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INTERPRETAÇÃO BÍBLICA: PRINCÍPIOS GERAIS

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Gerhard F. Hasel
Andrews University

Tradução de Renato Emir Oberg

Divisão Sul Americana da


Igreja Adventista do Sétimo Dia

Brasília, DF
1979

ÍNDICE

Introdução........................................................................................3

A. Fundamentos da Interpretação Bíblica.......................................3


I. Necessidade e Objetivos da Interpretação Bíblica...................3
1. Necessidade da Interpretação Bíblica..................................3
2. Objetivo da Interpretação Bíblica........................................5
II. A Unicidade da Bíblia e da Interpretação...............................6
1. O Autor Divino e os Escritores Humanos............................6
2. A Autoridade da Bíblia e da Interpretação..........................7
3. A Unicidade da Bíblia e a Interpretação..............................9
III. O Princípio de “Só a Bíblia”................................................12
1. O Princípio de “Sola Scriptura”.........................................12
2. O Princípio de “Só a Bíblia” e E. G. White.......................12
IV. O Princípio de “A Escritura Como sua Própria Intérprete”....14
V. Objetividade e Interpretação.................................................17
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 2
B. Princípios Gerais de Interpretação............................................19
I. O Texto Original da Bíblia.....................................................19
II. O Problema da Tradução.......................................................21
III. Compreendendo Palavras.....................................................24
1. Significado Literal..............................................................24
2. Significados Não Literais...................................................32
IV. Compreendendo Sentenças..................................................37
V. Compreendendo Unidades....................................................39
VI. Compreendendo Livros e Autores.......................................43
VII. Compreendendo a Escritura como um Todo......................47
VIII. Relações Entre os Testamentos.........................................53
1. Sub-ênfase no VT e Alegação de Sua Inferioridade..........54
2. Sub-ênfase do NT e Alegação de Sua Inferioridade..........59
3. Reciprocidade dos Testamentos.........................................63
a. Unidade na Diversidade.................................................63
b. Exemplos de Unidade....................................................66
(1) Ligações Históricas entre os Testamentos...............66
(2) Dependência da Escritura........................................67
(3) Temas.......................................................................68
(4) Vocabulário..............................................................71
(5) Tipologia..................................................................71
(6) Promessa/Predição e Cumprimento.........................74
(7) História da Salvação.................................................77
(8) Unidade de Perspectiva............................................78

Notas de Rodapé............................................................................80

Siglas Usadas...............................................................................102
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 3
INTRODUÇÃO

É difícil a tarefa de tratar dos "Princípios Gerais de Interpretação


Bíblica" dentro das limitações presentes de espaço. Considerando a
multidão das facetas complexas e dos casos intrincados com que se
defronta hoje o intérprete e tradutor da Escritura, é preciso que se
restrinja a discussão aos aspectos que parecem ser os mais essenciais.

Algumas considerações preliminares vão preparar o terreno para


discussões mais amplas sobre princípios hermenêuticos gerais para a
tradução e interpretação da Escritura. A discussão sobre princípios gerais
de interpretação bíblica tem sua base lógica nas considerações
preliminares que tratam dos fundamentos da interpretação bíblica.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 4
A. Fundamentos da Interpretação Bíblica

I. Necessidade e Objetivos da Interpretação Bíblica

1. Necessidade da Interpretação Bíblica

As evidências bíblicas internas mostram que os documentos


inspirados que compõe a Bíblia tem necessidade de interpretação. O
Evangelho de São Lucas registra que o Senhor Jesus Cristo ressuscitado
"explicava-lhes" (diermeneuo = interpretar), — aos discípulos que se
dirigiam para Emaús – "o que dEle se achava em todas as Escrituras" (S.
Luc. 24:27, AA). O próprio Senhor Jesus reconhecia, portanto, que era
necessário explicar, interpretar, a Bíblia dos Seus dias, i.e., o Velho
Testamento. A interpretação da Bíblia requer uma abordagem reverente
e com fé, aliada a um esforço deliberado e extremamente cuidadoso.
Paulo ordena a Timóteo que apresente a verdade correta e exatamente,
manejando-a com grande cuidado: "Procura apresentar-te a Deus,
aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja
bem a palavra da verdade" (2 Tim. 2:15); a RVS traduz rightly handling
(manejando corretamente). Existe o perigo de falsificar e corromper a
mensagem de Deus (2 Cor. 2:17), e isto pode ser evitado, usando
princípios sadios de interpretação bíblica ao se manusear a mensagem da
verdade, tudo fazendo sob a direção iluminadora do Espírito Santo,
A necessidade de interpretação da Bíblia surge por causa dos
problemas da distância da nossa situação, cultura, tempo e lugar em
relação aos escritores bíblicos. A primeira barreira que o intérprete
precisa vencer é a da língua. O Velho Testamento foi escrito em duas
línguas semíticas, o hebraico e o aramaico, e o Novo Testamento numa
língua indo-européia, o grego. Portanto, para que a Bíblia seja entendida
hoje, é preciso traduzi-la, e isto envolve problemas de interpretação da
Escritura.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 5
Nossos costumes de hoje dificilmente são os dos tempos bíblicos.
Até recentemente os interpretes não tinham qualquer possibilidade de
explicar porque o misterioso Eliézer de Damasco aparece como herdeiro
de Abraão antes do nascimento de Isaque (Gên. 15:2 s.). Hoje, porém,
de posse dos antigos textos de Nuzu, sabe-se que, de acordo com uma
prática legal dos tempos patriarcais, a propriedade era inalienável, e se
usava, então, o costume de herdeiros adotivos. Um casal sem filhos
podia adotar alguém de fora para ser seu herdeiro, pratica da época,
muito bem confirmada por documentos que temos dos anos ca. 2000-
1500 AC. Tal herdeiro passava para segundo lugar no caso de vir algum
primogênito.2 A estranha história do roubo dos "ídolos do lar" ou
terafins, praticado por Raquel (Gen. 31:34), pode hoje ser compreendida
graças a uma lei encontrada entre os textos de Nuzu e que dizia que "a
posse de tais ídolos pela esposa garantia para seu marido a sucessão na
propriedade do sogro."3 Foi por isto que Labão, após ter perseguido Jacó
e seus do mestiços e depois de ter procurado estes ídolos sem qualquer
êxito, tratou rapidamente de garantir o direito de herança para seus
filhos, mediante um concerto com Jacó, obrigando-se ambos a não
cruzar determinada fronteira na qual concordaram (Gên. 31:48-54). Por
motivos e razões semelhantes, conhecemos hoje muitos costumes que
eram desconhecidos até bem pouco tempo.
A maneira ocidental de pensar não é necessariamente a dos
escritores da Bíblia. No ocidente o pensamento humano sofreu a
influencia da lógica e da filosofia gregas. Não se encontra no VT um
exemplo sequer de lógica grega, i. e., um silogismo que analise um
argumento formal, baseando-se na proposição duma premissa maior e
doutra menor que, se verdadeiras, levam à conclusão de que determinado
fato é verdadeiro.4 O tipo de lógica que se encontra no VT baseia-se na
experiência e não no raciocínio dedutivo. A diferença entre os
pensamentos hebraico e grego5 não deve levar à conclusão errada de que,
pelo fato dos escritores da Bíblia terem vivido num mundo de
pensamento diverso da cultura e do pensamento ocidentais modernos,
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 6
nossa cultura e pensamento sejam superiores e a deles inferiores,
irrelevantes ou sem qualquer significado. Estas noções
— erradas precisam ser combatidas com todo o vigor.

2. Objetivo da Interpretação Bíblica

A natureza da Bíblia como corporificação do propósito divinamente


revelado para os homens de todos os tempos e de todas as raças, dita os
objetivos básicos que devem ser observados por tradutores e interpretes
da Escritura.
Uma interpretação bíblica própria e adequada busca (1) determinar
o que o escritor bíblico inspirado, como instrumento escolhido de Deus,
compreendia, ele mesmo, e queria comunicar para os ouvintes e/ou
leitores do seu tempo; (2) compreender e expor a implicação completa e
o significado profundo, intencionado ou explícito, das palavras dos
profetas, e se ele mesmo estava ou não cônscio disto; e (3) traduzir e
transmitir a forma e o conteúdo da verdade bíblica para o homem
moderno. Nossa era duma sociedade tecnológica secularizada e duma
cultura que a acompanha, aumenta o abismo que há entre o mundo
bíblico e o nosso, colocando um peso cada vez maior sobre os objetivos
básicos da interpretação bíblica.

II. A Unicidade da Bíblia e da Interpretação

1. O Autor Divino e os Escritores Humanos

A unicidade da Bíblia resulta da sua origem divina e da dimensão


humana. A origem divina é atestada pelo testemunho de que "a profecia
nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens
santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo" (2 Pe. 1:21, AA).
Paulo dá ênfase ao fato de que "toda Escritura e inspirada por Deus
(theopneutos, 2 Tim. 3:16). Isto significa que, no seu mais verdadeiro
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 7
sentido, ela tem sua origem em Deus e, portanto, procede de Deus.
Embora a origem divina da Bíblia seja o fato mais básico e a realidade
mais fundamental da fé cristã, a auto-revelação de Deus tal como está
contida na Escritura, chegou até nós através da linguagem humana de
homens inspirados que apontam para a dimensão humana. A Bíblia tem
Deus como seu autor, mas chegou ate nós com as dimensões humanas da
sua linguagem e dos característicos peculiares dos seus escritores. Esta
dupla dimensão da Bíblia, a sua origem divina e os seus aspectos
humanos, é determinante e decisiva para o desenvolvimento de
princípios sadios e adequados de interpretação bíblica. Baseando-se
nesta dimensão dupla, o intérprete da Bíblia tem necessidade de se
preocupar com o conhecimento da intenção das palavras usadas pelo
escritor humano inspirado, do significado que elas tinham para o povo
dos seus dias, e do significado que o divino Autor lhe queria dar através
destas palavras. É preciso cuidar muito para não subestimar cada uma
destas dimensões. A Bíblia não deve ser manuseada como se fosse um
simples livro humano, porque "apresenta uma união do divino com o
humano" (GC, 9).

2. A Autoridade da Bíblia e da Interpretação

A autoridade da Bíblia repousa sobre o fato excepcional de ser ela a


inspirada Palavra de Deus. Através de todo o Velho Testamento os
escritores inspirados reivindicam esta autoridade, declarando
constantemente que Deus não somente age, mas é também um Deus que
fala. Assim é que encontramos no VT, 361 vezes a expressão "diz o
Senhor" (ne’um-YHWH; em inglês: the utterance of the Lord)6 que
insiste, em cada caso, no fato da declaração ser feita por um Deus e não
pelo homem. Outra expressão que insiste na autoridade da Bíblia é a
frase "assim diz o Senhor" (kōh >āmar YHWH), ou variações dela, que
aparece 445 vezes.7 O substantivo dābār, "palavra", e as combinações
que têm o significado de "Palavra de Deus", como uma comunicação
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 8
divina na forma de mandamentos, profecia e palavras de auxílio, aparece
cerca de 540 vezes.8 Todas estas expressões mostram os reclamos que o
VT faz da sua autoridade. Se investigarmos os usos que a Bíblia faz
destas expressões, notaremos que através de todo o VT Deus Se
comunicou com Seu povo por meio de servos Seus inspirados, de tal
maneira que os destinatários das mensagens tinham plena consciência de
que era Deus Quem falava com eles e não o instrumento humano. O
próprio Cristo aceitou a Bíblia, o VT, como uma autoridade indiscutível
(S. Mat. 5:17-19; S. Luc. 10:25-28; 16:19-31).
A autoridade do NT repousa também na sua inspiração divina e na
mensagem e pessoa de Jesus Cristo que é, Ele mesmo, a fonte do
conhecimento perfeito de Deus. "O Filho unigênito ... Esse O fez
conhecer" (S. João 1:18, AA). "Havendo Deus, outrora, falado muitas
vezes, e de muitas maneiras aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias
nos falou pelo Filho" (Heb. 1:1, 2). É imperativo que se reconheça no
NT a autoridade tanto da Palavra visível (S. João 1:1, 14; Apoc. 19:13)
como da audível (S. Mat. 15:6; Luc. 5:1; S. João 10:35; Atos 4:31; Rom.
9:6; 1 Tess. 2:13), porque ambas são "a palavra de Deus" (1 Tess. 2:13).
Este paralelismo entre a autoridade de Jesus e a palavra, continua se
verificando de inúmeras maneiras. A salvação se encontra em Jesus
(Atos 4:12; 2 Tim. 2:10; Heb. 2:10; 5:9) e na palavra (Atos 13:26, cf. Ef.
1:13); a vida está em Jesus (S. João 1:4; 10:10; 28; 11:25; 14:6; Atos
3:15; 1 João 5:12, 20) e na palavra (S. João 5:24; Atos 5:20; Fil. 2:16); a
graça está em Jesus (S. João 1:14; Atos 15:11; Rom. 1:5; etc.) e na
palavra (Atos 14:3, 20:24, 32) ; o poder está em Jesus (1 Cor. 5:4; 2 Pe.
1:16) e também na palavra (Rom. 1:15; 1 Cor. 1:18; Heb. 1:3); a
reconciliação está em Jesus" (Rom. 5:11; 2 Cor. 5:18 s.) e na palavra (2
Cor. 5:19), a verdade está em Jesus (S, João 1:14; 2 Cor. 11:10; Ef. 4:21)
e na palavra (2 Cor. 6:7; Ef. 1:13; Col. l:5; Tiago 1:18); Jesus é, Ele
mesmo, a verdade (S. João 14:6) como o é também Sua palavra (S. João
17:17). Assim como Jesus está vivo (S. Luc. 24:5; S. João 6:51, 57;
14:19), é fiel (1 Tess. 5:24; 2 Tess. 3:3; Heb. 3:2; etc.) e é verdadeiro (S.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 9
João 7:18; Apoc.3:7, 14; 6:10; 19:11), assim também a palavra está viva
(Atos 7:38; Heb. 4:12; 1 Pe. 1:21), e fiel (1 Tim. 1:15; 3:1; 4:9; Tito 1:9;
3:8; Apoc. 21:5; 22:6) e é verdadeira (Apoc. 19:9; 21:5; 22:6). Esta lista
parcial indica que a palavra inspirada leva consigo toda a autoridade de
Jesus. A autoridade da Bíblia repousa, portanto, na autoridade máxima
de Deus falando através de Sua auto-revelação única em atos, em
palavras e em Jesus Cristo, a Palavra encarnada, cuja mensagem passou
para o NT.
A revelação divina corporificada na Bíblia possui uma autoridade
superior a de qualquer outra fonte de conhecimento de Deus (p. ex., o
livro da natureza). Um tal reconhecimento tem implicações definidas no
que diz respeito à interpretação bíblica. A natureza da inspiração e
autoridade bíblica exige que a Escritura seja tida como "infalível
norma"9 pela qual as idéias humanas, seja no campo da filosofia, da
ciência, da história ou da tradição, sejam provadas. "As Santas Escrituras
devem ser aceitas como autorizada e infalível revelação da Sua vontade"
(GC, 9). A unicidade da Bíblia requer que seja interpretada por
princípios que se harmonizem com sua autoria divina e com a dimensão
humana. O próprio reconhecimento da natureza da Bíblia como a Palavra
de Deus escrita em linguagem humana exige que não seja interpretada
através de recursos externos como tradição, filosofia, ciência, religiões
não bíblicas, etc., mas que se lhe permita funcionar como seu próprio
interprete.

3. A Unidade da Bíblia e a Interpretação

A unidade da Bíblia nos dois Testamentos tem sua origem na


certeza de que ambos são inspirados pelo mesmo Espírito Santo. A
unidade e continuidade dentro dos Testamentos e entre os Testamentos
são manifestas porque a existência de ambos os Testamentos é obra do
Deus triúno. Logo no seu começo a carta aos Hebreus insiste neste fato:
"Muitas vezes e de muitos modos falou Deus outrora a nossos pais, nos
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 10
profetas; nestes últimos tempos, falou a nós no Filho, a Quem conferiu o
domínio de todas as coisas, tendo também por meio dEle criado o
Universo" (Heb. 1:1, 2, PIB). Esta unidade é aqui enfatizada porque o
mesmo Pai que falou no passado através dos profetas, falou agora,
também, através do Filho. Ao mesmo tempo, temos aqui a indicação de
que existe diversidade dentro da unidade. Deus falou "de muitos modos",
durante um longo período, usando indivíduos inspirados diferentes e em
estágios sucessivos.
O intérprete cuidadoso da Bíblia evita a prática tão disseminada de
enfatizar esta diversidade a tal ponto que destrói a unidade interna e
subjacente da Escritura. Entre as muitas causas desta diversidade
figuram a experiência do profeta, sua educação, o meio em que viveu,
sua linguagem e sua percepção da verdade,10 porque Deus o inspirou
com pensamentos divinos e ele, por sua vez, colocou-os fielmente em
linguagem humana11 "assim as declarações do homem são a Palavra de
Deus".12 "Essa diversidade", explica E.G. White, "amplia e aprofunda o
conhecimento que vem satisfazer as necessidades dos variados
espíritos".13 De fato, existe necessidade de acentuar a diversidade dos
temas e dos aspectos dos temas desdobrados pelos diversos escritores
inspirados que contribuíram todos eles para a revelação total em ambos
os Testamentos. Embora exista na Bíblia uma diversidade, existe nela
também uma unidade (1 Cor. 12:4-6). As mensagens dos diferentes
escritores bíblicos pertencem-se tão intimamente, que nenhuma delas
pode ser completamente compreendida sem o auxílio da outra, assim
como o Velho Testamento não pode ser completamente entendido sem o
Novo e o Novo não o pode, também, sem o Velho.14 Ambos os
Testamentos formam um todo inseparável,15 um dependendo do outro e
um iluminando o outro.16

Um exemplo desta unidade é a ligação histórica que existe entre os


Testamentos, ambos apresentando uma história contínua do povo de
Deus. O Israel espiritual está em ligação direta de continuidade com o
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 11
Israel literal, e tem os mesmos propósitos e alvos dum mundo
evangelizado e duma redenção divina. Cada um dos maiores temas do
VT encontra sua resposta e resumo no NT, ou continua neles.
Dificilmente existe uma palavra teológica chave usada pelo VT que não
seja também usada ou enriquecida pelo NT. Pessoas, instituições e
acontecimentos do VT encontram seu complemento típico no NT. Um
exemplo significativo de unidade é o arco de promessas preditas e
cumpridas que existe dentro do VT e entre o VT e NT. O cumprimento
destas promessas no NT não implica no fato do VT estar superado ou
precisar ser marginalizado.17 O próprio NT contém promessas e
predições que estão presentemente em processo de cumprimento e outras
tantas que olham para a volta de Jesus Cristo e para o eschaton final. A
unidade entre os Testamentos é, pois, uma unidade devida à sua origem
comum em Deus, em Jesus Cristo, e na inspiração pelo Espírito Santo, à
perspectiva, plano e propósito comuns para os homens, e à continuação
da atividade divina para pôr em execução a realização antecipada do seu
plano de salvação.
Um corolário da unidade da Bíblia e a analogia da fé. A expressão
"analogia da fé" deriva da frase de Paulo, "segundo a proporção da fé"
(Rom. 12:6) que contêm as palavras gregas, analogian tēs pisteōs.
Usamos o conceito de analogia da fé para exprimir a idéia duma
subjacente "unidade espiritual, um grande fio de ouro através do todo [a
Bíblia]",18 baseando-nos no fato de que existe uma concordância
fundamental no pensamento, no ensino e na doutrina que pode ser
revelada com o auxílio do princípio hermenêutico de auto-interpretação
da Escritura. Isto significa que Deus, como Autor da Bíblia, viu o fim
desde o princípio, previu o futuro como escritor inspirado algum poderia
prever e este, pelas palavras da Escritura, tomou conhecimento dele (do
futuro). As palavras inspiradas da Bíblia não devem ser compreendidas
meramente como palavras de homens condicionados à linguagem,
formas de pensamento e padrões literários dos tempos e lugares a que
pertenciam quando escreveram os documentos que compõem o cânon da
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 12
Escritura. Embora Deus tivesse falado às gerações de então através dos
escritores dos livros bíblicos, Ele tomou providencias para que o leitor
da Palavra de Deus em gerações futuras pudesse nela encontrar um
conjunto de pensamentos, ensinos e doutrinas que fosse além das
circunstâncias locais e limitadas durante as quais estes livros foram
produzidos.

Como porta-vozes de Deus, os profetas não só falaram para o seu


próprio tempo, mas também predisseram acontecimentos que se
deveriam verificar em futuro distante (1 Pe. 1:10-12). "Os profetas", eles
mesmos "anelavam compreender" o significado das palavras que
anunciavam.19 Deve, pois, existir um significado mais profundo e uma
implicação mais completa nas palavras inspiradas da Escritura,20
significado e implicação que, devido às suas origens divinas, podem
apenas ser descobertos através de outras passagens que tratem do mesmo
assunto. Assim, pois, a Bíblia deve ser vista como sendo seu próprio
expositor.

III. O Princípio de “Só a Bíblia”

1. O Princípio de “Sola Scriptura”

O princípio protestante de "só a Bíblia" foi o grito de batalha da


Reforma. Ele envolve a suprema autoridade da infalível Santa Escritura,
excluindo-se toda a autoridade humana, e insiste no fato de que só "elas
são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da
experiência religiosa" (GC, 9-10). Ele se baseia no reconhecimento da
inspiração da Bíblia, da sua unidade, canonicidade e suprema autoridade.
E. G. White dá ênfase ao fato de que nós não devemos ter outro credo
que não o da infalível Escritura de Deus: "A Bíblia [é] nossa regra de fé
e disciplina."21 Ela salientou o fato de que nestes últimos dias "Deus terá
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 13
sobre a Terra um povo que mantenha a Bíblia, e a Bíblia só, como norma
de todas as doutrinas e base de todas as reformas".22 Os adventistas do
sétimo dia esforçaram-se persistentemente para não permitir que
tradições, credos, ciência, filosofia, religiões não bíblicas, etc., nem uma
e nem todas, determinassem assuntos de fé, doutrina e reformas, e
tomam a Bíblia como "suprema autoridade"23 nestes assuntos.
O seguinte apelo de E. G. White nos anima a continuar com esta
ênfase: "Em nosso tempo .., há necessidade de uma volta ao grande
principio protestante — a Bíblia, e a Bíblia só, como regra de fé e
pratica".24 A posição coerente dos que representam a Igreja Adventista
do Sétimo Dia tem sido a de que a Bíblia é nossa única e infalível regra
de fé, doutrina, reforma e pratica.25

2. O Princípio de "Só a Bíblia" e E. G. White

A ênfase que damos ao princípio de "só a Bíblia" requer alguns


esclarecimentos com respeito ao lugar e propósito dos escritos de E. G.
White. Entre os adventistas do sétimo dia aceita-se geralmente o fato do
Espírito Santo ter inspirado os escritos de E. G. White da mesma
maneira que inspirou os profetas bíblicos. Contudo, os escritos
inspirados da mensageira de Deus para a Igreja Adventista não
substituem a Bíblia,26 nem são qualquer acréscimo ao cânon da Escritura.
A própria E. G. White sustenta que a Bíblia é "a prova de toda a
inspiração"27 e "a pedra de toque da experiência religiosa."28 Com
respeito à relação que existe entre os seus escritos e a suprema
autoridade da Bíblia, E. G. White afirmou explicitamente o seguinte:
"Pouca atenção se deu à Bíblia, e o Senhor deu uma luz menor para
conduzir os homens e mulheres a uma luz maior."29 Sendo que seus
escritos são tão inspirados como os da Escritura, são eles, como esta,
também uma luz, mas não um acréscimo à Escritura, nem estão acima
dela e nem são iguais a ela. O propósito dos testemunhos inspirados de
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 14
E. G. White é, pois, dirigir o povo para a luz maior da Escritura e
impressionar as mentes humanas com a sua importância.30
Considerando a inspiração dos escritos de E. G. White, os
adventistas do sétimo dia afirmam corretamente que eles têm uma
autoridade superior a de outros escritos, excetuando unicamente a
Escritura. Contudo, isto não significa que seus escritos tenham primazia
sobre a Bíblia. Seus escritos têm um papel subordinado ao da Escritura e
visam dar uma compreensão mais clara dela,31 exaltá-la,32 atrair as
mentes para ela,33 chamar atenção para verdades negligenciadas,34 fixar
verdades inspiradas já reveladas,35 despertar e impressionar as mentes,36
trazer o povo de volta à Bíblia,37 chamar atenção para os princípios
bíblicos,38 e aplicá-los à vida pratica.39 Não surpreende, pois, que os
escritos de E. G. White tenham um lugar especialmente honrado junto
aos adventistas do sétimo dia porque representam um comentário
inspirado sobre a Escritura e explicam sua aplicação à vida. Contudo, E.
G. White insiste no fato de que eles "não foram dados para substituir a
Bíblia", nem constituem "um acrescentamento à Palavra de Deus".40 Em
virtude deste lugar ocupado por E. G. White entre os adventistas do
sétimo dia, seus escritos inspirados são uma fonte constante de
informação e orientação na interpretação da Bíblia. O exegeta cuidadoso
consultará constantemente seus comentários inspirados sobre a Escritura.

