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Teoria das Relações Internacionais

Preparação para o Exame

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Planificação dos Conteúdos Programáticos
Parte I – Do fundamento Teórico das Teorias das Relações Internacionais
Síntese dos Temas Abordados

▪ Distinção entre Relações Internacionais e relações internacionais


▪ Campo de estudo da disciplina das Relações Internacionais
▪ Nascimento das Relações Internacionais
▪ Autonomia disciplinar das Relações Internacionais
▪ Interdisciplinaridade das Relações Internacionais
▪ Fundamento epistemológico, ontológico e metodológico da teoria das Relações
Internacionais
▪ Ontologias de Alexander Wendt
▪ Metateoria, teoria e realidade empírica
▪ Debate agente-estrutura
▪ Teorias sistémicas e teorias reducionistas

Capítulo 1 – Da Disciplina das Relações Internacionais


1. Do conceito de Relações Internacionais: objeto de estudo e objetivos
1.1. Metodologia e Variáveis
2. Do nascimento das Relações Internacionais
3. Da autonomia disciplinar das Relações Internacionais
4. Da interdisciplinaridade das Relações Internacionais

Síntese dos Temas Abordados

▪ Distinção entre Relações Internacionais e relações internacionais


▪ Distinção entre relações internacionais e política internacional
▪ Distinção entre Relações Internacionais e Política Internacional
▪ Objeto de estudo das Relações Internacionais
▪ Objetivos do estudo das Relações Internacionais
▪ Variáveis no estudo das Relações Internacionais
▪ Nascimento das Relações Internacionais
▪ Autonomia disciplinar e interdisciplinaridade das Relações Internacionais

Capítulo 2 – Do Triângulo Ontologia-Epistemologia-Metodologia


1. Do fundamento epistemológico, ontológico e metodológico das teorias das
Relações Internacionais
2. As ontologias de Alexander Wendt
3. De volta à epistemologia e à ontologia
4. Da contradição entre epistemologia e ontologia
5. Da metateoria, teoria e realidade empírica
6. Do debate agente-estrutura
6.1. Níveis de Análise
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7. Teorias Sistémicas e Teorias Reducionistas

Síntese dos Temas Abordados

▪ Fundamentos epistemológicos, ontológicos e metodológicos dos discursos


teóricos das Relações Internacionais
▪ Ontologias de Alexander Wendt
▪ Característica sui generis do objeto de estudo das Relações Internacionais
▪ Metateoria, teoria e realidade empírica
▪ Debate agente-estrutura e níveis de análise
▪ Teorias sistémicas e teorias reducionistas

Parte II – Das Teorias das Relações Internacionais


Objetivos

✓ 1º Grande Debate: Realismo versus Idealismo


✓ 2º Grande Debate: Neorrealismo versus Institucionalismo Neoliberal
✓ 3º Grande Debate: Racionalismo versus Abordagens Reflexivistas ou
Comunitarismo versus Cosmopolitismo

Síntese dos Temas Abordados

▪ Idealismo Wilsoniano
▪ Realismo
▪ Internacionalismo liberal
▪ Realismo pós-II Guerra Mundial
▪ Funcionalismo
▪ Behaviorismo
▪ Escola Francesa
▪ Escola Inglesa
▪ Perspetiva Transnacionalista e da Interdependência
▪ Marxismo e Neomarxismo, teorias da dependência
▪ Neorrealismo ou Realismo Estrutural
▪ Regimes Internacionais
▪ Institucionalismo Neoliberal
▪ Institucionalismo
▪ Governança sem Governo
▪ Perspetivas Pós-Positivistas e teorias críticas
▪ Construtivismo
▪ Século XXI e continuação dos debates dos anos 1990

Capítulo 3 – Anos 1920-1930


1. Do contexto histórico
2. Do Idealismo Wilsoniano
3. Do Realismo
4. Do Internacionalismo Liberal
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5. Do primeiro grande debate da Teoria das Relações Internacionais

Síntese dos Temas Abordados

▪ Contexto histórico dos anos 1920-1930


▪ O Idealismo
▪ O Realismo
▪ O Internacionalismo Liberal
▪ O primeiro grande debate da teoria das Relações Internacionais

Capítulo 4 – Anos 1940-1950


1. Do Realismo pós-II Guerra Mundial
2. Do funcionalismo
3. Do behaviorismo
3.1. Do neofuncionalismo de Ernest Haas
3.2. Da teoria dos sistemas internacionais de Morton Kaplan
3.3. Das teorias da integração e da comunicação de Karl Deutsch

Síntese dos Temas Abordados

▪ Realismo pós-II Guerra Mundial


▪ Funcionalismo de David Mitrany
▪ Behaviorismo e alguns modelos behavioristas

Capítulo 5 – Anos 1960-1970


1. Das terceiras vias ou dos terceiristas
1.1. Da escola francesa
1.2. Da escola inglesa

Síntese dos Temas Abordados

▪ As terceiras vias – o contexto


▪ A Escola Francesa
▪ A Escola Inglesa

Capítulo 6 – Anos 1970


1. Do contexto histórico
2. Da perspetiva transnacionalista e da interdependência
3. Do marxismo e neomarxismo – as teorias da dependência

Síntese dos Temas Abordados

▪ Perspetiva Transnacionalista e da Interdependência


▪ Modelo da interdependência complexa
▪ Abordagem marxista e neomarxista
▪ Estruturalismo latino-americano
▪ Teorias da dependência

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Capítulo 7 – Anos 1980
1. Do contexto histórico
2. Do neorrealismo ou realismo estrutural
2.1. Da reinterpretação das relações norte-sul por Stephen Krasner
3. Dos regimes internacionais
3.1. Das interpretações do fenómeno da integração europeia
4. Do institucionalismo Neoliberal

Síntese dos Temas Abordados

▪ Contexto histórico da década de 1980


▪ Neorrealismo ou Realismo Estrutural
▪ Reinterpretação das relações Norte-Sul por Stephen Krasner
▪ Regimes Internacionais
▪ Interpretação do fenómeno da integração europeia
▪ Institucionalismo Neoliberal

Capítulo 8 – Anos 1990 e Século XXI


1. Do contexto histórico
2. Do institucionalismo
3. Do pós-internacionalismo da governança sem governo
4. Das perspetivas de base pós-positivista: a retoma da dimensão cultural e das
identidades, o construtivismo e a teoria normativa nas Relações Internacionais
4.1. Da origem e da essência das perspetivas pós-positivistas
4.2. Das metodologias pós-positivistas
5. Do construtivismo

Síntese dos Temas Abordados

▪ Contexto da década de 1990 e do século XXI


▪ Institucionalismo
▪ Governança sem Governo
▪ Abordagens Reflexivistas
▪ Construtivismo

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Parte I – Do fundamento Teórico das Teorias das Relações
Internacionais
Capítulo 1) Da Disciplina das Relações Internacionais
Desde sempre que as sociedades se relacionam entre si, estabelecendo contactos além
das fronteiras. Através desses contactos, elas influenciam-se mutuamente, podendo os
fluxos que trocam afetar as diferentes sociedades, positivamente ou negativamente,
aquando a perda do seu controlo. Com o tempo, esses fluxos tornaram-se complexos,
alguns pacíficos e outros até mesmo conflituosos. Tornou-se evidente e clara a
importância dos fatores internacionais na dinâmica interna de cada povo, podendo estas
dinâmicas influenciar outros povos. Face a estas realidades, tornou-se imperativo
refletir sobre o ambiente externo no qual as sociedades se desenvolvem e interagem
entre si, onde se registam fenómenos e acontecimentos que podem ser gerados pelas
próprias ações dos diferentes povos.

Devido à necessidade de estudar o modo como certa sociedade se relaciona com o


mundo exterior deu-se o surgimento da disciplina das Relações Internacionais. Estas
surgiram, por conseguinte, de uma necessidade muito particular das sociedades em
refletir e compreender as realidades além-fronteiras que, ao mesmo tempo, são
afetadas e afetam as ações dessas sociedades. Naturalmente, essas relações oscilam
entre a cooperação e o conflito e, dependendo das situações, a pressão internacional
pode ser positiva ou negativa nos seus efeitos sobre as sociedades.

O objetivo foi sempre o de conseguir encaminhar esses processos de fluxos mútuos para
se conseguir administra-los, de modo, essencialmente, a manter as situações que são
favoráveis a essas sociedades e a alterar as que lhes são prejudiciais. Assim, tendo como
objeto de estudo os fenómenos internacionais que afetam o sistema internacional, as
Relações Internacionais tentam compreender a relação entre os diversos fenómenos
internacionais e como influenciam o sistema internacional, recorrendo à sua análise
para estabelecer, entre eles, relações causais e comparações, com o objetivo de
encontrar padrões de comportamento.

No entanto, é verdade que a expressão relações internacionais nem sempre teve um


sentido muito claro, isto porque o termo internacional não é também muito claro. Inter-
nacional supõe que se trate de relações entre nações, mas grande parte dos Estados
hoje existentes no mundo não corresponde a uma só nação, existindo diversas nações
sem Estado.

Surgiu, portanto, um problema semântico muito importante: porque é que, então, essas
relações se chamam internacionais?

▪ Para Adriano Moreira existem duas grandes razões. A primeira está no seu uso
antigo e continuado. Se sempre nos referimos a essas relações como relações
internacionais, então não faz sentido mudar agora. A segunda refere-se ao facto

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de a expressão pretender que, de um modo ético, a cada nação corresponda um
Estado.

Deste modo, o que há a fazer é distinguir as duas dimensões que se podem atribuir à
expressão relações internacionais, segundo Lytton Guimarães.

▪ A primeira delas, a mais comumente utilizada, tem um sentido amplo e refere-se


ao conjunto dos contactos, das interações e dos fluxos de âmbito político,
diplomático, económico, militar, social, cultural, étnico e humanitário que
ocorrem entre atores internacionais, estatais ou não, governamentais ou não.
É evidente que o Estado é o mais importante desses atores. É ele quem formula e
executa a política externa, através da qual conduz os seus contactos internacionais
com vários tipos de atores. Mas, paralelamente ao Estado, há organismos
interestatais, organizações não-governamentais, grupos terroristas, lobbies,
partidos políticos e os próprios cidadãos, entre uma gama diversa de outros atores
não estatais (os quais são mesmo considerados como atores que igualmente
formulam e executam a política externa). Para que estes possam ser considerados
atores internacionais basta que as suas ações tenham alguma influência ao nível
extrafronteiro, isto é, na sociedade internacional.

▪ O outro significado que deve atribuir-se às Relações Internacionais refere-se ao


campo de estudos académicos que analisa as interações enumeradas acima, bem
como outros fenómenos considerados importantes para se explicar e
compreender as dinâmicas do cenário internacional. Aqui, a expressão deverá
surgir sempre com letras maiúsculas, já que as Relações Internacionais se
assumem como um campo de estudos, como uma área do saber, constituindo-se,
verdadeiramente, como um ramo do saber autónomo dentro das Ciências Sociais.

1. Relações Internacionais VS Política Internacional

Relações Internacionais: campo de estudos académico, disciplina ou ramo autónomo


do saber no âmbito das Ciências Sociais que analisa as interações das relações
internacionais (bem como outros fenómenos) consideradas importantes para se
explicar e compreender as dinâmicas do cenário internacional.

relações internacionais: conjunto das interações e dos fluxos de âmbito político,


diplomático, económico, militar, social, cultural, etc., que ocorrem entre atores
internacionais, estatais ou não, governamentais ou não, cuja ação terá impacto fora das
fronteiras nacionais de qualquer Estado.

Durante muito tempo a política internacional e as relações internacionais foram


confundidas, mas a separação destes dois conceitos teve origem no final da 2ªGuerra
Mundial, com o surgimento de novos atores com poder de atuação sobre o sistema
internacional, atores esses de natureza não estatal, juntamente com o facto de as
relações políticas não serem as únicas a ocorrer no sistema internacional e a não se
limitarem a ocorrer comente nele.
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Política Internacional: subdisciplina das Relações Internacionais que estuda a política
internacional. Ou seja, ramo autónomo do saber dentro das ciências sociais que estuda
os fluxos ou interações políticas que se processam entre dois ou mais Estados; ou que
se processam quando um ator não estatal e não governamental influência relações
interestatais de dois ou mais Estados; ou quando um Estado instrumentaliza um ator
não estatal e não governamental para obter mais facilmente os seus objetivos políticos.
Tem como ator principal o Estado, mas este não é o único, também participam aqueles
atores que influenciam uma relação interestatal.

política internacional: fluxos ou interações políticas entre estados e entre Estados e


outros atores não estatais, desde que que a ação destes tenha impacto nas relações
interestatais; esses atores tenham sido manipulados pelo Estado segundo os seus
interesses e tenham obrigado um Estado a modificar a sua política externa. É um
domínio dentro das Relações Internacionais e o seu principal ator é o Estado.

Ator das relações internacionais: todos aqueles que atuam na sociedade internacional,
ou seja, agentes governamentais ou não, cuja ação, em qualquer domínio de atividade,
tenha impacto fora das fronteiras nacionais, podendo ir dos Estados, às ONG’s, às
empresas transnacionais, aos grupos terroristas e ao próprio indivíduo, passando por
muitos outros aqui não mencionados.

