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Na realidade, a dimensão cultural nas análises internacionalistas não era nova, porém
nenhuma abordagem anterior que introduzia os temas da cultura e da formação de
identidades havia gerado os frutos que gerariam estas novas abordagens dos anos
1990.
Com efeito, as abordagens dos anos 1960 que se preocupavam com a dimensão
cultural tiveram o mérito de introduzir o papel das variáveis cognitivas nas análises de
política externa, procurando evitar as distorções das informações e os problemas
gerados pela consideração dos Estados enquanto atores homogéneos, racionais e
unitários por parte dos realistas. Nos anos 1970, autores da Escola Inglesa como
Hedley Bull recuperaram um tema grociano ao repescar o conceito de sociedade
internacional, o qual pressupõe a existência de normas partilhadas internacionalmente
assentes numa cultura internacional. Já durante toda a década de 1980, as perspetivas
pós-modernas, pós-estruturalistas, feministas e críticas da Escola de Frankfurt e ainda
os construtivistas apresentaram um interesse permanente pelos fatores mais
subjetivos nas análises internacionalistas, designadamente a cultura e a formação das
identidades (HERZ, 1997: 4).
A moderna teoria política, em lugar de acentuar o papel dos hábitos e das práticas
comuns que especialmente dentro de uma mesma comunidade conduz à cooperação,
acentuou sempre os interesses dos atores que estabelecem (ou não) essa cooperação.
Os interesses dos atores que perseguem estratégias destinadas a alcança-los é o que
forma o núcleo duro da moderna teoria política, que os considera como dados
adquiridos, não se preocupando, por conseguinte, em refletir sobre esses interesses e
sobre os objetivos dos atores. Considerando-os como dados existentes, o que interessa
à moderna tradição do estudo da cooperação internacional é explicar as escolhas dos
atores em termos de racionalidade estratégica e instrumental, resultado da utilização,
ou não, da força (MANSFIELD, 1994: 43).
Assim, estas perspetivas abriram caminho para que, na década de 1990, o papel do
Direito Internacional e das organizações internacionais, a universalização dos regimes
democráticos liberais e a relação entre a paz e o comércio internacional – temas
especificamente idealistas – fossem recuperados na base da importância concedida à
normatividade do Paradigma Idealista. Afinal, do ponto de vista das abordagens
reflexivistas, a complexidade do sistema internacional a partir do final da Guerra Fria
exige a compreensão da cooperação internacional através da tradição idealista, que
significa “a crença de que práticas e instituições podem ser modificadas, gerando a
reforma do sistema” (HERZ, 1997: 5), numa base normativa, que encara as ideias
enquanto variável explicativa dos fenómenos internacionais.
Segundo Emanuel Adler (1999: 204), realistas como Hans Morgenthau (1948) e Morton
Kaplan (1957) e neorrealistas como Kenneth Waltz (1979) e Robert Gilpin (1981),
assentes numa ontologia positivista, explicam as relações internacionais como
respostas comportamentais dos Estados no seio do sistema internacional. Do lado
oposto, os partidários da ontologia pós-positivista interpretativa ou reflexivista1,
assentes numa filosofia relativista da ciência, para a qual o mundo natural e as
evidências empíricas pouco ou nada constrangem as crenças do indivíduo (LAUDAN,
1990: viii), procuram explicar as relações internacionais através do estudo das relações
sociais, já que o que importa no sistema internacional são as relações sociais
internacionais e, para que estas possam ser interpretadas, é necessário estudar a única
variável relevante, as ideias (ADLER, 204). Se os primeiros adotam uma metodologia de
base positivista, dita neopositivista, os segundos seguem uma metodologia de base
pós-positivista.
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Os partidários de epistemologias interpretativas ou reflexivistas tanto são os teóricos pós-modernos e
pós-estruturalistas como Richard Ashley e Rob Walker (1990), James Der Darian e Michael Shapiro
(1989), quanto teóricos críticos como Robert Cox (1986), Stanley Hoffman (1987) e Andrew Linklater
(1989, 1996), quanto ainda teóricos feministas como Anne Sisson Runyan e Spike Peterson (1991) e J.
Ann Tickner (1992).
Para Emanuel Adler (1999: 205), os institucionalistas, centrados sobre os interesses
materiais e ideais que, mais do que as ideias, governam a conduta humana e, assim, as
relações internacionais, coincidem com os neorrealistas no fundamento das suas
análises, porém introduzem as ideias nas suas avaliações, fazendo uma concessão aos
interpretativistas reflexivistas. Afinal, Robert Keohane e Judith Goldstein (1993: 3)
consideram que as ideias, entendidas enquanto “crenças mantidas pelos indivíduos”
podem afetar as escolhas e os resultados políticos no processo de escolha racional
para processamento das informações.
É neste sentido que Wendt (1999: 40) procura, com o seu Construtivismo estreito
(WENDT, 1999: 2), criar uma via média através do Terceiro Debate das Relações
Internacionais, buscando reconciliar o que, para muitos académicos, é tido à partida
como posições epistemológicas e ontológicas incompatíveis. Afinal, o que realmente
importa é o que existe e não a forma como os teóricos o interpretam. Ademais, a
ciência deveria ser, em vez de método-orientada, questão-orientada, já que a
importância das questões constitutivas origina um papel central, nas Ciências Sociais,
para os métodos interpretativos. No entanto, os pós-positivistas dão demasiada ênfase
à epistemologia, enquanto os positivistas deveriam ter a mente mais aberta, tanto
para as questões, tanto para as novas metodologias. O esforço de Wendt vai assim no
sentido de tentar uma via média entre estas duas filosofias opostas, que têm
dificuldade em falar entre si, e mostrar que, se os pós-positivistas podem dar menos
ênfase à epistemologia, também os positivistas podem ser abertos a novas questões
de pesquisa e a novos de métodos de investigação (WENDT, 1999: 40).