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A auto-aceitação

A falta de auto-aceitação é um problema para muitos


dependentes químicos em recuperação. Este defeito sutil é
difícil de identificar e freqüentemente permanece
irreconhecível. Muitos de nós acreditavam que o uso de álcool
e drogas era o nosso único problema, negando o fato de que
nossas vidas tinham se tornado ingovernáveis. Esta negação
pode continuar a nos atormentar mesmo abstêmios. Muitos
dos problemas que vivenciamos durante a recuperação são
provenientes de uma inabilidade em nos aceitarmos num nível mais profundo. Podemos nem mesmo nos darmos
conta de que este desconforto é a causa de nosso problema, porque ele normalmente se manifesta de outras
maneiras. Podemos perceber que estamos nos tornando irritáveis, críticos, descontentes, deprimidos ou confusos.
Podemos nos ver tentando mudar fatores ambientais com intuito de satisfazer o desconforto interior que sentimos.
Em situações como estas, nossa experiência tem mostrado que é melhor procurar dentro de nós mesmos pela
causa do nosso descontentamento.
Muito freqüentemente descobrimos que somos severos críticos de nós mesmos, afogando-nos em
autocomiseração e auto-rejeição.
Antes de conhecermos a programação, muitos de nós passamos nossa vida inteira em auto-rejeição.
Nós nos odiávamos e tentávamos, de todas as maneiras, nos tornar alguém diferente. Nós queríamos ser
qualquer outra pessoa menos nós mesmos. Incapazes de nos aceitarmos, tentávamos ganhar a aceitação dos
outros. Queríamos que outras pessoas nos dessem o amor e a aceitação que não conseguíamos ter, nosso amor e
amizade eram sempre condicionais. Nós faríamos qualquer coisa pôr alguém só para ganhar sua aceitação e
aprovação e, então, poderíamos nos ressentir com aqueles que não correspondessem as nossas expectativas.
Porque não podíamos aceitar a nós próprios, esperávamos ser rejeitados pelos outros. Não podíamos
permitir que qualquer um se aproximasse de nós por medo que se conhecessem quem realmente éramos,
poderiam nos odiar. Para nos proteger da vulnerabilidade nós rejeitávamos os outros antes que eles tivessem a
chance de nos rejeitar.

