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Cinema, cultura e ensino de História: considerações sobre o

uso do recurso cinematográfico em sala de aula


RODRIGO LUIS DOS SANTOS*

Resumo:
Busca-se neste artigo, como objetivo central, promover uma reflexão sobre as
potencialidades do uso do cinema em sala de aula, sobretudo no campo do ensino
de História, apontando também para as questões problemáticas concernentes
com esse instrumento pedagógico. Embora tenha ocorrido uma qualificação
crescente nos últimos anos, tanto na utilização do cinema como objeto de
pesquisa histórica como no uso do mesmo como recurso didático, ainda nos
deparamos com o uso inadequado do mesmo, além de polêmicas decorrentes.
Deste modo, acredita-se ainda ser necessário propor a reflexão e o apontamento
de possibilidades e formas de uso, direcionando docentes e discentes para um
aperfeiçoamento constante no sentido de melhor aproveitar a construção fílmica
no âmbito da pesquisa e ensino. Para alcançar este objetivo, metodologicamente,
serão estabelecidas algumas análises teóricas e conceituais sobre o tema, para, a
partir desse panorama, indicar caminhos e exemplos práticos de apreciação
crítica do instrumento fílmico em sala de aula.
Palavras-chave: Educação; Cinema; Ensino de História; Educação Histórica.

*
RODRIGO LUIS DOS SANTOS é doutorando em História (bolsista PROSUC/CAPES) pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).

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Introdução
O cinema não tem fronteiras nem limites.
É um fluxo constante de sonho.
Orson Welles

O grande ditador. Direção: Charles Chaplin. EUA, 1940 (2h 06min)

Da famosa cena do trem chegando à materializar ideias, intenções,


estação1 – e da fuga do público interpretações, silenciamentos, discursos
amedrontado da sala de exibição – e visões de mundo. Ao se utilizar de
produzida pelos irmãos Auguste e Louis imagens, cores, sons, o cinema
Lumère, em 1895, passando pelo estabelece uma relação ambivalente com
emblemático discurso humanista – e, por seu espectador, pois aquele que está
que não dizer, anarquista – de Charles sentado diante da tela – ou sua casa, na
Chaplin em O Grande Ditador, de 1940, frente da televisão ou computador – é o
ou pela luta entre os rebeldes e o lado alvo da intenção daquele filme, ao
negro da força na saga de Star Wars, mesmo tempo em que, sem o espectador,
desde a década de 1970, chegando à o filme perde grande parte de sua razão
marcante cena de Al Pacino, como um de ser e ser produzido. Quando aborda-
coronel cego, dançando com Gabrielle se mais especificamente as produções de
Anwar, ao som do tango Por una cabeza, cunho histórico, é oportuna a
em Perfume de Mulher (1992), o cinema apropriação da afirmativa de Marc Ferro,
tem um espaço definitivo na vida social quando assevera que “o filme histórico
e cultural das sociedades humanas. A ou, mais geralmente, o de História,
produção cinematográfica é, ao mesmo constitui somente a transcrição fílmica
tempo, resultado e impulsionadora da de uma visão de História que foi
capacidade cultural humana de concebida por outros” (2010, p. 184).

1
Arrivée d’un train em gare à La Ciotat (Chegada de um trem à estação da Ciotat), foi exibido na sala de
cinema Eden, em Paris, no dia 28 de dezembro de 1895.