Ator da política internacional: no âmbito da política internacional, os atores são mais


restritos. Os atores determinantes são os Estados nas suas interações políticas,
abarcando ainda os agentes não governamentais cuja ação tenha impacto nas relações
interestatais; leve algum Estado a alterar a sua política externa, ou seja,
instrumentalizado por um Estado consoante os objetivos políticos desse mesmo Estado.

Política Externa: esforço estratégico do Estado para ordenar os fatores de poder que o
caracterizam, por forma a agregar os seus interesses, objetivos, valores, decisões e
ações tomadas e as regras de ordenamento internacional que deseja ver
implementadas, compondo as linhas de orientação e ação estratégicas desenvolvidas
fora das suas fronteiras territoriais, tanto em situações de cooperação como em
situações de conflito.

A política externa define o Estado perante o ambiente internacional, conferindo-lhe uma


imagem e identidade próprias e, através dela, o Estado administra as suas relações
externas visando controlar o ambiente internacional em que se insere, através da
preservação das situações que lhe são favoráveis e da modificação das situações que lhe
são desfavoráveis.

2. Autonomia das Relações Internacionais

A autonomia disciplinar das Relações Internacionais é um problema que se coloca em


ligação à autonomia disciplinar da Ciência Política. Se esta se define com base no poder
político, então as Relações Internacionais individualizam-se na base do fenómeno social
resultante do poder político soberano, isto é, a pluralidade de poderes políticos

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soberanos, pluralidade essa que implica o estabelecimento de interações e fluxos muito
mais específicos. Daí a necessidade de se proceder à definição do campo de estudos das
Relações Internacionais.

O campo de estudos das Relações Internacionais refere-se ao conjunto de agentes,


instituições e processos que originam fenómenos que produzem consequências sobre
uma ou mais sociedades. A estes fenómenos atribuem-se significados específicos, aos
quais se faz referência por meio de conceitos adequados e definidos com precisão e
rigor, o que enforma a Ontologia própria da disciplina. Ainda que os analistas construam
interpretações diferentes, atribuindo geralmente, significados distintos aos mesmos
problemas, os tipos de fenómenos e o vocabulário utilizado para conferir sentido à
realidade internacional originam um discurso científico que é peculiar à disciplina.

Por outro lado, se as Ciências Sociais analisam as sociedades, as Relações Internacionais


surgem como a Ciência Social que estudará a dimensão internacional dessas sociedades.
Para além disso, poderá ser vista também como uma ciência humana, uma vez que nos
fornece uma visão interpretativa e subjetiva do indivíduo.

Ainda assim, as relações internacionais são uma matéria de estudo relativamente


recente, uma vez que, até à 1ªGuerra Mundial, pensar o internacional era uma tarefa
que se distribuía pelas restantes Ciências Sociais, não havendo uma metodologia própria
de estudo. Todavia, o despontar da 1ªGuerra Mundial e a consequente complexificação
e aceleração dos contatos entre as sociedades chamaram à atenção para a necessidade
de um discurso próprio para analisar, exclusivamente, o internacional. De facto, a
complexidade crescente da vida internacional tornou inevitável a autonomização das
Relações Internacionais.

Segundo Edward Carr (“Twenty Years Crisis: 1919-1930”) o caos e a insegurança na


ordem internacional estariam sempre acima de qualquer ideia, por mais racional e bem
concebida que fosse, de paz e de cooperação entre Estados. A necessidade da
sobrevivência e a competição daí resultante levariam os Estados a adotar uma postura
agressiva, tanto em termos militares, como em termos económicos, ideológicos e
jurídicos, arrasando com as conceções utópicas nascidas com os Catorze Pontos de
Wilson. Embora no final da obra Carr acrescentasse, à análise, o papel moral da política
internacional, considerando a capacidade de melhoramento e aprendizagem do
homem, a realidade era a de que os instrumentos internacionais como a SDN apenas
surtiriam efeitos quando algum progresso fosse feito na afinação das suas fundações.

Com esta obra nascia a disciplina das Relações Internacionais, especialmente na sua
vertente de Teoria das Relações Internacionais. Numa fase inicial como esta, os estudos
académicos sobre as Relações Internacionais, concentravam-se em problemas
substantivos como a diplomacia, a política do poder, os problemas da guerra e da paz,
as alianças e as intervenções militares, refletindo, quase sempre, preocupações de
caracter normativo, ligada que a disciplina estava ao direito internacional.

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Por esta razão, logo de início, o fator autonomizador das Relações Internacionais, o
conceito operacional que todos aqueles autores sempre enumeraram como tema
fundamental e da disciplina, foi a Guerra. Isto ocorreu porque a cada um dos atores das
relações internacionais, segundo estes autores, todos de matriz estritamente realista,
se reserva o direito de recorrer à força para a defesa do que considera ser o seu interesse
ou direito, já que as relações internacionais ocorrem num chamado estado de natureza.

Os Contratualistas defenderam que a vida internacional demonstra visivelmente um


estado de natureza a desafiar um continuado esforço para a racionalizar e submeter a
instituições políticas que dispensem o uso da força, sendo certo que esta serviria sempre
a defesa, em última instância, do interesse e do direito dos Estados, situação que levanta
a questão da operacionalização do conceito de interesse, que existe sempre, seja qual
for a maneira como se estabelece a relação, por consentimento ou por violência.

Com base na guerra, sempre se autonomizou, de início, a disciplina das Relações


Internacionais, dominada por preocupações normativas. À mediada que os estudos da
área foram ganhando sofisticação teórica e metodológica, estes passaram a dedicar-se
a problemas mais analíticos, isto é, a problemas como o relacionamento dos fenómenos
e das variáveis, ganhando complexidade. Com a incorporação de temas transnacionais
(“Novos Temas”) à agenda internacional, foram surgindo várias subáreas das Relações
Internacionais. Nos anos 1990, deu-se um aumento da importância dos “Novos Temas”
devido ao facto de transcenderem o nível interno dos Estados (uma vez que são
problemas globais e como tal exigem soluções globais), só podendo ser solucionados
através da cooperação internacional e da multidisciplinariedade, característica
fundamental da disciplina de Relações Internacionais.

3. Interdisciplinaridade das Relações Internacionais

A disciplina das Relações Internacionais é uma disciplina multidisciplinar ou


interdisciplinar. Isto significa que se trata de uma disciplina formada em torno de vários
eixos temáticos das Ciências Sociais, como a Ciência Política, a História, o Direito, a
Economia, para citar apenas os mais importantes. Naturalmente, esta forma de
composição tem tanto aspetos positivos como aspetos negativos.

• Aspetos Negativos
o Desde logo, a interdisciplinaridade pode fazer das Relações
Internacionais uma disciplina fragmentada e se essa fragmentação
não for equilibrada e solidamente sustentada, a disciplina em causa
poderá vir a conter deficiências de conteúdo.
o Para além disso, pode dificultar o processo de construção de um
corpo único e próprio das Relações Internacionais. Sem sustento
académico e sem aprofundamento dos estudos, as Relações
Internacionais são acusadas de serem excessivamente generalistas e
subjetivas, não detendo a precisão das ciências exatas.

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• Aspetos Positivos
o Por outro lado, a fragmentação permite apreender o objeto de estudo
de acordo com diferentes ângulos de abordagem. Fornece uma visão
mais abrangente e a sua análise não fica limitada a uma só área pois
é feita de forma multifacetada. A investigação do internacional não
fica restringida a uma única avaliação, o que a torna mais rica.
o Para além disso, a interdisciplinaridade permite às Relações
Internacionais serem uma disciplina em permanente evolução. A
constante transformação da realidade internacional provoca a
modernização e a adaptação das outras disciplinas que a formam.
Assim, à medida que estas progridem, as RI progridem igualmente,
sendo a reavaliação disciplinar do campo específico das RI também
constante. A fonte de crescimento e de dinamismo é, pois, tripla.
o Outro aspeto positivo fornecido pela multidisciplinaridade da
disciplina é o facto de se destacarem diferentes caminhos de
pesquisa, levando à sua especialização em diferentes tópicos. A
realidade internacional, ao ser analisada de forma interdisciplinar,
inclui a possibilidade de ser estudada, de um modo mais
aprofundado, por esta ou por aquela visão, por este ou por aquele
prisma de estudo, havendo uma diversidade significativa de caminhos
de análise que podem ser mais detalhados, direcionando-se a campos
de conhecimento mais específicos.

4. Nascimento e Evolução da Teoria das Relações Internacionais

O desenvolvimento do discurso teórico-racional, precursor do que viria a ser a Teoria


das Relações Internacionais, permeado pela cristianização, encontra em Aristóteles e
Platão a dualidade das suas origens.

Prescindindo da ascese cognitiva da ideia do Bem presente em Platão, as fações, ou


grupos, ou Estados unem-se para providenciar a Moderação, considerada a virtude
suprema, através do processo misterioso que é a construção institucional.
Diferentemente de Platão, o modelo aristotélico tem como ponto de partida as fações
(pluralismo), cujo o associativismo explica pela razão mesma do homem ser um animal
naturalmente político e social. A virtude aristotélica é prudencial (situa-se no meio, por
oposição à virtude da ideia do Bem de Platão), visando a construção institucional da
ordem justa. A teoria do conhecimento de Aristóteles supõe que as ideias são imanentes
às coisas, de modo que o alcance desse conhecimento é obtido através, primeiro, da
perceção (empírica) e, depois, da abstração (racional), de modo diverso de Platão, que
requer a ascese intelectual para alcançar a ideia de Bem.

Portanto, Aristóteles desenvolve um modelo que assenta nas fações (na divisão), no
pluralismo, no associativismo e vai influenciar São Tomás de Aquino (séc. XIII). Platão,
por sua vez, desenvolve um modelo que assenta na ascensão cognitiva para se alcançar

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a ideia do bem, defendendo o universalismo, o centralismo, a unidade e influenciando
Santo Agostinho (séc. V).

Desenvolvendo-se a vertente platónica do universalismo, da coerção e do centralismo,


no século V, com Santo Agostinho, a vertente particularista do consenso e da
descentralização, aristotélica, encontrou em São Tomás de Aquino, no século XIII, a
ponte para os desenvolvimentos posteriores, com os escolásticos e o Humanismo II,
enquanto Santo Agostinho conduzia à teologia protestante e ao Humanismo I. Ambos
os Humanismos (embora o I mais do que o II) conduziram ao Jusnaturalismo, ou seja, ao
amalgamento da teoria com um outro tipo de discurso, a Jurisprudência, forma distinta
de encarar a sociedade, que encontra em Hugo Grocius o expoente máximo, enquanto
a vertente do Humanismo oriunda de Aristóteles influencia Montesquieu e, por via
deste, os federalistas norte-americanos.

Assentando no Jusnaturalismo, os teólogos protestantes introduziram o medo, já


presente em Santo Agostinho, na construção de uma ciência protestante, base da
edificação da Revolução Científica do século XVII e da construção do Estado Moderno,
assente na doutrina do contrato social de que Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau,
John Locke e Immanuel Kant se afirmariam, desde logo, seguidores, por oposição ao
associativismo implícito de Montesquieu e dos federalistas, herdeiros da vertente
associativista do aristotelismo para a qual antes do Estado, resultante do contrato social,
já existiam associações pré-estaduais, sendo as primeiras de todas resultantes das
relações imutáveis estabelecidas entre homens e mulheres e entre senhores e escravos.

No Império Romano, o “Direito das gentes” (jus gentium) regulava as relações entre os
indivíduos e entre as diferentes comunidades, numa época onde ainda não havia
Estados. Mais tarde, é-lhe acrescentada uma sistematização das regras que regulam os
civis, designado jus civile. Entretanto, quando Roma começa a expandir-se, é introduzida
uma cláusula – praector peregrinus - para regular as relações entre os romanos e os não-
romanos que passavam a fazer parte do Império Romano, devido á sua expansão
territorial e comercial. Foi necessário introduzir o praector peregrinus porque Roma
passou a ter ligações com não-romanos, então foi necessário acrescentar algo ao jus
civile que permitisse regular essas relações. Tanto o jus civile, o jus gentium e o direito
tinham uma base laica (não estavam sob influencia religiosa). A base do direito não era
religiosa, mas antes fundamentalmente uma base moral que regulava a sociedade.

Ao entrarmos na época feudal assiste-se à disputa entre o Sacro Império Romano-


Germânico (os feudais) e a Igreja Apostólica Romana. Os principados feudais e a igreja
católica vão disputar entre si o legado do direito romano e este vai ser aprovado e
adaptado, sendo-lhe introduzida uma base cristã que teoricamente é estendida a toda
a cristandade (e que vai perdurar durante muito tempo), porque daquela disputa quem
ganhou foi a Igreja Católica.

Simultaneamente, o Renascimento, como causa e consequência das Descobertas, abriu


caminho para a identidade paradigmaticamente estadual, primeiro da Europa e depois
do mundo. Consubstanciando o Ocidente dos Estados, que viera substituir a República
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Christiana, à época em que a Espanha e a França se constituíam como as primeiras
grandes unidades políticas europeias, enquanto a Áustria, unindo-se à Hungria, tomava
a dianteira do espaço alemão. Nessa altura, Nicolau Maquiavel criava a expressão Estado
e Jean Bodin dava-lhe legitimidade, através do conceito de Soberania, pela definição do
qual é considerado o pai do Estado Moderno. Una, indivisível, própria e não delegada,
irrevogável, perpétua e suprema, a soberania passou a ser o conceito por excelência que
define a noção de Estado.

