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Imunológicos
Guido Lenz Biofísica, 2004 1. Introdução
Ter como função proteger um organismo de qualquer componente externo num mundo
Pela sua importância vital e talvez pela sua transparente complexidade, o sistema
comparável ao dedicado ao sistema nervoso, talvez por suas semelhanças no que se refere à
memória, comunicação e inteligência (para usar os termos cunhados para este, mas
de anticorpos, conduziu a uma revolução nas técnicas usadas nas ciências biológicas.
Atualmente uma grande parte dos métodos bioquímicos e histológicos lança mão desta
poderosa ferramenta chamada anticorpo para alcançar os seus objetivos. Acredito que os
Duas afirmações podem ser citadas para argumentar porque os métodos imunológicos
envolvimento direto com estes métodos, para estudantes que irão usá-los em trabalhos
experimentais e 2. melhor compreensão de assuntos que usam estes métodos, que são
Estes argumentos, aliás, valem para o estudo dos métodos como um todo, pois, para que
se possa analisar de forma crítica um texto científico, é necessário ter conhecimento dos
métodos usados para produzir os resultados, sem o qual a análise se torna no mínimo
superficial.
2. Anticorpos
Anticorpos são proteínas que reconhecem um antígeno de forma específica e com alta
afinidade. Discutiremos a seguir como estas proteínas são produzidas nos organismos pelos
1
2.1 Produção
das grandes vitórias das ciências biológicas neste século, devido a sua complexidade, mas
deste assunto não permite a sua análise aprofundada neste texto (certamente isto será feito
em disciplinas específicas).
anticorpos é explicada pela teoria de seleção clonal. Esta teoria afirma que no embrião sejam
produzidos, por recombinação genética,1 uma imensa variedade de linfócitos cada qual
contendo um receptor diferente 2. No período embrionário, os receptores dos linfócitos que
reagirem com algum antígeno serão eliminados, fazendo com que os linfócitos que
antígeno. Por outro lado, se algum antígeno do organismo não puder ser “encontrado”,
futuramente este antígeno será interpretado como estranho e se desenvolverá uma reação
autoimune.
receptor para este antígeno se reproduzem, e se diferenciam, voltando toda a sua atividade
para a síntese de anticorpos (o mesmo anticorpo que eles possuem como receptor - ou seja,
aquele que reage com o antígeno). Desta forma, um certo período após o antígeno ter
1 acredita-se que genes altamente variáveis possam se recombinar de inúmeras formas para produzir
comunicar com o interior, sinalizando tanto a morte (no embrião) como a proliferação (no adulto)
2
É necessário destacar que o sistema imunológico produz uma diversidade tão grande de
anticorpos que ligará em virtualmente tudo e depois seleciona o que é próprio e o que é
estranho, o que significa que os linfócitos são selecionados e não moldam o anticorpo de
antígeno, se ativam muito mais rapidamente do que as células virgens fazendo com que a
segunda resposta imunológica seja muito mais intensa e rápida do que a primeira.
2.1.2 Tipos
Um certo antígeno pode ser reconhecido por vários linfócitos, levando a ativação de
vários clones de linfócitos B. Cada qual destes clones reconhece uma parte diferente ou se
liga de uma forma diferente ao antígeno, através de uma parte do antígeno denominada
epitopo, que é a parte do antígeno efetivamente reconhecida pelo anticorpo para que a
interação antígeno-anticorpo possa ocorrer. Até antígenos pequenos como a grupo dinitrofenil
podem ser reconhecidos por vários linfócitos, ou seja, possuem vários epitopos. Desta forma,
3 embora o anticorpo, após a seleção do linfócito B que o produz, pode ser alterado afim de produzir
um aumento na sua afinidade, o que parece ser um forma de moldagem antígeno específica.
Figura 1. Produção de anticorpos pelos linfócitos
B.