IV. O Princípio de "A Escritura Como Sua Própria Intérprete"

O princípio de "só a Bíblia" tem um corolário bem conhecido que é


o princípio de "A Escritura Como Sua Própria Interprete". O princípio de
"só a Bíblia (sola Scriptura)" é a afirmação formal de que a Bíblia se
explica por si mesma.
O próprio Jesus Cristo, o Exemplo do crente (1 Pe 2:21), aplicou
este princípio quando, começando com os escritos de Moisés e
continuando por todo o resto do VT, "explicava-lhes [aos discípulos] o
que dEle se achava em todas as Escrituras" (S. Luc. 24:27, AA). O
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 15
41
apóstolo S. Paulo recomendou que devemos sempre ir "comparando as
coisas espirituais com as espirituais"42 (1 Cor. 2:13, AA). A idéia parece
ser a de explicar e interpretar as coisas ou verdades espirituais,
baseando-nos na inspirada Palavra de Deus. A injunção de Pedro é "que
nenhuma profecia da Escritura é de interpretação pessoal" (2 Pe. 1:20,
CBC). A palavra "profecia" tal qual é usada pela Escritura, não se limita
às profecias preditivas, aquelas que predizem os acontecimentos futuros,
mas se aplica a qualquer declaração inspirada.43
E. G. White repete insistentemente o fato de que "a Bíblia explica-
se por si mesma."44 O mesmo pensamento, redigido um pouco diferente,
diz que devemos tomar as "Escrituras como seu próprio intérprete."45 A
aplicação hermenêutica deste princípio significa que "texto explica texto,
sendo uma passagem a chave de outras passagens.46
A constante admoestação, "Fazei da Bíblia seu próprio expositor,"47
vem do reconhecimento completo do princípio de auto-interpretação da
Escritura, tal como foi mantido pelos reformadores. U. Zuínglio "viu que
ela [a Bíblia, como Palavra de Deus, única regra suficiente, infalível]
deveria ser seu próprio intérprete."48 Este princípio de "fazer as
Escrituras o seu próprio interprete" foi aplicado também por G. Miller,
e foi seguido pelos adventistas que mantêm "a Bíblia, e a Bíblia só,
como norma de todas as doutrinas e base de todas as reformas."50
Baseando-se numa aplicação própria deste principio, Ellen G. White
sustenta que "as opiniões de homens ilustrados, as deduções da ciência,
os credos ou decisões dos concílios eclesiásticos, tão numerosos e
discordantes como são as igrejas que representam, a voz da maioria —
nenhuma destas coisas, nem todas em conjunto, deveriam considerar-se
como prova, em favor ou contra qualquer ponto de fé religiosa."51 Está
claro, portanto, que a interpretação bíblica entre os adventistas do sétimo
dia se fundamenta no princípio da Reforma que afirma ser "a Escritura
seu próprio intérprete (Scriptura sui ipsius interpres)".
Ver na "a Escritura seu próprio intérprete", importa em reconhecer
que a Bíblia precisa ser interpretada dentro dela mesma. Significa que
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 16
52
uma parte da Escritura interpreta a outra. O velho e o Novo
Testamentos lançam luz um sobre o outro.53 "A lei [que faz parte do
VT] é o evangelho consubstanciado, e o evangelho [o NT] é a lei [o VT]
é desdobrada."54 O VT é a chave que descerra o NT55 e, vice-versa, o
evangelho do NT é a chave que desvenda os mistérios,56 os tipos e
sombras,57 do VT. Ambos os Testa mentos são igualmente essenciais,58
porque ambos participam de sua mútua interpretação. A revelação da
Escritura não deve ser interpretada à luz de conhecimentos obtidos
através de qualquer fonte (p. ex., tradição da história eclesiástica,
filosofia, ciência, religiões não bíblicas, etc.), cuja autoridade seja
considerada como sendo igual ou estando acima da da Escritura, mas sim
à sua própria luz e fundamentando-se no seu próprio contexto canônico.
O princípio de auto-interpretação da Escritura — "a Escritura seu
próprio intérprete" — refuta o conceito de que qualquer homem seja o
intérprete dela, alinhavando indiscriminadamente juntos textos que
sirvam à conveniência dos seus próprios caprichos. Assim como o VT
interpreta o Novo e o Novo o Velho, como uma porção da Escritura
interpreta a outra, assim também uma passagem da Escritura serve de
chave para outras.59 Em sua aplicação geral, isto indica que uma
passagem que serve de chave para outras deve ser clara, e que estas
outras passagens da Escritura necessitam de interpretação devido a certos
graus de obscuridade que possuem. As passagens difíceis devem ser
interpretadas com o auxílio de textos que sejam claros.
Uma passagem difícil ou obscura não deve ser interpretada pela
aplicação indiscriminada de qualquer outro texto ou passagem bíblicos.
Existem amplas evidências de que um tal procedimento leva apenas à
confusão e à contradição."60 No processo de auto-interpretação da
Escritura, comparando e interpretando passagem com passagem e texto
com texto, é preciso que o estudioso se guie apenas pelas passagens ou
textos que tratam do mesmo assunto.61 Observando o sentido das
passagens e textos que tratam do mesmo assunto sob vários ângulos, o
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 17
intérprete da Escritura pode aguardar sua chegada ao verdadeiro
significado da Bíblia e ver a luz brilhando sobre significados ocultos.62
No processo de deixar a Escritura interpretar a Escritura, quando se
analisa um conjunto de vários textos e passagens que tratam do mesmo
assunto, e preciso não restringir o estudo destes textos e passagens
apenas aos que se referem a mesma época ou período histórico, e as
mesmas circunstâncias. Esta é uma tentação que sempre se apresenta sob
a influência das conseqüências do criticismo histórico com sua ênfase
sobre o caráter completamente humano dos documentos bíblicos.63
Permitindo que a Escritura seja seu próprio interprete, quem se empenha
na interpretação bíblica fará o possível, dentro do melhor das suas
capacidades, para reunir tudo o que e dito sobre um determinado assunto,
tirando este material de épocas e circunstancias diferentes.64 Embora se
insista veementemente para que as diversas passagens que tratam do
mesmo assunto sejam comparadas e estudadas em conjunto, apenas se
pode esperar que o verdadeiro significado da Escritura esteja de acordo
com a plenitude da revelação da Bíblia quando as passagens reunidas
pertencerem a vários autores e ao maior número possível de épocas e
circunstâncias. Este procedimento se justifica quando se tomar por base a
dimensão da Escritura como inspirada Palavra de Deus, porque esta,
sendo adequadamente usada, não faz injustiça aos vários aspectos dum
tema apresentado por escritores inspirados diferentes.

V. Objetividade e Interpretação

Todos quantos se empenham numa interpretação já têm, voluntária


ou involuntariamente, uma certa pré-compreensão do assunto. É um
truísmo bem conhecido que não existe uma objetividade absoluta. O
intérprete sofre a tentação constante de dar as palavras dos escritores
opiniões e significados que eles não queriam expressar. Para evitar que
isto aconteça, já se propôs a aplicação do princípio da "cabeça vazia",
segundo o qual não se deve "ler para dentro" o texto (eisegesis), i.e., não
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 18
se deve ler o que não está no texto. De acordo com este princípio — o da
"cabeça vazia" — se deve abandonar toda a noção e opinião
preconcebida e abordar o texto de uma maneira completamente neutra, e
assim se empenhar na interpretação bíblica. Não é isto pedir o
impossível? Se o intérprete conhece as línguas bíblicas, por exemplo,
sem dúvida que aprendeu o significado das palavras e conseguiu
absorver uma compreensão de gramática e sintaxe que foi trabalho de
varias gerações. Ninguém consegue despojar-se desta "bagagem". O
princípio da "cabeça vazia" dificilmente pode ser advogado, porque
quanto menos cultivado for o conhecimento e a compreensão do
intérprete, quanto menos formados forem seu juízo e sua inteligência,
maior é a possibilidade dele dar às palavras, ao texto ou ao livro, um
significado que lhes seja alheio. Inversamente, quanto mais geral e
variada for a experiência do tradutor, quanto mais profundo e amplo for
o desenvolvimento de sua compreensão, quanto mais detalhado for seu
conhecimento do ambiente cultural da obra que vai interpretar, maior é a
esperança de que seus julgamentos sejam mais equilibrados, e de que ele
consiga descobrir o verdadeiro significado do texto.
Todo tradutor deve trabalhar compreendendo perfeitamente a
necessidade absoluta de ser tão objetivo quanto possível. Precisa fazer
um esforço consciente para, cada vez mais se aperceber das suas próprias
pré-compreensão e pressuposições, e procurar controlar, quanto possível,
suas próprias preferências. Se deseja conseguir o verdadeiro
conhecimento, precisa silenciar sua própria subjetividade dentro do
melhor das suas capacidades. Estes requisitos fazem bom senso enquanto
forem tomados no sentido de que o tradutor deve silenciar seus desejos
pessoais naquilo que diz respeito ao resultado da tradução.
O intérprete tradutor precisa dar-se conta de que não pode esperar
um aumento da sua capacidade de compreender a Escritura através de
qualquer esforço consciente que faça visando assegurar para si mesmo
um ponto de vista neutro e nem mesmo um que se harmonize com a
Escritura, mas deve saber que pode consegui-lo através de uma
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 19
adaptação da mente, do coração e da compreensão completa da vida ao
que ouve de Deus através da própria Escritura. É o próprio Deus Quem,
através da Bíblia e do Espírito Santo, cria no intérprete as pressuposições
necessárias e as perspectivas essenciais para a compreensão da
Escritura. Na Bíblia nos defrontamos com uma compreensão de Deus, de
nós mesmos, dos nossos semelhantes e do mundo que nos cerca, que é
única e que não pode ser conhecida através de qualquer outra fonte. É
devido à unicidade absoluta da Bíblia que a revelação da Escritura
precisa comunicar não só o seu conteúdo, mas também a possibilidade
de recebê-lo, de modo que, usar qualquer conhecimento obtido de outras
quaisquer fontes como base para compreender sua mensagem, resultará
apenas na má compreensão dela.65 Para interpretar a Bíblia é necessária
uma iluminação constante do Espírito Santo.
A prática de empregar uma determinada filosofia (seja aristotélica,
hegeliana, idealista, existencialista, processo filosófico, etc.) como
requisito para ser usado na tarefa de interpretação e exegese, significa
sobrepor um elemento externo à Escritura que vai subordinar esta aos
pensamentos humanos. Isto significa que uma previa autocompreensão
humana obtida com base num preparo filosófico para a interpretação da
Bíblia, resulta sempre no estabelecimento dum critério para julgar a
verdade bíblica e se transforma num padrão que pretende ser superior à
revelação divina. Ela, a autocompreensão humana obtida através de
fundamentos filosóficos, se transforma numa autoridade final. É preciso
reconhecer os resultados duma tal abordagem, porque ela sacrifica a
autoridade da Escritura e a submete à do homem.66 Doutro lado, a
subjetividade do homem é vencida quando o intérprete permite que Deus
lhe fale através do texto da Escritura, deixando que este o leve a uma
relação com Deus, relação que o fará conhecer a verdade como se tivesse
aberto sua própria vida à ação salvadora de Deus através de Jesus Cristo
e ao poder iluminador do Espírito Santo.
Baseando-se nestes fundamentos relativos à interpretação bíblica,
isto é, a natureza, unicidade, autoridade e unidade da Bíblia, e buscando
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 20
o auxílio de corolários hermenêuticos como "só a Bíblia" e "a Escritura,
sua própria intérprete", podemos reafirmar os objetivos desta inter-
pretação bíblica. Eles, sendo próprios e adequados, buscam, (1) determi-
nar o que o escritor inspirado, como instrumento escolhido de Deus,
compreendia, ele mesmo, e o que queria comunicar aos ouvintes e/ou
leitores dos seus dias, (2) compreender e expor o significado profundo e
a implicação completa, intencionais ou implícitos, das palavras do
profeta, estivesse ele ou não consciente disto,67 e (3) traduzir e transmitir
tudo para o homem moderno. Passemos agora, da base destes
fundamentos de interpretação bíblica para o estudo e aplicação dos
princípios gerais.

B. Princípios Gerais de Interpretação

I. O Texto Original da Bíblia

Nenhum outro escrito que tenha vindo do mundo antigo teve uma
influência tão grande sobre a vida e cultura ocidentais como a Bíblia
com seus Velho e Novo Testamentos. Ao mesmo tempo é coisa bem
sabida que não foi preservado manuscrito original algum de qualquer
livro da Escritura. Quanto ao VT, o mais antigo manuscrito completo
que conhecemos data de 1008 AD e se constitui na base da Bíblia
Hebraica padrão,68 da qual se fizeram as mais autorizadas traduções
modernas.69 É praticamente impossível exagerar a importância da
famosa descoberta dos Manuscritos do Mar Morto em 1947 e nos anos
seguintes, que trouxe à luz fragmentos de todos os livros do VT exceção
do de Ester.70 Estes achados colocaram em nossas mãos, pela primeira
vez, manuscritos do VT contemporâneos de Cristo e até anteriores.
Sendo que estes rolos bíblicos e seus fragmentos datam de ca. 250 AC a
68 AD, temos agora acesso a manuscritos bíblicos que são cerca de mil
anos mais antigos do que os mais velhos que tínhamos até então ao nosso
dispor. O grande significado dos manuscritos bíblicos de Qumran é
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 21
testemunharem eles espontaneamente em favor da confiança que
podemos ter na transmissão fiel dos textos que ate agora possuíamos.
O NT e hoje conhecido, no seu todo ou em parte, através de cerca
de 5500 manuscritos gregos,71 diferindo uns dos outros. O texto padrão
mais usado e que se baseia em edições eruditas produzidos por várias
gerações, é o Novo Testamento Grego, 25a. edição, do texto de Nestle-
Aland. Para satisfazer a necessidade crescente duma edição do Novo
Testamento Grego que se adaptasse especialmente às necessidades dos
interpretadores da Bíblia em todo o mundo, as Sociedades Bíblicas
Unidas dos Estados Unidos, Escócia, Alemanha, Países Baixos e
Inglaterra, colaboraram na publicação do The Greek New Testament
(1966), editado por K. Aland, M. Black, B. M. Metzger e A. Wikgren. A
obra padrão, porém, continua sendo a Greek New Testament.72
O intérprete sério da Bíblia usa, sempre que possível, a Bíblia
Hebraica (BHK ou BHS) e o Novo Testamento Grego (Nestle-Aland
preferivelmente), como base do seu trabalho. É preciso ter algum
conhecimento dos procedimentos e métodos do criticismo textual para
poder compreender e usar convenientemente os aparatos que contém as
variações textuais mais importantes.

II. O Problema da Tradução

A conseqüência inevitável de Deus ter permitido que Seus


pensamentos divinos chegassem ate nos através de línguas humanas
(hebraico, aramaico e grego) diferentes da nossa, exige que se façam
traduções deles.73 É preciso reconhecer que o hebraico, aramaico e grego
são línguas simples como as outras e que devem ser compreendidas e
analisadas da mesma maneira como qualquer outra língua antiga. O que
é realmente importante é que a linguagem dos escritores inspirados não
era nem a do Céu, nem a do Espírito Santo, mas empregavam termos
correntes da época para comunicar as verdades divinamente inspiradas
através de vasos terrenos. Por necessidade, os escritores bíblicos
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 22
empregavam palavras correntes para comunicar a vontade e o propósito
divinamente revelados. Como resultado, os termos dos contextos
culturais dos escritores, embora reflitam o ambiente cultural da época,
são ao mesmo tempo empregados para exprimir pensamentos divinos e
têm, por isto, um "conteúdo novo". É de esperar, portanto, que as pala-
vras estejam imbuídas dum significado que o contendo cultural não pode
iluminar completamente, mas é aí que o contexto imediato do escrito
bíblico e o contexto maior de toda a Escritura assumem uma importância
capital na transmissão do seu novo significado contextual.
É um truísmo o fato de que os escritos inspirados da Bíblia
esperavam ser entendidos, embora os próprios escritores não tenham,
eles mesmos, compreendido sempre o conteúdo das suas mensagens
(Zac. 4:13; Dan. 8:27: 12:8: 1 Pe. l:10s).74 Se é correta a assunção de que
os escritores da Bíblia esperavam ser entendidos, é natural se esperar que
uma tradução dela também possa ser compreendida. Há muita gente que
pensa ser a Bíblia um livro que não se pode entender. Certo indivíduo
que, faz pouco tempo, começou a ler uma tradução respeitável e
moderna, observou: "Isto não deve ser a Bíblia; eu posso entender"! A
muitíssimo respeitada King James Version (KJV), foi produzida a 360
anos atrás (1611 AD) e contém uma linguagem antiquada que não é
idêntica a de hoje.75 Uma obra publicada em 1955 fez uma lista de 857
termos obsoletos desta tradução,76 e outra mais recente, aumentou o
numero para 2000.77 É, portanto, óbvio que a KJV não pode ser tão bem
compreendida hoje como o era quando foi feita sua tradução, a vários
séculos. Quem saberia hoje que a expressão "have worship" na KJV de
S. Luc. 14:10 significa "ser honrado", que a palavra "target" usada em 1
Sam. 17:6 significa "dardo", ou ainda que "tell" em Gên. 15:5 é uma
conjugação do verbo "contar"? Não há dúvida alguma que as traduções
modernas preenchem uma lacuna muito grande.
A tarefa primordial do tradutor é reproduzir o significado do texto
original, tal como era entendido pelo escritor inspirado. O tradutor deve
ter por alvo produzir uma reapresentação da mensagem original e deve
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 23
buscar mais a equivalência do sentido do que a identidade das palavras.
Isto significa, por exemplo, que a expressão hebraica traduzida por
"entranhas de misericórdia" na nossa tradução Almeida antiga (Col.
3:12) não transmite hoje o significado que tinha na língua original,
porque estas palavras não são mais usadas desta maneira em nossos dias,
na nossa língua. A tradução Almeida Revista e Atualizada traduziu esta
expressão por "ternos afetos de misericórdia"; a PIB, por "sentimentos de
misericórdia"; a CBC, por "entranhada misericórdia"; A LEB, por "terna
misericórdia; a BLH, simplesmente por "misericórdia", e assim por
diante.
O fato de se insistir mais na prioridade do significado do que na
identidade da forma, justifica-se porque na tradução da Bíblia e o
conteúdo da mensagem que tem maior importância. As considerações do
estilo, embora secundarias para o conteúdo, são também importantes. A
poesia não deve ser traduzida como se fosse prosa, e nem o material
explicativo como se fosse simples narrativa. Temos de convir que, na
maioria das vezes, não é possível passar duma língua para outra os jogos
de palavras e nem os poemas acrósticos (aqueles cujas primeiras letras
dos versos formam uma palavra ou conceito).
Um dos mais fundamentais princípios de tradução é o de dar
prioridade à coerência do texto e não à coerência da palavra. Este
princípio repousa no fato das palavras terem uma semântica variada, isto
é, cobrirem varias áreas com seu significado. Tomando em consideração
o fato de que, em línguas diferentes, a semântica de palavras
correspondentes também é diferente, é imperativo que a escolha do
vocábulo correto que deve traduzir uma palavra do texto original para
outra de uma nova língua, depende mais do significado que ela, a
palavra, tem dentro do seu contexto original, do que dum sistema
absolutamente fixo de traduzir sempre a mesma palavra original pelo
mesmo vocábulo na nova língua. Isto é bem ilustrado pela palavra
hebraica 'issah, usada 781 vezes no VT e cujo significado básico é
"mulher" (cf. Gên. 2:23). Em alguns contextos ela significa "esposa"
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 24
(Gên. 12:5, PIB; 2 Sam. 11:27, PIB), noutros "noiva" (Gen. 29:21, PIB;
Deut. 22:23, PIB), "viúva" (1 Sam. 30:5; 2 Sam. 3:3), "mãe" (Lam. 2:20,
CBC), ou "fêmea" (Gên. 7:2). Em cada um destes casos, mais do que
traduzir arbitrariamente a palavra "mulher", se deve observar
atentamente o contexto, para só então, escolher o aspecto semântico
específico que dará preferência à palavra que deve ser usada na tradução
de um determinado texto.
É absolutamente essencial compreender os princípios básicos de
tradução. Um especialista em traduções e interpretações para a indústria
de aviação comentava, certa vez, que não ousava empregar no seu
trabalho os mesmos princípios tantas vezes seguidos pelos que traduzem
a Bíblia: "Conosco", dizia ele, "uma compreensão absolutamente exata
dum texto é questão de vida ou morte".78 Os tradutores da Bíblia Sagrada
deveriam ser estimulados pelo mesmo sentimento de exatidão. A
Escritura deve ser compreendida tanto pelo cristão, como pelo não
cristão, porque ela é o instrumento chave do evangelismo. A
compreensibilidade da Bíblia é questão de vida ou morte eternas.

