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do

perfeccionismo
LAVIS - UFMG
Agradecemos muito pela sua participação na pesquisa
“Perfeccionismo e relações com desfechos clínicos”! Acreditamos
que ao responder à pesquisa tenham surgido algumas dúvidas e
curiosidades sobre o assunto. Se esse foi o caso, preparamos essa
cartilha especialmente para você e esperamos que possa ajudar!

O QUE É O PERFECCIONISMO?

O que queremos dizer quando falamos que alguém é perfecci-


onista?
Pesquisadores da área podem não concordar sobre uma única
definição, mas aqui estamos utilizando uma definição que possui três
pontos principais:
1. Um esforço implacável para alcançar padrões extremamente
altos, muitas vezes considerados exagerados por outras pes-
soas, para si próprio e/ou para outros, não aceitando me-
nos que este padrão estabelecido, ou seja, é um padrão in-
flexível.
2. Um julgamento do próprio valor baseando-se, em grande
parte, em sua capacidade de atingir ou de se esforçar para
atingir tais padrões inflexíveis.
3. Vivenciar consequências negativas do estabelecimento de
exigências tão altas, mas ainda assim persistir nisso apesar
do enorme custo percebido.

Mas peraí! Algumas vezes é uma boa ideia estabelecer metas elevadas, já que
isso nos motiva a sair da mesmice e conquistar novas coisas na vida. Então o
perfeccionismo poderia até ser bom, certo?
Bem, mais ou menos… Quando estabelecemos metas inatingí-
veis (ou até atingíveis, mas a um custo altíssimo), nos colocamos em
uma armadilha onde se torna muito mais difícil sentir-se bem consigo
mesmo. É aí que o perfeccionismo se torna problemático.
E são exatamente alguns dos aspectos mais
problemáticos que caracterizam o funcionamento
dos perfeccionistas que buscamos investigar nesta
pesquisa!

Eles recebem o nome de “tríade sombria” do perfeccionismo:


O primeiro elemento dessa tríade já citamos brevemente acima:
a rigidez dos padrões. Pode-se até dizer que a rigidez está associada
ao lado teimoso que pode ser observado em um perfeccionista. O
perfeccionista não aceita NADA fora daquilo que ele quer, que usu-
almente é uma meta inalcançável.
O segundo elemento da tríade, conhecido como Narcisismo,
recebe este nome em homenagem àquele que, no mito, morreu por
se admirar demais: Narciso! E é basicamente essa a característica
dele. O perfeccionismo narcisista está relacionado a uma crença de
superioridade e perfeição em relação aos outros. Se associa à ideia
de que não apenas quer tudo perfeito, mas também acredita que o
fato de querer as coisas muito bem feitas o faz superior aos outros.
Por fim, o último elemento da tríade sombria é chamado perfec-
cionismo autocrítico. Nesse caso, a meta estabelecida é inalcançável
e, portanto, por mais que se esforce, a pessoa nunca a alcança, criti-
cando-se por isso e sentindo-se inferior. São aqueles pensa-
mentos direcionados ao nosso self que possuem conteúdo
de crítica e de raiva pela percepção de que se está aquém
do que se deveria estar.

Ahh, então estabelecer metas altas é bom e ter vontade de me sair muito bem
nessas tarefas também, mas fazendo isso posso acabar me sabotando?
Exatamente!

Esse é o paradoxo do perfeccionismo: Você tem altos padrões


e trabalha muito duro para mantê-los e alcançá-los, mas se sente cons-
tantemente frustrado e infeliz, inclusive mesmo quando alcança tais
padrões.
Então, resumindo: sem ter metas, acabamos por conquistar me-
nos coisas, então ter metas não é algo ruim. O importante é atentar-se
para a enorme diferença entre:
1. A busca proveitosa e adaptativa por excelência
2. O esforço exagerado, inflexível, arrogante, hipercrítico e
desadaptativo pela perfeição.
Lembre-se: Feito é melhor que perfeito!

Beleza, então já conceituamos o perfeccionismo e falamos sobre sua parcela


mais problemática, a tríade sombria, agora, como o perfeccionismo se
manifesta e se mantém? Como alguém se torna perfeccionista? Tem cura?

Lembra dos padrões inflexíveis? Aquelas metas inal-


cançáveis? Então, normalmente tudo começa assim. Um
belo dia acordamos querendo tocar o Canon em Ré maior
do Pachelbel, pegamos o violino e…
Não, brincadeira.

