimetria e inércia nas prosódias
e nas pressões não-fonêmicas. A autora menciona o comentário de Luchesi acerca da
afinidade entre as teorias de Jakobson e Martinet, que definem as versões ortodoxa e
heterodoxa do estruturalismo diacrônico. Ambas buscam explicar a mudança pela
funcionalidade do sistema linguístico, mas a primeira a partir do ponto de vista interno e
a segunda, considerando múltiplos fatores. Em Martinet as possíveis causas seriam: a) a
função da língua como sistema de comunicação social; b) a configuração estrutural do
sistema fonológico e c) os fatores de natureza acústica e articulatória. Assim, Mattos e
Silva (2008) conclui que Jakobson apresenta princípios de natureza teleológica pautados
em Aristóteles e Martinet apresenta causas que obedecem à arquitetura lógica de sua
teoria.

Sobre Coseriu, a autora explica que a teoria sobre a mudança deste autor atesta a
existência de circunstâncias, modalidades e finalidades que operacionalizariam a
mudança e descreve seus tipos. Segundo Mattos e Silva (2008), Coseriu foi o único a
perguntar-se “por que as línguas mudam?”, ou seja, as condições gerais e particulares da
mudança em determinado tempo. De acordo com Coseriu, toda língua é suficiente em
relação ao mundo cultural em que corresponde, por conta disto nenhum fato linguístico
teria motivação cultural. A autora encerra a descrição sobre Coseriu afirmando que foi
sua aluna em um curso promovido no Rio de Janeiro sobre a história da linguística e
tece elogios a respeito da sua competência como linguista.

A seguir, Mattos e Silva (2008) descreve a mudança para a sociolinguística, que


pretende solucionar o problema da transição, do encaixamento e da avaliação. A autora
traz os estudos de Antilla, que considera o aprendiz da língua como máquina de
reconstrução interna da língua e máquina do método comparativo, ou seja, alguém que
realiza o procedimento científico de forma natural. A autora concorda com Antilla
quando este diz que os que fazem linguística histórica estão, por sua vez, tentando
apreender a história, indo além do que o aprendiz da língua faz espontaneamente.

Schendl, segundo Mattos e Silva (2008), divide as teorias sobre a mudança


linguística em três tipos de explanações: a) funcionais, como a de Martinet; b)
psicológicos, como a gerativa; b) sociolinguísticas, que buscam razões para as
mudanças no papel dos falantes como seres sociais. Schendl diz que Labov propõe uma
macrossociolinguística, olhando a sociedade como um todo e propõe a substituição pela
microssociolinguística, ao observar as redes sociais em que os falantes vivem e se
comunicam. Daí o destaque para a pesquisa dos Milroy que observaram comunidades
de fala da classe operária, constatando que a mudança depende da estrutura e densidade
das redes sociais, do status do falante na rede e o grau de contato dos falantes com
outros que estão fora da rede.

Quanto ao gerativismo, a autora busca retomar a crítica feita por Lightfoot às


teorias explanatórias sobre a mudança, como as de direcionalidade; as teleológicas e as
analógicas. Mattos e Silva (2008) apresenta o conceito de compreessibilidade intuitiva
de Lightfoot, que admite o acaso como fator de mudança, decorrentes de fatores
pragmáticos, estilísticos ou contextualizados a outras línguas. Segundo a autora,
Lightfoot acompanha a progressão das reformulações gerativistas na busca da GU,
constituída de princípios universais e parâmetros genotípicos relevantes para o
desenvolvimento da gramática interna das crianças, determinando a representação da
capacidade linguística do indivíduo na maturidade. Lightfoot ainda admite o caráter
gradual da mudança, mas também aponta que algumas vezes ela pode ser abrupta.

Sobre R. Lass, Mattos e Silva (2008) diz que o autor defende a estratégia
múltipla, que diz que uma situação linguística qualquer pode mudar em várias direções.
Ou seja, o que vai acontecer não é totalmente previsível, porque podo ocorrer também a
chamada estratégia nula, na qual não ocorre nenhuma mudança. Assim, a conclusão da
autora aponta as razões que a motivaram a escrever o livro e não restringe uma ou outra
abordagem teórica como superior a nenhuma outra.

Você também pode gostar