III. Compreendendo Palavras

1. Significado Literal

Em seus esforços para compreender a Escritura é natural que o


tradutor comece seu processo hermenêutico com o menor elemento de
comunicação que existe num texto, i.e., com a palavra. Mas, digamos
logo de princípio, as palavras não aparecem isoladamente. Elas se
juntam umas às outras para formarem frases ou sentenças e estas se
juntam para formarem parágrafos, unidades e capítulos que, por sua vez,
se juntam para formarem documentos e estes, finalmente, reunidos,
formam a Bíblia toda. O que desejamos enfatizar é o fato básico de que a
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 25
unidade de comunicação, seja bíblica ou não bíblica, não é a palavra,
mas a frase.
A semântica lingüística já demonstrou que cada sentença constitui,
com o contexto que a cerca, uma estrutura que determina o significado
da palavra ou do termo em particular. Inversamente, cada palavra define,
pelo seu conteúdo, sua forma gramatical e função sintática, o significado
da frase ou sentença de que faz parte. De um lado, isto serve também de
corretivo muito necessário contra a tendência de ler em todos os
contextos o "significado original" que torna impossível reconhecer a
possibilidade dum escritor bíblico ter usado certa palavra com suas
próprias conotações e ênfase semântica.79 Do outro lado, de acordo com
o círculo hermenêutico, é possível apanhar o todo apenas através das
partes, porque são estas que contribuem para o todo.80 Isto implica num
processo auto-corretivo da compreensão que espirala até o significado do
todo, deixando que cada nova parte preencha, qualifique e amplie a
compreensão a que se chega pela leitura de todas as partes individuais
anteriores.
A título de ilustração, referir-nos-emos às narrativas da criação do
homem. Em Gên. 1:27 está escrito que Deus criou o "homem ('ādām)"81
à Sua própria imagem, no sexto dia. O intérprete sabe que a palavra
hebraica 'ādām é usada como nome pessoal de Adão (Gên. 4:25; 5:1, 3,
4, 5; 1 Crôn. 1:1) e que mais comumente indica genericamente o homem
no sentido de humanidade. O contexto de Gên. 1:27 (AA) diz que o
"homem" foi criado como "macho e fêmea", o que mostra
indiscutivelmente que, neste texto, a palavra "homem" não significa
apenas Adão, mas inclui também Eva, porque se refere ao homem no seu
sentido genérico. A narração que se segue e que complementa a
descrição da criação do homem em Gên. 2 continua, dizendo que
"formou o Senhor Deus o homem ('ādām) do pó da terra" (v. 7, AA). O
contexto indica, desta vez, que se faz referência não a Adão e Eva e nem
ao homem no seu sentido genérico, mas ao "homem" como macho (v.
18), i.e., ao próprio Adão. O princípio básico para interpretar uma
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 26
palavra é, portanto, a atenção cuidadosa que se deve dar ao seu contexto
imediato dentro da frase ou sentença, e reconhecer a prioridade deste
contexto para determinar o significado que ela, a palavra, tem em relação
ao contexto mais próximo e mais remoto que a precede e que a segue.
A aplicação deste princípio mostra as várias nuances e as
conotações específicas em que um ou vários escritores da Bíblia usam
um determinado termo. Isto pode também ser ilustrado pelo uso do
radical hebraico de "remanescente" (še,ār) que aparece não menos de 223
vezes no VT.82 Em nossa linguagem de hoje, a palavra "remanescente"
significa normalmente uma pequena parte que resta, mas no VT ela pode
ser usada para indicar (1) a parte que fica depois de se retirar a parte
pequena, i.e., a parte maior que restou; (2) a metade que restou depois de
se ter tirado uma delas, i.e. a segunda metade; (3) a parte menor que
restou depois de se tirar a maior; e (4) pode significar também o todo,
sem perda de qualquer parte. O termo "remanescente" pode ter um
sentido tanto de completa inexpressividade e insignificância, como do
imenso potencial faturo da vida e da existência inerentes ao
remanescente, pouco Importando quão pequeno seja este remanescente.
O profeta evangélico Isaías, por exemplo, usa por vezes a palavra
"remanescente" para indicar a parte que restou depois da guerra destruir
Israel, sem com isto querer dizer que este remanescente fosse o povo
escolhido de Deus (1:4-9). Outras vezes Isaías falou dum remanescente
completamente diverso que se caracterizou como sendo o povo de fé
genuína que atravessou o fogo purificador dos juízos divinos e que
emerge como um remanescente escatológico que é descrito como sendo
santo (4:2ss.; 6:13).83
Os estudos etimológicos duma palavra têm seu lugar e valor porque
a origem e derivação dela e o estudo da sua história tem muita luz para
projetar sobre as várias sombras que o significado duma palavra pode
apresentar nas diversas maneiras em que é usada.84 Mas, se todas as
vezes que aparecer uma palavra se lhe der ou se lhe forçar o mesmo
significado etimológico, seguidamente chamado de "significado
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 27
original", sem considerar o contexto em que ela aparece, o resultado será
um uso inadequado desta palavra, ou uma falsa interpretação dela.
É, sem dúvida, supérfluo lembrar que é completamente impróprio
usar a etimologia da nossa 1íngua materna para explicar o significado
duma mensagem bíblica, como aconteceu com um pregador de rádio que
usou a etimologia inglesa "lord" ("senhor"), que no inglês antigo
significava "guardador de pães", i.e., "aquele que alimenta seus
descendentes") para demonstrar que o Senhor e a mensagem cristã se
preocupam com assuntos econômicos, tais como são simbolizados pelo
pão. Deve ficar bem claro, pois, que a preocupação do tradutor pela
etimologia se deve voltar sempre para a palavra nas línguas originais da
Bíblia. Um principio sadio de interpretação bíblica é evitar a
sobreposição da etimologia e do "significado original" duma palavra ao
seu uso no contexto.
É possível melhorar consideravelmente a compreensão duma
palavra bíblica se, ao estudá-la, for devidamente relacionada com seus
metônimos (palavras que substituem outras), sinônimos (palavras ou
expressões que contêm alguns, mas não todos os significados essenciais
de outras e que podem substituí-las em alguns, mas não em todos os
contextos), e antônimos (palavras cujo significado é oposto ao de
outras). Em metonímia se pode usar "Alvorada" (Palácio da Alvorada,
em Brasília), p.ex. com o significado de "Presidente". Em Rom. 3:27-
30 o apóstolo Paulo fala de "circuncisão" e "incircuncisão" sem se
referir a circuncisão em si mesma mas usa estas palavras
metonimicamente para falar de judeus e gentios.
As duas palavras gregas agapao e phileo, ambas traduzidas por
"amor" na maioria dos contextos, têm sido bastante discutidas pelos
tradutores como sinônimas aproximadas, mas cujo sentido diverso,
embora pequeno, é, contudo, importante.85 Em S. João 21:15 – 17 estas
duas palavras aparecem nas três perguntas "amas-Me" do contexto. Nas
duas primeiras, Jesus usa o verbo agapao, enquanto que na terceira, usa
phileo, ao passo que Pedro responde todas as três vezes, usando o verbo
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 28
phileo. A explicação mais comum é que agapao se refere ao amor divino
e que Pedro respondeu, dizendo que amava Jesus com amor humano, ou
amizade, sendo que na terceira vez, Jesus perguntou-lhe se O amava
como amigo (phileo) fato que o apóstolo já tinha afirmado por duas
vezes. Na terceira pergunta Jesus aparece querendo por â prova a
sinceridade do amor de Pedro.86 Ademais, já se disse que esta diferença é
por demais sutil.87 Contudo, é inegável o fato de que, enquanto agapao e
phileo participam largamente do mesmo significado e "ocorrem em
estruturas semelhantes, a grande preponderância do uso de agapao em
certo tipo de contextos, aponta esta palavra como querendo indicar o
elemento divino do amor".88 Esta diferença na conotação é importante
para o seu significado. Resumindo, como um principio de interpretação,
o estudo das palavras em relação com seus metônimos, sinônimos e
antônimos, aumenta consideravelmente a compreensão delas.
Na busca do significado duma palavra, o exegeta não deve nunca
presumir que a fé e prática bíblicas sejam idênticas às das culturas
adjacentes. Um escritor bíblico pode empregar termos usados por estas
culturas e religiões adjacentes, dando-lhes, porém, um significado típico
à compreensão e fé bíblicas, e um "novo conteúdo" estranho ao
pensamento e costumes não hebraicos e helenistas. Este "novo conteúdo"
pode apenas ser recuperado através da mais cuidadosa análise da
estrutura do contexto bíblico da palavra ou expressão usada, devendo
esta análise ser acompanhada dum estudo das semelhanças e diferenças
destes termos na literatura extrabíblica. É preciso fazer um esforço bem
estudado para se evitar a transferência de conteúdo de uma estrutura
cultural e religiosa para outra. Tratar palavras, isolando-as do seu
contexto maior e da concepção fenomenológica das suas cultura e
religião ou arrancando-as do seu ambiente religioso e cultural para
aplicá-las a outras estruturas culturais e religiosas, resultará
inevitavelmente em distorções e erros de tradução. Para evitar que se leia
no conteúdo bíblico o conteúdo de culturas e religiões não bíblicas, o
tradutor deve aplicar o princípio que consiste na investigação minuciosa
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 29
das semelhanças e diferenças que existem em palavras idênticas das
línguas bíblicas e cognatas. É o contexto bíblico que vai determinar qual
é o "novo conteúdo" do significado deste termo ou palavra nos escritos
bíblicos.
No VT o termo Baal aparece 58 vezes (num total de 84) como
designação duma divindade. Na maioria das vezes ele designa Baal, o
deus cananita da fertilidade,89 cuja adoração chegou a ser uma grande
ameaça para a fé dos israelitas. Existe, porém, um texto em que,
claramente, o Deus Yahweh de Israel foi chamado de "meu Baal" (Os.
2:16). Seria algo de completamente errado querer aplicar ao Deus
Yahweh do concerto israelita as características desta divindade pagã.90
Contudo, um estudo mais meticuloso desta passagem mostra que os
israelitas, na sua apostasia, chegaram a chamar Yahweh por este nome,
porque o versículo seguinte, o 17, mostra que eles não sabiam mais
distinguir claramente a diferença que havia entre o Deus do seu concerto
e a divindade pagã de Baal. Israel havia praticamente trocado Yahweh
por Baal. Isto tinha de ser corrigido e Israel deveria novamente adorar
Yahweh como o esposo do seu concerto.
Logo no início da história da Criação encontramos um exemplo
típico do que seja, baseando-se em termos semíticos cognatos, ler o
pensamento duma cultura e religião no conteúdo de outra. Muitos
estudiosos já sustentaram a opinião de que existe uma relação direta
entre o termo hebraico "tĕhôm" que significa "abismo" (Gên. 1:2) e a
personificação do oceano salgado, Tiamat, o monstro fêmea do épico
nacional babilônico Enuma elish.91 Para estabelecer esta relação,
basearam-se na afirmação de que a história bíblica da Criação tinha
sofrido a influência da mitologia pagã e era "um eco do velho mito
cósmico" dela.92 Mas, a compreensão atualizada que se tem do assunto,
resultante do estudo dos semíticos comparados, demonstra que o termo
bíblico tĕhôm não deriva da palavra Tiamat e, com fundamentos em
terreno fenomenológico, concluiu-se também que o épico Enuma elish
"não tem ligação de qualquer tipo e nem em qualquer ponto com
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 30
93
Gênesis, e que cada um deles é sui generis". Interpretar a palavra
tĕhôm de Gên. 1:2 em termos duma suposta cognação com vocábulo
semelhante da mitologia babilônica é ler o conteúdo do pensamento dum
termo bíblico de maneira estranha a ele e, contra isto, milita todo o
contexto bíblico.
Podemos ilustrar um outro ponto quando nos referimos aos diversos
significados de "redimir/redenção (lutron, lutroun, apolutrōsis)" no NT.94
Demonstrou-se que a idéia de redenção dentro do pensamento
helenístico está associada com a libertação de escravos redimidos pelo
pagamento de dinheiro. Sendo que há passagens que falam do crente ter
sido comprado "por preço" (1 Cor. 6:20; 7:23) e, como diz Pedro, "não
fostes resgatados ... a preço ... como a prata e o ouro, mas pelo sangue
precioso de Cristo" (1 Pe. 1:18, PIB), concluíram alguns que a redenção
está sempre ligada ao pagamento dum preço. Mas é largamente aceito o
fato de que existem ainda duas outras conotações de redenção, isto é, (1)
a redenção de Israel do Egito através dos atos poderosos de Deus95 e (2)
a redenção do crente por Jesus através da expiação (hilastērion,
hilaskomai). Considerando a herança bíblica do VT, já se percebeu que a
alusão original quanto ao uso deste termo não é a da redenção dum
escravo pelo pagamento dum preço (conotação helenística), mas a
libertação do crente por um ato poderoso de Deus (a conotação do VT),
levada a cabo através do Salvador Jesus Cristo. Isto mostra que uma
palavra grega conhecida através do grego extrabíblico, foi usada pelos
escritores inspirados do NT e enchida dum "novo conteúdo" baseado na
fé da igreja primitiva, enraizada como estava no VT. O tradutor deve ser
sempre bastante sensível ao "novo conteúdo" de palavras cujo
significado se prende à unicidade da mensagem bíblica.
Dificuldade ainda maior apresentam as palavras cujo significado
atual não se encaixa no contexto e que raramente são usadas na
Escritura, ou que são usadas apenas uma vez (hapax legomena). Se o
contexto bíblico imediato não contiver elementos suficientes para
permitir que se chegue a um significado satisfatório duma palavra como,
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 31
infelizmente, acontece em muitos casos, cabe ao tradutor investigar o
significado dela em línguas cognatas. As antigas versões da Bíblia
(grega, latina, aramaica, siríaca e outras) são dum valor inestimável para
descobrir o sentido destas palavras raras. Para este estudo servem
também os documentos antigos do Oriente Próximo, trazidos à luz pelas
revolucionárias descobertas arqueológicas dos últimos tempos.
Igualmente importantes são a decifração e recuperação de línguas como
as sumeriana, acadiana, hitita, hurriana, ugarítica, egípcia etc. O
especialista tem à sua disposição um depósito de línguas antigas
cognatas que provou ser dum valor inestimável para o esclarecimento de
palavras raras no VT.
O VT relata o fato de Deus ter dito para Abraão que seus
descendentes voltariam para Canaã "na quarta geração (dōr)" (Gên,
15:16). Os estudiosos da Bíblia viram nisto uma grande dificuldade
porque, quatro versículos antes, faz-se referência a um período de
opressão de 400 anos (v. 13). Tomando-se 25-40 anos como a duração
normal duma geração, tal como geralmente se pensa, as duas declarações
apresentam uma discrepância cronológica muito grande. Acontece,
porém, que os cognatos semíticos do termo hebraico dōr nas línguas de
Mari, da Assíria antiga, da Arábia e siríaca96 mostram que o significado
original de dōr não é "geração", mas "duração, medida ou período duma
vida", i.e., uns oitenta anos ou mais.97 A tradução inglesa NAB traduziu
esta palavra dōr deste texto pela expressão "time-span", espaço de
tempo.98 Graças, pois, aos novos conhecimentos filológicos conseguidos
através dum estudo comparativo dos semíticos, resolveu-se esta grande
dificuldade cronológica. Dentro do contexto patriarcal é razoável tomar
o período de mais ou menos um século como sendo o duma vida.99 o
contexto de Gên. 15 confirma que o sentido recuperado do termo dōr
pode ser perfeitamente aplicado a este caso.
É preciso salientar o fato de que é o próprio contexto o fator final
que determina se o sentido recuperado duma palavra se aplica ou não ao
texto. Em princípio, é correto o procedimento de verificar, através da
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 32
filologia comparativa, se estão certos os novos matizes de significado
duma palavra e até o significado completo dela. Contudo, o método da
filologia comparativa ainda está longe daquele refinamento necessário
para se chegar a conclusão de que o grau de certeza alcançado esta
sempre, seguramente, além de qualquer sombra de dúvida.100
O mundo da Bíblia é o Oriente Próximo, cuja geografia, história e
cultura estão sendo recuperadas pela arqueologia em muitos aspectos.101
Humanamente falando, a Bíblia participa do contexto do antigo Oriente
Próximo tanto no espaço como no tempo.102 Embora isto seja verdade, a
Bíblia não está, porém, no mesmo nível das religiões e culturas
adjacentes.103 Tanto o VT como o NT participam dum só e único
contexto bíblico. A religião bíblica é o fundamento para o conteúdo
único da Escritura. Os escritores bíblicos expressaram os pensamentos
divinamente inspirados através das palavras duma linguagem normal,
formando "uma união do divino com o humano" (GC, 9). Reconhecer
este fato é reconhecer inevitavelmente o princípio de que, embora os
termos bíblicos possam ser esclarecidos por meio de línguas cognatas, é
preciso que o significado assim recuperado esteja em completa harmonia
tanto com o contexto imediato da Bíblia, como com o contexto da
mensagem bíblica em geral. Este princípio pretende evitar que numa
estrutura cultural se leiam os elementos de outra.104 Tal atitude
representa uma salvaguarda contra distorções do quadro em geral e
fornece também recursos para o reconhecimento de diferenças subtis,
mas cruciais.

2. Significados Não Literais

Outro principio fundamental de interpretação é tomar a palavra


sempre no seu sentido literal, a menos que haja indicações bastante
claras para se fazer o contrário.105 Tal como acontece nas demais línguas,
as palavras bíblicas podem ter significados diferentes dos originais,106
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 33
que, neste caso, recebem o nome de significados não literais ou
figurativos.
As expressões idiomáticas ou idiotismos são geralmente
construções que, embora estando perfeitamente dentro das normas
gramaticais e sintáticas, têm um significado que não corresponde ao da
soma das suas partes. Os idiotismos são expressões nas quais as
estruturas semântica e gramatical são radicalmente diferentes. Para se
saber qual é o real significado duma expressão idiomática, é preciso
tratá-la como uma única unidade semântica. Vejamos alguns exemplos:
O idiotismo semítico "cerrar as entranhas" (1 S. João 3:17, AA) significa
"não ter compaixão"; "chifre da salvação" (2 Sam. 22:3, AA, margem;
Sal. 18:2, idem; S. Luc. 1:69, idem) quer dizer "grande Salvador",
"força da salvação", etc. (ver trad. ARA); a frase "viração do dia" (Gên.
3:8, AA), significa "à tardinha", quando a fresca brisa vespertina amaina
o calor do dia; "amontoar brasas de fogo sobre a cabeça" (Rom. 12:20)
quer dizer "deixar envergonhado".
Os símiles e metáforas são figuras de linguagem que, com suas
palavras, expressam significados não literais e figurativos. O símile
difere da metáfora pelo fato da comparação ser feita de maneira
explícita, usando geralmente a conjunção "como". Jeremias usou os
símiles "fogo" e "martelo" para representar sua palavra (23:29). Jesus
comparou Seus discípulos com "cordeiros" no meio de lobos (S. Luc.
10:3). A metáfora "lobos" significa os inimigos . Em S. João 10:16 Jesus
fala metaforicamente de "um rebanho" e de "um pastor", referindo-se
respectivamente a Sua comunidade de crentes e a Si mesmo.
Na Bíblia encontramos também a figura de linguagem chamada de
personificação que toma uma coisa, qualidade ou idéia e a apresenta
como se fosse uma pessoa. Vem logo à nossa mente o caso da
personificação da Sabedoria, em Prov. 8:22-31,107 onde ela aparece como
alguém que existia antes da Criação, mas não é, em absoluto, uma
criatura em seu sentido ordinário. Nem uma partícula da matéria (v. 26)
e nem traço algum de organização vieram à existência senão pela
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 34
Sabedoria (v. 29), cuja personificação era um preparo para seu completo
cumprimento no NT (Col. 1:15-17; 2:3; Apoc. 3:14) que aponta o
Agente da Criação não como mera atividade de Deus, mas sim o Seu
próprio Filho, a Palavra eterna, a Sabedoria e o Poder (cf. S. João 1:1-14;
1 Cor. 1:24, 30; Heb. 1:1-4). Outro exemplo de personificação
encontramos em S. Mat. 6:34, onde "o dia de amanhã" age como se
fosse uma pessoa: "Porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo" (AA).
A Escritura emprega varias hipérboles que são figuras de linguagem
exageradas com o propósito de dar mais ênfase a um fato qualquer e que
não podem ser tomadas literalmente. Em Deut. 1:28 os espiões
descreveram as cidades cananitas como sendo "fortificadas até aos céus".
O apóstolo S. João concluiu seu evangelho (21:25), dizendo que, se
todas as coisas que Jesus fez, fossem relatadas uma a uma, "creio eu que
nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos".
Outra figura de linguagem que tem sentido figurado e o eufemismo,
i.e., o uso duma palavra em lugar de outra considerada como tabu,
positiva ou negativamente. O capítulo 4 de Gênesis no seu começo usa a
palavra hebraica yac como eufemismo para as relações conjugais,
trazendo consigo a conotação daquela união sexual completa e não
apenas física que caracteriza a união perfeita que deve existir entre
marido e mulher. A tradução Almeida antiga usa o verbo "conhecer" e a
ARA, o "coabitar", para representar este eufemismo em nossa língua.
É baseando-se no contexto que se pode reconhecer o sentido
figurado exato dos idiotismos, símiles, metáforas, personificações,
hipérboles, eufemismos, etc., fato, aliás de importância muito grande
para uma interpretação correta da Escritura. O tradutor deve cuidar para
que o significado destas figuras de linguagem não ultrapasse o sentido
que procuram exprimir.108
Os símbolos pertencem à categoria das palavras cujo sentido não é
literal, nem figurativo. Quando usamos um símbolo, não o fazemos à
maneira da teologia modernista que o compreende como algo apontando
para uma realidade além dele mesmo, isto é, como algo que, de fato,
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 35
participa da realidade e do seu poder, distinguindo-se do sinal ou da
imagem porque imagina-se que vai além deles. A teologia modernista
aplica a escatologia simbólica às passagens do NT que tratam do fim,
dizendo que elas não devem ser tomadas literal, mas sim
simbolicamente. Assim sendo, a Segunda Vinda de Jesus Cristo não é
um acontecimento histórico que se vai desenrolar na tela divina do
tempo, mas é, antes, um símbolo da promessa feita ao homem de que a
felicidade é trans-histórica. Em nossa definição, símbolo é uma
representação visual ou conceitual daquilo que não se vê e é empregado
para comunicar verdades, afirmações e exigências divinas.
Contrariamente ao ponto de vista de Tillich e de outros, Jesus Cristo não
foi um símbolo de Deus, porque era o próprio Deus, tal como afirmou
nas palavras "Eu e o Pai somos um" (S. João 10:30). Jesus anunciou para
o mundo Sua unicidade e unidade com o Pai quando Se apresentou como
Deus manifestado em carne (1 ME, 402). "Todavia não nos é possível,
por meio das estrelas ou do oceano ou da catarata, aprender da
personalidade de Deus e que nos é revelada em Cristo" (CB. 419). Jesus
Cristo é a suprema revelação da divindade que não pode ser igualada por
qualquer outra coisa.
Há símbolos objetivos que são empregados para representar uma
serie de coisas. A "coluna de nuvem" simbolizava a direção (Êx. 13:21) e
gloria (Êx. 16:10) divinas. 0 "fogo" simbolizava a gloria e presença
divinas (Êx. 3:2-6; 24:17; Lev. 16:2), a direção de Deus (Êx. 13:21) e a
ira de Deus (Núm. 11:1; Deut. 4:24; Heb. 12:29). A "serpente de bronze"
feita por Moisés simbolizava a sabedoria e o poder curador de Deus
(Núm. 21:9). O "bezerro de ouro" era, para os egípcios, o símbolo visível
da presença dos deuses manifestada pela fertilidade (Êx. 32:4). O arco-
íris era um símbolo visível indicando que a ira de Deus passara e que Ele
guardaria o Seu concerto (Gên. 9:13). O "cálice de vinho" simboliza a
ira de Deus (Is. 51:21-23; Jer. 25:15, 16; 51:7; Apoc. 14:10). Muitas
vezes "bestas" e "animais" simbolizam impérios e reinos (Dan. 7; 8;
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 36
Apoc. 13; 17). Um "chifre" pode simbolizar um reino (Dan. 8:22) ou um
rei (Dan. 7:24; 8:20, 21).
Os atos simbólicos ilustravam algum propósito que estava alem do
contexto imediato. Através deles, os profetas não apenas proclamavam
suas mensagens, mas lhe davam ainda maior ênfase. Isaías andou
despido, isto é, apenas com suas roupas interiores como símbolo da
pobreza e exílio que viriam sobre Israel (Is. 20:1-6). O casamento de
Oséias com Gômer foi usado para simbolizar a intimidade de Deus com
Israel e a infidelidade deste para com o Deus que o amava (Os. 1-3).
Jeremias escondeu em lugar úmido um cinto de linho que ele mesmo
usara e, mais tarde, o encontrou apodrecido, querendo com isto
simbolizar o que aconteceria com Israel, povo que estivera tão unido a
Deus (Jer. 13:1-7). Quando Jerusalém foi sitiada pelos babilônios,
Jeremias comprou terras em Anatote para simbolizar sua confiança no
futuro de Judá (Jer. 32:1-15). Ezequiel gravou a cidade de Jerusalém
num tijolo e cercou-o de fortificações e trincheiras figuradas para
simbolizar a destruição da cidade tal como fora predita por Deus (Ez.
4:1-3).
Para comunicar suas mensagens, os profetas fizeram também uso de
nomes simbólicos. A filha mais velha de Oséias recebeu o nome de Lo-
ruama, "A Desfavorecida", "Aquela de Quem Não Se Tem Compaixão",
para simbolizar o fato de que o Senhor não teria mais piedade da casa de
Israel (Os. 1:6, AA, ARA, CBC margem). O filho de Oséias recebeu o
nome de Lo-ami, "Não Meu Povo" para indicar que Deus não mais iria
considerar Israel como Seu povo (Os. 1:9, idem). O filho mais velho de
Isaías recebeu o nome de Sear-Jasube, "Um Resto Voltará", para
simbolizar a certeza de que, após uma destruição, haveria um
remanescente que se voltaria arrependido para Deus (Is. 7:3, idem).
Outro filho de Isaías recebeu o nome de Maher-shalal-hash-baz,
"Rápido-Despojo-Presa-Segura" para descrever o que os assírios fariam
com Israel (Is. 8:3, 4, AA, ARA, PIB).
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 37
O princípio orientador na interpretação de símbolos e deixar que um
escritor inspirado identifique este símbolo. É preciso lembrar que nem
todos os aspectos duma representação simbólica têm o mesmo grau de
significação e de importância (ver PJ, 244). É preciso ter muito cuidado
para não interpretar os símbolos alegoricamente. O mais seguro é não ir
além da interpretação alegórica ou da própria alegoria feita pelo escritor
inspirado. Um princípio sadio para interpretar palavras e frases com
significados não literais ou figurados é, pois, não interpretar os símbolos
e figuras de linguagem além do sentido que o escritor procurou
comunicar.
Resumindo, o mais fundamental princípio para a interpretação
duma palavra é investigar seu uso dentro da estrutura do contexto. Além
disto, se pode conseguir mais esclarecimentos, estudando o uso desta
palavra no mesmo livro, pelo mesmo autor e pelos demais escritores da
Bíblia. Ao fazer isto, o intérprete deve considerar o contexto imediato da
palavra e das combinações em que ela aparece na frase. Sua preocupação
constante deve ser descobrir o propósito que o escritor bíblico tinha em
vista quando escreveu a palavra e o desenvolvimento do seu significado
no restante da Bíblia. Se é altamente valioso o estudo etimológico duma
palavra quando feito com cuidado, é preciso, contudo, lembrar que a
descoberta do seu "significado original" não representa garantia alguma
para a interpretação correta desta palavra. É extremamente útil fazer um
estudo comparativo e a investigação dum termo ou de termos cognatos
nas línguas bíblicas e nas não bíblicas, mas é preciso ter muito cuidado
para não ler sombras de significado e nuances semânticas dum contexto
no outro. A estrutura do contexto em questão é que vai fornecer a
norma pela qual se deve determinar o significado da palavra ou do termo
que está sendo investigado. É preciso reconhecer o "novo conteúdo" dum
termo bíblico em termos da mensagem bíblica.

IV. Compreendendo Sentenças


Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 38
A relação recíproca que existe entre as palavras e suas funções
gramaticais e sintáticas constitui a lei estrutural que permite
compreender as frases. A dependência que o conhecimento particular
tem do geral, e vice-versa, e fundamental para o conhecimento genuíno
do texto.109 Isto quer dizer que o intérprete deve abordar o texto bíblico
com um conhecimento geral do seu significado, porque isto contribui
para a compreensão das partes do texto em si e, inversamente, este texto
e constantemente corrigido, aumentado, ampliado e enriquecido pela
compreensão obtida através da interpretação destas partes individuais.110
O estudo de como as palavras, frases e parágrafos se relacionam uns
com os outros não é apenas fascinante, mas é também de importância
fundamental para o trabalho do tradutor, porque o estudo da sintaxe é o
estudo das relações do pensamento. A sintaxe e o estudo das frases,
períodos e sentencias que permite o tradutor e o interprete penetrarem no
pensamento do texto e, desta forma, conseguirem conhecimentos que
nunca seriam obtidos por quem não estivesse familiarizado com ela.
Na língua hebraica a sintaxe do verbo abrange tempo, voz, radical
e modo; a sintaxe do substantivo se preocupa com gênero, número, caso,
tipo de construção, aposição, ligações, artigos, etc.; a das partículas trata
dos advérbios, preposições, conjunções, etc.; e a dos períodos abrange a
grande variedade que existe deles, desde os mais simples aos mais
complexos.111
A sintaxe da língua grega se preocupa com o gênero, número e
casos dos substantivos, com sua concordância e relações com o sujeito e
o predicado. A sintaxe dos adjetivos, preposições, pronomes, artigos,
etc., é tão importante para a compreensão do texto como o é a sintaxe do
verbo com seus tempo, modo e voz. A construção da sentença, da
palavra e do período contribui em todos os seus aspectos para a
compreensão da frase.112 Como princípio geral de interpretação,
podemos afirmar que se consegue compreender uma frase estudando o
relacionamento gramatical das suas palavras e analisando a estrutura
sintática e morfológica do período.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 39
O estudo das antigas línguas semíticas ocidentais contribuiu muito
para a recuperação de formas gramaticais e sintáticas usadas no hebraico
do VT e que, não sendo mais conhecidas, davam lugar a sérias
dificuldades na interpretação dos textos. Entre as contribuições deste
estudo para a gramática e sintaxe do hebraico antigo está a recuperação
do assim chamado mem enclítico que usualmente não altera o
significado da passagem, mas remove anomalias gramaticais.113 A letra
waw aparecia por vezes em lugares onde seu significado normal de "e"
e "mesmo" não encaixava. Os peritos costumavam retirar a letra
desconsiderada ou reinterpretar o texto. Os modernos estudos sobre o
assunto, porém, demonstraram que este waw, aparentemente supérfluo
ou "pleonástico", era um recurso que servia para dar ênfase à palavra
como variedade de estilo.114 Sabe-se hoje que o uso das proposições be e
le pode também significar "de" (proveniente de, cf. Deut. 1:44 com be;
Sal. 84:11 com le).115 Para evitar uma leitura errada do hebraico em
termos duma língua semítica antiga, o intérprete cuidadoso deve cuidar
para não ler este hebraico com os olhos de alguma outra língua semítica,
e não deixara nunca de aplicar o principio básico de permitir que o
próprio contexto bíblico determine quais são os novos aspectos que
realmente contribuem para uma melhor compreensão do texto.
Em se tratando de interpretar sentenças, é preciso fazer pelo menos
alguma referencia à poesia hebraica. Consultando traduções modernas
da Bíblia, podemos notar que pelo menos 40% do VT foi escrito em
poesia. Já está hoje demonstrado que tanto a poesia como a prosa
hebraica vêem desde os tempos mais longínquos e foram usadas pelos
escritores bíblicos desde o princípio.116 A menor unidade poética se
compõe de períodos e sentenças. O aspecto mais fundamental e essencial
da poesia hebraica é o paralelismo que existe dentro das linhas e entre
elas. A analogia dos pensamentos pode ser repetida, contrastada ou
adiantada respectivamente através dum paralelismo sinônimo (Sal. 59:1),
antitético. (Sal. 1:6) ou sintético (Prov. 19:20). Isto significa que existe
na poesia hebraica um equilíbrio de palavra com palavra e de
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 40
pensamento com pensamento que fornece recursos básicos para
compreender o pensamento da poesia.117 Compreender o paralelismo
poético é fator essencial para a interpretação do texto.
Excetuando a rima, a poesia hebraica faz largo uso dos artifícios
poéticos de todas as poesias, i.e., de assonâncias, símiles, metáforas,
aliterações, anadiploses, anáforas, acrósticos, paranomásias e
onomatopéias. Mais do que sua imaginação, é nisto que se pode observar
o gênio da poesia hebraica. Para fazer uma interpretação correta do texto
é preciso reconhecer os recursos literários da poesia hebraica e tomar em
consideração a sua imaginação poética.