3
um antígeno grande, como uma proteína, pode possuir inúmeros epitopos, cada qual
2.1.2.1 Policlonais
Anticorpos policlonais (como diz o nome) possuem vários clones, ou seja, se originam de
diferentes linfócitos B, o que significa que reagem com vários epitopos do antígeno (por
2.1.2.2 Monoclonais
replicado diversas vezes como um clone. Desta forma, este anticorpo liga somente a um
2.1.3.1 Antígeno
proteína carreadora.
2.1.3.2 Imunização
denominados de coadjuvantes, como por exemplo o coadjuvante de Freud. Após alguns dias,
2.1.3.3 Purificação
Algumas vezes é possível utilizar o soro, pois a grande maioria de anticorpos ali
Isto geralmente é realizado com cromatografia por afinidade, na qual se usa a a proteína A
(ver Pontes item 2.3.1) ou o próprio antígeno como fase estacionária numa coluna de
afinidade, sendo que o anticorpo purificado é liberado da coluna através do uso de uma
solução com pH 2,5.
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2.1.4 Produção de Anticorpos Monoclonais
A Figura 2 mostra um esquema da produção
Camundongo de anticorpos monoclonais. Após imunizar o animal
Imunizado com antígeno X
(como descrito no item anterior), retira-se linfócitos
do baço e funde-se estas células com mielomas
Linfócitos do baço que produzem
(ver legenda da Figura 2) o que produz hibridomas
AC contra X são isolados.
imortalizados. Após selecionar as células com um
meio de cultura que permite o crescimento
Linfócitos são fundidos com mielomas (imortais) somente de hibridomas, estas são colocadas
em
placas de cultura a uma densidade de uma célula
Células híbridas são selecionadas por poço, fazendo com que as células de cada
(mieloma/linfócito)
poço sejam descendentes de somente uma célula
de hibridoma, ou seja, um clone. Estes hibridomas
Células são clonadas
iniciarão a produção de anticorpos, que estarão
presentes no meio de cultura. O(s) clone(s) que
produzirem os anticorpos com maior afinidade e
AC é produzido no meio de cultura e este meio é testado. mais específicos podem ser
selecionados através
de testes usando técnicas imunológicas como a
imunodetecção.
Uma descoberta crucial para a produção de
Linhagem que produz o melhor AC é crescida e o AC é purificado. Por serem células imortais,
isto pode anticorpos monoclonais foi a imortalização dos
ser realizado indefinidamente.
linfócitos, fazendo com que, uma vez feito este
Figura 2. Produção de anticorpos processo, se possa produzir anticorpos por um
monoclonais*
tempo indeterminado.
* 1. Injetar o rato com a proteína X; 2. Células de mieloma imortalizadas (tipo de cançer) e
inaptas de crescer em um meio HAT (meio que contém certos inibidores que afetam somente estas
células); 3. retirar alguns linfócitos do baço do rato, sendo que alguns destes produzirão o anticorpo
desejado; 4. misturar e fundir as células e passar para um meio HAT; 5. células não fundidas
morrerão pois não são imortalizadas (linfócitos) ou não resistem ao HAT; 6. hibridomas crescem e se
multiplicam; 7. células únicas são cultivadas em poços individuais; 8. testar o sobrenadante de cada
poço contra a proteína X.
2.2 Estrutura
Os anticorpos, coletivamente denominados imunoglobulinas (Ig), são formados por
quatro subunidades ligadas entre si por quatro pontes dissulfeto, como mostra a Figura 3.
5
Estas quatro subunidades são constituídas de duas cadeias pesadas (H) e duas cadeias
envolvendo anticorpos.
