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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, CRIAÇÃO E INOVAÇÃO


COORDENAÇÃO DE INICIAÇÃO A PESQUISA, CRIAÇÃO E INOVAÇÃO

Relatório Parcial

PIBIC, PIBIC-AF, PIBIC-MS, PIBITI E VOLUNTÁRIOS

EDITAL / PROGRAMA
PIBIC (x) PIBIC-AF ( ) PIBIC-MS ( ) PIBITI ( ) VOLUNTÁRIO ( )

ESTUDANTE IC
(Digitar nome completo, sem abreviações).

Tamires Sales de Quadros

Título do Plano de Trabalho do Estudante


(Digitar o título completo, sem abreviações, exatamente igual ao título do plano de trabalho aprovado).

Catalogação e transcrição de documentos históricos: Cartas do século XIX

ORIENTADOR
(Digitar nome completo, sem abreviações).

Eliana Correia Brandão Gonçalves

Título do Projeto do Orientador


(Digitar o título completo, sem abreviações, exatamente igual ao título do projeto do orientador).

Guerras, revoltas e contextos de violência em documentos de arquivos histórico-culturais:


edição e estudo linguístico

Salvador
fevereiro de 2019

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1. OBJETIVOS E METAS DO PROJETO DO ALUNO


A proposta da pesquisa foi construída a partir do mapeamento, em forma de
inventário documental, leitura, descrição e transcrição de Cartas históricas datadas do século
XIX, advindas principalmente do antigo Conselho Histórico Ultramarino, que foram
catalogadas pelo Projeto Resgate (2009) e que estão disponibilizadas na base de dados
digitais da Biblioteca Nacional Digital Brasil da Fundação Biblioteca Nacional e no acervo
do Arquivo Público do Estado da Bahia.
O plano de trabalho desenvolveu-se no curso de Letras da Universidade Federal da
Bahia - UFBA, com o auxílio de bolsa PIBIC-CNPQ-UFBA, e está vinculado ao projeto de
pesquisa Guerras, revoltas e contextos de violência em documentos de arquivos histórico-
culturais: edição e estudo linguístico, coordenado pela Profa. Dra. Eliana Brandão (UFBA),
e ao grupo de pesquisa Studia Philologica. O referido projeto tem por objetivo a elaboração
de produções editoriais e o desenvolvimento de estudos léxico-semântico, terminológicos e
onomásticos, de documentos históricos sobre a Bahia, disponibilizados em acervos de
instituições arquivísticas, nacionais e estrangeiras, como os documentos da Capitania da
Bahia constantes no Arquivo Histórico Ultramarino, que foram catalogados pelo Projeto
Resgate Barão do Rio Branco, em 2009. Além destes, busca-se os documentos constantes
nos fundos arquivísticos de instituições como a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o
Arquivo Público do Estado da Bahia, que façam referência à história das guerras, revoltas e
violência na Bahia (GONÇALVES, 2017).
Dessa maneira, foi realizado o mapeamento, a seleção e a análise da espécie
documental Carta do século XIX, com objetivo de compor um inventário detalhado,
considerando o critério cronológico, temático e a quantificação dos documentos que fazem
menção a guerras, revoltas e contextos de violência, seguida da descrição e transcrição dos
textos relativos à Bahia. Destaca-se também que essas Cartas revelam aspectos linguísticos
que permitem o desenvolvimento de reflexões e debates acerca da magnitude do trabalho
filológico, por meio do resgate da memória da língua dos textos e por meio dos registros
escritos remanescentes, principalmente aqueles representados pela referida espécie
documental, que foi um documento bastante utilizado na administração colonial. Desse
modo, foram objetivos da pesquisa:

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 Desenvolver leitura, fichamento e discussão de referências teóricas e metodológicas


sobre a pesquisa;
 Ler, descrever e transcrever Cartas que tratem de guerras, revoltas e contextos de
violência, na Bahia do século XIX;
 Elaborar glossário referente ao recorte temático da pesquisa, por meio da seleção de
lemas e construção de verbetes;
 Produzir catálogo com os resultados da pesquisa;
 Elaborar trabalhos para divulgação da pesquisa, em eventos científicos;
 Preparar relatório de pesquisa.

