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FAMÍLIA,

SEGMENTOS
POPULACIONAIS E
POLÍTICAS SOCIAIS

Daniella Tech Doreto


Políticas públicas voltadas
às populações indígena
e quilombola
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar os aspectos históricos que marcaram as populações indígena


e quilombola no Brasil.
 Identificar políticas públicas voltadas às populações indígenas e qui-
lombola, seus movimentos e lutas sociais.
 Reconhecer a atuação do Serviço Social junto às populações indígena
e quilombola.

Introdução
As populações indígena e quilombola vêm vivenciando um processo
de transformação social ao longo dos anos. Por isso, precisam encontrar
respostas para assegurar sua sobrevivência física e cultural, para garantir
às gerações futuras a manutenção do seu legado e condições mais satis-
fatórias de vida. As políticas públicas direcionadas para essa população
também sofreram modificações e, na atualidade, esse grupo tem sido
considerado alvo de muitas delas. O Serviço Social, por sua vez, ao atuar
em diversos espaços socio-ocupacionais, busca assegurar os direitos
dessas comunidades nas diversas áreas em que está inserido.
Neste capítulo, você entenderá um pouco mais sobre os aspectos
históricos que envolvem as populações indígena e quilombola no nosso
país. No decorrer do capítulo, discutiremos, ainda, as políticas públicas de
atenção a essa população, bem como a atuação profissional do assistente
social junto a esse importante grupo.
2 Políticas públicas voltadas às populações indígena e quilombola

As populações indígena e quilombola


— aspectos históricos
Para iniciarmos nossas reflexões sobre as populações indígena e quilombola,
faz-se necessário retomarmos alguns momentos históricos que auxiliarão na
nossa compreensão sobre o momento atual vivenciado por essa população.
Assim, voltamos nosso pensamento para o processo de colonização do País.
O processo de colonização, também denominado por alguns como “pro-
cesso civilizatório”, foi acionado pela revolução tecnológica, que possibilitou
o desenvolvimento das grandes navegações, que sendo Portugal o pioneiro.
Assim, data de 1500 o ano em que se registra o primeiro contato entre portu-
gueses e indígenas. Nessa época, estima-se que a população nativa (indígena)
presente no território brasileiro era de aproximadamente 6 milhões de pessoas,
distribuídos em mil povos diferentes.
Segundo Darcy Ribeiro (1995), a colonização por parte de Portugal
foi bastante radical. Entretanto, para o autor, o interesse real de Portugal
não eram mercadorias, ouro e outras riquezas, mas sim o povo que aqui se
encontrava. A chegada dos portugueses nas terras brasileiras veio acom-
panhada por guerras, epidemias (doenças trazidas pelos portugueses ou
adquiridas mediante as condições insalubres vividas durante a navegação)
e até mesmo diante do processo de descaracterização cultural, uma vez que
os portugueses que aqui chegavam passaram a tentar impor sua cultura e
tradições para os que aqui se encontravam. Assim, o desaparecimento dos
povos indígenas passou a ser visto como uma contingência histórica, algo a
ser lamentado, porém inevitável (BRASIL, 2019). Assim, há que se destacar
que o processo de colonização desencadeou um importante extermínio
(genocídio) desses povos.
Nesta perspectiva, Silva (2018) assinala que o processo de invasão e
ocupação das terras brasileiras foi determinante para as diversas mudanças
pelas quais os indígenas foram expostos ao longo de quase cinco séculos.
Para o autor: “[…] um longo processo de devastação física e cultural eli-
minou grupos gigantescos e inúmeras etnias indígenas, especialmente
através do rompimento histórico entre os índios e a terra” (SILVA, 2018,
documento on-line).
Na atualidade, a população indígena brasileira é de 817.963 indígenas,
conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
de 2010 (BRASIL, 2019). Desta população, a maioria vive na zona rural
(502.783), estando presentes em todos os estados brasileiros, inclusive
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no Distrito Federal. A Funai registra, ainda, que há 69 solicitações para


reconhecimento da condição de indígena junto ao órgão federal indigenista
(BRASIL, 2019, documento on-line):

Esta população, em sua grande maioria, vem enfrentando uma acelerada e


complexa transformação social, necessitando buscar novas respostas para a
sua sobrevivência física e cultural e garantir às próximas gerações melhor
qualidade de vida. As comunidades indígenas vêm enfrentando problemas
concretos, tais como invasões e degradações territoriais e ambientais, explo-
ração sexual, aliciamento e uso de drogas, exploração de trabalho, inclusive
infantil, mendicância, êxodo desordenado causando grande concentração de
indígenas nas cidades.