No século XVII, é no contexto da revolução científica que Hugo Grocius apresenta a sua
obra, propondo a laicização do direito como também a tese do Jusnaturalismo. Porém,
sem qualquer repercussão, uma vez que a sociedade da época não estava preparada
para receber essa proposta e, então, deixa de lado a laicização. No entanto, a obra de
Grocius de 1625 virá a ser fundamental quando a sociedade estiver preparada para
receber o Jusnaturalismo. A partir da Revolução Científica, juntamente com o
Renascimento, os Descobrimentos e a criação da palavra “Estado” e “Soberania”,
assiste-se ao aparecimento de inúmeros Estados que vão ganhar forma no Congresso
de Westfália de 1648 (reunido para terminar com a guerra dos 30 anos de Católicos VS
Protestantes).

Consensual entre os juristas, o Estado surge sendo, então, como refere o Professor
Doutor José Adelino Maltez, como “ um povo, sobre um território organizado em torno
de um determinado poder político” ou, de forma mais completa, como ensina Marcello
Caetano, “ um povo fixado num território, de que é senhor, e que dentro das fronteiras
desse território institui, por autoridade própria, órgão que elaborem as leis necessárias
à vida coletiva e imponham a respetiva execução”, surgindo a soberania como um poder
territorial, por congeminação do discurso político com o filosófico, na sequência do
fundamento teórico dado pelo Jusnaturalismo ao Direito Romano, o Direito passou a ser
usado pelos Estados Territoriais Soberanos como justificador do Poder.

Tendo-se o Estado assim entendido, soberano e territorial, afirmado como a forma


organizacional mais eficiente, depressa a Europa assistiu ao pulular de Estados
Territoriais Soberanos, que encontrariam, no Congresso de Westfália, a consolidação de
que careciam. Reunido de 1643 a 1648 para pôr fim à Guerra dos Trinta Anos, o
congresso de Westfália – que determinou a vitória dos protestantes, estabeleceu a
derrota do associativismo perante o contratualismo – permitiu à Europa repor a ordem
na cena internacional. Estabelecendo vários princípios, determinou o aparecimento de
um verdadeiro Sistema Internacional, regulado pelo Direito Internacional de base cristã,
especialmente criado, em substituição do jus gentium, para regular as relações entre os
Estados Territoriais Soberanos.

O Direito das gentes passou, portanto, a ser de dois tipos: um direito interno dos Estados
que regulas as relações entre os indivíduos e as comunidades desse próprio Estado (de
cada Estado) que tem uma base cristã; e um direito internacional que regula as relações
entre os Estados Soberanos, também de base cristã.

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Depois de Westfália, um novo acontecimento veio deturpar a Europa e, mais tarde, o
mundo: a Revolução Francesa. Orientada por Napoleão Bonaparte, no século XVII, a
Revolução Francesa desregulou a ordem estabelecida em Westfália, sendo necessário
um novo congresso, desta vez feito em Viena, de 1814 a 1815, com o objetivo de
restabelecer a ordem pré-revolucionária e reinstitucionalizar a política assente, bem
como o Direito Internacional, no mesmo fundamento cristão fornecido pela religião. Na
verdade, também o meio utilizado pelo congresso para alcançar os objetivos propostos,
a Santa Aliança, encontrava substrato valorativo e ético no Catolicismo.

Após o congresso de Viena os efeitos da revolução Francesa continuaram a fazer-se


sentir e, neste sentido, houve muitas alterações a nível europeu, mas sobretudo a nível
internacional. A nível interno as potências europeias eram autocratas e a nível
internacional estavam a lidar com os problemas que se espalhavam pelo mundo,
especificamente nas colónias que começaram a lutar pela sua independência. A nível
nacional, os Estados tiveram também de lidar com semelhantes situações, resultantes
dos pedidos do povo por melhores condições de vida, resultado da influência da
revolução industrial.

A adoção dos ideais revolucionários um pouco por toda a Europa, assim como a
independência dos Estados Unidos da América do Norte e o início das independências
latino-americanas esvaziaram de conteúdo as resoluções do Congresso de Viena, que
foram substituídas pelo pragmatismo diplomático articulado através do Direito
Internacional positivista, substituindo a ordem de Westfália-Viena pelo chamado
Concerto Europeu1, expressão de um equilíbrio de poder ou balança de poder,
representando, justamente, o pragmatismo diplomático assente no Direito
Internacional positivista, a base de sustentação da nova ordem mundial não era mais o
Catolicismo, antes o interesse do Estado Nacional Soberano Territorial. Afinal de contas,
o Direito Internacional institucionalizava o Concerto Europeu, adicionado do
nacionalismo que surgia como fator de aglutinação do Estado, que se pretendia coeso
em torno de si mesmo. Por outro lado, Grocius propunha a laicização desse direito,
terminando com o substrato valorativo e ético do mesmo.

1- Os Estados autocratas deram, portanto, origem a um sistema internacional que se


chamou “Concerto Europeu”, caracterizado pelo equilíbrio de poderes entre as
principais potências europeias e no qual, no contexto de defesa do interesse
nacional, a base cristã do direito foi posta de lado, encontrando a tese de Hugo
Grocius espaço para vigorar (nascimento do Direito laicizado).

A paz alcançada neste período resulta da conciliação de interesses em torno da


necessidade da paz para o desenvolvimento do comércio. O concerto europeu, por um
lado, e o interesse pela paz da comunidade financeira internacional, por outro,
originaram o glorioso período denominado “a Paz dos 100 anos”. Neste contexto, a
expansão da Democracia e a introdução de parlamentos nacionais dificultaram a política
conservadora, facilitando a ocorrência de mudanças. Simultaneamente, a introdução do
sufrágio masculino, o aparecimento do sindicalismo e dos partidos políticos e a

14
circunstância de a opinião pública ter passado a poder influenciar o processo político
interno de muitos Estados preparavam o fim da paz dos 100 amos, com o eclodir da
Primeira Guerra Mundial.

Uma vez em pleno Concerto Europeu os Estados começaram a formar alianças porque
começaram a entrar em vários conflitos regionalizados, alianças estas que degeneraram
a primeira guerra mundial – Santa Aliança e Tríplice Entente. Com o fim das hostilidades
surge a preocupação de estudar os fatores que podem originar guerras grandes, visando
evitá-las. Surge assim a disciplina das relações internacionais e a sua vertente teórica:
Teoria das Relações Internacionais.

Vai surgir um embate entre o realismo, o idealismo e o internacionalismo liberal. Com a


tentativa de chegar a uma via da conciliação, o internacionalismo liberal será uma
sombra entre os dois grandes opostos (Idealismo VS Realismo).

O comportamento dos Estados desde o seu nascimento em Westfália é regido pelo


realismo. Após a 1ª guerra mundial surge um otimismo relativamente aos pressupostos
que hão de organizar a nova ordem internacional expressos nas propostas do presidente
Woodrow Wilson, presidente dos estados unidos que, com o fim das hostilidades,
decide patrocinar um projeto de paz mundial assente nos projetistas da paz do século
XVIII, nos seus 14 pontos, ao sugerir a criação da Sociedades das Nações (SDN).
Efetivamente criada em 1920, amplamente marcada pelo o idealismo wilsoniano, a SDN
constituiu a última tentativa de fazer com que o direito internacional fosse capaz de
manter a ordem do sistema internacional. Enfraquecida pela não participação dos
Estados Unidos logo de início, a SDN falhou.

Em 1929 dá-se o Crash e logo depois a Grande Depressão, criando o clima perfeito de
condições para se iniciar a segunda guerra mundial (1939-45). Na segunda guerra
mundial já existia a teoria das Relações Internacionais, então chega-se à conclusão de
que é importante estudar com grande rigor as Relações Internacionais e as suas teorias
que vão dar suporte teórico e epistemológico, reforçando-se o triângulo das RI.

O fim da primeira guerra mundial criou, assim, o ambiente para que emergisse a tensão
entre o “idealismo do universalismo liberal” de matriz kantiana e a continuação do
“realismo de matriz hobbesiana”. Procurando um espaço entre as duas correntes
continuavam, os estudiosos do direito internacional, na tentativa de uma terceira via
internacionalista de cariz grociano.

Os idealistas, defendendo a necessidade de emancipação, acreditavam na possibilidade


de o sistema internacional se estruturar como uma comunidade que exigiria algo como
uma Républica Universal, base da idealização da Sociedade das Nações. Enquanto isto,
os realistas apontavam a realidade da anarquia internacional, crendo que o sistema
internacional se formava com base num estado de natureza em que cada Estado é um
lobo, existindo, uma luta pela sobrevivência, a guerra de todos contra todos. Por sua
vez, os grocianos apostavam na necessidade de ordem, na conceção de uma verdadeira
sociedade internacional.

15
A segunda guerra mundial marcou o fim da Sociedade das Nações, tendo os intelectuais
depressa tecido severas críticas ao Idealismo-Utopismo de Wilson, introduzindo, como
reação, o Realismo, enquanto o direito internacional se apagava totalmente.

Segundo Edward Carr, embora o conhecimento científico resulte de finalidades praticas


e de analises abstratas, o mesmo não descarta a adoção de uma postura realista. Carr
parte da tensão entre o utopismo e o realismo, como lhes chamou, procurando
distanciar-se do primeiro sem cair nos exageros do segundo. Embora acreditasse, como
os utopistas, que o pensamento pode modificar a conduta humana sem, contudo, ser
total a liberdade de escolha do homem de estado; e embora denunciasse o pessimismo
realista de que o homem é mau por natureza, aproximava-se destes quando entendia o
respeito pelas lições de história. Deste modo, Carr é considerado, não como um simples
realista, mas antes um racionalista que procurou afastar-se da vertente utópica
idealista.

Assim nascia a Teoria das Relações Internacionais, uma nova disciplina inicialmente
autonomizada pelo fator guerra, conforme defenderam sempre os realistas como Hans
Morgenthau e Henry Kissinger, herdeiros diretos das observações de Friedrich
Nietzsche. Veio suceder ao Direito Internacional da institucionalização da Política entre
os Estados, face à sua incapacidade em manter a ordem, como ficava demonstrado pela
eclosão das duas grandes guerras mundiais.

História das Relações Internacionais

▪ Idade Média

Quando Roma começa a expandir-se comercialmente e geograficamente, ao “jus civile”


(direito que abrange somente os romanos) acrescentou-se o “praector peregrinus”
(norma criada para diminuir os conflitos entre os Romanos e os outros povos), que deu
então origem ao “jus gentium” para se poder abranger outros povos estrangeiros, dada
a grande necessidade de albergar outros povos.

▪ Renascimento

A europa sore grandes alterações, abrindo a mente da população, deixando-os mais


sensíveis a determinados temas. Surge maquiavel com o conceito de Estado e, depois,
Jean Bodin introduz o conceito de soberania e nasce, assim, o Estado Soberano.
(Elementos do Estado: Povo, Território e poder político).

▪ Revolução Científica do século XVII

O conceito de Estado começa a espalhar-se por toda a Europa e é, então, que ocorre o
Congresso de Westfália, que vem pôr um fim à guerra dos 30 anos, tentando repor a
ordem. O congresso de Westfália tinha então o princípio, poderia determinar qual a
religião que se praticava nesse território/Estado. e, se o príncipe tinha esta liberdade de
determinar qual a religião a ser praticada, tinha também a possibilidade de determinar
sobre outras matérias, concluindo então que quem manda na ordem interna é quem

16
detém o poder político. E é então que pela 1ª vez surge o conceito de Política Externa e
ocorre o sistema internacional que é composto por Estados Soberanos que utilizam a
política interna e externa para se relacionarem uns com os outros. No entanto, era
necessária uma adaptação dos direitos das gentes e é assim que o “jus gentium” dá
origem ao direito internacional. Não continuaria a regular a relação entre as pessoas,
mas passaria a regular as relações entre Estados. A ordem parecia, então, ter sido
reposta à Europa.

▪ Iluminismo

A verdade é que no século XVII ocorreu outro fenómeno que veio abalar estas
estruturas: o iluminismo. O Congresso de Viena queria acabar com as “sementes
revolucionárias” e repor a ordem de Westfália. A opinião pública passou a ter relevância
e, com isto, o direito internacional tornou-se o 1º Direito Internacional positivista, numa
ordem que deixa de ser do Congresso de Viena e passa a ser de 1ª ordem de equilíbrio
de poderes consoante os interesses europeus: Concerto Europeu.

▪ 1ª e 2ª Guerra Mundial

A 1ª guerra mundial foi então a altura onde se assistiu a atrocidades nunca antes vistas.
Num dos seus 14 pontos, o Presidente Wilson propôs a criação da Sociedade das Nações
que tinha como objetivo recuperar o direito internacional positivista. Tal não foi bem-
sucedido e, com o surgimento da 2ª guerra mundial, tanto o direito internacional
positivista como as próprias relações internacionais estavam em causa. Ocorre então o
grande debate das RI entre idealistas, realistas e autores do direito internacional.
Durante as grandes guerras eram os idealistas que predominavam, mas a teoria das RI
mostrou-se ser incapaz de prever o aparecimento de uma nova guerra e a teoria que
ganhou terreno foi o Realismo.