2.3 Conjugados
especificidade pelo antígeno. Para que estes possam ser usados na detecção de antígenos
que esta forma de ligação não funcione adequadamente devido ao impedimento estérico (isto
é, a lisina da proteína não consegue atingir a agarose ativada). Para contornar este problema,
pode utilizar-se agarose ativada por grupos epoxi ligadas à agarose por espaçadores (por
exemplo contendo 12 carbonos). Estes grupos epoxi podem ligar-se a vários grupos químicos
2.3.1 Pontes
geralmente usa-se vários anticorpos, sendo o primeiro (que reconhece o antígeno - ver Figura
7), sem nenhuma modificação, reconhecido por um segundo anticorpo, que nada mais é do
6
que um anticorpo contra a imunoglobulina do animal no qual foi produzido o primeiro
anticorpo, sendo este anticorpo ligado a alguma molécula de detecção, como por exemplo a
peroxidase ou moléculas fluorescentes.
2.3.2 Separação
Para que se possa separar um antígeno do restante de componentes de um
homogeneizado, é necessário que o anticorpo específico para este antígeno esteja ligado a
algo facilmente separável. Geralmente liga-se o anticorpo a que é um
material inerte e pode ser utilizado tanto em colunas cromatográficas como pode ser
facilmente separado por centrifugação (como no caso da imunoprecipitação). A ponte entre
as esferas de agarose e o anticorpo é geralmente feita pela proteína A, um polipeptídeo de 42
kDa, isolado do Stphylococcus aureus, que se liga fortemente à região Fc das
imunoglobulinas de várias espécie. Esta propriedade é muito útil para separar
imunoglobulinas, especialmente do tipo IgG, através de cromatografia de afinidade ou na
imunoprecipitação.
2.3.3 Detecção
Para a detecção do anticorpo são utilizados diversos métodos, escolhidos de acordo com
a técnica.
2.3.3.1 Peroxidase
A peroxidase é uma enzima que usa o H 2O2 para oxidar os seus substratos. Estes substratos
são desenhados de tal forma que a sua oxidação possa ser detectada pela
liberação de luz (luminol), pela formação de uma precipitado colorido (DAB) ou então pela
transformação de um composto incolor num
O
composto colorido e que possa ser determinado
NH
quantitativamente por espectroscopia.
O
- -+N
O O 2
+
Luz Figura 4. Reação do luminol
7
2.3.3.2 Fosfatase alcalina
A fosfatase alcalina é uma enzima que hidrolisa ligações fosfato. Desta forma, os
cromóforos são compostos que possuem grupos fosfato, e que com a perda deste grupo
fosfato adquiram cor, como é o caso do p-Nitrofenil-fosfato, que se torna amarelo ao perder o
grupo fosfato.
2.3.3.3 Fluoróforo
Fluoróforo é um composto que emite luz de uma certo comprimento de onda (λ)
(coloração) quando excitado por uma luz de um outro λ. A tabela abaixo mostra alguns
fluoróforos:
O principal metal pesado conjugado a anticorpos é ouro. Isto permite localizar antígenos
sua alta sensibilidade. Para que isto seja possível, utiliza-se vários “truques” que amplificam o
sinal. Quando se utiliza uma enzima para a detecção, esta amplificação provém do fato de
que aquela enzima poderá produzir vários sinais (fótons de luz, cromóforos, etc), pois a
3. Técnicas
3.1 Purificação
8
Como discutido anteriormente, uma das principais características dos anticorpos é a sua
especificidade pelo substrato. Parece óbvio que este especificidade possa ser utilizada para a
purificação de proteínas. Neste item abordaremos duas técnicas que utilizam anticorpos como
3.1.1 Imunoprecipitação
Ponte 2.3.1).
baixa velocidade. Após esta centrifugação pode-se dissolver o precipitado (no qual está o
antígeno ligado à agarose) em uma solução de eletroforese para que esta antígeno possa ser
esta ligue de forma diferenciada os compostos a serem separados. Vários compostos podem
compostos. Os anticorpos tem como principal vantagem não ligar apenas de forma
diferenciada a certos compostos, mas sim selecionar de forma específica um composto. Para
conseguir isto, ligando-se um anticorpo a uma fase estacionária e se faz passar o lisado que
contém o antígeno.
