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ANEMIAS

ANEMIAS CARENCIAIS VOLTADAS A GRAVIDEZ

Do ponto de vista fisiológico, a anemia pode ser definida como um estado de deficiência de
hemoglobina no sangue circulante para o transporte do oxigênio requerido para a atividade normal de
um indivíduo, causando uma inadequada oxigenação tecidual resultante de uma deficiência na
captação, transporte, distribuição e/ou liberação de oxigênio. Do ponto de vista etiológico, a anemia
poderá ocorrer devido a perda sanguínea, destruição excessiva de eritrócitos ou deficiência de sua
produção. Laboratorialmente, definimos anemia como hemoglobina menor que 12 g/dl em mulheres ou
13 g/dl em homens. Na gravidez existe anemia relativa, por hemodiluição, além daquela por carência
nutricional, principalmente, por deficiência de ferro e ácido fólico. Logo, nesses casos, os limites
considerados normais para o valor da hemoglobina caem para 11 g/dL no primeiro e terceiro trimestre e
10,5 g/dL no segundo trimestre.

Dessa forma, o tratamento e a profilaxia da anemia durante o período gestacional funcionam de forma a
prevenir distúrbios que podem repercutir na infância, como parto prematuro, baixo peso ao nascimento
e dificuldades cognitivas do recém-nascido. A anemia reduz a resistência da mulher grávida a infecções e
aumenta de duas a três vezes a incidência de complicações na gravidez e no parto. Em gestantes
anêmicas, a taxa de partos pré-termo é três vezes mais frequente e está acrescida em duas vezes a
mortalidade perinatal. Hemorragias ante e pós-parto são mais comuns em pacientes com anemia e,
frequentemente, fatais. Assim, pode-se afirmar que na gestação as principais causas de anemia são:
deficiência de ferro, ácido fólico ou B12; Hemoglobinopatias (anemia falciforme, talassemias); e perdas
sanguíneas crônicas (sangramentos gastrointestinais ocultos)

Anemia Fisiológica da Gestação

A gestação normal está associada a ajustes fisiológicos e anatômicos que acarretam acentuadas
mudanças no organismo materno, incluindo a composição dos elementos figurados e humorais do
sangue circulante. Na gestação, há uma elevação do volume sanguíneo total em cerca de 40 a 50%,
como decorrência do aumento tanto do volume plasmático quanto da massa total de eritrócitos e
leucócitos na circulação. No entanto, a elevação do volume plasmático e da massa eritrocitária não é
proporcional ocorrendo um estado de hemodiluição. Desse modo, indicadores hematológicos, tais como
contagem de células vermelhas, níveis de hemoglobina (Hb) e hematócrito (Ht), reduzem-se
drasticamente a partir do segundo trimestre da gestação. Porém, apesar da hemodiluição fisiológica
observada na gestante, o volume eritrocitário absoluto apresenta considerável aumento (a partir da 16ª
a 20ª semana). A quantidade de glóbulos vermelhos é controlada, principalmente, pela necessidade do
transporte de oxigênio. Como a gestação é uma situação que demanda um maior consumo de oxigênio
(eleva a necessidade em torno de 16%), há um consequente aumento na atividade da eritropoetina. Em
média, mulheres gravidas possuem 450 mL a mais de eritrócitos (em torno de 30% a mais), com um
maior incremento no terceiro trimestre. Há, desse modo, uma moderada hiperplasia eritroide na
medula óssea e discreta elevação dos reticulócitos. Também, devido à produção eritrocitária
aumentada, que supera a destruição, a duração média de vida dos eritrócitos, que é de
aproximadamente 120 dias, está reduzida na segunda metade da gestação, quando a produção é mais
marcante. Além disso, o volume corpuscular médio (VCM) do eritrócito tende a aumentar pela
diminuição do seu diâmetro longitudinal e aumento da espessura de sua camada, tornando-o, também,
mais esférico.
Anemia Ferropriva: Presente na hemoglobina, este mineral é de extrema importância para o transporte
de oxigênio e dióxido de carbono, essenciais à respiração celular aeróbica, além de participar de
componentes de numerosas enzimas celulares, importantes para o funcionamento do sistema
imunológico, assim como dos citocromos que são indispensáveis para a produção de energia, de
enzimas no ciclo do ácido cítrico, ribonucleotídeo redutase e NADPH redutase e, ainda, na síntese de
dopamina, serotonina, catecolaminas e, possivelmente, do ácido gama aminobutírico e na formação de
mielina. As principais causas da anemia ferropriva são inadequação alimentar, má absorção, aumento da
perda de ferro e aumento das necessidades de ferro, este ocorrendo principalmente durante a gravidez