V. Compreendendo Unidades

A unidade é um todo maior que se compõe duma série de


parágrafos e que tratam dum pensamento particular ou dum aspecto dum
pensamento maior. A compreensão da unidade tem um efeito espiralante
na compreensão do todo maior.
Quando discutimos a sentença, que é um componente da unidade,
notamos que a poesia hebraica usa determinadas estruturas, tais como o
paralelismo dos seus elementos e a métrica. As frases e sentenças
poéticas são grupadas em divisões estróficas maiores. Portanto, cada
estrofe é a unidade seguinte maior. As articulações simétricas do
pensamento sugerem, por vezes, a divisão das secções poéticas em
estrofes. Escolhamos o famoso "Cântico da Vinha" que, por natureza,
está dividido em quatro partes: (a) o cuidado que a vinha recebeu, Is. 5:1,
2; (b) o apelo para que julgassem a pendência entre o dono e sua vinha,
vs. 3, 4; (c) o anúncio da destruição da vinha, vs. 5, 6; e (d) a
interpretação, v. 7. Nem todas as unidades possuem uniformidade de
extensão e também nem todas revelam regularidades precisas. As
tentativas feitas por estudiosos para conseguir esta regularidade por meio
de supressões e recomposições de linhas e estrofes, devem ser tidas
como subjetivas. Algumas traduções recentes da Bíblia, tais como as
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 41
inglesas NEB e NAB, fizeram estas emendas e redistribuição do texto,
mas não há qualquer evidência textual que o justifique. Estas alterações
são contestadas também pela poesia ugarítica que tem uma liberdade
análoga de forma.
Sendo que estamos tratando das unidades e da sua interpretação,
não se pode deixar de falar sobre o que ficou conhecido pelo nome de
criticismo formal, também chamado de história da forma
(Formgeschichte). Não cabe aqui discutir o surgimento desta
metodologia nos estudos bíblicos desde H. Gunkel (1862-1932) até o
presente. O fundamento em que se apóia esta metodologia hoje tão
largamente aplicada nos estudos do VT e NT, é a premissa de que a
memória popular — o veículo da tradição — opera supostamente com
unidades pequenas, muitas vezes não maiores do que uma simples
parelha de versos. O exame minucioso das unidades irredutíveis das
tradições primitivas começou baseando-se no folclore alemão, obser-
vando e definindo as diferenças que existem entre conto popular, mito,
saga e lenda (J. e W. Grimm). Baseando-se neste estudo, surgiu a idéia
de que as unidades semelhantes reaparecem. Esta semelhança não está
tanto no conteúdo, mas especialmente na estrutura, extensão e tendência.
Provou-se agora ser falaz a idéia de que existe uma evolução
unilinear que se processa a partir das pequenas unidades literárias e vai
até as estruturas maiores e mais complexas. Com respeito ao VT, este
fato pode ser demonstrado mediante um estudo comparativo da antiga
literatura do Oriente Próximo, desde mais ou menos o ano 2500 AC.118
As diversas assunções e premissas do criticismo formal, assim
como é aplicado ao VT e NT, baseiam-se em investigações feitas sobre
as já mencionadas memórias populares da filologia germânica. É,
portanto, da mais alta importância que os resultados das investigações
recentes feitas pelos folcloristas, nas memórias populares, tenham posto
em duvida as antigas assunções mantidas por eruditos bíblicos.119
Contudo, o criticismo formal despertou uma preocupação maior
pela forma externa e deu ênfase e estímulo a apreciação das unidades
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 42
literárias. Os critérios objetivos que possam servir de auxílio para a
identificação das unidades, devem ser procurados em motivos internos. É
preciso usar de grande perspicácia e discernimento para evitar que se leia
a forma literária ou a unidade básica dum tipo de literatura ou tradição,
noutra.
Entre as deficiências básicas do método do criticismo formal está a
assunção de que as unidades orais começaram sendo curtas e foi sobre o
fundamento desta assunção que se desenvolveu o critério da brevidade.
Este critério afirma que os registros mais curtos são necessariamente os
mais antigos. Muitas descobertas arqueológicas contestam este critério
básico e o corolário natural deste presumido crescimento duma suposta
unidade antiga e curta para uma mais recente e mais extensa, é negado
pela literatura antiga do Oriente Próximo.120 As literaturas sumeriana,121
egípcia e outras do Oriente Próximo122 demonstram amplamente a
existência de obras e de unidades literárias que variam
consideravelmente em extensão num dado período, mesmo anterior ao
segundo milênio AC. Ademais, a assunção tácita de que um determinado
estilo ou forma literária esteja ligado firmemente a determinadas
instituições ou situações na vida, conduz com facilidade a interpretações
errôneas e grosseiras. A situação própria da vida para uma nênia ou
lamentação é a morte e, no entanto, os profetas do VT empregaram esta
forma de literatura para ameaçar e zombar. Isto indica que nem sempre a
forma literária está de acordo com o conteúdo nesta unidade literária.
Portanto, não existe conexão automática alguma entre a forma literária e
uma suposta situação cultural na vida. Finalmente, a tendência evolutiva
do criticismo formal com sua assunção de que o desenvolvimento vai do
curto para o longo e do simples para o avançado, precisa ser reconhecida
pelo que ela é.
Talvez antes de deixar esta secção sobre as unidades, seja
conveniente acrescentar parenteticamente uma palavra com respeito à
função e propósito dos comentários bíblicos. Entre os comentários
bíblicos existe uma grande e diversa variedade em termos de qualidade e
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 43
pontos de vista. Ao consultá-los, portanto, o intérprete não pode nunca
supor que exista um que seja infalível e correto em todas as instâncias.
Na verdade, o intérprete precisa fazer sempre para si mesmo uma
avaliação da variedade de pontos de vista e da evidência apresentada, o
que requer, não raro, grande habilidade e conhecimento técnico. É
melhor preferir comentários escritos por pessoas que tenham tido
elevada visão da inspiração divina e que manifestam uma crença firme
na veracidade e na relevância pratica da Escritura, do que usar os que
forem escritos com base nas perspectivas de crítica. Lembra um conselho
de E. G. White que,
"Não devemos aceitar a opinião de comentaristas como sendo a voz de
Deus; eles eram mortais, sujeitos ao erro como nós mesmos. Deus nos tem
dado a faculdade do raciocínio tanto como a eles. Devemos tornar a Bíblia o
seu próprio expositor."123

Isto significa que os comentários devem ser tomados pelo que são e
não como instrumentos que ditam o que a Bíblia quer significar. Uma
recente obra sobre hermenêutica bíblica adotou um ponto de vista
semelhante: "A infalibilidade ilude a compreensão de todos os
comentaristas de hoje"!124 Os bons comentários tem seu lugar no estudo
da Escritura, embora devam ser usados com discrição.

VI. Compreendendo Livros e Autores

Os livros da Bíblia escritos pelos seus diversos autores formam os


todos maiores seguintes da Escritura e se compõem duma série de
unidades. A compreensão de cada livro depende da compreensão destas
unidades, as quais, por sua vez, são melhor compreendidas se houver
uma compreensão geral do significado do livro todo e do seu autor.
Repetindo novamente em termos de círculo hermenêutico, toda a
palavra, frase, sentença e unidade, contribui para a compreensão de todo
o produto final que é o livro ao qual pertencem. Contudo, o produto final
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 44
contribui, ao mesmo tempo, para a compreensão de cada uma das suas
partes. A compreensão de cada uma destas partes é uma espiral que sobe
constantemente para níveis mais altos, rumo a completa compreensão do
livro todo, e vice-versa.
Podemos compreender os escritores dos livros bíblicos, baseando-
nos na obra ou obras que deixaram na Escritura. Se procurarmos
compreender a mensagem total ou teologia de Isaías, é preciso que
façamos o estudo do seu livro. No caso de Jeremias, devemos estudar
não só o seu livro, aquele que leva o seu nome, procurando descobrir sua
mensagem e teologia, mas também, da mesma maneira, o de
Lamentações, porque só quando os considerarmos em conjunto é que
podemos ter um conhecimento da totalidade da teologia deste profeta. O
mesmo se pode dizer a respeito dos escritos de João e de Paulo no NT.
É perfeitamente correto respeitar os diversos aspectos e ênfases
apresentados pelos tópicos, temas, conceitos e motivos da mensagem e
teologia de cada um dos livros e escritores bíblicos porque, em diversas
ocasiões, Deus revelou a estes homens inspirados verdades e aspectos de
verdades, tal como achou por bem fazer na Sua providencia (Heb. 1:1-3).
Os quatro evangelhos, embora se preocupem todos com a vida e missão
de Jesus, têm ênfases variadas e apresentam pontos de vista teológicos
que se complementam. Não é possível negligenciar qualquer deles sem
que isto represente uma grande perda para a perspectiva total do que está
registrado. Cada evangelho faz a sua própria e, muitas vezes, exclusiva
contribuição, devendo, por isto, ser carinhosamente estudado. Cada um
deles apresenta ênfases e nuances que não são necessariamente as
mesmas dos demais. O mesmo se aplica com igual força a todos os livros
da Bíblia. Cada escritor contribui com sua forma exclusiva e completa,
tal como Deus o desejou,125 para que Sua verdade total fosse revelada na
Escritura.
Em seus esforços para compreender a mensagem total dum livro, o
intérprete precisa familiarizar-se com as circunstâncias históricas em que
viveu o escritor. As situações políticas, sociais e religiosas, tais como
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 45
podemos conhecer através da Escritura e de outras fontes, fornecem uma
estimativa que e essencial para o conhecimento do ambiente cultural da
época, sem o que dificilmente se poderia conseguir uma interpretação
total com o sucesso desejável.
O aspecto da identidade daqueles para os quais a mensagem foi
dirigida não é de pouca importância para a interpretação dos respectivos
livros bíblicos. Isto significa que há uma diferença no caso do livro ser
escrito para Israel, Judá, judeus ou gentios cristãos, etc., porque a
mensagem é própria e, ao mesmo tempo, de importância permanente. É
importante também saber o motivo que provocou a redação dum
determinado documento bíblico. Por que foi ele escrito e quais foram os
propósitos que lhe deram origem? Levantando estas perguntas, o
intérprete alerta-se a si mesmo, podendo, então, estudar o texto com mais
inteligência.
A natureza da mensagem dum documento bíblico e a variedade de
aspectos, temas, motivos e conceitos que completam sua teologia,
precisam, ambas, ser vistas em suas partes e no relacionamento mutuo
que possuem. Cada um dos escritores bíblicos da ênfase a determinados
temas, conceitos, motivos e aspectos ou facetas de pensamentos maiores,
contribuindo, todos, para a soma total da verdade revelada pela Bíblia.
Por exemplo, parece que não há dois escritores da Bíblia que falem a
respeito de Deus da mesma maneira. Cada um deles surge, fazendo sua
própria contribuição para a compreensão bíblica total de Deus. No
processo da interpretação, o exegeta deve procurar ser tão sensível
quanto puder a todos estes detalhes, para que possa perceber
corretamente a contribuição individual de cada um dos escritores
inspirados. Cada um destes aspectos contribui para a verdade total
revelada no Livro através do qual se compreende a mensagem e a
teologia do documento bíblico. É, portanto, perfeitamente correto falar
duma teologia de Paulo, de João, de Isaías, etc., sem pôr em perigo a
unidade subjacente que liga o VT com o NT.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 46
É fora de dúvida que todo o intérprete começa seu trabalho com os
pontos de vista, interesses e preocupações que tinha antes de iniciar o
estudo dum determinado texto ou livro. É preciso dar ênfase ao fato de
que estudar um texto da Escritura é um processo de aprendizagem,
durante o qual se descobre, cada vez mais, os assuntos que preocupavam
o autor do livro em questão, os problemas que enfrentava e que
procurava resolver, bem como o material e os recursos de que dispunha
para resolve-los. Isto significa que, idealmente, o intérprete deve chegar
ao ponto de marginalizar seus próprios interesses, preocupações e pontos
de vista iniciais, e participar dos que são do autor, passando a
reconhecer, cada vez mais claramente, qual é o pensamento dele e dos
discursos que fez sob a inspiração divina.
Na interpretação é de todo vantajoso lembrar que o contexto da
palavra é a sentença, a unidade e o livro ou livros do mesmo autor. Além
disto, devemos lembrar também que o contexto de cada um dos livros do
NT é o cânon do NT e que o cânon do VT é o contexto de cada um dos
livros do VT. Em suma, toda a Escritura é o contexto de cada palavra,
sentença, unidade, ou qualquer outra divisão.
Ao falar do contexto de toda a Escritura inspirada, não queremos
dizer que isto implique no fato de que os escritores humanos dos livros
escriturísticos não tenham, individualmente, suas próprias nuances e
ênfases, e não contribuam diversamente para a revelação total, assim
como ê apresentada na Bíblia, Na verdade, é tão imperativo respeitar a
mensagem e teologia de Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel sem
confundi-las com as de outros, como é imperativo respeitar a mensagem
e teologia de Paulo sem confundi-las com a de João, Lucas ou qualquer
outro escritor do NT. Cada escritor da Bíblia precisa ser estudado nele
mesmo e com vistas também a ele. Contudo, esta ênfase não significa
que não exista uma unidade na mensagem bíblica, que seja impossível
haver uma teologia do NT, e que se deva esperar contradições entre os
escritores do NT e do VT. A Bíblia dá testemunho duma fé num Deus,
num Senhor e num batismo (ver Ef. 4:5, 6), e duma apresentação que
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 47
explica não ser impossível a existência de uma fé apenas. Mas estas
apresentações serão tanto mais ricas se forem respeitadas as nuances,
ênfases e contribuições especiais dos escritores bíblicos individualmente,
e se lhes permitirmos que apresentem sua unidade dentro de tanta
diversidade. Para que se possa ver melhor a relação que existe entre suas
partes, a Bíblia precisa ser vista como um todo.
O desenvolvimento duma compreensão adequada do pensamento
dos escritores bíblicos ê possível apenas na base duma metodologia
intrínseca da interpretação bíblica, tal como foi delineada até aqui.
Portanto, o princípio orientador não deve ser, nunca, extrínseco ou
externo, seja tradição, filosofia ou qualquer outra coisa. O uso de
qualquer princípio externo ou extrínseco de interpretação resultará numa
distorção da mensagem bíblica.
Embora, nas suas tentativas de descobrir o que desejavam dizer os
escritores bíblicos, o intérprete empregue regras de interpretação cui-
dadosamente desenvolvidas, difere ele muito do historiador de religião
(seja este agnóstico ou crente), porque está convencido de que, através
dos escritores bíblicos, o homem moderno está recebendo uma
mensagem inspirada. A pressuposição fundamental é o caráter inspirado
do cânon da Escritura e do qual ela testifica. É importante dar ênfase ao
fato de que o significado duma mensagem para a fé do homem de hoje
não pode ser algo completamente diverso do significado que os
escritores bíblicos queriam dar para seus contemporâneos. Qualquer
esforço feito para compreender os escritores bíblicos, deixando de
reconhecer a homogeneidade básica que existe entre o significado do
interprete de "agora" e o significado da mensagem de "então", falha no
seu propósito de dar uma mensagem inspirada para os homens de hoje.
Uma interpretação válida e normativa da mensagem dos escritores
bíblicos precisa, portanto, averiguar primeiro o que quer ela dizer e, por
isto, deve ser uma apresentação descritiva. Os recursos para chegar a isto
não devem ser a lógica ou metafísica dum sistema filosófico ou
científico estranho aos escritores bíblicos, pouco importando quão
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 48
interessantes sejam estes modos de interpretação para outros propósitos.
A metodologia é, antes, a da auto-interpretação da Escritura, com sua
ênfase sobre o significado literal do texto (a menos que nele apareça uma
figura, um símbolo, etc.) e na ênfase devida à pesquisa filológica,
histórica e teológica unida a uma empatia pela fé crista.
De acordo com tudo o que dissemos até aqui, está claro que uma
hermenêutica adequada para o testemunho escriturístico tem de ter o seu
ponto de partida no princípio de auto-interpretação da Escritura,
fundamentado no ensino bíblico da sua inspiração e no reconhecimento
de todo o seu cânon como contexto valido para sua interpretação. Tudo
isto tem sua base no reconhecimento de que Deus é o Autor de toda a
Escritura e que Ele escolheu os instrumentos humanos que deveriam
comunicar Suas verdades em linguagem humana.

VII. Compreendendo a Escritura como um Todo

O grande alvo de toda a interpretação bíblica é não somente


compreender as partes da Escritura, sejam palavras, frases, períodos,
sentenças, unidades, livros ou conjuntos de escritos com seus
relacionamentos mútuos, mas também compreender a vontade e o
propósito de Deus na Bíblia como um todo. Somos aconselhados por E.
G. White a "ver a Palavra como um todo, e bem assim a relação de suas
partes".126
Toda a ênfase que se deu ao assunto não foi apenas para
compreender o que os escritores inspirados pretenderam dizer, mas
também para entender precisamente o que Deus pretendeu dizer através
das palavras dos profetas inspirados.127 Pedro escreveu: "Esta salvação
tem sido o objeto das investigações e das meditações dos profetas que
proferiram oráculos sobre a graça que vos era destinada. Eles
investigaram a época e as circunstâncias indicadas pelo Espírito de
Cristo, que neles estava e que profetizava os sofrimentos do mesmo
Cristo e as glórias que os deviam seguir. Foi-lhes revelado que
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 49
propunham não para si mesmos, senão para vós, estas revelações que
agora vos têm sido anunciadas por aqueles que vos pregaram o
Evangelho da parte do Espírito Santo enviado do céu. Revelações estas,
que os próprios anjos desejam contemplar" (1 Pe. 1:10-12, CBC). Pedro
indica que os profetas do passado para quem foram reveladas todas estas
grandes cenas "ansiaram por compreender-lhe o pleno significado".128
Isto mostra que os escritores inspirados reconheceram, eles mesmos, que
suas palavras tinham um sentido mais profundo e um pleno significado
que sentiam, mas não podiam compreender inteiramente. "Mesmo os
profetas que eram favorecidos com iluminação especial do Espírito, não
compreendiam plenamente a significação das revelações a eles
confiadas" (GC, 343).
O pleno significado e o sentido mais profundo da Escritura é o
significado ou sentido tencionado ou implícito nas palavras da Bíblia,
estivesse ou não o autor inspirado consciente dele. O pleno significado e
o sentido mais profundo não é a atribuição de algum sentido literal ou de
idéias significantes alheias ou estranhas à Escritura. O pleno significado
e o sentido mais profundo da Escritura não é algo ao intento das palavras
bíblicas. Ao contrário, é característica do pleno significado e do sentido
mais profundo serem homogêneos com o significado e sentido literais.
Em outras palavras, é o desenvolvimento e crescimento daquilo que o
escritor inspirado original pôs em palavras. É um fato bastante claro, fora
de qualquer dúvida, que o pleno significado e o sentido mais profundo da
Escritura nada tem a ver com o sentido triplo ou quádruplo atribuído à
Bíblia nos tempos medievais, nem com o método alegórico de exegese.
Um princípio básico de interpretação aplicável na busca do pleno
significado e do sentido mais profundo da Escritura é permitir que o
escritor inspirado funcione na recuperação do significado completo das
palavras da Inspiração.
Falando sobre o tema do pleno significado e do sentido mais
profundo da Escritura, e preciso caracterizar a disputa a respeito do
interprete poder ou não compreender mais completa e mais
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 50
acuradamente o texto do que o próprio autor. O intérprete pode chegar a
uma compreensão mais ampla do que o autor possuía, baseando-se no
contexto de toda a revelação inspirada e permitindo que todas as
Escrituras inspiradas esclareçam o significado dum determinado texto.
"Pode-se esperar que o cânon da Escritura complete sua tarefa
hermenêutica apenas quando se lhe permitir que seja ativo em sua
totalidade no que diz respeito â interpretação do livro em si e do seu
autor."130 Esta função hermenêutica do cânon como um todo também
previne o tratamento seletivo da Escritura conhecido como "cânon no
cânon".
Do outro lado, a compreensão do texto pelo seu autor original é, de
certo modo, mais completa porque sua palavra foi dirigida para uma
situação histórica concreta do povo, no tempo em que ele a escreveu.
Este aspecto do texto intérprete algum pode compreender melhor do que
o próprio autor inspirado, porque o intérprete presumivelmente não pode
ter uma compreensão melhor de todos os detalhes e circunstancias que
eram conhecidos pelo próprio escritor inspirado.
O próprio Cristo mostrou qual era o pleno significado e o sentido
mais profundo duma parte da Escritura quando conversou com os
discípulos no caminho de Emaús, tal como foi registrado por Lucas: "E,
começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes o
que dEle se achava dito em todas as Escrituras" (S. Luc. 24:27, CBC).
Os pensamentos divinos que foram comunicados aos profetas pela
inspiração estavam contidos nas palavras humanas cujos pleno
significado e sentido mais profundo os próprios escritores inspirados
ansiavam, eles mesmos, conhecer. Foi através de revelações inspiradas
posteriores que Deus revelou o pleno significado e o sentido mais
profundo das palavras mais antigas da Escritura.
Falando de revelações posteriores, não se deve concluir disto que o
Espírito Santo tenha cessado de fazer esclarecimentos depois de se
encerrar o cânon bíblico. O VT fala de profetas mencionados ou não por
nome que receberam revelações visando aconselhar e instruir, admoestar
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 51
e animar homens e povos em assuntos nada relacionados com a doação
da Escritura inspirada. Inúmeras vezes falaram os profetas do VT e do
NT, sem que suas palavras tenham sido registradas, nem incorporadas ao
cânon da Escritura. Da mesma maneira, quando se encerrou o cânon
bíblico, o Espírito Santo não cessou Sua obra de esclarecimento, de
compreensão e de abertura da mente dos pesquisadores sinceros da
verdade no que tange aos temas profundos da Palavra inspirada de Deus.
Quando Jesus deu a promessa do Consolador, disse: "Quando, porem,
Ele vier, o Espírito da verdade, guiar-vos-á por toda a verdade ... e
anunciar-vos~a as coisas vindouras" (S. João 16:13, PIB). Daí se pode
concluir que o Espírito Santo continuara Seu trabalho ate o fim do
tempo.
Paulo orou da seguinte maneira pelos cristãos de Éfeso: "Rogo ao
Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos de um espírito de
sabedoria que vos revele o conhecimento dEle; que ilumine os olhos
do vosso coração, para que compreendais a que esperança fostes
chamados, quão rica e gloriosa ê a herança que Ele reserva aos santos"
(Ef. 1:17-18, CBC, grifo nosso). Paulo expressa nestas palavras sua
crença de que Deus dará orientação à comunidade de crentes para que
compreenda a revelação, tomando providências para que as coisas mais
profundas da Escritura sejam entendidas. Deus faz isto por meio do
Espírito Santo, em nível pessoal, que nos da os esclarecimentos
necessários. A pessoa esclarecida pelo Espírito Santo se liga sempre às
revelações posteriores quanto ao sentido mais profundo da Escritura tal
como esta contido em todos os escritos inspirados.
O pleno significado e o sentido mais profundo da Escritura tem sua
origem em Deus. As palavras da Escritura contêm pensamentos divinos e
é natural que a compreensão destes pensamentos divinos, que traz
consigo o pleno significado e o sentido mais profundo, possa ser
convenientemente adquirida através de revelações posteriores. O
orientador mais seguro para nos levar à compreensão correta do pleno
significado e do sentido mais profundo da Escritura é um escritor
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 52
inspirado. Este critério ou princípio é uma salvaguarda contra qualquer
subjetividade da parte do interprete da Escritura.
Entre os exemplos bíblicos que ilustram o pleno significado e o
sentido mais profundo da Escritura esta a tipologia. Na tipologia bíblica,
o sentido típico de palavras, descrições, acontecimentos, ações,
instituições e pessoas fica bem evidente através de antítipos posteriores.
As sim, o tipo permanece incompleto até que o antítipo traga consigo o
pleno significado e o sentido mais profundo do tipo. Deus, como Autor
da Escritura, colocou no tipo a prefiguração daquilo que mais tarde seria
identificado como o antítipo. Isaías fala da volta escatológica às
condições paradisíacas (11:6-8: 65:17-25). A congregação no deserto
era, para Oséias, um tipo da restauração de Israel (2:14s.) O tempo
modelar do reinado davídico é um tipo, para Amós, da futura unidade
(9:11ss.).
Existe uma forte relação tipológica entre o VT e o NT. Moisés é um
tipo de Jesus, o Redentor (Atos 7:21-40). A história de Israel no Êxodo é
um tipo da igreja (1 Cor. 10:1-13). O incidente de Jonas no ventre do
peixe é um tipo da morte de Cristo e da Sua ressurreição (S. Mat. 12:40).
Existem ainda muitos outros tipos que ligam o VT ao NT.
Tal como acontece com a tipologia, o exemplo das promessas e
predições e dos seus cumprimentos é uma categoria de pensamentos
bíblicos que contêm muitos elementos dum pleno significado e dum
sentido mais profundo (1 Pe. 1:10-12). Com base na segurança de que a
Palavra do Senhor não é "coisa vã" (Deut. 32:47), existe uma
correspondência dominante entre as palavras promissivas e preditivas do
Senhor faladas através dos Seus servos, os profetas, e o cumprimento
delas nos acontecimentos históricos do VT e do NT. O Evangelho de S.
Mateus afirma que o nascimento virginal de Cristo se deu "para que se
cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: "Eis
que a virgem conceberá e dará à luz um Filho, e Ele será chamado pelo
nome de Emanuel" (l:22s.) A palavra hebraica usada em Is. 7:14 é
c
almāh que significa "uma jovem em idade de casamento", termo que
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 53
implica em virgindade. Os tradutores da Septuaginta escolheram o
vocábulo grego parthenos, "virgem", que não é uma tradução incorreta
do hebraico, mas que captou uma das várias conotações semânticas
possíveis da palavra. Ademais, Mateus citou a Septuaginta, a Bíblia que
era aceita nos seus dias. De acordo com toda esta linha de conexões,
podemos concluir que Deus incluiu na profecia de Isaías uma referência
ao nascimento virginal de Cristo, independentemente do profeta estar ou
não consciente disto ao fazer a profecia. Existe uma homogeneidade
básica entre Is. 7:14 e S. Mat. 1:22s., indicando que Mateus nem leu um
significado novo na predição de Isaias e nem aplicou mal este
significado. Sob a inspiração foi ele orientado para desdobrar o pleno
significado e o sentido mais profundo da profecia original. A inspiração
é um orientador seguro para se chegar ao pleno significado e ao sentido
mais profundo de qualquer parte da Escritura.
O pleno significado e o sentido mais profundo duma passagem da
Escritura segue geralmente o característico da homogeneidade. O
escritor de Hebreus cita a frase, "Tu és Meu Filho, Eu hoje Te gerei"
(Heb. 1:5). Embora estas palavras de Sal. 2:7 tivessem sido usadas nas
cerimônias de entronização dos reis de Judá da dinastia davídica (cf. 2
Sam. 7:14), elas se referem especialmente ao Rei ideal futuro que pode
ser visto mais claramente quando nos baseamos nos escritos da Carta aos
Hebreus. O pleno significado messiânico e o sentido mais profundo desta
passagem foram desvendados por revelações inspiradas posteriores.
Novamente temos aqui uma homogeneidade entre as palavras do
salmista e o seu cumprimento em Jesus Cristo. Embora não tenha
havido, nunca, um tempo em que o Pai não pudesse dizer para Jesus, "Tu
és Meu Filho", veio o dia, isto é, o "hoje" de Sal. 2:7 quando, pela
ressurreição na humanidade glorificada, Jesus Cristo foi gerado para um
status que nunca tivera antes (Atos 13:33; Rom. 8:29). Poderíamos
multiplicar os exemplos que ilustram este princípio de interpretação,
mas, para o propósito desta discussão, ficou bem claro que o pleno
significado e o sentido mais profundo da Bíblia não se constitui num
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 54
segundo sentido diferente das intenções da Escritura ou que as
contradiga. O sentido literal da Bíblia com seu pleno significado e
sentido mais profundo participa duma homogeneidade e duma
congruência básica e que é una.
É preciso dar ênfase ao fato de que ninguém deve presumir que
todo o texto em si possui um pleno significado e um sentido mais
profundo. O plano significado e o sentido mais profundo genuínos e
normativos daquilo que Deus pretendia transmitir através de um escritor
inspirado é desvendado com mais exatidão por outro escritor inspirado.
Isto significa que não há lugar para qualquer interpretação subjetiva ou
particular da Bíblia, porque este princípio assegura a auto-interpretação
da Escritura, tal como estivemos enfatizando ate agora.

