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2007
www.pasosonline.org https://doi.org/10.25145/j.pasos.2010.08.003
Luís Silva†
Universidade Nova de Lisboa (Portugal)
Abstract: The expression dwelling tourism designates the set of lodgings situated in rural areas, orien-
tated for the exploitation of theirs natural and cultural resources. This article presents qualitative and
quantitative data about the production, consumption, and the local impacts of the activity in Portugal.
The accommodation provided recreates either the homes considered typical of not too poor peasants or
those reminiscent of provincial elites. The owners may be classified in four groups: provincial elites,
farmers, undifferentiated, and prevaricators. Hosts are middle-class urbanites motivated by a pastoralist
ideational framework, complemented by an attraction for History when accommodation is sought in
manor-houses or villas. The sector does not produce significant effects in the social and economical
dynamics of the areas where it is implemented, but has important symbolic values.
†
• Pós-doutorando na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa com bolsa da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Investigador doutorado integrado no Centro em Rede de Investigação em
Antropologia. luis.silva98@gmail.com ou luis.silva@fcsh.unl.pt.
França, onde o mercado doméstico repre- 2002), mas também do paladar, da audição
senta mais de 70% da procura deste tipo de e do olfacto.
unidades (Moinet, 2000) e em Itália, onde Os consumos destes turistas não se
este número ascende a 88% (D’Amore, limitam, entretanto, àqueles que é possível
1988: 8). Para além da preferência pelo efectuar nas zonas rurais, pois existem
ambiente de praia (TP, 2007c: 36), isto es- indivíduos que durante a sua estadia em
tará associado às raízes rurais de grande unidades de turismo de habitação visitam
parte das populações citadinas em Portu- atracções situadas em meios urbanos mais
gal, que quando se deslocam ao campo é no ou menos próximos. A título ilustrativo,
intuito de «ir à terra» visitar familiares e refira-se que contactámos com indivíduos
amigos, em casa de quem permanecem alo- que estavam hospedados em casas situadas
jados, em lugar de frequentar unidades de na região do Minho e que durante a estadia
alojamento turístico. Entretanto, em 2007 o visitaram atracções situadas em Viana do
mercado interno protagonizou mais de 55% Castelo, Braga e Guimarães. Esta é, no
do número estimado de dormidas no sector, entanto, uma prática mais usual entre os
sendo a Alemanha (25%), a Holanda (15%), estrangeiros, por razões que se prendem
a Espanha (13%), o Reino Unido (12%) e a com a intenção de alargarem o leque de
França (8%) os principais mercados emisso- conhecimentos sobre o país e com o facto de
res de dormidas dos residentes no estran- as suas estadias serem mais prolongadas.
geiro (TP, 2008: 9). Os portugueses, diferentemente dos es-
Considerando os livros de registo de trangeiros, não tendem a frequentar este
clientes e as entrevistas – que enformam tipo de casas quando se deslocam a outros
uma amostra de cerca de 300 indivíduos –, países, onde optam pelas formas conven-
a procura do turismo de habitação em Por- cionais de alojamento (hotéis e pensões),
tugal é fundamentalmente composta por por razões que se prendem com os destinos
indivíduos provenientes dos grandes cen- (cidades e estações balneares) e as respecti-
tros urbanos do país e do estrangeiro, como vas motivações. Os dados disponíveis em
Lisboa, Porto, Amesterdão, Berlim, Lon- relação a França validam esta indicação,
dres, Paris e Washington. A maioria dos pois apenas 4% dos estrangeiros que fre-
hóspedes deslocam-se em viatura própria quentam o campo são originários do Sul da
ou alugada, têm entre 31 e 45 anos (41%) e Europa (Moinet, 2000: 89), o mesmo acon-
habilitações superiores, exercendo profiss- tecendo com os que se reportam à Galiza,
ões intelectuais e científicas (56%) e de onde os estrangeiros só representam cerca
direcção (12%), o que de algum modo é re- de 10% da procura do turismo de habitação
iterado num estudo mais recente (Neves, (Sparrer, 2007, citado por Pereiro Pérez,
2008: 25-26, 43). 2009: 278).
