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alternativas de vida
Volume I
Delma Pessanha Neves
Mulheres em Santarém
alternativas de vida
Volume I
Niterói, 2014
Copyright © 2014 by Delma Pessanha Neves
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.
Bibliografia p.
ISBN 978-85-63749-16-1
BISAC SOC000000 SOCIAL SCIENCE / General
Pesquisadores
UFOPA - Universidade Federal do Oeste do Pará
– Instituto de Ciências da Sociedade
Pedro Fonseca Leal
Maria Marlene Escher Furtado
Angela Maria Garcia
Lidiane Leão
– Alunos Voluntários
Graziella Escócio de Almeida
Mazzile Tavares Rodrigues
– Prestadores de serviços
Videos e fotografias
Marc Paul Remy Debes
Motorista em trabalho de campo
José Eudes de Oliveira Sousa
– Digitação e sistematização de dados
Aline Mesquita Guimarães
Beatriz Jandre Ferreira
Martina de Siqueira Correa
Naira Suane de Miranda Pinheiro
Talytta Melgarejo
Mattews Damasceno Chaves
– Aplicação de questionários
Ednelma Silva de Sousa
Márcia Marina Santos de Abreu
Para Marc Debes
Apresentação ...................................................................................................................... 17
Introdução ...........................................................................................................................19
Referências ........................................................................................................................337
Lista de Mapas
1. Município de Santarém, Pará (BR) ...............................................................................18
2. Localização de Santarém na região oeste do Pará .................................................20
Lista de Fotos
1. Campo de cultivo de soja, Curuá-una, Santarém ................................................. 260
2. Fazenda de cultivo de grãos: aparato de instrumentos mecanizados e de
armazenamento da produção ........................................................................................... 260
3. Orla da cidade de Santarém, tendo ao fundo o porto de exportação de soja
da Cargill no rio Tapajós ................................................................................................ 260
Lista de quadros
Quadro 01. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa
etária (acima de 18 anos) e condição de vida biológica ...........................38
Quadro 02. População brasileira no município de Santarém, segundo o sexo e
a idade, 1920 ............................................................................................................. 108
Quadro 03. População do município de Aveiro, estado do Pará, segundo o
sexo, a idade e a nacionalidade, 1920 ............................................................ 109
Quadro 04. População estrangeira nos municípios de Aveiro, Itaituba e San-
tarém, segundo a nacionalidade e o sexo, 1940 ........................................ 110
Quadro 05. População de fato, por sexo e nacionalidade, no município de
Santarém, 1940 ....................................................................................................... 110
Quadro 06. População dos municípios de Itaituba e Santarém, segundo dis-
tribuição por sexo e qualificação dos espaços residenciais, 1940 .... 140
Quadro 07. População de fato, por sexo e ramo da atividade principal exercida,
nos municípios de Itaituba e Santarém, em 1940 .................................... 141
Quadro 08. Área dos estabelecimentos agropecuários em exploração e segun-
do condições de utilização, nos municípios de Itaituba e Santarém,
1940............................................................................................................................... 146
Quadro 09. Propriedade do imóvel e condição do responsável, distribuição
da área de terra por estabelecimentos, segundo escala em gru-
pos de área, 1920 e 1940 .................................................................................... 147
Quadro 10. Pessoal permanente dos estabelecimentos agropecuários, distri-
buídos pela modalidade da exploração, nos municípios de Itaitu-
ba e Santarém, 1940 .............................................................................................. 148
Quadro 11. Pessoal permanente dos estabelecimentos agropecuários, distri-
buídos pela modalidade de exploração, nos municípios de Itaituba
e Santarém, 1940 .................................................................................................... 149
Quadro 12. Produção agrícola e extrativa vegetal, segundo número de esta-
belecimentos e respectivas unidades de medidas nos municípios
de Itaituba e Santarém, nos anos de 1920 e 1939, ................................... 150
Quadro 13. Indivíduos referidos no levantamento, na correspondência do
sexo e faixa etária acima de 70 anos, com distinção da condição
biológica de vida ..................................................................................................... 151
Quadro 14. Local de nascimento (estados mais recorrentes) de indivíduos
referenciados no levantamento, segundo sexo, idade acima de 70
anos e condição biológica de vida ...................................................................... 152
Quadro 15. Local de nascimento (estados menos recorrentes) de indivíduos
referenciados no levantamento, segundo sexo, idade acima dos
70 anos e condição biológica de vida ........................................................ 153
Quadro 16. Local de última residência (em municípios do estado do Pará)
dos indivíduos referidos no levantamento, com idade acima de
70 anos ........................................................................................................................ 154
Quadro 17. Local de residência (em outros estados e países) dos indivíduos
referidos no levantamento, com idade acima de 70 anos ...................... 155
Quadro 18. Caracterização geral do nível de instrução de indivíduos referidos
no levantamento, acima de 70 anos ............................................................... 156
Quadro 19. Comparação da frequência de estados de nascimento e de
residência de indivíduos referidos no levantamento, acima de 70
anos .............................................................................................................................. 157
Quadro 20. Classificação das ocupações de indivíduos acima de 70 anos
referidos no levantamento, associadas ao setor agrícola ou agro-
pecuário e extrativista .......................................................................................... 158
Quadro 21. Ocupações reconhecidas como atividades profissionais exercidas
pelas mulheres na faixa etária acima de 70 anos cujo exercício se
iniciou entre 1930 e 1950 ..................................................................................... 160
Quadro 22. Distribuição da população do município de Santarém, segundo
subdivisão por sexo e nacionalidade, entre 1920 e 1970 ...................... 171
Quadro 23. População do município de Itaituba, segundo a distribuição por
sexo e qualificação dos espaços residenciais, entre 1940 e1970 ...... 173
Quadro 24. População do município de Santarém, segundo a distribuição
por sexo e qualificação dos espaços residenciais, entre 1940 e
1970 ............................................................................................................................. 174
Quadro 25. Distribuição de pessoas presentes de 10 anos e mais, por sexo e
afiliação produtiva a principais ramos de atividades, no município
de Santarém, entre os anos de 1940 e 1970 ....................................................176
Quadro 26. Pessoal ocupado, por sexo e formas de vínculo no setor agrícola e
agropecuário no município de Santarém, entre 1950 e 1970 ............. 177
Quadro 27. Condição do produtor no município de Santarém, entre 1950 e
1970 .....................................................................................................................................179
Quadro 28. Utilização das terras no município de Santarém, entre 1950,
1960 e 1970 .............................................................................................................. 180
Quadro 29. Grupos de área total, número e área de estabelecimentos no
município de Santarém, entre 1950 e 1970 ................................................ 181
Quadro 30. Colheita e tipo de cultivo dos principais produtos das lavouras
temporárias e permanentes em Santarém, entre 1940 e 1970 .......... 182
Quadro 31. Produtos vegetais extrativistas no município de Santarém, entre
1940 e 1970 .............................................................................................................. 184
Quadro 32. Transformação ou beneficiamento de produtos agropecuários
em Santarém, 1970 ................................................................................................ 184
Quadro 33. Pessoas presentes, por faixa etária e sexo, no município de
Santarém, 1940, 1960 e 1970 ........................................................................... 191
Quadro 34. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e
tempo de residência, 1970-1980 ..................................................................... 192
Quadro 35. Pessoas não naturais de Santarém, por tempo de residência no
município, 1980 ....................................................................................................... 193
Quadro 36. Tempo de residência de migrantes no município de Santarém
entre 1970 e 1980 .................................................................................................. 193
Tabela 37. População residente no município de Santarém, segundo resi-
dência atual, 1980 .................................................................................................. 194
Quadro 38. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e
tempo de residência, entre 1970 e 1980 ...................................................... 195
Quadro 39. População residente no município de Santarém, segundo distinção
espacial em 1950 e 1980 ............................................................................... 196
Quadro 40. População do município de Santarém em 1980, segundo
distrito, distinção do local de residência em rural e urbano e
faixa etária ........................................................................................................... 197
Quadro 41. Local de nascimento de indivíduos referidos no levantamento,
na faixa etária de 30 a 69 anos, incidente sobre municípios do
estado do Pará .......................................................................................................... 202
Quadro 42. Local de nascimento de indivíduos referidos no levantamento,
na faixa etária de 30 a 69 anos, incidente sobre municípios fora
do estado do Pará ................................................................................................... 204
Quadro 43. Local de residência dos indivíduos citados no levantamento na
faixa etária de 30 a 69 anos ................................................................................ 208
Quadro 44. Local de nascimento e de residência de indivíduos referidos no
levantamento na faixa etária 30 a 69 anos .................................................. 211
Quadro 45. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levan-
tamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos aos
setores agrícola, agropecuário e extrativista .............................................. 213
Quadro 46. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de artesanato e costura ........................................................................................ 215
Quadro 47. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de beneficiamento de produtos ou de transformação ............................ 216
Quadro 48. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
profissionais autônomos e prestadores de serviços técnicos ............. 216
Quadro 49. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de construção civil ................................................................................................. 219
Quadro 50. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no le-
vantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao
Setor beneficiamento de produtos ou de transformação ...................... 221
Quadro 51. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de comércio ............................................................................................................... 221
Quadro 52. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no le-
vantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao
setor de transporte ................................................................................................ 224
Quadro 53. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de atividades administrativas ........................................................................... 226
Quadro 54. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao setor
de prestação de serviços ..................................................................................... 227
Quadro 55. Classificação das ocupações de indivíduos referidos no le-
vantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos, segundo vínculos ao
setor de doméstico em profissionalização .................................................. 233
Quadro 56. Classificação das ocupações de indivíduos citados no levanta-
mento, na faixa etária de 30 a 69 anos, associadas ao setor de
prestação de serviços ............................................................................................ 235
Quadro 57. Nível de instrução dos indivíduos citados na faixa etária 30 a 69 anos ......236
Quadro 58. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa
etária 30 a 69 anos e condição biológica de vida ..................................... 236
Quadro 59. Distribuição da população de Santarém, segundo sexo e local de
residência, 2010 ...................................................................................................... 240
Quadro 60. Distribuição da população residente no município de Santarém,
segundo faixa etária e sexo, 2010 .................................................................... 241
Quadro 61. Número de alunos por série e distritos de gestão do sistema
municipal de ensino em Santarém, 2009 ..................................................... 244
Quadro 62. Alunos matriculados no ensino superior entre 2008 e 2010 .............. 245
Quadro 63. Oferta de cursos de ensino superior em Santarém, 2010 ..................... 246
Quadro 64. Distribuição de pessoal ocupado e unidades locais de produção
em Santarém, 2010 .......................................................................................... 247
Quadro 65. Estatística de emprego formal por setor de atividade econômica
em Santarém, 2006-2011 ................................................................................... 248
Quadro 66. Distribuição dos trabalhadores vinculados ao mercado de traba-
lho em Santarém, segundo divisão sexual, 2011 ...................................... 248
Quadro 67. Distribuição dos trabalhadores vinculados ao mercado de trabalho
em Santarém, segundo divisão sexual e faixa etária, 2011 ................... 249
Quadro 68. Distribuição das pessoas de 25 anos ou mais por sexo e nível de
instrução em Santarém, 2010 ............................................................................ 250
Quadro 69. Ocupações com maiores estoques de alternativas de vínculo de
trabalho, segundo a distinção de sexo dos trabalhadores, 2011 ....... 250
Quadro 70. Ocupações com maiores estoques de postos de trabalho, conforme
remuneração média e distinção sexual dos trabalhadores, Santa-
rém, 2011 ............................................................................................................................ 251
Quadro 71. Ocupações com maiores estoques de alternativas segundo a valo-
rização diferenciada por sexo, Santarém, 2011 ..............................................251
Quadro 72. Movimentação desagregada de vínculos e dispensas de trabalho
emSantarém, durante o ano de 2012 e até maio de 2013 ..................... 252
Quadro 73. Remuneração média de empregos formais segundo sexo do tra-
balhador em Santarém, em 31 de dezembro de 2011 ............................ 253
Quadro 74. Pessoas residentes em domicílios particulares, segundo faixa de
salários e distribuição dos trabalhadores por cor da pele e etnia,
Santarém, 2010 ....................................................................................................... 254
Quadro 75. Distribuição de trabalhadores de 10 anos ou mais e cor da pele
e etnia em Santarém, segundo afiliação ao mercado de trabalho
formal e vínculos autônomos, 2010 ............................................................... 255
Quadro 76. Distribuição das condições de produção dos principais produtos
agrícolas em Santarém, 2006 ............................................................................ 257
Quadro 77. Estatística de desemprego por setor de atividade econômica em
Santarém, 2006-2010 ........................................................................................... 261
Quadro 78. Cadastro de imóveis em Santarém, 2010 (resumo total de imó-
veis) .............................................................................................................................. 262
Quadro 79. Distribuição de unidades econômicas por setores produtivos,
catalogados para publicidade, Santarém, 2013 ........................................... 264
Quadro 80. Distribuição de unidades econômicas do setor de serviços cata-
logadas para publicidade, Santarém, 2013 .................................................. 267
Quadro 81. Distribuição de unidades econômicas do setor de comércio va-
rejista e transporte de mercadorias e passageiros, catalogadas
para publicidade, Santarém, 2013 .................................................................. 272
Quadro 82. Distribuição de unidades econômicas do setor de comércio ata-
cadista catalogadas para efeito de publicidade, Santarém, 2013 ...... 275
Quadro 83, Distribuição de unidades econômicas dos setores de crédito, cons-
trução civil e arquitetura, catalogadas para publicidade, Santarém,
2013 .....................................................................................................................................276
Quadro 84. Distribuição de unidades econômicas dos setores de usinas de
beneficiamento e indústrias de transformação, catalogadas para
publicidade, Santarém, 2013 ............................................................................. 276
Quadro 85. População econômica e não economicamente ativa no município
de Santarém, em 2010 .......................................................................................... 281
Quadro 86. Distribuição da força de trabalho economicamente ativa no mu-
nicípio de Santarém, segundo setores produtivos e distinção de
sexo, 2010 .................................................................................................................. 282
Quadro 87. Índices de remuneração de trabalhadores residentes em Santa-
rém, 2010 ................................................................................................................... 283
Quadro 88. Indicadores de mercado de trabalho. Censo 2000 ................................... 284
Quadro 89. Pessoas de 10 anos ou mais em Santarém, ocupadas na semana
de referência da computação do Censo Demográfico de 2000
em Santarém ....................................................................................................... 285
Quadro 90. Caracterização do nível de instrução de indivíduos referencia-
dos, com idade entre 18 a 29 anos, segundo a distribuição por
sexo e condição biológica de vida .................................................................... 286
Quadro 91. Distribuição dos indivíduos referidos no levantamento e situa-
dos na faixa etária 18 e 29 anos, segundo municípios de residên-
cia e respectivo estado, 2012 ............................................................................. 286
Quadro 92. Síntese das identificações dos indivíduos referidos no levanta-
mento e situados na faixa etária 18 e 29 anos, segundo último ou
único vínculo de trabalho e setor produtivo ............................................... 288
Quadro 93. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos a setores agrícola, agropecuário e extrativista ................ 290
Quadro 94. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual e
vínculos aos setores de artesanato e costura ............................................. 292
Quadro 95. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de comércio .............................................. 293
Quadro 96. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor da construção civil ................................. 299
Quadro 97. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor da indústria .............................................. 300
Quadro 98. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor administrativo privado e público ........301
Quadro 99. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de prestação de serviços domés-
ticos remunerados e não remunerados ........................................................ 304
Quadro 100. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho na prestação de serviços educacionais ......... 306
Quadro 101. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de estética e higiene pessoal ........... 308
Quadro 102. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho no setor de limpeza e serviços gerais ............ 309
Quadro 103. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção se-
xual e vinculação produtiva no serviço de segurança institucional
pública e privada ................................................................................................... 310
Quadro 104. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vinculação ao setor de prestação de serviços como ofício e
profissionais de saber prático ........................................................................... 311
Quadro 105. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vinculação produtiva como profissionais de nível superior
e autônomos .........................................................................................................................314
Quadro 106. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vínculos de trabalho em prestação de serviços recre-
ativos e de turismo .................................................................................... 314
Quadro 107. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vínculos de trabalho na prestação de serviços de saúde e
cuidados ...........................................................................................................................315
Quadro 108. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção sexual
e vínculos de trabalho como prestadores de serviços técnicos ........ 315
Quadro 109. Distribuição dos indivíduos informados segundo distinção
sexual e vínculos de trabalho no setor de transporte de pessoas
e mercadorias .............................................................................................. 317
Lista de Gráficos
Gráfico 1. Distribuição de unidades econômicas do setor de serviços
catalogadas para publicidade, município de Santarém, 2013 ............. 265
Gráfico 2. Distribuição de unidades econômicas segundo setores produtivos,
catalogadas para publicidade, município de Santarém, 2013 ............. 266
Gráfico 3. Distribuição por sexo e setor produtivo de vínculo de indivíduos
informados na faixa etária entre 18 e 29 anos ........................................... 289
Gráfico 4. Distribuição por sexo dos trabalhadores entre 18 e 29 anos
afiliados aos subsetores do setor administrativo ..................................... 289
Apresentação
P
or meio desta coleção Mulheres em Santarém: alternativas de
vida, trago ao leitor um conjunto de textos elaborados como pro-
duto do trabalho de pesquisa que coloquei em prática na condi-
ção de Professor Visitante Nacional Sênior, bolsista Capes – Coorde-
nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –, vinculada à
Universidade Federal do Oeste do Pará, entre maio de 2010 e abril de
2014. Os volumes que integram esta coleção correspondem ao Projeto
de Pesquisa Condições Sociais de Vida das Mulheres em Santarém, rea-
lização que só se tornou possível com o auxílio financeiro concedido
pelo CNPQ: Processo 420420/2010-3.
Pelo apoio direto e indireto que prestaram os professores, alu-
nos e colaboradores vinculados à UFOPA, não só os que participaram
do trabalho de campo, tais como nomeados no elenco da equipe de
pesquisadores, mas também o pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação
e Inovação Tecnológica (PROPPIT), Dr. Marcos Ximenes Ponte, e toda
a equipe de funcionários desta pró-reitoria, meus sinceros agradeci-
mentos e meu reconhecimento público da confiança com que aposta-
ram neste projeto.
Recebi ainda o inesquecível apoio de Pedro Odimar dos Santos e
de seus familiares, santarenos de profundo conhecimento da vida lo-
cal, que me conduziram por meandros das redes de relações pessoais,
abrindo importantes caminhos para o exercício da pesquisa.
Meus agradecimentos mais que entusiásticos e denotadores da
dívida que tenho para com todos os entrevistados, homens e mulheres,
aos quais nós pesquisadores e leitores devemos essa alternativa de in-
terpretação de aspectos da vida social local.
Mapa 1. Município de Santarém, Pará (BR)
A
o aceitar a proposta das delegadas do Conselho Municipal das Mu-
lheres em Santarém (PA) de, neste município, estudar as condições
sociais de vida do segmento populacional que elas representam, co-
loquei-me diante de complicados exercícios de elaboração de métodos e es-
tratégias de pesquisa. Desejavam as demandantes que as mulheres fossem
consideradas segundo diversas faixas etárias. Em cada uma delas, deveria
contemplar a diferenciação de condições de vida quanto aos espaços de ha-
bitação: espaços da sede do município e de comunidades e sítios localizados
na região de planalto e ribeirinha. Ademais, a inclusão dos sítios ou comuni-
dades ribeirinhas abarcaria a diversidade de situações sociais conforme a ha-
bitação se desse às margens de rios, lagos e igarapés que conformam, nesse
entorno e no caso em apreço, a bacia amazônica: rio Arapiuns, rio Tapajós e
Lago Grande. Essa subdivisão territorial exprime um conjunto de sistemas
ambientais e singularidades de composição habitacional, sinalizando formas
tradicionais de ocupação e fluxos migratórios.
Ao respeitar essas especificidades socioambientais, sobre as quais a
população local reivindica o reconhecimento da aclamada distinção, deveria
investir para compreender os princípios de construção social de dimensões
tão singularmente substantivadas e até recorrentemente radicalizadas. Eu
também deveria encontrar procedimentos que me permitissem, enquanto
princípio básico de entendimento, problematizar as condições sociais de
existência de mulheres segundo padrões de referência construtivos das re-
lações de gênero. Portanto, condições de vida compreendidas para além da
simples contagem da distinção de sexo por dados quantitativos. Aceitando
tais procedimentos a priori considerados, eu já estaria ultrapassando a for-
mulação do projeto político que nutria a reivindicação das demandantes da
pesquisa. Assumia, então, uma problemática condizente com a construção
de objeto sociológico.
Convivendo mais atentamente com essa população, salta imediata-
mente aos olhos o quanto as mulheres estão integradas a redes de produção
e de comercialização nos espaços citadinos e nas comunidades do planalto e
ribeirinhas; enfim, às redes que as conectam à produção em setores agrícolas
e artesanais, comerciais e de serviços. Mas produzir dados que pudessem
20 Delma Pessanha Neves
1
AMORIM, 2000; CARVALHO et al. 2004; FUNDAC, 2000; GRANDIN, 2010; HOMMA, 2003; LEROY, 1991,
2010; PAPAVERO, 2012; SEMPLAN-CIAM, 2010, 2013; SABLAYROLLES et al. 2005; SANTOS, 1974; TORRES,
2012; UMBELINO DE OLIVEIRA, 2009.
2
AGNÈS et MAURISSON, 2003; BANDEIRA e SIQUEIRA, 1997;BONNIN DE VILLANOVA, 1997; HERVÉ, 1993;
BONVALET, 1993; CUNCA e LAVINAS, 1997; DRANCOURT, 2009;DUSSUET, 2005; FEIXA, 2010; FRAISSE, 1979;
GARCIA, 1992; HÉRITIER, 1994; IACUB-KENNEY, 2004; LAMARCHE (org.), 1993; MANESCHY, 2001; FORTES,
1974; NEVES, 1998; SALMONA, 1994; WEBER, 2009;WILLMONT YOUNG, 1957; YANAGISAKO, 1979.
3
ABREU et al. 1993 e 1995; AGNÉS, 2001; BELSHAW, 1968; BEN HASSEN, 2008; BOUBA-OLGA et al. 2004;
MARTIN, 2010; NABLI, 2008; WEBER, 1989;1996; 1998, 2000, 2001, 2002, 2009; et al. 1997, 2003.
22 Delma Pessanha Neves
que fosse entrevistado. Por esses recursos, tentava abarcar, pelo menos, a
posição de avós paternos e maternos. Em caso de entrevistas com solteiros,
cada questionário incluía informações básicas sobre avós e tios paternos e
maternos, enfatizando dados sobre a família de origem. Em caso de entrevis-
tas com casados, os dados coletados tendiam a se duplicar, porque o exercício
de registro de informações incorporaria avós paternos e maternos, família
consanguínea, incluindo irmãos solteiros ou casados do esposo e da esposa,
bem como a geração consecutiva, que podia conter filhos solteiros e casados.
Sobre cada componente dessa rede de parentesco consanguíneo e
afim, tentava-se registrar e construir os seguintes atributos sociais: data e
local de nascimento; data e local de casamento(s); ano de falecimento; nível
de instrução alcançado; ocupações e percursos de postos de trabalho; pro-
cessos de mobilidade residencial; formas de afiliação familiar e de forma-
ção de união conjugal, com respectivas possíveis rupturas e reorganizações
de convivência em casal; e, quando fosse o caso, número de filhos, sobre os
quais incidiam as mesmas perguntas.
O projeto inicial recairia na aplicação de questionários a todos os alu-
nos da UFOPA, o que, em tese, alcançaria aproximadamente 2 mil casos, ou
seja, duas mil famílias de origem, replicadas naqueles desdobramentos in-
tergeracionais já comentados. Em acordo com a equipe de pesquisadores,
pressupusemos contar com a adesão dos alunos para este exercício de co-
nhecimento de atributos sociais da recente população do município e dos
que compõem a região Oeste do Pará (pois que a universidade acolhe alunos
desse território político e administrativo).
Ledo engano! Por mais que pudéssemos contar com apoio de coor-
denadores de cursos de graduação e professores a estes afiliados, os alunos
manifestaram quase que total desinteresse em preencher o questionário no
tocante à sua própria família e à rede de parentesco. Por mais que tentás-
semos explicar os objetivos e o alcance dos dados, apenas uns 5% de alu-
nos aderiram ao convite. Tentei então contar com apoio de professores de
faculdades particulares, mediante intervenção de coordenadores, e o mes-
mo comportamento de desinteresse se manifestou; neste caso, totalmente.
Mesmo que, por apoio de professores, voltássemos às turmas diversas vezes
para entender as dificuldades e colaborar no preenchimento daquelas infor-
mações, nada resultou em respostas frutíferas.
Resolvemos então contratar auxiliares de pesquisa para aplicar o
questionário nos bairros, contando com a própria rede de relações por eles
constituídas; e mais tarde também incluímos dois bolsistas de iniciação
científica, sucessivamente desligados. Dois deles, porque obtiveram estágio
remunerado em instituições vinculadas à formação profissional que percor-
riam na condição de estudantes. Dois outros porque a Fundação Amazônia
Introdução 23
7
Ver CHAYANOV, 1966, GALESKI, 1977, NEVES, 1981, 1995, 1998, O’DWYER, 2008, PALMEIRA, 1977,
YANAGISAKO, 1979, GARCIA Jr., 1983; SCHWARTZ, 1990.
Introdução 27
8
Ver a coletânea de artigos organizada por Neves e Medeiros (2013), especialmente a Apresentação da
Primeira Parte, Mulheres Camponesas e Reprodução de Grupos Domésticos, elaborada por Neves e Motta-
-Maués, p. 19-40.
9
Godelier, 1976, 1984, 1996, 2000, 2002, 2003a, 2003b, 2005, 2007, 2008.
Introdução 29
10
Sobre essas questões, sugiro, entre outras diversas possibilidades de leitura, a do número 2, volume XII,
da Revista Sociedade e Estado (dezembro-julho de 1997), cujo dossiê enfatizou a temática feminismos e
gênero, aconselhando em especial a da apresentação elaborada por BANDEIRA e SIQUEIRA (orgs.).
Introdução 35
solidão para atender a práticas que não implicavam (ou negavam) de imedia-
to a colaboração de grupos domésticos. Acentuo, entretanto, os modos pre-
dominantes de organização dos trabalhadores porque, deslocando massas
relativas de mão de obra, a suspensão da atividade terminava por estimular
outros meios de resolução e controle: realocamentos ou retomada da con-
dição camponesa. Neste último caso, evidencia-se o papel fundamental das
mulheres nessa modalidade de uso de recursos naturais e de reprodução
social do grupo familiar. Eram elas, quase sempre, que permaneciam gerindo
a reprodução da prole e dos recursos materiais apropriados para construção
de meios de vida enquanto os homens se dirigiam a frentes de trabalho.
Adoto dois princípios relativamente distintos de construção da tem-
poralidade e espacialidade dos processos em jogo. Incorporo, para delimitar
essas unidades sociais de análise e o tecido das relações em causa, algumas
narrativas exemplares de trabalhadores que foram protagonistas dos re-
feridos processos. E a elas atribuo grandeza interpretativa da vida social,
contrapondo a dados estatísticos oficiais, que me permitem adotar outros
sinais de leitura das configurações em jogo. Desta maneira, a articulação de
diferenciados princípios de interpretação assegura o reconhecimento de
contextos diferenciados, no bojo dos quais foram enredadas aquelas expe-
riências relembradas por narrativas. Ressalto, em consequência, que todas
as narrativas foram provocadas por pesquisadores, cujo entendimento, por
isso mesmo, só alcança a riqueza de sentidos se referenciado às situações
sociais a partir das quais elas foram metaforizadas em interpretações do
narrador e do seu mundo.
Tentando ultrapassar os limites e as especificidades das sugestões
reflexivas orientadas pelos dados estatísticos, como já destaquei, investi,
mediante colaboração interinstitucional, na construção de informações ela-
boradas para os fins aqui propostos. Diante dos procedimentos adotados,
abarcamos, pelo menos, os últimos 90 anos (para usar alguma datação, apro-
ximadamente de 1920 a 2012). Esta delimitação é variável porque abrange
o alcance possível à memória familiar do então entrevistado. Além disso, até
onde, por temporalidade relativamente curta, aprofundasse o tempo de vida
dos avós paternos e maternos desse mesmo entrevistado e de seu cônjuge,
quando aquele fosse ou tivesse sido casado.
A relativa referência aos avós, pelos padrões de condições de vida e en-
raizamento familiar, aparecia como a mais longa para construção de modos
de aproximação de uma temporalidade previamente indicada. Não obstante,
há muitas lacunas de informações, em virtude das subdivisões da rede fa-
miliar e de parentesco que a migração institui. As informações eram muitas
vezes oferecidas por um ouvi contar, minha mãe sempre comentava sobre o
lugar onde ela nasceu. De fato eram recorrentes os casos de noras ou genros
Introdução 37
que jamais conheceram sogras ou sogros; e netos que, da mesma forma, não
conheceram avós. E mais recorrente ainda eram as informações que davam
conta do local de residência de pais e avós e total falta de informação so-
bre as condições de vida, muitas vezes deduzidas pelo suposto falecimento,
decorrente da idade que teriam alcançado. Raros foram os casos de filhos
que voltaram ao local de origem e que mantiveram contatos com a família
consanguínea. Da mesma forma, na geração consequente, as desinformações
eram recorrentes, tendo em vista o deslocamento para alternativas de afilia-
ção a mercados de trabalho mediante migração para outros municípios do
Pará e capitais de estados. Por tais lembranças/informações possíveis, elas
fundamentaram os termos da proposta de abarcar duas (a três) gerações
antecedentes e uma ou nenhuma geração sucessiva, a depender da idade do
entrevistado. Portanto, pelas condições que se tornaram mais viáveis, opera-
mos com três gerações familiares: avós, pais e filhos.
Na maioria dos casos, os avós de mais longa data de nascimento de-
marcavam experiências e condições de vida das primeiras décadas do sé-
culo passado. Em caso de entrevistas com solteiros, o número de informa-
ções referentes aos membros familiares integrava avós, pais e tios paternos
e maternos, bem como sua própria geração de filho, enfatizando-se então
dados sobre a família de origem. Em caso de entrevistas com indivíduos
casados, os dados coletados tendiam a se duplicar: o exercício de registro de
informações incorporava avós paternos e maternos, pais e mães dos mem-
bros da família consanguínea, incluindo irmãos solteiros ou casados do es-
poso e da esposa, bem como a geração consecutiva, que podia conter filhos
solteiros e casados.
Sobre cada indivíduo dessa rede de parentesco consanguíneo e afim,
tentava-se registrar a construção dos seguintes atributos sociais: data e local
de nascimento; data e local de casamento(s); nível de instrução alcançado;
ocupação fundamental; ocupações coexistentes ou percursos de ocupações
(estes últimos geralmente sinalizando processos de mobilidade residencial
e migrações); condições de afiliação familiar e de formação de união con-
jugal, com respectivas possíveis rupturas e reorganizações de convivência
em casal. Quando fosse o caso, abarcaria o número de filhos, sobre os quais
incidiam todas ou partes daquelas mesmas perguntas, a depender da idade
alcançada. Como na faixa etária entre 30 e 70 anos recaiu a maior quanti-
dade de referências, englobando avós, em certos casos, mas principalmente
todo o conjunto de irmãos de cada entrevistado e seu esposo ou sua esposa,
sobre ela houve maior incidência de informações.
Ao final, conseguimos alcançar um total de 7.196 indivíduos referen-
ciados (4.102 homens e 3.094 mulheres), abrangendo, nessa computação,
apenas aqueles que contavam com idade superior a 18 anos, posto que, pelos
38 Delma Pessanha Neves
quadro 01. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa etária
(acima de 18 anos) e condição de vida biológica
damente, neste último caso, dispersão por território mais amplo, apropriado
e valorado segundo alternativas por elas próprias criadas e/ou incorporadas.
Para os leitores pouco afeitos ao conhecimento da dinâmica social e
ambiental da imensa amplitude espacial da região norte, pressupor que os
compatriotas dessa região desfilam conhecimentos precisos, como se redu-
zissem aquela amplitude à palma da mão, é no mínimo fenômeno extrava-
gante. Aqueles que reconhecidamente melhor os detêm, alcançam grande
notoriedade no plano local. São amazonenses que se dedicam a desbravá-la,
com seus próprios olhos e demais sentidos, valendo-se do diferenciado cir-
cuito de barcos de carga e de linha de passageiros (recreios). Por esses dife-
renciados percursos, traçam territórios próprios de conhecimento, colabo-
rando para dar objetividade às curiosidades de parentes, vizinhos e colegas.
Trago à tona neste texto as Amazônias objetivadas nas experiências de diver-
sos trabalhadores. Dessa forma, eles também traçam, para novas gerações,
a exequilibidade do viajante nacional. Dotado de poucos recursos, sangram
rios e matas como trabalhadores em disponibilidade para os barcos e frentes
de exploração produtiva. Muitos deles são celebrados pelas exaltadas gló-
rias, mas também sofrimentos, doenças e aventuras enfrentadas, de efeitos
por vezes perversos e nem sempre superados.
Enfaticamente quero destacar que, por essa proposição, não me com-
prometo com qualquer exercício de pressuposta construção história de
fenômenos e eventos no plano municipal ou regional. A busca de mais in-
formações documentais ou bibliográficas que empreendi foi tão somente
orientada pelo caráter epistemológico e metodológico dos procedimentos
de estudo de casos replicados, segundo demarcações sociais de trajetórias
familiares de diversos segmentos populares. Valho-me, portanto, de interlo-
cuções muito situacionais, de cuja interação social, fragmentos de memória
coletiva e familiar emergiram, isto é, vieram à tona ou foram redimensiona-
das no ato da entrevista.
Este texto, por conseguinte, se pauta em tais especificidades. Para alguns
leitores, quem sabe, avaliadas como limitações ou textualização muito lacunar,
em especial se, ilusoriamente, supuserem possibilidades de construções li-
neares de um passado existente apenas na memória familiar de alguns mo-
radores, fragmentos de recordações exaltados pelas intenções de valoriza-
ção dos respectivos depoimentos de vida. A eles replico de imediato que lhes
ofereço a construção de versões e interpretações, minhas e de meus colegas
assistentes de pesquisa, em diálogo com os entrevistados que muito dificil-
mente são levados em conta na caracterização da vida social em sua totali-
dade. Reafirmo assim a cumplicidade dos agentes dessa construção textual.
Nós nos engajamos por interesses acadêmicos e mobilizamos entrevistados
possíveis e convidados. Os pontos de vista aqui presentes são os daquelas
Introdução 43
pessoas que foram por nós procuradas diante de nossas intenções de conhe-
cer as condições em que, como parte dos segmentos populares, atualmente
elas definem os meios pelos quais construíram formas sociais de vida. São
estilos de vida plenos de reconhecimento social e significação, pelos quais
eles advogam protagonismos na construção de territórios, e de configuração
de sentidos de pertencimento (ou seja, para eles próprios). Desse ponto de
vista, os universos sociais registrados são aqueles compreendidos pelas afi-
liações dos entrevistados como agentes de projetos familiares e cotidianos
singulares. Entrevistando segmentos populares, exalta-se à compreensão
não as datações oficiais ou dos eventos celebrados por instituições a que se
atribuem pretensões ideológicas hegemônicas, mas uma modalidade central
de demarcação temporal dos processos sociais de vida que aqueles sujeitos
(por nós contatados) experimentaram.
No primeiro capítulo, Territórios transversalizados e mobilidades ocu-
pacionais, considero os processos de recrutamento de força de trabalho mo-
bilizada no bojo da exploração do ouro negro e da constituição política do sol-
dado da borracha, no decorrer do governo Vargas. Por ele pretendo oferecer
ao leitor algumas das possibilidades de compreensão de toda a riqueza dos
intensos e amplos processos de migração e embaralhamento de experiências
de vida de brasileiros que não aceitaram como dado o destino social. Como
assinalam, eles saíram caçando melhores condições de vida. Esse conheci-
mento a priori é fundamental para não se cair em demarcações fáceis de
fronteiras e, com essa recusa, perceber os inúmeros universos sociais que
são tecidos por essa população.
No segundo capítulo, Os estertores do recrutamento de seringueiros,
analiso um dos processos de recrutamento de força de trabalho e posterior
dissolução, levando em conta principalmente as experiências narradas por
entrevistados que viveram direta ou indiretamente essa experiência. Destaco,
por fim, os modos de vinculação dos trabalhadores e as alternativas de reco-
nhecimento do trabalho das mulheres.
No terceiro capítulo, Colônias: territórios de expansão do campesinato,
contexto de mais ampla escala temporal, considero os recursos postos em
prática pela dispersão dos trabalhadores antes vinculados ao sistema serin-
gal, mas principalmente o processo de migração de nordestinos mobilizados
para assentamento em lotes de terra e reconstituição da condição camponesa.
Paralelamente à compreensão de tais fatores, considero algumas expressões
do adensamento da população na sede do município e o quadro contextual
de serviços públicos, concentração que estimulava, quando nada, a dupla re-
sidência das famílias de agricultores e pescadores. Dispersando a perspecti-
va de análise, ressalto a diferenciação de vínculos de trabalho e a incipiente
constituição do setor de serviços, ao lado do sempre importante setor comer-
44 Delma Pessanha Neves
A
região oeste do Pará, dentre outros processos sociais que aí foram
colocados em prática no decorrer do século passado, foi economica-
mente estruturada por sucessivas frentes extrativistas e recepções de
migrantes brasileiros, a começar, principalmente, pelo qualificado ciclo da
borracha, mais enfaticamente ao final do massivo processo daquela explora-
ção. Por volta da década de 1930, nela ocorreram investimentos gigantescos
pela Companhia Ford, que projetou para o Brasil a possibilidade da explo-
ração e beneficiamento “racional” de seringueiras e do látex, nos moldes do
sistema de gestão capitalista por ela adotado. As relativamente infrutíferas
tentativas dessa forma de exploração das seringueiras vieram a dispersar a
mão de obra, muitos trabalhadores se dirigindo para o município de Itaituba
e principalmente Santarém. Logo após esse processo de criação de demanda
de trabalhadores externos, veio a ocorrer a exploração da juta, atividade eco-
nômica abraçada por muitas das famílias daqueles migrantes e principalmen-
te pela população local habitante em área de várzeas.
Nos anos 1950, diante de sucessivas e extravagantes secas na região Nor-
deste (1952 e 1958), outro afluxo de brasileiros advindos especialmente do es-
tado do Ceará ocorreu. Nessa ocasião, os trabalhadores se deslocaram em agre-
gações familiares e vicinais, estimulados pelas oportunidades de “cortar lote”
em “terra devoluta” ou “comprar terra”, isto é, benfeitorias do trabalho de quem
os antecedera nessa apropriação. O processo de migração e de apropriação de
terra fora consuetudinariamente autorizado por valores que referenciavam o
direito ao trabalho e o dever de provisão da família. Os lotes se destinavam à
habitação e ao cultivo agrícola, tendo esse fluxo se dirigido especialmente para
áreas e entornos relativamente próximos à sede deste mesmo município, terri-
tório hoje correspondente ao município de Mojuí dos Campos, antes integrado
ao de Santarém como um dos distritos. Pelas referências dos entrevistados, as
apropriações produtivas também ocorreram em espaços próximos, hoje desig-
nados por distritos, povoados ou bairros de Santarém: Tabocal, Cipoal, Igarapé
do Pimenta, Mojuí dos Pereiras, Poço Branco, São José etc.
48 Delma Pessanha Neves
que atualmente muitos deles são reconhecidos, por título ocupacional pos-
teriormente atribuído, mas na época exaltado para engajamento de defesa
nacional, como soldado da borracha.
Para efeito de demonstração a partir de casos, reproduzo longo trecho de
entrevista com o oficial e socialmente reconhecido soldado da borracha e sua
esposa, na época da entrevista ele alcançando a idade de 82 anos e ela 66 anos.
– Essa filha mais velha mora aqui na comunidade. Trabalha lá na casa de uma
mulher. O segundo filho foi o Gilberto, ele nasceu em 1960. Estudou um pou-
co, todos meus filhos estudaram muito pouco, igual a mim. Ele também nas-
ceu em Fonte Boa. Hoje ele mora ali naquela entrada ali, onde derrubaram as
toras. Lá que é a entrada dele. Ele é casado, trabalha com agricultura, agora
ele está produzindo pimenta.
- O terceiro filho foi uma menina e nasceu em 1963. Ela estudou, mas eu não
estou lembrada se foi até a quarta série, eu não lembro.
– Ela nasceu em Fonte Boa e hoje mora aqui também. É casada e trabalha em
casa e pelas casas de farinha, ajudando o marido.