9
Após lavar a coluna cromatográfica por um certo período de tempo para retirar os
componentes não ligados, se elui o antígeno purificado com uma solução contendo condições
que diminuam a interação antígeno/anticorpo, como, força iônica mais elevada, pH diferente
3.2.1 Imunodetecção
pode-se citar a nitrocelulose, que possui grupos nitro ligados à celulose produzindo desta
superfície.
entrará em contato com o cátodo (-), também através de papéis filtro, fazendo com que as
proteínas, ainda embebidas em SDS (-), possam migrar para o ânodo. Este “sanduíche” é
mostrado na Figura 6.
detecção do antígeno. Neste caso, não é necessário separar as proteínas por eletroforese,
sendo uma pequena quantidade do lisado celular (~0,3μl) pingado diretamente sobre a
membrana.
1
0
3.2.1.2 Bloqueio
Como a membrana possui uma alta afinidade por proteínas é necessário bloqueá-la, pois
Feito isto, adiciona-se o primeiro anticorpo, ou seja, aquele que se ligará ao antígeno.
Este anticorpo é adicionado em uma solução que mimetiza a solução na qual ele foi
sintetizado, ou seja, o meio extracelular nos quais os linfócitos B estão embebidos na hora de
se ligarem ao antígeno e serem selecionados para produzí-lo (um tampão com pH 7,5 e força
iônica em torno de 1 0sm - 500mM NaCl). A diluição (título) e o tempo de reação, quando não
especificado pelo fabricante (no caso de anticorpos comerciais) precisam ser determinados
empiricamente.
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Muitas vezes o primeiro anticorpo já possui um componente que possa ser detectado
(dispensando o presente item e o seguinte) ou uma molécula ponte que se ligue a uma
segundo anticorpo se faz necessário. Este anticorpo é desenvolvido contra o IgG do animal
outro animal).
A detecção pode ser feita de várias formas, como discutido no item 2.3.3.
3.2.2 Imunocitoquímica
antígeno, que em vez de estar sobre uma membrana se encontra no tecido fixado. Este
método tem uma precisão menor quando comparado com a imunodetecção, mas tem como
principal vantagem mostrar a localização cito e histológica do antígeno.
tecido a colocalização de dois ou mais antígenos, fato muito importante para a pesquisa em
biologia celular.
1
2
3.2.3 Radioimunoensaio
concentração de antígenos com uma precisão bastante elevada, sendo bastante usada para
equilíbrio com AcAt* será deslocada para a esquerda, pois a concentração de um dos
reagentes, isto é Ac, diminuiu, fazendo com que a concentração de AcAt* também diminua
detectando AcAt*) será possível determinar At, que é justamente a concentração de antígeno
Como em outros métodos quantitativos, estes métodos também exigem que se faça uma
curva padrão (usando concentrações conhecidas de At) e comparar estes valores com os
Alguns variantes desta técnica podem usar, ao invés do antígeno marcado, anticorpo
1
3
3.2.4 ELISA
anticorpo. Uma vez o antígeno ligado ao anticorpo imobilizado, este complexo pode ser
reconhecido por um outro anticorpo, desta vez ligado a uma enzima que possa produzir um
A grande vantagem desta técnica é que, como a detecção é uma reação enzimática,
torna possível a detecção de quantidades muito reduzidas de antígeno pois permitindo que a
reaão ocorra por um tempo elevado cosegue-se produzir uma quantidade considerável de
análise bioquímica. Dentre as diversas vantagens destas técnicas, duas parecem ser as mais
componentes usados nestes métodos podem ser interligados, basta utilizar as pontes
adequadas.
áreas das ciências biológicas e médicas, sendo o seu conhecimento fundamental tanto nas
5. Referências
Alberts, B, Dennis, B., Lewis, J., Raff, M., Roberts, K., Watson, J. D., Molecular Biology of the
Voet, D. Voet, J., Biochemistry, 2nd Ed. John Wiley & Sons, New York, (1995).
Roitt, I., Brostoff, J., Male, D., Immunology, 2nd Ed. Gower Med. Publishing, London, (1989).
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