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SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro.

Civilização Brasileira, 2009.

Já na nota introdutória, Karl comenta que não pretende esgotar o tema nem a escrever
uma obra de introdução à ficção brasileira que aborde seus aspectos e autores
relevantes, mas que trata de questões centrais para entender as transformações que vêm
ocorrendo na literatura contemporânea, dando preferência às obras recentes, sem muitas
críticas.

Que significa literatura contemporânea?


Primeiramente o autor começa a obra abordando o ser contemporâneo e o que significa
isso na literatura saindo da banalidade de que significaria uma ficção produzida nos
últimos anos. Ele busca no filósofo italiano Giorgio Agamben (2008) a resposta do que
é ser contemporâneo e obteve a resposta, através da consideração de Nietzsche, que o
contemporâneo se aproxima do intempestivo, significando que “O contemporâneo é
aquele que, graças a uma diferença, uma defasagem ou um anacronismo, é capaz de
captar o seu tempo e enxerga-lo.” (p. 9) Expressando o presente sem se conectar a esse.
“a literatura contemporânea não será necessariamente aquela que representa a
atualidade, a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica que a faz perceber
as zonas marginais e obscuras do presente, que se afastam da sua lógica. Ser
contemporâneo, segundo esse raciocínio, é ser capaz de se orientar no escuro e, a partir
daí, ter coragem de reconhecer e de se comprometer com um presente com o qual não é
possível coincidir.” (p. 10)
“O escritor contemporâneo parece estar motivado por uma grande urgência em se
relacionar com a realidade histórica, estando consciente, entretanto, da impossibilidade
de captá-la na sua especificidade atual, em seu presente.” (p. 10)
O autor comenta que a geração contemporânea de escritores tem certa urgência, para
atingir seu alvo com eficiência. “O essencial é observar que essa escrita se guia por uma
ambição e pelo desejo de chegar a alcançar uma determinada realidade, em vez de
propor como uma mera pressa ou alvoroço temporal.” (p. 11)
O autor comenta que há certa dificuldade em lidar com o presente, por ser próximo,
fazendo alguns escritores se sentirem anacrônicos em relação ao presente, utilizando a
literatura para interagir com o mundo nessa temporalidade de difícil captura.
O autor comenta que a produção atual tem imediatismo no processo criativo e ansiedade
para intervir nessa realidade presente conturbada, sem confundir com a busca
modernista por um presente de novidades e inovações.
“Mas, para os escritores deste início do século XXI, o presente só é experimentado
como um encontro falho, um “ainda não” ou um “já era”’ (p. 12)
“Se o presente modernista oferecia um caminho para a realização de um tempo
qualitativo, que se comunicava coma história de maneira redentora, o presente
contemporâneo é a quebra da coluna vertebral da história e já não pode oferecer nem
repouso, nem conciliação.” (p. 12)
Sendo assim, a geração contemporânea busca responder a esse “anacronismo ainda
tributário de esperanças que lhe chegam tanto do passado perdido quanto do futuro
utópico” (p. 12)
Nesse sentido temporal, há certa preocupação relacionada à criação de sua própria
presença, querendo tornar-se a “ficção do momento” e/ou impor a sua presença