- O quarto filho é essa aqui, a Ivoneide, que nasceu em 1966. Ela estudou,
mas eu também não estou lembrada até que série. Ela já nasceu aqui. Ela foi
a primeira a nascer em Santarém e vingar, porque os outros morreram. Eles
faleceram tudo muito novinho.
– O primeiro nosso morreu de repente. Eu vou te contar que eu saí para cor-
tar o cabelo e as crianças ficaram lá brincando. Quando o rapaz foi pegar a
tesoura para começar a cortar o meu cabelo, chegou a noticia de que o menino
tinha morrido. Eu quase fiquei doido.
Ivoneide é casada e trabalha só em casa e na casa da irmã dela no sábado. De-
pois veio a Rosa, ela é de 1969. Estudou. Nasceu aqui também. Ela mora aqui
no fim dessa rua. Ela não é casada. É junta. Trabalha só em casa também e o
marido trabalha em roçado.
O sexto filho é o Ronilson, ele é de 1971. Todos estudaram pouco, mas estuda-
ram. Nasceu em Santarém. Mora acolá também. Trabalha em roça. Ele tem a roça
dele. Tem lá dentro do meu terreno. A roça é dele mesmo, mas é no meu terreno.
O terreno eu entreguei para ele porque eu não trabalho mais, porque a minha
vista não dá mais. Eu já estou com 82 anos e daqui lá são três quilômetros.4
- O outro filho é o Vilson, é de 1973. Ele vive aqui também. É casado. Trabalha
com roça. O outro filho é de 1975. Nasceu em Santarém. Mora aqui também. É
solteiro. Trabalha na agricultura também.
E o último, uma filha, ela nasceu em 1977. Estudou até o segundo grau. Ela foi a que
estudou mais. Ela mora na cidade, mora no Jardim Santarém. É casada. Ela traba-
lha lá na Igreja de Santa Terezinha, é zeladora lá. Ela fez curso para trabalhar em
farmácia, mas não achou emprego. Emprego aqui em Santarém está difícil.5
4
O entrevistado volta a afirmar a desigualdade na redistribuição de serviços públicos, agora exemplificando
com as condições diferenciadas de vida em Fonte Boa (Amazonas) e Santarém (Pará). Os filhos mais novos,
nascidos neste município, encontraram certa viabilidade para frequentar a escola de ensino fundamental.
Dos filhos, boa parte segue no trabalho agrícola, um deles sucedendo o pai no antigo lote apropriado.
As mulheres se integram a ofertas de trabalho assalariado no povoado de Boa Esperança, onde residem,
como diarista em trabalho doméstico ou na preparação de farinha de mandioca nas poucas fábricas que
restaram, após a apropriação de boa parte das áreas de cultivos agrícolas pelos chamados sojeiros.
5
A filha mais nova, que alcançou maior nível de instrução, deslocou-se por casamento para residência na
cidade e trabalha como secretária em uma das igrejas ali localizadas.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 51
6
O entrevistado faz referência ao período de suspensão do poder econômico e político do seringalista,
do relativo desinteresse pela apropriação nominal da terra e certa liberdade para escolher o local para
extração da seringa; da mesma forma, diferentemente das condições anteriores de controle do seringa-
lista frente aos marreteiros, ele releva a pluralidade de marreteiros, seu próprio pai vindo a alcançar esta
posição que, no sistema de produção correspondente, exprime ascensão e possibilidade de objetivação
de poupança ou pequena acumulação de capital.
7
Digna de destaque a intervenção da esposa corrigindo a informação do esposo que a excluía da funda-
mental divisão sexual do trabalho: não só o exercício físico e a gestão da casa propriamente, mas outros
atributos como a coragem de enfrentar o medo e o autocontrole para passar muitas horas sozinha com
os filhos ainda pequenos. Além disso, destaca a incompletude desse papel coadjuvante, que deveria
incluir as criações para a garantia de alimentos.
52 Delma Pessanha Neves
que eu dissesse assim: -Agora eu vou juntar dinheiro para colocar no banco.
No dinheiro de hoje, a borracha era dois reais, dois e cinquenta, o quilo. - Ra-
paz, nós éramos muito roubados! Olhe! Era tanto que eu trabalhei, te juro por
Deus, está aí ela que não me deixa mentir, e o patrão chegava, tinha sete pelas
de borracha com mínimo de 40 quilos. Quando ele chegava, ele dizia:
– Rapaz, só tu para produzir assim!
– Mas eu vim para cá foi para trabalhar! Não foi para brincar.
E o lugar era bom de leite. Você só consegue fazer essas coisas quando o lugar
é bom de leite. Mas quando o leite dava miado, não dava para o cabra fazer es-
sas coisas não. Agora lá nesse Arabidi, o primeiro ano que eu trabalhei desse
lado daqui (refere-se à localização vis-à-vis as margens do rio), não era muito
bom de leite não. Agora nesse outro ano que eu já virei para esse outro lado
de cá, aí era leite! Eu cansei de encher uma bacia desse tamanho assim de
leite e o balde ficava quase na metade lá. Quando esvaziava mais um pouco,
eu derramava o resto. Você imagina que ele cansou de chegar e se admirar do
que eu tinha feito de borracha! Arabidi era subindo o Solimões, para frente.
Eu resolvi vir para o lado de cá no tempo que disseram que não iam mais
comprar borracha.8
– É porque nós viemos para cá e ninguém mais voltou para lá.
– Ai eu fiquei trabalhando no roçado. Antes de eu vir para cá e me casar com
ela, eu já cortava há muitos anos.
– Pois é, depois que nós casamos e fomos para lá, ele voltou a cortar de novo. Ele
ainda cortou quase oito anos comigo lá. E ai, quando foi em 1964, ligaram para
lá porque a mamãe estava mal e aí eu não voltei mais. Ai eu falei para ele que se
ele quisesse voltar, ele ia só.9
– Quando eu comecei a cortar seringa eu tinha oito para nove anos. A idade
que o outro irmão meu começou a cortar, quando papai morreu. Meu pai cor-
tava seringa também. Meu pai era.... a família dele toda era cearense. Meus
avós vieram do Ceará. Eles foram para lá , e lá eles compraram um terreno
lá em Juruá, com o nome de Boa Sorte. E ai, meu amigo, a família era grande.
Ele tinha 22 filhos. A vaca matou um e ficaram 21 para criar. Ele tinha uma
fazenda. Lá era muito bonito!10
Eu também só conheci meu avô na época que eu encontrava ele, porque ele
ficava para as bandas dele lá e nós ficamos para cá. O papai, depois que ele lar-
8
Agora ele se refere ao movimento de descida do rio, em aproximação aos municípios de melhor alter-
nativa econômica, como foi o caso de Coari, onde a família viveu durante certo período.
9
A esposa reafirma outra versão, em que acentua seu papel na tomada de decisões pelo casal,
explicitando o quanto a experiência de deslocamento diante da rede familiar e da vida para municípios
desprovidos de meios para educação formal dos filhos pesava na distinção dos interesses entre marido
e mulher.
10
O entrevistado se refere à experiência da migração de nordestinos para os seringais ao final do século
XIX e, indiretamente, destaca a trajetória dos avós de relativo sucesso, posto que terminou sendo pro-
prietário de terra, como ele qualifica, de fazenda.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 53
gou a seringa, ele começou a negociar, ele era muito esperto. Ele virou comer-
ciante. Era Gildo Queiroz Cavalcanti. Ele nasceu lá em Fonte Boa, Amazonas.
Eu me lembro demais que a vovó cansou de dizer que chegou aqui sem filhos
e que ela teve foi 22.
Meu pai tinha 35 anos quando faleceu, eu tinha 4 anos. Então ele nasceu em
1901. E minha mãe era Francisca Siqueira Cavalcanti. Ela nasceu em Fonte
Boa. Ela morreu com 92 anos. Devem ter uns dezesseis anos por aí que ela
faleceu. Ela caiu no banheiro, bateu a cabeça e morreu.
O meu pai estudou um bom bucado, meu pai era homem sabido. Agora a ma-
mãe não sabia de nada não. O meu pai era um homem sabido, porque a pessoa
que se interessa para ler tudo que ele vê, todo livro que ele vê, toda a história,
ele vai aprendendo, vai ficando na cabeça. Por isso que ele era sabido. Ele
nunca foi à aula. Ele nunca estudou, a aula dele era assim, daqui para acolá.
Ele trabalhava no seringal também, então não tinha tempo para essas coisas.
– Eu tenho um irmão que não aprendeu nada, não estudou, mas em conta eu
quero ver quem ganha ele!
De irmãos, nós somos cinco, foram quatro homens e uma mulher. O mais ve-
lho morreu quando tinha 77 anos. Esse eu nunca me esqueci, mas os outros
eu não lembro não. O Lourival era o mais velho, depois Valter, depois a Estela,
Graciliano e Leopoldo.
O Lourival estudou, ele foi à escola um bom bocado. A Estela foi até profes-
sora, ela morou lá um bocado de anos, ai ela ensinava lá. Lourival nasceu em
Fonte Boa. Todos nasceram em Fonte Boa. Ele morava em Manaus quando
faleceu. O Valter também faleceu lá em Manaus; o papai e a Estela também
faleceram em Manaus.11
O Lourival casou. No começo ele só trabalhava na borracha também, depois
que ele começou a trabalhar em roçado e ainda teve um comerciozinho. Antes
dele falecer ele trabalhava em comércio.
O Valter era agricultor. E a Estela casou e também trabalhou na seringa um
bom tempo. Depois que veio aqui para Santarém que ela passou a ser pro-
fessora e costureira. Ela já faleceu. Ela faleceu lá em Manaus. Se eu não me
engano, foi em 2001 que ela morreu.
O Valter casou. Todos eram casados.O Valter faleceu primeiro que o Lourival,
deu uma congestão que não teve jeito. Ele era até aleijado de uma perna, uma
cobra largou o dente na perna dele que aleijou esse lado dele aqui.
O Leopoldo chegou a estudar mais do que eu na escola. O Leopoldo era
seringueiro e aí depois que ele foi embora lá para Fonte Boa, ele trabalhava na
11
O entrevistado exemplifica, pela demonstração do deslocamento dos familiares, a sinuosa migração
de trabalhadores dos seringais até a capital do estado do Amazonas. Alguns dos irmãos seguiram um
percurso típico de ascensão relativa da ocupação inicial: seringueiro àagricultor e comerciante por bar-
co – regatão; e marreteiro àcomerciante por ponto fixo (taberna ou barranqueiro, unidade comercial
situada às margens do rio).
54 Delma Pessanha Neves
Prefeitura lá. O Leopoldo ainda está vivo. Ele reside em Fonte Boa. Ele era empre-
gado na prefeitura, eu não sei se ainda é. Deve ter se aposentado. Ele já veio aqui
só uma vez, ainda era novo quando veio. Ele teve aquela doença que fica todo se
tremendo. Meu pai, como disse, morreu com 35 anos, mas ele se deu bem, traba-
lhou muito bem. Começou na seringa e antes do 35 anos, eu sei que com 20 anos,
ele começou a regatear e foi depois ainda marreteiro, tinha um regatão.
– Ele foi marreteiro depois.
– Minha mãe ficava em casa e fazia o que era preciso. Ela lavava roupa muito
bem, engomava e ganhava dinheiro. Lavava para fora também. Eu lembro
que, quando a gente morava lá no Coari, vinha muita gente da cidade trazer
roupa para ela lavar e engomar. Eu morei cinco anos em Coari, mas naquele
tempo eu ainda era garoto. Depois que nós fomos de Coari para Manaus,
com poucos dias o papai morreu. Ele viajava para dentro do Mandaquiri,
sabe, e lá ele pegou uma febre. E quando ele chegou no porto de Manaus, ele
tomou um guaraná gelado e ai se estoporou. Com três dias ele perdeu a fala
e depois morreu.
O entrevistador, atento às insistentes investidas da esposa para participar da entre-
vista, dirige-se mais diretamente a ela e solicita que comente sobre a vida de sua
família consanguínea:
– Meu pai era Raimundo Thiago de Souza. Ele nasceu ali no pé da serra, aqui
mesmo em Santarém. Ele nasceu em 1894. Estudou seis meses. É falecido, mor-
reu em 1985. Foi infecção na urina. Ele faleceu em 9 de março e no dia 3 de maio
ele completava 93 anos. Ainda limpava fossa que era uma beleza! Ele casou com
minha mãe em 1921. A minha mãe era Altina Teixeira de Souza. Ela era cea-
rense. Nem ela sabia da idade dela...! Naquela época o pessoal cearense, princi-
palmente, não sabia quando nasceu.12 Eu sei que ela morreu em 1961. Quando
o papai morreu, já estava com uns 20 anos que ela tinha morrido. Eu não sei a
doença que ela teve não. Ela se queixava muito de dor no estômago, ai depois ela
ficou assim avariada do juízo. De irmãos, nós éramos cinco. O Valfrido, o primei-
ro, era de novembro de 1921. Ele estudou pouco, mas estudou. Ele nasceu aqui
em Santarém. Todos nós nascemos em Santarém. Hoje só tem eu da irmandade.
Ele faleceu em 2005. Ele morava lá na Santarém-Cuiabá quando faleceu. Ele era
casado. Ele trabalhava como agricultor. Meu o segundo irmão era o Aureliano.
Ele nasceu, acho que foi em 1925. Ele estudou. Eu acho que foi em 2004 que ele
faleceu, porque quando o Valfrido morreu, faltava pouco para completar um
ano que o Aureliano morreu. Quando ele faleceu, ele morava numa comunidade
chamada Volta do São Francisco, perto de Belterra. Ele era casado. Todos meus
irmãos eram agricultores.13
12
A entrevistada põe em destaque a ausência de alguns reparos referenciais de memória das famílias
migrantes que, muitas vezes, por lá deixavam a parentela e os bens materiais, os quais poderiam operar
como registros de eventos e de institucionalização formal da história familiar.
13
A entrevistada se refere aos movimentos da população local diante da abertura de alternativas de aces-
so à terra a partir do governo militar, no caso em apreço, seguindo a abertura da Cuiabá-Santarém,
como será posteriormente focalizado.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 55
O mais novo era o Antônio, de 1937, foi o primeiro que morreu, morreu com 58
anos. O terceiro era o Lucas, nasceu em 1928. Ele também morava em Santarém
quando faleceu. Morava lá no São José. Ele era casado. Agricultor também. Ele
faleceu em 2010.
Integra-se à entrevista, uma das filhas do casal que veio visitar os pais:
– Eu sou de 1935. Eu não trabalho, só em casa mesmo. Eu já trabalhei muito de
roça. Eu estudei até a terceira série. O Antônio, ele trabalhava de marceneiro.
Ele foi o primeiro que morreu. Eu acho que foi em 1995. Era o mais novo e foi o
primeiro a morrer. Ele estudou. Nasceu em Santarém. Quando ele faleceu mora-
va em Santarém. Ele era casado.
Nós já sofremos muito nessa vida! Porque quando nós morávamos em Lavras, lá
no terrenão onde a gente trabalhava, era longe da água. Tinha um poço que a
gente tirava água e o poço secava no verão. Dava água, mas se tirasse muito ra(s)
pava, deixava só a lama. Nós cansávamos de dormir um sono e acordar meia noite
para ir para o poço buscar água. Quando a gente chegava lá e destampava o poço,
só enxergava aquela lua. Daí o poço estava seco e nós voltávamos para casa para
dormir. Quando era de manhã, ele saía para o trabalho e eu ia para outro poço,
que era bem longe, colocava a latinha na cabeça e ia embora. Quando eu chegava
lá, o poço estava seco também, mas lá dava água ligeiro. Eu sentava lá e esperava.
Quando dava a água, eu enchia a lata com aquela água barrenta. A valência é
que não faltava pedra ume em casa. Quando eu chegava em casa, jogava pedra
ume dentro e a lama sentava bem sentadinha. Aí que eu ia colocar a água no pote.
14
D. Maria acrescenta a informação sobre outras frentes de extração da seringa e da mobilidade
dos trabalhadores diante do processo de encerramento ou secundarização da atividade eco-
nômica.
56 Delma Pessanha Neves
15
D. Maria se refere ao território apropriado por migrantes, instalados por autorizações de laços vicinais,
em área hoje imediatamente situada no entorno do espaço da sede do município.
16
Este processo de expansão de fronteira agrícola a que ela se refere corresponde aos investimentos dos
govenos militares na abertura da estrada Curuá-una.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 57
Hoje em dia eu tenho minha identidade, meu CPF, tenho tudo. Aí eu apresen-
tei tudo para ele e ele disse: - Tá seguro. Aí o advogado disse: - Tá feito. Mas o
advogado ainda ficou assim pensando e disse: - Amanhã você vem aqui que
eu ainda vou lhe fazer uma pergunta. Acho que ele queria ver se me pegava,
sabe? Aí quando eu cheguei lá, ele disse: - Eu quero que você me diga o que é
arreação? - Eu digo, é isso aqui: você risca e embute a tigela para aparar o lei-
te. - Rapaz, como eu não vou te dizer, se eu me criei dentro do seringal! (trecho
de entrevista interrompido para efeitos desta inserção no texto).17
17
Entrevista realizada na residência do casal, comunidade de Boa Esperança, estrada Curuá-una, em se-
tembro de 2012, por Pedro Fonseca Leal. Texto reeditado por Delma Pessanha Neves.
58 Delma Pessanha Neves
18
O entrevistado refere-se à Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no atual estado de Rondônia. Sua cons-
trução data do período de 1907-1912, ligando Porto Velho a Guajará Mirim. Correspondeu ainda ao
investimento complementar do sanitarista Oswaldo Cruz. Sobre os efeitos dessa ferrovia quanto à in-
tegração dos seringais, circulação de seringueiros e da produção agrícola mediante colônias criadas no
bojo do Programa Marcha para Oeste, ver Araújo da Silva (2013, p. 229-247).
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 59
19
Período em que se inicia a exploração do pau-rosa na área e que fronteiras agrícolas são abertas pela
construção da estrada Curuá-una, que corta a comunidade de Boa Esperança, onde também habita este
entrevistado.
60 Delma Pessanha Neves
E a família nesse tempo estava nesse lugar onde tinha a missão, aqui no Rio
Imbararaiti, afluente do Tapajós. De lá de Imbararaiti, nós viemos para cá para
Santarém e depois voltamos para Belterra. Meu pai se interessou de sair de
lá onde ele estava porque não tinha estudo para filho nenhum, não tinha nem
como ensinar aos filhos ao menos assinar o nome. Aí baixamos para cá e foi
o tempo que ele se alistou em Belterra. Nós éramos todos pequenos e fomos
estudar.20 Eu devia ter os meus trezes anos. Nós trabalhávamos com ele, ele
era quadreiro e nós trabalhávamos com ele.
– O que é quadreiro?
É o funcionário da Companhia Americana que capina a terra da seringa. Ele
tem que limpar o espaço. Era só seringa, não tinha outra planta, eram só os
carrilhãos de seringa. Era tudo dos americanos. Eram só eles, naquele tempo,
que trabalhavam aqui dentro do nosso Brasil. Era diferente do meu pai que
trabalhava lá, por conta própria. Era porque aqui já era para os americanos.
O leite que ele colhia era tudo para os americanos, já era pago que nem uma
companhia paga para o seu trabalhador. Então tinha uma época que ele lim-
pava os espaços da seringa e depois ele também colhia. A época de colheita de
seringa é só mesmo no mês de abril até mês de dezembro. Nesses meses eles
estão cortando seringa. Quando entra o inverno, faz uma parada.
Não tinha roçado, lá ninguém plantava nada, lá era só da companhia, só para
capinar. A gente tinha que comprar tudo. Tudinho. Tinham os almoxarifados
para os trabalhadores da companhia. Era só pela conta dos americanos mesmo.
Antes a gente tinha que plantar, mas quando a gente estava ainda para lá. Quando
nós chegamos aqui, era só trabalhar (assalariado por tarefa). Quando foi em 1942,
o papai largou o trabalho da Companhia e comprou um terreno aqui nessa colônia
São José.21 E nós fomos trabalhar de roçado novamente. Esse foi o tempo que eu
tomei uso da razão e saí da casa de papai por minha conta mesmo. Eu estava com
vinte e um anos já. Não servi o exército. Eu fui só alistado, mas não servi não.
– Por que o seu pai achou melhor deixar os americanos?
Foi porque ele queria trabalhar no roçado dele mesmo. Ele dizia que empre-
gado nunca tem direito a nada, porque, no dia que ele saísse dali, ele ficava
desempregado e não tinha onde se agarrar. Ele morava em casa que o ameri-
cano dava. Lá era tudo por conta do americano. A senhora não gastava nada,
quando a senhora quisesse alguma coisa, era só ir no almoxarifado, que tinha
tudo que a senhora quisesse.
A casa nossa era lá mesmo, dentro da cidade lá. Nós saímos, entrou outro.
Também depois, os americanos largaram tudo, entregaram para o governo
brasileiro. Hoje é pela conta do Brasil essas duas firmas que tem: Belterra e
Fordlândia.
20
Reafirma-se a elaboração de projeto fundamental para a família: dotar os filhos de alguns rudimentos
do domínio letrado e da introdução à aritmética.
21
Localizada no entorno do atual espaço urbano da sede municipal de Santarém.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 61
A vida lá era boa sim senhora. Quando era dia de sábado, os americanos pe-
gavam aquelas crianças estudantes, botavam no carro e levavam lá para a
beira da praia para brincar até de tarde. Todo sábado eles faziam isso. Nós
íamos também. Eu achava bom, eu já era frangote, já sabia brincar, mas era
coisa boa. Quando nós viemos para cá para a colônia (espaço de apropria-
ção individualizada dos lotes pelos agricultores), fomos trabalhar no roçado.
Nós fizemos um seringal também, por nossa conta própria. E depois que eu
cheguei, eu ainda fui cortar seringa nesse mesmo seringal. Fomos nós que
plantamos mesmo. E deu certo o plantio. Leva de uns dez anos em diante
para colher. Só aí que ela vai começar a dar leite para a gente tirar e vender. E
nesse tempo que o meu pai ficou esperando a seringa crescer, era só o roçado,
plantando mandioca, milho, arroz, feijão, cereais da casa mesmo. A área dele
era grande. O terreno dele era quase dois lotes de terra. Dava para alimentar
todo mundo. Nós todos trabalhávamos com papai e quando fomos crescendo,
nós fomos saindo.
A mamãe faleceu em sessenta e nove e em setenta e nove o papai faleceu. E ai
nós ficamos e começamos a se (nos) espalhar. Eu tenho gente no Jacareacanga,
aí para cima, em Fordlândia: tem um irmão lá na Companhia Americana. Ele
mora lá em Fordlândia. E eu tenho um irmão que mora em Manaus. E assim a
gente vive espalhado. Esse que ficou em Forlândia, ele foi empregado durante
muitos anos e depois ele comprou uma área lá e ficou como criador de gado.22
Ele trabalhou mas, nesse tempo, a Companhia já tinha sido entregue para o
Brasil mesmo. Quando ele chegou lá, ele trabalhava de roçado assim do ou-
tro lado, no terreno dele. E daí veio para dentro da terra da companhia e se
empregou. Ele vivia de vigia assim no cais, na guarita, onde recebia as ordens
quando os barcos chegavam. Ele trabalhava de vigia lá. Agora ele já é aposen-
tado pelo emprego e hoje ele é criador de gado lá. Já tem a família dele, tem o
que é dele, mas ganha do governo.
Quando eu estava com vinte e um anos, eu saí para dar uma volta e fui direto
para Porto Velho. Eu nunca tinha andado, mas a senhora sabe que a pessoa na
mocidade ela enfrenta cada coisa! Então eu saí sem endereço e fui direto para
Porto Velho, porque eu ouvia falar que era onde tinha muito patrão de serin-
ga, essas coisas. Eu já sabia trabalhar na seringa, então eu fui para lá. Cheguei
lá e arrumei logo um patrão e fui trabalhar na seringa.
22
O entrevistado se refere à condição espalhada da família, visto que sua geração se constituiu trabalha-
dor por vínculos diferenciados: uns agricultores, outros comerciantes, mas deslocados para Manaus.
62 Delma Pessanha Neves
Daqui para lá, eu fui de barco até Porto Velho. Gastei um mês certinho. Naque-
le tempo o barco era tocado à lenha. Nós tínhamos que ficar parados dois dias
assim no barranco, para tirar lenha e encher o porão para o barco ir traba-
lhando até chegar lá. Chegava numa fazenda e ficava uns dois dias para pegar
o gado e colocar no barco. Eu sei que foi um mês certinho. Quando eu cheguei
lá em Porto Velho, eu não conhecia ninguém e fiquei por acolá. Aí surgiu o
patrão e fui lá no escritório falar com ele, era um cearense de Quixadá. Aí ele
se prontificou que queria trabalhador para cortar seringa e eu fui trabalhar.
Eu fui para Fortaleza, peguei o trem e fui para Presidente Marques. O barco ia
direto para Porto Velho. Daqui tem barco para Porto Velho, o barco vai direto.
Nessa época era difícil, mas já tinha esse barco que fazia isso.
A natureza da gente já tem aquela convicção e tem que sair mesmo, aí eu fui.
Mamãe chorava, tinha reclamação, mas eu saí e fui. Graças a Deus quando eu
voltei, encontrei ela com saúde também, e foi o tempo que eu parei com essa
mulher, casei e estou até hoje.
Quando eu saí, só imaginava de sair para conhecer outros lugares. Eu não ima-
ginava nada não, imaginava só era estar com saúde e ganhar dinheiro. Ganhei
uns bons trocados porque, naquele tempo, a seringa dava um bom dinheiro.
Veja só: Eu sou do dia três de abril de mil novecentos e vinte três. Eu saí daqui
em quarenta e nove, quando tinha vinte e seis anos. Foi em quarenta e nove
que eu saí da casa de papai para Porto Velho. No caminho eu trabalhava no
barco para ir ganhando um dinheirinho e ir gastando também, mas eu levei
o meu dinheiro e também guardei. Eu ajudava a tirar lenha, quando era para
desembarcar uma mercadoria, eu tinha disposição. De Porto Velho eu fui dire-
tamente para Fortaleza já pela conta dele, do patrão, mas não fui fiado. Agora
quando eu fui para Fortaleza, que eu fui entrar para essa parte de quem vai
para Cruzeiro do Sul, eu paguei quinhentos cruzeiros para poder entrar na
Bolívia. Tinha que pagar o passaporte. Eu fiquei lá trabalhando, trabalhei mais
de um ano e depois voltei novamente para Fortaleza, de lá voltei para Porto
Velho. Na linha de ferro, eu fui para Mutum Paranã, que é um outro rio que
tem só seringal mesmo. E esse trem era muito bom! Eu achei bom. Esse trem
lá é famoso, Madeira-Mamoré. O trem fazia duas linhas. Saía de Porto Velho às
três horas da madrugada. Ia chegar em Presidente Marques às cinco horas da
tarde. Daqui, quando eu fui a primeira vez, eu fui direto para Fortaleza. Larguei
o trem e fiquei em Presidente Marques. Cruzei o rio, peguei o rio Abonã e fui
direto para Fortaleza. Depois segui pelo rio Abonã, dentro da Bolívia, quando
eu paguei quinhentos cruzeiros, nessa época, em quarenta e nove, para entrar
no país estrangeiro. Mas tinha muito brasileiro lá. Tinha muito brasileiro tra-
balhando. Eu morava lá mesmo dentro da mata, tinha uma casinha lá da gente.
Eu digo muito para o pessoal aqui: eu fui um cara que eu rompi mata, muita
mata sozinho. Tinha distância de duas, três horas de uma colocação para ou-
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 63
tra. Ficava sozinho. Não tinha com quem conversar não. Às vezes eu fazia uma
bolinha de borracha, que era o que eu brincava assim no terreirinho da casi-
nha. E não dava vontade de vir embora, não senhora. A gente quando é novo,
a gente quase não imagina essas coisas, quer saber de estar na mata. Não
tinha namorada. Não tinha isso não. Se entrasse dezembro, passava dezem-
bro, janeiro, fevereiro dentro da cidade de Porto Velho e entrava para mata
e esperava até dezembro de novo para poder vir para a cidade. É um ano de
mata a dentro, só vê os companheiros do seringal que vão assim na sua casa.
Adoeci muito. Em Lorena eu trabalhei fazendo casa para os seringueiros, abrin-
do as colocações. Eu trabalhei até mês de junho. O mês de junho era fazendo
ramal naquelas colocações. Eu assentava a casa. Quando foi no mês de junho,
eu larguei o trabalho de levantar casa e do ramal e fui cortar seringa. Tirei uma
colocação e trabalhei dois meses, junho e julho. Quando foi no mês de agosto, eu
adoeci de uma tal de malária, até que eu saí. O comboieiro, que é quem vai levar
as mercadorias assim para o pessoal da mata, ele me tirou.23 Ele vai com o burro
levar as mercadorias para os trabalhadores. Chega na sua casa, a senhora já tem
a sua nota todinha do que é preciso, ele deixa aqui e vai para outro, em outra
colocação. Às vezes viaja dois, três dias assim com a mercadoria para voltar de
novo. Aí ele voltava trazendo toda a borracha. Quando ele volta, já vem trazendo
a borracha. Os burros já vêm carregados de borracha. Ele levava uma porção de
burro para carregar. Às vezes levava dezoito, vinte e dois burros para carregar a
borracha. Mas naquela época, metade era só na troca da mercadoria.
Eu já sofri muito. Mas aí eu trabalhei, adoeci e o comboieiro me tirou. Eu
passei mais de um mês no depósito me tratando e eu melhorei. Aí eu disse
que eu iria me embora, mas eu tenho medo de dever os outros, toda vida eu
tive medo de dever os outros. Aí eu voltei e no dia que eu cheguei na mesma
colocação que eu fui para trabalhar, cortar seringa, eu adoeci de novo e me
saiu uma ferida grande. Eu tinha cinco feridas na perna. Eu fiquei deitado na
minha rede e não podia nem pegar água para eu beber, quase que eu morro!
Se o comboieiro não chega para me levar, eu tinha morrido lá na minha rede,
sozinho. A tal malária, que chamam serzão, tinha me matado. Aí eu fui de
novo, saí e fui para o depósito, cheguei lá o gerente foi me tratar e eu fiquei
bom. Aí eu fui trabalhar mesmo dentro do depósito, assim de despachar mer-
cadoria, fazendo notas para despachar. Depois eu saí e fui de novo para fora,
fui para Mutum Paranã e trabalhei outra temporada na seringa de novo. Eu
gostava tanto de trabalhar, que eu cansei de sair seis horas da noite e quando,
às vezes, era cinco, seis horas do dia, eu vinha chegando na minha casa. De
noite, para eu fazer mais leiteira, porque de noite ela escorre bem o leite (da
23
Trabalhador que guia comboio de mulas para levar mantimentos para os seringueiros na mata e trazer
as pelas de látex para o barracão do seringalista.
64 Delma Pessanha Neves
tarém. Essa terra meu pai conseguiu comprada. Naquela época não era terra,
dava-se o nome de benfeitoria à terra. Hoje também nós não podemos mais
vender a terra, só vende a benfeitoria. Mas antes, se tinha a terra, vendia tudo.
Era tudo. E não foi muito difícil para o meu pai comprar essa terra. Não senho-
ra, naquela época era pouca gente, nessas colônias eram poucas pessoas. Hoje
não, hoje a quantidade de gente está para todo canto.
Olhe eu conheci essa estrada (Curuá-Una), essa estrada que hoje vocês es-
tão aqui dentro dela: lá no Jacamim (comunidade do entorno da estrada) era
mata, a boca da mata de lá. Isso aqui era só um trilhozinho, bem pouquinho.
Em quarenta e cinco houve um pau-rosa aqui no Guaraná (comunidade do
entorno da mesma estrada), foi por isso que abriram essa estrada. Foi o seu
Elias Agir e o seu Antonio Pimentel. Eles foram o chefe desse pau-rosa, foram
eles que abriram essa estrada. O pau-rosa é a árvore. Tem uma máquina que
eles tiram todo o óleo. - Vocês já viram alguma vez o óleo do pau-rosa? - É um
perfume muito do bom. Se a senhora pegar um pouquinho e passar assim, a
senhora pode tomar banho que ele fica ali ligado muito tempo. Ele não sai não
senhora, não sai não.
Quer dizer, nessa época o pessoal resolveu explorar as árvores de pau-rosa
perto do Guaraná, lá no Guaraná mesmo. De lá para cá começaram a entrar,
tirar madeira. Naquele tempo tiravam só o cedro, só madeira escolhida, mas
assim eles foram entrando, entrando. Hoje eles estão falando que essa estrada
aqui vai ser a estrada chefe do trabalho, que eles não vão rodar lá pela San-
tarém-Cuiabá, vão por aqui direto para Itaituba. A estrada vai ser esta aqui,
esse asfalto. E já estão andando para Altamira. Já estão varando para lá. É mais
perto, mas eu não sei quantos quilômetros tem de diferença daquela outra
dá lá. Ao invés de ir pela Transamazônica, vão por essa, por essa aqui. Aqui já
tem passado muitos carros grandes que já vem das outras cidades aqui para
Santarém.
Essa época que o pessoal começou a abrir para cá, para explorar o pau-rosa,
foi em quarenta e cinco. Eu estava na casa de papai ainda, era solteirão ainda.
Nessa época eu ainda não tinha saído da casa de papai. Eu saí em quarenta e
nove. Em quarenta e cinco era só esse pau-rosa que eles tiravam aí. Eu tinha
um irmão mais velho, o Luíz, que ele veio com esse pessoal que trabalhava
no pau-rosa, aí um dia ele levou um golpe de machado e a gente ficava sem
notícia. Demorava muito para esse pessoal do pau-rosa dar notícia lá na casa
de papai. Depois nós ficamos sabendo que esse irmão estava cortado por um
grande golpe de machado. Eu tinha um cavalo, um cavalo bom, se a senhora
levantasse a mão assim, ele estava para acolá. Eu saí da casa de papai uma
hora da madrugada, porque papai mandou buscar ele lá no Pau-rosa. Eu saí
de madrugada, fui, e quando foi duas e meia da tarde, eu cheguei lá no Pau-
-rosa. Lá eu peguei o rapaz, coloquei no cavalo e vim. Quando cheguei bem
66 Delma Pessanha Neves
por aqui assim, quando deu uma hora da madrugada, eu cheguei em casa de
novo com o meu irmão. Tudo mata, só a trilha. O pessoal nesse tempo di-
zia que tinha muito bicho feio aí: era onça, um bando de porco que tomava a
estrada e ninguém passava. Naquela época tinha muito bicho na mata! E eu
andei, a minha mãe levou ele para o hospital, foi tratar dele, ficou bom. Depois
ele ficou por aí e nós botamos roçado, eu mais ele. Colocamos o roçado lá na
nossa terra mesmo. Quando foi mês de outubro ele saiu, foi embora e eu nem
sei para onde ele foi, porque ele nunca mais deu noticia, até hoje! Isso foi em
quarenta e oito que ele foi embora, o meu irmão mais velho, o Luiz. Ele saiu
para ir para Manaus, e de lá para cá eu não sei nem mais para onde ele foi,
porque ninguém mais teve noticias. Ele nunca mandou notícia para o papai.24
Aí, quando foi em quarenta e nove, eu saí, eu tinha o meu roçado, colhi meu
arroz, vendi uma parte, ficou a outra parte que era para mim e mais ele, mas
ele não estava! Então eu deixei em casa e fui me embora.
Minha mãe ficou lá chorando, né. Pois é, eu já andei muito, graças a Deus e
hoje eu estou nessa minha idade, estou contando. Quando eu casei com ela,
passamos uns tempos por aí, mas quando foi em sessenta e seis, eu fui morar
uns tempos lá no Tapajós. Estavam os meus irmãos para lá, a mamãe, eu pas-
sei quatro anos. Quando foi em setenta e um, eu vim embora para cá. Desde lá
eu estou aqui nesse lugar.25
Meu pai saiu de Vista Alegre, onde ele estava, e foi para o Tapajós, mas ele fi-
cou aqui mesmo, ele morreu aqui mesmo. A minha mãe foi para lá (o casal se
separou porque o esposo constituiu nova família e os filhos deram guarida à
mãe que foi então viver com deles). Foi com os meus irmãos. Foi com os filhos
que estavam lá. E os filhos foram para lá trabalhar, para lá. O Pedro casou para
lá, ele era o outro mais velho, ele ficou para lá e eu sei que a mamãe foi pas-
sear na casa dele e para lá morreu. Ficou pouco tempo lá. Foi passear e logo
morreu. Depois de uns pouquinhos de tempo, ela morreu. - A senhora sabe
onde que fica esse Tapajós? Fica bem de frente para Fordlandia, no lugar que
se chama Arara. Eles moravam lá, trabalhavam em colônia. Eu ainda fiquei
cinco anos lá também. É colônia26 mesmo e cada qual tinha o seu terreno de
trabalho mesmo. A terra conseguia com os moradores mesmos, tinha muita
24
Esse total desconhecimento sobre o destino social de um ou dois dos familiares é comentário extrema-
mente recorrente, expressão desse fluxo migratório por longa distância.
25
O território de matas defronte a Fordlândia foi objeto de investimentos apropriativos de agricultores
que, por deslocamento familiar, migravam e tentavam reproduzir os laços familiares em novos agrupa-
mentos residenciais. A presença de alguns poucos trabalhadores que se tornaram funcionários públicos
e potenciais consumidores e a estrutura portuária deixada pelos americanos, as instalações de escola e
hospitais se apresentavam como atrativos para a população vender o excedente da produção e obter
algum atendimento em saúde e ensino. Todavia, essa área era sujeita à infestação de mosquitos e disse-
minação de malária.
26
O termo colônia tanto se refere a cada lote agrícola como ao conjunto de lotes que compõem unidades
residenciais de agricultores, gerealmente aparentados ou em fratria.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 67
terra devoluta e cada qual que chegava lá tirava a sua parte e trabalhava lá.
Vou dizer para a senhora: até mais ou menos por volta de sessenta, a gente
podia tirar terra e trabalhar à vontade. Lá nós tínhamos três irmãos.
Porque lá...! A senhora sabe que caboclo é bicho à toa mesmo. Eu digo assim
porque eles vão onde acha que tem muita caça, muito peixe. Foram para lá
para se alimentar bem, porque aqui é caro. A senhora morar aqui e comprar
as coisas, o alimento é muito caro! O melhor lugar para morar é onde tem ter-
ra para fazer roçado, tem caça, tem peixe e está perto do rio. E tendo a saúde, é
coisa boa para nós. Quando eu vim para cá, eu ainda fui fazer roçado com meu
pai. Depois fui para o Tapajós. Mas eu já estava casado. Já fui com essa mulher.
Lá foi o lugar que eu chorei. Eu chegava do meu trabalho, já com frio por causa
da malária e, quando eu chegava, ela estava na rede com os filhos todos com
malária. Ela chorava porque não via mais a família dela, que morava aqui, e eu
todo o tempo trabalhando. Quando foi em setenta e oito, que eu coloquei um
roçado bonito lá, plantei milho, plantei feijão canário...! Eu colhi dois sacos de
feijão canário, apanhei, debulhei e vim vender aí fora, em Fordlândia. Lá tinha
um senhor bem no barco, no cais, que me conheceu:
– Mas Bijoca, você está para cá?
– Estou sim.
Era um companheiro que sempre comprava porco lá em casa.
– Tempo que eu não te vejo!
Ele estava num barco vendendo as coisas na margem do rio.
– O que tu traz aí?
– Seu Sabá, eu trago dois sacos de feijão canário. O senhor compra?
– Compro, bota para cá.
Daí eu encostei a canoa no barco dele, botamos o saco para dentro do barco.
Ele nem perguntou quanto eu queria e nem tão pouco eu perguntei quanto
ele dava no saco de feijão. Ele puxou cem cruzeiros e me deu. Eu peguei e
coloquei no bolso e voltei de novo remando minha canoa. Quando eu cheguei
em casa, eu disse para minha mulher assim:
– Maria, eu não comprei nem uma agulha, eu arrumei cem cruzeiros nas duas
sacas de feijão e eu vou para Santarém.
Maria: – Mas o que tu vai ver lá?
– Eu vou lá na casa de papai e do meu sogro. Foram os cem cruzeiros.
68 Delma Pessanha Neves
Eu disse que tinha porco, tinha galinha, pato, muita mandioca. Então você não
vai passar mal não. Ou você dá para um vizinho fazer ou você dá para os seus
filhos. E eu vim, foi em setenta e um. Quando eu cheguei na casa de papai, eu
cheguei a ir na casa do pai dela, mas aí eu fui falei com papai. Meu irmão já
morava bem aqui. Aí meu pai disse:
– Você não vai na casa de Pedro?