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Deste modo, um filme, enquanto produto História sobre a utilização dos diferentes
cultural, carrega em seu bojo diversos tipos de fontes e recursos no campo
elementos, objetivos e subjetivos, que didático:
precisam ser descobertos, analisados e
interpretados. Martine Joly, ao apontar [...] são cartas, livros, relatórios,
critérios que devem ser levados em diários, pinturas, esculturas,
consideração na apreciação imagética, fotografias, filmes, músicas, mitos,
lança luzes também para algumas lendas, falas, espaços, construções
necessidades da interpretação fílmica, ao arquitetônicas ou paisagísticas,
instrumentos e ferramentas de
afirmar que
trabalho, utensílios, vestimentas,
[...] interpretar uma mensagem; restos de alimentação, meios de
analisá-la, não consiste certamente locomoção, meios de comunicação.
em tentar encontrar ao máximo uma São, ainda, os sentidos culturais,
mensagem preexistente, mas em estéticos, técnicos e históricos que
compreender o que esta mensagem, os objetos expressam, organizados
nessas circunstâncias, provoca de por meio de linguagens (escrita,
significações aqui e agora, ao oralidade, números, gráficos,
mesmo tempo em que se tenta cartografia, fotografia, arte)
separar o que é pessoal do que é (BRASIL, 2000, p. 79-81).
coletivo (JOLY, 1996, p. 19).
Tendo em vista as competências e
O objetivo deste texto é fomentar,
habilidades que o ensino de História
sobretudo, uma reflexão sobre as fontes
deve buscar cada vez mais despertar nos
e instrumentos utilizados pelos
alunos (embora estejamos vivendo um
pesquisadores e professores de História
tempo de incertezas quanto ao papel da
em sua atuação profissional, com
História e de outras disciplinas na
atenção especial para o segundo grupo.
Educação Básica brasileira), a análise
Para isso, optou-se por privilegiar um
fílmica, se bem orientada e conduzida,
produto cultural que, embora seja muitas
tende a colaborar significativamente
vezes utilizado e objeto de análises,
para uma melhor compreensão histórica
ainda ocupa um lugar secundário no
e de mundo social na atualidade.
espaço historiográfico: o cinema e as
Segundo Kátia Abud (2003, p. 191),
produções fílmicas.
Não são poucos os casos onde a [...] pode-se afirmar que o filme
utilização de determinado filme em sala promove o uso da percepção, uma
de aula tem um objetivo totalmente atividade cognitiva que desenvolve
destoante daquele que deveria ter, que é estratégias de exploração, busca de
informação e estabelece relações.
a reflexão crítica. Ainda vemos casos
Ela é orientada por operações
onde seu uso é meramente ilustrativo ou, intelectuais, como observar,
pior ainda, para ocupar o espaço de uma identificar, extrair, comparar,
aula não preparada ou para entreter o articular, estabelecer relações,
grupo de alunos rebeldes e sucessões e causalidade, entre
desobedientes. Salienta-se que, outras. Por esses motivos, a análise
felizmente, esta perspectiva tem de um documento fílmico, qualquer
mudado. Contudo, sempre é cabível e que seja seu tema, produz efeitos na
necessário refletirmos sobre a utilização aprendizagem de História, sem
destes profícuos recursos. Retomemos o contar que tais operações são
que dizem os Parâmetros Curriculares também imprescindíveis para a
inteligibilidade do próprio filme.
Nacionais nas disciplinas de Geografia e