Não é bem assim, mas é quase isso. O exemplo foi para mostrar
como é difícil falar de algo extremamente individual. Eu não tenho um
violino, nem sei pegar em um. Então a meta de tocar Canon chega a
ser tão alta que é ridícula para mim, mas para alguém que toca violino,
pode não ser tão alta assim. Além disso, o padrão pode não estar
exatamente na música, mas no tempo para aprender a tocá-la. Já ten-
tou aprender alemão em uma semana?
Acho que deu pra pegar uma ideia, certo?

Mas se você está pensando “claro que eu não vou estabelecer


esse tipo de meta pra mim”, bom, aqui nós usamos padrões muito
específicos para exemplificar, eles podem ser bem generalizados
como “eu gosto de dar o melhor de mim em tudo o que faço”, ou
até geral em uma área específica do tipo “eu gosto de dar o melhor
de mim no trabalho”.
Vendo assim até que esses padrões não parecem tão proble-
máticos, e, de fato, não são. Nós estabelecemos padrões o tempo
inteiro, isso facilita muito para o nosso cérebro processar informa-
ções. O problema está justamente na rigidez do padrão. Ele não
pode ser como um carvalho, imenso, alto e rígido. Talvez mais como
um bambu, firme no chão, po-
dendo ser bem alto às ve-
zes, mas bem leve e ma-
leável ao soprar do ven-
to.
?
Agora, você deve estar se perguntando:
Como fazer um carvalho se transformar em
um bambu?
É realmente um baita desafio, mas não é impossível. Uma parte
disso é identificar quais aspectos influenciaram o desenvolvimento
desse perfeccionismo. Além dos nossos próprios pensamentos nos
influenciarem, sofremos influência de outras esferas de nossas vidas:
família, escola, trabalho, sociedade. Assim, a influência exercida por
esses fatores podem ser no sentido de encorajar a busca por esses
padrões altos e rígidos que conversamos acima.
Calma lá! Não é pra sair apontando o dedo na cara de
quem te influenciou!

Muita calma nessa hora, o perfeccionismo já está aí e não dá pra


voltar no tempo, o objetivo é apenas identificar como todas essas
coisas levaram a desenvolver o perfeccionismo como está hoje.
Então beleza, você já descobriu que seus pais lhe ensinaram a
“ser gentil com todo mundo”, aí você tentou ser gentil com todo
mundo e o que aconteceu? É, isso mesmo, alguém não foi gentil
com você e você percebeu que não é bem assim que funciona, alte-
rando essa regra para algo como “ser gentil com todo mundo sempre
que possível”. Ótimo, agora parece mais aceitável.
Viu só? Um galho do carvalho já começou a virar bambu! Será
que você consegue identificar alguma crença sua que é rígida feito o
carvalho? Que tal tentar mudá-la?
Vamos te ajudar com algumas:
Característica

Carvalho Bambu

Se eu não fizer tudo o que


Padrões muito Se eu não fizer tudo o que planejei, adicionarei essas
exigentes planejei, sou incapaz tarefas para o dia seguinte

Comi um brigadeiro hoje Comi um brigadeiro hoje, foi


Tudo ou nada então posso comer à vontade, apenas um deslize, vou
minha dieta já era seguir firme em minha dieta

Quando eu cometo um erro Quando eu cometo um erro


Medo de falhar sinto que sou a pior pessoa do que eu sei que sou
mundo verdadeiramente humano

Vou fazer o possível para


Altos padrões de Preciso deixar o chão da minha deixar o chão da minha casa
dever casa brilhando brilhando

Não posso enviar essa tarefa Vou enviar a tarefa, já


para o professor até que eu verifiquei duas vezes e não
Checagens constantes tenha conferido todos os erros encontrei erros, se houver
possívei algum, lidarei com eles

Já trabalhei bastante por


Eu deveria estar trabalhando agora, não faz mal se eu ficar
Excesso de agora ao invés de estar no 5 minutinhos no celular, vou
autocontrole Instagram, eu procrastino marcar a hora para voltar ao
demais trabalho

Vou confiar para que outra


Necessidade de Só eu consigo fazer essa tarefa pessoa faça a tarefa, se
controle direito estiver errado, lhe ensinarei
Além dos padrões inflexíveis, não tinha mais outras duas coisas?

Isso! Bom saber que você está prestando atenção!

O segundo ponto era o autocriticismo. As regras anteriores


foram muito no sentido de causalidade: “se isso então aquilo”,
essas são únicas, voltadas para si mesmo em forma de crítica: “Eu
sou tão idiota”, “eu podia ter feito melhor”, etc. Essas crenças
podem causar sentimentos de culpa, estresse, preocupação,
depressão ou raiva, o que pode ocasionar no surgimento de
novos pensamentos e afirmações autocríticas e disfuncionais,
como num ciclo vicioso. Esse ciclo pode ser chamado de estilo
de pensamento e é fundamental identificá-lo para poder pará-lo.
Outra consequência desse tipo de pensamento são os compor-
tamentos que o seguem, que podem ser: procrastinação, desistir mui-
to cedo, evitação, não saber quando parar, checagem excessiva, cor-
reção, busca por segurança, lentidão, dificuldade em delegar tarefas,
organização, listagem excessiva, e diversos outros nesse sentido.