Assim como o processo vivenciado pela população indígena, a po-


pulação negra também sofreu com o processo de colonização das terras
brasileiras. Por volta de 1530, negros foram trazidos como mercadorias
pelos portugueses em navios negreiros. As condições em que viajavam
eram precárias, o que fazia muitos morrerem ainda nos navios. Muitos
daqueles que sobreviviam não se adaptavam à nova terra, e havia preferên-
cia por escravos do sexo masculino, que podiam ser utilizados na lavoura
de cana-de-açúcar. De acordo com Gelinski e Siqueira (2014, documento
on-line), a escravidão refletiu:

[…] extrema desigualdade social, racismo e preconceito que perpassou a


formação histórica brasileira, visto que seres humanos tiveram seus direitos
negados por ocasião da cor de sua pele, onde foram excluídos e condenados
pelo poder que liderava na época.

Com o decorrer do tempo, a população negra passou a buscar mecanismos


de luta e enfrentamento contra o processo de escravidão pelo qual passavam.
Uma das formas de resistência foram os quilombos, importante forma de
oposição ao sistema vigente (GELINSKI; SIQUEIRA, 2014). A formação dos
quilombos ocorria mediante fuga dos escravos que trabalhavam nos engenhos
de cana-de-açúcar e das grandes fazendas, formando as pequenas vilas. O
mais importante quilombo do período colonial foi o de “Palmares”, que se
desenvolveu na capitania de Pernambuco, na região de Serra da Barriga.
Recebeu este nome por ser liderado por Zumbi dos Palmares, considerado
como uma referência pelos demais.
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Conforme apontado por Calheiros e Stadtler (2010, documento on-line), o termo


quilombo foi “[...] originalmente utilizado para designar um espaço e um movimento
de resistência ao sistema escravocrata, composto predominantemente por negros e
negras que fugiram e formaram núcleos paralelos de poder, produção e organização
social”. Para os autores, não apenas escravos negros formavam os quilombos, mas
também indígenas e pessoas brancas considerados desertores.

Os quilombos marcaram a história brasileira como sinônimo de resistência


e luta de um importante grupo populacional em um momento bastante crítico.
Por esse motivo, a sociedade da época tentava criminalizar e penalizar os habi-
tantes dos quilombos, considerados como favorecedores da oposição à ordem
vigente. Isso ficou evidente nas tentativas de definir o que se consideraria como
quilombos naquela época. Em 1722, surge o primeiro marco legal relacionado
aos quilombos, e, duas décadas depois, o Conselho Ultramarino Português
define como quilombo uma habitação em parte despovoada, composta por
negros fugidos, em número de cinco, ainda que não haja nessa localidade
ranchos levantados ou pilões (SCHIMITT; TURATTI; CARVALHO, 2002).
Segundo os autores:

Se a instituição legal da escravidão marcou o início da organização quilombola


no país, não se pode, entretanto, imaginar que a sua proibição pôs fim aos
quilombos. Mesmo quando escravizar tornou-se ilegal, as práticas opressoras
continuaram se reproduzindo contra a população negra e daí a manutenção
da sua resistência (CALHEIROS; STADTLER, 2010, documento on-line).

Os quilombos foram assumindo formas diversas ao longo do tempo e


características peculiares. A história registra a formação de muitos quilombos
na época da escravidão, entretanto, muitos outros foram constituídos após a
abolição formal da escravatura, uma vez que esse tipo de comunidade conti-
nuaria a representar, para muitos, a única possibilidade de continuarem livres
(BRASIL, 2013). Assim, atualmente, fala-se em “remanescentes de quilombos”:

[…] grupos sociais que carregam uma presunção de ancestralidade negra e se


caracterizam pela organização em torno de uma identidade étnica diferenciada.
Além disto, dependem de seus territórios ancestrais para a viabilização de
sua reprodução física, social, econômica e cultural” (BRANDÃO; JORGE,
2016, documento on-line).
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Tais grupos resguardam características étnicas mantidas com a finalidade


de preservar sua identidade ao longo do tempo.
Essas breves considerações buscaram resgatar alguns aspectos históricos
importantes para auxiliar nossa compreensão sobre a maneira atual como
a sociedade vem lidando com questões relacionadas a grupos considerados
como minoritários. Nesse sentido, compreender o processo de escravidão,
o preconceito e o sofrimento vivenciados por indígenas e quilombolas é um
fator extremamente importante para a adoção de uma postura crítica e atuação
profissional consciente.