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Longe de ser um mero elemento ensino-aprendizagem. E, com uma
ilustrativo sobre determinado período difusão cada vez mais eloquente de
histórico, acontecimento ou personagem, interpretações históricas através destes
o uso da ferramenta cinematográfica meios de comunicação, o docente da
deve contribuir para imbuir o aluno de disciplina histórica deve se qualificar
uma capacidade interpretativa e crítica, para utilização destes recursos em seu
percebendo que os filmes também ofício cotidiano, tendo em vista que o
reproduzem um enquadramento de cinema é uma manifestação cultural,
determinado aspecto que se deseja social, econômica e política do ser
evidenciar, sugestionar ou até mesmo humano.
impor ao coletivo. Para tanto, é preciso
Cinema, cultura e ensino de História
que docentes e discentes estejam em
posse dos aparatos teóricos e Precisa-se lembrar, fundamentalmente, a
metodológicos adequados para proceder importância dos pesquisadores e
essa investigação. Objetiva-se, com isso, professores de História para com o meio
fomentar uma leitura crítica do que uma social na qual estão inseridos. Não se
produção fílmica almeja, do que ela trata, meramente, de lembrar o passado,
busca representar e que discurso pode mas, acima de tudo, questionar,
incutir. Sobre a leitura crítica e sua interpretar, desconstruir e ressignificar,
relação com o mecanismo pedagógico e criticamente, esse passado. Em uma de
o processo de aprendizagem, José Moran suas mais importantes obras, o
traz a alocução que historiador britânico Eric Hobsbawm
advertia sobre o desmantelamento das
[...] leitura crítica é um processo que relações entre os jovens do final do
relaciona diversos processos
século XX – e, podemos afirmar, mais
pedagógicos, tanto os formais
quanto os informais, os oficiais e os ainda neste início de século XXI – com o
não oficiais, os que se propõe a passado da sociedade na qual vivem.
sistematização por finalidade Segundo Hobsbawm (1995, p. 13),
explícita – como a escola – e os que [...] a destruição do passado – ou
não se propõe a fazê-la melhor, dos mecanismos sociais que
explicitamente, mas a realizam na vinculam nossa experiência pessoal
prática, pela sua continua relação à das gerações passadas – é um dos
com as pessoas, como os meios de fenômenos mais característicos e
comunicação. Leitura crítica é a lúgubres do final do século XX.
capacidade de relacionar todos esses Quase todos os jovens de hoje
momentos e processos crescem numa espécie de presente
diferenciados, situá-los dentro de contínuo, sem qualquer relação
um conjunto, caracterizá-los, orgânica com o passado público da
descrevê-los, avaliá-los, diferenciá- época em que vivem. Por isso os
los, compará-los (MORAN, 1993, p. historiadores, cujo ofício é lembrar o
35). que os outros esquecem, tornam-se
Não há como conceber, em um contexto mais importantes do que nunca no
fim do segundo milênio.
mundial de predomínio midiático, de
interatividade cada vez mais acelerada e Ao mesmo tempo em que, percebe-se
de acesso aos mais diversificados meios este distanciamento dos jovens – mas
de informação, que as mídias, não apenas destes – com o passado
especialmente o cinema, objeto deste histórico público, também se vê
artigo, sejam vistos como elementos agigantar outras formas de levar ao
desvinculados do processo contínuo de alcance do público determinadas

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interpretações históricas, muitas destes da década de 1980. Nesta perspectiva,
desprovidas de qualquer critério não apenas no campo teórico ou de
científico e, até mesmo, ético. E, por pesquisa empírica, mas também na área
adotarem uma roupagem que, do ensino de História, novas fontes e
propositalmente, dialoga com o tempo recursos passaram a ser considerados
presente e a linguagem do público ao como qualificados. Um destes elementos
qual se destinam, acabam por atingir um é o cinema.
resultado considerável e um alcance que
não deve ser desprezado. E, no lastro Mas, o que leva o ensino de História a
disso, reproduzindo informações não ter o alcance que estes meios
baseadas em achismos, sem se falar nas midiáticos possuem? Podem-se elencar
deturpações, anacronismos e versões várias razões, mas, neste artigo,
acompanhadas de preconceitos que se apontaremos uma mais especificamente:
perpetuam. E, muitas vezes, essas em muitos casos, os avanços
versões são assumidas e introjectadas historiográficos e interpretativos que
pelo público como verdades absolutas e surgiram ao longo do século XX não
inquestionáveis. Basta vermos estão presentes em sala de aula. Sejam
programas produzidos por canais de TV nos estudos sobre os aspectos diversos da
fechadas ou produções disponíveis no história brasileira ou da história geral,
YouTube, por exemplo. Mas, nesse muitas interpretações, tidas como
quadro, não podemos nos esquecer do imutáveis, passaram por ressignificações
papel do cinema. Quantas vezes, nos expressivas. Por exemplo, os estudos
deparamos, em sala de aula ou no relacionados com a escravidão, abolição
cotidiano, com frases como: “Se o filme e pós-abolição, onde a percepção antiga
mostra, então é verdade”. Talvez, essa de um grupo social – no caso, os negros
frase ouçamos mais ao que é divulgado – sem articulação, tem sido contestada,
nos telejornais ou, mais forte ainda, nas evidenciando-se a capacidade de
redes sociais da internet. Ou ainda: “Em resistência, de organização e de busca
tal filme, os americanos eram bonzinhos. por alternativas para amenizar e sanar
Então, eles são legais, porque eu prefiro questões da vida cativa. Essas novas
o filme do que as aulas de História da pesquisas, por seu turno, têm
América” – essa situação – aqui privilegiado o protagonismo negro.
relatando uma experiência pessoal – Podemos mencionar também as novas
aconteceu comigo, não como docente, perspectivas sobre a história indígena no
mas ouvindo uma frase dita por um continente americano, onde também se
colega durante a graduação em História. tem almejado visibilizar de forma ativa
Enfim, são colocações que demonstram estes grupos humanos, em detrimento de
o quanto temos que aprofundar nossa uma historiografia que contemplava,
relação – e nossa interpretação crítica – muitas vezes, os indígenas de forma
com o que é exposto nos diferentes superficial, vitimizadora e baseada em
meios de comunicação social. um olhar eurocêntrico.