A disciplina das relações internacionais nasceu por causa da 1ª guerra mundial e ganhou
dinâmica com a 2ª guerra mundial. Ganhou autonomia pois a ciência política também
se tornou autónoma. Tem um objeto de estudo próprio, teorias próprias e metodologia
para estudar o objeto. Demonstrou aos académicos e população em geral que as outras
disciplinas até então estudadas, como o direito internacional e afins, já não eram
capazes de avaliar as grandes guerras porque tinha acontecido um conflito de grandes
dimensões. Logo, criou-se uma disciplina internacional para que nenhuma guerra
daquelas dimensões voltasse a acontecer. També é interdisciplinar, ou seja, são precisas
várias disciplinas para o seu estudo. Porém, como desvantagem, o facto de ser composta
por muitas disciplinas pode causar a perda da sua essência, pois deixa de ter corpo
próprio e um objeto de estudo próprio.

Uma vez nascida a disciplina das relações internacionais após a 1ª guerra mundial, a
disciplina tornou-se autónoma por passar a ter um objeto de estudo próprio, “o
internacional” (entendido como o conjunto de interações onde todos os autores têm
importância fora das fronteiras nacionais). Para já, ainda não tinha metodologia própria,
esta só aparecera na década de 50. Nos primeiros anos a disciplina estudava as alianças

17
militares, os problemas da guerra e da paz, problemas de segurança, etc. Mais tarde,
começou a estudar áreas mais complexas, como por exemplo, as relações entre poder
económico e militar, estratégias governativas, etc.

A partir dos anos 90, o leque de questões que as Relações Internacionais passaram a
estudar foram, então, consideradas como “os Novos-Temas”: narcotráfico, degradação
do meio ambiente, tráfico humano, etc. Por último, as Relações Internacionais, para
além de serem autónomas, têm uma característica fundamental: são multidisciplinares
ou interdisciplinares, como anteriormente foi referido, isto é, recorrem a vários
domínios de estudo. No entanto, isto pode ser favorável, visto que se transforma numa
disciplina fragmentada e torna mais difícil analisar o objeto de estudo.

5. Do conceito de Relações Internacionais: objeto e objetivos do estudo


das Relações internacionais

Vale destacar, desde logo, que o campo de estudo das Relações Internacionais se
caracteriza pelo pluralismo teórico, já que são os debates e diálogos científicos que
permitem a construção de conceitos adequados e a produção de interpretações
científicas da realidade internacional.

Se, durante muitos anos, a disciplina de Relações Internacionais se centrou no debate


entre o Realismo e o Idealismo institucional, isto é, entre a consideração do Estado como
único ator das relações internacionais e a consideração de que, para além deste, existem
outros agentes e sujeitos das mesmas, hoje a discussão centra-se em outros dois
argumentos: o debate entre racionalistas e construtivistas. Os primeiros seguem um
raciocínio científico e os segundos um raciocínio interpretativo. Os primeiros, seguidores
do método hipotético-dedutivo, apenas consideram científicos discursos racionalistas.
Enquanto os segundos procuram conclusões através de reflexões orientadas por
discursos teóricos de natureza interpretativa.

A verdade é que, a rigor, o confronto entre discursos teóricos só pode resultar numa
valorização evidente da própria disciplina de Relações Internacionais, ainda que, do
ponto de vista conceptual, não exista consenso sobre o que, no fundo, é, como se define,
esta disciplina.

Neste sentido, é possível extrair o objeto de estudo das Relações Internacionais através
da enumeração dos problemas que, de acordo com esta definição, as Relações
Internacionais estudam. Como ramo autónomo do saber, as Relações Internacionais
criam e organizam técnicas e métodos de estudo, através de uma perspetiva
multidisciplinar, objetivando a elaboração de hipóteses, a identificação de temas, o
estabelecimento de objetivos e a criação e definição, com precisão, dos seus próprios
conceitos. Assim, as Relações Internacionais como disciplina servem para a formação
de decisões, por parte dos indivíduos organizados socialmente no patamar de
decisores políticos, para a condução das relações internacionais, tanto a nível
conjuntural, como estrutural.

18
5.1) Metodologia e variáveis

Uma vez determinado o que se quer estudar (ontologia) e sobre que bases do
conhecimento se pretende fazê-lo (epistemologia) há que definir as ferramentas
abstratas que permitem organizar o estudo. A escolha destas ferramentas depende de
como o internacionalista vê o mundo.

Uma variável é um fenómeno ou condição cuja alteração provoca a alteração em outro


fenómeno ou condição, estabelecendo-se, por conseguinte, sempre uma relação
funcional entre duas ou mais variáveis. Nas ciências sociais, a relação funcional entre as
variáveis é muito mais difícil de ser encontrada e medida, porque muitas variáveis que
provocam alterações podem atuar em simultâneo, sendo difícil separá-las pela
observação, ao mesmo tempo que é impossível manter todas as variáveis constantes.

O método hipotético-dedutivo é considerado por muitos como desatualizado, já que


apenas estabelece correlações. Outros consideram que somente os discursos racionais
baseados neste método são científicos. No entanto, existem discursos não racionalistas
considerados científicos (pós-positivistas, método interpretativista).

Metodologia e teorias estão, portanto, amplamente interligadas e umas são condizentes


com outras, enquanto certas metodologias são inaplicáveis a determinadas teorias. As
teorias das Relações Internacionais dão suporte epistemológico às Relações
Internacionais às Relações Internacionais, porque existe uma relação entre a
epistemologia, a ontologia e a metodologia. São estas as ferramentas (juntamente com
as teorias das Relações Internacionais) que me permitem fazer um estudo aprofundado
e sustentado das Relações Internacionais.

19
Capítulo 2) Triângulo ontologia-epistemologia-metodologia
1. Do fundamento epistemológico, ontológico e metodológico das
teorias das Relações Internacionais

Epistemologia

Ontologia Metodologia

Só é possível criar uma Teoria das Relações Internacionais com uma base
epistemológica, ontológica e metodológica forte. Para tal, é necessário compreender no
que consiste cada aspeto:

• A Ontologia consiste no objeto de estudo;


• A Metodologia é a forma como o estudo é conduzido pelo internacionalista.
Distingue-se dos “métodos”, que nela estão incluídos (os métodos são as
técnicas utilizadas para concretizar a metodologia), por se tratarem de coisas
diferentes, dependendo os segundos da metodologia escolhida. Esta escolha
varia consoante a ontologia e epistemologia adotadas previamente pelo
internacionalista.
Existem dois tipos de Metodologia: a metodologia positivista – utiliza o método
hipotético-dedutivo e coloca a razão em 1ª lugar – e a metodologia pós-
positivista – vai só pela interpretação, pela inferência dos dados, e não coloca
somente o peso na razão, entrando em linha com os gostos dos indivíduos.
• A Epistemologia, por sua vez, consiste nas bases teóricas utilizadas para
concretizar o estudo do objeto em questão, dependendo da forma como o
internacionalista perceciona o objeto. No entanto, há um problema: o objeto de
estudo das RI é dinâmico e não é exato. O objeto de estudo é influenciado por
motivos onto e epistemológicos e a realidade não é apenas empírica, pois esta
encontra-se previamente influenciada por fatores externos.
O que distingue as teorias das RI das restantes teorias de outras ciências sociais
é a sua ontologia, que varia de teoria para teoria, e o seu corpo teórico e
concetual bastante próprio e característico.

Os conceitos fundamentais das Relações Internacionais, quando colocados em


confronto em discursos teóricos distintos, assumem significados precisos. O mesmo
conceito, referindo-se ao mesmo conjunto de elementos da realidade internacional,
assume, em cada discurso teórico, um significado distinto.

20
As teorias das Relações Internacionais surgem enformadas por escolas filosóficas
diferentes e suportadas por conceitos que numa base inicial, são oriundos de algumas
das principais Ciências Sociais. No entanto, as teorias das Relações Internacionais
distinguem-se dessas ciências porque têm uma ontologia própria que fundamenta o seu
campo de estudos; e porque desenvolvem e organizam um corpo teórico e conceitual
próprio.

Segundo Whitehead, as teorias das Relações Internacionais surgem, deste modo, como
sistemas conceituais expressos em discursos marcados por características próprias.
Assim, uma verdadeira teoria das Relações Internacionais precisa de se caracterizar por
um discurso teórico que apresente:

1) Conjuntos de sentenças expressas sem ambiguidades em idioma


compreensível e relevante;
2) Consistência lógica interna (relação mútua de validade);
3) Consistência lógica externa (discurso teórico tem de subsistir às críticas);
4) Ampla conformidade com a realidade (teste empírico);
5) Nenhuma discordância com a realidade (a não existência de falseabilidade);
6) Condição de esquema lógico, em que todas as características acima
enumeradas devem ser incluídas.

Neste sentido, avaliar os fundamentos mais essenciais das teorias das Relações
Internacionais reconduz-se à análise compreensiva do corpo de pressupostos
ontológicos, epistemológicos e metodológicos das várias teorias das Relações
Internacionais, concebida a disciplina das Relações Internacionais como “um conjunto
de debates, de problemáticas, perspetivas e paradigmas avançados por uma
comunidade epistémica consciente envolvida na produção de conhecimento sobre um
domínio empírico” que pode designar-se por relações internacionais em letras
minúsculas, por contraposição à identificação da disciplina académica que se lança
sobre o estudo desse domínio empírico, redigida em maiúsculas: Relações
Internacionais.

As Relações Internacionais são uma disciplina em que competem as teorias das relações
internacionais. Na sua maioria, estas são teorias sobre as relações internacionais (com
letras minúsculas), apesar de ocasionalmente termos a notícia de teorias sobre a
conduta da própria disciplina (ou seja, Teoria das Relações Internacionais).

Reconhece-se que o doméstico, o internacional e o global são níveis de análise que se


interpenetram e se compõem uns aos outros, surgindo como três pontos de vista que
se ligam sempre em compreensão de cada fenómeno político. Em termos gerais, tudo
o que foi dito anteriormente indica que qualquer estudo no âmbito da teoria das
Relações Internacionais tem de ter uma ligação clara e bem contruída entre a
epistemologia, a ontologia e a metodologia.

21
Deste modo, analisar cada teoria das Relações Internacionais consiste em analisar, de
forma sistematizada, o corpo de pressupostos ontológicos, epistemológicos e
metodológicos dessa teoria, isto é, localizar essa teoria das Relações Internacionais no
discurso académico das Relações Internacionais.

Cada paradigma das Relações Internacionais identifica aquilo que considera ser a
realidade das relações internacionais, isto é, a sua ontologia. Esta realidade das relações
internacionais pode ser puramente empírica, mas pode também ser metafísica. Se a
realidade metafísica assenta em afirmações que não estão sujeitas a validade empírica
direta e que derivam de argumentação filosófica, a realidade empírica é composta por
verdades produzidas acerca dos fenómenos e práticas concretas (observáveis) da
política internacional e das relações internacionais.

Não obstante tudo isto pareça dar origem a grandes divisões no seio da disciplina das
Relações Internacionais, não é este fator central que fragmenta a disciplina em múltiplos
paradigmas. Dito de outra forma, não é o debate em torno dos quais os atores e os
processos considerados mais relevantes para se compreender as relações internacionais
que origina diferentes paradigmas de Relações Internacionais. A natureza empírica ou
metafísica das relações internacionais acaba por ter existência porque a fonte das
divisões vai muito além daqueles problemas (empíricos) e são de natureza metafísica:
quais as fontes de autoridade política das Relações Internacionais, o direito natural, o
contrato social, os direitos individuais, ou outra? Qual a natureza e o âmbito da política
em Relações Internacionais, a Economia ou a moral? Estas e outras questões levantam-
se colocando à disciplina inúmeros desafios metafísicos que acabam por conduzir à sua
fragmentação em múltiplos paradigmas, já que cada parcela da comunidade epistémica
das Relações Internacionais tem uma interpretação diferente a dar a essas questões, o
que a leva a construir, na base dos pressupostos de Whitehead, uma nova teoria das
Relações Internacionais.

Logo, a definição de Relações Internacionais surge como uma convenção necessária,


porque a maneira como cada qual interpreta o mundo (o que estudar, Ontologia do
paradigma em si) depende em grande medida de como define o mundo que quer
estudar, compreender e interpretar, havendo uma interpretação clara entre o “mundo
empírico”, da realidade empírica, e o “mundo desconhecido”, da realidade metafísica.

Por outro lado, o académico das Relações Internacionais não vê os dados empíricos com
que trabalha, pois não tem acesso direto à estrutura profunda da realidade
internacional que estuda. O Estado, o sistema internacional e a política internacional
não se apresentam os olhos de quem os estuda, daí que a realidade empírica obrigue
uma imagem que é, já por si, uma questão teórica, ontológica.

Simultaneamente qualquer teoria das Relações Internacionais tem pretensão a ter uma
epistemologia própria, pois esta refere-se ao ramo da filosofia que trata do
conhecimento. É esta pretensão epistemológica que permite descortinar d que forma
cada teoria resolve as questões relacionadas com a produção de conhecimento sobre o
universo político e a sua validação.
22
A metodologia que o académico das Relações Internacionais utiliza para analisar o que
consideram ser a realidade (ontologia) a partir da forma como produz conhecimento
sobre essa realidade (epistemologia) depende, assim, tanto da ontologia, quanto da
epistemologia.