Políticas públicas de atenção às populações


indígena e quilombola
A Constituição Federal de 1988 é o marco legal que amplia a proteção e
assegura direitos a todos os cidadãos brasileiros indistintamente. Assim, é a
partir desse momento que as comunidades quilombolas e indígenas adquirem
visibilidade do ponto de vista dos direitos e das políticas públicas.
No que se refere à população quilombola, a Constituição, em seu art. 68,
assegura o direito à propriedade definitiva de terras, sendo que “[…] aos rema-
nescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos
respectivos” (BRASIL, 1988, documento on-line), e, em seu art. 216, que dispõe
sobre os patrimônios culturais brasileiros, assegura que: “[…] ficam tombados
todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos
antigos quilombos” (BRASIL, 1988, documento on-line). Entretanto, em uma
análise da conjuntura social e política pós-promulgação da Constituição Federal
e o acesso aos direitos nela elencados, Brandão e Jorge (2016) mencionam
que os interesses políticos se mostravam contrários às demandas apresentadas
pela população quilombola contemporânea, considerando-se a dificuldade no
consenso sobre a definição de população quilombola para efeitos da legislação,
o que dificultava o acesso ao direito enunciado pela população quilombola.
Nesse sentido, em 2001, foi regulamentado o Decreto nº. 3.912, que visava
“[...] à regulamentação do processo administrativo de identificação, demar-
cação e titulação dos territórios ocupados pelos quilombolas”, que passa a
ser de competência da Fundação Cultural Palmares (BRANDÃO; JORGE,
2016, documento on-line). Substituído pelo Decreto nº. 4.887 (BRASIL, 2003,
documento on-line), para efeito dessa proposta, considera-se como rema-
nescentes das comunidades dos quilombos: “[…] os grupos étnico-raciais,
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segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados


de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
A Constituição Federal de 1988 ainda assegura o direito à igualdade de
condições de vida e de cidadania, assim como igual direito às histórias e às
culturas que compõem a nação brasileira e o direito de acesso às diferentes
fontes da cultura nacional a todos os brasileiros (BRASIL, 1988, documento
on-line). Com vistas a complementar a atenção dispensada às comunida-
des quilombolas e na tentativa de assegurar os preceitos constitucionais, foi
lançado, em 2004, o Programa Brasil Quilombola, com o objetivo de “[…]
consolidar os marcos da política de Estado para as áreas quilombolas. Com
o seu desdobramento foi instituída a Agenda Social Quilombola (Decreto
nº. 6.261/2007)” (BRASIL, 2018, documento on-line). Essa agenda idealiza
ações nas seguintes áreas: acesso à terra, infraestrutura e qualidade de vida,
inclusão produtiva, desenvolvimento local, direitos e cidadania.
Além disso, destaca-se que, no rol das políticas públicas direcionadas para
a população quilombola, a educação adquiriu lugar de destaque. Em 2003,
foi promulgada a Lei nº. 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana na Educação Básica. Essa lei
enfatiza a importância do conhecimento da história dessa população para as
novas gerações. Além disso, registram-se no País as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na atenção básica (Resolução
nº. 8, de 20 de novembro de 2012), que organiza o ensino ministrado nas
instituições educacionais direcionados a essa população (BRASIL, 2012).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola preveem que


o ensino deve ocorrer em estabelecimentos localizados em comunidades oficialmente
reconhecidas como quilombolas, sejam elas em áreas rurais ou urbanas, ou em es-
tabelecimentos de ensino próximos a essas comunidades e que recebam parte dos
estudantes originários de terras quilombolas. Além disso, datas consideradas significativas
para a população negra e para cada comunidade quilombola devem ser consideradas
no calendário escolar. Outro aspecto que merece destaque é a atenção dada para a
manutenção da cultura dessa população. Nessa perspectiva, as diretrizes estabelecem,
ainda, que os sistemas de ensino e suas escolas devem contratar profissionais de apoio
escolar originários das comunidades quilombolas para o preparo da alimentação escolar,
de acordo com a cultura e os hábitos alimentares das próprias comunidades (BRASIL, 2012).
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Após ter destacado algumas das principais políticas públicas de atenção