– Vou papai, vou lá.
Quando eu cheguei aí, falei com Pedro e disse que eu queria sair de lá porque
lá não tinha condição de vender as coisas assim, porque era tudo a troco de
açúcar, sabão, querosene, só besteirinha que nem índio. O comércio de lá não
comprava um quilo de nada da senhora, era só a troco. Daí eu vim para um
terreno que o Pedro me ofereceu, bem ali no Km 45, por vinte e cinco cruzei-
ros, nesse tempo. Ai eu fiquei com o terreno porque eu queria sair mesmo de
lá. Eu tinha tudo, tinha a minha comida, tinha minhas criações, tinha tudo por-
que não faltava, mas para eu pegar um dinheiro para comprar a minha roupa,
para os meus filhos, para ela, não tinha quem comprasse, não tinha dinheiro.
E comércio não vende fiado para ninguém. E se vendesse, eu não tinha com o
que pagar. Aí o seu Raimundo Pereira, que morava bem aqui, ele disse assim,
quando nós fomos no culto de uma igreja que tem bem ali:
– Seu Josino, o senhor está falando que quer sair de lá de onde o senhor mora,
então, se o senhor há de dar vinte e cinco cruzeiros no terreno desse irmão Pe-
dro, aqui o ramal do Pilão está todo cortado, já feito os lotes, marcados. O se-
nhor vai lá na Secretaria (comunidade do entorno da estrada Curuá-uma) e
lá eles dão terra para qualquer um que queira trabalhar. É na comunidade da
Secretaria, onde tem um órgão de agricultura aqui. É para cá da Santa Rosa.
Mas isso foi num domingo de manhã e aí nós viemos, almoçamos e ele falou:
– Se o senhor quiser, eu vou lá com o Senhor e com o irmão Pedro.
– Então vamos embora.
Ai nós fomos lá na Secretaria. Quando nós chegamos lá, encontramos o seu
Alfredinho, que era o responsável de tirar os picos (definição dos limites do
lote) da terra. Nisso nós fomos de pés, pois até carro era difícil nessa época
aqui. Nós fomos de pés, eu, seu Raimundo e o Pedro. Chegamos lá, fomos lá
com o seu Alfredo, e ele disse:
– Olha tem muita terra mesmo, agora o ramal de lá já está tudo cortado, feito os
lotes, todos de 250 metros de terra de frente. De fundos era mil metros.
Aí eu fui lá e falei para o doutor:
– Olha, o senhor tem muita terra aí.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 69
– Olhe, o senhor vai e conte três mil metros daí até onde der os três mil metros.
Lá o senhor deixe o marco e pode tirar o lado que o senhor quiser, tanto de um
quanto de outro, porque isso aí é para uma comunidade. A gente vai fazer um
centro comunitário.
Quando eu cheguei para cá, que já era tardezinha, foi o seu Benedito Barros, o
seu Luiz Souza, nós estávamos falando na beira do campo:
– Nós vamos lá também tirar um terreno para nós.
Quando foi na segunda feira cedo, nós fomos para lá, fomos conferir. Eu disse:
– Olha o doutor falou que daqui para cá, tanto de um lado quanto do outro
pode qualquer um tirar, é um lote para cada um. O seu Benedito tirou logo o
dele, marcou dois lotes para ele, disse que queria dois lotes, mas eu falei para
ele que o doutor disse que era só um lote, porque era muita gente que preci-
sava. Ele disse que iria ficar com dois e tirou dois. O seu Luiz Souza tirou um e
eu vim por último e fiquei aqui por derradeiro. Quando foi no outro dia cedo,
eu fui a Santarém e comprei um machado, uma foice, um terçado e comprei
dois quilos de peixe para o churrasco e vim. Passei a noite toda esfregando o
machado e a foice. Quando foi no outro dia, eu fui cedo lá no terreno e passei
oito dias brocando sozinho. Com oito dias eu broquei quatro tarefas de ro-
çado bom mesmo. Eu ia de noite, saía da casa do meu irmão lá e chegava de
noite. Eu ia pegar água no igarapé que tem bem aqui. Eu pegava minha água
de madrugada, um punhadinho de farinha, às vezes um pedacinho de peixe ou
uma rapadurinha, e com isso eu passava o dia inteirinho lá, sozinho. Faltavam
cinco dias para entrar o mês, eu derrubei lá, derrubei isso aqui, por aqui era
mata bruta mesmo. Quando eu cheguei em casa, ela estava gestante de um
filho, o Budito, com cinco dias ela descansou dele. Eu tinha um capado grande
assim e tinha um bocado de leitão, e um dia eu cheguei e disse:
– Maria, nós vamos embora.
E aí eu fui oferecer o que eu tinha, mas não achei quem colocasse um cruzeiro
no que era meu, nem um cruzeiro. Eu tinha muita roça, eu colocava um roça-
do bom, porque a terra lá ajudava mesmo: era milho, meu bananal, meu sitio
bom, meu canavial. Não achei um que desse ao menos um cruzeiro. Eu digo:
– Maria, no dia que você inteirar trinta dias, nós vamos sair daqui.
Com cinco dias que eu cheguei lá, ela teve a criança, com trinta dias eu matei o
porco, levei para Fordlândia, vendi. Eu fiz cento e trinta cruzeiros nesse porco
e não comprei nem uma caixa de fósforo. Tinha um barco no cais e eu falei
com o comandante que ia para Itaituba:
– Quando o senhor voltar, o senhor pare aqui que eu vou com o senhor. O se-
nhor me pegue lá em Sumaúma, que era o lugar que nós parávamos.
70 Delma Pessanha Neves
Deixei a metade do porco fiado, mas eu vou me embora. Tal dia eu já vou me
embora. O pessoal dizia que eu era doido de deixar tudo lá e eu dizia:
– Não. Dizem que quem vai para casa de pai não se molha e eu vou para a casa
de papai. Eu tinha minha casa, meu terreno, tudo que eu tinha largado. Eu car-
reguei as coisas, peguei o barco e vim embora. Cheguei aqui, quando eu acabei
de despachar as coisas, que eu fiquei até na casa do pai dela, fiquei numa casa
grande assim, uma casa grande que o velho tinha desocupado lá, não fui nem
para a minha, porque já estava deteriorada, porque era uma casa de palha e
nem para a do papai. Quando eu cheguei aí, que eu paguei o derradeiro des-
pacho, eu fiquei com cinco cruzeiros. Mas eu puxei a notinha do bolso e disse:
– Olha meu sogro, o que eu tenho é cinco cruzeiros aqui, mas agora eu vou
ficar na casa do senhor mais da senhora, que era a dona Doca, mas eu quero
ver se vocês vão deixar os seus netos morrerem de fome. Eu disse foi assim,
porque toda vida eu fui meio indisposto mesmo. O velho tinha um roçado as-
sim na beira do sítio dele bem assim. Ele chegou para mim e falou:
– Bijoca, eu te dou essa tarefa aqui para tu derrubar, está sequinha, você pode
queimar. Eu te dou para você plantar de meia para nós.
– Tá feito.
No outro dia, quando eu cheguei que estava sequinho, toquei fogo e coloquei
os meninos mais velhos para irem juntando os pauzinhos miúdos e eu fui
cortando, cortando. Eu aprontei tudinho para fazer o meu roçado. Eu já tinha
essas duas tarefas preparadas lá, então eu vou encher de milho, de arroz e
mandioca. Uma outra parte eu deixei para o meu irmão, para quando estives-
se no tempo de colocar fogo ele colocar o fogo no roçado. Mas ele tocou fogo
e eu não sei se foi embaixo de chuva ou não, porque não queimou. Olhe, a
senhora acredita que eu trouxe os três meninos maiores, o Geraldo, o José e a
Idália. Trouxe esses três e deixei a velha lá, pedi um dinheiro para o velhinho,
ele me arrumou, eu comprei umas besteiras e deixei lá para ela, e trouxe para
os meus filhinhos e eu aqui para trabalharmos. Eu saía de madrugada com o
machadão amolado, a foice e o terçado e eu ia decotando daqui até lá assim,
decotava bem, jogando aqueles pauzinhos e meus filhos iam catando o que
eles podiam. Eu limpei tudo, deixei tudo bem limpinho. Eu só não tirei aqueles
pauzãos dessa altura, porque eu não podia, mas deixei pronto. Passei para cá,
cheguei aqui e limpei só o canto da casa e disse:
– Olhe, se vocês quiserem aproveitar essa terra aí podem aproveitar.
Aquelas frutinhas assim eu ia cortando para fazer os ganchos da casinha as-
sim, aquelas varinhas, eu ia colocando como caibro e tudo. Eu sei que eu fiz
e quando foi tanto de maio, eu cheguei com a minha família bem aqui nesse
cantinho. Eu trouxe a família toda para cá em setenta e um, e aqui estou ainda.
Trabalhei, dei conta do roçado aqui e lá ficou tudo que era meu. O que ficou,
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 71
para cidade e deixar a casa só, eu nunca fiz isso! Quando eu vou, a mulher fica,
o filho fica ou os netos ficam, porque tem que tratar das galinhas, porcos, essas
coisas. Antes eu saía no rumo da colônia, trabalhando, em colheita por aí. Pro-
curava colônia, onde tem a agricultura, que nem aqui, terra firme.
Raimunda: – E lá eu trabalhava para os outros. Ganhava por dia que eu trabalhava.
Raimundo: – Meus pais, quando foram trabalhar, quando ganharam o terreno
para trabalhar, eles continuaram indo para várzea, todo o tempo na várzea.
Eles cultivavam um período na várzea, depois iam para o terreno da terra
firme. Ai na várzea plantavam feijão, milho..., gerimum, melancia... E na terra
firme, a mesma coisa: mandioca, macaxeira, melancia, milho, essas coisas. Só
que na colônia a terra não era da gente. Os outros que davam para a gente
plantar, nós não tínhamos essa terra aqui (Cachoeirinha). Eu não me lembro
quem foi que deu a terra. Muita gente que tem terrenos nas colônias, às vezes
dá um pedaço. Falava assim:- Dá um pedaço para o rapaz aí cultivar! Mas não
precisava pagar nada. Hoje em dia, não. Se um cara tem um pedaço de ter-
reno, já quer pagamento. Naquele tempo não, era outro tempo, tempo bom!
Meus pais ficaram assim com a várzea e a terra firme, mas antes de morrer já
tinham abandonado, já estavam abandonando porque conseguiram os apo-
sentos deles, né. Aí eles pararam. Quando eles iam para cidade, não tinham
ainda a terra firme. Eles iam para várzea, depois iam para cidade e pescavam.
Viviam de pescaria, pegavam peixe para vender, para comer.
Eles tiveram muitos filhos?
Raimundo: - Nós éramos sete, oito, doze. Doze filhos. Doze filhinhos. Eu tenho
mais irmãos, mas eu só me acho com quem? Tem um que está para Belém, que
ninguém sabe se é morto ou não. Só tem dois em Alenquer: um irmão e uma
irmã. O resto tudo já se acabou. Morreu já. Quando eles morreram, eles esta-
vam em Alenquer mesmo. Só esse um que está para as bandas de Belém, que
andava vendendo esses quadros na rua, ele era vendedor de quadros, retratos
na rua, quadros assim, né? Pois é, ele foi embora para lá, mas afinal de contas
ninguém sabe se para Belém ou se foi para o Rio. Eu só sei que ele sumiu. Tem
trinta, quarenta e cinco anos. Vixi, estão fazendo muitos anos!
Raimunda: - O outro morreu afogado. O outro irmão dele, que era parecido com
ele. Agora tem o outro aqui, que está para morrer.
Raimundo: - Agora tem um, tem o Jorge, que está mais difícil ainda. A Irene já
morreu, que é outra irmã minha. Agora tem só três, quatro comigo. A gente se
encontra quando vou em Alenquer. Às vezes eu vou lá; às vezes eles vem aqui.
Aqui não, lá na casa. Quando eu vim para essa terra daqui, estava morando,
quer dizer, estava parado aí na cidade, em Santarém. Eu não demorei muito lá
em Santarém, porque eu vim para cá. Aí eu vim e ela ainda veio comigo aqui
em Santarém, fiquei muito bem. Mas pensei: - Quer saber de uma coisa? - Eu
vou atrás de um terreninho. Aí eu mandei ela voltar, ela voltou. - Tu volta que
eu vou me virar, justo na época que eu fui andar atrás de um terreno. Aí está
muito bom, eu lutei, um tinha e não queria dar terreno. Muito bem. Ai, quando
foi um dia, tinha um senhor que foi e disse assim:
76 Delma Pessanha Neves
– Rapaz, ao invés de darem terreno para uma pessoa que a gente vê que quer
trabalhar, que quer se colocar, nós vamos dar terreno para quem não quer se colo-
car? Põe um pedacinho de roçado assim e vai para cidade, o terreno vira capoeira!
Isso é de fato, tem mesmo muita gente que faz isso. Aí foi até que eu consegui esse
terreno e mandei chamar ela. Ela veio. Aí nós ficamos lá numa casa velha, passa-
mos um tempo, ajeitamos uma casinha, no terreninho daí da prefeitura. Aí esti-
vemos morando lá muito bem, formamos uma barraquinha lá coberta de palha.
Raimunda: – Raimundo, vai dar teu jeito para lá, que eu me agüento aqui na
cidade. Eu quero criar, eu quero ficar bem.
Raimundo: – Foi ela que me estimulou. Aí quando eu cheguei...
Raimunda: – Eu sempre tive vontade mesmo né, porque vida de cidade, a senho-
ra sabe como é, né, só para a pessoa que tem muito dinheiro, né? Contando que
arruma aquele dinheiro para comprar um quilo de carne, dois quilos de carne,
come tudo na hora mesmo. No outro dia não tem dinheiro nem para farinha.
Raimundo: – E para mim, fazer, comprar alguma coisa na cidade, eu pegava a
bicicleta, está aí a bicicleta pendurada ali, só o quadro dela, né. Aí saía por lá
para capinar terreno, aqueles quintalzinhos, fazia tudo direitinho, fazia tudo
que me mandavam assim em troca de um trocado. Graças a Deus que o pes-
soal até me ajudava, me dava a minha gorjetinha, que eu ganhava, e ainda me
dava o dinheiro. E assim eu ia levando a vida, até o dia que eu consegui esse
lugar aqui, que o seu Samuel me entregou. Aí em cima tinha uma serraria que
era do japonês, do seu Edson, que era bem ali, ali na curva, lá. Aí tinha um
barracão e eu pedi o barracão para ele. Aí de lá eu vinha trabalhar por aqui,
muito bem. A senhora acredita, porque o pessoal aí sabe, o Samuel sabe tam-
bém, eu fretei um carro, vendi umas galinhas para trabalhar, me virei por aqui
com serviço de pedreiro, sabe, aí ajeitei dinheiro. Duzentos e cinqüenta. Eu sei
que eu estava com tanta vontade, que o cara foi longe. Saiu por duzentos, e eu
não sei o que eu ainda dei, mais um pato e um ventilador, que era até presente
que tinham me dado. Para chegar nessa colônia..., aqui era mata, tudo mato.
Eu vim e até hoje estou aqui. Eu vim com cachorro, galinha, pato, o escambau.
Essas plantas daqui tudinho, essa plantação veio tudo. Hoje está tudo dando
fruta mas veio de lá ensacolado. Aí a gente chegou aqui, fez uma barraqui-
nha coberta de piririma, que dá umas palhazinha. Eu com o mínimo né, aí as
plantinhas ficavam tudo lá. Aí tem café, cupu (cupuaçu), paiura, abacate. Tudo
eu trouxe ensacolado. Ensacolei lá em Santarém, no quintal. Trouxe tudo en-
sacoladinho, já tudo desse tamanho, era!. E graças a Deus até agora tudo está
dando certo.
Eu sempre gostei de colônia, meu pai era agricultor. Mas foi um sofrimento eu
doente! Foi um sofrimento mesmo! Era uma hérnia que eu tinha. Eu fui opera-
do e não deixei nem terminar o resguardo. Eu vim embora. E até hoje eu estou
aqui. Eu tive doze filhos, quer dizer, a mulher que teve doze filhos. Tem três
mortos. Eles morreram de doença pegada mesmo. Doença do ar, doença pe-
gada, doença dessas que a pessoa fica... É aquela doença tão rápida que pega
tipo vento, que às vezes não tem nem cura. E ai morreu rápido. Muita gente
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 77
aqui entende como convulsão. Ele começa a tremer, a doença dá de tremer, vai
se entortando todinho, se tremendo todo. Foi essa doença que pegou no meu
filho, não teve jeito. Sei que ele morreu desse jeito. E dois morreram mesmo
no nascimento. Nasceram, depois morreram. Um já estava com um ano e seis
meses, quando ele morreu. Nós andávamos para todo canto mesmo, ai não
teve jeito! Mas Deus sabe, Deus tirou, ele sabe por que né? Aí ficaram vivos
nove filhos. Os filhos agora estão espalhados. Tem um em Seminário, outros
em Juruti trabalhando, tudo com família. Em Alenquer. Está tudo espalhado.
Mas está tudo com família. Eles trabalham em obra de casa. Tudo pedreiro.
Todos eles. E tem filha. Agora eu não estou lembrado quantas. Uma tem qua-
tro filhos, a outra... tem duas. O Marcos parece que tem agora uns quatro anos.
Tem a Sara, tem aquele menino maior, tem o Sandro, três, quatro... Eu nem sei
o nome daqueles meninos! Eu sei que tem uma pancada de preto, vixi Maria!
Raimunda: – De filhas nós tivemos a Nega, tem a Ivete, tem a Lucia e tem a Luci-
mar. Quatro. Elas estão espalhadas também. Uma mora em Alenquer. Não, duas
moram em Alenquer. Marlene e Ivete.
Raimundo: – Tem a de criação também. É minha cunhada, irmã dela. Aí ela me
chama de pai.
Raimunda: – Aí, deixa eu ver! Outras que estão espalhadas. Uma é a mãe desses
dois meninos. Ela veio só para entregar eles para a gente, né. E eu dei graças
a Deus, porque, se não, nós estávamos perdidos. Porque sem ter um neto, aqui
dentro de casa para morar com a gente! Eles (os não parentes) vão aprontar
certas coisas que a gente fica meio com medo. E um neto não, né, porque é o
sangue da gente. Se ele aprontar até a gente dissimula, porque é neto, né. Mas o
de fora assim, é meio ralado, né. Ela (a mãe) deixou esses filhos com a gente, não
vou enganar né. Ela bebia muito. Eles mesmos contaram aqui para nós.
Raimundo: – Eu dei graças a Deus de trazer eles para cá. Ela mora lá no garim-
po. Eles eram pequenos. Aí eu criei, fui ajeitando devagar, dando estudo, mui-
to bem, e até hoje estão com a gente. E ela nem sei se continua trabalhando no
garimpo. Nunca mais essa menina ligou, nunca mais! Já vai fazer o quê? Uns
sete anos. Nunca mais deu notícia. Nem sei se está viva!
Raimunda: – E eu dou graças a Deus que ela trouxe os meninos, porque, se acon-
tecesse alguma coisa, esses meninos iam ficar jogados, porque não sabiam nem
o nome de onde a gente morava.
Raimundo: Eu perguntei: – Tua mãe, lá no garimpo, ensinava, dava o meu nome,
dizia adonde a gente morava? - Não vô. Tudo isso ela precisava chamar a aten-
ção deles, né, para falar:- Oh, o avô de vocês mora na cidade de Alenquer. Se
alguma coisa acontecesse, pegava o barco e aplicava no rumo de lá. E procura-
va, até que encontrava, né? Mas não, ela não fez isso e até hoje ninguém sabe o
roteiro dela, nunca mais ligou. Esses meninos, agora eles estão estudando aqui.
– Da outra vez que eu vim aqui havia um outro que estava fazendo farinha..., era o
mais velho. Ele disse para mim que tinha ido estudar, mas não gostou de ficar estu-
78 Delma Pessanha Neves
dando, porque a memória dele não era boa e aí ele voltou. Mas agora ele saiu por
quê?
Raimundo: – Ele saiu porque teve uma confusão aqui com camarada, e para
desfazer, eu mandei ele para banda dos tios dele. E aí aconteceu esse negócio,
ele foi mandado para Alenquer, para casa de uma tia dele. Mas ele está que-
rendo voltar para cá. Eu disse para dar mais tempo, para ver o que resolve
desse negócio aí, que eu não quero mais ver confusão. Eu não sei direito o que
houve, mas diz que ele foi atentar com a mulher dos caras aí, e o cara foi atrás
dele prometendo tiro. Fui falar com ele (o neto), aí ele me contou a verdade,
para mim, né?: – Vô eu errei assim, assim. - Está bom, eu dei razão para o ho-
mem da mulher. Dei razão para ele. Aí o camarada prometeu tiro para ele. Ele
não queria ir daqui, ele queria ficar aqui comigo na roça, me ajudando, mas
aí eu fiquei com medo, fiquei mesmo, dele dar uns tiros. Aí olha eu enrasca-
do com a mulher: - É isso realmente que eu digo, chegou lá e está dando um
tempo para vir. Ele está trabalhando, ajudando lá. Agora só ficou esse para me
ajudar. Só o menino. Nas horas vagas, porque eu não posso tirar ele da escola,
de jeito nenhum, tem que estudar.
– E o que vocês ainda estão produzindo?
Raimundo: – Estamos plantando aí. Eu quero colocar um trabalhador. Eu sou
aposentado e ela também. Eu tiro do meu dinheiro do aposento para pagar tra-
balhador, que é para a coisa ir para frente aqui. Não tiro tudo da despesa da
casa. Às vezes compra uma coisa para plantação e a gente vai levando a vida.
E quando chega o tempo da farinha, eu já estou com, acho que umas oito ou
dez tarefas de roça aí, quase madura. Eu estou plantando mais para cá, para
adiantar mais a quadra. E lá na beirada tem uma ponta, que eu quero ver se eu
meto macaxeira por lá. Milho, macaxeira, essas coisas. Muitos daqui, do tempo
que eu entrei para cá, pode olhar, as casas estão no mato, no mato! É isso aí que
eu fico pensativo de ver uma coisa dessa aí. Tiveram dois velhos aqui, que todo
mundo viu, porque já veio um bocado de gente lá do INCRA, eles já vieram por
aqui, já firmaram por aqui, fizeram tudo que tinha para fazer. E ainda disse as-
sim: - É seu Raimundo, o senhor e a sua senhora, dois velhos, fazem uma coisa
dessa aqui! Eu tinha muita vontade de ver aqui crescendo, coisa que mais novo
que vocês não tem. Teve gente que nem a terra quis, porque disse que era ruim.
Foi só os sem-terra chegarem que saíram as casas de alvenaria, outras coisas. E
os outros que estão aqui, cadê essas casas de alvenaria? Cadê a minha? Então
é aí que eu fico incabulado, aí é que o governo devia enxergar uma coisa dessa!
Para vender, só quando eu desmancho a farinha. Mesmo sem o neto maior, nós
mesmos fazemos. Eu ainda garanto a farinha. E às vezes eu pago um para ajudar
a torrar no fogo. O resto, lavar, descascar, eu ainda faço.
Raimunda: – Farinha. Por enquanto é farinha. As outras coisas ainda...
Raimundo: – Não deram. Só a mulher que vende urucum, castanha de caju,
que está até aí ensacolado, um bocado aí. Tem outro para ensacolar de novo.
– E vende para quem essa castanha?
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 79
ficaram essas três. Das comuns ainda tem. Hoje eu estava contando, só tem
cinco galinhas, só cinco. Uma com três pintos, outra com dois e outra com
quatro. O gavião dá de pau menina! Só tu vendo o jeito! Comem de dia. De dia!
A gente sai com a vassoura, vem meu marido e sai com a espingarda atrás,
para um poquinho. Ele atira, mas não pega, né. É só para assustar mesmo.
Passa um, dois, três dias, uma semana, três, quatro, aí aquieta mais um pouco.
Ali, passou daquele dia, aquele período ali, logo vem de novo. Aí eu sei que,
do meio para o fim, acabam os outros pintos. Raimunda: Agora eu estou com
todas chocas, aí eu estava dizendo para ele: - Bem, vamos fazer uns negócios
para a gente fazer um cercado, para nós cercarmos as galinhas, porque criar
bicho assim solto não tem condição. A gente não pode nem arrumar para uma
pessoa que vem aqui ver a gente, ou se a gente se engraça com a pessoa e
quer dar uma galinha ou um frango de presente. Não tem nem um ovo para
a gente comer. Aí a gente tem que comprar uma tela. Daí vamos ver o que a
gente vai ter que fazer, aí eu vou fazer um cercado para criar um porco. Ele
quer fazer assim tipo um galpãozinho né, para elas ficarem dentro, porque aí,
sendo tampado por cima, o gavião não entra para matar elas lá dentro. Eu sei
que mulher do céu, é o maior sufoco aqui em casa para a gente criar. É desse
jeito. Aí ele diz: - Não filha, tenha paciência que eu vou ver como vai ficar ai. Aí
eu vou fazer, deixa ver quando vai sair a nossa casa do INCRA, que aí eu faço
perto de casa. Daí de casa tu já joga ração dentro, porque eles estando com
muita comida, eles não saem, não tem para onde ir. Então eu digo: - Pois então
deixa eu ver se ele..., aí ele está pensando assim, né: se sair a casa, dizem que
nós já estamos em RB, que eu já estou em RB porque o terreno está no meu
nome, porque ele trabalha empregado. Quando sair um serviço para ele, ou
ele arrumar um serviço, ai ele vai e eu fico aqui sozinha.28
28
Entrevista realizada e reeditada por Delma Pessanha Neves, em junho de 2011.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 81
Meu pai era rio-grandense com cearense. Mistura de rio-grandense com ce-
arense. Mas eu acho que ele nasceu na vinda para o Pará. Eu não sei dizer
porque ele veio para cá. Eu nasci aqui. Eu tinha doze irmãos. Eram cinco ho-
mens e sete mulheres. O mais velho já morreu, a quarta também morreu. Eu
só tenho um irmão em Manaus, tenho um em Tabocal e tenho um irmão que
mora aqui também, no assentamento: José Oliveira. A outra mora na cidade
também, em Santarém. Eu tive quatro filhos e criei mais um. Têm cinco. Meus
filhos estão... O mais velho mora em Santarém, o segundo mora em Porto
Velho, a terceira mora em Tapajós, ela é professora, o mais novo morreu. Esse
que foi para Porto Velho... é o segundo. Ele trabalha para lá, casou para lá e
trabalha para lá. Ele foi para lá para arranjar trabalho. Ele já tinha uns vinte
e dois anos. Ele é motorista, numa firma de construção de estrada. Tem uma
em Tapajós que é professora. Tapajós fica aí na banda do..., na beirada do rio
Amazonas. É perto de Santarém. O filho de criação está em Manaus. Ele tra-
balha em firma assim de armazém. Ele me ligou e disse que trabalhava num
armazém. Depois que ele foi, nunca mais ele veio. Depois que ele foi embora,
nunca mais veio. Eu também nunca fui lá. Então faz muito tempo que eu não
vejo os meus filhos. Mais de dez anos, mais ou menos. O que está em Porto
Velho vai fazer quatorze anos que não vejo ele. Eu é que ligo, mas o velho não
desgruda para ir. Ele não sai, ele gosta de ficar em casa. Antes de vir para
cá, nós estávamos em Santarém. Ele (o esposo) trabalhava de construção, de
pedreiro. Eu vendia em banquinha, tacacá, churrasco... para complementar a
renda. Tinha venda em casa, tinha no colégio, quando era tempo dos arraiais,
ai vendia nos arraiais.
Estou aqui há oito anos. Vim para cá por causa dele. O bicho do mato é ele, que-
ria vir trabalhar na colônia. Eu dizia: - Já passou do tempo, rapaz. Ele foi com o
INCRA e conseguiu o lote. Aqui tem tudo que eu já plantei, tem açaí, tem manga,
tem tudo. Olha aquele pé de manga! Açaí, melancia, manga, jaca, graviola...!
Jenipapo. Tudo eu plantei. Essa mangueira aqui eu plantei.
Manoel – Eu vim para cá em 2002, em cinco de agosto de dois mil e dois. Cons-
trução não dá resultado, eu já estou velho. Primeiro eu vim só. Eu fiz duas ca-
sas de farinha, essa aí, a grande. Ela acostumou aqui e não quis mais ir embora.
Isabel: Eu quero voltar (risos), mas ele não quer.
Manoel: Ela gosta, ela tira tapioca para vender.
Isabel : Eu vendo lá no mercado, em Santarém. Eu vou amanhã. Amanhã é sex-
ta. A gente dorme na casa da minha neta, ela está lá na nossa casa. É perto da
Faculdade, lá na Agripino de Matos, onde tem a antena de celular.
Vendo a farinha no Mercadão. Vamos os dois juntos. Todo mês a gente vai, ele
vai receber..., eu não, por ruindade do INSS. Eles falam que é porque eu sou ca-
sada no civil. É por causa do sindicato. Nasci na colônia, fui criada na colônia,
estou na colônia.
Manoel: Eles falam que é porque ela é casada, o meu salário da para mim e
para ela. Casada no civil.
82 Delma Pessanha Neves
no Ceará. Minha mãe já morreu, meu pai já morreu, morreram dois irmãos.
Eu já voltei lá duas vezes.
Isabel: Quando a mãe dele e o pai dele eram vivos. Eles não vieram aqui, só veio
um irmão, esse já morreu. Ele tem uma irmã que mora em Santarém também.
Manoel: A vida é assim, cada um viaja para um lado. No Rio de Janeiro acon-
tece tanta coisa e eles não procuram um destino assim, como cearense faz.
Cearense procura destino. Cearense vai para o Rio, vai para São Paulo, Minas
Gerais, Pará, Amazônia, não é? Cearense vai... Primeira coisa vai para o Mara-
nhão, vai e passa uns tempos.
Isabel: Aqui plantamos mandioca, arroz, feijão, milho. Nós dois trabalhamos
fazendo alguma coisa, mas precisamos pagar para alguém..., principalmente
derrubada, que é mais pesada.
Hoje, como é a vida de vocês? O senhor acorda que horas?
Isabel: Isso eu brigo muito, ele acorda quatro horas. Para fazer café, escutar a
pregação do pastor, tem uns crentes que falam muito bem. Depois que faz o café...
Manoel: Aí tomamos o café e vamos para roça. Ela me acompanha. Capina...
Coivara, hoje mesmo, fizemos uma coivara... Na coivara faz um monte de mato
e taca fogo. Ficamos até umas dez horas. Depois fomos para casa, tomamos
banho e almoçamos.
Isabel: Eu faço a comida. E ele fica esperando para limpar a casa, eu também
limpo, meio dia, de manhã, de tarde...
É a casa mais bonita por aqui, das que eu já vi, tem um lindo jardim!
Manoel: É ela que planta e eu arrumo, quando não chove. Eu ajudo. Para mim
mulher é tudo, para mim ela é positiva. Para ajudar na roça..., para tudo, para
fazer o almoço, para ajudar na roça, regar as plantas... Eu faço serviço de casa
quando ela não está, está para cidade, eu faço. Varro a casa, varro quintal, faço
comida, sei fazer arroz, feijão, faço baião de dois.
E quando ele não está, o que a senhora faz?
Isabel: De primeiro eu ficava, agora ele não deixa eu ficar mais não.
Manoel: Porque o povo fala muito, deixar a mulher só. Mas não dá para deixar
a pobrezinha... Então eu carrego.
Faz bem porque estão os dois juntos, acostumadinhos um com o outro. Quer dizer
que fizeram cinquenta anos de casados e não fizeram festa com os filhos que estão
por aqui?
Manoel: Nós estamos com cinquenta e dois anos de casado.
Isabel: Fiz um bolo.
Manoel: Não gosto de bolo, bolo confeitado, doce. Para chamar minha famí-
lia!? A minha família no Ceará ficou, eles não quiseram vir. Ficaram empre-
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 85
29
Entrevista realizada (em junho de 2011) e reeditada por Delma Pessanha Neves.
86 Delma Pessanha Neves
bém o roçado de juta. Tudo isso eu fazia quando eu morava com os meus pais,
solteira. Quando eu estava jovem fazia essas coisas. Esses trabalhos de roça eu
fazia muito com a minha mãe. Depois que eu me casei não fiz mais isso não. Já
fiquei só dentro de casa, tomando conta de casa. Casar foi muita vantagem! [ri-
sos] Pelo menos o trabalho mais pesado...! Nessa época, a juta não dava na água
não, era roçado, porque ela dá, mas só quando está seco, sabe? Quando é verão.
Tem a época de plantar a juta. Eu não lembro mais quando é que eles plantavam.
Depois que amadurece é que vai para a água. No igarapé, quando tinha por lá
igarapé, levava para lá. Agora não tem mais igarapé lá não, agora acabou esse
negócio. A juta também acabou tudo. Não tem mais nada dessas coisas. O pes-
soal lá agora vive de pesca, alguns de gado e outros vivem de taberna. Umas ta-
berninhas por lá, mas a maioria é pescaria. É pescador, são pescadores mesmos.
O pessoal comprava as coisas aqui em Santarém e levava para lá para vender.
Minha família é toda nascida por lá. Eram todos nascidos lá. A família do meu
pai eu sei, mas do meu marido eu não sei nem por onde nasceram. Eu não
tenho bem conhecimento nisso, sabe? Sei que ele era filho de português. Não
sei como foi para surgir esse troço para lá. Não sei de onde ele veio não. Agora
os meus pais eram de lá mesmo. Pai e mãe.
Quando eu vim para cá com 12 anos (1953), os meus pais ficaram morando lá
mesmo no sítio. Eu que vinha, aí eu morava com quem, meu Deus? Não, minto.
Quando eu vim para estudar a minha mãe veio também. Veio já morar aqui
para poder tomar conta da gente. O meu pai vivia para lá, tinha a taberna, ti-
nha um barquinho e vinha de lá para cá, daqui para lá. Vivia assim nesse ramo,
vendendo as coisas, comprando e levando para lá. E a mamãe aqui com a gen-
te. Tomando conta da gente e nós estudando. A gente morava bem aí na rua
Dois de Junho. A nossa casa era lá, a casa da minha mãe. Até hoje ainda tem
lá a casa. Só quem mora lá é meu filho, que toma conta da casa, porque essa
casa daí, depois que a mamãe morreu, uma irmã minha que mora na Bahia é
dona dessa casa aí, entendeu? Quando a mamãe era viva, os meus pais eram
vivos, eles construiram essa casa e deram para eles tomarem conta até eles
morrerem. Aí depois que eles morreram, todos dois, aí é dela (irmã) a casa. É
Diva o nome dela, a casa é dela, sabe? E agora quem está tomando conta é meu
filho. Meu filho ficou tomando conta dela porque ela mora lá em Salvador e
não tinha quem tomasse conta aqui para ela. E mesmo porque esse meu filho
ele gosta muito de... Ele cozinha muito, ele faz muito bolo. Tudo quanto é tipo
de comida ele sabe fazer. Todo tipo de bolo, doce, essas coisas todas ele sabe
fazer. Então ele prefere morar sozinho. Sempre morou sozinho. Ele morou
seis anos em São Paulo. Ele morou não sei quantos anos no Rio. Depois foi em
Fortaleza. Sempre ele gostava de morar sozinho. Aí por lá ele aprendeu a fazer
essas comidas dele. Aí depois que veio para cá, ele morou, estava comigo, aí
depois ele queria sair de casa. Até que ele encontrou essa casa que a minha
irmã deu para ele tomar conta e está para lá tomando conta. É bem perto da-
qui. Não é muito longe não. As comidas ele faz por encomenda. É buffet.
Nós éramos sete irmãos, aqui em Santarém tem um, dois, três, tem três, qua-
tro. Tem uma em Salvador e a outra em Macapá. São quatro que moram nes-
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 87
sa região aqui. Aqui em Santarém e também no sítio. Tem uma que mora no
sítio. Sempre ela vem aqui. Ela tem casa aqui e tem lá. Aí ficaram essas duas
para lá e ficaram os quatro aqui e mais um irmão que também mora aqui. Dos
que ficaram lá , todos continuaram na agricultura. Os que moram aqui, uma é
dona de uma escola, escola particular. A outra é aposentada, ela não trabalha
porque ela tem problema de vista. A outra é aposentada, essa que mora em
Macapá, por tempo de trabalho. Ela se aposentou porque ela era professora
lá em Macapá. Ela trabalhou mais de não sei quantos anos e se aposentou
por tempo de trabalho. Aí essa minha irmã, a Diva, ela não trabalha assim em
loja, essas coisas assim, porque o marido dela é militar, tem condições, ele é
aposentado e ainda é professor da faculdade. Ganha uma boa grana. Então as
filhas também todas trabalham, ganham e se sustentam. Ela vive assim, da
ajuda do marido, sabe? O que ela também vende muito é bijuteria por lá. Ela
vende muito essas coisas. Tudo isso vai ajudando a ela.
Sou a mais velha. Meu irmão que mora aqui também, ele também não tra-
balha. Ele é aposentado também. Não tem nenhum trabalho, entendeu? Ele
trabalhava aqui na Conab, quando tinha a Conab aí. No tempo que era Cobal.
Chamava Cobal e depois passou a Conab, aí trabalhava aí. Depois ele saiu por-
que foi aposentado por tempo de trabalho. Dos homens, nenhum ficou para
trabalhar na agricultura. Melhor, só tem um homem irmão. Só um. E as mulhe-
res são agricultoras, mas por causa dos maridos.
Quando meu pai saiu de lá do sítio, definitivamente, para vir morar aqui, ele
estava com a idade de se aposentar. Depois que ele se aposentou, veio embo-
ra para aqui para Santarém. Ele também estava muito doente, ele se operou
de hérnia, depois operou da vista. Aí pronto, não pôde trabalhar em nada
mais. Só ficou mesmo aqui em casa. A mamãe também era bem velhinha.
Oitenta e seis anos. Ela morreu com 86 anos. Vai fazer acho que quatro anos
que ela morreu.
Depois que eu me casei, eu morei no sítio, mas vim para cá quando era para
os meus filhos estudarem. Aí me localizei ali. Bem ali a minha casa. Aí eu estou
até hoje. Moro aí, meu Deus, tem 30 anos, tem 40 anos. Eu estou com 40 anos
que eu moro aí. Eu só me mudei daí dois anos e meio, mais ou menos, para
construir a minha casa, aí eu tive que me mudar lá para a Dois de Junho para
construir aí. Depois voltei para aí de novo e aí estou. Com 40 anos aí, eu acho,
que eu moro nesse lugar.
Esse bairro (Laguinho) era muito pobre, era muito humilde, sabe? Era bem
calmo. Essa Vera Paz aqui era só mato, sabe? Muito mato. Essa 24 (...), ali onde
é o IBAMA, era um matagal, aliás, um rio, sabe? Era tudo cheio de água. Os
barquinhos encostavam tudo aí. Não tinha nada de casas, entendeu? Só era
um rio aí e mato na frente. Era bem humilde mesmo. Não tinha movimento
nenhum. As ruas só eram estradinhas por ali. Por isso que chamavam de La-
guinho, porque tinha lago lá. Era um lago enorme que tinha lá. Nessa 24, bem
aqui nessa 24, bem no meio entre a Antonio Justus para cá, era um lago bem
no meio. A gente passava em cima de uma ponte. Em cima de uma ponte que
88 Delma Pessanha Neves
a gente andava para poder chegar para cá. Aterraram por causa desse negócio
de asfaltamento, aí foi movimentando a cidade, foi aumentando, aumentando.
Aí endireitaram. Quem vê agora nunca pensa como era! Nem sabe como era!
Essa mudança maior, de asfaltar, já começou há muito tempo, muitos anos!
A cidade de Santarém não estava espalhada não. Ela era bem menor do que
agora, ela cresceu demais. Santarém cresceu demais, demais mesmo! Era bem
menorzinha, sabe? Era bem pequena. Aqui não tinha essa porção de negócio.
O que tinha de negócio aqui? Era só ir ali no mercado. Não era Mercadão não.
Chamava Mangueira, nesse tempo: -Vai comprar peixe lá na Mangueira. Era
Mangueira o nome, porque tinha umas mangueiras mesmo lá. Lá que era a
banca de peixes. A gente comprava só lá. Nem taberna não existia para cá.
Agora esse negócio de açougue...! Café não me lembro onde era a taberna meu
Deus, que a gente comprava? Ah, bem lá perto de casa tinha uma taberninha,
lá a gente comprava as coisas. A carne só era no açougue, aí nas mangueiras.