Segundo o IUTER (2001), o tempo médio O que leva estes indivíduos a viajar e a
de estadia é, geralmente, reduzido: 52% dos frequentar as unidades adscritas ao sector?
turistas ficam até duas noites, 33% entre A resposta a esta questão implica conside-
duas e quatro noites e apenas 16% rações teóricas e empíricas relacionadas
ultrapassam as quatro noites, sendo que os com as motivações, os comportamentos e as
estrangeiros tendem a realizar estadias escolhas de destinos. A motivação turística
mais prolongadas. Os dados mais define «uma disposição mental significativa
recentemente apurados por Neves (2008: que dispõe adequadamente um actor ou
24-26) apontam num sentido similar. grupo de actores para viajar» (Dann, 1981,
Este tempo é passado de múltiplas e citado em Sharpley, 1999: 137), sendo um
variadas maneiras, consoante as condições elemento crucial da procura. Os estudos
climatéricas, as actividades de animação sobre a motivação turística, geralmente,
existentes na unidade ou nas proximidades, alertam para a necessidade de considerar
as atracções e a disposição dos turistas: a os push factors, que despertam no indiví-
passear, a conhecer as atracções marcadas duo o impulso de viajar, e os pull factors,
e não marcadas, a ler, a dormir, a conviver que têm a ver com os atributos dos destinos
à lareira, a namorar e a degustar pratos e (cf. Mansfeld, 1992; Pearce, 1995: 18-23;
produtos locais. Os turistas consomem o Sharpley, 1999: 131-163). Entretanto, a
meio rural não só através do olhar (Urry, posição teórica que maior ressonância
dades que antes estavam fora do merca- casas afectas ao turismo de habitação
do». Em termos relacionais, muitos turis- vernacular, nas quais esta imersão ocorre
tas opinam ainda que estas casas lhes por uma via mais popular.
proporcionam a possibilidade de conviver A frequência do campo e do sector
com familiares e amigos numa relação de encontra-se ainda associada ao desejo de
proximidade que a vida quotidiana in- conhecer o território nacional mais em
viabiliza. Refira-se, a propósito, que 75% pormenor, aquilo que normalmente se
da procura é constituída por famílias, designa Portugal profundo. Este
38% das quais «com filhos», cabendo aos conhecimento abrange paisagens,
«grupos de amigos» grande parte da per- costumes, tradições e patrimónios. É por
centagem remanescente (17%) (IUTER, causa desta vontade de conhecimento do
2001). Tal significa que o turismo de país que grande parte dos turistas
habitação também é um lugar de actua- entrevistados faz zapping no território
lização de relações de amizade e paren- nacional, frequentando unidades situadas
tesco, à semelhança das residências se- em diferentes pontos do país, procurando
cundárias (Dubost, 1998), com as quais passar da experiência em si à colecção de
partilha ainda um outro aspecto relacio- experiências.
nado com o desenvolvimento de ligações Finalmente, a frequência do turismo de
afectivas aos lugares, pois não é raro habitação também decorre da intenção de
existirem hóspedes que frequentam repe- alguns turistas se afastarem dos destinos
tidamente a mesma unidade ou diferen- turísticos mais procurados e
tes unidades na mesma zona. congestionados, como é o caso do Algarve.