A análise histórica e a construção Entretanto, nem sempre essas novas


historiográfica do meio social passaram percepções alcançam o meio educacional
por significativas mudanças, advindas, mais amplo, ou seja, a Educação Básica,
sobretudo, após as formulações da especialmente os Ensinos Fundamental e
Escola dos Annales, no início do século Médio. Ainda percebemos um grande
XX, e o crescimento vertiginoso da distanciamento entre o meio acadêmico
chamada Nova História Cultural a partir e a base educacional, as escolas. Com

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isso, ainda é reproduzida – e aqui pode- meio das quais os homens
se atribuir não apenas aos professores ou comunicam, perpetuam e
instituições de ensino, mas também aos desenvolvem seu conhecimento e
agentes públicos responsáveis – uma suas atividades em relação a vida
educação histórica pautada na (GEERTZ, 2008, p. 52).
reprodução acrítica dos fatos e na Ancorados na definição conceitual de
narrativa meramente cronológica. Seria Geertz, não há dúvidas que a produção
errôneo, de nossa parte, apontar isso artística é uma das expressões máximas
como uma problemática generalista. Há, da capacidade humana de interpretar a si
efetivamente, mudanças significativas mesmo, das mais diferentes formas,
no campo didático de ensino de História. tendo em vista a complexidade dos
Mas, ao mesmo tempo, não podemos códigos e signos sociais existentes. E o
desconsiderar a existência destes fatores cinema, enquanto junção de diferentes
de não renovação. Para fins de elementos, como a fotografia, a imagem,
aproximação com nossa análise, vejamos a música, a literatura, a escrita, é uma das
as principais mudanças no campo expressões mais consistentes
historiográfico, que repercutiram mais desenvolvidas pela sociedade, a partir do
decisivamente na relação entre cinema e final do século XIX. Em consonância
história. com essa assertiva, acreditamos que as
produções cinematográficas são
No campo da História Cultural, é de importantes fontes e instrumentos para
grande difusão o conceito de análise das construções socioculturais e
representação, principalmente a das representações que são constituídas
concepção de Roger Chartier. Para este no e sobre o meio social. Por outro lado,
pesquisador, as representações são encontramos situações como as que
construções que a sociedade faz de si ocorrem na Educação Básica, por
mesma, tanto no que se refere aos tempos exemplo, onde a utilização do cinema
passados como ao presente, elegendo ainda se encontra retida em uma esfera
determinados aspectos, códigos, signos e ilustrativa. Seja por conta de suas
recortes, ao mesmo tempo em que refuta limitações curriculares, das diretrizes
e ignora outros. Deste modo, a que muitas vezes buscam apenas a
representação se dá de forma consciente. formação para o mercado de trabalho ou
Evidentemente, ela não é algo até mesmo a falta de formação dos
heterogêneo e imutável, pois estas docentes diante das novas possibilidades
também são frutos de determinados de aperfeiçoamento dos instrumentos de
contextos e conjecturas estruturais da ensino, ainda vê o cinema como mero
sociedade. mecanismo de entretenimento. Por isso,
Mas, o que é cultura? Não é nada fácil ainda encontramos o uso de filmes como
estabelecer uma conceituação definitiva um recurso complementar, seja para
para a mesma – e, talvez, nem devamos evidenciar algum aspecto abordado em
realmente almejar isso. Faremos uso do sala de aula, seja para ocupar algum
conceito formulado por Clifford Geertz espaço ocioso.
que define cultura como No campo do ensino de História, muito
[...] um padrão de significados se tem falado em despertar o senso
transmitidos historicamente, crítico e a capacidade investigativa e de
incorporado em símbolos, um questionamento dos alunos. Por conta
sistema de concepções herdadas disso, se vislumbram o uso de recursos
expressas em formas simbólicas por variados para esse objetivo, como o uso