a) Metabolismo normal do ferro: O organismo humano possui duas principais fontes de ferro: a dieta e
a reciclagem de hemácias senescentes. Uma dieta normalmente contém de 13 a 18 mg de ferro, dos
quais somente 1 a 2 mg serão absorvidos na forma inorgânica ou forma heme pelo epitélio duodenal. A
maior parte de ferro inorgânico é fornecida pelos vegetais e cereais e está presente na forma Fe3+. O
transporte do ferro do lúmen intestinal até a circulação sanguínea ocorre em três fases principais: 1)
captação e internalização na membrana apical do enterócito; 2) deslocamento intracelular, e 3)
transporte para o plasma

Captação do Ferro: A solicitação da absorção de ferro pelo organismo promove uma maior expressão de
proteínas envolvidas neste processo, como a proteína transportadora de metal divalente (DMT-1) e a
ferroportina (FPT). Responsáveis pelo transporte deste importante elemento, ambas necessitam que o
ferro esteja na forma Fe2+, o que é mediado pela redutase citocromo b duodenal ou Dcytb. A absorção
do ferro heme é menos estabelecida. Aparentemente, a internalização é feita pela proteína
transportadora do heme-1 (HCP1), recentemente descrita e posicionada na membrana apical das células
do duodeno. A HCP1 também é expressa em outros locais, como o fígado e rins e sua regulação é feita
de acordo com o nível de ferro intracelular: havendo deficiência de ferro, a HCP1 se redistribui do
citoplasma para a membrana plasmática das células duodenais, enquanto em condições de excesso de
ferro a redistribuição se dá a partir da borda em escova da célula para o seu citoplasma. A hipóxia
também induz a síntese da HCP1, facilitando a captação de heme quando há maior necessidade do
organismo

Transporte Intracelular: No interior da célula, o ferro é liberado da protoporfirina pela heme oxigenase
(HO). Após o ferro ser liberado, fará parte do mesmo pool de ferro não heme, tendo dois possíveis
destinos dependendo da demanda de ferro. Se a necessidade for baixa ele permanecerá no enterócito
sequestrado pela ferritina e será eliminado quando da descamação do epitélio intestinal. Se houver
necessidade de ferro pelo organismo ele será transportado para fora do enterócito em direção ao
plasma para ser transportado pela transferrina (Tf).

Transporte para o plasma: Principal exportador do ferro da célula para o plasma é a ferroportina (FPN).
Essa localiza-se na extremidade basolateral de vários tipos celulares, incluindo sinciciotrofoblasto
placentários, enterócitos duodenais, hepatócitos e macrófagos. A FPN é crucial para a exportação do
ferro celular e é o único mecanismo de efluxo do ferro. A FPN, além de exportador do ferro celular é
também o receptor da hepcidina (HPN), importante regulador da aquisição do ferro. Como a Tf sérica
tem grande afinidade pelo ferro na forma férrica, o Fe2+ externalizado pela FPN deve ser oxidado para
Fe3+. A hefaestina, oxidase semelhante à ceruloplasmina sérica, é responsável por essa conversão.

Em condições normais, a Tf plasmática tem a capacidade de transportar até 12 mg de ferro, mas essa
capacidade raramente é utilizada e, em geral, 3 mg de ferro circulam ligados à Tf, ou seja, 30% da Tf está
saturada com o ferro. Quando a capacidade de ligação da Tf está totalmente saturada, o ferro pode
circular livremente pelo soro, na forma não ligada à Tf (NTBI), que acumula nos tecidos parenquimais,
contribuindo para o dano celular nos casos de sobrecarga de ferro. Quando complexado à Tf, a
internalização do ferro é iniciada pela ligação desse complexo a um receptor específico (TfR) presente
na superfície da maioria das células.