performativa. “Questiona-se, assim, a eficiência estilística da literatura, seu impacto
sobre determinada realidade social e sua relação de responsabilidade ou solidariedade
com os problemas sociais e culturais de seu tempo.” (p. 13)
O autor também comenta sobre as novas tecnologias, principalmente os blogs, e sua
facilidade em divulgar novos textos, driblando o processo tortuoso do processo seletivo
das editoras, embora não ofereça real concorrência ao mercado editorial, sendo “um
fenômeno minoritário e marginal” (p. 14). Apesar disso ajudou a baratear os custos de
produção de livros, auxiliando na estreia de novos escritores em pequenas editoras.
“Certamente poderemos apontar a popularidade das formas ultracurtas de minicontos e
das estruturas complexas e fragmentadas como um sintoma, mas também o hibridismo
crescente entre a escrita literária e a não literária, seja jornalística e pública, seja pessoal
e íntima.” (p. 14)
O autor comenta que entre os escritores mais recentes, há certa impossibilidade de
“intervir e recuperar a aliança com a atualidade” (p. 14)
O autor comenta sobre duas vertentes, a primeira “se evidencia na perspectiva de uma
reinvenção do realismo, à procura de um impacto numa determinada realidade social ou
na busca de se refazer a relação de responsabilidade e solidariedade com os problemas
sociais e culturais de seu tempo.” (p. 15) e a outra, “evocar e lidar com a presença torna-
se de consciência subjetiva e de uma aproximação literária ao mais cotidiano,
autobiográfico e banal, o estofo material da vida ordinária em seus detalhes mínimos.”
(p. 15).
Ou seja, “De um lado, haveria a brutalidade do realismo marginal, que assume seu
desgarramento contemporâneo, e, de outro, a graça dos universos íntimos e sensíveis,
que apostam na procura da epifania e na pequena história inspirada pelo mais dia,
menos dia de cada um.” (p. 15)
Outra polarização também aparece entre os “aqueles que enveredam por experiências de
linguagem e estilo (os “chatos herméticos), e, de outro, aqueles que se voltam para as
narrativas tradicionais em benefício do entretenimento e da “história bem contada”.” (p.
16)
Uma relação que fica no meio dessa polarização foi encontrada por Roland Barthes
(2003) denominada o neutro, que “é precisamente o lugar da escrita literária, nem o
reflexo representativo do mundo exterior nem a expressão íntima do interior subjetivo
do interior subjetivo, mas “uma relação justa com o presente, atento e não arrogante” (p.
171), ou um estar no mundo que desafia a confusão entre moderno, no sentido temporal
e reivindicativo, e presente, no sentido de criar presença pela literatura,” (p. 16)
O autor comenta que geralmente é possível definir cada década como definidora de cada
geração, porém a Geração “00” ainda não ganhou perfil claro e apesar de ter, na visão
da pesquisadora e crítica Beatriz Resende (2007) uma multiplicidade e heterogeneidade
tolerante, não impôs nenhum tendência clara.
A impressão de diversidade pode vir, de acordo com o autor, da proliferação de novos
nomes. Com a economia, a tecnologia e a divulgação relacionada aos livros
favorecendo, fica mais fácil publicar.
O autor comenta que a atenção em torno do escritor aumentou, tornando-se chique
escrever. Inclusive na televisão aumentou a representação cultural e literária, com vários
novos nomes aparecendo, sem nenhum liderando ou se destacando.