A procura do turismo de habitação Significa que os hóspedes do sector se
erudito é não só movida pela sensibilidade enquadram na versão «romântica» do
pastoral subjacente à frequência do turismo «olhar turístico» e não na «colectiva», na
de habitação vernacular, como também por qual a presença de outros turistas é
outros factores. Um destes factores prende- essencial (Urry, 2002: 150). Contudo, estes
-se com o desejo de ficar alojado numa casa hóspedes não se limitam a apresentar uma
magnificente, similar às Pousadas de atitude de distanciamento físico face aos
Portugal. Estas casas são, entretanto, mais turistas, fazendo-o também em termos
apreciadas devido à história dos edifícios de conceptuais, dado que estamos perante
suporte, que muitas vezes é multissecular. turistas que não querem ser turistas, que
Para além disto, os turistas tendem a não se revêem nesta condição. Este
valorizar o facto de estas casas, por vezes, posicionamento pode ser visto como uma
estarem na posse da mesma família desde a ilustração no campo do turismo dos
sua construção inicial. As famílias mecanismos de diferenciação social
proprietárias destas casas são também estudados por Bourdieu (1979). Na óptica
objecto de fascínio por serem deste autor, as classes sociais empreendem
representantes das elites de província, estratégias de diferenciação com base na
possuindo um elevado estatuto social. O educação, ocupação, residência e bens,
estatuto social destes proprietários, alguns incluindo objectos e experiências, tais como
deles detentores de títulos nobiliárquicos, férias. Em conjunto, tais elementos fazem
como conde e visconde, é um símbolo que parte de distintos habitus, que
igualmente nos remete para a componente providenciam a base para a reprodução e
histórica, a história de Portugal e a diferenciação de classes. A legitimidade da
estratificação social característica da adaptação desta análise ao fenómeno
monarquia. Em síntese, para além da turístico encontra-se no facto de o
atracção exercida pelo campo, a procura do respectivo consumo conferir status e
turismo de habitação erudito é movida pelo distinção social àqueles que o praticam. Os
desejo de estar numa casa requintada e frequentadores do turismo de habitação são
carregada de história e pelo desejo de disto exemplo, pois crêem e afirmam estar
experimentar os estilos de vida das elites assim a ter uma experiência turística mais
de província. A imersão nos campos é, valiosa, significativa e autêntica do que
nestes casos, feita por uma via mais aqueles que praticam turismo de massas.
elitista, diferentemente do sucedido com as Juntamente com a circunstância de não se
familiares, sendo exploradas pelo pro- pois os três cafés e mercearias da freguesia
prietário e por parentes não remunerados. servem fundamentalmente a população
Os dados mais recentemente apurados por local. Em Sortelha e Monsaraz as coisas
Neves (2008: 30-33) reiteram estas indicaç- não se passam de maneira diferente, pois os
ões, evidenciando também os baixos níveis espaços comerciais e os serviços turísticos
de escolaridade e formação do pessoal ao das povoações são fundamentalmente ali-
serviço nas casas de Turismo em Espaço mentados por outros visitantes que não os
Rural e Turismo de Natureza. hóspedes do turismo de habitação.
À escala das localidades que foram ob- O sector permite, entretanto, a
jecto de estudo de caso, as coisas passam-se manutenção de laços com a propriedade e
de maneira similar. Descartando os pro- com a terra por parte de um conjunto de
prietários e alguns dos seus familiares, as pessoas que, de outra forma, dificilmente
seis unidades existentes em Estorãos em- residiriam nas áreas rurais. Entre estes
pregam três mulheres da freguesia, uma indivíduos, destacam-se as elites de
das quais a tempo inteiro, as dez unidades província, que regressaram ou se mantêm
existentes em Sortelha empregam duas na província por causa da possibilidade de
funcionárias a tempo inteiro e as sete uni- recuperarem e explorarem turisticamente
dades existentes em Monsaraz empregam os seus solares e casas apalaçadas. Apesar