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de fontes primárias, entrevistas, saídas e dia da luta entre os dois boxeadores,
viagens de estudo. Na esteira deste Apollo acaba morrendo, em decorrência
processo, o cinema pode assumir um dos socos recebidos de Drago,
papel de destaque, deixando seu papel especialmente na região craniana. Após
simplório e meramente ilustrativo. O a morte de Apollo, Rocky, que de
importante é que o uso do mesmo tenha adversário passaria a amigo, decide
um objetivo primordial voltado para a partir para a Sibéria, a fim de treinar e se
formação educacional, crítica e cidadã vingar da morte do companheiro. No
dos sujeitos envolvidos. Neste sentido, é final, Rocky Balboa vence Ivan Drago,
importante a contribuição de Nilo cumprindo sua promessa.
Castro, quando adverte que,
pedagogicamente, a utilização do A história reproduzida em Rocky IV é
recurso fílmico – e de outros – deve altamente representativa. Por trás dos
personagens retratados e de suas
[...] preparar o características, o filme objetiva a
aluno/professor/cidadão para ver a construção e difusão de uma imagem
mídia (a notícia, o filme, a para o espectador. Tanto Apollo quanto
telenovela, o anúncio, etc.) como Drago possuem em comum a
uma mediação, uma aproximação da personalidade nacionalista, o primeiro
realidade, que exige uma apreciação defendendo os Estados Unidos e o
crítica e um esforço para se
segundo, a União Soviética. Nesse jogo
relacionar o que se vê ou ouve com
seus próprios reconhecimentos e de representações, os personagens
valores pessoais. O filme, o simbolizam a disputa entre as duas
telejornal, ou a telenovela não são nações, tendo em vista que na década de
formas acabadas de expressão da 1980 ainda estava em vigor a chamada
realidade. Mas meras aproximações, Guerra Fria, tendo os Estados Unidos
substituições da realidade, muitas como representante principal do
vezes simplistas e empobrecidas. capitalismo e a União Soviética como
Nem por isso se pode transigir com estandarte do socialismo. A construção
a ultrassimplificação, pois significa, do personagem Ivan Drago o identifica
por exemplo, retirar do filme e da como um homem insensível e sem
telenovela sua dimensão artística de
princípios éticos, assim como aqueles
retratar ou interpretar realidades; e
do jornalismo, sua capacidade de que estão junto dele, também soviéticos.
gerar conhecimento (CASTRO, Por outro lado, a imagem de Rocky
2010, p. 281-282). mostra um homem apegado a valores
como o humanismo e solidariedade. Essa
Sugere-se aqui um exercício prático. construção de personalidade busca
Muitos devem ter assistido aos filmes passar ao público uma percepção
protagonizados pelo personagem Rocky dicotômica: estadunidenses como
Balboa, interpretado por Silvester defensores dos valores humanos e
Stallone (também roteirista e diretor dos soviéticos como opositores a isso,
filmes da série). Nos ateremos ao filme expoentes de um regime ditatorial e de
Rocky IV, de 1985. Em linhas gerais, o terror e de um sistema social, cultural e
enredo do filme narra o confronto inicial econômico aviltante e animalesco. Por
entre Apollo Creend, estadunidense, e fim, a vitória de Rocky Balboa
Ivan Drago, um jovem boxeador representa a vitória dos Estados Unidos
soviético. Desde a entrevista, iniciam os sobre seu maior adversário, a União
atritos entre Apollo e Drago, marcados Soviética, que entrara em processo de
pelas ofensas de cunho nacionalista. No crise nesse período, que culminaria com

