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Mulheres em Santarém

alternativas de vida

Volume I
Delma Pessanha Neves

Mulheres em Santarém
alternativas de vida

Volume I

Mulheres e mercado de trabalho:


afiliações e conquistas

Niterói, 2014
Copyright © 2014 by Delma Pessanha Neves

Alternativa Editora e Produção Cultural Ltda.


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Edição de texto e revisão: Laura Sacramento Dias
Capa e projeto gráfico: Alternativa Editora e Produção Cultural
Supervisão gráfica: Marcos Antonio de Jesus

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

C957 Neves, Delma Pessanha


Mulheres e mercado de trabalho: aflições e conquistas / Delma Pessanha Neves.
– Niterói : Alternativa, 2014. – (Coleção Mulheres em Santarém: alternativas de
vida, v. 1)
352 p. : il. ; 23 cm.

Bibliografia p.
ISBN 978-85-63749-16-1
BISAC SOC000000 SOCIAL SCIENCE / General

1. Mulheres - Emprego - Brasil. 2. Santarém (PA). I. Título. II. Coleção.


CDD 331.40981

Universidade Federal do oeste do Pará


Equipe de pesquisa
Coordenadora do projeto - Delma Pessanha Neves (CAPES/PVNS-CNPQ-UFOPA)

Pesquisadores
UFOPA - Universidade Federal do Oeste do Pará
– Instituto de Ciências da Sociedade
Pedro Fonseca Leal
Maria Marlene Escher Furtado
Angela Maria Garcia
Lidiane Leão

– Instituto de Biodiversidade e Florestas


João Ricardo Vasconcellos Gama

– Instituto de Engenharia e Geociências


Enoque Calvino Melo Alves
Socorro Vânia Lourenço Alves

UFF - Universidade Federal Fluminense


Programa de Pós-graduação em Antropologia
Lívia Tavares Mendes Froes
Rodrigo Pennutt da Cruz

– Bolsistas de iniciação científica


Rômulo Alves Ferreira Santos
Vanessa Lima de Azevedo
Marla Elizabeth Almeida Reis
Rebeca Siqueira Barros

– Alunos Voluntários
Graziella Escócio de Almeida
Mazzile Tavares Rodrigues

– Secretaria Municipal de Saúde


Graça Almeida Rocha

– Prestadores de serviços
Videos e fotografias
Marc Paul Remy Debes
Motorista em trabalho de campo
José Eudes de Oliveira Sousa
– Digitação e sistematização de dados
Aline Mesquita Guimarães
Beatriz Jandre Ferreira
Martina de Siqueira Correa
Naira Suane de Miranda Pinheiro
Talytta Melgarejo
Mattews Damasceno Chaves

– Aplicação de questionários
Ednelma Silva de Sousa
Márcia Marina Santos de Abreu
Para Marc Debes

Pelas alegrias de nossas amorosas andanças por Santarém,


em convívio com tantas pessoas gentilmente exemplares.
Pela inestimável colaboração no decorrer do trabalho de campo.
Sumário

Apresentação ...................................................................................................................... 17

Introdução ...........................................................................................................................19

Capítulo 1. Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais .......... 47

Capítulo 2. Os estertores do recrutamento de seringueiros ..............................103


– Alternativas econômicas contextuais: registro de vida intergeracional ..... 151

Capítulo 3. Colônias: territórios de expansão do campesinato ........................163


– Estrutura institucional na cidade de Santarém (década de 1950) ............... 185
– Processo de migração para o município de Santarém .............................................191
– Alternativas econômicas contextuais: registro de vida intergeracional ..... 200

Capítulo 4. Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo ............................239


– Alternativas econômicas contextuais: registro de vida intergeracional ..... 280

Considerações finais .......................................................................................................319

Referências ........................................................................................................................337

Lista de Mapas
1. Município de Santarém, Pará (BR) ...............................................................................18
2. Localização de Santarém na região oeste do Pará .................................................20

Lista de Fotos
1. Campo de cultivo de soja, Curuá-una, Santarém ................................................. 260
2. Fazenda de cultivo de grãos: aparato de instrumentos mecanizados e de
armazenamento da produção ........................................................................................... 260
3. Orla da cidade de Santarém, tendo ao fundo o porto de exportação de soja
da Cargill no rio Tapajós ................................................................................................ 260
Lista de quadros
Quadro 01. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa
etária (acima de 18 anos) e condição de vida biológica ...........................38
Quadro 02. População brasileira no município de Santarém, segundo o sexo e
a idade, 1920 ............................................................................................................. 108
Quadro 03. População do município de Aveiro, estado do Pará, segundo o
sexo, a idade e a nacionalidade, 1920 ............................................................ 109
Quadro 04. População estrangeira nos municípios de Aveiro, Itaituba e San-
tarém, segundo a nacionalidade e o sexo, 1940 ........................................ 110
Quadro 05. População de fato, por sexo e nacionalidade, no município de
Santarém, 1940 ....................................................................................................... 110
Quadro 06. População dos municípios de Itaituba e Santarém, segundo dis-
tribuição por sexo e qualificação dos espaços residenciais, 1940 .... 140
Quadro 07. População de fato, por sexo e ramo da atividade principal exercida,
nos municípios de Itaituba e Santarém, em 1940 .................................... 141
Quadro 08. Área dos estabelecimentos agropecuários em exploração e segun-
do condições de utilização, nos municípios de Itaituba e Santarém,
1940............................................................................................................................... 146
Quadro 09. Propriedade do imóvel e condição do responsável, distribuição
da área de terra por estabelecimentos, segundo escala em gru-
pos de área, 1920 e 1940 .................................................................................... 147
Quadro 10. Pessoal permanente dos estabelecimentos agropecuários, distri-
buídos pela modalidade da exploração, nos municípios de Itaitu-
ba e Santarém, 1940 .............................................................................................. 148
Quadro 11. Pessoal permanente dos estabelecimentos agropecuários, distri-
buídos pela modalidade de exploração, nos municípios de Itaituba
e Santarém, 1940 .................................................................................................... 149
Quadro 12. Produção agrícola e extrativa vegetal, segundo número de esta-
belecimentos e respectivas unidades de medidas nos municípios
de Itaituba e Santarém, nos anos de 1920 e 1939, ................................... 150
Quadro 13. Indivíduos referidos no levantamento, na correspondência do
sexo e faixa etária acima de 70 anos, com distinção da condição
biológica de vida ..................................................................................................... 151
Quadro 14. Local de nascimento (estados mais recorrentes) de indivíduos
referenciados no levantamento, segundo sexo, idade acima de 70
anos e condição biológica de vida ...................................................................... 152
Quadro 15. Local de nascimento (estados menos recorrentes) de indivíduos
referenciados no levantamento, segundo sexo, idade acima dos
70 anos e condição biológica de vida ........................................................ 153
Quadro 16. Local de última residência (em municípios do estado do Pará)
dos indivíduos referidos no levantamento, com idade acima de
70 anos ........................................................................................................................ 154
Quadro 17. Local de residência (em outros estados e países) dos indivíduos
referidos no levantamento, com idade acima de 70 anos ...................... 155
Quadro 18. Caracterização geral do nível de instrução de indivíduos referidos
no levantamento, acima de 70 anos ............................................................... 156
Quadro 19. Comparação da frequência de estados de nascimento e de
residência de indivíduos referidos no levantamento, acima de 70
anos .............................................................................................................................. 157
Quadro 20. Classificação das ocupações de indivíduos acima de 70 anos
referidos no levantamento, associadas ao setor agrícola ou agro-
pecuário e extrativista .......................................................................................... 158
Quadro 21. Ocupações reconhecidas como atividades profissionais exercidas
pelas mulheres na faixa etária acima de 70 anos cujo exercício se
iniciou entre 1930 e 1950 ..................................................................................... 160
Quadro 22. Distribuição da população do município de Santarém, segundo
subdivisão por sexo e nacionalidade, entre 1920 e 1970 ...................... 171
Quadro 23. População do município de Itaituba, segundo a distribuição por
sexo e qualificação dos espaços residenciais, entre 1940 e1970 ...... 173
Quadro 24. População do município de Santarém, segundo a distribuição
por sexo e qualificação dos espaços residenciais, entre 1940 e
1970 ............................................................................................................................. 174
Quadro 25. Distribuição de pessoas presentes de 10 anos e mais, por sexo e
afiliação produtiva a principais ramos de atividades, no município
de Santarém, entre os anos de 1940 e 1970 ....................................................176
Quadro 26. Pessoal ocupado, por sexo e formas de vínculo no setor agrícola e
agropecuário no município de Santarém, entre 1950 e 1970 ............. 177
Quadro 27. Condição do produtor no município de Santarém, entre 1950 e
1970 .....................................................................................................................................179
Quadro 28. Utilização das terras no município de Santarém, entre 1950,
1960 e 1970 .............................................................................................................. 180
Quadro 29. Grupos de área total, número e área de estabelecimentos no
município de Santarém, entre 1950 e 1970 ................................................ 181
Quadro 30. Colheita e tipo de cultivo dos principais produtos das lavouras
temporárias e permanentes em Santarém, entre 1940 e 1970 .......... 182
Quadro 31. Produtos vegetais extrativistas no município de Santarém, entre
1940 e 1970 .............................................................................................................. 184
Quadro 32. Transformação ou beneficiamento de produtos agropecuários
em Santarém, 1970 ................................................................................................ 184
Quadro 33. Pessoas presentes, por faixa etária e sexo, no município de
Santarém, 1940, 1960 e 1970 ........................................................................... 191
Quadro 34. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e
tempo de residência, 1970-1980 ..................................................................... 192
Quadro 35. Pessoas não naturais de Santarém, por tempo de residência no
município, 1980 ....................................................................................................... 193
Quadro 36. Tempo de residência de migrantes no município de Santarém
entre 1970 e 1980 .................................................................................................. 193
Tabela 37. População residente no município de Santarém, segundo resi-
dência atual, 1980 .................................................................................................. 194
Quadro 38. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e
tempo de residência, entre 1970 e 1980 ...................................................... 195
Quadro 39. População residente no município de Santarém, segundo distinção
espacial em 1950 e 1980 ............................................................................... 196
Quadro 40. População do município de Santarém em 1980, segundo
distrito, distinção do local de residência em rural e urbano e
faixa etária ........................................................................................................... 197
Quadro 41. Local de nascimento de indivíduos referidos no levantamento,
na faixa etária de 30 a 69 anos, incidente sobre municípios do
estado do Pará .......................................................................................................... 202
Quadro 42. Local de nascimento de indivíduos referidos no levantamento,
na faixa etária de 30 a 69 anos, incidente sobre municípios fora
do estado do Pará ................................................................................................... 204
Quadro 43. Local de residência dos indivíduos citados no levantamento na
faixa etária de 30 a 69 anos ................................................................................ 208
Quadro 44. Local de nascimento e de residência de indivíduos referidos no
levantamento na faixa etária 30 a 69 anos .................................................. 211
Quadro 45. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levan-
tamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos aos
setores agrícola, agropecuário e extrativista .............................................. 213
Quadro 46. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de artesanato e costura ........................................................................................ 215
Quadro 47. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de beneficiamento de produtos ou de transformação ............................ 216
Quadro 48. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
profissionais autônomos e prestadores de serviços técnicos ............. 216
Quadro 49. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de construção civil ................................................................................................. 219
Quadro 50. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no le-
vantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao
Setor beneficiamento de produtos ou de transformação ...................... 221
Quadro 51. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de comércio ............................................................................................................... 221
Quadro 52. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no le-
vantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao
setor de transporte ................................................................................................ 224
Quadro 53. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de atividades administrativas ........................................................................... 226
Quadro 54. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de prestação de serviços ..................................................................................... 227
Quadro 55. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no le-
vantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao
setor de doméstico em profissionalização .................................................. 233
Quadro 56. Classificação das ocupações de indivíduos citados no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, associadas ao setor de
prestação de serviços ............................................................................................ 235
Quadro 57. Nível de instrução dos indivíduos citados na faixa etária 30 a 69 anos ......236
Quadro 58. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa
etária 30 a 69 anos e condição biológica de vida ..................................... 236
Quadro 59. Distribuição da população de Santarém, segundo sexo e local de
residência, 2010 ...................................................................................................... 240
Quadro 60. Distribuição da população residente no município de Santarém,
segundo faixa etária e sexo, 2010 .................................................................... 241
Quadro 61. Número de alunos por série e distritos de gestão do sistema
municipal de ensino em Santarém, 2009 ..................................................... 244
Quadro 62. Alunos matriculados no ensino superior entre 2008 e 2010 .............. 245
Quadro 63. Oferta de cursos de ensino superior em Santarém, 2010 ..................... 246
Quadro 64. Distribuição de pessoal ocupado e unidades locais de produção
em Santarém, 2010 .......................................................................................... 247
Quadro 65. Estatística de emprego formal por setor de atividade econômica
em Santarém, 2006-2011 ................................................................................... 248
Quadro 66. Distribuição dos trabalhadores vinculados ao mercado de traba-
lho em Santarém, segundo divisão sexual, 2011 ...................................... 248
Quadro 67. Distribuição dos trabalhadores vinculados ao mercado de trabalho
em Santarém, segundo divisão sexual e faixa etária, 2011 ................... 249
Quadro 68. Distribuição das pessoas de 25 anos ou mais por sexo e nível de
instrução em Santarém, 2010 ............................................................................ 250
Quadro 69. Ocupações com maiores estoques de alternativas de vínculo de
trabalho, segundo a distinção de sexo dos trabalhadores, 2011 ....... 250
Quadro 70. Ocupações com maiores estoques de postos de trabalho, conforme
remuneração média e distinção sexual dos trabalhadores, Santa-
rém, 2011 ............................................................................................................................ 251
Quadro 71. Ocupações com maiores estoques de alternativas segundo a valo-
rização diferenciada por sexo, Santarém, 2011 ..............................................251
Quadro 72. Movimentação desagregada de vínculos e dispensas de trabalho
emSantarém, durante o ano de 2012 e até maio de 2013 ..................... 252
Quadro 73. Remuneração média de empregos formais segundo sexo do tra-
balhador em Santarém, em 31 de dezembro de 2011 ............................ 253
Quadro 74. Pessoas residentes em domicílios particulares, segundo faixa de
salários e distribuição dos trabalhadores por cor da pele e etnia,
Santarém, 2010 ....................................................................................................... 254
Quadro 75. Distribuição de trabalhadores de 10 anos ou mais e cor da pele
e etnia em Santarém, segundo afiliação ao mercado de trabalho
formal e vínculos autônomos, 2010 ............................................................... 255
Quadro 76. Distribuição das condições de produção dos principais produtos
agrícolas em Santarém, 2006 ............................................................................ 257
Quadro 77. Estatística de desemprego por setor de atividade econômica em
Santarém, 2006-2010 ........................................................................................... 261
Quadro 78. Cadastro de imóveis em Santarém, 2010 (resumo total de imó-
veis) .............................................................................................................................. 262
Quadro 79. Distribuição de unidades econômicas por setores produtivos,
catalogados para publicidade, Santarém, 2013 ........................................... 264
Quadro 80. Distribuição de unidades econômicas do setor de serviços cata-
logadas para publicidade, Santarém, 2013 .................................................. 267
Quadro 81. Distribuição de unidades econômicas do setor de comércio va-
rejista e transporte de mercadorias e passageiros, catalogadas
para publicidade, Santarém, 2013 .................................................................. 272
Quadro 82. Distribuição de unidades econômicas do setor de comércio ata-
cadista catalogadas para efeito de publicidade, Santarém, 2013 ...... 275
Quadro 83, Distribuição de unidades econômicas dos setores de crédito, cons-
trução civil e arquitetura, catalogadas para publicidade, Santarém,
2013 .....................................................................................................................................276
Quadro 84. Distribuição de unidades econômicas dos setores de usinas de
beneficiamento e indústrias de transformação, catalogadas para
publicidade, Santarém, 2013 ............................................................................. 276
Quadro 85. População econômica e não economicamente ativa no município
de Santarém, em 2010 .......................................................................................... 281
Quadro 86. Distribuição da força de trabalho economicamente ativa no mu-
nicípio de Santarém, segundo setores produtivos e distinção de
sexo, 2010 .................................................................................................................. 282
Quadro 87. Índices de remuneração de trabalhadores residentes em Santa-
rém, 2010 ................................................................................................................... 283
Quadro 88. Indicadores de mercado de trabalho. Censo 2000 ................................... 284
Quadro 89. Pessoas de 10 anos ou mais em Santarém, ocupadas na semana
de referência da computação do Censo Demográfico de 2000
em Santarém ....................................................................................................... 285
Quadro 90. Caracterização do nível de instrução de indivíduos referencia-
dos, com idade entre 18 a 29 anos, segundo a distribuição por
sexo e condição biológica de vida .................................................................... 286
Quadro 91. Distribuição dos indivíduos referidos no levantamento e situa-
dos na faixa etária 18 e 29 anos, segundo municípios de residên-
cia e respectivo estado, 2012 ............................................................................. 286
Quadro 92. Síntese das identificações dos indivíduos referidos no levanta-
mento e situados na faixa etária 18 e 29 anos, segundo último ou
único vínculo de trabalho e setor produtivo ............................................... 288
Quadro 93. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos a setores agrícola, agropecuário e extrativista ................ 290
Quadro 94. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e
vínculos aos setores de artesanato e costura ............................................. 292
Quadro 95. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de comércio .............................................. 293
Quadro 96. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor da construção civil ................................. 299
Quadro 97. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor da indústria .............................................. 300
Quadro 98. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor administrativo privado e público ........301
Quadro 99. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de prestação de serviços domés-
ticos remunerados e não remunerados ........................................................ 304
Quadro 100. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho na prestação de serviços educacionais ......... 306
Quadro 101. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de estética e higiene pessoal ........... 308
Quadro 102. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de limpeza e serviços gerais ............ 309
Quadro 103. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção se-
xual e vinculação produtiva no serviço de segurança institucional
pública e privada ................................................................................................... 310
Quadro 104. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vinculação ao setor de prestação de serviços como ofício e
profissionais de saber prático ........................................................................... 311
Quadro 105. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vinculação produtiva como profissionais de nível superior
e autônomos .........................................................................................................................314
Quadro 106. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vínculos de trabalho em prestação de serviços recre-
ativos e de turismo .................................................................................... 314
Quadro 107. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vínculos de trabalho na prestação de serviços de saúde e
cuidados ...........................................................................................................................315
Quadro 108. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho como prestadores de serviços técnicos ........ 315
Quadro 109. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vínculos de trabalho no setor de transporte de pessoas
e mercadorias .............................................................................................. 317

Lista de Gráficos
Gráfico 1. Distribuição de unidades econômicas do setor de serviços
catalogadas para publicidade, município de Santarém, 2013 ............. 265
Gráfico 2. Distribuição de unidades econômicas segundo setores produtivos,
catalogadas para publicidade, município de Santarém, 2013 ............. 266
Gráfico 3. Distribuição por sexo e setor produtivo de vínculo de indivíduos
informados na faixa etária entre 18 e 29 anos ........................................... 289
Gráfico 4. Distribuição por sexo dos trabalhadores entre 18 e 29 anos
afiliados aos subsetores do setor administrativo ..................................... 289
Apresentação

P
or meio desta coleção Mulheres em Santarém: alternativas de
vida, trago ao leitor um conjunto de textos elaborados como pro-
duto do trabalho de pesquisa que coloquei em prática na condi-
ção de Professor Visitante Nacional Sênior, bolsista Capes – Coorde-
nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –, vinculada à
Universidade Federal do Oeste do Pará, entre maio de 2010 e abril de
2014. Os volumes que integram esta coleção correspondem ao Projeto
de Pesquisa Condições Sociais de Vida das Mulheres em Santarém, rea-
lização que só se tornou possível com o auxílio financeiro concedido
pelo CNPQ: Processo 420420/2010-3.
Pelo apoio direto e indireto que prestaram os professores, alu-
nos e colaboradores vinculados à UFOPA, não só os que participaram
do trabalho de campo, tais como nomeados no elenco da equipe de
pesquisadores, mas também o pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação
e Inovação Tecnológica (PROPPIT), Dr. Marcos Ximenes Ponte, e toda
a equipe de funcionários desta pró-reitoria, meus sinceros agradeci-
mentos e meu reconhecimento público da confiança com que aposta-
ram neste projeto.
Recebi ainda o inesquecível apoio de Pedro Odimar dos Santos e
de seus familiares, santarenos de profundo conhecimento da vida lo-
cal, que me conduziram por meandros das redes de relações pessoais,
abrindo importantes caminhos para o exercício da pesquisa.
Meus agradecimentos mais que entusiásticos e denotadores da
dívida que tenho para com todos os entrevistados, homens e mulheres,
aos quais nós pesquisadores e leitores devemos essa alternativa de in-
terpretação de aspectos da vida social local.
Mapa 1. Município de Santarém, Pará (BR)

Fonte: Site do IBGE, consulta em dezembro de 2013.


Introdução

A
o aceitar a proposta das delegadas do Conselho Municipal das Mu-
lheres em Santarém (PA) de, neste município, estudar as condições
sociais de vida do segmento populacional que elas representam, co-
loquei-me diante de complicados exercícios de elaboração de métodos e es-
tratégias de pesquisa. Desejavam as demandantes que as mulheres fossem
consideradas segundo diversas faixas etárias. Em cada uma delas, deveria
contemplar a diferenciação de condições de vida quanto aos espaços de ha-
bitação: espaços da sede do município e de comunidades e sítios localizados
na região de planalto e ribeirinha. Ademais, a inclusão dos sítios ou comuni-
dades ribeirinhas abarcaria a diversidade de situações sociais conforme a ha-
bitação se desse às margens de rios, lagos e igarapés que conformam, nesse
entorno e no caso em apreço, a bacia amazônica: rio Arapiuns, rio Tapajós e
Lago Grande. Essa subdivisão territorial exprime um conjunto de sistemas
ambientais e singularidades de composição habitacional, sinalizando formas
tradicionais de ocupação e fluxos migratórios.
Ao respeitar essas especificidades socioambientais, sobre as quais a
população local reivindica o reconhecimento da aclamada distinção, deveria
investir para compreender os princípios de construção social de dimensões
tão singularmente substantivadas e até recorrentemente radicalizadas. Eu
também deveria encontrar procedimentos que me permitissem, enquanto
princípio básico de entendimento, problematizar as condições sociais de
existência de mulheres segundo padrões de referência construtivos das re-
lações de gênero. Portanto, condições de vida compreendidas para além da
simples contagem da distinção de sexo por dados quantitativos. Aceitando
tais procedimentos a priori considerados, eu já estaria ultrapassando a for-
mulação do projeto político que nutria a reivindicação das demandantes da
pesquisa. Assumia, então, uma problemática condizente com a construção
de objeto sociológico.
Convivendo mais atentamente com essa população, salta imediata-
mente aos olhos o quanto as mulheres estão integradas a redes de produção
e de comercialização nos espaços citadinos e nas comunidades do planalto e
ribeirinhas; enfim, às redes que as conectam à produção em setores agrícolas
e artesanais, comerciais e de serviços. Mas produzir dados que pudessem
20 Delma Pessanha Neves

explicar as condições em que essa inserção ocorre demandava enormes difi-


culdades. Primeiro pela amplitude territorial do município (22.886,624km2)
e pelas dificuldades sazonalmente diferenciadas de locomoção por estradas
e rios. Depois porque não se vislumbrava como tarefa simples percorrer
em tempo limitado por comunidades cuja população seria convidada a falar
publicamente sobre si; isto é, na condição de produtora de entrevistas para
quem até o momento eu era totalmente desconhecida.

Mapa 2. Localização de Santarém na região oeste do Pará

Fonte: Google maps (dezembro de 2013).


Introdução 21

A exposição das mulheres em atividades exercidas em espaços públi-


cos não correspondia a um conhecimento local sobre as condições sociais
de vida do segmento assim sexuado, inclusive quanto à representação dele-
gada de interesses. Aquelas demandantes da pesquisa criavam expectativas
de que o esperado texto final fundamentasse a própria prática de constru-
ção coletiva de reivindicações. Também desejavam que um dos produtos do
pressuposto texto facilitasse o mútuo reconhecimento de mulheres de várias
idades e segmentos socioeconômicos no município, de modo a viabilizar a
produção de interesses comuns. Por conseguinte, como objetivo relativa-
mente final, a proposta era de que este texto viesse a corresponder aos ob-
jetivos de esclarecimento mútuo das condições de vida das mulheres e, por
desdobramento, à população local, de modo a reconhecer formas de produ-
ção material e social de si mesmas (mulheres) e seus familiares.
Todas essas implicações exigiram de mim a reflexão em torno da cons-
trução de múltiplos meandros de elaboração de questões, de estratégias in-
terpretativas de dados e de procedimentos de coleta de informações. O tra-
balho de campo correspondente se estendeu do segundo semestre de 2010
ao final do ano de 2013. Dediquei-me à leitura de textos que aprofundassem
o conhecimento em torno da bibliografia já produzida sobre a vida socioeco-
nômica no município e seus entornos;1 também sobre o intercruzamento de
temáticas, no caso trabalho e gênero, vida familiar, doméstica e profissional,
relações vicinais e de parentesco;2 e modos de inserção em planos de ação
coletiva ou de construção de quadros institucionais de proximidade.3 Mobi-
lizei professores, alunos e representantes delegados para a formação como
assistentes e auxiliares de pesquisa, oferecendo dois cursos: um abarcando
temas como família, parentesco, genealogia, trocas matrimoniais e relações
intergeracionais; e outro sobre métodos de pesquisa qualitativa. Subdividi
ainda os procedimentos de pesquisa em algumas frentes de investimentos
que foram sendo sucessivamente cumpridas.
Primeiramente, elaborei, com auxílio de professores do curso de com-
putação da UFOPA, questionários que viessem a oferecer um quadro de apro-
ximação quanto à composição da população nos últimos anos. Essa delimita-
ção seria variável até onde alcançasse a memória familiar daquele integrante

1
AMORIM, 2000; CARVALHO et al. 2004; FUNDAC, 2000; GRANDIN, 2010; HOMMA, 2003; LEROY, 1991,
2010; PAPAVERO, 2012; SEMPLAN-CIAM, 2010, 2013; SABLAYROLLES et al. 2005; SANTOS, 1974; TORRES,
2012; UMBELINO DE OLIVEIRA, 2009.
2
AGNÈS et MAURISSON, 2003; BANDEIRA e SIQUEIRA, 1997;BONNIN DE VILLANOVA, 1997; HERVÉ, 1993;
BONVALET, 1993; CUNCA e LAVINAS, 1997; DRANCOURT, 2009;DUSSUET, 2005; FEIXA, 2010; FRAISSE, 1979;
GARCIA, 1992; HÉRITIER, 1994; IACUB-KENNEY, 2004; LAMARCHE (org.), 1993; MANESCHY, 2001; FORTES,
1974; NEVES, 1998; SALMONA, 1994; WEBER, 2009;WILLMONT YOUNG, 1957; YANAGISAKO, 1979.
3
ABREU et al. 1993 e 1995; AGNÉS, 2001; BELSHAW, 1968; BEN HASSEN, 2008; BOUBA-OLGA et al. 2004;
MARTIN, 2010; NABLI, 2008; WEBER, 1989;1996; 1998, 2000, 2001, 2002, 2009; et al. 1997, 2003.
22 Delma Pessanha Neves

que fosse entrevistado. Por esses recursos, tentava abarcar, pelo menos, a
posição de avós paternos e maternos. Em caso de entrevistas com solteiros,
cada questionário incluía informações básicas sobre avós e tios paternos e
maternos, enfatizando dados sobre a família de origem. Em caso de entrevis-
tas com casados, os dados coletados tendiam a se duplicar, porque o exercício
de registro de informações incorporaria avós paternos e maternos, família
consanguínea, incluindo irmãos solteiros ou casados do esposo e da esposa,
bem como a geração consecutiva, que podia conter filhos solteiros e casados.
Sobre cada componente dessa rede de parentesco consanguíneo e
afim, tentava-se registrar e construir os seguintes atributos sociais: data e
local de nascimento; data e local de casamento(s); ano de falecimento; nível
de instrução alcançado; ocupações e percursos de postos de trabalho; pro-
cessos de mobilidade residencial; formas de afiliação familiar e de forma-
ção de união conjugal, com respectivas possíveis rupturas e reorganizações
de convivência em casal; e, quando fosse o caso, número de filhos, sobre os
quais incidiam as mesmas perguntas.
O projeto inicial recairia na aplicação de questionários a todos os alu-
nos da UFOPA, o que, em tese, alcançaria aproximadamente 2 mil casos, ou
seja, duas mil famílias de origem, replicadas naqueles desdobramentos in-
tergeracionais já comentados. Em acordo com a equipe de pesquisadores,
pressupusemos contar com a adesão dos alunos para este exercício de co-
nhecimento de atributos sociais da recente população do município e dos
que compõem a região Oeste do Pará (pois que a universidade acolhe alunos
desse território político e administrativo).
Ledo engano! Por mais que pudéssemos contar com apoio de coor-
denadores de cursos de graduação e professores a estes afiliados, os alunos
manifestaram quase que total desinteresse em preencher o questionário no
tocante à sua própria família e à rede de parentesco. Por mais que tentás-
semos explicar os objetivos e o alcance dos dados, apenas uns 5% de alu-
nos aderiram ao convite. Tentei então contar com apoio de professores de
faculdades particulares, mediante intervenção de coordenadores, e o mes-
mo comportamento de desinteresse se manifestou; neste caso, totalmente.
Mesmo que, por apoio de professores, voltássemos às turmas diversas vezes
para entender as dificuldades e colaborar no preenchimento daquelas infor-
mações, nada resultou em respostas frutíferas.
Resolvemos então contratar auxiliares de pesquisa para aplicar o
questionário nos bairros, contando com a própria rede de relações por eles
constituídas; e mais tarde também incluímos dois bolsistas de iniciação
científica, sucessivamente desligados. Dois deles, porque obtiveram estágio
remunerado em instituições vinculadas à formação profissional que percor-
riam na condição de estudantes. Dois outros porque a Fundação Amazônia
Introdução 23

Paraense de Amparo à Pesquisa, que concedeu as bolsas, intempestivamente


suspendeu a continuidade do auxílio aos alunos da UFOPA.
Eu própria me dediquei a criar condições de contato com a população
para preencher o questionário, especialmente nas situações em que me di-
rigia com alunos colaboradores para as comunidades de planalto ou ribeiri-
nhas. E integrei ao trabalho de campo, como previsto no projeto proposto ao
CNPq, dois mestrandos do Programa de Pós-graduação em Antropologia da
Universidade Federal Fluminense.
Investindo no conhecimento de coleta de dados já realizada e que pu-
desse colaborar para compreensão de algumas das características da popu-
lação municipal, contei com o grande apoio da Secretara Municipal de Saú-
de, melhor dizendo, da coordenadora do trabalho dos agentes de saúde. No
momento da consulta, ela preparava uma planilha agregadora de todas as
informações recolhidas por esses profissionais, portanto, presentes em di-
versos (mas nem todos) locais de moradia da população. Pela concessão de
uso das fichas anuais preenchidas pelos agentes de saúde, pude construir
outras formas de agregação de dados para aproximação de conhecimento
quanto aos eleitos atributos sociais da população: idade, sexo, local de resi-
dência, nível de instrução, equipamentos públicos e comunitários presentes
(ou ausentes) em cada povoado ou bairro. Os resultados de todo esse traba-
lho serão apresentados no decorrer da edição dos diversos volumes desta
coleção.
Neste primeiro texto, correspondente ao volume um, dedico-me a
reflexões sobre as condições em que, comparativamente aos homens, as
mulheres foram incorporando dois ambientes de trabalho: além das ativi-
dades domésticas não remuneradas, o desempenho de atividades mercan-
tis nesse próprio ambiente, prática pela qual asseguram algum rendimento
próprio. Contando com dados estatísticos oficiais e resultados do levanta-
mento realizado pela equipe já referida, também reflito sobre as inserções
paulatinas de vínculos com o mercado de trabalho, tanto pela condição for-
mal como informal.
O reconhecimento da hegemonia dos princípios capitalistas de produ-
ção e organização social, especialmente por seus desdobramentos em ter-
mos de produção de desemprego e expansão dos vínculos de assalariamento
da força de trabalho feminina, instigou a emergência de questões analíticas,
mormente entre teóricas do movimento feminista. Insistindo na demons-
tração do valor econômico do trabalho das mulheres, inclusive o desempe-
nhado no ambiente familiar, os questionamentos políticos terminaram por
implodir diversas perspectivas de análise até há bem pouco consagradas
nas ciências sociais. Muitas dessas alternativas de teorização decorreram de
reconhecimento profissional de diversas atividades desempenhadas pelas
24 Delma Pessanha Neves

mulheres, provocando alargamento dos quadros analíticos e tornando pen-


sável o que se apresentava como impensável. Afinal, as atividades eram e em
muitos casos continuam sendo exercidas sob o manto da afetividade e da
obrigação moral, atributos sui generis que se pautam em desdobramentos da
pressuposta condição natural do feminino.4
Para na introdução não me alongar na elaboração dessas questões,
quero apenas destacar o papel da análise política que vem sendo aplica-
da ao valor econômico de serviços antes postos em prática por mulheres
no seio da família. Em substituição a tais funções e diante da vinculação
das mulheres ao mercado de trabalho assalariado, esses serviços são re-
munerados e vêm obtendo o reconhecimento profissional.5 Na sociedade
brasileira, por exemplo, cito a recente amplitude dos direitos trabalhistas
atribuídos à categoria profissional empregada doméstica; as derivações
desses mesmos serviços, no mercado de prestações de cuidados especia-
lizados a domicílio, reconhecidos por funções abarcadas pela gama de cui-
dados – home care, assistência médica domiciliar, complementados pelas
relativamente recentes funções de acompanhantes de idosos, além das
antigas babás e empregadas domésticas.6 Em sendo objeto de quantifica-
ção por atribuição de valor mercantil diante do assalariamento, militantes
e teóricas da economia feminina vêm alcançando legitimidade na defesa
de análises empreendidas para o reconhecimento do valor do trabalho
doméstico na economia nacional. Da mesma forma, vem se engajando na
construção de projeto político para que as designadas donas de casa, termo
por vezes traduzido pelo não trabalho (isto é, excluído do trabalho mercan-
til), venham a se constituir como sujeitos de direitos públicos traduzíveis
em valor econômico e pensões previdenciárias.
Ao mesmo tempo, ainda para a sociedade brasileira, diversas famílias
vêm sendo incluídas como usuárias de serviços e recursos oferecidos a partir
de programas sociais, movimento que, construindo socialmente uma gama
de problemas dignos de atenção e compensação, coloca em evidência o fun-
cionamento da economia doméstica. Paralelamente, tem crescido o interesse
intelectual no sentido da compreensão das incidências de programas sociais
em termos de tomada a encargo (care) de pessoas dependentes.
Em se tratando de fenômeno social de caráter totalizante, nos termos
ensinados por Marcel Mauss (1974 [1923-1924]), tais objetos de estudo têm
4
Sobre valores morais que referenciam representações e práticas de organização da vida familiar, bene-
ficiei-me da leitura de LENOIR, 2003, e SARTI, 1996.
5
Para o caso em apreço, acompanhar as condições e os ritmos de inserção das mulheres no mercado
de trabalho formal e informal, a partir do início do século passado. A constatação dessa tendência será
demonstrada numa série de quadros dos três últimos capítulos deste livro.
6
Ver, por exemplo, os estimulantes textos de FRAISSE, 1979, CORDEIRO, 2000; LUC-HENRY (dir.), 2000;
PAULA, 1999; SYBILLE, 2003; CAILLÉ, 2000.
Introdução 25

correspondido às perspectivas teóricas e metodológicas da etnografia antro-


pológica. De há muito esses temas foram cultivados no seio da designada an-
tropologia econômica, em cujo escopo foram revelados fatos encapsulados,
encrustrados, organizados segundo princípios de integração social (Cf. Go-
delier, 1966, Polanyi, 1980[et. ali. 1957], Sahlins (1970, 1978, 1992). Além
disso, a perspectiva antropológica pode facilitar o entendimento de múlti-
plas dimensões sociais da vida familiar, mas principalmente ultrapassar
definições comuns que tanto a naturalizam. Este é o caso das expectativas
em torno de obrigações morais que pressupõem redefinições de princípios
de organização e divisão social de trabalho familiar, redimensionados, por
exemplo, diante do aparecimento de casos de dependência perene de um de
seus membros.
Minha pretensão no decorrer da elaboração deste texto abarca o en-
tendimento do papel econômico que foi e vem sendo desempenhado por
mulheres diante de alternativas de inserção no mercado de trabalho assala-
riado; de formação de rendimento próprio mediante atividades exercidas no
ambiente familiar, em concomitância ao trabalho doméstico não remunera-
do. Acompanhando processualmente o investimento nessas práticas, posso
colocar em destaque o reconhecimento social daquelas ocupações que vêm
sendo profissionalizadas. Paralelamente ainda, demonstro, por alguns casos,
as condições de inserção delas no mercado de trabalho capitalista.
O leitor deverá então considerar que, neste trabalho, está-se diante de
um objeto de estudo analiticamente ainda mal definido, a despeito da atuali-
dade social e política dos interpostos cuidados a que sempre os membros da
família ocidental estiveram concernidos; não obstante a tradicional colabo-
ração das mulheres neste domínio e do trabalho agrícola; ou ainda na divisão
de trabalho inerente a unidades comerciais de clientela restrita e agregada
por princípios de proximidade vicinal. Da mesma forma, nas feiras e no exer-
cício de tradicionais funções como doceiras, costureiras, cabeleireiras etc.
Decorre então (e mais acentuadamente) a necessidade de obedecer aos pro-
cedimentos teóricos e metodológicos e admitir, de imediato, a tentativa de
delimitação prévia de um domínio elevado à condição de objeto de investi-
gação, bem como destacar a relativamente pioneira contribuição de Florence
Weber (1989, 1996, 2000, 2002, 2003, 2005, 2009), Alice Rangel de Paiva
Abreu (1993, 1995) e Bila Sorj (1993, 1995).
Para levar a sério os preâmbulos analíticos que advogo como de im-
positivo percurso metodológico, ou para não cair em reducionismos que li-
mitam o reconhecimento do trabalho às formas assalariadas, é fundamental
alinhar alguns dos princípios estruturais que definem as diversas formas de
economia, assim reivindicando especificidades para a economia doméstica.
Guardadas as respectivas especificidades, a economia doméstica (como eco-
26 Delma Pessanha Neves

nomia de mercado, economia de organizações, economia pública, economia


camponesa) pode se apresentar como campo de estudo da Economia Políti-
ca. Entretanto, ela só alcançará essa condição se os praticantes da disciplina
aceitarem se desprender do caráter ideológico e evolucionista que nutre jul-
gamentos emitidos sobre o caráter marginal ou não econômico das atividades
praticadas por outros princípios de organização, para além do capitalista.
Para propor essa perspectiva de estudo, guio-me pelos ensinamentos
de há muito assentados por Godelier [1973, 1974a, 1974b (1969), 1984,
1985], ao enfrentar essa própria problemática e ao se contrapor aos princí-
pios da economia formalista, advogando a demarcação da especificidade, mas
também dos princípios de universalidade do objeto de estudo. Afirma o autor
(1969, 1974), ao retomar relativizando a definição substantivista da econo-
mia, que ela é domínio do real que abarca as formas e as estruturas da produ-
ção, da repartição e da circulação de bens e serviços (materiais e imateriais).
Também é sempre bom reter as equivalentes categorias e unidades conceitu-
ais, como tão bem nos advertiram Chayanov (1966, 1981, p. 133-146), Foster
(1974) e Polanyi 1980/1944: grupo doméstico, ciclo de vida familiar, traba-
lho familiar, rendimento familiar, produto indivisível do trabalho etc.
Ao se considerar as interdependências entre formas de alocação de re-
cursos em domínios diferenciados, como do mercado, do Estado e da família,
não se pode perder de vista que a definição conceitual da unidade familiar
induz a dificuldades e ambiguidades. Por isso, no campo conceitual, isto é,
enquanto unidade analítica sociologicamente desnaturalizada, diversos auto-
res têm insistido na importância da adoção do conceito de grupo doméstico
(household ou ménage), que ultrapassa as definições de família, incluindo o
conjunto de unidades consanguíneas e conjugais em agregação, compreensão
bem facilitada pela alusão ao agrupamento de pessoas vivendo sob o mesmo
teto e comendo do mesmo pote.7 Metáfora à parte, o grupo doméstico abarca
relações intergeracionais, consanguíneas ou não, integrando os agregados e
a temporalidade dimensional da definição das regras de residência e do pro-
cesso de mudanças do ciclo de vida biológico e social dos que se reconhecem
por tal pertencimento (Foster, 1974).
Diversos etnógrafos colocaram em destaque as trocas intrafamiliares
e toda a diversidade de trocas extrafamiliares, entre parentes e vizinhos, na
relação com o mercado, com o Estado e outras instituições de enquadramen-
to social. Nessa perspectiva, as dimensões totalizantes, muito além do único
e contextual sentido econômico, operam como guias de compreensão do ob-
jeto de estudo. E nesses termos, restituem-lhe os sentidos que o estranha-

7
Ver CHAYANOV, 1966, GALESKI, 1977, NEVES, 1981, 1995, 1998, O’DWYER, 2008, PALMEIRA, 1977,
YANAGISAKO, 1979, GARCIA Jr., 1983; SCHWARTZ, 1990.
Introdução 27

mento lhe impinge e a singularidade frente aos princípios hegemônicos da


sociedade capitalista. Tal especificidade, todavia, muito comumente empur-
ra a economia doméstica e a camponesa para a externalidade do domínio da
ciência econômica e a marginalidade das preocupações acadêmicas. Retendo
assim a adoção de unidades sociais compostas enquanto grupo doméstico,
considero os três domínios universais e interligados da produção, da repar-
tição e da circulação de bens e serviços (materiais e imateriais) e a especifi-
cidade de universos sociais construídos por princípios próprios.
Insistir nesses preâmbulos ou nessas premissas fundamentais de
construção do objeto analítico não é circular em torno do mesmo. Tanto eu
como os leitores, nós devemos reter todas essas condições de controle de
demarcação analítica do objeto de estudo. As dificuldades que embaçam a
compreensão da especificidade e do próprio sentido econômico de muitas
das atividades desempenhadas pelas mulheres, situadas tangencialmente
ao princípio de mercado, são amplamente demonstradas pela exuberante
profusão de termos imprecisos, ambíguos e inadequados para designação
desse mesmo objeto de reflexão. Por exemplo: economia de subsistência,
economia natural, economia não mercantil, economia invisível, economia
não oficial, economia do dom ou da reciprocidade, economia da mão para
boca etc.
A proliferação de designações deve ainda nos alertar para os limites
das nomeações e do alcance das interpretações do trabalho feminino no âm-
bito doméstico; do trabalho remunerado exercido, concomitante, no mesmo
local e tempo, ao daquele (até o vigente contexto histórico) não remunerado,
porque destinado à reprodução familiar (lavar, passar, cozinhar, dar vida e
assumir cuidados com crianças e dependentes).
Volto-me então ao estudo analítico de distinção ou indistinção de es-
paços sociais residenciais; de fronteiras sutis e de etiquetas que referenciam
a relação produtor-consumidor; de sentidos das diferenciadas ou indiferen-
ciadas tarefas, afinal elas próprias nem sempre são assim percebidas ou ex-
plicitadas pelas mulheres, porque estão duplamente voltadas para atender
ao autoconsumo da família e produzir rendimento.
Sobre a temática beneficiei-me da leitura de textos de MURIANI, com
destaque para análise da produção intelectual da qual participou com Laufer
e Marry: Le travail du genre (2003). Sendo a atividade efetuada nos quadros
de vida de grupos domésticos, da produção não remunerada nem por salá-
rio nem por preço de mercado dos serviços e bens circulados, avaliada tão
somente pelo peso da noção de custo de oportunidade, ela também tem sido
questionada quanto aos efeitos individuais sobre quem a ela se dedica. Con-
sequentemente e em tese, a mulher se apresenta impedida de ser contem-
plada com as vantagens comparativas da autonomia financeira.
28 Delma Pessanha Neves

Reconheço ainda que, a despeito de imprecisões decorrentes do ponto


de vista militante, a pesquisa qualificada feminista vem alimentando certos
reboliços no campo acadêmico, implodindo visões hegemônicas e unilaterais,
formas específicas de substantivação, até há bem pouco tempo muito natu-
ralizadas. Por isso mesmo restringiu os pesquisadores das ciências sociais
quanto a reflexões sobre práticas sociais, quando nada posteriormente qua-
lificadas pela invisibilidade, provocando outras cegueiras metodológicas na
compreensão de domínios sociais considerados de foro privado.8
Integro ainda nesta introdução alguns esclarecimentos quanto aos prin-
cípios epistemológicos e metodológicos assumidos para diferenciar formas
de trabalho desempenhadas por homens e mulheres; e assim compreender
os processos de construção de múltiplas formas de inserção produtiva. Como
sucessivamente reafirma Godelier,9 homens e mulheres pressupõem relações
de gênero porque têm sexos diferentes. Ao conceito de gênero atribuiu então
o seguinte sentido: corresponde à produção contextual de um conjunto de
atributos que se associam aos indivíduos segundo sejam homens ou mulhe-
res no nascimento. Os termos masculino e feminino ultrapassam o mundo da
natureza e caracterizam, igualmente, o mundo de entidades em geral invisí-
veis, como deus e deusas que compõem diferentes panteões religiosos.
Este mesmo autor tem posto em relevo a importância epistemológica
aberta pela compreensão valorativa de concepções ou relações de gênero,
exatamente porque operam em sistemas de produção de significados (por
destaque redundante) social ou culturalmente construídos. Independente-
mente da diversidade de sentidos que, nas situações sociais, as relações de
gênero venham a adquirir, os significados que as constituem correspondem à
construção social da sexualidade e da diferença entre sexos. Por tais correla-
ções, em diversos textos Godelier chama a atenção para a inclusão analítica de
diferenciadas formas de sexualidade, que tipologicamente nomeia: autosse-
xualidade, heterossexualidade e homossexualidade. E também o quanto essas
articulações (gênero, sexo, sexualidade), em contextos de sistemas de signifi-
cações, devem ser compreendidas por reflexões sobre o imaginário, tal como
ele contribuiu pela correlação analítica entre o real e o ideal (Godelier, 1984).
Firma-se então uma contribuição definitiva: como essas formas não
podem ser compreendidas por si sós, elas devem ser analisadas por associa-
ção a outras questões e princípios de organização. Por exemplo: as regras de
proibição de incesto, que regulam a busca de prazer e a reprodução humana;
os sistemas de parentesco, políticos e religiosos, as formas de segmentação

8
Ver a coletânea de artigos organizada por Neves e Medeiros (2013), especialmente a Apresentação da
Primeira Parte, Mulheres Camponesas e Reprodução de Grupos Domésticos, elaborada por Neves e Motta-
-Maués, p. 19-40.
9
Godelier, 1976, 1984, 1996, 2000, 2002, 2003a, 2003b, 2005, 2007, 2008.
Introdução 29

da força de trabalho e de identidade de trabalhadores etc. Essas articulações


se tornam importantes porque, em tese, conclui Godelier que se pode pensar
a sexualidade humana como fenômeno a-social. Afinal, ela precisa de regu-
lação para se tornar social. De um lado, para unir, criar vínculos e alianças;
e de outro, para não dividir, criar clivagens e conflitos entre grupos sociais e
indivíduos.
Por tais premissas, Godelier consolidou uma de suas importantes con-
tribuições ao tema: o exercício da sexualidade está subordinado à reprodu-
ção de outras relações independentes dela.
Trata-se, portanto, de subordinação estrutural, isto é, às regras que
presidem a vida social, levando a que a sexualidade venha a servir a outros
fins. Eis a razão pela qual ele tanto insiste: o estudo das relações de gênero só
faz sentido na articulação com sistema de significados que dão sentido a uma
ordem social ou sociocósmica. Nesta ordem, ele inclui as representações que
as pessoas elaboram sobre a origem do mundo, do ser humano, das presen-
ças de deuses e também das práticas que induzem à orientação da ordem
sexual ou da relação entre os sexos (Neves, 2013: 69-71).
Fundamentado nesse conjunto de premissas, elaboradas a partir da
diversidade da experiência humana (inclusive no que tange à concepção das
relações entre homens e mulheres), Godelier empenha-se em marcar a di-
ferença (e condenar mal-entendidos supostamente teóricos) entre os signi-
ficados concernentes aos termos sexo e gênero. Dito de forma mais direta,
empenha-se em demonstrar os equívocos da vulgarizada tentativa de equi-
valência daqueles termos. Por isso, afirma e reafirma em diversos textos: o
sexo dos indivíduos se transforma em gênero em correspondência a relações
sociais que nada têm a ver com a reprodução da vida e com o exercício da
sexualidade. Essas relações são interpenetradas por princípios de parentes-
co ou por ligações que unem indivíduos segundo o lugar que ocupam nestas
mesmas relações. Assim sendo, lugar social ligado a seu sexo e à sua geração.
Os significados atribuídos ao gênero se colam então aos do sexo, antes mes-
mo de o indivíduo ter vida real. Eles se constituem a partir das representa-
ções que são elaboradas sobre o que é uma criança, tal como toda sociedade
a “fabrica” em sua diferença sexual.
Portanto, é no estudo da diversidade da experiência humana, no tem-
po e no espaço, que, segundo o autor, subjaz a contribuição da antropologia
para o estudo de sentidos conformadores das relações de gênero. Sinteti-
za então: para se estudarem relações de gênero, devem os antropólogos se
ocupar da construção e transformação dos atributos sociais imputados aos
indivíduos segundo seu sexo; devem valorizar a compreensão dos meios pe-
los quais o corpo recebe as marcas dos papéis a serem desempenhados por
diferenciação sexual. Em se tratando de normas, evidentemente (mas nem
30 Delma Pessanha Neves

sempre tão evidentes para muitos pesquisadores), a existência de regras não


pressupõe a imediata adesão. Há, por conseguinte, divergências e oposições,
variedades de expressão social no interior de cada sistema de variações.
Nesse próprio exercício, Godelier adianta reflexões sobre a possibilida-
de de constituição do campo temático e político qualificado pela valorização
das relações de gênero. Elabora uma série de questões sobre a constituição
da ciência social diante do feminismo. Valoriza a construção de interlocu-
ções frutíferas, criadoras de problemáticas novas. Por exemplo: a articulação
entre as condições de produção acadêmica e as especificidades da produção
por antropólogas identificadas ao movimento feminista, que, cada vez mais,
são levadas a refletir sobre os efeitos epistemológicos dessa diferenciação
social interna ao campo acadêmico (político).
Reafirmando as contribuições apresentadas por antropólogos, integro
orientações metodológicas desenvolvidas por Segato (1997). Segundo ela, a
diferenciação geralmente hierárquica dos sexos pertence ao domínio do sim-
bólico e reside em algum lugar da realidade observável com a qual o etnó-
grafo trabalha. Significados atribuídos a tais diferenças estruturam a vida so-
cial ou institucional, imprimindo nela a organização de uma cena originária,
transportada, usualmente, para os termos das relações familiares. Por isso o
estudo de gênero permite entender o sistema hierárquico e de poder e sujei-
ção dos indivíduos, revelar a dinâmica das relações de poder em circulação
e como elas convivem com a experiência ordinária dos agentes sociais. Des-
taco entre as sugestivas interpretações da autora: refletir sobre relações de
gênero é tratar de uma estrutura de relações. Em assim sendo, diz respeito a
todos que direta ou indiretamente estão envolvidos em sistemas de relações,
ou seja, não pode se limitar à compreensão das práticas e representações
elaboradas por mulheres, como se esta distinção biológica retivesse todo o
sentido da construção social dos indivíduos sexuados. Assim construída a
unidade de análise, estudos sobre relações de gênero esclarecem-nos sobre
meandros das estruturas de poder e os enigmas da subordinação voluntária
em geral, além de ser original discurso para elucidar a organização de outros
arranjos hierárquicos na sociedade ou outras formas de sujeição. Mas não
podem estar restritos ao caráter de denúncia, que despoja as mulheres de
múltiplos protagonismos na construção da vida social.
Além disso, o investimento do pesquisador não pode estar fundamen-
tado apenas na observação empírica dos fatos. Portanto, nem o registro
etnográfico dos papéis sociais desempenhados, nem a distribuição de direi-
tos e deveres ou de comportamentos esperados bastarão para qualificar o es-
tudo de relações entre sexos segundo padrões contextuais de concepções de
gênero. Esta análise só pode ser alcançada pelo entendimento das estruturas
de produção de sentidos interativos para todos os sujeitos sociais (1997, p.
Introdução 31

236). O que pode ser observado é o maior ou menor grau de autodetermina-


ção, o maior ou menor grau de oportunidades, de liberdade (p. 237), mas os
planos das hierarquias exigem outra ordem de compreensão fundamentada
na interpretação de princípios e regras que qualificam o mundo social em
questão.
Sem os exercícios de desconstrução desses enredados pontos de vis-
ta interpretativos quanto às relações de poder, recai-se em absolutizantes
diferenças de sexo, acreditando-se tematizar relações de gênero. Tanto o é
que recorrentemente também se recai em tantas outras contrapostas essen-
cializações (opressão/submissão, por exemplo). Muitos investimentos de
pesquisa podem assim terminar por prestar desserviços à compreensão da
problemática. Em termos das especificidades da pesquisa acadêmica, ao, por
exemplo, insistir-se na absolutizante vitimização, consequentemente tam-
bém se afirma uma absoluta apassivação das mulheres.
Tomando ainda em conta problemáticas constitutivas de perspectivas
pautadas em registros de comportamentos e afirmações vitimizantes da po-
sição ocupada por mulheres na sociedade ocidental, ressalto o quanto, mui-
tas vezes, pesquisadores se iludem com a tão recorrida interpretação sobre a
invisibilidade social, especialmente quando analisam as relações cotidianas
entre homens e mulheres. Antes de tudo, esquecem-se de se perguntar sobre
as razões da secundarização temática ou da ausente formulação de objetos
de estudo, visto que deveriam ser construídos a partir de práticas produzi-
das para invisibilidade na vida social. Ou melhor: como temos investido no
estudo de práticas que não alcançaram autonomização (ou dessacralização),
processo este que recorrentemente está na base da constituição das ciências
sociais? A produção social da visibilidade ou invisibilidade dos comporta-
mentos e modos de existência é constitutiva de fronteiras simbólicas e de
domínios sociais, do reconhecimento e atribuição do que deve estar exposto
ao espaço e olhares públicos, mediante construção de etiquetas sociais de-
terminadas. Enfim, ela deve ser entendida pelas condições de qualificação
do que socialmente é definido como público, assim em parte delimitado pela
qualificação do que dele deve ser retirado ao resguardo de privacidades. A
visibilidade ou invisibilidade sociais não podem analiticamente aparecer tão
somente como denúncia ou forma de sujeição ou demarcação de relações de
poder e autoridade; elas próprias são partes constitutivas dos domínios a
serem estudados.
Este é o caso exemplar da contextual expansão de estudos sobre eco-
nomia de proximidade, economia doméstica, práticas de autoconsumo, ou
genericamente “economia de subsistência”. A construção desse campo de
estudos tem permitido interpretações sobre domínios sociais anteriormen-
te pouco consagrados nas ciências sociais, exatamente porque afastados ou
32 Delma Pessanha Neves

perifericamente tangenciados pela economia mercantil. A perspectiva de


mercantilização de produtos desse domínio da atividade doméstica tem es-
tado na base da construção de autonomia econômica e política para esposas
e filhas de agricultores, pescadores, artesãos, cuja realização profissional
depende do trabalho familiar. Imediatamente não monetarizado, o trabalho
familiar está calcado em relações de conjugalidade e consaguinidade. Expli-
cando a invisibilidade social das práticas domésticas exercidas por mulheres
pela ideologia que embasa a dominação masculina, as consequências têm
imediatamente se desdobrado nas tentativas de construção da autonomia
desses sujeitos sociais, todavia pela adoção do princípio de mercantilização
de produtos advindos das atividades que elas realizam (caso da profissiona-
lização das atividades da “dona de casa” ou dos produtos agroecológicos da
horta caseira, que devem fazer circular no mercado).
Os pressupostos dessa intervenção reafirmam assim a autonomia da
mulher pela restrita vinculação com o controle monetário dos gastos ime-
diatos e projetivos do futuro. Por conseguinte, fazem-se necessários mais
investimentos teóricos, até mesmo pela profusão de estudos empíricos, para
que pesquisadores venham a questionar o arcabouço teórico constituído em
contextos diferenciados e para outros fins. E também invistam na compre-
ensão daqueles domínios de relações socais até então desprezados para a
emergência de temáticas e problemáticas constitutivas das ciências sociais.
As identidades profissionais, em sendo dado cultural, devem ser en-
tendidas no interior de sistemas de valores e conjuntos de regras, em redes
de significação que se exprimem na vida cotidiana, nas práticas sociais ou
em atos e palavras, que, afinal, dão sentido ao pressuposto subdividido mun-
do social e natural (LATOUR, 2006). Elas exigem a construção em situações
e unidades significativas elementares, para assim serem erigidas em objeto
de estudo (cf. Weber, 2009). A tarefa de uma antropologia das relações de
gênero, segundo meu juízo, seria justamente a de tentar perceber e delimitar
as singularidades culturais dessas realizações, projetadas pela comparação,
para problematizá-las.
Considerando as alternativas abertas pelo movimento feminista, pen-
so ser importante incluir a temática das relações de gênero no estudo de
processos de mudanças e de desejos políticos de reordenação de posições
sociais, na hegemonia de economias mercantis, muitas vezes pensadas pela
conquista da autonomia pautada em rendimento financeiro. E assim levar
em conta os projetos que almejam deslocamento de sistemas de poder e
construção de direitos sociais, nas mais diversas dimensões políticas e eco-
nômicas. Se o estudo das relações de gênero se articula ao dos sistemas de
representações e produção de significados ou imaginários que referenciam
práticas sociais, aí se abre um vasto campo de compreensão de incessantes
Introdução 33

processos de concorrência na produção de novos significados para a vida so-


cial: mediante redefinições de atributos de sexo e da dinâmica conformação
de relações de gênero.
De fato, na prática, deveriam ser considerados estudos articulados so-
bre muitos outros temas, entre os quais eu destacaria: individualismo, au-
tonomização da sexualidade, nuclearização da família, prefiguração de se-
parações de esferas sociais, demarcações de domínios de ação política e de
cidadania, modos de distinção entre espaços públicos e privados, lutas por
reconhecimento de múltiplas sexualidades, defesas públicas de livre-arbí-
trio, composição e segmentação de força de trabalho.
Embora a pesquisa que neste momento ganha textualidade tenha sido
provocada por demandas de representantes delegadas do Conselho Muni-
cipal das Mulheres em Santarém, raras foram as entrevistadas que se apre-
sentaram como mulheres engajadas em alguma forma de mobilização por
direitos públicos. Se todas estão em acordo quanto a demandas em torno
de rede de serviços públicos (de saúde, escolares, entre outros) e institucio-
nalização de direitos específicos ao segmento, tais demandas são pensadas
como parte constitutiva de patrimônios coletivos que respondem ao bem-
-estar das famílias e da rede de vizinhança. A mobilização pessoal ou familiar
que corresponde a investimentos em ganhos de autonomia, inclusive frente
aos membros da família, vem se apoiando em tentativas de constituição de
rendimento próprio. Nesses termos, o objetivo fundamental do engajamento
econômico das mulheres é se constituir como sujeito de ações para colabo-
ração na melhoria das condições habitacionais e do grau de ensino para os
filhos, especialmente se, acumulativos, eles puderem redundar em profissio-
nalizações reconhecidas. As mulheres entrevistadas, na ocasião, não vislum-
bravam proposições coletivas de demandas para fomento das corriqueiras
e inadequadamente chamadas políticas públicas (isto é, dotação de recur-
sos públicos); mas esperavam dotar as filhas e os filhos de condições para
avançarem nessas conquistas e no alcance de outro patamar de bem-estar
familiar e social. Sem adotar o feminismo como bandeira, as mulheres, es-
pecialmente da geração correspondente às jovens, aspiram realizar estudos
superiores e seguir uma carreira conciliando casamento, trabalho e materni-
dade. E os filhos, de forma geral, também privilegiam casamentos facilitados
pelo trabalho remunerado do casal. Como serão amplamente demonstradas,
muitas das atividades econômicas desempenhadas pelas mulheres corres-
pondiam a expressões de apoio moral e investimentos financeiros colabora-
tivos ou cooperados do esposo para construção de alternativas de expansão
do rendimento familiar. E nesses termos, está-se assim diante de outras pro-
posições de construção de relativa autonomia a ser alcançada pelas mulhe-
res, portanto, projeto do casal, dos pais ou demais familiares.
34 Delma Pessanha Neves

Por fim, destaco o processo de constituição de alternativas para for-


mulação de representações sobre a responsabilidade autônoma de mulhe-
res solteiras ou que enfrentam dissolução da união conjugal, atribuindo-se
o papel de única provedora da família, em alguns casos contando com apoio
da família consanguínea, especialmente a materna. Ressalto ainda os inves-
timentos na construção ou mesmo na imposição da liberação individual, não
perdendo de vista as atuais condições de constituição de mulheres como
principais ou únicas provedoras da família nuclear, de mulheres solteiras
que tendem a valorizar o trabalho e a liberdade individual, em detrimento
de casamentos ou recasamentos. Todos esses modos de existência e de es-
tilos de vida são coadjuvantes e desdobramentos de construções coletivas
em curso na sociedade brasileira. No mundo ocidental, universalizam-se as
lutas por direitos específicos, as formas mais eficazes de combate à violência
contra mulheres, que repercute em códigos penal e cível ou aparato local
de objetivação da ordem social correspondente. Destacam-se ainda as alter-
nativas de reconhecimento de afiliação biológica e de demanda de pensões
para filhos; a presença de associações femininas e ampliação da participação
delas em campos de sociabilidade vicinal e religiosa; o aumento da represen-
tação política partidária por mulheres; e a circulação de ideias e valores en-
fatizando a redefinição de papéis e posições tradicionais no mundo social.10
Se há alguma bibliografia produzida sobre as questões aqui delimita-
das para compreender o mundo do trabalho a que se integram as mulheres,
o acesso é dificílimo. Para facilitar a elaboração deste texto, compensei essas
ausências com a inclusão de amplo conjunto de quadros estatísticos, funda-
mentados em recenseamentos demográficos, econômicos e agropecuários,
conforme edição do IBGE, visando facilitar a contextualização dos processos
em jogo; e principalmente sistematizar os sentidos dos dados alcançados
por aqueles procedimentos inerentes ao levantamento de informações in-
tergeracionais, ou seja, mediante análise de ciclos de vida familiar consan-
guínea e conjugal.
O município de Santarém, a despeito de densos processos históricos
que caracterizam a vida social que aí se instituiu, e de ser, por ampla diversi-
dade de temas, objeto de estudo segundo múltiplos interesses, não acumula
(pelo menos em instituições oficiais em sua sede), para consulta pública,
amplo acervo bibliográfico. Há registros memorialísticos, versões oficiais
de processos históricos que se petrificam em interpretações repetitivas.
Contudo, poucos são os estudos sobre as camadas populares que aí vêm se

10
Sobre essas questões, sugiro, entre outras diversas possibilidades de leitura, a do número 2, volume XII,
da Revista Sociedade e Estado (dezembro-julho de 1997), cujo dossiê enfatizou a temática feminismos e
gênero, aconselhando em especial a da apresentação elaborada por BANDEIRA e SIQUEIRA (orgs.).
Introdução 35

reproduzindo ao longo dos séculos.11 No atual contexto, de facilidades pro-


movidas pela comunicação digital e de produção advinda de pesquisadores
afiliados à UFOPA, mas não só, também de universidades nacionais e inter-
nacionais, alguns textos elaborados, segundo objetivos mais pontuais, têm
sido disponibilizados. Paralelamente, relatórios técnicos e laudos periciais
vêm sendo elaborados por profissionais de instituições locais ou nacionais,
voltadas para assistência técnica, sistematização de diagnósticos socioeco-
nômicos e perícia ambiental, ou registro de formas de construção de emer-
gências étnicas.12
Ao me dedicar à construção de cenários reveladores de sentidos ex-
pressos em atributos sociais e sistematizados em consonância aos diver-
sos percursos de vida, tais como os organizados segundo os objetivos do
levantamento geracional, pretendo contribuir com o registro de condições
de vida que só a pesquisa no espaço local pode dar conta. Entretanto, é
importante reafirmar: tais sentidos foram apreendidos por construção de
atributos sociais preliminarmente considerados para efeitos de demonstra-
ção quantitativa, mas também pela complementaridade e reciprocidade da
compreensão qualitativa dos fenômenos sociais, vertente da pesquisa que
será considerada nos próximos volumes da coleção. Destaco previamente,
ainda sob muitas lacunas, alguns processos sociais ocorridos no século XX
e que registram os cenários que conformam os sentidos das alternativas
assumidas pelas camadas populares em cada contexto. No entanto, a cons-
trução desses dados se orientou por indicações apontadas em entrevistas
com residentes na sede do município e em comunidades do planalto e ri-
beirinhas. Definidas assim as condições e as orientações de coleta e análise
mais adequadas dos dados, de qualquer modo consoantes a procedimentos
ou atos epistemológicos, espero que a diversidade de formas e alternativas
de elaboração deste texto ganhe clara inteligibilidade e facilite minha comu-
nicação com o leitor.
Para dar conta da proposta analítica apresentada, subdividi este texto
em quatro capítulos. Para cada um deles, referidos a contextos específicos,
elaborei configurações segundo o predomínio de princípios de recrutamen-
to da força de trabalho e formas de relativa imobilização de famílias de tra-
balhadores, provisórias, em correspondência ao espírito de rapina dos ges-
tores dos processos de exploração extrativista que se sucederam na região.
Não desconsidero formas outras de organização da atividade produtiva, es-
pecialmente a camponesa, cujos protagonistas por vezes eram mobilizados
e se engajavam em deslocamentos físicos e sociais, ora com a família, ora na
11
Para conhecimento da produção local sobre processos históricos ocorridos no município, ver Amorin,
2010; Santos, 1999 e 2010, entre outros.
12
Destaco a produção de O’DWYER, 2010, e TORRES, 2012.
36 Delma Pessanha Neves

solidão para atender a práticas que não implicavam (ou negavam) de imedia-
to a colaboração de grupos domésticos. Acentuo, entretanto, os modos pre-
dominantes de organização dos trabalhadores porque, deslocando massas
relativas de mão de obra, a suspensão da atividade terminava por estimular
outros meios de resolução e controle: realocamentos ou retomada da con-
dição camponesa. Neste último caso, evidencia-se o papel fundamental das
mulheres nessa modalidade de uso de recursos naturais e de reprodução
social do grupo familiar. Eram elas, quase sempre, que permaneciam gerindo
a reprodução da prole e dos recursos materiais apropriados para construção
de meios de vida enquanto os homens se dirigiam a frentes de trabalho.
Adoto dois princípios relativamente distintos de construção da tem-
poralidade e espacialidade dos processos em jogo. Incorporo, para delimitar
essas unidades sociais de análise e o tecido das relações em causa, algumas
narrativas exemplares de trabalhadores que foram protagonistas dos re-
feridos processos. E a elas atribuo grandeza interpretativa da vida social,
contrapondo a dados estatísticos oficiais, que me permitem adotar outros
sinais de leitura das configurações em jogo. Desta maneira, a articulação de
diferenciados princípios de interpretação assegura o reconhecimento de
contextos diferenciados, no bojo dos quais foram enredadas aquelas expe-
riências relembradas por narrativas. Ressalto, em consequência, que todas
as narrativas foram provocadas por pesquisadores, cujo entendimento, por
isso mesmo, só alcança a riqueza de sentidos se referenciado às situações
sociais a partir das quais elas foram metaforizadas em interpretações do
narrador e do seu mundo.
Tentando ultrapassar os limites e as especificidades das sugestões
reflexivas orientadas pelos dados estatísticos, como já destaquei, investi,
mediante colaboração interinstitucional, na construção de informações ela-
boradas para os fins aqui propostos. Diante dos procedimentos adotados,
abarcamos, pelo menos, os últimos 90 anos (para usar alguma datação, apro-
ximadamente de 1920 a 2012). Esta delimitação é variável porque abrange
o alcance possível à memória familiar do então entrevistado. Além disso, até
onde, por temporalidade relativamente curta, aprofundasse o tempo de vida
dos avós paternos e maternos desse mesmo entrevistado e de seu cônjuge,
quando aquele fosse ou tivesse sido casado.
A relativa referência aos avós, pelos padrões de condições de vida e en-
raizamento familiar, aparecia como a mais longa para construção de modos
de aproximação de uma temporalidade previamente indicada. Não obstante,
há muitas lacunas de informações, em virtude das subdivisões da rede fa-
miliar e de parentesco que a migração institui. As informações eram muitas
vezes oferecidas por um ouvi contar, minha mãe sempre comentava sobre o
lugar onde ela nasceu. De fato eram recorrentes os casos de noras ou genros
Introdução 37

que jamais conheceram sogras ou sogros; e netos que, da mesma forma, não
conheceram avós. E mais recorrente ainda eram as informações que davam
conta do local de residência de pais e avós e total falta de informação so-
bre as condições de vida, muitas vezes deduzidas pelo suposto falecimento,
decorrente da idade que teriam alcançado. Raros foram os casos de filhos
que voltaram ao local de origem e que mantiveram contatos com a família
consanguínea. Da mesma forma, na geração consequente, as desinformações
eram recorrentes, tendo em vista o deslocamento para alternativas de afilia-
ção a mercados de trabalho mediante migração para outros municípios do
Pará e capitais de estados. Por tais lembranças/informações possíveis, elas
fundamentaram os termos da proposta de abarcar duas (a três) gerações
antecedentes e uma ou nenhuma geração sucessiva, a depender da idade do
entrevistado. Portanto, pelas condições que se tornaram mais viáveis, opera-
mos com três gerações familiares: avós, pais e filhos.
Na maioria dos casos, os avós de mais longa data de nascimento de-
marcavam experiências e condições de vida das primeiras décadas do sé-
culo passado. Em caso de entrevistas com solteiros, o número de informa-
ções referentes aos membros familiares integrava avós, pais e tios paternos
e maternos, bem como sua própria geração de filho, enfatizando-se então
dados sobre a família de origem. Em caso de entrevistas com indivíduos
casados, os dados coletados tendiam a se duplicar: o exercício de registro de
informações incorporava avós paternos e maternos, pais e mães dos mem-
bros da família consanguínea, incluindo irmãos solteiros ou casados do es-
poso e da esposa, bem como a geração consecutiva, que podia conter filhos
solteiros e casados.
Sobre cada indivíduo dessa rede de parentesco consanguíneo e afim,
tentava-se registrar a construção dos seguintes atributos sociais: data e local
de nascimento; data e local de casamento(s); nível de instrução alcançado;
ocupação fundamental; ocupações coexistentes ou percursos de ocupações
(estes últimos geralmente sinalizando processos de mobilidade residencial
e migrações); condições de afiliação familiar e de formação de união con-
jugal, com respectivas possíveis rupturas e reorganizações de convivência
em casal. Quando fosse o caso, abarcaria o número de filhos, sobre os quais
incidiam todas ou partes daquelas mesmas perguntas, a depender da idade
alcançada. Como na faixa etária entre 30 e 70 anos recaiu a maior quanti-
dade de referências, englobando avós, em certos casos, mas principalmente
todo o conjunto de irmãos de cada entrevistado e seu esposo ou sua esposa,
sobre ela houve maior incidência de informações.
Ao final, conseguimos alcançar um total de 7.196 indivíduos referen-
ciados (4.102 homens e 3.094 mulheres), abrangendo, nessa computação,
apenas aqueles que contavam com idade superior a 18 anos, posto que, pelos
38 Delma Pessanha Neves

dados assim obtidos, tentamos construir, em diversos contextos, alguns dos


percursos de constituição dos trabalhadores.

quadro 01. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa etária
(acima de 18 anos) e condição de vida biológica

Número de indivíduos referenciados


Total Masculino Feminino
Faixa etária
Vivo Falecido Vivo Falecido Vivo Falecido
90 e mais 34 226 26 166 8 60
89-80 199 361 103 196 96 165
79-70 366 182 202 113 164 69
Sub-total 599 769 331 475 268 294
Sem
168 107 61
informação
Total na faixa
1536 913 623
etária
69-60 983 310 571 230 412 80
59-50 869 101 434 74 435 27
49-40 958 57 561 45 397 12
39-30 750 37 404 25 346 12
Subtotal na
3.560 505 1.970 374 1.590 131
faixa
Sem
195 108 87
informação
Subtotal na
4.260 2.452 1.808
faixa
29-18 1.744 19 941 11 803 8
Subtotal na
1763 952 811
faixa
Total sem
363 215 148
informação
5.994 1.397 3.421 951 2.573 446
Total
7.196 4.102 3.094
Fonte: levantamento realizado pela equipe de pesquisadores no decorrer do ano de 2012.

Pelo registro de informações sobre as gerações de avós, pais e filhos,


projetamos (todos nós pesquisadores) compreender processos de mobilida-
de regional, interestadual e estadual, considerando o afluxo de chegadas e
saídas de residentes no município de Santarém. Trouxemos assim ao regis-
Introdução 39

tro histórico alguns exemplos de processos de mudança na composição da


população do município e de constituição dos trabalhadores. Essas informa-
ções se apresentam como altamente reveladoras da constituição da popu-
lação local e, por referência imediata às intenções da pesquisa, comparação
intergeracional de alternativas de inserção produtiva e social das mulheres.
O levantamento de dados foi elaborado com base na concepção de ge-
rações genealógicas ou sucessivas, embora na prática o pressuposto se funda-
mentasse em relações estruturais muitas vezes constituídas a partir de gera-
ções alternadas. A unidade de análise a partir da qual a dimensão temporal e
reprodutiva ganhou sentido se fundamentava na família conjugal, articulada
a relações de consanguinidade ascendente e descendente, bem como relações
entre afins, isto é, engendradas por alianças entrelaçadas por casamento. As
alternativas de interpretação abarcavam então temporalidades específicas
das gerações familiares, tanto que era possível encontrar avós na faixa de 80
anos e mais, bem como 37 a 50 anos. Consequentemente, a posição social es-
taria sendo exercida em tempos e contextos históricos muito diferentes.
As experiências vividas por avós na faixa etária de 80 anos pouco ti-
nham a ver com aqueles mais jovens. Mas recaía sobre essa estratégia, a con-
dição mais eficaz, em termos de estímulos à construção de memórias para
projetar aproximações com os meios de constituição da população no mu-
nicípio de Santarém no decorrer dos últimos anos. O fato de ser mais eficaz
para coleta de dados não significava maior viabilidade para a análise socio-
lógica. Por isso mesmo, os dados assim coletados só vão ser considerados
como construções genealógicas quando o objeto de estudo recair sobre ca-
deias de famílias consanguíneas e afins. Todavia, os indivíduos, como uni-
dades estatísticas, apreendidos para efeitos de análise populacional e com-
preensão da dinâmica da composição de condições de vida do segmento de
trabalhadores, estarão sendo considerados por aproximações em faixas etá-
rias e correspondentes contextos de vida produtiva ativa. Consequentemen-
te, aquelas posições estarão dissolvidas em classes de idade concebidas em
correspondência e, num plano geral e arbitrário, referidos a décadas. Estas,
por sua vez, são demarcadas em plano sociológico, segundo referências e
aproximações vivenciais diante dos mesmos grandes eventos.
O conceito de geração, segundo Bauman (2007, p. 370), é performa-
tivo: cria-se tal entidade para segmentar e nomear. Corresponde a uma me-
táfora para a construção do tempo (Feixa e Leccardi, 2010:185). Tanto que,
quando se consideram os ciclos de vida em cada agregado genealógico, nem
sempre se estava diante da noção de sucessão entre gerações. De fato, o que
muitas vezes ocorria eram a sobreposição geracional, a coincidência e a coe-
xistência parcial entre elas. Tal como adverte Bauman (2007), as fronteiras
entre gerações não são claramente definidas, são ambíguas e atravessadas.
40 Delma Pessanha Neves

Seguindo as sugestivas críticas de Mannheim (1928), o conceito de


geração, se delimitado em termos sociológicos, deve estar referenciado a
processos históricos e eventos contextuais que abrangem uma determinada
faixa etária. Em consequência, no caso desta pesquisa, seguir a análise pelas
gerações genealógicas implicaria se embaralhar em meandros indecifráveis
e desprovidos de interpretação, salvo para eventos no seio da própria rede
familiar e de parentesco. Reafirma-se então a impossibilidade de se conside-
rarem gerações identificadas por um tempo quantitativo e mensurável como
critério de linearidade, tais como muito comumente tendem a ser reconhe-
cidas por um pressuposto tempo de 30 anos de defasagem para cada uma.
Em síntese, para efeitos da elaboração deste texto e da análise pautada
no levantamento já citado, construí certas descontinuidades com base em
processos e eventos pelos quais os entrevistados se situavam socialmente,
bem como aos parentes sobre os quais podiam comentar atributos sociais.
Delinearei esses momentos, não como medição de tempo médio e escala for-
mal de faixa etária, mas pelas mudanças apontadas pelos entrevistados, que
colocam em suspensão o tempo social biologizado, para acentuarem aconte-
cimentos. Neste caso, valorizarei os vínculos que os indivíduos, nas diversas
faixas etárias, mantêm e mantinham entre familiares e parentes, com mer-
cados de trabalho e sistemas de ocupação e de alternativas de construção de
projetos de vida familiares. O vínculo ocupacional é, por conseguinte, o eixo
fundamental de entendimento das condições sociais de vida das mulheres.
Supus assim que, mais ou menos intensamente, pessoas em faixas etárias
correspondentes estiveram abarcadas ou contribuíram para a constituição
de determinados processos de mudança. Para essa demarcação contextu-
al, considerei os dados de caracterização socioeconômica do município de
Santarém e, quando necessário, dada a arbitrariedade deste recorte político
administrativo, de outros municípios circundantes. Qualificarei por constru-
ção de contextos os fatores que atuaram no recrutamento e no enraizamento
de trabalhadores, quando estimulados ao deslocamento físico e à desconti-
nuidade com o trabalho agrícola, para se dedicarem predominantemente ao
extrativismo, seja vegetal, seja mineral. Paralelamente, também serão valori-
zadas as alternativas de enraizamento local pela apropriação relativamente
voluntária ou oficialmente tutelada de lotes de terra, recurso que assentava
os trabalhadores como agricultores; ainda as condições de vínculo de agri-
cultores de longa fixação nas margens dos rios da bacia amazônica com os
mercados locais e de prestação de serviços; e, mais recentemente, toda ex-
pansão da complexidade das redes de produção e circulação de mercadorias
e bens que tem transformado a sede do município de Santarém em espaço
de crescente afluxo populacional, entreposto comercial e espaço de centrali-
zação de oferta de serviços.
Introdução 41

A análise desses processos permite arbitrariamente certa datação por


décadas, entretanto, exercício fundamental para poder usufruir das condi-
ções de construção oficial de dados estatísticos pelo IBGE. Nesses termos,
para pensar os tempos históricos e sociais associados a faixas etárias, os con-
textos, com a devida relatividade, podem ser assim qualificados:
- 1920-1949: contexto de valorização dos investimentos produtivos e
mobilidade física e social realizados por famílias cujo casal atualmente oscila
entre 70 a 90 anos (em certos e raros casos um pouco mais). Homens e mu-
lheres nessa faixa etária vinculavam-se basicamente à associação da agricul-
tura, pesca e extrativismo.
- 1950-1979: contexto que abarca, no levantamento, a população iden-
tificada por correspondência à faixa etária de 30 a 69 anos e que vivenciou
processos de expansão da atividade agrícola e da constituição de agriculto-
res autônomos: de um lado estimulados por fatores de expulsão diante das
dificuldades de reprodução física e social em áreas nacionais submetidas a
secas recalcitrantes, todavia sem programas públicos de enfrentamento das
constrições para a reprodução física e social; e de outro lado, em se tratan-
do da população local, valendo-se de mudanças causadas pelo uso de óleo
diesel para embarcações e, assim, melhor deambulação e expansão do mer-
cado regional, em alguns casos também associados a expulsões derivadas de
fatores que inviabilizam a vida às margens dos rios (epidemias de malária e
febres, expropriação de bens fundiários, produtivos e imobiliários diante do
fenômeno das terras caídas).
- 1980 a 2012, período de expressão mais espetacular das transfor-
mações resultantes dos investimentos do governo militar no povoamento e
exploração na Amazônia, seguidos de vínculos ao extrativismo mineral ou
garimpos, que os entrevistados qualificam como a época da febre do ouro;
desmobilização e deslocamentos desses trabalhadores derivados do fecha-
mento dos garimpos; vínculos criados para assalariamento em empresas mi-
neradores; e institucionalização de deslocamentos de jovens em busca de
trabalho nas cidades de Belém, mas principalmente Manaus, Macapá, Boa
Vista e Rondônia. A faixa etária privilegiada para pensar as mudanças mais
recentes recai sobre indivíduos entre 18 e 30 anos.13
Nos atos de comunicação (entrevistas, visitas), a população que foi con-
vidada e instigada a esse trabalho coletivo sinalizou eventos e alternativas
pelas quais, enquanto sentidos de vida por ela incorporados, orientou deci-
sões quanto ao enraizamento de longa duração ou à mobilidade (em muitos
casos continuidade desse processo) social e espacial. Sinalizou-se diferencia-
13
Neste volume, não incorporo dados sobre crianças e jovens (filhos e netos) que foram computados por
ocasião de aplicação do questionário, posto que a preocupação fundamental incide sobre processos de
constituição de trabalhadores.
42 Delma Pessanha Neves

damente, neste último caso, dispersão por território mais amplo, apropriado
e valorado segundo alternativas por elas próprias criadas e/ou incorporadas.
Para os leitores pouco afeitos ao conhecimento da dinâmica social e
ambiental da imensa amplitude espacial da região norte, pressupor que os
compatriotas dessa região desfilam conhecimentos precisos, como se redu-
zissem aquela amplitude à palma da mão, é no mínimo fenômeno extrava-
gante. Aqueles que reconhecidamente melhor os detêm, alcançam grande
notoriedade no plano local. São amazonenses que se dedicam a desbravá-la,
com seus próprios olhos e demais sentidos, valendo-se do diferenciado cir-
cuito de barcos de carga e de linha de passageiros (recreios). Por esses dife-
renciados percursos, traçam territórios próprios de conhecimento, colabo-
rando para dar objetividade às curiosidades de parentes, vizinhos e colegas.
Trago à tona neste texto as Amazônias objetivadas nas experiências de diver-
sos trabalhadores. Dessa forma, eles também traçam, para novas gerações,
a exequilibidade do viajante nacional. Dotado de poucos recursos, sangram
rios e matas como trabalhadores em disponibilidade para os barcos e frentes
de exploração produtiva. Muitos deles são celebrados pelas exaltadas gló-
rias, mas também sofrimentos, doenças e aventuras enfrentadas, de efeitos
por vezes perversos e nem sempre superados.
Enfaticamente quero destacar que, por essa proposição, não me com-
prometo com qualquer exercício de pressuposta construção história de
fenômenos e eventos no plano municipal ou regional. A busca de mais in-
formações documentais ou bibliográficas que empreendi foi tão somente
orientada pelo caráter epistemológico e metodológico dos procedimentos
de estudo de casos replicados, segundo demarcações sociais de trajetórias
familiares de diversos segmentos populares. Valho-me, portanto, de interlo-
cuções muito situacionais, de cuja interação social, fragmentos de memória
coletiva e familiar emergiram, isto é, vieram à tona ou foram redimensiona-
das no ato da entrevista.
Este texto, por conseguinte, se pauta em tais especificidades. Para alguns
leitores, quem sabe, avaliadas como limitações ou textualização muito lacunar,
em especial se, ilusoriamente, supuserem possibilidades de construções li-
neares de um passado existente apenas na memória familiar de alguns mo-
radores, fragmentos de recordações exaltados pelas intenções de valoriza-
ção dos respectivos depoimentos de vida. A eles replico de imediato que lhes
ofereço a construção de versões e interpretações, minhas e de meus colegas
assistentes de pesquisa, em diálogo com os entrevistados que muito dificil-
mente são levados em conta na caracterização da vida social em sua totali-
dade. Reafirmo assim a cumplicidade dos agentes dessa construção textual.
Nós nos engajamos por interesses acadêmicos e mobilizamos entrevistados
possíveis e convidados. Os pontos de vista aqui presentes são os daquelas
Introdução 43

pessoas que foram por nós procuradas diante de nossas intenções de conhe-
cer as condições em que, como parte dos segmentos populares, atualmente
elas definem os meios pelos quais construíram formas sociais de vida. São
estilos de vida plenos de reconhecimento social e significação, pelos quais
eles advogam protagonismos na construção de territórios, e de configuração
de sentidos de pertencimento (ou seja, para eles próprios). Desse ponto de
vista, os universos sociais registrados são aqueles compreendidos pelas afi-
liações dos entrevistados como agentes de projetos familiares e cotidianos
singulares. Entrevistando segmentos populares, exalta-se à compreensão
não as datações oficiais ou dos eventos celebrados por instituições a que se
atribuem pretensões ideológicas hegemônicas, mas uma modalidade central
de demarcação temporal dos processos sociais de vida que aqueles sujeitos
(por nós contatados) experimentaram.
No primeiro capítulo, Territórios transversalizados e mobilidades ocu-
pacionais, considero os processos de recrutamento de força de trabalho mo-
bilizada no bojo da exploração do ouro negro e da constituição política do sol-
dado da borracha, no decorrer do governo Vargas. Por ele pretendo oferecer
ao leitor algumas das possibilidades de compreensão de toda a riqueza dos
intensos e amplos processos de migração e embaralhamento de experiências
de vida de brasileiros que não aceitaram como dado o destino social. Como
assinalam, eles saíram caçando melhores condições de vida. Esse conheci-
mento a priori é fundamental para não se cair em demarcações fáceis de
fronteiras e, com essa recusa, perceber os inúmeros universos sociais que
são tecidos por essa população.
No segundo capítulo, Os estertores do recrutamento de seringueiros,
analiso um dos processos de recrutamento de força de trabalho e posterior
dissolução, levando em conta principalmente as experiências narradas por
entrevistados que viveram direta ou indiretamente essa experiência. Destaco,
por fim, os modos de vinculação dos trabalhadores e as alternativas de reco-
nhecimento do trabalho das mulheres.
No terceiro capítulo, Colônias: territórios de expansão do campesinato,
contexto de mais ampla escala temporal, considero os recursos postos em
prática pela dispersão dos trabalhadores antes vinculados ao sistema serin-
gal, mas principalmente o processo de migração de nordestinos mobilizados
para assentamento em lotes de terra e reconstituição da condição camponesa.
Paralelamente à compreensão de tais fatores, considero algumas expressões
do adensamento da população na sede do município e o quadro contextual
de serviços públicos, concentração que estimulava, quando nada, a dupla re-
sidência das famílias de agricultores e pescadores. Dispersando a perspecti-
va de análise, ressalto a diferenciação de vínculos de trabalho e a incipiente
constituição do setor de serviços, ao lado do sempre importante setor comer-
44 Delma Pessanha Neves

cial, considerando a condição de entreposto alcançada pela sede municipal


vis-à-vis às demais unidades político-administrativas do oeste do estado do
Pará. Esses rearranjos da organização sociopolítica ampliaram alternativas
de vínculo das mulheres em termos de postos de trabalho diretamente re-
munerados. Na segunda parte deste capítulo, integro a análise dos dados
construídos pelo levantamento inerente a esta pesquisa, diferenciando as
condições de formação e integração dos trabalhadores, bem como os modos
de afiliação produtiva de homens e mulheres. Por tal operação, delineio como,
no mesmo contexto de objetivação de processos distintos de alocação de tra-
balhadores, as mulheres inscreveram experiências como agentes produtivos.
Esses investimentos lhes permitiram o reconhecimento do assalariamento
individual ou, como parte integrante de um grupo doméstico, da condição de
protagonistas da economia doméstica com direcionamento mercantil.
Por fim, no quarto capítulo, Mulheres, assalariamento e trabalho au-
tônomo, focalizo a análise das condições atuais de constituição da vida social,
destacando a complexidade que foi sendo adquirida pelas formas assalaria-
das de vínculo da força de trabalho, masculina ou feminina; mas também os
múltiplos recursos aplicados na construção do trabalho autônomo. A inter-
pretação sistematizada neste capítulo propicia o entendimento do que, no
contexto, se afigura como tendência, dado que a faixa etária considerada no
levantamento correspondeu a trabalhadores entre 18 e 29 anos. Diante das
dificuldades de análise atual de complexos processos de organização econô-
mica e política da população municipal, incorporo informações possíveis, de
modo a oferecer ao leitor alguma condição de percepção dos múltiplos pro-
cessos em jogo, especialmente na conformação da massa de trabalhadores
no município e circunvizinhança.
Encerrando esta introdução, reafirmo o esforço de garimpagem de
dados quantitativos, decorrentes de recenseamentos oficiais ou daqueles por
nós produzidos, a dispersão desses dados no tempo e no espaço, conforme
interesses institucionais na sistematização das informações segundo inte-
resses correspondentes, alternativa que dificulta uma análise comparativa
ou contrastiva. Permito-me então construir reflexões em torno do que pude
ler na organização de informações em números, em boa parte também pau-
tada no conhecimento que adquiri como pesquisadora e professora junto à
UFOPA e como moradora de Santarém entre maio de 2010 e abril de 2014.
Aqueles leitores que tomarem as informações quantitativas por ri-
gores lógicos muito severos ou imaginarem que, por essa lógica, eles podem
estar autorizados a conhecer, como fato realístico, a vida social e econômi-
ca, estarão escandalizados com o que eu, em outra condição de pesquisa,
permiti-me embaralhar cartas (mapas, quadros, tabelas) e jogar com várias
configurações caleidoscópicas, de modo a aqui e ali criar condições para
Introdução 45

construção de problemas de pesquisa. Convido então o leitor a ir comigo


costurando essas aproximações compreensivas, a seguir caminhos previa-
mente definidos como labirintos e meandros, mas dessa forma, tentando
alcançar, na medida do possível, respostas para uma questão fundamental:
como se situa, no município de Santarém, o segmento de mulheres em di-
versos ciclos de vida, segundo diferenciados atributos sociais incorporados,
mas relativamente às condições em que convivem com homens, pais, espo-
sos, companheiros, filhos, os quais, por imposição metodológica dos estu-
dos sob perspectiva de gênero ou dos sistemas de relações sociais e interde-
pendências, foram também submetidos aos mesmos questionamentos ou
curiosidades? Por conseguinte, homens e mulheres foram considerados na
convivência social e nos quadros de caracterização de sistemas econômicos
e político-administrativos municipais.
Capítulo 1
Territórios transversalizados
e mobilidades ocupacionais

A
região oeste do Pará, dentre outros processos sociais que aí foram
colocados em prática no decorrer do século passado, foi economica-
mente estruturada por sucessivas frentes extrativistas e recepções de
migrantes brasileiros, a começar, principalmente, pelo qualificado ciclo da
borracha, mais enfaticamente ao final do massivo processo daquela explora-
ção. Por volta da década de 1930, nela ocorreram investimentos gigantescos
pela Companhia Ford, que projetou para o Brasil a possibilidade da explo-
ração e beneficiamento “racional” de seringueiras e do látex, nos moldes do
sistema de gestão capitalista por ela adotado. As relativamente infrutíferas
tentativas dessa forma de exploração das seringueiras vieram a dispersar a
mão de obra, muitos trabalhadores se dirigindo para o município de Itaituba
e principalmente Santarém. Logo após esse processo de criação de demanda
de trabalhadores externos, veio a ocorrer a exploração da juta, atividade eco-
nômica abraçada por muitas das famílias daqueles migrantes e principalmen-
te pela população local habitante em área de várzeas.
Nos anos 1950, diante de sucessivas e extravagantes secas na região Nor-
deste (1952 e 1958), outro afluxo de brasileiros advindos especialmente do es-
tado do Ceará ocorreu. Nessa ocasião, os trabalhadores se deslocaram em agre-
gações familiares e vicinais, estimulados pelas oportunidades de “cortar lote”
em “terra devoluta” ou “comprar terra”, isto é, benfeitorias do trabalho de quem
os antecedera nessa apropriação. O processo de migração e de apropriação de
terra fora consuetudinariamente autorizado por valores que referenciavam o
direito ao trabalho e o dever de provisão da família. Os lotes se destinavam à
habitação e ao cultivo agrícola, tendo esse fluxo se dirigido especialmente para
áreas e entornos relativamente próximos à sede deste mesmo município, terri-
tório hoje correspondente ao município de Mojuí dos Campos, antes integrado
ao de Santarém como um dos distritos. Pelas referências dos entrevistados, as
apropriações produtivas também ocorreram em espaços próximos, hoje desig-
nados por distritos, povoados ou bairros de Santarém: Tabocal, Cipoal, Igarapé
do Pimenta, Mojuí dos Pereiras, Poço Branco, São José etc.
48 Delma Pessanha Neves

Na década de 1970, em decorrência de programas de deslocamento de


população referenciado aos ideários dos protagonistas da gestão governa-
mental dos militares, outros afluxos de população, do Nordeste, mas também
Sudeste e Sul, vieram a ocorrer, acompanhando o povoamento em torno de
estradas de rodagem, com destaque para a de Curuá-Una e Santarém-Cuiabá.
A esse provocado aumento da densidade populacional, colaboraram pa-
raenses da região oeste do estado, coadjuvantes orientados não só pela oferta
de lotes produtivos, como também pela relativa expansão da oferta de recur-
sos em serviços públicos, de ensino antes de tudo, bem como o favorecimento
de circulação de mercadorias por circuitos regionais e nacionais. Além disso,
como efeito constitutivo do movimento das águas da bacia amazônica, muitos
deles vieram a procurar áreas de planalto, diante do fenômeno das terras caí-
das. A sede do município se alarga com bairros periféricos, resultantes, quase
sempre, de atos coletivos ou mesmo individuais (familiares) de invasão, isto é,
atos voluntários de desmatamento de lotes das matas circundantes ao espaço
habitado a partir das margens dos rios Amazonas e Tapajós (e afluentes).
Essas informações anteriormente sistematizadas são de amplo conhe-
cimento entre a população, facilmente registrada por referência a trajetórias
pessoais. Contudo, se há alguma bibliografia produzida, ela é de deficílimo
alcance. Para facilitar a elaboração do texto deste volume, agregarei ao con-
junto quadros estatísticos desenhados a partir de dados oferecidos por re-
censeamentos demográficos, econômicos e agropecuários, conforme edição
do IBGE, pelo único objetivo de facilitar a contextualização dos processos já
referidos; mas principalmente facilitar a compreensão do sentido dos dados
por nós alcançados no levantamento de informações intergeracionais, ou seja,
mediante análise de ciclos de vida familiar consanguínea e conjugal.
Em correspondência ao primeiro período, relembrando as arbitrarie-
dades inerentes às datações, os entrevistados, homens e mulheres, estão mais
referidos à prática de agricultores e extrativistas. Nenhum deles faz referên-
cia (ou o faz muito tangencialmente) ao período de diminuição drástica do
extrativismo da seringa, que ocorreu ao final do século XIX e início do século
XX. Alguns se recordam de avós e bisavós que adentraram a floresta amazô-
nica para se dedicarem ao extrativismo enquanto seringueiros, mas em si-
tuações de deslocamentos para as áreas de maior produtividade, na época,
território do Acre. A região oeste do Pará, para as pessoas entrevistadas aqui
incluídas para demonstração, parece ter participado tangencialmente desse
processo de exploração da seringa, tanto que as referências mais comuns são
de trabalhadores retornando, após relativamente longo período de ausência
da família que permanecera nesse município. De qualquer modo, a referência
é elaborada para o contexto do segundo recrutamento de mão de obra, no
decorrer da Segunda Guerra Mundial e no governo de Getúlio Vargas, tanto
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 49

que atualmente muitos deles são reconhecidos, por título ocupacional pos-
teriormente atribuído, mas na época exaltado para engajamento de defesa
nacional, como soldado da borracha.
Para efeito de demonstração a partir de casos, reproduzo longo trecho de
entrevista com o oficial e socialmente reconhecido soldado da borracha e sua
esposa, na época da entrevista ele alcançando a idade de 82 anos e ela 66 anos.