Reciclagem de ferro pelos macrófagos: Como a maior parte do ferro no organismo está associada à
molécula de Hb, a fagocitose e degradação de hemácias senescentes representam uma fonte
importante de ferro (de 25 mg a 30 mg/dia). Essa quantidade de ferro reciclado é suficiente para manter
a necessidade diária de ferro para a eritropoese. Macrófagos do baço e da medula óssea e, em menor
extensão, células de Küpffer no fígado reconhecem modificações bioquímicas na superfície da hemácia
que vão se acumulando à medida que a célula se torna senescente. Essas alterações sinalizam para que
o macrófago elimine essas células, processo conhecido como eriptose, ou morte programada
característica das células vermelhas. Após a reconhecimento dessas modificações por macrófagos da
medula óssea, baço e fígado, as hemácias são internalizadas, com consequente degradação dos seus
componentes. O catabolismo intracelular da heme é feito por um complexo enzimático ancorado na
membrana do retículo endoplasmático e compreende uma NADPH-citocromo C redutase, a HO1 e a
biliverdina redutase, e terá como produtos o CO, ferro e bilirrubina. A cadeia globínica, parte proteica da
molécula de Hb, terá seus aminoácidos também reciclados e aproveitados na síntese de novas
proteínas. O Fe2+ pode ser retido no próprio macrófago dentro das moléculas de ferritina ou ser
exportado pela FPN. Após a exportação pela FPN, o Fe2+ será oxidado pela ceruloplasmina, sintetizada
no fígado. O Fe3+ será transportado pela Tf até os locais onde será reutilizado, predominantemente
medula óssea, onde participará da hemoglobinização de novos eritrócitos

b) Metabolismo do ferro na Gravidez: As necessidades de ferro aumentam durante o ciclo gravídico


puerperal. O consumo e a perda de ferro que ocorrem nessa fase não permitem que a gestante
mantenha os níveis de hemoglobina e os estoques desse elemento dentro do intervalo da normalidade.
Uma série de eventos contribui para esse estado de deficiência de ferro: consumo pela unidade
fetoplacentária, utilização para a produção de hemoglobina e mioglobina para o aumento da massa
eritrocitária e da musculatura uterina, e depleção por perdas sanguíneas e pelo aleitamento. Por esse
motivo, a não ser que haja a suplementação adequada, a maioria das gestantes, cerca de 80 a 90% das
mulheres terão anemia ferropriva. No período peri parto, uma gestação no termo com feto único deve
exigir em média 900 a 1000 mg de ferro livre total. A demanda de ferro é maior na segunda metade da
gravidez, chegando a uma necessidade de 6 a 7 mg/dia no terceiro trimestre. Para suprir está
necessidade o organismo utiliza diversos mecanismos, priorizando o novo ser que se desenvolve, pois,
por exemplo, para a produção da hemoglobina fetal, a utilização do ferro materno obtido através da
placenta independe do estoque do ferro da mãe. Cerca de 300mg de ferro, ou mais, são transferidos
para o feto e a placenta. O feto necessita de ferro para formar hemoglobina e constituir uma reserva
para os primeiros três meses após o nascimento, quando a ingesta do bebê é baixa. Até 500mg de ferro
são incorporados à hemoglobina materna à medida que o volume de glóbulos vermelhos se expande.
Mesmo que parte dessa demanda seja compensada pela amenorréia e pelo aumento da absorção
intestinal de ferro, a necessidade é tão elevada que dificilmente pode ser preenchida somente com ferro
alimentar, sendo que o aumento da absorção de ferro varia de 0,8mg/dia no primeiro trimestre da
gestação para 6,3mg/dia no segundo e terceiro trimestres. As adaptações gravídicas são possíveis não
só pelo aumento da taxa de absorção do ferro como também pelo aumento da transferrina circulante
devido ao estímulo estrogênico.

c) Desenvolvimento da Anemia Ferropriva: Para compreender melhor a anemia ferropriva é preciso


saber a forma como a deficiência de ferro se instala no organismo humano. Têm sido apontadas três
etapas no seu desenvolvimento: a primeira delas é caracterizada pela diminuição das reservas de ferro,
a segunda pela depleção dessas reservas e na terceira ocorre redução do nível de hemoglobina
circulante.
Primeira etapa: A primeira etapa da deficiência envolve um desequilíbrio no balanço entre a quantidade
do mineral biologicamente disponível e a necessidade orgânica. Nessa fase, além de promover maior
absorção intestinal do mineral, o organismo passa a mobilizar o ferro dos depósitos. Assim, para se
diagnosticar a deficiência de ferro é preciso avaliar a sua reserva. Atualmente, a determinação da
reserva é feita pela medida da concentração de ferritina no soro, a qual mantém estreita correlação com
o compartimento de reserva, onde o ferro se encontra sob a forma de ferritina e hemossiderina. Logo,
se encontra uma hemoglobina e ferro sérico normais e uma ferritina sérica <20ng/mL.

