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Capítulo 4 – Linguística Histórica

Neste capítulo, o autor aborda a Linguística Histórica como disciplina científica


e afirma que as línguas têm história e por isso mudam no eixo do tempo. É por este fato
que damos à Linguística o tratamento científico, ou seja, em quadros teóricos definidos,
realizamos descrições das mudanças ocorrentes na história das línguas ou de uma
família linguística e construímos hipóteses que expliquem tais mudanças. Deste modo,
segundo Faraco (2007), a Linguística Histórica se ocupa das transformações das línguas
no tempo.

O autor lembra que o trabalho científico não é uma ação direta sobre os fatos,
lembra a existência de um pluralismo teórico como uma necessidade lógica, já que as
apreciações científicas do real são sempre parciais, feitas através de recortes, que não
coincidem entre si, porque são feitos por pessoas concretas, localizadas no tempo e no
espaço.

Para Faraco (2007), o que difere o conhecimento científico, portanto, de outras


formas do conhecimento, é o compromisso com a objetivação, que é relativamente
impresso pela ciência. Segundo o autor, no confronto entre as diversas teorias que
explicam os fenômenos, debatem-se as diferentes perspectivas de ver o mundo, para
além dos fundamentos empíricos.

De acordo com Faraco (2007), são as dúvidas e os debates que nos preservam
dos dogmatismos, do obscurantismo e do irracionalismo que tanto afetam a ciência.
Conforme o autor, quem se inicia numa determinada teoria, deve debruçar-se sobre
processos de argumentação predominantes na dita teoria. Um exemplo importante
trazido pelo autor é a discussão sobre a dicotomia sincronia x diacronia.

Segundo Faraco (2007), Saussure estabeleceu duas dimensões de estudo


linguístico: a histórica ou diacrônica e a estática ou sincrônica. A primeira trata das
mudanças pelas quais passa uma língua através do tempo e a segunda trata das
características da língua vistas num espaço de tempo como um sistema estável. Uma
trabalha com a mutabilidade e a outra, com a imutabilidade.

Conforme o autor, Saussure revelou um complexo de oposições e dependências


recíprocas entre os princípios estruturadores do sistema, que, para ele, são estritamente
linguísticos, ou seja, refere-se apenas a uma ordem interna. De acordo com Saussure, as
mudanças não afetam o sistema globalmente, mas geram alterações elementares,
resultando em pequenos e sucessivos rearranjos. Deste modo, Saussure defende a
imutabilidade do sistema.

Para Saussure, o estudo de cada uma dessas dimensões deve ser feito em
separado. Assim, o estudo sincrônico repousa numa simplificação dos dados, uma
abstração teórica do movimento das línguas no tempo. Apesar disso, segundo Faraco
(2007), Saussure reconhece a interdependência entre sincronia e diacronia, mas
estabeleceu rigorosa distinção metodológica entre ambos. Para Saussure, não se pode
reunir num mesmo estudo relações estabelecidas sincronicamente, ou seja, num mesmo
estado de língua e relações estabelecidas historicamente, de mera sucessão cronológica.

De acordo com Faraco (2007), portanto, ou se investiga o sistema ou se investiga


a história. Porém, o autor aborda outro princípio metodológico bastante aceito entre os
linguistas: o estudo sincrônico sempre precede o estudo diacrônico. Para Faraco (2007),
pois, deve-se investigar primeiro os estados de língua do português do século XIII/XIV
por exemplo, para então comparar cada estado.

No entanto, segundo Faraco (2007), o privilégio dado aos estudos sincrônicos


levou muitos linguistas a manter rigidamente separados os dois estudos, ignorando a
questão histórica e a própria realidade histórica das línguas. Faraco (2007) questiona a
necessidade de separação rígida entre os dois estudos e a homogeneização do objeto. O
autor propõe que vejamos a língua como um sistema em movimento, pois a língua como
um sistema estável é apenas uma abstração científica.

Outro dado importante, ressaltado por Faraco (2007) é a concepção de


linguagem que vai direcionar a orientação teórica do pesquisador. Uma possibilidade é a
concepção de língua como objeto autônomo e outra é a concepção de língua como
objeto intrinsecamente ligado à realidade sociohistórica e cultural dos falantes. Cada
uma das concepções entende a mudança de forma diferente. Para a primeira, trata-se de
rearranjos provocados internamente e para a segunda, uma dinâmica diretamente
relacionada com as atividades dos falantes, que estão inseridas em uma realidade
linguística heterogênea.

De acordo com o autor, diferem-se também os métodos: um observa a mudança


e determina seus condicionantes linguísticos e outro acompanha a história social e
cultural dos falantes, correlacionando com a história da língua, procurando realizar o
encaixamento estrutural e social dos fenômenos. Faraco (2007) dá uma recomendação
ao estudante que necessita selecionar uma orientação teórica. Para este autor, não basta
dominar conceitos e métodos, mas ter clareza quanto a certas opções anteriores que ele
deverá fazer, pois não há resposta clara sobre qual a melhor orientação teórica e esta
escolha não deve ser feita com base somente na orientação teórica designada pelo
professor/orientador.

Um fator que pode orientar a escolha, segundo Faraco (2007), é a maior ou


menor abrangência empírica da teoria, já que, para ele, nossa relação com o real se dá
mediada sempre por teorias. Para Faraco (2007), o ecletismo, ou melhor dizendo, a
junção de tudo o que parece bom de todas as teorias, não é uma saída. Para o autor, seria
até uma atitude ingênua, pois não observa que as teorias possuem posicionamentos
filosóficos muitas vezes divergentes.