Graciliano queiroz (Pedro Pamella) e Maria de Souza Cavalcanti.


Graciliano Queiroz Cavalcanti. Sou de Fonte Boa, nasci em 12 de agosto de
1929. Eu estudei muito pouco. Você sabe que quem trabalha nessas coisas...!
E para lá , aula é difícil demais. Às vezes assim no inverno, quando tinha umas
pausazinhas, é que eu estudava, mas eu não fui uma pessoa assim, que tirava
o inverno para estudar.1 Eu nunca tive esse gosto. Meu pai morreu muito novo,
nós ficamos todos pequenos, então a gente tinha que se virar para tomar con-
ta da família. Meu irmão mais velho tinha oito anos nesse tempo que o meu
pai morreu; eu tinha três. Sou casado, mas rapaz, eu não estou lembrado di-
reito quando a gente se casou...! – Maria em que anos nós casamos?
-1956.
O nome dela é Maria de Souza Cavalcanti. Ela nasceu aqui mesmo. Eu fui nas-
cido e criado naqueles confins.2 E aí, eu vim passear aqui, conheci ela e come-
çamos a namorar. Ela hoje tem 66 anos. Ela ainda estudou um pouco, porque
ela é filha daqui.3
– Maria, vem aqui responder!
- Estudei até a quinta série.
Nós criamos nove filhos. O primeiro mesmo morreu. A Ivonete é a mais velha,
ela é de 1959. Ela estudou até a quinta série. Ela nasceu no Amazonas, no mu-
nicípio de Fonte Boa. Eu vim para cá e levei a dona Maria para lá e depois voltei
para cá de novo. Quando nós viemos de volta, os meninos já estavam com idade,
foi desde que parou o negócio da borracha.
- A minha mãe era doente e me ligaram dizendo que ela estava passando mal
e aí nós viemos e não voltamos mais.
1
A demarcação tempo-espacial na Amazônia é construída pela contraposição dos termos tempo das chu-
vas ou inverno e tempo da seca ou verão, quando a precipitação de chuvas é diminuta. Boa parte das
atividades extrativistas e agrícolas ocorre no período do verão, quando o ritmo do trabalho é bastante
intensificado. Por tal razão, o entrevistado afirma que não se dedicou a estudar no inverno, quando se
liberava do trabalho de coleta de látex e demais cuidados com as seringueiras.
2
O entrevistado destaca a longitude dos deslocamentos, muitas vezes praticados por curiosidades ou,
como ele qualifica, para passeio. Ele se desloca do extremo oeste do estado do Amazonas para o oeste
do Pará.
3
Ele também acentua a desigualdade na redistribuição de recursos públicos para a população na região
amazônica. Sobre os esforços de constituição de recursos públicos em municípios do estado do Ama-
zonas, ver Neves e Garcia (2014, 2012, p. 294-386), Neves (2010, p. 381-408, 2009, p. 7-38, 2008, p. 61-98,
2005, p. 101-156, 2003).
50 Delma Pessanha Neves

– Essa filha mais velha mora aqui na comunidade. Trabalha lá na casa de uma
mulher. O segundo filho foi o Gilberto, ele nasceu em 1960. Estudou um pou-
co, todos meus filhos estudaram muito pouco, igual a mim. Ele também nas-
ceu em Fonte Boa. Hoje ele mora ali naquela entrada ali, onde derrubaram as
toras. Lá que é a entrada dele. Ele é casado, trabalha com agricultura, agora
ele está produzindo pimenta.
- O terceiro filho foi uma menina e nasceu em 1963. Ela estudou, mas eu não
estou lembrada se foi até a quarta série, eu não lembro.
– Ela nasceu em Fonte Boa e hoje mora aqui também. É casada e trabalha em
casa e pelas casas de farinha, ajudando o marido.
- O quarto filho é essa aqui, a Ivoneide, que nasceu em 1966. Ela estudou,
mas eu também não estou lembrada até que série. Ela já nasceu aqui. Ela foi
a primeira a nascer em Santarém e vingar, porque os outros morreram. Eles
faleceram tudo muito novinho.
– O primeiro nosso morreu de repente. Eu vou te contar que eu saí para cor-
tar o cabelo e as crianças ficaram lá brincando. Quando o rapaz foi pegar a
tesoura para começar a cortar o meu cabelo, chegou a noticia de que o menino
tinha morrido. Eu quase fiquei doido.
Ivoneide é casada e trabalha só em casa e na casa da irmã dela no sábado. De-
pois veio a Rosa, ela é de 1969. Estudou. Nasceu aqui também. Ela mora aqui
no fim dessa rua. Ela não é casada. É junta. Trabalha só em casa também e o
marido trabalha em roçado.
O sexto filho é o Ronilson, ele é de 1971. Todos estudaram pouco, mas estuda-
ram. Nasceu em Santarém. Mora acolá também. Trabalha em roça. Ele tem a roça
dele. Tem lá dentro do meu terreno. A roça é dele mesmo, mas é no meu terreno.
O terreno eu entreguei para ele porque eu não trabalho mais, porque a minha
vista não dá mais. Eu já estou com 82 anos e daqui lá são três quilômetros.4
- O outro filho é o Vilson, é de 1973. Ele vive aqui também. É casado. Trabalha
com roça. O outro filho é de 1975. Nasceu em Santarém. Mora aqui também. É
solteiro. Trabalha na agricultura também.
E o último, uma filha, ela nasceu em 1977. Estudou até o segundo grau. Ela foi a que
estudou mais. Ela mora na cidade, mora no Jardim Santarém. É casada. Ela traba-
lha lá na Igreja de Santa Terezinha, é zeladora lá. Ela fez curso para trabalhar em
farmácia, mas não achou emprego. Emprego aqui em Santarém está difícil.5

4
O entrevistado volta a afirmar a desigualdade na redistribuição de serviços públicos, agora exemplificando
com as condições diferenciadas de vida em Fonte Boa (Amazonas) e Santarém (Pará). Os filhos mais novos,
nascidos neste município, encontraram certa viabilidade para frequentar a escola de ensino fundamental.
Dos filhos, boa parte segue no trabalho agrícola, um deles sucedendo o pai no antigo lote apropriado.
As mulheres se integram a ofertas de trabalho assalariado no povoado de Boa Esperança, onde residem,
como diarista em trabalho doméstico ou na preparação de farinha de mandioca nas poucas fábricas que
restaram, após a apropriação de boa parte das áreas de cultivos agrícolas pelos chamados sojeiros.
5
A filha mais nova, que alcançou maior nível de instrução, deslocou-se por casamento para residência na
cidade e trabalha como secretária em uma das igrejas ali localizadas.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 51

– Eu comecei a trabalhar logo na seringa, depois de lá que fui para a roça. Eu


trabalhava na seringa lá em Fonte Boa. Meu pai morreu eu tinha uns 4 anos,
ele morreu com 35 anos, morreu bem novinho. Eu trabalhava com meu irmão.
O seringal é da natureza. Lá você ia para um canto, ia para outro, você decidia
o canto que você ia. A gente entregava a seringa para os comerciantes. Não
tinha um patrão fixo. Antes de eu ir lá para o Forte Paranã, eu entregava para
os outros patrões; e depois eu entregava para o meu irmão. Ele tinha um co-
merciozinho e eu fui trabalhar com ele.6
Eu fiquei 48 anos lá em Fonte Boa, trabalhando com a seringa. - Rapaz, eu tra-
balhei! Um ano eu ia para cá, depois no outro ano eu ia para cá. Teve um lugar
que eu trabalhei que eu fiquei cinco anos, só naquele lugar, ninguém entrava,
só eu mesmo. Eu trabalhava no verão na seringa e no inverno na roça. Fazia
farinha amarela, farinha de tapioca. Mas aí, quando estava na época da serin-
ga, eu não trabalhava na roça. Passava o verão lá no seringal.
- Mas você ficava mais eu.7
– Maria! Eu não ia. Eu ia para o seringal, mas não ia para a estrada.
- Mas morava lá comigo. Quando ele casou comigo e nós fomos para lá, ele ainda
trabalhou quase oito anos lá. Eu ficava em casa fazendo comida e tomando conta
dos filhos. Quando eu fui a primeira vez para o seringal, essa Ivonete minha tinha
um ano de idade. Aí ele ia cortar, saía da casa às cinco horas da manhã e, quando
era três horas da tarde, ele chegava. E eu sozinha e Deus no barraco com a me-
nina no meio de uma mata, que ninguém sabia onde era nem o início nem o fim!
– Sabe o que era a parede da casa?
Era um mosquiteiro à noite quando arriava. Era só a cobertura, porque se você
fizer uma casa assim para trabalhar, daqui a pouco você se muda dali e vai para
outro seringal, e a casa vai ficar para os outros. Então o que tem que fazer é só
cobrir. Na casa não tinha criação no terreiro, não criava nada. Nesse trabalho
do seringal, não tem como criar nada não.
– Eu tirava a seringa e perto de casa mesmo eu defumava. Teve uma época
que eu fiz umas boas toneladas de borracha, porque o tempo que eu trabalhei
não foi brincadeira não. Imagina, 48 anos! - O que tu diz? A borracha era uma
porcaria de barata, meu irmão. O dinheiro só dava mesmo para ir aquentando
a despesa de casa e comprando alguma coisinha mesmo. Nunca teve um ano

6
O entrevistado faz referência ao período de suspensão do poder econômico e político do seringalista,
do relativo desinteresse pela apropriação nominal da terra e certa liberdade para escolher o local para
extração da seringa; da mesma forma, diferentemente das condições anteriores de controle do seringa-
lista frente aos marreteiros, ele releva a pluralidade de marreteiros, seu próprio pai vindo a alcançar esta
posição que, no sistema de produção correspondente, exprime ascensão e possibilidade de objetivação
de poupança ou pequena acumulação de capital.
7
Digna de destaque a intervenção da esposa corrigindo a informação do esposo que a excluía da funda-
mental divisão sexual do trabalho: não só o exercício físico e a gestão da casa propriamente, mas outros
atributos como a coragem de enfrentar o medo e o autocontrole para passar muitas horas sozinha com
os filhos ainda pequenos. Além disso, destaca a incompletude desse papel coadjuvante, que deveria
incluir as criações para a garantia de alimentos.
52 Delma Pessanha Neves

que eu dissesse assim: -Agora eu vou juntar dinheiro para colocar no banco.
No dinheiro de hoje, a borracha era dois reais, dois e cinquenta, o quilo. - Ra-
paz, nós éramos muito roubados! Olhe! Era tanto que eu trabalhei, te juro por
Deus, está aí ela que não me deixa mentir, e o patrão chegava, tinha sete pelas
de borracha com mínimo de 40 quilos. Quando ele chegava, ele dizia:
– Rapaz, só tu para produzir assim!
– Mas eu vim para cá foi para trabalhar! Não foi para brincar.
E o lugar era bom de leite. Você só consegue fazer essas coisas quando o lugar
é bom de leite. Mas quando o leite dava miado, não dava para o cabra fazer es-
sas coisas não. Agora lá nesse Arabidi, o primeiro ano que eu trabalhei desse
lado daqui (refere-se à localização vis-à-vis as margens do rio), não era muito
bom de leite não. Agora nesse outro ano que eu já virei para esse outro lado
de cá, aí era leite! Eu cansei de encher uma bacia desse tamanho assim de
leite e o balde ficava quase na metade lá. Quando esvaziava mais um pouco,
eu derramava o resto. Você imagina que ele cansou de chegar e se admirar do
que eu tinha feito de borracha! Arabidi era subindo o Solimões, para frente.
Eu resolvi vir para o lado de cá no tempo que disseram que não iam mais
comprar borracha.8
– É porque nós viemos para cá e ninguém mais voltou para lá.
– Ai eu fiquei trabalhando no roçado. Antes de eu vir para cá e me casar com
ela, eu já cortava há muitos anos.
– Pois é, depois que nós casamos e fomos para lá, ele voltou a cortar de novo. Ele
ainda cortou quase oito anos comigo lá. E ai, quando foi em 1964, ligaram para
lá porque a mamãe estava mal e aí eu não voltei mais. Ai eu falei para ele que se
ele quisesse voltar, ele ia só.9
– Quando eu comecei a cortar seringa eu tinha oito para nove anos. A idade
que o outro irmão meu começou a cortar, quando papai morreu. Meu pai cor-
tava seringa também. Meu pai era.... a família dele toda era cearense. Meus
avós vieram do Ceará. Eles foram para lá , e lá eles compraram um terreno
lá em Juruá, com o nome de Boa Sorte. E ai, meu amigo, a família era grande.
Ele tinha 22 filhos. A vaca matou um e ficaram 21 para criar. Ele tinha uma
fazenda. Lá era muito bonito!10
Eu também só conheci meu avô na época que eu encontrava ele, porque ele
ficava para as bandas dele lá e nós ficamos para cá. O papai, depois que ele lar-

8
Agora ele se refere ao movimento de descida do rio, em aproximação aos municípios de melhor alter-
nativa econômica, como foi o caso de Coari, onde a família viveu durante certo período.
9
A esposa reafirma outra versão, em que acentua seu papel na tomada de decisões pelo casal,
explicitando o quanto a experiência de deslocamento diante da rede familiar e da vida para municípios
desprovidos de meios para educação formal dos filhos pesava na distinção dos interesses entre marido
e mulher.
10
O entrevistado se refere à experiência da migração de nordestinos para os seringais ao final do século
XIX e, indiretamente, destaca a trajetória dos avós de relativo sucesso, posto que terminou sendo pro-
prietário de terra, como ele qualifica, de fazenda.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 53

gou a seringa, ele começou a negociar, ele era muito esperto. Ele virou comer-
ciante. Era Gildo Queiroz Cavalcanti. Ele nasceu lá em Fonte Boa, Amazonas.
Eu me lembro demais que a vovó cansou de dizer que chegou aqui sem filhos
e que ela teve foi 22.
Meu pai tinha 35 anos quando faleceu, eu tinha 4 anos. Então ele nasceu em
1901. E minha mãe era Francisca Siqueira Cavalcanti. Ela nasceu em Fonte
Boa. Ela morreu com 92 anos. Devem ter uns dezesseis anos por aí que ela
faleceu. Ela caiu no banheiro, bateu a cabeça e morreu.
O meu pai estudou um bom bucado, meu pai era homem sabido. Agora a ma-
mãe não sabia de nada não. O meu pai era um homem sabido, porque a pessoa
que se interessa para ler tudo que ele vê, todo livro que ele vê, toda a história,
ele vai aprendendo, vai ficando na cabeça. Por isso que ele era sabido. Ele
nunca foi à aula. Ele nunca estudou, a aula dele era assim, daqui para acolá.
Ele trabalhava no seringal também, então não tinha tempo para essas coisas.
– Eu tenho um irmão que não aprendeu nada, não estudou, mas em conta eu
quero ver quem ganha ele!
De irmãos, nós somos cinco, foram quatro homens e uma mulher. O mais ve-
lho morreu quando tinha 77 anos. Esse eu nunca me esqueci, mas os outros
eu não lembro não. O Lourival era o mais velho, depois Valter, depois a Estela,
Graciliano e Leopoldo.
O Lourival estudou, ele foi à escola um bom bocado. A Estela foi até profes-
sora, ela morou lá um bocado de anos, ai ela ensinava lá. Lourival nasceu em
Fonte Boa. Todos nasceram em Fonte Boa. Ele morava em Manaus quando
faleceu. O Valter também faleceu lá em Manaus; o papai e a Estela também
faleceram em Manaus.11
O Lourival casou. No começo ele só trabalhava na borracha também, depois
que ele começou a trabalhar em roçado e ainda teve um comerciozinho. Antes
dele falecer ele trabalhava em comércio.
O Valter era agricultor. E a Estela casou e também trabalhou na seringa um
bom tempo. Depois que veio aqui para Santarém que ela passou a ser pro-
fessora e costureira. Ela já faleceu. Ela faleceu lá em Manaus. Se eu não me
engano, foi em 2001 que ela morreu.
O Valter casou. Todos eram casados.O Valter faleceu primeiro que o Lourival,
deu uma congestão que não teve jeito. Ele era até aleijado de uma perna, uma
cobra largou o dente na perna dele que aleijou esse lado dele aqui.
O Leopoldo chegou a estudar mais do que eu na escola. O Leopoldo era
seringueiro e aí depois que ele foi embora lá para Fonte Boa, ele trabalhava na

11
O entrevistado exemplifica, pela demonstração do deslocamento dos familiares, a sinuosa migração
de trabalhadores dos seringais até a capital do estado do Amazonas. Alguns dos irmãos seguiram um
percurso típico de ascensão relativa da ocupação inicial: seringueiro àagricultor e comerciante por bar-
co – regatão; e marreteiro àcomerciante por ponto fixo (taberna ou barranqueiro, unidade comercial
situada às margens do rio).
54 Delma Pessanha Neves

Prefeitura lá. O Leopoldo ainda está vivo. Ele reside em Fonte Boa. Ele era empre-
gado na prefeitura, eu não sei se ainda é. Deve ter se aposentado. Ele já veio aqui
só uma vez, ainda era novo quando veio. Ele teve aquela doença que fica todo se
tremendo. Meu pai, como disse, morreu com 35 anos, mas ele se deu bem, traba-
lhou muito bem. Começou na seringa e antes do 35 anos, eu sei que com 20 anos,
ele começou a regatear e foi depois ainda marreteiro, tinha um regatão.
– Ele foi marreteiro depois.
– Minha mãe ficava em casa e fazia o que era preciso. Ela lavava roupa muito
bem, engomava e ganhava dinheiro. Lavava para fora também. Eu lembro
que, quando a gente morava lá no Coari, vinha muita gente da cidade trazer
roupa para ela lavar e engomar. Eu morei cinco anos em Coari, mas naquele
tempo eu ainda era garoto. Depois que nós fomos de Coari para Manaus,
com poucos dias o papai morreu. Ele viajava para dentro do Mandaquiri,
sabe, e lá ele pegou uma febre. E quando ele chegou no porto de Manaus, ele
tomou um guaraná gelado e ai se estoporou. Com três dias ele perdeu a fala
e depois morreu.
O entrevistador, atento às insistentes investidas da esposa para participar da entre-
vista, dirige-se mais diretamente a ela e solicita que comente sobre a vida de sua
família consanguínea:
– Meu pai era Raimundo Thiago de Souza. Ele nasceu ali no pé da serra, aqui
mesmo em Santarém. Ele nasceu em 1894. Estudou seis meses. É falecido, mor-
reu em 1985. Foi infecção na urina. Ele faleceu em 9 de março e no dia 3 de maio
ele completava 93 anos. Ainda limpava fossa que era uma beleza! Ele casou com
minha mãe em 1921. A minha mãe era Altina Teixeira de Souza. Ela era cea-
rense. Nem ela sabia da idade dela...! Naquela época o pessoal cearense, princi-
palmente, não sabia quando nasceu.12 Eu sei que ela morreu em 1961. Quando
o papai morreu, já estava com uns 20 anos que ela tinha morrido. Eu não sei a
doença que ela teve não. Ela se queixava muito de dor no estômago, ai depois ela
ficou assim avariada do juízo. De irmãos, nós éramos cinco. O Valfrido, o primei-
ro, era de novembro de 1921. Ele estudou pouco, mas estudou. Ele nasceu aqui
em Santarém. Todos nós nascemos em Santarém. Hoje só tem eu da irmandade.
Ele faleceu em 2005. Ele morava lá na Santarém-Cuiabá quando faleceu. Ele era
casado. Ele trabalhava como agricultor. Meu o segundo irmão era o Aureliano.
Ele nasceu, acho que foi em 1925. Ele estudou. Eu acho que foi em 2004 que ele
faleceu, porque quando o Valfrido morreu, faltava pouco para completar um
ano que o Aureliano morreu. Quando ele faleceu, ele morava numa comunidade
chamada Volta do São Francisco, perto de Belterra. Ele era casado. Todos meus
irmãos eram agricultores.13

12
A entrevistada põe em destaque a ausência de alguns reparos referenciais de memória das famílias
migrantes que, muitas vezes, por lá deixavam a parentela e os bens materiais, os quais poderiam operar
como registros de eventos e de institucionalização formal da história familiar.
13
A entrevistada se refere aos movimentos da população local diante da abertura de alternativas de aces-
so à terra a partir do governo militar, no caso em apreço, seguindo a abertura da Cuiabá-Santarém,
como será posteriormente focalizado.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 55

O mais novo era o Antônio, de 1937, foi o primeiro que morreu, morreu com 58
anos. O terceiro era o Lucas, nasceu em 1928. Ele também morava em Santarém
quando faleceu. Morava lá no São José. Ele era casado. Agricultor também. Ele
faleceu em 2010.

Integra-se à entrevista, uma das filhas do casal que veio visitar os pais:
– Eu sou de 1935. Eu não trabalho, só em casa mesmo. Eu já trabalhei muito de
roça. Eu estudei até a terceira série. O Antônio, ele trabalhava de marceneiro.
Ele foi o primeiro que morreu. Eu acho que foi em 1995. Era o mais novo e foi o
primeiro a morrer. Ele estudou. Nasceu em Santarém. Quando ele faleceu mora-
va em Santarém. Ele era casado.

Da. Maria, esposa, retoma a elaboração de informações sobre a família:


– O meu pai era agricultor também. Ele também foi seringueiro, ele tinha uma
seringueirinha por lá. Era em Cuiabá.14 E essa roça que ele tinha, era em ter-
ra própria. Ele sempre trabalhou com agricultura. Ele faleceu trabalhando em
agricultura. Minha mãe trabalhava de doméstica e ajudava o papai também na
roça. Eu trabalhei só ajudando ele, sempre fui dona de casa.

Construindo as infomações a partir da posição ocupada pelas mulhe-


res no processo de trabalho, a entrevistada destaca uma temática bastante
recorrente nas narrativas das mulheres: a avaliação das condições de vida
por sacrifícios próprios da posição. Anteriormente havia destacado o sofri-
mento diante dos medos provodados pela solidão da residência em meio à
floresta; agora, em outra situação, destaca como o local de residência tende
a privilegiar outros fatores, nem sempre adequados ao desempenho da aju-
da familiar no processo de trabalho ou na responsabilidade pelos afazeres
domésticos.

Nós já sofremos muito nessa vida! Porque quando nós morávamos em Lavras, lá
no terrenão onde a gente trabalhava, era longe da água. Tinha um poço que a
gente tirava água e o poço secava no verão. Dava água, mas se tirasse muito ra(s)
pava, deixava só a lama. Nós cansávamos de dormir um sono e acordar meia noite
para ir para o poço buscar água. Quando a gente chegava lá e destampava o poço,
só enxergava aquela lua. Daí o poço estava seco e nós voltávamos para casa para
dormir. Quando era de manhã, ele saía para o trabalho e eu ia para outro poço,
que era bem longe, colocava a latinha na cabeça e ia embora. Quando eu chegava
lá, o poço estava seco também, mas lá dava água ligeiro. Eu sentava lá e esperava.
Quando dava a água, eu enchia a lata com aquela água barrenta. A valência é
que não faltava pedra ume em casa. Quando eu chegava em casa, jogava pedra
ume dentro e a lama sentava bem sentadinha. Aí que eu ia colocar a água no pote.

14
D. Maria acrescenta a informação sobre outras frentes de extração da seringa e da mobilidade
dos trabalhadores diante do processo de encerramento ou secundarização da atividade eco-
nômica.
56 Delma Pessanha Neves

Lavras é no quilômetro 35 da Cuiabá, na entrada do ramal. De lá do Lavras


para o São José são duas horas de viagem. Todos os dias eu ia para a igreja, era
inverno e verão, lá no São José. Eu nasci e me criei lá em Lavras.15
– Ela nasceu e se criou aqui.
– Quando papai veio para o Pará, eles casaram e ele levou ela para Manaus.
Ele tinha uma irmã que veio aqui para o Pará, aí ele veio passear e conheceu
a mamãe. Quando voltamos para cá, depois aí Fonte Boa, fomos trabalhar na
agricultura. Lá nas terras de papai na colônia do Km 35. A gente saiu de Fonte
Boa em 1964. Aí, em 1973,16 nós viemos para cá e o Graciliano comprou um
terreno, aqui na comunidade. Nós morávamos lá dentro do ramal, 3 quilô-
metros daqui lá. Eu não sei se foi em 2002 ou em 2003 que nós viemos morar
aqui (no povoado de Boa Esperança). Aí compramos uma terra. Até hoje o
nosso menino trabalha lá. São 250 de frente com 1000 de fundo. Acho que isso
dá 25 hectares. Essa terra está lá até hoje. Os irmãos todinhos trabalham lá.
Mas hoje ele (o esposo) é aposentado pelo soldado da borracha. Eu sou pelo
INSS, por idade mesmo, pelo sindicato. Ele era também, mas depois passou a
ser soldado da borracha.
– Eu é que fui mesmo soldado da borracha porque lá, companheiro, a vida era
essa. Eu nasci e me criei dentro do seringal. Mas soldado da borracha era só
quem trabalhou de 1940 a 1945, no tempo da guerra. No tempo da guerra do
Brasil com a Alemanha.
– Quem trabalhava de lá para cá já não aposentava.
– Para provar ao procurador que eu tinha trabalhado, eu levei um bocado de
gente, uns cinco ou seis daqui, o compadre Gonzaga, o Raimundo Nonato, o
Raimundo Lima, era o pessoal que ia se aposentar. Ai nós viemos todos embo-
ra, eles vieram primeiro que nós. Então o irmão dele, o Lourival, mandou uma
declaração que esse compadre Gonzaga mandou pedir, porque ele trabalhou
também com o irmão dele, o Lourival. Aí o Lourival mandou a declaração de
que tinha trabalhado. Aí o Gonzaga veio atrás de mim para servir de testemu-
nha e aí, quando chegamos lá na justiça federal, o procurador disse:
– E aí? Como você vem para servir de testemunha para aposentar os outros e
você não se aposenta?
Aí eu já tinha ido uma vez lá pelo IBAMA, aí lá eles meteram umas conversas,
eu me aborreci e não fui mais, porque pediram para apresentar tudo que era
documento.
Aí o procurador disse:
– Nada disso, se você trabalhou, você está aposentado.

15
D. Maria se refere ao território apropriado por migrantes, instalados por autorizações de laços vicinais,
em área hoje imediatamente situada no entorno do espaço da sede do município.
16
Este processo de expansão de fronteira agrícola a que ela se refere corresponde aos investimentos dos
govenos militares na abertura da estrada Curuá-una.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 57

Hoje em dia eu tenho minha identidade, meu CPF, tenho tudo. Aí eu apresen-
tei tudo para ele e ele disse: - Tá seguro. Aí o advogado disse: - Tá feito. Mas o
advogado ainda ficou assim pensando e disse: - Amanhã você vem aqui que
eu ainda vou lhe fazer uma pergunta. Acho que ele queria ver se me pegava,
sabe? Aí quando eu cheguei lá, ele disse: - Eu quero que você me diga o que é
arreação? - Eu digo, é isso aqui: você risca e embute a tigela para aparar o lei-
te. - Rapaz, como eu não vou te dizer, se eu me criei dentro do seringal! (trecho
de entrevista interrompido para efeitos desta inserção no texto).17

A mobilidade de trabalhadores seringueiros que ocorreu posteriormen-


te, no caso do município de Santarém, articulou-se ao engajamento no cultivo
“racional” da seringa e decorreu da instalação do complexo agroextrativista e
beneficiador do látex, a Fordlândia, situada no município de Aveiro, e depois
em Belterra, antes distrito de Santarém, hoje município independente.
Alguns trabalhadores solteiros ainda circulavam mediante vínculos de
trabalho como seringueiro, recurso mediante o qual construíam sua auto-
nomia diante do pai. Se retornavam para a ajuda familiar, então ocorria a
interposição de gerações, diante de apropriação de conhecimentos dos quais
os pais, que circularam em territórios mais restritos, acompanhando a bacia
do rio Tapajós, apresentavam-se desprovidos. Outros pequenos extrativistas
situados independentemente às margens dos rios Tapajós e Amazonas con-
tinuaram vendendo látex para regatões, que recolhiam os pequenos volumes
coletados no número de árvores que cabia no terreno sucessivamene apro-
priado por direitos constituídos como filhos dos ribeirinhos e sitiantes.
Para insistir na demonstração dos dados a partir dos quais vim a cons-
truir a análise de informações quantitativas, tais como serão consideradas
nos três capítulos subsequentes, apresento ainda mais alguns depoimentos,
seguindo a ordem decrescente da idade dos entrevistados, expressivos de
processos em que se encontravam engajados, para que eles iluminem, com
suas experiências, os contextos pelos quais vieram a se reconhecer perten-
centes a esses e outros universos.
No texto de entrevista anterior, os deslocamentos de trabalhadores e
seus familiares se davam no sentido da descida do rio Amazonas de Fonte
Boa para Coari e para Manaus; e o entrevistado, a passeio, chegara até San-
tarém, mas depois aí se fixando por laços de pertencimento construídos por
casamento. Em sentido diverso, a família da esposa se deslocara entre muni-
cípios do estado do Pará, no sentido das alternativas de apropriação de lotes
de terra em espaços definidos como colônias, inicialmente próximas à sede
do município e depois para novos espaços abertos à apropriação, tendo em

17
Entrevista realizada na residência do casal, comunidade de Boa Esperança, estrada Curuá-una, em se-
tembro de 2012, por Pedro Fonseca Leal. Texto reeditado por Delma Pessanha Neves.
58 Delma Pessanha Neves

vista a construção de fronteira aberta pela exploração do pau-rosa e instala-


ção da hidroelétrica Curuá-una.
O exemplo de deslocamento do próximo trabalhador solteiro para
o extrativismo da seringa, ainda que um pouco mais tarde, na década de
1950, conta com o depoimento do Sr. Josino e sua esposa. Ele, na ocasião
da entrevista, contava com 86 anos e ela com 80. Tanto como o Sr. Gracilia-
no, Seu Josino circulou pela Amazônia vinculando-se a inúmeros seringais,
inclusive fora do Brasil, e retorna em momento que se considera em con-
dições de assumir família conjugal. Também se casa com mulher nascida
no próprio município de Santarém, mas circula em espaços circundantes
ao território outrora pertencente à Companhia Ford, tanto no complexo
Fordlândia, como no de Belterra. Dada a posição relativamente marginal ao
conjunto de benefícios e serviços oferecidos pela empresa exclusivamente
aos trabalhadores mais qualificados, é recorrente a queixa dos seringuei-
ros quanto ao caráter descontínuo do vínculo. Por essa razão, o pai do en-
trevistado, que migrou de Mato Grosso para Itaituba e Santarém, investe
na apropriação de lote de terra que lhe assegurasse autonomia da provisão
familiar, caminho também trilhado pelo Sr. Josino, conhecido regionalmente
pelo apelido: Bijoca.

Josino Gonçalves da Costa, 88 anos e Maria da Costa, 80 anos.


Meu nome é Josino Gonçalves da Costa, tenho oitenta e oito anos e sou mato-
-grossense. Agora a minha leitura é pouca, porque, nessa época, o estudo era
difícil; e os nossos pais castigavam muito os filhos no serviço do roçado. Eu
desde criança (em torno da década de 1930 a 40) andava na mata cortando
seringa com o papai, desde novo mesmo.
Eu ajudei o papai cortando a seringa no Mato Grosso, no Rio São Manoel. De-
pois nós viemos para a companhia americana, aqui em Belterra. Em trinta e
seis nós baixamos em Belterra. Em quarenta, nós viemos para uma colônia
que o papai comprou aqui perto de São Jose, na Vista Alegre, aqui mesmo per-
tinho de Santarém. Hoje então, com as estradas asfaltadas, é um pulo. Toda
hora tem ônibus. E em 1949 eu saí da casa de papai e fui para Porto Velho. De
lá eu peguei o trem e fui para Presidente Marques.18 Depois eu fui para Forta-
leza de Diabonã e depois eu fui até Cruzeiro do Sul (Acre). Depois eu fui tra-
balhar dentro da Bolívia, num lugar chamado Lorena. Tudo na seringa.Tudo
na seringa. Lá eu trabalhei uma temporada e depois voltei novamente para
Fortaleza; e de lá eu vim para Porto Velho, peguei o trem e fui para Mutum

18
O entrevistado refere-se à Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no atual estado de Rondônia. Sua cons-
trução data do período de 1907-1912, ligando Porto Velho a Guajará Mirim. Correspondeu ainda ao
investimento complementar do sanitarista Oswaldo Cruz. Sobre os efeitos dessa ferrovia quanto à in-
tegração dos seringais, circulação de seringueiros e da produção agrícola mediante colônias criadas no
bojo do Programa Marcha para Oeste, ver Araújo da Silva (2013, p. 229-247).
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 59

Paraná (distrito do município de Porto Velho, capital do estado de Rondônia),


ainda na seringa. Trabalhei mais de dois anos, saí novamente para Porto Ve-
lho, fui para Rio Machado, trabalhei mais um ano lá na seringa. Depois que eu
vim embora. Em cinquenta e seis eu vim embora para Santarém.
Meu pai e minha família estavam aqui. Aí foi o tempo que eu voltei, fiquei e
me animei com essa menina, casei, e até hoje estamos juntos. Nós estamos
com cinquenta e poucos anos de casado. Dia vinte e dois de junho de 1956 eu
me casei com ela e até hoje estamos juntos. Já criamos os nossos nove filhos.
Todos tomam conta de suas casas. Só tem este aí que está ali no sacrifício
dele, porque ele é doente, não pode quase andar. Nós que lutamos com ele.
Deu um negócio de fraqueza nas pernas dele. Ele pegou uma forte anemia,
agora que ele está no tratamento e que ele está conseguindo andar. Ele ado-
eceu desde menino: pegou sarampo e adoeceu. Agora o médico testou e viu
que foi devido ao sarampo que ele pegou e deu até um derrame assim da
medula. Ele está em tratamento, nós temos gastado muito com ele, mas o
médico falou que para essa semana ele vai ser operado. Ele vai ser operado
em Santarém, pelo SUS.
Nós chegamos aqui em setenta e um.19 Eu cheguei para cá, botei essa terra
aqui e estou morando aqui até essa data. Eu tinha um terreno no Pilão (Eixo
Forte, próximo a Alter do Chão), que eu vendi lá para comprar a área que era
de papai e mais dos meus irmãos. Para que eu não vendesse a parte deles, eu
tive que vender o meu aqui para comprar lá. Dei para eles e fiquei com essa
área. Trabalhei nela três anos aqui, com os meninos na escola e eu trabalhan-
do para lá. Depois eu vendi lá e vim para cá e até hoje eu sigo trabalhando,
muito satisfeito com os meus vizinhos. Em todo o canto que eu paro eu tenho
os meus bons vizinhos e, graças a Deus, papai me ensinou... Não me ensinou a
leitura, mas pelo menos a delicadeza do respeito, eu sei como é para ser.
Lá no Mato Grosso, nós morávamos no Rio São Manoel. De lá nós baixamos
para o Rio Imbararaiti. É um rio que já sai dentro do Tapajós, fica bem per-
tinho da Missão chamada Cururu (aldeia dos índios Munduruku, em Jacare-
acanga, Pará). É uma cidade dos índios. Quando foi em trinta e seis, papai
baixou e nós viemos trabalhar aqui no seringal. Meu pai lá trabalhava em se-
ringa. Lá ele trabalhou, depois voltou e começou a trabalhar com seringa aqui
na área do Tapajós. E depois colocou roçado. Fazia as duas coisas ao mesmo
tempo. Trabalhava num e noutro, era assim. Ele vendia lá, tinha os compra-
dores de seringa, tinha o chefe lá. A terra onde as seringueiras ficavam era do
Estado mesmo, não tinha dono não. Ele colhia onde queria. Era onde queria.
Tinham as colocações e ele trabalhava. Naquele tempo o negócio era muito
fácil e, na mesma hora, se tornava difícil. Ele não tinha que trabalhar para um
seringalista. Tabalhava por conta própria e vendia. Nesse tempo tinha muita
gente que comprava assim.

19
Período em que se inicia a exploração do pau-rosa na área e que fronteiras agrícolas são abertas pela
construção da estrada Curuá-una, que corta a comunidade de Boa Esperança, onde também habita este
entrevistado.
60 Delma Pessanha Neves

E a família nesse tempo estava nesse lugar onde tinha a missão, aqui no Rio
Imbararaiti, afluente do Tapajós. De lá de Imbararaiti, nós viemos para cá para
Santarém e depois voltamos para Belterra. Meu pai se interessou de sair de
lá onde ele estava porque não tinha estudo para filho nenhum, não tinha nem
como ensinar aos filhos ao menos assinar o nome. Aí baixamos para cá e foi
o tempo que ele se alistou em Belterra. Nós éramos todos pequenos e fomos
estudar.20 Eu devia ter os meus trezes anos. Nós trabalhávamos com ele, ele
era quadreiro e nós trabalhávamos com ele.
– O que é quadreiro?
É o funcionário da Companhia Americana que capina a terra da seringa. Ele
tem que limpar o espaço. Era só seringa, não tinha outra planta, eram só os
carrilhãos de seringa. Era tudo dos americanos. Eram só eles, naquele tempo,
que trabalhavam aqui dentro do nosso Brasil. Era diferente do meu pai que
trabalhava lá, por conta própria. Era porque aqui já era para os americanos.
O leite que ele colhia era tudo para os americanos, já era pago que nem uma
companhia paga para o seu trabalhador. Então tinha uma época que ele lim-
pava os espaços da seringa e depois ele também colhia. A época de colheita de
seringa é só mesmo no mês de abril até mês de dezembro. Nesses meses eles
estão cortando seringa. Quando entra o inverno, faz uma parada.
Não tinha roçado, lá ninguém plantava nada, lá era só da companhia, só para
capinar. A gente tinha que comprar tudo. Tudinho. Tinham os almoxarifados
para os trabalhadores da companhia. Era só pela conta dos americanos mesmo.
Antes a gente tinha que plantar, mas quando a gente estava ainda para lá. Quando
nós chegamos aqui, era só trabalhar (assalariado por tarefa). Quando foi em 1942,
o papai largou o trabalho da Companhia e comprou um terreno aqui nessa colônia
São José.21 E nós fomos trabalhar de roçado novamente. Esse foi o tempo que eu
tomei uso da razão e saí da casa de papai por minha conta mesmo. Eu estava com
vinte e um anos já. Não servi o exército. Eu fui só alistado, mas não servi não.
– Por que o seu pai achou melhor deixar os americanos?
Foi porque ele queria trabalhar no roçado dele mesmo. Ele dizia que empre-
gado nunca tem direito a nada, porque, no dia que ele saísse dali, ele ficava
desempregado e não tinha onde se agarrar. Ele morava em casa que o ameri-
cano dava. Lá era tudo por conta do americano. A senhora não gastava nada,
quando a senhora quisesse alguma coisa, era só ir no almoxarifado, que tinha
tudo que a senhora quisesse.
A casa nossa era lá mesmo, dentro da cidade lá. Nós saímos, entrou outro.
Também depois, os americanos largaram tudo, entregaram para o governo
brasileiro. Hoje é pela conta do Brasil essas duas firmas que tem: Belterra e
Fordlândia.

20
Reafirma-se a elaboração de projeto fundamental para a família: dotar os filhos de alguns rudimentos
do domínio letrado e da introdução à aritmética.
21
Localizada no entorno do atual espaço urbano da sede municipal de Santarém.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 61

A vida lá era boa sim senhora. Quando era dia de sábado, os americanos pe-
gavam aquelas crianças estudantes, botavam no carro e levavam lá para a
beira da praia para brincar até de tarde. Todo sábado eles faziam isso. Nós
íamos também. Eu achava bom, eu já era frangote, já sabia brincar, mas era
coisa boa. Quando nós viemos para cá para a colônia (espaço de apropria-
ção individualizada dos lotes pelos agricultores), fomos trabalhar no roçado.
Nós fizemos um seringal também, por nossa conta própria. E depois que eu
cheguei, eu ainda fui cortar seringa nesse mesmo seringal. Fomos nós que
plantamos mesmo. E deu certo o plantio. Leva de uns dez anos em diante
para colher. Só aí que ela vai começar a dar leite para a gente tirar e vender. E
nesse tempo que o meu pai ficou esperando a seringa crescer, era só o roçado,
plantando mandioca, milho, arroz, feijão, cereais da casa mesmo. A área dele
era grande. O terreno dele era quase dois lotes de terra. Dava para alimentar
todo mundo. Nós todos trabalhávamos com papai e quando fomos crescendo,
nós fomos saindo.
A mamãe faleceu em sessenta e nove e em setenta e nove o papai faleceu. E ai
nós ficamos e começamos a se (nos) espalhar. Eu tenho gente no Jacareacanga,
aí para cima, em Fordlândia: tem um irmão lá na Companhia Americana. Ele
mora lá em Fordlândia. E eu tenho um irmão que mora em Manaus. E assim a
gente vive espalhado. Esse que ficou em Forlândia, ele foi empregado durante
muitos anos e depois ele comprou uma área lá e ficou como criador de gado.22
Ele trabalhou mas, nesse tempo, a Companhia já tinha sido entregue para o
Brasil mesmo. Quando ele chegou lá, ele trabalhava de roçado assim do ou-
tro lado, no terreno dele. E daí veio para dentro da terra da companhia e se
empregou. Ele vivia de vigia assim no cais, na guarita, onde recebia as ordens
quando os barcos chegavam. Ele trabalhava de vigia lá. Agora ele já é aposen-
tado pelo emprego e hoje ele é criador de gado lá. Já tem a família dele, tem o
que é dele, mas ganha do governo.

O entrevistado retoma o relato de sua viagem ainda jovem no territó-


rio de exploração de seringueiras, que então se situava no extremo oeste do
estado do Amazonas e Acre. É facilmente perceptível como essa experiência
singulariza socialmente seu Bijoca, que se envaidece pelo que conheceu e
superou.

Quando eu estava com vinte e um anos, eu saí para dar uma volta e fui direto
para Porto Velho. Eu nunca tinha andado, mas a senhora sabe que a pessoa na
mocidade ela enfrenta cada coisa! Então eu saí sem endereço e fui direto para
Porto Velho, porque eu ouvia falar que era onde tinha muito patrão de serin-
ga, essas coisas. Eu já sabia trabalhar na seringa, então eu fui para lá. Cheguei
lá e arrumei logo um patrão e fui trabalhar na seringa.

22
O entrevistado se refere à condição espalhada da família, visto que sua geração se constituiu trabalha-
dor por vínculos diferenciados: uns agricultores, outros comerciantes, mas deslocados para Manaus.
62 Delma Pessanha Neves

Daqui para lá, eu fui de barco até Porto Velho. Gastei um mês certinho. Naque-
le tempo o barco era tocado à lenha. Nós tínhamos que ficar parados dois dias
assim no barranco, para tirar lenha e encher o porão para o barco ir traba-
lhando até chegar lá. Chegava numa fazenda e ficava uns dois dias para pegar
o gado e colocar no barco. Eu sei que foi um mês certinho. Quando eu cheguei
lá em Porto Velho, eu não conhecia ninguém e fiquei por acolá. Aí surgiu o
patrão e fui lá no escritório falar com ele, era um cearense de Quixadá. Aí ele
se prontificou que queria trabalhador para cortar seringa e eu fui trabalhar.
Eu fui para Fortaleza, peguei o trem e fui para Presidente Marques. O barco ia
direto para Porto Velho. Daqui tem barco para Porto Velho, o barco vai direto.
Nessa época era difícil, mas já tinha esse barco que fazia isso.
A natureza da gente já tem aquela convicção e tem que sair mesmo, aí eu fui.
Mamãe chorava, tinha reclamação, mas eu saí e fui. Graças a Deus quando eu
voltei, encontrei ela com saúde também, e foi o tempo que eu parei com essa
mulher, casei e estou até hoje.
Quando eu saí, só imaginava de sair para conhecer outros lugares. Eu não ima-
ginava nada não, imaginava só era estar com saúde e ganhar dinheiro. Ganhei
uns bons trocados porque, naquele tempo, a seringa dava um bom dinheiro.
Veja só: Eu sou do dia três de abril de mil novecentos e vinte três. Eu saí daqui
em quarenta e nove, quando tinha vinte e seis anos. Foi em quarenta e nove
que eu saí da casa de papai para Porto Velho. No caminho eu trabalhava no
barco para ir ganhando um dinheirinho e ir gastando também, mas eu levei
o meu dinheiro e também guardei. Eu ajudava a tirar lenha, quando era para
desembarcar uma mercadoria, eu tinha disposição. De Porto Velho eu fui dire-
tamente para Fortaleza já pela conta dele, do patrão, mas não fui fiado. Agora
quando eu fui para Fortaleza, que eu fui entrar para essa parte de quem vai
para Cruzeiro do Sul, eu paguei quinhentos cruzeiros para poder entrar na
Bolívia. Tinha que pagar o passaporte. Eu fiquei lá trabalhando, trabalhei mais
de um ano e depois voltei novamente para Fortaleza, de lá voltei para Porto
Velho. Na linha de ferro, eu fui para Mutum Paranã, que é um outro rio que
tem só seringal mesmo. E esse trem era muito bom! Eu achei bom. Esse trem
lá é famoso, Madeira-Mamoré. O trem fazia duas linhas. Saía de Porto Velho às
três horas da madrugada. Ia chegar em Presidente Marques às cinco horas da
tarde. Daqui, quando eu fui a primeira vez, eu fui direto para Fortaleza. Larguei
o trem e fiquei em Presidente Marques. Cruzei o rio, peguei o rio Abonã e fui
direto para Fortaleza. Depois segui pelo rio Abonã, dentro da Bolívia, quando
eu paguei quinhentos cruzeiros, nessa época, em quarenta e nove, para entrar
no país estrangeiro. Mas tinha muito brasileiro lá. Tinha muito brasileiro tra-
balhando. Eu morava lá mesmo dentro da mata, tinha uma casinha lá da gente.
Eu digo muito para o pessoal aqui: eu fui um cara que eu rompi mata, muita
mata sozinho. Tinha distância de duas, três horas de uma colocação para ou-
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 63

tra. Ficava sozinho. Não tinha com quem conversar não. Às vezes eu fazia uma
bolinha de borracha, que era o que eu brincava assim no terreirinho da casi-
nha. E não dava vontade de vir embora, não senhora. A gente quando é novo,
a gente quase não imagina essas coisas, quer saber de estar na mata. Não
tinha namorada. Não tinha isso não. Se entrasse dezembro, passava dezem-
bro, janeiro, fevereiro dentro da cidade de Porto Velho e entrava para mata
e esperava até dezembro de novo para poder vir para a cidade. É um ano de
mata a dentro, só vê os companheiros do seringal que vão assim na sua casa.
Adoeci muito. Em Lorena eu trabalhei fazendo casa para os seringueiros, abrin-
do as colocações. Eu trabalhei até mês de junho. O mês de junho era fazendo
ramal naquelas colocações. Eu assentava a casa. Quando foi no mês de junho,
eu larguei o trabalho de levantar casa e do ramal e fui cortar seringa. Tirei uma
colocação e trabalhei dois meses, junho e julho. Quando foi no mês de agosto, eu
adoeci de uma tal de malária, até que eu saí. O comboieiro, que é quem vai levar
as mercadorias assim para o pessoal da mata, ele me tirou.23 Ele vai com o burro
levar as mercadorias para os trabalhadores. Chega na sua casa, a senhora já tem
a sua nota todinha do que é preciso, ele deixa aqui e vai para outro, em outra
colocação. Às vezes viaja dois, três dias assim com a mercadoria para voltar de
novo. Aí ele voltava trazendo toda a borracha. Quando ele volta, já vem trazendo
a borracha. Os burros já vêm carregados de borracha. Ele levava uma porção de
burro para carregar. Às vezes levava dezoito, vinte e dois burros para carregar a
borracha. Mas naquela época, metade era só na troca da mercadoria.
Eu já sofri muito. Mas aí eu trabalhei, adoeci e o comboieiro me tirou. Eu
passei mais de um mês no depósito me tratando e eu melhorei. Aí eu disse
que eu iria me embora, mas eu tenho medo de dever os outros, toda vida eu
tive medo de dever os outros. Aí eu voltei e no dia que eu cheguei na mesma
colocação que eu fui para trabalhar, cortar seringa, eu adoeci de novo e me
saiu uma ferida grande. Eu tinha cinco feridas na perna. Eu fiquei deitado na
minha rede e não podia nem pegar água para eu beber, quase que eu morro!
Se o comboieiro não chega para me levar, eu tinha morrido lá na minha rede,
sozinho. A tal malária, que chamam serzão, tinha me matado. Aí eu fui de
novo, saí e fui para o depósito, cheguei lá o gerente foi me tratar e eu fiquei
bom. Aí eu fui trabalhar mesmo dentro do depósito, assim de despachar mer-
cadoria, fazendo notas para despachar. Depois eu saí e fui de novo para fora,
fui para Mutum Paranã e trabalhei outra temporada na seringa de novo. Eu
gostava tanto de trabalhar, que eu cansei de sair seis horas da noite e quando,
às vezes, era cinco, seis horas do dia, eu vinha chegando na minha casa. De
noite, para eu fazer mais leiteira, porque de noite ela escorre bem o leite (da

23
Trabalhador que guia comboio de mulas para levar mantimentos para os seringueiros na mata e trazer
as pelas de látex para o barracão do seringalista.
64 Delma Pessanha Neves

seringa), eu clareava com um faixozinho que eu fazia, pegava um pauzinho e


embrulhava um sernanbezinho (látex defumado e coalhado) na pontinha dele
e colocava uma folhinha verde e embrulhava duas, três vezes. Quando era de
noite, eu acendia aquilo ali, podia até dar um chuvisco que não apagava. Eu
fazia assim. Eu segurava com o dente, clareava, eu cortava e ia embora. A es-
trada todinha! Eu cansei de fazer isso.
O sernambi é mesmo da borracha, é porque coalha. Aquilo ali pega fogo que é
uma maravilha! Do tamanho que você quiser fazer o fogo, você faz. Isso apren-
di lá mesmo no mato. Lá mesmo no serviço, tem muito seringueiro que sabe
de tudo do trabalho. Olhe da seringa eu faço sapato, eu faço sandália, faço a
capanga de colocar assim do lado. Da seringa dá tudo, eu fazia sapato que a
senhora jurava que era da fábrica, mas era de seringa.
Todo tempo está dando no jornal que a seringa foi o garimpo melhor que teve.
Depois que entrou a pecuária, sobre essa criação de gado e o garimpo do ouro,
foi que acabou mais com o seringal. Até hoje eu reclamo, porque hoje a bor-
racha desses pneus são fracas, ela não tem elástico, ela é fraca porque não é
defumada. Porque aquilo, a gente traz e coloca numa bacia, tem um botijãozi-
nho assim, tem uma grade aqui, que nem isso aqui, e você defuma o leite. Tem
uma bacia bem grande que molha aquela borracha ali e passa para lá e para
cá para enxugar o leite. Fica aquele bolão de borracha desse tamanho, bem
feitinho! A gente faz um buraco, que cava na terra e faz um suspiro dali para
cá. Faz um buraco bem aqui assim. E a senhora enche de cavaco, de coco. E
quando a senhora vai defumar usa uma palha assim, fica uma folha. E quando
chega aquele leite, a senhora tira essa folha, cutuca com um pauzinho, coloca
cavaco de novo e sai aqueles tufos de fumaça para assar aquele leite. E assim
vai até fazer sessenta quilos. A regra é sessenta quilos, que é para o animal
carregar, porque, se fizer mais, ele reclama. Se não, maltrata muito os animais.
Em cinquenta e seis foi que eu voltei para a casa de papai. Daí dessa primeira,
de Lorena, eu vim e voltei, fui para Mutum Paranã, de lá voltei e fui para Rio
Machado. Eu saía de um lugar para outro. Porque eu achava que estava pouco,
a seringa não dava muito leite e eu saía para procurar outra melhor. O pessoal
cantava, porque a seringa é que nem garimpo, aonde a senhora chega tem um,
dois, três que dizemn que em tal canto assim o seringal lá é bom. Aí, nessa,
eu fui. Foi um ano que eu passei lá. De lá eu voltei e vim direto para a casa de
papai. Mas nesse tempo, eu mandava alguma notícia. Todos os anos eu fazia
uma carta e mandava para papai. A carta, vinha pelo correio e eles recebiam.
Tinha endereço, tinha tudo na época.
O dia que voltei foi uma alegria! Mamãe ficou muito alegre! Eu passei seis
anos longe da família! Quando chega é o maior prazer! Quando eu chegei aqui,
o meu pai estava morando no mesmo canto de quando eu tinha saído, no ter-
reno que ele tinha comprado em Vista Alegre. Vinte dois quilômetros de San-
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 65

tarém. Essa terra meu pai conseguiu comprada. Naquela época não era terra,
dava-se o nome de benfeitoria à terra. Hoje também nós não podemos mais
vender a terra, só vende a benfeitoria. Mas antes, se tinha a terra, vendia tudo.
Era tudo. E não foi muito difícil para o meu pai comprar essa terra. Não senho-
ra, naquela época era pouca gente, nessas colônias eram poucas pessoas. Hoje
não, hoje a quantidade de gente está para todo canto.
Olhe eu conheci essa estrada (Curuá-Una), essa estrada que hoje vocês es-
tão aqui dentro dela: lá no Jacamim (comunidade do entorno da estrada) era
mata, a boca da mata de lá. Isso aqui era só um trilhozinho, bem pouquinho.
Em quarenta e cinco houve um pau-rosa aqui no Guaraná (comunidade do
entorno da mesma estrada), foi por isso que abriram essa estrada. Foi o seu
Elias Agir e o seu Antonio Pimentel. Eles foram o chefe desse pau-rosa, foram
eles que abriram essa estrada. O pau-rosa é a árvore. Tem uma máquina que
eles tiram todo o óleo. - Vocês já viram alguma vez o óleo do pau-rosa? - É um
perfume muito do bom. Se a senhora pegar um pouquinho e passar assim, a
senhora pode tomar banho que ele fica ali ligado muito tempo. Ele não sai não
senhora, não sai não.
Quer dizer, nessa época o pessoal resolveu explorar as árvores de pau-rosa
perto do Guaraná, lá no Guaraná mesmo. De lá para cá começaram a entrar,
tirar madeira. Naquele tempo tiravam só o cedro, só madeira escolhida, mas
assim eles foram entrando, entrando. Hoje eles estão falando que essa estrada
aqui vai ser a estrada chefe do trabalho, que eles não vão rodar lá pela San-
tarém-Cuiabá, vão por aqui direto para Itaituba. A estrada vai ser esta aqui,
esse asfalto. E já estão andando para Altamira. Já estão varando para lá. É mais
perto, mas eu não sei quantos quilômetros tem de diferença daquela outra
dá lá. Ao invés de ir pela Transamazônica, vão por essa, por essa aqui. Aqui já
tem passado muitos carros grandes que já vem das outras cidades aqui para
Santarém.
Essa época que o pessoal começou a abrir para cá, para explorar o pau-rosa,
foi em quarenta e cinco. Eu estava na casa de papai ainda, era solteirão ainda.
Nessa época eu ainda não tinha saído da casa de papai. Eu saí em quarenta e
nove. Em quarenta e cinco era só esse pau-rosa que eles tiravam aí. Eu tinha
um irmão mais velho, o Luíz, que ele veio com esse pessoal que trabalhava
no pau-rosa, aí um dia ele levou um golpe de machado e a gente ficava sem
notícia. Demorava muito para esse pessoal do pau-rosa dar notícia lá na casa
de papai. Depois nós ficamos sabendo que esse irmão estava cortado por um
grande golpe de machado. Eu tinha um cavalo, um cavalo bom, se a senhora
levantasse a mão assim, ele estava para acolá. Eu saí da casa de papai uma
hora da madrugada, porque papai mandou buscar ele lá no Pau-rosa. Eu saí
de madrugada, fui, e quando foi duas e meia da tarde, eu cheguei lá no Pau-
-rosa. Lá eu peguei o rapaz, coloquei no cavalo e vim. Quando cheguei bem
66 Delma Pessanha Neves

por aqui assim, quando deu uma hora da madrugada, eu cheguei em casa de
novo com o meu irmão. Tudo mata, só a trilha. O pessoal nesse tempo di-
zia que tinha muito bicho feio aí: era onça, um bando de porco que tomava a
estrada e ninguém passava. Naquela época tinha muito bicho na mata! E eu
andei, a minha mãe levou ele para o hospital, foi tratar dele, ficou bom. Depois
ele ficou por aí e nós botamos roçado, eu mais ele. Colocamos o roçado lá na
nossa terra mesmo. Quando foi mês de outubro ele saiu, foi embora e eu nem
sei para onde ele foi, porque ele nunca mais deu noticia, até hoje! Isso foi em
quarenta e oito que ele foi embora, o meu irmão mais velho, o Luiz. Ele saiu
para ir para Manaus, e de lá para cá eu não sei nem mais para onde ele foi,
porque ninguém mais teve noticias. Ele nunca mandou notícia para o papai.24
Aí, quando foi em quarenta e nove, eu saí, eu tinha o meu roçado, colhi meu
arroz, vendi uma parte, ficou a outra parte que era para mim e mais ele, mas
ele não estava! Então eu deixei em casa e fui me embora.
Minha mãe ficou lá chorando, né. Pois é, eu já andei muito, graças a Deus e
hoje eu estou nessa minha idade, estou contando. Quando eu casei com ela,
passamos uns tempos por aí, mas quando foi em sessenta e seis, eu fui morar
uns tempos lá no Tapajós. Estavam os meus irmãos para lá, a mamãe, eu pas-
sei quatro anos. Quando foi em setenta e um, eu vim embora para cá. Desde lá
eu estou aqui nesse lugar.25
Meu pai saiu de Vista Alegre, onde ele estava, e foi para o Tapajós, mas ele fi-
cou aqui mesmo, ele morreu aqui mesmo. A minha mãe foi para lá (o casal se
separou porque o esposo constituiu nova família e os filhos deram guarida à
mãe que foi então viver com deles). Foi com os meus irmãos. Foi com os filhos
que estavam lá. E os filhos foram para lá trabalhar, para lá. O Pedro casou para
lá, ele era o outro mais velho, ele ficou para lá e eu sei que a mamãe foi pas-
sear na casa dele e para lá morreu. Ficou pouco tempo lá. Foi passear e logo
morreu. Depois de uns pouquinhos de tempo, ela morreu. - A senhora sabe
onde que fica esse Tapajós? Fica bem de frente para Fordlandia, no lugar que
se chama Arara. Eles moravam lá, trabalhavam em colônia. Eu ainda fiquei
cinco anos lá também. É colônia26 mesmo e cada qual tinha o seu terreno de
trabalho mesmo. A terra conseguia com os moradores mesmos, tinha muita

24
Esse total desconhecimento sobre o destino social de um ou dois dos familiares é comentário extrema-
mente recorrente, expressão desse fluxo migratório por longa distância.
25
O território de matas defronte a Fordlândia foi objeto de investimentos apropriativos de agricultores
que, por deslocamento familiar, migravam e tentavam reproduzir os laços familiares em novos agrupa-
mentos residenciais. A presença de alguns poucos trabalhadores que se tornaram funcionários públicos
e potenciais consumidores e a estrutura portuária deixada pelos americanos, as instalações de escola e
hospitais se apresentavam como atrativos para a população vender o excedente da produção e obter
algum atendimento em saúde e ensino. Todavia, essa área era sujeita à infestação de mosquitos e disse-
minação de malária.
26
O termo colônia tanto se refere a cada lote agrícola como ao conjunto de lotes que compõem unidades
residenciais de agricultores, gerealmente aparentados ou em fratria.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 67

terra devoluta e cada qual que chegava lá tirava a sua parte e trabalhava lá.
Vou dizer para a senhora: até mais ou menos por volta de sessenta, a gente
podia tirar terra e trabalhar à vontade. Lá nós tínhamos três irmãos.

– Por que eles foram para lá?

Porque lá...! A senhora sabe que caboclo é bicho à toa mesmo. Eu digo assim
porque eles vão onde acha que tem muita caça, muito peixe. Foram para lá
para se alimentar bem, porque aqui é caro. A senhora morar aqui e comprar
as coisas, o alimento é muito caro! O melhor lugar para morar é onde tem ter-
ra para fazer roçado, tem caça, tem peixe e está perto do rio. E tendo a saúde, é
coisa boa para nós. Quando eu vim para cá, eu ainda fui fazer roçado com meu
pai. Depois fui para o Tapajós. Mas eu já estava casado. Já fui com essa mulher.
Lá foi o lugar que eu chorei. Eu chegava do meu trabalho, já com frio por causa
da malária e, quando eu chegava, ela estava na rede com os filhos todos com
malária. Ela chorava porque não via mais a família dela, que morava aqui, e eu
todo o tempo trabalhando. Quando foi em setenta e oito, que eu coloquei um
roçado bonito lá, plantei milho, plantei feijão canário...! Eu colhi dois sacos de
feijão canário, apanhei, debulhei e vim vender aí fora, em Fordlândia. Lá tinha
um senhor bem no barco, no cais, que me conheceu:
– Mas Bijoca, você está para cá?
– Estou sim.
Era um companheiro que sempre comprava porco lá em casa.
– Tempo que eu não te vejo!
Ele estava num barco vendendo as coisas na margem do rio.
– O que tu traz aí?
– Seu Sabá, eu trago dois sacos de feijão canário. O senhor compra?
– Compro, bota para cá.
Daí eu encostei a canoa no barco dele, botamos o saco para dentro do barco.
Ele nem perguntou quanto eu queria e nem tão pouco eu perguntei quanto
ele dava no saco de feijão. Ele puxou cem cruzeiros e me deu. Eu peguei e
coloquei no bolso e voltei de novo remando minha canoa. Quando eu cheguei
em casa, eu disse para minha mulher assim:
– Maria, eu não comprei nem uma agulha, eu arrumei cem cruzeiros nas duas
sacas de feijão e eu vou para Santarém.
Maria: – Mas o que tu vai ver lá?
– Eu vou lá na casa de papai e do meu sogro. Foram os cem cruzeiros.
68 Delma Pessanha Neves

Eu disse que tinha porco, tinha galinha, pato, muita mandioca. Então você não
vai passar mal não. Ou você dá para um vizinho fazer ou você dá para os seus
filhos. E eu vim, foi em setenta e um. Quando eu cheguei na casa de papai, eu
cheguei a ir na casa do pai dela, mas aí eu fui falei com papai. Meu irmão já
morava bem aqui. Aí meu pai disse:
– Você não vai na casa de Pedro?
– Vou papai, vou lá.
Quando eu cheguei aí, falei com Pedro e disse que eu queria sair de lá porque
lá não tinha condição de vender as coisas assim, porque era tudo a troco de
açúcar, sabão, querosene, só besteirinha que nem índio. O comércio de lá não
comprava um quilo de nada da senhora, era só a troco. Daí eu vim para um
terreno que o Pedro me ofereceu, bem ali no Km 45, por vinte e cinco cruzei-
ros, nesse tempo. Ai eu fiquei com o terreno porque eu queria sair mesmo de
lá. Eu tinha tudo, tinha a minha comida, tinha minhas criações, tinha tudo por-
que não faltava, mas para eu pegar um dinheiro para comprar a minha roupa,
para os meus filhos, para ela, não tinha quem comprasse, não tinha dinheiro.
E comércio não vende fiado para ninguém. E se vendesse, eu não tinha com o
que pagar. Aí o seu Raimundo Pereira, que morava bem aqui, ele disse assim,
quando nós fomos no culto de uma igreja que tem bem ali:
– Seu Josino, o senhor está falando que quer sair de lá de onde o senhor mora,
então, se o senhor há de dar vinte e cinco cruzeiros no terreno desse irmão Pe-
dro, aqui o ramal do Pilão está todo cortado, já feito os lotes, marcados. O se-
nhor vai lá na Secretaria (comunidade do entorno da estrada Curuá-uma) e
lá eles dão terra para qualquer um que queira trabalhar. É na comunidade da
Secretaria, onde tem um órgão de agricultura aqui. É para cá da Santa Rosa.
Mas isso foi num domingo de manhã e aí nós viemos, almoçamos e ele falou:
– Se o senhor quiser, eu vou lá com o Senhor e com o irmão Pedro.
– Então vamos embora.
Ai nós fomos lá na Secretaria. Quando nós chegamos lá, encontramos o seu
Alfredinho, que era o responsável de tirar os picos (definição dos limites do
lote) da terra. Nisso nós fomos de pés, pois até carro era difícil nessa época
aqui. Nós fomos de pés, eu, seu Raimundo e o Pedro. Chegamos lá, fomos lá
com o seu Alfredo, e ele disse:
– Olha tem muita terra mesmo, agora o ramal de lá já está tudo cortado, feito os
lotes, todos de 250 metros de terra de frente. De fundos era mil metros.
Aí eu fui lá e falei para o doutor:
– Olha, o senhor tem muita terra aí.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 69

– Olhe, o senhor vai e conte três mil metros daí até onde der os três mil metros.
Lá o senhor deixe o marco e pode tirar o lado que o senhor quiser, tanto de um
quanto de outro, porque isso aí é para uma comunidade. A gente vai fazer um
centro comunitário.
Quando eu cheguei para cá, que já era tardezinha, foi o seu Benedito Barros, o
seu Luiz Souza, nós estávamos falando na beira do campo:
– Nós vamos lá também tirar um terreno para nós.
Quando foi na segunda feira cedo, nós fomos para lá, fomos conferir. Eu disse:
– Olha o doutor falou que daqui para cá, tanto de um lado quanto do outro
pode qualquer um tirar, é um lote para cada um. O seu Benedito tirou logo o
dele, marcou dois lotes para ele, disse que queria dois lotes, mas eu falei para
ele que o doutor disse que era só um lote, porque era muita gente que preci-
sava. Ele disse que iria ficar com dois e tirou dois. O seu Luiz Souza tirou um e
eu vim por último e fiquei aqui por derradeiro. Quando foi no outro dia cedo,
eu fui a Santarém e comprei um machado, uma foice, um terçado e comprei
dois quilos de peixe para o churrasco e vim. Passei a noite toda esfregando o
machado e a foice. Quando foi no outro dia, eu fui cedo lá no terreno e passei
oito dias brocando sozinho. Com oito dias eu broquei quatro tarefas de ro-
çado bom mesmo. Eu ia de noite, saía da casa do meu irmão lá e chegava de
noite. Eu ia pegar água no igarapé que tem bem aqui. Eu pegava minha água
de madrugada, um punhadinho de farinha, às vezes um pedacinho de peixe ou
uma rapadurinha, e com isso eu passava o dia inteirinho lá, sozinho. Faltavam
cinco dias para entrar o mês, eu derrubei lá, derrubei isso aqui, por aqui era
mata bruta mesmo. Quando eu cheguei em casa, ela estava gestante de um
filho, o Budito, com cinco dias ela descansou dele. Eu tinha um capado grande
assim e tinha um bocado de leitão, e um dia eu cheguei e disse:
– Maria, nós vamos embora.

E aí eu fui oferecer o que eu tinha, mas não achei quem colocasse um cruzeiro
no que era meu, nem um cruzeiro. Eu tinha muita roça, eu colocava um roça-
do bom, porque a terra lá ajudava mesmo: era milho, meu bananal, meu sitio
bom, meu canavial. Não achei um que desse ao menos um cruzeiro. Eu digo:
– Maria, no dia que você inteirar trinta dias, nós vamos sair daqui.

Com cinco dias que eu cheguei lá, ela teve a criança, com trinta dias eu matei o
porco, levei para Fordlândia, vendi. Eu fiz cento e trinta cruzeiros nesse porco
e não comprei nem uma caixa de fósforo. Tinha um barco no cais e eu falei
com o comandante que ia para Itaituba:
– Quando o senhor voltar, o senhor pare aqui que eu vou com o senhor. O se-
nhor me pegue lá em Sumaúma, que era o lugar que nós parávamos.
70 Delma Pessanha Neves

Deixei a metade do porco fiado, mas eu vou me embora. Tal dia eu já vou me
embora. O pessoal dizia que eu era doido de deixar tudo lá e eu dizia:
– Não. Dizem que quem vai para casa de pai não se molha e eu vou para a casa
de papai. Eu tinha minha casa, meu terreno, tudo que eu tinha largado. Eu car-
reguei as coisas, peguei o barco e vim embora. Cheguei aqui, quando eu acabei
de despachar as coisas, que eu fiquei até na casa do pai dela, fiquei numa casa
grande assim, uma casa grande que o velho tinha desocupado lá, não fui nem
para a minha, porque já estava deteriorada, porque era uma casa de palha e
nem para a do papai. Quando eu cheguei aí, que eu paguei o derradeiro des-
pacho, eu fiquei com cinco cruzeiros. Mas eu puxei a notinha do bolso e disse:
– Olha meu sogro, o que eu tenho é cinco cruzeiros aqui, mas agora eu vou
ficar na casa do senhor mais da senhora, que era a dona Doca, mas eu quero
ver se vocês vão deixar os seus netos morrerem de fome. Eu disse foi assim,
porque toda vida eu fui meio indisposto mesmo. O velho tinha um roçado as-
sim na beira do sítio dele bem assim. Ele chegou para mim e falou:
– Bijoca, eu te dou essa tarefa aqui para tu derrubar, está sequinha, você pode
queimar. Eu te dou para você plantar de meia para nós.
– Tá feito.
No outro dia, quando eu cheguei que estava sequinho, toquei fogo e coloquei
os meninos mais velhos para irem juntando os pauzinhos miúdos e eu fui
cortando, cortando. Eu aprontei tudinho para fazer o meu roçado. Eu já tinha
essas duas tarefas preparadas lá, então eu vou encher de milho, de arroz e
mandioca. Uma outra parte eu deixei para o meu irmão, para quando estives-
se no tempo de colocar fogo ele colocar o fogo no roçado. Mas ele tocou fogo
e eu não sei se foi embaixo de chuva ou não, porque não queimou. Olhe, a
senhora acredita que eu trouxe os três meninos maiores, o Geraldo, o José e a
Idália. Trouxe esses três e deixei a velha lá, pedi um dinheiro para o velhinho,
ele me arrumou, eu comprei umas besteiras e deixei lá para ela, e trouxe para
os meus filhinhos e eu aqui para trabalharmos. Eu saía de madrugada com o
machadão amolado, a foice e o terçado e eu ia decotando daqui até lá assim,
decotava bem, jogando aqueles pauzinhos e meus filhos iam catando o que
eles podiam. Eu limpei tudo, deixei tudo bem limpinho. Eu só não tirei aqueles
pauzãos dessa altura, porque eu não podia, mas deixei pronto. Passei para cá,
cheguei aqui e limpei só o canto da casa e disse:
– Olhe, se vocês quiserem aproveitar essa terra aí podem aproveitar.
Aquelas frutinhas assim eu ia cortando para fazer os ganchos da casinha as-
sim, aquelas varinhas, eu ia colocando como caibro e tudo. Eu sei que eu fiz
e quando foi tanto de maio, eu cheguei com a minha família bem aqui nesse
cantinho. Eu trouxe a família toda para cá em setenta e um, e aqui estou ainda.
Trabalhei, dei conta do roçado aqui e lá ficou tudo que era meu. O que ficou,
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 71

quem quisesse aproveitar, que aproveitasse. Nunca mais voltei lá em Tapajós


para saber que fim levou. Já fui umas três vezes, mas foi para visitar os meu
irmãos. Graças a Deus eu tenho a minha casinha aí, estou alegre e satisfeito
com os meus filhos, todos donos de si. Graças Deus não estou passando fome
e nem os meus filhinhos. Eu sou aposentado, a velha é, esse que está aí doente,
ele agora já recebe o beneficio dele, graças a Deus, porque nós gastamos mui-
to para lutar com doença. Doença é coisa mais pior do mundo!
Quando eu chegei aqui, tinha só essa estrada já aberta. Para vir para cá, vinha
de carro. Não tinha ônibus naquele tempo, tinha dois paus de arara que fa-
ziam essa linha bem aqui.
Quando eu vim tinham só umas quatro pessoas aqui nesse ramal. Eu sou uns
dos primeiros aqui. Mas trabalhei muito. Eu não tenho horário de almoçar
não, minha irmã. Você acredita que eu cansei de ir para o roçado, levar minha
merenda, trabalhar o dia todinho e chegar com ela em casa. Eu gostava muito
do trabalho e eu gosto. Eu estou com essa minha idade, mas se eu pudesse
trabalhar todo dia, eu trabalhava. Só não trabalho porque eu não posso pegar
quentura, minha irmã. Logo quando eu pego, eu fico com a pressão alta. Eu
sou proibido de andar sozinho, sair para trabalho, pegar peso.
Maria da Costa.
Inicialmente, ele fala sobre ela, visto que ela se negou a participar da entrevista.
Ela nasceu ali no Poço Branco mesmo, é filha da terra. Eu morei muito tempo
aqui perto e, quando eu fui embora ela era pequena ainda, assim mocinha. Ai
eu passei seis anos fora, quando eu cheguei a bichinha já estava bonitona e eu
me embacei por ela e até hoje nós estamos aqui.
Estimulada por mim, ela ensaiou prestar algumas informações:
Maria: Nós temos nove filhos. A mais velha é Idália, mora em Santarém. De-
pois vem o Geraldo, vai fazer cinquenta e um anos e está em Santarém. Depois
o José, Antônio, Ivone, Sebastião, Francisco, Iranildo e o Raimundo. Eu sempre
morei por aqui. Quando eu conheci ele, ele já andava para esses cantos, né. O
papai é da Serra Grande, Ceará. E a mamãe é maranhense.27

Alegando ter obrigação de colocar o almoço do marido, ela se retira


para o interior da casa e eu me senti na obrigação de encerrar a entrevista,
sob resistência do seu Bijoca, que alegava estar sem fome. Eu me retirei, pro-
metendo voltar depois do almoço, compromisso que cumpri, reiniciando a
entrevista. Para efeitos dos meus objetivos na apresentação da narrativa do
entrevistado, aqui encerro esta colaboração do Sr. Josino e D. Maria.
Sintetizando os relatos, este último casal entrevistado viveu diversas
situações de deslocamento de unidades residenciais, referenciando-se por
27
Por conseguinte, ela corresponde à segunda geração de migrantes, cujos pais vieram de estados dife-
rentes e se conheceram em Santarém. Como em 2012, ocasião da entrevista, ela contava com 66 anos,
a migração dos pais antecede o ano de 1940.
72 Delma Pessanha Neves

redes de circulação de parentesco patrilinear, registrando processos de des-


locamento para o extrativismo da borracha. No caso dos pais de Seu Josino,
do Mato Grosso, para o estado do Pará, e no caso da esposa, do Ceará e Ma-
ranhão, ainda solteiros, para Santarém, em resposta à atração possibilitada
pelo acesso à terra no entorno da sede do município, distrito de São José.

Raimundo Dias Pontes, 72 anos, e Raimunda Pontes, 70 anos.

Pelo próximo texto de entrevista, coloco em destaque um percurso fa-


miliar cujo casal inicialmente residia em Alenquer, associando a apropriação
de recursos em dois ambientes naturais: várzea, às margens do Amazonas e
afluentes, e terra firme ou área elevada ou de planalto, incorporada durante
o inverno, diante do alagamento das áreas antes cultivadas no leito do rio
exposto. Posteriormente migram para residir na sede do município de San-
tarém e, insatisfeitos com tais condições de vida, alcançam obter um lote de
terra no Projeto de Assentamento Moju I e II, na comunidade de Cachoeiri-
nha de Santa Fé. Pelo relato, também coloco em destaque o registro da mi-
gração dos pais do Sr. Raimundo, cearenses que se deslocaram no início do
século, bem como a dispersão habitacional dos filhos, alguns acompanhando
alternativas de incorporação ao mercado de trabalho em Manaus, a partir da
criação do parque industrial.
Raimundo: - Eu nasci em Alenquer. Meu pai era agricultor e minha mãe tam-
bém. E meu avô também. Nós nascemos na agricultura, tudinho. Naquela épo-
ca, ele trabalhava, não tem esses igarapés, como chamam? Pois é, a gente teve
um que não tinha esse negócio de INCRA, essas coisas, nada, nada. Era liberto.
Era na várzea que a gente trabalhava, não era em terra firme. Não sei se a
senhora sabe que a várzea vai sempre no fundo. A terra firme não afunda:
não alaga. Várzea mesmo vai no fundo. Quando chegava tempo de ir no fundo,
a gente ia para cidade. Quando a água baixava, a gente ia para lá e deixava a
cidade de Alenquer. Na várzea plantava melancia, que é planta mais de várzea.
Feijão também, milho, isso era o que dava mais. Ai um senhor, eu me esqueço
o nome dele, nem adianta nem forçar porque eu era muito pixote, ele deu um
pedaço de terra nas colônias. E aí nós fomos plantar com jegue. Nesse tempo,
eu ia arrastando ele (o jegue). Na colônia era para plantar roça, mandioca e
fazer farinha. Colônia é que nem assim terra firme. Ai plantava, fazia aquele
roçado grande.
Com o tempo, os velhos morreram, foram embora mesmo porque Jesus preci-
sava deles. E ai eu já fiquei grande, ajeitei mulher e até hoje estou com ela. Eu
estava com dezoito anos, quase a mesma idade dela. Não, dezoito não, vinte e
dois. E ela com vinte um, quando eu me meti com ela. Não, ela que quis mesmo.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 73

Raimunda: – Ele era muito era enxerido.


Raimundo: – Ela se engraçou para o meu lado, eu tirei o corpo de banda e
dizia: – Não vem, peraí (espera aí), não vem, não vem!
Raimunda: – Mas não era eu que saía de lá de onde estava com o arremata-
dor, quase uma hora de viagem, para vir ver a mulher, que estava debulhando
feijão, que não conhecia ele. Jogava feijão na minha barriga, jogava a palha
seca. Enxerido em tudo! Eu trabalhava, ele debulhava a palha do feijão e jogava
aquelas palhinhas na minha barriga. A gente se encontrou debulhando feijão,
na Groatinga. Lá eu trabalhava também Ele trabalhava numa companhia lá na
exploração de madeira, porque ele era explorador de madeira, lavrador, né. E
eu trabalhava nesse outro lugar, que chamava Alagado. Lá eu trabalhava com
farinha, trabalhava cortando malva, lavando, apanhando feijão, apanhando
fava, tudo lá eu fazia, mas não era só eu não. Trabalhei desde cedo. Quando os
meus pais morreram, eu estava com uns vinte cinco anos.
Raimundo: – Tu já estava o quê? Com quase trinta anos!
Raimunda: – Foi antes de eles morrerem que a gente se casou. Quando o pai dele
morreu, nós já estávamos juntos, eu já tinha casado com ele. A mãe dele também
morreu, eu já estava com ele, né. É porque eu não estou lembrada de quantos anos
eu tinha... Quando eu me meti com ele, eu estava com vinte e um anos. É porque
primeiro, eu não vou mentir, primeiro eu me ajuntei né, porque eu não era mais
moça, já tinha uma filhinha, que minha mãe ficava com ela, que criava ela. Aí ele
começou a simpatizar de mim e aí foi o namoro. Eu sempre caindo fora, porque eu
tinha muito medo, porque o primeiro eu já tinha caído em erro, aí eu fiquei com
medo A mamãe sempre dizia que, se eu aparecesse buchuda de novo, ela me jo-
gava fora de casa. E eu queria mais o amor de minha mãe que mesmo de homem,
né! Aí fiquei com medo. Aí foi depois de muito tempo que eu fui cair e resolvi me
juntar. Aí depois fomos para cidade, fomos para Alenquer, aí a gente casou. Estava
a mãe dele, a sobrinha dele, a irmã dele e outra sobrinha. Aí nós casamos no civil.
Com o pai da minha primeira filha, eu não cheguei nem a morar, porque a mamãe
tinha muita raiva dele e eu não ia sacrificar o amor da minha mãe para viver com
ele, a contra gosto. Isso eu nunca fiz. Esse pecado, quando eu morrer, eu não levo,
né? Minha mãe, sei lá, acho que foi porque ela não simpatizou com ele. E ela, sei
lá, quando cismava com uma coisa, né! Mãe, já viu como é! Agora esse não, esse
quando eu comecei a gostar dele, ela adorava ele, gostava muito dele. Morreu, se
foi desse mundo, mas ela gostava muito dele. Ai fui para Alenquer e ai me casei.
Estamos casados há... Quando eu me casei com ele, eu estava com vinte e dois.
Não, eu estava com quê? Estava com vinte oito anos, mais ou menos. É, com vinte
oito anos. Nós passamos lá em Groatinga mais de dois anos.
O senhor nasceu em 1938 e a senhora em 1939. Se a senhora estava com vinte e dois
anos, quando começaram a namorar, foi em 1961.
74 Delma Pessanha Neves

Raimundo: – É mais ou menos.


Raimunda: – É, mais ou menos, a idade quase da primeira filha.
Bom, no caso do senhor, seus pais começaram a trabalhar em várzea, até mais ou
menos quando o senhor alcançou uns sete anos por ai. Mas o senhor disse que era
pixote ainda.
Raimundo: – Não, quando eu fiquei entendido, eu já trabalhava. Quando fui
me entender, eu estava com sete anos, oito anos, aí já estava na várzea, por
aí. Daí voltei porque fui me embora. Com doze anos eu saí na lapa de mundo.
– O que o senhor foi fazer na lapa do mundo?
Raimundo: – Andando, trabalhando.
Mas o que foi fazer com doze anos, tão pequeno?
Raimundo: – Não, não era pequeno. Eu já dançava, já estava no forró, já estava
dançando.
Com doze anos?
Raimundo: – Com doze anos. Tirava as moças para dançar e ai delas se não
fossem!
O que o senhor fazia se elas não fossem dançar?
Raimundo: – Nada! (rindo)
Quando o senhor saiu para trabalhar fora, foi fazer o quê?
Raimundo: – Não, às vezes eu saía assim por um dia ou dois. Mas quando eu
saí, foi para trabalhar de cozinheiro de balateiro, para turma dos balateiros.
Balateiro é quem lida com borracha. Tudo era conhecido. Ai depois eu fiquei,
comecei a treinar naquele aparelho de cortar balata, né. Tem um aparelho que
mete assim no fogo, aí você vai cortando assim, né. Ai quando eu saí de lá, era
profissional em cortar balata, era balateiro. Eu saí de lá com... Eu fiquei um ano
nesse serviço da balata, porque era de ano em ano, no período que ia colher...
Isso era de ano em ano, até chegar o tempo da balata vir de novo. E depois eu
abandonei. Fui lavrar madeira por aí. Fui trabalhar para os outros em colheita.
Aí, depois, ela falava de tirar um terreno para nós, mas estava difícil. Um monte
de terreno tinha aí perto, mas das bandas daqui para Mato Grosso. Aí eu me
afastei porque fui atrás de terreno. Aí cheguei lá e o velho disse: - Pode voltar
daqui. Aí de lá eu voltei. Vim para cá e até hoje, já estou com sete anos aqui. E
olha: - Eu estou aqui nesse terreno há sete anos, só eu, essa mulher e dois ne-
tos. Um já foi e o outro está estudando.Tem a minha turmazinha que, quando
é tempo de férias, vem para ajudar a plantar, essas coisas...! E olha: - Eu estou
aqui nesse terreno com sete anos, eu doente, mas tive que sair daqui, doente,
para uma operação que eu tinha feito e não estava sarado. Aí eu consegui já
os paus grandes que eu mandei um senhor derrubar para mim. E até hoje eu
estou aqui. Nunca saí daqui, nunca abandonei aqui, de jeito nenhum. Para ir
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 75

para cidade e deixar a casa só, eu nunca fiz isso! Quando eu vou, a mulher fica,
o filho fica ou os netos ficam, porque tem que tratar das galinhas, porcos, essas
coisas. Antes eu saía no rumo da colônia, trabalhando, em colheita por aí. Pro-
curava colônia, onde tem a agricultura, que nem aqui, terra firme.
Raimunda: – E lá eu trabalhava para os outros. Ganhava por dia que eu trabalhava.
Raimundo: – Meus pais, quando foram trabalhar, quando ganharam o terreno
para trabalhar, eles continuaram indo para várzea, todo o tempo na várzea.
Eles cultivavam um período na várzea, depois iam para o terreno da terra
firme. Ai na várzea plantavam feijão, milho..., gerimum, melancia... E na terra
firme, a mesma coisa: mandioca, macaxeira, melancia, milho, essas coisas. Só
que na colônia a terra não era da gente. Os outros que davam para a gente
plantar, nós não tínhamos essa terra aqui (Cachoeirinha). Eu não me lembro
quem foi que deu a terra. Muita gente que tem terrenos nas colônias, às vezes
dá um pedaço. Falava assim:- Dá um pedaço para o rapaz aí cultivar! Mas não
precisava pagar nada. Hoje em dia, não. Se um cara tem um pedaço de ter-
reno, já quer pagamento. Naquele tempo não, era outro tempo, tempo bom!
Meus pais ficaram assim com a várzea e a terra firme, mas antes de morrer já
tinham abandonado, já estavam abandonando porque conseguiram os apo-
sentos deles, né. Aí eles pararam. Quando eles iam para cidade, não tinham
ainda a terra firme. Eles iam para várzea, depois iam para cidade e pescavam.
Viviam de pescaria, pegavam peixe para vender, para comer.
Eles tiveram muitos filhos?
Raimundo: - Nós éramos sete, oito, doze. Doze filhos. Doze filhinhos. Eu tenho
mais irmãos, mas eu só me acho com quem? Tem um que está para Belém, que
ninguém sabe se é morto ou não. Só tem dois em Alenquer: um irmão e uma
irmã. O resto tudo já se acabou. Morreu já. Quando eles morreram, eles esta-
vam em Alenquer mesmo. Só esse um que está para as bandas de Belém, que
andava vendendo esses quadros na rua, ele era vendedor de quadros, retratos
na rua, quadros assim, né? Pois é, ele foi embora para lá, mas afinal de contas
ninguém sabe se para Belém ou se foi para o Rio. Eu só sei que ele sumiu. Tem
trinta, quarenta e cinco anos. Vixi, estão fazendo muitos anos!
Raimunda: - O outro morreu afogado. O outro irmão dele, que era parecido com
ele. Agora tem o outro aqui, que está para morrer.
Raimundo: - Agora tem um, tem o Jorge, que está mais difícil ainda. A Irene já
morreu, que é outra irmã minha. Agora tem só três, quatro comigo. A gente se
encontra quando vou em Alenquer. Às vezes eu vou lá; às vezes eles vem aqui.
Aqui não, lá na casa. Quando eu vim para essa terra daqui, estava morando,
quer dizer, estava parado aí na cidade, em Santarém. Eu não demorei muito lá
em Santarém, porque eu vim para cá. Aí eu vim e ela ainda veio comigo aqui
em Santarém, fiquei muito bem. Mas pensei: - Quer saber de uma coisa? - Eu
vou atrás de um terreninho. Aí eu mandei ela voltar, ela voltou. - Tu volta que
eu vou me virar, justo na época que eu fui andar atrás de um terreno. Aí está
muito bom, eu lutei, um tinha e não queria dar terreno. Muito bem. Ai, quando
foi um dia, tinha um senhor que foi e disse assim:
76 Delma Pessanha Neves

– Rapaz, ao invés de darem terreno para uma pessoa que a gente vê que quer
trabalhar, que quer se colocar, nós vamos dar terreno para quem não quer se colo-
car? Põe um pedacinho de roçado assim e vai para cidade, o terreno vira capoeira!
Isso é de fato, tem mesmo muita gente que faz isso. Aí foi até que eu consegui esse
terreno e mandei chamar ela. Ela veio. Aí nós ficamos lá numa casa velha, passa-
mos um tempo, ajeitamos uma casinha, no terreninho daí da prefeitura. Aí esti-
vemos morando lá muito bem, formamos uma barraquinha lá coberta de palha.
Raimunda: – Raimundo, vai dar teu jeito para lá, que eu me agüento aqui na
cidade. Eu quero criar, eu quero ficar bem.
Raimundo: – Foi ela que me estimulou. Aí quando eu cheguei...
Raimunda: – Eu sempre tive vontade mesmo né, porque vida de cidade, a senho-
ra sabe como é, né, só para a pessoa que tem muito dinheiro, né? Contando que
arruma aquele dinheiro para comprar um quilo de carne, dois quilos de carne,
come tudo na hora mesmo. No outro dia não tem dinheiro nem para farinha.
Raimundo: – E para mim, fazer, comprar alguma coisa na cidade, eu pegava a
bicicleta, está aí a bicicleta pendurada ali, só o quadro dela, né. Aí saía por lá
para capinar terreno, aqueles quintalzinhos, fazia tudo direitinho, fazia tudo
que me mandavam assim em troca de um trocado. Graças a Deus que o pes-
soal até me ajudava, me dava a minha gorjetinha, que eu ganhava, e ainda me
dava o dinheiro. E assim eu ia levando a vida, até o dia que eu consegui esse
lugar aqui, que o seu Samuel me entregou. Aí em cima tinha uma serraria que
era do japonês, do seu Edson, que era bem ali, ali na curva, lá. Aí tinha um
barracão e eu pedi o barracão para ele. Aí de lá eu vinha trabalhar por aqui,
muito bem. A senhora acredita, porque o pessoal aí sabe, o Samuel sabe tam-
bém, eu fretei um carro, vendi umas galinhas para trabalhar, me virei por aqui
com serviço de pedreiro, sabe, aí ajeitei dinheiro. Duzentos e cinqüenta. Eu sei
que eu estava com tanta vontade, que o cara foi longe. Saiu por duzentos, e eu
não sei o que eu ainda dei, mais um pato e um ventilador, que era até presente
que tinham me dado. Para chegar nessa colônia..., aqui era mata, tudo mato.
Eu vim e até hoje estou aqui. Eu vim com cachorro, galinha, pato, o escambau.
Essas plantas daqui tudinho, essa plantação veio tudo. Hoje está tudo dando
fruta mas veio de lá ensacolado. Aí a gente chegou aqui, fez uma barraqui-
nha coberta de piririma, que dá umas palhazinha. Eu com o mínimo né, aí as
plantinhas ficavam tudo lá. Aí tem café, cupu (cupuaçu), paiura, abacate. Tudo
eu trouxe ensacolado. Ensacolei lá em Santarém, no quintal. Trouxe tudo en-
sacoladinho, já tudo desse tamanho, era!. E graças a Deus até agora tudo está
dando certo.
Eu sempre gostei de colônia, meu pai era agricultor. Mas foi um sofrimento eu
doente! Foi um sofrimento mesmo! Era uma hérnia que eu tinha. Eu fui opera-
do e não deixei nem terminar o resguardo. Eu vim embora. E até hoje eu estou
aqui. Eu tive doze filhos, quer dizer, a mulher que teve doze filhos. Tem três
mortos. Eles morreram de doença pegada mesmo. Doença do ar, doença pe-
gada, doença dessas que a pessoa fica... É aquela doença tão rápida que pega
tipo vento, que às vezes não tem nem cura. E ai morreu rápido. Muita gente
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 77

aqui entende como convulsão. Ele começa a tremer, a doença dá de tremer, vai
se entortando todinho, se tremendo todo. Foi essa doença que pegou no meu
filho, não teve jeito. Sei que ele morreu desse jeito. E dois morreram mesmo
no nascimento. Nasceram, depois morreram. Um já estava com um ano e seis
meses, quando ele morreu. Nós andávamos para todo canto mesmo, ai não
teve jeito! Mas Deus sabe, Deus tirou, ele sabe por que né? Aí ficaram vivos
nove filhos. Os filhos agora estão espalhados. Tem um em Seminário, outros
em Juruti trabalhando, tudo com família. Em Alenquer. Está tudo espalhado.
Mas está tudo com família. Eles trabalham em obra de casa. Tudo pedreiro.
Todos eles. E tem filha. Agora eu não estou lembrado quantas. Uma tem qua-
tro filhos, a outra... tem duas. O Marcos parece que tem agora uns quatro anos.
Tem a Sara, tem aquele menino maior, tem o Sandro, três, quatro... Eu nem sei
o nome daqueles meninos! Eu sei que tem uma pancada de preto, vixi Maria!
Raimunda: – De filhas nós tivemos a Nega, tem a Ivete, tem a Lucia e tem a Luci-
mar. Quatro. Elas estão espalhadas também. Uma mora em Alenquer. Não, duas
moram em Alenquer. Marlene e Ivete.
Raimundo: – Tem a de criação também. É minha cunhada, irmã dela. Aí ela me
chama de pai.
Raimunda: – Aí, deixa eu ver! Outras que estão espalhadas. Uma é a mãe desses
dois meninos. Ela veio só para entregar eles para a gente, né. E eu dei graças
a Deus, porque, se não, nós estávamos perdidos. Porque sem ter um neto, aqui
dentro de casa para morar com a gente! Eles (os não parentes) vão aprontar
certas coisas que a gente fica meio com medo. E um neto não, né, porque é o
sangue da gente. Se ele aprontar até a gente dissimula, porque é neto, né. Mas o
de fora assim, é meio ralado, né. Ela (a mãe) deixou esses filhos com a gente, não
vou enganar né. Ela bebia muito. Eles mesmos contaram aqui para nós.
Raimundo: – Eu dei graças a Deus de trazer eles para cá. Ela mora lá no garim-
po. Eles eram pequenos. Aí eu criei, fui ajeitando devagar, dando estudo, mui-
to bem, e até hoje estão com a gente. E ela nem sei se continua trabalhando no
garimpo. Nunca mais essa menina ligou, nunca mais! Já vai fazer o quê? Uns
sete anos. Nunca mais deu notícia. Nem sei se está viva!
Raimunda: – E eu dou graças a Deus que ela trouxe os meninos, porque, se acon-
tecesse alguma coisa, esses meninos iam ficar jogados, porque não sabiam nem
o nome de onde a gente morava.
Raimundo: Eu perguntei: – Tua mãe, lá no garimpo, ensinava, dava o meu nome,
dizia adonde a gente morava? - Não vô. Tudo isso ela precisava chamar a aten-
ção deles, né, para falar:- Oh, o avô de vocês mora na cidade de Alenquer. Se
alguma coisa acontecesse, pegava o barco e aplicava no rumo de lá. E procura-
va, até que encontrava, né? Mas não, ela não fez isso e até hoje ninguém sabe o
roteiro dela, nunca mais ligou. Esses meninos, agora eles estão estudando aqui.
– Da outra vez que eu vim aqui havia um outro que estava fazendo farinha..., era o
mais velho. Ele disse para mim que tinha ido estudar, mas não gostou de ficar estu-
78 Delma Pessanha Neves

dando, porque a memória dele não era boa e aí ele voltou. Mas agora ele saiu por
quê?
Raimundo: – Ele saiu porque teve uma confusão aqui com camarada, e para
desfazer, eu mandei ele para banda dos tios dele. E aí aconteceu esse negócio,
ele foi mandado para Alenquer, para casa de uma tia dele. Mas ele está que-
rendo voltar para cá. Eu disse para dar mais tempo, para ver o que resolve
desse negócio aí, que eu não quero mais ver confusão. Eu não sei direito o que
houve, mas diz que ele foi atentar com a mulher dos caras aí, e o cara foi atrás
dele prometendo tiro. Fui falar com ele (o neto), aí ele me contou a verdade,
para mim, né?: – Vô eu errei assim, assim. - Está bom, eu dei razão para o ho-
mem da mulher. Dei razão para ele. Aí o camarada prometeu tiro para ele. Ele
não queria ir daqui, ele queria ficar aqui comigo na roça, me ajudando, mas
aí eu fiquei com medo, fiquei mesmo, dele dar uns tiros. Aí olha eu enrasca-
do com a mulher: - É isso realmente que eu digo, chegou lá e está dando um
tempo para vir. Ele está trabalhando, ajudando lá. Agora só ficou esse para me
ajudar. Só o menino. Nas horas vagas, porque eu não posso tirar ele da escola,
de jeito nenhum, tem que estudar.
– E o que vocês ainda estão produzindo?
Raimundo: – Estamos plantando aí. Eu quero colocar um trabalhador. Eu sou
aposentado e ela também. Eu tiro do meu dinheiro do aposento para pagar tra-
balhador, que é para a coisa ir para frente aqui. Não tiro tudo da despesa da
casa. Às vezes compra uma coisa para plantação e a gente vai levando a vida.
E quando chega o tempo da farinha, eu já estou com, acho que umas oito ou
dez tarefas de roça aí, quase madura. Eu estou plantando mais para cá, para
adiantar mais a quadra. E lá na beirada tem uma ponta, que eu quero ver se eu
meto macaxeira por lá. Milho, macaxeira, essas coisas. Muitos daqui, do tempo
que eu entrei para cá, pode olhar, as casas estão no mato, no mato! É isso aí que
eu fico pensativo de ver uma coisa dessa aí. Tiveram dois velhos aqui, que todo
mundo viu, porque já veio um bocado de gente lá do INCRA, eles já vieram por
aqui, já firmaram por aqui, fizeram tudo que tinha para fazer. E ainda disse as-
sim: - É seu Raimundo, o senhor e a sua senhora, dois velhos, fazem uma coisa
dessa aqui! Eu tinha muita vontade de ver aqui crescendo, coisa que mais novo
que vocês não tem. Teve gente que nem a terra quis, porque disse que era ruim.
Foi só os sem-terra chegarem que saíram as casas de alvenaria, outras coisas. E
os outros que estão aqui, cadê essas casas de alvenaria? Cadê a minha? Então
é aí que eu fico incabulado, aí é que o governo devia enxergar uma coisa dessa!
Para vender, só quando eu desmancho a farinha. Mesmo sem o neto maior, nós
mesmos fazemos. Eu ainda garanto a farinha. E às vezes eu pago um para ajudar
a torrar no fogo. O resto, lavar, descascar, eu ainda faço.
Raimunda: – Farinha. Por enquanto é farinha. As outras coisas ainda...
Raimundo: – Não deram. Só a mulher que vende urucum, castanha de caju,
que está até aí ensacolado, um bocado aí. Tem outro para ensacolar de novo.
– E vende para quem essa castanha?
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 79

Raimunda: – Lá naquele Mercadão 2.000. Leva no carro daqui, o ônibus. Aí é só


botar no ônibus. Nós vamos e nós mesmos vendemos. Nós vamos juntos com a
carga, com tudo.
– Mas olha que gente corajosa! Quer dizer que a senhora está juntando castanha-de-
-caju para ir lá vender?
Raimunda: – É, castanha, urucum. É só o que tem por enquanto. Aí chega lá e vai
vender. O cara já vai pegar lá, ver o peso, pagar a gente e depois a gente volta.
Raimundo: – Aí lá eu aproveito esse dinheiro para comprar as coisas que pre-
ciso na cidade. Compro o que tem no dia para comprar...: carne, açúcar, sabão,
óleo. Aqui não dá para comprar, tem que ser tudo na cidade: bombril, sal...
Raimunda: E esse ano, se derem as cargas de cupuaçu, eu vou começar a fazer
a poupa. Eles contratam a carga na cidade e, quando chegar no mês marcado,
já vai certinho. Vai daqui certinho, congelado.
Raimundo: Eu estou querendo dar um jeito de comprar uma freezer. Tenho só
geladeira, mas não dá. No tempo que for colher, eu vou comprar uma freezer.
Aí vamos dizer, não tem esse isopor grande? Então compra uns dois grandes
e encaixota assim, bota no isopor, aí na hora que sair daqui com o carro e
embarcar tudo nele, tira o gelo da freezer e coloca dentro. Vai chegar lá, oh!
Raimunda: - Vamos fazer com o cupuaçu, deixa eu ver..., carambola, mas ainda
não dá porque é pouco, né. Ata (pinha) também vai dar. Cupuaçu é bom, por-
que já está grande, é só quebrar ele, né. Manga. Isso aí é só para comer mesmo,
porque não dá jeito mesmo, lá já tem uma porção. Tem o urucum, vende lá na
cidade: a semente. Tira, seca e vende.
Raimundo: - Para a cidade levamos a farinha, o urucum, limão, colorau e cas-
tanha de caju.
Raimunda: - Galinha não vende não. O ovo também não. O ovo só dá para nós
aqui. Os bichos comem. Não dá para aumentar as galinhas. Isso me dá o maior
desgosto desse lugar. O gavião dá demais, menina! O gavião, o gato e a iara co-
mem. As bichas atacam pelo toco, mas atacam mesmo de ficar quase dentro de
casa! - Ah imã, lá em casa tinham umas galinhas tão bonitas, picotes (galinha
d´Angola), todas gordas, mas os bichos comeram tudinho. Sumiram dois picotes
por causa dos bichos. Peru eu tinha três, mas acabou morrendo tudo. Ninguém
sabe se foi cobra que mordeu. Cada peru grande! Eles dormem trepados aí. Mas
aqui no galinheiro, nunca mexeu. O bicho só pega os que se metem por dentro
da capoeira, dos matos. Não tem condição de cercar..., os bichos tem que andar
mesmo.
Raimundo: - Perdi três perus. E galinha não tem quem conte! Frango, tem
um bocado de pinto aí, não sei se vai para frente não. Só tem três daquelas
galinhas que a gente comprou na cidade. Compramos vinte pintos por duas
vezes. Outra vez compramos doze, mas tem três galinhas, dessas galinhas que
a gente comprou na cidade. As bichas são lindas, só vendo! Daquela verme-
lhinha, da carijó, mas só vendo, o bicho come mesmo, come, come, come. Só
80 Delma Pessanha Neves

ficaram essas três. Das comuns ainda tem. Hoje eu estava contando, só tem
cinco galinhas, só cinco. Uma com três pintos, outra com dois e outra com
quatro. O gavião dá de pau menina! Só tu vendo o jeito! Comem de dia. De dia!
A gente sai com a vassoura, vem meu marido e sai com a espingarda atrás,
para um poquinho. Ele atira, mas não pega, né. É só para assustar mesmo.
Passa um, dois, três dias, uma semana, três, quatro, aí aquieta mais um pouco.
Ali, passou daquele dia, aquele período ali, logo vem de novo. Aí eu sei que,
do meio para o fim, acabam os outros pintos. Raimunda: Agora eu estou com
todas chocas, aí eu estava dizendo para ele: - Bem, vamos fazer uns negócios
para a gente fazer um cercado, para nós cercarmos as galinhas, porque criar
bicho assim solto não tem condição. A gente não pode nem arrumar para uma
pessoa que vem aqui ver a gente, ou se a gente se engraça com a pessoa e
quer dar uma galinha ou um frango de presente. Não tem nem um ovo para
a gente comer. Aí a gente tem que comprar uma tela. Daí vamos ver o que a
gente vai ter que fazer, aí eu vou fazer um cercado para criar um porco. Ele
quer fazer assim tipo um galpãozinho né, para elas ficarem dentro, porque aí,
sendo tampado por cima, o gavião não entra para matar elas lá dentro. Eu sei
que mulher do céu, é o maior sufoco aqui em casa para a gente criar. É desse
jeito. Aí ele diz: - Não filha, tenha paciência que eu vou ver como vai ficar ai. Aí
eu vou fazer, deixa ver quando vai sair a nossa casa do INCRA, que aí eu faço
perto de casa. Daí de casa tu já joga ração dentro, porque eles estando com
muita comida, eles não saem, não tem para onde ir. Então eu digo: - Pois então
deixa eu ver se ele..., aí ele está pensando assim, né: se sair a casa, dizem que
nós já estamos em RB, que eu já estou em RB porque o terreno está no meu
nome, porque ele trabalha empregado. Quando sair um serviço para ele, ou
ele arrumar um serviço, ai ele vai e eu fico aqui sozinha.28

Acrescento a apresentação de mais um caso, cuja entrevista, construída


na transversalidade geracional, permite apreender as diferentes formas de
composição e dispersão da população residente em Santarém. Por ela con-
sidero deslocamentos físicos e sociais de um casal cuja experiência inicial de
vida se dá em áreas de cultivo agrícola, todavia motivado a se transferir em
busca de recursos institucionais de ensino para os filhos. Cumprida essa mis-
são como pais, investem na volta para a atividade agrícola mediante aquisição
de sítio em Projeto de Assentamento no próprio município.