VIII. Relações Entre os Testamentos

Uma compreensão adequada da Escritura como um todo, tal como


estivemos estudando na secção anterior, envolve uma compreensão
correta das relações que existem entre os dois Testamentos, e este fato
tem sido tema de contínuas discussões durante os muitos séculos do
cristianismo. Com o propósito de compreender a complexidade das
opiniões passadas e presentes sobre o assunto, procuraremos esboçar,
primeiro, as opiniões dos maiores vultos que deram pouca ênfase ao VT,
e superenfatizaram o NT e, depois, as dos que pouco enfatizaram o NT e
superenfatizaram o VT. Ver-se-á claramente que estas posições
resultaram em restrições significativas na apreciação tanto da Escritura
como uma entidade canônica completa, como da função interpretativa
dela. Depois de expor estas opiniões, apresentaremos a posição daqueles
que defendem o relacionamento recíproco que existe entre os
Testamentos e que reconhecem sua unidade básica sem negar sua
diversidade.

1. Sub-ênfase no VT e Alegação de Sua Inferioridade


Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 55

Sempre houve cristãos que olharam para o VT através duma


perspectiva cristã, ficando impressionados com as diferenças que
aparecem. Existem, realmente, diferenças justificáveis. Os cristãos não
fazem mais sacrifícios como outrora, nem possuem mais um ritual de
cultos como era praticado nos tempos do VT. Os cristãos não pertencem
a uma nação teocrática literal, enquanto que os escolhidos, no VT,
pertenciam à nação de Israel. Baseando-se nestas e outras razões, houve
sempre, através dos séculos, homens que chegaram à conclusão de que o
VT não apresenta interesse nem significado algum para o crente cristão.
Alguns chegaram até a concluir que o VT não possui lugar de direito na
Bíblia do cristão. Outros, não querendo ir tão longe e, talvez,
encontrando algum valor no VT, colocaram-no num nível inferior de
importância, relativamente ao NT, e passaram a olhá-lo como uma
Escritura de segunda classe, inferior ao NT.
A primeira heresia que surgiu no cristianismo, no segundo século,
teve que ver com a tentativa de eliminar o VT. Marcião, sob o impacto
do Gnosticismo,131 separou completamente os dois Testamentos. Para
ele, o Deus do VT era um outro Ser, inferior, o Demiurgo-Criador, o
Deus vingativo da lei, totalmente oposto ao Deus grandioso revelado
pelos Evangelhos. Portanto, o VT nada tinha a ver com o Deus dos
cristãos, ou com Cristo. Ele negou completamente que as profecias
messiânicas do VT se referissem a Jesus Cristo, fosse em que sentido
fosse. Segundo Marcião, o VT não tinha parte alguma na revelação
cristã, e não havia lugar para ele no cristianismo.
O marcionismo foi rejeitado decididamente por ser heresia e foi
excluído da grande caudal do cristianismo que se comprometeu a
reconhecer o VT como parte do seu cânon escriturístico.
Nos tempos modernos, a abordagem marcionista das relações que
existem entre os dois Testamentos e sua unidade, foi feita por homens
como A. von Harnack, cuja frase muito citada é digna de repetição
porque resume seu grande tema: "Pôr de lado o Velho Testamento no
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 56
segundo século foi um erro que a Igreja justificadamente rejeitou; retê-lo
no século dezesseis foi o fato que a Reforma não teve capacidade de
evitar; mas ainda conservá-lo depois do século dezenove como um
documento canônico dentro do protestantismo é resultado duma paralisia
religiosa e eclesiástica. "132
Outros homens que refletem a corrente marcionista são Friedrich
Delitzsch133 e Emmanuel Hirsch.134 o último vê uma "tensão
antitética"135 entre a religião do VT e o cristianismo, com ênfase
completa sobre a descontinuidade radical que existe entre os dois
Testamentos. Para os cristãos, o VT foi substituído pelo NT.
Já se disse que a posição negativa de R. Bultmann com respeito ao
VT e também devida à corrente marcionista.136 É verdade que, no
pensamento de Bultmann, o VT não foi excluído da Bíblia, mas ficou
reduzido a um documento de utilidade subsidiaria que não precisa ser
proclamado na igreja. Não é isto, porventura, pelo menos uma forma
modificada de marcionismo?
Para Bultmann a história do VT e uma história de fracassos, é um
"malogro [Scheitern] da história que apenas através dos seus fracassos se
transformou numa espécie de promessa".137 A aplicação da antítese
luterana Lei/Evangelho feita por Bultmannl138 levou à conclusão de que
existe uma descontinuidade quase total entre os dois Testamentos.
"Assim, o Velho Testamento é a pressuposição do Novo"139 e "não tem
relevância teológica alguma".140
A abordagem de Bultmann indubitavelmente coloca o VT em
posição de inferioridade. Onde a antítese Lei/Evangelho igualar
virtualmente o VT com a "lei"; onde a descontinuidade entre os
Testamentos receber uma ênfase que leve à exclusão virtual da
continuidade; onde se conceder ao VT uma função exclusivamente
pedagógica que prepara o homem para ouvir o Evangelho do NT, ali
existe o problema do VT ficar reduzido a uma posição de importância
secundária. W. Pannenberg observa corretamente que a razão de
Bultmann não encontrar continuidade entre os Testamentos "está
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 57
certamente ligada ao fato dele não começar com as promessas e suas
estruturas que, para Israel, eram o fundamento da história, ... promessas
que permanecem firmes, especialmente na mudança."141
A ênfase que Bultmann deu à uma descontinuidade entre o VT e o
NT não o levou a dispensar completamente o VT. Embora exista algo de
verdade na afirmação de que o VT tem uma função pedagógica, sua
ênfase na diferença radical que existe entre a revelação do VT e a do NT,
conduz a um reducionismo perigoso que relega o VT para uma posição
auxiliar e inferior no cânon. Embora o VT não seja excluído da Bíblia,
sua eficiência passa a ser limitada. Fica ele privado da mesma posição
canônica que tem o NT e passa a ser um documento de utilidade apenas
subsidiaria, inferior ao NT, sem qualquer necessidade de ser proclamado
na igreja.
F. Baumgärtel participa da ênfase que Bultmann dá para a
existência duma descontinuidade entre os Testamentos e para a
separação entre o VT e o NT.142 Recusa-se ele a separar o VT do NT por
ser aquele "menos autoritativo",143 mas insiste no fato de que ele, o VT,
não é realmente essencial para nossa fé. Embora Baumgärtel participe da
ênfase geral na descontinuidade, ele não vê o relacionamento entre
ambos os Testamentos como sendo de completa descontinuidade. Ele vê,
passando por todo o VT, o tema duma "promessa básica"
[Grundverheissung]144 que se resume na frase eterna, "Eu sou o Senhor
vosso Deus".
Contudo, há perigos nesta abordagem de Baumgärtel.
Repetidamente dá ele ênfase a diferença que existe entre os Testamentos.
Na sua opinião, o VT contem o "testemunho duma religião fora do
Evangelho".145 Ele mantêm a idéia de que, "visto historicamente, ele [o
VT] tem outro lugar que não o da religião cristã",146 porque o VT "é o
testemunho duma religião não cristã".147 Baumgärtel sustenta também
que a historicidade de Jesus Cristo não está fundamentada em profecias
messiânicas que, pensa ele, devem ser completamente abandonadas,
ficando somente com a Encarnação.148 Estas são sérias limitações que se
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 58
chocam com o VT. O lugar do VT na Escritura passa a ser de
inferioridade. Já se chamou a atenção para o fato de que Baumgärtel
ultimamente chegou a admitir "que a igreja poderia também viver sem o
Velho Testamento".149 Seu conceito de "promessa básica" não é histórico
e é uma "intromissão presunçosa"150 que separa uma promessa em si de
outras promessas e profecias que se cumpriram na história. Parece que,
na opinião de Baumgärtel, a posição de inferioridade do VT torna
virtualmente desnecessária esta parte do cânon.
Poderíamos mencionar vários outros nomes que desposam idéias
semelhantes, mas citaremos apenas os de J. A. T. Robinson e Paul van
Guren.151 F. Hesse elaborou o conceito de que as promessas e profecias
do VT perderam-se por causa da mão castigadora de Deus que levou
Israel a endurecer seus corações (Is. 6; 2 Cor. 3:14; Rom. 9:11).152
Transformando a palavra de Deus no seu oposto, o cristão deveria ler o
VT como uma advertência contra ele mesmo. Desta maneira, o VT pode
ser uma testemunha dialética da atividade de Deus em Israel que culmina
na cruz de Cristo.
Existem alguns aspectos nas afirmações acima de desunião,
descontinuidade e antítese que despertam interesse, tais como a idéia de
que o VT não pode funcionar teologicamente na igreja sem o NT. Há,
porém, objeções muito sérias que precisam ser consideradas. A principal
delas é que a brecha nas revelações entre os dois Testamentos se alargou
tanto que se pode descrever o VT como sendo o registro duma religião
não cristã, fato que torna necessário ou descartá-lo completamente do
cristianismo, ou tomar a "promessa básica" como a única linha que liga
os dois Testamentos, passando-se a considerá-los como tão amplamente
diversos que quase não é possível mais falar duma unidade da fé.
O VT tem autoridade porque participa da verdade revelada em
Jesus Cristo, i.e., porque existe uma relação essencial entre a mensagem
do VT e a do NT. Para a teologia cristã, a pergunta é: Tem a revelação
do VT algo que ver, real, histórica e espiritualmente falando, com o
evangelho do NT de Jesus Cristo e, assim sendo, até que ponto? De um
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 59
lado, precisamos admitir uma unidade orgânica e espiritual entre o VT e
o NT porque a vida de Jesus Cristo se apóia em fundamentos do VT. O
VT era a Bíblia de Jesus Cristo e dos primeiros cristãos.153 Existe uma
linha que, do VT, conduz até Jesus Cristo, tal como Ele mesmo explicou
para os discípulos de Emaús: "E, começando por Moisés, e por todos os
profetas, explicava-lhes o que dEle se achava em todas as Escrituras" (S.
Luc. 24:27, AA) .
Já mencionamos o fato de que o VT era a Escritura que o próprio
Jesus tinha como autoridade. Jesus não conhecia outra Escritura que não
a do VT e nem outro Deus que não o Deus dela a Quem se dirigia como
"Pai". Nem uma vez, sequer, sugeriu Ele que, em virtude da Sua obra, o
VT devesse ser descartado ou posto num nível de importância inferior.
Ao contrário, considerava a Escritura como a chave para compreender
Sua pessoa, dando contínua ênfase para o fato de que Ele estava
representado nas Escrituras e que elas dEle testemunhavam e nEle se
cumpriam. O próprio fato de Jesus considerar a Escritura como sendo
normativa para Ele e nEle se cumprir, indica que ela deve ser normativa
também para nós — a menos que queiramos compreender Jesus de
maneira diferente daquela que Ele mesmo e os demais escritores do NT
O compreenderam.

2. Sub-ênfase do Novo Testamento e a Alegação de Sua Inferioridade

Em direto contraste com o que acabamos de descrever esta o


esforço do dogmatista holandês, A. A. van Ruler.154 Ele pertence ao
grupo de eruditos que se esforçou para evitar o perigo de negligenciar e
aviltar o VT, tornando-o todo importante teológica e historicamente. A
opinião fundamental de Ruler é que o VT foi a Bíblia da Igreja cristã
primitiva. Procurou ele dar um novo apoio à prioridade do VT,
demonstrando pelo seu conteúdo, a sua indispensabilidade e a sua
superioridade para o pensamento cristão e para os ensinos da Igreja. Van
Ruler explica que "o Velho Testamento é e continua sendo a Bíblia
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 60
155
verdadeira". isto significa que o VT tem uma teologia mais ampla e
mais bem elaborada que o NT. Em outras palavras, o NT é, de fato,
muito mais limitado na sua esfera de ação. Ele desenvolve apenas um
aspecto da teologia do VT, isto é, a soteriologia. De acordo com van
Ruler, o NT é apenas "seu [do VT] glossário explicativo
[Wörterverzeichnis]",156 e isto não é base suficiente, ainda segundo van
Ruler, para nela se construir a teologia cristã. Se a teologia cristã deve
ser a orientadora espiritual do mundo moderno, tanto a teologia
teocrática como a da Criação, do VT, são indispensáveis.
Van Ruler reduz a relação que existe entre o VT e o NT ao
denominador espiritual comum do reino de Deus,157 lendo o NT muito
unilateralmente, sem reconhecer a distinção que existe entre teocracia e
escatologia.158
Considerando a grande ênfase que van Ruler colocou sobre o VT,
devemos também mencionar o que pode ser considerado como sendo o
miolo do seu argumento. Ele se dirige a seguinte pergunta: O Velho
Testamento já via, ele mesmo, Cristo? Tratando de responder esta sua
pergunta, van Ruler é essencialmente crítico por natureza. Dá muita
proeminência ao que aparentemente separa ou divide os Testamentos.
Um dos principais pontos é que no VT o Messias é um homem e no
Novo, o próprio Deus; por isso, a divindade de Cristo no NT não pode
derivar da outra.159 Uma das suas noções chaves pode ser resumida na
seguinte afirmação: "Se tenho de dizer isto de maneira rápida e clara,
Jesus Cristo é uma medida de emergência que Deus protelou quanto
pode (cf. S. Mat. 21:33-46). Daí resulta que não devemos querer
encontrá-lo completamente no Velho Testamento, embora como
teólogos cristãos, investiguemos o Velho Testamento, orientando-nos
para Deus."160 J. J.Stamm observou que van Ruler, por causa dos
contrastes, relaciona os fatos do VT incorreta e impropriamente.161 É
certo que van Ruler considera apenas a natureza do rei israelita e não, ao
mesmo tempo, a função da autoridade que se relaciona com este cargo.
Tomando também em consideração a natureza da autoridade deste cargo,
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 61
"se pode apenas dizer com certeza que, tanto no VT como no NT, o
Messias é divino, naquele, per adoptionem e neste, ex origene".162
Precisamos repudiar a ênfase negativa que van Ruler dá ao NT, a ponto
de considerar Jesus apenas como "uma medida de emergência de Deus".
Tal posição negativa não encontra apoio em qualquer dos Testamentos.
Outro teólogo sistemático que teve a tendência de criar um VT todo
importante, é K. H. Miskotte.163 Ele contrasta o VT com o NT através de
esquemas como Lei/Evangelho, sombra/realidade e
promessa/cumprimento, e sustenta que o VT contêm um "superávit"
sobre o NT. Este "superávit" do VT toma expressão em quatro pontos a
respeito dos quais o NT praticamente silencia: ceticismo, revolta,
erotismo e política. Embora a piedade e a ética do VT contenham
elementos de alegria no viver, de apreciação pelos bens terrenos que
parecem atrair mais o homem moderno, a ética cristã, que teria
simplesmente estabelecido os vários aspectos da teocracia ou dos
costumes matrimoniais do VT como padrões pelos quais a igreja e o
mundo modernos se deveriam conformar sem primeiro confrontá-los
com a cruz de Cristo, falharia redondamente com seu dever. Podemos
concordar com a afirmação de Th. C. Vrieze: "A Cruz não é apenas um
elemento da mensagem bíblica, mas uma fonte de luz de cujo centro
brilha a graça sobre todos os demais elementos, ...".164
Atribuir inferioridade ao NT é ato tão perigoso como atribuí-la ao
VT. A canonicidade da Escritura faz da Bíblia toda um só livro. A Igreja
cristã recusou, em geral, seguir o método de dizer que uma parte do
cânon, seja o VT ou o NT, tem valor ou importância maior ou menor que
a outra. Devemos manter esta atitude diante do problema do
relacionamento entre os Testamentos.
O erudito bíblico W. Vischer se distingue entre os teólogos por ter
adotado uma abordagem completamente cristológica do VT.165 Afirma
ele que a Bíblia, inclusive o VT, deve ser interpretada à luz das suas
verdadeiras intenções, do seu verdadeiro tema. Este tema verdadeiro é
Cristo: "A Bíblia é a Santa Escritura apenas enquanto falar de Cristo
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 62
166
Jesus." Cristo é o tema de toda a Bíblia. Vischer lê, portanto, no VT, o
aspecto que testemunha de Cristo. Acha ele que o VT testifica por toda a
parte de Cristo — não no sentido em que Ele é encontrado diretamente
no NT, mas no sentido de que, por toda a parte, o NT aponta para Cristo
e para Sua crucifixão. Explica ele que o VT nos diz o que Cristo é, e o
NT quem Ele é.167 Se não entendermos o que é o Cristo do VT, nunca
reconheceremos nem confessaremos Jesus como o Cristo.168
Baseando-se nestes princípios, Vischer fornece interpretações do
VT que são inteiramente cristológicas. Afirma ele que o VT como um
todo não somente aponta para Cristo e testifica de Cristo, mas o olho do
cristão pode ver em cada pequeno detalhe algo que testemunha dEle.
"Não compreenderemos uma única palavra de toda a Bíblia se nesta
palavra não encontrarmos Jesus Cristo."169 Alguns exemplos podem
ilustrar o que Vischer quer dizer com isto. A ordem, "Haja Luz" (Gên.
1:3) nos fala da "glória de Deus na face de Cristo".170 O sinal de Caim
(Gên. 4:15) aponta para a cruz e foi renovado no sinal da cruz.171 Enoque
é um sinal e uma testemunha da ressurreição.172 A profecia de que Jafé
habitaria "nas tendas de Sem", descreve a Igreja que inclui tanto gentios
como judeus.173 Falando da Presença à meia-noite com quem Jacó lutou
pessoalmente em Jaboque (Gên. 32), Vischer pergunta quem era esta
pessoa e ele mesmo responde que era Jesus.174
Não há dúvida que muitos consideraram estas interpretações
cristológicas do VT como perturbadoras. Vischer, portanto, foi alvo de
muitas críticas, algumas delas até injustas e zombadoras. Sentia ele que
não era suficiente a exegese puramente histórica do VT porque
transformá-lo-ia num documento de religião antiga e de pouca relevância
aparente para o cristão. Deveríamos chamar a atenção para o fato de que
Vischer não desprezava inteiramente os princípios de exegese histórico-
gramatical. Ele é considerado como um erudito extremamente
competente que insiste na abordagem histórica e filológica da Bíblia.175
Há ainda mais um ponto na abordagem de Vischer, que é de grande
valor e que não pode ser posto de lado. Vischer dá a impressão de ter
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 63
passado por cima de algumas limitações vitais da sua abordagem.
Escreveu ele: "As histórias das vidas de todos estes homens [do VT]
fazem parte da história da vida de Jesus. É por isso que foram escritas
com um interesse tão pequeno nos indivíduos. O que se escreveu a
respeito deles, foi realmente escrito como parte da biografia dAquele por
Quem e para Quem todos eles viveram."176 Precisamos perguntar a
Vischer como se sentiria se tivesse de reconstruir uma biografia de Jesus,
usando os recursos do VT! Se esta era a intenção do VT, é difícil
perceber porque falou em primeiro lugar a Abraão, Moisés, etc. Por que
não falou diretamente de Jesus? Por que falaria de Cristo apenas desta
forma tão misteriosa? Vischer não somente lê o VT sob o ângulo total do
cristianismo, mas vai além do que até os próprios escritores inspirados
do VT afirmam. Ademais, existe de fato um fluxo de vida correndo do
VT para o NT e não apenas um correndo do NT para o VT. Contudo,
podemos concordar com João Bright que "Vischer certamente merece os
nossos agradecimentos porque esteve entre os primeiros a nos lembrar
que não nos podemos contentar com uma compreensão puramente
histórica do VT, mas nos devemos esforçar para ver nele um significado
cristão.177 Ao mesmo tempo devemos cuidar de nos mesmos para evitar
que caiamos nas armadilhas da alegoria. O VT é cristológico, mas não
deve ser enchido de alegorias cristológicas.178

3. Reciprocidade dos Testamentos

a. Unidade na Diversidade

O NT reconhece claramente que existe uma unidade na diversidade.