Peraí, peraí! Desistir? Procrastinar? Evitar? O perfeccionista não quer ser perfeito?

Exato! Fico feliz que tenha perguntado!


Lembra do paradoxo do perfeccionismo? É isso, se estabeleço
uma meta tão alta que sei que é inatingível, eu posso procrastinar,
evitar e até desistir de fazê-la, já que sei que posso não conseguir
cumpri-la. Faz sentido?
Mas o contrário também pode ocorrer, falhas sucessivas podem
ser seguidas de maiores tentativas e, bom, como diz o ditado: “quan-
to mais alto, maior a queda”. E, além disso, caso a meta tenha sido,
de fato, alcançada, mesmo após muitos esforços e um custo muito
grande para a saúde física e mental do perfeccionista, ele normalmen-
te não se dá por convencido, pode ter sido um golpe de sorte ou
que a meta estabelecida não foi alta o suficiente.
Agora, trazendo um pouco de biologia para nossa conversa, o
perfeccionismo pode inclusive causar danos físicos! Já demonstra-
mos que o perfeccionismo causa bastante estresse, certo? E pesqui-
sas têm mostrado que um hormônio chamado cortisol é secretado na
corrente sanguínea durante períodos de estresse elevado. Este hor-
mônio, no curto prazo, provoca uma explosão de energia, aumento
do foco e menor sensibilidade à dor, mas se os níveis desse hormô-
nio no sangue permanece por muito tempo, ele começa a deteriorar
partes importantes do cérebro, como o hipocampo, que é responsá-
vel pela memória, e reduz ainda os níveis de serotonina, que é o
neurotransmissor que, a grosso modo, garante um bom humor.

Então já conceituamos o perfeccionismo,


aprendemos a identificar as “crenças carvalho”
para transformá-las em “crenças bambu”, e
aprendemos que o perfeccionismo no longo
prazo pode até afetar a memória. O que vem
agora?
Ih, esqueci…

Nah, brincadeira, não serei perfeccionista nesse texto, inclusive


você pode ter achado algum erro por aí. Vamos falar agora sobre
como mudar seu perfeccionismo. Se percebeu que suas crenças são
tão rígidas que se torna impraticável conviver com elas.
É preciso ter em mente que, para mudar seu perfeccionismo, ou
seja, seu estilo de vida até agora, será necessário que você se com-
porte de um modo com o qual você possivelmente não tem costu-
me. Isso pode demandar de você um tempinho para relaxar e apren-
der a tolerar erros. Se tiver dificuldade para fazer sozinho, procurar
um terapeuta com certeza é a melhor indicação! Mas se quer tentar
sozinho, vamos lá!
Para superar o perfeccionismo, uma das primeiras coisas que
precisamos fazer é eliminar o “preto e branco”. Essa crença da dico-
tomia, do “ou é ou não é”, acaba afetando diversas coisas que estão
em, por assim dizer, tons de cinza. Se o perfeccionista pensa, por
exemplo “ou faço perfeitamente, ou não faço”, ou seja, preto e bran-
co, um pensamento cinza poderia ser “vou fazer da forma que pu-
der”. Não se trata de desistir dos seus padrões completamente, ape-
nas de afrouxá-los um pouquinho, permitir um pouco de erro, mistu-
rar um pouco de preto no branco e vice-versa.
Leve seu tempo, a mudança não ocorrerá da noite pro dia, se
o perfeccionismo está presente em sua vida durante todos esses
anos, nada mais justo do que dar alguns meses (ou mesmo anos)
para mudar essa característica, certo? Lembrando que um profissional
qualificado pode auxiliar a acelerar esse tempo.
Boa sorte!
Produzido por

Julia Pimenta
Graduanda em Psicologia (UFMG)

Laura Ferro
Graduanda em Psicologia (UFMG)

Lucas Martins
Graduando em Psicologia (UFMG)

Sob orientação de

Dra. Marcela Mansur-Alves


Professora adjunta do Departamento de
Psicologia (UFMG)

Referência
Fursland, A., Raykos, B., & Steele, A.
(2021). Perfeccionismo em Perspectiva
(Traduzidopela equipe do Laboratório de
Avaliação e Intervenção na Saúde, do De-
partamento de Psicologia, da Universidade
Federal de Minas Gerais). Perth, Western
Australia: Centre for Clinical Interventions

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