Manoel Rocha (74 anos) e Isabel Souza Rocha (72 anos).


Isabel: Vou completar 72 anos agora, no dia vinte e dois de novembro. Eu nas-
ci na colônia mesmo, igual aqui mesmo, mas agora lá está diferente. Desde os
seis anos de idade que eu trabalho na roça. Meus pais tinham um terreno lá.
O terreno do meu pai era pequeno. Esse terreno, meu pai comprou. Plantava
milho, mandioca, plantava arroz, feijão..., maxixe, melancia, jerimum. Meu
pai era filho de cearenses e minha mãe era índia, era descendente de índio.

28
Entrevista realizada e reeditada por Delma Pessanha Neves, em junho de 2011.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 81

Meu pai era rio-grandense com cearense. Mistura de rio-grandense com ce-
arense. Mas eu acho que ele nasceu na vinda para o Pará. Eu não sei dizer
porque ele veio para cá. Eu nasci aqui. Eu tinha doze irmãos. Eram cinco ho-
mens e sete mulheres. O mais velho já morreu, a quarta também morreu. Eu
só tenho um irmão em Manaus, tenho um em Tabocal e tenho um irmão que
mora aqui também, no assentamento: José Oliveira. A outra mora na cidade
também, em Santarém. Eu tive quatro filhos e criei mais um. Têm cinco. Meus
filhos estão... O mais velho mora em Santarém, o segundo mora em Porto
Velho, a terceira mora em Tapajós, ela é professora, o mais novo morreu. Esse
que foi para Porto Velho... é o segundo. Ele trabalha para lá, casou para lá e
trabalha para lá. Ele foi para lá para arranjar trabalho. Ele já tinha uns vinte
e dois anos. Ele é motorista, numa firma de construção de estrada. Tem uma
em Tapajós que é professora. Tapajós fica aí na banda do..., na beirada do rio
Amazonas. É perto de Santarém. O filho de criação está em Manaus. Ele tra-
balha em firma assim de armazém. Ele me ligou e disse que trabalhava num
armazém. Depois que ele foi, nunca mais ele veio. Depois que ele foi embora,
nunca mais veio. Eu também nunca fui lá. Então faz muito tempo que eu não
vejo os meus filhos. Mais de dez anos, mais ou menos. O que está em Porto
Velho vai fazer quatorze anos que não vejo ele. Eu é que ligo, mas o velho não
desgruda para ir. Ele não sai, ele gosta de ficar em casa. Antes de vir para
cá, nós estávamos em Santarém. Ele (o esposo) trabalhava de construção, de
pedreiro. Eu vendia em banquinha, tacacá, churrasco... para complementar a
renda. Tinha venda em casa, tinha no colégio, quando era tempo dos arraiais,
ai vendia nos arraiais.
Estou aqui há oito anos. Vim para cá por causa dele. O bicho do mato é ele, que-
ria vir trabalhar na colônia. Eu dizia: - Já passou do tempo, rapaz. Ele foi com o
INCRA e conseguiu o lote. Aqui tem tudo que eu já plantei, tem açaí, tem manga,
tem tudo. Olha aquele pé de manga! Açaí, melancia, manga, jaca, graviola...!
Jenipapo. Tudo eu plantei. Essa mangueira aqui eu plantei.
Manoel – Eu vim para cá em 2002, em cinco de agosto de dois mil e dois. Cons-
trução não dá resultado, eu já estou velho. Primeiro eu vim só. Eu fiz duas ca-
sas de farinha, essa aí, a grande. Ela acostumou aqui e não quis mais ir embora.
Isabel: Eu quero voltar (risos), mas ele não quer.
Manoel: Ela gosta, ela tira tapioca para vender.
Isabel : Eu vendo lá no mercado, em Santarém. Eu vou amanhã. Amanhã é sex-
ta. A gente dorme na casa da minha neta, ela está lá na nossa casa. É perto da
Faculdade, lá na Agripino de Matos, onde tem a antena de celular.
Vendo a farinha no Mercadão. Vamos os dois juntos. Todo mês a gente vai, ele
vai receber..., eu não, por ruindade do INSS. Eles falam que é porque eu sou ca-
sada no civil. É por causa do sindicato. Nasci na colônia, fui criada na colônia,
estou na colônia.
Manoel: Eles falam que é porque ela é casada, o meu salário da para mim e
para ela. Casada no civil.
82 Delma Pessanha Neves

Isabel: Eu pago o sindicato, pago a Associação.


Se ela não tem direito à aposentadoria, por que ela está pagando ao sindicato?
Isabel: Pois é, tem uma senhora lá no centro que falou: – D. Isabel, a senhora
não tem mais direito de pagar sindicato, porque a senhora não foi beneficiada
e mesmo a mulher só pode pagar até cinquenta e cinco anos. Se aposentou, não
paga mais. Mas aí eu levei uns papeis para lá, falei com o delegado do sindicato.
Ele falou que só podia dar se eu pagasse até o resto do ano, eu paguei todinho o
resto do ano. O delegado daqui é o Maurinho. Eu paguei e levei os papeis para lá.
O rapaz de lá não resolveu ainda. Está lá, dia vinte é para eu passar lá.
A senhora tem que ver, porque já era para a senhora estar aposentada há muito tem-
po. A senhora tem que ter nota que vai para o mercado para vender as coisas, para
provar que é agricultora, inclusive que ainda está trabalhando. – É uma vez só no mês
que a senhora vai lá vender?
Isabel: É. Vende a farinha, vende a goma. Só. Nós nunca vendemos arroz. A gente
faz arroz só para despesa mesmo. Milho também é para despesa, feijão também.
Manoel: Tem um filho mais velho que vem aqui para ajudar..., mas ele não
vive aqui porque é empregado. Ele vem e leva umas coisinhas para ele. Leva,
ajuda... Ajuda a fazer farinha..., arrancar mandioca, carregar.
Isabel: Ele trabalha lá na Mistura Brasileira. Lá perto da Caixa Econômica, um
restaurante que tem. Ele é churrasqueiro lá.
Manoel: Uma vez por mês nós dois saímos daqui e vamos no ônibus... Vamos
num dia e voltamos no outro.
Isabel: Na hora de fazer farinha, os dois fazem. Se quiser fazer um saco ou dois,
a gente faz.
Manoel: Nós chegamos e a terra era cheia de árvore assim... Era só mata. Era
mata virgem. Tiramos dez hectares. Aqui foi tudo eu que plantei. Logo fize-
mos oito tarefas. A primeira vez que limpei foi para oito tarefas. Dormimos
dois anos embaixo de plástico. Onze noites a onça vinha, ela ia na beira do
igarapé e voltava.
Isabel: Isso na lona. Na lona coberta, não era cercada não. Eu tinha medo da
onça, mas medo não mata ninguém. Saudade não mata ninguém, medo não
mata ninguém, amor também não mata ninguém.
Manoel: Eu não queira mais ficar em Santarém... Eu queria vender e vir para
cá. A casinha que tem lá, mas eu disse para deixar lá, porque às vezes a gente
vai... A minha neta mais velha, eu criei ela, ela agora mora lá. Ela tem três
meninas. - Sabe o que é? Às vezes, quando a gente vai ficando mais velho,
vai aparecendo umas doenças e que não pode ficar aqui. Pode ser minha e
pode ser dela. É melhor deixar a casinha lá. Vender para trabalhar mais na
terra? Já está bom o que fizemos aqui. Eu tenho uma dor nesse joelho daqui,
jogando bola, e dói todo tempo. Em médico eu não vou, tomei remédio só
para malária.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 83

Eu nasci no Ceará. Nem me lembro mais o nome. Município de Aracoiaba.


Saí de lá com vinte e dois anos, porque eu tinha vontade, eu queria mesmo
era ir para Minas Gerais. Eu não fui porque cheguei aqui e me agradei. Ela
me pegou. Não me atrapalhou, ela me amparou. Eu gostei dela e casei com
ela. Até hoje não nos largamos. Não, nós nunca dormimos uma noite briga-
dos. Às vezes tem aquele negócio, mas não é coisa de ficar com raiva não.
Saí do Ceará e vim para Santarém, diretamente. Parei aqui. Passei dois anos,
dois anos não, um ano e..., na época de madeira. Tirando madeira, fazendo
estrada para os Coimbras, pessoas ricas. Eles são paraenses. Gente rica! Eles
exploravam o terreno deles para vender madeira. Quando saí do Ceará não
sabia cortar madeira, mas a gente aprende. Primeiramente nós passamos dez
meses lá. Tombando... Cortando. Lá é castanha, seringa... Lá no Alto Jari. Fiquei
dez meses lá. Depois eu vim para cá, para Santarém. Sai de lá e vim para San-
tarém, porque foi destino, queria viajar. Deu na cabeça. Conheci ela, conversei
com ela e de lá para cá nunca mais nos afastamos.
Isabel: A gente se conheceu dentro de um carro. Eu vinha para Santarém e ele
também vinha para casa de um conhecido dele. Aí ele desceu antes de mim, eu
desci depois, nós nos encontramos... Eu encontrei com a minha mãe, eu ia junto
com a minha mãe, aí eu encontrei ele e outro rapaz. Eles pararam, conversa-
ram, perguntaram onde ia ter festa, minha mãe falou, né? Eles perguntaram se
nós íamos, ela respondeu que sim. Nós fomos e lá na festa nos conhecemos. Eu vi
quando ele passou... Aí, fui trabalhar em roça.
Manoel: Nós fomos para cidade porque naquele tempo acabou o estudo dos
meninos e eles queriam estudar.
Isabel: Acabou o primário. Depois que nós estávamos lá que na colônia surgiu o
estudo que eles precisavam.
Manoel: Eu comprei um terreno na colônia. Era pequeno. Dava para ir esca-
pando. Aqui é grande, mas a gente só tem direito a vinte e cinco por cento. No
final nós estamos tomando conta de mato. Não pode caçar, não pode derrubar...
Isabel: Não pode colocar cachorro no mato, não pode caçar, não pode tirar ma-
deira. Então para quê a terra? Só para pagar imposto?
Manoel: Só para pagar imposto, essas coisas.
Isabel: Só dentro dos vinte e cinco por cento.
Manoel: Se for mais de vinte ainda paga multa. Oitenta por cento ninguém pode
tocar. Eles querem fazer um empréstimo para a gente, mas eu não quis. Estou
muito velho para ficar devendo. Eu já estou devendo, depois eu fico velho e não
posso pagar, aí fica com o nome na história e o povo falando. É o PRONAF.
Isabel: Domingo tem reunião sobre o manejo. Para tirar madeira dá uns cinco,
quatro mil... de dinheiro, dá para ir mantendo, né?
Manoel: O importante é estar com saúde, vivendo do jeito que gosta... As duas
bisnetas só estão esperando terminar aqui... Vão morar aqui. A família ficou
84 Delma Pessanha Neves

no Ceará. Minha mãe já morreu, meu pai já morreu, morreram dois irmãos.
Eu já voltei lá duas vezes.
Isabel: Quando a mãe dele e o pai dele eram vivos. Eles não vieram aqui, só veio
um irmão, esse já morreu. Ele tem uma irmã que mora em Santarém também.
Manoel: A vida é assim, cada um viaja para um lado. No Rio de Janeiro acon-
tece tanta coisa e eles não procuram um destino assim, como cearense faz.
Cearense procura destino. Cearense vai para o Rio, vai para São Paulo, Minas
Gerais, Pará, Amazônia, não é? Cearense vai... Primeira coisa vai para o Mara-
nhão, vai e passa uns tempos.
Isabel: Aqui plantamos mandioca, arroz, feijão, milho. Nós dois trabalhamos
fazendo alguma coisa, mas precisamos pagar para alguém..., principalmente
derrubada, que é mais pesada.
Hoje, como é a vida de vocês? O senhor acorda que horas?
Isabel: Isso eu brigo muito, ele acorda quatro horas. Para fazer café, escutar a
pregação do pastor, tem uns crentes que falam muito bem. Depois que faz o café...
Manoel: Aí tomamos o café e vamos para roça. Ela me acompanha. Capina...
Coivara, hoje mesmo, fizemos uma coivara... Na coivara faz um monte de mato
e taca fogo. Ficamos até umas dez horas. Depois fomos para casa, tomamos
banho e almoçamos.
Isabel: Eu faço a comida. E ele fica esperando para limpar a casa, eu também
limpo, meio dia, de manhã, de tarde...
É a casa mais bonita por aqui, das que eu já vi, tem um lindo jardim!
Manoel: É ela que planta e eu arrumo, quando não chove. Eu ajudo. Para mim
mulher é tudo, para mim ela é positiva. Para ajudar na roça..., para tudo, para
fazer o almoço, para ajudar na roça, regar as plantas... Eu faço serviço de casa
quando ela não está, está para cidade, eu faço. Varro a casa, varro quintal, faço
comida, sei fazer arroz, feijão, faço baião de dois.
E quando ele não está, o que a senhora faz?
Isabel: De primeiro eu ficava, agora ele não deixa eu ficar mais não.
Manoel: Porque o povo fala muito, deixar a mulher só. Mas não dá para deixar
a pobrezinha... Então eu carrego.
Faz bem porque estão os dois juntos, acostumadinhos um com o outro. Quer dizer
que fizeram cinquenta anos de casados e não fizeram festa com os filhos que estão
por aqui?
Manoel: Nós estamos com cinquenta e dois anos de casado.
Isabel: Fiz um bolo.
Manoel: Não gosto de bolo, bolo confeitado, doce. Para chamar minha famí-
lia!? A minha família no Ceará ficou, eles não quiseram vir. Ficaram empre-
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 85

gados. Estão todos aposentados. Um já morreu, era aposentado; o outro, que


já veio aqui, era aposentado e já morreu. Lá tem muita seca, mas eu nunca
peguei seca lá não. Eu vim em cinquenta e seis. Eu não vim por causa de seca.
Vim porque queria conhecer o mundo. Quando eu me peguei, eu ainda estava
com três contos e setecentos. Eu saí de lá com doze contos e cento e setenta.
Juntei esse dinheiro plantando roça, fazendo farinha e guardando. Eu já tinha
plano em viajar para cá.
Isabel: Aqui plantamos cana, plantamos milho. Plantamos tudo na lavoura,
tudo em lavoura.
Manoel: Eu chamo para derrubar, para brocar, capinar... Vinte contos uma di-
ária. Com tudo, com almoço e com merenda. Ele chega sete horas, mas quatro
e meia já quer largar. Aí tem que dar o almoço..., a merenda. A merenda é nove
horas e o almoço onze horas. Quando é quatro e meia larga. O almoço tem que
ser feijão com jabá ou carne, não é puro. A merenda é café, bolacha, depois vai
farinha e arroz. (interrompida a transcrição tendo em vista os objetivos da
inclusão do texto neste capítulo).29
Neste último caso demonstrado, a seleção ocorreu devido à experiên-
cia de vida mais centralizada na sede do município, embora o esposo tivesse
permanecido em atividade agrícola e comercial em sítio às margens do rio
Tapajós. Por ele também fica exemplificado o enorme empenho dos pais no
sentido de dotar os filhos de maior nível de instrução, esforço despendido no
decorrer de duas gerações, da mãe e da filha.

Elsa Araújo, mãe, 70 anos (nascida em 1941), Elsanira, filha, 40 anos e


José Maria, genro, 59 anos.
Elsa: Eu nasci numa comunidade por nome Água Preta. É um sítio. Interior aí.
Fica para cá, para a banda do Tapajós. Fica meio próximo daqui de Santarém.
Não fica muito longe não. Eu fiquei lá até quando eu estava mesmo jovem e
que vim para cá para Santarém estudar. Com uns 12 anos, mais ou menos, eu
vim para cá para estudar. Aí eu fiquei aqui mesmo. Estudando, estudando, até
que com 21 anos eu me casei. Aí voltei novamente para o sítio, a morar para
lá, porque o meu esposo era filho de lá mesmo. Morei por lá uns anos. Não me
lembro nem quantos anos eu morei por lá. Quando os meus filhos começaram
a ficar já grandinhos para estudar, lá não tinha escola. Nesse tempo que eu
morava lá não tinha escola. Aí depois eu vim embora para Santarém. Aí pron-
to, me localizei aqui e aqui estou. [risos]
Por lá, a gente vivia de agricultura, de pesca, de pecuária. O meu pai criava gado,
o meu marido era pecuarista, entendeu? Ele tinha uns gados, tinha barco, tinha
taberna. O papai, ele não criava nada. Era dono de taberna só e também tra-
balhava na roça, fazendo roçado. Plantava juta, antigamente se plantava muita
juta. Eu trabalhava muito em juta também. Lavava a juta que só! E capinava tam-

29
Entrevista realizada (em junho de 2011) e reeditada por Delma Pessanha Neves.
86 Delma Pessanha Neves

bém o roçado de juta. Tudo isso eu fazia quando eu morava com os meus pais,
solteira. Quando eu estava jovem fazia essas coisas. Esses trabalhos de roça eu
fazia muito com a minha mãe. Depois que eu me casei não fiz mais isso não. Já
fiquei só dentro de casa, tomando conta de casa. Casar foi muita vantagem! [ri-
sos] Pelo menos o trabalho mais pesado...! Nessa época, a juta não dava na água
não, era roçado, porque ela dá, mas só quando está seco, sabe? Quando é verão.
Tem a época de plantar a juta. Eu não lembro mais quando é que eles plantavam.
Depois que amadurece é que vai para a água. No igarapé, quando tinha por lá
igarapé, levava para lá. Agora não tem mais igarapé lá não, agora acabou esse
negócio. A juta também acabou tudo. Não tem mais nada dessas coisas. O pes-
soal lá agora vive de pesca, alguns de gado e outros vivem de taberna. Umas ta-
berninhas por lá, mas a maioria é pescaria. É pescador, são pescadores mesmos.
O pessoal comprava as coisas aqui em Santarém e levava para lá para vender.
Minha família é toda nascida por lá. Eram todos nascidos lá. A família do meu
pai eu sei, mas do meu marido eu não sei nem por onde nasceram. Eu não
tenho bem conhecimento nisso, sabe? Sei que ele era filho de português. Não
sei como foi para surgir esse troço para lá. Não sei de onde ele veio não. Agora
os meus pais eram de lá mesmo. Pai e mãe.
Quando eu vim para cá com 12 anos (1953), os meus pais ficaram morando lá
mesmo no sítio. Eu que vinha, aí eu morava com quem, meu Deus? Não, minto.
Quando eu vim para estudar a minha mãe veio também. Veio já morar aqui
para poder tomar conta da gente. O meu pai vivia para lá, tinha a taberna, ti-
nha um barquinho e vinha de lá para cá, daqui para lá. Vivia assim nesse ramo,
vendendo as coisas, comprando e levando para lá. E a mamãe aqui com a gen-
te. Tomando conta da gente e nós estudando. A gente morava bem aí na rua
Dois de Junho. A nossa casa era lá, a casa da minha mãe. Até hoje ainda tem
lá a casa. Só quem mora lá é meu filho, que toma conta da casa, porque essa
casa daí, depois que a mamãe morreu, uma irmã minha que mora na Bahia é
dona dessa casa aí, entendeu? Quando a mamãe era viva, os meus pais eram
vivos, eles construiram essa casa e deram para eles tomarem conta até eles
morrerem. Aí depois que eles morreram, todos dois, aí é dela (irmã) a casa. É
Diva o nome dela, a casa é dela, sabe? E agora quem está tomando conta é meu
filho. Meu filho ficou tomando conta dela porque ela mora lá em Salvador e
não tinha quem tomasse conta aqui para ela. E mesmo porque esse meu filho
ele gosta muito de... Ele cozinha muito, ele faz muito bolo. Tudo quanto é tipo
de comida ele sabe fazer. Todo tipo de bolo, doce, essas coisas todas ele sabe
fazer. Então ele prefere morar sozinho. Sempre morou sozinho. Ele morou
seis anos em São Paulo. Ele morou não sei quantos anos no Rio. Depois foi em
Fortaleza. Sempre ele gostava de morar sozinho. Aí por lá ele aprendeu a fazer
essas comidas dele. Aí depois que veio para cá, ele morou, estava comigo, aí
depois ele queria sair de casa. Até que ele encontrou essa casa que a minha
irmã deu para ele tomar conta e está para lá tomando conta. É bem perto da-
qui. Não é muito longe não. As comidas ele faz por encomenda. É buffet.
Nós éramos sete irmãos, aqui em Santarém tem um, dois, três, tem três, qua-
tro. Tem uma em Salvador e a outra em Macapá. São quatro que moram nes-
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 87

sa região aqui. Aqui em Santarém e também no sítio. Tem uma que mora no
sítio. Sempre ela vem aqui. Ela tem casa aqui e tem lá. Aí ficaram essas duas
para lá e ficaram os quatro aqui e mais um irmão que também mora aqui. Dos
que ficaram lá , todos continuaram na agricultura. Os que moram aqui, uma é
dona de uma escola, escola particular. A outra é aposentada, ela não trabalha
porque ela tem problema de vista. A outra é aposentada, essa que mora em
Macapá, por tempo de trabalho. Ela se aposentou porque ela era professora
lá em Macapá. Ela trabalhou mais de não sei quantos anos e se aposentou
por tempo de trabalho. Aí essa minha irmã, a Diva, ela não trabalha assim em
loja, essas coisas assim, porque o marido dela é militar, tem condições, ele é
aposentado e ainda é professor da faculdade. Ganha uma boa grana. Então as
filhas também todas trabalham, ganham e se sustentam. Ela vive assim, da
ajuda do marido, sabe? O que ela também vende muito é bijuteria por lá. Ela
vende muito essas coisas. Tudo isso vai ajudando a ela.
Sou a mais velha. Meu irmão que mora aqui também, ele também não tra-
balha. Ele é aposentado também. Não tem nenhum trabalho, entendeu? Ele
trabalhava aqui na Conab, quando tinha a Conab aí. No tempo que era Cobal.
Chamava Cobal e depois passou a Conab, aí trabalhava aí. Depois ele saiu por-
que foi aposentado por tempo de trabalho. Dos homens, nenhum ficou para
trabalhar na agricultura. Melhor, só tem um homem irmão. Só um. E as mulhe-
res são agricultoras, mas por causa dos maridos.
Quando meu pai saiu de lá do sítio, definitivamente, para vir morar aqui, ele
estava com a idade de se aposentar. Depois que ele se aposentou, veio embo-
ra para aqui para Santarém. Ele também estava muito doente, ele se operou
de hérnia, depois operou da vista. Aí pronto, não pôde trabalhar em nada
mais. Só ficou mesmo aqui em casa. A mamãe também era bem velhinha.
Oitenta e seis anos. Ela morreu com 86 anos. Vai fazer acho que quatro anos
que ela morreu.
Depois que eu me casei, eu morei no sítio, mas vim para cá quando era para
os meus filhos estudarem. Aí me localizei ali. Bem ali a minha casa. Aí eu estou
até hoje. Moro aí, meu Deus, tem 30 anos, tem 40 anos. Eu estou com 40 anos
que eu moro aí. Eu só me mudei daí dois anos e meio, mais ou menos, para
construir a minha casa, aí eu tive que me mudar lá para a Dois de Junho para
construir aí. Depois voltei para aí de novo e aí estou. Com 40 anos aí, eu acho,
que eu moro nesse lugar.
Esse bairro (Laguinho) era muito pobre, era muito humilde, sabe? Era bem
calmo. Essa Vera Paz aqui era só mato, sabe? Muito mato. Essa 24 (...), ali onde
é o IBAMA, era um matagal, aliás, um rio, sabe? Era tudo cheio de água. Os
barquinhos encostavam tudo aí. Não tinha nada de casas, entendeu? Só era
um rio aí e mato na frente. Era bem humilde mesmo. Não tinha movimento
nenhum. As ruas só eram estradinhas por ali. Por isso que chamavam de La-
guinho, porque tinha lago lá. Era um lago enorme que tinha lá. Nessa 24, bem
aqui nessa 24, bem no meio entre a Antonio Justus para cá, era um lago bem
no meio. A gente passava em cima de uma ponte. Em cima de uma ponte que
88 Delma Pessanha Neves

a gente andava para poder chegar para cá. Aterraram por causa desse negócio
de asfaltamento, aí foi movimentando a cidade, foi aumentando, aumentando.
Aí endireitaram. Quem vê agora nunca pensa como era! Nem sabe como era!
Essa mudança maior, de asfaltar, já começou há muito tempo, muitos anos!
A cidade de Santarém não estava espalhada não. Ela era bem menor do que
agora, ela cresceu demais. Santarém cresceu demais, demais mesmo! Era bem
menorzinha, sabe? Era bem pequena. Aqui não tinha essa porção de negócio.
O que tinha de negócio aqui? Era só ir ali no mercado. Não era Mercadão não.
Chamava Mangueira, nesse tempo: -Vai comprar peixe lá na Mangueira. Era
Mangueira o nome, porque tinha umas mangueiras mesmo lá. Lá que era a
banca de peixes. A gente comprava só lá. Nem taberna não existia para cá.
Agora esse negócio de açougue...! Café não me lembro onde era a taberna meu
Deus, que a gente comprava? Ah, bem lá perto de casa tinha uma taberninha,
lá a gente comprava as coisas. A carne só era no açougue, aí nas mangueiras.
Lá vendia o peixe e a carne. No sítio a gente fabricava, fazia roça, sabe? Já
vinha de lá a farinha. Nessas tabernas vendiam só o que não era produzido
no sítio. A farinha mais vinha do sítio para cá. Macarrão, açúcar, café era da
taberna. Era o que a gente comprava. O resto todo, toda semana o meu marido
trazia, comprava, trazia as coisas para a casa. Comprava e trazia.
Da primeira vez que fiquei na cidade, para estudar, eu fiz até a quinta série
que chamavam. Era muito valorizada. Agora a quinta série não vale mais
nada. Aí eu parei. Na quinta série eu parei por causa do problema na minha
vista, porque eu comecei a sentir problema na vista. Aí não enxergava mais lá
no quadro, era uma dificuldade horrível para enxergar. Aí eu parei de estudar
com 20 anos. Eu estava com 20 anos. Fiquei meio atrasada no estudo por
causa da vista, sabe? Por isso que eu fiquei atrasada. Aí depois eu me aborre-
ci, disse que não queria mais estudar, que não enxergava mais no quadro, aí
parei de estudar. Foi o tempo que eu arrumei já um casamento. Com 21 anos
eu me casei e fui-me embora para o sítio. Já minhas outras irmãs estudaram
mais. Pelo menos essa de professora agora, ela se formou em pedagoga. Ela é
uma pedagoga. Essa que está na Bahia também se formou. Ela terminou o se-
gundo grau, que chamavam, né? Quem terminava o segundo grau estava reali-
zado. Era curso científico. Aí essa outra que está em Macapá também estudou,
se formou para professora. Esse negócio de pedagoga. A outra não estudou
muito não. Essa que mora no sítio não estudou muito não. Não me lembro
nem que série ela estudou. Ela parou de estudar logo cedo. Todas faziam aqui
mesmo em Santarém, o curso normal.
Esses pontinhos de venda de coisas existiam, desde quando eu vim para cá.
Sempre as pessoas venderam coisas na porta assim. Ofereciam as coisas, a
gente comprava. Tinha muita vendinha, sabe? Nessa época não tinha coisa
nenhuma como tem agora. Como a banca da dona Conceição ali, essas coisas
não tinham não. Era a coisa mais difícil! Comida a gente fazia em casa mesmo.
Tacacá não tinha para vender na rua. Se tinha não lembro nem por onde tinha.
Agora, esse hábito de ficar na frente da casa pegando o fresquinho, tudo isso
é muito antigo, né? Isso é muito antigo e a gente ainda está podendo fazer
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 89

isso. Eu mesma é bem difícil vir para frente da casa! Lá na minha casa é muito
difícil passar gente para conversar comigo. Eu sou o tipo de pessoa que não
ando na casa de vizinho, entendeu? E vizinho, se quiser me ver, tem que ir lá
em casa me visitar. [risos] Eu não vou na casa de ninguém. É só de casa para a
congregação, para a igreja. De igreja para casa. E para a casa dos meus paren-
tes, às vezes que eu vou. De 15 em 15 dias, às vezes que eu vou visitar lá a mi-
nha irmã, essa que mora lá. Eles moram aqui na Dois de Junho. Eu tenho uma,
duas, três. São três, quatro famílias que moram só num quintal, sabe? A minha
família é grande. É lá no quintal da casa da mamãe. O quintal é bem grandão,
sabe? Lá formaram as casas e cada um fez a sua casinha lá, de alvenaria. Tem
uma só de madeira, o resto é de alvenaria. Mas quando eu vim para aqui, a
casa era de madeira. Depois que eles fizeram de alvenaria. O papai comprou
primeiro o terreno dele, lá na Dois de Junho. Primeiro ele comprou o terreno.
Era bem grandão. Nessa época os terrenos aqui eram enormes, eram muito
grandes. Olha, esse nosso aqui, ele tinha 20 de frente com 64 de fundos. Esse
meu aí. Era um terreno muito grande e barato. Todos baratos. A gente com-
prava bem baratinho os terrenos. Aí fazia quantas casas quisesse no quintal,
entendeu? O papai deu para cada uma um pedacinho lá para fazer as casas,
entendeu? Para fazer e elas morarem, porque elas não tinham terreno em
outro lugar. E como ele comprou o terreno grande, para cada filho ele deu um
pedaço lá para fazer sua própria casa.
Elsanira: Às vezes eu fico aqui na frente, mas dificilmente chega assim vizinha para
conversar. Fico sozinha, só eu e ele (o esposo). Às vezes a irmã dele. A irmã dele tam-
bém mora aqui, as outras moram longe, mas moram aqui mesmo em Santarém.
A senhora se lembra assim quando, mais ou menos por volta de que ano, e começou
essa parte daqui do bairro a crescer muito?
Elsa: Não, não lembro não. Não estou lembrada não.
Isso aí a Elsanira deve lembrar. Ela veio para cá cedo. – Com que idade o seu bairro
foi ficando chique?
Elsa: Quando o pai dela morreu ela tinha uns nove anos.
Elsanira: Eu estou com 40 anos. Eu acho que há 20 anos esse bairro começou a
crescer. Não, eu acho que foi menos. De uns 10 anos para cá que esse bairro foi
ficando mais agitado, de uns 10 anos para cá.
Ele foi aumentando? Porque tem muitas casas que a gente percebe que são casas
mais antigas, às vezes umas reformadas. Por exemplo, essa casa aí, a gente olhando
externamente, é uma casa nova. Ele aumentou com construção nova?
Elsanira: Foi, eu acho que sim.
E essas pessoas que vieram morar aqui, você sabe dizer, você tem algum conheci-
mento se elas vieram do interior ou vieram de outro bairro? Quer dizer: – A expansão
foi de outro bairro que o pessoal veio para aqui para melhorar a situação ou foi de
gente que veio da área rural para aqui?
90 Delma Pessanha Neves

Elsanira: Não sei lhe dizer não. Esse pessoal eu acho que foi do interior. Eu acho.
Muita gente que mora em área rural tem uma casa na cidade. É época de do-
ença, para parar e ter um pouso. É muito comum as pessoas terem aqui, ou
mandar um filho para estudar, ou uma filha que não quis ficar no interior e que
veio e casou. Nós mesmos foi assim.
Elsa: Isso. Mas nos sítios dá sim para criar os filhos. Casam por lá mesmo. Lá
vão criando os filhos. Quando já não tem mais o estudo para eles lá no sítio,
quando termina a quinta série, parece aí que vem para cá para a cidade. Nes-
ses tempos de agora não, agora a escola tem em tudo quanto é interior, sabe?
Tem muita escola agora. Todo interior tem. Antigamente não tinha. No tempo
que eu morava lá não tinha não.
Elsanira: Tem até internet agora no interior!
Elsa: Está bem avançado assim.
A senhora só trabalhou em casa?
Elsa: Só em casa. Nunca trabalhei fora não.
O seu marido sendo agricultor, a senhora não conseguiu se aposentar como agricul-
tora?
Elsa: Não, porque eu vim cedo para cá. Quem trabalha na agricultura se apo-
senta quando completa 55 anos. Quem mora no interior se aposenta. Eu não.
Eu sou pensionista. Depois que o meu marido morreu, eu fiquei com a pensão
dele. Ele não era aposentado, não. Ele morreu novo. Com 44 anos. Apenas ele
era pecuarista e pagava o INSS, por isso que eu tive essa pensão.
Ah! E como a senhora conseguiu criar os filhos? Ficou viúva tão cedo!
Elsa: É porque a gente tinha barco, tinha gado e vendia gado. As propriedades
eu fui vendendo tudo.
Elsanira: Aí os meus irmãos também foram trabalhando para ajudar a mamãe
também. Procuram estudar e trabalhar. Das mulheres, eu sou a filha mais nova.
E o meu irmão mais velho tem quantos anos, mamãe?
Elsa: Quarenta e sete. Foi duro ficar viúva tão cedo, com uma porção de filhos.
Sete filhos, eu fiquei. O mais velho estava com 17 anos. Já estava bem rapa-
zinho, já. Ele morreu de complicação de doença. A úlcera dele estourou. Ele
não se cuidava. Não gostava de ir no médico. Não se cuidava. Ele tinha raiva
de ir no médico, Deus o livre. Não queria deixar o trabalho de jeito nenhum. E
trabalhava doente e não vinha no médico. E foi rápido a doença dele. Ele levou
seis dias internado. Não sofreu muito, sabe? Seis dias e morreu.
E a família dele é de lá mesmo?
Elsa: Não, a família dele, eles moram aqui, eles são daqui. A mãe dele que foi
para lá, porque ela trabalhava em agricultura, a mãe dele, sabe? Ela gostava
muito de trabalhar em roça, aí eles se criaram por lá. E eles já vieram todos
para cá. Não tem mais ninguém lá da família dele. Ninguém mais.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 91

Elsanira: Que coisa! Eu hein!


Elsa: Está meio bêbado!!!?
José Maria: Está tudo bem?
Tudo bem. E o engraçado é que eu olhei e pensei: Que coisa, um homem tão bêbado!
[risos]
Elsanira: Ele gosta de fazer gracinha, ele é sempre assim.
Elsa: Ela sabia que era ele.
José Maria: Ai, meu Deus! Três mulheres para reclamarem de meu porre era
demais! Ela sabe que eu faço isso. Eu só vou parar de fazer isso só quando eu...
Como é que se diz? Perder o juízo, sei lá.
Elsa: Quem (time) ganhou?
José Maria: Foi um a um.
Elsa: Ah, empatou?
José Maria: Empatou, sim senhora. Existem muitas cosias que devido a eu ter
sido militar e passar seis anos sendo militar, então eu tinha duas coisas que
eu tinha colocado na minha cabeça. Claro que através do conselho da minha
mãe, que o meu pai eu perdi logo. Então a minha mãe ela sempre colocava na
minha cabeça que esse meu irmão que está doente hoje, ele gostava de uma
pinga. Deus o livre! E aquilo me revoltava quando ele chegava porre e eu tinha
que abrir a porta para ele. Ou então a minha mãe tinha que abrir. Eu sempre
falava para ela assim: - Olha, enquanto a senhora existir, a senhora não vai me
ver porre. Hoje eu estou com 59 anos e não fumo, não bebo. Eu conheci muita
droga no exército, porque a gente tem instrução disso daí. E já andei nesses
garimpos de meu Deus. Muitas pessoas me ofereceram e eu sempre tirando
o corpo fora. Eu falava para os companheiros assim: -Ah não, dá um tempo aí,
depois a gente... Sabe? Porque para lidar assim com dinheiro e com muitas
pessoas é difícil. Para convidar você para fazer esse tipo de coisa eu encontrei
muitas pessoas. Então eu sempre tenho na minha cabeça que, quando eu for
dessa para a outra, eu tenho certeza que eu jamais vou provar dessas coisas
que não fazem o meu lado de jeito nenhum. Justamente é o que eu falo para
ela, eu não fiz quando eu estava jovem, vou fazer agora? Eu acho difícil. Eu
fui militar. Passei seis anos no Exército. Eu desisti. Eu desisti, porque aquela
época em 1976, 1977 o ordenado do militar era pouco demais. Eu peguei a
ditadura militar. Inclusive teve o Garrastazu Médici que esteve aqui. Eu che-
guei ainda a fazer guarda para ele aqui no hotel. Eu peguei a ditadura militar.
Eu acho que hoje, eu não sei se a ditadura militar ainda estivesse comandan-
do, se a gente tinha esses jovens que estão hoje completamente perdidos na
droga. Essa censura da televisão. Eu particularmente, eu ignoro muito isso
daí. Naquela época não tinha isso não. Hoje a nossa Santarém-Cuiabá estaria
asfaltada se fosse tempo dos militares. A Transamazônica estava asfaltada,
porque a Santarém-Cuiabá abriram ela na época dos militares. Era dinheiro
92 Delma Pessanha Neves

que rolava assim oh! (faze gestos sinalizando grande quantidade). Não tinha
negócio de parar. Quando começou Santarém-Cuiabá, começou Mato Grosso-
-Santarém, que se encontraram no meio da estrada, que foi essa Serra do Ca-
chimbo. Depois que saiu o militar, eu sempre falo para ela assim: - Eu não
sei se um dia nós vamos dar uma volta por São Paulo, se essa estrada estiver
asfaltada, sabe? Para mim vai ser um sonho. Pegar um ônibus leito aqui e em
cima do pretão só... Não sei. Só Deus que sabe. Mas eu tinha muita vontade de
ver ainda ela asfaltada.
A gente estava falando aqui de quando Santarém começou a mudar. Nesse período
de abertura de estrada deve ter chegado muita gente para cá, não é?
José Maria: Chegou. Chegou muita gente para cá realmente. Chegou essa gau-
chada. Essa gauchada chegou aqui, eles começaram a comprar muita terra
desse pessoal humilde daqui, dos pobres, humildes, paraenses. Que a gente
fala aqui é da colônia. E começaram a comprar mesmo, chegavam, botavam di-
nheiro, hoje esse pessoal, uns estão praticamente morando aí pelo subúrbio,
de casa alugada. Às vezes o cara tinha um filho jovem, queria saber de pegar
aquele dinheirão e comprar carro, porque o mau hoje do pobre é que, quando
ele pega um dinheiro, ele quer logo comprar um carro. E quando sendo aquele
próprio carro vai tirar a vida dele ou tirar a vida do filho. Ele não pensa mais
tarde. - Não, eu vou pegar esse dinheiro aqui e vou fazer outro investimento, vou
fazer uma casa para mim. Não, ele quer logo saber de comprar carro. Hoje eu
não tenho nem um carro, nem uma moto. Porque o que eu ganho dá para fazer
isso, mas eu não quero fazer no momento. Eu não sei se eu vou fazer, por-
que hoje o trânsito está tão violento, sabe? A gente vê tanta violência. E hoje,
por exemplo, eu saio pedalando daqui para o meu trabalho, volto pedalando.
Aquilo ali está me fazendo bem, gente. Eu estou com essa idade, mas pode
ver o meu corpo. Eu tenho inveja do meu corpo, porque eu me cuido sempre.
Sempre dou a minha caminhada aí. Enquanto outros meus irmãos, esse que
está doente agora, ele é meio barrigudinho, sabe? Ele é mais velho do que eu,
mas ele se estragou muito na cachaça. Falando da minha mãe, eu sempre fala-
va para ela. Uma vez ele chegou tão porre aqui, eu não quis abrir a porta, aí ela
falou assim para mim. Estava chovendo, aí eu disse: -Olha mamãe, eu não vou
abrir a porta para ele. Deixa ele ficar aí pegando chuva. Ela disse: -Tu não sabe
o mal que tu está fazendo para mim e para o teu irmão! Eu disse: -Mas eu tenho
certeza que eu não...- Olha que tu pode pagar. E eu disse: - Não, enquanto a se-
nhora existir, a senhora estiver aqui do nosso lado, a senhora jamais vai me ver
fedendo a cachaça. Nunca vai saber notícia minha de droga, dessas coisas ruins.
E a minha mãe foi embora e nunca soube nada, porque eu nunca procurei um
caminho que fosse levar para ela ficar desgostosa de mim. Negativo. A minha
mãe morava aqui. Eu fui um filho que eu nunca dei trabalho para a minha mãe.
Não, nunca dei trabalho para a minha mãe. De jeito nenhum. Eu não sei se por
que eu aprendi muita coisa no exército, sabe? Eu estava no exército aqui mes-
mo em Santarém. Chegou o Batalhão Rondon, chegou em 1971, e eu fui das
primeiras turmas que incorporou aqui. Veio de Santa Catarina. Até hoje está
aí o Batalhão. Então eu fui uma das primeiras turmas. Hoje tenho um círculo
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 93

de amizade com os caras que deram baixa. E eu acho que a senhora tem ideia
do que é a vida militar. A gente encontra muitos amigos. Encontra inimigos
também. E a gente sabe. Eu sou um cara muito cabeça feita, sabe? As coisas
que eu já vi pela minha frente, que já me convidaram. Hoje não, hoje... E eu era
jovem. Eu sempre saía para dar a minha volta, mas eu chegava cedo. Eu me
preocupava muito com a minha mãe. Porque eu não tinha mais pai, as minhas
irmãs casaram. Eu tenho uma irmã que mora bem aqui assim. Essa é a mais
criança. Então quando eu saía, que eu estava lá na casa da dona Elsa, eu já fica-
va preocupado. Eram nove horas, nove e quinze, eu já tinha que sair. A minha
mãe já estava me esperando bem aqui. Aqui nessa janela. Ela ficava na televi-
são, aí quando ela achava que já era nove e quinze, ela olhava no relógio, ela
ficava de braço cruzado olhando para cá. Só ia dormir após o momento que
eu chegasse. Aí eu falava para ela: - Mas por que a senhora não está deitada? É
que ela tinha aquela segurança da minha pessoa sobre ela. Por sinal a minha
mãe morreu nos meus braços. Já está com cinco ou seis anos, não é dona Elsa?
Elsa: É, seis anos.
José Maria: É. A minha mãe passou por um momento tão difícil e ela morreu
nos meus braços. A gente estava tão cansado! Eu acho que Deus dá um dom
para a pessoa assim. Eu retirei daquilo, eu já vi duas pessoas, três pessoas
morrerem. Gente da minha família, parente, e a prova foi da minha mãe. A mi-
nha mãe ela estava com problema seríssimo de saúde, mas você olhava assim
para a minha mãe uma senhora que não pegava sol, pessoal do interior, a mi-
nha mãe era muito caseira. Caseira, caseira que Deus o livre! Tinha ciúme de
tudo. É por isso que as coisas, 80% do que ela deixou, está tudo aí. Então ela
tinha muito ciúme das coisas dela. E na noite que ela morreu, no mesmo dia,
ela reuniu todo mundo aqui em casa. Então na noite seguinte deu um tempo-
ral muito grande aqui em Santarém. Um temporal grande mesmo. Para todo o
lado trovão, trovão e achou da energia ir embora. Deu aquele apagão tão forte,
deu aquele trovão tão grande que eu já estava tão cansado que o meu irmão
mais criança chegou aqui, o pessoal todo mundo foi embora, aí eu fiquei, ela
ficou comigo. Ela disse: - Eu vou dormir hoje aqui. Aí ela ficou na sala e eu es-
tava lá na cama. Eu deitei atravessado na cama, a minha mãe botou a cabeça
dela na minha perna, aí quando eu me espantei, foi um troço tão rápido que
eu chamei por ela e ela pegou a lanterna e eu já peguei na minha mãe: - Mãe,
mãe, mãe! Já foi tarde. Ela não disse nem ai, nem ui. Ela só morreu com a mão
segurada no lençol, na minha perna. Eu tenho para mim que foi o coração.
Infarto fulminante. Foi rápido, porque a minha mãe estava com problema de
pulmão. Apareceu um câncer de pulmão. A minha mãe fumou mais de quê?
Quando ela era jovem lá para o interior dela, fumava, mas ela deixou depois.
E apareceu por acaso aquele câncer no pulmão. Só que o pulmão, veja bem, às
vezes a gente conversando assim, como a senhora que é uma pessoa que mexe
com educação, uma pessoa muito bem entendida no assunto... A minha mãe
tinha um problema de câncer, ela chegou a falar para a senhora? A Elsenira?
Não. Ih, a Elsenira não fala nada não. [risos] Ela fica quietinha.
94 Delma Pessanha Neves

José Maria: A minha mãe tinha um problema de câncer e nós descobrimos.


Descobriram aqui e a minha mãe morreu e não ficou sabendo que ela tinha
problema de câncer. Nunca. Só que o câncer eles começaram a fazer o trata-
mento... Aí o que aconteceu? Quando os médicos descobriram o câncer da
mamãe: - Não fique preocupada que nós vamos lhe deixar lá (referindo-se a
mim, por estar por volta das 21 horas de um domingo). Nós corremos, a fa-
mília se reuniu tudo e sempre por trás do negócio. Aí o médico disse: - Olha,
se vocês tiverem recurso vocês levem a mãe de vocês para Manaus. E a ami-
zade, a senhora sabe, que médico para nós aqui da Amazônia...! A gente acha
as ervas poderosas. Mas ela tomou esse leite de Sucuba. Você tem que saber
tomar ele.
Elsa: Eu tenho problema no estomago. Ah, mulher, eu já me cuidei, já me tratei
tanto. A senhora sabe quantas endoscopias eu já fiz? Oito. Eu já fiz oito endos-
copias. Eu comecei lá de Salvador. A primeira que eu fiz foi em Salvador. Aí de lá
vim para cá para Santarém. Só aqui já fiz sete. E estou assim, tudo que eu como
me faz mal. Fritura não posso mais comer, suco, essas coisas ácidas. Cupuaçu
não posso nem chegar perto. É tão bom, tão gostoso. Eu evito também.
José Maria: O leite de sucuba eu sei que... Porque ele faz bem para tanta coisa,
sabe? Eu ensinei agora, tem um amigo que trabalha lá na empresa, o pai dele
está com problema de próstata e ele estava desesperado. O pai dele não esta-
va urinando. Aí eu ensinei ele a levar para o doutor Tolentino e ele levou para
o Tolentino, aí eu disse: - Olha, eu vou te passar um remédio. Eu ouvi falar, a
minha mãe tomou e eu te asseguro que não é só a minha mãe que tinha to-
mado esse remédio, que foi a sucuba. Aquele pessoal que mexe com negócio
de sucuba com casca de pau ali, são todos meus amigos. Aí eu comprei para o
meu amigo. Ele hoje está me agradecendo, que o pai dele já começou a comer,
a sucuba também abre o apetite. A minha mãe comia muito, a minha mãe
era boa de boca. Ela já doente e comia. Resumindo, a minha mãe morreu de
coração, não morreu do maldito câncer. Esse foi o problema da minha mãe. A
minha mãe morreu do coração e não do câncer.
Sua mãe era daqui mesmo ou veio do interior?
José Maria: Minha mãe era do interior. Ituqui. Ituqui fica para cá. Aqui a gente
tem cada localidade, que às vezes a gente fica até impressionado de ver tanto
nome. Eu acho que a dona Elsa já falou que ela é de Água Preta.
Elsa: Falei para ela. Água Preta, não é nem preta a água. [risos]
José Maria: E nós viemos para cá, em se tratando de bairro nós viemos para cá
para o bairro de Laguinho. Eu posso dizer assim, tenho orgulho de morar aqui
nesse bairro. Eu moro num bairro que é próximo do rio, é próximo do Detran,
banco. Nós estamos quase no centro, a senhora sabe disso. Para quem conhe-
ceu o Laguinho, o nosso bairro Laguinho, eu ainda tive o prazer de conhecer.
Isso daqui era só um caminho. A dona Elsa sabe disso.
Elsa: Pois é, eu estava falando para ela.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 95

José Maria: A gente tinha uma palmeira aqui nessa esquina onde está essa
casa de alto e baixo, uma palmeira bem grande, sabe? Tinha uma palmeira. O
nome do vizinho que morava lá eu não lembro dele. - Sabe dona Elsa?
Elsa: Eu não lembro dele.
José Maria: Ele morava bem onde é a pizzaria. Ele era um senhor também
que era do interior. Então isso daqui era só um caminho. Eu tenho um amigo
que eles criavam um negócio de boi, carneiro. Isso daqui era só cocô de boi,
carneiro, cavalo. Era pasto. Quando a gente vinha para cá... Eu sempre gostava
de ver correr cavalos por aqui. Essa minha travessa aqui era só um caminho
aqui, mas já existia esta casa bem aqui da frente, que não era desse jeito. Era
uma casa feita de madeira. Ela era de comprida, que era da mãe da senhora
que morreu, que era da finada Angelina, da mãe dela. Era justamente mais ou
menos aí, não é dona Elsa? A senhora lembra?
Elsa: Era.
José Maria: Era uma casa de madeira, era uma casa feita de barro. A senhora
já viu a casa de barro?
Já.
José Maria: Já teve oportunidade de ver, pois é, ela é construída daquele jeito.
Então isso daqui era só caminho. O Laguinho começava bem aí logo, bem do
lado deste quintal do IBAMA, deste lado bem aqui.
Elsa: Era um lago.
José Maria: Era um lago muito bonito. A gente tem aqui nessa época agora, a
gente tem os cardumes de jaraqui, aracu. São os peixes da região, que a gente
gosta, chega a dar água na boca quando fala nesses peixes. Então a gente saía
aqui por trás de onde é o IBAMA. Não tinha nada de IBAMA. Do lado existia
um curral. Um curral que o pessoal deixava o gado e ali era só caminho. Na
época que enchia o rio, a gente tinha que sair daqui da 24 de outubro, que a
água chegava aqui na 24 de outubro, tinha que sair de canoa. E a gente tinha
aquele prazer de ver aquele cardume, que a gente chama de cardume de pei-
xe, passar assim no pé. Era só ir ali pescar! Era na hora. Não existia, naquela
época não existia em Santarém, hoje já existe a bomba de destruição. A bomba
é um material que você compra para destruição. Joga no cardume de peixe,
em vez de você matar só uma qualidade de peixe, você está matando tudo.
Após chegar a bomba, aí chegou mais o progresso. Aí começou a chegar o pro-
gresso, a cidade foi aumentando, foi aumentando. O pessoal foi e passou tem-
po, as pessoas saíam das suas casas, todo mundo podia deixar as casas, aqui
no bairro, principalmente no bairro, nunca existiu negócio de roubo naquela
época. Nós temos hoje bem aqui do lado, tem uma senhora que veio de Belém.
O marido dela trabalha ali nas docas. Ela ficou impressionada de ver aqui no
bar do nosso amigo, aquele pessoal tudo lá conversando, sabe? E deixando as
casas na frente, o pessoal, porque lá em Belém, que é a nossa capital, o pes-
soal não faz mais isso. Ela foi lá com o Teco e ficou: - Escuta, vocês ficam aqui
96 Delma Pessanha Neves

assim à noite? - É, a senhora está num bairro bom. Aqui em Santarém ainda não
existe esse tipo de coisa como é lá em Belém. Está violento Belém. Começou a
aparecer esse negócio de violência depois que a cidade foi crescendo. Então
o nosso Laguinho, a gente saía para a praia, tinha a Vera Paz. Vera Paz é logo
descendo aí. - A senhora já ouviu falar? - Ainda não teve oportunidade de ir
lá? Quem sabe se não vai ter oportunidade lá para o verão. A praia da Vera Paz
é só para quem tem foto. Como eu tenho aquela foto que a senhora já viu. Era
encontro de pessoas nos fins de semana. Fazia churrasquinho de peixe, carne.
Ia para lá, não existia nem maloca para poluir aquele lugar. Sentava a rede,
sabe? Você ia para lá, você entrava na água, você via que era uma água limpa,
sem poluição. Até o quê? 1977 por aí assim, ainda existia isso daí. Então você
ia para lá, aquelas senhoras, não sei se a dona Elsa chegou a ter oportunidade
de lavar roupa lá na Vera Paz.
Elsa: Eu lavava roupa.
José Maria: Olha, dona Elsa ainda lavava roupa em Vera Paz! Subia aquele
monte de senhoras por aqui, descia com a bacia na cabeça. Então era aquele
pessoal que convivia muito bem. Ficava conversando. Uma lavadeira do lado
da outra batendo a roupa. Eu tive a oportunidade de ver isso daí. Eu posso
dizer que eu sou orgulhoso de ver. Eu vi muita coisa nessa Vera Paz. Você
ficava debaixo daquelas árvores deitado. Eu já estava no exército. Uma vez eu
estava lá na praia da Vera Paz, eu já falei para essa daqui, eu estava de férias.
Eu estava de férias, deixei a minha barba ficar meio grande, peguei um cha-
péu e fiquei lá. Por acaso chegou um cidadão, ele era da Federal. Eu estava lá
que eu andava de camisa de mangas compridas, eu era do exército, era meio
brancão, e aquele cidadão chegou por trás de mim e me perguntou assim:
- O que você está fazendo aí moço? Eu olhei assim para ele e disse: - Estou
aqui olhando o pessoal aqui. Ele ficou assim: - Você é suspeito de alguma coisa.
Eu disse: - Eu? Por quê? Por que eu sou suspeito? Ele disse: - Bom, eu vou me
identificar logo para você, meu rapaz. Eu sou da Federal. Estou procurando um
pessoal. Eu disse: - Bom, se o senhor é da Federal, eu puxei a minha carteira, -Eu
sou do exército.” Aí o cara conversou comigo, começamos a conversar. Quer
dizer que aquela época os caras, a autoridade chegava e sabia conversar. Hoje
a autoridade não sabe conversar. É difícil. Vê alguma pessoa suspeita e já vai
arriando logo a taca. Então de um certo tempo para cá mudou muita coisa.
Então do nosso bairro, do Laguinho, passou o tempo, começou a poluição. Nós
tínhamos bem aqui assim, tinha o Mercadão, a gente tinha o Matadouro, que a
gente chamava para cá, que era o Curro Velho. Acho que é um nome indígena,
é mais ou menos assim. Era o matadouro de matar o gado. Então a gente fala-
va, os moradores antigos falavam Curro Velho.
Elsanira: Eu acho que eles queriam falar couro.
José Maria: Não, couro era o cortume que mexia com couro lá na frente, não
é dona Elsa?
Elsa: É.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 97

Elsanira: Mas a gente que é do interior emenda logo tudo aí chama logo de
curro.
José Maria: Aonde é o posto Santo Antônio, lá era um posto de tratamento de
couro. Aqui na esquina do Mercadão, num prédio que tem lá alto e baixo, bem
próximo à Casa Lotérica, lá era o Curro. Que era aonde ficavam os gados que
a gente matava, o pessoal matava. Então aquilo dali começava a jogar... Santa-
rém nunca teve tratamento de água, de esgoto, começaram a jogar água para
dentro do rio. Na frente a gente tinha coroa de areia. A dona Elsa conheceu.
Mas foi destruída. Os barcos, na época de inverno, os barcos ficavam de am-
bos os lados na coroa de areia, porque quando dava o mau tempo aqui para o
nosso lado...! A senhora vê o Tapajós calmo, mas tem época que dá uns ventos
brabos, aí os barcos ficavam aqui, ficavam desse lado e no meio era a coroa de
areia que nós demos o nome, umas pontas de areia com mais de 200 ou 300
metros, que ela saía bem no meio do rio. A praia era deste lado e ela saía bem
aqui assim. Ficava água deste lado e desse. Do lado direito e do lado esquer-
do. Então essa coroa de areia, ela se chamava Coroa de Areia porque ela saía
como uma coisa bem boloada! Coisa da natureza.
Elsa: Muito bonito que ficava!
José Maria: Você pisava naquela areia, chegava a fazer chac chac chac. Era uma
coisa muito boa. E para lá também iam as senhoras lavar roupa, dia de domin-
go era muita gente. Depois chegou a Cargil, foi aquela briga por causa da soja.
A Cargil a senhora sabe que é uma multinacional. Ela é muito poderosa, tem
muito dinheiro e é o desenvolvimento que o pessoal fala. É o progresso. Só que
a Cargil, eu particularmente, eu digo assim, que a Cargil veio para acabar, o que
era uma coisa da natureza, que era nosso. Hoje se a gente quer tomar um banho
numa água limpa, que não seja poluída, a gente tem que pegar um ônibus para
ir para Alter do Chão ou então pega um barco para ir para outra praia mais
distante. Nós não temos mais aqui na beira da cidade, aqui onde era Vera Paz,
para a gente tomar banho. Negativo. A partir do momento que a Cargill chegou,
o nosso rio aqui, a Vera Paz já estava tudo comprometido. Eu não vou dizer que
foi só a Cargil. A Cargil veio, começou a chegar a gauchada, como eu citei logo no
começo. Isso aqui ficou infestado de gaúcho para mexer com a soja. Soja, feijão,
e a partir do momento que chegou a Cargill, eles começaram a enfiar as estacas,
começaram a mexer com o rio, aquilo foi destruído de uma hora para outra.
Chegam esses cargueiros, esses navios cargueiros, na épica do verão, eles en-
costam aí nos pilares da Cargil, só que quando eles encostam, eles estão já com
os porões tudo cheio. Quando este navio vai sair, a palheta de um navio desse
é tão grande, que quando ele sai movimentando, que ele vai saindo, a gente vê
que sai terra do fundo do rio. Aquela terra suja. Aí essa terra, o navio encosta de
frente para cá. Ele nunca encosta para lá, sempre encosta para cá, por causa do
vento, quando eles estão colocando a soja, para o vento dar para cá e não dar
na tripulação. Eles ficam tudo fechado. Então esse navio quando sai, ele vai em-
purrando esse material, essa lama que existe dentro do rio, empurrando para
a banda da coroa de areia, então ela sumiu. Ano passado ela saiu de novo, mas
saiu já só aquela praia. Acabou aquela coisa que Deus deixou. Ninguém toma
98 Delma Pessanha Neves

mais banho lá. Era buraco de embarcação de um lado, buraco do outro. Acabou
com a nossa Coroa de Areia. Então a nossa Vera Paz, a famosa Vera Paz, eu não
sei se a senhora já viu sem ser aquela foto, outras por aí. Essa daí vai ficar aí
guardadinha. É onde a gente jogava pelada. Os campos da Vera Paz, depois que
chegou a Cargil, hoje a gente praticamente não tem onde jogar bola. Vera Paz
era a praia. Vera Paz era essa parte todinha aí, na pracinha, onde vão fazer o
bosque. A praia na dá mais para recuperar de jeito nenhum. Aí a praia da Vera
Paz, ali na frente tem a praia da Sudam. Naquela época tudo era bom para tomar
banho, mas devido Cargil, as docas...! Ali na frente Petróleo Sabba. Tudo por aí,
ficou tudo poluído. A senhora sabe que nós moramos aqui numa área que é de
alto risco? Principalmente quem mora ali no edifício ali (onde a pesquisadora
reside). [risos] A gente mora bem do lado da Shell, Petróleo Sabba. A senhora já
viu os tanques que tem bem ali? Já teve oportunidade de olhar ali? Pois é, bem
do lado fica a Universidade. Então nós aqui desse bairro estamos num lugar de
alto risco. Deus o livre se um dia estourar um tanque desses aí! Nós moramos
aqui num lugar de alto risco. É muito perigoso. Mas vamos esperar que nunca
aconteça isso daí, né? Porque é muita segurança, mas onde existe a seguran-
ça, geralmente existe uma falha. Sempre tem essa falha. O Japão está aí para a
gente saber. Então, voltando um pouco atrás da Cargil... Veja bem, aqui naquela
época que a Cargil chegou aqui, o pessoal falou que ia dar muito emprego. Não,
foi completamente menor. Se tem uma, eu estou botando umas oito pessoas
daqui de Santarém que trabalham na Cargil. A maioria é pessoal que vem de
fora lá. Dela, mas ela tem pouco funcionário também. O que foi que aconteceu?
Eu no meu modo, eu sempre falo que quando a Cargill quis se instalar aqui, o
PT já estava querendo entrar no governo. Então o governo era para fazer o quê?
Chama a Cargil, é uma multinacional. Chama a Cargil: - Não, vocês vão fazer a
destruição aqui da mata aqui da Amazônia, não é? Vocês vão fazer o seguinte:
vamos fazer o benefício aqui em Santarém, para esta soja já sair daqui já pronta
para o consumo das pessoas. Fazer o benefício aqui. Não. O que aconteceu? Aí a
Cargil destruiu tudinho isso daí, e não é só aqui, como aí para cima. A senhora já
foi para essas terras ao lado das estradas, a senhora já viu campos e campos de
soua?. Eu não sou contra a Cargil. Negativo. Eu sou contra, eu ignoro as pessoas
que não souberam conversar com o pessoal da Cargil. É, botar limite para viver
com os outros. Porque se ela viesse aqui para fazer o benefício da soja aqui, hoje
nós estávamos muito melhor. Todo mundo estava empregado.
Eu tenho ido para aquela Curuá-una, as comunidades estão todas ilhadas. A gente pas-
sa da comunidade, pensa que tem alguma coisa lá atrás, mas se a gente entra, sei lá, 100
metros, 150, a gente se depara com aqueles campos todos de soja.
José Maria: Campo que chega a doer na sua vista. É, eu já tive oportunidade de
ir para aí. Então a nossa Vera Paz que era praia e o nosso Laguinho, o Laguinho
continua a mesma coisa. Aí veio o asfalto, ônibus. Como eu falei ainda agora,
nós moramos aqui num bairro muito bom. A senhora sai daqui e está lá dentro
do Mercadão, sai daqui está no DETRAN, sai daqui está na Caixa Econômica. Sai
daqui está no Bradesco, Banco do Brasil. É muito bom você morar num bairro
desse. Sai bem daqui está nas Docas. Tem dois supermercados. Nós moramos
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 99

no centro praticamente. Isso daqui praticamente vai ser a cidade nova de San-
tarém. Ninguém sabe se a gente vai alcançar. Mas que a gente sabe... Belém não
tem a cidade velha? A cidade velha e a cidade nova? Então Santarém ali para o
centro vai ser a cidade velha. E a universidade crescendo aí também. Não fize-
ram nenhum benefício, anda no meio da lama lá para ir para a universidade,
não tem luz de noite. É muito perigoso à noite ali, mas vai melhorar. Mas eu
acho que aquilo ali vai ficar muito melhor ainda. Tenho certeza. Não sei se eles
vão asfaltar, que já jogaram um negócio de uma piçarra ali. Se asfaltarem já vai
ser uma boa coisa. Depois a universidade recebe autoridades e tudo, tem que...
Geralmente a gente gosta de fazer bonito para as visitas, né?
Agora, na década de 1970, Santarém recebia muito migrante do nordeste para
vir para cá. Foi quando abriram essas estradas. Essa população que veio, in-
fluenciou muita coisa em Santarém, outros ficaram pelo interior. Esse pessoal,
os cearenses fizeram muita coisa por Santarém. Esse pessoal que veio lá da
banda do Ceará, muitos deles passaram por Santarém e ficaram ali no Tabocal,
São José, Mojuí dos Campos, praticamente é uma cidade hoje. A senhora já pas-
sou por lá? A senhora precisa passar da próxima vez que a senhora vier aqui.
Elsanira: Só tem cearense ali.
José Maria: Só cearense. Então esse pessoal que veio de lá rolando para cá,
eles fizeram algumas coisas. Aqui a região do Tapajós trabalharam muito
em cima de ouro. Era cearense, era maranhense. Todo tipo de pessoas que
passavam por aqui. O ouro rolava muito, o dinheiro circulava muito aqui em
Santarém. Era mais emprego. Na época do garimpo. Você ficava ali na Vera
Paz na parte da tarde, você via os barcos sairem dali. Era um barco atrás do
outro. Todo mundo ganhando dinheiro. O dinheiro circulava muito em Santa-
rém: 1973, 1980. Tudo por aí. De 1970 para 1980 era um movimento muito
grande. Basta dizer que Itaituba foi um dos aeroportos de mais movimento
do Brasil. Enquanto tinha 20, 30 avião para sair, tinha mais de 50 em cima,
voando para pousar. Foi um dos mais movimentados do Brasil naquela épo-
ca. Fecharam. Collor, o Fernando Collor de Melo fechou muitos garimpos. Foi
uma destruição total, desempregou muita gente. Hoje existe, mas hoje existe
mais na parte da mecânica. Máquinas modernas. Tem menos trabalhador. Não
existe mais aquele ouro que era tudo manual.
Esses cearenses produziam muita farinha, mas nós aqui também produzíamos
muito. Esse pessoal nordestino que veio, eles se ajuntaram ao pessoal daqui,
que hoje a senhora vai na feira, a senhora vê bastante farinha. Você vai na feira
hoje você escolhe a farinha que você quer comer, uma farinha boa, você esco-
lhe. Quer dizer, todo esse pessoal aí desse planalto santareno, a maioria é gente
nordestina. Pode ver que a maioria é. Nós, caboclo mesmo de Santarém, a gente
gosta mesmo é de pescar, esse troço todo. Tem muitas pessoas que se dedicam a
outras coisas. O pessoal do interior já é mais pescar. A convivência do interior é
mais pescar. É mexer com o gado. Aqui a gente está do lado de uma senhora que
teve para mais de 500, 600 cabeças de boi. Era fazendeira. Justamente. Quer di-
zer que é do interior. Ela é lá da raiz dela. A minha família, teve uns irmãos mais
100 Delma Pessanha Neves

velhos que nasceram no interior, que era no Ituqui. Então, já depois, uns quatro
irmãos nasceram no interior. Eu já vim nascer já na cidade. Por sinal eu nunca
conheci o interior que era da minha mãe. Meu pai era também do Ituqui. E eles
vieram de lá para cá. Eles vieram de lá para cá, porque o meu pai ele trabalhava
como comandante de embarcação e acharam por bem vir morar em Santarém.
Aí veio todo mundo. Ainda cheguei a ter oportunidade de conhecer a minha
avó. A minha avó morreu justamente nesta casa, que era a mãe da minha mãe.
Todo mundo de Ituqui. O meu pai, minha mãe, minha avó. E hoje nós estamos
aqui. Eu posso dizer mais uma vez: eu sou muito orgulhoso de morar neste
bairro aqui. A gente rem uma raiz. A família toda aqui. E eu tenho uma comigo:
eu gosto de fazer muita economia, sabe? Eu falo para ela que eu acho que eu era
para mexer com economia. Então eu sempre falo para ela o seguinte: a partir do
momento que eu bater as botas primeiro do que ela, eu sou um cidadão muito
conhecido, eu faço muita amizade. A partir do momento que eu bater as botas,
ela vai ter que fazer, ela e as minhas irmãs, que eu já falei para elas fazerem... A
senhora já ouviu falar de fazer propaganda no auto falante na rua?
Já.
Elsanira: De carro. Tem carro e tem bicicleta.
José Maria: De defunto? De pessoas que morreram?
Não. Isso aí não.
José Maria: Então eu vou ser a primeira vez. [risos] Não sei quando. Ela vai
contratar.
“Lamentamos informar que faleceu hoje...”
Elsenira: Não dá para colocar na televisão e no rádio?
José Maria: Não, não, não. Eu quero assim. Se o cara da propaganda cobrar
R$ 500 reais. Ela vai falar: - Eu vou te dar 600, mas faz a vontade dele.
Vai ter que ter cabeça para na hora ainda ficar pensando.
José Maria: Morreu uma amiga nossa e eu vim saber hoje. Eu fui no cemitério
atrás de um remédio lá e encontrei a irmã dela lá chorando. Eu disse: - O que
foi?- Poxa, morreu Fulana de Tal, coisa e tal. Aí eu virei assim para o lado e mo-
lhei os meus dedos de cuspe e botei aqui para lagrimar, sabe? [risos]
Elsa: Credo.
Assim que o senhor é muito conhecido, né? [risos] É por isso que vem muita gente no
enterro dele, fingindo que está chorando!
José Maria: Então foi surpresa.
Elsa: Mas quem era ela?
José Maria: (...) Morreu sexta-feira e eu não fiquei sabendo. Aí eu peguei e
lamentei muito. Chorei aqui. Então são coisas que eu espero que a família faça
isso para mim, porque não vai ser falta de dinheiro não. Vai ficar lá na caixa.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 101

Já deixa gravado. Bota no carro e é só contratar. Compra o alto-falante e arranja o


vizinho para sair rodando aí.
José Maria: Pois é. Então é isso. A nossa vida. Eu nasci e me criei aqui no bair-
ro. Repito: eu gosto daqui. Para sair daqui, só mesmo daqui para o cemitério.
Tenho certeza disso. As outras pessoas da minha família moram tudo ao redor
da minha casa. Ninguém saiu de Santarém. Nenhum fora.
É impressionante. É a primeira vez que eu encontro uma família que não tem nin-
guém fora. Ou está em Macapá ou está em Manaus. Nem do pai, nem da mãe?
José Maria: Não, não. Está tudo aqui. Estão todos aqui. Então é isso, sabe? O
nosso bairro é esse. O Laguinho que é tão falado e a nossa Vera Paz, só destrui-
ção. Mas não sou contra a Cargil, não.
Ela que foi contra vocês.
José Maria: É. Eu espero que ela ainda faça algum benefício para o pessoal daí
do bairro (transcrição interrompida tendo em vista os objetivos da inclusão
no capítulo).30

Neste capítulo, explicitei os princípios de compreensão das relações


sociais, advertindo que elas foram apreendidas em perspectiva processual,
mediante proposição reflexiva aos entrevistados. Eles foram solicitados a
narrar aspectos de suas experiências de vida enquanto percurso, mas de-
marcado por fatos delimitados por pesquisadores e entrevistados (local
de nascimento, experiência em atividade produtiva e processo de trabalho,
condições de formação da família conjugal e deslocamentos residenciais).
Espero assim ter permitido ao leitor me acompanhar na construção dos três
capítulos subsequentes, que consideram aqueles mesmos dados por prisma
da quantificação possível.

30
Entrevista realizada (agosto de 2012) e reeditada por Delma Pessanha Neves.
Capítulo 2
Os estertores do
recrutamento de seringueiros

N
a quarta capa do livro Fordlândia. Ascensão e queda da cidade esqueci-
da de Henry Ford na selva, na versão traduzida e publicada pela Rocco,
Rio de Janeiro, 2010,1 destaca-se o seguinte parágrafo expressivo da
visão sobre a cidade de Santarém, ao final da década de 1920, bem como do
extraordinário feito da equipe do americano aventureiro e sonhador, que, na
Amazônia, pretendia implantar um mundo extraordinário de celebração à
gestão racional do extrativismo e do beneficiamento do látex.

Em 1928, a Ford iniciou um incêndio de grandes dimensões para abrir


terreno para uma plantação de seringueiras no Pará. Foi o prenúncio
de uma época de exploração brutal da região – mas também o início de
um sonho: nascia ali a Fordlândia, uma cidade americana, com automó-
veis, geladeiras e um campo de golfe, em meio à selvagem floresta ama-
zônica. Esta é a história desse sonho e do homem que ousou torná-lo
realidade. (GRANDIN, 2010)

Tendo em vista a exuberante riqueza de informações e interpretações


apresentadas pelo autor sobre a audácia propositiva de Henry Ford, o livro,
até mesmo pelo volume de páginas e o preço correspondente ao investimen-
to, não se apresenta acessível a um público amplo e menos especializado.
Visando facilitar acessos de leitura, reproduzo aqui estratos do texto em que
o autor, mediante extensa e profunda consulta documental, registra a visão
de tripulantes dos navios que carregavam pré-moldados para a instalação da
Fordlândia, quando atracados por meses diante daquela pequena cidade e
portos (Santarém). O leitor acompanhá primeiro a importância atribuída ao
investimento na construção de Fordlândia, conforme qualificação do citado
autor:

1
Título original: Fordlandia. The rise and fall of Henry Ford’s forgotten jungle City. Deep Night, Rudy Vallee,
Charlie Henderson, 2009.
104 Delma Pessanha Neves

O Ormoc cruzou o lago Erie até o canal Welland e o lago Ontário e, através
do rio St.Lawrence, até o Atlântico, aconcorando em Kearny, Nova Jersey,
na baía de Nova York. Lá, juntou-se ao Lake Farge, mais lento, que havia
deixado Dearborn duas semanas antes, puxado pelo rebocador Bellcamp.
Os navios receberam suprimentos adicionais, juntamente com catorze
passageiros - o pessoal da plantação e suas esposas - que tinham chegado
de Detroit por trem: um médico do Henry Ford Hospital, um engenhei-
ro eletricista, um químico, um contador e “vários gerentes competentes”.
O Ormoc tinha a bordo bastante ciência, cérebros e dinheiro. O que não
tinha era um bom horticultor, um agrônomo, um botânico, um microbio-
logista, um entomologista, ou qualquer outra pessoa que pudesse saber
algo de seringueiras silvestres e seus inimigos.
Os navios fizeram em média 160 quilômetros por dia, parando em Be-
lém por alguns dias e chegando a Santarém em meados de setembro (de
1928), a tempo para uma onda de calor na selva que nos seis meses subse-
quentes elevou as temperaturas dez graus acima do normal. Era uma es-
tação seca excepcional, e as margens do Tapajós estavam baixas, expondo
uma faixa de dois metros de areia, pedra e barro seco. Como fora previsto,
dois meses ou mais se passariam antes que os navios pudessem percorrer
os últimos 160 quilômetros até Boa Vista. (GRANDIN, 2010, p. 139).

Ainda destaco a avaliação que ele apresenta sobre expectativas emer-


gidas entre a população da cidade, mediante a afirmação de que os jornais
locais exprimiam a aventura assim pressupostamente consensual:

Durante meses os jornais locais haviam falado do que iria acontecer


“quando Ford vier”. Agora, um ano depois da retificação da concessão,
o momento finalmente havia chegado. Santarém [...] [era] lar de alguns
milhares de pessoas no final da década de 1920. A cidade está locali-
zada [...] [na] [...] junção dos dois rios [...] criando um declive abrupto
próximo da praia de Santarém, que permite que grandes navios como o
Ormoc e o Farge cheguem perto da margem. Mas, apesar da vantagem
natural que tornou a ilha um porto de águas profundas, os moradores
estavam acostumados com o fato de que os navios grandes os ignora-
vam, parando só por um momento ou sequer parando a caminho de
Manaus ou Iquitos. (GRANDIN, 2010, p. 139)

Segundo o autor, diversos viajantes e poetas também expressaram as


avaliações quanto ao “caráter lânguido da paralisação” da cidade no tempo
(pelo menos frente àquele vivido pelo naturalizado ritmo do ambiente esta-
dunidense das efervescentes indústrias).
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 105

[...] Uma longa praia fluvial - que, segundo Bishop descreveu numa car-
ta a uma amiga, era feita de “areia cor de laranja”- e os cais constituíam
o coração da cidade, cujas ruas pavimentadas de pedras irregulares,
então ladeadas por casas de fachada revestida de azulejos azuis e ver-
melhos e cabanas com telhados de palha, elevaram-se suavemente a
partir da praia, como corredores se afastando do palco de um anfite-
atro. A cidade tinha um veículo, velho e enferrujado cominhão Ford, e
havia construído recentemente uma pequena usina geradora de ele-
tricidade, que acendia algumas lâmpadas de rua. Diante do rio ficava a
igreja de Nossa Senhora da Conceição, a catedral da cidade pintada de
azul, construída no século XVIII.
A cena raramente mudava. Mulheres lavando roupa nas pedras da praia.
Cargueiros, navios a vapor, barcos de pesca e uma ocasional balsa de
troncos como competiam por espaço na doca. Pequenas embarcações
repletas de aves, macacos, frutas e “tartarugas de enormes dimensões”
procuravam interceptar os navios oceânicos de passageiros que se diri-
giam a Manaus. Estivadores içam bezerros para barcos de transporte de
gado com arreios e uma corda com polia. “Dois rios com uma atividade
louca - toda a gente parecia estar mudando de rumo, embarcando/de-
sembarcando, remando em catraias canhestras”, prossegue o poema de
Bishop. Também havia a estranha confluência da água verde azulada
do Tapajós com a água lamacenta do Amazonas, cada uma mantendo
sua cor, flutuando em duas faixas por quilômetros sem se misturarem.
Ocasionalmente, um barco desembarcava um caçador de fortunas ou
um naturalista: Henry Winckham viveu nos arredores da cidade antes
de reunir as sementes que condenariam o comércio brasileiro de bor-
racha; Henry Waltes Bates, Algred Russel Wallave e Richard Spruce fi-
zeram importantes contribuições para a teoria evolucionista no século
XIX, usando Santarém como base de operações para o envio de plantas
e insetos para os Kew Gardens de Londres. E durante a estação das chu-
vas, um desfile de escombros que desciam o rio, carcaças inchadas de
jacarés e manatis, árvores caídas e até mesmo ilhas inteiras feitas de
grama, bromélias, trepadeiras, musgo e filodendros flutuavam ao largo
da cidade enquanto o rio se dirigia para o Atlântico.
Mas naquele mês de setembro havia um novo espetáculo, com os
curiosos olhando os navios de Ford à espera de ver o que fariam a se-
guir. O Ormoc e o Farge eram genuínas naves americanas, com cerca
de 75 metros de comprimento e 15 de largura. Bem equipados e re-
cém-pintados, mostravam a seriedade de propósito de Ford e de sua
capacidade comprovada. Mas pareciam um tanto perdidos no enorme
“lago” da foz do Tapajós - quase 20 quilômetros de largura e mais de
106 Delma Pessanha Neves

140 de comprimento - que se juntava ao Amazonas, criando um volu-


me de água que um antropólogo comparou a “um mar interior ou um
dos Grandes Lagos americanos”. Um funcionário de Ford observou que
seria possível “jogar” o lago Houghton, o maior de Michigan, no Tapajós
“ e ainda assim ter quilômetros de margem de sobra”.
O CAPITÃO OXHOLM, que havia substituído Prinz no comando por
ocasião da chegada dos navios ao Brasil, considerou suas opções. Ele
poderia esperar um mês até as águas subirem, mas em Dearborn esta-
vam impacientes para ver progressos. Isso significava que ele teria de
transferir a maior parte da carga para lanchas menores e usar o Bell-
camp para rebocá-las até o local da plantação. Uma empresa local, afi-
liada da British Booth Line, ofereceu-se para levar a tarefa a cabo por
seis dólares a tonelada. Aquela talvez tenha sido a última vez em que
Oxholm receberia uma estimativa justa, porque nos meses seguintes,
depois que Ford o nomeou gerente geral da plantação, ele criou fama
de “influenciável” e fácil de enganar. Mas naquele caso ele recusou uma
oferta razoável, preferindo alugar balsas e contratar diretamente a
mão de obra, o que não só desperdiçou um tempo valioso, mas também
dinheiro; de acordo com uma auditoria subsequente, ele gastou cerca
de 35 dolares por tonelada. Com um total de 3.800 toneladas, Oxholm
gastou cerca de US$130 mil só para descarregar o Farge.
A transferência foi atrasada porque os “guindastes especiais” necessários
para a remoção do equipamento pesado haviam sido embarcados pri-
meiro, “sob todo o resto da carga dos navios”. Para os embarques futuros,
os gerentes recomendaram que os trabalhadores de Rouge “procurassem
usar um bom critério” para carregar o Ormoc, a fim de que os “artigos de
uso geral, ou que podem ter vários usos, possam ser encontrados com fa-
cilidade”. Outro motivo para o atraso foi que foram necessários dois dias
para que o Bellcamp fosse até o local da construção e de lá voltasse, ensi-
nando ao pessoal da Ford uma primeira lição sobre ritmos lentos da vida
na Amazônia. E mesmo que o rebocador pudesse navegar mais depressa
à doca temporária que a equipe avançada havia construído era pequena
demais para o manuseio de um embarque tão grande de matérias e da-
masiado instável para grande parte dos equipamentos pesados. Também
o pedaço da margem limpo para recebar a carga era insuficiente, fato que
levou a engarrafamentos. Além disso, havia a confusão de capatazes que
não falavam português supervisionando trabalhadores locais, criando,
segundo uma testemunha, “assunto para um superfilme de Charlie Cha-
plin”. Um misto de Tempos Modernos com Fitzcarraldo.
Em 4 de outubro, o representante da plantação em Belém telegrafou
boas noticias para Sorensen em Dearborn: “Lake Ormoc deixou Santa-
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 107

rém na noite passada, com destino à plantação.” Porém, mais tarde en-
viou uma correção: “Relatório sobre Ormoc deixando Santarém rumo à
plantação errado devido a um mal-entendido. Ormoc ainda em Santa-
rém.” E a seguir um terceiro: “A águas estão descendo em vez de subir.”
No final de novembro, ainda havia mais de mil toneladas no Farge e o
caos geral do trabalho passou a afetar os nervos da tripulação, levando
a “acidentes desagradáveis” e altercações. No último dia de transferên-
cia da carga, o “ marinheiro Stadish” estava no convés do Ormoc ope-
rando um guincho a vapor e importunando o “Bombeiro Patrick”, que
supervisionava travalhadores locais numa limpeza final. Stadish falou
alguma coisa que não deveria, pelo menos não a alguém no controle
de um navio em um dia em que o termômetro havia ultrapassado em
muito os 36 graus. Ele viu Patrick vindo na sua direção com uma barra
de ferro na mão. Ao recuar, Stadish caiu por uma escotilha aberta e
fraturou o cranio e algumas costelas.
Não foi um começo auspicioso para uma empresa que esperava, de
acordo com o Edsel, trazer a “redenção” para a Amazônia. Somente no
final de janeiro os navios finalmente partiram para Boa Vista e foram
totalmente descarregados. E foi então que os problemas começaram
realmente. (GRANDIN, 2010, p. 139-143)

No trecho reproduzido, destaca-se a forma anônima e homogeneizan-


te com que os trabalhadores santarenos são vistos ou percebidos, em con-
traposição à distintiva exaltação da beleza natural da área de atracamento
dos navios, a visão da cidade e dos modos de vida da população como paca-
tos. Evidentemente que o livro foi escrito para exaltar os feitos e desfeitos
de Henry Ford, a impraticabilidade de seus atos voluntaristas diante de um
meio ambiente totalmente desconhecido e desconsiderado, enfim, salto “ra-
cionalmente” certeiro e dirigido à esperada elevação da produtividade das
seringueiras. De qualquer forma, ele retrata alguns dos olhares de homens
gestores de recursos humanos e naturais e seus inspiradores sonhos extrati-
vistas e de enriquecimento na Amazônia. Quanto ao olhar diferenciador das
práticas sociais exercidas por homens e mulheres, estas são detalhadas pelo
praticado exercício público de complementares atividades domésticas nas
margens do rio.
Tomando agora uma visão nacional e oficial do município de Santarém,
ao início da década de 1920, agregarei dados construídos em Recenseamen-
tos que registraram, entre outros, número e atributos sociais da população
ali residente. Segundo tal sistematização, naquele ano assim se distribuía
aquela população que, ao final da década, foi acrescida por trabalhadores
recrutados especialmente para o trabalho extrativista.
108 Delma Pessanha Neves

quadro 2. População brasileira no município de Santarém, segundo o sexo e a idade,


1920
Brasileiros População Total
Idade
Homem Mulher Total Homem Mulher Total
Dias 34 30 64 34 30 64
Meses 548 520 1.068 548 520 1.068
1ano 504 512 1.016 504 512 1.016
2 anos 696 716 1.412 696 716 1.412
3 anos 714 709 1.423 714 709 1.423
4 anos 672 666 1.338 672 666 1.338
5 anos 644 623 1.267 644 623 1.267
6 anos 644 631 1.275 644 631 1.275
7 anos 775 736 1.511 775 737 1.512
8 anos 805 728 1.533 805 730 1.535
9 anos 603 498 1.101 603 499 1.102
Subtotal 6.639 6.369 13.008 6.639 6.373 13.012
10 a 14 anos 2856 2.690 5.546 2.856 2.691 5.547
15 a 20 anos 2680 3.046 5.726 2.686 3.048 5.734
Subtotal 5.536 5.736 11.272 5.542 5.739 11.281
21 a 24 anos 1.335 1.447 2.782 1.341 1.452 2.798
25 a 29 anos 1.625 1.836 3.461 1.641 1.852 3.493
30 a 39 anos 2.313 2.489 4.802 2.368 2.511 4.879
40 a 49 anos 1.554 1.526 3.080 1.592 1.533 3.125
50 a 59 anos 644 714 1.358 655 725 1.378
60 a 69 anos 453 511 964 463 516 976
Subtotal 7.924 8.523 16.447 8.060 8.589 16.649
70 a 79 anos 162 212 374 169 213 382
80 a 89 anos 45 70 115 47 70 117
90 a 99 anos 28 35 63 28 35 63
100 e + 7 5 12 7 5 12
Subtotal 242 322 564 251 323 574
Idade ignorada 18 9 27 22 10 32
Total 20.359 20.959 41.318 20.514 21.032 41.546
Fonte: IBGE, 1926, p.: 189, 206, 228.