Breve mapeamento das últimas gerações


Nesse capítulo o autor traz para a discussão “um repertório de escritores e de obras que
iluminam cortes e continuidades da ficção brasileira, possibilitando mapear temas e
opções estilísticas e formais que se apresentam nas escritas dos autores
contemporâneos.” (p. 21)
Sem se preocupar com os mecanismos eficientes de canonização e marketing.
“Para Heloísa Buarque de Hollanda, a principal tendência da literatura das últimas
décadas do século XX podia ser vista no modo como esta se apropriava do cenário
urbano e, especialmente, das grandes cidades.” (p. 22) Segundo a autora acima, “o
surgimento incisivo de uma literatura urbana desenha os contornos de uma ficção
contemporânea que estaria em sintonia com o conturbado desenvolvimento demográfico
do país.” (p. 22)
“a década de 1960 marca o início de uma prosa urbana arraigada na realidade social das
grandes cidades e que, durante a década de 1970, encontra sua opção criativa no conto
curto.” (p. 22)
“Os anos 70 se impõem sobre os escritores com a demanda de encontrar uma expressão
estética que pudesse responder à situação política e social do regime autoritário.” (p. 22)
“já na década de 1980, começava a ampliar as fronteiras e permitir aos escritores tratar
de questões de fronteira e de espaço, sem a camisa de força das determinações de
identidade nacional.” (p. 22)
O autor comenta que após o golpe de 1964 o escritor brasileiro teve que fazer uma
escolha estilística, poderia “seguir a corrente latino-americana em direçãoa uma
literatura mágico-realista e alegórica ou retornava aos problemas estilístico não
resolvidos pelo realismo social, como os que haviam problematizados nos romances da
década de 1930” (p. 23) tendo denominador comum às duas vertentes “o compromisso
temático com uma crítica social e política contra qualquer tipo de autoritarismo.” (p.
23)
A opção pelo realismo foi confirmada, embora buscasse novas formas.
Por ter gerado certos traços que apontam para a compreensão da literatura da virada do
século, a geração do século 1970 é comentada, não apenas ligada ao novo realismo
urbano, mas pela sua “anarquia formal” (p. 24), por permitir uma inovação nas opções
estilísticas.
“Para Santiago, surge, assim, uma genealogia entre o texto modernista e o
memorialismo, abordando a família e o clã, enquanto os jovens mais politizados
encontram no escopo autobiográfico expressão mais propícia a um novo engajamento.
Sem dúvida, identifica-se a vertente autobiográfica e memorialista também na literatura
contemporânea, agora não mais enquanto decisão existencial diante de opções de vida
sob o regime autoritário, mas na procura por modos de existência numa democracia
economicamente globalizada mais estável, porém ainda incapaz de criar soluções para
seus graves problemas sociais.” (p. 24-25)
“A literatura autobiográfica da década de 1970 foi profundamente marcada pelo
memorialismo de Pedro Nava e por sua obra monumental em seis volumes [...], mas
também foi lugar de revisão das posturas do engajamento político (p. 25)
Outra tendência comentada pelo autor são as formas híbridas de literatura e não
literatura como o romance-reportagem, chamada de literatura verdade pela crítica e
ensaísta Flora Süssekind em 1985, onde os escritores colocavam em seus romances
situações que realmente aconteceram, encobrindo com a ficção para não serem
censurados. Outra vertente mapeada pela Flora é a literatura do eu, que, em contraste
com a literatura verdade, é a continuidade de uma prosa mais existencial e intimista.
Na década de 1970 há também alguns trabalhos experimentais com a linguagem, como
as obras produzidas por Raduan Nassar e Osmar Lins.
Com a volta da democracia e uma abertura política, aparece uma escrita mais
“psicológica que configura uma subjetividade em crise.” (p. 26-27)
“Mas a principal inovação literária foi a prosa que Alfredo Bosi (1975) batizou de
brutalismo [...] o brutalismo caracterizava-se, tematicamente, pelas descrições e
recriações da violência social entre bandidos, prostitutas, policiais corruptos e
mendigos. Seu universo preferencial era o da realidade marginal, por onde perambulava
o delinquente da grande cidade, mas também revelava a dimensão mais sombria e cínica
da alta sociedade.” (p. 27)
Trabalhando uma “crueza humana” até então inédita na literatura do país.
“Fonseca renovou a prosa brasileira com uma economia narrativa nunca antes vista, que
marcaria as premissas da reformulação do realismo, cujo sucesso de público e de crítica
consolidou um novo cânone para a literatura urbana brasileira.” (p. 28)

O pós-modernismo
A década da literatura “pós-moderna” acontece, de acordo com o autor, em meados da
década de 1980, com a democratização.
“Um novo critério de qualidade surge, resultando em romances que combinam as
qualidades de best sellers com as narrativas épicas clássicas” (p. 29)
“Apesar de representar um retorno aos temas tradicionais da fundação da nação, da
história brasileira e do desenvolvimento de uma identidade cultural, esses romances
representam, ao mesmo tempo, uma reescrita da memória nacional da perspectiva de
uma historiografia metaficcional pós-moderna, valendo-se frequentemente da
irreverência nesse trabalho.” (p. 29)
O autor comenta sobre alguns livros de sucesso que conseguiram enredar partes da
nossa história num enredo policial que conquistou os fãs.
“Trata-se de literatura sobre literatura, ficção que discute sua própria construção e
reflete sobre como tais mecanismos afetam a percepção do mundo que se costuma
reconhecer como real.” (p. 30)
O autor comenta que ao longo da década de 1980, o elemento mais utilizado para
reconhecer essa metarreflexão literária, vertente pós-moderna, “era a combinação
híbrida entre alta e baixa literatura, propiciada pelo novo diálogo entre literatura, a
cultura popular e a cultura de massa, ou a mescla entre os gêneros de ficção e as formas
de não ficção, como a biografia, a história e o ensaio.” (p. 30-31)
Outra dimensão híbrica acontece com a literatura e outros meios de comunicação, como
cinema, fotografia, publicidade, entre outros, chamada de multimídia ou metamídia por
Süssekind. O flash encontra espaço na literatura, assim como “mudança de foco, cortes,
contrastes, elipses no tempo e ritmo acelerado” (p. 31)
“Mas a definição do pós-moderno depende, principalmente, de uma nova posição do
sujeito marcada pela expressão literária de uma individualidade desprovida de conteúdo
psicológico, sem profundidade e sem projeto.” (p. 31)

Da “Geração 90” à “00”