Lá vendia o peixe e a carne. No sítio a gente fabricava, fazia roça, sabe? Já
vinha de lá a farinha. Nessas tabernas vendiam só o que não era produzido
no sítio. A farinha mais vinha do sítio para cá. Macarrão, açúcar, café era da
taberna. Era o que a gente comprava. O resto todo, toda semana o meu marido
trazia, comprava, trazia as coisas para a casa. Comprava e trazia.
Da primeira vez que fiquei na cidade, para estudar, eu fiz até a quinta série
que chamavam. Era muito valorizada. Agora a quinta série não vale mais
nada. Aí eu parei. Na quinta série eu parei por causa do problema na minha
vista, porque eu comecei a sentir problema na vista. Aí não enxergava mais lá
no quadro, era uma dificuldade horrível para enxergar. Aí eu parei de estudar
com 20 anos. Eu estava com 20 anos. Fiquei meio atrasada no estudo por
causa da vista, sabe? Por isso que eu fiquei atrasada. Aí depois eu me aborre-
ci, disse que não queria mais estudar, que não enxergava mais no quadro, aí
parei de estudar. Foi o tempo que eu arrumei já um casamento. Com 21 anos
eu me casei e fui-me embora para o sítio. Já minhas outras irmãs estudaram
mais. Pelo menos essa de professora agora, ela se formou em pedagoga. Ela é
uma pedagoga. Essa que está na Bahia também se formou. Ela terminou o se-
gundo grau, que chamavam, né? Quem terminava o segundo grau estava reali-
zado. Era curso científico. Aí essa outra que está em Macapá também estudou,
se formou para professora. Esse negócio de pedagoga. A outra não estudou
muito não. Essa que mora no sítio não estudou muito não. Não me lembro
nem que série ela estudou. Ela parou de estudar logo cedo. Todas faziam aqui
mesmo em Santarém, o curso normal.
Esses pontinhos de venda de coisas existiam, desde quando eu vim para cá.
Sempre as pessoas venderam coisas na porta assim. Ofereciam as coisas, a
gente comprava. Tinha muita vendinha, sabe? Nessa época não tinha coisa
nenhuma como tem agora. Como a banca da dona Conceição ali, essas coisas
não tinham não. Era a coisa mais difícil! Comida a gente fazia em casa mesmo.
Tacacá não tinha para vender na rua. Se tinha não lembro nem por onde tinha.
Agora, esse hábito de ficar na frente da casa pegando o fresquinho, tudo isso
é muito antigo, né? Isso é muito antigo e a gente ainda está podendo fazer
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 89
isso. Eu mesma é bem difícil vir para frente da casa! Lá na minha casa é muito
difícil passar gente para conversar comigo. Eu sou o tipo de pessoa que não
ando na casa de vizinho, entendeu? E vizinho, se quiser me ver, tem que ir lá
em casa me visitar. [risos] Eu não vou na casa de ninguém. É só de casa para a
congregação, para a igreja. De igreja para casa. E para a casa dos meus paren-
tes, às vezes que eu vou. De 15 em 15 dias, às vezes que eu vou visitar lá a mi-
nha irmã, essa que mora lá. Eles moram aqui na Dois de Junho. Eu tenho uma,
duas, três. São três, quatro famílias que moram só num quintal, sabe? A minha
família é grande. É lá no quintal da casa da mamãe. O quintal é bem grandão,
sabe? Lá formaram as casas e cada um fez a sua casinha lá, de alvenaria. Tem
uma só de madeira, o resto é de alvenaria. Mas quando eu vim para aqui, a
casa era de madeira. Depois que eles fizeram de alvenaria. O papai comprou
primeiro o terreno dele, lá na Dois de Junho. Primeiro ele comprou o terreno.
Era bem grandão. Nessa época os terrenos aqui eram enormes, eram muito
grandes. Olha, esse nosso aqui, ele tinha 20 de frente com 64 de fundos. Esse
meu aí. Era um terreno muito grande e barato. Todos baratos. A gente com-
prava bem baratinho os terrenos. Aí fazia quantas casas quisesse no quintal,
entendeu? O papai deu para cada uma um pedacinho lá para fazer as casas,
entendeu? Para fazer e elas morarem, porque elas não tinham terreno em
outro lugar. E como ele comprou o terreno grande, para cada filho ele deu um
pedaço lá para fazer sua própria casa.
Elsanira: Às vezes eu fico aqui na frente, mas dificilmente chega assim vizinha para
conversar. Fico sozinha, só eu e ele (o esposo). Às vezes a irmã dele. A irmã dele tam-
bém mora aqui, as outras moram longe, mas moram aqui mesmo em Santarém.
A senhora se lembra assim quando, mais ou menos por volta de que ano, e começou
essa parte daqui do bairro a crescer muito?
Elsa: Não, não lembro não. Não estou lembrada não.
Isso aí a Elsanira deve lembrar. Ela veio para cá cedo. – Com que idade o seu bairro
foi ficando chique?
Elsa: Quando o pai dela morreu ela tinha uns nove anos.
Elsanira: Eu estou com 40 anos. Eu acho que há 20 anos esse bairro começou a
crescer. Não, eu acho que foi menos. De uns 10 anos para cá que esse bairro foi
ficando mais agitado, de uns 10 anos para cá.
Ele foi aumentando? Porque tem muitas casas que a gente percebe que são casas
mais antigas, às vezes umas reformadas. Por exemplo, essa casa aí, a gente olhando
externamente, é uma casa nova. Ele aumentou com construção nova?
Elsanira: Foi, eu acho que sim.
E essas pessoas que vieram morar aqui, você sabe dizer, você tem algum conheci-
mento se elas vieram do interior ou vieram de outro bairro? Quer dizer: – A expansão
foi de outro bairro que o pessoal veio para aqui para melhorar a situação ou foi de
gente que veio da área rural para aqui?
90 Delma Pessanha Neves
Elsanira: Não sei lhe dizer não. Esse pessoal eu acho que foi do interior. Eu acho.
Muita gente que mora em área rural tem uma casa na cidade. É época de do-
ença, para parar e ter um pouso. É muito comum as pessoas terem aqui, ou
mandar um filho para estudar, ou uma filha que não quis ficar no interior e que
veio e casou. Nós mesmos foi assim.
Elsa: Isso. Mas nos sítios dá sim para criar os filhos. Casam por lá mesmo. Lá
vão criando os filhos. Quando já não tem mais o estudo para eles lá no sítio,
quando termina a quinta série, parece aí que vem para cá para a cidade. Nes-
ses tempos de agora não, agora a escola tem em tudo quanto é interior, sabe?
Tem muita escola agora. Todo interior tem. Antigamente não tinha. No tempo
que eu morava lá não tinha não.
Elsanira: Tem até internet agora no interior!
Elsa: Está bem avançado assim.
A senhora só trabalhou em casa?
Elsa: Só em casa. Nunca trabalhei fora não.
O seu marido sendo agricultor, a senhora não conseguiu se aposentar como agricul-
tora?
Elsa: Não, porque eu vim cedo para cá. Quem trabalha na agricultura se apo-
senta quando completa 55 anos. Quem mora no interior se aposenta. Eu não.
Eu sou pensionista. Depois que o meu marido morreu, eu fiquei com a pensão
dele. Ele não era aposentado, não. Ele morreu novo. Com 44 anos. Apenas ele
era pecuarista e pagava o INSS, por isso que eu tive essa pensão.
Ah! E como a senhora conseguiu criar os filhos? Ficou viúva tão cedo!
Elsa: É porque a gente tinha barco, tinha gado e vendia gado. As propriedades
eu fui vendendo tudo.
Elsanira: Aí os meus irmãos também foram trabalhando para ajudar a mamãe
também. Procuram estudar e trabalhar. Das mulheres, eu sou a filha mais nova.
E o meu irmão mais velho tem quantos anos, mamãe?
Elsa: Quarenta e sete. Foi duro ficar viúva tão cedo, com uma porção de filhos.
Sete filhos, eu fiquei. O mais velho estava com 17 anos. Já estava bem rapa-
zinho, já. Ele morreu de complicação de doença. A úlcera dele estourou. Ele
não se cuidava. Não gostava de ir no médico. Não se cuidava. Ele tinha raiva
de ir no médico, Deus o livre. Não queria deixar o trabalho de jeito nenhum. E
trabalhava doente e não vinha no médico. E foi rápido a doença dele. Ele levou
seis dias internado. Não sofreu muito, sabe? Seis dias e morreu.
E a família dele é de lá mesmo?
Elsa: Não, a família dele, eles moram aqui, eles são daqui. A mãe dele que foi
para lá, porque ela trabalhava em agricultura, a mãe dele, sabe? Ela gostava
muito de trabalhar em roça, aí eles se criaram por lá. E eles já vieram todos
para cá. Não tem mais ninguém lá da família dele. Ninguém mais.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 91
que rolava assim oh! (faze gestos sinalizando grande quantidade). Não tinha
negócio de parar. Quando começou Santarém-Cuiabá, começou Mato Grosso-
-Santarém, que se encontraram no meio da estrada, que foi essa Serra do Ca-
chimbo. Depois que saiu o militar, eu sempre falo para ela assim: - Eu não
sei se um dia nós vamos dar uma volta por São Paulo, se essa estrada estiver
asfaltada, sabe? Para mim vai ser um sonho. Pegar um ônibus leito aqui e em
cima do pretão só... Não sei. Só Deus que sabe. Mas eu tinha muita vontade de
ver ainda ela asfaltada.
A gente estava falando aqui de quando Santarém começou a mudar. Nesse período
de abertura de estrada deve ter chegado muita gente para cá, não é?
José Maria: Chegou. Chegou muita gente para cá realmente. Chegou essa gau-
chada. Essa gauchada chegou aqui, eles começaram a comprar muita terra
desse pessoal humilde daqui, dos pobres, humildes, paraenses. Que a gente
fala aqui é da colônia. E começaram a comprar mesmo, chegavam, botavam di-
nheiro, hoje esse pessoal, uns estão praticamente morando aí pelo subúrbio,
de casa alugada. Às vezes o cara tinha um filho jovem, queria saber de pegar
aquele dinheirão e comprar carro, porque o mau hoje do pobre é que, quando
ele pega um dinheiro, ele quer logo comprar um carro. E quando sendo aquele
próprio carro vai tirar a vida dele ou tirar a vida do filho. Ele não pensa mais
tarde. - Não, eu vou pegar esse dinheiro aqui e vou fazer outro investimento, vou
fazer uma casa para mim. Não, ele quer logo saber de comprar carro. Hoje eu
não tenho nem um carro, nem uma moto. Porque o que eu ganho dá para fazer
isso, mas eu não quero fazer no momento. Eu não sei se eu vou fazer, por-
que hoje o trânsito está tão violento, sabe? A gente vê tanta violência. E hoje,
por exemplo, eu saio pedalando daqui para o meu trabalho, volto pedalando.
Aquilo ali está me fazendo bem, gente. Eu estou com essa idade, mas pode
ver o meu corpo. Eu tenho inveja do meu corpo, porque eu me cuido sempre.
Sempre dou a minha caminhada aí. Enquanto outros meus irmãos, esse que
está doente agora, ele é meio barrigudinho, sabe? Ele é mais velho do que eu,
mas ele se estragou muito na cachaça. Falando da minha mãe, eu sempre fala-
va para ela. Uma vez ele chegou tão porre aqui, eu não quis abrir a porta, aí ela
falou assim para mim. Estava chovendo, aí eu disse: -Olha mamãe, eu não vou
abrir a porta para ele. Deixa ele ficar aí pegando chuva. Ela disse: -Tu não sabe
o mal que tu está fazendo para mim e para o teu irmão! Eu disse: -Mas eu tenho
certeza que eu não...- Olha que tu pode pagar. E eu disse: - Não, enquanto a se-
nhora existir, a senhora estiver aqui do nosso lado, a senhora jamais vai me ver
fedendo a cachaça. Nunca vai saber notícia minha de droga, dessas coisas ruins.
E a minha mãe foi embora e nunca soube nada, porque eu nunca procurei um
caminho que fosse levar para ela ficar desgostosa de mim. Negativo. A minha
mãe morava aqui. Eu fui um filho que eu nunca dei trabalho para a minha mãe.
Não, nunca dei trabalho para a minha mãe. De jeito nenhum. Eu não sei se por
que eu aprendi muita coisa no exército, sabe? Eu estava no exército aqui mes-
mo em Santarém. Chegou o Batalhão Rondon, chegou em 1971, e eu fui das
primeiras turmas que incorporou aqui. Veio de Santa Catarina. Até hoje está
aí o Batalhão. Então eu fui uma das primeiras turmas. Hoje tenho um círculo
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 93
de amizade com os caras que deram baixa. E eu acho que a senhora tem ideia
do que é a vida militar. A gente encontra muitos amigos. Encontra inimigos
também. E a gente sabe. Eu sou um cara muito cabeça feita, sabe? As coisas
que eu já vi pela minha frente, que já me convidaram. Hoje não, hoje... E eu era
jovem. Eu sempre saía para dar a minha volta, mas eu chegava cedo. Eu me
preocupava muito com a minha mãe. Porque eu não tinha mais pai, as minhas
irmãs casaram. Eu tenho uma irmã que mora bem aqui assim. Essa é a mais
criança. Então quando eu saía, que eu estava lá na casa da dona Elsa, eu já fica-
va preocupado. Eram nove horas, nove e quinze, eu já tinha que sair. A minha
mãe já estava me esperando bem aqui. Aqui nessa janela. Ela ficava na televi-
são, aí quando ela achava que já era nove e quinze, ela olhava no relógio, ela
ficava de braço cruzado olhando para cá. Só ia dormir após o momento que
eu chegasse. Aí eu falava para ela: - Mas por que a senhora não está deitada? É
que ela tinha aquela segurança da minha pessoa sobre ela. Por sinal a minha
mãe morreu nos meus braços. Já está com cinco ou seis anos, não é dona Elsa?
Elsa: É, seis anos.
José Maria: É. A minha mãe passou por um momento tão difícil e ela morreu
nos meus braços. A gente estava tão cansado! Eu acho que Deus dá um dom
para a pessoa assim. Eu retirei daquilo, eu já vi duas pessoas, três pessoas
morrerem. Gente da minha família, parente, e a prova foi da minha mãe. A mi-
nha mãe ela estava com problema seríssimo de saúde, mas você olhava assim
para a minha mãe uma senhora que não pegava sol, pessoal do interior, a mi-
nha mãe era muito caseira. Caseira, caseira que Deus o livre! Tinha ciúme de
tudo. É por isso que as coisas, 80% do que ela deixou, está tudo aí. Então ela
tinha muito ciúme das coisas dela. E na noite que ela morreu, no mesmo dia,
ela reuniu todo mundo aqui em casa. Então na noite seguinte deu um tempo-
ral muito grande aqui em Santarém. Um temporal grande mesmo. Para todo o
lado trovão, trovão e achou da energia ir embora. Deu aquele apagão tão forte,
deu aquele trovão tão grande que eu já estava tão cansado que o meu irmão
mais criança chegou aqui, o pessoal todo mundo foi embora, aí eu fiquei, ela
ficou comigo. Ela disse: - Eu vou dormir hoje aqui. Aí ela ficou na sala e eu es-
tava lá na cama. Eu deitei atravessado na cama, a minha mãe botou a cabeça
dela na minha perna, aí quando eu me espantei, foi um troço tão rápido que
eu chamei por ela e ela pegou a lanterna e eu já peguei na minha mãe: - Mãe,
mãe, mãe! Já foi tarde. Ela não disse nem ai, nem ui. Ela só morreu com a mão
segurada no lençol, na minha perna. Eu tenho para mim que foi o coração.
Infarto fulminante. Foi rápido, porque a minha mãe estava com problema de
pulmão. Apareceu um câncer de pulmão. A minha mãe fumou mais de quê?
Quando ela era jovem lá para o interior dela, fumava, mas ela deixou depois.
E apareceu por acaso aquele câncer no pulmão. Só que o pulmão, veja bem, às
vezes a gente conversando assim, como a senhora que é uma pessoa que mexe
com educação, uma pessoa muito bem entendida no assunto... A minha mãe
tinha um problema de câncer, ela chegou a falar para a senhora? A Elsenira?
Não. Ih, a Elsenira não fala nada não. [risos] Ela fica quietinha.
94 Delma Pessanha Neves
José Maria: A gente tinha uma palmeira aqui nessa esquina onde está essa
casa de alto e baixo, uma palmeira bem grande, sabe? Tinha uma palmeira. O
nome do vizinho que morava lá eu não lembro dele. - Sabe dona Elsa?
Elsa: Eu não lembro dele.
José Maria: Ele morava bem onde é a pizzaria. Ele era um senhor também
que era do interior. Então isso daqui era só um caminho. Eu tenho um amigo
que eles criavam um negócio de boi, carneiro. Isso daqui era só cocô de boi,
carneiro, cavalo. Era pasto. Quando a gente vinha para cá... Eu sempre gostava
de ver correr cavalos por aqui. Essa minha travessa aqui era só um caminho
aqui, mas já existia esta casa bem aqui da frente, que não era desse jeito. Era
uma casa feita de madeira. Ela era de comprida, que era da mãe da senhora
que morreu, que era da finada Angelina, da mãe dela. Era justamente mais ou
menos aí, não é dona Elsa? A senhora lembra?
Elsa: Era.
José Maria: Era uma casa de madeira, era uma casa feita de barro. A senhora
já viu a casa de barro?
Já.
José Maria: Já teve oportunidade de ver, pois é, ela é construída daquele jeito.
Então isso daqui era só caminho. O Laguinho começava bem aí logo, bem do
lado deste quintal do IBAMA, deste lado bem aqui.
Elsa: Era um lago.
José Maria: Era um lago muito bonito. A gente tem aqui nessa época agora, a
gente tem os cardumes de jaraqui, aracu. São os peixes da região, que a gente
gosta, chega a dar água na boca quando fala nesses peixes. Então a gente saía
aqui por trás de onde é o IBAMA. Não tinha nada de IBAMA. Do lado existia
um curral. Um curral que o pessoal deixava o gado e ali era só caminho. Na
época que enchia o rio, a gente tinha que sair daqui da 24 de outubro, que a
água chegava aqui na 24 de outubro, tinha que sair de canoa. E a gente tinha
aquele prazer de ver aquele cardume, que a gente chama de cardume de pei-
xe, passar assim no pé. Era só ir ali pescar! Era na hora. Não existia, naquela
época não existia em Santarém, hoje já existe a bomba de destruição. A bomba
é um material que você compra para destruição. Joga no cardume de peixe,
em vez de você matar só uma qualidade de peixe, você está matando tudo.
Após chegar a bomba, aí chegou mais o progresso. Aí começou a chegar o pro-
gresso, a cidade foi aumentando, foi aumentando. O pessoal foi e passou tem-
po, as pessoas saíam das suas casas, todo mundo podia deixar as casas, aqui
no bairro, principalmente no bairro, nunca existiu negócio de roubo naquela
época. Nós temos hoje bem aqui do lado, tem uma senhora que veio de Belém.
O marido dela trabalha ali nas docas. Ela ficou impressionada de ver aqui no
bar do nosso amigo, aquele pessoal tudo lá conversando, sabe? E deixando as
casas na frente, o pessoal, porque lá em Belém, que é a nossa capital, o pes-
soal não faz mais isso. Ela foi lá com o Teco e ficou: - Escuta, vocês ficam aqui
96 Delma Pessanha Neves
assim à noite? - É, a senhora está num bairro bom. Aqui em Santarém ainda não
existe esse tipo de coisa como é lá em Belém. Está violento Belém. Começou a
aparecer esse negócio de violência depois que a cidade foi crescendo. Então
o nosso Laguinho, a gente saía para a praia, tinha a Vera Paz. Vera Paz é logo
descendo aí. - A senhora já ouviu falar? - Ainda não teve oportunidade de ir
lá? Quem sabe se não vai ter oportunidade lá para o verão. A praia da Vera Paz
é só para quem tem foto. Como eu tenho aquela foto que a senhora já viu. Era
encontro de pessoas nos fins de semana. Fazia churrasquinho de peixe, carne.
Ia para lá, não existia nem maloca para poluir aquele lugar. Sentava a rede,
sabe? Você ia para lá, você entrava na água, você via que era uma água limpa,
sem poluição. Até o quê? 1977 por aí assim, ainda existia isso daí. Então você
ia para lá, aquelas senhoras, não sei se a dona Elsa chegou a ter oportunidade
de lavar roupa lá na Vera Paz.
Elsa: Eu lavava roupa.
José Maria: Olha, dona Elsa ainda lavava roupa em Vera Paz! Subia aquele
monte de senhoras por aqui, descia com a bacia na cabeça. Então era aquele
pessoal que convivia muito bem. Ficava conversando. Uma lavadeira do lado
da outra batendo a roupa. Eu tive a oportunidade de ver isso daí. Eu posso
dizer que eu sou orgulhoso de ver. Eu vi muita coisa nessa Vera Paz. Você
ficava debaixo daquelas árvores deitado. Eu já estava no exército. Uma vez eu
estava lá na praia da Vera Paz, eu já falei para essa daqui, eu estava de férias.
Eu estava de férias, deixei a minha barba ficar meio grande, peguei um cha-
péu e fiquei lá. Por acaso chegou um cidadão, ele era da Federal. Eu estava lá
que eu andava de camisa de mangas compridas, eu era do exército, era meio
brancão, e aquele cidadão chegou por trás de mim e me perguntou assim:
- O que você está fazendo aí moço? Eu olhei assim para ele e disse: - Estou
aqui olhando o pessoal aqui. Ele ficou assim: - Você é suspeito de alguma coisa.
Eu disse: - Eu? Por quê? Por que eu sou suspeito? Ele disse: - Bom, eu vou me
identificar logo para você, meu rapaz. Eu sou da Federal. Estou procurando um
pessoal. Eu disse: - Bom, se o senhor é da Federal, eu puxei a minha carteira, -Eu
sou do exército.” Aí o cara conversou comigo, começamos a conversar. Quer
dizer que aquela época os caras, a autoridade chegava e sabia conversar. Hoje
a autoridade não sabe conversar. É difícil. Vê alguma pessoa suspeita e já vai
arriando logo a taca. Então de um certo tempo para cá mudou muita coisa.
Então do nosso bairro, do Laguinho, passou o tempo, começou a poluição. Nós
tínhamos bem aqui assim, tinha o Mercadão, a gente tinha o Matadouro, que a
gente chamava para cá, que era o Curro Velho. Acho que é um nome indígena,
é mais ou menos assim. Era o matadouro de matar o gado. Então a gente fala-
va, os moradores antigos falavam Curro Velho.
Elsanira: Eu acho que eles queriam falar couro.
José Maria: Não, couro era o cortume que mexia com couro lá na frente, não
é dona Elsa?
Elsa: É.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 97
Elsanira: Mas a gente que é do interior emenda logo tudo aí chama logo de
curro.
José Maria: Aonde é o posto Santo Antônio, lá era um posto de tratamento de
couro. Aqui na esquina do Mercadão, num prédio que tem lá alto e baixo, bem
próximo à Casa Lotérica, lá era o Curro. Que era aonde ficavam os gados que
a gente matava, o pessoal matava. Então aquilo dali começava a jogar... Santa-
rém nunca teve tratamento de água, de esgoto, começaram a jogar água para
dentro do rio. Na frente a gente tinha coroa de areia. A dona Elsa conheceu.
Mas foi destruída. Os barcos, na época de inverno, os barcos ficavam de am-
bos os lados na coroa de areia, porque quando dava o mau tempo aqui para o
nosso lado...! A senhora vê o Tapajós calmo, mas tem época que dá uns ventos
brabos, aí os barcos ficavam aqui, ficavam desse lado e no meio era a coroa de
areia que nós demos o nome, umas pontas de areia com mais de 200 ou 300
metros, que ela saía bem no meio do rio. A praia era deste lado e ela saía bem
aqui assim. Ficava água deste lado e desse. Do lado direito e do lado esquer-
do. Então essa coroa de areia, ela se chamava Coroa de Areia porque ela saía
como uma coisa bem boloada! Coisa da natureza.
Elsa: Muito bonito que ficava!
José Maria: Você pisava naquela areia, chegava a fazer chac chac chac. Era uma
coisa muito boa. E para lá também iam as senhoras lavar roupa, dia de domin-
go era muita gente. Depois chegou a Cargil, foi aquela briga por causa da soja.
A Cargil a senhora sabe que é uma multinacional. Ela é muito poderosa, tem
muito dinheiro e é o desenvolvimento que o pessoal fala. É o progresso. Só que
a Cargil, eu particularmente, eu digo assim, que a Cargil veio para acabar, o que
era uma coisa da natureza, que era nosso. Hoje se a gente quer tomar um banho
numa água limpa, que não seja poluída, a gente tem que pegar um ônibus para
ir para Alter do Chão ou então pega um barco para ir para outra praia mais
distante. Nós não temos mais aqui na beira da cidade, aqui onde era Vera Paz,
para a gente tomar banho. Negativo. A partir do momento que a Cargill chegou,
o nosso rio aqui, a Vera Paz já estava tudo comprometido. Eu não vou dizer que
foi só a Cargil. A Cargil veio, começou a chegar a gauchada, como eu citei logo no
começo. Isso aqui ficou infestado de gaúcho para mexer com a soja. Soja, feijão,
e a partir do momento que chegou a Cargill, eles começaram a enfiar as estacas,
começaram a mexer com o rio, aquilo foi destruído de uma hora para outra.
Chegam esses cargueiros, esses navios cargueiros, na épica do verão, eles en-
costam aí nos pilares da Cargil, só que quando eles encostam, eles estão já com
os porões tudo cheio. Quando este navio vai sair, a palheta de um navio desse
é tão grande, que quando ele sai movimentando, que ele vai saindo, a gente vê
que sai terra do fundo do rio. Aquela terra suja. Aí essa terra, o navio encosta de
frente para cá. Ele nunca encosta para lá, sempre encosta para cá, por causa do
vento, quando eles estão colocando a soja, para o vento dar para cá e não dar
na tripulação. Eles ficam tudo fechado. Então esse navio quando sai, ele vai em-
purrando esse material, essa lama que existe dentro do rio, empurrando para
a banda da coroa de areia, então ela sumiu. Ano passado ela saiu de novo, mas
saiu já só aquela praia. Acabou aquela coisa que Deus deixou. Ninguém toma
98 Delma Pessanha Neves
mais banho lá. Era buraco de embarcação de um lado, buraco do outro. Acabou
com a nossa Coroa de Areia. Então a nossa Vera Paz, a famosa Vera Paz, eu não
sei se a senhora já viu sem ser aquela foto, outras por aí. Essa daí vai ficar aí
guardadinha. É onde a gente jogava pelada. Os campos da Vera Paz, depois que
chegou a Cargil, hoje a gente praticamente não tem onde jogar bola. Vera Paz
era a praia. Vera Paz era essa parte todinha aí, na pracinha, onde vão fazer o
bosque. A praia na dá mais para recuperar de jeito nenhum. Aí a praia da Vera
Paz, ali na frente tem a praia da Sudam. Naquela época tudo era bom para tomar
banho, mas devido Cargil, as docas...! Ali na frente Petróleo Sabba. Tudo por aí,
ficou tudo poluído. A senhora sabe que nós moramos aqui numa área que é de
alto risco? Principalmente quem mora ali no edifício ali (onde a pesquisadora
reside). [risos] A gente mora bem do lado da Shell, Petróleo Sabba. A senhora já
viu os tanques que tem bem ali? Já teve oportunidade de olhar ali? Pois é, bem
do lado fica a Universidade. Então nós aqui desse bairro estamos num lugar de
alto risco. Deus o livre se um dia estourar um tanque desses aí! Nós moramos
aqui num lugar de alto risco. É muito perigoso. Mas vamos esperar que nunca
aconteça isso daí, né? Porque é muita segurança, mas onde existe a seguran-
ça, geralmente existe uma falha. Sempre tem essa falha. O Japão está aí para a
gente saber. Então, voltando um pouco atrás da Cargil... Veja bem, aqui naquela
época que a Cargil chegou aqui, o pessoal falou que ia dar muito emprego. Não,
foi completamente menor. Se tem uma, eu estou botando umas oito pessoas
daqui de Santarém que trabalham na Cargil. A maioria é pessoal que vem de
fora lá. Dela, mas ela tem pouco funcionário também. O que foi que aconteceu?
Eu no meu modo, eu sempre falo que quando a Cargill quis se instalar aqui, o
PT já estava querendo entrar no governo. Então o governo era para fazer o quê?
Chama a Cargil, é uma multinacional. Chama a Cargil: - Não, vocês vão fazer a
destruição aqui da mata aqui da Amazônia, não é? Vocês vão fazer o seguinte:
vamos fazer o benefício aqui em Santarém, para esta soja já sair daqui já pronta
para o consumo das pessoas. Fazer o benefício aqui. Não. O que aconteceu? Aí a
Cargil destruiu tudinho isso daí, e não é só aqui, como aí para cima. A senhora já
foi para essas terras ao lado das estradas, a senhora já viu campos e campos de
soua?. Eu não sou contra a Cargil. Negativo. Eu sou contra, eu ignoro as pessoas
que não souberam conversar com o pessoal da Cargil. É, botar limite para viver
com os outros. Porque se ela viesse aqui para fazer o benefício da soja aqui, hoje
nós estávamos muito melhor. Todo mundo estava empregado.
Eu tenho ido para aquela Curuá-una, as comunidades estão todas ilhadas. A gente pas-
sa da comunidade, pensa que tem alguma coisa lá atrás, mas se a gente entra, sei lá, 100
metros, 150, a gente se depara com aqueles campos todos de soja.
José Maria: Campo que chega a doer na sua vista. É, eu já tive oportunidade de
ir para aí. Então a nossa Vera Paz que era praia e o nosso Laguinho, o Laguinho
continua a mesma coisa. Aí veio o asfalto, ônibus. Como eu falei ainda agora,
nós moramos aqui num bairro muito bom. A senhora sai daqui e está lá dentro
do Mercadão, sai daqui está no DETRAN, sai daqui está na Caixa Econômica. Sai
daqui está no Bradesco, Banco do Brasil. É muito bom você morar num bairro
desse. Sai bem daqui está nas Docas. Tem dois supermercados. Nós moramos
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 99
no centro praticamente. Isso daqui praticamente vai ser a cidade nova de San-
tarém. Ninguém sabe se a gente vai alcançar. Mas que a gente sabe... Belém não
tem a cidade velha? A cidade velha e a cidade nova? Então Santarém ali para o
centro vai ser a cidade velha. E a universidade crescendo aí também. Não fize-
ram nenhum benefício, anda no meio da lama lá para ir para a universidade,
não tem luz de noite. É muito perigoso à noite ali, mas vai melhorar. Mas eu
acho que aquilo ali vai ficar muito melhor ainda. Tenho certeza. Não sei se eles
vão asfaltar, que já jogaram um negócio de uma piçarra ali. Se asfaltarem já vai
ser uma boa coisa. Depois a universidade recebe autoridades e tudo, tem que...
Geralmente a gente gosta de fazer bonito para as visitas, né?
Agora, na década de 1970, Santarém recebia muito migrante do nordeste para
vir para cá. Foi quando abriram essas estradas. Essa população que veio, in-
fluenciou muita coisa em Santarém, outros ficaram pelo interior. Esse pessoal,
os cearenses fizeram muita coisa por Santarém. Esse pessoal que veio lá da
banda do Ceará, muitos deles passaram por Santarém e ficaram ali no Tabocal,
São José, Mojuí dos Campos, praticamente é uma cidade hoje. A senhora já pas-
sou por lá? A senhora precisa passar da próxima vez que a senhora vier aqui.
Elsanira: Só tem cearense ali.
José Maria: Só cearense. Então esse pessoal que veio de lá rolando para cá,
eles fizeram algumas coisas. Aqui a região do Tapajós trabalharam muito
em cima de ouro. Era cearense, era maranhense. Todo tipo de pessoas que
passavam por aqui. O ouro rolava muito, o dinheiro circulava muito aqui em
Santarém. Era mais emprego. Na época do garimpo. Você ficava ali na Vera
Paz na parte da tarde, você via os barcos sairem dali. Era um barco atrás do
outro. Todo mundo ganhando dinheiro. O dinheiro circulava muito em Santa-
rém: 1973, 1980. Tudo por aí. De 1970 para 1980 era um movimento muito
grande. Basta dizer que Itaituba foi um dos aeroportos de mais movimento
do Brasil. Enquanto tinha 20, 30 avião para sair, tinha mais de 50 em cima,
voando para pousar. Foi um dos mais movimentados do Brasil naquela épo-
ca. Fecharam. Collor, o Fernando Collor de Melo fechou muitos garimpos. Foi
uma destruição total, desempregou muita gente. Hoje existe, mas hoje existe
mais na parte da mecânica. Máquinas modernas. Tem menos trabalhador. Não
existe mais aquele ouro que era tudo manual.
Esses cearenses produziam muita farinha, mas nós aqui também produzíamos
muito. Esse pessoal nordestino que veio, eles se ajuntaram ao pessoal daqui,
que hoje a senhora vai na feira, a senhora vê bastante farinha. Você vai na feira
hoje você escolhe a farinha que você quer comer, uma farinha boa, você esco-
lhe. Quer dizer, todo esse pessoal aí desse planalto santareno, a maioria é gente
nordestina. Pode ver que a maioria é. Nós, caboclo mesmo de Santarém, a gente
gosta mesmo é de pescar, esse troço todo. Tem muitas pessoas que se dedicam a
outras coisas. O pessoal do interior já é mais pescar. A convivência do interior é
mais pescar. É mexer com o gado. Aqui a gente está do lado de uma senhora que
teve para mais de 500, 600 cabeças de boi. Era fazendeira. Justamente. Quer di-
zer que é do interior. Ela é lá da raiz dela. A minha família, teve uns irmãos mais
100 Delma Pessanha Neves
velhos que nasceram no interior, que era no Ituqui. Então, já depois, uns quatro
irmãos nasceram no interior. Eu já vim nascer já na cidade. Por sinal eu nunca
conheci o interior que era da minha mãe. Meu pai era também do Ituqui. E eles
vieram de lá para cá. Eles vieram de lá para cá, porque o meu pai ele trabalhava
como comandante de embarcação e acharam por bem vir morar em Santarém.
Aí veio todo mundo. Ainda cheguei a ter oportunidade de conhecer a minha
avó. A minha avó morreu justamente nesta casa, que era a mãe da minha mãe.
Todo mundo de Ituqui. O meu pai, minha mãe, minha avó. E hoje nós estamos
aqui. Eu posso dizer mais uma vez: eu sou muito orgulhoso de morar neste
bairro aqui. A gente rem uma raiz. A família toda aqui. E eu tenho uma comigo:
eu gosto de fazer muita economia, sabe? Eu falo para ela que eu acho que eu era
para mexer com economia. Então eu sempre falo para ela o seguinte: a partir do
momento que eu bater as botas primeiro do que ela, eu sou um cidadão muito
conhecido, eu faço muita amizade. A partir do momento que eu bater as botas,
ela vai ter que fazer, ela e as minhas irmãs, que eu já falei para elas fazerem... A
senhora já ouviu falar de fazer propaganda no auto falante na rua?
Já.
Elsanira: De carro. Tem carro e tem bicicleta.
José Maria: De defunto? De pessoas que morreram?
Não. Isso aí não.
José Maria: Então eu vou ser a primeira vez. [risos] Não sei quando. Ela vai
contratar.
“Lamentamos informar que faleceu hoje...”
Elsenira: Não dá para colocar na televisão e no rádio?
José Maria: Não, não, não. Eu quero assim. Se o cara da propaganda cobrar
R$ 500 reais. Ela vai falar: - Eu vou te dar 600, mas faz a vontade dele.
Vai ter que ter cabeça para na hora ainda ficar pensando.
José Maria: Morreu uma amiga nossa e eu vim saber hoje. Eu fui no cemitério
atrás de um remédio lá e encontrei a irmã dela lá chorando. Eu disse: - O que
foi?- Poxa, morreu Fulana de Tal, coisa e tal. Aí eu virei assim para o lado e mo-
lhei os meus dedos de cuspe e botei aqui para lagrimar, sabe? [risos]
Elsa: Credo.
Assim que o senhor é muito conhecido, né? [risos] É por isso que vem muita gente no
enterro dele, fingindo que está chorando!
José Maria: Então foi surpresa.
Elsa: Mas quem era ela?
José Maria: (...) Morreu sexta-feira e eu não fiquei sabendo. Aí eu peguei e
lamentei muito. Chorei aqui. Então são coisas que eu espero que a família faça
isso para mim, porque não vai ser falta de dinheiro não. Vai ficar lá na caixa.
Capítulo 1 - Territórios transversalizados e mobilidades ocupacionais 101
30
Entrevista realizada (agosto de 2012) e reeditada por Delma Pessanha Neves.
Capítulo 2
Os estertores do
recrutamento de seringueiros
N
a quarta capa do livro Fordlândia. Ascensão e queda da cidade esqueci-
da de Henry Ford na selva, na versão traduzida e publicada pela Rocco,
Rio de Janeiro, 2010,1 destaca-se o seguinte parágrafo expressivo da
visão sobre a cidade de Santarém, ao final da década de 1920, bem como do
extraordinário feito da equipe do americano aventureiro e sonhador, que, na
Amazônia, pretendia implantar um mundo extraordinário de celebração à
gestão racional do extrativismo e do beneficiamento do látex.
1
Título original: Fordlandia. The rise and fall of Henry Ford’s forgotten jungle City. Deep Night, Rudy Vallee,
Charlie Henderson, 2009.
104 Delma Pessanha Neves
O Ormoc cruzou o lago Erie até o canal Welland e o lago Ontário e, através
do rio St.Lawrence, até o Atlântico, aconcorando em Kearny, Nova Jersey,
na baía de Nova York. Lá, juntou-se ao Lake Farge, mais lento, que havia
deixado Dearborn duas semanas antes, puxado pelo rebocador Bellcamp.
Os navios receberam suprimentos adicionais, juntamente com catorze
passageiros - o pessoal da plantação e suas esposas - que tinham chegado
de Detroit por trem: um médico do Henry Ford Hospital, um engenhei-
ro eletricista, um químico, um contador e “vários gerentes competentes”.
O Ormoc tinha a bordo bastante ciência, cérebros e dinheiro. O que não
tinha era um bom horticultor, um agrônomo, um botânico, um microbio-
logista, um entomologista, ou qualquer outra pessoa que pudesse saber
algo de seringueiras silvestres e seus inimigos.
Os navios fizeram em média 160 quilômetros por dia, parando em Be-
lém por alguns dias e chegando a Santarém em meados de setembro (de
1928), a tempo para uma onda de calor na selva que nos seis meses subse-
quentes elevou as temperaturas dez graus acima do normal. Era uma es-
tação seca excepcional, e as margens do Tapajós estavam baixas, expondo
uma faixa de dois metros de areia, pedra e barro seco. Como fora previsto,
dois meses ou mais se passariam antes que os navios pudessem percorrer
os últimos 160 quilômetros até Boa Vista. (GRANDIN, 2010, p. 139).
[...] Uma longa praia fluvial - que, segundo Bishop descreveu numa car-
ta a uma amiga, era feita de “areia cor de laranja”- e os cais constituíam
o coração da cidade, cujas ruas pavimentadas de pedras irregulares,
então ladeadas por casas de fachada revestida de azulejos azuis e ver-
melhos e cabanas com telhados de palha, elevaram-se suavemente a
partir da praia, como corredores se afastando do palco de um anfite-
atro. A cidade tinha um veículo, velho e enferrujado cominhão Ford, e
havia construído recentemente uma pequena usina geradora de ele-
tricidade, que acendia algumas lâmpadas de rua. Diante do rio ficava a
igreja de Nossa Senhora da Conceição, a catedral da cidade pintada de
azul, construída no século XVIII.
A cena raramente mudava. Mulheres lavando roupa nas pedras da praia.
Cargueiros, navios a vapor, barcos de pesca e uma ocasional balsa de
troncos como competiam por espaço na doca. Pequenas embarcações
repletas de aves, macacos, frutas e “tartarugas de enormes dimensões”
procuravam interceptar os navios oceânicos de passageiros que se diri-
giam a Manaus. Estivadores içam bezerros para barcos de transporte de
gado com arreios e uma corda com polia. “Dois rios com uma atividade
louca - toda a gente parecia estar mudando de rumo, embarcando/de-
sembarcando, remando em catraias canhestras”, prossegue o poema de
Bishop. Também havia a estranha confluência da água verde azulada
do Tapajós com a água lamacenta do Amazonas, cada uma mantendo
sua cor, flutuando em duas faixas por quilômetros sem se misturarem.