Segunda etapa: Na segunda etapa, quando as reservas do mineral estão praticamente esgotadas, essa
carência vai se expressar pela diminuição do ferro de transporte, observada pela diminuição do ferro
sérico e um aumento da capacidade de ligação do ferro, sendo que tais mudanças resultam na
diminuição da saturação da transferrina. A capacidade total de ligação do ferro (CTLF), utilizada para
avaliar o ferro circulante, aumenta na deficiência deste mineral, mas diminui na inflamação. A saturação
da transferrina, que corresponde à relação entre o ferro sérico e a CTLF, costuma ser utilizada, pois o
ferro sérico e a CTLF isolados apresentam baixa especificidade e sensibilidade. Dessa forma, será
observado da seguinte maneira: saturação de transferrina <16%, ferro sérico < 50μg/dL, transferrina
sérica >8,5 mg/dL.

Terceira Etapa: Já na terceira etapa da deficiência de ferro, a depleção das reservas do mineral acarreta
deterioração da qualidade e quantidade dos eritrócitos formados (células menores e com baixa
concentração de hemoglobina). Assim se observa células hipocrômicas e microcíticas. O volume
corpuscular médio (VCM), que avalia o tamanho médio dos eritrócitos; a amplitude de variação do
tamanho dos eritrócitos ou red distribution width (RDW), que avalia a variabilidade no tamanho dos
eritrócitos; a hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentração de hemoglobina corpuscular
média (CHCM), que avaliam a concentração de hemoglobina no eritrócito, correspondem aos índices
hematimétricos mais utilizados neste estágio, além da hemoglobina, que corresponde ao parâmetro
universalmente utilizado para diagnosticar anemia.

d) Sintomas e Diagnóstico: Estabelecer o diagnóstico de anemia por deficiência de ferro na gravidez é


difícil, uma vez que a hemoglobina está alterada pela hemodiluição de maneira muito variável. Além
disso, nesta condição, as mulheres comumente são assintomáticas ou apresentam sintomas que podem
ser atribuídos às alterações fisiológicas que ocorrem normalmente na gestação. Por ocasião do
acompanhamento pré-natal, o rastreamento para anemia deve ser realizado de forma universal nas
gestantes.
Avaliação
clínica
adequada, com
detalhada
investigação
dos sintomas
apresentados e
minucioso
exame físico
são elementos úteis para determinar a gravidade da patologia, bem como orientar o tratamento. Nos
quadros leves, sintomas como mal-estar, cansaço, fadiga podem se confundir aos apresentados na
gestação normal. Taquicardia, palidez cutânea, dispneia aos esforços, ou mesmo ao repouso, indicam
anemias moderadas ou severas. Desse modo, seria ideal conhecer o status de ferro da mulher no
período pré-concepcional, com a finalidade de verificar se a mesma iniciou ou não a gestação com bons
estoques do mineral. Assim, o melhor momento para detectar risco associado de anemia na gravidez é
no primeiro trimestre antes da expansão do volume plasmático.
e) Complicações na Gravidez: A anemia reduz a resistência da grávida a infecções, aumenta as taxas de
hemorragias ante e pós-parto e de parto pré-termo e eleva o risco de mortalidade materna. Além disso,
a deficiência de ferro e a anemia ferropriva que não são tratadas no terceiro trimestre levam a repetição
do quadro no pós-parto. Nessa fase, a deficiência de ferro e a anemia estão associadas à diminuição das
habilidades físicas, à instabilidade emocional, ao estresse e à redução dos níveis cognitivos quando
testados. Também pode ocorrer: abortamento espontâneo, recém-nascido pequeno para a idade
gestacional, sofrimento fetal devido à hipóxia nos últimos meses da gravidez e no trabalho de parto,
quando a hemoglobina não consegue transportar o oxigênio necessário para a mãe e o feto; redução da
integridade tecidual, com grandes possibilidades de lesões durante o parto; infecção pré-natal ou pós-
natal, observando que há retardo na cicatrização. O ferro é um elemento importante para o
desenvolvimento do cérebro fetal e de habilidades cognitivas do recém-nascido. O crescimento do
cérebro demanda uma suplementação de ferro balanceada através da barreira hematoencefálica. No
feto e no recém-nascido, a deficiência de ferro pode causar dano permanente ao cérebro e afetar de
forma negativa a inteligência, as habilidades cognitivas e o comportamento durante a infância e a idade
adulta. Crianças nascidas de mães que tiveram suplementação de ferro têm menor risco de desenvolver
deficiência de ferro e anemia no primeiro ano de vida.