A população do município de Santarém com presumível condição de


ser em potencial qualificada como economicamente ativa oscilava em torno
de 68% da total, sem maiores distinções no tocante ao sexo. Mas a demanda
apresentada pelo novo empreendimento recaía principalmente, em referência
aos trabalhadores locais, sobre os homens (mas não só) que se deslocariam
pela floresta para derrubar árvores e preparar a área para plantio e manejo
dos seringais. O processo de trabalho abarcava preparação do solo e formação
de viveiros, replantio, tratos culturais e coleta do leite das seringueiras.
Tendo em vista que a primeira instalação da Companhia Ford ocorreu
em Boa Vista, Aveiro, na época município, complemento a informação esta-
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 109

tística com a apresentação de dados populacionais correspondentes a essa


unidade político-administrativa. E da mesma forma, em período de tempo
imediatamente anterior à implantação do empreendimento. Para lá foram
insistentemente mobilizados trabalhadores vindos de todo o norte da Amé-
rica do Sul, como demonstra Grandin (2010).

Quadro 3. População do município de Aveiro, estado do Pará, segundo o sexo, a


idade e a nacionalidade, 1920*
Brasileiros Estrangeiros Total
Idade
Homem Mulher Total Homem Mulher Total Homem Mulher Total
Dias 3 2 5 - - - 3 2 5
Meses 41 56 97 - - - 41 56 97
1 77 56 133 - - - 77 56 133
2 86 95 181 - - - 86 95 181
3 90 76 166 - - - 90 76 166
4 86 80 166 - - - 86 80 166
5 70 93 163 - 4 4 70 97 167
6 57 73 130 - - - 57 73 130
7 90 84 174 - - - 90 84 174
8 82 81 163 - - - 82 81 163
9 73 59 132 - - - 73 59 132
Subtotal 755 755 1.510 - 4 4 755 759 1.514
10 a 14 282 288 570 - - - 282 288 570
15 a 20 279 277 556 3 1 4 282 278 560
Subtotal 561 565 1.126 3 1 4 564 566 1.130
21 a 24 133 152 285 - 1 1 133 153 286
25 a 29 252 180 432 9 - 9 261 180 441
30 a 39 428 297 725 14 1 15 442 298 740
40 a 49 270 193 463 14 1 15 284 194 478
50 a 59 117 117 234 1 - 1 118 117 235
60 a 69 41 47 88 1 - 1 42 47 89
Subtotal 1.241 986 2.227 39 3 42 1.280 989 2.269
70 a 79 17 27 44 1 - 1 18 27 45
80 a 89 5 5 10 - - - 5 5 10
90 a 99 -- 1 1 - - - - 1 1
100 e + 2 1 3 - - - 2 1 3
Subtotal 24 34 58 1 - 1 25 34 59
Idade
1 - 1 - - - 1 - 1
ignorada
Total 2.582 2.340 4.922 43 8 51 2.625 2.348 4.973
* Da tabela original, retirei os dados sobre nacionalidade ignorada, por não haver número corresponden-
te a este item.
Fonte: Ministério da Agricultura, Indústria e Commercio, Directoria Geral de Estatística, Recenseamento
do Brazil, realizado em 1 de setembro de 1920, Volume IV (5ªParte), População, População do Brazil, por
estados e muncípios, segundo o sexo, a nacionalidade, a idade e as profissões. Tomo II. Rio de Janeiro, Typ.
Da Estatística, 1930: 191.
110 Delma Pessanha Neves

Dados os processos de intervenção orientados por interesses apro-


priativos de recursos naturais e por estrangeiros, levo em consideração, no
cômputo da população residente, o número daqueles que, acrescentadamen-
te, se deslocaram para a administração de diversas atividades de interme-
diação comercial. O quadro seguinte reflete a presença mais expressiva de
alemães, portugueses, italianos, peruanos, estadunidenses e turcos.

Quadro 4. População estrangeira nos municípios de Aveiro, Itaituba e Santarém,


segundo a nacionalidade e o sexo, 1940
Aveiro Itaituba Santarém
Países
Homem Mulher Total Homem Mulher Total Homem Mulher Total TOTAL
Alemanha -- -- -- 2 2 4 17 21 38 42
Espanha 2 1 3 5 1 6 5 2 7 13
Inglaterra -- -- -- 5 -- 5 5 1 6 11
Itália -- -- -- 5 3 8 14 8 22 30
Portugal 22 6 28 23 -- 23 89 13 102 153
Suíça -- -- -- -- -- -- 1 4 5 5
Estados
-- -- -- -- -- -- 5 6 11 11
Unidos
Paraguai 1 -- 1 -- -- -- -- 4 4 4
Peru -- -- -- 36 13 49 5 6 11 60
Venezuela 4 -- 4 1 -- 1 -- -- -- 5
Turquia 5 -- 5 8 1 9 2 -- 22 36
Subtotal 34 7 41 85 20 105 143 65 208 370
Total 68 14 82 170 40 210 286 130 436 740
Fonte: IBGE, 1926, p.: 711, 716, 721.
Observação: Desse quadro, retirei os países pouco expressivos em termos numéricos, para facilitar a
apresentação do texto. Em todos os excluídos, os índices numéricos variavam entre uma e três presenças:
Áustria, Bélgica, França, Grécia, Polônia, Uruguai, entre outros. Mantive na linha final o total de estran-
geiros computados no Censo, segundo município considerado e sexo, de modo a facilitar a avaliação da
supleção das informações.

Ao tomar em consideração as identificações da população por nacio-


nalidade, em especial do município de Santarém, destaca-se, relativamente
ao número total de brasileiros natos e àquele contexto, significativa incorpo-
ração de estrangeiros.
quadro 5. População de fato, por sexo e nacionalidade, no município de Santarém, 1940

Brasileiros Brasileiros Pessoas de nacionalidade


População Estrangeiros
natos naturalizados não declarada
Homens 3.795 6 93 1
Mulheres 3.503 3 7 -
Total 7.298 9 100 1
Fonte: IBGE, 1953, p. 54.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 111

Adotando a mesma perspectiva de análise aplicada ao quadro 2, res-


salto que, no município de Aveiro, a população potenciamente em condições
de vínculo e deslocamentos para assalariamento era relativamente diminu-
ta, se comparada à de Santarém. Mas ela correspondia à grande maioria do
total de habitantes.
Segundo dados correspondentes ao município de Aveiro, disponíveis
no site IBGE-Cidades, ele foi elevado a essa condição político-administrativa
em 1883, atualmente compreendendo os distritos de Aveiro, Brasília Legal
e Pinhel.2 Aí estão localizados os restos arquitetônicos daquele fracassado
projeto, estendido de 1927 a 1945, depois da aplicação de soma espetacular
de dólares. Alí estão os escombros do sonho de Henry Ford de construção
de uma “cidade modelo norte-americana no coração da mata Amazônica”,
bem como do abastecimento à empresa americana da matéria-prima para
confecção de pneus para os automóveis fabricados. Para viabilizar o projeto
econômico e civilizatório, uma área de 14.568km² foi, na segunda metade da
década de 1920, concedida pelo então governador do Pará, Dionísio Bentes,
e aprovada pela Assembleia Legislativa, em 30 de setembro de 1927. Diante
dos fracassos acumulados na instalação da primeira unidade econômica, ou-
tros projetos foram experimentados por plantações em Belterra, então parte
do município de Santarém, dotado de condições ambientais avaliadas como
mais adequadas para o cultivo “racional” de seringueiras.3
Em prosseguimento pela adoção da principal perspectiva de elabora-
ção da pesquisa e deste correspondente texto, volto a valorizar as condi-
ções em que trabalhadores, homens ou mulheres, pensam hoje ter vivido
tais eventos e as esperadas ou inesperadas mudanças. Valorizo o ponto de
vista construído em interlocução com os pesquisadores e as respectivas po-
sições sociais na interação, procurando equivaler depoimentos e interpreta-
ções advindas de vários autores. Enquanto uns estão dotados de controle de
meios de divulgação impressos, outros participam mediante as narrativas
na situação elaboradas, isto é, por oralidade. Os depoimentos que a seguir
transcrevo são bastante longos, mas adequados à demonstração das alter-
nativas de percepção local e da vivência nos processos. Manterei a íntegra
do texto de entrevista, embora reeditado para adequá-lo à linguagem escrita
pela qual ele aqui se integra. Incluirei os comentários esclarecedores ou ana-
líticos em notas de rodapé.

2
O atual município de Aveiro, segundo o Censo Demográfico de 2010, dispunha de 17.074,290km² e uma
população de 15.767 habitantes (IBGE, http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun
=150100&idtema=16&search=para|aveiro|sintese-das-informacoes. Consulta em 15 de abril de 2014).
3
O município de Belterra, pelo Censo Demográfico de 2010, abarcava 4.398,419km² e 6.318 habitantes.
Disponível em: <IBGE, http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=150100&idte-
ma=16&search=para|aveiro|sintesedas-informacoes>. Acesso em: 15 abr. 2014.
112 Delma Pessanha Neves

A primeira entrevista apresentada foi concedida por um casal de apro-


ximadamente 70 anos, na própria residência e por duas sessões, com inter-
valo de uma semana, em setembro de 2013.

Chardisval Moura Pantoja (74 anos) e Zélia Neves Souza Pantoja (72 anos).
Chardisval - Eu sou filho natural daqui da cidade de Belterra, mas meus pais
vieram de fora. O meu pai era de Gurupá, uma cidade próxima a Belém, as-
sim como minha mãe, que era de Breves, mais próximo ainda de Belém. Eles
vieram para cá no início do projeto Ford, que tinha como objetivo principal a
plantação de seringueiras e a produção da matéria prima, que era a borracha.
A indústria Ford se estabeleceu primeiro em Fordlândia. Eles compraram um
milhão de hectares de terra para plantação de seringueiras. Iniciaram lá o
projeto, construindo uma cidade inteiramente atípica na região. A cidade lá
foi construída tudo em aço, cimento e vidro, uma cidade moderna totalmente
infraestruturada, que não tinha igual aqui, nem em Santarém, nem mesmo
em Belém. A capital ainda não estava como era lá. Como por lá o projeto não
deu certo, por diversas razões que surgiram, mas a principal foi a doença das
folhas das seringueiras, aquele amarelão, uma doença que dá nas folhas, as fo-
lhas caem aí a árvore precisa produzir novas folhas e por isso a seiva não sobe
devidamente, deixando de aparecer na árvore. Então a resposta da produção
é mínima. Eles detectaram essa coisa em um milhão e oitocentas árvores que
plantaram por lá. [Eu vou procurar sintetizar ao máximo]. De um milhão e oi-
tocentas árvores que eles plantaram lá, com essa doença das folhas, sobraram
mais ou menos seiscentas mil árvores. A área lá em Fordlândia é totalmente
diferente dessa de Belterra. Lá é toda ela cheia de altos e baixos, de relevos,
ao contrário de Belterra. Tudo lá é ao contrário daqui. Aqui em Belterra é
um planalto, 50 quilômetros quadrados de chão, no horizonte de um planalto
só. Então você anda em Belterra e não vai ver planalto. Você não sobe e nem
desce praticamente nada. Como o projeto não deu certo por lá, eles procu-
raram uma área mais apropriada para o que eles queriam, que era o plantio
de seringueiras. Daí eles procuraram, pesquisaram e encontraram essa área
aqui, de 50 km, que batia exatamente com o que eles queriam da terra. Batia
exatamente com o que eles queriam para o plantio das seringueiras. Então o
que eles fizeram depois de oito anos lá? Eles chegaram em 1928, depois de
1928, como não deu certo, eles vieram para cá em Belterra, seis anos depois,
em 1934. No dia 4 de maio de 1934, eles assinaram um contrato de cessão de
terra de duzentas e oitenta mil e quinhentos hectares, como forma de per-
muta da parte de lá, que era de um milhão. Eles perderam duzentos e oitenta
mil e quinhentos hectares e passaram a explorar aqui em Belterra. Quando
chegaram aqui em Belterra, também não existia nada, era praticamente uma
área com poucos moradores. E entre esses poucos moradores, estavam os an-
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 113

tecedentes da minha mulher. Eles já estavam por aqui, lá em Porto Novo, que
na época se chamava Samaúma ou Sumaúma, alguma coisa assim. Então eles
vieram para cá, conseguiram essa área, também construíram uma cidade in-
fraestruturada, mas fora da realidade e um pouco diferente do que quiseram
construir em Fordlândia. Aqui as construções eram só madeira, tela e telha.
Aqui também, como já falei, foi infraestruturada. Começaram a derrubada das
árvores, da mata, e o plantio de seringueiras. Derrubavam as matas, faziam
a queima e o plantio de seringueiras. Era um negócio fora do que acontecia
no estado do Pará, com certeza, porque poucos projetos chegavam aqui. Na
época, mais ou menos dois mil homens começaram a ser chamados para cá.
O projeto previa dezoito mil pessoas para serem empregadas, mas não conse-
guiram. Só conseguiram até 5 mil. Lá em Fordlândia tinham uns três mil. Aqui
começaram a alistar, naquela época chamavam de alistar as pessoas, quer di-
zer, admitir. Daí conseguiram as pessoas para fazer o trabalho de derruba e
o preparo de área para o cultivo das seringueiras e foi assim que começou
Belterra. Então uma Belterra bem distinta das outras partes de construção da
época do Ford. Aqui eram bem distintas as camadas sociais porque os ameri-
canos sempre foram dados a esse tipo de coisa, né, de separar as pessoas pelo
nível socioeconômico. Então, para o staff do Ford, havia uma área ali chamada
Vila Americana. As casas eram mais bem preparadas, eram de madeira, te-
ladas (fechadas em janela, portas e varandas com tela), tinham ainda forro
de papelão. Mas o papelão não existe mais porque o cupim não deixou, não
deu brecha para o material. Os cupins vencerem. Então as casas eram todas
forradas, teladas, tinham energia elétrica, pelo menos para essas casas lá na
Vila Americana, assim como tinha aqui para essa área em que nós estamos
vivendo. A vila que nós moramos chama Vila Mensalista e também tem uma
história. A Vila Mensalista já era uma segunda camada, vamos dizer, uma se-
gunda classe, porque era a mais aproximada do staff da administração. O pes-
soal que morava aqui trabalhava no escritório, chefia de departamento, então
morava nessas casas que eram melhoradas. Era para chefe de escritório, chefe
de mecânica. Eram médicos, farmacêuticos que moravam nessas casas aqui.
Nós chamávamos de Vila Mensalista. E as outras casas eram dos artífices, que
eram os mecânicos, os eletricistas, motoristas. Eles moravam num outro tipo
de casa, aquelas da Vila Operária. Então essas casas eram menos preparadas,
porque elas tinham menos coisas, mas ainda existia energia elétrica nessas
áreas. Toda essa área daqui, até um quilômetro mais ou menos de distância, a
Vila Operária, ela era toda estruturada com água encanada e sistema de esgoto
completo. Nessas áreas estavam os mecânicos, artífices, esses trabalhadores. As
casas dos trabalhadores braçais, que eram uma outra camada social, a mais po-
bre, possivelmente, moravam em casa de palha, tudo feito de palha de babaçu,
madeira, o piso era chão, sanitário era também no chão, banheiro era também
no chão, mas todas as casas tinham um sanitário e um banheiro lá no quintal,
114 Delma Pessanha Neves

que eles preparavam com fossa aberta. Eles preparavam para lá. Então todos os
trabalhadores tinham uma casa nessas condições. Os americanos nunca deixa-
vam faltar assistência de água. Só água, porque a luz não existia nessa época. Lá
na casa dos trabalhadores braçais não chegava energia elétrica. Era tudo na lam-
parina. Dependendo da condição do cidadão também: se ele pudesse comprar
um candeeiro! O próprio trabalhador tinha que providenciar.
Zélia - Era vela, mais comumente era lamparina mesmo, que a gente chamava.
Ela era vendida com o pavio, era interessante.
Chardisval - O gerador de energia aqui era diesel. Tinham dois motores. Ali
no centro tem um cercado, acho que vocês passaram por ele. Ali era o com-
plexo, tudo funcionava ali. Então lá também tinha a eletricidade e ficava a
fabrica de gelo, era tudo junto. Lá no outro lado para o fim, foi construída
a UBL, Usina de Beneficiamento do Látex. Ali era um negócio muito inte-
ressante. Eu vivi a minha vida toda acompanhando, permeando essas coi-
sas todas aí, trabalhando lá, conhecendo toda a estrutura, a engrenagem lá
como era. Toda essa área de Belterra, assim como em Fordlândia também,
na época eram todas servidas por água encanada. Aqui construíram 32 km
de encanamento para servir água até onde tivesse moradores. Então Belter-
ra nasceu assim, em 1934.
Em 1942, o doutor Getúlio Vargas esteve aqui para apreciar o projeto. Doutor
Getúlio Vargas nessa época era presidente da república. Em homenagem à
esposa dele, foi fundada uma creche lá no Estrada Oito. E nessa creche eu
comecei a viver, eu comecei a participar desde os dois anos de idade. Passei a
viver lá e me criei.
Zélia - Aí a creche foi fundada em virtude da presença do Getúlio Vargas, em
homenagem a ele. Recebeu o nome da mulher dele, Darcy Vargas.
Chardisval - Dando continuidade ao papo, em 1942 esteve aqui o presidente
Getúlio Vargas, a convite da direção da empresa. Ele veio fazer uma visita,
coisa muito rara para a Amazônia era um presidente da república vir até aqui.
Então ele veio e em homenagem a ele foi inaugurada a creche Darcy Vargas,
esposa do doutor Getúlio Vargas. E foi nessa creche que eu me criei, com dois
anos eu fui colocado por lá e tive a assistência, que era uma assistência muito
boa, eu considero muito boa, porque me deu uma condição física, me prepa-
rou fisicamente, possivelmente também na capacidade intelectual, melhorou,
foi muito bom para mim. Essa creche era para crianças mais pobres. A minha
mãe, como eu era órfão, meu pai tinha morrido em 1940 e a minha mãe não
tinha condições de nos sustentar, éramos 4 filhos, nós tínhamos assistência
na creche. E foi por isso que eu fui para lá. Nessa época, quando o doutor
Getúlio Vargas chegou aqui, o seringal estava em pleno desenvolvimento. Em
1934 começou o serviço dos americanos e tudo era muito rápido, preparado
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 115

bem rapidamente, muita gente trabalhando. Para todo o canto desenvolviam


as coisas. E eles preparavam as coisas nas horas que eles queriam mesmo. Ti-
nham dinheiro para pagar quantos funcionários quisessem, quantas pessoas
preparadas que eles quisessem contratavam, e por isso as coisas aconteciam
muito rapidamente.
Então nós estamos com os seringais já feitos em 1940, há seis anos já, cinco
anos praticamente, porque eles levam um ano para preparar, mas já estavam
com... Era muito lindo o seringal nessa época! E eu acompanhei todo o cresci-
mento do seringal porque eles nasceram praticamente comigo. Eu nasci pra-
ticamente com eles, ai acompanhei o crescimento e pude vislumbrar a beleza
que ofereciam! Quando o doutro Getúlio Vargas chegou por aqui, era uma be-
leza se pensar, imagina assim, 400 quadras de seringueiras ! Cada quadra era
bem separada da outra. Eram 400 metros por 400 metros; eram cento e ses-
senta mil metros quadrados cada quadra. Cada quadra dessa tinha piquetes
mostrando todos os tipos de seringueira que tinham plantado ali. Eram diver-
sas espécies de seringueiras que tinham sido plantadas e tudo bem prepara-
do, tudo bem limpo! O chão era todo coberto por feijão poeraria, que era uma
leguminosa usada para evitar o crescimento de ervas daninhas e fertilizar.
– Como se chamava o feijão?
Chardisval - Feijão poeraria. Ele servia para isso, essa leguminosa. As raízes
dela são todas cheias de pontinhos. Elas entram no chão e ficam facilitando
a germinação, o potencial do chão, do solo. Então as seringueiras estavam
nessa época com seis anos, cinco anos mais ou menos, era uma beleza! Fazia
gosto a pessoa apreciar! E o doutor Getúlio Vargas, quando esteve aqui, fez
uma reunião com os diretores, com o pessoal, ele foi ovacionado de tal forma
que nem no chão o carro dele encostava. Era carregado por tanta empolga-
ção ! Os trabalhadores carregavam o automóvel em determinados momentos.
Foi muito bonito isso, possivelmente o fato mais bonito que ficou aí registrado
na historia de Belterra. E o seringal cresceu, também sofreu algumas ameaças
da folha amarela, que é uma doença que eles já tinham trazido de fora, da
Malásia, por aí, para as bandas da Ásia. De lá eles traziam os materiais que
eles precisavam para enxertar a seringueira, já que em Fordlândia não tinham
dado certo os tipos que eles tinham plantado, que eram da erva brasilien-
se, daqui da Amazônia mesmo. Eles então tentaram, foram buscar lá fora o
material para enxertar e tornar uma árvore mais produtiva e mais resistente
às doenças que poderiam trazer. Eles foram lá para a Ásia e de lá trouxeram
algumas mudas. Em 1935 eles já estavam com esse material aqui. Segundo o
relatório que eu li, do chefe, do nosso primeiro diretor, que era o mister John-
son, segundo esse relatório, ele dizia que eles tiveram por lá, em novembro
ou dezembro, lá naquela parte da Malásia, onde os ingleses tinham plantado
e não dava doença. Então eles foram lá e negociaram, mas quando o pessoal
116 Delma Pessanha Neves

descobriu, a chefia geral lá na Inglaterra descobriu que eles estavam cedendo


material para enxertar aqui, e eles eram contrários ao projeto Ford, e o pro-
jeto Ford contrário ao deles, porque eles estavam explorando, na época, e foi
por isso que eles vieram para cá, então eles vieram para cá e suspenderam
as experiências. Disseram não podia pegar e suspenderam qualquer venda
ou doação desse material para o Brasil. Suspenderam, mas os caras conse-
guiram trazer dois mil bastões. São bastões grandes assim (...). Cada um tem
uma série, indicando onde vai nascer uma folha, onde nasce outra folha, uma
gema para poder enxertar. Então eles trouxeram para cá dois mil. Eles saí-
ram de lá em novembro ou dezembro, por aí assim, e chegaram de navio aqui
no Brasil em fevereiro. Eles traziam tudo embrulhado numa lona e serragem
de madeira. E a madeira vinha dentro, embrulhada, que era para evita secar.
Conseguiram ainda umas cento e poucas, aproveitaram apenas cento e uma,
mas bastou. Daí eles conseguiram fazer também, desenvolver e aumentar o
número de mudas. E foi o que aconteceu aqui em Belterra. Praticamente todo
o material foi enxertado quando plantaram aqui. Houve então uma variação
muito grande de espécies aqui em Belterra. A seringueira, por exemplo, lá de
Fordlândia, ela tinha um tipo de leite muito bom, porque o grau vai de zero a
quarenta e cinco, um tipo de leite de dez a quarenta e cinco. Lá em Fordlândia
era de quarenta e cinco graus, quarenta. Aqui as enxertadas eram mais baixas,
davam dez, quinze, algumas até trinta e cinco, quarenta. Então era muito mais
fraco o leite, o teor de borracha seca que chamam.
– Quer dizer que a experiência aqui de Belterra, em termos de plantio de seringueira,
foi pior que a de Fordlândia?
Chardisval - Bom, do que a de Fordlândia foi porque foi de origem. A seringueira
era própria daqui da área e a de Belterra não, já era modificada, era enxertada.
Podem perguntar por que eles fizeram isso? Porque não tinham o conhecimen-
to técnico. O Ford não tinha conhecimento técnico sobre o plantio da seringuei-
ra e nem aceitava as posições de técnicos, o conselho dos técnicos, segundo os
historiadores. E a gente acredita que foi assim mesmo, porque eles plantaram
a seringueira em densidade, uma estúpida densidade. Por exemplo, um milhão
e oitocentas seringueiras, tudo junto. Quando uma pegou a doença, transferiu
para as outras, ao contrário de Belterra. Quando pegava numa árvore, as espé-
cies não eram as mesmas. Daí evitava a transferência total, o mau total. Esta
foi a vantagem que nós tínhamos aqui. Mas aí o Ford estava instalado no Bra-
sil, a companhia Ford, em termos de posição social, tinha profissionais muito
inteligentes, dentro do serviço exigia uma disciplina espetacular, que a gente
aprendeu, exigia obediência. Além da disciplina, obediência e regras que eles
impunham, a gente se criou assim. Então, de todas as condições que tinham em
Fordlândia, eles deixaram e começaram a desprezar o início do projeto. Além
desse problema da doença, tinham os problemas sociais que começaram a apa-
recer, um tal de quebra-panela por lá, porque os funcionários se revoltaram e
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 117

começaram a quebrar tudo lá. Num determinado momento, eles jogaram, que-
braram as coisas que tinham, carro, aparelhamentos, jogavam tratores, carros
dentro da água do rio, na margem do rio Tapajós. Jogavam tudo dentro para
escangalhar mesmo. Daí houve um quebra-quebra, um quebra-panela lá em
Fordlândia. Isso foi um negócio que eles se desgostaram com isso e preferiram
então mudar todo o projeto para cá para Belterra. Injetaram toda a parte de
recursos financeiros, pelo menos a maior parte para cá. O projeto desenvolveu,
mas à medida que o projeto ia desenvolvendo, as coisas também iam aconte-
cendo na historia do próprio Ford. O filho dele, que era o Edson Ford, o único
filho dele, era o diretor da indústria, o presidente da indústria Ford, mas, de re-
pente, morreu em 1943. E aí ele já estava fora da diretoria, o velho Henry Ford,
mas ele preferiu voltar e assumir do que dar para outro parente ou coisa assim.
Ele voltou em 1950 para dirigir e chamou o pessoal dele todo para o Rio, onde
era a sede dele, a representação, para uma reunião. Chamou os representantes
daqui também e perguntou como é que estava o projeto. E eles lá na reunião
falaram, abriram o jogo, levaram relatórios completos sobre tudo o que acon-
teceu, como é que estava, a demora da resposta que eles estavam precisando,
resposta financeira que eles queriam, que eles tinham previsto para um deter-
minado período de anos, que já estava passando. Talvez um dobro de anos que
eles estavam esperando para ter uma resposta financeira e não tinha chegado.
Aí o velho Ford e o representante no Rio falaram:
– Olha, o conselho que nós temos é abandonar o projeto, dar por encerra-
do. E com isso eles providenciaram a venda, a cessão do acervo ao governo
brasileiro. Aí negociaram com o governo brasileiro para entrega de todo o
acervo de Belterra e Fordlândia. Isso foi em 1945, quando assinaram o ter-
mo: dezembro de 1945. Daí eles repassaram tudo para o governo brasileiro,
foi vendido por vinte e cinco milhões, se eu não me engano, de cruzeiros, que
na época era a moeda brasileira. Eles venderam por 25 milhões de cruzeiros,
mas eles já tinham gasto 8 milhões e meio de dólares aqui. E tinha mais um
bocado para gastar, mas preferiram cortar. E daí uma parte eles deram, além
do que ficou para providenciar, para tomar as providencias necessárias para
que eles executassem todo o encerramento e o repasse do acervo para o Bra-
sil. Ficou combinado que seria pago através do Banco da Borracha da Ama-
zônia, e foi o que aconteceu. Então eles pagaram, o Banco da Borracha ficou
responsável pela parte financeira e o Instituto Agronômico do Norte do Pará
ficou responsável pela parte do cultivo, do plantio, de todo esse acervo. Ele fi-
cou responsável por todo o acervo e também pela direção técnica. Na época,
o Instituto Agronômico do Norte estava preparado, com muitos agrônomos,
ele estava preparado para isso, e foi o que aconteceu. Essa é a primeira parte
da historia, até à chegada às mãos do governo brasileiro. Daí em diante a
gente já pode começar a pensar, porque, como ainda não tinha respondido
nada, o seringal não tinha respondido ainda, mas já estava em pesquisa. Eles
118 Delma Pessanha Neves

tinham todo um serviço de pesquisa atualizado, anotado, guardado no nosso


escritório aqui. Eles tinham tudo sobre a pesquisa da seringueira, além dos
técnicos que eles mantinham aqui para pesquisar. Aparecia sempre uma coi-
sa nova, cada coisa que aparecia diferente na área, eles conservavam, esses
técnicos. Essas historias técnicas estavam todas registradas, eram cadernos
imensos de anotações de toda uma história. Eles tinham esses cadernos no
escritório, tudo anotado.
Então a nossa historia sobre o Ford até aí é mais ou menos isso, bem sinteti-
zado, com certeza, porque se a gente for explorar a historia toda mesmo, vai
demorar uns dois dias talvez para contar. Se eu fosse ficar falando, pelo que
eu conheci..., porque cada momento que se passava aqui tinha uma história,
entende? Assim foi e quando o seringal começou a ser mais produtivo, porque
a seringueira tem um ciclo que começa a... Ela nasce, cresce e daí fica a planta
para um enxerto, talvez com um ano depois de nascida, por isso que atrasou.
Houve aquele atraso na resposta da produção e do dinheiro também.
Frank – O quebra-panela, pai, foi causado por reação aos alimentos que os
americanos queriam impor?
Chardisval – Eles dizem que foi a alimentação que os americanos queriam im-
por por lá. Eles comentavam que os caras queriam dar caviar para eles. Queriam
dar caviar para eles e eles queriam feijão com arroz, não queriam esse troço
não. Eu conversei com muitos deles na época em que trabalhei em Fordlândia,
sabe? Trabalhei em Fordlândia como administrador. Foi rápido porque já es-
tava só o resto, tudo se acabando. Mas a gente foi lá só para dar o xeque final.
A seringueira aqui em Belterra só começou a produzir depois de oito anos.
Aqui em Belterra foram plantados três milhões e duzentas mil seringueiras.
Daí você pensa assim: quando era uma, não era a outra. Elas não começaram
a produzir tudo só num mesmo momento. Mas à medida que iam se passando
os anos, elas iam sendo exploradas. Começaram a experimentar e a cortar
aquelas seringueiras que tinham respondido com o melhor grau de teor de
borracha seca. Quando eles começaram a cortar a seringueira, era uma es-
tupidez a produção! Eu já estava na idade de me alistar para trabalhar. Eu
quando criança trabalhava, aliás não era só eu, mas muitas crianças, porque a
regra do Ford era a seguinte: tirar criança da escola mas não deixar vadiando
na rua. Então a gente saía da creche e, quando estava na idade, ia para a es-
cola, com seis anos. Na escola a gente saía do primeiro grau, quando voltava
para casa, se quisesse tinha uma horta lá adiante para você começar a prati-
car, tinha uma área só para você trabalhar nela. Aquilo que você produzisse
podia levar para casa. Se você não necessitasse de todo aquele material, você
pegava e vendia e eles davam transporte para você vir vender aqui na estrada.
Eu morava na estrada Oito, lá naquela creche de lá, porque meus pais eram
pobres e iam para lá, morar em casa de palha. Então a regra era essa: se os
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 119

pais quisessem dar uma oportunidade para os filhos aprenderam a plantar,


cultivar diversas hortaliças, eles botavam lá na horta, tinha um canto só para
ele trabalhar. Então era isso que favorecia a gente. Como eu sempre tive um
olho grande para o negócio de ganhar dinheiro, eu nunca tive nada, daí, nessa
época, eu pegava e plantava; e o que restava da nossa casa, porque nós só
éramos seis pessoas, a gente vendia. Pegava o carro e vinha vender aqui na
estrada Um. Apurava aí meu um real e voltava alegre da vida! Mas então era
assim: quando eu saí da escola e já tinha terminado o curso primário, era o
nível máximo da educação aqui para nós, eu já estava guardando dinheiro. E
me alistar então foi o que aconteceu. Como nessa época o Ford4 já tinha saído,
não estava mais neste prestígio, qualquer pessoa que terminasse o primário
tinha uma vaga numa oficina qualquer, aquela que fosse sua vocação. Como
não tinha mais nessa época a presença da equipe Ford e nós brasileiros já es-
colhíamos pela cara ou pelo parentesco, nem sempre era fácil se alistar. Eles
não me deram mais oportunidade para eu me alistar. Então o que eu fiz? O
que nós fizemos? A minha mãe estava velhinha, cansada de trabalhar, alei-
jada da mão, porque sofreu problema na hora de enxertar, ela cortou a mão
e pegou doença. Ela ficou toda torta, a mão dela principalmente. Eu propus
que ela ficasse em casa e eu me alistasse. Fizemos a sugestão para o governo,
propomos a admissão e eles aceitaram. Em 1957 eu me alistei.

Dados os objetivos da produção deste texto, destaco na narrativa do


entrevistado, tal como também sua esposa mais à frente vai explicitar, a inte-
gração das mulheres e dos meninos nas tarefas propriamente extrativistas.
Chardisval - Durante toda a década de 1950 ainda era de exploração da se-
ringueira. Eu comecei também, mas antes já vinha trabalhado com seringa,
desde o plantio, da catação da semente, de juntar semente... Juntava semen-
te, passava o dia trabalhando. Quando eu não estava na escola, passava o dia
trabalhando, ganhava nove reais. Não era real, era cruzeiro. Cada garoto da
minha idade formava uma turma de 10 a 15 e tinha um capataz. A gente saía
procurando aquelas melhores seringueiras e os capatazes escolhiam as serin-
gueiras, as melhores espécies para poder enxertar. É uma outra história isso...!
Então eu me alistei em 1957 e de lá de 1957, quando eu consegui me alistar,
a minha mãe pediu transferência de lá da estrada Oito para cá. Foi quando eu
vim para cá para estrada Um e comecei a me agrupar um pouco mais.
– Mas podia pedir transferência de uma situação de residência para outra? Aqui era
mais valorizado, bem acabado do que a vila Operária. Como se fazia para sair da es-
trada Oito para a estrada Um?

4
De tal forma a idealização da figura emblemática de Ford contaminava mentes e corações, de tal modo
os agentes intermediários se diziam agindo em nome dele e ele centralizava as decisões e impunha
contraordens, que os trabalhadores no Brasil a ele se referem como se o conhecessem fisicamente. Ele
jamais esteve no empreendimento no Pará.
120 Delma Pessanha Neves

Chardisval – Era. Na época do Ford eles não aceitavam. Só quando eles pro-
moviam mesmo. Depois dos brasileiros não, esse cara é amigo, esse aqui que-
bra um galho, esse aqui está jogando uma bola danada, vamos lá trazer ele
para cá. O chefe dava um jeito, já tinha um jeitinho brasileiro. Por isso que eu
vim para cá, para esse bolo daqui. Quando eu cheguei aqui, eu fui trabalhar na
UBL - Usina de Beneficiamento do Látex, que já tinha sido implantada aqui.
Na década de 1950, foi a que eu melhor assisti, pelo menos a que eu assisti
e acompanhei, porque fui trabalhar na UBL. E lá eu consegui apreciar todo o
desenvolvimento, como se recebia, como embalava, como preparava. Tinham
máquinas vindo da Escócia ou Suécia, não estou bem lembrado do país, eram
de um desses dois países. As máquinas que vieram, as centrífugas, eram exa-
tamente para isso. Eram quatro máquinas bem potentes e tinham outras três
menores. Com essas máquinas eu trabalhei. Essas máquinas tinham o traba-
lho de passar o látex, recebiam o látex e daí as máquinas separavam o látex
e a água para o outro lado. A água corria para um lado e para o outro tanque
seguia esse leite, que passava logo na primeira vez. Ele era preparado, a gen-
te tinha a barra centrifugada, então ele era preparado com uma espécie de
química, material químico, que era para não coagular e nem apodrecer. Ele
recebia dois produtos, aquele tal de (...) clorofenato, era aquele tipo de pó da
China, batia na perna da gente e coçava. Então ele era colocado ali para não
apodrecer e o amoníaco era para não coagular. O amoníaco, como chamam,
era batido e daí era preparado num tanque grande. Passava pelas máquinas,
jogava no tanque, aqueles tanques também muito bens preparados, aí a gente,
depois de completar o ideal que era sessenta, o ideal do látex para a venda lá
fora era sessenta TBS (teor de borracha seca). Quando atingia esse nível já po-
dia embalar. Os tamborzões eram todos preparados aqui mesmo, em Belterra.
Eles vinham de fora e, quando eles estavam cheios de sujeira por dentro, a
gente queimava, lavava ele todo, deixava secar e passava um tipo de cera, não,
parafina. A parafina era derretida e jogada num tambor bem quente mesmo.
A parafina era quente, derretida, daí jogava, sacudia e derramava de volta,
jogava para lá para secar e, quando secava, podia colocar o leite, com esse cui-
dado para não pegar nem triscar com o zinco do tambor, para evitar qualquer
doença. Então só assim era possível embalar. Preparava aqueles tambores,
cada lote tinha vinte e dois tambores. Quando terminava com os vinte e dois
tambores, a gente avisava para a chefia, o chefe da usina, e eles faziam a co-
municação via telégrafo para São Paulo. No tempo eles ainda usavam o Código
Morse. Então eles passavam para lá, comunicando que tinha um lote. As em-
presas compravam, depositavam o dinheiro lá e vinham para cá, já por outras
vias, via Belém, e para cá vinha o pagamento do pessoal. Esse era o esquema
do látex, como eu comecei a trabalhar. Daí trabalhei um bocado de tempo por
lá, depois me chamaram para o escritório, para trabalhar no escritório aqui, aí
eu vim trabalhar no escritório. Também acompanhei muito o serviço da docu-
mentação do leite, do número de seringueiras que estavam faltando, que tipo
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 121

de seringueiro estava trabalhando, se era homem, se era idoso, se não era,


entende? Então tudo isso eu trabalhei. Nós chegamos a produzir aqui, por dia,
12 toneladas de látex e duas e meia toneladas de sernambi. O sernambi é o
leite coagulado, porque sernambi é uma borracha mais (...). Daí o seringueiro
passava e cortava a seringueira, ficava pegando lá, cortava de manhã, quando
eram umas dez para onze horas, o cara ia colher o leite. Tirava aquele leite e
deixava. Se a seringueira estivesse pingando, ele deixava a tigela de boca para
cima para parar o que ainda pingava. Aí parava dois dias, no outro dia ele ia
cortar. Quando chegava lá, aquela tigela que ficou pingando já tinha secado
o leite, coagulado, como chamam. O leite coagulado que a gente chama ser-
nambi. Daí tiravam o sernambi com aquela catinga toda de apodrecimento,
tiravam aquele sernambi e botavam na bolsa. Eles levavam a bolsa com eles
quando iam cortar a seringa. Eles chegavam lá e, se tinha aquela borracha,
botavam dentro da bolsa e iam levando para frente. Então era a produção de
doze toneladas por dia, era o máximo que podia chegar ; e o sernambi chegava
a duas toneladas e meia, foi o máximo que atingiu. Podia produzir mais, mas
não tinha gente suficiente para cortar. Faltava gente para trabalhar aqui.
– Por quê?
Chardisval – É porque o Pará não tinha tanta gente assim na época, principal-
mente na época que começou. Então a maioria daqueles que estava aqui eram
os que tinham começado no projeto. Alguns não tinham desenvolvido nada,
ficavam cortando por aqui. Outros já passavam para a categoria de seringuei-
ro e o salário já era melhor.
– Antes de serem seringueiros, que posição eles ocupavam?
Chardisval – Eles trabalhavam no preparo da terra, derrubavam e seguiam
para a queima. Era trabalhador braçal.
– Quer dizer que o seringueiro já era mais qualificado?
Chardisval – Era melhorado porque já tinha um preparo, ele treinava antes. Ele
só ia para o serviço do corte quando estava preparado, quando o inspetor, que
era acima do capataz, que era o cara preparado para dizer: - Olha, esse aqui
já está pronto para preparar seringa. Porque também tem uma ciência para
cortar a seringa. Não é só chegar lá e cortar, meter a faca e está bom. Tem um
jeito de cortar para não atingir a madeira que está embaixo. A seringueira tem
uma pele que fica entre a madeira, o pau e a casca. Quando você pega e começa
a cortar a casca, tem que chegar raspando aquela pele, esqueço o nome que
dão para ela, então a faca não pode atingir aquela parte. Se atingir a madeira,
daí cria... Uma seringa é igual, é como se fosse o corpo humano. Depois o corte
sara e fica aquele nó. É interessante: quando o seringueiro tinha onde treinar
esses cortes, seringueira própria para isso, quando ele estava bem prepara-
do, ele ia por isso, porque assim ele ganhava um pouco mais, ele tinha capa-
122 Delma Pessanha Neves

citação. A principio ele trabalhava por diária, ele cortava tantas árvores mas
não era obrigado a apresentar tantos quilos de leite. Ele tinha obrigação de
apresentar o leite. Aquele cara que, com preguiça, jogasse o leite fora, e tinha
muito peão que fazia isso, não ficava no trabalho. Quando chegou numa época,
que passou a ganhar pelo que eles faziam, ai sim, daí os seringueiros metiam
a faca com vontade. Aí não tinha mais acompanhamento, porque antes, tudo
era fiscalizado, na época do Ford. E até uns cincos anos depois que ele saiu,
ainda era super-fiscalizado, tinham regras para isso. Mas depois começaram a
relaxar, acabou o dinheiro, as seringueiras começaram a baixar de produção,
porque tem um ciclo de até 30 anos de produção, depois elas não produzem
bem, elas entram em declínio. Esse declínio começou a se mostrar para o bra-
sileiro, porque nem tudo são flores, e nós sofremos aí com isso. Eu acompanhei
essa decadência e até hoje acompanho, porque foi uma coisa espetacular, pelo
que era, pelo gigantismo do projeto, pelo que passou a ser hoje, então nós fo-
mos sofrendo aquela consequência do declínio, não tinha mais dinheiro. Os
nossos agrônomos, que estavam aqui, quase que diariamente, vindo de Belém,
ganhando diária, sumiram. Acabou o dinheiro para a diária, sumiram. Daí a
gente perguntava: - Cadê o doutor fulano de tal? Não apareciam, não davam
conta. Então desprezaram completamente aquela direção deles, mesmo por
lá por Belém. E aqui ficou muito pior, porque não tinha como. Eles não faziam
dinheiro aqui em Belterra, aí a gente começou a depender de muita coisa, en-
frentando as fases políticas da própria área, porque ainda não era cidade...! As
fases políticas, cada governo que entrava colocava um administrador, lá em
Belém, o administrador de Belém botava um aqui diferente, essas coisas fo-
ram acontecendo, até que abandonaram tudo. A administração ficou mais pela
política. Também ficou mais dependente de política dar ou não força para o
projeto. E quando isso acontece, vocês que são professores devem bem ima-
ginar como é que ficou! Eu acompanhei em 1972, quando eu fui convidado a
exercer a condição de administrador aqui, porque tinha o administrador e o
diretor técnico. Então o administrador ficava funcionando só na área social,
praticamente, e o diretor técnico ficava dirigindo a parte de corte, produção,
esse negócio todo. Mas na época que eu assumi, em 1972, nós ainda tínha-
mos 1.200 funcionários. Tinha uma equipe para coordenar, os chefes de seção.
Ainda existiam seção financeira, seção de pessoal, seção de comunicação, o
complexo das oficinas, tinha um complexo naquele cercado de arame ali, era
tudo centralizado, oficina de mecânica, oficina de tratores, usina de eletricida-
de, gerador de energia, fábrica de gelo, comissários, que operavam os negócios
de venda, a usina de beneficiamento do látex, a carpintaria, marcenaria, então
tudo era ali dentro. Só a serraria que era numa outra parte lá fora. Cada uma
dessas tinha uma chefia e esse chefe a gente reunia todo o mês para fazer um
balanço, na época. A gente já vinha com esse espírito de repartir responsabi-
lidades. Então eu acompanhei essa fase, embora ainda tivesse muita gente em
1972. Quando foi em 1976 ou 1978, uma coisa assim, quatro anos depois, nós
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 123

recebemos um presente de grego, que o governo nos mandou: demissão por


vontade própria. Quem estava com tantos anos já podia se aposentar, ganhar
tanto, por demissão proporcional: o cara ganhava em proporção do que tinha
trabalhado, recebia aposentadoria proporcional. Então ele se aposentava com
35, com 20 anos de trabalho e cada um ganhava na proporção dos anos de ser-
viço. A diferença não era muita coisa, mas o cara se empolgou e então baixou
para seiscentas pessoas, depois para 400 e, no final, quando eu saí daqui e fui
para Rondônia trabalhar lá, a convite do Ministério, já estava só com 200, 300
funcionários, mais ou menos, para um complexo desse! Imagina que a gente
estava acostumado em ter tudo na mão, trabalhar com pessoas capazes...!
O governo brasileiro foi desistindo de tocar o empreendimento. Ele começou
bem porque estava na época da produção, a produção estava no seu momento
de ápice, então isso aí empolgou o pessoal do governo. Eles tinham tudo, mas o
diretor estava em Belém, no Instituto Agronômico do Norte. Ele que nomeava
o nosso administrador, ele que liberava para diária, esses negócios; o diretor
técnico que dizia o que estava precisando vir para cá, que tipo de agrônomo,
que tipo de engenheiro, que tipo de profissional estava precisando para cá.
Eles tiraram o foco da seringueira. Tudo acabou na época em que eles assumi-
ram, mas ninguém quis ficar com essa monocultura na mão, pensar: - vamos
dar um jeito aqui. O doutor Camargo que foi o primeiro diretor nessa época.
Ele começou a ter uma visão um pouco mais alargada e, quando ele assumiu,
começou a trazer para Belterra não somente a exploração da borracha, mas
também o domínio da cultura do gado bovino, do feijão, da cana de açúcar,
esses negócios todos, essas outras culturas. Ele procurou diversificar o cultivo
aqui e o gado começou a expandir bem. Nós tínhamos aqui gado das melhores
espécies, porque a visão dele era a seguinte: era alcançar uma melhoria gené-
tica para todo o oeste do Pará, investir na melhoria genética das raças de gado.
Daí ele trouxe da Índia um gado de raça nobre, tanto que nem podia matar!
Foi um compromisso que assumiram. Eles trouxeram 25 cabeças desse tipo
de gado, trouxeram nelore e outros mais, várias espécies de gado que eram
para começar a melhoria de raças, a melhoria genética em toda região. Belter-
ra ainda continuava ligada com Fordlândia, sob responsabilidade da mesma
direção, nunca mudou. Fordlândia sempre foi nosso, só mudou na época da
emancipação. Então eles trouxeram, cultivaram esse tipo de coisa na questão
de gado e trouxeram técnicos para trabalhar com esse gado, vaqueiros bons,
até inseminação artificial a gente fazia aqui. Lá em Fordlândia, vieram uns
técnicos muito bons, mas o dinheiro começou a fracassar, o dinheiro do leite
também, daí começou a faltar assistência para essa outra parte, então foi um
declínio vertiginoso, que nem deu tempo de assistir tudo. Quando foi em 1972,
eu fiquei na administração até 1980, mas eu fui chamado para Rondônia e fui
trabalhar lá. Fui administrar também. Era quase o mesmo daqui de Belterra: ti-
nha um seringal, tinham umas seringueirazinhas, mas era mais administração
124 Delma Pessanha Neves

na área social, que lá praticamente inexistia dentro do Ministério. E quando


eu cheguei lá, a gente criou aquela associação dos servidores. Essa associação
chamou outros servidores que trabalhavam na mesma categoria, mas eram
de outros setores, como do INCRA, da Secretaria do Estado, então eu já trou-
xe esses outros que se juntaram. Juntamos e fizemos uma associação forte lá,
muito boa. Então meu papel era mais ou menos esse: além do conhecimento
técnico e administrativo que tínhamos, trabalhamos com desenvolvimento de
comunidade, exercício para o qual eu fui preparado. A gente foi para Rondônia
e lá nós passamos três anos. Voltamos para Belém, a meu pedido mesmo, três
ou quatro anos depois. Lá em Belém eu quebrei a cara. Os meninos sofreram
lá, daí nós resolvemos voltar para Belterra. Eles não queriam deixar eu voltar
para cá. Eu continuava empregado de governo, mas o pessoal que estava em
Belém não queria que eu voltasse para cá, dizia que eu queria ser líder aqui. Eu
não queria ser líder de nada, eu nunca tive essas pretensões de liderar nada,
queria ter emprego, voltar para minhas raízes. Essa foi a minha maior ambi-
ção, eu queria estar aqui, no chão onde eu já havia pisado. Um pouco mais
conseguimos a volta para cá, os meninos se formaram aqui, graças a Deus. Os
meus irmãos ajudaram muito e outros parentes fora também ajudaram um
pouco e nós chegamos a esse ponto, mais ou menos estabilizado, sem pensar
em riqueza, mas com muito bem situado, graças a Deus. Hoje sou aposentado
como funcionário público federal. Eu me aposentei em 1990 (...)
– Muito elucidativo seu depoimento, bem articulado. Aprendi muito. Agora vamos
escutar a D. Zélia.
Zélia – A minha família morava lá em Sumaúma na época da chegada do Ford.
Agora ela está toda espalhada por aí pelo mundo. Tem gente no Maranhão, tem
gente em Manaus. Meu nome é Zélia Neves Sousa Pantoja, tenho 72 anos. Meus
pais, Manoel Bibiano de Sousa e Antônia Rodrigues de Sousa, todos os dois es-
tão falecidos. Meu pai era daqui de Belterra e minha mãe era daí do interior de
Santarém. Ai eles se casaram e tiveram onze filhos. Desses onze, têm dez filhos
vivos. Meu pai trabalhou na Companhia, ainda no desmatamento aqui. Meu pai
era o braçal, trabalhava no campo, só fazia desmatar. Depois que ele fez capa-
citação para o serviço do corte. Ele era um dos craques no corte da seringa. Ele
tinha também irmãos trabalhando na Companhia : Claudelino, Francisco Paz,
Antônio Herculano e Pedro Loiola. Eram quatro irmãos. E mulheres... Neuza
Chagas, Maria Paz de Sousa, Antônia Melo, acho que só. Três mulheres. Todos
trabalhavam na companhia. Um era mecânico, outro era motorista. Este viveu
muito em Fordlândia. Trabalhou aqui e depois foi para Forlândia. Pedro Loiola
era enfermeiro e Antônio Herculano trabalhava no escritório aqui. Ah, ainda
tem o Laudelino de Sousa, trabalhava na usina de eletricidade. Essas formações
eles adquiriram diretamente na companhia. Entrava com a idade mínima para
trabalhar. Aqui, a idade mínima para trabalhar era de 17 anos. Então todos
eles arranjaram uma profissão dentro da empresa. Eles já vinham com uma ini-
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 125

ciação, daí a Ford só fazia capacitar melhor. Eles obtinham essa iniciação aqui
mesmo por perto de Santarém e tal, trabalhando com o pessoal, eles conviviam
aqui no centro, mas sempre iam para Santarém. Não tinha empresa específica
para isso não, eles aprendiam por curiosidade mesmo. Eles entravam em al-
gum trabalho para aprender, às vezes só por treinamento, curiosidade. Aqui
na época não tinha, por exemplo, pagamento para o pessoal ir para lá para
Santarém, se quisesse trabalhar por dinheiro. Na época era muito inicial a vida
aqui. Então até essa questão de dinheiro era difícil, para esse negócio do cara
ganhar para aprender a trabalhar não existia, era sempre em troca de alguma
coisa. Ajudavam a alguns profissionais e iam aprendendo. Aí, quando tinham
algum conhecimento, já chamavam para outra parte. Só dava uma burilada
no cara e colocavam lá. Todos eram convidados, se apresentavam e o pessoal
passava numa espécie de triagem, o que era ele, quem era a família e qual era
o comportamento. E também não era difícil falar porque eram poucas pessoas.
Chardisval – A maioria das pessoas que veio para cá era de fora. A maioria da
população de Belterra foi composta por nordestinos, principalmente, traba-
lhadores que vinham do Nordeste por causa da seca que estava assolando na-
quela época, na década de 1930. E de outras paragens do Brasil também, não
somente do Nordeste, mas a maioria veio do Nordeste. Daí vinha do Sudeste
também, e de outras partes, estrangeiros, vinham uns peruanos, vinham os
barbadianos. E de alguns outros países só vinham aquelas pessoas já capaci-
tadas, que os americanos mesmo traziam. Por exemplo: os holandeses vinham
para cá porque tinham profundo conhecimento na cultura das seringueiras.
Alguns holandeses vieram contratados para cá para trabalhar.
Zélia – Dos meus irmãos, trabalhando na companhia mesmo, ainda tinha mi-
nha irmã mais velha. Ela foi professora do Ministério. Antigamente era a escola
Henry Ford. Agora já é Valdemar Maués.
Chardisval – Foi esse o resultado da revolução de 64. Valdemar Maués era um
indicado.
Zélia – Era comum ter mulher trabalhando, na fábrica e na seringa também.
Elas iam juntas, para o ponto delas. E os maridos, se fossem casadas, iam para
outros pontos escalados.
Chardisval – Eram admitidas para trabalhar. Cortando a seringa e tirando leite.
Zélia – Tinha mulher na área comercial também. Meu emprego era só na área
de comércio. Trabalhava vendendo tudo. Primeiro eu trabalhei na Casa Per-
nambucana, que existia aqui. Era uma casa grande.
Chardisval – Tradicional.
Zélia – Tinha a Casa Silva, também era um grande comércio. Tinha casa Moraes.
Vendia de tudo. Fazenda, secos e molhados. E também trabalhei numa padaria,
126 Delma Pessanha Neves

do Senhor Monteiro. Meus empregos foram esses. Isso quando eu era solteira.
Depois que me casei eu me tornei dona do lar. Agora eu sinto saudade do tempo
que eu trabalhava, mas no início não, também porque só ele é que trabalhava
para criar quatro filhos. Eu ficava em casa. Foi cruel, mas Deus é pai. As outras
irmãs foram estudar. Teve uma que foi embora para Manaus fazer faculdade.
Ela se formou, é enfermeira, está trabalhando lá para São Paulo de Olivença.
Outra mora no Maranhão, também é formada e trabalha no governo. Os ir-
mãos também tem um que é funcionário, tem um que trabalha em Manaus, na
Embrapa, hoje é aposentado. Ele conseguiu esse emprego da Embrapa quando
foi para Manaus. Tem outro também que trabalhava braçal aqui, na Embrapa
daqui. Trabalhava de braçal na Embrapa, para roçar, fazer plantio, essas coisas.
E têm dois que trabalham no IBAMA, funcionários do IBAMA. Todos dois moto-
ristas. Ainda tem Embrapa aqui, mas o meu irmão não trabalha mais aqui, já
está aposentado, já está em Santarém.
Chardisval – Ah, no tempo que a Companhia funcionava, a vida social era cons-
tante. Na área social tínhamos dois clubes aqui, tradicionais. Até hoje ainda
existem. Era União e depois criou Belterra. União foi o primeiro clube criado
aqui, era clube esportivo. Não era só o futebol que eles praticavam, tanto o
União como o ABC, que é o Atlético Belterra Clube. Lá também se praticava o
voleibol, basquete, diversos tipos de esportes. Então as meninas simpatizantes
de um e outro, elas se formavam por lá e havia disputa. Na semana da pátria,
por exemplo, como estamos agora, havia uma disputa de taças, essas coisas.
Então elas chamavam muita atenção da torcida. As torcidas sempre foram
muito apaixonadas, principalmente na área do futebol. Hoje tem muita gente
que sente saudade! Elas enchiam o estádio, porque o estádio era todo aberto,
só tinha mesmo um cercado e o pessoal ia para lá. Era interessante o esporte.
Zélia – Eu jogava vôlei.
Chardisval – Nessa área de recreio, as moças, as meninas faziam e tinham
também os clubes, nas igrejas, nas escolas e nos próprios clubes esportivos.
Então elas estavam sempre presentes. Era a vida social que a gente levava, as
festas nas sedes dos clubes, todos iam participar lá também, era muito con-
corrido. A vida da juventude foi essa, as praias quando a juventude precisava,
juntavam dez, vinte pessoas, moços, iam lá com o diretor, o administrador,
para pedir transporte.
Zélia – Olha queremos ir à praia! Eles sediam se sentissem que havia responsa-
bilidade. Fazia um piquenique.
Chardisval – É, mas o motorista ia recomendado, qualquer alteração deixava
lá o cara que operasse com indisciplina e vinha só o pessoal que andava corre-
to. Nessa época bebida aqui era praticamente impossível. Era tremendamente
proibido.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 127

– Por quem?
Chardisval - Começou pelo Ford, depois os outros administradores acompa-
nharam. Só mais tarde que começou a relaxar tudo, como eu falei. Na sequên-
cia da vida, daí que aconteceu essa diferença. Era um pessoal tudo submetido
a esse tipo de regra. Eles eram avisados antes. A saúde das pessoas era tudo.
Para entrar no emprego, se chegassem aqui com família ou não, eles eram
passados tudo por uma bateria de exames. Depois dessa bateria de exames
aprovada ou não, se não aprovada procurava tratamento, se fosse possível.
Se não houvesse o tratamento, devolviam, eles voltavam , davam passagem
de volta para eles irem embora. E muitos deles já vinham admitidos lá, do
próprio lugar onde eles foram buscados.
– Eles se encarregavam de procurar trabalhador em outros lugares?
Chardisval – Tinha gente específica só para isso, em todos os estados do Nor-
deste. Daqui saíam barcos e navios e iam buscar gente, mas com pessoas tam-
bém preparadas para fazer este serviço de recrutamento. Quando eles chega-
vam aqui já tinham uma casa, mas era conforme a hierarquia.
– Como foi a convivência de vocês, que já eram daqui, quando, de repente, começa a
chegar tanta gente de fora?
Zélia – Os costumes deles eram diferentes, principalmente dos americanos.
– Mas a senhora está se referindo ao tempo da Ford ou do Ministério?
Zélia – Quando eu era criança os americanos estavam saindo, mas tudo foi mais
devagar. Ficaram uns americanos ainda trabalhando, só depois que eles foram
embora. Durante muito tempo continuou do mesmo jeito. Só depois dos milita-
res é que voltou a ficar mais rígido.
Chardisval – Conflito era muito raro, porque o pessoal aqui de Belterra, como
eu lhe falei, eram poucas famílias. Então, quando os de fora chegavam, cada
uma chegava com uma cultura diferente, mas juntaram aqui, daí eles convida-
vam muito as pessoas a partilharem. E o nosso pessoal era fácil de se adaptar
à cultura dos que vinham de fora. Eram coisas, por exemplo, como esse negó-
cio de boi-bumbá, que a gente não conhecia aqui, pássaros, essas coisas. Por-
que não tinha uma comunidade, Belterra não era uma comunidade, nuca foi
uma comunidade. Quando se formou, foi tudo de uma vez. Então foi mais fácil
integrar os tipos de classes, de pessoas. Não havia, por exemplo, desrespeito,
separação, sempre foi nessa parte respeitada a posição de cada um. Só na
parte de culinária que aí sim, havia uma diferença, a gente não aceitava muito.
Zélia – A gente continuou até hoje a fazer baião de dois. Carne de sol é muito raro.
Chardisval – Tem muita gente que se queixa sobre essa intromissão. Os serin-
gueiros, principalmente, foram os mais prejudicados. Foi cruel, muito cruel!
128 Delma Pessanha Neves

As diversas administrações que surgiram por aqui foram só mesmo para cas-
tigar o próprio seringueiro, foi um ação muito contundente, praticamente
para a sociedade aqui, porque o seringueiro era o maior número de habitan-
tes, de funcionários, então eles sofreram muito, a família em geral.
– Que tipo de sofrimento?
Chardisval – Existia aqui a seringueira primitiva. A seringueira na época era só
daquela primitiva, era esporádica, mas explorada pela população local. Havia
centros onde moravam algumas famílias que procuravam sempre a terra preta,
onde existiam alguns sinais por aqui de terra preta dos índios. Os índios eram
nômades: exploravam um tempo, saíam e iam para outra parte. E iam deixando
aquelas terras antes ocupadas para trás. Eles buscavam essas próprias áreas
para ficarem lá, porque era uma terra muito fértil. Então eram poucas famílias
e ficaram assim os seringueiros que existiam. Eles cortavam seringueira e ven-
diam para os regatões. Não era no método que depois apareceu de corte. Aliás
toda a vida do seringueiro, do morador de Belterra, da origem de Belterra, da
localidade, onde eles moravam, todo esse pessoal trabalhava aqui com seringa
e vivia por aqui. Muitos deles ainda vivem da exploração e da venda de outras
borrachas, de outras espécies de outros materiais de extrativismo. A castanha
do Pará tinha muito também aqui nessa área, a seringueira, a andiroba. Mas
o seringueiro que foi trabalhar para a Companhia sofreu muito. O sofrimento
dele estava ligado ao tipo de trabalho mais pesado e principalmente à forma de
pagamento. Forma de pagamento e tratamento, porque, na realidade, eram uns
homens explorados, entende? Eu assisti, numa época aqui, em que o seringuei-
ro tinha que cortar 625 seringueiras por dia! É uma estupidez para qualquer
ser humano! Se for só para cortar e colher o leite, tudo bem, para preservar o
material; mas não era só isso. Quando ele terminava, que entregava o leite, ele
voltava para vir limpando a estrada, que já estava começando a serrar. Era mais
ou menos dois metros de largura, onde a seringueira estava limpa. Havia sepa-
rado todo o feijão por área. Então eles tinham que abrir todo o tempo, porque
em quinze dias no mês já estava voltando todo aquele feijão novamente para o
centro. Então eles estavam constantemente separando aquilo. Depois daquilo,
quando não tinha esse serviço, tinha o problema de tratar da seringueira, que
era uma solução aplicada na época do inverno. E aqui a maioria do tempo era
inverno, naquela época era de janeiro a julho, às vezes até agosto atingia o in-
verno. Então, onde já tinha cortado a seringueira, tinha que pegar e passar uma
solução em cada uma das seringueiras, para evitar que houvesse fungos que
apodrecessem as árvores. Tudo isso eram trabalhos extras, para poder ganhar
um salariozinho, enfim. A diária dele era dentro dessa coisa, tinha que ser fiel-
mente comprida. Eram 625 seringueiras por dia.
Zélia – Aqui eles criaram isso: a princípio eram 400 árvores, depois o pessoal
ficou necessitando cortar seringa e não tinha mão de obra, daí eles aumenta-
ram o número de seringueiras para cada um. E daí ficaram trabalhando assim.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 129

Chardisval – Isso por uns dez anos: depois da década de 1950 que começou,
por dez ou quinze anos. Depois foi baixando mais, mas aí o seringueiro foi
também reclamando mais. O pagamento era pouco para suprir, muitos deles
sofreram tuberculose e iam embora se tratar ou morriam logo. Também na
época o tratamento era pouco, os melhores médicos que havia aqui, eles ti-
nham ido embora. Os americanos que tinham capacitado eles para virem para
cá, tinham capacitado na área da medicina tropical, mas depois foram embo-
ra, deixaram só o rastro. Então era assim a vida do seringueiro. E mal pago
também, o pior era isso, não era lá essas coisas não, porque quem trabalhava
assim não tinha lá esses salários.
Como eu falei, na área especifica do seringueiro era assim, porque algumas
pessoas, por exemplo, que começaram a trabalhar em outras áreas, elas tive-
ram a sorte, depois de 1958, quando apareceu um administrador aqui, que
veio lá do Maranhão, Doutor Jorge Novas da Costa, ele nos empurrou pela jane-
la para o serviço público federal. Na época todos recebiam diretamente do IAN,
Instituto Agronômico do Norte. Eles eram os responsáveis, os técnicos do Ins-
tituto. E eles davam salários melhores. Depois que passou para o governo, em
1958, é que melhorou um pouco, inclusive a condição do seringueiro. Daí era
um salário mais ou menos, não foi tão espetacular, mas eram tratados como,
vamos dizer assim, trabalhador nível um, mesmo sendo uma mixaria o salário.
Em 1958 saiu do IAN e passou para o serviço público federal. Aí que então fo-
ram colocadas todas as classes de funcionários e que tinham um determinado
salário. Por exemplo: o agente administrativo, que hoje é meu caso, pegou um
salário melhor. Depois de muito tempo, à medida que o tempo foi passando,
eles foram reivindicando e ganhando melhores salários. Mas o pessoal lá de
baixo mesmo, o trabalho rural, seringueiros, eram todos ajuntados só numa
classe, esqueço o nome da classe que eles deram a esse pessoal.
Em Belterra eu nunca vi um movimento de trabalhador, mas em Fordlândia
sim. Havia também em relação a Santarém, uma posição um pouquinho me-
lhor. Vinha muita gente para cá. Eu nunca detectei nem um orgulho nesse
sentido, mas a posição de funcionário aqui, posição de funcionário público
federal, depois que nos foi dada essa condição, ela influiu muito na visão do
pessoal que vinha lá de fora, porque funcionário público federal, essa coisa
rara aqui no Pará! Quando descobriam: - Mas funcionários, vocês são, tem
certeza? Lógico que a gente tinha certeza. A gente tinha o contra-cheque mes-
mo. Agora não tem mais aí para mostrar. Acho que, não sei, queimou tudo.
Zélia – Aqueles velhos eu queimei tudo.
Chardisval – Dos contra-cheques velhos mesmo, quando começamos, não te-
mos mais.
– E tinha nome no Diário Oficial?
130 Delma Pessanha Neves

Chardisval – Tinha. Saía no Diário Oficial.


Zélia - Mas voltando à relação com Santarém, aqui o comércio era bom, atendia
bem. A gente não dependia do comércio de Santarém, pedia de fora direto. Da Casa
Silva, principalmente, da Casa Morais, a da Pernambucana, todas também aten-
diam perfeitamente à sociedade aqui. A Casa Moraes era comércio de tudo. E a
Silva também. Quer dizer, sapato, fazenda, secos e molhados. Tudo, tudo tinha. Era
a crédito e dinheiro. Não tinha mais era o fiado. Antigamente era fiado que a gente
chamava. Os fregueses iam lá falar com o patrão e, quando era no pagamento, eles
iam, liquidavam a conta e tornavam a comprar. É tipo cartão de crédito.
– Seu pai (dirigindo-me a D. Zélia), como seringueiro, reclamava muito do tipo de
trabalho?
Zélia – Reclamava porque era muito cansativo. Saía às 5 horas da manhã para
ir para a estrada dele, para cortar. E voltava uma hora da tarde. Aí ficava em
casa. Ele teve sorte porque ele trabalhava já naquele seringal de pesquisa.
Chardisval – Ele foi escolhido. Os melhores seringueiros eram jogados para
pesquisa. Nas pesquisas eles eram levados para se instruir e então eram os
que trabalhavam menos, porque pegar aquelas primeiras seringueiras para
abrir a bandeira, como se chamava, para começar o corte, eles pegavam aque-
les mais experimentados. E ele foi um dos escolhidos para lá, daí ele trabalha-
va menos, era só na moleza.
Zélia – Nesse trabalho de seringueiro a família não ia junto. Não podia levar
ninguém para ajudar, só eles mesmos. Nós nunca fomos cortar seringa com o
papai. Nunca fomos. Nós fomos estudar.
– Vocês se conheceram aqui?
Chardisval – Foi. Fui descoberto.
Zélia – Ele morava na estrada Oito, aí, quando ele foi servir, ele foi morar lá na
rua de casa, a mãe dele tinha uns filhos para cá.
– Aí quando ele colocou a farda, você botou o olho nele!
Zélia – Eu queria lembrar só uma coisa dos seringueiros também: não iam crian-
ças com ele, mesmo quando eram funcionários do Ministério da Agricultura.
Chardisval – Depois que o Ministério abandonou e deixou por conta dos serin-
gueiros, eles criaram uma cooperativa, que foi exatamente o álibi que usaram
para desligar dos seringueiros. Eles então, os seringueiros, eles já levavam a
filharada toda para trabalhar, para tirar o sernambi da cuia, limpar a estrada
para passar a solução. Daí bagunçou tudo: às vezes até cortar mesmo, os fi-
lhos já cortavam em lugar dos pais. Era a Cooperativa Mista dos Seringueiros
do Tapajós Ltda. Nem sei até quando ela existiu. Eu saí e ela ainda estava viva,
mas já mataram tudo.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 131

Zélia – Acho que até 1993, por aí assim.


Chardisval – Foi o Sergio que era o presidente na época. Ele é chefe da Emater.
Ele foi responsável pela cooperativa. Porque o presidente era para lá, mas
tinha sempre um supervisor. E esse Sergio era o administrador. Essa borracha
era vendida para Santarém mesmo. Quando o governo deixou de produzir
muito leite, daí o pessoal não se interessou mais. Aqui mesmo em Santarém já
absorvia a produção, mas era pouca.
Zélia – A gente acabou ficando com esse patrimônio aí do Ford, essas casas en-
fim. Nunca ficou abandonado.
Chardisval – O governo brasileiro se retirou das responsabilidades dos traba-
lhadores e daí a administração daqui dava o jeito com o que sobrava dos serin-
gueiros, alguma coisa que sobrava dos seringueiros. E Belém ficava injetando
algum suprimentozinho para a manutenção da área e algum setores também.
Um dos maiores erros foi exatamente deixar que o Ministério da Agricultura
abarcasse todo acervo, todo um patrimônio desse daí, estando incluído saúde,
educação, que não tem nada a ver com o Ministério da Agricultura e outras
políticas mais. Então o grande erro, segundo eles falam e eu também concor-
do, foi exatamente esse, porque diversificaram as políticas para entregar na
mão do Ministério da Agricultura, que só tratava de agricultura. Eu também
acho que foi isso, mas a gente viveu assim, eles injetavam suprimento, vamos
dizer: – Olha, eu vou mandar quinze mil reais para vocês segurarem a barra
durante esse mês. E a administração tinha que se virar aí para segurar. Mas
sempre teve um administrador aqui. Sempre teve.
– E quando foi que tudo foi definitivamente encerrado?
Chardisval – Pois é, depois passou para ser emancipada. Quando emancipou,
o Ministério da Agricultura mandou o pessoal daqui tudo para Santarém; e
o resto, o pessoal que não estava mais como funcionário, ficou por aqui. Mas
mesmo aqueles que estavam aqui, porque eram funcionários, preferiram ficar
por aqui e ficaram morando, mas iam trabalhar para lá e vão até hoje.
– Então me explica: na verdade, pelo movimento de vocês, lutando pela emancipação
do distrito de Belterra para município, afastou-se o Ministério? Eu entendi bem?
Chardisval – Fomos obrigados, por causa dessa carência de recursos que ti-
nha, não dava para sustentar. Eu trabalhei numa época que a administração
tinha que apelar para a amizade dos empresários lá em Santarém. - Vocês já
viram fazer amizade com empresário para manter outra empresa pública?
É um negócio muito sério, se o cara não tiver cuidado, ele dança no conceito
do pessoal. Então a gente tinha muitas vezes que, por exemplo, o Francisco
Coimbra que eu lembro bem, era um dos responsáveis pela compra da pro-
dução de borracha. Havia concorrência, havia licitação. Quem ganhava ficava
responsável pela compra do produto. Então o Coimbra, como ele era uma cara
132 Delma Pessanha Neves

muito humano, muitas vezes ele ajudava. A gente precisava assim, por exem-
plo: – Olha, desfalcou aqui a tubulação em tal área, nós não temos dinheiro
para comprar e não tinha mesmo, não tinha recurso, então apelava para ele.
Ele mandava a tubulação de lá e a gente fazia a emenda. A gente vivia assim
de prato na mão.

– A emancipação daqui do distrito para município foi em que ano?

Zélia – 1995.

– E aí, a Prefeitura assumiu isso? Ou abandonou toda a exploração de seringa?

Chardisval – Dizem que foi a Prefeitura assumiu, mas não foi, a cooperativa
era autônoma. Quando a prefeitura assumiu, a cooperativa era dona dela
mesma, mas também já não existia quase nada, pouca coisa. Dos três mi-
lhões e duzentos mil pés de seringueira, se tinham duzentos mil era muito.
Nem compensava o tempo perdido. Aí o pessoal, os próprios seringueiros
não sentiam mais estímulos para produzir porque o preço da borracha era
uma miséria. Eu acredito que por volta de 1995. pode se dizer assim o fim
de uma época.

– Se a principal atividade econômica estava propriamente paralisada, qual foi a justi-


ficativa feita na época para reivindicar a condição de município? O município não tem
que provar ter uma renda de arrecadação?

Chardisval – Capacidade econômica principalmente. Eu não tenho agora na


lembrança qual foi a justificativa, deve ter sido o número de funcionários que
tinha, porque ainda tinha o Ministério que a gente não precisava mais ter, mas
também tinham muitas pessoas que tinham ganho terrenos aqui para traba-
lhar e já estavam produzindo na época. Não era uma economia assim avan-
çada, mas já produziam arroz, milho, mandioca e outro produtos, o feijão, o
cupuaçu, então era uma coisa que já estava na conta da economia de Belterra.
Não era lá essas coisas também, mas eu acredito que foi essa justificativa que
o deputado deve ter usado no processo.5

– Quando veio o processo de Colonização da ditadura, que foram construídas essas


estradas por aí, como isso atingiu Belterra?

Chardisval – Era o INCRA, né? Vieram muitos nordestinos. Na própria BR-163


aí, até o quilômetro 154, se eu não me engano, tem maranhenses, piauienses.
Os nordestinos estão tudo por aí por essas bandas.

– Mas as atividades deles eram para lá, para a estrada?

5
Sobre a vida socioeconômica de Belterra, pode-se consultar alguns livros, tal como sugere o casal en-
trevistado:  O do Hart Santos, que foi o primeiro prefeito daqui. Tem o de uma professora, Terezinha
Amorim. Estes autores são daqui; e tem o de Grandim.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 133

Chardisval – Também. Posso dizer que para nós aqui, não interferiu nem um
pouco, porque tudo também era vendido para Santarém, não aqui. Então Bel-
terra tem essa distinção, tem a comunidade do centro, que é aquela que ficou
da época do Ford, da época do Projeto, tem a comunidade dos ribeirinhos, que
são aquelas pessoas que saíram daqui porque não tinham emprego e foram
viver para lá, ainda de extração, do extrativismo, pelas margens do Tapajós,
principalmente, e tem o pessoal da BR 163, porque em todo esse contorno da
BR, em toda essa área aí, tem trabalhadores que não são daqui de Belterra,
são filhos de outras plagas. Então são áreas bem distintas, próprias pelo tra-
tamento que existe. Nós notamos, muitas pessoas notam quando estão falan-
do com uma pessoa na BR, com uma pessoa do ribeirinho e com as pessoas
aqui do Centro. São bem distintas mesmo. Essa distinção é em torno de tudo:
comportamentos, educação. Agora que estamos começando a nivelar. Os mais
educados, com melhor instrução, vamos dizer assim, estão por aqui nessa
área do Centro porque sempre foi dotada de escola. E os mais sacrificados,
eu acho que são os ribeirinhos. Eles não encontram emprego, e dai foram fu-
gindo para lá, para pegar terreno na beira do rio. Mas aqui, você sabe, a maior
parte da área do município é a Flona Tapajós. Toda a parte dela é aqui dentro.
São 600, eram, não sei se ainda são, porque eles modificam, mas são mais de
seiscentos mil hectares. Isso prejudica o município porque a população que
fica na Flona tem uma economia muito controlada e tem consequencia em
termos de arrecadação para o município. Ele é prejudicado. Isso já foi razão
de muitas discussões politicas, mas eu não sei em que pé está agora, porque
depois que eu saí da administração, eu me afastei completamente dos noticiá-
rios. Mas prejudica porque a Flona, inclusive, só pode ser visitada, só pode ser
estudada se você... Por exemplo: se você precisar fazer uma pesquisa lá den-
tro da Flona, tem que pedir autorização para o IBAMA, ao invés de pedir para
a prefeitura de Belterra. Isto é um disparate: se a Flona pertence a Belterra,
devia ser pela prefeitura. Na verdade a Flona é um território que a Prefeitura
não tem autoridade sobre ele. Não tem, praticamente não tem, mas a popula-
ção de lá dependente da prefeitura, por exemplo, para participar de saúde e
escola, ela vem toda para cá. Os prejuízos vêm para cá, as coisas boas vão para
o IBAMA. Porque Belterra não tem peso politico para estar discutindo coisas
assim; e dai as coisas complicam, não é?
– Vocês acham que valeu a pena separar Belterra em município?
Chardisval – Eu tenho a impressão que foi bom, pelo que se pode ver hoje em
Belterra. Isso aqui está um beleza, está um céu, embora algumas coisas que
o desenvolvimento traz para cá não sejam muito bem aceitas por nós. Mas a
maioria das coisas, principalmente a educação, a segurança, a comunicação,
que praticamente não existia, na época em que nós nos emancipamos não era
assim. Temos avançado no transporte, em todas as áreas nós sentimos melho-
ras, eu vejo assim. Em saúde nós ganhamos, com certeza.
134 Delma Pessanha Neves

– O que veio de fora que vocês não concordaram?


Chardisval – Os vícios, que são os principais, mas isso é natural, as coisas
da sociedade chegam aqui muito fortes. Hoje tem muita gente de fora que
mora aqui, tem muita gente, os gaúchos principalmente, que vieram plantar
soja aqui.
– Em que a soja alterou Belterra?
Chardisval – A presença deles foi muito importante porque deu um desen-
volvimento econômico. Se não justificava naquela época que passou para ser
município, justifica agora, porque daí nós tivemos condições de ceder terre-
nos para eles. Na época do Ministério não dava.
– Ceder terreno, que o senhor fala, do que se trata?
Chardisval – Por exemplo, o cara vem comprar terreno aqui na área, muitos
seringueiros ganharam dezesseis hectares, daí os gaúchos chegaram aqui e
compraram. Eles têm o documento do terreno. Eles logo perguntavam: - Tens
o documento do terreno? - Tenho. - Quer vender? - Ah tal. – Eu te dou três mil.
Na época, quando começou, em 1995, vendia por três mil. Três mil naquela
época era uma dinheirama. Daí os caras nunca tinham visto dinheiro na vida,
daí entregavam a área deles e deixavam de cortar seringa. Pegavam aquele
três mil e iam mudar de situação. Eles tinham a casa deles e o terreno atrás
da casa dava para plantar, fazer alguma coisa. Daí foram conviver com esses
três mil até acabar e voltavam. Alguns deram sorte, melhoraram alguma coi-
sa; outros não. Então a soja foi muito importante aqui, eu acho isso. Alguns
seringueiros venderam uma boa parte da área e ficaram só com a quintal da
casa, praticamente. E o resto eles entregaram. Aí os sojeiros foram pegando
dos vizinhos todos, para poder... Juntaram, muitos juntaram assim, por exem-
plo, três, quatro quadras. Como eu falei, uma quadra são cento e sessenta mil
metros quadrados. Então eles compravam, por exemplo, dez quadras, que to-
talizam um milhão e seiscentos mil hectares, aí a coisa melhorava para eles
plantarem a vastidão de soja.
– Onde estão esses sojeiros? Eles moram onde?
Chardisval - Estão por aqui por Belterra. Moram por aqui, principalmente no
Centro. Eles são diferentes, a gente não tem tanta aproximação com eles, mas
eles estão vivendo, estão convivendo conosco, está tudo bem, muito deles são
simpáticos.
(Entrevistas realizadas nos dias três e sete de setembro de 2013, em Belter-
ra, na residência do casal, por Delma Pessanha Neves, Angela Maria Garcia e
Frank Pantoja, filho do casal).6

6
Os entrevistados exemplificam mais um dos casos de aplicação do sistema casa-trabalho, comum em
diversas outras formas de imobilização da força de trabalho vinculada a atividades agroindustriais.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 135

Como assinalado pelo entrevistado, ao final de década de 1940, a Com-


panhia Ford desiste do investimento, passando tempos depois todo o patri-
mônio para a gestão do Ministério da Agricultura. Os trabalhadores que até
esse desfecho mantiveram o vínculo alcançaram a condição de servidores
públicos. Essa posição até hoje é muito valorizada entre a população local
de trabalhadores. O reconhecimento formal pela alocação em outros setores
das unidades empresariais era, por si só, distintivo, contrariamente àqueles
sazonalmente agregados ao extrativismo como trabalhadores pagos por ta-
refa ou produção.
As dificuldades enfrentadas pelos investimentos americanos e a trans-
ferência do patrimônio produtivo para o governo brasileiro não implicaram
que ribeirinhos das margens do Tapajós e do Amazonas abandonassem ple-
namente esse extrativismo. A comercialização de borracha foi mantida por
diversos agricultores ribeirinhos mediante participação dos regatões, inter-
mediários locais que agregavam, em diversos pequenos portos, as quantida-
des que eram dirigidas para a circulação mercantil. Este é o caso comentado
pelo próximo entrevistado.
Sou Pedro Paz. Nasci em 1936. Aqui mesmo em São Domingos (Belterra atu-
almente). Sempre morei aqui. Saí uma vez porque fui morar no Paraoa, uma
comunidade que tem aí. Morei doze anos lá, arrumei negócio de mulher, ela
era de lá e não queria vir para cá. Aí parei doze anos lá. Depois eu vim na
frente e ela veio atrás. Eu comecei a trabalhar com a idade de oitos anos.
Com oito anos eu comecei a trabalhar: cortava seringa, plantava roça e capi-
nando. Na seringa, meu pai passava na frente cortando e eu só ia juntando o
leite. O meu trabalho era juntar o leite. E o trabalho a mais era fazer a roça,
derrubar. Era só ajudar a meu pai. Ele morreu quando eu estava com doze
anos e eu fiquei só, com minha mãe e meus irmãos trabalhando. Meu pai
morreu de..., fez uma roça bem ali na frente e tacou fogo na roça. Nós aju-
damos a ele, aí ele chamou os filhos para não queimar a casa. Era perto do
roçado, a gente dava água para ele para não pegar fogo em cima da cabana.
E o vento jogava o fogo para cima dele. Daí começou a doença dele e foi até
morrer. Ele não chegou a se queimar, só a quentura. Acho que foi doença do
pulmão. Eu acho porque foi quando..., porque assim, quando ele foi tomar
banho...! Era um velho que gostava de comprar bosta de gado no Anamaraí
e ia para lá comprar no cavalo. Quando foi uma vez tinha um passeio daí do
São João, uma comunidade aí para cima, o velho veio com ele até aqui no
porto, ele no cavalo e o outro acompanhando ele. Quando chegou aí, o ho-

Não cabe, frente aos objetivos da elaboração deste texto, analisar os princípios de estruturação que
aí se objetivaram. Ao leitor interessado nessa forma de gestão da produção e da força de trabalho,
sugiro a leitura de Esteves (2008), Lopes (1976, 1988), Neves (1997), Neves e Silva (2008), Palmeira
1977), Sigaud (1979).
136 Delma Pessanha Neves

mem falou uma palavra para ele e ele não gostou. O finado Duco não gostou
e veio em cima dele, brigou com ele trazendo uma espingarda na mão. Em-
purrou ele e colocou no peito dele a espingarda. Aí começou a doença dele,
daí foi o começo. Eu acho que bateu assim no peito e inflamou o peito dele
por dentro e adoeceu. Mais ainda com a quentura que ele pegou, aí foi o fim!
Eu estava com 12 anos quando ele morreu. Eu estou com 77... Acho que ele
morreu já tem ... (65 anos). Aí ficamos com a mamãe. Também até boa parte,
porque ela arrumou outro, aí foi para o Amazonas e de lá que ela voltou para
cá (o Tapajós). Eu nem me lembro para que lugar ela foi. Os filhos já estavam
moços. Ela depois voltou para cá, daí morreu aqui. Está com trinta e poucos
anos de morta.
Eu me casei, minha mulher era Matilde Pereira Guimarães Paz. Nasceu em fe-
vereiro de 1932. Ela era mais velha que eu quatro anos. Ela nasceu no Paraoa
(na margem oposta do Tapajós)
Ela também foi sepultada ali no Anamaraí. Já tem dois anos. Ela morreu des-
sa dor que dá, ela começou..., porque ela fumava muito. Apareceu uma tosse
nela e ela foi para o hospital e veio para cá, mas não deixou de fumar, sempre
fumava. E o médico disse que não era para ela fumar mais. Ela sempre fumava
escondida de nós. Para mim, o começo da doença foi isso.
Nós tivemos seis filhos. Quando eu voltei para cá, para o outro lado, todos
eram pequenos, daquele tamanho do que entrou aqui ainda agora, o Beneco,
meu neto. Eles estavam todos novinhos. Daqui eles seguiram o estudo. Iam
pela verenda e iam embora. Iam mesmo pela verenda, seguindo a beirada do
rio e iam embora. Saíam daqui às 11 horas e chegavam lá a uma hora. Chega-
vam aqui de noitinha. Hoje já estão todos em suas casas.
Meu pai era Firmino Dias e minha mãe Jacinta Bentes Paz. Meu pai morreu em
1948, ele estava com 30 anos de idade, por aí. Ele nasceu aqui mesmo. Eles
foram os primeiros daqui, ele com a mãe dele. Eles eram de... Não sei. Sei que
eram daqui.
Eles foram os primeiros a ocupar a terra aqui, porque nessa época escolhia
a terra e ficava. Eles aqui ficaram o resto da vida, morreram aqui. Minha avó
era muito mais nova que meu avô Firmino, uns 10 anos, acho que era. Minha
avó morreu vai inteirar 23 anos. Ele morreu bem antes. Ela não se casou ou-
tra vez, só se amigou. E com esse outro homem, ela não teve filho. Meu avô
trabalhava aqui, no mesmo que eu trabalho: seringa, roça e plantar. Ele tinha
um terreno de mais ou menos 300 m de frente (para o rio Tapajós) com 2000
pouco de fundo.
Desde essa época que tinha essa coisa de fazer seringa e roçado lá na serra.
A gente sempre subiu para a serra para fazer roçado porque lá não tem saú-
ba (saúva). Lá não tem. Aqui em baixo sempre foi de plantar seringa, mas
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 137

meu avô também plantou mandioca, também nós plantamos aí. Mandioca,
seringa... Só abacate tem muito plantado. A parte de fruta não dá aqui porque
de vez em quando alaga. Mas é pouco. O rio nunca chegou aqui. Sempre ele
vem até lá, onde está... (aponta). Meu avô e meu pai vendiam seringa. Nesse
tempo, eles vendiam aqui mesmo no Anamaraí. Não me lembro de nem quem
comprava. Era um camarada de nome Arthur Freitas. E a farinha vendia em
Santarém, ia daqui e vendia lá. Levava de barco. Às vezes ele ficava três dias
lá para Santarém, porque daqui para lá é longe de barco. No tempo de vento
forte, vai empurrando pela beira. Já fiz isso muita vezes. Só melhorou quando
começou a facilitar o transporte da farinha, ia pelo motor. Foi de 1975 para
cá. Facilitou bem.
– Vocês aumentaram a produção diante da facilidade do transporte?
A mesma produção que levava para Santarém, vendia lá. Todo tempo traba-
lhando assim, se aumentava, eram uns quilos. De seringa, já do meu tempo,
eu produzia mais de 300 quilos, mais ou menos, por mês. A seringa não é uma
coisa que dá muito leite não. Umas dão até 100 gramas. Dá muito trabalho
para cultivar, mas elas já são muito velhas aí. Aqui a gente sempre fez essas
coisas mesmo. Minha mulher, eu conheci trabalhando nessas coisas mesmo.
A mesma coisa em lavoura. Lavoura, casa e seringa. Os que ficaram por aqui
seguiram a mesma coisa dos nossos pais e avós: seringa, lavoura lá em cima,
pesca, fabrico de farinha. Essas coisas mesmo, o tempo todo (Entrevista rea-
lizada em agosto de 2012, por Delma Pessanha Neves, também responsável
por esta edição).
Os gestores do Ministério da Agricultura concederam a apropriação
de lotes de terra para cultivos agrícolas e criação de gado, principalmente no
entorno das instalações da Fordlândia, alternativa que até os dias atuais con-
solidou um campesinato tutelar de relativa expressão. Essa referência é alta-
mente recorrente entre entrevistados, ao indicarem irmãos e cunhados que lá
permaneceram. Em Belterra, as casas construídas para os trabalhadores dota-
dos de vínculo formal são ainda por eles e seus descendentes ocupadas. Como
todo o conjunto de casas residenciais, expressivas das instalações dos diferen-
ciados trabalhadores, e das instalações dos órgãos de gestão do empreendi-
mento foram tombadas como patrimônio cultural a ser preservado, o povoado
em Belterra constitui um relativo museu aberto daquele empreendimento. Os
prédios da administração da empresa são hoje ocupados por setores adminis-
trativos da prefeitura de Belterra.
As alternativas que foram sendo criadas, no decorrer dos anos que su-
cederam à transferência do patrimônio para o Ministério da Agricultura, são
bastante exemplificadas em entrevistas entre trabalhadores de faixa etária
mais longa e que conviveram, de certa forma, com esses desdobramentos
nacionais do empreendimento americano. A releitura do texto de entrevista
138 Delma Pessanha Neves

concedida pelo Sr. Josino, agregada ao capítulo anterior, bem demonstra a


diversidade de inserção dos trabalhadores. Relembro que ele distinguiu a
situação do pai e de um dos irmãos, cada um exemplificando vantagens rela-
tivas de vínculos aqui apontadas.
No trecho a seguir, Audinéa, mulher de 40 anos em 2012, reafirma as
alternativas de instalação tutelada de demandantes de terra para assegurar
condições de reprodução familiar. Ela ilustra mais uma situação de uso atual
da terra por concessão de gestores da vida comunitária instituída, no povoa-
do, que a população local intitula Forlândia:

Audinéia Bonifácio dos Santos. Nasci em Goiânia, em 1973. Sou solteira, te-
nho 39 anos (em 2023). Estudei um pouquinho, até oitava série. Entrei na
escola com 7 anos de idade. E parei de estudar com 12 anos. Estudava numa
comunidade bem aqui perto. Perto de Itaituba. Em escola pública. Comecei
a trabalhar em lavoura mesmo, plantando, colhendo arroz, colhia feijão, fa-
zia farinha para meus pais. Com nove anos já trabalhava com eles. Com nove
anos...; morava na roça, tinha que trabalhar. Morava um pouco para cá do
Trairão, no viaduto 30. Vivemos no Trairão durante seis anos. Eu ajudando
meus pais. Não era roça, era pecuária dos outros. Meu pai trabalhava..., ele
trabalhava por mensalidade e aí fazia roça, mas a roça era nossa. E por mês
(assalariamento) cuidava do gado do outro. Morava dentro da área dos ou-
tros..., como se fosse um agregado. Papai cuidava do gado dele e tinha roça...
Mas a roça que nós plantávamos era para a gente, não tinha que dividir com
o dono. Depois a gente foi morar em Itaituba, mas lá meu pai faleceu. A gente
foi morar na cidade e trabalhar de lavadeira. Eu, minha mãe e minha irmã.
Ficamos lá uns cinco anos ou seis. Nós fomos morar na área do Ministério, da
Fordlândia. Isso foi em 1987. E fomos para Fordlândia em 1994. Ficamos uns
5 anos em Itaituba. Em Fordlândia, nós trabalhávamos com lavoura e eu fiz o
curso de pintura, dava aula de pintura; e no dia em que eu não dava aula, ia
trabalhar na roça. Fazia pintura em tecido. Pintava pano de casa, essas coisas.
Eu pintava e vendia. Nessa época eu estava grávida, fazia mais era pintura
assim e vendia. E com o dinheiro eu pagava diária para trabalhar na roça, por-
que eu não podia ir. Eu quase não conseguia trabalhar que o neném atentava
minha barriga. Em Fordlândia a gente ficou 16 anos. Depois que meu filho
nasceu, fui trabalhar na roça. Era um pedaço que o presidente da comunidade
tirava para trabalhar e o que a gente plantava era da gente. Só que a gente só
podia plantar arroz, mandioca e feijão. Era só isso que a gente podia plantar.
Era pequena a terra. Ele tirava duas linhas assim, tarefas de roça assim, para
a gente. Só que a gente queria aumentar e não aumentava mais, porque o
pedaço que ele dava era só aquele mesmo. E quando a gente ia embora, mes-
mo que tivesse plantado alguma coisa, a gente não tinha o direito de vender,
tinha que deixar. Deixava com tudo na terra. Depois de Fordlândia, passamos
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 139

três meses em Santarém. Lá a gente trabalhava. Pegava carvão lá na roça. Lá


eles queimavam o carvão todinho e liberavam para a gente pegar o carvão,
deixavam a gente pegar e a gente trabalhava assim. Isso já em 2010. Aí eu
não aguentei mais, estava com problema na minha coluna, era muito peso,
carregava dois sacos numa distancia de 500 metros, ai não aguentei mais,
passei mal.
Então eu recorri ao presidente da comunidade daqui do assentamento e
falei de tudo isso para ele. Depois que ele falou alguma coisa com Samuel
(presidente da Associação de Santa Fé do Cachoeirinha, P.A. Moju I e II, San-
tarém), aí que consegui esse terreno mais rápido. Ele contou toda a situação
da gente para Samuel, que foi então lá na minha casa e viu a situação: quan-
do chovia molhava tudo, tinha que levantar e desamarrar a rede e esperar
passar a chuva.
A gente nem conhecia Samuel ! Só um conhecido nosso que morava aqui,
porque, quando a gente foi fazer a cirurgia da filha dela, aí a gente encon-
trou esse amigo lá em Santarém. Ele mora aqui, mas está na cidade porque
está doente. Aí ele falando dessas terras aqui, ele falou primeiro que tinha
que ir lá no INCRA fazer o cadastro. Aí eu fui lá fazer o cadastro e também
fui falar com Samuel. Cheguei aqui o Samuel estava para Santarém, aí eu pe-
guei o número do telefone do Samuel e fui para Santarém e encontrei ele. Eu
liguei até falar com ele pessoalmente. Eu consegui falar com ele e ele foi lá
em casa, viu a nossa situação. Conversei e foi rápida a solução. Nessa época
a minha mãe estava com a gente e aí também conseguiu a terra aqui, conse-
gui esse ano e voltou para lavoura. Foi no final de março... , abril. Nosso lote
parece que é 300 metros de frente com dois mil de fundos (entrevistada no
Projeto de Assentamento Moju I e II, em dezembro de 2012, por Pedro Fon-
seca Leal. Texto de entrevista editado por Delma Pessanha Neves).