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a sua dissolução a partir de 1991. A espectador. Ao mesmo tempo,
comemoração de Rocky não simboliza podem auxiliar os alunos no
apenas a vingança pela morte do amigo entendimento da obra e no
Apollo, mas também a vitória do regime preenchimento do roteiro de
capitalista sobre o retrógrado socialismo. observação;
O exemplo citado anteriormente, a 3) a preparação para exibição e
princípio, apresenta uma narrativa que análise, percebendo a
expressa de forma mais visível a importância da preparação
representação e a ideia que objetiva pessoal e da turma para esse
transmitir. Outros filmes, por seu turno, momento, elaborando
são mais sutis e complexos, exigindo mecanismos para que os alunos
uma análise ainda mais profunda. Mas, percebam o uso do filme como
independentemente do filme escolhido, algo importante para a
alguns critérios básicos são compreensão mais efetiva do
imprescindíveis, contemplando conteúdo trabalhando. Nesse
elementos técnicos e também os sentido, se sugere a elaboração de
subjetivos. um roteiro de observação, que
deve ser preenchido pelos alunos.
Didaticamente, à guisa de fornecer Dentre os tópicos que podem
subsídios para a aplicabilidade do constar nesse roteiro, estão:
recurso fílmico em sala de aula,
elaboramos um roteiro de análise a) Que história é
dividido em quatro etapas: contada/retratada no filme
assistido?
1) a escolha do filme pelo
b) Quais cenas que mais
professor, levando-se em conta o
chamaram sua atenção?
objetivo definido que se tem ao
Justifique.
utilizar o mesmo, seu conteúdo e
os procedimentos que serão c) Que ideias podem ser
utilizados para analisá-lo; percebidas no filme?
2) o levantamento de d) O que representam os
informações sobre o filme, por personagens? Quais os perfis
parte do docente, como, por destes?
exemplo: dados sobre diretor,
e) Que modelo de sociedade é
produtores, época e contexto em
possível perceber no filme?
que a obra foi produzida,
aspectos técnicos como trilha f) Que valores foram
sonora, fotografia, entre outros. transmitidos ou negados pela
Um conhecimento prévio sobre história exibida?
esses aspectos contribui para
g) Que aspectos você mudaria no
entender melhor os objetivos
enredo, na história contada no
intrínsecos presentes na criação
filme assistido?
de determinada obra
cinematográfica, na escolha do 4) retomar aspectos do filme, seja
enredo e na construção de através de seminários,
discursos, representações e questionários, debates, entre
mensagens que se tentam outras formas, relacionando o
transmitir e imprimir ao filme com o sentido de usá-lo em