vinte e sete pessoas, vinte das quais vincu- de esta situação se verificar um pouco por
ladas a um mesmo empreendimento, um todo o país, é na região do Norte e
hotel rural. particularmente no Minho que ela se torna
Há, neste ponto, dois aspectos que cum- mais evidente. O turismo de habitação tem
pre salientar. Primeiro, o argumento dos precisamente a virtude de permitir
agentes ligados ao sector, segundo o qual o recuperar imóveis, o que mantém a
mesmo dinamiza o tecido económico das habitabilidade dos campos e preserva um
áreas de implantação pela via da criação de valor histórico, sobretudo se tivermos em
postos de trabalho é discutível. Segundo, o conta que parte destes imóveis têm séculos
investimento realizado na criação e mel- de existência. Ao mesmo tempo, o turismo
horamento do turismo de habitação em de habitação permite a quem o explora o
Portugal é desproporcionado face ao núme- desenvolvimento de um regime de
ro de empregos gerado pelo sector e correla- pluriactividade, auferindo de diferentes
to poder de fixação das populações rurais. fontes de rendimento. É o caso dos
Na verdade, o número de postos de tra- agricultores que retiram rendimentos
balho criado através dos cerca de 250 milh- suplementares à actividade agrícola
ões de euros investidos no sector entre 1985 mediante a prestação de serviços de
e 2006 é muito residual. É de admitir que o alojamento turístico e a venda de produtos
sector envolva a promoção de emprego de agro-alimentares a forasteiros. Finalmente,
forma indirecta, através do desenvolvimen- o turismo de habitação contribui para a
to do comércio e serviços. O mais provável, preservação da gastronomia tradicional,
contudo, é que este número, por diversos dado que as unidades que prestam serviço
motivos, não seja avultado. Em primeiro de restauração têm como imperativo legal a
lugar, porque o turismo de habitação é um existência de pratos típicos da cozinha
turismo de pequena escala, que envolve um nacional e regional, como as papas e arroz
número restrito de pessoas e que apresenta de sarrabulho no Minho, a chanfana na
taxas de ocupação relativamente baixas.9 Beira Alta e as açordas e o ensopado de
Em segundo lugar, o sector não se encontra borrego no Alentejo.
devidamente articulado com outros produ- Ao corroborar os efeitos modestos do tu-
tos e serviços turísticos, como é o caso da rismo de habitação em termos de desenvol-
restauração, pois há casos em que os vimento rural apontados por outros autores
hóspedes têm de deslocar uma dezena de (Cavaco, 1999; Joaquim, 1999; Moreira,
quilómetros para fazer uma refeição.10 As 1994; Ribeiro, 2003a), esta pesquisa suscita
localidades estudadas de modo mais atura- uma questão: como isto não constitui uma
do nesta investigação são, neste ponto, elu- novidade para os mentores das políticas de
cidativas. Em Estorãos, o sector não contri- desenvolvimento rural, porque é que se
bui para a criação de empregos indirectos, continua a apostar e investir avultadas
NOTAS 9
O organismo tutelar do turismo em Portugal
1 indica que entre 1986 – ano em que foi feita a
Este artigo vem na sequência de uma disser-
primeira estimativa desta variável – e 2007 as
tação de doutoramento em Antropologia,
unidades afectas ao sector registaram uma taxa
orientada pelo Prof. Doutor João Leal e finan-
ciada pela Fundação para a Ciência e a Tecno- de ocupação/cama que oscilou entre os 9% em
logia, recentemente publicada em livro (Silva, 1992 e os 19% em 1999 (DGT, 2000; 2001;
2007a; 2009). 2002; 2004; 2005; 2006; TP, 2007a; TP,
2008a).
10
Os serviços e actividades de animação ao dispor
dos hóspedes têm maioritariamente lugar fora das
propriedades de inserção das unidades, em regime
de cooperação informal, pelo que o sistema de
funcionamento em rede, condição de desenvolvi-
mento local e regional (Giménez Guerrero, 1996),
é praticamente inexistente. Isto é válido para as
redes formais, pois as informais apresentam um
desenvolvimento significativo.
Recibido: 24/07/2009
Reenviado: 21/09/2009
Aceptado: 01/11/2009
Sometido a evaluación por pares anónimos