No Recenseamento Geral do Brasil (Demográfico e Socioeconômico)


de 1940, Aveiro aparece como distrito de Santarém. A população do apro-
ximado território antes considerado se apresenta distribuída em conformi-
dade aos dados a seguir demonstrados. Diante da dispersão da população
no decorrer e posteriormente à interrupção das atividades do empreendi-
mento americano, seguindo ainda as sugestões interpretativas apresentadas
por entrevistados, neste próximo quadro, incluo dados dos municípios de
Itaituba e Santarém:
140 Delma Pessanha Neves

quadro 6. População dos municípios de Itaituba e Santarém, segundo a distribuição


por sexo e qualificação dos espaços residenciais, 19407

Pessoas presentes em domicílios situados nos


Totais quadros indicados
Municípios
e distritos quadros urbanos quadro suburbano quadro rural
Total Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Itaituba 9.152 4.842 4.310 278 300 -- -- 4.564 4.010
Itaituba 5.415 2.886 2.529 178 203 -- -- 2.708 2.326
Brasília Legal 3.737 1.956 1.781 100 97 -- -- 1.856 1.684
Santarém 47.559 23.975 23.584 3.326 3.891 711 769 19.938 18.924
Santarém 25.110 12.551 12.559 2.880 3.435 584 628 9.087 8.496
Alter do Chão 10.915 5.638 5.277 110 118 14 14 5.514 5.145
Aveiro 621 301 320 110 92 6 2 185 226
Boim 3.087 1.571 1.516 101 106 48 45 1.422 1.365
Curuaí 7.826 3.914 3.912 125 140 59 80 3.730 3.692

Fonte: IBGE, 1953, p.: 179, 180

Os registros de dados no Recenseamento de 1940, praticamente dez


anos após a instalação da empresa Ford na Amazônia, permitem dimensionar
a expansão absoluta da população aí fixada. O maior afluxo é computado para
os distritos relativamente vizinhos a Boa Vista (Fordlândia), tais como Brasília
Legal (Itaituba) e Boim (Santarém), ou próximos ao território hoje pertencen-
te ao município de Belterra (Alter do Chão e Santarém) .
Para os objetivos propostos para elaboração deste texto, torna-se im-
portante destacar a expressiva presença de mulheres deslocadas por esse
mesmo fluxo migratório e pelo abrangente recrutamento de mão de obra
feminina, não só absorvida no extrativismo e manejo de seringueiras, como
também participando de tantas outras ocupações que se acoplaram ao em-
preendimento, como tão bem citaram os entrevistados: professores, auxilia-
res de enfermeira, funcionárias administrativas e comerciárias.
Segundo a distribuição sexual dos trabalhadores acima de 10 anos, por
setor produtivo, a presença das mulheres se fazia mais significativa no ramo
da agricultura, pecuária e silvicultura, nas atividades domésticas e escolares,
bem como nos de serviços e atividades sociais.

7
O município de Itaituba, pelo Recenseamento de 1920, apresentava a seguinte população: Homens:
4.953; Mulheres: 3.268; Total: 8.221 (Fonte: IBGE, 1926, p. 172-173).
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 141

quadro 7. População de fato, por sexo e ramo da atividade principal exercida, nos
municípios de Itaituba e Santarém, em 1940

Pessoas de 10 anos e mais com atividades


no ramo indicado
Ramos de Atividade Itaituba Santarém
Homens Mulheres Homens Mulheres
Agricultura, pecuária, silvicultura 593 42 9.820 2.419
Indústrias extrativas 2.144 14 1.522 78
Indústrias de transformação 33 1 566 28
Comércio de mercadoria 71 6 600 35
Comércio de imóveis, etc. - - 4 1
Transportes e comunicações 18 - 280 5
Administração pública, etc. 17 9 95 61
Defesa nacional, segurança pública 3 - 15 -
Profissões liberais, etc. 13 8 35 65
Serviços, atividades sociais 46 39 329 680
Atividades domésticas, atividades
223 2439 1.419 11.650
escolares
Pessoas de 10 anos e mais em
455 459 1.496 1.282
condições inativas, etc.
Total 3.616 3.017 16.181 16.304
Fonte: IBGE, 1952, p. 58.

Reagindo todavia às sugestões interpretativas suscitadas pelos dados


dos quadros anteriormente considerados e assumindo a indicação da impor-
tância da atividade agrícola e extrativista, bem como das formas de benefi-
ciamento ou acabamento dos respectivos produtos, todas então constituti-
vas das principais alternativas de ocupação da população economicamente
ativa naqueles municípios, algumas indagações emergem. Relativamente,
ressalta-se a computação das mulheres como trabalhadoras nesse setor de
atividades produtivas para o município de Santarém, situação diversa para o
de Itaituba. Da mesma forma, outro estranhamento emerge ao se reconhecer
que boa parte das mulheres, para efeitos desses censos, foram enquadradas
nas atividades domésticas e escolares. Como, pressupostamente, as ativida-
des domésticas eram e ainda continuam sendo consideradas improdutivas
para efeitos de criação de valor econômico na produção social e o sistema
público de ensino, segundo avaliação dos entrevistados, basicamente se con-
centrava na sede do município de Santarém, outra indagação se impõe: a que
corresponde a elevada contagem de mulheres no setor, segundo o sistema
classificatório que organiza os dados em atividades domésticas, atividades
142 Delma Pessanha Neves

escolares? Pelas narrativas das entrevistadas e dos entrevistados, esposos,


filhos e filhas, todos são pródigos em demonstrar o lugar indispensável das
mulheres na equipe de trabalhadores agrícolas e em preparação de casta-
nhas e juta para comercialização, mas também no deslocamento do espaço
doméstico da vida familiar consanguínea para a condição de agregadas em
famílias que residiam na cidade, de parentes ou não. Boa parte das filhas,
principalmente as mais velhas, iniciavam a condição de trabalhadoras do-
mésticas aos 9 ou 10 anos, na melhor das hipóteses almejando a inserção
em sistema de ensino básico, na condição de troca por afazeres domésticos:
cuidar de crianças em tenra idade, apoiar atividades de limpeza de casa e
quintais, cozinhar, lavar, carregar água do rio para as casas. Pelo conhe-
cimento por mim alcançado mediante entrevista com pessoas de diversas
faixas etárias, penso ser possível considerar que a representação numérica
do lugar produtivo das mulheres, naquele contexto, corresponda, pelo me-
nos em certa parte, à magnitude de alternativas de que se valiam as famílias
camponesas. Para enfrentarem as responsabilidades com prole numerosa
e restrições na comercialização de excedentes agrícolas, além do desejo de
ver seus filhos dotados de domínio de leitura, como já destaquei, a circula-
ção deles entre famílias residentes na sede do município era bastante re-
corrente.8
Amparo-me agora nas sugestões interpretativas elaboradas em entre-
vista com o casal a seguir apresentado. O afluxo de crianças para a cidade se
apresentava como norma, mesmo que a contragosto delas, atribuindo-lhes
a responsabilidade na ajuda familiar e, possivelmente, melhor encaminha-
mento que, no julgamento da mãe do entrevistado, a permanência no sítio
reproduzia: o destino social já dado de constituir tenramente novas famílias
conjugais.
Pedro Odimar, conhecido como Pidoca, nascido em 1929, e Da. Dina, sua es-
posa, nascida em 1934, conversam comigo sobre as condições de socialização
e iniciação deles na vida escolar e de trabalho.
Pidoca – Nasci em 1924 numa comunidade daqui mesmo, Jutaí. Depois eu fui
para cidade estudar! Um pouquinho, né?! Quarta série, que naquele tempo
era o máximo que a gente podia chegar, né? Eu comecei a criar galinha, porco,
com idade de 5 anos, mais ou menos. Com 8 anos a minha mãe me deu para
os outros em Santarém!
– Sua mãe deu o senhor para quem?

8
A circulação de crianças entre famílias, em muitos casos sem vínculo de consanguinidade, tem sido
tema de dedicação de pesquisas postas em prática por Fonseca (1995, 2006) e Motta-Maués (2004,
2008), entre outras.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 143

Pidoca – Veio um mentiroso, que nunca acabou no mundo, e eu já criava porco.


Eu sempre gostei, até hoje, de animal macho. Eles até conheciam meu assobio,
minha fala! Não é mentira não! E aí, vinham os marreteiros, naquele tempo,
comprar... Eles tinham muito ouro, todos tinham cordões de ouro, anéis de
ouro! E eles me enganaram e até compraram o cordão de ouro da minha mãe,
um cordão muito lindo! Aí a minha mãe costurava e inventaram que sabiam
consertar máquina! E mexeram para cá, mexeram para lá e eles levaram o
meu porco como pagamento! Isso eu me lembro muito bem! E já voltaram de
novo, agora querendo levar a minha irmã. Ai ela deu e minha irmã foi para lá.
Ai, depois de uns dias, ela me deu também para eu ir para lá! A menina era
assim, ela se acostumava com todo mundo, mas eu não. Nunca me acostumei
com ninguém! Aí, foi uma época difícil para mim, eu não me acostumava lá! Lá
a mulher era sorrindo e o marido porre! Porre! Não era uma casa de gente que
eu considerasse não! Na casa da minha mãe, ela também não sabia. Ela era
analfabeta, mas ela sabia criar nós. Lá não, tivesse o que comer, comia, se não
tivesse, não comia! Era indiferente. Ai eu fiquei perdido, mas graças a Deus a
minha irmã foi passar os dias de Nossa Senhora da Conceição e foi levar uma
prima que vivia junto com a gente. Ai eu comecei a me chegar para banda dela
e ela me ralhando... E essa minha prima, porque eu chorava muito, disse a mi-
nha madrinha: - Nós vamos te levar embora se continuar a chorar! Ai foi tudo
o que eu quis. Eu não saía mais de lá nem que me chutasse! Foi a primeira vez
que eu fui, né? Aí passou gente por aqui e tornaram a me dar para outro! Mas
lá já era mais gente boa, era casa de gente!
– Quando dava vocês, era para estudar?
Pidoca – Minha mãe não era sabida, mas ela sentia que era uma falha muito
grande a pessoa não saber nada! E assim foi... Eu fiquei lá com esse homem,
fiquei 8 anos e meio, com uma senhora que não tinha filhos, mas também
nunca me acostumei! E vivia lá porque era o jeito!
– Explica para mim o que era se acostumar.
Pidoca – É viver feliz, como quem vive na casa de pai! Até com fome na casa
de pai é bom! Melhor do que cheio na casa dos outros! Só o que eu sei expli-
car, para mim é assim! Aí passou um tempo e eu cheguei de novo para banda
da minha mãe. Eu nem conhecia ela bem. Eu era bem menor quando eu fui e
estava tudo bem diferente! Fiquei..., aí veio de novo um recado dessa minha
irmã, que alguém me queria lá. Bom, aí doeu! Disse: - Eu não vou. - Tu vai(s),
tu vai(s), tua irmã está te chamando, tu vais! Eu me calei, só que não era mais
aquele menino, já era outro! E a minha amizade, que fiz bem na cidade, em
toda a parte onde eu vou, eu faço. Fiquei logo imaginando: - Para cá eu não
venho mais. Aí ficou um dia..., já estavam marcando o dia que era para me leva-
rem. E eu conhecia essa família: era uma velha rabugenta lá, muito pior do que
onde eu morava! Então, se era para eu ir para banda dela, eu ia lá para onde eu
144 Delma Pessanha Neves

tinha morado, porque me disseram: - Vem para cá que eu até te pago! Porque
ele gostava muito da gente! Era só o que eu sabia: se fosse para eu ir para lá, eu
fugia e ia morar na casa onde eu morava. Se não, eu pegava outros caminhos!
– Nisso o Sr. já estava com que idade?
Pidoca – Eu tinha meus 14 anos. E aí eu tinha três irmãos... Aí eu já ia caçar
de cachorro e espingarda dentro do mato, eu matava quatro cutias. Sentei em
cima de um pau no meio do mato, aí chegou um irmão e disse: - Mamãe quer
que tu vá(s). E e eu disse que não quero não. Aí fiquei lá cuidando da cutia.
Quando chegou na hora da mesa, ele perguntou à mamãe: - A senhora ainda
vai dar o Pedro para Santarém? – Vou sim, tua mana não está mandando cha-
mar por ele? Ela ficou brava! Meu irmão já sabia alguma coisa. Aí ela disse: - É,
vocês não querem que ele vá, mas para ficar que nem vocês aqui arrumando
mulher e não me ajudar ? Foi bom isso, e eu caprichei. Não fui mais, mas eu
fiz de tudo. E só abandonei ela quando fui deixar ela no cemitério! Cuidei bem
dela e ela gostava de mim!
E eu fui crescendo e lutando, trabalhando, ela foi mudando de sistema de vida,
de roupa, de despesa. Aí como diz a cantiga, quando a gente já está grande
cria asas e quer voar. Aí eu arrumei alguém e casei. Mas ela gostou. Gostou,
vivemos juntos muitos anos, e essa aqui era do coração dela e outras mais. E
aí a gente foi vivendo. Aí quando a gente foi, quando o pai da minha mulher,
o meu sogro, ele me entregou a minha mulher, eu recebi como mais uma pre-
ocupação na vida. Eram duas mulheres para tomar conta: a mãe e a esposa.
Mas hoje em dia eu vejo gente novo cansado, cansando. Eu não sei o que é
isso. Eu nunca soube o que é canseira não. Está aqui ela, se quiser confirmar,
confirma. Eu lutei, mas não assim cansando não.

A esposa, D. Dina (nascida em 1934), é convidada a participar da conver-


sa, pois ela entre nós já se encontrava, para também falar sobre sua infância.
– Eu sou Eldina, nasci no Aricatuba. Aricatuba é uma comunidade vizinha,
mais ali embaixo. Só tinha uma casa aqui em Aricatuba. Era a de um patrão e
a gente trabalhava para ele. Eu estudei só um pouquinho em Santarém, parei
e já vim estudar aqui no sítio, primeiro em Guajará, só que era mais longe. Ia
de remo. Nós mesmos que íamos remando. Graças a Deus nunca aconteceu
nenhum acidente. Lá em Guajará eu estudei até a 3ª série. Quando eu voltei
para Aricatuba, eu estudei um pouco para lá, mas apareceu professor por aqui
e eu vim estudar para cá. E ao todo cheguei à terceira série. Naquele tempo
não era série, era classe. Primeira, segunda e terceira classe. Quando nós ca-
samos, nós já morávamos aqui em Membeca. Eu já morava aqui com mãe e
irmão. Minha mãe veio para cá porque a gente dela, pai e mãe, eram todos
daqui e ela ficou viúva.
Quando viemos para cá, aqui tinha mais ou menos umas dez famílias. Para
baixo eram mais duas casas. Para cá para cima, tinham mais casas. Tinha uma
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 145

família, onde tem ainda aquele seringal, antes de chegar na capela; mais outra
família ali na frente, mais outra, que era do Antonio Miranda, mais na frente.
As casas ficavam na beirada, na beira da água. As águas que tem agora, que
crescem bem, com enchente né?! Antes eram grandes! Eu sei porque a água
ficava mais perto para a gente encher as vasilhas, sabe? Não tinha água enca-
nada! Só que eu, quando eu me casei, não queria morar nessa vila, né? Porque
o que plantava não nascia nada! Quando nós começamos com a nossa família,
nos já morávamos aqui em cima. Morávamos lá para baixo e quando enchia
não precisava sair. Não, não! As ondas levavam casas, as plantas morriam...
Não era bom! É melhor estar na várzea, mas o problema é que precisa sempre
estar começando a vida, a água acaba tudo. Não era bom. Não era bom. Eu
acho que eu dei até uma acertada. Só é difícil aqui é ter água na casa, né? Mas
chegou um ponto que melhorou bem!
Eu comecei a trabalhar com idade de 9 anos, quando eu cheguei de Santarém.
Eu parei uns tempos lá com a minha madrinha, eu já fazia as coisas. Eu que
tomava conta da cozinha dela, lá pelos 9 anos! Tinha 9 anos de idade! Eu
fazia café para ela, fazia almoço, ela lecionava, né. A minha madrinha, com
quem eu morei em Santarém. Fui para Santarém com 9 anos de idade. Eu
precisava trabalhar para estudar. A minha madrinha sempre morou lá. De-
pois que ela se casou, ela foi para lá para Belterra. Eu fiquei lá estudando,
mas ajudando ela na cozinha. Eu fazia as coisas. Eu enchia água para eles.
Não tinha água encanada em Santarém, tinha que pegar na beira. A gente
se acordava 4 horas da madrugada e enchia água, enchia água, até às 6 ho-
ras. Às 6:30, parava para tomar banho e me preparava para ir para aula. E
ela também já estava preparada para ir para aula. A aula era na casa dela
mesmo, a sala de aula. Eu me acostumei bem por lá, mas eu adoeci, fiquei
meio anêmica. Aí a irmã da minha madrinha mandou dizer para mamãe que
era para ela ir me buscar, se não eu poderia morrer para lá. Então a mamãe
achava que eu estava muito pálida e com essa febre feia que deu aqui, estava
sem imunidade. Eu sofri muito! Fiquei anêmica! De lá a mamãe mandou
me buscar, e eu vim aqui para banda dela e não voltei mais. Eu fui com 9
anos e voltei logo no outro ano, porque eu adoeci. Aí fiz o tratamento aqui
com mamãe e eu trabalhava com a minha mãe. Cozinhava, ela me deixava
em casa para fazer a alimentação para eles, e eu costurava. Aprendi a cos-
turar e eu costurava! Aprendi a costurar com minha mãe mesmo; ela sabia
costurar. Fazer calça de homem, calção, camisa. Isso tudo. Fazia! Depois de
nos casarmos, que a gente já tinha família, eu parei de costurar, eu não cos-
turava muito ! Depois que eu me casei, fui trabalhar em roçado. Nós íamos
juntos, eu e ele. Íamos juntos de manhã e eu fazia tudo o que ele fazia, era
tudo junto: roçar, capinar e plantar. Todo dia a gente ia para lá! A mãe dele
que ficava em casa e fazia o serviço da casa. A mãe dele estava com a gente.
Ela ficava tratando dos netos aí. E quando os netos já estavam grandes, ela
ficava cortando seringa. Aí eles ficavam na casa da avó deles e eles também
iam cortar seringa. Duas iam cortar seringa. O dinheiro que a gente vendia
borracha né, ajudava a manter a família (Entrevista concedida pelo casal na
residência, em julho de 2012).
146 Delma Pessanha Neves

Como as atividades agrícola e extrativista se apresentavam como he-


gemônicas na produção social e na ocupação de trabalhadores, os dados
sistematizados nos censos em apreço (1920 e 1940), ainda quanto aos dois
municípios integrados para efeitos de comentários, destacam a magnitude
relativa dos números computados para caracterizar a distinção entre lavou-
ras permanentes e temporárias.

quadro 8. Área dos estabelecimentos agropecuários em exploração e segundo


condições de utilização, nos municípios de Itaituba e Santarém, 1940
Área (ha) dos estabelecimentos
Em exploração
Municípios
Total Lavoura
Total Pastagens Matas
Permanentes Temporárias
Itaituba 829.373 783.068 8.656 7.482 3.865 763.065
Santarém 262.759 221.416 8.805 6.963 41.173 164.475
Observações: Total de estabelecimentos recenseados em Itaituba – 418; em Santarém – 3.647.
Do quadro original apresentado pelo Censo, retirei, para facilitar a reprodução neste texto, os dados re-
ferentes a áreas não exploradas dos estabelecimentos (em Itaituba, 29.256ha, e em Santarém, 38.616ha).
Da mesma forma, suprimi as medidas das áreas classificadas como improdutivas (em Itaituba 17.049ha
e Santarém 2.727ha).
Fonte: IBGE, 1953, p. 251

As informações apresentadas no Recenseamento de 1940 podem ser


complementadas pelos sentidos emprestados pelos entrevistados. No caso,
destaco a disponibilidade de áreas de terras passíveis de corresponderem
ao projeto dos camponeses: para se instalarem com a família e assegura-
rem a subsistência do grupo doméstico. A área qualificada como de matas,
aos olhos dos agricultores que, conforme explicitam, correm mundo caçando
terra (disponível), pode também ser passível de integrar o estoque almejado.
Parte delas é classificada como não tocadas pela intervenção humana (terra
livre ou sem dono, terra devoluta). Do total da área computada no município
de Santarém (262.759ha), descontadas aquelas ocupadas por lavouras em
exploração, permanentes (8.805ha) e temporárias (6.963ha) e pastagens
(41.173ha), 164.475ha permaneciam na condição de matas e 38.616 como
não exploradas (IBGE, 1953, p. 251). As lavouras permanentes correspon-
dem à ligeira preferência na orientação produtiva vis-à-vis às temporárias,
com destaque da ocupação para pastagem. Relacionando-se áreas que indi-
cam apropriação produtiva e as supostamente secundarizadas para esse uso,
pode-se compreender toda a expressão do que foi possível ser colocado em
prática no tocante ao projeto camponês e ao fluxo migratório, reproduzidos
por rede de relações de parentesco e vicinais para desenvolver atividades
agrícolas de subsistência e venda complementar de excedentes.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 147

Ao se relacionarem os dados referentes às modalidades de exploração


nos dois municípios à computação subdivida dos estabelecimentos por gru-
pos de área, pode-se mais uma vez arguir em favor da expansão do segmento
do campesinato nas situações aqui consideradas.

quadro 9. Propriedade do imóvel e condição do responsável, distribuição da área


de terra por estabelecimentos, segundo escala em grupos de área, 1920 e 1940
Critérios de distinção Municípios e número de estabelecimentos
Itaituba Santarém
1920 1940 1920 1940
Totais de estabecimentos e área 26.907 58.135 9.830.280 10.082.027

Propriedade do imóvel
Individual 25.321 43.077 8.805.385 5.686.225
Particular 1.041 8.526 999.211 3.993.891
Entidade pública 45 4.756 25.684 258.011
Sem declaração de propriedade 23.665 1.776 - 143.900

Condição do responsável 1920 1940 1920 1940


Proprietário 1.204 36.433 6.211.123 4.344.481
Arrendatário 2.038 6.140 758.824 2.344.033
Ocupante 19.752 8.144 - 199.786
Administrador - 7.275 - 3.189.591
Sem declaração - 143 4.139 28
Grupos de área 1920 1940 1920 1940
Até 10ha 19.752 21.019 65.086 66.616
10 a 100ha - 29.169 - 925.944
100 a 200ha 2.139 2.706 317.922 373.228
200 a 1000ha 3.288 3.413 1.479.706 1.426.929
1.000 a 10.000 1.018 - 3.775.113
10.000 e mais 151 84 3.149.729 3.514.197
Sem declaração de área 231 - -
Observação: A escala de grupos de área foi concentrada para os Recenseamentos de 1940 e 1950 para
fazer equivaler à classificação adotada no Recenseamento de 1920.
Fonte: IBGE, 1926, p. 305-306, 1953, p. 251, 1956, p. 93.
148 Delma Pessanha Neves

O processo de expansão de unidades parcelares geridas pelo traba-


lho da família incide muito mais no número de estabelecimentos do que a
área. Neste aspecto, pode-se mesmo apontar bastante diminuição da área
total assim apropriada. Os dados são ainda sugestivos da existência de inves-
timentos no sentido da demarcação da propriedade por parte dos agentes
econômicos, tal como sugere o zigue-zague dos registros dos Censos de 1920
e 1940. Salvo diversidade de formas de registro hoje imputando dificuldades
de compreensão, são dignos de nota os registros nos censos para a presença
da categoria ocupante ou posseiro.
No quadro seguinte, estão melhor indicadas as condições objetivas
de apropriação de terra nas proposições almejadas e segundo referência a
valores dos agricultores, cuja prática definia a compra de benfeitorias ou
a apropriação imediata (terra sem dono ou terra devoluta). A magnitude
das áreas de estabelecimentos utilizados por lavouras permanentes e tem-
porárias, bem como a pecuária (56.941ha), em contraposição às áreas de
matas, improdutivas ou não exploradas (205.818ha), ganhará ainda toda
sua potencialidade nas décadas seguintes de continuidade do processo mi-
gratório.
O registro apresentado pelo Censo Econômico de 1940 e referente aos
atributos dos estabelecimentos revela a predominância da atividade agrícola
em pequena escala, confirmado mais uma vez por outro critério de computa-
ção, tal como organizado no quadro seguinte e nos dois municípios tomados
em conta. Há predomínio da área dos estabelecimentos vinculados à agricul-
tura e à agropecuária em pequena escala.

quadro 10. Pessoal permanente dos estabelecimentos agropecuários, distribuídos


pela modalidade da exploração, nos municípios de Itaituba e Santarém, 1940

Área do total de
Municípios Agricultura Agropecuária Pecuária
estabelecimentos

Nº Área Nº Área Nº Área


Itaituba 829.373 664 736.588 369 87.513 14 2.264
Santarém 262.759 9.403 149.249 5.033 56.347 790 19.287
Observação: Da tabela original foram retirados dados relativos à modalidade de exploração grande esca-
la, dada a ausência de sentido para análise em apreço. De qualquer modo, a coluna da área total de todos
os estabelecimentos assegura o dimensionamento representativo da agricultura de pequena escala, con-
traposta, para efeitos de comparação nos seguintes termos: Itaituba: agricultura em grande escala 126
estabelecimentos, agropecuária 73 e pecuária 4.
Fonte: IBGE, 1953, p. 256, 261.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 149

Retomando as considerações quanto aos atributos caracterizadores


das distinções entre estabelecimentos pela escala de produção, ressaltam-
-se, entre os termos qualificantes que venho selecionando, aqueles condi-
zentes com o pessoal ocupado. No próximo quadro, os dados estão compu-
tando os trabalhadores diretos e indiretos com vínculo permanente, tanto
na agricultura como agropecuária e pecuária. Em todos os dois municípios,
a principal ocupação produtiva se orienta para a alocação de trabalhado-
res em unidades supostamente familiares, a considerar ainda os dados de
entrevista, abarcando todas as modalidades de exploração valorizadas no
Recenseamento Geral do Brasil de 1940. A alocação de trabalhadores nos
estabelecimentos de pequena escala é significativamente superior nas situa-
ções de exploração agrícola e agropecuária. A distinção ganha toda a força
quando se cotejam os números absolutos em todos os subsetores, indicados
na coluna totais.

quadro 11. Pessoal permanente dos estabelecimentos agropecuários, distribuídos


pela modalidade de exploração, nos municípios de Itaituba e Santarém, 1940

Estabelecimentos com a modalidade da exploração indicada


Totais Outra modalidade
Agricultura Agropecuária Pecuária
Municípios de exploração

Grande Pequena Grande Pequena Grande Pequena Grande Pequena Grande Pequena
escala escala escala escala escala escala escala escala escala escala

Itaituba 418 1697 126 664 73 369 4 14 215 650

Santarém 3627 15290 2156 9403 1143 5033 303 790 25 64

Fonte: IBGE, 1953, p. 261.

Por fim, mediante a inclusão do quadro seguinte, insisto nas alter-


nativas de dedução da importância da agricultura de pequena escala, mas
considerando aqueles produtos fundamentais à subsistência da família cam-
ponesa, alguns beneficiados como excedente para compor o rendimento fi-
nanceiro do grupo doméstico, em especial a farinha de mandioca. As caracte-
rísticas se replicam nos dois municípios que venho considerando.
150 Delma Pessanha Neves

quadro 12. Produção agrícola e extrativa vegetal, segundo número de


estabelecimentos e respectivas unidades de medidas nos municípios de Itaituba e
Santarém, nos anos de 1920 e 1939

Número de estabelecimentos com declaração e toneladas produzidas


Itaituba Santarém
Produtos
1920 1940 1920 1940
Número (t) Número (t) Número (t) Número (t)
Arroz 9 5 50 23 34 71 916 1273
Farinha de
25 116 189 461 2927 3835
mandioca
Feijão 13 10 67 24 46 68 1440 466
Mandioca e
25 472 192 3825 128 2.495 3002 24329
aipim
Milho 25 50 164 166 79 275 2572 2436
Algodão em
2 0,2 11 12 41 44 586 833
caroço
Borracha 54 2.834 323 239 451 183 451 183
Cacau 1 1.000 12 6 142 710 356 51
Castanha 4 (x) 22 20 52 39 52 39
Fumo em
4 0,5 58 6 35 10 564 57
folha
Fumo em
- - 2 (x) - - 95 11
corda
Mamona - - - - 6 6 - -
Observação: O número total de estabelecimentos em Itaituba corresponde a 418 e em Santarém a 3.647.
Fonte: IBGE, 1924, p. 64, 65, 66, 200, 290, 291, 292, 293, 361, 362, 1953, p. 268, 270.

Comparativamente, a produção destinada ao comércio a longa dis-


tância apresenta expressão reduzida no decorrer do período de tempo em
torno da data do levantamento, 1939. É de se supor certo retraimento dos
agricultores quanto à orientação mercantil. Pelos dados de entrevistas, há
comentários de venda de alguma quantidade de látex em regatões, venda
esporádica de peixes, peles de animais selvagens e aumento da extração de
madeira para atender à demanda de barcos a vapor. Como se depreende da
leitura do quadro anterior, os produtos outrora valorizados para a venda de
excedentes ou de destinação precipuamente mercantil estiveram contidos
em termos de oferta.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 151

Alternativas econômicas contextuais: registro de vida


intergeracional

Doravante, neste capítulo incorporo dados quantitativos obtidos pelo


questionário que nós pesquisadores e auxiliares de pesquisa aplicamos, con-
forme demonstração dos princípios de métodos já apresentados na intro-
dução. Serão computados os atributos sociais registrados para indivíduos
(membros familiares consanguíneos e afins) referentes à faixa etária acima
de 70 anos. Do total de referências (1536), excetuando os indivíduos sobre
os quais, ainda que citados, não obtivemos informações quanto a este quesi-
to (168), 599 encontravam-se vivos no momento da entrevista e 769 faleci-
dos, conforme demonstração apresentada em quadros anteriores.

quadro 13. Indivíduos referidos no levantamento, na correspondência do sexo e


faixa etária acima de 70 anos, com distinção da condição biológica de vida

Número de indivíduos referenciados, segundo distinção sexual e vida biológica


Faixa etária Total indicado Masculinos Femininos
90 e +
Vivos 34 26 8
Falecidos 226 166 60
Subtotal 260 192 68
89-80
Vivos 199 103 96
Falecidos 361 196 165
Subtotal 560 299 261
79-70
Vivos 366 202 164
Falecidos 182 113 69
Subtotal 548 315 233
Total 1.368 806 562
Vivos 599 331 268
Falecidos 769 475 294
Sem Informação 168 107 61
Total 1.536 913 623

Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores durante o decorrer do ano de 2012.
152 Delma Pessanha Neves

Redistribuindo as informações segundo a naturalidade e, se corres-


pondentes a paraenses, o município de nascimento, também investindo na
qualificação por distinção sexual e a condição de existência biológica, or-
ganizei o quadro seguinte, que propicia uma aproximação avaliativa, nesse
cenário restrito de agregação de indivíduos, quanto à participação deles no
fluxo migratório interno ao estado do Pará ou para aí advindos de outros
estados.

quadro 14. Local de nascimento (estados mais recorrentes) de indivíduos


referenciados no levantamento, segundo sexo, idade acima de 70 anos e condição
biológica de vida

Estados de maior recorrência de nascimento dos indivíduos referidos


na aplicação do questionário

Rio Gr.
Faixa etária Total Pará Amapá Amazonas Ceará Maranhão Paraná
do Sul
Masc

Masc

Masc

Masc

Masc

Masc

Masc
Fem

Fem

Fem

Fem

Fem

Fem

Fem
90 e +
Vivos 44 31 3 1 1 3 2 1 2
Falecidos 140 11 2 45 32 25 18 3 4
89-80 1
Vivos 284 141 121 1 8 3 3 5 1 1
Falecidos 194 74 59 15 9 13 11 6 7
79-70 6 7
Vivos 499 226 206 1 3 6 9 13 22 3 5 2 3
Falecidos 147 74 19 1 18 21 4 4 2 2 2
Subtotal 1322 557 410 6 7 3 4 93 75 57 62 18 21 4 5
Masculinos 738 557 6 3 93 57 18 4
Femininos 584 410 7 4 75 62 21 5
Total 1322 967 13 7 168 119 39 9

Observação: Masc. – Masculino; Fem. – Feminino.


Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 153

quadro 15. Local de nascimento (estados menos recorrentes) de indivíduos


referenciados no levantamento, segundo sexo, idade acima dos 70 anos e
condição biológica de vida

Total Norte Nordeste Centro-oeste Sul Outros países Sem informações


Faixa
etária Masc

Masc

Masc

Masc

Masc

Masc
Fem.

Fem.

Fem.

Fem.

Fem.

Fem.
90 e +

Vivos 0

Falecidos 6 1 2 1 2

89-80

Vivos 25 2 1 1 2 12 7

Falecidos 93 1 1 2 4 1 1 2 2 43 36

79-70

Vivos 67 1 4 1 1 3 1 2 1 40 13

Falecidos 23 1 1 3 1 1 1 1 11 3

Subtotal 214 2 4 9 11 4 2 4 2 5 3 107 61

Masculinos 131 2 9 4 4 5 107

Femininos 83 4 11 2 2 3 61

Total 214 6 20 6 6 8 168

Observação: Masc. – Masculino; Fem. – Feminino.


Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores durante o decorrer do ano de 2012.

Diante das análises anteriormente apresentadas quanto à estrutura


de atividades produtivas, acelera-se a migração dita espontânea (familiar
e vicinal) de brasileiros advindos de outros municípios do estado do Pará,
especialmente da região oeste do Pará, bem como de outros estados, nesse
contexto especialmente da região nordeste. Para compreender tal proces-
so, apresentarei dados correspondentes ao local de última residência desses
mesmos indivíduos na faixa etária indicada que, pela tabulação das respos-
tas, alcançou o número de (1.536), dos quais 967 são naturais do estado do
Pará e 568 se deslocaram de outros estados. Dos 967 indivíduos do estado
do Pará, 857 eram naturais do município de Santarém.
154 Delma Pessanha Neves

quadro 16. Local de última residência (em municípios do estado do Pará) dos
indivíduos referidos no levantamento, com idade acima de 70 anos

Município de residência Número de indivíduos citados


Alenquer 20
Altamira 6
Aveiro 7
Belém 4
Belterra 18
Boim 10
Breves 4
Castanhal 2
Curuá 2
Itaituba 35
Jacareacanga 12
Juruti 16
Monte Alegre 9
Óbidos 38
Oriximiná 21
Porto Trombetas 21
Prainha 6
Santarém 857
Tapajós 5
Tucuruí 1
Sem informações do domicílio 151
Total 1.245

Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores durante o decorrer do ano de 2012.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 155

quadro 17. Local de residência (em outros estados e países) dos indivíduos referidos
no levantamento, com idade acima de 70 anos

Estados brasileiros e Número de indivíduos


Município de residência
outros países citados

Amapá Macapá 5
Barreirinha 1
Manaus 21
Amazonas
Parintins 2
Flexerinha 14
Icapuí 2
Ceará Trairi 10
Sem Informação 21
Cristalina 2
Goiás
Goiânia 1
Codó 1
Pinheiro 2
Maranhão Zé Doca 12
Sem Informação 25
Mato Grosso do Sul Santa Cruz 2
Paraná Pato Branco 2
Rio Grande do Sul Santo Cristo 2
Rondônia Porto Velho 12
Roraima Sem Informação 11
São Paulo São Paulo 2
Paraguai Sem Informação 2
Sem Informação* Sem Informação 139
Total 291
* Supostamente residentes em outros estados do Brasil.
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores durante o decorrer do ano de 2012.

Em correspondência à estrutura institucional do serviço público, as in-


formações sobre tais indivíduos citados em entrevista permitem a seguinte
distribuição quanto ao nível de ensino alcançado:
156 Delma Pessanha Neves

quadro 18. Caracterização geral do nível de instrução de indivíduos referidos no


levantamento, acima de 70 anos

Nível de instrução Número de indivíduos citados

Sem instrução formal (qualificado como


520
analfabeto)

Alfabetizado 429
Primário (terceira série) 260
Fundamental incompleto 166
Fundamental completo 50
Ensino médio 7
Ensino superior 3
Sem informação 101
Total 1.536
Fonte: Levantamento de dados para efeitos da pesquisa que vem sendo textualizada.

Comparando os índices definidores de local de nascimento por estado,


pelo menos nos termos em que as informações foram prestadas quanto à na-
turalidade, com aquele definido como local onde esse conjunto de indivíduos
veio a fixar residência ou permaneceu residindo (no momento da entrevis-
ta), pode-se depreender certa continuidade no fluxo migratório ainda colo-
cado em prática por muitos daqueles computados na faixa etária superior a
70 anos. Dirigiram-se mais acentuadamente para o Amazonas, ou melhor,
Manaus, fenômeno em parte explicável pelo crescimento da cidade em de-
corrência da instalação da Zona Franca e do parque industrial.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 157

quadro 19. Comparação da frequência de estados de nascimento e de residência de


indivíduos referenciados e acima de 70 anos

Estados/Brasil Local de nascimento Local de residência


Alagoas 1 -
Amapá 13 15
Amazonas 7 24
Bahia 5 -
Ceará 168 47
Goiás 3 3
Maranhão 119 40
Mato Grosso 2 -
Mato Grosso do Sul - 2
Pará 967 667
Paraná 39 2
Paraíba 6 -
Pernambuco 5 -
Piauí 2 -
Rio Grande do Norte 3 -
Rio Grande do Sul 9 2
Rondônia 3 12
Roraima 2 11
Santa Catarina 2 -
São Paulo 1 2
Sergipe 1 -
Outros países Local de nascimento Local de residência
Itália 2 -
Líbano 2 -
Paraguai - 2
Portugal 2 -
Sem informação 172 707
Total 1.536 1.536
Observação: Outros países: Itália, Líbano, Paraguai e principalmente Portugal.
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisa colaboradora da construção de dados para este
texto.
158 Delma Pessanha Neves

A identificação desses mesmos indivíduos segundo as informações ob-


tidas quanto à ocupação exercida ou ao percurso de ocupações galgadas (in-
dicado pelo sentido da seta g), seja em ascensão no controle do rendimento
e da autonomia do trabalho, seja no sentido inverso, isto é, saber-fazer ou
profissão que abraçou durante a vida economicamente ativa, destaca-se a
condição ocupacional da maioria como agricultores. A despeito de o número
absoluto aqui considerado não corresponder a qualquer cuidado com repre-
sentação porcentual da população, mas a um flash capturado junto às famí-
lias entrevistadas, esses dados equivalem de certa forma às alternativas de-
senhadas pelo quadro estrutural anteriormente apresentado com base em
dados oficiais e estatísticos.

quadro 20. Classificação das ocupações de indivíduos acima de 70 anos referidos no


levantamento, associadas ao setor agrícola ou agropecuário e extrativista

Percursos (mobilidade ocupacional) segundo Total de


atividades econômicas respostas Homens Mulheres

Atividades agropecuárias
Agricultor(a) 956 637 319
Agricultor e comerciante (mercantil) 1 1 -
Agricultor e criador de gado 1 1 -
Agricultor e pescador 6 6 -
Agricultor à proprietário de barco 1 1 -
Agricultor àcarpinteiro 1 1 -
Agricultor àcarregador 1 1 -
Agricultoràcomerciante (mercantil, minibox,
4 4 -
kit-box)
Agricultor àcomercianteà fazendeiro 1 1 -
Agricultor à construtor de casas 1 1 -
Agricultor àdespachante 1 1 -
Agricultor àdono de engenho 1 1 -
Agricultor àfeirante 1 1 -
Agricultor àpescador à carpinteiro 1 1 -
Agricultoràpescadoràfazendeiroàcomerciante 1 1 -
Agricultoràpescadoràvendedor de açaí à comer-
1 1 -
ciante
Agricultoràseringueiroàcomerciante 1 1 -
Agricultoraàfazendeira 1 - 1
Agricultoraàpescadora 3 - 3
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 159

Agricultoraàcarvoeira 1 - 1
Agricultoraàcomerciante 1 - 1
Criador(a) de cabra 2 1 1
Criador(a) de gado 1 1 -
Fazendeiro produtor de café e algodão 1 1 -
Fazendeiro(a) 3 3 -
Pecuarista 3 3 -
Pecuarista à carpinteiro à comerciante 1 1 -
Proprietário de estância 1 1 -
Proprietário de terrenos à agricultor 1 1 -
Trabalhador rural na pecuária 1 1 -
Subtotal 1.000 674 326
Atividades extrativistas

Balateiro àseringueiro 1 1 -
Garimpeiro à agricultor 2 2 -
Garimpeiro à comerciante 1 1 -
Garimpeiro à eletricista 3 3 -
Madeireiro à agricultor 1 1 -
Pescador 1 1 -
Pescador à agricultor 1 1 -
Pescador à criador de gado 4 4 -
Pescador à feirante 1 1 -
Seringalista 1 1 -
Seringueiro (aposentado como soldado da borracha) 1 1 -
Seringueiro (aposentado como soldado da borracha)
1 1 -
à agricultor
Seringueiro aposentado como soldado da borracha
3 3 -
à comerciante
Subtotal 21 21 -
Total nos setores considerados 1.021 695 326
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisa colaboradora da construção de dados para este
texto.

Em correlação à estrutura produtiva do município de Santarém, bem


como de boa parte daqueles outros do estado do Pará citados no levantamento,
conclui-se sem risco sobre a predominância de trabalhadores agrícolas.
160 Delma Pessanha Neves

quadro 21. Ocupações reconhecidas como atividades profissionais exercidas pelas


mulheres na faixa etária acima de 70 anos cujo exercício se iniciou entre 1930 e 1950

Ocupações e mobilidades possíveis Total de respostas Mulheres


Agricultor(a) 303 46
Agricultoraàfazendeira 1 1
Agricultoraàpescadora 3 3
Agricultoraàcarvoeira 1 1
Agricultoraàcomerciante 1 1
Atividades domésticas 76 76
Bordadeiraà agricultora 1 1
Bordadeira à comerciante 1 1
Costureira 28 28
Comerciária 1 1
Costureira à agente de saúde 1 1
Costureira à agricultora 2 2
Cozinheira 1 1
Diarista 3 3
Empregada doméstica 1 1
Enfermeira 2 1
Funcionaria de cartório à telefonista à
1 1
comerciante
Funcionária municipal (servente) 1 1
Lavadeira 1 1
Merendeira 1 1
Merendeira à comerciante 1 1
Parteira 1 1
Parteira à costureira 1 1
Professora 9 9
Professora universitária 1 1
Professora à enfermeira 1 1
Servente à agricultora 1 1
Vendedora de roupa à cozinheira de barco 1 1
TOTAL 446 188

Fonte: Levantamento de dados para efeitos da pesquisa que vem sendo textualizada.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 161

Nas situações em que informantes qualificaram o trabalho de mulhe-


res como agricultoras, estava basicamente em jogo a posição delas como che-
fes de família, assim gestoras da produção por viuvez ou separação do casal
(52 casos). Na sequência, elas aparecem operando com trabalho remunera-
do como costureiras (31 casos, alguns deles com dupla atividade remunera-
da) e serviços de limpeza. Destaca-se, no segmento em causa, as mulheres
exercendo funções reconhecidamente produtivas entre, aproximadamente,
1930-1950, o insignificante registro do trabalho doméstico remunerado, ou
seja, prestado para outrem, mas computado pelo ganho financeiro direto. As
entrevistas com as mulheres oferecem uma prodigalidade de informações
sobre o percurso por elas adotado para se constituírem autonomamente ou
colaborarem direta ou indiretamente com a família, mediante a agregação
em famílias residentes na sede do município. Mas na maioria dos casos elas
se referem a viver com a família tal ou uma sucessão delas, receber parcas
quantias em dinheiro encaminhadas para os pais, remuneração indireta me-
diante obtenção de casa, comida e roupa e, em certos casos, oportunidade de
estudo ou mesmo de aprendizagem de atividades passíveis de serem remu-
neradas como costureira, cozinheira e manicure.
As mulheres, seguindo um padrão das sociedades ocidentais, vieram
a conformar, por trabalho gratuito ou remunerado, um conjunto de afazeres
vinculados aos cuidados em saúde (enfermeiras práticas, parteira) e alguns
poucos casos de vínculo a escolas como merendeiras. O número de profes-
soras é relativamente importante, 11 casos, uma delas exercendo magistério
em faculdade.
Portanto, nesse conjunto de informações, tais como aquelas oficiais,
posto que todas as respostas estão referenciadas a concepções contextuais
da atividade produtiva da mulher reconhecida como trabalho, estão descon-
siderados os papéis produtivos ou ocupações que elas exerciam mediante
trabalho familiar como agricultoras e comerciantes e, por outra forma de
reconhecimento social, o trabalho de dona de casa visto como inerente à po-
sição de mulher na família, como esposa, como filha ou agregada.
Se os dados aqui cotejados não podem ter valor de julgamento por
critérios de representação estatística, eles são muito importantes para que
hoje seja possível alcançar alguma compreensão sobre o que essas mulheres
citadas em entrevistas vieram a colocar em prática: para alcançar autonomia
econômica; para virem a ocupar a posição de chefes de família; para colabo-
rarem decisivamente no trabalho familiar e iniciar percursos profissionali-
zantes, em geral vinculados às atividades hoje qualificadas como próprias
aos serviços de cuidadoras, prestadoras de serviços a terceiros ou pelo vín-
culo com o trabalho educativo.
162 Delma Pessanha Neves

Nesses termos, os dados também revelam algumas pistas para se pen-


sar sobre as condições em que veio a se constituir o mercado de trabalho
no setor primário e no terciário, isto é, na agricultura, comércio e serviços,
especialmente no tocante à agregação do trabalho das mulheres. Darei con-
tinuidade ao estudo dessa questão, considerando no próximo capítulo as re-
ferências a indivíduos que no questionário correspondem ou teriam corres-
pondido, caso vivos, à faixa etária entre 40 e 70 anos, abarcando, em sentido
pouco preciso, as décadas de 1950 a 1970.
A complementaridade da análise qualitativa ganha aí toda a grandeza
em termos de compreensão da vida social, pretérita ou presente, porque,
considerando as condições em que as entrevistadas construíram as infor-
mações prestadas ao pesquisador, pode-se, analiticamente, articular diver-
sos registros constitutivos dos percursos e os graus de interdependência de
diferenciados domínios da vida social. Por isso, acompanhar analiticamente
os nomes atribuídos às funções, por elas próprias ou por terceiros que res-
ponderam ao questionário, é cuidado fundamental para o pesquisador. As
novas categorizações informam justamente as condições em que as ativida-
des foram adquirindo o caráter de profissão, como, por exemplo, agricultora
familiar, pescadora etc.
Capítulo 3. Colônias:
territórios de expansão do
campesinato

Prossigo na análise da constituição mais recente do segmento de tra-


balhadores no município de Santarém, visando apreender, relacionalmen-
te, os espaços sociais aos quais as mulheres estavam integradas. Considero
ainda os desdobramentos dos processos de recrutamento de mão de obra
para o empreendimento americano, enfatizando alternativas que sucederam
ao ritmo paralisante das atividades e aos efeitos da liberação da força de
trabalho que se imobilizara pelo vínculo ao empreendimento extrativista.
Dedico-me neste capítulo ao estudo da construção de alternativas para ins-
talação de camponeses, em boa parte e neste contexto, advindos dos estados
do Nordeste, e, mediante dados obtidos por aplicação de questionário ela-
borado para efeitos desta pesquisa, à constituição de ocupações associadas
ao adensamento populacional na sede do município. Esse processo melhor
se expressa pelo aumento de funções vinculadas ao comércio e aos serviços
públicos, estrutura institucional que, na década de 1950, contou com regis-
tro de geógrafos do IBGE, no cômputo da construção da Enciclopédia dos
Municípios Brasileiros. Por volta do final desta década, conforme datação
elaborada por entrevistados, também ocorreram algumas facilidades para o
contato entre sítios e Santarém, termos pelos quais eles se referem à contra-
posição entre interior e sede do município. Este último termo abarca o espa-
ço privilegiado dos mercados e feiras e dos serviços públicos, centralidade
possibilitada pela paulatina incorporação de motores às embarcações.
Construo o capítulo baseada na incorporação de dados populacionais
computados para construção do Recenseamento Geral do Brasil referente
aos anos de 1950 a 1970. Todavia, não sem antes tomar em referência tre-
chos de entrevista cujos autores comigo contribuíram para o desenho do
arcabouço compreensivo dos processos aqui analisados. Da mesma forma,
esclareço ao leitor alguns outros caminhos por mim percorridos na elabo-
ração deste texto: ao compreender processos de constituição do segmento
de trabalhadores no município, valorizo pontos de vista daqueles que, ten-
do imediatamente compartilhado a experiência situacional, hoje (portanto,
164 Delma Pessanha Neves

posteriormente) colaboram para o registro de aspectos e atributos que, no


momento da entrevista, foram ressaltados.
Destaco de imediato os múltiplos sentidos do termo colônia, de uso
tão recorrente entre os entrevistados. A recorrência é denotativa do pro-
cesso de apropriação de áreas de terra para adoção (em tese) do padrão se-
dentário de organização familiar e desenvolvimento da agricultura e criação
de pequenos animais. O termo foi muito popularizado a partir de processos
oficiais de colonização: tanto o que foi colocado em prática por programas
de imigração de força de trabalho da Europa e Japão para constituição do
colonato do café e de unidades integrantes de camponeses parcelares (es-
pecialmente colônias do sul do Brasil e da região sudeste) (NEVES; SILVA,
2008), como também pelo programa Marcha para Oeste, a partir da década
de 1930 (MARIN; NEVES, 2013), e ainda o que se consolidou durante o go-
verno militar, no decorrer da década de 1970, que em grande parte incidiu
sobre a Amazônia e o centro-oeste brasileiro.1 O sentido mais comum atri-
buído ao termo pelos entrevistados corresponde a uma agregação residen-
cial de produtores familiares, tecida por relações de parentesco, mas que
geralmente se objetiva nas terras do planalto, isto é, relativamente distantes
das margens dos grandes rios.
A população que habita nas margens dos rios da bacia amazônica não
costuma adotar esse termo para se referir ao local onde reside. Vale-se prin-
cipalmente do termo sítio para definir o próprio lote em que estão construí-
das a residência e seus complementos (quintal, criação de pequenos animais,
plantio de fruteiras); e também para se referir ao nós (comunitários), nesse
caso englobando os espaços vicinais que organizam a vida em comum, tam-
bém princípios da qualificação desse mesmo modo de existência. Os aglome-
rados residenciais, tais como as colônias, são estruturados por sintonias com
vínculos de parentesco e reafirmados pelas relações vicinais, operando como
espaços de ancoragem da reprodução dos grupos domésticos no decorrer de
gerações. O termo sítio abarca ainda a contraposição de formas de explora-
ção do lote apropriado, geralmente assim distinto do roçado, que se localiza
em espaços mais distanciados das margens dos rios, onde se faz abertura de
clareiras no interior da mata e ocorre o cultivo de mandioca, feijão, milho, os
principais produtos. Entretanto, o sentido mais geral do termo sítio, de uso
muito recorrente pelos habitantes da sede do município, equivale ao conjunto
habitacional de grupo de parentes, podendo ser associado ao que, em outras
situações sociais no país, a população, principalmente urbana, denomina roça
(em oposição à cidade).2
1
Ver, entre outros, a obra de Jean Hébette, especialmente 2002 e 2004.
2
Comumente a população assim especifica: Este fim de semana fui para o sítio visitar meus pais. Quando
tirar férias, vou ficar uns dias no sítio. Desde os 14 anos que deixei o sítio para estudar.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 165

A partir da década de 1960, o termo foi em grande parte substituído por


comunidade, em decorrência de processos de construção política dessa popu-
lação por liderança dos representantes da igreja católica.3 A ação missionária
dessa instituição teve pouca incidência sobre a população do planalto, tanto
que as unidades básicas de solidariedade religiosa estiveram em grande parte
constituídas mediante investimento de algumas famílias engajadas na repro-
dução de tradições do catolicismo popular. A ausência plena do sacerdote era
e é recorrente. Só mais recentemente as colônias foram reconhecidas como
comunidades e passaram a aderir a certa padronização de ações missionárias
referenciadas por programas difundidos pela centralidade da diocese.4
Por conseguinte, a referência dos entrevistados, como no trecho da nar-
rativa a seguir transcrito, já denota os modos de constituição de estruturas de
oportunidades pelo conjunto familiar ou grupos domésticos, em reinstalação
de famílias com trajetórias de reprodução no modo de vida camponês. No caso
em apreço, no decorrer da segunda metade da década de 1950.

Isabel Souza Rocha, 72 anos, e esposo, Raimundo José Rocha, 75 anos.


Isabel: Vou completar 72 anos agora, no dia vinte e dois de novembro (2012).
Eu nasci em 1940, na colônia mesmo, igual aqui mesmo, mas agora lá está dife-
rente. Meu pai era filho de cearenses e minha mãe era índia, era descendente de
índio. Meu pai era mistura de rio-grandense com cearense. Mas eu acho que ele
nasceu na vinda para o Pará. Eu não sei dizer por que ele veio para cá com os
pais. Acho que foi para trabalhar na seringa, mas depois ele ficou com o terreno
dele, numa colônia. Eu nasci aqui (no Pará).
Desde os seis anos de idade que eu trabalho na roça. Meus pais tinham um terreno
lá.5 O terreno era do meu pai mas era pequeno. Esse terreno meu pai comprou.6
Plantava milho, mandioca, arroz, feijão..., maxixe, melancia, jerimum. Eu tinha
doze irmãos. Eram cinco homens e sete mulheres. O mais velho já morreu, a quar-
ta também morreu. Eu só tenho um irmão em Manaus, tenho um em Tabocal7 e
tenho um irmão que mora aqui também, no assentamento: José Oliveira. A outra
mora na cidade, em Santarém.8
3
Sobre esse processo na Amazônia, consultar Neves (2008, p. 61-97).
4
Esse processo foi por mim estudado no que tange às ações da diocese de Tefé, estado do Amazonas
(NEVES, 2003, 2008, p. 61-97).
5
Terreno corresponde a termo mais preciso para se referir ao lote de terra apropriado para residência e
desenvolvimento de atividades produtivas, mas também denota certa delimitação do tamanho, tanto
que a entrevistada ainda acrescenta outro qualificativo: era pequeno. Entre os entrevistados é comum
eles adotarem unidade padrão que posteriormente foi instituída pelo programa de colonização oficial
na Amazônia (500m x 1.000m), nas margens das estradas abertas para interligação terrestre na região.
6
A qualificação do ato de aquisição do lote como compra comumente abarca a transferência mercantil do
produto do trabalho imobilizado pelo desmatamento e construção de roças e casa do posseiro anterior.
7
Bairro periférico a Santarém.
8
Enfatizo, para efeitos de compreensão dos processos de construção de alternativas do trabalho assala-
166 Delma Pessanha Neves

Eu tive quatro filhos e criei mais um. Tenho cinco. Meus filhos estão.... O mais velho
mora em Santarém, o segundo mora em Porto Velho, a terceira mora em Tapajós,
ela é professora, o mais novo morreu. Esse que foi para Porto Velho... é o segundo.
Ele trabalha para lá, casou para lá e trabalha para lá. Ele foi para lá para arranjar
trabalho. Ele já tinha uns vinte e dois anos. Ele é motorista numa firma de cons-
trução de estrada. Tem uma em Tapajós que é professora. Tapajós fica aí na banda
do..., na beirada do rio Amazonas. É perto de Santarém. O filho de criação está em
Manaus. Ele trabalha em firma assim de armazém. Ele me ligou e disse que traba-
lhava num armazém. Depois que ele foi, nunca mais ele veio. (Insiste:) Depois que
ele foi embora, nunca mais veio. Eu também nunca fui lá. Então faz muito tempo
que eu não vejo os meus filhos. Mais de dez anos, mais ou menos. O que está em
Porto Velho vai fazer quatorze anos que não vejo ele.9 Eu é que ligo, mas o velho
(esposo) não desgruda para ir ver eles. Ele não sai, ele gosta de ficar em casa.
Antes de vir para cá, nós estávamos em Santarém. Ele (o esposo) trabalhava
de construção, de pedreiro. Eu vendia em banquinha, tacacá, churrasco... para
complementar a renda. Tinha venda em casa, tinha no colégio, quando era tem-
po dos arraiais, aí vendia nos arraiais.10
Estou aqui há oito anos. Vim para cá por causa dele. O bicho do mato é ele,
queria vir trabalhar na colônia. Eu dizia: - Já passou do tempo, rapaz! Ele foi
ao INCRA e conseguiu o lote. Desde que vim para cá, aqui tem tudo porque eu
já plantei. Tem açaí, tem manga, tem tudo. Olha aquele pé de manga! Açaí, me-
lancia, manga, jaca, graviola...! Jenipapo. Tudo eu plantei. Essa mangueira aqui
eu plantei.
Raimundo – Eu nasci no Ceará. Nem me lembro mais o nome...! Município de
Aracoiaba. Parece! Saí de lá com vinte e dois anos, porque eu tinha vontade,
eu queria mesmo era ir para Minas Gerais. Eu não fui porque cheguei aqui e
me agradei. Ela me pegou. Não me atrapalhou, ela me amparou. Eu gostei dela

riado, a dispersão dos filhos segundo as demandas de trabalhadores e a reprodução seletiva dos que
permanecem no trabalho agrícola. Nessa geração familiar, a dispersão abarca as cidades de Santarém
e Manaus. Na geração seguinte, dos filhos da entrevistada, como ela irá detalhar, abrange a capital do
estado do Amazonas e diversos municípios do oeste do Pará, onde foram instalados empreendimentos
mineradores.
9
O leitor poderá constatar como a dispersão da família é constante nas informações prestadas pelos en-
trevistados. Esses distanciamentos físicos estão muitas vezes associados aos sociais, sendo comum a re-
ferência ao fato de se perderem mutuamente as informações a respeito da vida dos familiares migrantes.
10
As condições de vida de agricultores que se dirigem para a cidade de Santarém correspondem a acirra-
das descontinuidades na composição do rendimento para reprodução familiar. O trabalho mais inten-
sificado para corresponder às exigências da manutenção do grupo doméstico implica amplo desgaste
da saúde e capacidade de despender esforço físico. Por tais motivos, no atual contexto, é bastante re-
corrente a retomada de famílias (antes citadinas) para instalação na condição de agricultores, opção
equivalente à constituição de recursos para gerir a adequação entre reprodução familiar e gestão do
esforço físico ou grau de penosidade do trabalho. A referência da entrevistada ao trabalho de venda fixa
e ambulante de produtos alimentícios incide exemplarmente sobre a correlação entre trabalho domés-
tico com e sem remuneração, objeto central de análise neste volume da coleção Mulheres em Santarém.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 167

e casei com ela. Até hoje não nos largamos. Não, nós nunca dormimos, nem
uma noite, brigados! Às vezes tem aquele negócio, mas não é coisa de ficar
com raiva não. Saí do Ceará e vim para Santarém, diretamente. Parei aqui.
Passei dois anos, dois anos não, um ano e..., na época de madeira. Tirando
madeira, fazendo estrada para os Coimbras, pessoas ricas. Eles são paraenses.
Gente rica! Eles exploravam o terreno deles para vender madeira. Quando saí
do Ceará não sabia cortar madeira, mas a gente aprende. Primeiramente nós
passamos dez meses lá. Tombando... Cortando. Lá é castanha, seringa... Lá no
Alto Jari. Fiquei dez meses lá. Depois eu vim para cá, para Santarém. Saí de lá
e vim para Santarém, porque foi destino, queria viajar. Deu na cabeça. Conheci
ela, conversei com ela e de lá para cá nunca mais nos afastamos.11
Isabel – A gente se conheceu dentro de um carro. Eu vinha para Santarém e ele
também vinha para casa de um conhecido dele. Aí ele desceu antes de mim, eu
desci depois, nós nos encontramos... Eu encontrei com a minha mãe, eu ia junto
com a minha mãe, aí eu encontrei ele e outro rapaz. Eles pararam, conversa-
ram, perguntaram onde ia ter festa, minha mãe falou, né? Eles perguntaram se
nós íamos, ela respondeu que sim. Nós fomos e lá na festa nos conhecemos. Eu
vi quando ele passou...
Raimundo – Aí, fui trabalhar em roça. Nós só fomos para cidade porque na-
quele tempo acabou o estudo dos meninos e eles queriam estudar.12
Isabel – Acabou o primário. Depois que nós estávamos lá que surgiu na colônia
o estudo que eles precisavam.
Raimundo – Eu comprei um terreno na colônia. Era pequeno. Dava para ir es-
capando. Eu só vim para cá para o Assentamento em 2002, em cinco de agosto
de dois mil e dois. Construção não dá resultado, eu já estou velho. Primeiro
eu vim só. Eu fiz duas casas de farinha, essa aí, a grande. Ela acostumou aqui
e não quis mais ir embora.
Isabel – Eu não, eu quero voltar (risos), mas ele não quer.
Raimundo – Ela gosta, ela tira tapioca para vender.
Isabel – Eu vendo lá no mercado em Santarém. Eu vou amanhã. Amanhã é sex-
ta. A gente dorme na casa da minha neta, ela está lá na nossa casa. É perto da
Faculdade, lá na (rua) Agripino de Matos, onde tem a antena de celular. Vendo

11
Construindo-se em disponibilidade para demandas de trabalhadores, o leitor pode perceber como há
dispersão deles englobando ampla parte da região amazônica; e como os recrutamentos mais intensi-
ficados de força de trabalho para frentes de expansão de derrubada de matas estimulam a migração de
indivíduos de outros estados que aí permanecem diante de vínculos pela formação da família conjugal.
12
O entrevistado reafirma considerações que já apresentei no texto: o crescimento da população na sede
do município está muito associado ao investimento dos pais no sentido de ampliar o nível de instrução
dos filhos, mesmo que essa alternativa implique para o casal condições de trabalho menos satisfatórias
que aquelas asseguradas pelo trabalho agrícola e autônomo.
168 Delma Pessanha Neves

a farinha no Mercadão.13 Vamos os dois juntos. Todo mês a gente vai, ele vai
receber..., eu não, por ruindade do INSS. Eles falam que é porque eu sou casada
no civil. É por causa do sindicato. Nasci na colônia, fui criada na colônia, estou
na colônia e não tenho direito à aposentadoria?
Raimundo – Eles falam que é porque ela é casada, o meu salário dá para mim
e para ela. Casada no civil.
Isabel – Eu pago o sindicato, pago a associação.
– Se a senhora não tem direito à aposentadoria, por que está pagando o Sindicato?
Isabel – Pois é, tem uma senhora lá no centro que falou: - D. Isabel, a senhora
não tem mais direito de pagar sindicato, porque a senhora não foi beneficiada e
mesmo a mulher só pode pagar até cinquenta e cinco anos. Se já se aposentou,
não paga mais. Mas aí eu levei uns papeis para lá, falei com o delegado do sindi-
cato. Ele falou que só podia dar se eu pagasse até o resto do ano. Eu paguei todi-
nho o resto do ano. O delegado daqui é o Maurinho. Eu paguei e levei os papeis
para lá. O rapaz de lá não resolveu ainda. Está lá, dia vinte é para eu passar lá. É
só uma vez só no mês que vamos na cidade para vender. Vendemos a farinha e a
goma. Só. Nós nunca vendemos arroz. A gente faz arroz só para despesa mesmo.
Milho também é para despesa, feijão também.
Raimundo – Tem um filho mais velho que vem aqui para ajudar..., mas ele não
vive aqui porque é empregado. Ele vem e leva umas coisinhas para ele.14 Leva,
ajuda... Ajuda a fazer farinha... Arrancar mandioca, carregar.
Isabel – Ele trabalha lá na Mistura Brasileira. Lá perto da Caixa Econômica, um
restaurante que tem. Ele é churrasqueiro lá.
Raimundo – Uma vez por mês nós dois saímos daqui e vamos no ônibus...
Vamos num dia e voltamos no outro.
Isabel – Na hora de fazer farinha, nós dois fazemos. Se quiser fazer um saco ou
dois, a gente faz.
Raimundo – Nós chegamos e a terra era cheia de árvore assim... Era só mata.

13
Este é um padrão recorrente de vínculo dos camponeses com o mercado. Levam farinha de mandioca,
principalmente, e se aprovisionam dos demais produtos necessários para a despesa do mês. Saliento
ainda a referência também recorrente à residência multissituada. Como há uma enorme concentração
de prestação de serviços sociais na cidade, contar com residência neste ambiente é quase condição
fundamental para viver na colônia: além de permitir a dispersão dos membros da família e facilitar a
incorporação de alternativas de conformação do rendimento pelo exercício de outras atividades, ainda
propicia a comercialização dos produtos agrícolas no varejo. A residência na cidade também corres-
ponde à previsão de tratamentos de saúde mais prolongados, possibilidade quase sempre negada aos
que se encontram desprovidos dessa dupla residência. Chamo a atenção, a partir da experiência dos
entrevistados, para a inadequação da polaridade entre espaço rural e urbano, pois que de fato eles são
territórios integrados de condições de vida familiar.
14
Mais uma vez os entrevistados se referem à complementaridade de apropriação de recursos no espaço
agrícola e naquele da centralidade de oficinas, unidades de comércio e prestação de serviços.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 169

Era mata virgem. Tiramos dez hectares. Aqui foi tudo eu que plantei. Logo fize-
mos oito tarefas. A primeira vez que limpei foi para oito tarefas. Dormimos dois
anos embaixo de plástico. Onze noites a onça vinha, ela ia na beira do igarapé
e voltava. Isso na lona. Na lona coberta, não era cercada não. Eu tinha medo
da onça, mas medo não mata ninguém. Saudade não mata ninguém, medo não
mata ninguém, amor também não mata ninguém. Eu não queira mais ficar em
Santarém... Eu queria vender e vir para cá. A casinha que tem lá, mas eu disse
para deixar lá, porque às vezes a gente vai... A minha neta mais velha, eu criei
ela, ela agora mora lá. Ela tem três meninas. Sabe o que é? Às vezes, quando a
gente vai ficando mais velho, vai aparecendo umas doenças e não pode ficar
aqui. Pode ser minha e pode ser dela. É melhor deixar a casinha lá. Vender
para trabalhar mais na terra? Já está bom o que fizemos aqui. Eu tenho uma
dor nesse joelho daqui, jogando bola, e dói todo tempo. Em médico eu não vou,
tomei remédio só para malária.
Aqui é grande, mas a gente só tem direito a vinte por cento, uns 20ha. No final
nós estamos tomando conta de mato. Não pode caçar, não pode derrubar...15
Isabel – Não pode colocar cachorro no mato, não pode caçar, não pode tirar
madeira. Então para quê a terra? Só para pagar imposto. Só dentro dos vinte
por cento.
Raimundo – Só para pagar imposto, essas coisas. Se for mais de vinte ainda
paga multa. Oitenta por cento ninguém pode tocar.
– Seu Raimundo, comenta um pouco sobre a sua família no Ceará.
Raimundo – A família ficou no Ceará. Minha mãe já morreu, meu pai já mor-
reu, morreram dois irmãos.
Isabel – Eu já fui lá duas vezes com ele, quando a mãe dele e o pai dele eram vivos.
Raimundo - Eles não vieram aqui, só veio um irmão, esse já morreu.
Isabel – Ele tem uma irmã que mora em Santarém também.
Raimundo – A vida é assim, cada um viaja para um lado. No Rio de Janeiro
acontece tanta coisa e eles não procuram um destino assim, como cearense
faz. Cearense procura destino.16 Cearense vai para o Rio, vai para São Paulo,
Minas Gerais, Pará, Amazônia, não é? Cearense vai... Primeira coisa vai para
o Maranhão, vai e passa uns tempos e bota perna no mundo ! (sorrindo). Eu
fiquei por aqui mesmo. Nós estamos com cinqüenta e dois anos de casado.

15
Nesta interferência o entrevistado esclarece os fatores limitantes e a serem enfrentados quando há de-
cisão quanto à dedicação ao trabalho agrícola autônomo e à formação do sítio familiar.
16
Dito de outra forma, não aceitando condições já dadas, investe na construção de outras alternativas
que propiciem percursos diferenciados daqueles a priori assegurados pelas condições de vida dos
pais.
170 Delma Pessanha Neves

– Da sua família do Ceará, quem mais veio para Santarém?


Raimundo – A minha família no Ceará ficou, eles não quiseram vir. Ficaram
empregados. Estão todos aposentados. Um já morreu, era aposentado; o ou-
tro, que já veio aqui, era aposentado e já morreu. Aqui para nós é melhor,
já plantamos cana, plantamos milho. Plantamos tudo na lavoura, tudo em
lavoura. Lá (no Ceará) tem muita seca, mas eu nunca peguei seca lá não. Eu
vim em cinquenta e seis. Eu não vim por causa de seca. Vim porque que-
ria conhecer o mundo.17 Quando eu me peguei, eu ainda estava com três
contos e setecentos. Eu saí de lá com doze contos e cento e setenta. Juntei
esse dinheiro plantando roça, fazendo farinha e guardando. Eu já tinha pla-
no em viajar para cá (Entrevista realizada por Delma Pessanha Neves, na
residência do casal no P.A. Moju I e II, comunidade do Cachoeirinha, em 12
de dezembro de 2010)

Elaborando possibilidades de compreensão do contexto mais geral em


que o casal autor da narrativa da entrevista, em parte anteriormente trans-
crita, veio a se instalar como família conjugal e como agricultores, apelo para
os dados censitários já referidos (entre 1950 e 1970). Nestes empreendi-
mentos estatísticos, houve alteração nos termos classificatórios que referen-
ciaram a computação dos dados, ora com inclusão de distritos e subdivisão
do espaço urbano pela distinção do que foi qualificado como suburbano, ora
pelo abandono de subdivisões classificatórias anteriormente destacadas e
inclusão de tantas outras. Alguns desses detalhes por vezes em muito faci-
litam minhas análises, mas elas são imediatamente limitadas pela ausência
e mudança dos princípios de coleta dos dados. Portanto, também em muito
prejudicam o trabalho de acompanhamento de possíveis mudanças indica-
das pela representação numérica.
Há ainda categorizações gerais, melhor aplicadas a outros contextos
nacionais e, suponho, tais como aqui considero, nem de perto construídas
para efeitos de compreensão dos relativamente amplos contextos da expan-
são econômica e populacional ocorrida no município de Santarém. Este é o
caso dos significados atribuídos ao termo suburbano, razão pela qual a ado-
ção que reproduzo, em respeito às condições em que foram construídos e
aplicados os dados, deve ser relativizada. Argumento assim que a classifica-
ção, construída para atender a fins genéricos, talvez esteja mais adequada
17
Embora não seja o caso neste texto descer considerações a respeito das motivações para a migração
dos chamados nordestinos, o entrevistado adverte que nem todo deslocamento correspondeu às difi-
culdades impostas pelos períodos prolongados de seca. A dispersão da população do estado, até mes-
mo movida por esse fator, cria condições de projeção e amparo ou ponto de referência para circular por
outros universos, que eles geralmente sintetizam por correr mundo, cair na vida, sair para o trecho. Essa
alternativa é geralmente abraçada por homens jovens e solteiros, mas não só. Ela também se apresenta
como porta de circulação para mulheres jovens, que acompanham famílias que elas qualificam como
de conhecidos, gente que morava por lá.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 171

aos contextuais centros urbanos brasileiros.18 De qualquer modo, conside-


rando a natureza do designado processo de urbanização, esses dados res-
saltam mudanças de percepção e ordenamento territorial da população no
município de Santarém.19

quadro 22. Distribuição da população do município de Santarém, segundo


subdivisão por sexo e nacionalidade, entre 1920 e 1970
Datações Brasileiros naturalizados
dos Brasileiros Total da população
e estrangeiros
recensea-
mentos Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres
1920 41.318 20.359 20.959 51 43 8 41.369 20.402 20.967
1940 47.298 23.795 23.903 232 219 80 47.997 24.414 23.983
1950 60.048 29.959 30.089 180 124 56 60.228 30.038 30.145
1960 92.154 46.152 45.992 - - - 92.154 46.152 45.992
1970 134.985 67.579 67.406 230 153 77 135.215 67.732 67.483
Observação: Qualificação da presença mais significativa de estrangeiros: alemães – 12 homens e uma
mulher; e os demais, sem distinção de sexo: japoneses – 74 indivíduos; norte-americanos – 53 indivíduos;
portugueses – 28; e libaneses – 5. As demais nacionalidades correspondem à contagem de um indivíduo
para cada uma delas.
Fonte: IBGE, 1926, v. 4, t. 2, parte 2, p. 189, 206, 228; 1956, p. 180-187; 1967, p. 241; 1973, p. 217.

Tomando o número absoluto da população computada em 1920


(41.318), na década de 1940 há registro de ampliação de 14%; na década de
1950, expansão correspondente a 45%; na década de 1960, um incremento
de 123% de habitantes; e na década de 1970, 226%.

18
Na contagem de domicílios particulares ocupados pelo Recenseamento Geral de 1950, a distinção
dos termos classificatórios engloba os seguintes atributos: condição de ocupação dos domicílios to-
talizados em 10.430: 8.509 próprios, 742 alugados e 1.179 em outras condições. Desses domicílios,
1.809 correspondiam ao espaço urbano, 1.467 ao espaço suburbano e 7.154 ao rural. A referência aos
domicílios alugados faz sentido para os chamados espaços urbanos e suburbanos. No espaço rural,
daquele total apontado, apenas 65 foram considerados alugados. A diferença que melhor qualifica a
subdivisão do espaço urbano se refere ao número de domicílios com instalações de serviços públicos.
No categorizado espaço urbano, 559 domicílios contavam com água encanada, 798 com iluminação
elétrica e 1.736 com aparelho sanitário. Levando em conta essa mesma ordem de apresentação para
o espaço classificado como suburbano, as sequências são as seguintes: 38 domicílios com água en-
canada, 49 com iluminação elétrica e 1.181 com aparelho sanitário. Esses serviços são praticamente
inexistentes no espaço rural, a saber: 10 domicílios com água encanada, 11 com iluminação elétrica
e 1.623 com aparelho sanitário (VII Recenseamento Geral do Brasil, Censo Demográfico do Estado do
Pará, 1956:117).
19
No decorrer do texto, retomo, propositadamente, alguns dados estatísticos já apresentados em capítu-
los anteriores. A repetição não corresponde assim a descuidos. Eles são reapresentados para facilitar a
leitura e as articulações de dados em contextos próprios. Neste caso, retomo o número absoluto da po-
pulação de Santarém a partir de 1920, contexto a partir do qual iniciei a reflexão aqui exposta, evitando
que o leitor mais atento tenha que operar em vai e vem.
172 Delma Pessanha Neves

Quando se considera a população pela respectiva distribuição por sede


do município e distritos, destaca-se a concentração naqueles que, margean-
do o rio Tapajós, aproximavam-se dos locais de construção dos complexos
agroextrativistas e industriais iniciados pelos investimentos da equipe de
gestores liderados por Henry Ford: Alter do Chão, Aveiro, Belterra e Boim,
bem como a sede e o distrito Brasília Legal, correspondentes ao município
de Itaituba.20
Chamo a atenção para a perda da população referente aos distritos de
Alter do Chão e Aveiro, entre 1940 e 1950; e enfatizo os dados atribuídos ao
distrito de Belterra (nome, segundo entrevistados, atribuído pelos gestores
americanos à região escolhida para segunda tentativa de instalação do em-
preendimento). Como distrito e relativamente aos demais, Belterra agrega a
segunda concentração da população. Os efeitos de composição da população
para o território identificado como município de Itaituba, mais próximo ao
local do primeiro empreendimento, são menos acentuados, dinâmica com-
preensível pela secundarização das atividades que naquele espaço ocorreu.

20
Repito aqui os dados estatísticos já apontados para composição da população na década de 1940, para
facilitar o trabalho comparativo de compreensão das mudanças na composição e forma de territoria-
lização dos habitantes dos municípios de Santarém e Itaituba (em consonância com a representação
numérica).
quadro 23. População do município de Itaituba, segundo distribuição por sexo e qualificação dos espaços residenciais, entre 1940

Pessoas presentes em domicílios situados nos quadros indicados


e 197021

Municípios e Totais
quadros urbanos quadro suburbano quadro rural
distritos
Total Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
1940 9.152 4.842 4.310 278 300 -- -- 4.564 4.010
Itaituba 5.415 2.886 2529 178 203 -- -- 2.708 2.326

1950 10.862 5.900 4962 404 406 32 31 5.464 4.325


Brasília Legal 3.737 1.956 1781 100 97 -- -- 1.856 1.684

Itaituba 6.231 3.438 2793 272 289 32 31 3.134 2.473

1960 13.589 7.230 6.359 643 724 46 54 6.541 5.581


Brasília Legal 4.631 2.462 2169 132 117 -- -- 2.330 2.052
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato

Itaituba 8.208 4.501 3.707 512 580 33 38 3.956 3.089

1970* 12.690 7.066 5.624


Brasília Legal 5.381 2.729 2.652 131 144 13 16 2.585 2.492

Itaituba 330.393 10.351 - - 32 042


* Não foi possível até o momento obter dados diferenciados da população segundo distritos para o Censo Demográfico de 1970.
Fonte: IBGE, 1953, p. 179, 180; 1967, p. 260-261; 1973, p. 217-282.

21
Para facilitar a leitura, relembro, conforme já apresentado, que a população total de Santarém em 1920 era de 41.546 habitantes: 20.514 homens e 21.032 mulheres.
173

Até 1940 houve uma expansão geral de aproximadamente 15%.


174

Municípios e distritos por


quadro 24. População do município de Santarém, segundo distribuição por sexo e qualificação dos espaços residenciais, entre 1940 e 1970

Totais Pessoas presentes em domicílios situados nos quadros indicados


recenseamento
quadros urbanos quadro urbano quadro rural
Total Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
1940 47.559 23.975 23.584 3.326 3.891 711 769 19.938 18.924
Santarém 25.110 12.551 12.559 2.880 3.435 584 628 9.087 8.496
Alter do Chão 10.915 5638 5277 110 118 14 14 5.514 5.145
Aveiro 621 301 320 110 92 6 2 185 226
Boim 3.087 1.571 1.516 101 106 48 45 1.422 1.365

1950 60.229 30.084 30.145 5.181 6.075 3.921 4.036 20.982 20.034
Curuaí 7.826 3.914 3.912 125 140 59 80 3.730 3.692

Santarém 35355 17531 1.7824 3718 4.632 2.740 2.971 11.073 10.221
Alter do Chão 5323 2634 2689 143 156 39 34 2.452 2.499
Aveiro 337 172 165 101 89 -- -- 71 76
Belterra 7.226 3.789 3.437 843 753 1.030 930 1.916 1.754
Boim 3461 1717 1744 173 209 53 44 1.491 1.491

1960 92.146 46.152 45.992 6.549 7.717 8.706 9.143 30.885 29.133
Curuaí 8527 4241 4286 203 236 59 57 3.979 3.993

Santarém 59.731 28.819 29.962 4.478 5.764 6.799 7.259 18.344 16.939
Alter do Chão 7.098 8.523 3.561 258 208 103 104 3.171 3.165
Aveiro 688 357 383 90 98 -- -- 267 235
Boim 4.145 2.140 2.008 391 183 134 139 1.815 1.684

1970* 135.215 67.732 67.483 Total Urbano Suburbano Total Rural


Curuaí 11.760 5.910 5.886 221 231 120 144 5.490 5.482

Santarém 92.179 51.009 - - 47.170


Alter do Chão 5.144 640 - - 4.504
Aveiro 5.166 540 - - 4.626
Belterra 8.477 5.394 - - 3.083
Boim 3.927 890 - - 3.037
Curuaí 17.302 965 - - 16.337
Mojuí dos Campos 3.406 2.129 - - 1.277
Delma Pessanha Neves

* Não foi possível, até o momento da redação deste texto, obter dados diferenciados da população segundo sexo, no tocante ao Censo Demográfico de 1970.
Fonte: IBGE, 1952, p. 179, p. 180; 1967, p. 260-261; 1973, p. 217-318.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 175

Durante a década de 1950 há um considerável aumento da popula-


ção no município de Itaituba, apresentando decréscimo, segundo registro do
IBGE, no recenseamento de 1970 que, na prática, cobre a década de 1960. No
decorrer do capítulo, esse processo será melhor esclarecido, tendo em vista
as mudanças no direcionamento do investimento extrativista que se insta-
lou em área próxima. Além disso, esses municípios, no contexto, passaram
por diversos processos de fragmentação e aglutinação, motivos pelos quais a
análise do número absoluto é sempre limitada.
Os índices de qualificação do nível de instrução da população sugerem
as condições de incorporação da força de trabalho: recrutamento de traba-
lhadores basicamente braçais, dotados de reconhecimento do saber-fazer ou
conhecimentos e práticas incorporadas em várias situações de exercício, isto
é, aprendidos em ato. A proposição interpretativa se reafirma pela análise
do quadro seguinte, que integra os dados de distribuição de trabalhadores,
diferenciados por sexo, nos diversos ramos de atividade econômica no mu-
nicípio de Santarém, entre 1940 e 1970. Na computação incidente sobre o
período da passagem da década de 1940 para a de 1950, a ampliação de tra-
balhadores integrados ao sistema de produção incide sobre homens afilia-
dos às atividades agropecuárias e da silvicultura, das indústrias extrativistas,
mas há descenso nas profissões liberais e nas atividades sociais. Os índices
que demonstram mudança são os utilizados para computar as atividades do-
mésticas para trabalhadores de ambos os sexos.
Em 1970, distinção temporal que demarca a mudança na orientação
geral das atividades produtivas no município de Santarém, com ênfase na
instalação de camponeses migrantes por programa oficial, os dados apon-
tam para importante ampliação dos trabalhadores vinculados à agricultura,
pecuária e silvicultura, ligeira expansão daqueles vinculados a atividades ex-
trativistas, importante aumento da vinculação de trabalhadores aos setores
de comércio de mercadorias, transporte e armazenagem, bem como de ativi-
dades sociais e administração pública. Embora os índices de crescimento de
vínculos de trabalho nessas últimas atividades sejam relativamente triplica-
dos, comparativamente aos outros setores, as demandas ainda são pequenas.
176
quadro 25. Distribuição de pessoas presentes de 10 anos e mais, por sexo e afiliação produtiva a principais ramos de atividades, no

Homens Mulheres Total


município de Santarém, entre os anos de 1940 e 1970

Ramo de atividade econômica


1940 1950 1960 1970 1940 1950 1960 1970 1940 1950 1960 1970
Agricultura, pecuária e silvicultura 9.820 10.061 2.419 2.151 - 12.239 12.212 22.276 27.144
20.940 6.204
Indústrias extrativistas 1.522 2.749 - 78 107 1.600 2.856 1.162 3.421
Indústrias de transformação 566 825 - 3.216 28 16 - 205 594 841 - -
Comércio de mercadorias 600 707 - 2.149 35 73 350 635 780 - 2.499
Comércio de imóveis 4 21 - -- 1 2 - - 5 23 - -
Prestação de serviços - 519 - 811 - 534 - 1.793 - 1.053 - 2.604
Transporte, comunicações e
280 468 - 1.263 5 6 - 40 285 474 - 1.303
armazenagem
Profissões liberais 35 22 22 -- - - 65 7 - 100 29 --
Atividades sociais 329 183 183 439 680 - 680 1107 - 1.009 500 1.546
Administração pública, Legislativo
95 98 98 567 - - 61 44 - 156 107 611
e Justiça
Defesa nacional e segurança pública 15 36 36 -- - - - - 15 36 --
Atividades domésticas e escolares 1.149 3.318 3.318 -- - - 11.650 16.779 - 12.799 20.037 --
Outras atividades 559 - - 195 - 6.101 754
1.854
Condições inativas 1.496 1.178 1.178 -- - - 1.282 676 - 2.778 --
3.639
População economicamente ativa 16.181 20.185 20.185 29.944 16.304 - 16304 20.677 - 32.215 29.539 39.882
Observação: Os dados presentes no Censo Demográfico de 1960 estão distribuídos por outros critérios, razão pela qual não puderam ser incorporados: agricultura,
agropecuária e extrativismo: 22.276 pessoas em condições economicamente ativas. Atividades industriais: 1.162. Outras atividades 6.101 e Condições inativas 3.639.
(IBGE, 1967, p. 235).
Delma Pessanha Neves

Fonte: IBGE, 1956, p. 82-83; 1967, p. 235; 1973, p. 204-205, 211.


Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 177

Acompanhando as diferenças de índices atribuídos às mulheres, con-


clui-se sobre o aumento de registros de trabalhadoras nas atividades agro-
pecuárias e extrativistas; maiores alternativas no tocante à condição de ope-
rárias de indústrias de transformação; ampliada participação ainda como
assalariadas no setor de comércio em geral; e principalmente a colaboração
produtiva delas nos setores de prestação de serviços, nas atividades sociais
e escolares. Destaco com mais propriedade as atividades escolares e não as
domésticas, visto que a agregação das duas categorias não implica corres-
pondência imediata. Não há esclarecimentos sobre as condições de presta-
ção dos serviços domésticos, supostamente remunerados. A despeito das
limitações inerentes à análise dos dados, penso ser possível concluir sobre a
expansão do trabalho assalariado no município de Santarém, menos signifi-
cativa no setor agrícola, agropecuário e extrativista, contrariamente a seto-
res de prestação de serviços, especialmente escolares e sociais (tout court).
Ao reduzir o foco de compreensão das afiliações produtivas dos traba-
lhadores ao setor da agricultura, pecuária e silvicultura, nos Censos Agríco-
las dos anos 1950 a 1970 há detalhamento das condições de vínculo segun-
do o sexo e as relações de autonomia ou dependência frente ao proprietário
de terra.

quadro 26. Pessoal ocupado, por sexo e formas de vínculo no setor agrícola e
agropecuário, no município de Santarém, entre 1950 e 1970

Pessoal ocupado Total Homens Mulheres


1950 13.441 8.638 4.803
1960 24.753 15.782 8.971
1970 40.292 23.497 16.795
Caracterização do vínculo
Responsável e membros não remunerados da família
1950 9.990 6.046 3.944
1960 20.118 11.911 8.207
1970 37.916 21.414 16.502
Empregados em trabalho permanente
1950 1.415 1.232 183
1960 24.753 15.782 8.971
1970 908 823 85
Empregados em trabalho temporário
1950 3.722 2.247 475
1960 1.632 1.517 115
1970 1.132 1.017 115
Fonte: IBGE, 1956, p. 87; 1967, p. 96-97; 1973, p. 158-160.
178 Delma Pessanha Neves

A leitura do quadro 26 revela, em termos de indicações numéricas, a


expressiva expansão do trabalho familiar nas décadas consideradas pelos re-
censeamentos, alternativa que, direta ou indiretamente (questão a ser ana-
liticamente melhor considerada), diminuiu as pressões ou alternativas pela
busca da condição de morador ou parceiro. No município de Santarém, no
registro de dados para 1950, há indicação de 108 homens e 34 mulheres
afiliadas por vínculo produtivo por parceria. Complementarmente, há in-
formação sobre 5.919 estabelecimentos que não adotaram a contratação de
pessoal externo à família, portanto, que operavam com base na colaboração
dos membros da unidade familiar produtiva.
O vínculo pelo trabalho temporário se ampliou. Segundo os entrevista-
dos, pelos investimentos em diversas situações de desmatamento. As áreas
eram desmatadas, em grande escala, por interesses na venda de madeiras e
posterior uso para pecuária; em pequena escala, para uso agrícola do solo
por camponeses (como eles destacam: área de uma a duas tarefas).22 Além
disso, nesse contexto houve grande investimento na derrubada de parte da
floresta para abertura de estradas. Muitos dos migrantes se agregaram a
essa alternativa de trabalho em frentes de desmatamento, tão logo chega-
vam ao município de Santarém, tendo em vista que ela se pautava em sig-
nificativo recrutamento de trabalhadores. Para eles, a inserção em turmas
correspondia a modos de integração social e obtenção de rendimento em
dinheiro. No caso de camponeses já instalados, a probabilidade de ganhos
imediatos em dinheiro permitia-lhes enfrentar as restrições para comercia-
lização de produtos agrícolas, especialmente as derivadas das condições de
transporte e tráfego em precárias estradas. Nos dados do censo de 1950 há
ainda o detalhamento das condições de trabalho familiar quanto ao núme-
ro do pessoal ocupado (8.638 indivíduos), subdividido em total de homens
(7.524) e mulheres (4.803) acima de 15 anos (IBGE, Censo Demográfico de
1950, 1956: 96 a 99).
No Censo Agropecuário de 1970, há 823 homens e 85 mulheres na
condição de empregados em trabalho permanente; 1.017 homens e 115
mulheres, todos computados a partir de 14 anos, empregados em trabalho
temporário. (IBGE, 1970:158-161). Em princípio esses assalariados ou em-
preiteiros da própria força de trabalho poderiam ser indivíduos sem terra
ou com área de terra insuficiente para atender às demandas de consumo da
unidade familiar. Dados obtidos em entrevista indicam que essa forma tem-
porária de vínculo de trabalho se apresentava como alternativa valorizada

22
O termo tarefa equivale à unidade de área ou medida do uso do solo destinado a atividades agrícolas
ou agropecuárias, com dimensões relativamente diferenciadas conforme a naturalidade dos agriculto-
res: de 3.052m2 a 4.356m2. Para os agricultores de Santarém a referência equivale, aproximadamente, a
3.630m2.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 179

pelos trabalhadores migrantes, especialmente na condição de solteiros,


oportunidade com que se valiam para ir caçando terra, isto é, procedendo
a levantamento e observação de área de terra disponível para compra de
benfeitorias ou para autorização consuetudinal para apropriação imediata.
Os dados sobre condição de titulação do produtor e formas de gestão
do estabelecimento indicam ainda unidades de produção e consumo operan-
do no mesmo espaço ou por distinção entre espaços físicos de realização do
processo de produção social. Nesse caso, distinção entre formas contínuas ou
descontínuas de vínculos da força de trabalho familiar. Por essas modalida-
des de qualificação das condições de operacionalização do processo produti-
vo e de comercialização, pode-se melhor aquilatar a diversidade de alterna-
tivas inerentes à atividade agropecuária.

quadro 27. Condição do produtor no município de Santarém, entre 1950 e 1970

Estabelecimentos Área
Condição do produtor
1950 1970 1950 1970
Proprietário 3.341 1.452 462.097 85.411
Arrendatário 1.133 81 67.714 680
Parceiro 67 268 2.770 1.730
Ocupante 2.036 9.216 63.749 181.035
Fonte: IBGE, 1956, p. 57, 81, 99; 1973, p. 123-125-131, 161.

Contrapondo os dados computados nos Censos Agrícolas de 1950 e


1970, especialmente no que dizem respeito ao número de estabelecimen-
tos e área respectiva, atributos numéricos distribuídos pela classificação da
condição do produtor, os dados sobre a presença de ocupantes (posseiros
recém-chegados ou tradicionalmente territorializados segundo regras per-
tinentes a direitos consuetudinários) ganham significativo destaque. A des-
peito de a relação não ser da ordem da evidência, nas condições ambientais
reconhecidas pelos entrevistados, tem-se como altamente provável que os
estabelecimentos dotados de menor área melhor se adequem ao dinâmico e
cíclico uso da força de trabalho familiar.
Os detalhamentos em relação às condições de utilização das terras no
município voltam a reafirmar a orientação produtiva dirigida às lavouras
temporárias, como especificado no quadro seguinte:
180 Delma Pessanha Neves

quadro 28. Utilização das terras no município de Santarém, entre 1950, 1960 e
1970

Informantes Área (ha)


Formas de
utilização da terra 1950 1960 1970 1950 1960 1970

Lavouras
3.328 1.152 4.845 10.886 10.686 12.204
permanentes

Lavouras
6.501 8.603 10.056 18.203 18.203 22.962
temporárias

Pastagens
1.596 799 1.769 59.768 51.622 45.817
naturais

Pastagens plan-
291 2.515 578 2.515 1.814 6.771
tadas

Matas e florestas
1.152 2.744 4.280 - 330.228 82.335
naturais

Matas e florestas
9 18 17 290 568 150
plantadas

Terras em
descanso e
556 5.508 11.860 4.087 141.741 87.094
improdutivas não
utilizadas

Fonte: IBGE, 1956, p. 85; 1967, p. 84-85;1973, p. 132-133.

A crescente constituição de unidades de produção em condições ade-


quadas ou possíveis ao projeto camponês se reafirma ainda pela análise do
quadro seguinte, dedicado ao registro de dados estatísticos corresponden-
tes à computação de grupos de área dos estabelecimentos entre os anos de
1950 e 1970. De sua leitura pode-se concluir sobre o expressivo aumento de
unidades produtivas até 20 hectares, em correspondência à expansão equi-
valente da área apropriada.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 181

quadro 29. Grupos de área total, número e área de estabelecimentos no município


de Santarém, entre 1950 e 1970

Grupos de área (ha) Estabelecimentos Área (ha)


1950 1960 1970 1950 1960 1970
>1 17 45 252 8 33 158
1>2 69 286 670 92 427 982
2>5 312 1.141 1.992 1.054 3.772 6.812
5>10 676 1.350 2.228 4.673 9.603 16.508
Subtotal 1.074 2.822 5.142 5.827 13.835 24.460
10 >20 867 1.753 2.446 12.173 25.277 35.464
20>50 998 1.439 602 30.795 43.309 65.658
50>100 237 480 231 16.092 32.547 39.606
100>200 73 259 76 9.639 35.887 31.356
200>500 43 105 14 13.188 30.391 22.577
500>1000 14 29 5 9.567 20.034 8.665
1000>2000 13 14 3 18.910 17.929 7.641
2000>5000 3 2 2 9.691 4600 800
5000>10.000 4 1 1 31.649 6335 13.431
10.000>100.000 2 3 - 23.072 31.500 12.000
1.000.000< 1 1 - 281.498 300.000 -
Observação: Inclusive os estabelecimentos sem declaração da modalidade de exploração.
Fonte: IBGE, 1956, p. 38-39-43; 1967, p. 88, 89, 91; 1973, p. 140-141, 144, 145.