2. PRINCIPAIS ETAPAS EXECUTADAS PELO ALUNO NO PERÍODO


Durante os meses de agosto de 2018 a janeiro de 2019, se desenvolveu a primeira
etapa da pesquisa voltada para a leitura, fichamento e discussão de textos relativos à área de
Filologia, História, Estudos do Léxico, entre os quais Gonçalves (2018ab), Chartier (2010),
Saldanha (2001), Barbosa (2016), com o objetivo de desenvolver aportes teóricos
necessários ao andamento da pesquisa. Esta etapa foi importante para a compreensão dos
principais temas desenvolvidos durante este período de pesquisa, pois essas leituras refletem
a importância da história política e social da Bahia colonial, por meio de documentos
escritos de diversas tipologias documentais, constantes nos fundos documentais de
instituições arquivísticas nacionais e internacionais, e também apresentam aspectos
linguísticos que permitem o desenvolvimento de reflexões e debates a respeito das atividades
filológicas, por meio do resgate dos textos representados pela tipologia documental Carta.
Junto à leitura, fichamento e discussão dos textos teóricos, fez-se a seleção e
inventário das Cartas do século XIX. Em seguida, foram realizadas descrições e transcrições
paleográficas de Cartas que registram contextos do recorte temático da pesquisa, além da
elaboração de verbetes para construção do glossário. Por fim, vale lembrar que os resultados
da pesquisa foram apresentados em eventos científicos e que, durante o mês de janeiro de
2019, foi elaborado o relatório parcial de pesquisa.

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3. PRINCIPAIS RESULTADOS OBTIDOS


Nos primeiros meses dedicados à pesquisa, realizaram-se leituras, fichamentos e
discussões de textos relacionados à Filologia, História, Lexicografia, entre outros temas
associados à temática abordada. Com base nos resultados obtidos até o momento, foi
realizado o relatório parcial de pesquisa. Fez-se também a seleção de Cartas referentes ao
século XIX, que estão presentes no volume II do Catálogo disponibilizado pelo Projeto
Resgate de Documentação Histórica Barão do Rio Branco (2009), como também no site da
Biblioteca Nacional Digital, totalizando 335 Cartas datadas do século XIX.

QUADRO 1 - QUANTIFICAÇÃO DA TIPOLOGIA DOCUMENTAL CARTA


CATÁLOGO PROJETO RESGATE
DIVISÃO TOTAL
CRONOLÓGICA QUANTIFICAÇÃO DAS
CATÁLOGO DAS CARTAS CARTAS
POR PERÍODO POR
SÉCULO ANO VOLUME
VOLUME II SÉCULO 1801 a 335 Cartas 335 Cartas
1604 - 18281 XIX 1827

TOTAL GERAL DAS CARTAS 335 Cartas

O processo de seleção foi realizado consultando o catálogo e utilizando a palavra-


chave “Carta” na pasta do Projeto Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828), que consta no
acervo do dossiê referente ao projeto, no site da Biblioteca Nacional. Das Cartas
inventariadas até o momento, foram descritas e transcritas 19 Cartas. Abaixo segue um
exemplo de uma das transcrições realizadas: uma Carta do governador das Armas da
Província da Baía, Inácio Luís Madeira de Melo, ao rei D. João VI, sobre as lutas pela
independência do Brasil na Baía.
A Carta é escrita em apenas 1 fólio recto, composto por 19 linhas, datada de 15 de
fevereiro de 1823, na Bahia, e possui uma marca de carimbo na altura da linha 5. Apresenta
letra cursiva de tamanho médio, inclinada para a direita, com algumas ligaduras entre as
palavras e não possui abreviaturas. Utilizou-se para a transcrição conservadora do

1
O volume II do catálogo oferece a lista dos documentos a partir do ano 1766, dando continuidade ao volume I.
Não se inicia a partir de 1604, como indicam as informações do catálogo.