à população quilombola, é importante mencionar que o Brasil estruturou sua
política baseada na proposta de reparações (Políticas de Reparação), que tem
como finalidade oferecer uma resposta às demandas das populações afrodescen-
dentes, por meio do desenvolvimento de ações afirmativas a partir de três eixos:
valorização da história, da cultura e da identidade, reparações e reconhecimento.
A proposta é que o Estado e a própria sociedade adotem as medidas necessárias
para ressarcir os africanos negros de eventuais danos psicológicos, sociais, ma-
teriais, políticos e educacionais que possam ter sofrido com o regime escravista.
Quanto às políticas públicas direcionadas para a população indígena, destaca-
-se que os direitos assegurados a essa população estão expressos em um capítulo
específico da Constituição Federal. Assim, enfatiza-se que o Capítulo VIII da
Constituição Federal, em seu art. 231, estabelece que:

[…] são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicional-
mente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar
todos os seus bens (BRASIL, 1988, documento on-line).

A inclusão desses aspectos na Constituição Federal foi responsável por uma


nova fase no que se refere à relação entre Estado e população indígena, uma
vez que implicou no rompimento com valores etnocêntricos que reforçavam as
diferenças entre eles (BRASIL, 2019). A Funai destaca, ainda, que, embora a
Constituição Federal estabeleça uma nova proposta para direcionar os direitos
das populações indígenas, trabalhando na perspectiva de rompimento com a
visão tutelar e intergeracionista, o rompimento ainda é algo em construção.

A Fundação Nacional do Índio (Funai) foi criada em 1967 em substituição ao Serviço de


Proteção ao Índio. No entanto, a política voltada para a comunidade indígena, nessa
época, ainda baseava suas ações por meio da tutela e da tentativa de integração da
população indígena à sociedade dominante. A política vigente reforçava a ação do
Estado, tornando as sociedades indígenas submissas e bastante dependentes da
classe dominante (BRASIL, 2019). Transcorridos os anos, destaca-se que, em 2009, a
atuação da Funai foi reformulada no sentido de otimizar o funcionamento do órgão,
romper com a visão assistencialista e renovar a forma de relacionamento entre a Funai
e populações indígenas (BRASIL, 2019).
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O reconhecimento das diferenças e os avanços na legislação exige que o


índio seja visto pelo Estado verdadeiramente como um sujeito de direitos,
portador de autonomia e capacidade. Entre as políticas públicas de atenção
aos indígenas, destaca-se a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos
Indígenas, que tem como proposta a adoção de organização dos serviços
direcionados à proteção, à promoção e à recuperação da saúde que assegure
aos índios o exercício da cidadania mediante a criação de uma rede de serviços
nas terras indígenas que supere as dificuldades já existentes (BRASIL, 2002).
Assim, faz-se necessário:

[…] a adoção de medidas que viabilizem o aperfeiçoamento do funcionamento


e a adequação da capacidade do Sistema, tornando factível e eficaz a aplicação
dos princípios e diretrizes da descentralização, universalidade, eqüidade,
participação comunitária e controle social. Para que esses princípios possam
ser efetivados, é necessário que a atenção à saúde se dê de forma diferenciada,
levando-se em consideração as especificidades culturais, epidemiológicas
e operacionais desses povos. Assim, dever-se-á desenvolver e fazer uso de
tecnologias apropriadas por meio da adequação das formas ocidentais con-
vencionais de organização de serviço (BRASIL, 2002, documento on-line).

Além do direito à saúde a ser desenvolvido a partir das necessidades da


população indígena, um direito ainda bastante controverso e polêmico é o
direito às terras. No art. 231, temos algumas considerações a respeito do
direito a terra:

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas


em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as
imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu
bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus
usos, costumes e tradições;
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse
permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios
e dos lagos nelas existentes;
[…]
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os
direitos sobre elas, imprescritíveis (BRASIL, 1988, documento on-line).