Entre 1950 e 1960, o número de estabelecimentos computados no gru-


po de área acima de 1.000ha apresentou expansão em número de unidades
e área apropriada, mas este processo melhor se exprime na computação da
década de 1970, diante do decréscimo do número de unidades, que também
enfrentaram diminuição de área. Em contraposição, os estabelecimentos
computados em escalas inferiores, nas mais diversas magnitudes valorizadas
para classificação, ampliaram em número de unidades e em área apropriada.
Portanto, há expressivo crescimento do número de unidades produtivas ou
de estabelecimentos nessa escala. Os dados do quadro seguinte indicam o uso
predominante dos estabelecimentos para a agricultura e agropecuária.
Prosseguindo na análise dos registros oficiais e tomando especifica-
mente os dados referentes ao Censo Agrícola de 1960, conclui-se sobre a
indicação, a partir dos números referentes à distribuição fundiária, de pro-
cessos de incorporação de lotes de terra por diversos agentes econômicos.
Quanto às formas de apropriação e uso dos recursos naturais pelos agentes
econômicos, baixo são os índices das chamadas terras incultas (141.741ha)
e matas naturais (330.228ha) são baixos.
182 Delma Pessanha Neves

Finalizando a primeira sessão do capítulo, integro informações refe-


rentes à produção agrícola de lavouras permanentes e temporárias; e a se-
guir, sobre produtos extrativistas e os principais que são integrados a pro-
cessos de beneficiamento.

quadro 30. Colheita e tipo de cultivo dos principais produtos das lavouras
temporárias e permanentes em Santarém, entre 1940 e 1970
Tipos de cultivo, 1940 1950 1960 1970
produtos/
Área Área Área Área
unidades de Quantidade Quantidade Quantidade Quantidade
(ha) (ha) (ha) (ha)
medida
Lavouras temporárias
Algodão 833 - - - - - 7.404 3 891
Arroz em casca
cultivo simples,
1.273 - 6.680 3 947 4.622 1.835
associado e misto
(toneladas)
Cana-de-açúcar
cultivo simples e - - - - - - 519 564
misto (toneladas)
Feijão em grão
cultivo simples,
466 - - - 992 1.616 36.175 6.078
associado e misto
(toneladas)
Mandioca em
cultivo associado,
24.329 - - - 41.302 6.132 21.029 3.334
intercalado e
misto (toneladas)
Milho em grão
cultivo simples,
2436 - - - 2.697 2.885 2.727 3.221
associado e misto
(toneladas)
Abacaxi
- - - - - - 88 -
(mil frutos)
Abóbora
- - - - - - 10 -
(mil frutos)
Alface (toneladas) - - - - - - 85 -
Batata-doce
- - - - - - 13 -
(toneladas)
Couve (toneladas) - - - - - - 174 -
Fumo em folha
57 41.718 -
(toneladas)
Juta em haste
- - - - 2.138 2.190 1.824 -
(toneladas)
Malva em haste
222 -
(toneladas)
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 183

Tipos de cultivo, 1940 1950 1960 1970


produtos/
Área Área Área Área
unidades de Quantidade Quantidade Quantidade Quantidade
(ha) (ha) (ha) (ha)
medida
Lavouras permanentes
Banana (cacho) - - - - 504.408 1.353 351.585 634
Cacau (tonelada) - - 244 29 - - 20 39
Café (tonelada) - - 245 - - 129 336
Laranja (cento) - - 88.367 1.167 - - 9.603 120

Abacate
- - 89.320 - - - 986 322
(mil frutos)

Borracha
183 - - - 2.614 1.326
(cultivada)

Cacau 51 - - - 19 -

Coco-da-baía
- - 22 - - - 17 -
(mil frutos)

Cupuaçu
- - - - - 198 -
(mil frutos)

Goiaba (cento) - - 10.952 - - -


Lima (mil frutos) - - 1.014 - - - 9 -

Limão
- - 12.102 - - - 16 -
(mil frutos)

Mamão
- - - - - - 42 -
(mil frutos)

Manga
- - 2.370 - - - 1 -
(mil frutos)

Mudas
- - - - - - 8 -
(mil unidades)

Pimenta-do-reino
- - 1 - - - 328 -
(toneladas)

Tangerina
- - - - - - 7.404 3.891
(mil frutos)

Observação: Os dados do censo econômico de 1940, tais como apresentados no capítulo anterior, aponta-
vam para a produção de fumo em corda (11 toneladas). Os dados do Censo de 1970 detalham o número
de pés em produção para os seguintes produtos: Cacau – 19.773; Café - 404.353; Laranja - 28 142.
Fonte: IBGE, 1953, p. 109, 268, 270; 1970, p. 243, 244-248, 251-257, 262-277, 279-295.
184 Delma Pessanha Neves

quadro 31. Produtos vegetais extrativos no município de Santarém, entre 1940 e 1970
1940 1950 1960 1970
Produtos Quant. Quant. Quant. Quant.
Informantes Informantes Informantes Informantes
(Ton.) (Ton.) (Ton.) (Ton.)
Borracha - 183 83 434 98 33 218 132
Castanha - - 3 22 55 12 - -
Caroa - - - - - - 111 312
Carvão - - - - 15 229 675 4.709
Lenha - - 23 83.105 20 7.242 - -
Madeira
- - - - 363 70.764 - -
(toras)
Fonte: IBGE, 1952, p. 111, 269, 271; 1970, p. 295, 299-300.

quadro 32. Transformação ou beneficiamento de produtos agropecuários em


Santarém, 1970
Produtos Tipo 1970
Quantidade*
Informantes
(tonelada)
Arroz em casca Arroz em grão 3.026 1409
Café em coco Café em grão 957 120
Cana-de-açúcar Açúcar 8 868
Aguardente - -
Rapadura - -
Fumo de folha Fumo de corda 349 164
Leite Creme 84 131
Manteiga - -
Queijo - -
Mandioca Farinha de mandioca 8.196 63.514
Polvilho - -
Tapioca - -
Juta em haste Fibra de juta 1.700 41.812
Malva em haste Fibra de malva 993 11.913
* O termo quantidade abarca produtos transformados ou beneficiados.
Fonte: IBGE, 1970, p. 304-317.

Os dados sistematizados nos últimos quadros, referidos à produção


agropecuária, sinalizam o aumento da circulação de mercadorias. Relativi-
zando os significados numéricos diante de alterações nas condições de co-
leta de dados, é possível pressupor efeitos da presença de maior numero de
agricultores agregados pelo processo de colonização oficial. Ampliam-se não
só o volume de produção, mas a diversidade de produtos circulados no mer-
cado, motivo pelo qual foram computados.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 185

Estrutura institucional na cidade de Santarém (década de 1950)


Tomo agora o registro de geógrafos em grande investimento de
pesquisa para conhecimento dos contextuais municípios do Brasil, apro-
ximadamente no decorrer da década de 1950. Os dados integrados se-
gundo roteiro comum a todos os municípios consideravam a história
político-administrativa e os quadros institucionais ali presentes. Por tais
temáticas, analisavam processos de institucionalização ou “civilização”
pautados em programas missionários ou religiosos, a vida econômica e
sociocultural, singularizando dinâmicas populacionais referentes a cada
uma daquelas unidades. Destaca-se da leitura o extremo zelo pela incor-
poração de dados possíveis e a avaliação da eficácia desses recursos, re-
gistrando então alguns dos problemas enfrentados pelos brasileiros (mu-
nícipes) de então.
Na textualização oficial da história de cada município, tal como foi ela-
borado o roteiro de coleta de dados e correspondente redação, o autor exal-
ta, para o caso de Santarém, dados de “descoberta” e “colonização”, isto é, de
processos de enquadramento de índios enquanto força de trabalho, e o papel
de determinados atores institucionais, especialmente militares e religiosos.
Ainda para esse município, o autor não desconsidera a capacidade de articu-
lação de grupos indígenas que habitavam a região, aceitando a constatação
de que eles estavam dotados de meios de comunicação mais velozes para
prevenir a intervenção política e os correspondentes riscos. A obra coloniza-
dora, qualificada catequética, teve prosseguimento após ação expropriatória
dos jesuítas. Na perspectiva do autor, ela guardava continuidade com a mili-
tar, tanto que as ações praticadas por capitães e tenentes são associadamen-
te exaltadas para demonstrar a constituição do povoado e de seu floresci-
mento, até alcançar a categorização de vila e cidade. Louvadas as conquistas
em termos de instituição de gestão dos habitantes locais e das intervenções
(por aqueles que vieram a ocupar cargos institucionais) destinadas ao di-
recionamento de projetos políticos e administrativos, a cidade, mais que o
município, torna-se objeto de reflexão, especialmente por registro da vida
produtiva. O autor no contexto demonstrou expectativas bastante alvissarei-
ras quanto ao crescimento econômico do município, fundamentando-se em
diversos fatores: expansão crescente da cultura da juta, exploração de ma-
deiras e óleos, agilidade na circulação das mercadorias frente à substituição
dos veleiros e canoas a remo pelos barcos motores abastecidos por gasolina.
Eis então parte do texto:

[...] Em 24 de outubro de 1848 Santarém foi elevada à catego-


ria de cidade.
186 Delma Pessanha Neves

Em cumprimento ao Decreto-Lei Estadual’ n.º 3.131, de 31 de outubro


de 1938, o município de Santarém perdeu parte do território da zona
de Tapará para o município de Monte Alegre. Passou, por outro lado, a
abranger mais 2 distritos: o de Curuai, criado com o território da zona
de igual nome, desligado do distrito de Santarém, e o de Aveiro, insti-
tuído com parte do território do distrito de Alter do Chão. Consequen-
temente, na divisão territorial do Estado, fixada por esse Decreto-lei,
para vigorar no quinquênio 1939-1943, (o município) figura integrado
por 5 distritos: Santarém, Alter do Chão, Aveiro, Boim e Curuai. Dá-
-se o mesmo na divisão territorial do Estado, vigente no quinquênio
1944-1948, e estatuída pelo Decreto-lei Estadual n.º4 505, de 30 de
dezembro de 1943.
Santarém (no contexto com 24.057 km²) teve parte do seu território
desmembrada para constituir o município de Aveiro, conforme Lei nú-
mero 1.127, de 11 de março de 1955, a qual foi considerada inconsti-
tucional pelo Supremo Tribunal Federal em acórdão de 4 de outubro
de 1955. O governo do Estado do Pará em Decreto n.º 1.946, de 26 de
janeiro de 1956, tornou insubsistente o desmembramento. [...]

O autor acentua o crescimento da produção de fibras, que ultrapas-


sou a de borracha, acompanhado da intensificação da exploração madeireira
e de outras formas de extrativismo, como o de essência e óleos como pau-ro-
sa e resinas. A produção industrial, tal como ele destaca, galga os primeiros
passos do investimento, especialmente as unidades destinadas ao preparo
da borracha e as serrarias de pré-beneficiamento das madeiras.

ATIVIDADES ECONÔMICAS - O município assenta sua economia,


principalmente, na produção de fibras, cuja exportação em 1956
(alcança) 4 728 kg, valendo Cr$ 67573216,00, seguindo-se a bor-
racha com 715.278kg, valendo Cr$ 31.343.815,00, madeira benefi-
ciada com 7.446.803 m³, valendo Cr$ 27669414.00, arroz beneficia-
do com 43.848.000 kg, valendo Cr$ 4.859.090,00, óleo de pau-rosa
com 64 tambores, valendo Cr$ 3.368.822,00, resina de jutaicica com
144.505 kg, valendo Cr$ 2350.110,00, madeira bruta com 738.759
m³, valendo Cr$ 1.775.596,00, couro verde salgado de boi com
166.150 kg, valendo Cr$ 1.554.037,00, conchas de madrepérolas
com 108.874 kg, valendo Cr$ 1.171.152,00, castanha-do-pará com
44.092 hectolitros, valendo Cr$ 685. 110,00 e milho com 197.590
quilos, valendo Cr$ 616.550,00. O valor da exportação em 1956
somou Cr$ 147.615.256,00. Exitem no município 37 estabelecimen-
tos industriais, sendo 5 fábricas para preparo preliminar da borra-
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 187

cha, 3 serrarias, 4 usinas para beneficiar arroz, 8 fábricas de calça-


dos, 6 fábricas de bebidas, 1 fábrica de mosaicos, 2 fábricas de gêlo,
1 fábrica de malas,1 fábrica de redes de dormir, 1 matadouro para
o abate de reses, 1 fabrica de móveis, 2 estaleiros para construção
de pequenas embarcações e 2 olarias; além dos pequenos estabe-
lecimentos que se dedicam ao fabrico de farinha de mandioca. Das
pessoas em idade ativa (10 anos e mais), 29,8% estão ocupadas na
agricultura, pecuária e silvicultura.
A produção extrativa de origem mineral é constituída de extração de
barro e arenito granitoide branco, cujo valor total, em 1956, somou
Cr$ 16.000,00. De origem vegetal, a borracha (leite de seringa); resina
de jutaicica, sementes oleaginosas, madeiras diversas e madeira pau-
-rosa, tendo a respectiva produção, em 1956, (alcançado) a quantia de
Cr$ 52. 021.190.20. De origem animal, por peixes de diversas espécies
e conchas de madrepérola cujo valor total, em 1956, somou a quantia
de Cr$ 8.488 952,00.
O rebanho bovino é bem apreciável, contando mais de 30.000 cabeças.
O Censo Agrícola de 1950 encontrou o seguinte rebanho: Bovinos 25.
785, equinos 2.353, ovinos 1.005, caprinos 351.
COMÉRCIO E BANCOS - Há no município 462 estabelecimentos co-
merciais do sistema comum da Amazônia: atacadistas e varejistas ao
mesmo, tempo. Funciona uma Agência do Banco do Brasil S. A. e outra
do Banco de Crédito da Amazônia S.A. e uma representação de vários
bancos do país.
A Agência da Caixa Econômica Federal tem grande movimento.
O Comércio mantém transações principalmente com as praças do Sul
do país (Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória), seguindo-se o movimento
com a praça de Belém e a de Manaus. Acentuada é a exportação dire-
ta para a Europa (Portugal e Inglaterra) e para os Estados Unidos da
América.
É a cidade de maior comércio do interior do Estado, com importação
direta de mercadorias e exportação de gêneros.
[...]
A cultura da juta indiana deu uma nova fase de progresso a Santarém.
Iniciada em 1940, no ano seguinte a produção assinalou 14 toneladas
no valor de quarenta e dois mil cruzeiros. Em 1956, o volume físico
da exportação somou 4.728 toneladas, valendo 67.573 mil cruzeiros.
Algodão, que era o maior produto agrícola, seguido de arroz e milho,
perdeu a supremacia do mercado. Todavia, a borracha manteve sua
posição no curso de 16 anos (de 1940 a 1956), fatores que revelam a
notável transformação econômico-social.
188 Delma Pessanha Neves

[...]
ASPECTOS URBANOS - A cidade de Santarém conta com 53 logradou-
ros públicos, dos quais 3 inteiramente pavimentados; 2.947 prédios e,
segundo dados do Recenseamento Geral de 1950, 14.061 habitantes.
É servida de luz elétrica e água canalizada. A i1uminação pública se
estende a 52 logradouros e a domiciliária conta com 1.982 ligações. A
rede distribuidora de água abastece 32 logradouros com 956 ligações
domiciliárias.
ASSISTÊNCIA MÉDICO-SANITÁRIA - Existem um Hospital, um Centro
Médico, um Subposto Sanitário, um Posto de Saúde e um Lactário. O
Hospital, o Centro Médico e o Subposto Sanitário são de finalidades
gerais, mantendo serviços de cirurgia e clínica médica em geral; en-
quanto que o Posto de Saúde e o Lactário são de finalidades especia-
lizadas, com os serviços de malária. O Hospital Ford, no distrito de
Belterra, é mantido pelas plantações Ford de Belterra, pertencente ao
Governo Federal, com 50 leitos. O Centro Médico na cidade é mantido
pelo Serviço Especial de Saúde Pública (S. E. S. P.), com 59 leitos, sen-
do 56 gratuitos e 3 para pessoal técnico do hospital. O corpo clínico
é composto de 5 médicos, 1 dentista e 102 enfermeiros. O Subpos-
to Sanitário também é mantido pelo S.E.S.P. e possui uma farmácia.
O Lactário é mantido pela L.B.A., possui apenas 1 Lactário. O Posto
de Saúde é mantido pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais,
com 40 guardas.
ASSISTÊNCIA SOCIAL E COOPERATIVISMO - Existem no município as
seguintes associações: Associação da Pia União de Santo Antônio, fun-
dada em 1910, contando com 220 sócios e tendo como finalidade pres-
tar auxílios e benefícios aos necessitados; Associação de São Vicente de
Paulo, fundada em 1944, contando com 88 sócios e tendo como finali-
dade prestar auxílios e benefícios aos necessitados; Congregação das
Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, fundada em 1914; esta
instituição não possui sócios e tem como finalidade a assistência es-
colar; Colônia dos Pescadores, fundada em 1919, contando com 1.375
sócios e tendo como finalidade assistência médica, escolar, funerária e
pecuniária aos seus componentes; Sociedade Artística Beneficente de
Santarém, fundada em 1907, contando com 110 sócios e tendo como
finalidade assistência escolar, médica, funerária e mutuária aos seus
componentes.
[...]
ENSINO - Em 1956, funcionaram 91 unidades de ensino primário fun-
damental comum, com a matrícula geral de 6.392 alunos. Na sede mu-
nicipal, funcionaram 7 estabelecimentos de ensino extraprimário: 1)
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 189

Ginásio Santa Clara, possuindo: curso ginasial com 213 alunos do sexo
feminino e 10 professores, curso pedagógico com 28 alunos do sexo
feminino e 9 professores; 2) Ginásio D. Amando, possuindo o curso gi-
nasial, com 175 alunos do sexo masculino e 9 professores; 3) Escola
de Comércio do Baixo Amazonas, possuindo o curso comercial básico,
com 39 alunos do sexo masculino e 19 alunos do sexo feminino e 11
professores; 4) Escola Santa Maria Goretti, possuindo o curso de Can-
to, Solfejo, Música Instrumental, com 45 alunos do sexo feminino e 3
professores; 5) Escola Pratt, curso de datilografia, com 43 alunos do
sexo masculino e 60 alunos do sexo feminino e 1 professor; 6) Escola
Musical de Santarém, possuindo o curso de música instrumental, com
17 alunos do sexo masculino e 1 professor; 7) Ginásio Batista de Santa-
rém, que começou a funcionar em 1957.
OUTROS ASPECTOS CULTURAIS – O Teatro Municipal Vitória, o Cine-te-
atro Cristo Rei (500 lugares) e o Cinema Olímpia, com tela panorâmica
e 720 lugares, são os principais estabelecimentos de diversões públicas.
A Biblioteca da Prefeitura Municipal com mais de 2.000 volumes e a Bi-
blioteca da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, com mil volumes,
ambas de caráter geral, são bastante movimentadas.
Contam-se nove associações culturais de caráter esportivo, realizando-
-se o campeonato de futebol com grande animação. Além disso, o in-
tercâmbio esportivo com Óbidos, Alenquer e Monte Alegre é bastante
acentuado. Também do interior do município vêm à cidade c1ubes de
futebol para animadas partidas.
Merece especial referência o “Centro Recreativo”, agremiação cultural-
-recreativa e dançante, que possui uma moderna e excelente sede so-
cial. O “Centro Recreativo”, além das festas dançantes promove reuniões
de caráter artístico-literário, desenvolvendo na cidade o gosto pelas ar-
tes e letras. Além dessa ímpar agremiação, conta-se por mais de uma
dezena, as de menor porte, na cidade e no interior do município.
Existem em Santarém três jornais, mas somente dois estão sendo pu-
blicados com regularidade e que são: O “Jornal de Santarém”, semaná-
rio, circulando todos os sábados, a serviço da seção local do Partido
Social Democrático e o “Mariano”, quinzenário circulando nos dias 15 e
30 de cada mês, jornal católico oficial da Prelazia de Santarém. O outro
semanário, “O Baixo Amazonas”, pertencente à Empresa Gráfica Baixo
Amazonas, encontra-se paralisado.
Santarém possui a única radioemissora do interior do Estado do Pará,
a estação ZYR-9 - Radio Clube de Santarém, Ltda [...].
No distrito de Alter do Chão, estão instalados trabalhos de pesquisas
de petróleo, a cargo da Petrobrás. A perfuração é feita na ponta do
190 Delma Pessanha Neves

“Moretá”, à margem direita do rio Tapajós, distando de Santarém ape-


nas três horas de navegação fluvial.
[...]
Um registro especial é feito à atividade dos Frades Franciscanos, - pri-
meiro os alemães e ultimamente também os norte-americanos - pelo
notável trabalho realizado em Santarém e em toda a região. A instrução
e educação tiveram no trabalho desses abnegados Frades, uma realiza-
ção admirável. Igualmente, é digno de menção o Orfanato São José, diri-
gido pela Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição,
instalado ao sul da cidade (cerca de 20 quilômetros), num planalto de
terras férteis e saudáveis, o lugar “São José”, Destinado a meninas [...].
(IBGE, 1956b, p. 462-471)

Diante dos citados processos econômicos, da centralidade da ativi-


dade comercial e do sistema de ensino e dos serviços públicos de saúde, a
população do município, como já analisei, vem se dirigindo para fixação de
residência em torno da sede administrativa. Outros fatores, entretanto, me-
recem destaque. Um deles correspondeu à reação de parte da população dos
estados nordestinos, na situação especialmente o Ceará, diante da intensi-
ficação dos períodos de seca no decorrer da década de 1950. Os entrevis-
tados, em grande maioria, assim explicam as motivações que pesaram no
engajamento ao processo migratório, mas amparadas pelas redes familiares
e vicinais que promoveram o fluxo migratório.
A esse respeito, descrevem Paula e Clepes Junior (2003): as secas
de 1952 e 1958, no Nordeste, mobilizaram a opinião pública e induziram
à criação da SUDENE em 1959. À instituição foram atribuídos alguns ob-
jetivos norteadores da elaboração de ações públicas compensatórias para
enfrentamento de longas estiagens, repensando o permanente movimento
migratório da respectiva população. Segundo informações no site da Fun-
dação Getúlio Vargas, aquela produção de institucionalidades formais ou
oficiais para enfrentar o problema envolveu, principalmente, a definição do
espaço que seria compreendido como Nordeste e que passaria a ser objeto
da ação governamental: os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande
do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e parte de Minas
Gerais.23

23 Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/artigos/Economia/Sudene>. Acesso em: 14


fev. 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 191

Processo de migração para o município de Santarém


Ao se tomar em conta a expansão dessa população no período de aflu-
xo mais acentuado do deslocamento migratório, entre 1950 e 1980, os ín-
dices apresentados pelos respectivos Censos Demográficos apontam para a
magnitude do processo. Para facilitar ao leitor, sugiro a releitura do primeiro
quadro apresentado neste capítulo (nº 22). Quando se toma o recenseamen-
to de 1950 (60.229 habitantes) como base, contrastivamente aos que ime-
diatamente o sucederam, evidencia-se um aumento da população em termos
absolutos, expresso nas seguintes grandezas: 1960 (92.144 habitantes ou
+ 53%), 1970 (135.204 habitantes ou +124%) e 1980 (191.950 ou +219%).
Detalhando algumas das condições em que essa expansão popula-
cional ocorreu, acrescento dados sobre a distribuição quanto à faixa etária e
sexo, analisando-os pela polaridade contrastiva dos censos demográficos de
1940 versus 1960 e 1970 e pela distinção de sexo dos santarenos de então.

quadro 33. Pessoas presentes, por faixa etária e sexo, no município de Santarém,
1940, 1960 e 1970

Número de pessoas
Faixa etária
Masculino Feminino Total
1940 1960 1970 1940 1960 1970 1940 1960 1970
> 9 anos 7.794 16.319 23.911 7.280 15.816 23.272 15.074 32.135 47.183
10 a 19 5.360 10.814 17.168 5.272 11.086 17.587 10.632 21.900 35.025
20-29 4.320 6.591 9.231 4.504 38.129 9.559 8.824 13.595 18.790
30-39 2.862 4.738 6.556 2.793 4.583 6.328 5.655 9.321 12.884
40-49 1.895 3.610 4.771 1.844 3.494 4.397 3.739 7.104 9.168
50-59 1.554 2.219 3.121 1.594 2.104 3.064 3.148 4.323 6.185
60-69 1.245 1.883 1.173 1.771 2.418 3.654
70 e mais 184 605 876 287 719 1.061 471 1.324 1.937
Idade
6 11 212 10 13 173 16 24 385
ignorada
Total 23.975 46.152 67.729 23.584 45.992 67.212 49.499 92.144 134.941
Fonte: IBGE , 1953, p. 160-161; 1967, p. 217, 220-221, 232, 233,1973, p. 155-159.

A agregação da faixa etária entre 0 e 9 anos tornou-se necessária


para adequação às condições diferenciadas de coleta de dados nos diversos
censos demográficos. O índice de natalidade e sobrevivência de crianças se
expressa na diminuição brusca da população a partir dos 9 anos, desconti-
nuidade repetida na passagem para a idade adulta, que, para efeitos do qua-
dro nº 33, foi considerada pelo limite dos 19 anos. A população, em todos os
192 Delma Pessanha Neves

anos recenseados, continua a diminuir na idade adulta, perda explicável pela


migração, mas não só, até porque, na contagem da população total, estão
computados os acréscimos com a população migrante. Há de fato expansão
da população considerada nos diversos censos, mas o comportamento re-
produtivo em termos de nascimento e de passagem pelos ciclos de idade se
reafirma pela indicação de significativa perda da população, em especial a
partir dos 20 anos e mais intensamente a partir dos 60 anos. A avaliação da
grandeza do processo está limitada à consideração dos números absolutos
desse acréscimo, colocando então em destaque a importante agregação de
contingentes de migrantes.
Centrando as considerações pela dispersão da população no momen-
to do recenseamento de 1970 e sua expressão mais eloquente na computa-
ção correspondente ao ano de 1980, podem-se perceber alguns dos sentidos
do direcionamento do fluxo migratório.
Os dados agregados a partir da contagem do tempo de residência no
município permitem ressaltar os momentos de intensificação do processo e
os ciclos de vida ou faixas etárias mais propícias aos deslocamentos.

quadro 34. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e tempo de
residência, entre 1970-1980

Anos do recenseamento
Faixa etária 1970 1980
Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres
De 0 a 4 anos 25.255 12.518 12.337 34.675 17.657 17.018
5 a 9 anos 22.332 11.396 10.936 30.406 15.527 14.879
10 a 14 anos 19.320 9.603 9.717 27.218 13.691 13.527
15 a 19 anos 15.705 7.565 8.140 22.637 11.121 11.516
20 a 24 anos 10.4575 5.109 5.348 16.132 7.998 8.134
25 a 29 anos 8.333 4.122 4.211 12.438 6.117 6.321
30 a 34 anos 6.591 3.362 3.229 9.734 4.946 4.788
35 a 39 anos 6.293 3.194 3.099 8.512 4.275 4.237
40 a 49 anos 9.168 4.771 4.397 13.183 6.821 6.362
50 a 59 anos 6.185 3.121 3.064 8.440 4.427 4.013
60 a 69 anos 3.654 1.883 1.771 5.368 2.647 2.721
70 anos e mais 1.937 876 1.061 3.249 1.503 1.746
Idade ignorada 385 212 173 47 26 21
Total 135.215 67.732 67.483 192.039 96.756 95.283
Fonte: IBGE, VIII Recenseamento Geral - 1970. Série Regional – Pará. Vol. I – tomo IV. Rio de Janeiro: IBGE,
1973. p. 154-159. IBGE, IX Recenseamento Geral do Brasil – 1980. Vol. I – tomo 3 – nº 4 - Pará. Rio de
Janeiro: IBGE, 1983. p. 36-37.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 193

A coleta dos dados do censo demográfico de 1980 computou o tempo


da migração a partir dos 10 anos de presença dos que vieram a residir no
município de Santarém. É possível então supor que os dados de 1970, com-
putados com 10 anos de diferença, possam refletir parte da expressão do
fluxo no decorrer da década de 1960 e ofereçam algum entendimento para a
agregação das escalas em que foram considerados.

quadro 35. Pessoas não naturais de Santarém, por tempo de residência no município,
1980
População migrante
Distribuição do tempo de residência
Total Homens Mulheres
Menos de 1 ano 3.853 1.980 1.873
1 ano 2.143 1.064 1.079
2 anos 1.813 843 970
3 anos 1.813 924 889
4 anos 1.904 974 930
5 anos 1.960 961 999
6 a 9 anos 6.336 3.267 3.069
10 anos ou mais 16.739 8.906 7.833
Sem declaração 63 19 44
Fonte: IBGE,1983, p. 154-155,157-159.

quadro 36. Tempo de residência de migrantes no município de Santarém entre


1970 e 1980
1970 1980
Faixa etária
Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres
Menos de 1 ano 5.283 2.660 2.623 5.833 3.853 1.980
1 ano 4.589 2.246 2.343 3.207 2.143 1.064
2 anos 5.270 2.762 2.508 2.656 1.813 843
3 anos 4.833 2.426 2.407 2.737 1.813 924
4 anos 4.880 2.424 2.456 2.878 1.904 974
5 anos - - - 2.921 1.960 961
5 a 9 anos 22.332 11.396 10.936 2.921 1.960 961
10 anos ou mais - - - 25.645 16.739 8.906
10 a 14 anos 19.320 9.603 9.717 - - -
15 a 19 15.705 7.565 8.140 - - -
20 a 24 anos 10.457 5.109 5.348 - - -
25 a 29 anos 8.333 4.122 4.211 - - -
30 a 34 anos 6.591 3.362 3.229 - - -
35 a 39 anos 6.293 3.194 3.099 - - -
40 a 49 anos 9.168 4.771 4.397 - - -
50 a 59 anos 6.185 3.121 3.064 - - -
60 a 69 anos 3.654 1.883 1.771 - - -
70 anos e mais 1.937 876 1061 - - -
Idade ignorada 385 212 173 - - -
Sem declaração 82 63 19
Total 135.215 67.732 67.483 48.880 32.248 16.632
Fonte: IBGE,1973, p. 154-155,157-159. IBGE, Censo Demográfico de 1980: 138-140.
194 Delma Pessanha Neves

No recenseamento de 1980 há investimentos de categorização de


dados mais orientados para a apreensão das condições em que se intensi-
fica, na década de 1970, o deslocamento de parte da população rural para
o espaço urbanizado das grandes ou médias cidades no Brasil. Do total da
população migrante, computada em 1980 por instalação no município de
Santarém (25.416 novos habitantes, 12.699 homens e 12.717 mulheres), a
grande maioria procedia de “zona urbana” (15.479 subdivididos em 7.723
homens e 7.756 mulheres). Apenas 39% do total de migrantes computados
advinham de “zona rural”, a saber: 9.937 subdivididos em 4.976 homens e
4.961 mulheres (IBGE, 1983, p. 148, 150).

quadro 37. População residente no município de Santarém, segundo residência


atual, 1980

Naturais do município Não-naturais do município

Total da Situação Situação


Sempre Sempre
diferente diferente
população Total residiu no Total Homens Mulheres residiu no
do do
municipal município município
município município
191.945 155.321 127.712 27.420 36.624 18.809 17.591 30.161 6.387
100% 81% 66% 14% 19% 10% 9%
Procedentes da área urbana 17.100 8.601 8.499
Procedentes da área rural 19.300 10.208 9.092
Fonte: IBGE, 1983, p. 142, 144; 148, 150.

Contrastando, para uma visualização mais comparativa dos números,


os dados dos quadros 37 e 38, pode-se aquilatar a correspondência entre
população que sempre residiu no município e a que fixou residência por
processos de deslocamento. Dados de entrevista podem trazer luz ao equilí-
brio do número de migrantes segundo o sexo. Os deslocamentos obedeciam
a princípios de afiliação à família consanguínea ou conjugal e à parentela
ou a grupos de vizinhança. São mais raros os casos de jovens solteiros que
tenham migrado sem referências familiares antecedentes. Mesmo que em
Santarém tenham se dirigido a frentes de trabalho na Amazônia, tendiam a
manter como unidades de agregação parentes ou “conhecidos” que fixaram
residência, no caso em Santarém. Para a real década de 1970, considerada
pelos dados sistematizados em 1980, é possível então considerar as pulsões
para os fluxos migratórios que incorporavam tanto brasileiros residentes no
chamado espaço rural, como urbano. Por conseguinte, muitos deles pode-
riam estar motivados por interesses integrativos distanciados da fixação em
lotes agrícolas.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 195

quadro 38. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e tempo de
residência, entre 1970 e 1980

Distribuição dos migrantes por estado de origem


1980
1970
Estado de orgiem (não houve distinção
por sexo)
Masculino Feminino Total
Rondônia 32 36 68 226
Acre 118 126 244 71
Amazonas 457 501 958 1.015
Roraima 19 22 41 16
Pará 59.702 60.759 120.461 8.013
Amapá 60 59 119 100
Maranhão 415 239 654 2.571
Piauí 102 58 160 382
Ceará 6.052 5.191 11.243 2.844
Rio Grande do Norte 171 123 294 127
Paraíba 97 76 173 177
Pernambuco 77 44 121 559
Alagoas 20 10 30 -
Fernando de Noronha 1 - 1 -
Sergipe 4 3 7 56
Bahia 16 7 23 452
Minas Gerais 38 31 69 425
Espírito Santo 2 - 2 145
Rio de Janeiro 11 9 20 108
Guanabara 20 11 31 -
São Paulo 39 27 66 422
Paraná 58 35 93 602
Santa Catarina 26 0 26 149
Rio Grande do Sul 13 5 18 904
Mato Grosso do Sul - - 61
Mato Grosso 18 18 36 46
Goiás 6 15 21 279
Distrito Federal 4 1 5 82
Exterior (sem especificação) -
Só exterior 12 36 48 17
Sem declaração 118 126 244 36
Total 67.708 67.568 135.276 19.885
Fonte: IBGE, 1973, p. 174-179; 1983, p. 164, 166, 168, 170, 172.

Os sentidos da orientação dos migrantes em termos de vínculos a ati-


vidades produtivas podem ser relativamente compreendidos pela leitura
comparativa dos dados integrados no quadro seguinte, referentes à distri-
buição da população por distritos de Santarém entre 1950 e 1980.
196
quadro 39. População residente no município de Santarém, segundo distinção espacial em 1950 e 1980

Datações dos censos demográficos


1950 1980
Situação Urbana Situação Rural Situação Urbana Situação Rural
Município
e distritos

Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres

Santarém 8.697 4.037 4.660 23.584 19.938 18.924 111. 657 54.556 57.101 191.950 96.667 95.283
Santarém 7.527 3.464 4.063 12.559 9.087 8.496 102.181 49.774 52.407 147.356 73.776 73.580
Alter do Chão 256 124 132 5.277 5.514 5.145 682 338 344 6.465 3.360 3.105
Arapixuna - - - - - - 310 151 159 5.730 2.294 2.756
Aveiros 210 116 94 320 185 226 - - - - - -
Belterra - - - - - - 3.619 1.795 1.824 6.723 3.425 3.298
Boim 300 149 151 1.516 1.422 1.365 615 318 297 4.030 2.704 1.956
Curuaí 404 184 220 3.912 3.730 3.692 1.254 622 632 17.673 8.957 8.716
Mojuí dos Campos - - - - - - 2.996 1.558 1.438 3.973 2.101 1.872

Fonte: IBGE, 1953, p. 179-180; 1983, p.115.


Delma Pessanha Neves
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 197

A migração para o município de Santarém incidiu sobre a fixação


dessa população em distritos cuja atividade econômica era hegemoni-
camente agrícola. Como os dados do censo demográfico de 1980 são mais
precisos em termos de construção de atributos sociais da população migran-
te, o quadro seguinte permite a compreensão da dispersão da população por
idade.

quadro 40. População do município de Santarém em 1980, segundo distrito,


distinção do local de residência em rural e urbano e faixa etária

Distritos do Faixa etária


Total
município >9 10-19 20-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70 <
Santarém 157.275 64.992 49.855 28.570 18.246 13.183 8.440 5.368 3.249
Santarém 121.046 49.093 38.595 22.868 14.192 9.980 6.268 3.934 2.306
Urbana 84.352 11.653 10.322 11.114 9.916 6.577 4.150 2.750 1.672
Rural 36.649 12.873 9.193 11.754 4.276 3.403 2.118 1.184 634
Alter do Chão 5.222 2.326 1.556 881 591 445 341 193 127
Urbana 570 1.202 821 478 52 52 44 27 28
Rural 4.652 1.124 735 403 539 393 297 166 99
Arapixuna 4.724 1.924 1.538 726 474 428 270 212 152
Urbana 253 955 803 407 27 22 11 14 8
Rural 4.471 969 735 319 447 406 259 198 144
Belterra 5.515 2.282 1.832 843 551 529 339 212 134
Urbana 3.081 1.170 946 427 299 286 203 108 54
Rural 2.434 1.112 886 416 252 243 136 104 80
Boim 3.272 1.422 972 548 350 323 160 148 106
Urbana 514 683 535 295 55 48 23 27 20
Rural 2.758 739 437 253 295 275 137 121 86
Curuaí 14.190 6.462 4.210 2.268 1.703 1.194 904 561 374
Urbana 1.031 3.179 2.155 1.157 102 100 79 46 46
Rural 13.159 3.211 2.048 1.111 1.601 1.094 825 515 328

Mojuí dos
3.306 1.393 1.159 416 385 284 158 108 50
Campos

Urbana 2.474 746 595 237 282 199 136 91 45


Rural 832 647 564 199 103 85 22 17 5

Fonte: IBGE,1983, p. 115.


198 Delma Pessanha Neves

Por registros de natureza qualitativa obtidos em entrevistas, destaca-


-se a pressão dos migrantes que se orientavam por rumores e indicações
fornecidas por parentes e vizinhos, portanto, contando com o engajamento
deles na implementação do processo. Nesse período ocorre abertura de al-
ternativas para acesso a lotes de terra no entorno da então cidade de Santa-
rém, especialmente na região reconhecida como Mojuí dos Campos.

Mojuí dos Campos [...] foi distrito de Santarém, localizado a 14 km


da sede do município, hoje unidade político-administrativa indepen-
dente. Reconhece-se hegemonicamente que os primeiros moradores
foram imigrantes nordestinos cearenses, que chegaram por volta de
1914: José Bezerra, Benedito, José e Manuel Viana. Depois destas,
outras famílias foram chegando: José Alves da Frota, Cipriano, Ma-
nuel Barros, Teófilo Bezerra, João Cândido e Domingos Viana. Já na
década de 1950, devido à decadência econômica do Nordeste, seca
e conflitos familiares e políticos nas terras no sertão, fora a vinda de
diversas famílias, proporcionando ao pequeno povoado o seu maior
progresso e desenvolvimento. Entre tantas, destacamos as pessoas
de Antônio Walfredo Pessoa, Maria Walfredo Fernandes e Júlio Wal-
fredo Ponte.
As primeiras famílias enfrentaram grandes dificuldades pelas precá-
rias condições [...] que o local oferecia, por isso muitos que aqui che-
garam, morreram vítimas de uma forte febre causada pela malária.
Registra-se em 1950 um antigo cemitério num mangueiral.
Com a chegada de 50 famílias em 1952, o núcleo de Mojuí dos Cam-
pos passou por um grande progresso populacional. Muitas famílias em
busca de terras para trabalhar, foram se localizando nas mediações
próximas ao povoado, nascendo as primeiras colônias agrícolas de tra-
balhadores tipicamente nordestinos: Bom Gosto, Palhal, Boeira, Boa
Fé, Poço Verde, São Tomé, Baixa D’Água, entre tantas outras.
Em 1964 o povoado de Mojuí dos Campos é elevado à categoria de Vila
pela Lei Estadual 3.227 de 31 de dezembro. Em 2005, integrantes pela
emancipação de Mojuí dos Campos estiveram em Brasília para debater
a separação de Santarém. Em 2006, Mojuí dos Campos é desmembrado
do Santarém. Em 2012, o município teve a primeira eleição.
O município está ligado pela PA-431 à BR-163, na comunidade de São
José, e pela PA-370, na comunidade de Garrafão, além dos ramais que vão
para as outras comunidades. De Mojuí dos Campos até o São José (a 20 km
de Santarém) são 14 km. Já de Mojuí dos Campos até o km 31 da PA-370
são 10 km. (MOJUÍ DOS CAMPOS, [s.d.])
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 199

Os processos de mobilidade decorrentes desses fluxos migratórios


configuram outros aspectos da composição populacional do município, já
que cearenses e maranhenses começam oficiosamente a inscrever sua histó-
ria social em Santarém, principalmente a partir da década de 1970, diante de
estímulos advindos do processo de colonização agrícola implantado durante
os primeiros anos do governo militar. Nesse caso, sobressaem as referências
à construção de estradas como a Curuá-Una, destinada a assegurar a cons-
trução da Hidrelétrica de Curuá-Una (inaugurada em 19 de agosto de 1977),
e a Cuiabá-Santarém, iniciada em 1970, quando se instalou o Destacamento
precursor do 8º Batalhão de Engenharia de Construção, do Exército Brasilei-
ro, objetivando a implantação dessa última rodovia.
Paralela e complementarmente, boa parte do segmento popular que
participou desta pesquisa faz referência à migração para as zonas de consti-
tuição de atividades garimpeiras no decorrer da década de 1980: diretamen-
te ou pela associação da atividade agrícola de famílias de colonos (assumida
no caso pelas mulheres – esposas e filhos) às alternativas de poupança e, na
melhor das hipóteses, capitalização vislumbrada na função de garimpeiro ou
dono de garimpo e gestor de equipes de trabalho. Essas alternativas estão
datadas de forma mais precisa porque referenciadas ao período que abarca
as décadas de 1970 e início de 1990, período de exploração mais intensiva
do ouro, qualificada pelos garimpeiros como tempo da fofoca. A exploração
de garimpos diminuiu em intensidade, em alguns casos; em outros, foi in-
terditada, não se constituindo, no momento, como estratégia amplamente
mobilizante da integração de homens e mulheres para a recriada aventura
de se tornar rico ou melhorar as condições de vida. Na prática tal alternativa
significou possibilidade relativamente asseguradora de rendimentos para a
reprodução da vida familiar, em especial dos trabalhadores casados ou que
se empenhavam na reprodução de pais, esposas e filhos; mas também em
diversos casos dramáticos de separação de casais e de pais e filhos, cujos
membros familiares que permaneceram fazem computação dos que se dis-
persaram como desaparecidos ou pressupostamente falecidos (Por exemplo:
Pelo tempo que ele não dá notícia, já deve estar morto).
A maioria dos entrevistados tem na atividade agrícola uma referência
básica, ainda que muitas vezes resida na sede do município, como será con-
siderado em capítulos seguintes. Os que se fixaram de forma definitiva neste
espaço físico e social dedicaram-se a atividades comerciais e à prestação de
algumas modalidades de serviços.
Guiada por tais referências de espaço e tempo, por algumas indica-
ções quanto à composição social da população municipal ou de municí-
pios do entorno, doravante levo em conta dados quantitativos elaborados
no próprio processo de pesquisa aqui textualizada. Em sendo a década de
200 Delma Pessanha Neves

1970 tomada como referência de datação para as transformações ocorri-


das pelo enraizamento de migrantes, especialmente nordestinos que se
dedicaram à atividade agrícola no município de Santarém, todos assumem
a migração como fenômeno altamente coletivo. Em termos de registros ofi-
ciais, pode-se alcançar certo reconhecimento dessas transformações em
curso, como tentei demonstrar, pela ampliação e diversificação da pauta de
produtos computados pela destinação mercantil. Os tradicionais agriculto-
res do município (habitantes dos sítios) acrescentam ainda outros fatores,
decorrentes do uso de motores nas embarcações, graças aos quais os pro-
dutos locais puderam, sob um pouco mais de facilidade, alcançar outras
praças de mercado.

Alternativas econômicas contextuais: registro de vida


intergeracional
Delineio a seguir as atividades produtivas citadas em entrevistas
com moradores de Santarém, isto é, aquelas atividades que se referem ao
conhecimento que interlocutores acumularam na vivência e na construção
de processos de instalação no município, seja como população já instala-
da, seja como integrante por deslocamentos residenciais. Em quaisquer
dos casos, estão citadas atividades pelas quais os interlocutores vieram a
construir o estoque de conhecimentos e práticas de trabalho, pelas quais
passaram a se definir em termos ocupacionais. A citação de mais de uma
ocupação geralmente aparece como sucessão de vínculos e menos como
dupla atividade.
Na faixa etária anterior (mais de 70 anos e considerada no capítulo 3),
a maioria dos homens se dedicava à atividade agrícola. E se mudanças ocorre-
ram, elas diziam respeito ao local de apropriação do lote, diante do significati-
vo processo de migração ocorrido para a região e das alternativas renovadas
de apropriação comunal e familiar de áreas mais adequadas à reprodução e
ao projeto familiares. No contexto que defini para análise neste capítulo 3, as
atividades ocupacionais vão se diversificando, em grande parte por corres-
pondência ao adensamento de atividades produtivas e de população, dada a
centralidade delas na sede do município.
Por coerência lógica com a temporalidade valorizada para a constru-
ção de dados estatísticos, base da análise até aqui empreendida e baliza fun-
damental para delinear contextos, tomarei em consideração os atributos re-
ferenciados a pessoas citadas como integrantes da faixa etária entre 30 e 69
anos (relativamente aos dados do questionário). Essa foi a escala de tempo
em que viveram ou vivem como trabalhador economicamente ativo, aproxi-
madamente em torno de 1950 a 1980-1990.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 201

O número de informações integradas a essa alargada faixa etária não se


amplia apenas porque a escala foi assim prevista. Como já esclareci, o ques-
tionário foi aplicado orientando a obtenção de informações pela composição
de famílias de origem ou consanguíneas e famílias conjugais, constituídas
por relações de aliança ou afinidade, ou seja, seguindo a lógica linear das
gerações sucessivas. Ao dirigirmos perguntas sobre os pais do entrevistado
e, se fosse o caso, também do seu cônjuge, alcançávamos sempre a máxima
referência possível de indivíduos, incorporando irmãos ou tios, a depender
da idade do entrevistado. Por isso, na escala de idade referida, em tese po-
dem-se computar irmãos dos cônjuges ou tios do entrevistado solteiro; mas
também, por outra perspectiva, filhos e netos. Por exemplo: tendo em vista
o padrão de reprodução do ciclo biológico das famílias, que prescreve casa-
mentos entre jovens de 17 a 23 anos do sexo masculino e 14 ou 15 anos até
21 ou 22 para as moças, se o(a) entrevistado(a) tivesse atingido idade apro-
ximada de 50 anos, o questionário era preenchido na profundidade de três
ou até quatro gerações, possivelmente incluindo bisnetos.
Pelo grande volume de informações e da coerência com princípios
analíticos de processos sociais anteriormente considerados, vou subdividir
a apresentação dos dados quanto ao local de nascimento dos indivíduos cita-
dos entre os que são naturais do estado do Pará e os que contam com outra
identificação de naturalidade.
202
quadro 41. Local de nascimento de indivíduos referidos no levantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, incidente sobre municípios
do estado do Pará
Faixa etária
Sem Informação
Total 30 a 39 40 a 49 50 a 59 60 a 69
M* F** M F M F M F M F
Municípios V*** F V F**** V F V F V F V F V F V F V F V F
Alenquer 138 3 1 1 - 15 - 12 - 5 10 8 9 20 4 11 5 9 16 6 3
Almerin 3 2 - - - - - 1 - - - - - - - - - - - - -
Altamira 22 - - - 1 7 - 2 - 1 - 2 - 4 1 2 - 2 - -
Aveiro 48 6 - 1 - 2 3 - - 4 2 4 - 5 8 3 4 1 4 - 1
Baião 2 - - - - 1 - 1 - - - - - - - - - - - - -
Belém 43 3 1 1 1 4 - - - 7 2 4 - 9 1 5 - - 3 1 1
Belterra 38 6 - 8 - 4 - 6 - 2 - 4 - 2 3 1 2 - - - -
Boim 13 - - - - 2 - 1 - - - 3 - 2 - 2 3 - - - -
Brasília Legal 5 - - - - - - 2 - - - - - 1 1 - 1 - - -
Breves 19 1 1 - - 2 - - - 4 - 1 - 8 1 1 - - - -
Cametá 7 1 - - - 1 - 1 - 4 - - - - - - - - - -
Capanema 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 -
Caraná 1 - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - -
Curuá 5 - - - - - - - - - - - - - - - - 5 - - -
Gurupá 7 - - - - 2 - - - 3 - - - 1 - 1 - - - - -
Igarapé Açu 3 - - - - - - - - 1 - 2 - - - - - - - - -
Itaituba 51 8 - 7 - 3 1 4 - 4 1 2 1 8 5 3 2 - 2 - -
Jacareanga 18 1 4 1 3 6 - - - - - - - - 1 - 1 - 1 - -
Juruti 32 1 - 3 - 8 - 2 - 4 1 4 2 1 3 1 2 - - - -
Jutaí 1 - 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Mojuí dos Campos 34 3 4 - 6 - 8 - 7 - 6 - - - - - - - - -
Monte Alegre 38 2 - 2 - 6 - 4 - 1 - 2 - 6 1 6 1 - 3 3 1
Óbidos 122 13 - 14 - 17 4 18 - 15 3 12 4 7 3 6 3 - 2 1 -
Oriximiná 24 3 - 3 - 6 - 1 - 4 - 2 - 3 - 2 - - - - -
Prainha 46 2 3 7 - 3 1 3 - 4 - 7 1 6 1 5 1 - 2 - -
Rurópolis 4 1 - 3 - - - - - - - - - - - - - - - - -
Santarem 2777 347 14 291 4 394 26 288 8 290 33 299 6 386 55 131 15 67 66 38 19
Tapajós 2 - - - - - - - - - - - - - - - - - 2 - -

Total 3.513 404 25 346 9 490 36 354 8 361 55 362 23 470 88 182 40 84 102 49 25
Tucuruí 9 1 - - - 1 1 - - - 3 - - 1 - 2 - - - - -

*
Delma Pessanha Neves

M = masculino; F** = feminino; *** V = vivo; F**** = falecido.


Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 203

Do total dos indivíduos (3.513) naturais do estado do Pará e na faixa


etária identificada, 1.809 homens estavam vivos por ocasião do levantamen-
to e 306 se encontravam falecidos. Quanto às mulheres, 1.293 estavam vivas
e 105 falecidas. Os municípios situados na classificada região do Oeste do
Pará, especialmente os de Alenquer e Óbidos, apresentaram maior índice de
deslocamento da população para Santarém. Este processo é ainda bastante
recorrente, indicando o quanto tais municípios conformam um mesmo ter-
ritório de vivência e de oportunidades de vida, capitaneados pelo de San-
tarém. A rigor, o termo migração interna implica a utilização de termos de
sentidos talvez altamente estranhos pelos que aí se deslocam. A área confor-
ma de fato um mesmo território de vivência e de uso de recursos familiares,
coletivos e públicos. Basta se pensar no fluxo de inúmeras embarcações que
diariamente deslocam passageiros desses municípios para se pensar quanto
essa territorialidade é bem mais ampla, abarcando os municípios em pauta.
As aproximações tendem cada vez mais a se ampliar. Por exemplo: a Univer-
sidade Federal do Oeste do Pará consolida essa dinâmica ao definir seu pro-
jeto de instalação com espacialização multicampi. Nessa perspectiva, outros
municípios estão sendo articulados como Monte Alegre, Itaituba, Juruti etc.
Comparativamente, a seguir apresento os atributos sociais correspon-
dentes à naturalidade dos demais indivíduos que, nessa faixa etária, foram
referenciados no levantamento. Por esse conjunto de informações, construí-
das segundo os casos abrangidos neste protocolo de pesquisa, posso elaborar
outras perspectivas de compreensão dos fluxos migratórios, considerando
então os estados de origem dos brasileiros que promoveram o deslocamento
para o oeste do Pará, especificamente para Santarém.
204
quadro 42 . Local de nascimento de indivíduos citados no levantamento na faixa etária de 30 a 69 anos, incidente sobre municípios

Faixa Etária
fora do estado do Pará

30-39 40-49 50-59 60-69


S/ INF.

Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Macapá 15 2 - 3 - 3 - - - - - 1 - - - 1 - - - - -

Amapá
Subtotal 16 2 - 3 - 3 - - - - - 2 - 5 - 1 - - - - -
Santana 1 - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - -

Manaus 28 5 - 5 - 4 - 6 - 3 - 5 - - - - - - - - -
Piracuara 5 - - - - 1 - - - - - - - 3 - 1 - - - - -

Amazonas
Subtotal 34 5 - 5 - 5 - 6 - 3 - 5 - 3 - 1 - - 1 - -
Urucurituba 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 - -

Bahia
Subtotal 4 - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - 2 - -
S/ informação 4 - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - 2 - -

Canindé 1 - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - -
Flecheirinha 71 2 - 1 - 7 - 5 - 14 3 6 - 18 4 7 2 - 2 - -
Icapuí 5 - - - - 1 - - - 2 - 2 - - - - - - - - -
Morada Nova 3 - - - - 1 - 1 - - - - - 1 - - - - - - -

Ceará
Semoaba 1 - - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - -
Sobral 2 - - - - - - - - - - - - 2 - - - - - - -
Tiangua 24 - - - 1 2 1 2 - 1 - 6 - 3 2 3 1 - 2 - -
Trairi 10 - - - - - - - - 5 - 5 - - - - - - - - -

Subtotal 201 4 4 6 1 12 2 11 1 25 8 27 - 32 10 13 4 12 25 2 2
Delma Pessanha Neves

S/ informação 84 2 4 5 - 1 1 3 1 3 5 7 - 8 3 3 1 12 21 2 2
Faixa Etária
30-39 40-49 50-59 60-69
S/ INF.

Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Montanha 2 - - - - - - - - 2 - - - - - - - - - - -

Santo
Espírito
Nova Venecia 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - -

Subtotal 12 - - - - - - 1 - 6 - 1 - 3 1 - - - - - -
Vitória 9 - - - - - - 1 - 4 - 1 - 2 1 - - - - - -

Goiás
Cristalina 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - -

Subtotal 5 - - - - 4 - - - - - - - 1 - - - - - - -
S/ informação 4 - - - - 4 - - - - - - - - - - - - - - -

Arame 11 1 - - - - 1 - - 3 1 - - 1 - - - 1 1 1 1
Bacabal 2 1 - 1 - - - - - - - - - - - - - - - - -
Caxias 7 1 - 1 - - - - - - - 2 - 2 - - - 1 - - -
Codo 8 - - - - - - - - 1 1 - 2 - - - - 3 - 1 -
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato

Coroata 2 - - - - - - - - 1 - 1 - - - - - - - - -
Davinópolis 1 - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - -
Icatu 5 - 3 - - - - - - - 1 1 - - - - - - - - -
Imperatriz 18 3 - 1 - 3 - 2 - - - 3 - 3 - 1 - 1 - 1 -

-
Lage 5 - - - - - - - - - - - - - - - - - 3 - 2
Lago da pedra 2 2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Pedreira 8 - - - - 1 - - - 1 3 1 2 - - - - - - - -
Pindaré 3 - - - - 1 1 - - 1 - - - - - - - - - - -
Pinheiro 8 - - - - 1 - 1 - - - - - 2 2 - 2 - - - -
Santa Inês 12 1 - 3 - - - - - 2 - 1 - - - 1 - - 3 - 1
Santo Antonio 1 - - 1 - - - - - - - - - - - - - - - - -
São Luis 34 8 - 2 - 6 - - - - - 2 - 6 1 2 - - 3 - 4
Zé doca 21 2 - 2 - 3 - 2 3 - - 1 - 2 - 1 - 3 - 2 -

Subtotal 284 23 6 20 2 37 5 18 3 25 7 27 4 32 10 10 4 15 15 13 8
205

S/ informação 136 4 3 9 2 22 3 13 - 16 - 15 - 16 7 5 2 6 5 8 -
Faixa Etária
206

30-39 40-49 50-59 60-69


S/ INF.

Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Corumbá 3 - - - - - - - - 1 - 2 - - - - - - - - -

Santa Cruz 5 - - - - - - - - - - - - - - - - - 4 - 1

Mato Grosso
Subtotal 10 - - - - 2 - - - 1 - 2 - - - - - - 4 - 1
S/ informação 2 - - - - 2 - - - - - - - - - - - - - - -

Catulé do Rocha 4 - - - - - - - - 1 - - - 1 2 - - - - - -

Paraíba
Subtotal 5 - - - - - - - - 1 - - - 2 2 - - - - - -
S/ informação 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - -

Catanduvas 2 - - - - - - - - 1 - 1 - - - - - - - - -

Maripá 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1

Paraná
Pato branco 17 - - - - - - 1 - 1 1 3 - - - - - 1 6 3 1

Subtotal 25 1 - 2 - 1 - 2 - 2 1 4 - - - - - 1 6 3 2
Rondon 5 1 - 2 - 1 - 1 - - - - - - - - - - - - -

Flores 2 - - - - - - - - - - - - 2 - - - - - - -

Subtotal 5 - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - -
S/ informação 3 - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - - - -

Pernambuco
Mossoró 1 - - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - -

do Norte
Rio Grande
Subtotal 3 - - - - - - - - 2 - - - - 1 - - - - - -
S/ informação 2 - - - - - - - - 2 - - - - - - - - - - -
Delma Pessanha Neves
Faixa Etária
30-39 40-49 50-59 60-69
S/ INF.

Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Alecrim 12 - - - - 1 - - - 3 2 - - - 3 - 3 - - - -
Campina das
2 - - - - - - - - - - - - - 1 - - - 1 - -
Missões

-
Caraá 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 -
Cerro Largo 2 - - - - - 2 - - - - - - - - - - - - - -
Santo Cristo 16 - - - - - - 2 - 3 - 3 - 1 - 3 - 1 2 1 -
São Miguel 5 - - - - 1 - 3 - 1 - - - - - - - - - - -

Subtotal 40 - - - - 2 2 5 - 7 3 3 - 1 5 3 3 1 3 2 -
S/ informação 2 - - - - - - - - - 1 - - - 1 - - - - - -

Ji-Paraná 2 2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato

Subtotal 3 2 - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - -
S/ informação 1 - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - -

Subtotal 2 - - - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - -
S/ informação 2 - - - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - -

Roraima Rondônia
Santa
Cunhaporã 2 - - - - 2 - - - - - - - - - - - - - - -

Subtotal 6 1 - - - 2 - - - - - - - - 1 - - - 2 - -
S/ informação 4 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - 2 - -

São
Paulo Catarina
Subtotal 1 - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - - -
Campinas 1 - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - - -

S/ informação 91 - - - - 2 - - - - - - - 17 15 - - 28 16 9 4
Total 747 38 10 36 3 71 9 43 4 73 19 73 4 101 47 29 11 57 74 28 17
207

Observação: H – homem; M – mulher; V – vivo; F - falecido; S/ inf. Parcial, mas com informação sobre o local de residência; e S/ informação parcial referente à loca-
lização, mas assegurando dados sobre a faixa etária.
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
208
Como venho destacando, o município de Santarém não corresponde a um paradeiro final de indivíduos e famílias
que se dispuseram a migrar da terra natal. Muitas vezes eles integram outros modos de dispersão, em boa parte dos ca-
sos a partir dos filhos. Para demonstrar este aspecto do processo migratório e os múltiplos sentidos atribuídos à fixação
permanente ou temporária no município de Santarém, volto a considerar esses mesmos indivíduos quanto à residência
no momento da entrevista.
quadro 43. Local de residência dos indivíduos citados no levantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos
Faixa Etária
Municípios 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 -69
Estados Total
M F M F M F M F
V F V F V F V F V F V F V F V F
Alenquer 75 2 1 5 12 - 1 1 14 2 12 2 16 2 3 2
Altamira 29 - 1 1 13 - 1 1 - 1 2 1 2 3 2 1
Ananindeua 6 - - - - - - - - - - 1 1 1 - 3
Aveiro 41 1 1 5 - 11 - - 1 11 2 2 - 1 2 3 1
Belém 56 1 - 5 - 12 - 3 1 - - 11 1 4 6 7 5
Belterra 98 10 1 13 - 28 1 1 1 14 2 14 2 1 3 4 3
Boim 27 1 - 8 - - - - 11 - 2 - 2 1 2
Bragança 1 - - - - - 1 - - - - - - - - -
Breves 14 - 1 - - - - - - 11 - - - - 2 -
Castanhal 3 - - - - - - - - 2 - 1 - - - -
Gurupá 5 - - - - - - - - - 3 - - 1 - 1
Itaituba 67 8 1 13 - 21 - 4 - 5 - 3 - 5 3 4
Jacareangá 15 2 1 8 - 2 - - - - 1 - - - 1 -
Jari 3 2 - - - - - - - - - - - - - 1
Pará
Juruti 45 5 - 10 - 14 - 1 - 1 1 1 - 1 9 2
Marabá 4 - - - - 3 - - - - - - - - 1
Mojuí dos Campos 50 4 1 5 - 14 - 5 - 1 - 11 1 2 5 1
Monte Alegre 19 - 1 3 - 3 - 3 - 1 - 1 - 2 1 4
Novo Progresso 20 - - 2 - 11 - 3 4 - - - - - -
Óbidos 77 1 - 8 - 13 1 7 - 19 - 15 - 4 5 3 1
Oriximiná 53 - 1 10 - 13 - 2 - 14 3 5 1 1 1 1 1
Prainha 16 - - - - - - - - 1 - 3 1 3 - 6 2
Rurópolis 12 - 1 3 - - - 3 - 1 - - 1 1 1 1
Salvaterra 3 - - - - 3 - - - - - - - - - -
Santarém 2.983 332 8 246 5 348 13 331 - 325 36 344 5 503 118 336 33
Delma Pessanha Neves

Total 3.741 369 19 345 5 534 16 367 5 435 52 429 16 550 163 387 49
Tucuruí 15 - - - - 10 - 2 - - 1 - - - - 2 -
Uruará 4 - - - - 3 - - - - - 1 - - - - -
Faixa Etária
Municípios 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 -69
Estados Total
M F M F M F M F
V F V F V F V F V F V F V F V F
Macapá 41 9 2 3 1 9 1 3 - 2 3 - 2 2 2 1 1

Subtotal 43 10 2 3 1 9 1 4 2 3 2 2 2 1
Amapá Santana 2 1 - - - - - 1 - - - - - - - -
1
Apuí 3 - - - 2 - - - - 1 - - - - - -
Manaus 73 18 3 - 2 - 16 - 1 - 5 5 1 4 7 5 6

Subtotal 86 3 2 16 1 6 1 9 6 6
Amazonas
Parintins 10 2 - - - 4 - - - - - - 1 2 1 -
20 6 5 5
Itabuna 1 - - - - - - - - - - - - - 1 - -

Subtotal 2 - - 1 - - - - - - - - - - 1 -
Bahia Salvador 1 1
-
Feijó 11 - - - - 2 - - - - - 1 1 1 2 1 3
Fortaleza 19 - - - - 5 - 3 - 1 - - 1 3 1 5

Subtotal 46 - - - - 10 1 3 - - 4 1 1 3 8 3 12
Ceará
Icapuí 16 - - - 3 1 - - - 3 - - 1 3 1 4
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato

Brasília 5 1 - - - 1 - - - - - - - - - 3

Subtotal 13 1 1 1 - - - - - 3 7
D. Federal Cristalina 8 - - - - - - 1 - - - - - - 3 4

Goiânia 3 - - - - 1 - - 1 - 1 - - - -

Subtotal 4 - 1 - 1 2
Goiás Santa Luzia 1 - - - - - - - - - - - 1 - - - -
- - - - - - - - -
Caldeirão 7 - - - - - 2 1 - - - - 1 - 1 2
Caxias 3 - - - - - - 1 - 1 - - - - - 1
Cocal 11 - - - - - 5 1 - - - - - 5 - -
Imperatriz 12 2 - - - 2 2 - - - - 1 - 4 - 1
Nova Conquista 9 - - - 4 - 3 - - - - 1 - 1 - -
Maranhão Pio XII 3 - - - - - - 1 - - - - 1 - 1 - -
Piripiri 4 - - - - - - 1 - - - - 1 1 1 -
São Luiz 9 - 1 - 1 3 - 1 1 - 1 - - - 1 - -
Ze Doca 30 2 1 - 1 2 6 2 1 - 2 - 2 5 3 3 -

Subtotal 91 4 2 - 2 9 8 17 5 - 4 - 5 7 16 8 4
209

S/ informação 3 3
210
Faixa Etária
Municípios 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 -69
Estados Total
M F M F M F M F
V F V F V F V F V F V F V F V F
Cuiabá 2 - - - - 1 1 - - - - - - - - -

Subtotal 12 2 - - - 3 1 3 1 1 1
Mato Grosso Rondonópolis 10 2 - - - 2 - 3 - - - - 1 1 1

Campo Grande 7 - - - 1 1 - 2 - 1 - - - 2 -

Mato Grosso Corumbá 1 - - - - - - - - 1 - - - - - -


Sul

Subtotal 12 - - - 1 1 - 2 2 2 - - - 4 -
Parnaíba 4 - - - - - - - - 1 1 - - - 2 -

Maringá 25 3 - - - 3 - 5 - - - - 2 3 5 2 2

Subtotal 42 3 - - - 3 5 - - - - 2 3 22 2
Paraná S/ informação 17 - - - - - - - - - - - - 17 -
2
Rio de Janeiro 9 1 - - - 3 - 4 - - - - - - 1 -

Subtotal 15 1 - - - 3 7 - - - - 1 - 3 -
R. Janeiro S/ informação 6 - - - - - - 3 - - - - 1 - 2 -

Subtotal 17 3 1 - 1 4 2 - - - 2 - - - 1 -
Porto Velho 17 3 1 - 1 4 2 - - - 2 - - - 1 - 3
Rondônia
3
Boa Vista 10 2 - 1 3 1 2 - - - 1 - - -

Subtotal 18 2 - - 1 3 1 5 1 2 3
Roraima S/ informação 8 - - - - 3 - 1 - 1 3 -

Total 4260 404 25 346 12 561 45 397 12 434 74 435 27 571 230 412 80
Sem informação 147
Delma Pessanha Neves

Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.


Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 211

Retomando as considerações já apresentadas nos quadros 41 a 44, dos


4.260 indivíduos computados a partir da referência no questionário, 3.741
eram de naturalidade paraense, sendo 2.983 santarenos. Os indivíduos que
se deslocaram de outros estados, após nascimento, computavam 747, a gran-
de parte advinda dos estados de Ceará (202) e Maranhão (282). Registra-se
o início da chegada de migrantes do Paraná (27) e Rio Grande do Sul (40),
todavia lembrando ao leitor que a referência diz respeito, por vezes, aos avós
e que começaram a se deslocar de maneira mais relevante a partir da década
de 1970.

quadro 44. Local de nascimento e de residência de indivíduos referidos no


levantamento na faixa etária de 30 a 69 anos

Estados Local de nascimento Local de residência


Amapá 16 43
Amazonas 34 86
Bahia 4 2
Ceará 202 46
Distrito Federal - 13
Espírito Santo 12 -
Goiás 5 4
Maranhão 282 91
Mato Grosso 10 12
Mato Grosso do Sul - 12
Pará 3.513 3.741
Paraíba 5 -
Paraná 27 42
Pernambuco 5 -
Rio de Janeiro - 15
Rio Grande do Norte 3 -
Rio Grande do Sul 40 -
Rondônia 3 17
Roraima 2 18
Santa Catarina 6
São Paulo 1
Sub total 4.170 4.142
Sem informação 90 118
Total indivíduos 4.260 4.260
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
212 Delma Pessanha Neves

A leitura do quadro 44 indica as opções por fixação no município de


Santarém e certa continuidade do fluxo de migração, alternativa melhor co-
locada em prática pela circulação nos estados da região Norte. Os desloca-
mentos são pouco significativos para as demais regiões. No caso da região
Sul, eu relembro, como o levantamento abarcou, no mínimo, três gerações
por família entrevistada, muitas das indicações de residência não significam
deslocamento, mas permanência de avós ou tios nos estados de origem ou
adjacências daquele(s) que migrou(aram).
Tanto a população originária de Santarém como a dos demais municí-
pios dão prosseguimento ao deslocamento de parte dos membros da família,
como demonstrado no quadro anterior. Como poderá ser constatado pela
leitura dos trechos de entrevista, há um contínuo fluxo de vivência, produção
e apropriação de recursos básicos para a reprodução social que incorpora
território bem mais vasto: ora integrando municípios que foram criados em
decorrência da construção da Transamazônica, ora municípios do oeste do
Pará, especialmente os que hoje sediam atividades mineradoras e para os
estados da região Norte do país, enfaticamente Manaus e Macapá, cidades
que, pelo julgamento dos entrevistados, vêm oferecendo alternativas melhor
avaliadas do ponto de vista das estruturas ocupacionais.
Por fim, valendo-me dos dados obtidos neste mesmo levantamento,
sistematizo as ocupações ou percursos ocupacionais informados. No quadro,
os percursos são indicados pela seta. Relembro que já destaquei: o uso do
termo não corresponde fielmente a seu comumente reconhecido sentido,
posto que em geral os entrevistados ressaltaram aquelas ocupações que con-
sideraram melhor adequadas e valoradas ao formularem a resposta.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 213

quadro 45. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos aos setores agrícola, agropecuário
e extrativista

Ocupações Faixa etária


e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Agricultor(a) 326 178 148 10 8 26 18 54 57 88 65
àAjudante
1 1 1
pedreiro
àCabeleireira 1 1 1
àCarroceiro 2 2 1 1
àCarvoeira 1 1 1
Comerciante 6 5 1 1 1 4
àCopeira
àAuxiliar de 1 1 1
enfermagem
àCostureira 2 2 1 1
àCozinheira 1 1 1
àFuncionário
público 1 1 1
municipal
Agricultor(a)

àMototaxista 1 1 1
àPedreiro 2 2 1 1
àPescador
àCarpinteiro
1 1 1
àAjudante de
pedreiro
àPescador(a) 153 129 24 22 7 8 8 39 3 60 6
àRevendedor
1 1 1
de remédio
àRevendedora
1 1 1
Avon
àServente 3 3 1 2
àSoldado da
1 1 1
borracha
àTaxista 1 1 1
àVigilante 1 1 1
àZeladora 1 1 1
Subtotal 508 322 186 32 17 39 29 95 66 158 72
214 Delma Pessanha Neves

Ocupações Faixa etária


e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Atividades extrativistas
= Carvoeira 1 0 1 1 0
Carvoeiro(a)

àAgricultora 1 1 1
à Carroceiro
1 1 1
à Agricultor
=Garimpeiro(a) 13 10 3 1 2 1 3 1 5
à Açougueiro 1 1 1 0
à Agricultor 1 1 1 0
à Cobrador de
1 1 1 0
ônibus
Garimpeiro

à Fazendeiro 1 1 1 0
à Pedreiro 1 1 1
à Pescador
à Ourives
1 1 1 0
à Operador de
usina
à Vendedor de
1 1 1 1 0
açaí
à Vigia 2 2 1 0 1
Minerador(a) Madeireiro

= Madeireiro 2 2 1 0
à Cabeleireiro
1 1 1 0
à Agricultor

= Minerador
2 2 1 0 1 0
(a)

= Pescador(a) 32 21 11 0 5 3 10 5 6 3
à Agricultor(a) 3 2 1 1 2 0
Pescador(a)

à Agricultor
4 4 1 0
à Comerciante
à Artesã
(tecelã de 2 1 1 1
rede)
Quebradeira de
castanha

àDoméstica
1 1 1
à Costureira
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 215

Ocupações Faixa etária


e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
(extrativista de látex)

1 1 1
Seringueiro

Sub-
73 54 19 1 2 11 5 23 8 15 4
total

Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

quadro 46. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao Setor de artesanato e costura

Ocupações Faixa etária


e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
bordadeira

= Bordadeira 3 0 3 1 1 1

àArtesã (tecelã
1 0 1 1
de rede)
= Costureira 21 0 21 6 8 7
àComerciante
1 0 1 1
de boutique
àDoceira 1 0 1 1
Manicure 1 0 1 1
Parteira 1 0 1 1
àProfessora
Costureira

de reforço 1 0 1 1
(autônoma)
àProprietária de
1 0 1 1
ateliê de costura
àRevendedora
1 0 1 1
de Natura
àVendedora de
1 0 1 1
hortaliças
= Ourives 3 3 1 2
Subtotal 36 3 33 1 2 2 8 0 11 0 12
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
216 Delma Pessanha Neves

quadro 47. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao Setor de beneficiamento de
produtos ou de transformação

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Empresário(a) 14 7 7 2 3 3 2 1 2 1
Empresário
àAdvogado 1 1 0 1

Operário(a)s = Operário(a)s
8 5 3 1 2 2 3
industrial(is) industrial(is)

Subtotal 23 13 10 2 4 6 4 4 2 1 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

quadro 48. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao Setor profissionais autônomos
e prestadores de serviços técnicos

Ocupações Faixa etária


e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Ajudante de

àPedreiro
Mecânico

à Operário
1 1 1
fábrica de
biscoito
Ferreiro Eletricista Borracheiro Barman Barbeiro

3 3 1 2

1 1 1

à Mecânico à
Marceneiro à 1 1 1
Construtor civil

= Eletricista 10 7 3 2 3 2 2 1

= Ferreiro 1 1 1
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 217

Ocupações Faixa etária


e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Garçom Fotógrafa

à Vendedora
1 1 1
à Empresária

= Garçom 2 1 1 1 1
turístico
Guia

= Guia turístico 1 1 1

= Mecânico 7 7 2 3 2
Mecânico
de auto

àCarpinteiro
1 1 1
à Açougueiro
àGarimpeiro 1 1 1

= Mecânico de
Mecânico
de motos

1 1 1
motos

à Eletricista 1 1 1
de móveis
Montador

à Pedreiro 1 1 1
de bomba
Operador

= Operador de
1 1 1
bomba
de máquina
Operador

= Operador de
4 4 1 2 1
máquina
Radialista Porteiro(a) Padeiro

= Padeiro 1 1 1
àComerciante 1 1 1

= Porteiro(a) 1 1 1

à Parteira 1 1 1

= Radialista 1 1 1
218 Delma Pessanha Neves

Ocupações Faixa etária


e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Soldador

= Soldador 2 2 1 1
de futebol
Técnico

= Técnico de
1 1 1
futebol
mecânico
Torneiro

= Torneiro
1 1 1
mecânico

Subtotal 47 37 10 8 1 16 4 11 2 2 3
Profissionais autônomos prestadores de serviços técnicos
segurança do manutenção de
computadores
Técnico de

= Técnico de
manutenção de 7 7 0 5 2
computadores
Técnico de

trabalho

= Técnico de
segurança do 1 1 0 1
trabalho
Técnico em
eletrodomésticos edificações

= Técnico em
1 1 0 1
edificações
Técnico em

= Técnico em
4 4 0 2 2
eletrodomésticos
Técnico em
montagem

= Técnico em
de DVD

montagem de 2 2 0 2
DVD

Subtotal 15 15 0 7 0 5 0 3 0 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 219

quadro 49. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao Setor de construção civil

Faixa etária
Ocupações
e percursos Total Masc Fem
30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
de pintor
Ajudante

= Ajudante de
1 1 1
pintor

= Carpinteiro 5 5 1 2 1 1
à Eletricista 2 2 1 1
Carpinteiro

à Pedreiro 1 1 1
à Pescador à
Construtor civil 1 1 1
à Comerciante
Construtor

= Construtor
civil

4 4 1 1 2
civil
Marceneiro

= Marceneiro 1 1 1
Mestre de obras

= Mestre de
4 4 2 2
obras

à Pastor 1 1 1
Pedreiro

= Pedreiro 18 18 5 7 3 3
à Mestre de obras

à Mestre de
3 3 1 1 1
obras
220 Delma Pessanha Neves

à Carpinteiro
à Jardineiro 1 1 1
de Prefeitura
à Carpinteiro
à Vendedor
1 1 1
de lanche à
Pescador
à Pintor à
Pedreiro

1 1 1
Pescador
à Serviços
1 1 1
gerais
à Operário
de fábrica de
laticínios à
1 1 1
Microempresa
- Fornecedor
de pescado
= Pintor 1 1 1
Pintor

à Motorista 1 1 1
Proprietário
de olaria

= Proprietário
2 2 1 1
de olaria

= Serralheiro 1 1 1
Serralheiro

à Agricultor 1 1 1
à Mestre de
1 1 1
obras
(ajudante) à

à Açougueiro
Serraria

à Ajudante
1 1 1
de pedreiro à
Gari
Servente

= Servente 4 1 3 1 1 1 1

= Serviços
4 1 3 1 1 1 1
Serviços gerais

gerais
à Enfermeira
de bordo da 1 1 1
Marinha
à Pedreiro 1 1 1
Sub-
64 57 7 7 3 18 2 21 2 11 0
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 221

quadro 50. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento, na


faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao Setor beneficiamento de produtos
ou de transformação

Faixa etária
Ocupações
e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Empresário(a)
àAdvogado 1 1 0 1
= Operário(a)s
8 5 3 1 2 2 3
industrial(is)
23 13 10 2 4 6 4 4 2 1 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

quadro 51. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor de comércio

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Açougueiro 5 5 0 2 2 1
Açougueiro

à Comandante de
barco à Taxista à 1 1 0 1
Comerciante
à Garimpeiro 1 1 0 1
jogo de bicho imobiliário

àVendedora 1 0 1 1
Apontador de Agente

àConstrutor civil 1 1 0 1

= Apontador de jogo
1 1 0 1 0
de bicho
Borracheiro

= Borracheiro 6 6 0 2 1 3
Caixeiro
viajante

= Caixeiro viajante 9 9 0 5 3 1
222 Delma Pessanha Neves

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Camareira

= Camareira 2 0 2 2

= Comerciante 85 42 43 12 11 13 14 9 15 8 3
àAgricultor 8 5 3 1 1 3 2 1
àBordadeira 2 0 2 1 1
àLojas bazares 12 12 0 4 5 3
àLojas confecções 28 14 14 2 2 5 6 4 4 3 2
Proprietário de estabelecimentos

àMototaxista 1 1 0 1
àProprietário de
1 1 0 1
recreio
Comerciante

àRede de hotéis 1 1 0 1
àRevendedor de
1 1 0 1
peixe
àTransportadora 4 4 0 2 2
àVendedora de açaí
1 0 1 1
e yogurt

àVigia de escola à
Vendedor autônomo
1 1 0 1 0
à Funcionário
público
Comerciário

Balconista 48 14 34 8 14 3 9 2 10 1 1
(a)

Caixa 10 3 7 1 3 1 2 1 2

= Feirante 21 9 12 3 2 4 6 2 4
Feirante

à Carpinteiro 1 1 0 1
à Comerciante
1 0 1 1
lanchonete
=Frentista 9 9 0 5 3 1
Garçonete Frentista

àMototaxista
1 1 0 1
àProfessor

= Garçonete 7 0 7 5 2
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 223

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Gerente

= Gerente 21 17 4 8 3 4 1 5
Representante

=Representante
9 9 0 5 3 1
comercial

comercial

àProprietário de
1 1 1
hortifruti
Vendedora

= Comerciária 12 0 12 4 3 5

= Supervisor de
2 2 0 2
Supervisor de

vendas
vendas

àMotorista 1 1 0 1
àComércio de
2 1 1 1 1
quentinha
Ambulante 7 3 4 3 2 2
Vendedor(a) Autônomo(a)

Vendedor(a)
80 27 53 17 8 19 12 12 7 5
autônomo(a)
àProprietária de
2 0 2 2
salão de estética
àCostureira
1 0 1 1
àServente
àDiarista 3 0 3 2 1
àGerente de loja 1 0 1 1
= Crediarista 4 4 0 2 2
Vendedor
volante

àFotógrafo 1 1 0 1
àMototaxista 2 2 0 1 1
Sub-
419 211 208 54 68 73 64 58 59 26 17
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
224 Delma Pessanha Neves

quadro 52. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao Setor de transporte

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Atividades no Setor de Transporte
Abastecedor
de aviões

= Abastecedor de
1 1 0 1
aviões
Caminhoneiro

= Caminhoneiro 6 6 0 1 3 1 1

= Carregador 24 24 0 12 5 5 2
àCarpinteiro 1 1 0 1
Carregador

àGarimpeiro 1 1 0 1
àLavador de carro 1 1 0 1
àMotorista à
Lavador de carro à 1 1 0 1
Garimpeiro
Carreteiro

= Carreteiro 1
embarcação de ônibus
Construtor Comandantede Cobrador

= Cobrador de
8 8 0 5 2 1
ônibus

= Comandante de
3 3 0 1 2
embarcação
naval

=Construtor naval 1 1 0 1
Entregador

= Entregador 14 14 0 11 1 1 1

à Bilheteiro de
4 4 0 3 1
cinema
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 225

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Funcionário
Marítimo Marinheiro empresa de
ônibus

= Funcionário
5 5 0 4 1
empresa de ônibus

à Vendedor 1 1 0 1

= Marítimo 9 9 0 5 2 1 1
taxista
Moto-

= Moto-taxista 47 47 0 37 10

= Motorista 41 41 0 28 7 4 2
Motorista

àEntregador de gás 1 1 0 1
à Mecânico 1 1 0 1
Pedreiro à Caseiro 1 1 0 1
Proprietário Proprietário Proprietário Proprietário Proprietário

de ônibus de navegação embarcação

= Proprietário de
5 5 0 1 3 1
embarcação
de

àComerciante 1 1 0 1
de ônibus de empresa de empresa

= Proprietário
de empresa de 2 2 0 1 1
navegação

= Proprietário de
2 2 0 1 1
empresa de ônibus
de passeio

= Proprietário de
1 1 0 1
ônibus de passeio
de micro-
ônibus

= Proprietário de
1 1 0 1
micro-ônibus
226 Delma Pessanha Neves

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Taxista 19 19 0 3 8 5 3
Taxista

à Garimpeiro à
1 1 0 1
Comerciante
Subtotal 204 204 0 110 48 32 14
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

quadro 53. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento, na


faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao Setor de atividades administrativas
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Atividades administrativas em escritórios, secretarias e setor bancário
Agente e auxiliar Administrador

= Administrador
(a)

5 0 5 3 2
(a)

= Agente
administrativo

e auxiliar 16 2 14 9 1 3 1 2
administrativo
à Cabeleireiro 1 1 0 1
à Costureira à
1 0 1 1
Vendedora
Secretária Recepcionista Bancário

= Bancário 3 2 1 1 1 1

= Recepcionista 5 1 4 1 1 2 1

= Secretária 9 0 9 3 2 4
à Gerente de loja
1 0 1 1
à Comerciante
administração
Técnica em

= Técnica em
1 0 1 1
administração
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 227

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Sindicato dos Estivadores
Secretário (1º) do

= Secretário
Sindicato dos 1 1 0 1
Estivadores

Sub-
43 7 36 1 17 3 10 3 9 0 0
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

quadro 54. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor de prestação de serviços

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Prestação de serviços: no Setor Estética e Higiene Pessoal
Cabeleireiro

= Cabeleireiro
(a)

5 1 4 3 1 1
(a)
Cabeleireira

àEsteticista 1 1 1

= Manicure 3 3 2 1
àDoceira 1 1 1
Manicure

à Bordadeira 1 1 1
àCabeleireira 1 1 1
àLavadeira 1 1 1
Subtotal

13 1 12 0 0 0 6 1 2 0 4
228 Delma Pessanha Neves

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Prestação de serviços: no Setor de Saúde
endemia
Agente

= Agente de
1 1 0 1
de

endemia

= Agente de
Agente de saúde

21 9 12 5 1 4 5 4 2
saúde
à Atendente
de farmácia à 1 0 1 1
Comerciante
à Comerciante 1 1 0 1
enfermagem
Auxiliar de

= Auxiliar de
13 5 8 2 1 4 3 2 1
enfermagem
Dentista

= Dentista 2 1 1 1 1

à Professora 1 0 1 1
Farmacêutico

= Farmacêutico
(a)

2 2 0 1 1
(a)
Fisioterapeuta

= Fisioterapeuta 3 0 3 2 1
laboratório clínicas e secretaria
Técnico de administrativos de

= Funcionários
Funcionários

de saúde

administrativos
de clínicas e 12 9 3 3 2 3 1 2 1
secretaria de
saúde

= Técnico de
6 3 3 1 1 2 2
laboratório
à Laminador
1 1 0 1
de serraria
Médico

= Médico 6 5 1 1 1 2 1 1
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 229

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Psicóloga

= Psicóloga 1 0 1 1

= Técnico (a) de
16 5 11 2 4 1 5 1 2 1
Técnico (a) de enfermagem

enfermagem
à Agente
de saúde à
1 1 0 1
Técnico de
laboratório
à Revendedora
autônoma à
Professora 1 0 1 1
municipal à
Secretária
= Técnico(a) de
Técnico(a) de

2 1 1 1 1
farmácia

farmácia

à Marreteiro
1 1 0 1
à Carteiro
biodiagnóstico
Técnica em

= Técnica em
1 1 0 1
biodiagnóstico
Técnico (a) de
laboratório

= Técnico(a) de
2 0 2 1 1
laboratório

Subtotal 95 46 49 12 14 18 22 11 10 5 3
Prestação de serviços no Setor Educacional
Direção
escolar

= Direção
3 3 0 2 1
escolar
Monitora de
creche

= Monitora de
2 0 2 1 1
creche
230 Delma Pessanha Neves

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Professor (a) 153 57 96 17 53 9 16 18 23 13 4
à Comerciante
Professor(a)

à Proprietário 1 1 0 1
de embarcação
à Costureira 1 0 1 1
à Vendedora 1 0 1 1
à Vigia de
2 1 1 1 1
escola
Psicopedagoga

= Psicopedagoga 1 0 1 1
Secretário(a)

= Secretário(a)
3 0 3 2 1
escola
escolar

Atendente de
1 1 0 1
laboratório
Servente

= Servente 2 0 2 1 1
educação
Técnica

= Técnica em
em

1 0 1 1
educação
Zeladora
escolar

= Zeladora
1 0 1 1
escolar
Subtotal

172 63 109 20 58 9 19 20 28 14 4

Prestação de serviços no Setor de Segurança


Recruta à
Operador
Militar Exército

de máquina 1 1 0 1
de asfalto à
Estivador
Recruta à
1 1 0 1
gerente Cargill
Recruta à
1 1 0 1
Carpinteiro
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 231

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
polícia
Perito

= Perito polícia
civil

1 1 0 1
civil
Policial
civil

= Policial civil 2 2 0 1 1

= Policial
8 8 0 2 4 2
militar
Policial militar

à Professor 1 1 0 1
à Vigia 1 1 0 1
à Vigilante à
1 1 0 1
Motorista
Vigilanteà
1 1 0 1
Pescador
Segurança
privada

= Segurança
4 4 0 3 1
privada
Vigia

= Vigia 12 12 0 1 6 3 2

Subtotal 34 34 0 6 0 16 0 10 0 2 0
Prestação de serviços em instituições públicas em geral
Econômica
Defensoria do Brasil
e Caixa
Banco

Administrativo 3 2 1 1 1 1
pública

Administrativo 1 0 1 1
Detran-PA

Administrativo 1 0 1 1
telefônica
Empresa

Administrativo 1 0 1 1

Agente do
IBAMA

IBAMA 1 1 0 1
Comerciante
Fiscal 1 1 0 1
232 Delma Pessanha Neves

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Administrativo 2 1 1 1 1
Ministério
Público

Administrativa
e vendedora de 1 0 1 1
joias
INCRA IBGE

Administrativo 2 2 0 1 1

Administrativo 3 2 1 1 1 1
Ministério
da Justiça

Administrativo 1 1 0 1
Ministério

Trabalho

Administrativo 1 1 0 1
do
Serviço Municipal de Prefeitura Municipal

Administrativo 22 13 9 3 3 4 1 4 3 2 2
de Santarém

Administrativo
1 0 1 1
Professora
Temporário
Caixa de 1 0 1 1
supermercado
Gari 10 6 4 1 3 5 1
Cozinheira 0 0 0
Limpeza- Gari

à Empregada
1 0 1 1
doméstica
à Serviços
gerais à 1 0 1 1
Secretária
Comerciante de
Senai

1 1 0 1
joias
Administrativo 1 1 0 1
Correios
Serviços

Gerente 1 1 0 1
de

Carteiro 1 1 0 1
especificação

Servidor
Sem

5 3 2 1 2 1 1
estadual

Subtotal 63 37 26 5 7 20 9 9 7 3 2
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 233

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Prestação de serviços em instituições religiosas
Missionário(a)

=
3 3 0 2 1
Missionário(a)
Padre

= Padre 1 1 0 1
Pai de
santo

= Pai de santo 1 1 0 1
Pastor

= Pastor 1 1 0 1

Subtotal 6 6 0 0 0 3 0 1 0 2 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

quadro 55. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levantamento,


na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor de doméstico em profis-
sionalização

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Acompanhante de idosos

= Acompanhante
2 0 2 1 1
de idosos
Cozinheira

= Cozinheira 7 1 6 1 3 1 1 1
234 Delma Pessanha Neves

Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Merendeira Lavadeira Empregada doméstica Diarista

= Diarista 3 0 3 1 2

= Empregada
42 0 42 8 13 16 5
doméstica

àAgente de saúde 1 0 1 - 1

=Lavadeira 1 0 1 1

= Merendeira 5 0 5 1 1 2 1

Sub-
61 1 60 0 13 0 21 1 19 0 7
total
Indivíduos citados no questionário desempenhando atividades sem reconhecimento
profissional
Sem ocupações remuneradas
Dona de
casa

= Dona de casa 934 0 934 163 251 328 192


Estudante

= Estudante 71 44 27 14 27 30
Sem informações

2.069 1936 133 324 5 425 23 476 34 711 71

Sub-
338 195 455 274 476 362 711 263
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 235

Ao considerar conjuntamente os registros referentes a homens e mu-


lheres, pode-se perceber como estas últimas são crescentemente mais cita-
das pelo vínculo ocupacional; ou ainda como as funções por elas exercidas
passam a ser cada vez mais diferenciadas daquelas citadas em relação à faixa
etária anteriormente sistematizada.

quadro 56. Classificação das ocupações de indivíduos citados no levantamento, na


faixa etária de 30 a 69 anos, associadas ao setor de prestação de serviços

Faixa etária
Ocupações e percursos
Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Atividades agropecuárais 508 322 186 32 17 39 29 95 66 158 72
Atividades extrativistas 73 54 19 1 2 11 5 23 8 15 4
Artesanato e costura 36 3 33 1 2 2 8 0 11 0 12
Atividades de
23 13 10 2 4 6 4 4 2 1 0
beneficiamento
Profissionais com
84 47 37 11 8 1 16 5 11 2 2
reconhecimento prático
Profissionais autônomos
prestadores de serviços 30 15 15 0 7 0 5 0 3 0 0
técnicos
Profissionais autônomos
38 27 11 16 1 3 5 6 2 6 3
de nível superior
Setor de Construção Civil 121 64 57 7 7 3 18 2 21 2 11
Setor de Comércio 630 419 211 208 54 68 73 64 58 59 26
Setor de Transporte 406 203 203 0 110 0 48 0 32 0 14
Setor Administrativo 50 43 7 36 1 17 3 10 3 9 0
Setor de Estética e Higiene
14 13 1 12 0 0 0 6 1 2 0
Pessoal
Setor de Saúde 141 95 46 49 12 14 18 22 11 10 5
Setor Educacional 235 172 63 109 20 58 9 19 20 28 14
Setor de Segurança 68 34 34 0 6 0 16 0 10 0 2
Instituições públicas 100 63 37 26 5 7 20 9 9 7 3
Atividades domésticas em
62 61 1 60 0 13 0 21 1 19 0
profissionalização
Ocupações não
533 338 195 455 274 476 362 711 263 338 195
remuneradas
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
236 Delma Pessanha Neves

Articulando as alternativas de ocupação com o nível de instrução al-


cançado por todo esse universo de pessoas, também em sintonia com a de-
bilidade dos recursos institucionais para prestação dos serviços públicos,
especialmente os serviços de ensino público, os dados do seguinte bem re-
fletem o contexto socioeconômico pelo qual tais significados fazem sentido.

quadro 57. Nível de instrução dos indivíduos citados na faixa etária de 30 a 69 anos

Faixa etária
69-60 59-50 49-40 39-30
Nível de instrução
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Sem instrução formal
(qualificado como 260 198 166 107 107 124 62 43
analfabeto)
Alfabetizado 172 142 201 178 215 115 158 105
Primário (terceira série) 151 64 36 83 102 33 75 122
Fundamental incompleto 120 17 20 17 18 20 84 15
Fundamental completo 44 27 31 23 38 31 21 16
Ensino médio 33 27 33 37 91 45 20 35
Ensino superior 19 17 19 17 35 39 9 22
Sem informação 2 0 2 0 0 2 0 0
Total 801 492 508 462 606 409 429 358
Fonte: Levantamento de dados realizado no programa desta pesquisa, no decorrer do ano de 2012.

quadro 58. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa etária
30 a 69 anos e condição biológica de vida

Número de indivíduos referenciados


Total Masculinos Femininos
Faixa etária
Vivo Falecido Vivo Falecido Vivo Falecido
69-60 983 310 571 230 412 80
59-50 869 101 434 74 435 27
49-40 958 57 561 45 397 12
39-30 750 37 404 25 346 12
Subtotal 3560 505 1970 374 1590 131
Subtotal 4065 2344 1721 4065 2344
Sem informação 195
Total 4260
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 237

Insistindo na demonstração de como diversas alternativas de coleta


e tratamento de dados podem se complementar, cada uma com alcance e
limites não redutíveis à outra, volto ainda aos dados sistematizados por tra-
balho estatístico de profissionais do IBGE. Advirto que os recenseamentos
qualificam funções que não pertencem ao universo da população privilegia-
da para esta análise. Operando por categorizações e vínculos a setores pro-
dutivos distintos, essas tipologias lançam luzes que, não obstante, devem ser
esclarecidas até para especificar o próprio alcance. Para efeitos deste texto,
interessa-me de fato muito mais trabalhar com os fenômenos que as estatís-
ticas não podem explicar, mas de certa forma contextualizar. A análise pelas
ocupações, tais como nomeadas pela(o)s entrevistada(o)s, pode oferecer a
oportunidade de entendimento daquelas que vão se constituindo em outros
contextos socioeconômicos. Para tanto, o importante seria a valorização pri-
vilegiada dos conteúdos das ocupações que, sem cessar, podem ir se alteran-
do; e demonstrar o crescimento ou a criação de oportunidades para o traba-
lho feminino junto a escolas, serviços médicos, mas também escritórios de
contabilidade, investimento em empreendimento próprio. Além disso, esses
dados podem trazer esclarecimentos sobre diversas condições de exercício
do papel de esposa, ora trabalhando ativa e diretamente com o esposo, es-
pecialmente em exploração agrícola e comercial, ora por outros exercícios
que exigem conhecimentos específicos e que, por isso mesmo, tendem a im-
pulsionar a profissionalização (enfermeiras, caixas de banco, costureiras,...).
Muitos desses exercícios de atividade produtiva vieram a ser controlados
por legislações específicas, norteadoras das relações de trabalho.
Pelos dados obtidos na aplicação dos questionários, pode-se ter uma
aproximação da estrutura ocupacional a que vieram se integrar os indivídu-
os computados por esse procedimento.
Neste texto então, desejei construir uma perspectiva analítica que colo-
casse em melhor valor as ocupações formalmente registradas e computadas
nas estatísticas oficiais, mas trazer à tona o que não vem sendo considerado
nem encontra razão na visibilidade numérica. Portanto, os dados elaborados
qualititativamente operam por contraposição ou, mais raramente, complemen-
taridade do que em geral o dado quantitativo induz. Essas ocupações aqui con-
sideradas, não sendo formuladas e institucionalizadas por representações de
intelectuais da categorização, só podem ser compreendidas em ato, mediante
a análise do ponto de vista de quem as realiza ou as inventa; ou de quem as
faz serem socialmente reconhecidas, mediante a explicitação dos locais e con-
dições de trabalho. A(O) entrevistada(o) colabora assim decisivamente para o
meu investimento teórico no reconhecimento de métiers, conforme característi-
cas próprias, arguindo que eu não posso deixar de considerar que, em cada um
dos investimentos aparentemente individuais e domésticos, estão em jogo rela-
238 Delma Pessanha Neves

ções de saber e poder, disputas ou negociações entre familiares, vendedores de


matéria-prima e compradores no varejo. Estão em questão concorrências entre
esses agentes econômicos, bem como a criação e reprodução da fidelidade da
clientela. A participação da clientela deve ser considerada tanto pelo desejo de
apostar na realização positiva dos objetivos do prestador de serviços, como no
de reafirmar a importância do bem ou serviço que ela colabora para a circulação
como mercadoria e para a provisão de bens de circulação em alcance local ou
comunitário. Portanto, não podem ser pensados tão somente como investimen-
tos individuais. A presença desses recursos de comércio e prestação de serviços
valoriza econômica e politicamente o patrimônio e as condições de habitação.
No decorrer da análise das entrevistas, objeto em textualização no
próximo volume da coleção, o investimento político na construção de auto-
nomia financeira das mulheres pelo trabalho no domicílio ficará mais claro,
revelando todo seu sentido e importância econômica. Mas para tanto, a va-
loração do ponto de vista delas próprias alcança toda sua significação. Em
inúmeros casos, o acúmulo ou complementaridade de ganhos financeiros
que elas proporcionaram por tais práticas produtivas foram fundamentais
para que as filhas viessem a se qualificar em termos de nível de instrução e
profissionalização. Puderam assim vir a constituir condições fundamentais
para alcançar remuneração pelo vínculo no mercado de trabalho assalaria-
do, neste e em outros tantos municípios. Por tais espaços de inserção social
e produtiva, filhas e netas, mediante o reconhecimento da condição de traba-
lhadora assalariada, puderam circular com mais autonomia.
A complementaridade da análise qualitativa ganhará toda a grandeza
em termos de compreensão da vida social, pretérita ou presente, porque, con-
siderando as condições em que as entrevistadas construíram as informações
prestadas ao pesquisador, pode-se, analiticamente, articular diversos registros
constitutivos dos percursos e os graus de interdependência de diferenciados
domínios da vida social. Por isso, acompanhar analiticamente os nomes atribu-
ídos às funções, por elas próprias ou por terceiros que responderam ao ques-
tionário, é cuidado fundamental para o pesquisador. As novas categorizações
informam justamente as condições em que as atividades foram adquirindo o
caráter de profissão, como, por exemplo, agricultora familiar, pescadora etc.
No próximo capítulo, vou incorporar dados referentes a trabalhadores,
homens e mulheres, por ocasião da aplicação do questionário, situados, em
termos de faixa etária, entre 18 e 29 anos. Eles expressam as alternativas de
inserção no mercado de trabalho em contextos de relativa expansão econô-
mica do município de Santarém, principalmente pela atividade comercial e
de prestação de serviços, acompanhando outros processos de apropriação e
transformação de recursos extrativistas, em especial integrado às atividades
agrícolas e de garimpagem de ouro.
Capítulo 4
Mulheres, assalariamento e
trabalho autônomo

O
caminho aparentemente mais facilitado para a análise proposta se-
ria contar com dados estatísticos produzidos de forma oficial. Se eles
são relativamente abundantes, considerando os investimentos patro-
cinados por diversas instituições, em geral oficiais, eles pouco se prestam à
comparação. Cada levantamento estatístico obedece a critérios próprios, da-
tações e universos convenientes aos objetivos para os quais os dados foram
produzidos, dificultando o aprofundamento da análise. Independentemente
de não se poder esperar de dados estatísticos se não aproximações, metáfo-
ras do que se pretende compreender ou iluminar, as tentativas de associação
de resultados dispersos implicam a aceitação de defasagens e vazios de in-
formações. De qualquer modo, trata-se de maneiras consagradas de temati-
zar determinadas questões, de informações díspares mas disponíveis, cujos
limites podem por vezes ser melhor relativizados e inspiradores do que a
absolutização da ausência de dados.
Incorporar dados estatísticos, como de regra qualquer tipo de dado,
implica antes de tudo problematizar as condições de elaboração e alcances
possíveis. Uma primeira pergunta então se impõe: mas o que alcançam os
dados estatísticos de recenseamentos demográficos?
Primeiramente uma projeção da população municipal como um todo;
no entanto, segundo uso de categorias classificatórias que pouco focalizam
os objetivos atribuídos à pesquisa aqui textualizada. Mas algumas dessas in-
formações são cruciais para se ter ideia do alcance e das problemáticas da
pesquisa, inclusive quanto a questões que não poderei atingir. Portanto, co-
laborar na tomada de consciência dos próprios limites da proposição inter-
pretativa por mim adotada. E por fim, espero, eles poderão ajudar os leitores
a pensarem: afinal, como situar os entrevistados alcançados, de que mundo
social eles foram pinçados, o que eles, de posições sociais específicas, podem
refletir e colaborar fundamentalmente na caracterização da população mu-
nicipal, especialmente das mulheres que aí convivem em diversas situações
e sistemas de relações sociais?
240 Delma Pessanha Neves

quadro 59. Distribuição da população de Santarém, segundo sexo e local de


residência, 2010
Descrição Valores totais %
População total 294.774 100,00
Homens 145.651 49,41
Mulheres 149.123 50,59
Urbana 215.947 73,25
Rural 78.827 26,75
Área da unidade territorial (km²) 22.886,624 -

Densidade demográfica (hab/km²) 12,87 -


Fonte: IBGE, 2010.