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documento uma adaptação das normas sugeridas pela Comissão de estabelecimento de


normas para transcrição de documentos manuscritos para a História do Português do Brasil,
por ocasião do II Seminário para a História do Português Brasileiro, em Campos do Jordão,
em 1998 (CAMBRAIA, C. N.; CUNHA, A. G. da; MEGALE, H., 1999, p. 23-26).
Figura 1 – Fac-símile da carta do [governador das Armas da Província da Baía], Inácio Luís Madeira de Melo,
ao rei [D. João VI], sobre as lutas pela independência do Brasil na Baía.

Fonte: Fundo AHU-Baía, cx. 265, doc. 35; cx. 266, doc. 68, 69 e 70. AHU_ACL_CU_005, Cx. 276, D. 19212.

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TRANSCRIÇÃO DA CARTA

||1r||

Senhor

Apresso-me em participar a Vossa Ma-


gestade que os insurgentes executaraõ hoje
durante a manhãa hum forte attaque so-
5 bre a nossa alla esquerda com huma divi-
zaõ respeitável. Foraõ desalojados das posi-
ções que occupavaõ, eobrigados a retirar-se
em desordem pella Legiaõ Constitucional Lu-
zitana, Batalhaõ numero 3 de Infantaria,
10 1º Batalhaõ do 1º Regimento de Milicias
A perda do inimigo foi considerável, a Ar
tilharia da referida Legiaõ causoulhe muito
estrago: as nossas Tropas portaraõ-se com
a maior dignidade; nos tivemos pequena per
15 da.2
Deos Guarde aVossa Mages-
tade por muitos annos
2ª via Bahia 15 de Fevereiro de 1823
[Ignacio Luís Madeira de Mello]

Em seguida, considerando-se as transcrições das Cartas, foi iniciada a elaboração do


glossário que também se vinculou as áreas conceituais, guerras, revoltas e contextos de
violência, seguindo a opção temática da pesquisa. Posteriormente, foram delimitadas as
unidades lexicais, e, com a seleção dos dados, foi realizada a lematização dos mesmos e, na
sequência, foi definida a organização da microestrutura do glossário e a elaboração do
verbete, considerando, inicialmente, para fins de definição lexicográfica as obras de Rafael
Bluteau (1789), de Domingos Vieira (1871) e de Antônio de Moraes Silva (1877), seguindo
os pressupostos da lexicografia histórica (MURAKAWA, 2010).
O referido glossário teve por objetivo apresentar a definição de alguns itens
lematizados previamente considerados relevantes para o campo temático da pesquisa.

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Presença de carimbo do Arquivo Histórico Ultramarino

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Considerando-se as unidades lexicais simples, a microestrutura do verbete apresenta: lema


principal (minúscula, negrito, exceto em caso de nomes próprios) ~ lema secundário
(minúscula, negrito; variante gráfica, bastante recorrente em documentos históricos do
século XIX) - classificação gramatical em itálico e com abreviatura (< étimo).
Definição(ões) antecedida(s) da numeração(ões). Abonação extraída das transcrições,
apresentando, em negrito, o item lexical que se refere ao lema. [Identificação do documento,
indicando-se CARTA, local, ano, registro, fólio, linha] (GONÇALVES, 2017;
MURAKAWA, 2010). Exemplo:
desordem ~ dezordem - s. f. (<do lat. ordine, antecedido do prefixo -des). 1. Transtorno,
confusão, desarranjo, perturbação das coisas que se achavam bem ordenadas física e
moralmente. 2. Pendência, briga, desavença, motim, alvoroço, tumulto. [...] eobrigados a
retirar-se/ em desordem pella Legiaõ Constitucional Lu-/ zitana, Batalhaõ numero 3 de
Infantaria [...] [CARTA, Bahia, 1823, AHU_ACL_CU_005, Cx. 276, D. 19212, , f. 1r, L. 9 -
10]. [...] hum dos objectos dos facciozos tem se/ forma/ formar em differentes partes
dezordens [...] [CARTA, Bahia, 1822, AHU_ACL_CU_005, Cx. 269, D. 18933, f. 2r/2v, L.
70 - 72]
Os resultados da pesquisa já existentes foram apresentados em três comunicações
orais, em eventos científicos realizados na Universidade Federal da Bahia. Em setembro de
2018, “Cartas do século XVIII: documentação histórica e memória”, no IX Seminário de
Estudos Filológicos no ILUFBA; em outubro de 2018, “Inventário e transcrição de
documentos históricos: Cartas do século XVIII”, no Congresso UFBA 2018; e em novembro
de 2018, “Cartas históricas do século XIX: transcrição e estudo”, no XII Seminário de
Pesquisa Estudantil em Letras.