Ocasionalmente, um barco desembarcava um caçador de fortunas ou
um naturalista: Henry Winckham viveu nos arredores da cidade antes
de reunir as sementes que condenariam o comércio brasileiro de bor-
racha; Henry Waltes Bates, Algred Russel Wallave e Richard Spruce fi-
zeram importantes contribuições para a teoria evolucionista no século
XIX, usando Santarém como base de operações para o envio de plantas
e insetos para os Kew Gardens de Londres. E durante a estação das chu-
vas, um desfile de escombros que desciam o rio, carcaças inchadas de
jacarés e manatis, árvores caídas e até mesmo ilhas inteiras feitas de
grama, bromélias, trepadeiras, musgo e filodendros flutuavam ao largo
da cidade enquanto o rio se dirigia para o Atlântico.
Mas naquele mês de setembro havia um novo espetáculo, com os
curiosos olhando os navios de Ford à espera de ver o que fariam a se-
guir. O Ormoc e o Farge eram genuínas naves americanas, com cerca
de 75 metros de comprimento e 15 de largura. Bem equipados e re-
cém-pintados, mostravam a seriedade de propósito de Ford e de sua
capacidade comprovada. Mas pareciam um tanto perdidos no enorme
“lago” da foz do Tapajós - quase 20 quilômetros de largura e mais de
106 Delma Pessanha Neves
rém na noite passada, com destino à plantação.” Porém, mais tarde en-
viou uma correção: “Relatório sobre Ormoc deixando Santarém rumo à
plantação errado devido a um mal-entendido. Ormoc ainda em Santa-
rém.” E a seguir um terceiro: “A águas estão descendo em vez de subir.”
No final de novembro, ainda havia mais de mil toneladas no Farge e o
caos geral do trabalho passou a afetar os nervos da tripulação, levando
a “acidentes desagradáveis” e altercações. No último dia de transferên-
cia da carga, o “ marinheiro Stadish” estava no convés do Ormoc ope-
rando um guincho a vapor e importunando o “Bombeiro Patrick”, que
supervisionava travalhadores locais numa limpeza final. Stadish falou
alguma coisa que não deveria, pelo menos não a alguém no controle
de um navio em um dia em que o termômetro havia ultrapassado em
muito os 36 graus. Ele viu Patrick vindo na sua direção com uma barra
de ferro na mão. Ao recuar, Stadish caiu por uma escotilha aberta e
fraturou o cranio e algumas costelas.
Não foi um começo auspicioso para uma empresa que esperava, de
acordo com o Edsel, trazer a “redenção” para a Amazônia. Somente no
final de janeiro os navios finalmente partiram para Boa Vista e foram
totalmente descarregados. E foi então que os problemas começaram
realmente. (GRANDIN, 2010, p. 139-143)
2
O atual município de Aveiro, segundo o Censo Demográfico de 2010, dispunha de 17.074,290km² e uma
população de 15.767 habitantes (IBGE, http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun
=150100&idtema=16&search=para|aveiro|sintese-das-informacoes. Consulta em 15 de abril de 2014).
3
O município de Belterra, pelo Censo Demográfico de 2010, abarcava 4.398,419km² e 6.318 habitantes.
Disponível em: <IBGE, http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=150100&idte-
ma=16&search=para|aveiro|sintesedas-informacoes>. Acesso em: 15 abr. 2014.
112 Delma Pessanha Neves
Chardisval Moura Pantoja (74 anos) e Zélia Neves Souza Pantoja (72 anos).
Chardisval - Eu sou filho natural daqui da cidade de Belterra, mas meus pais
vieram de fora. O meu pai era de Gurupá, uma cidade próxima a Belém, as-
sim como minha mãe, que era de Breves, mais próximo ainda de Belém. Eles
vieram para cá no início do projeto Ford, que tinha como objetivo principal a
plantação de seringueiras e a produção da matéria prima, que era a borracha.
A indústria Ford se estabeleceu primeiro em Fordlândia. Eles compraram um
milhão de hectares de terra para plantação de seringueiras. Iniciaram lá o
projeto, construindo uma cidade inteiramente atípica na região. A cidade lá
foi construída tudo em aço, cimento e vidro, uma cidade moderna totalmente
infraestruturada, que não tinha igual aqui, nem em Santarém, nem mesmo
em Belém. A capital ainda não estava como era lá. Como por lá o projeto não
deu certo, por diversas razões que surgiram, mas a principal foi a doença das
folhas das seringueiras, aquele amarelão, uma doença que dá nas folhas, as fo-
lhas caem aí a árvore precisa produzir novas folhas e por isso a seiva não sobe
devidamente, deixando de aparecer na árvore. Então a resposta da produção
é mínima. Eles detectaram essa coisa em um milhão e oitocentas árvores que
plantaram por lá. [Eu vou procurar sintetizar ao máximo]. De um milhão e oi-
tocentas árvores que eles plantaram lá, com essa doença das folhas, sobraram
mais ou menos seiscentas mil árvores. A área lá em Fordlândia é totalmente
diferente dessa de Belterra. Lá é toda ela cheia de altos e baixos, de relevos,
ao contrário de Belterra. Tudo lá é ao contrário daqui. Aqui em Belterra é
um planalto, 50 quilômetros quadrados de chão, no horizonte de um planalto
só. Então você anda em Belterra e não vai ver planalto. Você não sobe e nem
desce praticamente nada. Como o projeto não deu certo por lá, eles procu-
raram uma área mais apropriada para o que eles queriam, que era o plantio
de seringueiras. Daí eles procuraram, pesquisaram e encontraram essa área
aqui, de 50 km, que batia exatamente com o que eles queriam da terra. Batia
exatamente com o que eles queriam para o plantio das seringueiras. Então o
que eles fizeram depois de oito anos lá? Eles chegaram em 1928, depois de
1928, como não deu certo, eles vieram para cá em Belterra, seis anos depois,
em 1934. No dia 4 de maio de 1934, eles assinaram um contrato de cessão de
terra de duzentas e oitenta mil e quinhentos hectares, como forma de per-
muta da parte de lá, que era de um milhão. Eles perderam duzentos e oitenta
mil e quinhentos hectares e passaram a explorar aqui em Belterra. Quando
chegaram aqui em Belterra, também não existia nada, era praticamente uma
área com poucos moradores. E entre esses poucos moradores, estavam os an-
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 113
tecedentes da minha mulher. Eles já estavam por aqui, lá em Porto Novo, que
na época se chamava Samaúma ou Sumaúma, alguma coisa assim. Então eles
vieram para cá, conseguiram essa área, também construíram uma cidade in-
fraestruturada, mas fora da realidade e um pouco diferente do que quiseram
construir em Fordlândia. Aqui as construções eram só madeira, tela e telha.
Aqui também, como já falei, foi infraestruturada. Começaram a derrubada das
árvores, da mata, e o plantio de seringueiras. Derrubavam as matas, faziam
a queima e o plantio de seringueiras. Era um negócio fora do que acontecia
no estado do Pará, com certeza, porque poucos projetos chegavam aqui. Na
época, mais ou menos dois mil homens começaram a ser chamados para cá.
O projeto previa dezoito mil pessoas para serem empregadas, mas não conse-
guiram. Só conseguiram até 5 mil. Lá em Fordlândia tinham uns três mil. Aqui
começaram a alistar, naquela época chamavam de alistar as pessoas, quer di-
zer, admitir. Daí conseguiram as pessoas para fazer o trabalho de derruba e
o preparo de área para o cultivo das seringueiras e foi assim que começou
Belterra. Então uma Belterra bem distinta das outras partes de construção da
época do Ford. Aqui eram bem distintas as camadas sociais porque os ameri-
canos sempre foram dados a esse tipo de coisa, né, de separar as pessoas pelo
nível socioeconômico. Então, para o staff do Ford, havia uma área ali chamada
Vila Americana. As casas eram mais bem preparadas, eram de madeira, te-
ladas (fechadas em janela, portas e varandas com tela), tinham ainda forro
de papelão. Mas o papelão não existe mais porque o cupim não deixou, não
deu brecha para o material. Os cupins vencerem. Então as casas eram todas
forradas, teladas, tinham energia elétrica, pelo menos para essas casas lá na
Vila Americana, assim como tinha aqui para essa área em que nós estamos
vivendo. A vila que nós moramos chama Vila Mensalista e também tem uma
história. A Vila Mensalista já era uma segunda camada, vamos dizer, uma se-
gunda classe, porque era a mais aproximada do staff da administração. O pes-
soal que morava aqui trabalhava no escritório, chefia de departamento, então
morava nessas casas que eram melhoradas. Era para chefe de escritório, chefe
de mecânica. Eram médicos, farmacêuticos que moravam nessas casas aqui.
Nós chamávamos de Vila Mensalista. E as outras casas eram dos artífices, que
eram os mecânicos, os eletricistas, motoristas. Eles moravam num outro tipo
de casa, aquelas da Vila Operária. Então essas casas eram menos preparadas,
porque elas tinham menos coisas, mas ainda existia energia elétrica nessas
áreas. Toda essa área daqui, até um quilômetro mais ou menos de distância, a
Vila Operária, ela era toda estruturada com água encanada e sistema de esgoto
completo. Nessas áreas estavam os mecânicos, artífices, esses trabalhadores. As
casas dos trabalhadores braçais, que eram uma outra camada social, a mais po-
bre, possivelmente, moravam em casa de palha, tudo feito de palha de babaçu,
madeira, o piso era chão, sanitário era também no chão, banheiro era também
no chão, mas todas as casas tinham um sanitário e um banheiro lá no quintal,
114 Delma Pessanha Neves
que eles preparavam com fossa aberta. Eles preparavam para lá. Então todos os
trabalhadores tinham uma casa nessas condições. Os americanos nunca deixa-
vam faltar assistência de água. Só água, porque a luz não existia nessa época. Lá
na casa dos trabalhadores braçais não chegava energia elétrica. Era tudo na lam-
parina. Dependendo da condição do cidadão também: se ele pudesse comprar
um candeeiro! O próprio trabalhador tinha que providenciar.
Zélia - Era vela, mais comumente era lamparina mesmo, que a gente chamava.
Ela era vendida com o pavio, era interessante.
Chardisval - O gerador de energia aqui era diesel. Tinham dois motores. Ali
no centro tem um cercado, acho que vocês passaram por ele. Ali era o com-
plexo, tudo funcionava ali. Então lá também tinha a eletricidade e ficava a
fabrica de gelo, era tudo junto. Lá no outro lado para o fim, foi construída
a UBL, Usina de Beneficiamento do Látex. Ali era um negócio muito inte-
ressante. Eu vivi a minha vida toda acompanhando, permeando essas coi-
sas todas aí, trabalhando lá, conhecendo toda a estrutura, a engrenagem lá
como era. Toda essa área de Belterra, assim como em Fordlândia também,
na época eram todas servidas por água encanada. Aqui construíram 32 km
de encanamento para servir água até onde tivesse moradores. Então Belter-
ra nasceu assim, em 1934.
Em 1942, o doutor Getúlio Vargas esteve aqui para apreciar o projeto. Doutor
Getúlio Vargas nessa época era presidente da república. Em homenagem à
esposa dele, foi fundada uma creche lá no Estrada Oito. E nessa creche eu
comecei a viver, eu comecei a participar desde os dois anos de idade. Passei a
viver lá e me criei.
Zélia - Aí a creche foi fundada em virtude da presença do Getúlio Vargas, em
homenagem a ele. Recebeu o nome da mulher dele, Darcy Vargas.
Chardisval - Dando continuidade ao papo, em 1942 esteve aqui o presidente
Getúlio Vargas, a convite da direção da empresa. Ele veio fazer uma visita,
coisa muito rara para a Amazônia era um presidente da república vir até aqui.
Então ele veio e em homenagem a ele foi inaugurada a creche Darcy Vargas,
esposa do doutor Getúlio Vargas. E foi nessa creche que eu me criei, com dois
anos eu fui colocado por lá e tive a assistência, que era uma assistência muito
boa, eu considero muito boa, porque me deu uma condição física, me prepa-
rou fisicamente, possivelmente também na capacidade intelectual, melhorou,
foi muito bom para mim. Essa creche era para crianças mais pobres. A minha
mãe, como eu era órfão, meu pai tinha morrido em 1940 e a minha mãe não
tinha condições de nos sustentar, éramos 4 filhos, nós tínhamos assistência
na creche. E foi por isso que eu fui para lá. Nessa época, quando o doutor
Getúlio Vargas chegou aqui, o seringal estava em pleno desenvolvimento. Em
1934 começou o serviço dos americanos e tudo era muito rápido, preparado
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 115
começaram a quebrar tudo lá. Num determinado momento, eles jogaram, que-
braram as coisas que tinham, carro, aparelhamentos, jogavam tratores, carros
dentro da água do rio, na margem do rio Tapajós. Jogavam tudo dentro para
escangalhar mesmo. Daí houve um quebra-quebra, um quebra-panela lá em
Fordlândia. Isso foi um negócio que eles se desgostaram com isso e preferiram
então mudar todo o projeto para cá para Belterra. Injetaram toda a parte de
recursos financeiros, pelo menos a maior parte para cá. O projeto desenvolveu,
mas à medida que o projeto ia desenvolvendo, as coisas também iam aconte-
cendo na historia do próprio Ford. O filho dele, que era o Edson Ford, o único
filho dele, era o diretor da indústria, o presidente da indústria Ford, mas, de re-
pente, morreu em 1943. E aí ele já estava fora da diretoria, o velho Henry Ford,
mas ele preferiu voltar e assumir do que dar para outro parente ou coisa assim.
Ele voltou em 1950 para dirigir e chamou o pessoal dele todo para o Rio, onde
era a sede dele, a representação, para uma reunião. Chamou os representantes
daqui também e perguntou como é que estava o projeto. E eles lá na reunião
falaram, abriram o jogo, levaram relatórios completos sobre tudo o que acon-
teceu, como é que estava, a demora da resposta que eles estavam precisando,
resposta financeira que eles queriam, que eles tinham previsto para um deter-
minado período de anos, que já estava passando. Talvez um dobro de anos que
eles estavam esperando para ter uma resposta financeira e não tinha chegado.
Aí o velho Ford e o representante no Rio falaram:
– Olha, o conselho que nós temos é abandonar o projeto, dar por encerra-
do. E com isso eles providenciaram a venda, a cessão do acervo ao governo
brasileiro. Aí negociaram com o governo brasileiro para entrega de todo o
acervo de Belterra e Fordlândia. Isso foi em 1945, quando assinaram o ter-
mo: dezembro de 1945. Daí eles repassaram tudo para o governo brasileiro,
foi vendido por vinte e cinco milhões, se eu não me engano, de cruzeiros, que
na época era a moeda brasileira. Eles venderam por 25 milhões de cruzeiros,
mas eles já tinham gasto 8 milhões e meio de dólares aqui. E tinha mais um
bocado para gastar, mas preferiram cortar. E daí uma parte eles deram, além
do que ficou para providenciar, para tomar as providencias necessárias para
que eles executassem todo o encerramento e o repasse do acervo para o Bra-
sil. Ficou combinado que seria pago através do Banco da Borracha da Ama-
zônia, e foi o que aconteceu. Então eles pagaram, o Banco da Borracha ficou
responsável pela parte financeira e o Instituto Agronômico do Norte do Pará
ficou responsável pela parte do cultivo, do plantio, de todo esse acervo. Ele fi-
cou responsável por todo o acervo e também pela direção técnica. Na época,
o Instituto Agronômico do Norte estava preparado, com muitos agrônomos,
ele estava preparado para isso, e foi o que aconteceu. Essa é a primeira parte
da historia, até à chegada às mãos do governo brasileiro. Daí em diante a
gente já pode começar a pensar, porque, como ainda não tinha respondido
nada, o seringal não tinha respondido ainda, mas já estava em pesquisa. Eles
118 Delma Pessanha Neves
4
De tal forma a idealização da figura emblemática de Ford contaminava mentes e corações, de tal modo
os agentes intermediários se diziam agindo em nome dele e ele centralizava as decisões e impunha
contraordens, que os trabalhadores no Brasil a ele se referem como se o conhecessem fisicamente. Ele
jamais esteve no empreendimento no Pará.
120 Delma Pessanha Neves
Chardisval – Era. Na época do Ford eles não aceitavam. Só quando eles pro-
moviam mesmo. Depois dos brasileiros não, esse cara é amigo, esse aqui que-
bra um galho, esse aqui está jogando uma bola danada, vamos lá trazer ele
para cá. O chefe dava um jeito, já tinha um jeitinho brasileiro. Por isso que eu
vim para cá, para esse bolo daqui. Quando eu cheguei aqui, eu fui trabalhar na
UBL - Usina de Beneficiamento do Látex, que já tinha sido implantada aqui.
Na década de 1950, foi a que eu melhor assisti, pelo menos a que eu assisti
e acompanhei, porque fui trabalhar na UBL. E lá eu consegui apreciar todo o
desenvolvimento, como se recebia, como embalava, como preparava. Tinham
máquinas vindo da Escócia ou Suécia, não estou bem lembrado do país, eram
de um desses dois países. As máquinas que vieram, as centrífugas, eram exa-
tamente para isso. Eram quatro máquinas bem potentes e tinham outras três
menores. Com essas máquinas eu trabalhei. Essas máquinas tinham o traba-
lho de passar o látex, recebiam o látex e daí as máquinas separavam o látex
e a água para o outro lado. A água corria para um lado e para o outro tanque
seguia esse leite, que passava logo na primeira vez. Ele era preparado, a gen-
te tinha a barra centrifugada, então ele era preparado com uma espécie de
química, material químico, que era para não coagular e nem apodrecer. Ele
recebia dois produtos, aquele tal de (...) clorofenato, era aquele tipo de pó da
China, batia na perna da gente e coçava. Então ele era colocado ali para não
apodrecer e o amoníaco era para não coagular. O amoníaco, como chamam,
era batido e daí era preparado num tanque grande. Passava pelas máquinas,
jogava no tanque, aqueles tanques também muito bens preparados, aí a gente,
depois de completar o ideal que era sessenta, o ideal do látex para a venda lá
fora era sessenta TBS (teor de borracha seca). Quando atingia esse nível já po-
dia embalar. Os tamborzões eram todos preparados aqui mesmo, em Belterra.
Eles vinham de fora e, quando eles estavam cheios de sujeira por dentro, a
gente queimava, lavava ele todo, deixava secar e passava um tipo de cera, não,
parafina. A parafina era derretida e jogada num tambor bem quente mesmo.
A parafina era quente, derretida, daí jogava, sacudia e derramava de volta,
jogava para lá para secar e, quando secava, podia colocar o leite, com esse cui-
dado para não pegar nem triscar com o zinco do tambor, para evitar qualquer
doença. Então só assim era possível embalar. Preparava aqueles tambores,
cada lote tinha vinte e dois tambores. Quando terminava com os vinte e dois
tambores, a gente avisava para a chefia, o chefe da usina, e eles faziam a co-
municação via telégrafo para São Paulo. No tempo eles ainda usavam o Código
Morse. Então eles passavam para lá, comunicando que tinha um lote. As em-
presas compravam, depositavam o dinheiro lá e vinham para cá, já por outras
vias, via Belém, e para cá vinha o pagamento do pessoal. Esse era o esquema
do látex, como eu comecei a trabalhar. Daí trabalhei um bocado de tempo por
lá, depois me chamaram para o escritório, para trabalhar no escritório aqui, aí
eu vim trabalhar no escritório. Também acompanhei muito o serviço da docu-
mentação do leite, do número de seringueiras que estavam faltando, que tipo
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 121
citação. A principio ele trabalhava por diária, ele cortava tantas árvores mas
não era obrigado a apresentar tantos quilos de leite. Ele tinha obrigação de
apresentar o leite. Aquele cara que, com preguiça, jogasse o leite fora, e tinha
muito peão que fazia isso, não ficava no trabalho. Quando chegou numa época,
que passou a ganhar pelo que eles faziam, ai sim, daí os seringueiros metiam
a faca com vontade. Aí não tinha mais acompanhamento, porque antes, tudo
era fiscalizado, na época do Ford. E até uns cincos anos depois que ele saiu,
ainda era super-fiscalizado, tinham regras para isso. Mas depois começaram a
relaxar, acabou o dinheiro, as seringueiras começaram a baixar de produção,
porque tem um ciclo de até 30 anos de produção, depois elas não produzem
bem, elas entram em declínio. Esse declínio começou a se mostrar para o bra-
sileiro, porque nem tudo são flores, e nós sofremos aí com isso. Eu acompanhei
essa decadência e até hoje acompanho, porque foi uma coisa espetacular, pelo
que era, pelo gigantismo do projeto, pelo que passou a ser hoje, então nós fo-
mos sofrendo aquela consequência do declínio, não tinha mais dinheiro. Os
nossos agrônomos, que estavam aqui, quase que diariamente, vindo de Belém,
ganhando diária, sumiram. Acabou o dinheiro para a diária, sumiram. Daí a
gente perguntava: - Cadê o doutor fulano de tal? Não apareciam, não davam
conta. Então desprezaram completamente aquela direção deles, mesmo por
lá por Belém. E aqui ficou muito pior, porque não tinha como. Eles não faziam
dinheiro aqui em Belterra, aí a gente começou a depender de muita coisa, en-
frentando as fases políticas da própria área, porque ainda não era cidade...! As
fases políticas, cada governo que entrava colocava um administrador, lá em
Belém, o administrador de Belém botava um aqui diferente, essas coisas fo-
ram acontecendo, até que abandonaram tudo. A administração ficou mais pela
política. Também ficou mais dependente de política dar ou não força para o
projeto. E quando isso acontece, vocês que são professores devem bem ima-
ginar como é que ficou! Eu acompanhei em 1972, quando eu fui convidado a
exercer a condição de administrador aqui, porque tinha o administrador e o
diretor técnico. Então o administrador ficava funcionando só na área social,
praticamente, e o diretor técnico ficava dirigindo a parte de corte, produção,
esse negócio todo. Mas na época que eu assumi, em 1972, nós ainda tínha-
mos 1.200 funcionários. Tinha uma equipe para coordenar, os chefes de seção.
Ainda existiam seção financeira, seção de pessoal, seção de comunicação, o
complexo das oficinas, tinha um complexo naquele cercado de arame ali, era
tudo centralizado, oficina de mecânica, oficina de tratores, usina de eletricida-
de, gerador de energia, fábrica de gelo, comissários, que operavam os negócios
de venda, a usina de beneficiamento do látex, a carpintaria, marcenaria, então
tudo era ali dentro. Só a serraria que era numa outra parte lá fora. Cada uma
dessas tinha uma chefia e esse chefe a gente reunia todo o mês para fazer um
balanço, na época. A gente já vinha com esse espírito de repartir responsabi-
lidades. Então eu acompanhei essa fase, embora ainda tivesse muita gente em
1972. Quando foi em 1976 ou 1978, uma coisa assim, quatro anos depois, nós
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 123
ciação, daí a Ford só fazia capacitar melhor. Eles obtinham essa iniciação aqui
mesmo por perto de Santarém e tal, trabalhando com o pessoal, eles conviviam
aqui no centro, mas sempre iam para Santarém. Não tinha empresa específica
para isso não, eles aprendiam por curiosidade mesmo. Eles entravam em al-
gum trabalho para aprender, às vezes só por treinamento, curiosidade. Aqui
na época não tinha, por exemplo, pagamento para o pessoal ir para lá para
Santarém, se quisesse trabalhar por dinheiro. Na época era muito inicial a vida
aqui. Então até essa questão de dinheiro era difícil, para esse negócio do cara
ganhar para aprender a trabalhar não existia, era sempre em troca de alguma
coisa. Ajudavam a alguns profissionais e iam aprendendo. Aí, quando tinham
algum conhecimento, já chamavam para outra parte. Só dava uma burilada
no cara e colocavam lá. Todos eram convidados, se apresentavam e o pessoal
passava numa espécie de triagem, o que era ele, quem era a família e qual era
o comportamento. E também não era difícil falar porque eram poucas pessoas.
Chardisval – A maioria das pessoas que veio para cá era de fora. A maioria da
população de Belterra foi composta por nordestinos, principalmente, traba-
lhadores que vinham do Nordeste por causa da seca que estava assolando na-
quela época, na década de 1930. E de outras paragens do Brasil também, não
somente do Nordeste, mas a maioria veio do Nordeste. Daí vinha do Sudeste
também, e de outras partes, estrangeiros, vinham uns peruanos, vinham os
barbadianos. E de alguns outros países só vinham aquelas pessoas já capaci-
tadas, que os americanos mesmo traziam. Por exemplo: os holandeses vinham
para cá porque tinham profundo conhecimento na cultura das seringueiras.
Alguns holandeses vieram contratados para cá para trabalhar.
Zélia – Dos meus irmãos, trabalhando na companhia mesmo, ainda tinha mi-
nha irmã mais velha. Ela foi professora do Ministério. Antigamente era a escola
Henry Ford. Agora já é Valdemar Maués.
Chardisval – Foi esse o resultado da revolução de 64. Valdemar Maués era um
indicado.
Zélia – Era comum ter mulher trabalhando, na fábrica e na seringa também.
Elas iam juntas, para o ponto delas. E os maridos, se fossem casadas, iam para
outros pontos escalados.
Chardisval – Eram admitidas para trabalhar. Cortando a seringa e tirando leite.
Zélia – Tinha mulher na área comercial também. Meu emprego era só na área
de comércio. Trabalhava vendendo tudo. Primeiro eu trabalhei na Casa Per-
nambucana, que existia aqui. Era uma casa grande.
Chardisval – Tradicional.
Zélia – Tinha a Casa Silva, também era um grande comércio. Tinha casa Moraes.
Vendia de tudo. Fazenda, secos e molhados. E também trabalhei numa padaria,
126 Delma Pessanha Neves
do Senhor Monteiro. Meus empregos foram esses. Isso quando eu era solteira.
Depois que me casei eu me tornei dona do lar. Agora eu sinto saudade do tempo
que eu trabalhava, mas no início não, também porque só ele é que trabalhava
para criar quatro filhos. Eu ficava em casa. Foi cruel, mas Deus é pai. As outras
irmãs foram estudar. Teve uma que foi embora para Manaus fazer faculdade.
Ela se formou, é enfermeira, está trabalhando lá para São Paulo de Olivença.
Outra mora no Maranhão, também é formada e trabalha no governo. Os ir-
mãos também tem um que é funcionário, tem um que trabalha em Manaus, na
Embrapa, hoje é aposentado. Ele conseguiu esse emprego da Embrapa quando
foi para Manaus. Tem outro também que trabalhava braçal aqui, na Embrapa
daqui. Trabalhava de braçal na Embrapa, para roçar, fazer plantio, essas coisas.
E têm dois que trabalham no IBAMA, funcionários do IBAMA. Todos dois moto-
ristas. Ainda tem Embrapa aqui, mas o meu irmão não trabalha mais aqui, já
está aposentado, já está em Santarém.
Chardisval – Ah, no tempo que a Companhia funcionava, a vida social era cons-
tante. Na área social tínhamos dois clubes aqui, tradicionais. Até hoje ainda
existem. Era União e depois criou Belterra. União foi o primeiro clube criado
aqui, era clube esportivo. Não era só o futebol que eles praticavam, tanto o
União como o ABC, que é o Atlético Belterra Clube. Lá também se praticava o
voleibol, basquete, diversos tipos de esportes. Então as meninas simpatizantes
de um e outro, elas se formavam por lá e havia disputa. Na semana da pátria,
por exemplo, como estamos agora, havia uma disputa de taças, essas coisas.
Então elas chamavam muita atenção da torcida. As torcidas sempre foram
muito apaixonadas, principalmente na área do futebol. Hoje tem muita gente
que sente saudade! Elas enchiam o estádio, porque o estádio era todo aberto,
só tinha mesmo um cercado e o pessoal ia para lá. Era interessante o esporte.
Zélia – Eu jogava vôlei.
Chardisval – Nessa área de recreio, as moças, as meninas faziam e tinham
também os clubes, nas igrejas, nas escolas e nos próprios clubes esportivos.
Então elas estavam sempre presentes. Era a vida social que a gente levava, as
festas nas sedes dos clubes, todos iam participar lá também, era muito con-
corrido. A vida da juventude foi essa, as praias quando a juventude precisava,
juntavam dez, vinte pessoas, moços, iam lá com o diretor, o administrador,
para pedir transporte.
Zélia – Olha queremos ir à praia! Eles sediam se sentissem que havia responsa-
bilidade. Fazia um piquenique.
Chardisval – É, mas o motorista ia recomendado, qualquer alteração deixava
lá o cara que operasse com indisciplina e vinha só o pessoal que andava corre-
to. Nessa época bebida aqui era praticamente impossível. Era tremendamente
proibido.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 127
– Por quem?
Chardisval - Começou pelo Ford, depois os outros administradores acompa-
nharam. Só mais tarde que começou a relaxar tudo, como eu falei. Na sequên-
cia da vida, daí que aconteceu essa diferença. Era um pessoal tudo submetido
a esse tipo de regra. Eles eram avisados antes. A saúde das pessoas era tudo.
Para entrar no emprego, se chegassem aqui com família ou não, eles eram
passados tudo por uma bateria de exames. Depois dessa bateria de exames
aprovada ou não, se não aprovada procurava tratamento, se fosse possível.
Se não houvesse o tratamento, devolviam, eles voltavam , davam passagem
de volta para eles irem embora. E muitos deles já vinham admitidos lá, do
próprio lugar onde eles foram buscados.
– Eles se encarregavam de procurar trabalhador em outros lugares?
Chardisval – Tinha gente específica só para isso, em todos os estados do Nor-
deste. Daqui saíam barcos e navios e iam buscar gente, mas com pessoas tam-
bém preparadas para fazer este serviço de recrutamento. Quando eles chega-
vam aqui já tinham uma casa, mas era conforme a hierarquia.
– Como foi a convivência de vocês, que já eram daqui, quando, de repente, começa a
chegar tanta gente de fora?
Zélia – Os costumes deles eram diferentes, principalmente dos americanos.
– Mas a senhora está se referindo ao tempo da Ford ou do Ministério?
Zélia – Quando eu era criança os americanos estavam saindo, mas tudo foi mais
devagar. Ficaram uns americanos ainda trabalhando, só depois que eles foram
embora. Durante muito tempo continuou do mesmo jeito. Só depois dos milita-
res é que voltou a ficar mais rígido.
Chardisval – Conflito era muito raro, porque o pessoal aqui de Belterra, como
eu lhe falei, eram poucas famílias. Então, quando os de fora chegavam, cada
uma chegava com uma cultura diferente, mas juntaram aqui, daí eles convida-
vam muito as pessoas a partilharem. E o nosso pessoal era fácil de se adaptar
à cultura dos que vinham de fora. Eram coisas, por exemplo, como esse negó-
cio de boi-bumbá, que a gente não conhecia aqui, pássaros, essas coisas. Por-
que não tinha uma comunidade, Belterra não era uma comunidade, nuca foi
uma comunidade. Quando se formou, foi tudo de uma vez. Então foi mais fácil
integrar os tipos de classes, de pessoas. Não havia, por exemplo, desrespeito,
separação, sempre foi nessa parte respeitada a posição de cada um. Só na
parte de culinária que aí sim, havia uma diferença, a gente não aceitava muito.
Zélia – A gente continuou até hoje a fazer baião de dois. Carne de sol é muito raro.
Chardisval – Tem muita gente que se queixa sobre essa intromissão. Os serin-
gueiros, principalmente, foram os mais prejudicados. Foi cruel, muito cruel!
128 Delma Pessanha Neves
As diversas administrações que surgiram por aqui foram só mesmo para cas-
tigar o próprio seringueiro, foi um ação muito contundente, praticamente
para a sociedade aqui, porque o seringueiro era o maior número de habitan-
tes, de funcionários, então eles sofreram muito, a família em geral.
– Que tipo de sofrimento?
Chardisval – Existia aqui a seringueira primitiva. A seringueira na época era só
daquela primitiva, era esporádica, mas explorada pela população local. Havia
centros onde moravam algumas famílias que procuravam sempre a terra preta,
onde existiam alguns sinais por aqui de terra preta dos índios. Os índios eram
nômades: exploravam um tempo, saíam e iam para outra parte. E iam deixando
aquelas terras antes ocupadas para trás. Eles buscavam essas próprias áreas
para ficarem lá, porque era uma terra muito fértil. Então eram poucas famílias
e ficaram assim os seringueiros que existiam. Eles cortavam seringueira e ven-
diam para os regatões. Não era no método que depois apareceu de corte. Aliás
toda a vida do seringueiro, do morador de Belterra, da origem de Belterra, da
localidade, onde eles moravam, todo esse pessoal trabalhava aqui com seringa
e vivia por aqui. Muitos deles ainda vivem da exploração e da venda de outras
borrachas, de outras espécies de outros materiais de extrativismo. A castanha
do Pará tinha muito também aqui nessa área, a seringueira, a andiroba. Mas
o seringueiro que foi trabalhar para a Companhia sofreu muito. O sofrimento
dele estava ligado ao tipo de trabalho mais pesado e principalmente à forma de
pagamento. Forma de pagamento e tratamento, porque, na realidade, eram uns
homens explorados, entende? Eu assisti, numa época aqui, em que o seringuei-
ro tinha que cortar 625 seringueiras por dia! É uma estupidez para qualquer
ser humano! Se for só para cortar e colher o leite, tudo bem, para preservar o
material; mas não era só isso. Quando ele terminava, que entregava o leite, ele
voltava para vir limpando a estrada, que já estava começando a serrar. Era mais
ou menos dois metros de largura, onde a seringueira estava limpa. Havia sepa-
rado todo o feijão por área. Então eles tinham que abrir todo o tempo, porque
em quinze dias no mês já estava voltando todo aquele feijão novamente para o
centro. Então eles estavam constantemente separando aquilo. Depois daquilo,
quando não tinha esse serviço, tinha o problema de tratar da seringueira, que
era uma solução aplicada na época do inverno. E aqui a maioria do tempo era
inverno, naquela época era de janeiro a julho, às vezes até agosto atingia o in-
verno. Então, onde já tinha cortado a seringueira, tinha que pegar e passar uma
solução em cada uma das seringueiras, para evitar que houvesse fungos que
apodrecessem as árvores. Tudo isso eram trabalhos extras, para poder ganhar
um salariozinho, enfim. A diária dele era dentro dessa coisa, tinha que ser fiel-
mente comprida. Eram 625 seringueiras por dia.
Zélia – Aqui eles criaram isso: a princípio eram 400 árvores, depois o pessoal
ficou necessitando cortar seringa e não tinha mão de obra, daí eles aumenta-
ram o número de seringueiras para cada um. E daí ficaram trabalhando assim.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 129
Chardisval – Isso por uns dez anos: depois da década de 1950 que começou,
por dez ou quinze anos. Depois foi baixando mais, mas aí o seringueiro foi
também reclamando mais. O pagamento era pouco para suprir, muitos deles
sofreram tuberculose e iam embora se tratar ou morriam logo. Também na
época o tratamento era pouco, os melhores médicos que havia aqui, eles ti-
nham ido embora. Os americanos que tinham capacitado eles para virem para
cá, tinham capacitado na área da medicina tropical, mas depois foram embo-
ra, deixaram só o rastro. Então era assim a vida do seringueiro. E mal pago
também, o pior era isso, não era lá essas coisas não, porque quem trabalhava
assim não tinha lá esses salários.
Como eu falei, na área especifica do seringueiro era assim, porque algumas
pessoas, por exemplo, que começaram a trabalhar em outras áreas, elas tive-
ram a sorte, depois de 1958, quando apareceu um administrador aqui, que
veio lá do Maranhão, Doutor Jorge Novas da Costa, ele nos empurrou pela jane-
la para o serviço público federal. Na época todos recebiam diretamente do IAN,
Instituto Agronômico do Norte. Eles eram os responsáveis, os técnicos do Ins-
tituto. E eles davam salários melhores. Depois que passou para o governo, em
1958, é que melhorou um pouco, inclusive a condição do seringueiro. Daí era
um salário mais ou menos, não foi tão espetacular, mas eram tratados como,
vamos dizer assim, trabalhador nível um, mesmo sendo uma mixaria o salário.
Em 1958 saiu do IAN e passou para o serviço público federal. Aí que então fo-
ram colocadas todas as classes de funcionários e que tinham um determinado
salário. Por exemplo: o agente administrativo, que hoje é meu caso, pegou um
salário melhor. Depois de muito tempo, à medida que o tempo foi passando,
eles foram reivindicando e ganhando melhores salários. Mas o pessoal lá de
baixo mesmo, o trabalho rural, seringueiros, eram todos ajuntados só numa
classe, esqueço o nome da classe que eles deram a esse pessoal.
Em Belterra eu nunca vi um movimento de trabalhador, mas em Fordlândia
sim. Havia também em relação a Santarém, uma posição um pouquinho me-
lhor. Vinha muita gente para cá. Eu nunca detectei nem um orgulho nesse
sentido, mas a posição de funcionário aqui, posição de funcionário público
federal, depois que nos foi dada essa condição, ela influiu muito na visão do
pessoal que vinha lá de fora, porque funcionário público federal, essa coisa
rara aqui no Pará! Quando descobriam: - Mas funcionários, vocês são, tem
certeza? Lógico que a gente tinha certeza. A gente tinha o contra-cheque mes-
mo. Agora não tem mais aí para mostrar. Acho que, não sei, queimou tudo.
Zélia – Aqueles velhos eu queimei tudo.
Chardisval – Dos contra-cheques velhos mesmo, quando começamos, não te-
mos mais.
– E tinha nome no Diário Oficial?
130 Delma Pessanha Neves
muito humano, muitas vezes ele ajudava. A gente precisava assim, por exem-
plo: – Olha, desfalcou aqui a tubulação em tal área, nós não temos dinheiro
para comprar e não tinha mesmo, não tinha recurso, então apelava para ele.
Ele mandava a tubulação de lá e a gente fazia a emenda. A gente vivia assim
de prato na mão.
Zélia – 1995.
Chardisval – Dizem que foi a Prefeitura assumiu, mas não foi, a cooperativa
era autônoma. Quando a prefeitura assumiu, a cooperativa era dona dela
mesma, mas também já não existia quase nada, pouca coisa. Dos três mi-
lhões e duzentos mil pés de seringueira, se tinham duzentos mil era muito.
Nem compensava o tempo perdido. Aí o pessoal, os próprios seringueiros
não sentiam mais estímulos para produzir porque o preço da borracha era
uma miséria. Eu acredito que por volta de 1995. pode se dizer assim o fim
de uma época.
5
Sobre a vida socioeconômica de Belterra, pode-se consultar alguns livros, tal como sugere o casal en-
trevistado: O do Hart Santos, que foi o primeiro prefeito daqui. Tem o de uma professora, Terezinha
Amorim. Estes autores são daqui; e tem o de Grandim.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 133
Chardisval – Também. Posso dizer que para nós aqui, não interferiu nem um
pouco, porque tudo também era vendido para Santarém, não aqui. Então Bel-
terra tem essa distinção, tem a comunidade do centro, que é aquela que ficou
da época do Ford, da época do Projeto, tem a comunidade dos ribeirinhos, que
são aquelas pessoas que saíram daqui porque não tinham emprego e foram
viver para lá, ainda de extração, do extrativismo, pelas margens do Tapajós,
principalmente, e tem o pessoal da BR 163, porque em todo esse contorno da
BR, em toda essa área aí, tem trabalhadores que não são daqui de Belterra,
são filhos de outras plagas. Então são áreas bem distintas, próprias pelo tra-
tamento que existe. Nós notamos, muitas pessoas notam quando estão falan-
do com uma pessoa na BR, com uma pessoa do ribeirinho e com as pessoas
aqui do Centro. São bem distintas mesmo. Essa distinção é em torno de tudo:
comportamentos, educação. Agora que estamos começando a nivelar. Os mais
educados, com melhor instrução, vamos dizer assim, estão por aqui nessa
área do Centro porque sempre foi dotada de escola. E os mais sacrificados,
eu acho que são os ribeirinhos. Eles não encontram emprego, e dai foram fu-
gindo para lá, para pegar terreno na beira do rio. Mas aqui, você sabe, a maior
parte da área do município é a Flona Tapajós. Toda a parte dela é aqui dentro.