“Inicialmente, a “Geração 90” foi um golpe publicitário muito bem armado.” (p. 35)
Na qual a coletânea de contos inéditos de Nelson de Oliveira conquistou uma identidade
geracional para um grupo heterogêneo de escritores.
Porém, o autor comenta que nenhuma “escola literária”, nenhuma tendência clara,
nenhum movimento programático que unifique todos e inspire o escritor novato
apareceu e que a característica principal seria a falta de característica unificadora, “a não
ser pelo foco temático voltado para a sociedade e a cultura contemporâneas, ou para a
história mais recente tomada como cenário e contexto.” (p. 35)
De acordo com a coletânea de Nelson de Oliveira, o autor fomentou duas hipóteses
sobre a Geração 90, primeiro que as novas tecnologias e a internet provocaram nessa
geração uma preferência pela prosa curta, pelo miniconto e escritas instantâneas, e o
segundo é que essa geração retoma o exemplo da geração de 1970, produzindo um
boom do conto brasileiro.
O traço que melhor caracteriza a literatura da última década: “o convívio entre a
comunicação de elementos específicos, que teriam emergido nas décadas anteriores, e
uma retomada inovadora de certas formas e temas da década de 1970.” (p. 36)
(sobrevivência do realismo regionalista, exemplo)
“Outra característica da ficção que se inicia no início da década de 1990 é a
intensificação do hibridismo literário, que gera formas narrativas análogas às dos meios
audiovisuais e digitais” (p. 38)
O autor comenta sobre Fonseca, suas obras e como inspirou outros escritores, comenta
também sobre “a posição estoica diante da barbárie uma mistura de aceitação da
realidade, na sua grotesca crueldade, e uma atitude de humor conformada com a
existência humana.” (p. 41) Seguindo o estilo brutalismo.

O mercado
O autor comenta que foi apenas a partir da década de 1960 que os direitos autorais dos
textos literários passaram a ser seriamente discutidos no Brasil.
Na década de 1980 a carreira do escritor, a profissão, “ainda era visto do prisma do
conflito entre o mercado e o reconhecimento crítico.” (p. 46)
O autor comenta que foi nessa década (1980) que os escritores começaram a perceber
que a literatura era também produção de mercadoria em circulação e que o autor saía
perdendo, sendo bem poucos os que saboreavam a experiência de grandes verbas.
“o escritor precisa preparar-se para enfrentar os perigos de uma nova relação comercial
com o ofício, para não sucumbir à tentação de assumir os formatos digeríveis do gosto
do mercado e abrir mão do projeto literário e dos padrões de qualidade, herdados do
modernismo, de coerência e experimentação.” (p. 47)
Na década de 1980 houve um abandono do acontecimento político como pano de fundo
dos romances e poemas.
O autor comenta sobre a falta de romances brasileiros entre os mais vendidos e que
essas listas geralmente são congestionados por romances traduzidos. E que nem mesmo
os autores que se propuseram a criar best sellers conseguiram competir com os
internacionais, embora alguns autores tenham alcançado certo sucesso.
“Apesar da modernização do mercado editorial, sua realidade econômica é crítica.
Desde 1998 até muito recentemente, nenhum setor da economia brasileira sofreu tanto
quanto o mercado do livro.” (p. 50)
O autor comenta que a queda anual das compras de livros se deve, em parte, pela falta
de investimento do governo nos livros didáticos, que em 2001, por exemplo, comprou
117 milhões de livros, enquanto que a iniciativa privada vendeu 183 milhões, em 2005,
a iniciativa privada manteve os 183 milhões, enquanto que o governo diminuíra a
compra para 88 milhões de livros. Em relação às vendas, o mercado comercial passa por
uma tímida melhora graças à queda dos preços e redução dos lucros editoriais,
possibilitando em 2005 um aumento de 29 milhões de livros em relação ao ano anterior.
Infelizmente a literatura não se mantem como campeã d venda, sendo esse posto dos
livros didáticos e em segundo lugar dos religiosos.
“Naquele ano, as vendas totais de livros somaram 410 milhões de exemplares, e, no ano
passado, apenas 271 milhões. Em parte, a queda se explica pela falta de investimentos,
por parte do governo Lula, nos livros didáticos; em 2001, por exemplo, o governo
comprou 117 milhões de livros, enquanto que o mercado privado vendeu 183 milhões.
Em 2005, o mercado privado ainda se manteve com a venda de 183 milhões de
exemplares, enquanto o governo diminuíra a compra para 88 milhões de livros.” (p. 50)