Na área social, por meio da Política Nacional de Assistência Social, prevê-


-se ações no sentido de incentivar o registro de nascimento e o acesso à
documentação básica para a população indígena; direitos assistenciais e previ-
denciários, sendo o índio considerado como segurado especial da previdência
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social; instalação de Centros de Referência da Assistência Social nas aldeias


(BRASIL, 2019). Quanto à infraestrutura, a proposta da política atual é a
inclusão de indígenas como beneficiários do Programa Nacional de Habitação
Rural e do Programa Minha Casa Minha Vida, previsão de investimento para
construção de habitações tradicionais e equiparação dos povos indígenas aos
dos agricultores familiares (BRASIL, 2019).
Algumas políticas para atenção às populações indígena e quilombola
foram apresentadas, lembrando que, apesar das dificuldades ainda apresen-
tadas, muitos avanços foram conquistados a partir da Constituição Federal
de 1988. Tais políticas buscam corrigir as desigualdades raciais e sociais que
ocorreram ao longo da história e oferecer uma atenção diferenciada, com o
objetivo de corrigir possíveis desvantagens e a manutenção de uma ordem
social discriminatória.

A atuação do Serviço Social junto às populações


indígena e quilombola
A Política Nacional de Assistência Social (PNAS) assegura a todos que ne-
cessitarem, independentemente de contribuição, a provisão da proteção social
(BRASIL, 2005). Entre o público-alvo dessa política, com base na perspectiva
da equidade, a Assistência Social:

[…] atua com outros segmentos sujeitos a maiores graus de riscos sociais,
como a população em situação de rua, indígenas, quilombolas, adolescentes em
conflito com a lei, os quais ainda não fazem parte de uma visão de totalidade
da sociedade brasileira (BRASIL, 2005, documento on-line).

A proposta é tornar visíveis setores da sociedade brasileira considerados


como excluídos ou invisíveis para as estatísticas oficiais (BRASIL, 2005). E
é nessa perspectiva que se insere o trabalho do assistente social, profissional
responsável por atuar na defesa dos direitos desses usuários, o que pode ser
assegurado por meio da sua capacidade interventiva e mediante articulação
teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa.
As populações quilombolas e indígenas tiveram seus direitos assegurados
com promulgação da Constituição Federal de 1988. Entretanto, tais direitos,
inicialmente, ficaram mais restritos para a questão da propriedade definitiva
das terras tradicionalmente já ocupadas por essas comunidades (SILVA, 2014).
Segundo a autora, nos anos 2000, os direitos passam a se estender para outras
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áreas, como saúde, educação, assistência social, previdência e segurança


alimentar (SILVA, 2014).
O Serviço Social, por sua vez, caracteriza-se por ser uma profissão in-
terventiva que atua diretamente nas mais variadas expressões da Questão
Social. No trabalho com as populações indígenas e quilombolas, isso não é
diferente, uma vez que elas também vivenciam os impactos do capitalismo,
do neoliberalismo e os reflexos da contradição entre capital e trabalho. Na
área da Assistência Social, propriamente dita, dados da Secretaria Especial
do Desenvolvimento Social mostram que existem, no Brasil, 545 Centros
de Referências da Assistência Social que têm como foco o atendimento à
população indígena, sendo que 19 deles estão instalados dentro das comuni-
dades (BRASIL, 2015). O fato de estarem instalados dentro das comunidades
indígenas favorece o acesso dessa população à Política de Assistência Social.
Nesse caso, o trabalho é realizado de forma planejada com a Funai.
Em relação à população quilombola, registra-se que, em 2009, havia 277
Centros de Referência da Assistência Social e 114 Centros de Referência Es-
pecializado da Assistência Social destinados ao atendimento dessa população
(BRASIL, 2009). Em relação ao trabalho desenvolvido, Quermes e Carvalho
(2013) assinalam a importância de qualificar a equipe técnica para a intervenção
com esses grupos, com a finalidade de favorecer a inclusão e a preservação de
valores étnicos e culturais. Para os autores, “[…] a introdução da assistência
social em comunidades indígenas apresenta maior complexidade, que se torna
ainda maior quando se trata da inclusão dos indígenas com deficiência, que
carregam o estigma de ser índio e ser deficiente” (QUERMES; CARVALHO,
2013, documento on-line).
A partir de outra ótica de análise, Silva (2014, documento on-line) aponta que
os grupos étnicos, de forma geral, estão “[…] inseridos como demanda para a
Assistência Social ora a partir do critério do ‘estigma’, ou seja, como grupos ‘estig-
matizados em termos étnicos e culturais’; ora pelo da ‘exclusão’, ocasionada ‘pela
pobreza e, ou, no acesso às demais políticas públicas’”. Em relação aos programas
de transferência de renda, as populações indígena e quilombola estão inseridas
como público-alvo desses programas, entretanto, segundo Silva (2014), estes não
vêm atrelados à universalização dos direitos, mas à focalização na seletividade
e na escolha daqueles mais pobres entre os pobres, dada as características das
políticas na atualidade. De acordo com Silva (2014, documento on-line):