São 600, eram, não sei se ainda são, porque eles modificam, mas são mais de
seiscentos mil hectares. Isso prejudica o município porque a população que
fica na Flona tem uma economia muito controlada e tem consequencia em
termos de arrecadação para o município. Ele é prejudicado. Isso já foi razão
de muitas discussões politicas, mas eu não sei em que pé está agora, porque
depois que eu saí da administração, eu me afastei completamente dos noticiá-
rios. Mas prejudica porque a Flona, inclusive, só pode ser visitada, só pode ser
estudada se você... Por exemplo: se você precisar fazer uma pesquisa lá den-
tro da Flona, tem que pedir autorização para o IBAMA, ao invés de pedir para
a prefeitura de Belterra. Isto é um disparate: se a Flona pertence a Belterra,
devia ser pela prefeitura. Na verdade a Flona é um território que a Prefeitura
não tem autoridade sobre ele. Não tem, praticamente não tem, mas a popula-
ção de lá dependente da prefeitura, por exemplo, para participar de saúde e
escola, ela vem toda para cá. Os prejuízos vêm para cá, as coisas boas vão para
o IBAMA. Porque Belterra não tem peso politico para estar discutindo coisas
assim; e dai as coisas complicam, não é?
– Vocês acham que valeu a pena separar Belterra em município?
Chardisval – Eu tenho a impressão que foi bom, pelo que se pode ver hoje em
Belterra. Isso aqui está um beleza, está um céu, embora algumas coisas que
o desenvolvimento traz para cá não sejam muito bem aceitas por nós. Mas a
maioria das coisas, principalmente a educação, a segurança, a comunicação,
que praticamente não existia, na época em que nós nos emancipamos não era
assim. Temos avançado no transporte, em todas as áreas nós sentimos melho-
ras, eu vejo assim. Em saúde nós ganhamos, com certeza.
134 Delma Pessanha Neves
6
Os entrevistados exemplificam mais um dos casos de aplicação do sistema casa-trabalho, comum em
diversas outras formas de imobilização da força de trabalho vinculada a atividades agroindustriais.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 135
Não cabe, frente aos objetivos da elaboração deste texto, analisar os princípios de estruturação que
aí se objetivaram. Ao leitor interessado nessa forma de gestão da produção e da força de trabalho,
sugiro a leitura de Esteves (2008), Lopes (1976, 1988), Neves (1997), Neves e Silva (2008), Palmeira
1977), Sigaud (1979).
136 Delma Pessanha Neves
mem falou uma palavra para ele e ele não gostou. O finado Duco não gostou
e veio em cima dele, brigou com ele trazendo uma espingarda na mão. Em-
purrou ele e colocou no peito dele a espingarda. Aí começou a doença dele,
daí foi o começo. Eu acho que bateu assim no peito e inflamou o peito dele
por dentro e adoeceu. Mais ainda com a quentura que ele pegou, aí foi o fim!
Eu estava com 12 anos quando ele morreu. Eu estou com 77... Acho que ele
morreu já tem ... (65 anos). Aí ficamos com a mamãe. Também até boa parte,
porque ela arrumou outro, aí foi para o Amazonas e de lá que ela voltou para
cá (o Tapajós). Eu nem me lembro para que lugar ela foi. Os filhos já estavam
moços. Ela depois voltou para cá, daí morreu aqui. Está com trinta e poucos
anos de morta.
Eu me casei, minha mulher era Matilde Pereira Guimarães Paz. Nasceu em fe-
vereiro de 1932. Ela era mais velha que eu quatro anos. Ela nasceu no Paraoa
(na margem oposta do Tapajós)
Ela também foi sepultada ali no Anamaraí. Já tem dois anos. Ela morreu des-
sa dor que dá, ela começou..., porque ela fumava muito. Apareceu uma tosse
nela e ela foi para o hospital e veio para cá, mas não deixou de fumar, sempre
fumava. E o médico disse que não era para ela fumar mais. Ela sempre fumava
escondida de nós. Para mim, o começo da doença foi isso.
Nós tivemos seis filhos. Quando eu voltei para cá, para o outro lado, todos
eram pequenos, daquele tamanho do que entrou aqui ainda agora, o Beneco,
meu neto. Eles estavam todos novinhos. Daqui eles seguiram o estudo. Iam
pela verenda e iam embora. Iam mesmo pela verenda, seguindo a beirada do
rio e iam embora. Saíam daqui às 11 horas e chegavam lá a uma hora. Chega-
vam aqui de noitinha. Hoje já estão todos em suas casas.
Meu pai era Firmino Dias e minha mãe Jacinta Bentes Paz. Meu pai morreu em
1948, ele estava com 30 anos de idade, por aí. Ele nasceu aqui mesmo. Eles
foram os primeiros daqui, ele com a mãe dele. Eles eram de... Não sei. Sei que
eram daqui.
Eles foram os primeiros a ocupar a terra aqui, porque nessa época escolhia
a terra e ficava. Eles aqui ficaram o resto da vida, morreram aqui. Minha avó
era muito mais nova que meu avô Firmino, uns 10 anos, acho que era. Minha
avó morreu vai inteirar 23 anos. Ele morreu bem antes. Ela não se casou ou-
tra vez, só se amigou. E com esse outro homem, ela não teve filho. Meu avô
trabalhava aqui, no mesmo que eu trabalho: seringa, roça e plantar. Ele tinha
um terreno de mais ou menos 300 m de frente (para o rio Tapajós) com 2000
pouco de fundo.
Desde essa época que tinha essa coisa de fazer seringa e roçado lá na serra.
A gente sempre subiu para a serra para fazer roçado porque lá não tem saú-
ba (saúva). Lá não tem. Aqui em baixo sempre foi de plantar seringa, mas
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 137
meu avô também plantou mandioca, também nós plantamos aí. Mandioca,
seringa... Só abacate tem muito plantado. A parte de fruta não dá aqui porque
de vez em quando alaga. Mas é pouco. O rio nunca chegou aqui. Sempre ele
vem até lá, onde está... (aponta). Meu avô e meu pai vendiam seringa. Nesse
tempo, eles vendiam aqui mesmo no Anamaraí. Não me lembro de nem quem
comprava. Era um camarada de nome Arthur Freitas. E a farinha vendia em
Santarém, ia daqui e vendia lá. Levava de barco. Às vezes ele ficava três dias
lá para Santarém, porque daqui para lá é longe de barco. No tempo de vento
forte, vai empurrando pela beira. Já fiz isso muita vezes. Só melhorou quando
começou a facilitar o transporte da farinha, ia pelo motor. Foi de 1975 para
cá. Facilitou bem.
– Vocês aumentaram a produção diante da facilidade do transporte?
A mesma produção que levava para Santarém, vendia lá. Todo tempo traba-
lhando assim, se aumentava, eram uns quilos. De seringa, já do meu tempo,
eu produzia mais de 300 quilos, mais ou menos, por mês. A seringa não é uma
coisa que dá muito leite não. Umas dão até 100 gramas. Dá muito trabalho
para cultivar, mas elas já são muito velhas aí. Aqui a gente sempre fez essas
coisas mesmo. Minha mulher, eu conheci trabalhando nessas coisas mesmo.
A mesma coisa em lavoura. Lavoura, casa e seringa. Os que ficaram por aqui
seguiram a mesma coisa dos nossos pais e avós: seringa, lavoura lá em cima,
pesca, fabrico de farinha. Essas coisas mesmo, o tempo todo (Entrevista rea-
lizada em agosto de 2012, por Delma Pessanha Neves, também responsável
por esta edição).
Os gestores do Ministério da Agricultura concederam a apropriação
de lotes de terra para cultivos agrícolas e criação de gado, principalmente no
entorno das instalações da Fordlândia, alternativa que até os dias atuais con-
solidou um campesinato tutelar de relativa expressão. Essa referência é alta-
mente recorrente entre entrevistados, ao indicarem irmãos e cunhados que lá
permaneceram. Em Belterra, as casas construídas para os trabalhadores dota-
dos de vínculo formal são ainda por eles e seus descendentes ocupadas. Como
todo o conjunto de casas residenciais, expressivas das instalações dos diferen-
ciados trabalhadores, e das instalações dos órgãos de gestão do empreendi-
mento foram tombadas como patrimônio cultural a ser preservado, o povoado
em Belterra constitui um relativo museu aberto daquele empreendimento. Os
prédios da administração da empresa são hoje ocupados por setores adminis-
trativos da prefeitura de Belterra.
As alternativas que foram sendo criadas, no decorrer dos anos que su-
cederam à transferência do patrimônio para o Ministério da Agricultura, são
bastante exemplificadas em entrevistas entre trabalhadores de faixa etária
mais longa e que conviveram, de certa forma, com esses desdobramentos
nacionais do empreendimento americano. A releitura do texto de entrevista
138 Delma Pessanha Neves
Audinéia Bonifácio dos Santos. Nasci em Goiânia, em 1973. Sou solteira, te-
nho 39 anos (em 2023). Estudei um pouquinho, até oitava série. Entrei na
escola com 7 anos de idade. E parei de estudar com 12 anos. Estudava numa
comunidade bem aqui perto. Perto de Itaituba. Em escola pública. Comecei
a trabalhar em lavoura mesmo, plantando, colhendo arroz, colhia feijão, fa-
zia farinha para meus pais. Com nove anos já trabalhava com eles. Com nove
anos...; morava na roça, tinha que trabalhar. Morava um pouco para cá do
Trairão, no viaduto 30. Vivemos no Trairão durante seis anos. Eu ajudando
meus pais. Não era roça, era pecuária dos outros. Meu pai trabalhava..., ele
trabalhava por mensalidade e aí fazia roça, mas a roça era nossa. E por mês
(assalariamento) cuidava do gado do outro. Morava dentro da área dos ou-
tros..., como se fosse um agregado. Papai cuidava do gado dele e tinha roça...
Mas a roça que nós plantávamos era para a gente, não tinha que dividir com
o dono. Depois a gente foi morar em Itaituba, mas lá meu pai faleceu. A gente
foi morar na cidade e trabalhar de lavadeira. Eu, minha mãe e minha irmã.
Ficamos lá uns cinco anos ou seis. Nós fomos morar na área do Ministério, da
Fordlândia. Isso foi em 1987. E fomos para Fordlândia em 1994. Ficamos uns
5 anos em Itaituba. Em Fordlândia, nós trabalhávamos com lavoura e eu fiz o
curso de pintura, dava aula de pintura; e no dia em que eu não dava aula, ia
trabalhar na roça. Fazia pintura em tecido. Pintava pano de casa, essas coisas.
Eu pintava e vendia. Nessa época eu estava grávida, fazia mais era pintura
assim e vendia. E com o dinheiro eu pagava diária para trabalhar na roça, por-
que eu não podia ir. Eu quase não conseguia trabalhar que o neném atentava
minha barriga. Em Fordlândia a gente ficou 16 anos. Depois que meu filho
nasceu, fui trabalhar na roça. Era um pedaço que o presidente da comunidade
tirava para trabalhar e o que a gente plantava era da gente. Só que a gente só
podia plantar arroz, mandioca e feijão. Era só isso que a gente podia plantar.
Era pequena a terra. Ele tirava duas linhas assim, tarefas de roça assim, para
a gente. Só que a gente queria aumentar e não aumentava mais, porque o
pedaço que ele dava era só aquele mesmo. E quando a gente ia embora, mes-
mo que tivesse plantado alguma coisa, a gente não tinha o direito de vender,
tinha que deixar. Deixava com tudo na terra. Depois de Fordlândia, passamos
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 139
7
O município de Itaituba, pelo Recenseamento de 1920, apresentava a seguinte população: Homens:
4.953; Mulheres: 3.268; Total: 8.221 (Fonte: IBGE, 1926, p. 172-173).
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 141
quadro 7. População de fato, por sexo e ramo da atividade principal exercida, nos
municípios de Itaituba e Santarém, em 1940
8
A circulação de crianças entre famílias, em muitos casos sem vínculo de consanguinidade, tem sido
tema de dedicação de pesquisas postas em prática por Fonseca (1995, 2006) e Motta-Maués (2004,
2008), entre outras.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 143
tinha morado, porque me disseram: - Vem para cá que eu até te pago! Porque
ele gostava muito da gente! Era só o que eu sabia: se fosse para eu ir para lá, eu
fugia e ia morar na casa onde eu morava. Se não, eu pegava outros caminhos!
– Nisso o Sr. já estava com que idade?
Pidoca – Eu tinha meus 14 anos. E aí eu tinha três irmãos... Aí eu já ia caçar
de cachorro e espingarda dentro do mato, eu matava quatro cutias. Sentei em
cima de um pau no meio do mato, aí chegou um irmão e disse: - Mamãe quer
que tu vá(s). E e eu disse que não quero não. Aí fiquei lá cuidando da cutia.
Quando chegou na hora da mesa, ele perguntou à mamãe: - A senhora ainda
vai dar o Pedro para Santarém? – Vou sim, tua mana não está mandando cha-
mar por ele? Ela ficou brava! Meu irmão já sabia alguma coisa. Aí ela disse: - É,
vocês não querem que ele vá, mas para ficar que nem vocês aqui arrumando
mulher e não me ajudar ? Foi bom isso, e eu caprichei. Não fui mais, mas eu
fiz de tudo. E só abandonei ela quando fui deixar ela no cemitério! Cuidei bem
dela e ela gostava de mim!
E eu fui crescendo e lutando, trabalhando, ela foi mudando de sistema de vida,
de roupa, de despesa. Aí como diz a cantiga, quando a gente já está grande
cria asas e quer voar. Aí eu arrumei alguém e casei. Mas ela gostou. Gostou,
vivemos juntos muitos anos, e essa aqui era do coração dela e outras mais. E
aí a gente foi vivendo. Aí quando a gente foi, quando o pai da minha mulher,
o meu sogro, ele me entregou a minha mulher, eu recebi como mais uma pre-
ocupação na vida. Eram duas mulheres para tomar conta: a mãe e a esposa.
Mas hoje em dia eu vejo gente novo cansado, cansando. Eu não sei o que é
isso. Eu nunca soube o que é canseira não. Está aqui ela, se quiser confirmar,
confirma. Eu lutei, mas não assim cansando não.
família, onde tem ainda aquele seringal, antes de chegar na capela; mais outra
família ali na frente, mais outra, que era do Antonio Miranda, mais na frente.
As casas ficavam na beirada, na beira da água. As águas que tem agora, que
crescem bem, com enchente né?! Antes eram grandes! Eu sei porque a água
ficava mais perto para a gente encher as vasilhas, sabe? Não tinha água enca-
nada! Só que eu, quando eu me casei, não queria morar nessa vila, né? Porque
o que plantava não nascia nada! Quando nós começamos com a nossa família,
nos já morávamos aqui em cima. Morávamos lá para baixo e quando enchia
não precisava sair. Não, não! As ondas levavam casas, as plantas morriam...
Não era bom! É melhor estar na várzea, mas o problema é que precisa sempre
estar começando a vida, a água acaba tudo. Não era bom. Não era bom. Eu
acho que eu dei até uma acertada. Só é difícil aqui é ter água na casa, né? Mas
chegou um ponto que melhorou bem!
Eu comecei a trabalhar com idade de 9 anos, quando eu cheguei de Santarém.
Eu parei uns tempos lá com a minha madrinha, eu já fazia as coisas. Eu que
tomava conta da cozinha dela, lá pelos 9 anos! Tinha 9 anos de idade! Eu
fazia café para ela, fazia almoço, ela lecionava, né. A minha madrinha, com
quem eu morei em Santarém. Fui para Santarém com 9 anos de idade. Eu
precisava trabalhar para estudar. A minha madrinha sempre morou lá. De-
pois que ela se casou, ela foi para lá para Belterra. Eu fiquei lá estudando,
mas ajudando ela na cozinha. Eu fazia as coisas. Eu enchia água para eles.
Não tinha água encanada em Santarém, tinha que pegar na beira. A gente
se acordava 4 horas da madrugada e enchia água, enchia água, até às 6 ho-
ras. Às 6:30, parava para tomar banho e me preparava para ir para aula. E
ela também já estava preparada para ir para aula. A aula era na casa dela
mesmo, a sala de aula. Eu me acostumei bem por lá, mas eu adoeci, fiquei
meio anêmica. Aí a irmã da minha madrinha mandou dizer para mamãe que
era para ela ir me buscar, se não eu poderia morrer para lá. Então a mamãe
achava que eu estava muito pálida e com essa febre feia que deu aqui, estava
sem imunidade. Eu sofri muito! Fiquei anêmica! De lá a mamãe mandou
me buscar, e eu vim aqui para banda dela e não voltei mais. Eu fui com 9
anos e voltei logo no outro ano, porque eu adoeci. Aí fiz o tratamento aqui
com mamãe e eu trabalhava com a minha mãe. Cozinhava, ela me deixava
em casa para fazer a alimentação para eles, e eu costurava. Aprendi a cos-
turar e eu costurava! Aprendi a costurar com minha mãe mesmo; ela sabia
costurar. Fazer calça de homem, calção, camisa. Isso tudo. Fazia! Depois de
nos casarmos, que a gente já tinha família, eu parei de costurar, eu não cos-
turava muito ! Depois que eu me casei, fui trabalhar em roçado. Nós íamos
juntos, eu e ele. Íamos juntos de manhã e eu fazia tudo o que ele fazia, era
tudo junto: roçar, capinar e plantar. Todo dia a gente ia para lá! A mãe dele
que ficava em casa e fazia o serviço da casa. A mãe dele estava com a gente.
Ela ficava tratando dos netos aí. E quando os netos já estavam grandes, ela
ficava cortando seringa. Aí eles ficavam na casa da avó deles e eles também
iam cortar seringa. Duas iam cortar seringa. O dinheiro que a gente vendia
borracha né, ajudava a manter a família (Entrevista concedida pelo casal na
residência, em julho de 2012).
146 Delma Pessanha Neves
Propriedade do imóvel
Individual 25.321 43.077 8.805.385 5.686.225
Particular 1.041 8.526 999.211 3.993.891
Entidade pública 45 4.756 25.684 258.011
Sem declaração de propriedade 23.665 1.776 - 143.900
Área do total de
Municípios Agricultura Agropecuária Pecuária
estabelecimentos
Grande Pequena Grande Pequena Grande Pequena Grande Pequena Grande Pequena
escala escala escala escala escala escala escala escala escala escala
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores durante o decorrer do ano de 2012.
152 Delma Pessanha Neves
Rio Gr.
Faixa etária Total Pará Amapá Amazonas Ceará Maranhão Paraná
do Sul
Masc
Masc
Masc
Masc
Masc
Masc
Masc
Fem
Fem
Fem
Fem
Fem
Fem
Fem
90 e +
Vivos 44 31 3 1 1 3 2 1 2
Falecidos 140 11 2 45 32 25 18 3 4
89-80 1
Vivos 284 141 121 1 8 3 3 5 1 1
Falecidos 194 74 59 15 9 13 11 6 7
79-70 6 7
Vivos 499 226 206 1 3 6 9 13 22 3 5 2 3
Falecidos 147 74 19 1 18 21 4 4 2 2 2
Subtotal 1322 557 410 6 7 3 4 93 75 57 62 18 21 4 5
Masculinos 738 557 6 3 93 57 18 4
Femininos 584 410 7 4 75 62 21 5
Total 1322 967 13 7 168 119 39 9
Masc
Masc
Masc
Masc
Masc
Fem.
Fem.
Fem.
Fem.
Fem.
Fem.
90 e +
Vivos 0
Falecidos 6 1 2 1 2
89-80
Vivos 25 2 1 1 2 12 7
Falecidos 93 1 1 2 4 1 1 2 2 43 36
79-70
Vivos 67 1 4 1 1 3 1 2 1 40 13
Falecidos 23 1 1 3 1 1 1 1 11 3
Femininos 83 4 11 2 2 3 61
quadro 16. Local de última residência (em municípios do estado do Pará) dos
indivíduos referidos no levantamento, com idade acima de 70 anos
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores durante o decorrer do ano de 2012.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 155
quadro 17. Local de residência (em outros estados e países) dos indivíduos referidos
no levantamento, com idade acima de 70 anos
Amapá Macapá 5
Barreirinha 1
Manaus 21
Amazonas
Parintins 2
Flexerinha 14
Icapuí 2
Ceará Trairi 10
Sem Informação 21
Cristalina 2
Goiás
Goiânia 1
Codó 1
Pinheiro 2
Maranhão Zé Doca 12
Sem Informação 25
Mato Grosso do Sul Santa Cruz 2
Paraná Pato Branco 2
Rio Grande do Sul Santo Cristo 2
Rondônia Porto Velho 12
Roraima Sem Informação 11
São Paulo São Paulo 2
Paraguai Sem Informação 2
Sem Informação* Sem Informação 139
Total 291
* Supostamente residentes em outros estados do Brasil.
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisadores durante o decorrer do ano de 2012.
Alfabetizado 429
Primário (terceira série) 260
Fundamental incompleto 166
Fundamental completo 50
Ensino médio 7
Ensino superior 3
Sem informação 101
Total 1.536
Fonte: Levantamento de dados para efeitos da pesquisa que vem sendo textualizada.
Atividades agropecuárias
Agricultor(a) 956 637 319
Agricultor e comerciante (mercantil) 1 1 -
Agricultor e criador de gado 1 1 -
Agricultor e pescador 6 6 -
Agricultor à proprietário de barco 1 1 -
Agricultor àcarpinteiro 1 1 -
Agricultor àcarregador 1 1 -
Agricultoràcomerciante (mercantil, minibox,
4 4 -
kit-box)
Agricultor àcomercianteà fazendeiro 1 1 -
Agricultor à construtor de casas 1 1 -
Agricultor àdespachante 1 1 -
Agricultor àdono de engenho 1 1 -
Agricultor àfeirante 1 1 -
Agricultor àpescador à carpinteiro 1 1 -
Agricultoràpescadoràfazendeiroàcomerciante 1 1 -
Agricultoràpescadoràvendedor de açaí à comer-
1 1 -
ciante
Agricultoràseringueiroàcomerciante 1 1 -
Agricultoraàfazendeira 1 - 1
Agricultoraàpescadora 3 - 3
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 159
Agricultoraàcarvoeira 1 - 1
Agricultoraàcomerciante 1 - 1
Criador(a) de cabra 2 1 1
Criador(a) de gado 1 1 -
Fazendeiro produtor de café e algodão 1 1 -
Fazendeiro(a) 3 3 -
Pecuarista 3 3 -
Pecuarista à carpinteiro à comerciante 1 1 -
Proprietário de estância 1 1 -
Proprietário de terrenos à agricultor 1 1 -
Trabalhador rural na pecuária 1 1 -
Subtotal 1.000 674 326
Atividades extrativistas
Balateiro àseringueiro 1 1 -
Garimpeiro à agricultor 2 2 -
Garimpeiro à comerciante 1 1 -
Garimpeiro à eletricista 3 3 -
Madeireiro à agricultor 1 1 -
Pescador 1 1 -
Pescador à agricultor 1 1 -
Pescador à criador de gado 4 4 -
Pescador à feirante 1 1 -
Seringalista 1 1 -
Seringueiro (aposentado como soldado da borracha) 1 1 -
Seringueiro (aposentado como soldado da borracha)
1 1 -
à agricultor
Seringueiro aposentado como soldado da borracha
3 3 -
à comerciante
Subtotal 21 21 -
Total nos setores considerados 1.021 695 326
Fonte: Levantamento realizado pela equipe de pesquisa colaboradora da construção de dados para este
texto.
Fonte: Levantamento de dados para efeitos da pesquisa que vem sendo textualizada.
Capítulo 2 - Os estertores do recrutamento de seringueiros 161
Eu tive quatro filhos e criei mais um. Tenho cinco. Meus filhos estão.... O mais velho
mora em Santarém, o segundo mora em Porto Velho, a terceira mora em Tapajós,
ela é professora, o mais novo morreu. Esse que foi para Porto Velho... é o segundo.
Ele trabalha para lá, casou para lá e trabalha para lá. Ele foi para lá para arranjar
trabalho. Ele já tinha uns vinte e dois anos. Ele é motorista numa firma de cons-
trução de estrada. Tem uma em Tapajós que é professora. Tapajós fica aí na banda
do..., na beirada do rio Amazonas. É perto de Santarém. O filho de criação está em
Manaus. Ele trabalha em firma assim de armazém. Ele me ligou e disse que traba-
lhava num armazém. Depois que ele foi, nunca mais ele veio. (Insiste:) Depois que
ele foi embora, nunca mais veio. Eu também nunca fui lá. Então faz muito tempo
que eu não vejo os meus filhos. Mais de dez anos, mais ou menos. O que está em
Porto Velho vai fazer quatorze anos que não vejo ele.9 Eu é que ligo, mas o velho
(esposo) não desgruda para ir ver eles. Ele não sai, ele gosta de ficar em casa.
Antes de vir para cá, nós estávamos em Santarém. Ele (o esposo) trabalhava
de construção, de pedreiro. Eu vendia em banquinha, tacacá, churrasco... para
complementar a renda. Tinha venda em casa, tinha no colégio, quando era tem-
po dos arraiais, aí vendia nos arraiais.10
Estou aqui há oito anos. Vim para cá por causa dele. O bicho do mato é ele,
queria vir trabalhar na colônia. Eu dizia: - Já passou do tempo, rapaz! Ele foi
ao INCRA e conseguiu o lote. Desde que vim para cá, aqui tem tudo porque eu
já plantei. Tem açaí, tem manga, tem tudo. Olha aquele pé de manga! Açaí, me-
lancia, manga, jaca, graviola...! Jenipapo. Tudo eu plantei. Essa mangueira aqui
eu plantei.
Raimundo – Eu nasci no Ceará. Nem me lembro mais o nome...! Município de
Aracoiaba. Parece! Saí de lá com vinte e dois anos, porque eu tinha vontade,
eu queria mesmo era ir para Minas Gerais. Eu não fui porque cheguei aqui e
me agradei. Ela me pegou. Não me atrapalhou, ela me amparou. Eu gostei dela
riado, a dispersão dos filhos segundo as demandas de trabalhadores e a reprodução seletiva dos que
permanecem no trabalho agrícola. Nessa geração familiar, a dispersão abarca as cidades de Santarém
e Manaus. Na geração seguinte, dos filhos da entrevistada, como ela irá detalhar, abrange a capital do
estado do Amazonas e diversos municípios do oeste do Pará, onde foram instalados empreendimentos
mineradores.
9
O leitor poderá constatar como a dispersão da família é constante nas informações prestadas pelos en-
trevistados. Esses distanciamentos físicos estão muitas vezes associados aos sociais, sendo comum a re-
ferência ao fato de se perderem mutuamente as informações a respeito da vida dos familiares migrantes.
10
As condições de vida de agricultores que se dirigem para a cidade de Santarém correspondem a acirra-
das descontinuidades na composição do rendimento para reprodução familiar. O trabalho mais inten-
sificado para corresponder às exigências da manutenção do grupo doméstico implica amplo desgaste
da saúde e capacidade de despender esforço físico. Por tais motivos, no atual contexto, é bastante re-
corrente a retomada de famílias (antes citadinas) para instalação na condição de agricultores, opção
equivalente à constituição de recursos para gerir a adequação entre reprodução familiar e gestão do
esforço físico ou grau de penosidade do trabalho. A referência da entrevistada ao trabalho de venda fixa
e ambulante de produtos alimentícios incide exemplarmente sobre a correlação entre trabalho domés-
tico com e sem remuneração, objeto central de análise neste volume da coleção Mulheres em Santarém.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 167
e casei com ela. Até hoje não nos largamos. Não, nós nunca dormimos, nem
uma noite, brigados! Às vezes tem aquele negócio, mas não é coisa de ficar
com raiva não. Saí do Ceará e vim para Santarém, diretamente. Parei aqui.
Passei dois anos, dois anos não, um ano e..., na época de madeira. Tirando
madeira, fazendo estrada para os Coimbras, pessoas ricas. Eles são paraenses.
Gente rica! Eles exploravam o terreno deles para vender madeira. Quando saí
do Ceará não sabia cortar madeira, mas a gente aprende. Primeiramente nós
passamos dez meses lá. Tombando... Cortando. Lá é castanha, seringa... Lá no
Alto Jari. Fiquei dez meses lá. Depois eu vim para cá, para Santarém. Saí de lá
e vim para Santarém, porque foi destino, queria viajar. Deu na cabeça. Conheci
ela, conversei com ela e de lá para cá nunca mais nos afastamos.11
Isabel – A gente se conheceu dentro de um carro. Eu vinha para Santarém e ele
também vinha para casa de um conhecido dele. Aí ele desceu antes de mim, eu
desci depois, nós nos encontramos... Eu encontrei com a minha mãe, eu ia junto
com a minha mãe, aí eu encontrei ele e outro rapaz. Eles pararam, conversa-
ram, perguntaram onde ia ter festa, minha mãe falou, né? Eles perguntaram se
nós íamos, ela respondeu que sim. Nós fomos e lá na festa nos conhecemos. Eu
vi quando ele passou...
Raimundo – Aí, fui trabalhar em roça. Nós só fomos para cidade porque na-
quele tempo acabou o estudo dos meninos e eles queriam estudar.12
Isabel – Acabou o primário. Depois que nós estávamos lá que surgiu na colônia
o estudo que eles precisavam.
Raimundo – Eu comprei um terreno na colônia. Era pequeno. Dava para ir es-
capando. Eu só vim para cá para o Assentamento em 2002, em cinco de agosto
de dois mil e dois. Construção não dá resultado, eu já estou velho. Primeiro
eu vim só. Eu fiz duas casas de farinha, essa aí, a grande. Ela acostumou aqui
e não quis mais ir embora.
Isabel – Eu não, eu quero voltar (risos), mas ele não quer.
Raimundo – Ela gosta, ela tira tapioca para vender.
Isabel – Eu vendo lá no mercado em Santarém. Eu vou amanhã. Amanhã é sex-
ta. A gente dorme na casa da minha neta, ela está lá na nossa casa. É perto da
Faculdade, lá na (rua) Agripino de Matos, onde tem a antena de celular. Vendo
11
Construindo-se em disponibilidade para demandas de trabalhadores, o leitor pode perceber como há
dispersão deles englobando ampla parte da região amazônica; e como os recrutamentos mais intensi-
ficados de força de trabalho para frentes de expansão de derrubada de matas estimulam a migração de
indivíduos de outros estados que aí permanecem diante de vínculos pela formação da família conjugal.
12
O entrevistado reafirma considerações que já apresentei no texto: o crescimento da população na sede
do município está muito associado ao investimento dos pais no sentido de ampliar o nível de instrução
dos filhos, mesmo que essa alternativa implique para o casal condições de trabalho menos satisfatórias
que aquelas asseguradas pelo trabalho agrícola e autônomo.
168 Delma Pessanha Neves
a farinha no Mercadão.13 Vamos os dois juntos. Todo mês a gente vai, ele vai
receber..., eu não, por ruindade do INSS. Eles falam que é porque eu sou casada
no civil. É por causa do sindicato. Nasci na colônia, fui criada na colônia, estou
na colônia e não tenho direito à aposentadoria?
Raimundo – Eles falam que é porque ela é casada, o meu salário dá para mim
e para ela. Casada no civil.
Isabel – Eu pago o sindicato, pago a associação.
– Se a senhora não tem direito à aposentadoria, por que está pagando o Sindicato?
Isabel – Pois é, tem uma senhora lá no centro que falou: - D. Isabel, a senhora
não tem mais direito de pagar sindicato, porque a senhora não foi beneficiada e
mesmo a mulher só pode pagar até cinquenta e cinco anos. Se já se aposentou,
não paga mais. Mas aí eu levei uns papeis para lá, falei com o delegado do sindi-
cato. Ele falou que só podia dar se eu pagasse até o resto do ano. Eu paguei todi-
nho o resto do ano. O delegado daqui é o Maurinho. Eu paguei e levei os papeis
para lá. O rapaz de lá não resolveu ainda. Está lá, dia vinte é para eu passar lá. É
só uma vez só no mês que vamos na cidade para vender. Vendemos a farinha e a
goma. Só. Nós nunca vendemos arroz. A gente faz arroz só para despesa mesmo.
Milho também é para despesa, feijão também.
Raimundo – Tem um filho mais velho que vem aqui para ajudar..., mas ele não
vive aqui porque é empregado. Ele vem e leva umas coisinhas para ele.14 Leva,
ajuda... Ajuda a fazer farinha... Arrancar mandioca, carregar.
Isabel – Ele trabalha lá na Mistura Brasileira. Lá perto da Caixa Econômica, um
restaurante que tem. Ele é churrasqueiro lá.
Raimundo – Uma vez por mês nós dois saímos daqui e vamos no ônibus...
Vamos num dia e voltamos no outro.
Isabel – Na hora de fazer farinha, nós dois fazemos. Se quiser fazer um saco ou
dois, a gente faz.
Raimundo – Nós chegamos e a terra era cheia de árvore assim... Era só mata.
13
Este é um padrão recorrente de vínculo dos camponeses com o mercado. Levam farinha de mandioca,
principalmente, e se aprovisionam dos demais produtos necessários para a despesa do mês. Saliento
ainda a referência também recorrente à residência multissituada. Como há uma enorme concentração
de prestação de serviços sociais na cidade, contar com residência neste ambiente é quase condição
fundamental para viver na colônia: além de permitir a dispersão dos membros da família e facilitar a
incorporação de alternativas de conformação do rendimento pelo exercício de outras atividades, ainda
propicia a comercialização dos produtos agrícolas no varejo. A residência na cidade também corres-
ponde à previsão de tratamentos de saúde mais prolongados, possibilidade quase sempre negada aos
que se encontram desprovidos dessa dupla residência. Chamo a atenção, a partir da experiência dos
entrevistados, para a inadequação da polaridade entre espaço rural e urbano, pois que de fato eles são
territórios integrados de condições de vida familiar.
14
Mais uma vez os entrevistados se referem à complementaridade de apropriação de recursos no espaço
agrícola e naquele da centralidade de oficinas, unidades de comércio e prestação de serviços.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 169
Era mata virgem. Tiramos dez hectares. Aqui foi tudo eu que plantei. Logo fize-
mos oito tarefas. A primeira vez que limpei foi para oito tarefas. Dormimos dois
anos embaixo de plástico. Onze noites a onça vinha, ela ia na beira do igarapé
e voltava. Isso na lona. Na lona coberta, não era cercada não. Eu tinha medo
da onça, mas medo não mata ninguém. Saudade não mata ninguém, medo não
mata ninguém, amor também não mata ninguém. Eu não queira mais ficar em
Santarém... Eu queria vender e vir para cá. A casinha que tem lá, mas eu disse
para deixar lá, porque às vezes a gente vai... A minha neta mais velha, eu criei
ela, ela agora mora lá. Ela tem três meninas. Sabe o que é? Às vezes, quando a
gente vai ficando mais velho, vai aparecendo umas doenças e não pode ficar
aqui. Pode ser minha e pode ser dela. É melhor deixar a casinha lá. Vender
para trabalhar mais na terra? Já está bom o que fizemos aqui. Eu tenho uma
dor nesse joelho daqui, jogando bola, e dói todo tempo. Em médico eu não vou,
tomei remédio só para malária.
Aqui é grande, mas a gente só tem direito a vinte por cento, uns 20ha. No final
nós estamos tomando conta de mato. Não pode caçar, não pode derrubar...15
Isabel – Não pode colocar cachorro no mato, não pode caçar, não pode tirar
madeira. Então para quê a terra? Só para pagar imposto. Só dentro dos vinte
por cento.
Raimundo – Só para pagar imposto, essas coisas. Se for mais de vinte ainda
paga multa. Oitenta por cento ninguém pode tocar.
– Seu Raimundo, comenta um pouco sobre a sua família no Ceará.
Raimundo – A família ficou no Ceará. Minha mãe já morreu, meu pai já mor-
reu, morreram dois irmãos.
Isabel – Eu já fui lá duas vezes com ele, quando a mãe dele e o pai dele eram vivos.
Raimundo - Eles não vieram aqui, só veio um irmão, esse já morreu.
Isabel – Ele tem uma irmã que mora em Santarém também.
Raimundo – A vida é assim, cada um viaja para um lado. No Rio de Janeiro
acontece tanta coisa e eles não procuram um destino assim, como cearense
faz. Cearense procura destino.16 Cearense vai para o Rio, vai para São Paulo,
Minas Gerais, Pará, Amazônia, não é? Cearense vai... Primeira coisa vai para
o Maranhão, vai e passa uns tempos e bota perna no mundo ! (sorrindo). Eu
fiquei por aqui mesmo. Nós estamos com cinqüenta e dois anos de casado.
15
Nesta interferência o entrevistado esclarece os fatores limitantes e a serem enfrentados quando há de-
cisão quanto à dedicação ao trabalho agrícola autônomo e à formação do sítio familiar.
16
Dito de outra forma, não aceitando condições já dadas, investe na construção de outras alternativas
que propiciem percursos diferenciados daqueles a priori assegurados pelas condições de vida dos
pais.
170 Delma Pessanha Neves
18
Na contagem de domicílios particulares ocupados pelo Recenseamento Geral de 1950, a distinção
dos termos classificatórios engloba os seguintes atributos: condição de ocupação dos domicílios to-
talizados em 10.430: 8.509 próprios, 742 alugados e 1.179 em outras condições. Desses domicílios,
1.809 correspondiam ao espaço urbano, 1.467 ao espaço suburbano e 7.154 ao rural. A referência aos
domicílios alugados faz sentido para os chamados espaços urbanos e suburbanos. No espaço rural,
daquele total apontado, apenas 65 foram considerados alugados. A diferença que melhor qualifica a
subdivisão do espaço urbano se refere ao número de domicílios com instalações de serviços públicos.
No categorizado espaço urbano, 559 domicílios contavam com água encanada, 798 com iluminação
elétrica e 1.736 com aparelho sanitário. Levando em conta essa mesma ordem de apresentação para
o espaço classificado como suburbano, as sequências são as seguintes: 38 domicílios com água en-
canada, 49 com iluminação elétrica e 1.181 com aparelho sanitário. Esses serviços são praticamente
inexistentes no espaço rural, a saber: 10 domicílios com água encanada, 11 com iluminação elétrica
e 1.623 com aparelho sanitário (VII Recenseamento Geral do Brasil, Censo Demográfico do Estado do
Pará, 1956:117).
19
No decorrer do texto, retomo, propositadamente, alguns dados estatísticos já apresentados em capítu-
los anteriores. A repetição não corresponde assim a descuidos. Eles são reapresentados para facilitar a
leitura e as articulações de dados em contextos próprios. Neste caso, retomo o número absoluto da po-
pulação de Santarém a partir de 1920, contexto a partir do qual iniciei a reflexão aqui exposta, evitando
que o leitor mais atento tenha que operar em vai e vem.
172 Delma Pessanha Neves
20
Repito aqui os dados estatísticos já apontados para composição da população na década de 1940, para
facilitar o trabalho comparativo de compreensão das mudanças na composição e forma de territoria-
lização dos habitantes dos municípios de Santarém e Itaituba (em consonância com a representação
numérica).
quadro 23. População do município de Itaituba, segundo distribuição por sexo e qualificação dos espaços residenciais, entre 1940
Municípios e Totais
quadros urbanos quadro suburbano quadro rural
distritos
Total Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
1940 9.152 4.842 4.310 278 300 -- -- 4.564 4.010
Itaituba 5.415 2.886 2529 178 203 -- -- 2.708 2.326
21
Para facilitar a leitura, relembro, conforme já apresentado, que a população total de Santarém em 1920 era de 41.546 habitantes: 20.514 homens e 21.032 mulheres.
173
1950 60.229 30.084 30.145 5.181 6.075 3.921 4.036 20.982 20.034
Curuaí 7.826 3.914 3.912 125 140 59 80 3.730 3.692
Santarém 35355 17531 1.7824 3718 4.632 2.740 2.971 11.073 10.221
Alter do Chão 5323 2634 2689 143 156 39 34 2.452 2.499
Aveiro 337 172 165 101 89 -- -- 71 76
Belterra 7.226 3.789 3.437 843 753 1.030 930 1.916 1.754
Boim 3461 1717 1744 173 209 53 44 1.491 1.491
1960 92.146 46.152 45.992 6.549 7.717 8.706 9.143 30.885 29.133
Curuaí 8527 4241 4286 203 236 59 57 3.979 3.993
Santarém 59.731 28.819 29.962 4.478 5.764 6.799 7.259 18.344 16.939
Alter do Chão 7.098 8.523 3.561 258 208 103 104 3.171 3.165
Aveiro 688 357 383 90 98 -- -- 267 235
Boim 4.145 2.140 2.008 391 183 134 139 1.815 1.684
* Não foi possível, até o momento da redação deste texto, obter dados diferenciados da população segundo sexo, no tocante ao Censo Demográfico de 1970.