f) Profilaxia: A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008) recomenda na gravidez 60 mg por dia de
ferro elementar e o Institute of Medicine (IOM, 2001), 45 mg por dia. Não existe um consenso nos
países ocidentais acerca do uso profilático de ferro na gestação. Alguns países como a Dinamarca
preconizam a administração de ferro profilático enquanto outros como a Noruega não recomendam tal
prática. E ainda há aqueles, como a Alemanha, que ainda não estabeleceram um protocolo padronizado.
No Brasil, apesar de o Ministério da Saúde recomendar a suplementação de 40 mg por dia de ferro para
todas as gestantes com hemoglobina maior ou igual a 11g/dL a partir da 20ª semana, alguns serviços
seguem o protocolo de alguns países desenvolvidos na prescrição do ferro baseado no nível de
hemoglobina da paciente. A OMS recomenda que a suplementação de ferro deva ser feita até 12
semanas após o parto nos países em desenvolvimento. O Rezende ainda, defende a necessidade de se
modificar a política de suplementação indiscriminada a todas as gestantes, sob o argumento de não se
justificar intervir em adaptações fisiológicas que coordenam os processos de absorção, utilização e
armazenamento de ferro. A hipoferremia e hemodiluição constituem uma compensação para os riscos
de hipercoagulação. Ademais, a verificação dos teores de eritropoetina não aumentados, comprova a
inexistência de hipóxia, não havendo, pois, a necessidade de tratamento ou prevenção. Diante, porém,
da decisão da suplementação, o sulfato ferroso (FeSO4 7H2O) contendo 20,0% de ferro elementar,
ainda é o medicamento de escolha em tratamentos populacionais, por ser de baixo custo e boa
absorção. Dentre os efeitos colaterais com o uso dos sais de ferro, os mais relatados têm sido os
sintomas gástricos: diarréia, constipação, desconforto gástrico, pirose e náusea. Esses têm sido os
motivos mais freqüentes para o abandono do tratamento, principalmente nos esquemas com doses
acima de 60 mg/dia de ferro. Por sua vez, os distúrbios da motilidade gastrointestinal, comuns na
gestação, também podem resultar em pirose, náuseas, vômitos e constipação, levando assim a
superposição de sintomas e dificultando a identificação dos efeitos reais do ferro durante a gravidez

e) Conduta e tratamento: A conduta face à anemia por deficiência de ferro deve consistir em várias
ações, entre elas devem ser destacadas as mudanças de hábitos alimentares, diagnóstico e tratamento
das causas de perda sanguínea, controle de infecções que contribuam para anemia, fortificação de
alimentos e suplementação medicamentosa com ferro.

Hemoglobina >11g/dl: Ausência de anemia. Manter suplementação de 40mg/ dia de ferro elementar e
400μg de ácido fólico, a partir da 20a semana, devido à maior intolerância no início da gravidez.
Recomenda-se a ingestão uma hora antes das refeições.
- Hemoglobina < 11g/dl > 8 g/dl: diagnóstico de anemia leve a moderada. Solicitar exame
protoparasitológico de fezes e tratar parasitoses, se presentes. Prescrever sulfato ferroso em dose de
tratamento de anemia ferropriva (120 a 240mg de ferro elementar/dia) de três a seis drágeas de sulfato
ferroso/dia, via oral, uma hora antes das principais refeições. Entre os efeitos colaterais mais
importantes desse regime de alta dosagem de ferro estão os gastrointestinais, tais como epigastralgia,
náuseas, vômitos, diarreia e obstipação. Para amenizar os efeitos colaterais, esquemas posológicos
alternativos, como administração semanal, têm sido sugeridos e mostram-se tão efetivos quanto a
administração diária

na prevenção da queda dos níveis de hemoglobina. Repetir o exame em 60 dias. Se os níveis estiverem
subindo, manter o tratamento até hemoglobina atingir 11g/dL, quando deverá ser mantida a dose de
60mg/ dia e repetir o exame em torno da 30a semana.