Pode, neste sentido, afirmar-se que, nas Relações Internacionais, é possível ter-se uma
ideia do que se pretende, empiricamente, estudar. Porém, a formulação correta da
questão empírica que se deseja estudar só pode ser feita uma vez determinadas as bases
ontológicas e epistemológicas em interligação entre si. Daqui deverá a escolha
metodológica para a análise empírica, sendo desde já certo que a metodologia e método
são conceitos distintos, já que o primeiro pretende-se com as grandes opções ligadas à
ontologia e epistemologia do estudo em causa e o segundo refere-se às técnicas de
estudo que serão aplicadas na prática para a concretização da investigação.

2. As ontologias de Alexander Wendt

Muitos dos debates substantivos sobre as relações internacionais são, em grande


medida, debates que vão muito além dessas questões substantivas e focam-se em
debates filosóficos. Nesse âmbito, Alexander Wendt, um construtivista1, considera que
a estrutura do Sistema Internacional é formada por ideias e identifica quatro
sociologias/ontologias da política. Assim, consoante cada teoria das Relações
Internacionais opte por seguir as linhas desta ou daquela ontologia, assim se consegue
posicionar cada uma dessas teorias num lugar próprio.
1Construtivismo – enquanto teoria das Relações Internacionais é, na realidade, uma
teoria social mais ampla que uma teoria das Relações internacionais à qual as Relações
Internacionais foram buscar influência e considera que não existe uma realidade única,
o que existe são várias perceções da realidade empírica que cada indivíduo observa
enquanto quer analisar o seu objeto de estudo. Ou seja, o que tem mais importância
para os construtivistas não é o poder nem interesse dos Estados, mas sim as ideias,
perceções e costumes dos indivíduos, aquilo que faz os grupos terem uma forma cultural
única, uma perceção única. Assim, afirmam que o mundo é constituído por ideias.

Assim, a base epistemológica de Alexander Wendt são as diferentes perceções da


realidade, sendo que, para tanto, o autor combina as quatro ontologias em dois debates
essenciais contendo cada qual duas ontologias:

(1) – 1ºDebate: materialismo versus idealismo – a questão central que se coloca é a


de saber em que medida as estruturas do sistema internacional são materiais ou
sociais, de modo a compreender-se a importância das forças materiais e das
ideias na vida social.

materialismo

Para os materialistas, a natureza e a organização das forças materiais são os fatores


relevantes da sociedade, sendo certo que fazem parte dos recursos materiais a natureza
humana, os recursos naturais, a geografia, as forças de produção e as forças de
23
destruição. Estas forças materiais podem conduzir os atores à manipulação do sistema
internacional, ao empoderamento de certos atores relativamente a outros, à
predisposição dos atores para o conflito ou para a criação de ameaças, e assim por
adiante.
De acordo com esta ontologia, as ideias não deixam de existir na sociedade, mas
assumem um papel secundário. Na verdade, todas as forças não-materiais da sociedade
têm, para os materialistas, um papel secundário, uma vez que as forças materiais se
reconduzem, no fundo, ao poder e aos interesses como causas dos fenómenos sociais,
o que só ocorre se os seus efeitos não forem constituídos por ideias, o que significa que
as forças materiais privilegiam a relação causal entre os agentes, isto é, o efeito que
provocam sobre o comportamento dos mesmos.

Em suma:

o Os fatores mais relevantes da sociedade são os recursos materiais, a


natureza e a organização das forças materiais;
o A estrutura do sistema internacional assenta em forças materiais
(principalmente o Poder e os Interesses);
o As ideias assumem um papel secundário na estrutura do sistema
internacional. Este é formado principalmente pelo Poder e pelos
Interesses;
o Privilegia as forças materiais (o Poder e os Interesses) como principal
causa dos fenómenos sociais e das alterações significativas do
internacional, e os efeitos causais entre os agentes;
o Desconsidera os efeitos constitutivos (os agentes influenciam-se, mas
não influenciam a estrutura).

Alexander Wendt elabora um gráfico sobre a construção social da teoria das Relações
Internacionais. Acredita que a realidade empírica é uma realidade social porque assenta
nas perceções dos indivíduos do Estado, nos grupos e nos costumes e hábitos
individuais. Ou seja, é uma realidade socialmente construída. Porém, como isto não é
alvo de consenso, o autor formula um gráfico onde posiciona e define o quanto de
construção social cada teoria apresenta.

O materialismo, por sua vez, em termos de gráfico ontológico de Alexander Wendt


posiciona-se no ponto mais reduzido do eixo x (social).
Y (construção)

materialismo X (social)
(muito material) 24

(pouco social)
idealismo

Os idealistas consideram, por seu turno, que o fator mais fundamental da sociedade é o
que Wendt chama de “distribuição de ideias ou conhecimentos”, isto é, a natureza e a
estrutura da consciência social, sendo geralmente esta estrutura partilhada entre os
atores através de normas, regras e instituições.
Para os idealistas, esta estrutura é social e permite a constituição de identidades e
interesses, ajuda os atores a solucionar problemas comuns, define expetativas de
comportamentos, constitui ameaças e assim por diante. É evidente que não negam a
existência de forças materiais nessa mesma estrutura, mas estas assumem um papel de
menor relevância, uma vez que são constituídas com significados particulares para os
atores. As ideias têm, assim, uma função constitutiva, já que contribuem para a
constituição dos agentes e para a participação na construção e socialização dos mesmos.
Desta forma, em lugar de privilegiar a relação causal entre os agentes, os idealistas
privilegiam a sua relação constitutiva e os seus efeitos.

Em suma:

o O sistema internacional é constituído fundamentalmente por ideias e


conhecimentos. É uma realidade socialmente construída (implica uma
grande construção social);
o As forças materiais existem, mas estão em 2º plano;
o O conhecimento e as ideias ganham maior importância;
o A estrutura tem influência sobre a constituição dos agentes, pelo que
estamos perante efeitos constitutivos;
o Privilegia as ideias e os efeitos constitutivos da estrutura sobre os
agentes.

O idealismo no gráfico posiciona-se no eixo extremo direito (social), porque é mais social
que o materialismo.

Y (construção)

X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
25
Nota: Idealismo VS idealismo

Wendt chama à atenção para o facto de a teoria Idealista, nas Relações Internacionais,
não se reconduzir à teoria idealista no âmbito da teoria social, apontando aquilo que,
do ponto de vista social, o idealismo não é:

✓ Assim, o idealismo não é uma visão normativa de como é que o mundo deveria
ser, como sucede com o Idealismo das Relações Internacionais, mas é antes uma
visão científica daquilo que o mundo efetivamente é. Pretende ser tão realista
quanto o materialismo.
✓ Ao mesmo tempo, o idealismo enquanto teoria social não assume que a natureza
humana é intrinsecamente boa, nem que a convivência social é intrinsecamente
cooperativa, como o faz o Idealismo das Relações Internacionais. O conflito e o
pessimismo não são, portanto, exclusivos do materialismo.
✓ Do mesmo modo, o idealismo enquanto teoria social não assume que as ideias
partilhadas não possuem uma realidade objetiva. Na verdade, as estruturas
sociais são tão reais quanto as estruturas materiais.
✓ Por outro lado, o idealismo enquanto teoria social também não assume que a
mudança social é fácil ou possível num dado contexto socialmente construído.
Aliás, por vezes esta mudança é mesmo mais difícil de ocorrer em estruturas
sociais do que em estruturas materiais.
✓ Por fim, o idealismo não significa que o poder e os interesses, isto é, as forças
materiais, não sejam importantes. Significa, antes, que os seus significados e
efeitos estão dependentes das ideias dos atores.

(2) – 2ºDebate: individualismo versus holismo – o que está em causa é a relação


existente entre o agente e a estrutura. No fundo, a questão que central é “que
diferença a estrutura faz na vida social?” e also – é o indivíduo que conta ou a
coletividade? – (a resposta a esta questão varia sobretudo consoante o impacto
que os efeitos da capacidade explicativa da estrutura têm).

individualismo

Para os individualistas, a capacidade explicativa da estrutura reduz-se às características


e interações entre os agentes independentes que se inserem nessa estrutura e os efeitos
causais ou comportamentais desses agentes uns sobre os outros, isto é, a relação causal.

Em suma:

o O individualismo afirma que a estrutura do sistema internacional é


uma estrutura formada fundamentalmente por agentes que se
influenciam mutuamente. Ou seja, o individualismo privilegia os
efeitos causais e o indivíduo.

Ainda assim, o individualismo pode ser compatível com a teoria que defende que as
estruturas causam as propriedades dos agentes, isto é, influenciam na construção dos
agentes, tendo a estrutura, por conseguinte, efeitos primordiais sobre os agentes, já que
26
é difícil sustentar que as estruturas não possam ser reduzidas às propriedades e
interações dos indivíduos tomados a nível micro, como é o caso das teorias racionalistas
que dominam o mainstream das Relações Internacionais. Porém, a maioria dos
individualistas trata as identidades e interesses como dados exógenos e apenas
consideram os efeitos comportamentais ou causais.

No gráfico, o individualismo localiza-se no eixo inferior do y, pois assume uma reduzida


construção social.

Y (construção)

individualismo
(pouca construção social)
(indivíduo)
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
holismo

Para os holistas, a capacidade explicativa da estrutura não se reduz aos efeitos das
interações entre os agentes, isto é, os efeitos causais ou comportamentais, mas também
os efeitos constitutivos da estrutura sobre os agentes, já que a estrutura participa na
construção e na socialização desses agentes. Isto significa que o holismo integra, quer
os efeitos causais da estrutura, quer os seus efeitos constitutivos, implicando uma visão
top-Down da vida social, em contraste com a visão bottom-up do individualismo.
Partindo de uma visão que valoriza a estrutura, o holismo dá importância, quer aos
efeitos causais e constitutivos quer, ainda aos efeitos que a própria estrutura origina nos
agentes, contribuindo para a construção destes.

Em suma:

o O holismo (observa o todo) diz que a estrutura do sistema é composta


por agentes que por esta são influenciados. Ou seja, o peso
explicativo da estrutura no holismo é maior que o peso explicativo da
estrutura no individualismo.
o No holismo há uma relação de influência da estrutura sobre os
agentes. O peso que a estrutura tem para explicar o sistema

27
internacional é grande, se há essa influência da estrutura na
constituição dos agentes então temos efeitos constitutivos.
o O holismo dá mais importância à estrutura que o individualismo e
privilegia os efeitos constitutivos.

O holismo no gráfico está no eixo superior extremo do y, pois tem uma maior construção
social que o individualismo.

Y (construção)

holismo
1Construtivismo
(muita construção social)
(coletividade)
(efeitos constitutivos)

individualismo
(pouca construção social)
(indivíduo)
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)

Neste sentido, enquanto alguns individualistas estão interessados nas identidades e na


formação dos interesses (tomados como preferências), alguns holistas consideram que
os agentes têm propriedades intrínsecas. Ainda assim, as teorias individualistas da
formação das preferências (interesses) focam-se eminentemente nos agentes e não nas
estruturas, enquanto as teorias holistas dos atributos intrínsecos tipicamente
minimizam estes atributos o mais que podem.
1Construtivismo – teoria social que defende que a realidade é construída
socialmente através de várias perceções/interpretações da realidade empírica,
sendo estas perceções/interpretações aquilo que constitui os conhecimentos
dos indivíduos (tradições, costumes, etc.). De todas as teorias, o construtivismo
é aquela que implica maior construção social.

Assim se obtém a organização das teorias das Relações Internacionais em torno de dois
polos básicos: o polo do debate materialismo-idealismo, centrado na discussão sobre o
social; e o polo do debate individualismo-holismo, centrado na discussão sobre a
construção. Na formação gráfica, o social é representado por x e a construção é
representada por y, obtendo-se um gráfico sobre a construção social.

28
Nota: é importante que as ontologias (ou sociologias) de Alexander Wendt não sejam
confundidas com as ontologias do triângulo (epistemologia, metodologia e ontologia),
pois tratam-se de matérias diferentes.

Com efeito, se o eixo x se refere ao debate entre o materialismo e o idealismo, quanto


mais se avançar para a direita, mais se avança no sentido do idealismo (caso do
Construtivismo). Se o eixo do y se refere ao debate entre o individualismo e o holismo,
quanto mais se avançar para cima, mais se avança em direção ao holismo (caso do
Construtivismo). Assim, quanto mais uma teoria aumenta em termos de x, mais social
ela se torna no sentido ideacional to termo; e quanto mais ela aumenta em termos de
y, mais construção ela implica em termos holísticos. Assim, as teorias que implicam uma
maior construção social são aquelas a partir de onde ocorre o ponto de interceção entre
o eixo x e y, isto é, o quadrante superior do gráfico.

É neste quadrante e, mais precisamente, neste ponto específico, que se situa o


Construtivismo, bem como a Escola Inglesa – que pese embora não trate explicitamente
da formação das identidades dos Estados, trata do sistema internacional como uma
sociedade governada por normas partilhadas.