Sendo entendidas, agora, como usuárias da Assistência Social, as comunidades


quilombolas, que historicamente foram apartadas do Estado brasileiro, passam
a ser integradas a ele. No entanto, como condição de acesso aos direitos, elas
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passam a ser entendidas, pelo poder público, como “pobres”. Assim, indaga-se:
se as diferentes etnicidades são subsumidas em prol da categoria homoge-
neizante e estigmatizante de “pobre”, como o Estado pode assegurar direitos
iguais aos diferentes sem, contudo, homogeneizá-los e descaracterizá-los?

Assim, na visão da autora, apesar dos inúmeros avanços, e do fato de a


Política de Assistência Social possibilitar a proteção social, ela ainda não
tem conseguido assegurar a emancipação por parte desses grupos. Ainda
sobre os programas de transferência de renda, há que se considerar que o
Programa Bolsa Família se constitui em um dos mais importantes, e dados do
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome mostraram que são
beneficiárias desse programa 23.392 famílias remanescentes de quilombos,
alocadas em 24 estados (BRASIL, 2009). Além da renda, as referidas famílias
possuem acesso a serviços das áreas de educação e saúde, exigências para a
permanência no programa. Estes e outros programas existentes no âmbito da
Política de Assistência Social são acessados por meio do Cadastro Único, e,
para efeito de cadastro, considera-se como quilombola “[…] família quer assim
se autodeclarar dispensando, portanto, a apresentação de qualquer certidão ou
documento que comprove sua identidade” (BRASIL, 2009, p. 15).
Quermes e Carvalho (2013) analisam a situação da população indígena, e
tais considerações podem ser estendidas para as populações quilombolas que
não raras vezes também vivenciam dificuldades para sobreviver, situações
de violência, preconceito e luta pela posse de suas terras tradicionais. Na
perspectiva das autoras, esta conjuntura favorece a ampliação da pobreza e/
ou da extrema pobreza e questiona:

[…] em que medida políticas de transferência de renda condicionada como o


BPC podem amenizar tal situação. Em geral, políticas dessa natureza não têm
caráter estrutural, no sentido de solucionar outros problemas dos indígenas
que interferem na sua condição de baixa renda (QUERMES; CARVALHO,
2013, documento on-line).

Na política de saúde, também há o registro da atenção por parte do Serviço


Social para essas populações. Dias (2016) analisa o papel do Serviço Social
junto à população indígena e relata que, no contexto da saúde, o profissional
integra a equipe multidisciplinar e pode colaborar para a melhoria da atenção
a essa população. Nesse contexto, a autora afirma que o Assistente Social é
o técnico:
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[…] da assistência social com finalidade de facilitar o acesso a benefícios,


acompanhamento socioeconômico, mas como profissional que busca traba-
lhar o indivíduo como um todo na busca de respostas que envolve todo o seu
processo saúde-doença (DIAS, 2016, documento on-line).

Na experiência relatada pela autora, discute-se, ainda, que o profissional de


Serviço Social pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos pa-
cientes, principalmente aqueles com problemas psiquiátricos, famílias vítimas
de autoextermínio ou vítimas de tentativa de autoextermínio (DIAS, 2016).
Além das duas importantes áreas citadas, o Serviço Social está inserido
em diversos espaços socio-ocupacionais, tendo sempre como foco a garantia
dos direitos de seus usuários. Contudo, independentemente da política em
que se está inserido, a atuação junto a comunidades indígenas e quilombolas
implica sempre importantes desafios para a profissão. Isso porque vivemos
um momento de regressão de direitos, avanço do conservadorismo e amplia-
ção dos interesses econômicos e financeiros. Assim, o desafio é assegurar
direitos e conquistar uma sociedade mais justa e igualitária, sem exploração
de qualquer natureza.

BRANDÃO, A. A.; JORGE, A. L. Estado e comunidades quilombolas no pós-1988. Socie-


dade em Debate, n. 22, n. 1, p. 71–103, 2016. Disponível em: http://revistas.ucpel.tche.
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