Hemoglobina < 8 g/dl: diagnóstico de anemia grave, a ser investigada e tratada em serviço terciário. A
transfusão de hemácias é indicada mais raramente no período pré-natal, porém, nos casos de anemia
intensa, grave, com hemoglobina menor que 7,0g/dL, com descompensação materna; associação com
outras doenças; prejuízo da vitalidade fetal; risco de procedimento cirúrgico ou parto emergencial, tal
procedimento se justifica para prevenir as complicações maternas fetais provenientes da anemia

Anemias Megaloblásticas

As anemias megaloblásticas constituem um tipo particular de distúrbio hematológico caracterizado por


um atraso de maturação do núcleo em relação ao citoplasma, que ocorre por uma síntese defeituosa do
DNA, maioritariamente por défice de vitamina B12 ou folato, por anomalias herdadas ou adquiridas que
afetem o metabolismo da vitamina B12 ou folato, ou ainda por défices enzimáticos que condicionem a
síntese do DNA. Tanto a vitamina B12 como o folato estão envolvidos na síntese do ácido
tetrahidrofólico, etapa crucial na síntese do DNA, e o seu défice compromete a divisão e crescimento do
todo o tipo de células, com as células hematopoiéticas em destaque devido à sua elevada taxa de
multiplicação. Na gravidez existe um aumento das necessidades de vitamina B12 e de folato devido ao
crescimento fetoplacentária, com rápida multiplicação celular e síntese de DNA, aumento da contagem
eritroide e das necessidades maternas fisiológicas, o que se traduz frequentemente por défices destes
micronutrientes em mulheres com fatores de risco subjacentes. As anemias megaloblásticas são o
segundo tipo de anemia mais comum na gravidez, sendo na maioria dos casos gerada por um défice de
folato, o mais frequente, ou vitamina B12, de causa nutricional ou por défices de absorção

a) Déficit de Vitamina B12: A vitamina B12 ou cianocobalamina, como também é chamada, é uma
vitamina hidrossolúvel, sintetizada exclusivamente por microrganismos, dessa forma os humanos são
completamente dependentes da dieta para a sua obtenção. A absorção no organismo humano inicia já
na boca e estomago por ação das proteínas R (também denominadas de Transcobalamina I), e continua
até o final do intestino delgado. Ao chegar ao duodeno as proteases do suco pancreático rompem suas
ligações, então outra proteína, o fator intrínseco se liga a Vitamina B12 e a leva até os receptores de
fator intrínseco, que se encontram no final do intestino delgado. Estes receptores introduzem a vitamina
B12 nas células intestinais e ela passa para o sangue onde a sua proteína transportadora, a
Transcobalamina II, a transporta para outros tecidos e células. Uma vez absorvida atua, na forma metil-
B12, como coenzima na reação enzimática que permite a conversão de homocisteína em metionina e
consequente conversão do ácido fólico da forma metil-THF na sua forma ativa. Assim, quando existe
uma deficiência de vitamina B12 a forma ativa do ácido fólico vai também estar diminuída, afetando a
reação intracelular dependente do ácido fólico fundamental para a síntese do DNA e maturação nuclear
do GV.
Uma dieta normal contém um grande excesso de vitamina B12 relativamente às necessidades do
organismo (7 a 30 µg diárias versus 2,4 µg por dia) sendo grande parte armazenada sob a forma de
reservas, que contêm cerca de 2 a 3 mg de cobalamina, o suficiente para 2 a 4 anos no caso de ausência
completa de ingestão desta vitamina. Considera-se então que existe um aumento das necessidades de
vitamina B12 na gravidez de apenas 2,4 para 2,6 µg por dia. A gravidez está associada a uma descida
regular e fisiológica dos níveis séricos de vitamina B12, com valores médios de 300 pg/ml no primeiro
trimestre, 250 pg/ml no segundo trimestre e 190 pg/ml no terceiro trimestre. Esta pode ser atribuída à
hemodiluição fisiológica da gravidez e à transferência de vitamina B12 para o feto. Após o parto, existe
um aumento estável dos níveis de vitamina B12 até a valores pré gravidez entre três a cinco semanas
pós-parto. No entanto, a gravidez por si não justifica uma anemia por défice de vitamina B12, existindo
fatores predisponentes como um consumo insuficiente, em dietas vegetarianas estritas ou mal nutrição,
mal absorção após gastrectomia ou por défice de fator intrínseco (anemia perniciosa), ou distúrbios
enzimáticos genéticos.