4. DISCUSSÃO SUCINTA
A Filologia ocupa-se do texto escrito para analisar, interpretar e restituir aspectos
culturais, históricos e linguísticos da trajetória de uma sociedade, buscando resgatar as
origens e a genealogia dos textos, por meio da história da transmissão textual. Concentra-se
em compreender os conteúdos produzidos historicamente no texto e suas relações, os
mecanismos linguístico-discursivos que engendram a construção do texto (BORGES;
SOUZA, 2012). O interesse desta pesquisa volta-se para a investigação de documentos
relativos à Bahia do século XIX, que registram situações de guerra, revolta e violência
preponderante na trajetória histórica do povo baiano, a fim de que “a memória possa emergir

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dos textos editados e dos usos linguísticos, mas também das imagens dos lugares, dos
sujeitos e das comunidades, que compõem o universo fragmentado da história da Bahia”
(GONÇALVES, 2017, p. 193).
Assim, para este plano de trabalho foram selecionados os documentos históricos
referenciados no Catálogo dos Documentos Manuscritos avulsos da Capitania da Bahia,
pertencentes ao Projeto Resgate (2009) e no Catálogo de documentos sobre a Bahia
existentes na Biblioteca Nacional. No primeiro catálogo, a documentação corresponde, em
sua grande maioria, ao Fundo Documental do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) – o
Conselho Ultramarino, localizado em Lisboa, Portugal; e no segundo, pertence a fundos
documentais diversos. A partir desses documentos, vem sendo realizado o mapeamento, a
descrição e a transcrição de Cartas, referentes ao recorte temático e cronológico da pesquisa.
Após estas etapas, foi iniciada a elaboração de um glossário referente à temática de
guerras, revoltas e contextos de violência, que contemple a seleção de lemas como um
instrumento para auxiliar de forma mais clara a compreensão dos textos e servir de fonte de
conhecimento e estudo para outro estado de língua, como exemplo de um ato de fala
pertencente a um tempo e um lugar (BARBOSA, 2001, p. 43).

Em nosso caso, as ocorrências de palavras compreendem o cotidiano da Bahia do


século XIX. Entretanto, a composição deste glossário demandará uma sequência de etapas
de pesquisa e trabalho, juntamente com o que está sendo desenvolvido por outras bolsistas.
No atual momento, estamos realizando o reconhecimento terminológico e avaliando as
relações de sentido e pertinência entre as unidades linguísticas (FINATTO, KRIEGER,
2004).

No século XIX, as Cartas oriundas destes arquivos versam, em sua grande maioria,
sobre concessões de patentes de honra, procedimentos administrativos e solicitações às
autoridades, mas também surgem conteúdos sobre revoltas, sublevações e insurreições deste
período, a condição política e as relações militares, especialmente no que diz respeito ao
processo de independência do Brasil. A respeito disto, o idealismo antilusitano, o
ressentimento de repressões anteriores e a vontade de afirmação do recém-criado
nacionalismo brasileiro, mobilizaram não só as elites (especialmente no Nordeste),
inspiradas por teorias liberalistas francesas e norte-americanas, mas também as camadas
populares, que aproveitaram o momento de insatisfação geral para também reivindicar suas

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demandas (SALDANHA, 2001).