2.1. O Posicionamento das Teorias das Relações Internacionais na Construção


Social de Alexander Wendt

29
Com efeito, o Realismo, que apresenta uma natureza materialista e individualista,
situando-se no quadrante inferior esquerdo, sustenta que a natureza humana é
determinante fundamental na definição do interesse nacional. Trata-se de um
argumento individualista porque implica que os interesses dos Estados não sejam
construídos pelo Sistema Internacional. Simultaneamente, o Realismo assenta na
natureza material do sistema internacional, na base do poder e dos interesses, o que é,
claramente, um argumento materialista.

O Neorrealismo, por seu lado, é ainda mais materialista que o Realismo, assentado no
poder e nos interesses, isto é, nos fatores materiais da estrutura, e confere maior peso
explicativo à estrutura do sistema internacional do que aos seus agentes, configurando-
se como uma teoria sistémica. Contudo, na medida em que se serve de analogias
microeconómicas, o Neorrealismo assume que esta estrutura apenas influencia o
comportamento dos agentes, neles tendo apenas efeitos causais, e não participa na
construção da identidade desses agentes, neles não tendo, por conseguinte, efeitos
constitutivos. Neste sentido, o Neorrealismo é uma teoria das Relações Internacionais
que, claramente individualista, é menos que o Realismo. Daí a sua localização no
quadrante inferior esquerdo, numa posição mais acima que o Realismo, de modo a
demarcar as diferenças em matéria de individualismo.

Neste sentido, o Institucionalismo Neoliberal partilha com o Neorrealismo a visão


individualista da estrutura, já que ambas as teorias partem da visão anárquica do
sistema internacional. Por outro lado, a maioria dos institucionalistas neoliberais nunca
contestou a visão de Waltz de que o poder e os interesses são as bases materiais da
estrutura do sistema internacional, o que à partida sugere que o institucionalismo
Neoliberal tem uma base, além de individualista, também materialista. A verdade é que,
a par desse poder e desses interesses, o institucionalismo Neoliberal enfatiza as
expectativas dos agentes, mais até do que a importância que confere à base material da
estrutura do sistema internacional, já que considera que a criação das instituições
internacionais é uma possibilidade para amenizar a realidade da anarquia internacional.
Assim, coloca-se o Institucionalismo Neoliberal no patamar do individualismo – já que
em boa verdade o Institucionalismo não apresenta uma visão idealista da estrutura do
sistema internacional.

No quadrante superior esquerdo estão as teorias das Relações Internacionais segundo


as quais as propriedades dos Estados são largamente construídas por estruturas
materiais a nível internacional, porém com uma visão claramente holista, como a teoria
do Sistema-Mundo, cuja natureza é material em função da ênfase que confere às
relações e não às forças de produção. Do mesmo modo, o marxismo neogramsciano tem
uma base material, ainda que, mesmo mais do que outras teorias marxistas, confira um
maior peso explicativo à ideologia, o que o leva simultaneamente ao holismo.

Por fim, no quadrante inferior direito estão as teorias das Relações Internacionais que
consideram as identidades e os interesses dos Estados são sobretudo formados graças

30
a fatores domésticos, com uma visão mais social do que é feita a estrutura do sistema
internacional, como o Liberalismo.

3. Da metateoria, teoria e realidade empírica


Quando eu utilizo uma teoria das Relações Internacionais para estudar uma realidade
empírica, estou a auxiliar-me no decifrar de um fenómeno internacional. Posso, por
exemplo, estudar as guerras através do realismo (Teoria das RI), auxiliando assim o
estudo do fenómeno, que são as guerras.

Se a realidade empírica exige um grau de abstração mínima, quando passamos para a


teoria das RI, esse nível de abstração aumenta, pois este irá criar um sistema conceptual
(conjunto de conceitos que formam uma determinada teoria das RI).

Para teorizar sobre uma realidade empírica, tenho de ter um grau de abstração superior
ao do fenómeno internacional empírico exigente (pode não ser palpável, mas é
inatingível. É uma realidade empírica, observável aos nossos olhos). A teoria das RI para
ser observável aos nossos olhos necessita de abstração do nosso pensamento e
pensamento do autor (teoria).

Em RI, há uma pluralidade de teorias, de agendas, de investigação, que nos permitem


estudar os fenómenos internacionais empíricos. Estes debates entre teorias das RI (que
marcaram as RI) chamam-se Grandes Debates das RI. Até hoje já houve 2 grandes
debates das RI, e estamos ainda hoje, desde a década de 90, no 3º Grande Debate das
RI, sendo que os mesmos têm constantemente levado a um grande desenvolvimento
das RI.

Tendo em conta a existência da realidade empírica, da teoria das RI e dos debates das
RI, nós podemos dividir estas realidades por graus de abstração.

1) Realidade empírica na base (objeto de estudo de uma teoria das RI)


Abstr
ação

2) Teoria das RI

3) Meta Teoria (é a consequência)

O debate entre duas ou mais teorias das RI exige um grau de abstração superior ao da
teoria, uma vez que falamos de discussão entre teorias constituídas, logo o grau é
superior. O discurso Meta teórico abrange o discurso entre teorias das RI e tem um grau
de abstração superior ao da teoria.

Assim, é possível depreender que os debates sobre o alcance interpretativo dos


discursos teóricos utilizados pela comunidade epistémica de RI são metateóricos e
permitem que a disciplina evolua. Estes debates são cruciais para manter viva a
disciplina, no entanto, muitas vezes os analistas de RI não explicitam o tipo de discussão
que está envolvido, tornando confusa a interpretação dos leitores.
31
4. Do debate agente-estrutura

4.1) Níveis de Análise


Os níveis de análise também dependem daquilo que se pretende estudar. A escolha dos
níveis de análise é feita considerando a classe de fenómenos que se pretende estudar,
sendo esta escolha inseparável do debate agente-estrutura que, por sua vez, nos conduz
à estruturação de teorias sistémicas ou reducionistas.

Não se escolhe o nível de análise aleatoriamente, mas sim precisa e criteriosamente:

• Nível Individual: (aqui incluem-se as Teorias Reducionistas) quando o


comportamento do Estado no Sistema Internacional resulta de perceções,
tomadas de decisão, personalidade do líder. Ou seja, o seu comportamento é feito
pelos decisores políticos que agem em seu nome e, por isso, é importante
compreender as características e motivações pessoais e emocionais, para além
das ideológicas, que movem este líder que, por sua vez, influencia o Estado.
o Explico o comportamento do Estado no sistema internacional através das
perceções e tomadas de decisão e personalidade do líder. Ex: Coreia do
Norte.
• Nível Nacional/Estatal: se eu considerar que o comportamento do Estado no
sistema internacional resulta de variáveis endógenas, mas não só focadas no líder,
podem ser ligadas ao regime político, religião, etc. (características internas de um
Estado), então estou a considerar que o poder resulta das características
endógenas do Estado. Neste sentido, o comportamento do Estado é justificado
através de fatores internos, isto é, motivos domésticos, como a política interna, as
necessidades socioeconómicas internas, os valores políticos dos líderes, etc. são
os motivos endógenos ao Estado.
o Uma política externa reativa (reage a algo do sistema internacional, atitude
passiva). Ex: Portugal – União Europeia.
• Nível Sistémico: Quando eu quero estudar o comportamento do Estado no sistema
internacional a partir das influências do próprio sistema internacional, tanto das
características do Estado (internas e externas) como a influência do sistema
internacional exerce sobre o Estado (é o preferido pelo SI pois é o mais
abrangente, completo). O Estado é influenciado pelo sistema internacional, isto é,
comporta-se de acordo com fatores exógenos a si próprio.
o Neste nível de análise são consideradas as condicionantes e os fatores
determinantes das ações políticas de um Estado num contexto
internacional, como a situação socioeconómica de grandes potências ou a
sua integração numa união económica monetária. Ex: qualquer país serve.

Por sua vez, quando eu quero estudar as questões ditas globais, eu estou para além do
nível sistémico – nível global.

• Nível Global: aquele que se preocupa com as grandes questões que afetam a
humanidade, mais preocupado com os problemas de paz, guerra, alcance do
32
desenvolvimento socioeconómico mundial, entre outros. O comportamento e as
prioridades de um Estado, nesta perspetiva, são partilhadas por todos os Estados,
todos os indivíduos e todos os subsistemas de Estados. Assim, conclui-se que
existem problemas globais que são de resolução prioritária, como a poluição,
escassez de recursos, terrorismo, guerra, etc.
o Ex: os objetivos do milénio – a destruição dos habitats naturais, poluição
dos oceanos. Em geral estas questões ligadas ao ambiente e objetivos do
milénio.

Nenhum nível de análise é mais importante que outro, é necessário fazer uma escolha
precisa do nível de análise que eu vou utilizar para o estudo do meu fenómeno empírico
(podem utilizar-se dois simultaneamente, mas cautelosamente).

5. Teorias Sistémicas e Teorias Reducionistas

Q: Como se realiza a relação entre o agente e a estrutura internacional? /O que é mais


explicativo numa determinada teoria das RI, o 1agente ou a 2estrutura?

o 1Agente – os Estados, são os agentes que atuam no sistema internacional.


o 2Estrutura – aquilo que suporta o Sistema Internacional, no qual os agentes

funcionam.

Existe um longo debate sobre o que é mais importante estudar, os agentes ou a


estrutura? É por essa razão que existem teorias sistémicas e reducionistas, que se
distinguem porque umas consideram efeitos causais e outras efeitos constitutivos.

Teorias Reducionistas Teorias Sistémicas

- Estudam somente os agentes e, para além Para além dos efeitos causais entre os agentes
disso, estudam os efeitos causais que o (efeitos que o comportamento dos agentes
comportamento dos vários agentes provoca um provocam entre si), as teorias sistémicas estudam
nos outros. a estrutura dos sistema internacional e
o Então, as teorias reducionistas estudam consideram que, por um lado, os agentes causam
os agentes e consideram que esses entre si efeitos causais, e, por outro, em
agentes provocam entre si efeitos simultâneo, o sistema internacional influencia na
causais. constituição dos agentes, sendo que qualquer
agente que exista no sistema internacional é
- A política internacional é explicada através das
influenciado pela estrutura do mesmo, ao mesmo
características do agente (Ex: os agregados de
tempo que o próprio produz efeitos constitutivos
população, o PIB, o poder militar) pois são estas
sobre a estrutura.
que influenciam as suas atitudes e não a
o Ou seja, os agentes também influenciam a
estrutura.
formação da estrutura do SI (Sistema
- O comportamento final do Estado resultará do
Internacional), pelo que há efeitos
efeito conjunto de todos estes fatores internos
biunívocos entre os agentes e a estrutura,
e não da influência da estrutura internacional.
derivada da influência mútua na sua
constituição.

33
o Atenta à política externa dos Estados A política internacional é explicada pela estrutura
para compreender as relações que do sistema internacional (Efeitos causais da
estabelece com a estrutura, atribuindo- estrutura sobre o comportamento dos agentes e
lhe um valor causal e não determinante. efeitos 3constitutivos sobre a formação dos
agentes).
o Como firmado antes, as interações entre o
agente e a estrutura são biunívocas (a
estrutura influencia e é influenciada pelos
agentes.

3Efeitosconstitutivos – efeitos que ajudam a constituir. Influenciam a constituição dos


agentes (criação e crescimento, sendo que os mesmos influenciam na criação e no
crescimento da estrutura do Sistema Internacional).

Em geral, há preferência pela comunidade epistémica das RI pela criação de teorias


sistémicas, o que não quer dizer que não haja hoje a criação de teorias reducionistas.

o Teorias Sistémicas: estrutura e agentes → efeitos causais entre si + há efeitos


constitutivos biunívocos entre a estrutura e os agentes.
o Teorias Reducionistas: agentes → efeitos causais entre si

34
Parte II – Das Teorias das Relações Internacionais
Capítulo 3) Anos 1920-1930
A autonomização das Relações Internacionais em torno do fenómeno guerra,
imediatamente após a I Guerra Mundial, persuadiu os académicos de que era necessário
pensar sobre as relações internacionais, era necessário teorizar sobre o novo domínio
que nascia, bem como elevar os níveis de conhecimento sobre a realidade internacional.

Na realidade, existe uma relação biunívoca entre o mundo real, da política internacional,
e o mundo académico, que em momentos históricos nos quais se verificam alterações
profundas, se torna mais forte. Nestas circunstâncias, os meios académicos procuram
aplicar na prática as suas teorias, enquanto os meios políticos procuram no mundo
académico novas soluções.

O fim da Primeira Guerra Mundial foi um período de grande comunicação entre o meio
académico e o meio político em função do falhanço dos mecanismos políticos
internacionais tradicionais, o que sugere a questão de se buscar saber se a teoria das
Relações Internacionais se desenvolveu, e vem desenvolvendo, meramente como
resposta a acontecimentos do mundo real da política internacional, ou se tal teoria se
expande como um processo de desenvolvimento interno ao discurso de uma
comunidade em particular de internacionalistas, cujos debates produzem novas e cada
vez mais sofisticadas teorias e modelos das Relações Internacionais, como sugerem os
historiadores revisionistas da disciplina.

1. Do contexto histórico

No início da disciplina, após a I Guerra Mundial, a teoria das Relações Internacionais,


enquanto disciplina académica, desenvolveu-se em particular por meio de um diálogo
intenso com os setores políticos, nascendo como uma ciência destinada a compreender
o mundo. Por conseguinte, as obras deste período resultam em conclusões práticas
sobre as políticas mais adequadas e apropriadas a adotar, em lugar de se assumirem
como grandes tratados teóricos sobre as Relações Internacionais.