As consequências da deficiência de vitamina B12 na gravidez dependem largamente da gravidade da


mesma. A maioria das gravidezes prossegue sem quaisquer intercorrências, embora o risco de aborto
espontâneo, parto pré-termo e baixo peso à nascença esteja aumentado. As deficiências de folato e
vitamina B12 na grávida são consideradas um fator de risco para o desenvolvimento de defeitos do tubo
neural no feto, com um risco 2,5 a 3 vezes superior relativamente à população em geral. A deficiência de
vitamina B12 pode estar associada a défices neurológicos por lesão dos cordões posteriores da medula
espinhal e nervos sensitivos periféricos, com sintomas como disestesia, hipostesia e, em casos mais
severos, ataxia e diminuição da capacidade proprioceptiva e sensação vibratória

b) Déficit de Folato: O ácido fólico encontra-se presente em vegetais verdes, frutos cítricos e produtos
de origem animal como o fígado. A dose recomendada no adulto é 240 μg por dia, no máximo,
aumentando na grávida e na amamentação para 400 μg por dia. As reservas de folato duram apenas
quatro meses, momento a partir do qual se começam a desenvolver sintomas, como manifestações de
anemia, glossite, hiperpigmentação e possível febre baixa, com resolução a partir de 24 a 48 horas do
início da terapêutica. Considera-se que existe uma deficiência de folato se os níveis séricos forem
inferiores a 2 mg/L, e valores de folato nos GV inferiores a 160 mg/L.

O ácido fólico é absorvido na região proximal do jejuno por difusão passiva e transporte ativo mediado
por transportadores, e o seu défice pode ser causado por dietas pobres, alcoolismo, distúrbios da
absorção, como a doença celíaca e doença inflamatória intestinal, necessidades aumentadas, na
gravidez, lactação ou em casos de hemólise crónica, ou fármacos como o metotrexato, anfotericina,
trimetoprim e anticonvulsivantes. Essa vitamina tem desempenho fundamental no processo de
reprodução celular, no aumento dos eritrócitos, no alargamento do útero, no crescimento da placenta e
do feto, no crescimento normal, na fase reprodutiva (gestação e lactação), na formação de anticorpos
na atuação como coenzima no metabolismo de aminoácidos (glicina), na síntese proteica, na síntese de
purinas e pirimidinas, sendo, portanto, indispensável na gestação. Há um declínio na absorção do ácido
fólico e em contrapartida um aumento da demanda em decorrência do desenvolvimento fetal.

c) Diagnóstico: Em geral, as manifestações clínicas da anemia megaloblástica na gestação ocorrem antes


do terceiro trimestre. Pode-se suspeitar do diagnóstico de anemia megaloblástica a partir de anamnese
e exame físico cuidadosos. Se a gestante for de risco para desenvolver anemia por deficiência de ácido
fólico ou apresentar anemia moderada, deve-se procurar fazer o diagnóstico antes das alterações
megaloblásticas se instalarem.