Entretanto, as Cortes eram liberais no que se refere às relações com Portugal, mas
mantinham ânsias de recolonizar o Brasil, aparentando uma igualdade que se contrariou com
a proposta da monarquia e com a existência de um poder moderador, representado pela
figura de D. Pedro, algo inédito em um país recém-independente. O Brasil, deste modo,
seguiu os moldes políticos de outras nações e não condisse com a realidade local. Um
exemplo disso, é que entre as Cartas, pudemos encontrar relatos que sinalizam o apoio
político de algumas localidades baianas ao príncipe regente, como se vê em uma carta dos
oficiais da Câmara da vila de Inhambupe reafirmando a aclamação de D. Pedro como
príncipe regente do Brasil, de número de registro AHU_ACL_CU_005, Cx. 270, D. 18998 e
em outra, que trata da aclamação do Príncipe D. Pedro, como regente e defensor perpétuo do
Reino do Brasil, pela Câmara da vila de Itapicurú, de número de registro
AHU_ACL_CU_005, Cx. 270, D. 19012.
Além disto, há relatos sobre as insurgências políticas dos revoltosos e o surgimento de
grupos revolucionários que lutavam pela independência do Brasil. Os conflitos com a
administração, portanto, são temas frequentes em diversos documentos da Capitania da
Bahia, mas também “[...] enfocam realidades diferentes e fragmentadas, construídas a partir
de memórias residuais recuperadas por meio dos textos e de seu contexto discursivo”
(GONÇALVES, 2017, p. 202). Como se vê, o território correspondente à Bahia foi palco de
lutas por independência e movimentos revolucionários. Por este motivo, o documento se faz
testemunha, que orienta o pesquisador, que auxilia a reconstituir o passado, a estabelecer
relações e tirar conclusões. A proposta é, então, conforme Chartier (2010), “escutar os
mortos com os olhos”, verificando por meio dos escritos os acontecimentos que puderam ser
relatados por meio das lentes de quem os presenciou.
Não se pode esquecer que “[...] o escrito é o instrumento de poderes temíveis e
temidos” (CHARTIER, 2010, p. 24) e que as possibilidades de escrita estiveram restritas a
determinados grupos. Por isto, para Gonçalves (2018a), “é preciso também problematizar as
possibilidades de leituras da Filologia em sua luta, que vem se somar a tantas outras, contra o
apagamento da história e da memória dos textos e das línguas” (p. 50). Assim, o documento
pressupõe um diálogo com o tempo presente. Neste diálogo, o entendimento sobre o passado
se transforma, fazendo com que o documento histórico seja uma construção permanente e

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permitindo leituras diversas sobre um mesmo material. Sob esta perspectiva, o fato histórico
se transforma conforme o olhar que lhe direcionamos.
Deste modo, nos compete avaliar os testemunhos, que só podem ser interpretados por
esta postura crítica. Ou seja, a postura do pesquisador deve ser a de questionar os
documentos para rememorar o passado. Porém, para encontrar elementos tão diversos
presentes num único texto e poder estabelecer inferências históricas, a Filologia precisa
recorrer a outras disciplinas, como a Paleografia e a Diplomática. A partir da análise
paleográfica e diplomática dos documentos, podemos reafirmar o seu valor histórico.
Partindo deste pressuposto, o pesquisador pode e deve relacionar o texto com outros
conhecimentos e outros fatos históricos, que assumam papel decisivo na apreensão e
compreensão dos acontecimentos.
Assim, nota-se a importância da Paleografia para o estudo da história escrita,
particularmente a escrita à mão - como é o caso deste corpus - investigando seu processo de
produção e seus aspectos gráficos, e muito além, suas implicações sociais (SAÉZ &
CASTILLO, 1999), estabelecendo as características extrínsecas do documento, facilitando
sua leitura e transcrição e auxiliando na compreensão do sistema de escrita usual da época
(CAMBRAIA, 2005, p. 23). De outro modo, a Diplomática se ocupa da estrutura formal de
documentos emitidos em caráter oficial. Um documento diplomático produz efeito jurídico e
administrativo, contém fórmula fixa e uniforme, enquanto um documento não diplomático
costuma ser apenas informativo, não produz efeito jurídico ou contém fórmula fixa
(BELLOTTO, 2002, p. 13 - 18).
No que se refere às Cartas emitidas neste período, pode-se dizer que poderiam ser
correspondências provenientes do alto escalão ou de outra natureza (comercial, industrial,
social). Há espécies de Cartas que funcionam como documento diplomático, como as Cartas
de Lei, as Cartas Patentes, Cartas de Perdão, entre outras, que retratam e comprovam
procedimentos jurídicos ou administrativos e/ou interferem em regulamentos e estatutos.