Sabendo que a população municipal, em termos de divisão por sexo, é


relativamente equilibrada, poderei passar a entender outras formas de seg-
mentação. Começarei pela compreensão de universos de homens e mulheres
segundo a faixa etária. Para melhor detalhamento, sempre que necessário,
irei contar com o investimento dos agentes de saúde da Secretaria Municipal
de Saúde de Santarém, hoje a instituição que, pelo atendimento de progra-
mas como PACS – Programa Agentes Comunitários de Saúde – e PSF – Pro-
grama Saúde da Família –, patrocinados pelo Ministério da Saúde, mais se
aproxima da população em todos os recantos de cada unidade político-ad-
ministrativa municipal. Embora as informações sejam bastante exaustivas
para os objetivos de conhecimento sociodemográfico, situação de moradia e
recursos comunitários, nível de instrução segundo sistemas próprios de fai-
xas etárias, condições de saúde, morbidade e mortalidade, elas não abarcam
toda população municipal, posto que algumas comunidades não estão ainda
contempladas com os Programas. No caso de Santarém, há diversas locali-
dades (comunidades) que não estão dotadas de agentes de saúde, ou, como
eles qualificam, estão descobertas. Como o levantamento sistematizado pela
enfermeira coordenadora desses programas tem se constituído em fonte de
informações para diversas outras instituições e, no contexto, é o mais exaus-
tivo possível, comparando-o com o número da população recenseada pelo
IBGE, poderei, no mínimo, ter ideia do universo sobre o qual nada poderei
comentar.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 241

quadro 60. Distribuição da população residente no município de Santarém, segundo


faixa etária e sexo, 2010

% na
Homens Mulheres População % de faixa
população total
etária no
Faixa etária % por % por total da
– anos de faixa faixa Total Homens Mulheres população
idade Total etária Total etária
Total 145.533 100 149.047 100 294.580 49 51 100
Menos de 1 2.861 2 2.820 2 5.681 50 50 2
1a4 11.841 8 11.592 8 23.433 51 49 8
5a9 15.451 11 15.310 10 30.761 50 50 10
10 a 14 16.678 11 16.423 11 33.101 50 50 11
15 a 19 16.077 11 16.141 11 32.218 50 50 11
Subtotal 62.908 21 62.286 21 125.194 43 47 42
20 a 24 14.254 10 14.867 10 29.131 49 51 10
25 a 29 12.708 9 13.220 9 25.937 49 51 9
30 a 34 10.913 7 11.453 8 22.373 49 51 8
35 a 39 9.228 6 9.635 6 18.869 49 51 6
40 a 44 7.705 5 8.102 5 15.812 49 51 5
45 a 49 6.798 5 7.096 5 13.899 49 51 5
50 a 54 5.548 4 5.810 4 11.362 49 51 4
55 a 59 4.524 3 4.782 3 9.309 49 51 3
Subtotal 71.678 49 74.965 51 146.643 49 51 50
60 a 64 3.446 2 3.431 2 6.879 50 50 2
65 a 69 2.760 2 2.925 2 5.687 49 51 2
70 a 74 1.985 1 2.124 1 4.110 48 52 1
75 a 79 1.393 1 1.592 1 2.986 47 53 1
80 a 84 804 1 990 1 1.795 45 55 1
85 a 89 376 0 464 0 840 45 55 0
90 a 94 132 0 184 0 316 42 58 0
95 a 99 40 0 71 0 111 36 64 0
100 ou mais 11 0 15 0 26 42 58 0
Subtotal 10.947 58 11.796 52 22.750 7,5 7,9 8
Fonte: IBGE, 2010.
242 Delma Pessanha Neves

Todos os dados referentes ao Censo Demográfico de 2010 reafirmam


o equilíbrio na relação numérica entre os sexos na população municipal,
equivalência ligeiramente alterada, na medida em que os indivíduos alcan-
çam mais idade. Assim, há mais mulheres vivendo acima de 55 anos do que
homens. Os dados ainda sugerem maior crescimento de indivíduos residen-
tes entre a faixa etária da população de 5 a 25 anos, processo apontado por
dados quantitativos, mas compreensível por dados qualitativos, quando em
entrevista são citados os casos de homens e mulheres que se deslocam para
residir em outros municípios do estado do Pará; ou para aqueles com mais
atrativo de postos de trabalho e de ocupação produtiva nos demais estados
da região norte, especialmente Roraima, Amazonas e Amapá. É bastante co-
mum pais acompanharem filhos que migraram e que encontraram condições
de vida mais favoráveis nos espaços de recepção ou de fixação do fluxo de
procura de expectativas para objetivação de diferenciados projetos familia-
res e individuais. A incidência mais expressiva de população entre 14 e 25
anos também se deve à migração temporária de jovens do interior do muni-
cípio ou de adjacentes para efeitos de vínculo ao sistema de ensino. Além dis-
so, relativamente, a sede do município de Santarém oferece mais alternativas
de postos de trabalho que os demais da região oeste do Pará.
A utilização contrastiva de dados quantitativos permite-me pensar me-
lhor sobre a diferenciação de oportunidades e decisões de ampliar ou não o
nível de instrução entre homens e mulheres. Essa diferenciação deve ser com-
preendida para além de decisões individuais, como as geralmente citadas (ne-
cessidade de trabalhar desde jovem, opção pelo casamento em idade mais juve-
nil), mas principalmente pela desigual oportunidade. Uma delas é por demais
evidente, a considerar o pequeno número de escolas que completam a oferta de
ensino fundamental e muito menos o nível médio entre as localidades (comu-
nidades) reconhecidas como situadas em áreas distanciadas da sede municipal.
Segundo dados disponibilizados pela Secretaria Executiva de Educa-
ção (5ªURE,2010), o município, em censo realizado por referência a esse
mesmo ano (2010), abrigava 44 unidades afiliadas à rede estadual. Destas,
cinco delas ofereciam atendimento em educação especial, além da Escola da
Associação de Pais e Amigos de Excepcionais. Naquelas cinco primeiramente
referidas, 134 alunos estavam matriculados; e nesta última, 269. Em 8 das
44 escolas, havia oferta de ensino de primeira à quarta série, abarcando 692
alunos afiliados. Daquelas 44, apenas 14 não ofereciam ensino equivalente à
quinta e oitava séries. Portanto, as 30 demais recebiam 11.438 alunos inscri-
tos. O ensino na modalidade EJA 1 e 2, correspondente ao ensino fundamen-
tal, era oferecido, no primeiro caso, por três escolas, integrando 65 alunos.
Na modalidade EJA 3 e 4, o número de unidades aumentava, alcançando 16
escolas e 1.451 alunos inscritos.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 243

Todavia, é pela oferta do ensino médio, conforme divisão de trabalho


institucional, que as escolas estaduais se responsabilizam. Nesse caso havia
36 escolas abrigando 16.131 alunos, além dos vinculados à modalidade EJA
para ensino médio: 19 escolas acolhendo 3.223 alunos.
A Secretaria Municipal de Educação de Santarém mantinha ainda a
gestão, no ano de 2010, de escolas institucionalmente distintas pelas se-
guintes modalidades de serviços específicos: em escola quilombola, tanto
de planalto como de várzea, havia 407 alunos em turmas de 1ª à 4ª; 337
para turmas de 5ª à 8ª; 130 alunos em pré-escola; 94 na modalidade EJA. No
tocante ao ensino destinado aos indígenas, o município contava com escolas
em área de planalto, Rio Arapiuns e Rio Tapajós, cujos alunos estavam assim
distribuídos: 864 em turmas de 1ª à 4ª; 729 de 5ª à 8ª; 243 em turmas de
pré-escola; e 115 na modalidade EJA (cf. SEMMA-CIAM, Informações muni-
cipais. 2013).
Por fim, considerando as alternativas de pertencimento ao sistema
escolar público instalado no município, reproduzo, na página seguinte, o
sintético quadro 61, elaborado e publicado pela SEMED em 2010, cuja lei-
tura permite a compreensão da desigualdade de chances entre a população
que habita na sede ou no interior do município. Os fatores incidentes sobre
a produção de desigualdades de chances, alcançando homens e mulheres,
impõem constrangimentos principalmente aos jovens, caso desejem se des-
locar dos sítios e colônias e se afastar do vínculo com o trabalho agrícola.
Da leitura do quadro 61, logo se explicita a ausência de serviços vol-
tados para crianças vinculadas a creches e ao Programa Pró-Jovem fora do
espaço citadino. Os alunos que não se encontram sob residência na sede do
município estão constrangidos à obtenção do ensino fundamental, tanto que
a demanda por ensino médio seriado ou intervalar aparece como importan-
te pauta de reivindicação das lideranças de associações de moradores das
comunidades que estão fora desse espaço político-administrativo. As limita-
ções da oferta de ensino nessas comunidades são ainda amplamente exem-
plificadas em entrevistas, quando são citados inúmeros casos de crianças
que se dirigiam como agregadas em casas de família residentes na cidade,
para trocarem o direito de estudar pelo trabalho doméstico.
Os recursos institucionais sediados na cidade demonstram ainda a
concentração e a demanda de afluxo de estudantes, geralmente na faixa etá-
ria de 19 a 25 anos, que buscam ingressar num dos cursos das diversas uni-
versidades e faculdades que, durante os últimos 20 anos, em especial, vêm
aí se instalando; e atribuindo à cidade de Santarém um polo de afluxo de
jovens, como visto na distribuição da população por faixa etária.
244
quadro 61. Número de alunos por série e distritos de gestão do sistema municipal de ensino em Santarém, 2009

Região/distritos Nº de Nº alunos no ensino fundamental Nº alunos Nº alunos Prog. Brasil Nº alunos Nº alunos de
educacionais escolas pró-jovem EJA Alfabetizado pré-ecolar creche

Ensino Ensino Total


fundamental fundamental
9 anos 9 anos

Cidade 64 9.478 9.771 11.377 700 2.987 372 1.322 40

Planalto 160 1.606 4.670 5.370 0 1.234 55 721 0

Lago Grande 71 700 2.572 3.094 0 174 39 354 0

Arapiuns 67 522 3.168 3.191 0 155 0 274 0

Várzea 46 23 2.050 2.341 0 73 10 303 0

Tapajós 32 291 869 952 5 54 0 122 0

Arapixuna 17 83 12.360 21.838 0 0 0 4.175 794

Total 457 12.703 35.460 48.163 700 4.677 476 7.271 834

Fonte: Secretaria Municipal de Educação – SEMED, 2010 (SEMMA-CIAM. I, 2013).


Delma Pessanha Neves
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 245

Em termos de ensino superior, entre 2008 e 2010, lamentavelmente


temporalidade dos dados disponíveis, pois que a situação se alterou bastante
com a instalação da UFOPA – Universidade Federal do Oeste do Pará –, a sede
do município contava com a seguinte institucionalidade instalada para esse
serviço:

quadro 62. Alunos matriculados no ensino superior entre 2008 e 2010

Instituições de ensino 2008 2009 2010


superior
UEPA 650 681
UFPA 1.292 -
FIT 2.070 2.167 2.199
CEULS/ULBRA 1.680 1.828 1.896
IESPES 1.231 3.201 3.585
UFRA 70 94 -
UVA 298 -
IFPA - 530
UFOPA 2.781 2.698
TOTAL 5.011 12.131 11.489

Fonte: SEMMA-CIAM, 2013.

Para efeitos de entendimento das alternativas a serem criadas e recria-


das pelas jovens em Santarém e dos sentidos atribuídos aos projetos eco-
nômicos de mulheres, tanto as que se colocam sob vínculo ao ensino supe-
rior, como as que associam trabalho remunerado ao trabalho doméstico sem
remuneração, visando dotar os filhos de nível superior de ensino, torna-se
fundamental conhecer os diversos cursos que essas instituições de ensino
oferecem.
246 Delma Pessanha Neves

quadro 63. Oferta de cursos de ensino superior em Santarém, 2010

Instituição Cursos ofertados em 2010


Administração, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas, Di-
reito; Psicologia; Arquitetura e Urbanismo; Gestão de Negócios
Imobiliário; Gestão de Empresas de Navegação Fluvial; Gestão
FIT - Faculdades Integra- em Saúde; Gestão de Agronegócio; Tecnologia da Informação;
das do Tapajós Gestão de Redes de Computação; Jornalismo, Publicidade e
Propaganda; Serviço Social; Gestão Empresarial; Gestão em Co-
mércio Exterior; Tecnologia em Processos Gerenciais; Medicina
Veterinária, Biologia, Enfermagem e Biomedicina.
UFOPA - Universidade Biologia; Letras; Direito; Sistemas de Informação; Física Am-
Federal do Oeste do Pará biental; Matemática; Pedagogia; e Engenharia Florestal.
Administração; Turismo; Pedagogia; Comunicação Social-Jor-
nalismo; Psicologia; Enfermagem; Farmácia; Gestão em Redes
IESPES - Instituto
de Computadores; Gestão Ambiental na Amazônia; Gestão em
Esperança de Ensino
Processos Gerenciais; Ciências da Religião, Publicidade e Mídia;
Superior
Enfermagem, Farmácia, Filosofia, Norma Superior, Educação In-
fantil; Anos Iniciais de Ensino Fundamental.
UEPA - Universidade
Medicina; Fisioterapia; Educação Física; Música; Enfermagem.
Estadual do Pará
UVA - Universidade Curso Técnico de Turismo, Agropecuária, Aquicultura e Pesca,
Estadual Vale do Acaraú Mineração; Edificações; Informática.
IFPA - Instituto Federal do Gestão Comercial; Comércio Exterior; Gestão da Produção In-
Pará dustrial; Marketing; Processos Gerenciais e Secretariado.
UNIR – Universidades In-
Gestão Comercial, Comércio Exterior, Gestão da Produção Indus-
tegradas de Rondonópolis
trial, Marketing, Processos Gerenciais e Secretariado.
– Grupo Educacional
FAETEL - Faculdade
Teológica de Ciências Teologia e Filosofia.
Humanas e Sociais Logos
PUC - Pontifícia Universi-
Teologia e Filosofia.
dade Católica
UNIP - Universidade Administração, Gestão de Recursos Humanos, Gestão de Tecno-
Paulista logia da Informação.
Escola Superior de
Teologia e Filosofia do Teologia e Filosofia.
Brasil - ESTEFIB
Fonte: UFPA; FIT; UVA; IESPES; IFPA e CUL/ULBRA,2010; SEMMA-CIAM, 2013.

Não disponho de informações sobre o índice de procura e de eficácia


dos cursos oferecidos em termos de vínculos de trabalho. Não posso aquila-
tar a capacidade de absorção dessa força de trabalho assim preparada diante
das alternativas mais referenciadas à constituição de mercado de trabalho
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 247

na região. Entretanto, a reprodução dessas instituições de ensino superior


por relativamente longo período de tempo sugere que há correlação de ex-
pectativas entre oferta e recíproca valorização.
Dentre outras alternativas para pensar a segmentação da população
de Santarém, mas considerando o objeto de estudo que vem sendo por mim
elaborado no decorrer do texto, destaco aquelas referentes aos modos de
exercício de ocupação profissional ou produtiva. Ocupo-me então de refle-
xões em torno de princípios de computação de trabalhadores no município.
Da condição em que os dados estão acessíveis, conto ainda com a alternati-
va de considerar a subdivisão oficial entre população urbana e rural. Ime-
diatamente se ressaltam os dados referentes a unidades produtivas (3.818
com 3.635 delas em operação), segundo levantamento operado pelo Censo
Demográfico em 2010. Por estes dados é possível considerar o número de
empresas e de trabalhadores vinculados a diversos setores produtivos. De
um total de 34.151 trabalhadores, a maioria se definiu pelo assalariamento,
portanto, trabalhando para outrem: 29.655 (87%). Os demais 13% são en-
tão computados pela produção do seu próprio trabalho ou autoemprego. No
caso do primeiro segmento, de assalariados, o salário médio gira em torno
de duas unidades da definição mínima oficial (salário mínimo).

quadro 64. Distribuição de pessoal ocupado e unidades locais de produção, em


Santarém, 2010
Descrição Valor
Número de unidades locais 3.818
Pessoal ocupado total 34.151
Pessoal ocupado assalariado 29.655
Salário médio mensal 2
Número de empresas atuantes 3.635

Fonte IBGE, 2010.

Pelo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), pode-


-se compreender um pouco melhor a questão anteriormente referida, qual
seja, a distribuição de alternativas de inserção dos trabalhadores do município
segundo os vínculos por setores produtivos, mas limitando a compreensão à
dinâmica dos números no decorrer dos anos 2006 e 2011 (segundo viabilida-
de do acesso à informação institucional e oficial).
248 Delma Pessanha Neves

quadro 65. Estatística de emprego formal por setor de atividade econômica em


Santarém, 2006-2011

Anos de informação
2011
Atividade Econômica 2006 2007 2008 2009 2010
Masculino Feminino Total
Extrativista Mineral 11 6 15 4 3 20 4 24
Indústria de
1.587 1.309 1.298 942 1.297 2.617 398 3.015
Transformação
Serviços Industriais de
10 2 22 47 6 290 50 340
Utilidade Pública
Construção Civil 1.005 809 1.356 863 1.088 1.693 135 1.828
Comércio 2.618 3.168 3.516 3.562 4.277 5.764 4.032 9.796
Serviços 1.526 1.699 2.64 1.913 2.785 5.445 4.240 9.685
Administração Pública 1 0 0 0 0 4.065 6.810 10. 875
Agropecuária 150 224 238 268 294 583 98 681
Total 6.908 7.217 9.088 7.599 9.750 20.477 15.767 36.244
Fonte: MTE, 2011.

A sucessão de dados revela expansão na oferta e absorção de ocupa-


ções por todos os setores, com demandas crescentes mas concentradas no
da indústria de transformação, do comércio e dos serviços. Como não me foi
possível alcançar dados sobre o serviço público até 2010, as informações re-
ferentes a 2011 indicam, comparativamente aos demais, importante volume
de emprego, aproximando-se ao de comércio. Há inúmeras superintendên-
cias sendo instaladas em Santarém, abarcando serviços ambientais, de apli-
cações públicas de programas de reforma agrária e regularização fundiária,
fiscalizações e extensão técnica para agricultores, entre outros.
A considerar dados tornados públicos pelo texto Informações Munici-
pais correspondentes ao ano de 2008, o setor serviços era o que representa-
va a menor porcentagem do produto interno bruto do município.

quadro 66. Produto interno bruto do município de Santarém-2008

Atividades produtivas % do produto interno bruto


Agropecuária 77
Indústria 14
Serviços 9
Fonte: IBGE, 2009.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 249

Para o ano de 2011, diante de certo detalhamento das condições de


coleta e apresentação dos dados, é possível detalhar a diferenciação dos tra-
balhadores por sexo. Dessa forma, refletir sobre o número de mulheres que
vem sendo incorporado ao mercado de trabalho formal. Integrando dados do
quadro seguinte e para o mesmo ano, também compreender a distribuição dos
trabalhadores por faixa etária e sexo.1 A computação de dados para o ano 2011
indica ainda a expansão de postos de trabalho em quase todos os setores da
economia, bem como a absorção mais importante da força de trabalho do seg-
mento feminino nos setores de comércio e serviços.

quadro 67. Distribuição dos trabalhadores vinculados ao mercado de trabalho em


Santarém, segundo divisão sexual e faixa etária, 2011

Faixa Etária Masculino % Feminino % Total %


10 a 14 anos 1 - 1 - 1 -
15 a 17 anos 87 0,01 29 0,20 116 0,32
18 a 24 anos 3.940 19,00 2.548 16,00 6.488 18,00
25 a 29 anos 4.207 20,50 2.976 19,00 7.183 20,00
30 a 39 anos 6.606 32,24 5.277 34,00 11.883 31,00
40 a 49 anos 3.312 17,00 3.160 20,00 6.472 18,00
50 a 64 anos 2.170 10,50 1.711 11,00 3.881 12,00
Acima de 65 anos 154 0,75 66 0,80 220 0,68
Total 20.477 100,00 15.767 100,00 36.244 100,00
Fonte: MTE, 2011.

Do quadro anterior, pode-se também considerar a incidência de inserção


por ciclo biológico de vida e suas correspondências em termos de ciclos de de-
sempenho de papéis sociais. As condições mais favoráveis ao engajamento de
trabalhadores atingem a faixa etária de 30 a 39 anos, tanto para homens como
para mulheres. Levando em conta as proporções de afiliação por faixa etária e
sexo, tais índices apontam para melhor incorporação de jovens do sexo mascu-
lino entre 18 e 24 anos, tendência que se altera quando se considera o número
de mulheres vinculadas ao mercado de trabalho formal entre 30 a 49 anos.

1
Tendo em vista os objetivos atribuídos à elaboração deste texto, é importante destacar o quanto a di-
ferenciação por sexo era tomada em sua generalidade, perspectiva que sempre dificultou o avanço das
análises sociológicas. Muitos dos dados qualitativos que vêm sendo produzidos, decorrem de pressões
encaminhadas por pesquisadora(e)s implicada(o)s em estudos de gênero e por porta-vozes de movi-
mentos feministas. Esses fatores têm estimulado o investimento de melhor detalhamento de atributos
sociais que revelam com melhor proximidade as condições sociais de vida e inserção das mulheres nas
atuais sociedades, em processos mais intensos de mudanças sociais de organização e mobilidade social,
de expansão de vínculos da força de trabalho feminino. Por tais razões, o detalhamento iniciado para o
ano de 2011, como revela o quadro, não é fator desprezível à consideração.
250 Delma Pessanha Neves

quadro 68. Distribuição das pessoas de 25 anos ou mais por sexo e nível de instrução
em Santarém, 2010

Homens Mulheres

Nível de instrução 50,8% 47,8%

Sem instrução e fundamental incompleto 14,9% 14,4%

Médio completo e superior incompleto 24,1% 25%

Superior completo 9,9% 12,5%

Não determinado 0,3% 0,3%

Fonte: IBGE, 2010.

Quanto à diferenciação por sexo, o alcance de níveis de instrução nos


diversos ciclos oficialmente definidos apresenta distinção no que tange ao
sexo feminino e para o nível superior. Nesse caso, é preciso ter em mente a
exigência de curso superior para os professores da rede pública e que esses
postos de trabalho tendem a ser mais ocupados por mulheres.
Das ocupações computadas para efeitos de produção de dados estatís-
ticos pelo MTE/CAGED, estão ainda destacadas aquelas que vêm oferecendo
maior estoque de alternativas de vínculo formal. As probabilidades de vín-
culos no setor de comércio varejista e administrativo demonstram melhor
recepção e procura por mulheres.

quadro 69. Ocupações com maiores estoques de alternativas de vínculo de trabalho,


segundo a distinção de sexo dos trabalhadores, 2011

Ocupação com maiores estoques Masculino Feminino Total

Vendedor de comércio varejista 1.192 1.652 2.844


Auxiliar de escritório em geral 642 1.029 1.671
Contínuo 828 221 1.049
Servente de obras 806 7 813
Agente administrativo 239 434 673
Fonte: RAIS/MTE, 2002.

Pelo quadro 70, pode-se também aquilatar as ocupações que remu-


neram diferentemente trabalhadores segundo o sexo. Não só os mais baixos
salários pagos recaem sobre as mulheres, mas incidem sobre o vínculo como
vendedor e vendedora no comércio varejista; e no setor de serviços, corres-
pondendo à ocupação de auxiliar de escritório em geral.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 251

quadro 70. Ocupações com maiores estoques de postos de trabalho, conforme


remuneração média e distinção sexual dos trabalhadores, Santarém, 2011

Remuneração média
Ocupação com maior estoque
Masculino Feminino Total
Vendedor de comércio varejista 945,20 729,06 819,65
Auxiliar de escritório em geral 1.248,28 928,56 1.051,40
Contínuo 656,68 639,24 653,01
Servente de obras 671,73 635,21 671,41
Assistente administrativo 1.345,61 1.044,08 1.151,16
Ocupação com menor estoque
Vendedor em comércio atacadista -76 -52 -128
Abatedor -67 -35 -102
Trabalhador de servicos de limpeza
-19 -41 -60
e conservação de áreas públicas
Repositor de mercadorias -30 -23 -53
Trabalhador de preparação de
-26 -16 -42
pescados (limpeza)
Fonte: RAIS/MTE, 2002.

No quadro 71 aparecem melhor qualificadas a distinção de vínculos


das mulheres no mercado de trabalho e as ocupações que valorizam a força
de trabalho privilegiando o sexo do trabalhador. Pelos dados se confirmam
que as mulheres são melhor recebidas nas ocupações correspondentes a ser-
viços de escritório e relativamente preteridas para a ocupação de contínuo.
As ocupações de servente de obras demandam homens trabalhadores. E as
vinculadas ao comércio e ao trabalho de limpeza são relativamente neutras
nessa escolha sexuada.

quadro 71. Ocupações com maiores estoques de alternativas segundo a valorização


diferenciada por sexo, Santarém, 2013
Distribuição por sexo
Ocupação
Masculino Feminino Total
Servente de obras 265 -1 264
Auxiliar de escritório em geral 87 109 196
Vendedor de comércio varejista 89 94 183
Faxineiro 59 63 122
Contínuo 89 24 113
Fonte: RAIS/MTE, 2002.
252 Delma Pessanha Neves

Comparando as condições de inserção formal dos trabalhadores entre


os anos 2012 e 2013 (até o mês de maio), pode-se avaliar o crescimento de de-
mandas de força de trabalho no município de Santarém. Nessa modalidade se
destaca o reemprego, ou seja, certa circularidade dos vínculos ao mercado de
trabalho, seguida do primeiro emprego. Tanto o é que o crescente fluxo de en-
tradas corresponde ao equivalente volume de saídas, qualificando assim a vo-
latilidade de vínculos e de ocupações para os trabalhadores de ambos os sexos.

quadro 72. Movimentação desagregada de vínculos e dispensas de trabalho em


Santarém, durante o ano de 2012 e até maio de 2013

Anos
Descriminação das movimentações
2012 2013 (até maio)
Admissões 626 3.802
a) 1º Emprego 216 1.215
b) Reemprego 406 2.527
c) Reintegração 1
d) Contrato de trabalho por prazo determinado 4 59
e) Transferência Administrativa 12 387
Desligamentos 897 3.741
a) Dispensa sem justa causa 505 2.565
b) Dispensa com justa causa 7 24
c) A pedido 127 733
d) Término de contrato 199 349
e) Aposentadoria 3
f) Morte 3 2
g) Término de contrato com prazo determinado 56 65
h) Transferência desligamento 10 321
Variação absoluta -271 61
Fonte : MTE/ CAGED, 2002.

A fragilidade das condições de oferta de trabalho também se destaca


pela remuneração média por ocupações, tal como refletida no quadro se-
guinte, cujos dados ainda apontam para importante aproximação da remu-
neração atribuída às mulheres em relação aos homens. Lembro, porém, que,
como ela em grande parte se aproxima dos índices mínimos e juridicamente
obrigatórios, a hierarquização dos salários por sexo vai incorrer sobre os
valores que se afastam desse patamar mínimo; atinge então os setores de
serviços e administração pública e recai sobre mulheres cuja faixa etária os-
cila entre 30 a 64 anos.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 253

quadro 73. Remuneração média de empregos formais segundo sexo do trabalhador


em Santarém, em 31 de dezembro de 2011

Setores Masculino Feminino Total

Extração mineral 866,24 691,07 837,04

Indústria de transformação 846,62 843,65 846,22

Serviços industriais de utilidade pública 2.172,76 1.719,27 2.106,07

Construção civil 978,73 996,17 980,02

Comércio 943,77 811,02 889,13

Servicos 1.542,28 1.373,82 1.468,53

Administração pública 1.202,34 1.152,81 1.171,32

Agropecuária 840,28 835,71 839,62

Faixas Etárias

Faixa Etária Masculino Feminino Total

10 a 14 anos 314,81 314,81 314,81

15 a 17 anos 465,96 414,95 453,21

18 a 24 anos 769,25 749,63 761,55

25 a 29 anos 987,31 971,75 980,86

30 a 39 anos 1.181,30 1.156,58 1.170,32

40 a 49 anos 1.460,52 1.309,32 1.386,70

50 a 64 anos 1.665,85 1.417,19 1.556,22

Acima de 65 anos 1.648,08 1.620,92 1.639,93

Fonte: RAIS/MTE, 2002.

Para ainda refletir sob outra perspectiva, o que apontam dados es-
tatísticos produzidos para efeitos dos registros do Censo Demográfico
de 2010, a diferenciação dos trabalhadores, considerada quanto à idade,
etnia e distribuição de salários e rendimentos, abarca um número mais
amplo de indivíduos e melhor exprime a precariedade das condições de
vínculo.
254 Delma Pessanha Neves

quadro 74. Pessoas residentes em domicílios particulares, segundo faixa de salários e


distribuição dos trabalhadores por cor da pele e etnia, Santarém, 2010

Distribuição dos Distribuição por cor da pele e etnia


rendimentos
(salário mínimo) Branca Preta Amarela Parda Indígena Total %

Até 1/8 3.318 2.371 157 26.667 937 33.450 11,39

Mais de 1/8 6.176 1.699 224 33.278 296 41.673 14,20


Mais de 1/4 a 1/2 15.218 3.869 621 58.157 367 78.232 26,65
Mais de 1/2 a 1 16.033 4.004 776 52.307 424 73.544 25,06
de 1 a 2 9.799 1.668 355 24.272 128 36.222 12,34
Mais de 2 a 3 2.464 344 125 5.224 8 8.165 2,78
Mais de 3 a 5 2.166 225 77 3.105 12 5.585 1,90
Mais de 5 a 10 1.397 91 41 1.600 - 3.129 1,06
Mais de 10 625 11 12 411 - 1.059 0,36
Sem rendimento
(inclui pessoas que
1.844 846 133 9.304 264 12.391 4,22
receberam somente
benefícios)
Total 59.040 15.128 2.521 214.325 2.436 293.450 100
% 20,11 5,15 0,85 73,03 0,83 100
Nota: Exclusive as pessoas cuja condição no domicílio era pensionista, empregado(a) doméstico(a) ou
parente do(a) empregado(a) doméstico(a).
Fonte: IBGE, 2010.

A especificidade das formas de inserção produtiva de grupos étnicos


reconhecidos como indígenas faz destacar positivamente o baixo índice de
assalariamento entre eles. A levar em consideração essas distinções por etnia
e cor da pele, são os trabalhadores qualificados como pardos, seguidos de
brancos e negros, que integram o cômputo geral de assalariados. Aos segun-
dos, contudo, são transferidos índices mais elevados de remuneração.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 255

quadro 75. Distribuição de trabalhadores de 10 anos ou mais e cor da pele e etnia


em Santarém, segundo afiliação ao mercado de trabalho formal e vínculos autônomos,
2010

Pessoas de 10 Distribuição por cor da pele e etnia


anos ou mais Branca Preta Amarela Parda Indígena Total %
Empregados
com carteira
de trabalho assinada 7.401 1.733 271 18.708 56 28.169 18,20

Sem carteira assinada 5.132 1.533 254 19.758 169 26.846 17,34

Militares e funcionários
1.275 270 30 4.085 57 5.717 3,69
públicos estatutários

Conta própria 7.915 2.411 408 27.464 371 38.569 24,92


Empregadores 689 45 66 822 10 1.632 1,05
Não
520 186 56 2.358 55 3.175 2,05
remunerados
Trabalhadores da
produção para o próprio 1.314 696 82 8.254 102 10.448 6,75
consumo
Total 32.850 9.330 1.641 109.735 1.201 154.757 100
% 21,22 6,02 1,06 70,90 0,77 100

NOTA: Exclusive as pessoas cuja condição no domicílio era pensionista, empregado(a) doméstico(a) ou
parente do(a) empregado(a) doméstico(a).
Fonte: IBGE, 2010.

Examinando os dados apresentados nos quadros anteriores, destaca-


-se a diminuição de empregos oferecidos pela atividade extrativa mineral,
pelos serviços industriais de utilidade pública e pela agropecuária. A aná-
lise mais detalhada, sistematizada por profissisonais vinculados à Prefeitu-
ra Municipal de Santarém, mas ainda considerando, de forma reordenada,
as informações basicamente oferecidas pelo IBGE (Censos de 2010 e seus
desdobramentos analíticos), acrescenta outras informações sobre os setores
produtivos. Por tais associações de grandeza, destaca-se o peso do setor se-
cundário da economia nesta unidade político-administrativa.
São unidades industriais classificadas como leves ou de pequeno por-
te, que utilizam processos semi-industriais, limitando-se ao beneficiamento
de alguns produtos primários e extrativos: processamento de madeira, mo-
velarias, beneficiamento de látex, usinas de beneficiamento de arroz e de
castanha, casas de farinha, indústrias de beneficiamento de pescado, pro-
dução de alimentos (panificadoras, torrefações, fábricas de refrigerantes),
256 Delma Pessanha Neves

fábricas de gelo e sabão, pequenas unidades artesanais que trabalham com


madeira, barro, couro e fibra, marcenarias, indústrias de cerâmica (tijolo,
telha etc.), material impresso, vestuário e confecções.
As atividades comerciais em Santarém são exuberantemente dinâmi-
cas, tanto no sentido da importação de insumos e produtos industrializa-
dos do Centro-Sul do país e do mercado regional (Belém, Manaus e Macapá),
como pela circulação e comercialização da produção local, que atende ao
mercado interno e ao regional. Se por uma observação mais geral os esta-
belecimentos comerciais se destacam, independentemente do tamanho e da
abrangência, apenas uma análise qualitativa pode dar conta das inúmeras
formas de trocas que aí se procedem.
Agricultores residentes nas unidades de produção em localidades (co-
munidades) do interior costumam trazer parte da produção para familiares
cuja moradia se localiza na sede municipal. Além da destinação da produção
para o autoconsumo, os familiares que aí se fixaram costumam atender a
demandas de vizinhos ou espalhar parte da produção nos estabelecimentos
comerciais locais.
O centro da cidade, em especial na avenida que ladeia o rio Tapajós,
em seu encontro com o Amazonas, é praticamente destinado a sediar o ter-
ritório das atividades comerciais, tanto para a população local como para
aquela que se desloca de outros municípios da região. Complementarmente,
de tal forma os estabelecimentos são espalhados por diversos bairros da ci-
dade, que os visitantes encontram dificuldades de localização imediata de
unidades de venda segundo fins mais específicos e fundamentadas em rela-
ções mais personalizadas. É flagrante tal dispersão, e esse tema será um dos
focalizados nesta coleção.2
Em termos da produção agrícola destinada ao mercado regional e, no
caso de feijão, milho e arroz, também ao autoconsumo, os seguintes produ-
tos e as respectivas circunstâncias produtivas e de comercialização se confi-
guram, como indicados no quadro seguinte.

2
Com o desenvolvimento tecnológico que assegurou a diversas instituições a produção e a exposição
de mapas e gráficos, torna-se relativamente inútil incorporar mapas para efeitos ilustrativos. O leitor
que dispuser de maior interesse no conhecimento vinculado a este aspecto pode, por consulta à
internet, obter dados sempre atualizados sobre a dinâmica da vida social e ambiental. Há disponível
uma profusão de mapas e fotografias que podem confirmar e completar os esclarecimentos por mim
apresentados.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 257

quadro 76. Distribuição das condições de produção dos principais produtos


agrícolas em Santarém, 2006

Unidade de
Descrição Valor
medida
Arroz (em casca)
- Quantidade produzida Toneladas 53.352
- Área plantada ha 22.140
- Área colhida ha 22.140
- Rendimento médio da produção Ton/ha 2.409
Feijão (em grão)
- Quantidade produzida Toneladas 605
- Área plantada ha 924
- Área colhida ha 924
- Rendimento médio da produção Ton/ha 654
Milho (em grão)
- Quantidade produzida Toneladas 20.100
- Área plantada ha 5.650
- Área colhida ha 5.650
- Rendimento médio da produção Ton/ha 3.557
Soja (em grão)
- Quantidade produzida Toneladas 360.000
- Área plantada ha 15.000
- Área colhida ha 15.000
- Rendimento médio da produção Ton/ha 2.400

Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Supe-
rintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. Consulta ao site em 10 de junho de 2013.

De acordo com pesquisa realizada em 2008, pelo Centro de Estudos


Avançados da Amazônia – CEAMA –, os estabelecimentos do comércio vare-
jista em Santarém totalizavam 3.550 mercearias, 12 grandes supermercados,
214 kit-box e 85 minibox. No ramo atacadista existiam 212 estabelecimentos.
Não havendo computação mais recente, é lamentável a defasagem desses nú-
meros em relação ao ano de 2013, posto que, ocorendo o aumento de popula-
ção e do consumo, processos de expansão de bairros, inclusive os que assim
se constituíram por mais recentes invasões (formas relativamente rápidas de
derrubada de matas ou macegas para apropriação orientada para constru-
ção de moradias), esses processos se fazem obrigatoriamente acompanhar
de constituição de pequenos pontos de comércio e prestação de serviços que
caracterizam a vida local ou comunitária num bairro.
258 Delma Pessanha Neves

Como venho chamando a atenção reiteradas vezes, as dificuldades


para operar com dados estatísticos, entre outras, derivam da diversidade
de fontes e critérios de coleta das informações. Os investimentos analíticos
que sobre eles incidem, correspondem a flashes de compreensão, aproxima-
ções por interpretação de características gerais. Além disso, dada a comple-
xidade do exercício, eles terminam por iluminar passado de curto ou longo
prazo. A olhos nus, para quem convive com a população do município, ime-
diatamente se destaca a expansão das atividades econômicas no que tange
ao comércio, ao serviço e à agricultura mecanizada do cultivo da soja, arroz
e milho. Todavia, tais percepções não podem ser expressas por dados nu-
méricos. Muitas dessas atividades produtivas, como as dos cultivos meca-
nizados da soja, arroz e milho, passam a muitas “milhas” da economia local,
(CARVALHO et ali, 2004; LEROY, 2010; SABLAYROLLES et ali. 2005). Esta,
operando por outros princípios de organização, não pode ser computada
por dados estatísticos, diante da informalidade e da pessoalidade. Embo-
ra não seja o caso para efeitos da elaboração deste texto, vêm sendo bem
demonstrados os impactos negativos desses cultivos junto à população e
economias locais. Diversas áreas da agricultura camponesa foram transfe-
ridas para a agricultura mecanizada, tanto que, em algumas comunidades, a
paisagem está praticamente toda alterada. Resquícios da vida comunitária
anterior e da agricultura camponesa se mantêm encantonados como povoa-
dos cercados de limpos campos de soja, arroz e milho. Apenas aqui e ali uma
solitária castanheira, a demonstrar que o mundo social anterior e a outrora
forma de uso da terra não deixam visíveis a olho nu os seus traços.
Para efeito dos dados que estarão sendo contemplados neste texto,
chamo a atenção para a referência à presença da rede de estabelecimentos
de comércio varejista de menor porte, mercearias, mas principalmente kit-
-box e minibox,3 muitos deles operando como categorizações modernizadas
das antigas tabernas. Na maior parte deles, opera-se o trabalho familiar, com
grande destaque para a participação das mulheres. No caso de a gestão ser
feita pelos membros da unidade conjugal, ao homem cabem as atividades
de reposição de estoque e o contato com estabelecimentos atacadistas; e à
mulher, o atendimento aos fregueses e aos representantes que facilitam o
acesso mercantil às demandas de aquisição de produtos a serem revendidos.

3
Minibox e kit-box são denominações locais para pequenos estabelecimentos comerciais que colocam
em circulação mercadorias diversas, destinadas à alimentação e higiene doméstica e pessoal, cuja ex-
posição permite que o comprador se aprovisione diretamente do que deseja comprar e se dirija a uma
caixa de pagamento central. A diferenciação dos termos pode ainda indicar o volume e a diversidade
de mercadorias estocadas. Taberna é denominação antiga para lojas de comércio de secos e molhados,
que se espalhavam pelo espaço da cidade, mas principalmente pelas margens do rio Tapajós, onde
ocorre intensa circulação de mercadorias advindas de outros municípios e comunidades, geralmente
produtos agrícolas, e correspondente demanda de produtos fabricados fora do município.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 259

Essas unidades comerciais, objeto de estudo privilegiado no próximo volu-


me da coleção, trazem à tona uma intrincada rede de divisão social do tra-
balho de intermediação de produtos, no caso dos compradores atacadistas,
representantes e tiradores de pedidos, mas também agente de prestação de
serviços de entrega para os vendedores varejistas. Esses representantes ou
entregadores cumprem importante elo do aprovisionamento, facilitando as
atividades comerciais dos agentes econômicos situados nos diversos bairros
(assim como nas comunidades ribeirinhas e de planalto).4
Em relação a essa rede de intermediação, digna de nota é a recorrente
presença de revendedores ambulantes de maiores lojas comerciais do cen-
tro da cidade. Providos de carroça empurradas à mão, os crediaristas, isto é,
revendedores que, de porta em porta, percorrem as ruas dos bairros, ofe-
recem objetos de cama e mesa e utensílios domésticos. A transação se faz
medianate uma ficha identificadora do comprador, na qual se registram os
pagamentos parcelados em alguns meses. Percorrendo o caminho de oferta
de produtos a todo mês, eles também recebem as prestações do crediário
oferecido.

4
A convivência cotidiana permite ressaltar inúmeras redes de comercialização de produtos advindos de
estados do Nordeste do Brasil, especialmente Ceará. Há vendedores ambulantes que circulam, de porta
em porta, cintos, sandálias e bolsas de couro produzidas por artesãos daquele estado e se dirigem,
principalmente, às colônias. São jovens que viajam com uma determinada quantidade de mercadorias
e só retornam ao final do estoque, para repetir novo ciclo. Há vendedores de panelas de alumínio fa-
bricadas artesanalmente na própria região. São formas de trabalho exercidas por grande precariedade,
especialmente no início da inserção em redes de conhecimento pessoal. Nesse período, tendo em vista
as desconfianças que pairam sobre eles, dormem em casas velhas e abandonadas, postos de gasolina
e pagam refeições onde encontram alternativas. A reprodução do circuito, facilitando a construção de
relacionamentos e controle interpessoal, pode permitir melhor inserção e apoio de alguns moradores,
que os deixam dormir em varandas e galpões acoplados à residência.
260 Delma Pessanha Neves

Foto 1. Campo de cultivo de soja ladeando a estrada Santarém-Curuá-una

Foto tomada por Marc Debes em 19 de setembro de 2011.

Foto 2. Fazenda de cultivo de grãos: aparato de instrumentos mecanizados e de


armazenamento da produção

Foto tomada por Marc Debes em 19 de setembro de 2011.

Foto 3. Orla na cidade de Santarém, tendo ao fundo o porto de exportação de soja da


Cargill, no rio Tapajós

Foto tomada por Delma Pessanha Neves, em 03 de setembro de 2013.


Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 261

Em continuidade à apresentação das características das atividades


produtivas em Santarém, retomo as informações obtidas mediante trabalho
de sistematização elaborado por analistas vinculados aos serviços de pla-
nejamento da prefeitura municipal. Mesmo sendo estes analistas, diante da
relação mais imediata com as formas de objetivação da produção local, capa-
zes de agregar outras alternativas de computação de dados, eles ainda estão
longe de retratar o cotidiano de agentes compradores e vendedores, espe-
cialmente os organizados pela informalidade.
Por exemplo: os dados referentes à atividade agropecuária não con-
templam a miríade de unidades familiares de produção a que correspondem
quase todas as formas de vinculação da população estatisticamente qualifi-
cada como rural. Nessas situações, todas as famílias, praticamente, associam
produção agrícola mercantil, em geral farinha de mandioca, frutas, pimenta,
gergelim, aos cultivos de subsistência, incorporando ainda a criação de aves,
especialmente galinhas.
Percorrendo outros setores produtivos e em conformidade à apresen-
tação de dados pelo CAGED, em 2009 houve variação negativa na atividade
econômica extrativa mineral, expressiva no saldo de emprego, de 15,15% con-
tra 5,56% em 2008. A indústria de transformação, com a manutenção de 942
postos de trabalho e 1.156 demissões, alcançou variação negativa de 6,80%.
Até o momento de finalização deste texto, não pude contar com dados
mais atualizados sobre a atividade econômica em Santarém. Incluo então
nessa análise as referências ao desemprego por setor de atividade econômi-
ca entre os anos de 2006 e 2010.

quadro 77. Estatística de desemprego por setor de atividade econômica em Santarém,


2006-2010
Atividade Econômica 2006 2007 2008 2009 2010
Extrativista Mineral 6 8 17 9 22
Indústria de
1.442 1.472 1.422 1.156 1.159
Transformação
Serviços Industriais de
33 27 29 33 12
Utilidade Pública
Construção Civil 1.009 975 1.261 1.103 1.006
Comércio 2.200 2.649 3.381 3.644 3.431
Serviços 1.301 1.412 2.058 1.973 2.140
Administração Pública 0 0 0 0 2
Agropecuária 223 137 262 240 318
Outros Ignorados 0 0 0 0 0
Total 6.214 6.680 8.430 8.158 8.090
Fonte: MTE, 2011.
262 Delma Pessanha Neves

No período 2006 a 2010 e me baseando nas informações apresentadas


no quadro 77, é possível se pensar em estabilidade do fluxo de desemprego
alcançada em alguns setores, como indústria de transformação e construção
civil, aumento do emprego e desemprego no setor de comércio e de serviços,
mas no cômputo geral as estatísticas de desemprego indicam aumento cres-
cente. Futuramente, quando os dados referentes ao ano de 2013 forem siste-
matizados, tudo leva a crer um aumento significativo no setor de construção
civil, tal como a observação sistemática vem a indicar. É impressionante o
aumento do número de construção de prédios de 2 a 3 andares e de casas
compondo condomínios localmente designados residenciais, bem como de
reformas no centro comercial e nos bairros. O afluxo de funcionários uni-
versitários (professores e técnicos) e estudantes, assim como a expansão de
quadros das instituições de oferta de serviços públicos, como já comentei,
tem criado uma demanda ascendente de unidades residenciais para compra,
mas principalmente aluguel, e sofisticação em determinados estabelecimen-
tos comerciais e hoteleiros.
Como a maior parte dos dados deriva do investimento em pesquisa para
efeitos da elaboração de Censos Demográficos e o último deles data de 2010,
incluirei ainda informações sobre cadastro de imóveis em Santarém, compu-
tados pela Secretaria Municipal de Finanças e sistematizadas no ano de 2010.

quadro 78. Cadastro de imóveis em Santarém, 2010 (resumo total de imóveis)

Descrição Quantidade
Habitação 55.091
Indústria 253
Comércio 4.594
Serviço 2.459
Saúde 83
Ensino/cultura 260
Esporte/lazer 51
Filantrópico 56
Religioso 320
Misto 91
Indefinido/sem uso 1.350
Total 64.608
Fonte: SEFIN, 2010; SEMMA-CIAM, I2013.

Reafirmando o sentido que venho atribuindo aos dados estatísticos,


estudados não pela inocente pressuposição de que representem a realidade
municipal ou de outro domínio social tomado em questão, mas como frag-
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 263

mentos de aproximações intencionais de compreensão de fenômenos, mais


ainda como dados a serem analisados e não tomados em si, considerados
segundo os objetivos atribuídos à elaboração deste texto, vou me permitir
outros passeios interpretativos.
É do conhecimento de todos que incorporam os dados do Censo De-
mográfico de 2010 que, para certas situações, as informações aí contidas
se encontram no atual contexto altamente distanciadas. Este é o caso do
município de Santarém que, a partir de 2010, integra uma série de trans-
formações econômicas, de construção de base social para a objetivação da
cidadania, de instalação de diversos serviços públicos e de alteração na
composição social da sua população. Não dispondo de outras informações
que pudessem aquilatar a expressão de alguns desses processos, vali-me de
um catálogo de publicidade de serviços, editado em 2013. O caderno equi-
valeria às páginas amarelas editadas para cidades que contam com ampla
rede de telefonia fixa, que não é o caso do município em pauta. A adesão à
publicidade que tal caderno encerra é seletiva àquelas atividades cujos ges-
tores consideraram que sua clientela pode obter informação pela consulta a
este meio de sistematização de atividades econômicas. Mas justo por pres-
supor um cliente-leitor que não esteja fundamentado em conhecimentos
locais, pessoais e relativamente imediatos, considerei o uso da fonte como
expressão dos investimentos na modernização da relação entre a unidade
econômica e a clientela potencial. Com a colaboração de Angela Maria Gar-
cia e Priscila Tavares dos Santos, fizemos o levantamento de todas as uni-
dades ali informadas e as submetemos a critérios de classificação os mais
próximos possíveis daqueles adotados pelo IBGE na elaboração de censos
comerciais (atacado e varejo), agropecuários, indústrias e de serviços. A
equivalência, evidentemente, nem sempre foi possível; e nesses casos ado-
tamos critérios complementares. Os quadros 79 a 84, por se constituírem
em possibilidades de sistematização de dados, ou seja, guardando certo ní-
vel de generalização, mas ao mesmo tempo demonstrando a pulverização e
a diversificação das unidades econômicas, serão apresentados ao final desta
primeira parte do capítulo. Na sequência, para dar fundamento às conside-
rações que apresento, operarei com um quadro geral com a indicação dos
termos classificatórios mais abrangentes e as respectivas unidades econô-
micas, ilustrando as referências aos demais quadros em anexo por meio de
gráficos.
Reafirmo então a finalidade do exercício de levantamento das infor-
mações: propiciar algumas considerações a respeito da oferta de postos de
trabalho, especialmente nos setores de comércio (atacadista e varejista) e de
serviços, setores que mais vem se expandindo no município e também am-
pliando a oferta de alternativas de emprego formal para as mulheres.
264 Delma Pessanha Neves

A sistematização possível das informações contidas no Disk Certo (in-


formações de telefones empresariais) faz revelar o interesse dos gestores
de unidades econômicas na divulgação das atividades exercidas, correspon-
dendo ao total de 3.920 delas. Para atribuir a tais atividades alguma clareza
quanto aos processos econômicos que elas configuram, para além da ordem
alfabética prevista para a consulta pelo leitor, procuramos agrupá-las em
quatro setores produtivos, tais como expostos adiante.

quadro 79. Distribuição de unidades econômicas por setores produtivos, catalogados


para publicidade, Santarém, 2013
Número de
Setores econômicos
unidades
Crédito, construção civil e arquitetura 117
Comércio atacadista, usinas de beneficiamento e indústrias de transformação 332
Comércio varejista e transporte de mercadorias e passageiros 1.705
Serviços 1.766
Total 3.920
Fonte: NEVES et al, 2013.

A leitura dos dados expostos permite compreender a incidência da


expansão no comércio varejista, tal como no setor de serviços. Todavia, o
número de empresas correspondentes ao comércio atacadista não pressu-
põe diminuta oferta de empregos. Pelo contrário, trata-se de relativamente
grandes empresas, integradas a grandes redes de circuito de mercadorias
transportadas de outras regiões por caminhões ou navios e balsas, bem
como continuidade da dispersão, especialmente pelos municípios do oeste
do estado do Pará. Nesses termos, a cidade de Santarém equivale a gran-
de entreposto responsável por movimentos de mercadorias nos sentidos
de sístoles e diástoles de fluxos. No agrupamento crédito, construção civil e
arquitetura, como poderá ser consultado logo a seguir, nos quadros sucessi-
vamente apresentados, destacam-se as unidades econômicas corresponden-
tes à construção civil que, como venho comentando no decorrer deste texto,
opera em grande dinamismo pelas demandas do crescimento da população,
indicando no atual contexto outra qualificação do processo migratório, no
momento pela oferta de postos de trabalho no setor serviços.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 265

Gráfico 1. Distribuição de unidades econômicas do Setor de Serviços catalogadas


para publicidade, município de Santarém, 2013

Pelo gráfico, ressaltam-se os investimentos econômicos em subsetores


de ensino e formação profissional, recreação e produção profissionalizada de
eventos (festas, casamentos, exposições), hotelaria e alimentação, especial-
mente restaurantes de diversos portes e especialidades, clínicas de estéticas
e os chamados salões de beleza (cabeleireiros, manicures, massagistas e este-
ticistas) e academias de ginástica. Os comentários que venho apresentando a
respeito do crescimento do setor de construção civil, tão bem expresso pela
expansão do número de residências e prédios, bem como pelo desejo mais
geral de melhoria daquelas já construídas (tal como estará demonstrado nas
narrativas das entrevistadas, analisadas no volume II desta coleção) podem
trazer luz ao entendimento da expansão do setor de serviços de reparação e
manutenção, categorização geral que abarca diversas especialidades profis-
sionais oferecidas por meio de oficinas. Por fim, também associado aos pro-
cessos de crescimento apontados, ampliam-se os órgãos e programas públi-
cos de saúde, em correspondência ao número de profissionais liberais. Estes
foram assim qualificados porque, no catálogo, aparecem mediante indicação
de consultórios e escritórios.
266 Delma Pessanha Neves

Avançando a análise dos demais setores, primeiramente a partir do


gráfico 2 e a seguir pelos quadros 81 a 84, ressalto aqueles em que há mais
concentração de unidades econômicas. Nesse conjunto de dados, ganham ex-
pressão as unidades qualificadas pelo vínculo aos setores de construção civil
e congêneres, ao comércio atacadista de veículos e combustíveis. Mas a con-
centração é mais acentuada nos ramos de venda de produtos alimentícios e
de material de construção, seguido dos setores de transporte e confecções.
Se os dados relevam a importância econômica desses últimos setores, não é
desprezível o amplo circuito de oferta de alternativas de transporte por inú-
meros barcos e veículos alternativos, bem como de confecções, tanto lojas
como oficinas de costura espalhadas por quase todos os bairros.

Gráfico 2. Distribuição de unidades econômicas segundo setores produtivos,


catalogadas para publicidade, município de Santarém, 2013
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 267

Concluindo esta primeira parte do capítulo 4, quando procurei apresen-


tar flashes de indícios de construção interpretativa do contexto socioeconômi-
co recentemente em configuração no município, valorizando neste momento
atividades formais mas não menosprezando as informais, espero ter oferecido
as condições de compreensão do quadro de alternativas em que se movem
a(o)s entrevistada(o)s para produzirem meios de constituição como trabalha-
dores autônomos ou assalariados. Podem-se então compreender as condições
que foram criadas e estimuladas pelas mulheres para apropriação autônoma
ou imediata de rendimento financeiro. Muitas delas investem em novas for-
mas de profissionalização ou outras tantas alternativas de produção de rendi-
mento financeiro, menos dependentes de demandas de empregadores.
Como a construção desses dados tem e teve importância fundamental
na construção dos procedimentos de pesquisa e na compreensão de narrati-
vas dos entrevistados, também o leitor terá oportunidade de nos acompanhar
nesse exercício de construção de interpretações da vida social no município de
Santarém. Desse conjunto de questões, também se tornam compreensíveis os
dos modos de constituição diferenciada de posições das mulheres, diferencia-
ção que abrange ciclo de vida e temporalidade da existência. Eles exprimem
alguns dos efeitos da incorporação de maior nível de instrução e de reafirma-
ção da divisão sexual do trabalho e de requalificação do trabalho doméstico.
Enfim, expressos processos constituídos por ações que refletem o agenciamen-
to delas na construção de condições materiais e sociais de vida, associadas a
homens (companheiros, esposos, pais, filhos ou outras formas de afiliação por
parentesco), ambos integrados ao quadro de referências e interdependências
de relações vicinais e comunitárias, em alguns casos acompanhadas por inves-
timentos advindos de órgãos do Estado, em suas várias vertentes de expressão
por unidades federativas.

quadro 80. Distribuição de unidades econômicas do setor de serviços catalogadas


para publicidade, Santarém, 2013
Modalidades de serviços Unidades econômicas Total
Bar 3
Bar e lanchonete 1
Bar e restaurante 1
Hotel 31
Motel 15
Serviços de hotelaria e
Pousada 20
alimentação
Buffet 11
Frigorífico 8
Frios 1
Restaurante 68
Subtotal 159
268 Delma Pessanha Neves

Modalidades de serviços Unidades econômicas Total


Autoelétrica 2
Extintores 3
Pintura 3
Relojoeiro 3
Tirariscos 1
Autopeças 61
Encanador 1
Tornearia 5
Serviços de reparação e Ar-condicionado - manutenção 1
manutenção em geral Refrigeração 25
Autorresgate 4
Autosserviços 77
Borracharia 2
Lava jato 6
Motosserviços 1
Pneus 11
Subtotal 206
Estamparia 1
Aluguel de roupas 2
Serviços pessoais e de
Lavanderia 2
higiene e limpeza
Limpeza 4
Subtotal 9
Bilhar 1
Locadora de bilhar 2
Boate 2
Casa da cultura 2
Cinema 2
Museu 2
Canais de TV 6
Telecomunicação 3
Telemensagem 9
Aluguel de arquibancada 1
Balões 1
Banda 2
Brindes 5
Serviços de recreação
Produção de CD 4
e de apoio a eventos e
Clubes 7
intercomunicação
Dj 2
Produtora de eventos 17
Fotos e vídeos 17
Jogos eletrônicos 4
Lan-house 14
Locadora de vídeos 19
Provedor de internet 6
Instalação de som 6
Tendas 1
Loteria 8
Clubes de esporte 6
Subtotal 149
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 269

Modalidades de serviços Unidades econômicas Total


Acupuntura 1
Cardiologia 1
Clínica de imagem 1
Clínica de olhos 8
Clínica de reabilitação 1
Clínica médica 49
Clínica odontológica 54
Clínica veterinária 4
Fisioterapia / pilates 17
Fonoaudiologia 5
Serviços de saúde, clínicas, Funerária 7
laboratórios e fisioterapia Hospital 11
Laboratório / exames imagem 36
Massagem 1
Médico 97
Ótica 36
Plano de saúde 1
Posto de saúde 1
Prótese dentária 2
Psicologia 6
Veterinária 2
Subtotal 341
Academia 33
Bijuteria 16
Estabelecimento de estética 108
Serviços de estética e Joias 30
educação física Personal trainer 1
Pet shop 5
Tatuagem 1
Subtotal 194
Autoescola 8
Curso de segurança 1
Curso pré-vestibular 7
Curso técnico 7
Cursos de estética 1
Cursos de informática 7
Cursos de línguas 4
Escola particular 59
Serviços de ensino e Escola de música 2
formação profissional Escola especial 1
Formação e prestação de serviços em recursos
1
humanos
Instituto de pós-graduação 1
Instituto teológico 1
Pró-jovem trabalhador 1
Senac, Senai, Senar, Sesc, Sesi, Sest, Senat, Sebrae 7
Seminário (formação religiosa) 1
Universidades e faculdades 8
Subtotal 117
270 Delma Pessanha Neves

Modalidades de serviços Unidades econômicas Total


Apae 1
Asilo 1
Assistência social 1
Serviços sociais e de
Centro pastoral 1
organização social
Cohab 1
Conselho comunitário 1
Subtotal 6
Associação comercial 1
Associação de militares 1
Associação dos farmacêuticos e bioquímicos 1
Associação dos produtores rurais 1
Colônia de pescadores 1
Conselho regional de contabilidade 1
Conselho regional de administração 1
Conselho regional de enfermagem 1
Associações profissionais e
Conselho regional de medicina 1
de interesses coletivos Crea 1
Grupo de defesa da Amazônia 1
Junta comercial 1
Oab 1
Ordem dos músicos 1
Sindicatos 21
Subtotal 35
Cartório 4
Centro de atendimento às vítimas de crime 1
Centro de defesa da vida 1
Conselho tutelar 1
Defensoria pública 1
Delegacia da mulher 1
Juizado criminal 1
Justiça do trabalho 1
Justiça federal 1
Serviços jurídicos e Procon 1
defesa civil Tribunal de justiça 1
Tribunal de justiça eleitoral 1
Delegacia da receita federal 1
Delegacia do ministério da fazenda 1
Delegacia do trabalho 1
Delegacia fluvial da capitania 1
Delegacia regional da fazenda estadual 2
Ouvidoria 1
Subtotal 18
Corregedoria da polícia militar 1
Delegacia de polícia militar 1
Junta do serviço militar 1
Empresa de seguros 3
Empresa segurança 4
Posto marítimo 1
Serviços de segurança e Portões eletrônicos 1
defesa civil Penitenciária 1
Delegacia de polícia rodoviária 1
Delegacia de polícia federal 1
Delegacia de polícia civil 3
Defesa civil 1
Subtotal 19
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 271

Modalidades de serviços Unidades econômicas Total


Agência de emprego 4
Agência de namoro 1
Agência de publicidade, propaganda, produtora 45
Agência de serviços gerais 1
Agências de serviços
Associação consciência indígena 1
de interconhecimento
Associação deficientes físicos 1
e construção de
Cooperativa 3
reconhecimento político
Fundação 5
ONG 1
Subtotal 62
Advogado 80
Arquitetura, arquiteto 3
Consultoria e investimentos 2
Engenharia 23
Profissões liberais e
Escritório de contabilidade 56
assessorias
Escritório de economia 1
Geólogo 1
Informática 75
Subtotal 365
Agência Estadual de Defesa Agropecuária 1
Assistência à extensão rural 1
Biblioteca 1
Câmara municipal 1
CDL 1
CDP Cais do Porto 1
Centro de zoonoses 1
Correio 1
Detran 1
Emater 1
Embrapa 1
Fórum 1
Ibama 1
Instituições públicas IBGE 1
(estatais e privadas) Incra 1
Inmetro 1
INSS 1
Ipam 1
Ipasep 1
IPMS 1
Ministérios 5
Prodepa 1
Próvarzea 1
Secretarias de serviços públicos 25
Sucan 1
Tribunal de contas 1
Vigilância sanitária 1
Subtotal 55
272 Delma Pessanha Neves

Modalidades de serviços Unidades econômicas Total


Igreja Católica 5
Igreja Evangélica 11
Templo Católico 1
Templo Evangélico 1
Loja gospel 2
Subtotal 20
Fogões (conserto) 2
Serigrafia 1
Serralheria 3
Oficinas de serviços técni- Tacógrafo 1
cos especializados Locadora de máquinas 1
Terraplanagem 1
Topografia 2
Subtotal 11
Total 1708
Fonte: Disk Certo: informações de telefones empresariais. Guia de Informações, Ano 2013, 5ª Edição,
Santarém/PA. www.guiadiskcerto.com.br.
Levantamento e organização de dados por Angela Maria Garcia, Priscila Tavares dos Santos, Aline
Mesquita e Delma Pessanha Neves.

quadro 81. Distribuição de unidades econômicas do setor de comércio vare-


jista e transporte de mercadorias e passageiros, catalogadas para publicidade,
Santarém, 2013
Modalidades de comércio Unidades econômicas Total
Aeroporto 1
Agência de viagem 36
Agência de navegação 7
Barco 1
Bicicletaria 13
Despachante 13
Estacionamento 2
Importadora 1
Infraero 1
Locações 7
Locadora de carro 21
Locadora de motos 1
Motoboy 1
Mudança 1
Passagens 3
Transportes
Rodoviária 1
Táxi-aéreo 7
Táxi-ponto 3
Transportadora 38
Transporte aéreo 13
Transporte escolar 1
Transporte fluvial 12
Transporte rodoviário / passageiro 20
Comércio e exportação 1
Embalagens 10
Veículos 35
Veículos consórcio 1
Subtotal 251
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 273

Modalidades de comércio Unidades econômicas Total


Autoposto 25
Carrocerias 3
Consórcio 1
Combustíveis, lubrificantes, Gás 27
veículos e acessórios Lubrificantes 2
Motopeças 5
Motos 36
Subtotal 99
Óleo 3
Alumínio - esquadrias e vidros 4
Cerâmica 27
Cimento / tijolo 4
Compensado 4
Concreto 1
Esquadria 17
Ferragens e ferramentas 21
Ferros 4
Gesso 3
Laminação 1
Ferragens, produtos meta- Madeiras 5
lúrgicos, artigos sanitários, Marmoraria 7
material de construção Material de construção 74
Material elétrico 17
Molas 1
Pedras 2
Serraria 1
Solda 1
Sucata metais 6
Telha 2
Tubos 1
Vidraçaria / persianas 21
Subtotal 227
Acessório fluviário 5
Antena parabólica 4
Ar-condicionado para carro 2
Balanças 1
Baterias 4
Celular 37
Eletrobobinadora 2
Máquinas, aparelhos e ma-
Eletrodomésticos 2
terial elétrico
Eletrônica 2
Elevadores 16
Exaustores 1
Filtros e purificadores 3
Náutica e equipamentos navais 4
Rolamento 3
Subtotal 86
Artigos para festa 1
Comercial, mercearias, mercantil, superbox,
Mercadorias em geral, com 119
minibox e kit-box e tabernas
produtos alimentícios Conveniência 1
Material para sorveteiro 1
Subtotal 122
274 Delma Pessanha Neves

Modalidades de comércio Unidades econômicas Total


Distribuidora variedades 22
Material de segurança 4
Material hospitalar 4
Material ortopédico 1
Material para pesca 1
Mercadorias em geral, sem Ração 1
produtos alimentícios Tupperware 1
Variedades 46
Variedades para bebês / crianças 12
Móveis 33
Móveis planejados 8
Subtotal 133
Bazar 7
Lanches 75
Peixaria 6
Supermercado 22
Açaí 3
Açougue 25
Aves / avícola 1
Bombonière 1
Confeiteira 1
Doces e tortas 1
Produtos alimentícios e de
Floricultura 5
uso doméstico e pessoal
Frango assado 5
Frutaria 7
Leite 1
Panificadora 23
Polpa de frutas 3
Produtos naturais 2
Sorveteria 4
Tempero caseiro 1
Verduras 1
Subtotal 194
Banca de jornal, revista 3
Carimbo 1
Cartão 2
Copiadora 8
Jornal 11
Livraria 18
Papel, impressos e artigos
Papelaria 7
de escritório
Placas 3
Plásticos 3
Revista 4
Tipografia 1
Subtotal 61
Cosméticos 2
Farmácia / drogaria 114
Produtos químicos e
Perfumaria / cosméticos 11
farmacêuticos
Tintas 5
Subtotal 132
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 275

Modalidades de comércio Unidades econômicas Total


Construtora 33
Designer 10
Dedetização 6
Construção civil, Imobiliária 36
arquitetura, acabamento
residencial e dedetização Marcenaria 2
Perfuração de poços 1
Piscina 4
Subtotal 92
Total 117
Fonte: Disk Certo: informações de telefones empresariais. Guia de Informações, Ano 2013, 5ª Edição, San-
tarém/PA. www.guiadiskcerto.com.br . Levantamento e organização de dados por Angela Maria Garcia,
Priscila Tavares dos Santos, Aline Mesquita e Delma Pessanha Neves

quadro 82. Distribuição de unidades econômicas do setor de comércio atacadista


catalogadas para efeitos de publicidade, Santarém, 2013

Modalidades de comércio Unidades econômicas Total


Distribuidora de combustível 19
Máquinas e motores 24
Distribuidora de livros 3
Agropecuária insumos 43
Agropecuária negócios 1
Distribuidora de tabaco 1
Distribuidora e armazém de grãos 15
Distribuidora de água mineral 5
Armazens e distribuidoras Distribuidora de alimentos 50
e vendas no atacado Distribuidora de balas e doces 13
Distribuidora de bebidas 23
Distribuidora de produtos para lanches, pizzaria 1
Distribuidora de cosméticos 5
Distribuidora de produtos farmacêuticos 5
Distribuidora de confecções 13
Distribuidora de bolsas 1
Distribuidora de lingerie 2
TOTAL 224
Fonte: NEVES et al, 2013.
276 Delma Pessanha Neves

quadro 83. Distribuição de unidades econômicas dos setores de crédito, construção


civil e arquitetura, catalogadas para publicidade, Santarém, 2013

Modalidades de serviços Unidades econômicas Total


Agências bancárias 13
Serviços bancários e de crédito Agências financeiras e de crédito 12
Subtotal 25
Construtora 33
Designer 10
Dedetização 6
Construção civil, arquitetura, Imobiliária 36
acabamento residencial e
dedetização Marcenaria 2
Perfuração de poços 1
Piscina 4
Subtotal 92
TOTAL 117
Fonte: Disk Certo: informações de telefones empresariais. Guia de Informações, Ano 2013, 5ª Edição, San-
tarém/PA. www.guiadiskcerto.com.br. Levantamento e organização de dados por Angela Maria Garcia,
Priscila Tavares dos Santos, Aline Mesquita e Delma Pessanha Neves.

quadro 84. Distribuição de unidades econômicas dos setores de usinas de


beneficiamento e indústrias de transformação, catalogadas para publicidade,
Santarém, 2013
Modalidades de comércio Unidades econômicas Total
Beneficiadora produtos agrícolas (arroz, milho, café) 8
Editora 1
Estaleiro 4
Estância 18
Fábrica de gelo 5
Fábrica de velas 1
Usinas de beneficiamento Frigorífico 8
e indústrias de
Gráfica 21
transformação
Indústrias inespecíficas e usinas 15
Madeireira 10
Tipografia e produção de magazines 11
Malhadeira 1
Metalúrgica 3
Reciclagem de entulho 1
Tecelagem 1
TOTAL 108
Fonte: NEVES et al., 2013.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 277

A pergunta inicial, qual seja, a que conhecimentos os dados quantita-


tivos e gerais podem corresponder, pode ir sendo agora melhor qualificada.
No que tange a empregos formais, eles trazem à luz certo conhecimento,
mediante bailados de sistematizações quantitativas em diversos anos de re-
censeamento. Neste caso, é possível também compreender alusões ao tra-
balho da mulher (mas também do homem), desde que se compreenda que
tipo de atividade tende a ser considerada. Foi possível perceber a expansão
do mercado de trabalho assalariado nos setores de comércio e serviços, de
qualquer modo, aqueles que se apresentam em expansão no município. Mas
a visibilidade social dos dados corresponde àquela passível de quantifica-
ção. Não se conta, por exemplo, todo o trabalho economicamente gratuito
realizado pelas mulheres em benefício da família nem tão pouco o trabalho
agrícola, realizado desde tenra idade por meninos e meninas.
Pelas entrevistas, posso concluir que a todo agricultor corresponderia
uma agricultora. Os homens entrevistados sempre fazem referência à con-
quista da autonomia diante do pai e/ou da mãe, ou seja, a liberação de sua
obrigação de ajuda ao pai e/ou mãe, relativamente condicionada ao casa-
mento. Evidenciam assim os limites para se apropriarem autonomamente do
rendimento correspondente ao que, de fato, trabalham e produzem quando
solteiros e residentes na casa dos pais. Todo produto do trabalho é computa-
do por termo de sentidos muito abrangentes, como ajuda familiar, cabendo
ao pai gerir, segundo cumprimento de regras sociais, a legitimidade do direi-
to à ajuda do filho. Segundo o repertório de valores morais que orientam a
vida familiar, o destino real dos recursos alcançados corresponde ao benefí-
cio de todos os que se apresentam como dele dependentes e colaboradores.
Em sendo a autonomia de cada produtor alcançada por deslocamentos
para inserção como assalariado em outros espaços de mercado de trabalho
ou por ocasião da apropiação de um lote de terra diante do casamento, a ten-
dência geral é de que ela de fato se objetive mediante a participação produtiva
da mulher. Nas condições esperadas, enquanto o filho não dispuser de uma
companheira, ele continuará associado à divisão do trabalho familiar da uni-
dade consanguínea. Descontando aí as exceções, homens que permaneceram
solteiros ou que estão em situação de ruptura da relação conjugal, por sepa-
ração ou viuvez, são relativamente raros. A norma insiste na valorização do
casamento para todos e, consequentemente, de tantos recasamentos, por ini-
ciativa tanto de homens como de mulheres, quantos necessários e possíveis.
O reconhecimento dessa identificação profissional – agricultor(a) fami-
liar – é relativamente recente, dele desdobrando a extensão do benefício do
trabalho agrícola, para homens e mulheres, quando membros de uma equipe
de trabalho familiar. Em função dos reconhecidos direitos, as mulheres que
no percurso de vida, como filha ou esposa, colocaram em prática o trabalho
278 Delma Pessanha Neves

produtivo na agricultura e na pesca, em formas diversas de extrativismo, vêm


cada vez mais reivindicando a internalização dessa forma de identificação so-
cial. Por ser recente tal reconhecimento, mesmo quando, no atual contexto,
em situação de entrevista, pergunta-se sobre trabalho de mães e avós, ime-
diatamente o entrevistado responde pelo relevo das atividades domésticas
ou pela explicação de que não trabalhavam.
Embora o início da criação oficial do sistema previdenciário brasileiro
ocorresse a partir da década de 1920, os trabalhadores rurais só começaram
a ser contemplados com alguns benefícios legais a partir do movimento de
sindicalização rural ou de representação política delegada, posto em prática
a partir da década de 1960. Entre eles, os decorrentes da implementação
de políticas de Estado nas áreas de saúde e previdência social. Todavia, os
direitos dos trabalhadores rurais eram reduzidos vis-à-vis aos demais tra-
balhadores (urbanos), tanto no valor dos benefícios como na cobertura dos
planos.

A Lei n° 3.807, de 26 de agosto de 1960, criou a Lei Orgânica de Previ-


dência Social - LOPS, que unificou a legislação referente aos Institutos
de Aposentadorias e Pensões. Em 1963 criou-se o Fundo de Assistência
ao Trabalhador Rural FUNRURAL; e em 1971, criou-se um programa de
assistência ao trabalhador, dando vida ao FUNRURAL em 25 de maio
de 1971, objeto posterior de mudança pela Lei Complementar 11, que
extinguiu o Plano Básico e criou, em seu lugar, o Programa de Assistên-
cia ao Trabalhador Rural (Pró-Rural), destinado à prestação de apo-
sentadoria por velhice, aposentadoria por invalidez, pensão, auxílio-
-funeral, serviço social e serviço de saúde aos trabalhadores rurais e
aos seus dependentes. A responsabilidade pela execução do programa
coube ao FUNRURAL, ao qual foi atribuída a personalidade jurídica de
natureza autárquica. Ficou ainda equiparado ao trabalhador rural, pela
Lei Complementar 11, o produtor que trabalha na atividade rural sem
nenhum empregado. Posteriormente, pelos Decretos 71.498, de 5 de
dezembro de 1972, e 75.208, de 10 de janeiro de 1975, os benefícios
do Pró-Rural foram estendidos, respectivamente, aos pescadores e aos
garimpeiros (BELTRÃO, 2000, p. 4).
No que tange à previdência social, as desigualdades entre categorias
profissionais só foram legalmente (nem sempre na prática) extintas
na Constituição que tange à previdência só foi extinta com as mudan-
ças inscritas na Constituição Federal de 1988, alargando inclusive o
escopo das distintas posições do trabalhador rural, entre elas os agri-
cultores familiares. Com as novas regras, o valor das aposentadorias
que antes era de meio salário mínimo e concedido somente para o
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 279

chefe da família, passou a ser de um salário mínimo e extensivo às


mulheres. As datas limites para inserção no sistema foram fixadas aos
60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres.
Para ter o direito de se aposentar ou garantir outros benefícios (salário-
-maternidade, auxílio doença, etc.), o trabalhador rural precisa compro-
var, além da idade, que esteja exercendo atividade rural no mínimo há
180 meses ou 15 anos. Em relação ao agricultor familiar, a aposentado-
ria, além de se dar pelo critério da comprovação de atividade, também
pressupõe um indício de prova material: documento de cadastro da
propriedade no órgão específico - Incra ou Iter- ou mesmo sua escritu-
ra pública, nota fiscal da produção ou indícios em algum documento de
que a pessoa é trabalhadora rural, a exemplo de uma certidão de casa-
mento, onde pode constar uma identificação da função da pessoa como
trabalhador rural, ou uma ficha de matrícula na escola. Se esta for na
zona rural, a profissão lançada na matrícula do filho e ficha de atendi-
mento nos postos de saúde na mesma área rural também podem iden-
tificar a relação do segurado com o trabalho rural. Se não é proprietá-
rio, mas é parceiro, meeiro, comodatário ou arrendatário, o trabalhador
precisa ter um contrato agrário (de parceria, meação, arrendamento ou
comodato) com firma reconhecida em cartório. Além dos documentos,
exige-se declaração do Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) para
legitimar o direito do trabalhador, complementando a prova pela decla-
ração pública do conhecimento da história de vida do(a) trabalhador(a)
rural, identificando o exercício de atividade (Contag: http:// http://
www.contag.org.br, acesso em 03 de novembro de 2013. 2013).

A sanção da Lei Federal nº 12.873, de 24 de outubro de 2013, mantém


a condição de segurado especial da previdência social aos agricultores fami-
liares que industrializam alimentos, trabalham com turismo rural ou produ-
zem artesanatos.
Ao encerrar esta primeira parte do capítulo 4 que, como o venho de-
finindo, organiza-se a partir de um mosaico de fragmentos de informações,
em grande parte descontínuas, mas que, melhor ou pior, permitem alcançar
alguns flashes ou lampejos de conhecimento da população local, aprofundo,
na segunda parte deste capítulo, essa caracterização pela construção de da-
dos segundo objetivos propostos pela pesquisa aqui textualizada. Pelos dados
seguintes, pretendo compreender, imediatos, isto é, na medida do possível,
como foi se estruturando um conjunto de vínculos de trabalho para homens
e mulheres, numa região com atividade econômica ainda muito pautada na
agricultura e no extrativismo e, mais recentemente, expansão dos setores de
comércio e serviços.
280 Delma Pessanha Neves

Alternativas econômicas contextuais: registro de vida


intergeracional

As condições de estruturação do mercado de trabalho no plano local


estão longe de oferecer oportunidades para a calculada população economi-
camente ativa. A depender desses vínculos em plano formal, deduzir-se-ia
amplo desemprego. Os baixos salários por si mesmos limitam a demanda de
postos formais de emprego. As alternativas oferecidas pela produção do au-
toemprego ou pelo trabalho autônomo correspondem então a importantes
pilares da reprodução dos grupos domésticos.
No cômputo da população economicamente ativa, o vínculo de mulhe-
res alcança 42%. Quanto ao nível de instrução, a maior parte dos trabalha-
dores integrados ao mercado não alcançou o nível fundamental completo
(39%). Apenas 21% chegou a este nível de ensino. O nível médio de ensino é
conquista para 33% deles; e o superior completo corresponde a apenas 8%.
A análise nesses termos é bastante desfavorável para o segmento da popula-
ção não integrada como trabalhadores economicamente ativos. Os homens
representam menor índice desse total (38%); e as mulheres (62%). Neste
segmento, a situação se inverte: as mulheres ultrapassam o número de ho-
mens (62%). Ainda entre os não economicamente ativos, 63% estão com-
putados como sem instrução ou dotados de nível fundamental incompleto.
Neles ainda, o número de trabalhadores que atingiu o ensino fundamental
completo corresponde a menor percentual (20%), comparativamente aos
trabalhadores economicamente ativos. Os trabalhadores que alcançaram ní-
vel médio e estão computados no segmento de não economicamente ativos
perfazem 15%, em contraposição àqueles que, dotados desse mesmo nível
de ensino, correspondem ao segmento de trabalhadores integrados por vín-
culo formal de trabalho (33%). Os trabalhadores com nível superior de ensi-
no são mais incorporados ao mercado de trabalho (8%), em contraposição a
1,4% deles que se situam como economicamente não ativos.
Retomando a análise sobre atributos da população economicamente
ativa, o quadro seguinte demonstra ainda melhoria no prolongamento da
idade para inserção precoce ao mercado de trabalho. Apenas 3.069 traba-
lhadores desempenham formalmente ocupações assalariadas, incidência
explicável pela obrigatoriedade do ensino fundamental e do ensino mé-
dio para inserção em múltiplas atividades. Esse número, contudo, deveria
estar ainda mais minimizado, considerando a legislação trabalhista brasi-
leira, que cria restrições para essa inserção precoce. Tais adolescentes tra-
balhadores correspondem praticamente a 10% do segmento que foi com-
putado pelo afastamento do mercado de trabalho. A proporção permanece,
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 281

embora menos acentuada, para trabalhadores entre 15 e 19; e se inverte


a partir dos 20 anos, posto que o número de vínculos formais excede ao
que está fora do mercado formal de trabalho. A mesma relação acompanha
outras faixas etárias subsequentes, exceto a partir de 60 anos, quando as
condições e alternativas de trabalho são consideradas desfavoráveis.

quadro 85. População econômica e não economicamente ativa no município de


Santarém, em 2010

Pressupostos da computação
Trabalhadores Trabalhadores não
Classificação economicamente ativos economicamente ativos
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total
Total geral 73.611 52.054 125.665 41.683 67.218 108.901
Nível de instrução
- sem instrução e
- - 48.628 - - 68.848
fundamental incompleto
- fundamental completo e
- - 25.979 - - 21.992
médio incompleto
- médio completo e
- - 41.052 - - 15.848
superior incompleto
- superior completo - - 9.479 - - 1.547
- não determinado - - 527 - - 666
Faixa etária (anos)
10 a 14 - - 3.069 - - 30.032
15 a 19 - - 10.651 - - 21.567
20 a 24 - - 18.697 - - 10.424
25 a 29 - - 18.857 - - 7.071
30 a 34 - - 16.679 - - 5.687
35 a 39 - - 14.918 - - 3.945
40 a 44 - - 12.179 - - 3.628
45 a 49 - - 10.277 - - 3.617
50 a 54 - - 7.786 - - 3.563
55 a 59 - - 5.940 - - 3.375
60 a 69 - - 5.177 - - 7.385
70 ou mais - - 1.434 - - 8.607
Total 125.664 108.901
Fonte. IBGE, 2010.

Quanto aos setores econômicos aos quais os trabalhadores aparecem


integrados, marcantes diferenças separam alternativas possíveis para ho-
mens e mulheres. Estas aparecem predominantemente nos setores de edu-
cação (72%), de saúde humana e serviços sociais (68%), de alojamento e
alimentação (68%), trabalhadores de apoio administrativo (62%), adminis-
tração pública, defesa e seguridade social (56%) e trabalhadores dos servi-
ços, vendedores dos comércios e mercados (53%). Estão agrupadas apro-
ximadamente aos homens entre os vínculos de setores classificados como
282 Delma Pessanha Neves

financeiro e de seguros (49%), trabalhadores de ocupações elementares


(48%) e profissionais das ciências e intelectuais (43%). Todavia, é o setor
doméstico que mais integra o trabalho assalariado das mulheres (94%).

quadro 86. Distribuição da força de trabalho economicamente ativa no município


de Santarém, segundo setores produtivos e distinção de sexo, 2010

Trabalho principal Homens Mulheres Total


Agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e
18.108 8.127 26.235
aquicultura, produção florestal, pesca e aquicultura
Indústrias extrativas 587 - 587
Indústrias de transformação 4.783 3.159 7.942
Eletricidade e gás 304 43 347
Gestão de resíduos e descontaminação 316 85 401
Construção 8.064 249 8.313
Comércio 18.108 8.127 26.235
Reparação de veículos automotores e motocicletas 12.716 9.960 22.676
Transporte, armazenagem e correio 6.384 495 6.879
Alojamento e alimentação 1.551 1.993 3.544
Informação e comunicação 644 275 919
Financeiras, de seguros e serviços relacionados 313 299 612
Imobiliárias 128 83 211
Profissionais, científicas e técnicas 972 738 1.710
Administrativas e serviços complementares 1.713 747 2.460
Administração pública, defesa e seguridade social 3.536 2.113 5.649
Educação 2.009 5.119 7.128
Saúde humana e serviços sociais 843 1.799 2.642
Artes, cultura, esporte e recreação 493 250 743
Outras atividades de serviços 1.274 1.448 2.722
Serviços domésticos 430 6.503 6.933
Atividades mal especificadas 3.556 2.344 5.900
Diretores e gerentes 1.840 1.293 3.133
Profissionais das ciências e intelectuais 3.339 5.504 8.843
Técnicos e profissionais de nível médio 3.758 1.987 5.745
Trabalhadores de apoio administrativo 2.331 3.831 6.162
Trabalhadores dos serviços, vendedores dos comércios
8.976 10.010 18.986
e mercados
Trabalhadores qualificados da agropecuária, florestais,
12.440 5.676 18.116
da caça e da pesca
Trabalhadores qualificados, operários e artesão da
11.708 1.141 12.849
construção, das artes mecânicas e outros
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 283

Trabalho principal Homens Mulheres Total


Operadores de instalações e máquinas e montadores 6.857 1.969 8.826
Trabalhadores de ocupações elementares 12.311 11.205 23.516
Membros das forças armadas, policiais e bombeiros
855 58 913
militares
Ocupações mal definidas 4.311 3.157 7.468

Fonte: IBGE, 2010.

As precárias condições de inserção no mercado de trabalho formal


no município de Santarém podem ainda ser constatadas pela distribuição
dos trabalhadores segundo níveis de rendimento, tomando para a constru-
ção da escala o salário mínimo como unidade de medida e equivalência.

quadro 87. Índices de remuneração de trabalhadores residentes em Santarém,


2010

Unidades de salário mínimo Número de indivíduos %


até 1/8 34.450 12,0
1/8 a 1/4 41.673 14,0
1/4 a 1/2 78.232 26,4
1/2 a 1 73.544 25,0
1a2 36.222 12,0
2a3 8.165 3,0
3a5 5.585 2,0
5 a 10 3.129 1,0
10 1.047 0,4
Sem rendimento* 12.391 4,2
Total 294.438 100,0
* Incluídas pessoas que receberam somente em benefícios.
Fonte: Fonte: IBGE, 2010.

Pela distribuição percentual considerada no quadro anterior, 77,4%


dos trabalhadores computados não ultrapassam um salário mínimo, com
grande incidência de remuneração correspondente a menos que metade do
salário mínimo ou 25% ultrapassando esse limiar e permanecendo no mes-
mo patamar de uma unidade do valor referido. Ainda se destaca o peso do
trabalho não remunerado ou de pessoas sem rendimento financeiro. Ínfima
é a proporção de trabalhadores que ultrapassam um salário mínimo de re-
muneração, dez dessas unidades sendo verdadeiramente uma exceção.
284 Delma Pessanha Neves

No que tange ao vínculo das mulheres ao trabalho doméstico remune-


rado, de grande incidência é a afiliação como trabalhadora agregada junto a
famílias que as acolhem, condição mediante a qual a remuneração em ter-
mos diretos, isto é, em dinheiro, é mínima ou inexistente. Os vínculos pelo
trabalho doméstico deixam transparecer a natureza do assujeitamento pes-
soal, como os depoimentos de entrevistados irão fartamente demonstrar.
Comparando os dados antes considerados com outros tantos que fo-
ram disponibilizados no Censo Demográfico de 2000, pode-se pressupor
pouca alteração nas condições de vínculo pelo trabalho. Ocorreu um aumen-
to da demanda de trabalhadores contratados por vínculo formal. O Censo de
2010 registrou número predominante de trabalhadores informais, e pressu-
ponho diante dos dados obtidos em levantamento colocado em prática por
esse programa de pesquisa expansão do trabalho por conta própria.

quadro 88. Indicadores de mercado de trabalho. Censo 2000

Censo Demográfico 2000


Indicadores
Masculino Feminino Total
População Residente 130.402 132.136 262.538
Taxa de Analfabetismo (%) 1 10,84 8,81 9,81
Pop. Economicamente Ativa 64.199 37.464 101.663
PEA Desocupada 6.693 6.954 13.647
PEA Ocupada 57.506 30.510 88.016
De 16 a 24 anos 14.625 6.918 21.543
Rendimento Médio (em R$) 368,78 245,02 325,88
Trabalhadores Formais 2 12.716 7.995 20.711
Trabalhadores Informais 3 34.811 12.121 46.932
Notas: (1) Taxa de analfabetismo para pessoas de 10 anos ou mais de idade.
(2) Compreende os empregados com carteira, militares e estatutários.
(3) Compreende os empregados sem carteira e os trabalhadores por conta própria.
Fonte: IBGE. Censo Demográfico 2000, Elaboração MTE, consulta ao site institucional.

A distribuição dos trabalhadores computados no Censo Demográfico


de 2000 foi elaborada com base em termos classificatórios indicados no qua-
dro seguinte, reafirmando os comentários que anteriormente apresentei so-
bre a magnitude do trabalho autônomo, contratos de trabalho ilegais e ainda
sobre trabalhadores não diretamente remunerados.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 285

quadro 89. Pessoas de 10 anos ou mais ocupadas na semana de referência da


computação do Censo Demográfico de 2000 em Santarém

Condições de vínculo Número de indivíduos


Com carteira de trabalho assinada 28.113
Militares e funcionários públicos estatutários 5.717
Sem carteira de trabalho assinada 169
Conta própria 38.569
Empregados - sem carteira de trabalho assinada 26.845
Empregadores 1.632
Não remuneradas 3.175
Trabalhadores na produção para o próprio consumo 10.718
Fonte: IBGE. Consulta ao site institucional em dezembro de 2013.