Afinal, a sequência de reações provocadas pela I Guerra Mundial originou um grande


abalo no progresso moral e material da civilização que caracterizara o século XIX. Assim,
era convicção generalizada dos académicos, dos políticos e das populações em geral de
que era necessário abolir os mecanismos internacionais que haviam sido incapazes de
evitar a carnificina da guerra. Para tanto, consideravam urgente criar um sistema com
bases novas que fosse capaz de regular os conflitos no sistema internacional, evitando
a todo o custo o recurso a uma nova guerra daquelas proporções. Tornava-se
absolutamente necessário, para que isso fosse viável, que as Relações Internacionais,
enquanto disciplina, conhecesse as dinâmicas da sociedade internacional e conseguisse
canalizar essas dinâmicas por caminhos pacíficos.

35
• Conferência de Versailles (1919) – é neste contexto que a Conferência de
Versailles vem pôr fim a uma era e dar início a uma nova, começando a desenhar-
se um novo sistema de relações internacionais (que haveria de falhar nos seus
escassos objetivos após 20 anos, com o deflagrar da II Guerra Mundial.
O novo Sistema Internacional de Versailles assentava em cinco elementos
fundamentais, sendo certo que todos assentavam no Estado como o ator por
excelência das relações internacionais:
o Segurança coletiva
o Diplomacia multilateral permanente
o Autodeterminação dos povos
o Globalização da sociedade internacional
o Supressão dos focos de contágio da Revolução Bolchevique

O facto de o novo sistema assentar nestas premissas não significa, no entanto, que
havia um consenso entre os académicos, e mesmo entre os políticos, sobre a forma de
as aplicar, já que variavam as lentes teóricas com que académicos e político olhavam
para a nova estruturação do sistema internacional.

Na verdade, no imediato pós-Primeira Guerra Mundial, no contexto do otimismo da


década dourada dos anos 1920, em função do desejo da paz e da necessidade de
mundiólogos que viessem estudar o internacional de forma autónoma, com conceitos,
metodologias e abordagens específicas, a disciplina viu-se dominada pela visão do
Idealismo Wilsoniano, o que significa que, simultaneamente, não se desenvolvesse o
internacionalismo Liberal, de matriz semelhante até certo ponto e, ainda, que se
estruturasse, de forma sistematizada, o discurso realista que havia dominado a análise
do internacional desde sempre.

Interessa, pois, ter estas Escolas em atenção e o debate que entre elas se estruturou.
Efetivamente, ao longo dos anos 1920 e 1930 evidenciou-se o choque entre os dois
paradigmas tidos como clássicos no estudo das Relações Internacionais:

• Idealismo ou Universalismo (matriz kantiana)


• Realismo ou Perspetiva Estato-Cêntrica (matriz hobbesiana)

Se o Idealismo e o Realismo são os dois grandes extremos, o Internacionalismo Liberal,


na origem do Paradigma Liberal, surgindo um pouco ao lado do Idealismo, não tardaria
a surgir, no contexto da Teoria das Relações Internacionais, como uma visão dos cultores
do Direito Internacional que se veio colocar entre ambos, na tentativa de uma terceira
via, levando a que, por vezes, se fale destes internacionalistas como terceiristas. A
sistematização destas terceiras vias, porém, viria a ocorre apenas mais tarde,
particularmente desde a década de 1960, o que significa, no entanto, que esta
perspetiva internacionalista liberal não constitua uma das chamadas Escolas
fundacionais da Teoria das Relações Internacionais.1

11
Epíteto que também pode ser atribuído às perspetivas de cariz marxista que abordam os fenómenos
internacionais de matriz racionalista que viriam a surgir ao longo do tempo derivam, ou do Realismo, ou
do Internacionalismo, ou da Perspetiva Marxista, ainda que nem tanto do Idealismo, origem remota das
36
O que está na base da origem das duas visões clássicas e opostas das Relações
Internacionais (Idealismo e Realismo) é a constatação da natureza anárquica da
sociedade internacional, sendo certo que a diferença fundamental entre o Idealismo e
o Realismo assenta em dois aspetos essenciais:

o Por um lado, na forma como cada Escola admite, ou não, que o sistema
internacional tenha capacidade para anular essa tendência anárquica.
o Por outro lado, na forma como cada uma define os processos e os instrumentos
empregues pelos atores que agem no cenário internacional.

Neste sentido, é útil fazer-se uma sistematização dos aspetos fundamentais das crenças
dos idealistas universalistas, dos internacionalistas liberais e dos realistas
estatocêntricos.

2. Do Idealismo Wilsoniano

No pós-I Guerra Mundial vive-se um ambiente de positivismo, ânsia de viver a vida ao


máximo (loucos anos 20), existe um desejo pela paz e a necessidade de estudiosos que
estudem o internacional de forma autónoma. A disciplina das RI viu-se dominada pelo
Idealismo de Wilson, não abandonando por completo o estudo do Internacionalismo
Liberal, de matriz semelhante ao discurso que havia, até ao momento, dominado o
estudo do internacional, o Realismo.

Nesta altura, Woodrow Wilson, então presidente norte-americano, defende o desenho


do novo sistema internacional, assente na segurança coletiva, na diplomacia multilateral
permanente, na autodeterminação dos povos, na globalização da sociedade
internacional e na supressão dos focos de contágio da Revolução Bolchevique,
enquanto, em janeiro de 1918, no seu famoso discurso dos Catorze Pontos de Wilson,
faz um diagnóstico sobre o que correra mal em 1914:

• Em primeiro lugar, Wilson constatava que o povo não desejava a guerra e que
era a ela conduzido por militaristas ou autocratas, ou porque as suas legítimas
aspirações às nacionalidades estavam bloqueadas por sistemas
antidemocráticos.
o A solução que o presidente apontava era, pois, a da
implementação generalizada de regimes políticos democráticos,
que conduzissem os povos à autodeterminação caso fosse essa a
sua vontade. Segundo os idealistas, se os povos fossem livres de
escolher a forma de governo na qual quisessem viver, optariam
por formas representativas de poder, o que teria como resultado
a criação de mecanismos para a realização da harmonia de
interesses num mundo pacífico.

perspetivas pós-positivistas que, como o Construtivismo ou as teorias críticas, apenas nos anos 1990 e no
século XXI viriam a ganhar dinâmica.
37
• Por outro lado, a guerra ocorrera em função da organização do sistema das
relações internacionais anterior a 1914, assente na diplomacia secreta e nos
pactos e alianças secretas que equilibravam poderes.
o Neste sentido, a solução passava pela proibição de tais alianças
com uma diplomacia multilateral, isto através da criação de uma
nova estrutura institucional para as relações internacionais que,
fundada na Sociedade das Nações – a organização internacional
por excelência – haveria de ter segurança coletiva, de ver o direito
substituir a guerra como princípio e haveria de assentar na
harmonia de interesses entre os Estados.

Afirmando-se, até certo ponto, ou para alguns autores, como uma variante do
Internacionalismo Liberal, o Idealismo é uma abordagem à política internacional que
reforça a importância da moral, dos valores e ideias, em vez da importância do poder e
da prossecução dos interesses nacionais.2

Assim, o Idealismo/Utopismo:

✓ Assenta no otimismo antropológico, isto é, na crença de que o Homem é um ser


naturalmente bom e que deseja a paz e nunca a guerra.
✓ Assenta na moral, nos ideais e nos valores, não no poder dos Estados e outros
interesses materiais.
✓ Reflete um forte otimismo na paz internacional, normalmente associada ao
desejo de reforma do sistema internacional através do reforço do Direito
Internacional e do seguimento da ética cosmopolita.
✓ Tem uma forte influência de Kant (“A Paz Perpétua”, referência clássica do
Idealismo):
▪ Necessidade de emancipação humana
▪ As relações internacionais são uma comunidade internacional
que exige algo como uma respública universal – o poder
pertence, universalmente, ao povo e o Estado é forçado a existir
para o representar e não para se sobrepor aos seus interesses,
antes para lhes responder eficazmente.

Edward Carr identifica duas matrizes do Idealismo/Utopismo:

• Otimismo intelectual iluminista do séc. XVII – considera os fatores que motivam


o ser humano identificando que a humanidade é suscetível ao progresso.
• Ideias liberais do séc. XIX – marcados pela rigidez da economia clássica e pelo
progresso científico e tecnológico, algo que sustenta a crença na capacidade do
Homem para dominar a natureza.

Assim sendo, as preocupações idealistas estruturam-se em torno do papel do Direito


Internacional, das organizações internacionais, que têm uma função importante na

2
Não obstante, o Idealismo não é uma extensão do Internacionalismo Liberal, sendo mais abrangente,
para já não dizer que o Liberalismo moderno se desconectou das ideias idealistas.
38
moldagem do Sistema Internacional, da universalização dos regimes democráticos e da
relação entre a paz e o comércio3 – aqui coincidindo com o Internacionalismo Liberal.
Afinal, segundo os idealistas/utópicos, existe a crença de que as práticas e as instituições
internacionais podem ser modificadas, alterando a forma do sistema internacional (se
as estruturas internas não satisfazem a paz então essas estruturas têm de ser alteradas)
3Relação causal e de interdependência entre a paz e o bom crescimento e
desenvolvimento do comércio – a paz gera condições para que o comércio se
desenvolva e este, só assim, é que se pode desenvolver. Por outro lado, o
comércio, sendo ele uma relação que envolve pelo menos duas partes, faz com
que as partes envolvidas não queiram prejudicar a sua relação comercial com a
entrada em conflito, sendo, portanto, percetível que o comércio também
promove a paz.

Ou seja, à semelhança dos internacionalistas liberalistas, a paz e o comércio estão


interligados e existe, entre os Estados, em função disso mesmo, uma balança de
equilíbrio entre os seus interesses que conduz inevitavelmente à cooperação
internacional. Assim, o panorama de cooperação internacional, desejada pelos
idealistas, o de comunidade internacional, pode ser obtido através da criação de novas
instituições internacionais, que juntamente com a conduta política internacional,
procedem à criação de normas que estabelecem determinados padrões de
comportamento – não admite a Anarquia Internacional.

Para contrariar a forma realista de consideração da sociedade internacional como


anárquica, os idealistas ou universalistas (ou até kantianistas) acentuam a necessidade
da emancipação humana, considerando que as relações internacionais são uma
comunidade internacional que exigiria algo como a já referida Respública Universal.

Por outro lado, o ator central das relações internacionais, sendo os Estados, só ocorre
em função destes serem compostos por indivíduos, sendo os Estados meras instituições
abstratas. Isto significa que a organização política assente no Estado e na soberania
suporta-se na lei, o que coloca o problema da natureza simultaneamente social e não
social do Homem. Para Kant, cada ser humano é social para satisfazer as suas
necessidades de sociabilidade, e não social quando estas necessidades não estão em
causa, por exemplo, a aprovação dos outros. Por isso, o Estado não surge, nem para
Kant, nem para os idealistas, como o fator central, mas antes o indivíduo e a natureza
humana, cujas potencialidades não têm limites, podendo ir até à ação sobre as relações
internacionais.

Isto significa que a organização do ambiente internacional em Estados é abstrata. Mas


tal não traduz um efeito nefasto para a organização estatal, tão-pouco pretende o
Idealismo acabar com essa organização. Simplesmente, esta Escola chama a atenção
para a circunstância dessa divisão em Estados não ser confundida com as obrigações e
os direitos fundamentais, pois estes derivam diretamente da natureza humana que
compõe as unidades estatais.

39
Neste sentido, os idealistas são também individualistas que acreditam no Homem
naturalmente bom (e que o mal está no poder), defendendo o otimismo antropológico.
São, pois, os indivíduos concretos que se relacionam entre si, através do comércio, das
viagens, da difusão das ideias e, até, das guerras, havendo, por conseguinte, laços
transnacionais que unem todos os seres-humanos.

Ao contrário dos realistas, que consideram que a chave da atividade internacional é a


guerra, os idealistas afirmam a cooperação, de modo que a natureza anárquica da
sociedade internacional é ultrapassada, graças à racionalidade e à capacidade de
cooperação dos indivíduos – duas condições humanas – que demarcam os próprios
Estados. Para os utópicos, a conduta política e a condição anárquica da política
internacional podem ser transformadas numa ordem mundial fundada em padrões de
cooperação e interdependência generalizada, já que os utópicos desprezam a política
da balança de poderes, os armamentos nacionais, o uso da força e as alianças e tratados
secretos. Pelo contrário, destacam as obrigações legais internacionais, a natura
harmonia de interesses em torno da paz internacional, e demonstram uma extrema
confiança na razão humana para conduzir as questões, mesmo as mais complicadas.

Ainda que aceitem que a ação dos Estados seja limitada por imperativos morais e
jurídicos, os idealistas consideram que a racionalidade humana permite que os
indivíduos procurem evitar os riscos inerentes à solução unilateral dos conflitos e
procurem, a partir daí, aprender com a sua própria experiência, limitando a ação dos
seus Estados. Essencialmente através da cooperação.