Entretanto, algumas Cartas não cumprem essa função, apenas demonstram as


relações informais existentes entre autoridades públicas, que se atualizam a respeito dos
acontecimentos, sem apresentar decisões formais e oficiais. Estas relações podem partir de
uma escala hierárquica mais inferior para outra mais elevada ou vice-versa ou tramitar, em
um mesmo âmbito, entre particulares. Tais características correspondem a seguinte

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definição de Carta: “documento não diplomático, mas de desenho mais ou menos


padronizado, informativo, ascendente, descendente, horizontal, conforme o caso”
(BELLOTTO, 2002, p. 51).

No entanto, por conta da variedade de finalidades que motivam a escrita de uma


Carta, manifestando intenções políticas ou literárias, dentro de um ambiente familiar ou de
amizade, surgem os diversos tipos de espécies documentais referentes à tipologia
documental Carta. A espécie documental refere-se à estrutura formal do documento,
enquanto a tipologia documental corresponde à intenção, a finalidade que motivou a escrita.

Sanchis (2000, p. 14) afirma que as Cartas abarcam âmbitos mais amplos que a
classificação de gênero literário, podendo figurar como informação diplomática e
convertendo-se em fonte de informação política, mas também apresentando diferentes
graus, podendo surgir como cartas políticas, às vezes públicas, outras vezes privadas, que
contribuem para esclarecer aspectos importantes das decisões dos governantes.

No que se refere a esta intencionalidade, percebe-se que “nem todas as partes


diplomáticas surgem em todas as espécies. [...] isso depende da natureza jurídica do
instrumento [...] determinada pelo objetivo visado” (BELLOTTO, 2002, p. 41). Ou seja,
uma espécie documental, ainda que siga uma estrutura rígida, pode não ser um documento
prototipicamente diplomático. Esta categorização pode variar conforme o caso. Fachin
(2006) aponta, com base na classificação proposta por Heloísa Bellotto, no glossário de
espécies documentais referente ao Catálogo de documentos manuscritos avulsos da
Capitania de São Paulo, publicado pela mesma equipe do Projeto Resgate (2009), que
embora as Cartas que analisa não sejam classificadas como documentos diplomáticos,
podem ter uma estrutura mais ou menos determinada.

Pensando nestas possibilidades, torna-se factível submeter esta espécie de Carta,


como a que se apresenta no corpus, a uma análise diplomática, pois seu conteúdo apresenta
características pertinentes a este tipo de análise e este estudo pode auxiliar na construção da
práxis filológica ao promover a crítica destes textos (GONÇALVES, 2018a). Para
Gonçalves (2018b), tais abordagens nos auxiliam a superar os desafios na pesquisa com
documentos históricos sobre guerras na Bahia do século XVIII ao XX, por que:
partindo dessa materialidade, é necessário atentar para as formas e
condições de produção do texto e os usos sociais da escrita de forma mais

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ampla e reflexiva, visto que a documentação histórica, presente em acervos


de arquivos nacionais e estrangeiros, registra variados modos de confrontos
pelos diversos segmentos sociais (GONÇALVES, 2018b, p. 125).