A armadilha da auto-sabotagem

Há momentos da vida que reconhecemos que estamos prontos para dar um novo salto, para efetivar uma
mudança profunda. Nos lançamos num novo empreendimento, numa nova relação afetiva, mudamos de cidade e
até mesmo de apelido. Mas, aos poucos, nós nos pegamos fazendo os mesmos erros de nossa “vida passada”. É
como se tivéssemos dado um grande salto para cair no mesmo buraco. Caímos em armadilhas criadas por nós
mesmos. Nos auto-sabotamos. Isso ocorre porque, apesar de querermos mudar, nosso inconsciente ainda não nos
permitiu mudar !
Em nosso íntimo, escutamos e obedecemos, sem nos darmos conta, ordens de nosso inconsciente geradas
por frases que escutamos inúmeras vezes quando ainda éramos crianças. Toda família tem as suas. Por exemplo:
“Não fale com estranhos” é uma clássica. Como a nossa mente foi programada para não falar com estranhos, cada
vez que conhecemos uma nova pessoa nos sentimos ameaçados. Uma parte de nosso cérebro nos diz “abra-se” e a
outra adverte “cuidado”.
Num primeiro momento, o desafio em si é encorajador, por isso nos atiramos em novas experiências e
estamos dispostos a enfrentar os preconceitos. No entanto, quando surgem as primeiras dificuldades que fazem
com que nos sintamos incapazes de lidar com esse novo empreendimento, percebemos em nós a presença desta
parte inconsciente que discordava que nos arriscássemos em mudar de atitude: “Bem que eu já sabia que falar com
estranhos era perigoso”.
Cada vez que desconfiamos de nossa capacidade de superar obstáculos, cultivamos um sentimento de
covardia interior que bloqueia nossas emoções e nos paralisa. Muitas vezes, o medo da mudança é maior do que a
força para mudar. Por isso, enquanto nos auto-iludirmos com soluções irreais e tivermos resistência em rever
nossos erros e aprender com eles, estaremos bloqueados. Desta forma, a preguiça e o orgulho serão expressões de
auto-sabotagem, isto é, de nosso medo de mudar.
Dificilmente percebemos que nos auto-sabotamos. Nós nos auto-iludimos quando não lidamos diretamente
com nosso problema raiz.
A auto-ilusão é um jogo da mente que busca uma solução imediata para um conflito, ou seja, um modo de
se adaptar a uma situação dolorosa, porém que não represente uma mudança ameaçadora. Por exemplo, se
durante a infância absorvemos a idéia de que ser rico é ser invejado e assim menos amado, cada vez que tivermos a
possibilidade de ampliar nosso patrimônio nós nos sentiremos ameaçados! Então, passaremos a criar dívidas,
comprando além de nossas possibilidades, para nos sentirmos ricos, porém com os problemas já conhecidos de ser
pobres. Não é fácil perceber que a traição começa em nós mesmos, pois nem nos damos conta de que estamos nos
auto-sabotando!
Na auto-ilusão, tudo parece perfeito. Atribuímos ao tempo e aos outros a solução mágica de nossos
problemas: com o tempo a dor de uma perda passará; seu amado irá se arrepender de ter deixado você e voltará
para seus braços como se nada houvesse ocorrido. No entanto, só quando passarmos a ter consciência de nossos
erros é que não seremos mais vítimas deles !
Temos uma imagem idealizada de nós mesmos, que nos impede de sermos verdadeiros. Produzimos muitas
ilusões a partir desta idealização. Muitas vezes, dizemos o que não sentimos de verdade. Isso ocorre porque não
sentimos o que pensamos !
Muitas vezes não queremos pensar naquilo que sentimos, pois, em geral, temos dificuldade para lidar com
nossos sentimentos sem julgá-los. Sermos abertos para com nossos sentimentos demanda sinceridade e
compaixão. Reconhecer que não estamos sentindo o que deveríamos sentir ou gostaríamos de estar sentindo é um
desafio para conosco mesmos. Algumas de nossas auto-imagens não querem ser vistas !
É nossa auto-imagem que gera sentimentos e pensamentos em nosso íntimo. Podemos nos exercitar para
identificá-la. Mas este não é um exercício fácil, pois resistimos em olhar nosso lado sombrio. No entanto, uma coisa
é certa: tudo que ignoramos sobre nossa parte sombria, cresce silenciosamente e um dia será tão forte que não
haverá como deter sua ação. Portanto, é a nossa auto-imagem que dita nosso destino.
O mestre do budismo tibetano Tarthang Tulku, escre em seu livro “The Self-Image” (Ed. Crystal Mirror): “A
auto-imagem não permanente. De fato, o sentimento em si existe, no entanto o seu poder de sustentação será
totalmente perdido assim que você perder o interesse por alimentar a auto-imagem. Nesse instante, você pode ter
uma experiência inteiramente diferente da que você julgou possível naquele estado anterior de dor. É tão fácil
deixar a auto-imagem se perpetuar, dominar toda a sua vida e criar um estado de coisas desequilibrado... Como
podemos nos envolver menos com nossa auto-imagem e nos tornar flexíveis ? Somos seres humanos, não animais,
e não precisamos viver como se estivéssemos enjaulados ou em cativeiro. No nível atual, antes de começarmos a
meditar sobre a auto-imagem, não percebemos a diferença entre nossa auto-imagem e nosso “eu”. Não temos um
portão de acesso ou ponto de partida. Mas, se pudermos reconhecer apenas alguma pequena diferença entre a
nossa auto-imagem e nós mesmos, ou “eu” ou “si mesmo”, poderemos ver, então, qual parte é a auto-imagem”.
“A auto-imagem pode representar uma espécie de fixação. Ela o apanha, e você como que a congela. Você
aceita essa imagem estática, congelada, como um quadro verdadeiro e permanente de si mesmo”, explica Peggy
Lippit no capítulo sobre Auto-Imagem do livro “Reflexões sobre a mente” organizado por seu mestre Tarthang Tuku
(Ed. Cultrix).
Na próxima vez que você se pegar com frases prontas, aproveite para anotá-las ! Elas revelam sua auto-
imagem e são responsáveis por seus comportamentos repetitivos de auto-sabotagem. Ao encontrar a auto-imagem
que gera sentimentos desagradáveis, temos a oportunidade de purificá-la em vez de apenas nos sentirmos mal. O
processo de autoconhecimento poderá então se tornar um jogo divertido e curioso sobre nós mesmos !

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