O realismo de novo
“Ao longo do século XX, o realismo fez o seu retorno sob diferentes formas –
surrealismo, realismo fantástico, realismo regional, realismo mágico, new-realism, e
hiper realismo, para citar apenas alguns -, definidas, principalmente, pela diferença que
estabeleciam com o realismo histórico do século XIX.” (p. 53)
O autor apresente um “novo realismo”, desprezando o antigo e sem voltar, em relação
ao estilo, “ às técnicas da verossimilhança descritiva e da objetividade narrativa.” (p. 53)
“Diríamos, inicialmente, que o novo realismo se expressa pela vontade de relacionar a
literatura e a arte com a realidade social e cultural da qual emerge, incorporando essa
realidade esteticamente dentro da obra e situando a própria produção artística como
força transformadora. Estamos falando de um tipo de realismo que conjuga as ambições
de ser “referencial”, sem necessariamente ser representativo, e ser, simultaneamente,
“engajado”, sem necessariamente subscrever nenhum programa político ou pretender
transmitir de forma coercitiva conteúdos ideológicos prévios.” (p. 54)
O autor comenta que a literatura mais comercializável hoje em dia é a relacionada à
vida real, tais como biografias, cartas, reportagens, memórias, autoajuda, etc.
A indústria midiática oferece essa realidade, seja através de acontecimentos políticos
globais, seja entregando a intimidade de celebridades. A literatura então busca trabalhar
com esse tema se desvencilhando “da proliferação mimética visível nas coberturas
presencias da mídia” (p. 57) e tenta “se diferenciar do uso das técnicas de choque de
escândalo, já muito instrumentalizadas pela indústria midiática e pelas vanguardas
modernistas.” (p. 57)
O autor comenta que a literatura verdade, comum na década de 1970, continuou ena
década de 1980 e começo da de 1990, onde os escritores, muitas vezes formados em
jornalismo, incorporavam técnicas de roteiro à prosa.
O autor apresenta diversos autores que também são roteiristas e seus trabalhos.
O autor comenta sobre a estruturas das escritas atuais onde, na redução das frases, a
realidade é fixada, tanto no conto breve quanto no romance. A “cena” é cristalizada
nessa miniaturização.
O autor apresente que essa miniaturização, na obra de Noll, é uma síntese dos critérios
clássicos dos contos modernos curtos escritos por Poe “em que a brevidade alcançada
no tensionamento do presente continha o desdobramento possível de um passado e de
um futuro, e no qual a centralidade da ação do personagem principal podia ser
desdobrada em múltiplas consequências para um elenco amplo de personagens, com
histórias ao mesmo tempo paralelas e entrecruzadas.” (p. 65)
Schollhammer comenta sobre o escritor Marcelino Freire, no qual organizou o livro Os
cem menores contos brasileiros do século, com minicontos de até 50 letras.

O hiper-realismo
“Hal Foster (1994) observa como esse tipo de realismo não se deixa explicar
adequadamente por nenhum dos dois esquemas de compreensão predominantes na
crítica das últimas décadas: o modelo referencial, por um lado, e o simulacral, por
outro. O primeiro modelo entende as imagens e os signos como ligados a referentes, a
temas iconográficos ou a coisas reais, pertencentes ao mundo da experiência, e o
segundo entende todas as imagens como meras representações de outras imagens, o que
converte todo o sistema de representação, inclusive o realismo, em um sistema
autorreferencial.” (p. 72)
“Para Hal Foster, é exatamente a possibilidade de coexistência dos dois modos de
representação que constitui o que ele denominará “realismo traumático”.” (p. 72)
“A representação nos guarda e protege contra o real em sua manifestação mais concreta
(violência, sofrimento e morte) e, num mesmo golpe, indica e aponta para o real, na
recriação de alguns de seus efeitos como efeitos estéticos.” (p. 72-73)
“No discurso narrativo realista, o recuo do narrador em terceira pessoa imprimia
profundidade à intimidade da primeira pessoa, e havia uma hierarquia de proximidade
subjetiva à vivência narrada. Aqui, o narrador em primeira pessoa não expressa um
maior grau de proximidade com a intenção subjetiva, mas uma espécie de flagra da
representação de uma terceira pessoa que estaria por trás da primeira.” (p. 74-75)