Assim, entendemos que a interpretação dos documentos históricos


depende muito do conhecimento paleográfico e diplomático do pesquisador. A partir desta
perspectivas, considera-se a importância do cuidado filológico para o estudo histórico da
língua, vinculando o estudo minucioso do texto com a análise e interpretação das línguas.
Deste modo, adotamos um fazer filológico que “articula a reflexão crítica entre os textos e
os usos linguísticos que se alteram ao longo do tempo, dos espaços e dos contextos”
(GONÇALVES, 2018a, p. 52).

O trabalho filológico é, sem sombra de dúvida, substancial para a compreensão dos


fatos do presente e do passado da língua, considerando aspectos dos contextos discursivos
que circundam os textos e tendo como auxiliares as abordagens e metodologias da
Paleografia e da Diplomática para superar os desafios da escrita de documentos históricos
em sua interpretação.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS (máximo 15)


BARBOSA, Maria Aparecida. Dicionário, vocabulário, glossário: concepções. In: ALVES,
Ieda Maria. A Constituição da normalização terminológica no
Brasil (Cadernos de Terminologia). n. 1, 2. ed. São Paulo: FFLCH/CITRAT, 2001, p. 23 –
46.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Como fazer análise diplomática e análise tipológica de
documento de arquivo. São Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial, 2002. (Projeto
Como Fazer, v. 8).
BORGES, Rosa; SOUZA, Arivaldo Sacramento de. Filologia e edição de texto. In:
BORGES et al. Edição de texto e crítica filológica. Salvador: Quarteto, 2012. p. 15-44.
CAMBRAIA, C. N.; CUNHA, A. G. da; MEGALE, H. (1999) Normas para a transcrição de
documentos manuscritos para a história do português do Brasil. In: A carta de Pero Vaz de
Caminha. São Paulo: Série Diachronica, 1, Humanitas, 1999. p. 23-26.
CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fontes,
2005.
CHARTIER, Roger. “Escutar os mortos com os olhos”. Estudos Avançados. v. 24, n. 69,
2010, p. 7 – 30.
FACHIN, Phablo Roberto Marchis. Estudo paleográfico e Edição Semidiplomática de
manuscritos do Conselho Ultramarino (1705 – 1719). 2006. 122f. Tese (Doutorado)
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. São Paulo.
2006.
FINATTO, Maria José Bocorny; KRIEGER, Maria da Graça. Terminologia em aplicação.

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In: Introdução á terminologia: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2004, p. 121 – 175.
GONÇALVES, Eliana Brandão Correia. A Filologia e o estudo histórico das línguas
românicas. Cadernos do CNLF, vol. XXII, n. 03, Textos Completos, Tomo II. Rio de
Janeiro: CiFEFil, 2018a, p. 49 – 62.
GONÇALVES, Eliana Correia Brandão. A Paleografia na leitura da documentação histórica
sobre a Bahia. In: LOSE, Alícia Duhá; SOUZA, Arivaldo Sacramento (Orgs.) Paleografia e
suas interfaces. 1 ed. Salvador: Memória & Arte: Edufba, 2018b, p. 125-142.
GONÇALVES, Eliana Correia Brandão. Léxico e história: lutas e contextos de violência em
documentos da Capitania da Bahia. Revista da ABRALIN: Associação Brasileira de
Linguística, volume 16, n. 2, p. 191-218, jan./fev./mar./abril de 2017.
MURAKAWA, Clotilde de Almeida de Azevedo. Dicionário histórico do português do
Brasil: um modelo de dicionário histórico. Filologia e Linguística Portuguesa, n. 12(2), p.
329-349, 2010.
SÁEZ SÁNCHEZ, Carlos; CASTILLO GÓMEZ, Antonio. Paleografía e historia de la
cultura escrita: del signo a lo escrito. Madrid: Síntesis, 1999. p. 21-31.
SALDANHA, Nelson Nogueira. Monarquia. In: História das Ideias Políticas no Brasil.
Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, p 81 - 213, 2001.
SANCHIS, Antonio Mestre. La Carta, fuente de conocimiento histórico. Revista de
História Moderna. València: Universitat de València. n. 18, 2000, p. 13 – 26.

6. OUTRAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS PELO ALUNO NO PERÍODO


Atividades que ajudaram a subsidiar o desenvolvimento das etapas da pesquisa:
 Agosto de 2018 a janeiro de 2019- leitura, fichamento e discussão do referencial
teórico sobre o tema da pesquisa;
 Agosto de 2018 a fevereiro de 2019- Participação nas reuniões de orientação e de
estudo com a orientadora e com o grupo de pesquisa;
 Setembro a novembro de 2018 - Produção de trabalhos acadêmicos em eventos
científicos:
QUADROS, Tamires Sales de; GONÇALVES, Eliana Correia Brandão. Cartas do
século XVIII: documentação histórica e memória. In: IX Seminário de Estudos
Filológicos. Salvador. UFBA. 2018 (Apresentação/Comunicação).
QUADROS, Tamires Sales de; GONÇALVES, Eliana Correia Brandão. Inventário e
transcrição de documentos históricos: Cartas do século XVIII. In: CONGRESSO
UFBA 2018. Salvador. UFBA. 2018 (Apresentação/Comunicação).
QUADROS, Tamires Sales de; GONÇALVES, Eliana Correia Brandão. Cartas
históricas do século XIX: transcrição e estudo. In: XII Seminário de Pesquisa
Estudantil em Letras. Salvador. UFBA. 2018. (Apresentação/Comunicação).

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, CRIAÇÃO E INOVAÇÃO
COORDENAÇÃO DE INICIAÇÃO A PESQUISA, CRIAÇÃO E INOVAÇÃO

 Janeiro de 2019- Preparação de relatório parcial de pesquisa;


Além disso, durante o semestre de 2018.2, cursei a disciplina Crítica Textual, ofertada
pelo Instituto de Letras da UFBA.

7. DIFICULDADES ENCONTRADAS / CAUSAS E PROCEDIMENTOS PARA SUPERÁ-LAS


A primeira dificuldade encontrada no início da pesquisa decorreu da maneira como a
documentação é disposta nos Catálogos de Documentos Manuscritos Avulsos da Bahia, pois
os manuscritos estão organizados, nos catálogos, conforme a ordem cronológica, mas não
apresentam uma divisão específica por tipologia, fato que justifica a pesquisa aqui
desenvolvida por tipologia documental. Assim, em uma mesma caixa é possível encontrar
Cartas, Consultas, Avisos, Requerimentos etc. O próprio inventário, que está sendo
realizado, busca contornar essa dificuldade, através da seleção específica da tipologia
documental Carta.
Como já havia participado de um ano de pesquisa com catalogação e transcrição de
Cartas do século XVIII, as dificuldades em realizar as transcrições vêm sendo superadas,
mesmo porque no século XIX, a qualidade da escrita já é um pouco melhor, visto que são
menos frequentes as rasuras, que dificultam a leitura e compreensão do texto escrito, e as
anotações encontradas nas margens de um mesmo fólio, que trazem outro tipo de letra e
escrita, designando a intervenção de outro scriptor. Portanto, com as reuniões de orientação,
com alguma experiência com a leitura dos documentos e alicerçada pelos métodos e
ferramentas da Paleografia e da Diplomática, é possível decifrar melhor os tipos caligráficos
que figuram nos textos.

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PRÓ-REITORIA DE PESQUISA, CRIAÇÃO E INOVAÇÃO
COORDENAÇÃO DE INICIAÇÃO A PESQUISA, CRIAÇÃO E INOVAÇÃO

Salvador, 6 de fevereiro de 2019

Tamires Sales de Quadros Eliana Correia Brandão Gonçalves


Estudante Orientador (a)

Secretaria do Programa
Rua Basílio da Gama, 06. Canela.
Salvador – BA. 40.110-040.
Tel.: 71 3283-7968/7969
E-mail: pibic@ufba.br

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