Fonte: IBGE, 1952, p. 179, p. 180; 1967, p. 260-261; 1973, p. 217-318.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 175
quadro 26. Pessoal ocupado, por sexo e formas de vínculo no setor agrícola e
agropecuário, no município de Santarém, entre 1950 e 1970
22
O termo tarefa equivale à unidade de área ou medida do uso do solo destinado a atividades agrícolas
ou agropecuárias, com dimensões relativamente diferenciadas conforme a naturalidade dos agriculto-
res: de 3.052m2 a 4.356m2. Para os agricultores de Santarém a referência equivale, aproximadamente, a
3.630m2.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 179
Estabelecimentos Área
Condição do produtor
1950 1970 1950 1970
Proprietário 3.341 1.452 462.097 85.411
Arrendatário 1.133 81 67.714 680
Parceiro 67 268 2.770 1.730
Ocupante 2.036 9.216 63.749 181.035
Fonte: IBGE, 1956, p. 57, 81, 99; 1973, p. 123-125-131, 161.
quadro 28. Utilização das terras no município de Santarém, entre 1950, 1960 e
1970
Lavouras
3.328 1.152 4.845 10.886 10.686 12.204
permanentes
Lavouras
6.501 8.603 10.056 18.203 18.203 22.962
temporárias
Pastagens
1.596 799 1.769 59.768 51.622 45.817
naturais
Pastagens plan-
291 2.515 578 2.515 1.814 6.771
tadas
Matas e florestas
1.152 2.744 4.280 - 330.228 82.335
naturais
Matas e florestas
9 18 17 290 568 150
plantadas
Terras em
descanso e
556 5.508 11.860 4.087 141.741 87.094
improdutivas não
utilizadas
quadro 30. Colheita e tipo de cultivo dos principais produtos das lavouras
temporárias e permanentes em Santarém, entre 1940 e 1970
Tipos de cultivo, 1940 1950 1960 1970
produtos/
Área Área Área Área
unidades de Quantidade Quantidade Quantidade Quantidade
(ha) (ha) (ha) (ha)
medida
Lavouras temporárias
Algodão 833 - - - - - 7.404 3 891
Arroz em casca
cultivo simples,
1.273 - 6.680 3 947 4.622 1.835
associado e misto
(toneladas)
Cana-de-açúcar
cultivo simples e - - - - - - 519 564
misto (toneladas)
Feijão em grão
cultivo simples,
466 - - - 992 1.616 36.175 6.078
associado e misto
(toneladas)
Mandioca em
cultivo associado,
24.329 - - - 41.302 6.132 21.029 3.334
intercalado e
misto (toneladas)
Milho em grão
cultivo simples,
2436 - - - 2.697 2.885 2.727 3.221
associado e misto
(toneladas)
Abacaxi
- - - - - - 88 -
(mil frutos)
Abóbora
- - - - - - 10 -
(mil frutos)
Alface (toneladas) - - - - - - 85 -
Batata-doce
- - - - - - 13 -
(toneladas)
Couve (toneladas) - - - - - - 174 -
Fumo em folha
57 41.718 -
(toneladas)
Juta em haste
- - - - 2.138 2.190 1.824 -
(toneladas)
Malva em haste
222 -
(toneladas)
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 183
Abacate
- - 89.320 - - - 986 322
(mil frutos)
Borracha
183 - - - 2.614 1.326
(cultivada)
Cacau 51 - - - 19 -
Coco-da-baía
- - 22 - - - 17 -
(mil frutos)
Cupuaçu
- - - - - 198 -
(mil frutos)
Limão
- - 12.102 - - - 16 -
(mil frutos)
Mamão
- - - - - - 42 -
(mil frutos)
Manga
- - 2.370 - - - 1 -
(mil frutos)
Mudas
- - - - - - 8 -
(mil unidades)
Pimenta-do-reino
- - 1 - - - 328 -
(toneladas)
Tangerina
- - - - - - 7.404 3.891
(mil frutos)
Observação: Os dados do censo econômico de 1940, tais como apresentados no capítulo anterior, aponta-
vam para a produção de fumo em corda (11 toneladas). Os dados do Censo de 1970 detalham o número
de pés em produção para os seguintes produtos: Cacau – 19.773; Café - 404.353; Laranja - 28 142.
Fonte: IBGE, 1953, p. 109, 268, 270; 1970, p. 243, 244-248, 251-257, 262-277, 279-295.
184 Delma Pessanha Neves
quadro 31. Produtos vegetais extrativos no município de Santarém, entre 1940 e 1970
1940 1950 1960 1970
Produtos Quant. Quant. Quant. Quant.
Informantes Informantes Informantes Informantes
(Ton.) (Ton.) (Ton.) (Ton.)
Borracha - 183 83 434 98 33 218 132
Castanha - - 3 22 55 12 - -
Caroa - - - - - - 111 312
Carvão - - - - 15 229 675 4.709
Lenha - - 23 83.105 20 7.242 - -
Madeira
- - - - 363 70.764 - -
(toras)
Fonte: IBGE, 1952, p. 111, 269, 271; 1970, p. 295, 299-300.
[...]
ASPECTOS URBANOS - A cidade de Santarém conta com 53 logradou-
ros públicos, dos quais 3 inteiramente pavimentados; 2.947 prédios e,
segundo dados do Recenseamento Geral de 1950, 14.061 habitantes.
É servida de luz elétrica e água canalizada. A i1uminação pública se
estende a 52 logradouros e a domiciliária conta com 1.982 ligações. A
rede distribuidora de água abastece 32 logradouros com 956 ligações
domiciliárias.
ASSISTÊNCIA MÉDICO-SANITÁRIA - Existem um Hospital, um Centro
Médico, um Subposto Sanitário, um Posto de Saúde e um Lactário. O
Hospital, o Centro Médico e o Subposto Sanitário são de finalidades
gerais, mantendo serviços de cirurgia e clínica médica em geral; en-
quanto que o Posto de Saúde e o Lactário são de finalidades especia-
lizadas, com os serviços de malária. O Hospital Ford, no distrito de
Belterra, é mantido pelas plantações Ford de Belterra, pertencente ao
Governo Federal, com 50 leitos. O Centro Médico na cidade é mantido
pelo Serviço Especial de Saúde Pública (S. E. S. P.), com 59 leitos, sen-
do 56 gratuitos e 3 para pessoal técnico do hospital. O corpo clínico
é composto de 5 médicos, 1 dentista e 102 enfermeiros. O Subpos-
to Sanitário também é mantido pelo S.E.S.P. e possui uma farmácia.
O Lactário é mantido pela L.B.A., possui apenas 1 Lactário. O Posto
de Saúde é mantido pelo Departamento Nacional de Endemias Rurais,
com 40 guardas.
ASSISTÊNCIA SOCIAL E COOPERATIVISMO - Existem no município as
seguintes associações: Associação da Pia União de Santo Antônio, fun-
dada em 1910, contando com 220 sócios e tendo como finalidade pres-
tar auxílios e benefícios aos necessitados; Associação de São Vicente de
Paulo, fundada em 1944, contando com 88 sócios e tendo como finali-
dade prestar auxílios e benefícios aos necessitados; Congregação das
Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição, fundada em 1914; esta
instituição não possui sócios e tem como finalidade a assistência es-
colar; Colônia dos Pescadores, fundada em 1919, contando com 1.375
sócios e tendo como finalidade assistência médica, escolar, funerária e
pecuniária aos seus componentes; Sociedade Artística Beneficente de
Santarém, fundada em 1907, contando com 110 sócios e tendo como
finalidade assistência escolar, médica, funerária e mutuária aos seus
componentes.
[...]
ENSINO - Em 1956, funcionaram 91 unidades de ensino primário fun-
damental comum, com a matrícula geral de 6.392 alunos. Na sede mu-
nicipal, funcionaram 7 estabelecimentos de ensino extraprimário: 1)
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 189
Ginásio Santa Clara, possuindo: curso ginasial com 213 alunos do sexo
feminino e 10 professores, curso pedagógico com 28 alunos do sexo
feminino e 9 professores; 2) Ginásio D. Amando, possuindo o curso gi-
nasial, com 175 alunos do sexo masculino e 9 professores; 3) Escola
de Comércio do Baixo Amazonas, possuindo o curso comercial básico,
com 39 alunos do sexo masculino e 19 alunos do sexo feminino e 11
professores; 4) Escola Santa Maria Goretti, possuindo o curso de Can-
to, Solfejo, Música Instrumental, com 45 alunos do sexo feminino e 3
professores; 5) Escola Pratt, curso de datilografia, com 43 alunos do
sexo masculino e 60 alunos do sexo feminino e 1 professor; 6) Escola
Musical de Santarém, possuindo o curso de música instrumental, com
17 alunos do sexo masculino e 1 professor; 7) Ginásio Batista de Santa-
rém, que começou a funcionar em 1957.
OUTROS ASPECTOS CULTURAIS – O Teatro Municipal Vitória, o Cine-te-
atro Cristo Rei (500 lugares) e o Cinema Olímpia, com tela panorâmica
e 720 lugares, são os principais estabelecimentos de diversões públicas.
A Biblioteca da Prefeitura Municipal com mais de 2.000 volumes e a Bi-
blioteca da paróquia de Nossa Senhora da Conceição, com mil volumes,
ambas de caráter geral, são bastante movimentadas.
Contam-se nove associações culturais de caráter esportivo, realizando-
-se o campeonato de futebol com grande animação. Além disso, o in-
tercâmbio esportivo com Óbidos, Alenquer e Monte Alegre é bastante
acentuado. Também do interior do município vêm à cidade c1ubes de
futebol para animadas partidas.
Merece especial referência o “Centro Recreativo”, agremiação cultural-
-recreativa e dançante, que possui uma moderna e excelente sede so-
cial. O “Centro Recreativo”, além das festas dançantes promove reuniões
de caráter artístico-literário, desenvolvendo na cidade o gosto pelas ar-
tes e letras. Além dessa ímpar agremiação, conta-se por mais de uma
dezena, as de menor porte, na cidade e no interior do município.
Existem em Santarém três jornais, mas somente dois estão sendo pu-
blicados com regularidade e que são: O “Jornal de Santarém”, semaná-
rio, circulando todos os sábados, a serviço da seção local do Partido
Social Democrático e o “Mariano”, quinzenário circulando nos dias 15 e
30 de cada mês, jornal católico oficial da Prelazia de Santarém. O outro
semanário, “O Baixo Amazonas”, pertencente à Empresa Gráfica Baixo
Amazonas, encontra-se paralisado.
Santarém possui a única radioemissora do interior do Estado do Pará,
a estação ZYR-9 - Radio Clube de Santarém, Ltda [...].
No distrito de Alter do Chão, estão instalados trabalhos de pesquisas
de petróleo, a cargo da Petrobrás. A perfuração é feita na ponta do
190 Delma Pessanha Neves
quadro 33. Pessoas presentes, por faixa etária e sexo, no município de Santarém,
1940, 1960 e 1970
Número de pessoas
Faixa etária
Masculino Feminino Total
1940 1960 1970 1940 1960 1970 1940 1960 1970
> 9 anos 7.794 16.319 23.911 7.280 15.816 23.272 15.074 32.135 47.183
10 a 19 5.360 10.814 17.168 5.272 11.086 17.587 10.632 21.900 35.025
20-29 4.320 6.591 9.231 4.504 38.129 9.559 8.824 13.595 18.790
30-39 2.862 4.738 6.556 2.793 4.583 6.328 5.655 9.321 12.884
40-49 1.895 3.610 4.771 1.844 3.494 4.397 3.739 7.104 9.168
50-59 1.554 2.219 3.121 1.594 2.104 3.064 3.148 4.323 6.185
60-69 1.245 1.883 1.173 1.771 2.418 3.654
70 e mais 184 605 876 287 719 1.061 471 1.324 1.937
Idade
6 11 212 10 13 173 16 24 385
ignorada
Total 23.975 46.152 67.729 23.584 45.992 67.212 49.499 92.144 134.941
Fonte: IBGE , 1953, p. 160-161; 1967, p. 217, 220-221, 232, 233,1973, p. 155-159.
quadro 34. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e tempo de
residência, entre 1970-1980
Anos do recenseamento
Faixa etária 1970 1980
Total Homens Mulheres Total Homens Mulheres
De 0 a 4 anos 25.255 12.518 12.337 34.675 17.657 17.018
5 a 9 anos 22.332 11.396 10.936 30.406 15.527 14.879
10 a 14 anos 19.320 9.603 9.717 27.218 13.691 13.527
15 a 19 anos 15.705 7.565 8.140 22.637 11.121 11.516
20 a 24 anos 10.4575 5.109 5.348 16.132 7.998 8.134
25 a 29 anos 8.333 4.122 4.211 12.438 6.117 6.321
30 a 34 anos 6.591 3.362 3.229 9.734 4.946 4.788
35 a 39 anos 6.293 3.194 3.099 8.512 4.275 4.237
40 a 49 anos 9.168 4.771 4.397 13.183 6.821 6.362
50 a 59 anos 6.185 3.121 3.064 8.440 4.427 4.013
60 a 69 anos 3.654 1.883 1.771 5.368 2.647 2.721
70 anos e mais 1.937 876 1.061 3.249 1.503 1.746
Idade ignorada 385 212 173 47 26 21
Total 135.215 67.732 67.483 192.039 96.756 95.283
Fonte: IBGE, VIII Recenseamento Geral - 1970. Série Regional – Pará. Vol. I – tomo IV. Rio de Janeiro: IBGE,
1973. p. 154-159. IBGE, IX Recenseamento Geral do Brasil – 1980. Vol. I – tomo 3 – nº 4 - Pará. Rio de
Janeiro: IBGE, 1983. p. 36-37.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 193
quadro 35. Pessoas não naturais de Santarém, por tempo de residência no município,
1980
População migrante
Distribuição do tempo de residência
Total Homens Mulheres
Menos de 1 ano 3.853 1.980 1.873
1 ano 2.143 1.064 1.079
2 anos 1.813 843 970
3 anos 1.813 924 889
4 anos 1.904 974 930
5 anos 1.960 961 999
6 a 9 anos 6.336 3.267 3.069
10 anos ou mais 16.739 8.906 7.833
Sem declaração 63 19 44
Fonte: IBGE,1983, p. 154-155,157-159.
quadro 38. Pessoas não naturais do município de Santarém, por local e tempo de
residência, entre 1970 e 1980
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Total
Homens
Mulheres
Santarém 8.697 4.037 4.660 23.584 19.938 18.924 111. 657 54.556 57.101 191.950 96.667 95.283
Santarém 7.527 3.464 4.063 12.559 9.087 8.496 102.181 49.774 52.407 147.356 73.776 73.580
Alter do Chão 256 124 132 5.277 5.514 5.145 682 338 344 6.465 3.360 3.105
Arapixuna - - - - - - 310 151 159 5.730 2.294 2.756
Aveiros 210 116 94 320 185 226 - - - - - -
Belterra - - - - - - 3.619 1.795 1.824 6.723 3.425 3.298
Boim 300 149 151 1.516 1.422 1.365 615 318 297 4.030 2.704 1.956
Curuaí 404 184 220 3.912 3.730 3.692 1.254 622 632 17.673 8.957 8.716
Mojuí dos Campos - - - - - - 2.996 1.558 1.438 3.973 2.101 1.872
Mojuí dos
3.306 1.393 1.159 416 385 284 158 108 50
Campos
Total 3.513 404 25 346 9 490 36 354 8 361 55 362 23 470 88 182 40 84 102 49 25
Tucuruí 9 1 - - - 1 1 - - - 3 - - 1 - 2 - - - - -
*
Delma Pessanha Neves
Faixa Etária
fora do estado do Pará
Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Macapá 15 2 - 3 - 3 - - - - - 1 - - - 1 - - - - -
Amapá
Subtotal 16 2 - 3 - 3 - - - - - 2 - 5 - 1 - - - - -
Santana 1 - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - -
Manaus 28 5 - 5 - 4 - 6 - 3 - 5 - - - - - - - - -
Piracuara 5 - - - - 1 - - - - - - - 3 - 1 - - - - -
Amazonas
Subtotal 34 5 - 5 - 5 - 6 - 3 - 5 - 3 - 1 - - 1 - -
Urucurituba 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 - -
Bahia
Subtotal 4 - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - 2 - -
S/ informação 4 - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - 2 - -
Canindé 1 - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - -
Flecheirinha 71 2 - 1 - 7 - 5 - 14 3 6 - 18 4 7 2 - 2 - -
Icapuí 5 - - - - 1 - - - 2 - 2 - - - - - - - - -
Morada Nova 3 - - - - 1 - 1 - - - - - 1 - - - - - - -
Ceará
Semoaba 1 - - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - -
Sobral 2 - - - - - - - - - - - - 2 - - - - - - -
Tiangua 24 - - - 1 2 1 2 - 1 - 6 - 3 2 3 1 - 2 - -
Trairi 10 - - - - - - - - 5 - 5 - - - - - - - - -
Subtotal 201 4 4 6 1 12 2 11 1 25 8 27 - 32 10 13 4 12 25 2 2
Delma Pessanha Neves
S/ informação 84 2 4 5 - 1 1 3 1 3 5 7 - 8 3 3 1 12 21 2 2
Faixa Etária
30-39 40-49 50-59 60-69
S/ INF.
Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Montanha 2 - - - - - - - - 2 - - - - - - - - - - -
Santo
Espírito
Nova Venecia 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - -
Subtotal 12 - - - - - - 1 - 6 - 1 - 3 1 - - - - - -
Vitória 9 - - - - - - 1 - 4 - 1 - 2 1 - - - - - -
Goiás
Cristalina 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - -
Subtotal 5 - - - - 4 - - - - - - - 1 - - - - - - -
S/ informação 4 - - - - 4 - - - - - - - - - - - - - - -
Arame 11 1 - - - - 1 - - 3 1 - - 1 - - - 1 1 1 1
Bacabal 2 1 - 1 - - - - - - - - - - - - - - - - -
Caxias 7 1 - 1 - - - - - - - 2 - 2 - - - 1 - - -
Codo 8 - - - - - - - - 1 1 - 2 - - - - 3 - 1 -
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato
Coroata 2 - - - - - - - - 1 - 1 - - - - - - - - -
Davinópolis 1 - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - -
Icatu 5 - 3 - - - - - - - 1 1 - - - - - - - - -
Imperatriz 18 3 - 1 - 3 - 2 - - - 3 - 3 - 1 - 1 - 1 -
-
Lage 5 - - - - - - - - - - - - - - - - - 3 - 2
Lago da pedra 2 2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Pedreira 8 - - - - 1 - - - 1 3 1 2 - - - - - - - -
Pindaré 3 - - - - 1 1 - - 1 - - - - - - - - - - -
Pinheiro 8 - - - - 1 - 1 - - - - - 2 2 - 2 - - - -
Santa Inês 12 1 - 3 - - - - - 2 - 1 - - - 1 - - 3 - 1
Santo Antonio 1 - - 1 - - - - - - - - - - - - - - - - -
São Luis 34 8 - 2 - 6 - - - - - 2 - 6 1 2 - - 3 - 4
Zé doca 21 2 - 2 - 3 - 2 3 - - 1 - 2 - 1 - 3 - 2 -
Subtotal 284 23 6 20 2 37 5 18 3 25 7 27 4 32 10 10 4 15 15 13 8
205
S/ informação 136 4 3 9 2 22 3 13 - 16 - 15 - 16 7 5 2 6 5 8 -
Faixa Etária
206
Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Corumbá 3 - - - - - - - - 1 - 2 - - - - - - - - -
Santa Cruz 5 - - - - - - - - - - - - - - - - - 4 - 1
Mato Grosso
Subtotal 10 - - - - 2 - - - 1 - 2 - - - - - - 4 - 1
S/ informação 2 - - - - 2 - - - - - - - - - - - - - - -
Catulé do Rocha 4 - - - - - - - - 1 - - - 1 2 - - - - - -
Paraíba
Subtotal 5 - - - - - - - - 1 - - - 2 2 - - - - - -
S/ informação 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - - -
Catanduvas 2 - - - - - - - - 1 - 1 - - - - - - - - -
Maripá 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1
Paraná
Pato branco 17 - - - - - - 1 - 1 1 3 - - - - - 1 6 3 1
Subtotal 25 1 - 2 - 1 - 2 - 2 1 4 - - - - - 1 6 3 2
Rondon 5 1 - 2 - 1 - 1 - - - - - - - - - - - - -
Flores 2 - - - - - - - - - - - - 2 - - - - - - -
Subtotal 5 - - - - - - - - - - 1 - - - - - - - - -
S/ informação 3 - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - - - -
Pernambuco
Mossoró 1 - - - - - - - - - - - - - 1 - - - - - -
do Norte
Rio Grande
Subtotal 3 - - - - - - - - 2 - - - - 1 - - - - - -
S/ informação 2 - - - - - - - - 2 - - - - - - - - - - -
Delma Pessanha Neves
Faixa Etária
30-39 40-49 50-59 60-69
S/ INF.
Estados
Municípios Total
H M H M H M H M H M
V’ F’ V F V F V F V F V F V F V F V F V F
Alecrim 12 - - - - 1 - - - 3 2 - - - 3 - 3 - - - -
Campina das
2 - - - - - - - - - - - - - 1 - - - 1 - -
Missões
-
Caraá 1 - - - - - - - - - - - - - - - - - - 1 -
Cerro Largo 2 - - - - - 2 - - - - - - - - - - - - - -
Santo Cristo 16 - - - - - - 2 - 3 - 3 - 1 - 3 - 1 2 1 -
São Miguel 5 - - - - 1 - 3 - 1 - - - - - - - - - - -
Subtotal 40 - - - - 2 2 5 - 7 3 3 - 1 5 3 3 1 3 2 -
S/ informação 2 - - - - - - - - - 1 - - - 1 - - - - - -
Ji-Paraná 2 2 - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato
Subtotal 3 2 - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - -
S/ informação 1 - - - - - - - - 1 - - - - - - - - - - -
Subtotal 2 - - - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - -
S/ informação 2 - - - - - - - - - - - - 1 - 1 - - - - -
Roraima Rondônia
Santa
Cunhaporã 2 - - - - 2 - - - - - - - - - - - - - - -
Subtotal 6 1 - - - 2 - - - - - - - - 1 - - - 2 - -
S/ informação 4 1 - - - - - - - - - - - - 1 - - - 2 - -
São
Paulo Catarina
Subtotal 1 - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - - -
Campinas 1 - - - - 1 - - - - - - - - - - - - - - -
S/ informação 91 - - - - 2 - - - - - - - 17 15 - - 28 16 9 4
Total 747 38 10 36 3 71 9 43 4 73 19 73 4 101 47 29 11 57 74 28 17
207
Observação: H – homem; M – mulher; V – vivo; F - falecido; S/ inf. Parcial, mas com informação sobre o local de residência; e S/ informação parcial referente à loca-
lização, mas assegurando dados sobre a faixa etária.
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
208
Como venho destacando, o município de Santarém não corresponde a um paradeiro final de indivíduos e famílias
que se dispuseram a migrar da terra natal. Muitas vezes eles integram outros modos de dispersão, em boa parte dos ca-
sos a partir dos filhos. Para demonstrar este aspecto do processo migratório e os múltiplos sentidos atribuídos à fixação
permanente ou temporária no município de Santarém, volto a considerar esses mesmos indivíduos quanto à residência
no momento da entrevista.
quadro 43. Local de residência dos indivíduos citados no levantamento, na faixa etária de 30 a 69 anos
Faixa Etária
Municípios 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 -69
Estados Total
M F M F M F M F
V F V F V F V F V F V F V F V F
Alenquer 75 2 1 5 12 - 1 1 14 2 12 2 16 2 3 2
Altamira 29 - 1 1 13 - 1 1 - 1 2 1 2 3 2 1
Ananindeua 6 - - - - - - - - - - 1 1 1 - 3
Aveiro 41 1 1 5 - 11 - - 1 11 2 2 - 1 2 3 1
Belém 56 1 - 5 - 12 - 3 1 - - 11 1 4 6 7 5
Belterra 98 10 1 13 - 28 1 1 1 14 2 14 2 1 3 4 3
Boim 27 1 - 8 - - - - 11 - 2 - 2 1 2
Bragança 1 - - - - - 1 - - - - - - - - -
Breves 14 - 1 - - - - - - 11 - - - - 2 -
Castanhal 3 - - - - - - - - 2 - 1 - - - -
Gurupá 5 - - - - - - - - - 3 - - 1 - 1
Itaituba 67 8 1 13 - 21 - 4 - 5 - 3 - 5 3 4
Jacareangá 15 2 1 8 - 2 - - - - 1 - - - 1 -
Jari 3 2 - - - - - - - - - - - - - 1
Pará
Juruti 45 5 - 10 - 14 - 1 - 1 1 1 - 1 9 2
Marabá 4 - - - - 3 - - - - - - - - 1
Mojuí dos Campos 50 4 1 5 - 14 - 5 - 1 - 11 1 2 5 1
Monte Alegre 19 - 1 3 - 3 - 3 - 1 - 1 - 2 1 4
Novo Progresso 20 - - 2 - 11 - 3 4 - - - - - -
Óbidos 77 1 - 8 - 13 1 7 - 19 - 15 - 4 5 3 1
Oriximiná 53 - 1 10 - 13 - 2 - 14 3 5 1 1 1 1 1
Prainha 16 - - - - - - - - 1 - 3 1 3 - 6 2
Rurópolis 12 - 1 3 - - - 3 - 1 - - 1 1 1 1
Salvaterra 3 - - - - 3 - - - - - - - - - -
Santarém 2.983 332 8 246 5 348 13 331 - 325 36 344 5 503 118 336 33
Delma Pessanha Neves
Total 3.741 369 19 345 5 534 16 367 5 435 52 429 16 550 163 387 49
Tucuruí 15 - - - - 10 - 2 - - 1 - - - - 2 -
Uruará 4 - - - - 3 - - - - - 1 - - - - -
Faixa Etária
Municípios 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 -69
Estados Total
M F M F M F M F
V F V F V F V F V F V F V F V F
Macapá 41 9 2 3 1 9 1 3 - 2 3 - 2 2 2 1 1
Subtotal 43 10 2 3 1 9 1 4 2 3 2 2 2 1
Amapá Santana 2 1 - - - - - 1 - - - - - - - -
1
Apuí 3 - - - 2 - - - - 1 - - - - - -
Manaus 73 18 3 - 2 - 16 - 1 - 5 5 1 4 7 5 6
Subtotal 86 3 2 16 1 6 1 9 6 6
Amazonas
Parintins 10 2 - - - 4 - - - - - - 1 2 1 -
20 6 5 5
Itabuna 1 - - - - - - - - - - - - - 1 - -
Subtotal 2 - - 1 - - - - - - - - - - 1 -
Bahia Salvador 1 1
-
Feijó 11 - - - - 2 - - - - - 1 1 1 2 1 3
Fortaleza 19 - - - - 5 - 3 - 1 - - 1 3 1 5
Subtotal 46 - - - - 10 1 3 - - 4 1 1 3 8 3 12
Ceará
Icapuí 16 - - - 3 1 - - - 3 - - 1 3 1 4
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato
Brasília 5 1 - - - 1 - - - - - - - - - 3
Subtotal 13 1 1 1 - - - - - 3 7
D. Federal Cristalina 8 - - - - - - 1 - - - - - - 3 4
Goiânia 3 - - - - 1 - - 1 - 1 - - - -
Subtotal 4 - 1 - 1 2
Goiás Santa Luzia 1 - - - - - - - - - - - 1 - - - -
- - - - - - - - -
Caldeirão 7 - - - - - 2 1 - - - - 1 - 1 2
Caxias 3 - - - - - - 1 - 1 - - - - - 1
Cocal 11 - - - - - 5 1 - - - - - 5 - -
Imperatriz 12 2 - - - 2 2 - - - - 1 - 4 - 1
Nova Conquista 9 - - - 4 - 3 - - - - 1 - 1 - -
Maranhão Pio XII 3 - - - - - - 1 - - - - 1 - 1 - -
Piripiri 4 - - - - - - 1 - - - - 1 1 1 -
São Luiz 9 - 1 - 1 3 - 1 1 - 1 - - - 1 - -
Ze Doca 30 2 1 - 1 2 6 2 1 - 2 - 2 5 3 3 -
Subtotal 91 4 2 - 2 9 8 17 5 - 4 - 5 7 16 8 4
209
S/ informação 3 3
210
Faixa Etária
Municípios 30 - 39 40 - 49 50 - 59 60 -69
Estados Total
M F M F M F M F
V F V F V F V F V F V F V F V F
Cuiabá 2 - - - - 1 1 - - - - - - - - -
Subtotal 12 2 - - - 3 1 3 1 1 1
Mato Grosso Rondonópolis 10 2 - - - 2 - 3 - - - - 1 1 1
Campo Grande 7 - - - 1 1 - 2 - 1 - - - 2 -
Subtotal 12 - - - 1 1 - 2 2 2 - - - 4 -
Parnaíba 4 - - - - - - - - 1 1 - - - 2 -
Maringá 25 3 - - - 3 - 5 - - - - 2 3 5 2 2
Subtotal 42 3 - - - 3 5 - - - - 2 3 22 2
Paraná S/ informação 17 - - - - - - - - - - - - 17 -
2
Rio de Janeiro 9 1 - - - 3 - 4 - - - - - - 1 -
Subtotal 15 1 - - - 3 7 - - - - 1 - 3 -
R. Janeiro S/ informação 6 - - - - - - 3 - - - - 1 - 2 -
Subtotal 17 3 1 - 1 4 2 - - - 2 - - - 1 -
Porto Velho 17 3 1 - 1 4 2 - - - 2 - - - 1 - 3
Rondônia
3
Boa Vista 10 2 - 1 3 1 2 - - - 1 - - -
Subtotal 18 2 - - 1 3 1 5 1 2 3
Roraima S/ informação 8 - - - - 3 - 1 - 1 3 -
Total 4260 404 25 346 12 561 45 397 12 434 74 435 27 571 230 412 80
Sem informação 147
Delma Pessanha Neves
àMototaxista 1 1 1
àPedreiro 2 2 1 1
àPescador
àCarpinteiro
1 1 1
àAjudante de
pedreiro
àPescador(a) 153 129 24 22 7 8 8 39 3 60 6
àRevendedor
1 1 1
de remédio
àRevendedora
1 1 1
Avon
àServente 3 3 1 2
àSoldado da
1 1 1
borracha
àTaxista 1 1 1
àVigilante 1 1 1
àZeladora 1 1 1
Subtotal 508 322 186 32 17 39 29 95 66 158 72
214 Delma Pessanha Neves
àAgricultora 1 1 1
à Carroceiro
1 1 1
à Agricultor
=Garimpeiro(a) 13 10 3 1 2 1 3 1 5
à Açougueiro 1 1 1 0
à Agricultor 1 1 1 0
à Cobrador de
1 1 1 0
ônibus
Garimpeiro
à Fazendeiro 1 1 1 0
à Pedreiro 1 1 1
à Pescador
à Ourives
1 1 1 0
à Operador de
usina
à Vendedor de
1 1 1 1 0
açaí
à Vigia 2 2 1 0 1
Minerador(a) Madeireiro
= Madeireiro 2 2 1 0
à Cabeleireiro
1 1 1 0
à Agricultor
= Minerador
2 2 1 0 1 0
(a)
= Pescador(a) 32 21 11 0 5 3 10 5 6 3
à Agricultor(a) 3 2 1 1 2 0
Pescador(a)
à Agricultor
4 4 1 0
à Comerciante
à Artesã
(tecelã de 2 1 1 1
rede)
Quebradeira de
castanha
àDoméstica
1 1 1
à Costureira
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 215
1 1 1
Seringueiro
Sub-
73 54 19 1 2 11 5 23 8 15 4
total
= Bordadeira 3 0 3 1 1 1
àArtesã (tecelã
1 0 1 1
de rede)
= Costureira 21 0 21 6 8 7
àComerciante
1 0 1 1
de boutique
àDoceira 1 0 1 1
Manicure 1 0 1 1
Parteira 1 0 1 1
àProfessora
Costureira
de reforço 1 0 1 1
(autônoma)
àProprietária de
1 0 1 1
ateliê de costura
àRevendedora
1 0 1 1
de Natura
àVendedora de
1 0 1 1
hortaliças
= Ourives 3 3 1 2
Subtotal 36 3 33 1 2 2 8 0 11 0 12
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
216 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Empresário(a) 14 7 7 2 3 3 2 1 2 1
Empresário
àAdvogado 1 1 0 1
Operário(a)s = Operário(a)s
8 5 3 1 2 2 3
industrial(is) industrial(is)
Subtotal 23 13 10 2 4 6 4 4 2 1 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
àPedreiro
Mecânico
à Operário
1 1 1
fábrica de
biscoito
Ferreiro Eletricista Borracheiro Barman Barbeiro
3 3 1 2
1 1 1
à Mecânico à
Marceneiro à 1 1 1
Construtor civil
= Eletricista 10 7 3 2 3 2 2 1
= Ferreiro 1 1 1
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 217
à Vendedora
1 1 1
à Empresária
= Garçom 2 1 1 1 1
turístico
Guia
= Guia turístico 1 1 1
= Mecânico 7 7 2 3 2
Mecânico
de auto
àCarpinteiro
1 1 1
à Açougueiro
àGarimpeiro 1 1 1
= Mecânico de
Mecânico
de motos
1 1 1
motos
à Eletricista 1 1 1
de móveis
Montador
à Pedreiro 1 1 1
de bomba
Operador
= Operador de
1 1 1
bomba
de máquina
Operador
= Operador de
4 4 1 2 1
máquina
Radialista Porteiro(a) Padeiro
= Padeiro 1 1 1
àComerciante 1 1 1
= Porteiro(a) 1 1 1
à Parteira 1 1 1
= Radialista 1 1 1
218 Delma Pessanha Neves
= Soldador 2 2 1 1
de futebol
Técnico
= Técnico de
1 1 1
futebol
mecânico
Torneiro
= Torneiro
1 1 1
mecânico
Subtotal 47 37 10 8 1 16 4 11 2 2 3
Profissionais autônomos prestadores de serviços técnicos
segurança do manutenção de
computadores
Técnico de
= Técnico de
manutenção de 7 7 0 5 2
computadores
Técnico de
trabalho
= Técnico de
segurança do 1 1 0 1
trabalho
Técnico em
eletrodomésticos edificações
= Técnico em
1 1 0 1
edificações
Técnico em
= Técnico em
4 4 0 2 2
eletrodomésticos
Técnico em
montagem
= Técnico em
de DVD
montagem de 2 2 0 2
DVD
Subtotal 15 15 0 7 0 5 0 3 0 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 219
Faixa etária
Ocupações
e percursos Total Masc Fem
30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
de pintor
Ajudante
= Ajudante de
1 1 1
pintor
= Carpinteiro 5 5 1 2 1 1
à Eletricista 2 2 1 1
Carpinteiro
à Pedreiro 1 1 1
à Pescador à
Construtor civil 1 1 1
à Comerciante
Construtor
= Construtor
civil
4 4 1 1 2
civil
Marceneiro
= Marceneiro 1 1 1
Mestre de obras
= Mestre de
4 4 2 2
obras
à Pastor 1 1 1
Pedreiro
= Pedreiro 18 18 5 7 3 3
à Mestre de obras
à Mestre de
3 3 1 1 1
obras
220 Delma Pessanha Neves
à Carpinteiro
à Jardineiro 1 1 1
de Prefeitura
à Carpinteiro
à Vendedor
1 1 1
de lanche à
Pescador
à Pintor à
Pedreiro
1 1 1
Pescador
à Serviços
1 1 1
gerais
à Operário
de fábrica de
laticínios à
1 1 1
Microempresa
- Fornecedor
de pescado
= Pintor 1 1 1
Pintor
à Motorista 1 1 1
Proprietário
de olaria
= Proprietário
2 2 1 1
de olaria
= Serralheiro 1 1 1
Serralheiro
à Agricultor 1 1 1
à Mestre de
1 1 1
obras
(ajudante) à
à Açougueiro
Serraria
à Ajudante
1 1 1
de pedreiro à
Gari
Servente
= Servente 4 1 3 1 1 1 1
= Serviços
4 1 3 1 1 1 1
Serviços gerais
gerais
à Enfermeira
de bordo da 1 1 1
Marinha
à Pedreiro 1 1 1
Sub-
64 57 7 7 3 18 2 21 2 11 0
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 221
Faixa etária
Ocupações
e percursos Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Empresário(a)
àAdvogado 1 1 0 1
= Operário(a)s
8 5 3 1 2 2 3
industrial(is)
23 13 10 2 4 6 4 4 2 1 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Açougueiro 5 5 0 2 2 1
Açougueiro
à Comandante de
barco à Taxista à 1 1 0 1
Comerciante
à Garimpeiro 1 1 0 1
jogo de bicho imobiliário
àVendedora 1 0 1 1
Apontador de Agente
àConstrutor civil 1 1 0 1
= Apontador de jogo
1 1 0 1 0
de bicho
Borracheiro
= Borracheiro 6 6 0 2 1 3
Caixeiro
viajante
= Caixeiro viajante 9 9 0 5 3 1
222 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Camareira
= Camareira 2 0 2 2
= Comerciante 85 42 43 12 11 13 14 9 15 8 3
àAgricultor 8 5 3 1 1 3 2 1
àBordadeira 2 0 2 1 1
àLojas bazares 12 12 0 4 5 3
àLojas confecções 28 14 14 2 2 5 6 4 4 3 2
Proprietário de estabelecimentos
àMototaxista 1 1 0 1
àProprietário de
1 1 0 1
recreio
Comerciante
àRede de hotéis 1 1 0 1
àRevendedor de
1 1 0 1
peixe
àTransportadora 4 4 0 2 2
àVendedora de açaí
1 0 1 1
e yogurt
àVigia de escola à
Vendedor autônomo
1 1 0 1 0
à Funcionário
público
Comerciário
Balconista 48 14 34 8 14 3 9 2 10 1 1
(a)
Caixa 10 3 7 1 3 1 2 1 2
= Feirante 21 9 12 3 2 4 6 2 4
Feirante
à Carpinteiro 1 1 0 1
à Comerciante
1 0 1 1
lanchonete
=Frentista 9 9 0 5 3 1
Garçonete Frentista
àMototaxista
1 1 0 1
àProfessor
= Garçonete 7 0 7 5 2
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 223
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Gerente
= Gerente 21 17 4 8 3 4 1 5
Representante
=Representante
9 9 0 5 3 1
comercial
comercial
àProprietário de
1 1 1
hortifruti
Vendedora
= Comerciária 12 0 12 4 3 5
= Supervisor de
2 2 0 2
Supervisor de
vendas
vendas
àMotorista 1 1 0 1
àComércio de
2 1 1 1 1
quentinha
Ambulante 7 3 4 3 2 2
Vendedor(a) Autônomo(a)
Vendedor(a)
80 27 53 17 8 19 12 12 7 5
autônomo(a)
àProprietária de
2 0 2 2
salão de estética
àCostureira
1 0 1 1
àServente
àDiarista 3 0 3 2 1
àGerente de loja 1 0 1 1
= Crediarista 4 4 0 2 2
Vendedor
volante
àFotógrafo 1 1 0 1
àMototaxista 2 2 0 1 1
Sub-
419 211 208 54 68 73 64 58 59 26 17
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
224 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Atividades no Setor de Transporte
Abastecedor
de aviões
= Abastecedor de
1 1 0 1
aviões
Caminhoneiro
= Caminhoneiro 6 6 0 1 3 1 1
= Carregador 24 24 0 12 5 5 2
àCarpinteiro 1 1 0 1
Carregador
àGarimpeiro 1 1 0 1
àLavador de carro 1 1 0 1
àMotorista à
Lavador de carro à 1 1 0 1
Garimpeiro
Carreteiro
= Carreteiro 1
embarcação de ônibus
Construtor Comandantede Cobrador
= Cobrador de
8 8 0 5 2 1
ônibus
= Comandante de
3 3 0 1 2
embarcação
naval
=Construtor naval 1 1 0 1
Entregador
= Entregador 14 14 0 11 1 1 1
à Bilheteiro de
4 4 0 3 1
cinema
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 225
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Funcionário
Marítimo Marinheiro empresa de
ônibus
= Funcionário
5 5 0 4 1
empresa de ônibus
à Vendedor 1 1 0 1
= Marítimo 9 9 0 5 2 1 1
taxista
Moto-
= Moto-taxista 47 47 0 37 10
= Motorista 41 41 0 28 7 4 2
Motorista
àEntregador de gás 1 1 0 1
à Mecânico 1 1 0 1
Pedreiro à Caseiro 1 1 0 1
Proprietário Proprietário Proprietário Proprietário Proprietário
= Proprietário de
5 5 0 1 3 1
embarcação
de
àComerciante 1 1 0 1
de ônibus de empresa de empresa
= Proprietário
de empresa de 2 2 0 1 1
navegação
= Proprietário de
2 2 0 1 1
empresa de ônibus
de passeio
= Proprietário de
1 1 0 1
ônibus de passeio
de micro-
ônibus
= Proprietário de
1 1 0 1
micro-ônibus
226 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
= Taxista 19 19 0 3 8 5 3
Taxista
à Garimpeiro à
1 1 0 1
Comerciante
Subtotal 204 204 0 110 48 32 14
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
= Administrador
(a)
5 0 5 3 2
(a)
= Agente
administrativo
e auxiliar 16 2 14 9 1 3 1 2
administrativo
à Cabeleireiro 1 1 0 1
à Costureira à
1 0 1 1
Vendedora
Secretária Recepcionista Bancário
= Bancário 3 2 1 1 1 1
= Recepcionista 5 1 4 1 1 2 1
= Secretária 9 0 9 3 2 4
à Gerente de loja
1 0 1 1
à Comerciante
administração
Técnica em
= Técnica em
1 0 1 1
administração
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 227
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Sindicato dos Estivadores
Secretário (1º) do
= Secretário
Sindicato dos 1 1 0 1
Estivadores
Sub-
43 7 36 1 17 3 10 3 9 0 0
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Prestação de serviços: no Setor Estética e Higiene Pessoal
Cabeleireiro
= Cabeleireiro
(a)
5 1 4 3 1 1
(a)
Cabeleireira
àEsteticista 1 1 1
= Manicure 3 3 2 1
àDoceira 1 1 1
Manicure
à Bordadeira 1 1 1
àCabeleireira 1 1 1
àLavadeira 1 1 1
Subtotal
13 1 12 0 0 0 6 1 2 0 4
228 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Prestação de serviços: no Setor de Saúde
endemia
Agente
= Agente de
1 1 0 1
de
endemia
= Agente de
Agente de saúde
21 9 12 5 1 4 5 4 2
saúde
à Atendente
de farmácia à 1 0 1 1
Comerciante
à Comerciante 1 1 0 1
enfermagem
Auxiliar de
= Auxiliar de
13 5 8 2 1 4 3 2 1
enfermagem
Dentista
= Dentista 2 1 1 1 1
à Professora 1 0 1 1
Farmacêutico
= Farmacêutico
(a)
2 2 0 1 1
(a)
Fisioterapeuta
= Fisioterapeuta 3 0 3 2 1
laboratório clínicas e secretaria
Técnico de administrativos de
= Funcionários
Funcionários
de saúde
administrativos
de clínicas e 12 9 3 3 2 3 1 2 1
secretaria de
saúde
= Técnico de
6 3 3 1 1 2 2
laboratório
à Laminador
1 1 0 1
de serraria
Médico
= Médico 6 5 1 1 1 2 1 1
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 229
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Psicóloga
= Psicóloga 1 0 1 1
= Técnico (a) de
16 5 11 2 4 1 5 1 2 1
Técnico (a) de enfermagem
enfermagem
à Agente
de saúde à
1 1 0 1
Técnico de
laboratório
à Revendedora
autônoma à
Professora 1 0 1 1
municipal à
Secretária
= Técnico(a) de
Técnico(a) de
2 1 1 1 1
farmácia
farmácia
à Marreteiro
1 1 0 1
à Carteiro
biodiagnóstico
Técnica em
= Técnica em
1 1 0 1
biodiagnóstico
Técnico (a) de
laboratório
= Técnico(a) de
2 0 2 1 1
laboratório
Subtotal 95 46 49 12 14 18 22 11 10 5 3
Prestação de serviços no Setor Educacional
Direção
escolar
= Direção
3 3 0 2 1
escolar
Monitora de
creche
= Monitora de
2 0 2 1 1
creche
230 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Professor (a) 153 57 96 17 53 9 16 18 23 13 4
à Comerciante
Professor(a)
à Proprietário 1 1 0 1
de embarcação
à Costureira 1 0 1 1
à Vendedora 1 0 1 1
à Vigia de
2 1 1 1 1
escola
Psicopedagoga
= Psicopedagoga 1 0 1 1
Secretário(a)
= Secretário(a)
3 0 3 2 1
escola
escolar
Atendente de
1 1 0 1
laboratório
Servente
= Servente 2 0 2 1 1
educação
Técnica
= Técnica em
em
1 0 1 1
educação
Zeladora
escolar
= Zeladora
1 0 1 1
escolar
Subtotal
172 63 109 20 58 9 19 20 28 14 4
de máquina 1 1 0 1
de asfalto à
Estivador
Recruta à
1 1 0 1
gerente Cargill
Recruta à
1 1 0 1
Carpinteiro
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 231
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
polícia
Perito
= Perito polícia
civil
1 1 0 1
civil
Policial
civil
= Policial civil 2 2 0 1 1
= Policial
8 8 0 2 4 2
militar
Policial militar
à Professor 1 1 0 1
à Vigia 1 1 0 1
à Vigilante à
1 1 0 1
Motorista
Vigilanteà
1 1 0 1
Pescador
Segurança
privada
= Segurança
4 4 0 3 1
privada
Vigia
= Vigia 12 12 0 1 6 3 2
Subtotal 34 34 0 6 0 16 0 10 0 2 0
Prestação de serviços em instituições públicas em geral
Econômica
Defensoria do Brasil
e Caixa
Banco
Administrativo 3 2 1 1 1 1
pública
Administrativo 1 0 1 1
Detran-PA
Administrativo 1 0 1 1
telefônica
Empresa
Administrativo 1 0 1 1
Agente do
IBAMA
IBAMA 1 1 0 1
Comerciante
Fiscal 1 1 0 1
232 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Administrativo 2 1 1 1 1
Ministério
Público
Administrativa
e vendedora de 1 0 1 1
joias
INCRA IBGE
Administrativo 2 2 0 1 1
Administrativo 3 2 1 1 1 1
Ministério
da Justiça
Administrativo 1 1 0 1
Ministério
Trabalho
Administrativo 1 1 0 1
do
Serviço Municipal de Prefeitura Municipal
Administrativo 22 13 9 3 3 4 1 4 3 2 2
de Santarém
Administrativo
1 0 1 1
Professora
Temporário
Caixa de 1 0 1 1
supermercado
Gari 10 6 4 1 3 5 1
Cozinheira 0 0 0
Limpeza- Gari
à Empregada
1 0 1 1
doméstica
à Serviços
gerais à 1 0 1 1
Secretária
Comerciante de
Senai
1 1 0 1
joias
Administrativo 1 1 0 1
Correios
Serviços
Gerente 1 1 0 1
de
Carteiro 1 1 0 1
especificação
Servidor
Sem
5 3 2 1 2 1 1
estadual
Subtotal 63 37 26 5 7 20 9 9 7 3 2
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 233
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Prestação de serviços em instituições religiosas
Missionário(a)
=
3 3 0 2 1
Missionário(a)
Padre
= Padre 1 1 0 1
Pai de
santo
= Pai de santo 1 1 0 1
Pastor
= Pastor 1 1 0 1
Subtotal 6 6 0 0 0 3 0 1 0 2 0
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Acompanhante de idosos
= Acompanhante
2 0 2 1 1
de idosos
Cozinheira
= Cozinheira 7 1 6 1 3 1 1 1
234 Delma Pessanha Neves
Faixa etária
Ocupações e percursos 30-39 40-49 50-59 60-69
Total Masc Fem
ocupacionais anos anos anos anos
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Merendeira Lavadeira Empregada doméstica Diarista
= Diarista 3 0 3 1 2
= Empregada
42 0 42 8 13 16 5
doméstica
àAgente de saúde 1 0 1 - 1
=Lavadeira 1 0 1 1
= Merendeira 5 0 5 1 1 2 1
Sub-
61 1 60 0 13 0 21 1 19 0 7
total
Indivíduos citados no questionário desempenhando atividades sem reconhecimento
profissional
Sem ocupações remuneradas
Dona de
casa
= Estudante 71 44 27 14 27 30
Sem informações
Sub-
338 195 455 274 476 362 711 263
total
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 3 - Colônias: territórios de expansão do campesinato 235
Faixa etária
Ocupações e percursos
Total Masc Fem 30-39 anos 40-49 anos 50-59 anos 60-69 anos
ocupacionais
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Atividades agropecuárais 508 322 186 32 17 39 29 95 66 158 72
Atividades extrativistas 73 54 19 1 2 11 5 23 8 15 4
Artesanato e costura 36 3 33 1 2 2 8 0 11 0 12
Atividades de
23 13 10 2 4 6 4 4 2 1 0
beneficiamento
Profissionais com
84 47 37 11 8 1 16 5 11 2 2
reconhecimento prático
Profissionais autônomos
prestadores de serviços 30 15 15 0 7 0 5 0 3 0 0
técnicos
Profissionais autônomos
38 27 11 16 1 3 5 6 2 6 3
de nível superior
Setor de Construção Civil 121 64 57 7 7 3 18 2 21 2 11
Setor de Comércio 630 419 211 208 54 68 73 64 58 59 26
Setor de Transporte 406 203 203 0 110 0 48 0 32 0 14
Setor Administrativo 50 43 7 36 1 17 3 10 3 9 0
Setor de Estética e Higiene
14 13 1 12 0 0 0 6 1 2 0
Pessoal
Setor de Saúde 141 95 46 49 12 14 18 22 11 10 5
Setor Educacional 235 172 63 109 20 58 9 19 20 28 14
Setor de Segurança 68 34 34 0 6 0 16 0 10 0 2
Instituições públicas 100 63 37 26 5 7 20 9 9 7 3
Atividades domésticas em
62 61 1 60 0 13 0 21 1 19 0
profissionalização
Ocupações não
533 338 195 455 274 476 362 711 263 338 195
remuneradas
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
236 Delma Pessanha Neves
quadro 57. Nível de instrução dos indivíduos citados na faixa etária de 30 a 69 anos
Faixa etária
69-60 59-50 49-40 39-30
Nível de instrução
Masc Fem Masc Fem Masc Fem Masc Fem
Sem instrução formal
(qualificado como 260 198 166 107 107 124 62 43
analfabeto)
Alfabetizado 172 142 201 178 215 115 158 105
Primário (terceira série) 151 64 36 83 102 33 75 122
Fundamental incompleto 120 17 20 17 18 20 84 15
Fundamental completo 44 27 31 23 38 31 21 16
Ensino médio 33 27 33 37 91 45 20 35
Ensino superior 19 17 19 17 35 39 9 22
Sem informação 2 0 2 0 0 2 0 0
Total 801 492 508 462 606 409 429 358
Fonte: Levantamento de dados realizado no programa desta pesquisa, no decorrer do ano de 2012.