A unidade que liga os dois Testamentos e a diversidade que neles se
encontra, têm, ambas, sua definição bastante clara na abertura da Carta
aos Hebreus: "Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas
maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo
Filho a Quem constituiu herdeiro de todas as coisas, pelo qual também
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 64
fez o universo" (1:1, 2). A unidade e a diversidade se manifestam porque
ambos os Testamentos são obra dum Deus triúno. Antigamente Deus
falava aos "pais" e aos "profetas"; agora, porém, Ele falou através do Seu
Filho, i.e., o mesmo Deus que sempre comunicou Seus pensamentos e
Sua vontade ao homem através de ambos os Testamentos. Neste sentido,
portanto, a revelação do NT é uma continuação, um cumprimento, da
revelação anterior dada no VT.
Todos os estudantes da Bíblia reconhecem que existe na revelação
bíblica uma diversidade entre os dois Testamentos. Nos tempos passados
Deus falou para os indivíduos em épocas diferentes. Os vários escritores
dos livros históricos repassaram muitas vezes a mesma história dum
ponto de vista diferente (1ME, 21s.). Os pensamentos inspirados (1ME,
21) foram dados a mentes que tiveram educação diferente e que viveram
em ambientes diversos, e cada escritor inspirado os expressou em
linguagem humana. "As escrituras foram dadas aos homens, não em uma
cadeia contínua e ininterruptas declarações, mas parte por parte através
de sucessivas gerações, à medida que Deus, em Sua providência, via
apropriada ocasião para impressionar o homem nos vários tempos e
diversos lugares" (1ME, 19s.) e, por isto, é natural que esperemos
aspectos diferentes à medida que a verdade for sendo desdobrada.
Reconhecemos corretamente a individualidade dos vários escritores
inspirados e sua contribuição para a revelação total nos dois
Testamentos, mas, ao mesmo tempo, não é necessário que cerremos
nossos olhos à unidade. Existe unidade na diversidade. E. G. White falou
desta unidade na diversidade e deixou claro que "essa diversidade amplia
e aprofunda o conhecimento que vem satisfazer as necessidades dos
vários espíritos" (1ME, 22). Embora saibamos que existe esta
diversidade na Bíblia, cometeríamos um erro muito grande se
passássemos por alto a sua unidade interna subjacente.
Referindo-se ao NT, F. C. Grant escreveu que, "as afirmações
paulinas sobre a doutrina da unidade na diversidade (1 Cor. 12:4-6)
deveriam ser tidas como lema em todo o nosso estudo do NT"179 e,
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 65
acrescentaríamos nós, no estudo de toda a Bíblia. Outro erudito do NT,
C. H. Dodd, escreveu que, "a unidade do Novo Testamento é original, e
subjaz na diversidade dos escritos individuais".180 O crítico do VT, H.
H. Rowley, dá ênfase, também à unidade na diversidade: "É preciso
reconhecer ampla e claramente a diversidade na Bíblia, embora vejamos
correndo por toda ela uma unidade profundamente significativa."181 A
diversidade não exclui a unidade. A unidade existe na diversidade.
Um bom número de bem conhecidos teólogos levantou a pergunta
se devemos ou não ler unicamente do VT para o NT, ou do NT para o
VT, ou, reciprocamente, do VT e do NT para o NT e o VT. Como
exemplo, citemos H. H. Rowley que nos lembra o seguinte: "O Velho
Testamento olha continuamente para a frente, para algo que está além
dele; o Novo Testamento olha continuamente para trás, para o Velho."182
Dois dos mais famosos teólogos do VT deste século sustentam que
ambos os Testamentos lançam luz um sobre o outro nas suas relações
mútuas. W. Eichrodt declara, "Em acréscimo a este movimento histórico
do Velho Testamento para o Novo, existe um fluxo de vida correndo em
direção contrária, do Novo Testamento para o Velho. Esta relação
reversa elucida também o pleno significado do pensamento que existe no
Velho Testamento.183 De maneira semelhante G. von Rad esclarece que
o maior contexto do VT é o NT e vice-versa,184 e H. W. Wolff sugere
que "o significado total do VT" está "revelado no Novo Testamento".185
Poderíamos multiplicar afirmações do mesmo tipo, mas vamos
apenas mencionar mais uma: "Existe uma unidade fundamental tão forte
que, com toda a sua diversidade, eles [os Testamentos] se pertencem tão
intimamente um ao outro que o Novo Testamento não pode ser
compreendido sem o Velho e nem o Velho Testamento pode ser
completamente compreendido sem o Novo."186 Está claro que estes
teólogos põem suas ênfase nas chaves internas que abrem ambos os
Testamentos. O VT sem o NT dá a aparência de ser apenas o tronco dum
corpo humano, e o NT não tem fundamento algum sem o VT.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 66
Parece que se deve também investigar a posição de E. G. White a
respeito da relação que existe entre os dois Testamentos. Alguns poderão
ficar surpresos ao encontrarem nos escritos dela essencialmente a mesma
idéia dos pensamentos acima citados. A sua opinião é de "serem as
portas do Novo Testamento descerradas com a chave do Velho
Testamento" (Ev, 579) Esta afirmação não deve ter sido feita para
significar que existe movimento só num sentido, do VT para o NT,
porque ela explica claramente qual é a função do NT diante do VT. Diz
ela também que "o Novo Testamento explica o Velho" (AA 381; cf. Ev,
587). Assim, E. G. White pertence ao grupo dos que mantêm a existência
dum relacionamento mútuo entre os Testamentos: "O Velho Testamento
derrama luz sobre o Novo, e o Novo sobre o Velho. ... Tanto o Velho
como o Novo Testamentos apresentam verdades que revelarão
continuamente novas profundezas de sentido" (CP, 417).
Ambos os Testamentos são vistos formando uma unidade
inseparável. "O Velho Testamento e o Novo Testamento são
inseparáveis porque ambos são os ensinos de Cristo" (5BC, 1094). São
um todo inseparável, cada um derramando luz sobre o outro. "Mas o
ministro do Evangelho que seguir os ensinos de Cristo irá conseguir um
conhecimento tão completo do Velho e do Novo Testamentos que
poderá apresentá-los ao povo na sua verdadeira luz, como um todo
inseparável – um dependendo do outro e um iluminando o outro" (2SP,
255). A dependência e iluminação recíprocas tornam possível obter um
conhecimento completo de ambos os Testamentos, porque cada um deles
é o Evangelho. "O Velho Testamento ê verdadeiramente o Evangelho em
tipos e sombras, como o Novo Testamento o é no seu poder
esclarecedor. ... O Velho Testamento não representa uma religião que
deva ser substituída pelo Novo. O Novo Testamento é apenas o
progresso e desdobramento do Velho."187
Apenas quando for reconhecida e mantida esta relação recíproca
entre os Testamentos, quando o VT e o NT forem vistos como "um todo
inseparável", quando o VT não for relegado à posição inferior de um
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 67
antecedente dispensável do NT, quando o último abrir as portas do
primeiro e o primeiro as do último, ambos formando uma unidade
histórica e teológica de igual importância e firmeza, e que poderão ser
compreendidas e apanhadas todas as profundezas de significado contidas
em toda a Bíblia. Com todas as reconhecidas diversidades que existem
dentro dos Testamentos e entre eles, devemos notar também que existe
entre ambos uma grande paridade e igualdade. Cada um é essencial para
a compreensão do outro; ambos proporcionam a totalidade do Evangelho
de toda a Bíblia.

b. Exemplos de Unidade.

(1) Ligações Históricas entre os Testamentos. Em meio aos grandes


esforços feitos para tratar da questão da unidade entre ambos os Testa-
mentos, está a natureza histórica da história essencial da Bíblia. A marca
comum tanto do VT como do NT e a história contínua do povo de Deus.
O VT pode ser encarado como sendo uma preparação histórica do NT. A
História é proeminente na Bíblia. O interesse primordial da Bíblia são os
atos de Deus para redimir Seu povo e as nações. Por isto a unidade que
existe entre o VT e o NT resulta do fato da Bíblia se preocupar
"inteiramente com Deus e Seu trato com a humanidade",188 o mesmo e
único Deus triúno que esteve e estará sempre presente e ativo na história
do Israel antigo, em Jesus Cristo, e na vida e testemunho da Igreja do NT
orientados pelo Espírito Santo.
A história do antigo Israel resume-se no seu encontro com Deus. "A
própria idéia de que a História é um processo que tem começo, meio e
fim, teve sua origem com Israel.189 O processo histórico e unificado pelo
propósito e pela vontade de Deus. A carreira histórica de Israel foi
orientada pela vontade do Deus triúno com o propósito de cumprir Seus
desígnios que foram cada vez mais sendo desvendados durante os
tempos do VT e do NT. O Israel espiritual esta em linha direta de
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 68
continuidade com o Israel literal, sendo ambos ligados por uma
participação nos mesmos ideais e alvos.

(2) Dependência da Escritura. Uma das ligações teológicas que


existem entre o VT e o NT se encontra nas citações e referencias que o
NT faz do VT. Vários teólogos se referem a estas ligações como "Provas
da Escritura".190 Ficou claro, recentemente, que "a idéia de prova e
importante porque as citações aparecem no contexto do argumento e são
mencionadas como fazendo parte da proclamação do Evangelho."191 A
freqüência e o numero destas citações podem ser facilmente verificadas
nas paginas do Nestle-Aland’s Greek NT que assinala 257 passagens
como sendo citações explícitas do VT.192
Do ponto de vista crítico-histórico moderno, algumas destas
citações não estão de acordo com o aparentemente óbvio significado dos
respectivos textos no VT. Tal ocorrência transformou-se numa objeção
muito seria contra a idéia de ver uma linha legítima da conexão entre os
Testamentos e as citações que o NT faz do VT. Não há dúvida que estas
citações devem ser investigadas cuidadosamente. Não podemos
concordar com a idéia de se fazer uma citação arbitrária da Escritura
apenas com o propósito de obter material para ilustrações.193 Podemos
também discordar de Bultmann quando diz que se pode explicar melhor
o uso do VT, encarando-o como uma projeção das convicções dos
escritores do NT.194 Pouco resolve a solução que explica o uso do VT
pelo NT em termos duma acomodação às técnicas e métodos das
exegeses rabínica e contemporânea.195 Este ponto de vista não distingue
o alvo e propósito da exegese rabínica e de Qumran,196 da perspectiva
única que o NT faz do VT. P. A. Verhoef recentemente chamou a
atenção para o fato de que "em oposição aos pontos de vista críticos,
sustentamos que, quando o Novo Testamento cita o Velho, em parte
alguma pressupõe haver uma brecha entre os dois Testamentos."197 Isto
concorda plenamente com o fato da Igreja crista ter aceito o cânon de
ambos os Testamentos. É verdade que as citações do VT feitas pelo NT
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 69
não se conduziram de maneira sistemática, mas isto não diminui o
significado de todo um procedimento de citações e referências outro que
não o das citações diretas.

(3) Temas. É inegável que a estrutura teológica do VT e do NT é


essencialmente a mesma. J. Bright explicou a unidade dos temas
teológicos básicos dos dois Testamentos da seguinte maneira: "Cada um
dos temas maiores do VT tem o seu correspondente no Novo e este, de
alguma maneira qualquer, o resume e responde."198 Em virtude deste
fato, constrói-se entre os Testamentos uma ponte que nos dá acesso cada
um textos do VT e define, para nós, o procedimento que devemos seguir
em nossos esforços para interpretá-los dentro do seu significado cristão.
É um equívoco considerar os temas do NT como se não tivessem
tido origem nem crescimento algum no VT, do qual os próprios
escritores do NT tiraram seus pontos de partida. Quando Jesus falou do
Seu Pai, falava do Deus que todos os judeus conheciam e cujo encontro
com Israel está relatado no VT. Ele lhes pode falar de Deus como
Aquele que Se lhes revelou na sua história. Expôs-lhes a amplitude da
revelação de Deus, sem ser necessário terem de aceitar o Pai de Quem
lhes falava como um Ser que não lhes fosse familiar. Em todas as
proclamações de Jesus era possível reconhecer o caráter de Deus, Seus
atributos, Sua providência e Seu governo na História.
O tema da graça divina percorre toda a Bíblia. Foi um ato da Sua
graça que preservou a família humana por ocasião do dilúvio. Quando
Deus quis preservar uns poucos ao serem destruídas cidades inteiras, o
fez porque é um Deus de graça. Quando Deus tirou Israel do Egito, a
iniciativa foi toda dEle e o poder foi todo dEle também. Quando Deus
enviava Seus profetas para trazer Israel de volta para Ele, era Sua graça
que agia. É uma constante dos ensinos proféticos que era sempre Deus
Quem tomava a iniciativa de enviar profetas para Israel a fim de
despertá-lo para o caminho da sabedoria, e que ela, a iniciativa, ficava
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 70
sempre frustrada até que os homens respondessem livremente com sua
obediência e fé.
O tema da eleição (ou escolha) é tão velho como os patriarcas (Gên.
12:1-3). A iniciativa da escolha estava com Deus. Quando Deus elegeu e
escolheu Israel, nada havia neste povo que justificasse uma tal atitude
(Deut. 7:7s.) O motivo da escolha tinha de ser resolvido não pelo
homem, mas por Deus. Tão fiel como foi Deus em Suas promessas de
escolha no VT (Núm. 23:19), tão fiel foi Ele no NT (2 Tim. 2:13). O NT
apresenta a idéia duma eleição, escolha, das mais variadas maneiras. É
nas cartas de Paulo que encontramos o desenvolvimento teológico
completo da idéia de eleição (Rom. 8:28-11:36; Ef. 1:3-13; 1 Tess. 1:2-
10; 2 Tess. 2:13,14; 2 Tim. 1:9, 10).
O tema do concerto que começa com a primeira promessa (Gên.
3:15) e que reaparece com o concerto feito com Noé (Gen. 9:1-17) e com
os patriarcas Abraão (Gên. 12:1-4; 15; 17), Isaque e Jacó (Êx. 6:4; Sal.
105:8-11; 1 Crôn. 16:15-18), encontra seu grande clímax no concerto
feito com Israel no Monte Sinai (Êx. 19:5; 23:32; 24:7-8; 31:16; 34:10,
12, 15, 27-28). Deus fez um concerto com Davi (2 Sam. 7:11, 16, 25; 1
Reis 8:20, 24-25; 2 Sam. 23:5; Sal. 89:4, 29,. 35, 40; 132:11-12) e com
sua descendência (2 Crôn. 13:5). O profeta Jeremias falou dum "novo
concerto" (Jer. 31: 31-34). O NT toma posse da teologia do concerto do
VT e continua com ela. Fala dum concerto eterno (Heb. 13:20; 12:28) e
mantém a continuidade da história do concerto (Gál. 3:15-22). Paulo
medita nalguns dos benefícios ministrados pelo novo concerto (2 Cor.
3:16-18). O tema do concerto une os dois Testamentos porque neles os
concertos graciosos de Deus com os homens são sempre administrações
soberanas de graça e das promessas que formam a coroa e alvo da
realização redentora.
A idéia dum remanescente se encontra através de toda a Bíblia. Na
história do dilúvio Deus salva, graciosamente, um remanescente (Gên. 6-
9). Por vezes existe o pensamento dum remanescente justo, cuja justiça
faz com que toda uma comunidade seja poupada (Gên. 18:16ss.). Às
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 71
vezes existe o pensamento dum remanescente justo que escapa duma
destruição que não pode evitar (Is. 4:3). Algumas vezes poupa-se um
remanescente não por causa da sua justiça, mas sim por causa da
misericórdia divina, para que sua geração transmita à seguinte a herança
para a qual ela mesma não deu valor algum (Amós 4:11). Embora o
Israel como um todo não se dispusesse a receber a glória completa do
seu alto chamado e a cumprir o propósito da sua vocação, se pode notar
que a estirpe dos eleitos continuou, mesmo minguando, até se
transformar num remanescente que, sozinho, herdaria as promessas e
seria de fato leal às tarefas desta eleição. Algumas vezes se pensa num
remanescente poupado por ser, ele mesmo, o verdadeiro herdeiro do
concerto (1 Reis 19:18).199 No NT, a idéia dum remanescente
desempenha papel muito importante na discussão que Paulo faz sobre o
processo de Deus para a salvação (Rom. 9-11). O livro do Apocalipse
considera o remanescente como a última comunidade de crentes que
existirá antes de Cristo estabelecer Seu reino, quando voltar na Sua
glória.
Virtualmente, todos os temas maiores do VT são apanhados pelo
NT que passa a desenvolvê-los. "Através de todo o período coberto pelo
Velho Testamento se pode encontrar o fio da unidade, e muito
pensamento do Velho Testamento é continuado no Novo."200
(4) Vocabulário. Outra série de conexões que existe entre os
Testamentos se encontra no vocabulário usado pela Bíblia. Jesus e os
apóstolos usavam termos familiares. Em outras palavras, a linguagem
teológica que Jesus e os apóstolos usavam era a linguagem que estava ao
alcance dos seus ouvintes. A criação duma tal linguagem teológica não
foi fruto de apenas um dia. Sem a estrutura de toda a fé israelita do VT, a
mensagem de Jesus não poderia ser compreendida. É amplamente
reconhecido o fato de "que quase toda a palavra teológica chave do NT
deriva de alguma palavra hebraica com longa história de uso e
desenvolvimento no Velho Testamento."201
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 72
A erudição dá muito valor à investigação da história das palavras do
NT e das suas raízes no VT.202 Sem dúvida isto não significa que estes
termos não tenham sofrido qualquer evolução durante sua história no VT
e no NT. Quando falamos de unidade, isto não significa uniformidade
(1ME, 22). Tal como dificilmente se encontra uma palavra teológica
chave que não seja comum aos dois Testamentos, também raramente
existe um tema chave que não lhes seja comum. Embora estejamos
atentos para o fato de que "significações diversas são expressas pela
mesma palavra; [e que] não há uma palavra para cada idéia distinta"
(1ME, 20), devemos, ao mesmo tempo, discernir a vontade e o propósito
de Deus nas palavras dos escritores inspirados da Escritura. Se assim
fizermos, sem dúvida que seremos capazes de compreender a série de
ligações que existe entre as "palavras gregas e seu significado
hebraico",203 i.e., entre o VT e o NT.

(5) Tipologia. Outra maneira de verificar a unidade que existe entre


ambos os Testamentos é estudar as pessoas, instituições e acontecimen-
tos do VT em relação com os seus correlativos tipológicos no NT.204 Não
é possível tocar em todos os aspectos relacionados com o tema da
tipologia.
Não resta dúvida alguma que a abordagem tipológica da relação
entre os dois Testamentos andou sendo muito mal feita. O método
tipológico não deve ser arbitrariamente aplicado nem superestimado205
como se fosse o único capaz de relacionar os Testamentos.206
Simultaneamente, não concordamos com o conceito da presença duma
história da tradição no VT, com suas analogias e prefigurações a serem
substituídas por novas reinterpretações. Em outras palavras, para a
abordagem tipológica é essencial que se reconheça o caráter histórico da
revelação bíblica.207
É praticamente impossível, dentro do esquema da história da
salvação, negar a relevância da abordagem tipológica como elo legítimo
de ligação entre ambos os Testamentos. Aliás, o termo "tipo" deriva da
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 73
208
palavra grega tupos que ocorre 14 vezes no NT. Para descobrir a idéia
teológica fundamental desta palavra no NT, e que é traduzida de maneira
diversa para nossa língua, precisamos considerar o seu significado em
Rom. 5:14. Na tradução B (Brasileira), Paulo diz que Adão era um "tipo
dAquele que haveria de vir". O apóstolo chama atenção para a
semelhança ou correspondência que existe entre Cristo e Seus membros
(Rom. 3:21-5:11) e entre Cristo e Adão (Rom. 5:12, 13). A
correspondência entre Adão e Cristo está no fato dos dois serem
totalmente representativos, um de toda a humanidade e o
outro, de todos os crentes. De acordo com esta passagem, o "tipo" pode
ser definido apenas em termos duma correspondência essencial entre
duas pessoas, instituições ou ocorrências históricas de tal maneira
encaixadas dentro do quadro geral da história da revelação, que a
"menor" delas aponte para outra "maior" que está ainda no porvir.
Assim, o tipo e o antítipo pertencem a duas épocas diferentes e, apenas
quando o antítipo aparece é que o sentido do tipo fica bem claro. O tipo é
sempre um retrato imperfeito do antítipo.
O significado tipológico completo do VT pode ser apreciado apenas
quando for visto à luz dos modelos dados no NT. Esta salvaguarda
eliminará a maioria das objeções que são feitas contra as relações
tipológicas existentes em ambos os Testamentos. Sem esta orientação,
surge a tendência da ingenuidade humana deliciar-se na detecção de
tipos. Por exemplo, os Pais da Igreja, além da identificação de
Melquisedeque como um tipo de Cristo (tal como está explicado
claramente em Heb. 7:3), quiseram identificar também o ato da sua
apresentação do pão e do vinho como um tipo do sacrifício da eucaristia.
No VT existe uma forma de tipologia que retrata o relacionamento
que há entre o começo e o fim. Isaías fala da volta escatológica ao
Paraíso (11:6-8: 65:17-25). Oséias voltou-se para a congregação no
deserto e nela viu o tipo do Israel restaurado (2:16, 17). No NT, Estevão
apontou para Moisés como tipo de Jesus Cristo, o "Libertador"
("Redentor", ver AA, margem; Atos 7:20-40). Em 1 Cor. 10:1-13, Paulo
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 74
desenvolve uma tipologia baseada no Êxodo, dizendo que toda a história
de Israel no Êxodo serve de tipo (10:11). Paulo declara que Deus, o
Senhor da História e Aquele que inspirou os escritores bíblicos, quis que
a história do VT servisse de instrução, admoestação e proveito para o
Israel espiritual, o novo povo de Deus que deveria viver nos últimos dias
anteriores à volta gloriosa de Jesus Cristo, e completar a Sua obra. Paulo
apresenta aqui o significado mais profundo que está por detrás da
história do VT.
O cordeiro pascal é um tipo de Cristo (S. João 19:36). A serpente de
bronze levantada numa haste no deserto é um tipo de Cristo crucificado
(S. João 3:14). O êxodo é um tipo do batismo (1 Cor. 10:2). A
permanência de Jonas no ventre do peixe é um tipo da permanência de
Jesus na sepultura (S. Mat. 12:14). O tabernáculo terrestre construído por
Moisés no deserto é um tipo do celeste (Atos 7:44). Estudando as
citações e alusões existentes no Evangelho de S. Mateus, se chega a
vários significados tipológicos de Jesus: Ele é o Moisés maior, o maior
Filho de Davi, o Profeta típico, o Israelita típico, e o Sofredor justo típico
que foi rejeitado pelos homens.209
É de todo certo que, quando o antítipo aparece, o sentido típico se
torna bem claro, isto porque o antítipo traz consigo o pleno significado e
o sentido mais profundo daquilo que estava contido no tipo. Isto quer
dizer que o significado mais profundo daquilo que for expresso na
tipologia se baseia sempre num contexto maior da Escritura inspirada.
Enganam-se os que afirmam ser a conexão tipológica uma assunção de
tempos posteriores. Temos de admitir o fato de Deus, como Autor da
Escritura, ter estabelecido o tipo desde o principio, devendo o texto que
o contém, ser tratado como indicação anterior duma prefiguração
divinamente dada a ser identificada mais tarde como antítipo. Os vários
aspectos de "tipos" precisam se encaixar tão bem no esquema da história
da salvação que seu sentido prefigurado fique fora de qualquer dúvida.
Dentro do objetivo destas considerações, temos de considerar a
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 75
abordagem tipológica como um elo legítimo de conexão entre o VT e o
NT.

(6) Promessa/Predição e Cumprimento. Entre os mais significativos


exemplos do relacionamento que existe entre o VT e o NT estão os
termos da fórmula promessa/predição e cumprimento. Este modelo de
promessa/predição e cumprimento, que muito esclarece o
relacionamento entre os Testamentos e que contribui para confirmar sua
unidade, foi tratado novamente com muita ênfase nos últimos anos.210
Este modelo de promessa/predição e cumprimento é usado não somente
nas relações que existem entre os Testamentos, mas também dentro do
próprio VT. Daremos um pouco de atenção a este detalhe.
Quem quer que estude as revelações do VT descobre que em todas
elas existe um movimento colorido, que tem um propósito e que não
pára.211 "Através de todo o Velho Testamento existe uma visão do
futuro."212 A própria essência da fé do VT existe este empuxo que
avança para alcançar o seu alvo sob quaisquer circunstâncias na história,
isto porque a palavra do Senhor não é "vã" (Deut. 32:47). O tema da
promessa/predição e cumprimento é perfeitamente visível nas promessas
que foram feitas a Adão e Eva (Gên. 3:15) e a Abrão (Gen. 12:1-4), cujo
cumprimento se deu, finalmente, por ocasião do nascimento de Jesus
Cristo, através de Quem todas as nações da Terra são abençoadas.
É certo que, "quando examinamos todo o Velho Testamento, nos
envolvemos numa grande história que se movimenta no sentido da
promessa para o seu cumprimento.213 Existe no VT uma correspondência
definida entre a Palavra de Deus e os Seus atos que seguem o modelo de
promessa/predição e cumprimento. De acordo com o Livro do Êxodo, a
história do povo de Israel é um ato divino praticado em termos do
cumprimento de uma promessa (3:7, 8). Baseando-se na força da palavra
que prometera livramento, o povo partiu do Egito e Deus o salvou de
todo o perigo mortal. Deus cumpriu tudo quanto prometeu. Numa
confissão pública sem paralelo, a comunidade dos crentes reconheceu o
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 76
cumprimento de todas as promessas e predições divinas (Êx. 15:1-21;
Jos. 21:43-45; 23:14).
Existe no VT um grande número de predições proféticas cujo
cumprimento se pode verificar nos acontecimentos históricos registrados
em 1 e 2 Reis.214 Além desta correspondência toda predominante que há
entre a palavra divina de predição falada pelos profetas e os
acontecimentos históricos que a cumprem, existem no VT muitos outros
exemplos onde o modelo promessa/predição e cumprimento está
presente. Is.7:7 registra uma predição dirigida a dois reis inimigos do
norte, para os quais o Senhor disse, "Isto não subsistirá, nem tão pouco
acontecerá". A ameaça feita a Jerusalém pela aliança siro-efraimita foi
aniquilada de acordo com a profecia. A predição feita por Jeremias,
dizendo que o Senhor colocaria um jugo de ferro no pescoço de Israel
(Jer. 28:14), cumpriu-se da mesma maneira que a da morte de Hananias
(Jer. 28:15-17). É obvio, pois, que a história do VT se move dentro da
formula promessa/predição e cumprimento. "A história das origens de
Israel desde o chamado de Abraão, passando pelo livramento do êxodo e
que vai até sua entrada na terra de Canaã, se desenrola dentro duma
moldura de promessas e cumprimentos. A história de Israel, da Terra
Prometida — tanto do exílio como do regresso final — pode ser
compreendida como sendo guiada pela vontade soberana de Deus,
sujeita as estipulações do Seu concerto e interpretada através da Sua
palavra profética de sinais e advertências, julgamento e promessas."215 O
VT, de fato, fala duma história da salvação (Heilsgeschichte) que se
movimenta rumo ao cumprimento final predito.
Mas falta algo nesta história da salvação. Ela é uma história inaca-
bada da salvação. Até o fim dos tempos do VT a esperança ainda paira
no horizonte. Nas últimas páginas da história de Israel ainda permanece
uma atitude de expectativa e de esperança que busca o seu completo
cumprimento. O VT anuncia uma longa história de promessas, de
esperanças e também de desapontamentos, até chegar a "plenitude dos
tempos", quando deveria aparecer Aquele que fora predito no VT. Neste
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 77
sentido, o VT se assemelha ao tronco isolado dum corpo humano; é uma
história inacabada que tem o seu cumprimento no NT. Existe a predição
dum Servo de Deus que será Líder do Seu povo (Is. 52:13; 53:12; Ez.
37:24-28), dum novo concerto que será escrito nos corações dos homens
(Jer. 31:31-34) e duma descida do Espírito de Deus que dará o poder
duma nova vida para Seu povo (Joel 2:28-32).
O NT anota os cumprimentos não realizados das promessas de Deus
e, na sua mensagem evangélica, apresenta o cumprimento daquilo que
foi prometido no VT. Os escritores do NT repetem o estribilho de que as
Escrituras foram cumpridas.216
As muitas citações e alusões que o NT faz dos escritos do VT, estão
de acordo com o caráter abrangedor da "promessa". Embora este fato se
evidencie no próprio VT (Jos. 21:45; 23:14; Sal. 105:9-11; etc.), o
objetivo da promessa é evidente, especialmente à luz do NT. É nele que
a promessa encontra sua explicação mais completa. A promessa se une
com a história de Abraão e seus descendentes (Atos 7:17; Rom. 4:13), se
apóia na graça (Rom. 4:16), é um aspecto especial e essencial da herança
espiritual de Israel (Rom. 9:4s.), inclui todos os crentes, mesmo dentre os
gentios (Rom. 15:8) e tem uma perspectiva de céus novos e terra nova (2
Pe. 3:13) e de vida eterna ( 1 S. João 2:25). As promessas do VT feitas a
Israel e que foram graciosamente escolhidas por Deus, se cumpriram no
Israel espiritual (Rom. 9:6-13). Todas as promessas de Deus, inclusive as
profecias messiânicas, "têm nEle o sim" (2 Cor. 1:20). É forçoso admitir
que não existem no VT muitas formas de esperanças e promessas que
encontram seu cumprimento no NT e alem dele.217 Assim, podemos ver
que o caráter abrangedor da promessa tem como seu corolário o caráter
abrangedor do seu cumprimento.
As palavras gregas do NT, pleroun (usada 86 vezes), telein (usada
28 vezes), teleioun (usada 23 vezes), e plethein (usada 24 vezes), que
indicam cumprir e cumprimento, tem um sentido muito significativo.
Através do cumprimento das promessas e predições do VT no NT, ele
atinge o seu propósito e se realiza a si mesmo. Na realidade do
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 78
cumprimento, o NT se transforma em parte integral da totalidade da
Escritura, mesmo quando o cumprimento ainda aponta para o futuro,
para a consumação final, que é o Pleroma vindouro de Deus.