Um novo regionalismo?
Schollhammer comenta que a realidade urbana é um dos traços da literatura da década
de 1970 que a “Geração 90” preservou e que continua sendo um dos alicerces do
realismo desde o século XIX até hoje.
O autor comenta que o escritor Ruffato é um herdeiro da tradição realista, mas que é
“preciso usar esse conceito desvinculando-o da ilusão de uma linguagem referencial
capaz de conferir transparência à linguagem literária e à realidade da experiência.” (p.
79)
O autor comenta que é preciso questionar o privilégio do realismo histórico. “a fim de
entender de que maneira a literatura contemporânea procura criar efeitos de realidade,
sem precisar recorrer à descrição verossímil ou à narrativa causal e coerente.” (p. 79)
Comprometimento com a realidade social do país contemporâneo; narrativa urbana;
histórias de pessoas comuns em situações de medo, violência, crime, miséria, etc.
O autor comenta que o interesse é perceber quais os recursos utilizados por Ruffato que
ele consegue esse efeito na narrativa dele.
“a crítica acadêmica especializada começou a ter na abordagem dos estudos culturais,
vertente de estudos que emplacou no Brasil no fim da década de 1980, muito
impulsionada pela fundação da Associação Brasileira de Literatura Comparada
(Abralic) e pela orientação predominante em direção ao mundo acadêmico americano,
que se consolidou na década de 1980.” (p. 88)
Fortaleceu as discussões históricas e historiográficas.
“Nesse mesmo impulso, surgiu uma atenção renovada sobre os traços de identidades em
perspectivas nacionais, multinacionais, étnicas e de gênero que pudessem ser verificadas
e analisadas não apenas como sintomas de conteúdo, mas também como formações
discursivas aqui acumuladas sob a forma de traços linguísticos híbridos na oralidade dos
relatos.” (p. 88-89)
Schollhammer comenta que a volta do interesse do público pelos gêneros narrativos
tradicionais, como o romance memorialista e histórico se deve ao fato comentado acima
aliado à sensação de “exaurimento do experimentalismo mais técnico e formal.” (p. 89)

O miniconto
A preferência pelos minicontos e outras formas mínimas de leitura se consolidaram na
década de 1990.
“No universo hipertextual, o texto literário se encontra em diálogo constante com a
imagem, assim como com textos não literários [...] de modo que se dissolvem as
fronteiras claras entre ficção e não ficção” (p. 93)
É possível ver nessa recente popularidade de narrativas curtas “o reflexo de procura –
por parte dos leitores e escritores – de uma linguagem cuja matéria seja sensível,
surpreendente e capaz de criar um efeito contundente de presença da realidade exposta.”
(p. 93)
O leitor comenta que o romance que tenha começo-meio-fim já não é o suficiente, então
aparecem obras com enredos não lineares, híbridos e invertebrados.
“a prosa contemporânea parece desenvolver novos formatos” (p. 94)

Literatura marginal
“Trata-se, aqui, de uma literatura que, sem abrir mão da verve comercial, procura
refletir os aspectos mais inumanos e marginalizados da realidade social brasileira.” (p.
98)
“A primeira safra de textos marginais se deu em 2001 com o sucesso extraordinário e
surpreendente do relato carcerário Estação Carandiru, do médico Drauzio Varella [...].
O reflexo imediato foi uma onda de romances, biografias e relatos diversos sobre a
realidade marginal brasileira do crime, das prisões e das periferias mais atrozes [...]
Criou-se, assim, um neodocumentarismo popular, baseado na prosa testemunhal,
autobiográfica e confessional, muitas vezes dando voz a sobreviventes dos infernos
institucionais do Brasil” (p. 98)
O autor comenta sobre alguns dos livros lançados nessa onde e analisa que na maioria
dos casos “apenas se trata de uma reciclagem do documentarismo tradicional com
importância literária mínima. Remetem apenas a um hibridismo de linguagens
jornalísticas e pseudoliterárias em busca do mercado crescente da Não ficção
documentária.” (p. 99)
Esse contexto da marginalidade na literatura também é encontrada em programas da
televisão, e apesar de haver a ideia de que a periferia fala por si só, o autor comenta não,
que essa incorporação mercadológica dessa produção marginal acaba impondo certas
condições às próprias iniciativas periféricas, no entanto eles precisam aceitar, pois isso
significa a sua sobrevivência.
“Apesar do sucesso comercial dessa crueldade digerível [...] ainda há quem defenda
uma aura de seriedade artística em torno da questão que parece gratuita e oportunista, se
comparada com produções que vêm propondo outras matrizes e novos valores para a
própria criação literária e artística” (p. 101)
Sem confundir, é claro, com a real aparição da literatura testemunhal.
Realismo indicial: “ambição de trazer, para dentro de sua expressão, a realidade
denunciada em forma de evidência testemunhal [...] ou de um realismo performativo
que se realiza em situações de produção e recepção comunitárias, literária e dramática
de projetos” (p. 101-102)
“Em termos de conteúdo e problemas tratados, não há como distinguir essas iniciativas
das produções comerciais. A principal diferença se dá pelo fato de proporem processos
de criação que envolvem formas coletivas de autoria [...]; também podemos identificar
uma relação diversa, e, muitas vezes, ambígua com o mercado comercial e,
principalmente, com os grandes veículos de comunicação” (p. 102)