No início deste capítulo, investi na construção de dados que permi-


tissem compreender o atual contexto econômico, as formas de vínculo ao
mercado de trabalho e respectiva remuneração. Nesta segunda parte, incor-
poro informações referentes ao levantamento anteriormente referido sobre
alternativas de integração social da força de trabalho, finalizando a análise
com aqueles que, nos anos da coleta dos dados (2011/2012), se situavam
entre 18 e 29 anos. Sendo essa a faixa etária, as indicações dos entrevistados
demonstram alternativas que nos últimos 15 anos vêm se apresentando e
sendo incorporadas.
Na escala de idade em apreço foram sistematizadas informações sobre
1.763 indivíduos: 952 do sexo masculino, abarcando 941 vivos e 11 falecidos
no decorrer da existência na faixa considerada, ou seja, para efeitos de refle-
xão sobre condições de inserção no mercado de trabalho ou de qualificação
legal para atividade produtiva. Faleceram, portanto, após alguma experiên-
cia de inserção social por esse prisma. No tocante aos indivíduos do sexo fe-
minino, as informações alcançaram 811 mulheres, destas, 803 estando vivas
e 8 delas falecidas nas condições antes caracterizadas para os homens. Todos
esses indivíduos nasceram no estado do Pará, 869 homens e 761 mulheres
em Santarém.5
Quanto ao nível de instrução alcançado, os 1.763 indivíduos assim se
distribuíam:

5
Em virtude do predomínio de natalidade no estado do Pará e no município de Santarém, julguei
dispensável apresentar, como nos outros capítulos, o quadro referente ao registro dos municípios de
nascimento.
286 Delma Pessanha Neves

quadro 90. Caracterização do nível de instrução de indivíduos referenciados, com


idade entre 18 e 29 anos, segundo a distribuição por sexo e condição biológica de
vida

Masculino Feminino Total


Nível de instrução
Vivo Falecido Vivo Falecido Vivo Falecido
Analfabeto 11 1 18 1 29 2
Alfabetizado 141 3 165 1 306 4
Fundamental incompleto 195 5 107 2 302 7
Fundamental completo 326 2 206 2 532 4
Ensino médio 246 294 2 540 2
Ensino superior 22 13 35
941 11 803 8 1.744 19
Total
952 811 1.763
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Nessa faixa etária há importante diminuição quanto à circulação dos


indivíduos na região Norte, posto que não ocorreu registro de migração para
outros estados. O contextual crescimento de atividades produtivas nessa re-
gião, especialmente na cidade de Manaus e Macapá, seguidas das comple-
mentares demandas nos setores de construção civil e comércio, explicam,
pela avaliação dos dados obtidos no levantamento, as alternativas de fixação
no município de Santarém. A fixação, contudo, deve ser compreendida a par-
tir de diversas idas e vindas, poucas vezes o deslocamento correspondendo
a grandes continuidades no afastamento desses trabalhadores relativamente
mais jovens.

quadro 91. Distribuição dos indivíduos referidos no levantamento e situados na


faixa etária de 18 e 29 anos, segundo municípios de residência e respectivo estado,
2012

18 a 29 anos
Masculino Feminino
Estados Municípios Total
Vivo Falecido Vivo Falecido
Amapá Macapá 8 3 5
Manaus 38 16 1 20 1
Amazonas
Coari 1 1
São Luís 4 3 1
Maranhão
Bacabal 1 1
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 287

Alenquer 36 17 1 18
Almerim 3 1 - 2 -
Altamira 17 7 1 9
Aveiro 3 1 - 2 -
Belém 4 3 - 1 -
Belterra 22 10 1 10 1
Boim 8 3 - 5 -
Itaituba 30 12 1 17
Jacareanga 6 2 - 4 -
Jari 1 1 - - -
Juruti 16 5 1 9 1
Medicelândia 1 - - 1 -
Mojuí dos Campos 12 8 - 4 -
Monte Alegre 16 9 - 7 -
Pará
Novo Progresso 2 2 - - -
Óbidos 34 15 18 1
Oriximiná 18 9 1 7 1
Paraopebas 1 - - 1 -
Placas 3 1 - 2 -
Prainha 9 5 - 4 -
Rurópolis 2 2 - - -
Santarém 1.461 800 4 654 3
Tucuruí 5 5 - - -
Uruará 1 1 - - -
Subtotal 1.711 919 10 775 7
Total 1.763 941 11 803 8
Fonte: Levantamento posto em prática nos quadros da pesquisa em análise, entre os anos de 2011 e 2012.
288 Delma Pessanha Neves

quadro 92. Síntese das identificações dos indivíduos referidos no levantamento e


situados na faixa etária de 18 e 29 anos, segundo último ou único vínculo de trabalho
e setor produtivo

Setores produtivos Subdivisões Masculino Feminino Total


Agricultura, agropecuária
66 65 131
e extrativismo
Artesanato e costura 0 32 32
Comércio 209 179 388
Construção civil 55 55
Indústria 9 4 13
Administrativos (públicos e
50 70 120
privados)
Domésticos remunerados e não
2 148 150
remunerados
Educacionais 118 196 314
Estética e higiene pessoal 5 23 28
Limpeza e serviços gerais 37 23 60
Serviços Segurança institucional pública
35 35
e privada
Profissionais de nível superior
7 10 17
de ensino
Recreação e turismo 5 1 6
Saúde e cuidados 15 39 54
Técnicos 21 3 24
Transporte 115 3 118
Ofícios e profissionais de
196 5 201
saber prático
Sem informação 7 10 17
Total 952 811 1.763
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 289

Gráfico 3. Distribuição por sexo e setor produtivo de vínculo de indivíduos referidos


na faixa etária entre 18 e 29 anos

Fonte: Levantamento posto em prática nos quadros da pesquisa em análise, 2012.

Valendo-me de gráficos para oferecer melhor visibilidade da compu-


tação, tendo em vista a pulverização dos dados, detalho as subdivisões de
serviços do setor.

Gráfico 4. Distribuição por sexo dos trabalhadores entre 18 e 29 anos afiliados aos
subsetores do setor administrativo

Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.


290 Delma Pessanha Neves

Iniciando pelos setores agrícola, agropecuário e extrativista, no tocan-


te aos indivíduos considerados, há, para essa faixa etária, uma retração no
volume das afiliações produtivas. O dado é indicativo do menor interesse dos
jovens trabalhadores por essas atividades produtivas.
Dos 52 trabalhadores que iniciaram e permaneceram nesse vínculo,
68% (35) são mulheres. Vinte (20) delas abandonaram a atividade agrícola
para operarem com prestação remunerada de trabalhos domésticos, como
pescadoras e revendedoras. Uma delas experimenta deslocamento social
mais expressivo, vindo a ser professora da rede municipal de ensino.
No caso dos homens, há maior circularidade entre trabalho agrícola e
extrativista, alternativa pouca incorporada por mulheres, salvo vínculo com
a exploração de carvão vegetal.

quadro 93. Distribuição dos indivíduos referidos segundo distinção sexual e vínculos
a setores agrícola, agropecuário e extrativista

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Agricultura e
Agropecuária
Agricultor(a) 17 34 51
Ajudante de barco 2 2
Ajudante de barco à vigia 1 1
Carpinteiro à marceneiro 1 1
Comandante de barco 1 1
Despachante de veículos 1 1
Estivador à serrador 1 1
Pastor da igreja 1 1
Agricultor Pedreiro 3 3
Pescador 2 2
Trabalhador da construção civil à
1 1
serrador
Vendedor de lanche 2 2
Comerciante 1 1
Pedreiroàcarpinteiroàeletricista 1 1
Consultora da Avon 1 1
Costureira 4 4
Cozinheira vendedora de tupperware 1 1
Doméstica àartesã 12 12
Dona de casa 1 1
Agricultora Empregada doméstica 1 1
Pescadora 1 1
Professora 2 2
Vendedora (ambulante) 1 1
Agente de saúde 1 1
Cozinheira de garimpoàdona de casa 1 1
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 291

Auxiliar
Agricultor à sindicalista 1 1
administrativo
Capataz de fazenda 1 1
Caseiro 1 1
Caseiro Serviços gerais à balconista 1 1
Horticultora 1 1
Operário de Granja 1 1
Vaqueiro 4 4
Subtotal 44 61 105
Extrativismo
Carvoeira 2 2
Carvoeiro Carroceiro 1 1
Castanheira Serviços domésticos 1 1
Minerador Minerador 1 1
Pescador 10 10
Agricultor 3 3
Agricultor àcomerciante 1 1
Pescador
Pedreiro 5 5
Pescadora 1 1
Pescadora Agricultora 1 1
Subtotal 22 4 26
Total 66 65 131
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Quanto ao vínculo de trabalhadores entre 18 e 29 anos nas atividades


artesanais e de costura, o número de mulheres é bem significativo, alterna-
tivas plenamente negadas pelos homens. No caso em apreço, a experiência
consolidada e reconhecida como costureira é relativamente provisória ou
própria dos primeiros passos na constituição do rendimento individual.
Das 26 delas que se constituíram profissionalmente por esse exercício,
apenas 14 assim permaneciam no ato da entrevista. As demais investiram
em outras formas de composição do rendimento financeiro. Vale destacar
que a inconstância de vínculos de trabalho é inerente a essa fase da vida,
momento em que elas valorizam a maternidade e nem sempre podem con-
tar com apoio familiar para o cuidado com a prole. Nessas situações, as ati-
vidades produtivas escolhidas se adéquam ao dever do exercício materno.
292 Delma Pessanha Neves

quadro 94. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos aos setores de artesanato e costura

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Artesanato
Artesã 3 3
Artesã de crochê 2 2
Tapeceira Revendedora de tapetes 1 1
Subtotal 0 6 6
Costura
Costureira (autônoma) 13 13
Costureira assalariada 1 1
Dona de casa 1 1
Manicure 1 1
Professora de reforço (autônoma) 1 1
Proprietária de ateliê 1 1
Secretária à auxiliar
1 2
administrativa
Vendedora (comerciária sem
1 1
Costureira contrato de trabalho)
Vendedora ambulante 1 1
Vendedora de hortaliças 1 1
Proprietária de boutique 1 1
Auxiliar administrativa 1 1
Cozinheira de escola 1 1
Secretária à auxiliar
1 1
administrativa
Subtotal 26 26
Total 32 32
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Tomando em conta os vínculos ao setor de comércio, as mulheres se


fazem tão presentes quanto os homens, todavia mediante expressiva cir-
cularidade de ocupações e precariedade das formas de remuneração. Es-
ses dados indicam ainda as múltiplas criatividades inerentes à constituição
e circulação de mercadorias. Elas tendem a ocupar funções de atendente,
qualificativo funcional que acentua a pouca formação escolar e demanda
de competências, pautando-se mais na valoração de relacionamentos cons-
truídos segundo padrões próprios de sociabilidade requerida na imediata
transação.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 293

O termo atendente se aproxima ao sentido atribuído ao vendedor, mas


neste caso indicando a informalidade do vínculo, condição ultrapassada pe-
las que se apresentam como comerciárias. Nessa situação a circularidade em
posições relativamente equivalentes também se expressa, muitas das mulhe-
res assim alcançando poupanças financeiras para atualizar as condições do
trabalho autônomo. Esses deslocamentos e oportunidades estão demonstra-
dos pela significativa presença de comerciantes (gestores do próprio negó-
cio), caminho aberto para homens e mulheres. Para algumas das mulheres, a
inserção no trabalho agrícola e autônomo compõe o conjunto de alternativas
para o desempenho de atividades produtivas remuneradas. O vínculo ao se-
tor comercial pelo trabalho no espaço doméstico (ou a este contíguo) será
objeto de análise do próximo volume desta coleção. No momento, lidando
com dados quantitativos, destaco a magnitude desse quadro de alternativas.

quadro 95. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor de Comércio
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Açougueiro Auxiliar de barco 1 1
Açougueiro (auxiliar de
6 6
açougueiro)
Administrador de redes de
1 1
farmácias
Agente imobiliário 1 1
Apontador(a) de jogo de
1 2 3
bicho
Garçonete à doméstica
à babá à manicure à 1 1
cabeleireira
Garçonete à doméstica à
Atendente manicure à cabeleireira à 1 1
costureira à vendedora
Vendedora à garçonete à
1 1
monitora escola privada
Atendente de farmácia 1 1
Atendente de farmácia Atendente em reprografia 1 1
Atendente de restaurante 2 2
Atendente em agência de
1 1
turismo
Auxiliar de cabeleireiro Comerciária em lanchonete 1 1
Auxiliar de cozinha Vendedora 1 1
Auxiliar de escritório Vendedora 1 1
Auxiliar em loja de joias da
1 1
família
Doméstica à vendedora de
1 1
açaí
Babá
Vendedora autônoma à
1 1
organizadora de eventos
294 Delma Pessanha Neves

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Balconista 3 6 9
Bancário Comerciário em armarinho 1 1
Barman 1 1
Biscateiro 1 1
Caixa de lotérica 1 1
Caixa de supermercado 2 2
Caixeiro viajante 1 1
Carregador em embarcação Auxiliar de máquinas 1 1
Carroceiro Mototáxi 1 1
Militar (reservista) à
Cobrador de crediário 1 1
motorista
Comerciante sem
9 10 19
especificação
Açougueiro 1 1
Agricultor 2 2
Atendente em restaurante 1 1
Dona de casa 4 4
Dono de embarcação 1 1
Comerciante Empresário 1 1
Esteticista 1 1
Mecânico 2 2
Mototáxi 1 1
Vendedor de peixe 1 1
Vendedora de comida 1 1
Vendedora de confecção 1 1
Comerciante (taberna) 1 1
Comerciante (boutique) 2 2
Comerciante (material de
2 2
construção)
Comerciante (academia de
1 1 2
ginástica)
Comerciante (açougue) 1 1
Comerciante (agência de
3 3 6
turismo)
Comerciante (armarinho) 1 1
Comerciante (ateliê) 1 1
Comerciante (autopeças
2 2
carro e moto)
Comerciante
2 2
(autopeças de moto)
Comerciante (bar) 4 4
Comerciante (borracharia) 1 1
Comerciante (casa de festas) 1 1
Comerciante (casa de festas) 1 1
Comerciante (confecção) 4 4
Comerciante (distribuidora) 2 2
Comerciante (fábrica de
1 1
bolsas)
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 295

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Comerciante (farmácia) 1 1 2
Comerciante (lanchonete) 3 1 4
Comerciante (lava jato) Proprietária de salão de beleza 1 1
Comerciante (loja de motos) 1 1
Comerciante (material de
1 1
construção)
Comerciante (mercearia) 1 1
Comerciante (padaria) 1 1
Comerciante (restaurante) 2 3 5
Comerciante (salão de
Esteticista 1 1
beleza)
Comerciante (sapataria) 1 1
Comerciante (supermercado) 2 1 3
Comerciante (utilidades Mercearia à padaria à
5 5
domésticas) restaurante à salão de beleza
Comerciante (ambulante) 1 1
Salão de beleza à salão de
Comerciante buffet 1 1
festa
Comerciante de açaí 1 1
Comerciante de granja 1 1
Comerciante loja de tecidos 1 1
Comerciante mercearia 1 1
Caixa de supermercado 1 1
Professora 1 1
Comerciária Bordadeira 1 1
Vendedora de cosmético 1 1
Caixa de supermercado 1 1
Comerciária em farmácia 1 1
Comerciária em joalheria 1 1
Comerciária em lanchonete 1 1
Comerciária em lanchonete
1 1
e estudante
Fiscal de ônibus à represen-
1 1
tante de vendas de autopeças
Comerciário
Professor 1 1
Vigilante 1 1
Comerciário (locadora de
1 1
carros)
Comerciário (loja de
1 1
material de construção)
Comerciário (loja de peças
2 2
de moto)
Comerciário (loja de peças
2 1 3
de moto)
Comerciário (loja de tecidos) 1 1
Comerciário (loja dos pais) 1 1
Comerciário (oficina de
2 2
motos)
296 Delma Pessanha Neves

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Comerciário (rede de
1 1
farmácias)
Comerciário (sapataria) 2 2
Comerciário (shopping) 1 1
Comerciário(a) 2 8 10
Comerciário(a) (farmácia) 1 4 5
Comerciário(a) (loja
2 3 5
material de construção)
Corretor de imóveis 1 1
Cozinheira (restaurante) Secretária de escola 1 1
Empacotador(a) de
1 2 3
supermercado
Entregador 2 2
Pedreiro 2 2
Entregador
Técnico de segurança no
1 1
trabalho
Entregador (supermercado) 7 7
Entregador de Coca-Cola 1 1
Entregador de gás 3 3
Feirante 5 5
Feirante Vendedor de lanche 1 1
Feirante e estudante 2 2
Fiscal (supermercado) 4 4
Frentista 5 5
Operário em torrefação 1 1
Frentista Oleiro 4 4
Mototáxi à professor 1 1
Garçom 5 5
Garçonete 4 4
Garçonete Vendedora de carros 1 1
Gerente (supermercado) 1 1
Guarda de estacionamento 2 2
Inspetor de qualidade 1 1
Marreteiro 1 1
Operador(a) de caixa 1 1 2
Peixeira Zeladora à professora 1 1
Peixeiro 2 2
Promotora de venda 2 2
Proprietária de salão de
Proprietária de confecção 2 2
beleza
Proprietário (rede de hotéis) 1 1
Proprietário (confecção) 1 1
Proprietário (farmácia) 1 1
Proprietário (loja de
1 1
material de construção)
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 297

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Proprietário (salão de
1 1
beleza)
Proprietário
1 1
(transportadora)
Regatão 2 2
Representante de cargas 2 2
Representante de vendas 3 3
Revendedor de automóveis 3 3
Revendedor de Coca-Cola 1 1
Revendedor de mercadorias
1 1
em geral
Revendedora de cosmético 4 4
Revendedora de plano de
2 2
saúde
Revendedora de produtos de
3 3
beleza
Servente em pousada 1 1
Sorveteiro 2 2
Encarregado 1 1
Supervisor de empresas Motorista 1 1
Corretor de imóvel 1 1
Caixa 2 2
Comerciante 2 2
Empilhador 2 2
Vendedor Entregador 1 1
Estudante 1 1
Pedreiro 2 2
Vigilante 1 1
Vendedor (comerciário) sem
10 10
contrato
Vendedor (comércio de
1 1
calçados)
Vendedor ambulante 3 3
Vendedor ambulante de
1 1
refeições
Vendedor autônomo Serigrafista 1 1
Vendedor churrasquinho 1 1
Vendedor de açaí 1 1
Vendedor de açaí, comida e
1 1
lanche
Vendedor de comida em
1 1
embarcação
Vendedor de ouro 1 1
Vendedor de peixe 2 1 3
298 Delma Pessanha Neves

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Vendedor de seguro 2 2
Vendedor (sorveteria) 1 1
Vendedor verduras 1 1
Artesã 1 1
Auxiliar de enfermagem 1 1
Caixa de supermercado 1 1
Diarista à babá 1 1
Dona de casa 1 1
Dona de casa 1 1
Estudante universitária 1 1
Frentista 1 1
Vendedora Gerente de loja 1 1
Professora 1 1
Professora à vendedora 1 1
Recepcionista à revendedora
1 1
de joias

Secretária à auxiliar de
1 1
creche à auxiliar de pesquisa
Serviços gerais 1 1
Vigilante 1 1
Vendedora (comida) 1 1
Vendedora (confecção) 1 1
Vendedora (churrasquinho) 1 1
Vendedora (comerciária) 14 14
Vendedora (confecção) 1 1
Vendedora ambulante 1 1
Vendedora ambulante Agricultora 2 2
Vendedora ambulante Zeladora de consultório 2 2
Vendedora autônoma
7 7
(salgados e doces)
Vendedora de frutas 1 1
Vendedora de hortaliças e
1 1
churrasquinho
Vendedora de lanches 2 2
Vendedora de marmitex Cobradora de ônibus 1 1
Vendedora de móveis 2 2
Vendedora de peixe Zeladora 1 1
Voluntária da APAE Caixa de loja 1 1
Total 209 179 388
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 299

O setor de construção civil é homogeneamente vinculado ao trabalho


para os homens. Essa faixa etária de trabalhadores, no atual contexto, pode
contar com mais alternativas abertas pelo crescimento da demanda da cons-
trução de casas, pequenos edifícios e estabelecimentos comerciais. Vis-à-vis
a essas alternativas, o número de trabalhadores é relativamente pequeno,
a demonstrar que outras oportunidades tendem a ser mais favoravelmente
abraçadas por eles.

quadro 96. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor da construção civil

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Ajudante de pedreiro 5 5
Pescador 1 1
Ajudante de pedreiro
Tatuador 1 1
Carpinteiro 6 6
Agricultor 1 1
Eletricista 1 1
Carpinteiro Mecânico à taxista 1 1
Pedreiro 2 2
Pescador 1 1
Pedreiro 9 9
Carpinteiro 1 1
Mestre de obras em
8 8
construção civil
Pedreiro Operário na Alforte 1 1
Serviços gerais 2 2
Vendedor ambulante 1 1
Vigia 1 1
Pintor 8 8
Cobrador de ônibus 1 1
Eletricista 1 1
Pintor Motorista 1 1
Motorista à militar da PM 1 1
Pedreiro 1 1
Total 55 55
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

A atividade industrial no município, diferentemente da construção ci-


vil, é insignificante, absorvendo pequeno número de trabalhadores, em es-
pecial se do sexo feminino.
300 Delma Pessanha Neves

quadro 97. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor da indústria

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Auxiliar de produção 1 1 2
Ceramista 2 2
Coordenadora de usina 1 1
Operária em empresa de alimentos 2 2
Operária em fábrica de carvão Empregada doméstica 1 1
Operário em empresa de refrigerante 1 1
Operário em fábrica de bolsas 1 1
Operário em refrigeração 1 1
Proprietário de olaria 1 1
Proprietário fábrica de plástico 1 1
Total 9 4 13
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

No setor administrativo correspondente a empresas e instituições de


domínio privado, a relação se inverte: há maiores alternativas de inserção
para as mulheres, especialmente nas funções de funcionárias administrati-
vas, secretárias e recepcionistas. Essa relação aparece ligeiramente contra-
posta nas situações de vínculos com o serviço público. Nestes casos, todos
ressaltam o fato de a inserção estar assegurada por concurso público. Os en-
trevistados colocam de imediato em destaque: é funcionário administrativo
do XX, mas é concursado. A demanda de trabalhadores para esses cargos ten-
de a se ampliar com a instalação de vários órgãos da administração federal,
que também promove o deslocamento de diversos deles advindos de outros
estados, uma vez que os candidatos concorrem em plano nacional.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 301

quadro 98. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor administrativo privado e público

Setor admi- Ocupações


Ocupações iniciais Masculino Feminino Total
nistrativo sucessivas
Administrador (Igreja) 1 1
Administrador(a) (Empresas) 1 1 2
Administrativo (Associação
1 1
comercial)
Administrativo (Empresa de
1 1
ônibus)
Administrativo (Escola
1 1
particular)
Administrativo
1 1
(Transportadora do pai)
Administrativo(a) (Cartório) 1 1 2
Agente administrativo 2 2 4
Assistente social 2 2
Auxiliar administrativo 3 9 12
Auxiliar de contabilidade Cabeleireiro 1 1
Auxiliar de escritório 1 2 3
Funcionário da Celpa 3 3
Mensageiro 1 1
Office boy 1 1
INSTITUIÇÕES PRIVADAS

Recepcionista 3 3
Recepcionista e vendedora 1 1
Secretária 15 15
Auxiliar de al-
moxarifadoà 2 2
telefonista
Comerciante 1 1
Comerciante
1 1
(padaria)
Secretária Costureira à
1 1
comerciante
Costureira à
comerciante 1 1
(buffet)
Vendedora da
1 1
CCE
Secretária de agência de
1 1
navegação
Secretária de consultório
Professora 1 1
médico
Secretária de escola
1 1
particular
Secretária de escola Atendente de
1 1
particular laboratório
Secretária do sindicato 1 1
Secretário 2 1 3
Subtotal 20 50 70
302 Delma Pessanha Neves

Setor admi- Ocupações


Ocupações iniciais Masculino Feminino Total
nistrativo sucessivas
Administrativa (funcionária
3 7 10
pública municipal)
Administrativo (Caixa
1 1
Econômica)
Administrativo
Administrativo (COMPA) 1 1
na CESPA
Administrativo (Defensoria
1 1
Pública)
Administrativo (DETRAN) 1 1
Administrativo (Justiça
1 1
Federal)

Administrativo (Ministérios
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS

3 3
Públicos)

Administrativo (Museu
1 1
Histórico de Santarém)
Administrativo IBGE 1 1
Administrativo INCRA 1 1
Funcionário (IBAMA) 2 2
Funcionário (terceirizada) 1 1
Funcionário (Tribunal de
1 1
Contas da União)
Funcionário público (IML) 1 1
Funcionário público
9 10 19
(Ministério Público)

Funcionário público
1 1 2
(UFOPA)
Sinaleiro 1 1
Técnico administrativo 1 1 2
Subtotal 30 20 50
Total 50 70 120
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Considero a seguir outro setor cujas condições de trabalho favorecem


às mulheres: setor doméstico com atividades remuneradas. Nele estão in-
corporadas as mulheres com menor acúmulo de anos de estudo e formação
profissional escolarizada. O saber-fazer corresponde ao reconhecimento,
pelo empregador, do exercício de atividades aprendidas em ato e na condi-
ção de filha ou esposa de outro grupo doméstico. Todavia, corresponde, em
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 303

muitos casos, à gestão de alternativas de inserção no mercado de trabalho e


de investimento na melhor qualificação. Tanto é que o exercício de atividades
como ajudante de cozinha e principalmente babá abre alternativas de cons-
trução de trajetos de incorporação de desempenhos melhor qualificados em
termos de remuneração. Há casos de mulheres que, iniciando a vinculação
ao mercado como babás, percorrem outras funções aproximadas, como as-
sim se apresenta a função de cozinheira. Mas prosseguem geralmente no tra-
balho, tanto para si mesmas quanto para familiares como donas de casa ou
agricultoras, ajuda familiar que ainda integra os afazeres domésticos. Além
desse percurso, também reproduz tal mobilidade relativa o exercício da fun-
ção de cozinheira, de diarista e empregada doméstica. Por conseguinte, essas
funções correspondem, antes de tudo, a certo controle quanto às condições
de apresentação social como trabalhadoras, circuito a partir do qual as rela-
ções sociais que são assim entretecidas facilitam o salto para outros postos.
Ainda quanto ao próximo quadro, quero destacar o significativo des-
locamento de mulheres que ocupavam a condição de donas de casa ou do-
mésticas, mas promoveram meios para inserção no mercado de trabalho
assalariado, alcançando salário ou rendimento financeiro. Reconhecidas
pelo desempenho do trabalho doméstico não remunerado, elas tendem a se
ocupar de exercícios aproximados, com destaque para a revenda de deter-
minados produtos e especializações em prestação de serviços de estética e
higiene pessoal.
304 Delma Pessanha Neves

quadro 99. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor de prestação de serviços domésticos remunerados e
não remunerados
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Ajudante de cozinha 2 2
Ajudante de cozinha
Costureira 1 1
em navio
Cozinheira  doméstica 1 1
Cozinheira  doméstica  agricultora 1 1
Cozinheira  doméstica  agricultora
1 1
 secretária
Doméstica  operária de indústria
beneficiamento pescado 
1 1
Babá comerciária
 servente  cozinheira
Doméstica  servente em indústria 
1 1
comerciária  servente  cozinheira
Faxineira 2 2
Manicure  comerciária 
1 1
professora particular
Bordadeira 3 3
Camareira 4 4
Copeira 3 3
Cozinheira(o)
1 7 8
(restaurante e barco)
Cozinheira Costureira 2 2
Cozinheira Vendedora da Avon  agricultora 1 1
Cozinheira Doceira 2 2
Cozinheiro em barco Serviços gerais 1 1
Diarista 6 6
Remunerados

Artesã  manicure 2 2
Bordadeira  manicure  vendedora
1 1
churrasquinho
Estudante 2 2
Manicure 1 1
Diarista
Revendedora  lavadeira 2 2
Vendedora 2 2
Dona de casa 2 2
Lavadeira  artesã  manicure 2 2
Revendedora  lavadeira 2 2
Empregada doméstica 15 15
Empregada doméstica Agente de saúde 1 1
Agricultora 2 2
Auxiliar de professora 2 2
Auxiliar de professora 2 2
Comerciante de minibox 1 1
Comerciária 1 1
Costureira 2 2
Diarista 2 2
Diarista  depiladora  cabeleireira 1 1
Dona de casa 2 2
Dona de casa 1 1
Empacotadora  autônoma 2 2
Lavadeira 1 1
Professora 4 4
Recepcionista 1 1
Secretária serviço público 1 1
Servente 1 1
Servente de escola 1 1
Trabalhou de empresa de pesca
1 1
 dona de casa
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 305

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Turismóloga em hotel 1 1
Vendedora 1 1
Vendedora de churrasquinho 1 1
Vendedora de confecção 1 1
Vendedora  consultora Natura 1 1
Zeladora 2 2
Faxineira 1 1
Lavadeira 2 2
Comerciária em confecção 1 1
Lavadeira Cozinheira 2 2
Vendedora 3 3
Total 2 115 117
Doméstica (dona de
12 12
casa)
Auxiliar de creche  auxiliar de
2 2
professora
Costureira 3 3
Diarista 2 2
Diarista  manicure  cabeleireira
2 2
Doméstica (dona de  depiladora
casa) Empacotadora 2 2
Gari  cozinheira 1 1
Vendedora de bolsas 2 2
Vendedora de churrasquinho 2 2
Vendedora de cosméticos 2 2
Zeladora 2 2
Merendeira 1 1
Subtotal 33 33
Total 2 148 150

Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Tecerei a seguir algumas considerações sobre o setor de prestação de


serviços educacionais, em geral mobilizando predominantemente trabalha-
doras. Em Santarém, dada a até bem pouco escassez de ofertas de emprego,
os homens, especialmente nas escolas que oferecem o ensino médio, dispu-
tam com bastante aproximação tais exercícios produtivos. Também é recor-
rente a incorporação de jovens professoras em condições precárias, sob a
qualificação de auxiliares ou monitoras. Acompanham professoras titulares
e recebem geralmente meio salário mínimo por 6 horas de trabalho diário.
Em sendo este o salário, os diretores de escola não podem conceder o vín-
culo formal, salvo dissimulando o real registro do valor do salário. Diante de
baixos salários e das restrições para o vínculo em escolas da sede do muni-
cípio, professores e professoras abandonam essa condição de vínculo. A de-
pender do local onde está sediada a escola de vínculo, homens ou mulheres
com essa função devem permanecer fora do ambiente doméstico por vários
dias. Se as escolas só oferecem as primeiras séries do ensino fundamental
e um ou outro deve se fazer acompanhar por filhos acima de 8 a 9 anos,
é comum a adoção de alto grau de circulação. Além disso, para essas esco-
las mais retiradas da sede municipal, o contrato do professor corresponde
a cada período escolar, geralmente abarcando apenas os meses de março a
306 Delma Pessanha Neves

novembro ou dezembro. A reafirmação do vínculo nem sempre é assegura-


da, muitos desses profissionais trabalhando de modo bastante descontínuo.
Nesses casos é bem comum o abandono do exercício profissional em troca
de situações mais favoráveis, em termos de condições de vida e até mesmo
valor do salário.

quadro 100. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho na prestação de serviços educacionais
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Auxiliar de classe (escola) 5 5
Auxiliar de professora 2 2
Bolsista do Serviço Federal 1 1 2
Educador Assistente administrativo 2 2
Professora da rede
Historiadora 1 1
estadual de ensino
Instrutor do SENAI 2 2
Monitor na Funcape 2 2
Monitora de Creche 1 1
Pedagoga 2 2
Professor(a) 2 3 5
Professor da rede de ensino
28 35 63
estadual ou municipal
Professor da rede de ensino
4 10 14
particular
Auxiliar de enfermagem 1 1
Bioquímica 1 1
Cozinheira 1 1
Doméstica à secretária
1 1
à professora
Professora indígena à
auxiliar de monitora e
1 1
Professora auxiliar administrativo na
creche
Secretária 1 1
Secretária à comerciária 1 1
Secretária à vendedora
1 1
autônoma
Vendedora à consultora
1 1
de produtos
Professora e costureira 1 1
Professora e vendedora Consultora Natura 1 1
Professora (aula de reforço) 2 2
Professora da rede de ensino
1 1
estadual e costureira
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 307

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Professora das redes municipal
1 1
e estadual de ensino
Professora de dança e canto 1 1
Professora de educação física 2 2
Professora de reforço Costureira 1 1
Professora educação infantil 1 1
Psicóloga 3 3
Psicopedagoga 2 2
Técnico de futebol 1 1
Subtotal 42 85 127
Estudante ensino médio e
76 111 187
universitário, estagiário
Total 118 196 314
Fonte: Levantamento posto em prática nos quadros da pesquisa em análise, 2012.

Eis mais um setor de alta demanda pelo trabalho feminino. A cons-


tituição de um salão de beleza na sala da casa ou em quarto conjugado é
prática bastante valorizada, especialmente por mulheres que não podem
se ausentar de casa. Essa proximidade do exercício do trabalho doméstico
não remunerado e da prestação de serviços de estética permite a elas cum-
prirem as duas funções ao mesmo tempo. Pautadas em relações de muita
proximidade, diversas vezes elas têm dificuldades de suspender a função
durante as primeiras horas da noite e em dias considerados feriados. O
aprendizado do exercício profissional se dá pela função de ajudante, até que
tenha reconhecida a competência e constitua a própria clientela. Por isso
mesmo é altamente recorrente o afastamento do vínculo para montar, em
sua própria casa, o salão de beleza. Tal oportunidade também se apresenta
para manicure. Diante de tal processo de fragmentação, é impressionante a
emergência de pequenas salas próprias, geralmente no espaço doméstico,
para prestação de tais serviços.
Em quaisquer dessas funções, outra recorrência é a incorporação do
exercício de revenda mediante diversas representações: artigos de estética,
roupas, objetos de plástico, bolsas, roupas esportivas etc. A presença das fre-
guesas facilita a oferta e a compra, liberando a cabeleireira ou manicure de
circular entre casas para mobilizar outros circuitos.
308 Delma Pessanha Neves

quadro 101. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor de estética e higiene pessoal

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Auxiliar de cabeleireiro Comerciária em lanchonete 1 1
Barbeiro 1 1
Cabeleireiro(a) 3 4 7
Cabeleireira Esteticista 1 1
Cabeleireira Manicure 2 2
Manicure 4 4
Manicure e costureira 1 1
Balconista 2 2
Bordadeira 1 1
Cabeleireira 1 1
Comerciante 1 1
Comerciante (mercearia) 1 1
Manicure Diarista à doméstica 1 1
Doceira 1 1
Lavadeira 1 1
Revendedora de produtos estéticos 1 1
Vendedora 1 1
Total 5 23 28
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

A inserção em empresas de prestação de serviços de limpeza tem


sido alternativa bastante valorizada por homens e mulheres. A prestação de
serviços de limpeza pública na cidade de Santarém vem sendo muito am-
pliada, acompanhando o crescimento de unidades residenciais nos bairros
mais centrais. Além disso, com a expansão de instituições de serviço público,
hotéis, restaurantes, todos eles espaços que demandam insistente cuidado
com a limpeza (rapidamente deteriorada diante da poeira ou lama que se
formam, especialmente após os fortes temporais), o número de trabalhado-
res vinculados a este setor encontra significativa expansão. As incorporações
por homens são mais elevadas do que as das mulheres, visto que eles ainda
incorporam exercício por iniciativa própria. Dispondo de pequenas máqui-
nas de sucção da água do rio, no decorrer de toda a longa margem pela qual a
cidade se espraia, jovens se dedicam ao trabalho de limpeza de carros, espe-
cialmente táxis que, circulando durante toda a jornada e até parte da noite,
estão mais submetidos à necessidade da limpeza enquanto parte inerente ao
exercício do serviço prestado.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 309

quadro 102. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor de limpeza e serviços gerais
Ocupações
Ocupações iniciais Masculino Feminino Total
sucessivas
Auxiliar de limpeza 1 1
Auxiliar de serviços gerais 3 2 5
Gari 4 3 7
Agricultor 2 2
Gari Empregada doméstica 1 1
Serviços gerais 2 2
Lavador de carro 4 4
Ajudante de produção 1 1
Lavador de carro
Mototaxista 2 2
Servente 8 8
Agricultora 2 2
Servente Ferreiro 1 1
Nivelador à topógrafo 1 1
Servente (empresa de gás) 2 2
Servente (terceirizado prefeitura
2 2
municipal)
Servente em escola (terceirizado
3 3
prefeitura municipal)
Servente em hospital 1 1 2
Serviço militar (recruta) 1 1
Serviços gerais 3 3 6
Mototaxista 1 1
Serviços gerais
Pedreiro 1 1
Serviços gerais em posto municipal
1 1
de saúde
Zeladora 3 3
Total 37 23 60
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

O setor de segurança pública ou privada é espaço de trabalho ainda


de exclusividade da força de trabalho masculina. De modo geral, muitos jo-
vens projetam a possibilidade de permanecerem vinculados ao 8º Batalhão
do Exército, após a obrigatória prestação do serviço militar. Se há alternati-
va de prorrogação para alguns, a continuidade da carreira não está assegu-
rada para muitos deles. Por isso, a permanência daquele vínculo é sempre
valorizada pelos entrevistados quando se referem aos jovens. Em quaisquer
das situações classificam a inserção como trabalho profissional, tal como de-
monstrado no quadro seguinte. Destacam-se ainda alternativas valorizadas
de construção de carreira na Marinha brasileira e a formação em cursos es-
peciais para ocupação de posições de vigias e vigilantes em universidades,
prédios públicos, lojas e shopping center.
310 Delma Pessanha Neves

quadro 103. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vinculação produtiva no serviço de segurança institucional pública e privada

Ocupações iniciaiss Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Agente penitenciário 1 1
Vigia de empresa 1 1
Vigia de escola 2 2
Vendedor autônomo
Vigia de escola municipal à funcionário público 1 1
municipal
Vigia noturno 2 2
Vigia Agricultor 1 1
Vigilante 3 3
Agricultor 1 1
Vigilante
Motorista 1 1
Militar do Corpo de Bombeiros 1 1
Marinheiro (Marinha do Brasil) 4 4
Perito polícia civil 1 1
Policial militar 7 7
Segurança privada 4 4

Carpinteiro 1 1
Operador de serraria 1 1

Soldado do 8º BEC Representante comercial 1 1


Vendedor à Contador 1 1
Vendedor provedor de
1 1
internet
Total 35 35
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

As demandas em torno de serviços prestados por profissionais do-


tados de saber-fazer prático, o exercício de diversos ofícios, inclusive mais
tradicionais, tem se ampliado com o aumento da população adensada na
sede municipal. Esse fenômeno vem sendo acompanhado, como tenho co-
mentado, pela expansão do setor de construção civil, de reparos diversos em
espaços domésticos e estabelecimentos comerciais e de prestação de servi-
ços. Paralelamente, também tem se ampliado o número de automóveis, em
especial pelo acesso desse recurso por jovens e o correspondente serviço de
manutenção e reparação. Frente a tal dinâmica de construção de novas ne-
cessidades, alguns desses profissionais vêm até redimensionando processos
de migração. Afinal, muitos desses ofícios foram adquiridos em exercício de
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 311

aprendizagem em cidades de maior complexidade quanto a essas demandas,


como é o caso de Manaus e Macapá. Os desempenhos nesses tipos de saberes
práticos, são solicitados frente a novos hábitos sociais; ou diante de padrões
de consumo condizentes com a localmente chamada modernização da vida
social. Ou ainda frente a estilos de vida por profissionais que aí vieram ha-
bitar, todos esses fatores fundamentam a expansão de tais profissionais em
diversas áreas de prestação de serviços, tanto em construção de bens, como
manutenção e reparação.

quadro 104. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vinculação ao setor de prestação de serviços como ofício e profissionais de saber
prático

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Auxiliar serviços gerais
Ajudante de mecânico 1 1
(fábrica de biscoito)
Ajudante de motosserra 2 2
Ajudante de produção 3 1 4
Ajudante em oficina mecânica Auxiliar de pedreiro 2 2
Ajustador Torneiro mecânico 1 1
Aprendiz de marceneiro (fábrica
1 1
de móveis)
Armador 1 1
Atendente de açougue Bombeiro 1 1
Auxiliar de padeiro 1 1
Auxiliar de serralheiro na
1 1
madeireira
Auxiliar em serraria Mototaxista 1 1
Bombeiro 2 2
Bombeiro hidráulico 3 3
Agricultor 1 1
Auxiliar de máquina em
Bombeiro hidráulico 1 1
navio
Motorista 1 1
Borracheiro Marceneiro à mecânico 1 1
Confeiteira Frentista 1 1
Designer e comunicação 1 1
Eletricista 6 6
Eletricista predial 1 1
Eletrônica (oficina consertos) 2 2
Encarregado de pedreiro 2 2
Entalhador de móveis Feirante 1 1
312 Delma Pessanha Neves

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Escavador de poços 3 3
Estofador Classificador de madeira 1 1
Ferreiro 3 3
Fotógrafa Vendedora 1 1
Fotógrafo 6 6
Jardineiro 1 1
Laminador de serraria 5 5
Lanterneiro 1 1
Locutor de rádio 1 1
Madeireiro 2 2
Marceneiro 1 1
Marceneiro Carpinteiro 1 1
Marceneiro (assalariado) 1 1
Mecânico 6 6
Açougueiro à
1 1
carpinteiro
Dj 1 1
Encarregado de turma
1 1
à operário de serraria
Motorista 1 1
Mecânico Motorista à mototáxista 2 2
Motorista à serrador 1 1
Serraria à encarregado
1 1
de turma
Serviços gerais 2 2
Soldador 1 1
Torneiro mecânico 1 1
Mecânico de barco 1 1
Mecânico de bicicleta 1 1
Mecânico de bicicleta Garimpeiro 1 1
Mecânico de motos 2 2
Mecânico de motos Eletricista 1 1
Mergulhador da Petrobras 1 1
Montador de bicicleta 2 2
Montador de móveis Pedreiro 1 1
Oleiro 2 2
Oleiro Açougueiro 1 1
Operador de bomba 1 1
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 313

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Operador de máquina 8 8
Operador de motosserra 5 5
Operário de construtor naval 6 6
Ourives 1 1
Padeiro 5 5
Comerciante 1 1
Mototaxista 1 1
Operário (fábrica de
Padeiro coloral) à marceneiro
1 1
à torneiro mecânico à
vendedor
Proprietário de padaria
1 1
à vigilante
Pintor (pintura automotiva) 2 2
Serigrafista 1 1
Serrador Agricultor 1 1
Serralheiro 2 2
Servente de pedreiro 2 2
Serviço oficina de moto 1 1
Serviço oficina de refrigeração 2 2
Serviço oficina mecânica 1 1
Soldador 1 1
Técnico de manutenção de
2 2
computadores
Técnico de segurança do
1 1
trabalho
Vidraceiro 2 2
Total 196 5 201
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

A complexidade da divisão social de trabalho e a melhoria dos serviços


públicos em Santarém, inclusive, como já demonstrei, a amplitude da ofer-
ta de ensino universitário, permitem compreender a expansão do número
de profissionais cujo exercício exige esse investimento em escolarização e
competências específicas. Neste aspecto, o registro do número de mulheres
na posição é relativamente um pouco mais elevado, como consta no quadro
seguinte.
314 Delma Pessanha Neves

quadro 105. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vinculação produtiva como profissionais de nível superior e autônomos
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Bióloga 3 3
Professor da rede estadual de
Biólogo 1 1
ensino
Bioquímica 3 3
Contabilista 2 3 5
Contabilista Motorista 1 1
Contador 1 1
Professor da rede estadual de
Contador 1 1
ensino
Contadora Empresária 1 1
Economista 1 1
Total 7 10 17
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Os mesmos fatores antes aventados podem se associar ao investimen-


to na compreensão de emergência de funções dirigidas à prestação de servi-
ços recreativos e de recepção de turistas. Estes geralmente se dirigem para
a área do entorno de Alter do Chão, local privilegiado pelos interesses de
brasileiros e estrangeiros, que para lá se dirigem, estando por isso propor-
cionalmente mais dotado de estrutura de serviços de barcos pelo Tapajós,
pousadas e restaurantes.

quadro 106. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho em prestação de serviços recreativos e de turismo
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Guia turística 1 1
Cantor 3 3
Dj Garçom àoperário em fábrica 2
Seresteiro 1 1
Total 5 1 6
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Ainda em sintonia com fatores que vim aventando anteriormente, há


expansão na prestação de serviços de saúde e de exames laboratoriais, vín-
culos que estão sendo mais assumidos e correspondidos ao projeto de in-
serção no mercado de trabalho pelas mulheres. O número mais significativo
desse tipo de vínculo recai sobre as funções de agentes de saúde e equiva-
lentes (agente comunitária, agente de endemia), mas também sobre aquelas
correspondentes a auxiliar de enfermagem e técnico laboratorial.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 315

quadro 107. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho na prestação de serviços de saúde e cuidados
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Agente comunitária 2 2
Agente de endemia 1 1
Agente de saúde Cozinheira de recreio 1 1
Agente de saúde (S. M. de Saúde
4 5 9
e Sucan)
Atendente 2 2
Auxiliar de enfermagem 4 13 17
Auxiliar de enfermagem Professora 1 1
Auxiliar de enfermagem (Posto de
Serviços gerais 1 1
Saúde)
Fisioterapeuta 1 3 4
Técnica em biodiagnóstico 2 6 8
Técnica(o) de enfermagem 1 2 3
Técnica(o) de farmácia 1 1 2
Técnica(o) de laboratório 1 1
Técnico em radiologia 1 1 2
Total 15 39 54
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.

Em correspondência ao uso de novas técnicas e tecnologias, espe-


cialmente vinculadas ao uso de instrumentos que fazem operar os serviços
em informática, uso de mídias, entre outros, amplia-se a demanda desses
profissionais na revenda de artefatos específicos, montagem e reparação de
máquinas. Neste setor e segundo os números expressivos das informações
prestadas, é insignificante a presença de mulheres.

quadro 108. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho como prestadores de serviços técnicos
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Analista de sistema 1 1
Operador da Petrobras (em cargo de chefia) 1 1
Reprografia Web designer 1 1
Técnico em administração 1 1
Técnico em autopeças 1 1
Técnico em contabilidade 2 2
Técnico em edificações 1 1
Técnico em eletrodomésticos 1 1
Técnico em eletrônica 6 6
Técnico em manejo de madeira 1 1
Técnico em marketing 2 2
Técnico em montagem de DVD 1 1
Técnico em refrigeração 1 1
Telefonista 3 3
Torneiro mecânico 1 1
Total 21 3 24
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
316 Delma Pessanha Neves

Por fim, a recorrência de funções vinculadas ao setor de transporte


acompanha o aumento na oferta dos correspondentes serviços. Não sem
razão, no conjunto de informações prestadas pelos entrevistados, há maior
número de referências aos vínculos de trabalhos acoplando desempenhos
inerentes aos meios de locomoção fluviais, sejam eles de passageiros e/ou
de deslocamento de mercadorias. No tocante a funções pouco exigentes em
termos de formação profissional, destacam-se não só os estivadores (dota-
dos de reconhecimento legal definidor da categoria profissional), mas prin-
cipalmente os carregadores (excluídos daqueles vínculos institucionais).
A inserção nessa prestação de serviços pressupõe autorizações por parte
daqueles que já integram o conjunto de trabalhadores assim reconhecidos,
que tentam controlar a expansão deles próprios e seus concorrentes. Além
disso, há controle sobre comportamentos éticos desses trabalhadores, já
que se oferecem para carregar malas, bolsas e outros pertences de pas-
sageiros, sob o movimento geralmente intenso na chegada de barco (ou
recreio). Não raro a polícia é chamada para registrar denúncias de roubo.
Alegam os demais carregadores que os indivíduos que adotam comporta-
mento desviante são forasteiros, motivo pelo qual eles mantêm recorrente
controle e, por iniciativa própria, expulsam os indesejados à coletividade
de socialmente reconhecidos prestadores desses serviços.
Vale ainda destacar a grande importância do trabalho por eles exer-
cido em apoio aos agricultores, quando trazem para os mercados centrais e
feiras um volume de produtos agrícolas cujo peso nem sempre é suportado
somente pelo agricultor. O valor financeiro transferido ao carregador libe-
ra a incorporação de outros membros familiares, especialmente se devem
pagar passagens para o deslocamento da unidade de produção à feira
Como neste texto a posição e as condições de vida preferentemente
focadas equivalem a desempenhos praticados por mulheres, segundo muitas
das entrevistadas, essa divisão de trabalho é fundamental para lhes possi-
bilitar a operação como feirantes ou oferecerem mercadorias no atacado. A
magnitude do número de trabalhadores vinculados a essa prestação de ser-
viços é altamente significativa. Alguns deles estão organizados em termos de
associação profissional, especialmente para formalizar prestação de servi-
ços a empresas que, a partir dos portos localizados em Santarém, fazem che-
gar às demais cidades da região uma infinidade e variedade de mercadorias.
Os serviços oferecidos por taxistas, em especial por mototaxistas, são
altamente significativosna cidade de Santarém. Esses últimos profissionais
permitem, por preços mais baixos, deslocamento de pessoas e seus perten-
ces, prestam ainda serviços de entrega para estabelecimentos comerciais e
de ofertas de serviços especializados. O setor não só ocupa muitos trabalha-
dores, como também torna mais eficazes os serviços de transporte.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 317

quadro 109. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e


vínculos de trabalho no setor de transporte de pessoas e mercadorias
Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total
Abastecedor de aviões 1 1
Atendente (agência passagens
1 1
aéreas)
Auxiliar administrativo em
1 1
empresa de ônibus
Auxiliar de máquinas em recreio 1 1
Caminhoneiro 3 3
Carregador (no mercado
10 10
municipal e na orla)
Carregador em navegação 1 1
Carpinteiro 1 1
Carregador
Lavador de carro 1 1
Motorista 1 1
Carreteiro Motorista à lavador
1 1
de carro
Carroceiro 4 4
Carroceiro Mototaxista 1 1
Carteiro 3 3
Professor rede estadual
1 1
de ensino
Carteiro Secretário em
consultório à técnico 1 1
em laboratório
Cobrador de ônibus 4 4
Motorista de ônibus 2 2
Mototaxista 1 1
Representante de
2 2
vendas
Cobrador de ônibus
Vendedor autônomo
1 1
de pão
Funcionária de
1 1
prefeitura
Comandante de embarcação
5 5
fluvial
Conferente nas Docas 1 1
Cozinheira em embarcação 1 1
Estivador 4 4
Estivador nas Docas 1 1
Infraero (abastece avião) 2 2
Instrutor de autoescola 2 2
Manobrista de máquinas 1 1
Maquinista 1 1
Marinheiro 2 2
Marinheiro Vendedor 1 1
318 Delma Pessanha Neves

Ocupações iniciais Ocupações sucessivas Masculino Feminino Total


Marítimo 3 3
Marítimo (frota local) 2 2
Motorista 15 15
Carpinteiro à serrador
1 1
à pedreiro
Entregador de gás 1 1
Entregador àcobrador 3 3
Motorista
Mecânico 1 1
Pedreiro à caseiro 1 1
Representante de
1 1
vendas
Motorista autônomo 1 1
Motorista de caminhão 3 3
Motorista de carro forte 1 1
Motorista de máquinas pesadas 1 1
Motorista de ônibus 1 1
Motorista particular 1 1
Mototaxista 14 14
Proprietário de barco 1 1
Taxista 2 2
Taxista Comerciante 1 1
Subtotal 115 3 118
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Considerações Finais:
dados quantitativos e
imponderáveis da vida social

C
hegando ao final do texto, acredito que nós, a autora e o leitor que até
aqui me acompanhou, convivemos com a mesma frustração: a enor-
me quantidade de informações que ainda estão a exigir análise. A levar
a sério essa necessária intenção, bom tempo ainda deveria decorrer para
finalizá-lo. Entretanto, a publicação imediata, enquanto versão provisória,
responde ao objetivo de construção de bases de discussão entre alunos e
professores da UFOPA e demais interessados, especialmente as representan-
tes do Conselho Municipal das Mulheres de Santarém. Também aos compro-
missos institucionais assumidos com essa universidade e o CNPq, que con-
cedeu auxílio financeiro para o trabalho de campo, parte do qual permitiu
o cumprimento de alguns dos primeiros procedimentos desta edição. Além
disso, um conjunto de dados obtidos no decorrer da pesquisa ainda será ob-
jeto de análise nos demais volumes que compõem a Coleção Mulheres em
Santarém: alternativas de vida.
Na condição de antropóloga com formação básica no uso de métodos
qualitativos de pesquisa, aventurei-me na tentativa de coleta e sistematização
de dados quantitativos. Assumindo limites derivados da minha especializada
competência, espero que nem tão inocentes, também considero necessário
contar com a colaboração de colegas que, dotados de conhecimentos episte-
mológicos e técnicos quanto ao uso do método quantitativo, possam ter in-
teresse em colaborar na avaliação dos efeitos dos procedimentos que adotei
e me guiar para possíveis superações. Antecipando a circulação pública da
elaboração dos dados aqui sistematizada, creio contar com alternativas de re-
cepção de comentários, contribuições que tornem este esforço mais coletivo,
tal como de fato ele deveria ser, e, ao mesmo tempo, propiciar (assim também
espero) a criação de um clima acadêmico propício à emergência de outros
conhecimentos corretivos e complementares, outros procedimentos de tra-
tamento dos dados que façam valer toda a potencialidade das articulações
que os participantes da pesquisa (coordenadora e assistentes de pesquisa,
apoiados pela inestimável colaboração dos entrevistados) tentaram alcançar.
320 Delma Pessanha Neves

Ao articular os objetivos da demanda da pesquisa com procedimen-


tos metodológicos de construção de objetos de estudo, também me deparei
com limites decorrentes da falta de trabalhos antecedentes, especialmente
voltados para o registro dos modos de constituição e existência de trabalha-
dores em Santarém. Vi-me assim na condição de enfrentar essa (suponho)
primeira empreitada, tentando articular dados censitários e produzir le-
vantamento de informações próprias ao objetivo da pesquisa. Incorporan-
do o saber acumulado no fazer antropológico, não abri mão de tomar por
referência aquele oferecido pelos entrevistados, valorizando, para efeitos
da construção deste texto, os comentários elaborados quanto à constituição
da família e das relações vicinais, os deslocamentos em termos de constru-
ção projetada de vínculos a sistemas produtivos e constituição como traba-
lhadores.
Não obstante as limitações reivindicadas e não caindo, contudo, em
exageros de mea culpa, porque elas são inerentes a todo trabalho de pes-
quisa, penso ter alcançado o objetivo a que me propus, bem como aos que
se propuseram os colegas que colaboraram neste investimento acadêmico:
como se situa, no município de Santarém, o segmento de mulheres em di-
versos ciclos de vida, segundo diferenciados atributos sociais incorporados,
mas relativamente às condições em que convivem com homens, pais, espo-
sos, companheiros, filhos, em unidade familiar consanguínea ou conjugal?
Tomando em conta os contextos neste texto configurados, as mulhe-
res referidas no levantamento e que, na época da entrevista (ano de 2012),
haviam atingido faixa etária superior a 70 anos, 410 delas, do total de indi-
víduos naturais do estado do Pará (967), comungavam dessa naturalidade.
As demais 257 acompanharam fluxos de migração na própria região Norte
e demais estados da federação e países estrangeiros. Excepcionalmente elas
alcançaram superar as primeiras séries do ensino primário. No contexto, ra-
ríssimas foram as mulheres que exerceram atividades produtivas (remune-
radas ou não) fora do ambiente doméstico, tanto o da família consanguínea,
como daquelas unidades de adoção, posto que o trabalho que realizavam
correspondia à troca da oferta de alimentação, alojamento, precário vestuá-
rio e, em casos excepcionais, participação no ensino escolar.
Foram reconhecidas pelo desempenho do trabalho remunerado as
agricultoras que vieram a obter a aposentadoria ou aquelas que, à atividade
agrícola, associavam outros afazeres: extração de carvão e colaboração em
atividades comerciais por divisão de trabalho familiar. Enquanto ocupações
publicamente reconhecidas, foram citadas as atividades de costura e bor-
dado, parteira, lavadeira e cozinheira de barco. Um número bem reduzido
desempenhou funções laborativas como comerciária, auxiliar em posto de
saúde, cozinheira, servente e, nas condições de inserção profissionalizante,
Considerações finais 321

algumas professoras. Portanto, a maior parte das atividades remuneradas


era realizada no ambiente doméstico e, muitas vezes, mediante remunera-
ção indireta.
As condições de inserção produtiva das mulheres para além do am-
biente doméstico vão aos poucos se alterando para aquelas que, por ocasião
das entrevistas, foram definidas como correspondentes à longa faixa etária
de 30 a 69 anos. Dos 4.260 indivíduos citados nessa escala de idade, 3.513
nasceram no estado do Pará, 2.777 em Santarém. Do montante de nascidos
no estado do Pará, 1.398 eram mulheres e 2.115 homens. Em termos de faixa
etária, as mulheres alcançavam o número de 222 entre 60 e 69 anos, 385
entre 50 e 59 anos, 362 entre 40 e 49 anos e 355 entre 30 e 39 anos.
O processo de deslocamento por migração de famílias incidiu na vinda
delas de outros estados e municípios do estado do Pará, a maior parte per-
manecendo no município de Santarém, tanto mais quanto menos idade, na
referida faixa etária, alcançavam. Ou seja, mulheres mais jovens colocaram
em prática escolhas ou alternativas de inserção produtiva em outras sedes
de municípios. Na comparação entre estados de nascimento e de residência,
ilustram-se os fluxos mais intensos para o estado de Amapá (Macapá), Ama-
zonas (Manaus) e Distrito Federal.
Considerando a contribuição compreensiva das interpretações dos
entrevistados, nesse contexto (entre as décadas de 1950 e 1980) se destaca
o registro da vivência em processos de mobilidade interna à região norte ou
interestadual, contexto de atração de trabalhadores para fixação como agri-
cultores e para a exploração de juta. Ainda segundo registros de colaboração
de entrevistados, destaca-se, logo após o ciclo de atração para a atividade
extrativista da seringa, a migração de cearenses (termo que engloba nordes-
tinos de outros estados, devido à maior representatividade dos migrantes
advindos do Ceará), mobilizados pelo acesso à terra, embora justificando os
deslocamentos por motivações decorrentes dos efeitos de períodos mais in-
tensos de secas que ocorreram na década de 1950; ou da adesão à aventura
respaldada pelo apoio de relações familiares e vicinais. Diante da pressão
objetiva pelos anseios dos migrantes, que geralmente se orientavam por ru-
mores e indicações fornecidas por parentes e vizinhos, mas, de qualquer for-
ma, contando com o engajamento destes, nesse período ocorre a expansão
do território correspondente à sede municipal de Santarém, pela abertura
de alternativas para acesso a lotes de terra no entorno da então pequena ci-
dade. Ergue-se então o território de Mojuí dos Campos, lugar de memória do
processo em causa. Esse adensamento populacional, acompanhado da diver-
sificação da atividade agrícola e constituição de mercados locais e regionais,
foi consolidando a importância da sede municipal no contexto geográfico da
região oeste do Pará.
322 Delma Pessanha Neves

Merece especial registro, embora não tenha sido objeto de atenção nes-
te texto, a construção de quadros institucionais de serviços públicos e de re-
presentação delegada de interesses de diversos segmentos de trabalhadores.
Mais recentemente, alguns deles incorporaram os anseios de organização po-
lítica de mulheres, inspirados, direta ou indiretamente, por valores do movi-
mento feminista, articulação que tende a assegurar legitimidade à emergência
de organizações comunitárias, sindicais e governamentais, tal como é o caso
das demandantes desta pesquisa. Da mesma forma, vale a pena destacar que,
para além da indicação das imbricações ideológicas e das redes sociais que
vão sendo tecidas no sentido da construção de novos projetos de sociedade,
advogados como mais democráticos e menos promotores de desigualdades
sociais entre indivíduos de sexo diferenciado, o movimento feminista deve ser
entendido como prática sociopolítica portadora de produção de discursos, in-
clusive teóricos, que interpelam a dimensão sexuada das relações sociais.
No último contexto considerado neste texto, podem-se sinalizar ten-
dências no sentido do relevante ingresso de mulheres no mercado de tra-
balho assalariado, processo que, como geralmente se associa, vem a elas
impondo sobrecarga de trabalho, mas também redefinindo hierarquias de
poder perenizadas na sociedade e na família, hierarquias que se conformam
pela sexualização do mundo social. Portanto, todo um campo de estudos
pode ser considerado para entendimento das formas locais de vivência des-
sas condições de ingresso produtivo das mulheres como assalariadas, bem
como a natureza dos conflitos e das tensões ou das maneiras mais explícitas
com que se exprimem as relações de poder no seio da família e da vizinhan-
ça. Considerando as diversas gerações e os papéis que as mulheres passaram
a exercer, também se torna importante compreender os variados lugares
que elas passaram a ocupar e como esse intercruzamento de espaços sociais
pode interferir nas relações entre os sexos, operando redefinição de valores
e referências que configuram as relações de gênero.
Pelo investimento das mulheres que, nesta pesquisa, foram qualifica-
das na correspondência da faixa etária 30 a 69 anos, ou pela inserção gera-
cional correspondente às décadas de 1950 a 1980, registra-se a construção
ou a conquista de uma rede de serviços, isto é, de direitos, inclusive aqueles
que fundamentaram a elaboração de projetos familiares, cujas principais re-
ferências sinalizavam a mobilização familiar no sentido de para elas demar-
car algum plano de autonomia. Tal sistema de crença se apoiava no aumento
do nível de escolarização e no acesso a um rendimento próprio. Outras ques-
tões, cuja expressão deriva dessas reivindicadas posturas no mundo social,
são as maneiras como elas tentam conciliar trabalho e família, lutam contra
a pobreza e contra a marginalidade, de todo modo, valores fundamentais
que consolidam padrões de organização familiar e de construção social dos
Considerações finais 323

filhos como adultos, todavia desejadamente vivendo em universos de alter-


nativas valoradas contrastivamente como mais adequadas para a definição
da contextual humanidade social.
No decorrer deste texto, insistentemente destaquei os riscos inerentes
à confusão quanto à equivalência dos significados dos termos sexo e gênero.
O conceito de gênero se refere às distinções de sexo socialmente construídas,
ultrapassando o sexo biológico, mas incidindo na demonstração do conjun-
to de práticas sociais, de símbolos, de representações, de normas e valores
sociais que, no tecido da vida social, são elaborados a partir das diferenças
anatômica e fisiológica. Consequentemente, a categoria gênero corresponde
às múltiplas e mutantes possibilidades de expressão e de reconhecimento
de formas distintas e específicas da relação entre homens e mulheres. São,
portanto, formas historicamente diferenciadas de conceber as relações entre
homens e mulheres, inclusive e diferenciadamente, mas não só, as práticas
de dominação que atravessam as relações em vários sistemas de estratifica-
ção e de construção de classes sociais. Enfatizo então: o estudo de relações
de gênero, nos termos aqui elaborados, corresponde à construção de fatos
científicos. Como tais, são efeitos de construção pautada em determinados
pontos de vista necessariamente explicitados. Por serem construídos, nada
autoriza a tomá-los como natural ou evidentemente dado.
Como advogam os consagradamente fundadores das ciências sociais
(Marx, Durkheim e Weber), conhecer um fenômeno é mais significativo do que
reconhecê-lo: os dados científicos não podem ser encontrados, mas conquista-
dos (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1975), mediante olhares disci-
plinados (correspondentes às disciplinas científicas inerentes às ciências so-
ciais). O ato primordial para tanto corresponde à ruptura com senso comum e,
portanto, não considerar os atributos sociais que são colados à distinção sexual
como expressão da natureza relativamente distinta do homem e da mulher.
Daí a necessidade de explicitar a construção do objeto desta pesqui-
sa, cujos procedimentos eu insisti em demonstrar, inclusive salientando as
rupturas que foram operadas e as perspectivas a partir das quais as infor-
mações foram obtidas e transformadas em dados. Enfim, procedimentos ex-
plicitados disciplinarmente para atribuírem a meu investimento o estatuto
de objeto sociológico de estudo. Por tais razões, tanto insisti na definição
de métodos de coleta e análise mais adequados, bem como adverti quanto à
parcialidade e incompletude desses atos. Afinal, não basta tão somente esse
princípio de construção, mas também, até onde forem possíveis, os efeitos
previstos e inerentes às impositivas escolhas epistemológicas e metodológi-
cas. Só a partir de tais procedimentos, que também são atos epistemológicos,
o texto começa então a ganhar corpo e inteligibilidade para a comunicação
com o leitor; e alguns princípios de cientificidade podem ser reivindicados.
324 Delma Pessanha Neves

Assumir a análise de algumas das relações entre as possibilidades


explicativas de métodos quantitativos e qualitativos é reconhecer, ultrapas-
sando, o falso debate construído em torno da concorrência da eficácia in-
terpretativa e da objetividade de diferenciados instrumentos de coleta de
informações; de demonstração de dados e de construção de representações
sobre a vida social. Tal debate é antes de tudo desrespeitoso dos princípios
metodológicos assim defendidos, pois que um conjunto de instrumentos é
avaliado pela atribuição de eficácia ao outro. Portanto, compreende-se um
pelo outro ou não se reconhece a especificidade de cada um.1
Entrementes, o debate das virtudes de um versus os limites do outro
diz muito mais respeito ao mau uso e à má aplicação de ambos do que às po-
tencialidades, às virtualidades e aos constrangimentos a eles inerentes. Con-
tudo, como o mau uso se fundamenta em crenças consagradas que devem
ser dessacralizadas para que os dados quantitativos e qualitativos possam
se submeter às perguntas pertinentes, algumas referências às problemáticas
implícitas no debate devem ajudar a reconstruir um diálogo possível.
Thompson (1987), por exemplo, ressalta os problemas das generali-
zações fundamentadas no mito da média. Considerada enquanto tal, ela via-
biliza a elaboração de noções e conceitos que costumam obscurecer mais
do que revelar. A média constitui uma forma de representação da realidade
que pressupõe a agregação necessariamente indiscriminada de dados. Ela se
sustenta assim na criação de figuras completamente vagas, cuja pretensão
é construir aproximações diante da realidade. Desse modo admitida, opera
por afastamentos e por criação de abstrações que respondem apenas à teoria
que a cria. O princípio matemático que a informa é também o que a desquali-
fica enquanto modo de explicação objetiva, pois que, lembra Thompson, não
se pode calcular a média de quantidades dessemelhantes. Ao se adotar tal
postura, o que se faz, insiste o autor, é esboçar um juízo de valor por qualida-
des indefiníveis. Embora ele se contraponha a tal noção destacando que os
fatos não são tão claros como supõe o método estatístico, ele também reco-
nhece a especificidade dos domínios desta aplicação, pois que alguns deles
resistem tenazmente a um tratamento estatístico.
O mau uso dos métodos quantitativos e qualitativos fundamenta-se na
aceitação de uma magia social, qual seja, fazer existir uma coleção, uma série
ou uma uniformização, no primeiro caso, ou a transparência entre o que se
diz e o que se faz e a estrutura de relações sociais, no segundo. A magia se
fundamenta na imposição de termos necessários à computação, consequen-
temente genéricos e quase sempre simulacros do que querem produzir de
verdade ou encobridores dos limites explicativos. A crença na transparência

1
Para o exercício dessa postura metodológica, ver Combessie (1996).
Considerações finais 325

se fundamenta na objetividade dos fatos e na demissão explicativa dos atos


sociais que permitem a observação.
Utilizando-se os dados por si mesmos, faz-se incidir aquela crença na
transparência sobre os instrumentos de coleta de informações. Igualmente,
a crença se pauta numa visão ideológica da sociedade distanciada do reco-
nhecimento de que os fatos sociais, sendo de construção coletiva, não se re-
alizam plenamente em nenhum indivíduo entrevistado. Portanto, a soma de
informações quantitativas ou qualitativas não faz os fatos sociais saltarem à
vista. Sob quaisquer dos recursos de obtenção de informações, a compreen-
são impõe a articulação de elementos como produto de uma operação men-
tal do analista.
Outra ineficácia do debate é a pressuposição de concorrência quanto
ao alcance da exatidão, ou seja, a crença ou a ilusão da acuracidade. Quais-
quer dos instrumentos de coleta e interpretação de informações operam
pela criação de representações segundo pontos de vista privilegiados. Pres-
supõem, portanto, margem de erros que não as invalidem para alcance da
credibilidade, seja a fundada na amostragem, seja a fundada na redução do
modelo, seja a fundada em etnografias. Em quaisquer métodos, reafirmo, es-
tão em pauta as representações construídas segundo critérios de pertinên-
cia de variáveis e mediante ponto de vista específico. Está em jogo a constru-
ção de modelo (um como se assim fosse), mediante combinação do sistema
de relações entre conceitos (conjunção de significados), a partir dos quais se
interroga o real (sem com este se confundir). Quaisquer interpretações se
ancoram na seleção de dados cuja significação só tem sentido a partir de sua
pertinência a uma teoria que as informa. Tanto os dados quantitativos como
os qualitativos são imagens de síntese e de pressupostos a priori defendidos.
O olhar subjacente à elaboração do dado quantitativo, assim como ao dado
qualitativo, exige a explicitação dos modos de construção dessas operações.
Destarte, o que está em jogo no debate sobre as vantagens objetivas
de cada método é o mau uso: sua aplicação em domínios não pertinentes,
descuidada da explicitação dos procedimentos e da problematização das in-
formações; ou ancorada na pretensão de captação da fotografia instantânea,
que consagra e eterniza o que captou, sem levar em conta que tudo decor-
reu de um flash instigador de reflexões pontuais. Essas pré-concepções só se
criam e se reproduzem quando assentadas na defesa da crença de que é pos-
sível construir teorias a partir do cruzamento de dados, da transparência das
falas e das ações dos agentes sociais. Neste caso, negando-as enquanto res-
postas a problemáticas previamente construídas. Elas também só se criam e
se reproduzem se assentadas na aceitação de uma concepção ideológica da
sociedade, fundamentada numa representação atomicista ou individualista
do social; isto é, no limite, uma adição de indivíduos. Ou numa concepção
326 Delma Pessanha Neves

de cultura como soma de opiniões e comportamentos individuais (PELTO;


PELTO, 1978). Enfim, o que está em jogo neste infindável debate é a crença
no empiricismo calcado na aceitação acrítica da eficácia das técnicas e na
inconsciência das problemáticas ideológicas que o alimentam.
Tentando definir as particularidades dos métodos quantitativos de
pesquisa, Besson assim se expressa:

A informação estatística resulta de um trabalho de conceituação, de


organização, de observação, de exploração, e essas operações têm um
custo [...]. Resulta de uma opção que se funda na perda de informação
para ganhar sentido. Ancora-se no princípio da similitude, isto é, um
princípio de equivalência sob uma certa relação. A comensurabilidade
não é uma propriedade dos objetos, mas uma qualidade que lhes atri-
bui o observador (BESSON, 1996, p. 42-45).

Os métodos quantitativos, como então procurei demonstrar e me


guiar, fundam-se na construção de um ponto de vista que interpreta o que
se atribui realidade, a partir de instrumentos de coleta orientadores da uni-
formização das possíveis respostas. Incorporam um sistema de represen-
tação objetivada em categorias classificatórias ou um conjunto de termos
elaborados mediante uma visão específica do social que pretende explicar
ou modelizar. Aplicam-se aos dados que são passíveis de serem homogenei-
zados. Restringe-se ao domínio dos fenômenos que podem se submeter ao
exercício analítico das equivalências ou da abstração das particularidades
individuais. Pressupõem a demonstração do modo de construção do arbi-
trário, constitutivo da possibilidade de quantificar. Por isso, a produção de
categorias se objetiva e se legitima pela explicitação dos modos de sua cons-
trução e de seus significados: os objetivos para os quais foram construídas, o
que dizem, englobam, excluem, valorizam e desqualificam para análise. Essa
especificação também o é dos limites e das potencialidades interpretativas.
Em consequência, os índices numéricos devem ser usados com descrição
para não se dar por concluída a investigação no ponto exato em que ela ad-
quire o verdadeiro interesse sociológico. Por tais pressupostos, insisto na
continuidade deste trabalho de textualização da pesquisa em jogo, tanto que
ela será objetivada em várias dimensões correspondentes aos volumes que
irão compor esta coleção.
A codificação de grande massa de informações responde a interesses
que devem ser precisados, na maior parte das vezes políticos, tais como afir-
mei e reafirmei no decorrer deste texto. Reconhecendo a imposição política
de interesses em torno do controle da população e da construção da capi-
laridade do poder, Foucault, aplicando o método arqueológico sobre dados
Considerações finais 327

quantificados, revela alguns dos objetivos políticos desta operação, no mo-


mento mesmo de sua constituição enquanto instrumento de interpretação:

Mas, por volta do século XVIII nasce uma incitação política, econômica,
técnica, a falar do sexo. E não tanto sob a forma de uma teoria geral da
sexualidade mas sob forma de análise, de contabilidade, de classifica-
ção e de especificação, através de pesquisas quantitativas ou causais.
Levar “em conta” o sexo, formular sobre ele um discurso que não seja
unicamente o da moral, mas da racionalidade, eis uma necessidade su-
ficientemente nova para, no início, surpreender-se consigo mesma e
procurar desculpar-se [...]. O sexo não se julga apenas, administra-se.
Sobreleva-se ao poder público; exige procedimentos de gestão; deve
ser assumido por discursos analíticos. (FOUCAULT, 1977, p. 26)

A necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e públicos


foi por ele apreendida, a partir de uma série de exemplos de informações
categorizadas para serem submetidas à quantificação:

Uma das grandes novidades nas técnicas de poder, no século XVIII,


foi o surgimento da “população”, como problema econômico e polí-
tico: população-riqueza, população mão de obra ou capacidade de
trabalho, população em equilíbrio entre seu crescimento próprio e as
fontes de que dispõe. Os governos percebem que não têm que lidar
simplesmente com sujeitos, nem mesmo com um “povo”, porém com
uma “população” com seus fenômenos específicos e suas variáveis
próprias: natalidade, morbidade, esperança de vida, fecundidade, es-
tado de saúde, incidência de doenças, forma de alimentação e de ha-
bitat. Todas essas variáveis situam-se no ponto de intersecção entre
os movimentos próprios à vida e os efeitos particulares das institui-
ções [...]. (FOUCAULT, 1977, p. 28)

Portanto, espero reiteradamente esta compreensão do leitor: os da-


dos quantitativos correspondem a necessidades de conhecimento em plano
geral ou de massa e respondem aos que desta informação têm necessidade,
como é o caso dos órgãos do Estado em particular, tão bem exemplificado
pelo IBGE. A informação estatística é, conforme lembra Besson (1995, p.
39), de ordem estratégica, porque coloca o observado como objeto e é, quase
sempre, produtora de efeitos.
Rearticulando os procedimentos do método quantitativo por mim
adotados, assumidos nos limites do tratamento de dados de que pude tomar
consciência, mas também nos limites interpostos pelos sentidos com que eles
328 Delma Pessanha Neves

próprios, por objetivos totalmente diferentes, foram construídos, valorizo


a importância de universos de significações sociais que Malinowski (1975)
destacou como inerentes aos imponderáveis da vida social. Muitos universos
não se prestam a computações e ponderações porque se organizam a partir
de um conjunto de valores, normas, enfim, representações sociais exprimí-
veis pela linguagem e apreendidas pela observação direta de quem por eles
se interessa. Muitas atividades estão fora de controle e existem porque defen-
dem a clandestinidade, o sigilo e a existência extraoficial. Estão assim fora do
alcance da quantificação, como já assinalava Malinowski:

Em outras palavras, há uma série de fenômenos de grande impor-


tância que não podem ser registrados através de perguntas, ou em
documentos quantitativos, mas devem ser observados em sua plena
realidade. Denominemo-los os imponderáveis da vida real. Entre eles
se incluem coisas como a rotina de um dia de trabalho, os detalhes do
cuidado com o corpo, da maneira de comer e preparar as refeições; o
tom das conversas e da vida social ao redor das casas da aldeia; a exis-
tência de grandes amizades e hostilidades e de simpatias e antipatias
passageiras entre pessoas; a maneira sutil, mas inquestionável, em
que as vaidades e ambições pessoais se refletem no comportamento
do indivíduo e nas reações emocionais dos que o rodeiam. Todos esses
fatos podem e devem ser cientificamente formulados e registrados,
mas é necessário que o sejam, não através de um registro superficial
de detalhes, como é habitualmente feito por observadores sem treina-
mento, mas por um esforço de penetração da atitude mental que neles
se expressa. E é por esta razão que o trabalho dos observadores cienti-
ficamente treinados, uma vez seriamente aplicado ao estudo desse as-
pecto, proporcionará, eu o creio, resultados de maior valor. Até agora
apenas o têm feito os amadores e portanto, no conjunto, têm-no feito
indiferentemente.
Na verdade, se recordarmos que esses imponderáveis, porém impor-
tantíssimos, fatos da vida real constituem parte do verdadeiro tecido da
vida social, que neles se emaranham os inumeráveis fios que mantêm
unidos a família, o clã, a comunidade aldeã, a tribo – seu significado se
torna claro. (MALINOWSKI, 1975, p. 55)

Outras dimensões são então valorizadas para a compreensão do social,


mas totalmente excluídas da captação pelo olhar que valoriza a homogenei-
dade para construir significações, mesmo que não compreendidas como im-
ponderáveis. As formas distintas de relação e de práticas e as diferenciações
inerentes ao dinamismo social são relativamente imunes ao uso da análise
Considerações finais 329

quantitativa. A diversidade e as médias são inconciliáveis.2 A dinâmica e a


fluidez das posições estão fechadas a uma avaliação quantitativa. Os siste-
mas normativos ou ideológicos, os modos de combinação de atividades, que
negam a fixidez das posições, da mesma forma, não podem ser apreendidos
pelo ponto de vista computacional ou causal.
Quando se condena a representatividade numérica em nome da ten-
tativa de cobrir a relacional diferenciação social, isto é, a construção da di-
versidade de posições, a vida social passa então a ser concebida como um
conjunto de modos especiais de conduta, a partir dos quais os agentes reci-
procamente orientam seu agir. Neste caso, está em jogo um objeto de estudo
apreensível por um variado agregado de formas de comportamento e uma
complicada rede de interações; um sistema de desvios de níveis diferentes,
cujos sentidos só podem ser apreendidos relacionalmente, por meio do jogo
das oposições e das distinções, dificilmente captadas por noções sustenta-
das em relações causais, contingenciais ou modais. Não sendo a vida social
pensada como realidade subsistente ou substantiva, mas pela conjunção de
modos coletivos de condutas capazes de prevê-las, apenas a indução pode
revelar o sistema de relações sociais que informam e são informadas pelas
representações e práticas. A generalização possível então se sustenta na ela-
boração de modelos ou sistema de analogias, isto é, conjunto de suposições
para pensar processos inter-relacionados como se constituíssem unidade
autônoma. A generalização só revela a cristalização de formas e de processos
típicos, explicitados por determinados conceitos.
Por essas perspectivas epistemológicas, as condutas e os comporta-
mentos só podem ser compreendidos por outras mediações, nas quais a
observação e a convivência do observador são fundamentais. Os fatos so-
ciais (enquanto crenças e opiniões) definem-se pelo que pensam e fazem as
pessoas que lhes dão existência. Se a descoberta personalizada é o primeiro
passo para a apreensão dos imponderáveis da vida social, esta revelação não
é suficiente para assegurar a credibilidade dos resultados. Sobre tal forma
também se impõem a suspeita de subjetividade e a necessidade de demons-
tração como recurso de conquista da cientificidade.
A objetividade das interpretações obtidas pelos dados qualitativos de-
pende da definição clara dos conceitos básicos, das unidades fundamentais
de análise, do uso dos instrumentos e da tomada de consciência das relações
em que se engajam pesquisador e pesquisado. A objetividade se sustenta
então na dessacralização do mistério do trabalho de campo e da reivindica-
ção da credibilidade atribuída a quem se submergiu no mundo que desejava
pesquisado ou para si mesmo revelado.

2
Ver Thompson, 1987, Vol. II, Capítulo II, Os trabalhadores rurais, p. 39-69.
330 Delma Pessanha Neves

Espero então que o leitor possa vir a concordar com minhas insistên-
cias sobre procedimentos adotados e relativizações dos resultados que foram
situacionalmente alcançados. Se há domínios específicos para a aplicação de
cada conjunto de instrumentos e meios de captação e interpretação de infor-
mações, outros tantos podem estar submetidos aos dois olhares, desde que
respeitadas as especificidades dos modos de construção das representações
em que todos os dois métodos se apoiam. Mais que isso, os diálogos são sem-
pre recomendados enquanto possibilidades de controle das interpretações e
de extensão da perspectiva e dos domínios encobertos.3
Para integrar algum exemplo dessa problemática, ainda consideran-
do questões caras a esta pesquisa, desenvolvo comentários sobre a politica-
mente necessária, mas epistemologicamente complicada investida na quan-
tificação do trabalho doméstico.
Diante do amplo exercício das atividades das mulheres em espaço
doméstico, o uso de dados estatísticos oficiais ainda se mostra em grande
decalagem. Definidas como atividades domésticas, elas se encontram ausen-
tes dos enquadramentos institucionais dos aparatos jurídicos e econômicos.
Essa ausência ainda se acirra diante do fato de tal atividade se caracterizar
por modos de cálculo pouco estáveis e muito situacionais. Qualquer tentati-
va de enquadramento enfrenta muitas controvérsias e, complementarmente,
exige o estudo das relações em plano local ou situacional, abarcando as di-
versas unidades familiares em suas relações específicas. Neste exercício, o
pesquisador ainda se coloca diante da compreensão de diferentes lógicas a
elas atribuídas, lógicas compreensíveis tanto quanto se entendem os compor-
tamentos individuais e familiares. Esses comportamentos em grande parte
significam a interiorização mais ou menos rígida de diferentes normas. Além
disso, o leque de alternativas para dimensionar as importantes ramificações
ou extensões das atividades domésticas vai desde as tarefas realizadas na re-
sidência (limpar, cozinhar, coser, bordar, atender aos dependentes, apoiar a
socialização escolar e vicinal, as mais tradicionais); controlar e gerir gastos de
maneira informal ou pela adoção de uso de computador; investir na produção
de mediações subjacentes a demandas institucionais, como serviços médicos,
administrativos, sociais; a construção de respostas a padrões de sociabili-
dade em redes sociais inerentes à reprodução social da família ou do grupo
doméstico; e entre outras, o encargo com pessoas doentes ou dependentes.
A cada uma dessas tarefas correspondem saberes e modos de cognição pró-
prios, muitos deles sendo objeto de intervenção estatal mediante apoio ou
controle (por exemplo, a inclusão de famílias em programas sociais). Outras

3
Para a contribuição de alguns antropólogos neste diálogo, ver Chibnik (1985), Gluckman (1967),
Mitchell (1967), Van Velsen (1967).
Considerações finais 331

delas, se transformadas em questões familiares, estão tendentes a se tornar


objeto de judicialização (questão alimentar, por exemplo).
O reconhecimento dessas múltiplas possibilidades e responsabilida-
des tem sido objeto de estudos etnográficos, mas elas estão longe de corres-
ponder ao exercício de modelização de cálculos. As questões de pagamento
que as decisões jurídicas tentam considerar geralmente tomam como refe-
rência outros parâmetros: certa porcentagem do valor do salário auferido
por um dos pais ou esposos. Não se trata, portanto, de remunerar a atividade
doméstica, mas os custos com a ocupação de filhos e dependentes. Os infin-
dáveis debates em torno do valor justo ou da aceitação da desigualdade no
tocante às responsabilidades a serem assumidas, paradoxalmente, podem se
constituir em boa situação de delimitação de cálculos financeiros atribuídos
ao conjunto de atividades domésticas assumidas por esposo ou esposa, pai
ou mãe. Por conseguinte, distanciam-se as alternativas de alcançar qualquer
modelização quantificadora do custo das atividades domésticas ou da valo-
rização mercantil da ocupação daquelas tarefas.
Entre teóricos que se ocupam dessa questão, reproduzem-se os de-
bates quanto ao alcance político e intelectual para definir possibilidades de
encaminhamento de lutas sociais emergidas entre movimentos feministas,
especialmente se tocantes à remuneração do trabalho doméstico. Os estudos
do funcionamento dos grupos domésticos concernidos ainda se apresentam
como uma das mais importantes alternativas de compreensão dos modos de
concepção dos papéis do marido e da mulher, do pai e da mãe na construção
de unidades conjugais e na gestão da prole. Tanto que ele vem obtendo o
engajamento de diversos pesquisadores de boa parte dos países ocidentais
capitalistas, especialmente naqueles onde o assalariamento se expande na
formal inclusão produtiva das mulheres.
As dificuldades para a construção de perspectivas adequadas de análi-
se se misturam aos limites e contradições emergidas do debate político. Tanto
que comumente se ressaltam as controvérsias entre intelectuais vinculados
ao movimento feminista. Entre as querelas, exemplifico: a autonomização fi-
nanceira reivindicada pelas mulheres é em grande parte ilusória, se ela não
liberá-las das tradicionalmente atribuídas atividades domésticas; tanto que,
nessas situações, os conflitos e as disputas do casal diante do questionamen-
to das relações desiguais de poder tendem a se acirrar. Em consequência,
advogam muitos dos intelectuais engajados na reflexão sobre tais questões:
a difusão do mito da independência pela autonomia financeira esconde ou
secundariza todo o trabalho da reprodução física e social dos membros da
unidade familiar, abarcando a produção social das pessoas, majoritariamen-
te assumido pelas mulheres. E a avaliação recai, de qualquer modo, sobre
os modelos matemáticos e economicistas, perspectiva de conhecimento que
332 Delma Pessanha Neves

não leva em conta as práticas sociais do ambiente doméstico, tanto que não
vem sendo objeto de modelização matemática.
A própria diferença salarial entre mulheres e homens, tal qual eu mes-
ma acentuei, valendo-me de dados oficiais, é de qualquer modo um indicador
muito complexo para fundamentar a reflexão. Um dos enganos pode ocorrer
quando se consideram as aproximações expressas por tais índices, sem, to-
davia, considerar as condições socioeconômicas que exprimem as curvas de
aumento de índice salarial. O fenômeno pode expressar não as aproximações
de ganhos financeiros entre homens e mulheres e a diminuição de desigual-
dades sociais entre trabalhadores sexualmente distintos, mas a estabilização
ou redução do salário médio dos homens. Assim sendo, afirmam diversos
daqueles estudiosos, não é possível concluir que a situação de remuneração
desigual das mulheres melhorou por decorrência direta da contraposição se-
xuada daqueles índices.
Por isso diversas pesquisas estão orientadas a compreender os confli-
tos diante de modelos de negociação, descrevendo condições de tomada de
decisão, mas nesse caso tendo que forçosamente atribuir grande peso aos es-
paços de relações referenciadas pela informalidade e pela pessoalidade, aos
domínios de ação e decisão que independem ou são refratários aos cálculos
estritamente monetários. Por elas tem-se então investido na elaboração de
cálculos que politicamente possam fundamentar a avaliação e a construção
da visibilidade da contribuição das mulheres para economia nacional. São
pesquisas que, por consequência, consideram o trabalho de forma mais am-
pla, abarcando então o mercado informal, o trabalho doméstico, a divisão se-
xual do trabalho na família, os meios envidados para assegurar a reprodução
de relações primordiais, as formas de sociabilidade, os cuidados em saúde
e a educação, além de outros aspectos relacionados como temas legítimos à
perspectiva disciplinar da economia política.
Perante as dificuldades inerentes aos correspondentes exercícios de
pesquisa, as temáticas pertinentes ao campo de reflexões não podem abrir
mão da avaliação das incidentes demarcações de desigualdades de gênero,
como aquelas que se exprimem no mercado de trabalho. Os pontos de
vista que demarcam os procedimentos de pesquisa guardam e alimentam
mutuamente a perspectiva acadêmica e a política, em certos casos, até
mesmo altamente orientados para a elaboração de indicativos que respaldem
a formulação de políticas e programas públicos.
Retomando as reflexões finais sobre as complexidades inerentes ao
uso das estatísticas, defendo o quanto, no caso aqui considerado, elas abri-
ram portas à desconstrução das primeiras impressões. Os índices estatís-
ticos me forneceram, posto que também orientada por potencialidades do
uso dos métodos qualitativos, direções ou orientações gerais. Frente ao meu
Considerações finais 333

anterior desconhecimento sobre processos ocorridos na região oeste do Pará


e à ausência de precedentes produções acadêmicas tangenciais ao tema aqui
considerado, elas cooperaram para que eu pudesse decompor algumas ilu-
sórias “totalidades”, substituindo-as por unidades sociológicas construídas
mediante critérios melhor explicitados. Puderam ainda apontar para propo-
sição de novas relações ou me induzir à busca de ordens sociais evidenciadas
nas exceções. Enfim, elas me permitiram tentar separar o que estava unido e
unir o que estava separado enquanto princípio heurístico.4
As possibilidades do diálogo entre tais métodos fundam-se então no
respeito aos princípios metodológicos que os informam. Sob quaisquer dos
casos, tive de investir na tomada de consciência e no aprendizado da disposi-
ção mental condicionante da explicação do diferente e na respectiva demons-
tração. Assim me comportando metodologicamente, pude trazer ao leitor a
explicitação da lógica dos insights alcançados e da construção de representa-
ções cultivadas por entrevistados, por funcionários produtores de dados es-
tatísticos, pelo diálogo com autores que anteriormente se debruçaram sobre
as preocupações intelectuais aqui relevadas e pelo investimento na tradução
necessária à reconsideração de dados construídos segundo outros objetivos.
Tal como nos advertiram Bourdieu, Chamboredon e Passeron (1975), a vigi-
lância epistemológica quanto ao uso de categorias já construídas exige uma
explicitação metódica das problemáticas a elas já incorporadas e daquelas
que passam a ser constitutivas do novo tratamento. A recusa deste a priori
só pode se sustentar na crença de que é possível se considerar diferente o
idêntico e idêntico o diferente, comparar o incomparável e se omitir a com-
parar o comparável.5
No caso do uso de dados interditados à desagregação, tive que me
contentar com os limites impostos, negando-me assim ao proselitismo so-
ciológico e às projeções abstratas. Explicitando os limites da compreensão,
bem como os desdobramentos da restrição, espero ter demonstrado quais
interpretações me foram até aqui possíveis. Na utilização de dados construí-
dos para outros fins, indicando a compreensão do sentido e da significação
das categorias em jogo, acentuei a tomada de consciência das operações de
codificação, para não cair no esvaziamento do significado da classificação ou
na aceitação supostamente evidente da categorização. Por isso mesmo, essa
pesquisa prosseguirá com a demonstração de articulações e hierarquias que
estão plenamente fora dos dados estatísticos ou que não podem ser por eles

4
Ver Cicourel, 1975.
5
De modo bastante objetivo exemplifica Bourdieu: os que esperam milagres dos arquivos, dos dados e
dos computadores desconhecem o que separa os objetos pré-construídos considerados fatos científi-
cos dos objetos reais. Os objetos dos museus oferecem sempre indagações posteriores e reconstruções
indefinidamente renovadas.(Bourdieu,1975)
334 Delma Pessanha Neves

admitidas, enveredando, no próximo volume, pelo estudo da economia local


e do trabalho doméstico.
Sintetizando para ainda defender a credibilidade das interpretações
apresentadas, recusei-me a fazer acreditar, pelo convencimento, que números,
índices, médias, categorias, conceitos sejam retratos do que se quer demons-
trar; tanto que recorrentemente me vali da metáfora do flash (iluminação) e das
cartas do baralho, para alertar que cada informação correspondia tão somente
às alternativas e probabilidades de interpretação que julguei pertinentes.
Tanto na busca da diversidade como na da similitude, procedimento
que busquei associar, ao incorporar produções estatísticas destinadas a ou-
tros objetivos e aquelas elaboradas por levantamento inerente aos objetivos
da pesquisa (assumidos por todos os participantes do processo de constru-
ção de dados), mantive em jogo um princípio de equivalência que fundamen-
tasse as respostas oferecidas às perguntas com as quais parti(mos) para esse
empreendimento intelectual. Afinal, a comensurabilidade e a descrição das
relações sociais não são propriedades dos objetos investigados, mas quali-
dades que lhes atribuem os pesquisadores. O que está em jogo na demons-
tração aqui sistematizada não é o que foi observado, mas algumas de suas
características valorizadas pelo nosso ponto de vista, todo tempo interpreta-
tivo. Em quaisquer dos casos, o acordo fundamental recai sobre a definição
operatória, ou seja, como a interpretação foi construída segundo definição
de modelos conceituais e, a partir deles, classificar e quantificar.
Por fim, quero destacar: a noção de unidade que, para efeitos estatís-
ticos recaiu sobre o indivíduo, nem sempre é a melhor forma para pensar o
social. A posição dos agentes e sua diferenciação podem muito mais ajudar a
entender as novas exigências e estilos de vida que conduzem às mudanças,
tanto nas unidades familiares como nos vínculos produtivos; tanto no siste-
ma local como na intercomunicação, nas formas diversas de inserção social.
Em decorrência, o indivíduo tomado como unidade de medida induz a riscos,
como a errônea ideia do estudo da mulher pela mulher, apartada de suas in-
terseções com os diversos e cambiantes domínios, fluxos e redes de vida so-
cial. Tanto que, mesmo na elaboração dos critérios de constituição do levan-
tamento inerente aos procedimentos da pesquisa em foco, a diversidade e a
diferenciação sociais foram amplamente consideradas, pelo menos para não
abrir mão dos desdobramentos inerentes ao contexto de vida, à faixa etária,
ao nível de instrução, às inserções produtivas e aos desdobramentos sociais
correspondentes. A análise procurou assim se enriquecer pela incorporação
dos múltiplos significados e complexidades, embora valorando a formulação
da compreensão genérica, de fenômenos amplos, que, para assim produzi-
-los, impositivamente tive que abrir mão de tantas diversidades. Mas em tro-
ca, pude apontar tendências e diferenciação de sistemas de posições.
Considerações finais 335

A construção de generalizações dos fenômenos tende quase sempre a


responder a demandas advindas de outros movimentos da sociedade, reve-
lando outros atributos das ciências e dos cientistas, como o de dialogar com
as pressões políticas que disputam legitimidade e hegemonia em termos de
projeto societário. Se esta relação é também constitutiva da ciência, impor-
tante para a construção e reprodução de estoques de temas e problemas e
para a elaboração política de novas projeções dos agentes sociais em dispu-
ta, ao incorporá-la, o pesquisador não pode ou não deve abdicar do exercício
de seu métier: a partir da desconstrução das questões sociais, como tão bem
demonstra Lenoir (1998), construí-las enquanto questões sociológicas.
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