A importância do modelo de promessa/predição e cumprimento


dificilmente pode ser mais acentuada, especialmente quando vista à luz
do caráter abrangedor de ambos os conceitos. O modelo de
promessa/predição e cumprimento tão abrangedor como possa ser,
precisa ainda ser suplementado por outros aspectos que indicam a
unidade dos Testamentos.

(7) História da Salvarão. Vários dos modelos unificadores que tem


entre os Testamentos, não podem ser separados dos modelos da história
da salvação219 dos quais falamos freqüentemente nas secções anteriores.
Já tivemos ocasião de indicar que mesmo a história da salvação não é
uma chave de ouro que abre todos os mistérios nas relações entre os
Testamentos. Não se pode rejeitar sem mais nem menos a história da
salvação,220 porque a afirmação do NT de que Jesus é o Messias implica
na unidade da história sob um plano divino e simples de salvação. A
história da salvação aponta para uma unidade de perspectiva.221

(8) Unidade de Perspectiva. Muitos eruditos eminentes concordam


que existe uma perspectiva escatológica comum unindo os VT e NT. Th.
C. Vriezen coloca o assunto da seguinte maneira: "A perspectiva
escatológica e, portanto, o coração verdadeiro tanto do Velho como do
Novo Testamentos."222
H. H. Rowley diz isto: "A consumação completa da esperança do
Velho Testamento está ainda num futuro distante, ... e o Novo
Testamento não deixou de perceber este fato. ... Ele ainda coloca a glória
final no futuro."223 Assim, como o crente do VT estava sob um arco de
tensão entre promessas e cumprimentos, assim o crente em Cristo "chega
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 79
para permanecer num caminho novo sob um arco de tensão entre
promessas e cumprimentos, ..."224 também. Todas as súplicas por
cumprimentos [preces pedindo o cumprimento de qualquer promessa]
feitas pela congregação do Novo Concerto se unem num só apelo: "Vem,
Senhor Jesus" (Apoc. 22:20; 1 Cor. 16:22, AA, margem). Assim, dentro
do arco de promessas e cumprimentos, o propósito redentor de Deus, a
Sua história da salvação, se desenvolve do VT ao NT, e vai além dele,
até o fim do tempo, quando o Senhor dos senhores e o Rei dos reis virá
nas nuvens dos céus para tomar para Si Sua própria pátria.
O VT relata uma história de salvação que, em muitos aspectos, é
incomum porque é uma história truncada da salvação. O Messias
esperado não veio nos tempos do VT. Neste sentido, o VT é um livro
incompleto que aponta para além dele mesmo e termina numa atitude de
expectativa. Até sua última página ele fala dum cumprimento de
promessas que está no futuro. O Deus que agiu na Criação, no Êxodo, na
Conquista, e que guiou o Seu povo, agirá novamente um dia. A
conclusão final desta história incompleta da salvação e a preocupação
por excelência do NT. O ponto de convergência de toda a História é
Jesus Cristo. O Deus que agiu na história de Israel está, agora, agindo
decisivamente na história da humanidade. Este é o centro da mensagem
do NT. O NT completa o que está incompleto no VT e ainda vai além,
vai ate o eschaton final. Desde o VT até o NT e ainda além dele, existe
um movimento contínuo que se orienta na direção do eschaton final, o
Dia da Vinda do Senhor. Na verdade, toda a história da revelação é uma
peregrinação que tem seus olhos voltados para a frente, para a Cidade
cujo "artífice e construtor ê Deus" (Heb. 11:10, AA) . Nesta peregrinação
há muitas paradas com muitos inícios de cumprimentos, mas cada uma
delas se torna num novo ponto de partida, até que todas as promessas,
finalmente, se cumpram no fim do tempo. Apropriadamente já se
chamou a atenção para o fato de que a escatologia do NT, as predições
concernentes aos últimos dias, contidas tanto nos Evangelhos sinóticos
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 80
como nos demais escritos do NT, são uma continuação das esperanças
do VT.225
Portanto, a unidade que existe entre o VT e o NT resulta duma
perspectiva, dum plano e propósito comuns para os homens e para todo o
universo de Deus.226 O VT conta a história de Israel em termos da
história da salvação, preparando e orientando tudo para a vinda de Jesus
como o Cristo de Israel e o Salvador de todos os homens. Sem dúvida
temos de admitir que nem tudo no VT se subordina à rubrica da história
da salvação,227 porque, ele, o VT, é uma história que não somente leva
a Cristo, mas leva também à rejeição de Cristo. Esclareçamos a
necessidade de chamar a atenção para o fato de termos na Bíblia não
somente a revelação "de Deus, mas também a reação dos homens.
Precisamos reconhecer que esta reação dos homens não é normativa e,
por isto, não figura no esquema total do relacionamento que existe entre
os dois Testamentos. A "história" da reação de Israel e do judaísmo, que
culminou na rejeição de Cristo, não faz parte da história da salvação.228
A despeito das repetidas frustrações havidas no plano e no propósito de
Deus para os homens, Ele ainda tomou as providências para que estes
Seus planos e propósitos se realizassem em Jesus Cristo, e continua a
tomá-las para que as promessas importantes se cumpram no futuro
através dEle. A Bíblia inteira se volta para a consumação de todas as
coisas no céu e na terra. "Este é o tema que permeia tanto o Velho como
o Novo Testamentos."229 o trabalho de Cristo continua no trabalho do
Espírito Santo e ficará completo por ocasião do Segundo Advento.
São variadas e complexas as relações que existem entre o VT e o
NT. Não é possível enunciar seus atributos através duma simples
definição. É preciso reconhecer e delinear muitos modelos e linhas de
conexões para se fazer justiça a grande variedade das relações que
existem entre o VT e o NT e que explicam toda a unidade íntima e mutua
que possuem. O grande tema de toda a Bíblia e de ambos os Testamentos
é a atividade do Deus triúno que agiu, está agindo e continuará a agir em
favor da salvação do homem e que levará toda a história do mundo a um
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 81
fim cataclísmico por ocasião do aparecimento glorioso de Jesus Cristo,
dia para o qual todos os homens se devem preparar. O desafio desta
mensagem bíblica é a única missão da Igreja remanescente de Deus.