Um hemograma completo é fundamental para o diagnóstico de uma anemia megaloblástica, mostrando


na maioria dos casos índices macrocíticos, com VGM geralmente superior a 110 fL. Uma vez identificada
a macrocitose, o diagnóstico diferencial deve começar com a determinação dos níveis séricos de
vitamina B12 e folato, e realização de um esfregaço de sangue periférico, que mostra geralmente
hipersegmentação dos leucócitos polimorfonucleares e presença de megacariócitos. A contagem de
reticulócitos é geralmente baixa, e pelo facto da deficiência de vitamina B12 comprometer a síntese de
DNA, pode haver um envolvimento de outras linhagens celulares, com desenvolvimento de uma
pancitopenia. As análises laboratoriais mostram um aumento dos níveis de bilirrubina não conjugada e
HDL, com diminuição da haptoglobina (A haptoglobina é uma proteína de fase aguda (alfa2-
glicoproteína), produzida no fígado, que se liga irreversivelmente à hemoglobina após a hemólise,
formando um complexo que é removido pelas células de Kuppfer), devido à eritropoiese ineficaz com
consequente hemólise intramedular

O diagnóstico da deficiência de vitamina B12 depende do doseamento da cobalamina sérica,


considerando-se que os níveis se encontram dentro dos limites da normalidade se estiverem entre 170 e
250 pg/mL. Quando estes estão entre 200 e 300 pg/mL, devem ser realizados os doseamentos dos
metabolitos ácidos metilmalónico, cujo valor estará apenas aumentado numa deficiência de vitamina
B12, e homocisteína, aumentada na deficiência de vitamina B12 e folato. Pode ainda ser doseados os
anticorpos anti-FI e células parietais na suspeita de uma anemia perniciosa, e realizada uma endoscopia
digestiva alta para confirmação de atrofia gástrica e exclusão de carcinoma do estômago

A avaliação laboratorial do status de folato pode consistir no doseamento do folato sérico ou folato nos
GV. Os níveis de folato sérico dependem da ingestão recente de alimentos com elevado conteúdo deste
micronutriente, devendo o seu doseamento ser realizado em jejum. O folato nos GV, cerca de 95 % do
folato corporal, é, portanto, um melhor indicador do status de folato. Se existirem sintomas de mal
absorção com suspeita de doença celíaca, a investigação deve também incluir a pesquisa e doseamento
de anticorpos anti-endomísio, com eventual realização de biópsias duodenais para confirmação do
diagnóstico

d) Sinais e Sintomas: O quadro clínico desses pacientes é muito parecido com os que ocorrem em todas
as anemias: perda de apetite e de peso, fraqueza e cansaço, coração acelerado, dores abdominais,
enjoos, diarreia, pele pálida ou icterícia, dormência nos dedos, etc. Se a anemia megaloblástica ocorre
durante a gravidez pode levar ao parto prematuro e/ou à malformação fetal

e) Tratamento: O tratamento da anemia megaloblástica por défice de vitamina B12 na gravidez é similar
ao adulto em geral. Geralmente, se não existir evidência de patologia que curse com défices de
absorção, a suplementação com vitamina B12 por via oral é uma alternativa, mas na maioria dos casos
opta-se pela via intramuscular. Visto não existirem exames completamente sensíveis e específicos para
o diagnóstico de uma anemia megaloblástica por défice de vitamina B12, é plausível tratar mulheres
com níveis plasmáticos diminuídos se apresentarem fatores de risco ou clínica compatível com o
diagnóstico. A suplementação é geralmente por via intramuscular, com 1 g de hidroxicobalamina três
vezes por semana durante duas semanas, e depois a cada três meses. Em doentes com um défice de
absorção permanente, em casos de anemia perniciosa ou gastrectomia total, a suplementação vitalícia
pode ser necessária

Uma dieta vegetariana bem estruturada pode fornecer as quantidades necessárias de proteína, cálcio,
ferro e ácidos gordos essenciais. No entanto, a vitamina B12 é um nutriente virtualmente inexistente
numa dieta sem consumo de produtos animais, sendo crucial introduzi-la na alimentação através da
suplementação por via oral. A OMS recomenda a suplementação com vitamina B12 por via oral, na dose
diária de 2.6 ug, a todas as mulheres grávidas ou durante o período de aleitamento que, devido aos seus
hábitos alimentares ou patologia pré-existente, apresentem um risco elevado de desenvolver uma
anemia megaloblástica por défice de vitamina B12. O tratamento da anemia por défice de folato
consiste na suplementação com 5 mg de ácido fólico por dia, por via oral, durante quatro meses,
excluindo sempre uma deficiência de vitamina B12, visto que níveis elevados de folato podem resolver a
anemia mas agravar a sintomatologia neuropsiquiátrica.

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