É por esta razão que, segundo Faraco (2007), o ecletismo gera uma contradição
interna, pois não garante uma base metodológica consistente e acaba por não fornecer as
bases para uma ação científica produtiva. De acordo com o autor, isto não quer dizer
que não existam teorias compatíveis entre si ou que exista qualquer dogmatismo, na
preferência por uma teoria qualquer. Pelo contrário, esta é condição sine qua non para o
próprio trabalho científico.

De acordo com Faraco (2007), “condenar o ecletismo não significa que as


teorias não se entrecruzam” (p. 111), o que não pode acontecer é a construção de um
amontoado acrítico e ingênuo em lugar de uma síntese teórica que implica a negação de
uma teoria e a retomada das questões empíricas e de seus procedimentos analíticos em
novo esquema teórico.

Faraco (2007) apresenta a divergência de duas orientações teóricas em voga no


momento, tanto no que diz respeito à concepção de língua, quanto à interpretação da
mudança e procedimentos metodológicos: a teoria variacionista e a teoria gerativista.
Para o autor, contudo, é bastante consensual entre os cientistas de hoje, que a ciência
não deve se reduzir a um registro passivo dos fenômenos, à sua coleta e descrição, mas
deve explica-los e torna-los inteligíveis.

Ainda assim, de acordo com Faraco (2007), há divergências no modo de explicar


os fenômenos sociais e históricos, que, na Linguística Histórica, não podem ser
explicados por inferências dedutivas, por ser o contingente mais forte que o necessário.
De acordo com o autor, aceita-se que os fatos são contingentes, mas também que há
generalidades no movimento da história, ou seja, que as mudanças não ocorrem de
forma totalmente aleatória. Faraco (2007) menciona Lass, que afirma a história das
línguas como estratégia múltipla, mostrando que uma situação linguística qualquer pode
mudar em várias direções. Não se trata, conforme o autor, de uma singularidade
absoluta dos acontecimentos históricos, mesmo porque entre as várias possibilidades,
ainda pode ocorrer a estratégia nula, ou seja, não ocorrer mudança. Segundo Lass, “é
preciso construir teorias que tornem inteligível o acontecido” (p. 117).

Para Faraco (2007), explicar adquire significado peculiar nas ciências históricas:
significa interpretar a mudança e torna-la compreensível, conjugando características
contingentes com as dimensões de generalidade do movimento histórico, pois a
mudança linguística é fenômeno complexo e não se restringe a explicações únicas,
apresenta condicionantes multi e interrelacionados.

De acordo com o autor, as concepções teóricas em Linguística, que ocultam a


realidade social das línguas, acabam por atribuir a mudança ou a fatores
psicofisiológicos dos indivíduos ou a características biológicas das espécies, como se a
língua fosse antes realidade natural, que sociocultural. São possíveis, pois, segundo
Faraco (2007), três vias para o estudo histórico das línguas: concentrar-se no passado,
iluminar o presente através do passado ou iluminar o passado através do presente.

Conforme o autor, a primeira via como motivação ideológica desapareceu dos


estudos, mas permaneceu a herança do método comparativo, utilizado ainda hoje para
estabelecer o parentesco de línguas e reconstruir o passado. Segundo Faraco (2007), o
trabalho em Linguística Histórica concentrou-se, posteriormente, na elucidação dos
mecanismos de mudança e no estabelecimento crítico de textos arcaicos, ou seja,
registro e fixação da forma canônica.

Com relação a segunda via, Faraco (2007) aponta que a mesma realiza o estudo
do passado como forma de esclarecer o presente, com o intuito de recuperar o passado,
buscando estabelecer os caminhos percorridos até então. Já a terceira via estuda a
realidade presente, que subjaz ao princípio da uniformidade, ou seja, que as forças
condicionantes da variação que operam hoje, não diferem daquelas que operavam no
passado. Isso pressupõe, segundo o autor, aceitar que as comunidades humanas, mesmo
diferentes, partilham no presente e no passado propriedades recorrentes.
Faraco (2007) menciona Labov, que diz que os documentos históricos
sobrevivem por acaso e a seleção que está disponível é um produto de uma série de
acidentes históricos, algo imprevisível. As formas linguísticas presentes nestes
documentos refletem esforços para capturar uma variedade normativa que não
representa verdadeiramente a língua de nenhum falante, por isso é marcada pela
hipercorreção, mistura dialetal e erros de transcrição. Daí a sua famosa afirmação: “A
lingüística histórica pode, então, ser pensada como a arte de fazer o melhor uso de
dados ruins” (p. 124).

De acordo com Faraco (2007), o método comparativo, ainda utilizado, dá um


tratamento sistemático às observadas semelhanças entre línguas, como por exemplo, o
estabelecimento do parentesco entre as línguas indo-europeias e a reconstrução
hipotética da situação linguística de estágios ancestrais não-documentados, a chamada
protolíngua. O método é viabilizado por relações sistemáticas entre as línguas, como por
exemplo correspondências fonológicas regulares entre itens lexicais cognatos.

Essas correspondências, segundo o autor, decorrem da regularidade dos


processos de mudança, especialmente dos sons. É preciso reconhecer, no entanto, que os
resultados não estão revestidos de certeza absoluta. São reconstruções bastante
prováveis, mas hipotéticas, que algumas vezes são confirmadas empiricamente por
registros dialetológicos ou documentos escritos. Contudo, Faraco (2007) destaca que
meras semelhanças superficiais entre uma e outra palavra de duas línguas não
determinam parentesco. Para Faraco (2007), isso não é método comparativo, que
pressupõe uma certa quantidade de dados e a localização de relações sistemáticas entre
eles, pois as formas se alteram dentro de certas diretrizes.

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