NOTAS DE RODAPÉ

1 W. F. Arndt e F. W. Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New


Testament (Chicago, 1957), p. 404; H. Windisch, “καπηλείω”,
Theological Dictionary of the New Testament (Grand Rapids,
Mich., 1965), III, 608ss,
2 C. H. Gordon, "Biblical Customs and the Nuzu Tablets," The
Biblical Archaeologist Reader, 2, ed. D. N. Freedman e E. F.
Campbell, Jr. (Garden City, N.Y., 1964), pp. 21-33, esp. 22; D. J.
Wiseman, Illustrations from Biblical Archaeology (Londres,1958),
pp. 25s.
3 H. H. Rowley, The Servant of the Lord (Londres, 1952), p. 302; cf.
W. F. Albright, New Horizons in Biblical Research (Londres,
1966), p. 10.
4 Um exemplo de silogismo e o seguinte:
Premissa maior - Toda a virtude ê louvável.
Premissa menor - Ora, a bondade é virtude,
Conclusão - logo, a bondade é louvável.
5 Ver o afamado estudo de Th. Boman, Hebrew Thought Compared
with Greek (Londres, 1960), que, no entanto, não deve ser lido sem
tomar em consideração as críticas feitas por Albright, New
Horizons in Biblical Research, pp. 18-31; idem, History,
Archaeology and Christian Humanism (Nova Iorque, 1965), pp. 83-
100; e J. Barr, The Semantics of Biblical Language (Londres,
1961), pp. 46-79, 96-100.
6 L. Koehler e W. Baumgärtner, Lexicon in Veteris Testamenti Libros
(2a. ed.; Leiden, 1958), p. 585. Há uma lista de exemplos em G.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 82
Lisowsky, Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament
(Stuttgart, 1958), pp. 886-888. Como exemplos, ver Amós 2:11; Is.
56:8; Gen. 22:16; 2 Sam. 2:30; 2 Reis 9:26; etc.
7 Esta expressão aparece em Êx., Jos., Juízes, 1-2 Sam., 1-2 Reis, Is.,
Jer., Ez., Amós, Ob., Miq., Na., Ag., Zac., Mal., 1-2 Crôn. Cf. S.
Mandelkern, Veteris Testamenti Concordantiae Hebraicae Atque
Chaldaicae (Tel Aviv, 1967), pp. 532s.
8 Ver Lisowsky, Konkordanz, pp. 345-355; Mandelkern,
Concordantiae, pp. 282-288; e G. Gerleman, ‫ ךךו‬dābār'',
Theologisches Handwörter-buch zum Alten Testament, ed. E. Jenni
C. e Westermann (Munique, 1971), I, 433-443, esp. 439s.
9 E. G. White, A Ciência do Bom Viver, p. 462: Aquele que conhece
a Deus e a Sua Palavra por experiência pessoal, tem uma firme fé
na divindade das Santas Escrituras. ... Não prova a Bíblia pelas
idéias e a ciência humanas; submete-as, a estas, a prova da infalível
norma."
10 E. G. White, 1ME, 21s.
11 1ME, 211
12 Ibid.
13 1ME, 22.
14 E.G. White explica que, "as portas do Novo Testamento" são
"descerradas com a chave do Velho Testamento" (Ev., 579) e, vice-
versa, "o Novo Testamento explica o Velho" (AA, 381; cf. Ev,
579). "O Velho Testamento derrama luz sobre o Novo, e o Novo
sobre o Velho. ... Tanto o Velho como o Novo Testamentos
apresentam verdades que revelarão continuamente novas
profundezas de sentido ao ardoroso investigador" (CP, 417).
15 O Velho e o Novo Testamentos são inseparáveis, porque ambos
são os ensinos de Cristo" (5BC, 1094).
16 "Vi, porém, que a Palavra de Deus, como um todo, é uma cadeia
perfeita, prendendo-se uma parte à outra, e explicando-se
mutuamente" (PE, 221).
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 83
17 O Velho Testamento não representa uma religião que deva ser
substituída pelo Novo. O Novo Testamento é apenas uma
continuação e revelação do Velho" (6T, 392).
18 1ME, 20.
19 Ed, 182.
20 "A Bíblia é o seu próprio expositor. Uma passagem será a chave
que descerrara outras passagens, e deste modo haverá luz sobre o
significado oculto da Palavra" (FE, 187, grifo nosso).
21 1ME, 416 (1885).
22 GC, 594 (1888).
23 "Precisamos receber a palavra de Deus como suprema autoridade"
(6T, 402).
24 GC, 202. E. G. White também declarou que "só a Bíblia deve ser o
nosso refúgio" (That I May Know Him, Washington, D.C. 19647,
p. 342, Carta 138, 1897) e que "a Bíblia, e só a Bíblia, é a nossa
regra de fé" (CSW, 84 /1889/).
25 Uma boa pesquisa sobre este tema foi feita por L. E. Froom,
Movement of Destiny (Washington, D. C, 1971), pp. 91-106.
26 Notar a própria ênfase de E. G. White: "O Espírito não foi dado —
nem nunca o poderia ser — a fim de sobrepor-se à Escritura; pois
esta explicitamente declara ser ela mesma a norma pela qual todo
ensino e experiência devem ser aferidos" (GC, 10).
27 "O verdadeiro cristianismo recebe a Palavra de Deus como o
grande tesouro de verdade inspirada, e como a prova de toda
inspiração" (GC, 190) .
28 GC, 9s.
29 RH (20 de janeiro de 1903), p. 15, citado em CM, 125.
30 "Por meio dos testemunhos dados, o Senhor Se propõe advertir, re-
preender e aconselhar Seus filhos e impressionar-lhes o espírito
com a importância da verdade de Sua Palavra" (2TS, 281).
31 2TS, 279.
32 2TS, 281 (1876) .
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 84
33 4T, 246 (1876); 2TS, 279 (1886).
34 2TS, 279 (1876) .
35 2TS, 281 (1876)
36 Ibid.
37 2T, 455 (1870); 2TS, 279 (1876).
38 2T, 687; 2TS, 276; 4T, 323 (1879).
39 2T, 608; 2TS, 283.
40 2TS, 279 (1876) .
41 O particípio sunkrinontes pode também ser traduzido por
"interpretando", tal como o faz a RSV, num sentido coerente com o
que é usado na Septuaginta (Gen. 40:8,16, 22; 41:12, 15; Juízes
7:15; Dan. 5:12; 7:15s.). Cr. Arndt e Gingrich, A Greek-English
Lexicon of the NT, p. 782.
42 O termo pneumatikois pode ser tanto do gênero masculino como
do neutro. No que tange às traduções inglesas, as KJV, NAB, JB,
RSV margem, etc., preferem o gênero neutro, enquanto que a RVS
e a NEB preferem o masculino. Em favor de se tomar este termo no
seu gênero neutro, se pode mencionar a idéia epigramática superior
de conservar o mesmo gênero tanto para pneumatika, "coisas
espirituais", como para pneumatikois, e a razão natural de
pneumatikois ser posto em íntima relação com sunkrinontes ,
"combinando, interpretando". À luz do contexto, o gênero neutro é
o favorecido. Cf. L. Morris, The First Epistle of Paul to the
Corinthians (Grand Rapids, Mich., 1963), pp. 59s.
43 Cf. Êx. 7:1; S. Luc. 1:76s.; Atos 15:32; 1 Cor. 14:3, 24, 25.
44 Ed, 189 (1903). Com palavras um pouco diferentes, o mesmo
pensamento aparece em FE, 187.
45 GC, 521 (1888).
46 Ev, 581 (Carta 27a, 1892).
47 RH, 9 de outubro de 1883, tal como citado em OC, 511.
48 GC, 170 (1888).
49 GC, 323 (1888) .
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 85
50 GC, 594 (1888).
51 Ibid.
52 "Vi, porém, que a Palavra de Deus, como um todo, é uma cadeia
perfeita, prendendo-se uma parte à outra, e explicando-se
mutuamente" (PE, 221 [1887] .
53 "O Velho Testamento projeta luz sobre o Novo, e o Novo, sobre o
Velho. Ambos são uma revelação da gloria de Deus em Cristo.
Ambos apresentam verdades que revelarão continuamente ao
fervoroso inquiridor, novas profundezas" (PJ, 128 [1900] .
54 PJ, 128 (1900) .
55 "Salvar-se-ão almas ... ao serem as portas do Novo Testamento
descerradas com a chave do Velho Testamento" (Ev, 579 [Carta 47,
1903].
56 "O evangelho é a chave que desvenda seus [do Velho Testamento]
mistérios" (PJ, 133 /T9007).
57 "Precisamos mostrar para eles [o povo] que o Velho Testamento é,
na verdade, o evangelho em tipos e sombras, como o Novo
Testamento o é em poder revelado" (6T, 392). "O Velho
Testamento e o evangelho em figuras e símbolos. O Novo
Testamento e o corpo, ou substância" (2ME, 104).
58 "Nenhuma autoridade humana tem mais direito de mudar a
colocação dessas mensagens [as mensagens dos três anjos] do que
teria de substituir o Velho Testamento pelo Novo. ... Um é tão
essencial como o outro" (2ME, 104) .
59 "Dirigi a mente dos jovens de verdade para verdade, mais e mais
alto, mostrando-lhes como texto explica texto, sendo uma passagem
a chave de outras passagens" (Ev. 581 [Carta 27a, 189_2]). "A
Bíblia é o seu próprio expositor. Uma passagem será a chave que
descerrará outras passagens, e deste modo haverá luz sobre o
significado oculto da Palavra" (FE, 187).
60 Notar esta observação: "Com o intuito de sustentar doutrinas
errôneas ou práticas anticristãs, alguns apanham passagens das
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 86
Escrituras separadas do contexto, citando talvez a metade de um
simples versículo, como prova de seu ponto de vista, quando a parte
restante mostraria ser bem contrário o sentido" (GC, 521).
61 "Comparando diversos textos que tratam do mesmo assunto e
examinando sua relação em todo o sentido, tornar-se-á evidente o
verdadeiro significado das Escrituras" (FE, 187).
62 Ver notas 59 e 61, acima.
63 James D. Smart, The Interpretation of Scripture (Filadélfia, 1961),
pp. 213s.
64 "Fazei da Bíblia seu próprio expositor, reunindo tudo que se diz
concernente a um dado assunto, em tempos diferentes e sob
circunstâncias várias" (OC, 511 [RH, 9 de outubro de 1882]).
65 A ênfase que R. Bultmann deu ao papel da filosofia do
existencialismo e a sua noção de "compreensão preliminar" foi, em
diversas vezes, vigorosamente combatida por C. Barth. A respeito
da controvérsia entre Bart e Bultmann sobre a noção da "pré-
compreensão" que determina, em grande medida, o que se encontra
no texto, ver Smart, The Interpretation of the Scripture, pp. 47-53;
R. Marie, Introduction to Hermeneutics (Nova Iorque, 1967), pp.
58-66. E. Berti, Die Hermeneutik als allgemeine Methodik der
Geisteswissenschaften (Munique, 1962), critica fortemente o
conceito de "pré-compreensão" de Bultmann.
66 R. Bultmann, "The Problem of Hermeneutics", em Essays
Philosophical and Theological (Nova Iorque, 1955), p. 261, não
hesita em insistir que o interprete seja proibido de considerar como
verdadeira qualquer coisa "que contradiga as verdades atualmente
pressupostas na compreensão que eu tenha do mundo —
compreensão que é o guia de toda a minha atividade."
Com isto, a compreensão moderna e secular do mundo transforma-
se na autoridade final e no juiz daquilo que ê a verdade. Daí a
urgência com que Bultmann lançou seu programa de
desmitologização.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 87
67 Sobre isto, E. G. White explica o seguinte: "Os profetas
vaticinaram acerca destas coisas e diligenciaram compreender o que
haviam predito, mas não tiveram esse privilégio. Anelaram ver o
que estamos vendo e ouvir o que ouvimos, mas não puderam" (2TS,
374). "Mesmo os profetas que eram favorecidos com a iluminação
especial do Espírito, não compreendiam plena mente a significação
das revelações a eles confiadas. O sentido deveria ser desvendado
de século em século, a medida que o povo de Deus necessitasse das
instruções nelas contidas" (GC, 343). "Os profetas a quem foram
reveladas estas grandes cenas, anelavam compreender sua
significação" (Ed, 183). "Uma passagem será a chave que
descerrará outras passagens, e deste modo haverá luz sobre o
significado oculto da Palavra" (FE, 187, grifos nossos).
68 Esta Bíblia foi publicada com notas textuais por R. Kittel, ed.,
Bíblia Hebraica (3a. ed.: Stuttgart, 1937—), cuja sigla era,
antigamente, BH3, mas agora é BHK. Hoje ela foi publicada de
novo com melhor texto e massorá mais completa, tendo sido feita
uma revisão total no seu aparato por K. Elliger e W. Rodolph, eds.
Foi publicada com o nome de Bíblia Hebraica Stuttgartensis
(Stuttgart, 1968ss.), sendo BHS a sua sigla. Sua publicação foi
completada em 1977 e espera-se que substitua a BHK.
69 Ver B. J. Roberts, The Old Testament Text and Versions (Cardiff,
1951); P. Kahle, The Cairo Geniza (2a. ed.; Oxford, 1959); E.
Würthwein, The Text of the Old Testament (Oxford, 1957); D. A.
Ap-Thomas, A Primer of Old Testament Text Criticism (2a. ed.;
Oxford, 1964).
70 Ver especialmente F. M. Cross, Jr., The Ancient Library of
Qumran (ed. rev.; Anchor Books: Garden City, N.Y., 1961); J. T.
Milik, Ten Years of Discovery in the Wilderness of Judaea
(Londres, 1959); M. H. Goshen-Gottstein, Text and Language in
Bible and Qumran (Jerusalem, 1960); P. W. Skehan, "The Scrolls
and the Old Testament Text," McCormick’ Quarterly, 21 (1968),
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 88
273-283; James A. Sanders, "The Dead Sea Scrolls—A Quarter
Century of Study," Biblical Archaeologist 36 (1973), 110-148.
71 Ver V. Taylor, The Text of the New Testament (Londres, 1961); B.
M. Metzger, The Text of the New Testament (Nova Iorque, 1964);
J. H. Greenlee, Introduction to New Testament Textual Criticism
(Grand Rapids, 1964); E. C. Colwell, Studies in Methodology in
Textual Criticism of the New Testament (Leiden, 1969) .
72 E. Nestle and K. Aland, Novum Testamentum Graece (25a. ed.;
Stuttgart, 1963).
73 As duas obras seguintes são básicas para uma compreensão do que
está envolvido em matéria de tradução, explicando as novas
abordagens de tradução tais como estão exemplificadas nas NEB,
TEV, etc., e incluem uma bibliografia geral sobre o assunto:
Eugene A. Nida, Toward a Science of Translating (Leiden, 1964);
Eugene A. Nida and Charles R. Taber, The Theory and Practice of
Translation (Leiden, 1969).
74 Para citações de E. G. White sobre este ponto, ver a nota 675
acima.
75 No caso da Bíblia em inglês, o The Oxford English Dictionary é
uma ferramenta indispensável para estudar seus termos arcaicos e
obsoletos.
76 L. A. Weigle, Bible Words That Have Changed in Meaning (1955).
77 M. E. Elliot, The Language of the King James Bible (Garden City,
N.Y., 1967).
78 Citado em Nida e Tabor, The Theory and Practice of Translation,
p. 1.
79 Sobre o problema da "falácia da origem" e da "etimologização",
ver James Barr, The Semantics of Biblical Language (Londres,
1961).
80 A respeito das discussões sobre a função do círculo hermenêutico
na teoria geral da compreensão, ver W. Dilthey, Gesammelte
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 89
Schriften (Berlim, 1927), VII, 145s., 152s.; H. G. Gadamer,
Wahrheit und Methode (Tübingen, 1960), pp. 275-279.
81 Koehler e Baumgartner, Lexicon in Veterus Testamenti Libros, pp.
12s.; e o artigo sobre ādām em G. J. Botterweck e H. Ringgren, eds.
Theological Dictionary of the Old Testament, trad, por E. Willis
(Grand Rapids, Mich., 1974), Vol. 1.
82 Informações detalhadas se encontram no meu artigo, "Semantic
Values of Derivatives of the Hebrew Root S'r," Andrews University
Seminary Studies, 11 (1973), 1-22.
83 Os conceitos extremamente importantes e ricos do VT sobre os
remanescentes são estudados em minha obra, The Remnant
(Berrien Springs, Mich.: Andrews University Press, 1972). Sobre
Is., ver pp. 216-370.
84 Ver as críticas radicais sobre a etimologia e seu valor em Barr, The
Semantics of Biblical Language, pp. 107-160, e, entre muitos
outros, em B. Ramm, Protestant Biblical Interpretation (3a. ed.;
Grand Rapids, Mich., 1971), pp. 129-131).
85 G. Quell e E. Stauffer, Theological Dictionary of the New
Testament (Grand Rapids, Michigan, 1964) pp. 21-55.
86 G. Johnston, "Love in the NT," Interpreters Dictionary of the Bible
(Nashville, 1962), III, 168-178.
86 Entre muitos, ver também A. M. Hunter, The Gospel According to
John. "The Cambridge Bible Commentary on the New English
Bible" (Cambridge, 1965), p. 196.
87 Para argumentos contrários, ver Nida e Tabor, The Theory and
Practice of Translation, pp. 75s. Cf. V. P. Furnish, The Love
Command in the New Testament (Nashville, 1972), pp. 219-232.
88 Ibid., p. 76.
89 Cf. W. H. Schmidt, KHnigtum Gottes in Ugarit und Israel (2a. ed.;
Berlim, 1966), pp. 10-21, 29-54; A. S. Kapelrud, Baal in the Ras
Shamra Texts (Copenhague, 1952); W. F. Albright, Yahweh and
the Gods of Canaan (Garden City, N.Y., 1968), pp. 128-132; F. M.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 90
Cross, Canaanite Myth and Hebrew Epic (Cambridge, Mass,,
1973), pp. 145ss.
90 Isto já foi feito muitas vezes baseando-se no governo real de
Yahweh que dizem derivar dos conceitos cananitas de Baal. Cf.
Schmidt, KBnigtum Gottes, pp. 29-54.
91 Para detalhes sobre este assunto, ver Gerhard F. Hasel, "The
Significance of the Cosmology in Genesis 1 in Relation to Ancient
Near Eastern Parallels", Andrews University Seminary Studies, 10
(1972), 1-20, esp. 4-7; e meu artigo, "The Polemic Nature of the
Genesis Cosmology", The Evangelical Quarterly, 46 (April/June,
1974), 81-102.
92 B. W. Anderson, Creation versus Chaos (Nova Iorque, 1967), p.
39, e outras semelhantes.
93 J. V. Kinnier Wilson, "The Epic of Creation", Documents from Old
Testament Times, ed. D. W. Thomas (Harper Torchbook; Nova
Iorque, 1958), p. 14.
94 B. B. Warfield, "The New Testament Terminology of
'Redemption'", Princeton Theological Review, 15 (1917), 201-249;
F. Büchsel, Theological Dictionary of the New Testament (Grand
Rapids, Mich., 1968), IV, 343-359.
95 Precisados lembrar-nos de que lutrousthai foi o termo
freqüentemente escolhido pelos tradutores da Septuaginta para
indicar o libertamento de Israel da escravidão egípcia através dos
atos poderosos de Deus (Êx. 6:6; 15:33; Deut. 7:8; 9:26). Dan. 4:34
usa a palavra apolutrosis.
96 W. F. Albright, "From the Patriarchs to Moses", Biblical
Archaeologist, 36 (1973), 15s.
97 K. A. Kitchen, Ancient Orient and Old Testament (Chicago, 1968),
p. 54.
98 E. A. Speiser, Genesis (Nova Iorque, 1964), p. 111, traduz dor por
"time span",espaço de tempo.
99 Cf. D. Kidner, Genesis (Chicago, 1964), p. 125.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 91
100Ver o livro de James Barr, Comparative Philology and the Text of
the Old Testament (Oxford, 1968) , que i altamente critico sobre o
uso atual da Filologia comparativa.
101 Entre os muitos livros excelentes, um de imensa importância para
uma verificação de muitos assuntos cruciais no estudo comparativo
e o de Kitchen, Ancient Orient and Old Testament, pp. 79-170.
102 Com respeito à natureza fragmentaria das evidências
arqueológicas, ver Edwin M. Yamauchi, "The Greek Words in
Daniel in the Light of Greek Influence in the Near East", New
Perspectives on the Old Testament, ed. J. Barton Payne (Waco,
Texas, 1970, pp. 170-300, esp. Pp. 170-174.
103 Surgiu um debate interessante quanto ao uso do material ugarítico
em apoio da imortalidade e ressurreição nos Salmos, tal como foi
proposto por M. Dahood, Psalms (Anchor Bible, 17A, 17B, 17C;
Garden City, N .Y., 1965-1970), I, xxxvi, e apoiado por E. B.
Smick, "Ugaritic and the Theology of the Psalms", New
Perspectives on the Old Testament, ed. J. B. Payne (Waco, Texas,
1970), pp. 104-116, e vigorosamente questionado por B. Vawter,
"Intimations of Immortality in the Old Testament", Journal of
Biblical Literature, 91 (1972), 158-171.
104 C. Westermann, "Sinn und Grenze religionsgeschichtlicher
Parallelen", Theologische Literaturzeitung. 40 (1965), 489-496,
indica os procedimentos metodológicos que devem ser seguidos se
não se quiser ler errada mente elementos duma cultura noutra.
105 E. G. White escreveu, "A linguagem da Bíblia deve ser explicada
de acordo com o seu obvio sentido, a menos que seja empregado
um símbolo ou figura" (GC, 597 [1888]) .
106 E. G. White: "Significações diversas são expressas pela mesma
palavra; não há uma palavra para cada idéia distinta" (1ME, 20
[1886]).
107 O problema de estarmos diante duma personificação ou duma
hipóstase, i.e., dum ser realmente celeste, pode ser respondido pelo
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 92
contexto, onde, no capítulo seguinte, a sabedoria aparece num novo
aspecto de grande senhora (9:1-6). Cf. D. Kidner, Proverbs
(Chicago, 1968), pp. 78s.; R. B. Y. Scott, Proverbs-Eclesiastes
(Anchor Bible, 18; Garden City, N.Y., 1965), pp. 69-71; W.
McKane, Proverbs (Filadélfia, 1970), pp. 352s.
108 Notar a seguinte observação de E. G. White: "Outros que têm uma
imaginação ativa, apoderam-se das figuras e símbolos do Escrito
Sagrado, interpretam-nas de acordo com sua própria imaginação,
dão pouca atenção ao testemunho da Escritura como seu próprio
interprete, e apresentam estas excentricidades como se fossem
ensinos da palavra de Deus" (4SP, 344).
109 E. G. White aconselha: "Textos devem ser comparados com textos.
O estudante deve aprender a ver a Palavra como um todo, e bem
assim a relação de suas partes" (Ed, 189) .
110 E.G. White toca neste assunto: "É muito fácil dar uma falsa
interpretação a um texto, colocando ênfase numa passagem e
dando-lhe um significado que nas primeiras investigações pode
parecer verdadeiro, mas que pesquisas posteriores demonstrarão ser
falso. Se o pesquisador da verdade comparar texto com texto,
encontrara a chave para abrir a casa do tesouro e lhe dar uma
compreensão verdadeira da palavra de Deus" (MS 24, 1896) .
111 A gramática hebraica clássica em inglês e W. Gesenius e E.
Kautzsch, Gesenius' Hebrew Grammar trad, por A. E. Cowley (2a.
ed.; Oxford, 1910). R. J. Williams, Hebrew Syntax. An Outline
(Toronto, 1967), é "curta, mas útil. Alger F. Johns, A Short
Grammar of Biblical Aramaic (2a. ed.; Berrien Springs, Mich.,
1972 e uma introdução básica para o aramaico, e F. Rosenthal, A
Grammar to Biblical Aramaic (2a, ed.; Wiesbaden, 1963) serve para
estudos "avançados. Há excelentes gramáticas hebraicas e
aramaicas em francês e alemão.
112 A melhor gramática do NT em âmbito pequeno é F. Blass, A.
Debrunner, e R. W. Funk, A Greek Grammar of the New Testament
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 93
(Chicago, 1961). C. F. D. Moule, An Idiom-Book of New
Testament Greek (2a. ed.; Cambridge, 1960) é fácil de ler e
companheira útil nos principais aspectos da sintaxe do NT. J. H.
Moulton e F. W. Howard, A Grammar of New Testament Greek
(Edimburgo, 1949-1964), 3 vols., é uma excelente gramática de
largo âmbito, e seu vol. 3 (1964) trata da sintaxe. Um estudo amplo
e importante e feito por A. T. Robertson, A Grammar of the Greek
New Testament in the Light of Historical Research (4a. ed.;
Londres, 1923) com 1454 páginas.
113 H. D. Hummel, "Enclitic mem in Early Northwest Semitic,
Especially Hebrew", Journal of Biblical Literature, 76 (1957), 85-
107, fez um estudo básico neste campo.
114 Kitchen, Ancient Orient and Old Testament, p. 162.
115 M. Dahood, Ugaritic-Hebrew Philology (Roma, 1965), pp. 26-30,
contém outros exemplos.
116 W. F. Albright, Yahweh and the Gods of Canaan (Garden City,
N.Y., 1968), pp. 1-52, verifica o assunto todo.
117 Ver o belo artigo sobre "The Poetry of the Bible" em SPA Bible
Commentary, Vol. Ill, pp. 17-28, que pode ser suplementado com o
artigo de N. K. Gottwald, "Hebrew Poetry", Interpreter's Dictionary
of the Bible (Nashville, Tenn., 1962), III, 829-838. Para a
recuperação do estilo repetitivo, ver especialmente Albright,
Yahweh and the Gods of Canaan, pp. 2ss.
118 Kitchen, Ancient Orient and Old Testament, pp. 131s.
119 Ver o importante estudo feito por T. Boman, Die Jesus-
Uberlieferung im Lichte der neueren Volkskunde (Güttingen,
1967). Boman resumiu as descobertas e conclusões de estudos
recentes sobre investigações folclóricas na Europa, Islândia e
Oriente, onde os acontecimentos foram transmitidos oralmente
durante séculos, e até 1000 anos, sem qualquer distorção essencial.
Tem-se hoje a certeza de que o conceito usual do criticismo da for-
ma do NT, que crê ter sido a comunidade de crentes a que produziu
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 94
a maioria das palavras de Jesus, está errado e se apóia em assunções
folclóricas ultrapassadas. Uma parábola, uma alegoria ou um
provérbio significativo tem sua origem sempre numa pessoa e não
numa comunidade (p. 29). Baseando-se em novas interpretações, as
histórias individuais, as palavras, os relatórios de milagres, as
parábolas, os sermões, etc., não perduraram muito tempo, nem
foram manuseados como histórias desconexas durante décadas das,
nas quais supostamente teriam tomado forma de acordo com certas
leis da tradição oral, mas desde o principio foram reunidas num
todo unificado (p. 35). Sabe-se hoje que as formas e gêneros não
tem sua origem em necessidades, como afirmaram os críticos da
forma (p. 36).
120 Especialmente W. F. Albright em American Journal of
Archaeology, 54 (1950), 162-164.
121 Como exemplo, citamos: Os nove conhecidos contos épicos
sumerianos variam de 100 a 600 linhas de comprimento, as dezenas
de hinos sumerianos de quatro tipos que variam de cerca de 50 a
mais de 400 linhas, as lamentações sumerianas que variam de cerca
de 50 a mais de 200 linhas, e os provérbios sumerianos que variam
de uma a 10 linhas. N. S. Kramer, "Sumerian Literature, A General
Survey", The Bible and the Ancient Near East, ed. G. E. Wright
(Anchor ed.; Garden City, N.Y., 1965), pp. 327-352; I.E. Gordon,
Sumerian Proverbs (Filadélfia, 1959).
122 Kitchen, Ancient Orient and Old Testament, pp. 130-135.
123 TM, 106.
124 A. B. Mickelsen, Interpreting the Bible (Grand Rapids, Mich.,
1963), p. 158.
125 "O Senhor deu Sua Palavra justamente pela maneira que queria
que ela viesse. Deu-a por meio de diferentes escritores, tendo cada
um sua própria individualidade, embora repetindo a mesma história.
Seus testemunhos são trazidos juntos em um só Livro, ... e essa
diversidade amplia e aprofunda o conhecimento que vem satisfazer
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 95
as necessidades dos variados espíritos. Os pensamentos expressos
não têm estabelecida uniformidade, como se houvessem sido
lançados em molde de ferro, tornando monótono o próprio ouvir.
Em tal uniformidade haveria perda da graça e beleza que os
distingue." (1ME, 21s).
126 Ed, 189 (grifo nosso).
127 1ME, 21.
128 PR, 731; cf. Ed., 182.
129 E. G. White fala da seguinte maneira a respeito do "significado
oculto da Palavra", no seguinte contexto: "A Bíblia é seu próprio
expositor. Uma passagem será a chave que descerrará outras
passagens, e deste modo haverá luz sobre o significado oculto da
Palavra." (FE, 187).
130 K. Fror, Biblishe Hermeneutik (3a. ed., Munique, 1967), p. 65.
131 Marcião recebeu um tratamento acurado da parte de A. von
Harnack em Marcion Das Evangelium vom fremden Gott (2a. ed.;
1924); J. Knox, Marcion and the New Testament (1942); E. C.
Blackman, Marcion and His Influence (1948).
132 Von Harnack, Marcion, pp. 221-222. Assim nos chega a "voz de
Marcião em Linguagem moderna", diz J. Bright, The Authority of
the Old Testament (1967), p. 65.
133 F. Delitzsch, Die grosse Tauschung (1920-21), 2 vols.
134 E. Hirsch, Das Alte Testament und die Predigt des Evangeliums
(1936).
135 Ibid., pp. 27, 29, 83.
136 Bright, The Authority of the Old Testament, pp. 69-72; E.
Voegelin, "History and Gnosis", OTCF, pp. 64-89, chama
Bultmann de pensador gnóstico. G. Michalson, "Is the Old
Testament the Propaedeudic to Christian Faith?" OTCF, pp. 64-89,
defende acaloradamente Bultmann desta acusação.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 96
137 Bultmann, "prophecy and Fulfillment", EOTH, p. 73. Cf. J. Barr,
"The Old Testament and the New Crisis of Biblical Authority",
Interpretation 25 (1971), 30-32.
138 Bultmann, "The Significance of the Old Testament for the
Christian Faith", OTCF, pp. 22-30.
139 Bultmann, OTCF, p. 14.
140 OTCF, p. 13. Cf. crítica de C. Westermann em "Remarks on the
Theses of Bultmann and Baumgärgel", EOTH, pp. 124-228;
Wright, The Authority of the Old Testament, pp. 69-72
141 W. Pannenberg, "Redemptive Event and History", EOTH, pp.
325s.
142 F. Baumgärtel, Verheissung, p. 92.
143 F. Baumgärtel, "The Hermeneutical Problem of the Old
Testament", EOTH, p. 139; idem, Verheissung, pp. 144-148, onde
rejeita especificamente a interpretação de Hirsch, de ser o Velho
Testamento uma antítese do Novo.
144 Baumgärtel, EOTH, p. 151.
145 Baumgärtel, EOTH, p. 156.
146 Baumgärtel, EOTH, p. 135.
147 Baumgärtel, EOTH, p. 135.
148 Baumgürtel, EOTH, p. 156.
149 Westermann, EQTH. 133.
150 G. von Rad, "Verheissung", EvTh, 13 (1953), 410. Críticas
incisivas contra a posição de Baumgärtner foram feitas por A. H. J.
Gunneweg, "Uber die Pr&dikabilit'at Alttestamentlicher Texte",
ZTK, (1968), 398-400.
151 H.- J. Kraus, "Der Lebendige Gott", EvTh, 27 (1967), 169-200, re-
prova isto por não tomar o Velho Testamento em consideração.
152 F. Hesse, Das Altes Testament ais Buch der Kirche (1966); idem
"The Evaluation and Authority of the Old Testament Texts" EOTH, pp.
308-313; Cf. Hasel, Old Testament Theology, pp. 69s. e outros.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 97
153 Ver especialmente R. T. France, Jesus and the Old Testament
(1971) e Wenham, Christ and the Bible, pp. 11-81.
154 A. A. van Ruler, The Christian Church and the Old Testament
(1970).
155 Ibid., p. 72,
156 Ibid., p. 74 n.
157 Ibid., pp. 75-98.
158 Ver crítica à posição de van Ruler sobre este ponto, feita por Th. C.
Vriezen, "Theocracy and Soteriology", EOTH, pp. 221-223.
159 Ibid., pp. 51s.
160 Ibid., p. 69.
161 J. J. Stamm, "Jesus Christ in the Old Testament", EOTH, pp. 200-
210.
162 Ibid., p. 208.
163 K. H. Miskotte, When the Gods are Silent (1967).
164 Th. C. Vriezen, An Outline of Old Testament Theology (2a. ed.;
1970), p. 98.
165 W. Vischer, Das Christuszeugnis des Alten Testaments (7a. ed.;
1946) , 2 vols.
166 Ibid., I. 14.
167 Ibid., I. 7.
168 Ibid., I. 12, 26
169 Vischer, citado por H. W. Hertzberg, TLZ, 4 (1949), 221.
170 Vischer, The Witness of the Old Testament to Christ, I, 44.
171 Ibid., I. 75s.
172 Ibid., I. 87s.
173 Ibid., I. 104s.
174 Ibid., I. 153.
175 A metodologia exegética de Vischer foi publicada recentemente de
maneira muito clara no seu "La mathode de l'exegese biblique",
RThPh 10 (1960),109-123.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 98
176 W. Vischer, Pie Bedeutung des AT für das Christliche Leben
(1947), p. 5.
177 Bright, The Authority of the Old Testament, p. 88.
178 Uma boa abordagem para reconhecer o pleno significado e o
sentido mais profundo da Escritura é feita por Gerhard F. Hasel em
A Symposium on Biblical Hermeneutics, ed. G. M. Hyde
(Washington, D.C., 1974), pp. 184-191.
179 F. C. Grant, An Introduction to New Testament Thought, (1950), p.
29.
180 C. H. Dodd, The Present Task in New Testament Studies (1936),
p.32.
181 H. H. Rowley, The Unity of the Bible, p. 3.
182 Ibid., p. 95.
183 W. Eichrodt, Theology of the Old Testament (1961), I, 26.
184 G. von Rad, Old Testament Theology (1965), II, 369: "O contexto
maior em que devemos situar os fenômenos do Velho Testamento,
se é que devam ser apreciados de maneira significativa, não é,
contudo, um sistema geral de valores religiosos e ideais, mas o
âmbito duma história específica que foi posta em movimento pelos
atos e palavras de Deus, tal como o Novo Testamento o vê, e
encontra seu propósito na vinda de Cristo. Unicamente neste
acontecimento é que existe algum ponto para buscar algo de
análogo e comparável. E é somente nesta maneira de ver o Velho e
o Novo Testamentos que a correspondência e analogia entre ambos
pode surgir na sua própria luz."
185 H. W. Wolff, "The Hermeneutics of the Old Testament", EOTH, p.
181.
186 Rowley, The Unity of the Bible, p. 94 (grifos do autor).
187 E. G. White, That I May Know Him (1964), p. 208.
188 F. V. Filson, "The Unity Between the Testaments", The
Interpreter's One-Volume Commentary on the Bible (Nashville,
1971), p. 992.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 99
189 J. L. McKenzie, "Aspects of Old Testament Thought", The Jerome
Biblical Commentary, eds. R. E. Brown, J. A. Fitzmyer, e R. E.
Murphy (1968), p. 75fT
190 Para o todo, ver R. T. France, Jesus and the Old Testament (1971).
191 P. A. Verhoef, "The Relationship Between the Old and the New
Testaments", New Perspectives on the Old Testament, ed. J. B.
Payne (1970), p. 282.
192 R. Nicole, "New Testament Views of the Old Testament",
Revelation and the Bible, ed. C. F. H. Henry (1958), p. 137, conta
pelo menos 295 referências separadas, das quais 224 são citações
diretas introduzidas por uma fórmula certa e definida. K. Grobel,
"Quotations", Interpreter's Dictionary of the Bible (1962), III, 977,
escreve que o VT é "explicitamente citado cerca de 150 vezes e
tacitamente citado em algumas 1.100 vezes mais".
193 F. Hesse, Das Alte Testament ais Buch der Kirche (1966), p. 38.
194 R. Bultmann, "Prophecy and Fulfillment", EOTH, pp. 50-75, que
foi criticado por C. Westermann, EOTH, pp. 124-128.
195 E. E. Ellis, Paul's Use of the Old Testament (1967), p. 143:"A
exegese paulina emprega muito a metodologia que se encontra na
literatura rabínica e noutras." Sobre os métodos rabínicos de
interpretação, ver S. H. Horn, "Jewish Interpretation in the
Apostolic Age", em A Symposium on Biblical Hermeneutics, pp.
17-26.
196 F. F. Bruce, Biblical Exegesis in the Qumran Texts (Grand Rapids,
Mich., 1959), pp. 66-77; R. H. Gundry, The Use of the Old
Testament in St. Matthew's Gospel (Leiden, 1967) . J. A. Fitzmyer,
"The Use of Explicit Old Testament Quotations in Qumran and in
the New Testament", NTS, 7 (1960-61), 297-333.
197 Verhoef, New Perspectives on the Old Testament, p. 284; G. C.
Berkouwer, DieHeilige Schrift (1967), II, 175.
198 Bright, The Authority of the Old Testament, p. 211.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 100
199 Ver G. F. Hasel, The Remnant (2a. ed.; Berrien Springs, Mich.:
Andrews University Press, 1974).
200 Rowley, The Unity of the Bible, p. 89.
201 McKenzie, The Jerome Biblical Commentary, p. 767.
202 G. R. Kittel—G. Friedrich, eds. Theological Dictionary of the New
Testament (1962-1973), 8 vols.; L. Coenen el al., eds. Theologisches
Begriffslexikon zum Neuen Testament (3a. ed., 1972); G.
Botterweck—H. Ringgren, eds., Theological Dictionary of the Old
Testament (1974ss.).
203 D. Hill, Greek Words and Hebrew Meanings: Studies m the
Semantics of Soteriological Terms (1967); J. Barr, The Semantics
of Biblical Language (1961); idem, Biblical Words for Time
(1962).
204 A literatura recente sobre o tópico da tipologia e muito grande e
continua a crescer. Para sua história, ver L. Goppelt, Typos: Die
typo-logische Deutung des Al ten Testaments (1939); G. W. H.
Lampe e J. J. Woollcombe, Essays on Typology (1975); P.
Fairbairn, The Typology of Scripture (n.d.); W. Eichrodt, "Is
Typological Exegesis an Appropriate Method?" EOTH, pp. 224-
245; G. von Rad, "Typological Interpretation of the Old
Testament", EOTH, pp. 17-39; idem, Old Testament Theology, II,
364-374. Uma abordagem cuidadosa à tipologia é aceita por van
Ruler, The Christian Church and the Old Testament, pp. 57-74. A
tipologia é totalmente rejeitada por Barr, Old and New
Interpretation (1966), pp. 103-148), que não faz distinção entre
tipologia e alegoria.
205 Um bom número de eruditos faz sérias admoestações, ver J. D.
Smart, The Interpretation of Scripture (1961), pp. 129-133
206 Hasel, Old Testament Theology, pp. 73s.
207 Verhoef, New Perspectives on the Old Testament, p. 285.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 101
208 S. João 20:25; Atos 7:43, 44; 23:26; Rom. 5:14; 1 Cor. 10:6, 11;
Fil. 3:17; 1 Tess. 1:7; 1 Tess. 3:9; 1 Tim. 4:12; Tito 2:7; 1 Ped. 5:3;
Heb. 8;5. Cf. L. Goppelt, τυπος, TDNT, (1972), VIII, 246-59.
209 Gundry, The Use of the Old Testament in St. Matthew's Gospel,
pp. 209s.
210 Entre os exemplos desta abordagem geral (com variações) estão G.
von Rad "Typological Interpretation of the Old Testament", EOTH, pp.
17-39; idem, Old Testament Theology, II, 319-429; H. W. Wolff,
"The Old Testament in Controversy: Interpretative Principles and
Illustration", Interpretation, 12 (1958), 281-291); idem, "The
Hermeneutics of the Old Testament", EOTH, pp. 160-199; W.
Zimmerli, "Promise and Fulfillment", EOTH, pp. 89-122; C.
Westermann, "The Way of the Promise through the Old
Testament", OCTF, pp. 200-224; idem Jesus Christ and Old
Testament (1971); Bright, The Authority of the Old Testament, pp.
192ss.; Rowley, The Unity of the Bible pp. 90-121; K. FrBr,
Biblische Hermeneutik (3a. ed., 1967), pp. 146; Hasel, Old
Testament Theology, pp. 75s.
211 H. D. Preuss, Jahweglaube und Zukunftserwartung (1968), mostra
que se pode falar da fé do Velho Testamento como uma
"expectativa futura". (pp. 205ss.).
212 H. H. Rowley, The Faith of Israel (1956), p. 177.
213 Zimmerli, EOTH, p. 111.
214 2 Sam. 7:13 = 1 Reis 8:20; 1 Reis 11:29ss. = 1 Reis 12:51b; 1 Reis
13 = 2 Reis 23:16-18; 1 Reis 14:6ss. = 1 Reis 15:29; 1 Reis 16:1ss.
= 1 Reis 16:12; Jos. 6:26 = 1 Reis 16:34; 1 Reis 22:17 = 1 Reis
22:35s.; 1 Reis 21:21s. = 1 Reis 21:27-29; 2 Reis 1:6 = 2 Reis 1:17;
2 Reis 21:10ss. = 2 Reis 24:2; 2 Reis 22:15ss. = 2 Reis 23:30.
215 Bright, The Authority of the Old Testament, p. 198.
216 S. Mat. 26:56; 27:9; S. Mar. 14:49; S. Luc. 4:21; 21;22; S. João
13:18; 17:12; 19:24; Atos 1:16; Tiago 2:23; e muitas outras.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 102
217 Sobre este ponto, ver as observações que lhe cabem feitas por
Rowley, The Unity of the Bible, pp. 108ss.; Zimmerli, EOTH, pp.
113-122; W. Schweitzer, Schrift und Dogma in der Okumene
(1953), pp. 261s.; Verhoef, New Perspectives on the Old
Testament, p. 291.
218 Cf. C. F. D. Moule, "Fulfillment-Words in the New Testament: Use
and Abuse", NTTS, 14 (1968), 293-320.
219 Ver a variedade de ensaios sobre a história da salvação, feitas por
eruditos como A. Schlatter, O. Cullmann, L. Goppelt, G. E. Ladd, e
H.-J. Kraus.
220 D. Braun, "Heil ais Geschichte", EvTh 27 (1967), 57-76.
221 Verhoef, New Perspectives on the OT, pp. 292s.
222 Vriezen, An Outline of Old Testament Theology, p. 123.
223 Rowley, The Unity of the Bible, pp. 109s.
224 Zimmerli, EOTH, p. 114.
225 Verhoef, New Perspectives on the Old Testament, p. 293.
226. Filson, The Interpreter's One-Volume Commentary, p. 992.
227 Bright, The Authority of the Old Testament, p. 196.
228 M. Meinertz, Theologie des Neuen Testaments (1950), I, 54.
229 Verhoef, New Perspectives on the Old Testament, p. 293.

SIGLAS USADAS

Traduções da Bíblia em Português:


AA - Tradução Almeida, antiga. Sociedade Bíblica Brasileira.
ARA - Tradução Almeida revista e atualizada. Sociedade Bíblica
Brasileira
A ausência de sigla indica que a passagem foi tirada desta tradução.
B - Tradução Brasileira. Sociedade Bíblica do Brasil.
BLH - A Bíblia na Linguagem de Hoje. Sociedade Bíblica do
Brasil.
Interpretação Bíblica: Princípios Gerais 103
CBC - Tradução feita pelo Centro Bíblico Católico. Editora "Ave
Maria", São Paulo. LEB - Tradução feita sob os auspícios da
Liga de Estudos Bíblicos. Editora Abril Limitada, São Paulo. 8
volumes. Esta tradução foi publicada em fascículos com o
nome de "A Bíblia Mais Bela do Mundo".
PIB - Tradução dirigida pelo Pontifício Instituto Bíblico, Roma.
Edições Paulinas.

Obras de E. G. White:
AA - Atos dos Apóstolos.
CP - Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes.
Ed - Educação.
Ev - Evangelismo.
FE - Fundamentos da Educação Crista.
GC - 0 Grande Conflito.
1ME, 2ME - Mensagens Escolhidas, vols. 1, 2.
MS - Manuscrito.
OC - Orientação da Criança.
PJ - Parábolas de Jesus.
PR - Profetas e Reis.
IT, 2T, etc. - Testimonies (em inglês), vols. 1, 2, etc.
TM - Testemunhos para Ministros.
ITS, 2TS, 3TS - Testemunhos Seletos, vols. 1, 2, 3.
2SP, 4SP – Spiritual Gifts, vols. 2, 4,...

Outros:
1BC, 2BC, etc - SDA Bible Commentary, vols. 1, 2, etc.
RH - Review and Herald.

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