quadro 58. Indivíduos referidos no levantamento, distintos por sexo e faixa etária
30 a 69 anos e condição biológica de vida
O
caminho aparentemente mais facilitado para a análise proposta se-
ria contar com dados estatísticos produzidos de forma oficial. Se eles
são relativamente abundantes, considerando os investimentos patro-
cinados por diversas instituições, em geral oficiais, eles pouco se prestam à
comparação. Cada levantamento estatístico obedece a critérios próprios, da-
tações e universos convenientes aos objetivos para os quais os dados foram
produzidos, dificultando o aprofundamento da análise. Independentemente
de não se poder esperar de dados estatísticos se não aproximações, metáfo-
ras do que se pretende compreender ou iluminar, as tentativas de associação
de resultados dispersos implicam a aceitação de defasagens e vazios de in-
formações. De qualquer modo, trata-se de maneiras consagradas de temati-
zar determinadas questões, de informações díspares mas disponíveis, cujos
limites podem por vezes ser melhor relativizados e inspiradores do que a
absolutização da ausência de dados.
Incorporar dados estatísticos, como de regra qualquer tipo de dado,
implica antes de tudo problematizar as condições de elaboração e alcances
possíveis. Uma primeira pergunta então se impõe: mas o que alcançam os
dados estatísticos de recenseamentos demográficos?
Primeiramente uma projeção da população municipal como um todo;
no entanto, segundo uso de categorias classificatórias que pouco focalizam
os objetivos atribuídos à pesquisa aqui textualizada. Mas algumas dessas in-
formações são cruciais para se ter ideia do alcance e das problemáticas da
pesquisa, inclusive quanto a questões que não poderei atingir. Portanto, co-
laborar na tomada de consciência dos próprios limites da proposição inter-
pretativa por mim adotada. E por fim, espero, eles poderão ajudar os leitores
a pensarem: afinal, como situar os entrevistados alcançados, de que mundo
social eles foram pinçados, o que eles, de posições sociais específicas, podem
refletir e colaborar fundamentalmente na caracterização da população mu-
nicipal, especialmente das mulheres que aí convivem em diversas situações
e sistemas de relações sociais?
240 Delma Pessanha Neves
% na
Homens Mulheres População % de faixa
população total
etária no
Faixa etária % por % por total da
– anos de faixa faixa Total Homens Mulheres população
idade Total etária Total etária
Total 145.533 100 149.047 100 294.580 49 51 100
Menos de 1 2.861 2 2.820 2 5.681 50 50 2
1a4 11.841 8 11.592 8 23.433 51 49 8
5a9 15.451 11 15.310 10 30.761 50 50 10
10 a 14 16.678 11 16.423 11 33.101 50 50 11
15 a 19 16.077 11 16.141 11 32.218 50 50 11
Subtotal 62.908 21 62.286 21 125.194 43 47 42
20 a 24 14.254 10 14.867 10 29.131 49 51 10
25 a 29 12.708 9 13.220 9 25.937 49 51 9
30 a 34 10.913 7 11.453 8 22.373 49 51 8
35 a 39 9.228 6 9.635 6 18.869 49 51 6
40 a 44 7.705 5 8.102 5 15.812 49 51 5
45 a 49 6.798 5 7.096 5 13.899 49 51 5
50 a 54 5.548 4 5.810 4 11.362 49 51 4
55 a 59 4.524 3 4.782 3 9.309 49 51 3
Subtotal 71.678 49 74.965 51 146.643 49 51 50
60 a 64 3.446 2 3.431 2 6.879 50 50 2
65 a 69 2.760 2 2.925 2 5.687 49 51 2
70 a 74 1.985 1 2.124 1 4.110 48 52 1
75 a 79 1.393 1 1.592 1 2.986 47 53 1
80 a 84 804 1 990 1 1.795 45 55 1
85 a 89 376 0 464 0 840 45 55 0
90 a 94 132 0 184 0 316 42 58 0
95 a 99 40 0 71 0 111 36 64 0
100 ou mais 11 0 15 0 26 42 58 0
Subtotal 10.947 58 11.796 52 22.750 7,5 7,9 8
Fonte: IBGE, 2010.
242 Delma Pessanha Neves
Região/distritos Nº de Nº alunos no ensino fundamental Nº alunos Nº alunos Prog. Brasil Nº alunos Nº alunos de
educacionais escolas pró-jovem EJA Alfabetizado pré-ecolar creche
Total 457 12.703 35.460 48.163 700 4.677 476 7.271 834
Anos de informação
2011
Atividade Econômica 2006 2007 2008 2009 2010
Masculino Feminino Total
Extrativista Mineral 11 6 15 4 3 20 4 24
Indústria de
1.587 1.309 1.298 942 1.297 2.617 398 3.015
Transformação
Serviços Industriais de
10 2 22 47 6 290 50 340
Utilidade Pública
Construção Civil 1.005 809 1.356 863 1.088 1.693 135 1.828
Comércio 2.618 3.168 3.516 3.562 4.277 5.764 4.032 9.796
Serviços 1.526 1.699 2.64 1.913 2.785 5.445 4.240 9.685
Administração Pública 1 0 0 0 0 4.065 6.810 10. 875
Agropecuária 150 224 238 268 294 583 98 681
Total 6.908 7.217 9.088 7.599 9.750 20.477 15.767 36.244
Fonte: MTE, 2011.
1
Tendo em vista os objetivos atribuídos à elaboração deste texto, é importante destacar o quanto a di-
ferenciação por sexo era tomada em sua generalidade, perspectiva que sempre dificultou o avanço das
análises sociológicas. Muitos dos dados qualitativos que vêm sendo produzidos, decorrem de pressões
encaminhadas por pesquisadora(e)s implicada(o)s em estudos de gênero e por porta-vozes de movi-
mentos feministas. Esses fatores têm estimulado o investimento de melhor detalhamento de atributos
sociais que revelam com melhor proximidade as condições sociais de vida e inserção das mulheres nas
atuais sociedades, em processos mais intensos de mudanças sociais de organização e mobilidade social,
de expansão de vínculos da força de trabalho feminino. Por tais razões, o detalhamento iniciado para o
ano de 2011, como revela o quadro, não é fator desprezível à consideração.
250 Delma Pessanha Neves
quadro 68. Distribuição das pessoas de 25 anos ou mais por sexo e nível de instrução
em Santarém, 2010
Homens Mulheres
Remuneração média
Ocupação com maior estoque
Masculino Feminino Total
Vendedor de comércio varejista 945,20 729,06 819,65
Auxiliar de escritório em geral 1.248,28 928,56 1.051,40
Contínuo 656,68 639,24 653,01
Servente de obras 671,73 635,21 671,41
Assistente administrativo 1.345,61 1.044,08 1.151,16
Ocupação com menor estoque
Vendedor em comércio atacadista -76 -52 -128
Abatedor -67 -35 -102
Trabalhador de servicos de limpeza
-19 -41 -60
e conservação de áreas públicas
Repositor de mercadorias -30 -23 -53
Trabalhador de preparação de
-26 -16 -42
pescados (limpeza)
Fonte: RAIS/MTE, 2002.
Anos
Descriminação das movimentações
2012 2013 (até maio)
Admissões 626 3.802
a) 1º Emprego 216 1.215
b) Reemprego 406 2.527
c) Reintegração 1
d) Contrato de trabalho por prazo determinado 4 59
e) Transferência Administrativa 12 387
Desligamentos 897 3.741
a) Dispensa sem justa causa 505 2.565
b) Dispensa com justa causa 7 24
c) A pedido 127 733
d) Término de contrato 199 349
e) Aposentadoria 3
f) Morte 3 2
g) Término de contrato com prazo determinado 56 65
h) Transferência desligamento 10 321
Variação absoluta -271 61
Fonte : MTE/ CAGED, 2002.
Faixas Etárias
Para ainda refletir sob outra perspectiva, o que apontam dados es-
tatísticos produzidos para efeitos dos registros do Censo Demográfico
de 2010, a diferenciação dos trabalhadores, considerada quanto à idade,
etnia e distribuição de salários e rendimentos, abarca um número mais
amplo de indivíduos e melhor exprime a precariedade das condições de
vínculo.
254 Delma Pessanha Neves
Sem carteira assinada 5.132 1.533 254 19.758 169 26.846 17,34
Militares e funcionários
1.275 270 30 4.085 57 5.717 3,69
públicos estatutários
NOTA: Exclusive as pessoas cuja condição no domicílio era pensionista, empregado(a) doméstico(a) ou
parente do(a) empregado(a) doméstico(a).
Fonte: IBGE, 2010.
2
Com o desenvolvimento tecnológico que assegurou a diversas instituições a produção e a exposição
de mapas e gráficos, torna-se relativamente inútil incorporar mapas para efeitos ilustrativos. O leitor
que dispuser de maior interesse no conhecimento vinculado a este aspecto pode, por consulta à
internet, obter dados sempre atualizados sobre a dinâmica da vida social e ambiental. Há disponível
uma profusão de mapas e fotografias que podem confirmar e completar os esclarecimentos por mim
apresentados.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 257
Unidade de
Descrição Valor
medida
Arroz (em casca)
- Quantidade produzida Toneladas 53.352
- Área plantada ha 22.140
- Área colhida ha 22.140
- Rendimento médio da produção Ton/ha 2.409
Feijão (em grão)
- Quantidade produzida Toneladas 605
- Área plantada ha 924
- Área colhida ha 924
- Rendimento médio da produção Ton/ha 654
Milho (em grão)
- Quantidade produzida Toneladas 20.100
- Área plantada ha 5.650
- Área colhida ha 5.650
- Rendimento médio da produção Ton/ha 3.557
Soja (em grão)
- Quantidade produzida Toneladas 360.000
- Área plantada ha 15.000
- Área colhida ha 15.000
- Rendimento médio da produção Ton/ha 2.400
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Supe-
rintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA. Consulta ao site em 10 de junho de 2013.
3
Minibox e kit-box são denominações locais para pequenos estabelecimentos comerciais que colocam
em circulação mercadorias diversas, destinadas à alimentação e higiene doméstica e pessoal, cuja ex-
posição permite que o comprador se aprovisione diretamente do que deseja comprar e se dirija a uma
caixa de pagamento central. A diferenciação dos termos pode ainda indicar o volume e a diversidade
de mercadorias estocadas. Taberna é denominação antiga para lojas de comércio de secos e molhados,
que se espalhavam pelo espaço da cidade, mas principalmente pelas margens do rio Tapajós, onde
ocorre intensa circulação de mercadorias advindas de outros municípios e comunidades, geralmente
produtos agrícolas, e correspondente demanda de produtos fabricados fora do município.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 259
4
A convivência cotidiana permite ressaltar inúmeras redes de comercialização de produtos advindos de
estados do Nordeste do Brasil, especialmente Ceará. Há vendedores ambulantes que circulam, de porta
em porta, cintos, sandálias e bolsas de couro produzidas por artesãos daquele estado e se dirigem,
principalmente, às colônias. São jovens que viajam com uma determinada quantidade de mercadorias
e só retornam ao final do estoque, para repetir novo ciclo. Há vendedores de panelas de alumínio fa-
bricadas artesanalmente na própria região. São formas de trabalho exercidas por grande precariedade,
especialmente no início da inserção em redes de conhecimento pessoal. Nesse período, tendo em vista
as desconfianças que pairam sobre eles, dormem em casas velhas e abandonadas, postos de gasolina
e pagam refeições onde encontram alternativas. A reprodução do circuito, facilitando a construção de
relacionamentos e controle interpessoal, pode permitir melhor inserção e apoio de alguns moradores,
que os deixam dormir em varandas e galpões acoplados à residência.
260 Delma Pessanha Neves
Descrição Quantidade
Habitação 55.091
Indústria 253
Comércio 4.594
Serviço 2.459
Saúde 83
Ensino/cultura 260
Esporte/lazer 51
Filantrópico 56
Religioso 320
Misto 91
Indefinido/sem uso 1.350
Total 64.608
Fonte: SEFIN, 2010; SEMMA-CIAM, I2013.
Pressupostos da computação
Trabalhadores Trabalhadores não
Classificação economicamente ativos economicamente ativos
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total
Total geral 73.611 52.054 125.665 41.683 67.218 108.901
Nível de instrução
- sem instrução e
- - 48.628 - - 68.848
fundamental incompleto
- fundamental completo e
- - 25.979 - - 21.992
médio incompleto
- médio completo e
- - 41.052 - - 15.848
superior incompleto
- superior completo - - 9.479 - - 1.547
- não determinado - - 527 - - 666
Faixa etária (anos)
10 a 14 - - 3.069 - - 30.032
15 a 19 - - 10.651 - - 21.567
20 a 24 - - 18.697 - - 10.424
25 a 29 - - 18.857 - - 7.071
30 a 34 - - 16.679 - - 5.687
35 a 39 - - 14.918 - - 3.945
40 a 44 - - 12.179 - - 3.628
45 a 49 - - 10.277 - - 3.617
50 a 54 - - 7.786 - - 3.563
55 a 59 - - 5.940 - - 3.375
60 a 69 - - 5.177 - - 7.385
70 ou mais - - 1.434 - - 8.607
Total 125.664 108.901
Fonte. IBGE, 2010.
5
Em virtude do predomínio de natalidade no estado do Pará e no município de Santarém, julguei
dispensável apresentar, como nos outros capítulos, o quadro referente ao registro dos municípios de
nascimento.
286 Delma Pessanha Neves
18 a 29 anos
Masculino Feminino
Estados Municípios Total
Vivo Falecido Vivo Falecido
Amapá Macapá 8 3 5
Manaus 38 16 1 20 1
Amazonas
Coari 1 1
São Luís 4 3 1
Maranhão
Bacabal 1 1
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 287
Alenquer 36 17 1 18
Almerim 3 1 - 2 -
Altamira 17 7 1 9
Aveiro 3 1 - 2 -
Belém 4 3 - 1 -
Belterra 22 10 1 10 1
Boim 8 3 - 5 -
Itaituba 30 12 1 17
Jacareanga 6 2 - 4 -
Jari 1 1 - - -
Juruti 16 5 1 9 1
Medicelândia 1 - - 1 -
Mojuí dos Campos 12 8 - 4 -
Monte Alegre 16 9 - 7 -
Pará
Novo Progresso 2 2 - - -
Óbidos 34 15 18 1
Oriximiná 18 9 1 7 1
Paraopebas 1 - - 1 -
Placas 3 1 - 2 -
Prainha 9 5 - 4 -
Rurópolis 2 2 - - -
Santarém 1.461 800 4 654 3
Tucuruí 5 5 - - -
Uruará 1 1 - - -
Subtotal 1.711 919 10 775 7
Total 1.763 941 11 803 8
Fonte: Levantamento posto em prática nos quadros da pesquisa em análise, entre os anos de 2011 e 2012.
288 Delma Pessanha Neves
Gráfico 4. Distribuição por sexo dos trabalhadores entre 18 e 29 anos afiliados aos
subsetores do setor administrativo
quadro 93. Distribuição dos indivíduos referidos segundo distinção sexual e vínculos
a setores agrícola, agropecuário e extrativista
Auxiliar
Agricultor à sindicalista 1 1
administrativo
Capataz de fazenda 1 1
Caseiro 1 1
Caseiro Serviços gerais à balconista 1 1
Horticultora 1 1
Operário de Granja 1 1
Vaqueiro 4 4
Subtotal 44 61 105
Extrativismo
Carvoeira 2 2
Carvoeiro Carroceiro 1 1
Castanheira Serviços domésticos 1 1
Minerador Minerador 1 1
Pescador 10 10
Agricultor 3 3
Agricultor àcomerciante 1 1
Pescador
Pedreiro 5 5
Pescadora 1 1
Pescadora Agricultora 1 1
Subtotal 22 4 26
Total 66 65 131
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Secretária à auxiliar de
1 1
creche à auxiliar de pesquisa
Serviços gerais 1 1
Vigilante 1 1
Vendedora (comida) 1 1
Vendedora (confecção) 1 1
Vendedora (churrasquinho) 1 1
Vendedora (comerciária) 14 14
Vendedora (confecção) 1 1
Vendedora ambulante 1 1
Vendedora ambulante Agricultora 2 2
Vendedora ambulante Zeladora de consultório 2 2
Vendedora autônoma
7 7
(salgados e doces)
Vendedora de frutas 1 1
Vendedora de hortaliças e
1 1
churrasquinho
Vendedora de lanches 2 2
Vendedora de marmitex Cobradora de ônibus 1 1
Vendedora de móveis 2 2
Vendedora de peixe Zeladora 1 1
Voluntária da APAE Caixa de loja 1 1
Total 209 179 388
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 299
Recepcionista 3 3
Recepcionista e vendedora 1 1
Secretária 15 15
Auxiliar de al-
moxarifadoà 2 2
telefonista
Comerciante 1 1
Comerciante
1 1
(padaria)
Secretária Costureira à
1 1
comerciante
Costureira à
comerciante 1 1
(buffet)
Vendedora da
1 1
CCE
Secretária de agência de
1 1
navegação
Secretária de consultório
Professora 1 1
médico
Secretária de escola
1 1
particular
Secretária de escola Atendente de
1 1
particular laboratório
Secretária do sindicato 1 1
Secretário 2 1 3
Subtotal 20 50 70
302 Delma Pessanha Neves
Administrativo (Ministérios
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
3 3
Públicos)
Administrativo (Museu
1 1
Histórico de Santarém)
Administrativo IBGE 1 1
Administrativo INCRA 1 1
Funcionário (IBAMA) 2 2
Funcionário (terceirizada) 1 1
Funcionário (Tribunal de
1 1
Contas da União)
Funcionário público (IML) 1 1
Funcionário público
9 10 19
(Ministério Público)
Funcionário público
1 1 2
(UFOPA)
Sinaleiro 1 1
Técnico administrativo 1 1 2
Subtotal 30 20 50
Total 50 70 120
Fonte: Levantamento de dados pela equipe de pesquisadores, no decorrer do ano de 2012.
Artesã manicure 2 2
Bordadeira manicure vendedora
1 1
churrasquinho
Estudante 2 2
Manicure 1 1
Diarista
Revendedora lavadeira 2 2
Vendedora 2 2
Dona de casa 2 2
Lavadeira artesã manicure 2 2
Revendedora lavadeira 2 2
Empregada doméstica 15 15
Empregada doméstica Agente de saúde 1 1
Agricultora 2 2
Auxiliar de professora 2 2
Auxiliar de professora 2 2
Comerciante de minibox 1 1
Comerciária 1 1
Costureira 2 2
Diarista 2 2
Diarista depiladora cabeleireira 1 1
Dona de casa 2 2
Dona de casa 1 1
Empacotadora autônoma 2 2
Lavadeira 1 1
Professora 4 4
Recepcionista 1 1
Secretária serviço público 1 1
Servente 1 1
Servente de escola 1 1
Trabalhou de empresa de pesca
1 1
dona de casa
Capítulo 4 - Mulheres, assalariamento e trabalho autônomo 305
Carpinteiro 1 1
Operador de serraria 1 1
C
hegando ao final do texto, acredito que nós, a autora e o leitor que até
aqui me acompanhou, convivemos com a mesma frustração: a enor-
me quantidade de informações que ainda estão a exigir análise. A levar
a sério essa necessária intenção, bom tempo ainda deveria decorrer para
finalizá-lo. Entretanto, a publicação imediata, enquanto versão provisória,
responde ao objetivo de construção de bases de discussão entre alunos e
professores da UFOPA e demais interessados, especialmente as representan-
tes do Conselho Municipal das Mulheres de Santarém. Também aos compro-
missos institucionais assumidos com essa universidade e o CNPq, que con-
cedeu auxílio financeiro para o trabalho de campo, parte do qual permitiu
o cumprimento de alguns dos primeiros procedimentos desta edição. Além
disso, um conjunto de dados obtidos no decorrer da pesquisa ainda será ob-
jeto de análise nos demais volumes que compõem a Coleção Mulheres em
Santarém: alternativas de vida.
Na condição de antropóloga com formação básica no uso de métodos
qualitativos de pesquisa, aventurei-me na tentativa de coleta e sistematização
de dados quantitativos. Assumindo limites derivados da minha especializada
competência, espero que nem tão inocentes, também considero necessário
contar com a colaboração de colegas que, dotados de conhecimentos episte-
mológicos e técnicos quanto ao uso do método quantitativo, possam ter in-
teresse em colaborar na avaliação dos efeitos dos procedimentos que adotei
e me guiar para possíveis superações. Antecipando a circulação pública da
elaboração dos dados aqui sistematizada, creio contar com alternativas de re-
cepção de comentários, contribuições que tornem este esforço mais coletivo,
tal como de fato ele deveria ser, e, ao mesmo tempo, propiciar (assim também
espero) a criação de um clima acadêmico propício à emergência de outros
conhecimentos corretivos e complementares, outros procedimentos de tra-
tamento dos dados que façam valer toda a potencialidade das articulações
que os participantes da pesquisa (coordenadora e assistentes de pesquisa,
apoiados pela inestimável colaboração dos entrevistados) tentaram alcançar.
320 Delma Pessanha Neves
Merece especial registro, embora não tenha sido objeto de atenção nes-
te texto, a construção de quadros institucionais de serviços públicos e de re-
presentação delegada de interesses de diversos segmentos de trabalhadores.
Mais recentemente, alguns deles incorporaram os anseios de organização po-
lítica de mulheres, inspirados, direta ou indiretamente, por valores do movi-
mento feminista, articulação que tende a assegurar legitimidade à emergência
de organizações comunitárias, sindicais e governamentais, tal como é o caso
das demandantes desta pesquisa. Da mesma forma, vale a pena destacar que,
para além da indicação das imbricações ideológicas e das redes sociais que
vão sendo tecidas no sentido da construção de novos projetos de sociedade,
advogados como mais democráticos e menos promotores de desigualdades
sociais entre indivíduos de sexo diferenciado, o movimento feminista deve ser
entendido como prática sociopolítica portadora de produção de discursos, in-
clusive teóricos, que interpelam a dimensão sexuada das relações sociais.
No último contexto considerado neste texto, podem-se sinalizar ten-
dências no sentido do relevante ingresso de mulheres no mercado de tra-
balho assalariado, processo que, como geralmente se associa, vem a elas
impondo sobrecarga de trabalho, mas também redefinindo hierarquias de
poder perenizadas na sociedade e na família, hierarquias que se conformam
pela sexualização do mundo social. Portanto, todo um campo de estudos
pode ser considerado para entendimento das formas locais de vivência des-
sas condições de ingresso produtivo das mulheres como assalariadas, bem
como a natureza dos conflitos e das tensões ou das maneiras mais explícitas
com que se exprimem as relações de poder no seio da família e da vizinhan-
ça. Considerando as diversas gerações e os papéis que as mulheres passaram
a exercer, também se torna importante compreender os variados lugares
que elas passaram a ocupar e como esse intercruzamento de espaços sociais
pode interferir nas relações entre os sexos, operando redefinição de valores
e referências que configuram as relações de gênero.
Pelo investimento das mulheres que, nesta pesquisa, foram qualifica-
das na correspondência da faixa etária 30 a 69 anos, ou pela inserção gera-
cional correspondente às décadas de 1950 a 1980, registra-se a construção
ou a conquista de uma rede de serviços, isto é, de direitos, inclusive aqueles
que fundamentaram a elaboração de projetos familiares, cujas principais re-
ferências sinalizavam a mobilização familiar no sentido de para elas demar-
car algum plano de autonomia. Tal sistema de crença se apoiava no aumento
do nível de escolarização e no acesso a um rendimento próprio. Outras ques-
tões, cuja expressão deriva dessas reivindicadas posturas no mundo social,
são as maneiras como elas tentam conciliar trabalho e família, lutam contra
a pobreza e contra a marginalidade, de todo modo, valores fundamentais
que consolidam padrões de organização familiar e de construção social dos
Considerações finais 323
1
Para o exercício dessa postura metodológica, ver Combessie (1996).
Considerações finais 325
Mas, por volta do século XVIII nasce uma incitação política, econômica,
técnica, a falar do sexo. E não tanto sob a forma de uma teoria geral da
sexualidade mas sob forma de análise, de contabilidade, de classifica-
ção e de especificação, através de pesquisas quantitativas ou causais.
Levar “em conta” o sexo, formular sobre ele um discurso que não seja
unicamente o da moral, mas da racionalidade, eis uma necessidade su-
ficientemente nova para, no início, surpreender-se consigo mesma e
procurar desculpar-se [...]. O sexo não se julga apenas, administra-se.
Sobreleva-se ao poder público; exige procedimentos de gestão; deve
ser assumido por discursos analíticos. (FOUCAULT, 1977, p. 26)
2
Ver Thompson, 1987, Vol. II, Capítulo II, Os trabalhadores rurais, p. 39-69.
330 Delma Pessanha Neves
Espero então que o leitor possa vir a concordar com minhas insistên-
cias sobre procedimentos adotados e relativizações dos resultados que foram
situacionalmente alcançados. Se há domínios específicos para a aplicação de
cada conjunto de instrumentos e meios de captação e interpretação de infor-
mações, outros tantos podem estar submetidos aos dois olhares, desde que
respeitadas as especificidades dos modos de construção das representações
em que todos os dois métodos se apoiam. Mais que isso, os diálogos são sem-
pre recomendados enquanto possibilidades de controle das interpretações e
de extensão da perspectiva e dos domínios encobertos.3
Para integrar algum exemplo dessa problemática, ainda consideran-
do questões caras a esta pesquisa, desenvolvo comentários sobre a politica-
mente necessária, mas epistemologicamente complicada investida na quan-
tificação do trabalho doméstico.
Diante do amplo exercício das atividades das mulheres em espaço
doméstico, o uso de dados estatísticos oficiais ainda se mostra em grande
decalagem. Definidas como atividades domésticas, elas se encontram ausen-
tes dos enquadramentos institucionais dos aparatos jurídicos e econômicos.
Essa ausência ainda se acirra diante do fato de tal atividade se caracterizar
por modos de cálculo pouco estáveis e muito situacionais. Qualquer tentati-
va de enquadramento enfrenta muitas controvérsias e, complementarmente,
exige o estudo das relações em plano local ou situacional, abarcando as di-
versas unidades familiares em suas relações específicas. Neste exercício, o
pesquisador ainda se coloca diante da compreensão de diferentes lógicas a
elas atribuídas, lógicas compreensíveis tanto quanto se entendem os compor-
tamentos individuais e familiares. Esses comportamentos em grande parte
significam a interiorização mais ou menos rígida de diferentes normas. Além
disso, o leque de alternativas para dimensionar as importantes ramificações
ou extensões das atividades domésticas vai desde as tarefas realizadas na re-
sidência (limpar, cozinhar, coser, bordar, atender aos dependentes, apoiar a
socialização escolar e vicinal, as mais tradicionais); controlar e gerir gastos de
maneira informal ou pela adoção de uso de computador; investir na produção
de mediações subjacentes a demandas institucionais, como serviços médicos,
administrativos, sociais; a construção de respostas a padrões de sociabili-
dade em redes sociais inerentes à reprodução social da família ou do grupo
doméstico; e entre outras, o encargo com pessoas doentes ou dependentes.
A cada uma dessas tarefas correspondem saberes e modos de cognição pró-
prios, muitos deles sendo objeto de intervenção estatal mediante apoio ou
controle (por exemplo, a inclusão de famílias em programas sociais). Outras
3
Para a contribuição de alguns antropólogos neste diálogo, ver Chibnik (1985), Gluckman (1967),
Mitchell (1967), Van Velsen (1967).
Considerações finais 331
não leva em conta as práticas sociais do ambiente doméstico, tanto que não
vem sendo objeto de modelização matemática.
A própria diferença salarial entre mulheres e homens, tal qual eu mes-
ma acentuei, valendo-me de dados oficiais, é de qualquer modo um indicador
muito complexo para fundamentar a reflexão. Um dos enganos pode ocorrer
quando se consideram as aproximações expressas por tais índices, sem, to-
davia, considerar as condições socioeconômicas que exprimem as curvas de
aumento de índice salarial. O fenômeno pode expressar não as aproximações
de ganhos financeiros entre homens e mulheres e a diminuição de desigual-
dades sociais entre trabalhadores sexualmente distintos, mas a estabilização
ou redução do salário médio dos homens. Assim sendo, afirmam diversos
daqueles estudiosos, não é possível concluir que a situação de remuneração
desigual das mulheres melhorou por decorrência direta da contraposição se-
xuada daqueles índices.
Por isso diversas pesquisas estão orientadas a compreender os confli-
tos diante de modelos de negociação, descrevendo condições de tomada de
decisão, mas nesse caso tendo que forçosamente atribuir grande peso aos es-
paços de relações referenciadas pela informalidade e pela pessoalidade, aos
domínios de ação e decisão que independem ou são refratários aos cálculos
estritamente monetários. Por elas tem-se então investido na elaboração de
cálculos que politicamente possam fundamentar a avaliação e a construção
da visibilidade da contribuição das mulheres para economia nacional. São
pesquisas que, por consequência, consideram o trabalho de forma mais am-
pla, abarcando então o mercado informal, o trabalho doméstico, a divisão se-
xual do trabalho na família, os meios envidados para assegurar a reprodução
de relações primordiais, as formas de sociabilidade, os cuidados em saúde
e a educação, além de outros aspectos relacionados como temas legítimos à
perspectiva disciplinar da economia política.
Perante as dificuldades inerentes aos correspondentes exercícios de
pesquisa, as temáticas pertinentes ao campo de reflexões não podem abrir
mão da avaliação das incidentes demarcações de desigualdades de gênero,
como aquelas que se exprimem no mercado de trabalho. Os pontos de
vista que demarcam os procedimentos de pesquisa guardam e alimentam
mutuamente a perspectiva acadêmica e a política, em certos casos, até
mesmo altamente orientados para a elaboração de indicativos que respaldem
a formulação de políticas e programas públicos.
Retomando as reflexões finais sobre as complexidades inerentes ao
uso das estatísticas, defendo o quanto, no caso aqui considerado, elas abri-
ram portas à desconstrução das primeiras impressões. Os índices estatís-
ticos me forneceram, posto que também orientada por potencialidades do
uso dos métodos qualitativos, direções ou orientações gerais. Frente ao meu
Considerações finais 333
4
Ver Cicourel, 1975.
5
De modo bastante objetivo exemplifica Bourdieu: os que esperam milagres dos arquivos, dos dados e
dos computadores desconhecem o que separa os objetos pré-construídos considerados fatos científi-
cos dos objetos reais. Os objetos dos museus oferecem sempre indagações posteriores e reconstruções
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