O sujeito em cena

“Na crítica contemporânea, fala-se muito de um “retorno do autor”, e há claramente, na


e literatura e na própria crítica contemporânea, uma acentuada tendência em revalorizar
a experiência pessoal e sensível como filtro de compreensão do real.” (p. 107)
A dicotomia entre ficcional e não ficcional é diluída no realismo, que usa a
autobiografia como acesso ao real.
“No caso da autoficção, a relação é invertida. O miolo do real é o sujeito, e a ficção
serve para uma espécie de encenação de si com a finalidade de semear dúvida a respeito
da sinceridade da enunciação do “eu” narrativo” (p. 108)
O autor comenta que esse cominho seguido para a autoficção possa ser uma superação à
censura que teve nas décadas de 1950 e 1960, por Roland Barthes, contra uma “uma
literatura centrada na fé de uma integridade confessional subjetiva” (p. 109), no entanto,
o mesmo autor, em 1977, permite essa técnica, mas insistindo na leitura ficcional, que a
história pertence a um personagem de ficção.
“A propensão de autoencenação autoral, a inclusão de referências e pistas
autobiográficas podem, nesse sentido, ser lidas não apenas como sintoma da
especularização da figura do autor e das condições de produção do livro, mas como
“dispositivo de exibição de fragmentos do mundo”, que se apresentam de modo a
produzirem perspectivas e ópticas sobre um processo em movimento, e não posições
subjetivas de observações fixas e objetos concluídos.” (p. 111)
“O autor procura, em outras palavras, dar realidade à situação de observação, incluindo
o leitor na exposição direta dos fatos, ao mesmo tempo que questiona o perspectivismo
cenográfico ao qual a observação está submetida e que afeta a veracidade e
confiabilidade tanto do testemunho do autor, do narrador, do personagem quanto do
leitor.” (p. 112)
“vemos alguns escritores trazendo, para dentro de suas ficções, as condições factuais de
criação, ou o material nitidamente autobiográfico que a envolve, tirando proveito da
tensão entre o plano referencial e o plano ficcional” (p. 114)
Essa tendência tenta confundir os limites entre essas duas instâncias e/ou inserir índices
de um real imaginário na experiência íntima.
“Segundo Mark Selzer (1998), vivemos sob o impacto de uma “cultura da ferida”” (p.
114) na qual a exposição do íntimo, do privado, se torna normal, corriqueiro.
O autor comenta sobre as consequências psicossociais do trauma causado pela
exposição da violência, criando uma cultura traumática, “que é uma cultura de
interiorização do impacto, em que fica difícil discernir o exterior e o interior, a
percepção e a fantasia, o físico e o psíquico e, até mesmo, a causa e efeito.” (p. 115)
Essa análise do Selver ajuda a entende a afinidade intrínseca entre essa estética que
explora os efeitos do choque, da violência, da transgressão e de outra estética que se
posiciona contra essa primeira, contra essa estética da violência, reivindicando o
cotidiano, o comum, o íntimo.
Schollhammer comenta que essa literatura que escreve sobre o cotidiano e processos de
afetos básicos faz parte da nossa literatura contemporânea, porém sem o estigma da
literatura existencialista ou psicológica da década de 1950 a 1960.
O autor comenta que alguns casos de literatura autobiográfica também contem traços de
autoajuda, tornando-se vítima para receber atenção. Vitimiza-se.