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aula, obtendo, dessa forma, que, acima de tudo, são cidadãos, é
também uma perspectiva necessário o refinamento teórico e
analítica por parte dos alunos, metodológico que, por sua vez, são
percebendo os pontos que contributos significativos para a
chamaram ou não a atenção, efetivação de uma consciência mais
assim como o desenvolvimento crítica.
crítico dos mesmos.
Conclusão
Aqui esboçam-se alguns tópicos de
forma mais objetiva e genérica. Mas, Cientes das urgentes questões que
acreditamos que através destes – e de seu envolvem o fazer historiográfico e o
aperfeiçoamento e ressignificação por ensino de História, tendo em vista os
parte dos docentes e alunos, conforme desafios inerentes ao futuro da disciplina
suas realidades – temos um caminho e de seu papel dentro da constituição
eficiente para uma utilização pedagógica social, é preciso continuar atento para as
mais adequada desse recurso rico em mudanças que ocorrem, em seus
possibilidades. Marcos Napolitano, múltiplos sentidos, sobretudo no campo
pesquisador reconhecido nos estudos cultural e, em consequência, com
sobre cinema e educação, adverte que desdobramentos invariáveis no aspecto
educacional.
[...] apesar de ser uma arte
centenária e muitas vezes ao longo O estabelecimento de diferentes fontes
da História ter sido pensado como de pesquisa e análise histórica são
linguagem educativa, o cinema imprescindíveis não apenas para os
ainda tem alguns problemas para
historiadores que se dedicam ao campo
entrar na escola. Não apenas na
“escola tradicional” (o que seria investigativo, mas também para aqueles
compreensível, dada à rigidez que se dedicam ao campo da docência.
metodológica que dificulta o uso de Isso se faz necessário justamente para
filmes como parte didática das possibilitar maior interação dos
aulas), mas também dentro da escola historiadores e professores de História na
renovada, generalizada a partir dos dinâmica social, estreitando formas de se
anos 1970, o cinema não tem sido valorizar e compreender a importância
utilizado com a frequência e o da História para o entendimento das
enfoque desejáveis. A maioria das múltiplas formas de relações existentes
experiências relatadas ainda se na complexidade das sociedades atuais.
prende ao conteúdo das histórias, às
Muitas vezes, tanto pesquisadores
6 fábulas em si, e não discute os
outros aspectos que compõem a quanto professores, tendem a se isolar
experiência do cinema não apenas em torno de seu ofício, mas
(NAPOLITANO, 2006, p. 7). também ao diálogo com novas
tendências e novas tecnologias de
A alocução de Marcos Napolitano, interação social. Esse isolamento, de
notadamente, demonstra ainda o certa forma, colabora para uma visão
processo de amadurecimento necessário errônea do que é História.
para a utilização mais adequada em sala
de aula, especialmente no tocante do Outrossim, os filmes e o cinema, por
ensino de História. Ainda nos deparamos serem produtos de um meio
com situações de uso inadequado, além sociocultural, são possíveis de serem
de certo preconceito para com esse analisados criticamente, levando, neste
objeto de análise e instrumental caso, os alunos a compreenderem em
pedagógico. Para professores e alunos, maior profundidade não apenas os

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códigos visíveis na produção fílmica, históricas do audiovisual. São Paulo: Alameda,
mas o processo de construção de sentidos 2007.
e visões de mundo, de representações CASTRO, Nilo André Piana de. Leitura
sociais, de argumentos e discursos sobre midiática na sala de aula nos cursos de extensão:
interpretando e construindo conhecimento
o passado, o presente e o futuro. A partir
através de imagens em movimento. In:
desta compreensão e de uma nova BARROSO, Vera Lucia Maciel et al. Ensino de
percepção sobre a capacidade de uso dos História: desafios contemporâneos. Porto
filmes, tanto no campo da pesquisa como Alegre: EST; Exclamação; ANPUH-RS, 2010.
do ensino, outras fronteiras passam a ser CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre
desbravadas e resultados significativos práticas e representações. Lisboa: Difel, Rio de
podem ser obtidos, especialmente no Janeiro: Bertrand, 1990.
campo da educação, nos seus diferentes FERRO, Marc. Cinema e História. 2. ed. São
níveis, da Educação Básica ao Ensino Paulo: Paz e Terra, 2010.
Superior. GEERTZ, Clifford. A interpretação das
culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. O
Referências
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ABUD, Kátia Maria. A construção de uma Companhia das Letras, 1995.
Didática da História: algumas ideias sobre a
JOLY, Martine. Introdução à análise da
utilização de filmes no ensino. História, São
imagem. Campinas: Papirus, 1996.
Paulo, 22(1); 2003.
ALVES, Giovanni; MACEDO, Felipe. MORAN, José Manuel. Leituras dos meios de
comunicação. São Paulo: Pancast, 1993.
Cineclube, Cinema & Educação. Londrina:
Práxis, Bauru: Canal 6, 2010. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema
BURKE, Peter. A Revolução Francesa da em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2006.
Historiografia: a Escola dos Annales (1929- REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
1989). São Paulo: Editora Universidade Estadual Parâmetros Curriculares Nacionais: História e
Paulista, 1991. Geografia. Secretaria de Educação Fundamental.
CAPELATO, Maria Helena, MORETTIN, Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
Eduardo, NAPOLITANO, Marcos, SALIBA,
Elias Thomé. História e cinema: dimensões
Recebido em 2017-12-01
Publicado em 2018-02-05

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