Os perigos da ficção
Nesse capítulo, Schollhammet aborda as obras que o limite entre ficção e não ficção
quase desaparece, como no caso de obras que detalham partes da vida do autor e até
apresentam fotos nessa obra, quanto em situações no qual determinado autor morre
exatamente do jeito que havia descrito a morte de um de seus personagens.
“A diluição da fronteira entre a reportagem realista e o romance, entre documento e
ficção não conduz a uma ficcionalização da realidade, mas ao reconhecimento da
insuficiência do realismo para dar conta da complexidade e das múltiplas facetas e
versões da verdade.” (p. 128)
“É nesse sentido que se observa um fundamento metaficcional na obra de Carvalho: a
realidade é “lida” como se fosse literatura, e a literatura é levada em conta como se
fosse realidade.” (p. 129)
Schollhammer comenta que a metaficção faz parte da noção moderna de literatura
“como aquilo que vem explicitar a atenção autoconsciente da natureza construtiva da
ficção.” (p. 129)
A história da metaficção é longa e faz referências aos clássicos, como As mil e uma
noite e Dom Quixote. O autor comenta que para o contemporâneos, Jorge Luis Borges
foi um marco na escrita de metaficção e fica complicado para os novos escritores
escreverem depois dele.
“No chavão pós-moderno, a metaficção conspira a favor do simulacro, em detrimento
da realidade, e detona a possibilidade de manter uma confiança na verossimilhança
realista dentro de um universo em que os signos apontam para outros signos, textos se
referem a outros textos, e as interpretações só se realizam numa tensa disputa entre
interpretações.” (p. 129-130)
Metaliteratura: “literatura que fala de si mesma, que fala da literatura, da leitura ou da
escrita, do processo de diálogo e interação com outras literaturas” (p. 131)
Em contraposição com essas obras realistas que buscam na crueldade da realidade os
temas para suas obras, aparece a autora Adriana Lisboa. “A escrita de Lisboa deposita
sua esperança na sensibilidade delicada dos pormenores do universo doméstico,
alimentada por uma certa erudição literária e com referências constantes à música
erudita e às artes plásticas.” (p. 135)
“Na literatura contemporânea, os procedimentos metaliterários e autorreflexivos
parecem ter chegado a um outro limite de exaustão, perigam converter-se em
brincadeira intelectual de professores de literatura com ambições criativas e muito
raramente são capazes de questionar suas próprias premissas.” (p. 137)
“Contudo, para enfrentar a tradição literária e os fantasmas por ela herdados e poder
escrever e assumir a literatura como um campo criativo hoje, é necessário também uma
boa dose de vontade iconoclasta e profanadora que não poupe nem mesmo a literatura”
(p. 137-138)
“Literatura sobre literatura continua sendo um caminho frequentado na produção
brasileira contemporânea” (p. 143)
O autor comenta que vivemos numa época de cópias, um tributo modesto, mas que deve
haver cuidado, pois caso passar da possibilidade de recuo e apropriação criativa, pode
fortalecer uma reverência parasita que abstrai a potência de compreensão e crítica.
Ele apresenta autores que lograram escrever um diferencial a partir de escritores e
literaturas anteriores
Os “00” em metamorfose ambulante

O autor comenta que não houve qualquer ruptura significativa entre a Geração 00 e a da
década de 1990.
“Havia uma certa rejeição, por parte da “Geração 90”, à tradição e uma recuperação
consciente de alguns modelos recentes da literatura urbana que foram sendo
retrabalhados e renovados.” (p. 147)
Os autores mais recentes, Schollammer comenta, que aparentemente possuem
diferenças entre si, porém também são comparáveis em alguns aspectos, como por
exemplo “na liberdade exercida de modo muitas vezes irreverente, mas não superficial,
na coragem de se arriscar em um caminho próprio, criando uma escrita desabusada que
aposta na fabulação.” (p. 147-148)
Ele comenta, como traço que uni esses autores recentes: “Não há espaço para discussão
existencial e muito menos para momentos de hesitação e avaliação das opções
possíveis, pois tudo se metamorfoseia como que por necessidade intrínseca.” (p. 152)
O autor menciona exemplos de histórias no qual o fantástico se transforma em real: “Os
exemplos dessa potência de metamorfose e transfiguração mencionados parecem se
deslocar em relação à insistência da literatura brasileira, analisada inicialmente, de se
tornar próxima à realidade marginal e à violência das grandes cidades.” (p. 158).
“A realidade não é objeto exterior à ficção, mas a potência de transformação e de
criação que nela se expressa.” (p. 159)

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