Neste sentido, para o Idealismo, as relações internacionais decorrem no pano de fundo


de uma 4Comunidade Internacional, conceito que, diferente do de sociedade
internacional, pretende significar o sonho de uma sociedade diferente,
verdadeiramente integradora dos Estados e dos restantes atores das relações
internacionais.
4Comunidade Internacional – surge como a imagem de um ambiente
internacional no qual predomina a cooperação entre os atores, sendo o conflito
marginal, a exceção à regra da cooperação generalizada. Sendo os indivíduos os
atores por excelência das relações internacionais, as associações que estes
constituem, incluindo os Estados, apenas existem na medida em que são
compostas por indivíduos, uma vez que, como refere Kant, essas associações,
especialmente os Estados, são entidades secundárias que servem para servir os
homens. As características dessas associações podem ter repercussões
significativas para as relações internacionais, mas o que produz direitos e
obrigações é a essência humana.

Evidentemente, a perspetiva idealista/utópica dominou as Relações Internacionais


durante todo o período do Entre Guerras, preferindo tudo o que era internacional e
desprezando o que era nacional, potencialmente originador de conflitos. Os
acontecimentos eram, desta forma, analisados tendo como referencial os padrões

40
estabelecidos pelas normas e instituições internacionais (e não nacionais), em particular
a Sociedade das Nações (SDN), com um conteúdo largamente normativo.

Em suma, o Idealismo pauta-se pelas seguintes características:

o Sistema Internacional estruturado nos 5 pontos da Conferência de


Versailles, expostos nos “14 pontos” de Woodrow Wilson;
o Acredita e defende a Sociedade das Nações (SDN);
o Assenta na crença de que o Direito Internacional é para ser cumprido
e se as estruturas internacionais não o fizerem então têm de ser
alteradas;
o O pano de fundo do palco das RI é a Comunidade Internacional;
o Segundo Edward Carr, tem duas origens principais:
▪ Iluminismo (do séc. XIII) – contribuiu para a estruturação do
Idealismo na medida em que estabeleceu a fé humana no
progresso e nas instituições internas;
▪ Economia Liberal – aproveitou a capacidade de o indivíduo
acreditar no progresso para realizar tarefas no sentido de
melhorar individualmente e em conjunto com outros
indivíduos o sistema internacional.
o Tem como base a Tese da Emancipação Humana de Kant – o indivíduo
só se realiza plenamente em sociedade e sem indivíduo não há
Estado;
o É uma teoria das RI que valoriza a moral, os valores e tudo aquilo que
é valorativo ao nível das RI, tudo aquilo que é eticamente e
moralmente concreto; daí que o idealismo esteja ligado ao
cumprimento do Direito Internacional;
o Base ideacional do Idealismo (assente nas ideias ou na perceção
empírica) – o Idealismo tem uma forte componente de construção
social devido às várias perceções em que assenta e, por isso, exige
ideologias pós-positivistas no seu estudo.

Y (construção)

holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)

individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo)
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social) 41
(pouco social) (pouco material)
Q: O Idealismo considera a existência de conflito ou considera a existência de
cooperação no Sistema Internacional?

R: O Idealismo considera a existência de cooperação no Sistema Internacional

Idealismo

Cooperação plena entre Estados Utópico

Não existe Anarquia Internacional em termos


teóricos

Não existe nenhuma autoridade superior aos Estados, pelo que


estes vão procurar maximizar o seu poder de modo a garantirem a
sua segurança. Contudo, num cenário de não existência de
Anarquia Internacional, os Estados em vez de maximizarem o seu
poder, cooperam entre si.

Idealismo (anos 20 a 30) → Internacionalismo liberal (votado num 2º plano) → anos


40: predomínio do Realismo pós-2WW.

3. Do Realismo

O Realismo é uma teoria que surge ao mesmo tempo que o Idealismo, mas que nos anos
20 e 30 não tem grande repercussão pelas Escolas Europeias e Norte-Americanas. Isto
deveu-se nomeadamente ao clima que se vivia no pós-I Guerra Mundial, clima este de
“queremos paz a qualquer custo”. Assim, como se moviam todos em direção da paz,
então vivia-se na generalidade numa utopia idealizada, assente na crença de que,
perante a possibilidade de se alcançar a paz e de se cumprirem certos princípios, não
voltará a surgir outra grande guerra.

42
Porém, após a II Guerra Mundial, o Realismo ganhou dinâmica, dada a emersão de um
período de antagonismo entre dois blocos e não de um período de utopia, como se
idealizava. A SDN (Sociedade das Nações), não apoiada pelos EUA, seus fundadores,
falha no cumprimento do seu principal objetivo e surge outra tamanha atrocidade (2ª
Grande Guerra). Não tendo percorrido as diretrizes em alinhamento com a história, o
Idealismo perde adesão em detrimento do Realismo, a teoria que, tal como revelava a
altura, considerava um conflito eminente.

Contudo, vale destacar que o Realismo considera o conflito eminente, mas não o
defende. O conflito eminente pode acontecer em qualquer altura/momento devido à
anarquia internacional permanente (“dilema da segurança”).

▪ Dilema da segurança: os Estados atuam sempre tendo em conta que no sistema


internacional existem, tal como eles, outros Estados, que agem da mesma forma,
logo vão estar preparados para um eventual conflito. Assim, para garantir a
segurança, todos os Estado se armam, caminhando em direção a uma corrida
armamentista. Assim se afirma que os Estados vivem na chamada Anarquia
Internacional.

De forma oposta aos idealistas, para os realistas, a política internacional é um estado de


natureza em que cada Estado se assume como lobo numa guerra de todos contra todos.
Neste sentido, o único ator das Relações Internacionais, com direito de intervenção, é o
Estado soberano (“autoridade suprema exercida sobre uma população e num
determinado território, com base num conjunto de leis, instituições e tradições”).

Como cada Estado tem autoridade suprema sobre uma população e um território,
qualquer autoridade termina onde começa o território e a população de outro Estado,
sendo certo que a soberania é a principal característica do Estado e não está limitada,
nem pela moral, nem pelo direito, apenas é passível de autolimitação. Não havendo um
poder superior ao Estado, uma autoridade acima do Estado, não pode haver regras
internacionais de convivência, de modo que o conceito de injustiça também não pode
existir. Assim, num ambiente interestatal, cada Estado é juiz, parte e executor dos
eventuais conflitos com outros Estados – existe Anarquia Internacional.
1Anarquia Internacional é, então, uma condição permanente do ambiente interestatal,
não significando desordem generalizada ou permanente, mas tão somente a
inexistência de uma autoridade superior à soberania dos Estados, pelo que, em última
análise, cada Estado depende unicamente de si próprio e utilizará os meios que tiver à
sua disposição para promover os seus interesses.
1Anarquia Internacional – define-se como um espaço de leis próprias e
inalteráveis, no qual predomina o poder e distribuição de capacidades entre os
agentes, sendo certo que essa natureza anárquica do sistema internacional
resulta deste comportamento das unidades em busca de mais e mais poder e da
sua preocupação com a distribuição de capacidades e não o contrário, sendo
uma teoria reducionista (focada no comportamento dos agentes) e não sistémica

43
(focada no todo, resultado das leis que determinam o funcionamento do
sistema).

Em último caso, cada Estado é responsável pela sua própria segurança e sobrevivência.
Neste contexto, tentando garanti-las através da luta pela defesa e concretização dos
seus interesses, conclui-se que os interesses de cada Estado pressupõem a exclusão dos
interesses dos outros Estados. No entanto, esta não é uma luta igualitária, sendo que os
Estados não são todos iguais e os mais importantes são as grandes potências – existe
uma hierarquia dento da anarquia internacional.

o O poder de um Estado é medido de acordo com a forma como elabora a sua


política externa, pela obtenção e manutenção do seu poder, do seu território, da
sua população, recursos militares, etc., tudo aquilo que for quantificável e
material é do interesse dos realistas.

Defendo a tese de nascimento do Estado, “estado de natureza”, na qual se entende uma


liberdade total dos Estados, e cada um age de acordo com os interesses que pretende
ver respondidos e com o poder que ambiciona manter e aumentar. Assim, o Realismo
associa-se às teses de nascimento do Estado (estando mais próximo da de Hobbes), as
denominadas teses do Contrato Social, no qual os indivíduos entregam os seus direitos
ao Estado para que este zele por ele.

Em suma, o Realismo pauta-se pelas seguintes características:

o O pano de fundo das Relações Internacionais para os realistas é a


Anarquia Internacional.
• Obs: a anarquia internacional não é o caos, é um espaço de
leis próprias nas quais os Estados vivem e é criada pelo
comportamento de estes irem à procura de mais armamento
para garantirem a sua segurança. É esta procura e a
inexistência de uma autoridade superior à soberania dos
Estados que faz com que exista a anarquia internacional.
o O ator principal é o Estado, único ator com direito legítimo à
intervenção, podendo também ser consideradas as instituições
internas (somente se defenderem os interesses de um Estado) → o
Estado é ator por excelência das RI e atua tendo em conta a sua
soberania e interesse.
o Visão Positivista: o realismo assenta numa visão racional, positivista
porque olha para a realidade empírica como um dado empírico, de
uma forma concreta, ao contrário da visão pós-positivista do
Idealismo que assenta em perceções, culturas, tradições, etc.
o O Estado na política internacional é o “lobo um do outro”. O Estado é
soberano e, portanto, autor, juiz e defensor dos seus próprios atos e
interesses. Nada limita a ação do Estado sem ser a sua própria
autolimitação.
o Tem como influências clássicas:
44
•Tucídides: A guerra entre Atenas e Esparta foi motivada por
questões materiais e não ideológicas – a força e o poder – uma
vez que Atenas colocava em causa a independência de
Esparta.
• Maquiavel (“O Príncipe”): “a guerra é a verdadeira profissão
de quem governa”. Os realistas veem a guerra como a chave
da atividade internacional, surge de forma natural num
contexto em que cada Estado luta pelos interesses
divergentes e servindo como forma para equilibrar a balança
de poderes. Para além disso, defendem a sobrevalorização de
meios materiais, nomeadamente o poder, em relação aos
ideais, na forma como estes influenciam o sistema
internacional.
o Hans Morgenthau faz do Realismo uma teoria mais forte do que
qualquer outra teoria das Relações Internacionais, através dos
famosos “6 pontos do Realismo Político”
• 1º Princípio: a política obedece a princípios objetivos e
racionais, constantes numa determinada época, pois resultam
da natureza humana;
• 2º Princípio: conceito de interesse em termos de poder – a
política é o resultado da ação humana, realizada com base nos
interesses que os Estados designam em função do poder.
• 3º Princípio: o Realismo parte do princípio de que o seu
conceito-chave é o interesse definido como poder, e isso
constitui uma categoria objetiva que é universalmente válida,
não sendo isto fixo ou permanente, isto é, o interesse não é
imutável, podendo sofrer alterações. A única coisa que é
imutável é a caracterização da política como defesa dos
interesses através do poder.
• 4º Princípio: o realismo político é consciente da significação
moral da ação política. Não nega a moral na ação política,
aliás, os indivíduos podem agir de acordo com princípios
morais se assim o entenderem, mas os princípios morais não
podem guiar as ações dos Estados. Os estadistas não se
podem deixar guiar por ações de carácter moral porque
estarão a pôr em causa os seus cidadãos.
• 5º Princípio: o realista político recusa-se a identificar as
aspirações morais de uma determinada comunidade com as
leis morais que governam o universo. Não há relativismo
moral e as leis morais do Estado não se podem sobrepor às
leis morais universais (é aqui que surge o conflito).
• 6º Princípio: o realista político sustenta a autonomia da esfera
política. Ele raciocina em termos de interesse definido como
45
poder, na medida em que cada esfera de ação tem os seus
próprios princípios para agir/raciocinar. Cada esfera humana
tem os próprios princípios de ação humana.

O Realismo apresenta, assim, uma dimensão positivista e material, pois assume a


existência de uma realidade objetiva que é independente das representações mentais e
das perceções humanas, contrariamente ao Idealismo. O Realismo faz uma abordagem
positivista e empírica das forças materiais em relacionamento entre poderes políticos
soberanos.

Y (construção)

holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)

individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo)
Realismo
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)

4. Do Internacionalismo Liberal

Contexto histórico

A estruturação do novo sistema internacional pós-I Guerra Mundial deveria, para o


Internacionalismo Liberal, assentar na retoma da ordem liberal praticada no sistema
internacional e promovida pelo Reino Unido no século XIX, já que esta ordem havia
produzido estabilidade e crescimento, havendo harmonia de interesses entre os
Estados. Assim, após o conflito, não havia, da parte destes, razões que os levassem a
procurar outras fórmulas de organização do sistema internacional.

A novidade do pós-I Guerra Mundial era a Sociedade das Nações (SDN), mas sem a
participação dos EUA, a política internacional continuou a ser conduzida pelas mesmas
potências dentro dos mesmos padrões do século XIX, quando na realidade o ambiente
era profundamente diferente e nenhum dos fundamentos que compunham a ordem do
pós-I Guerra Mundial eram compatíveis com a realidade anterior à guerra.

O único ponto em comum é a permanência da ideia de que, tal como havia no século
XIX, os fundamentos da nova estrutura institucional internacional originariam uma
46
ordem internacional baseada na harmonia natural de interesses entre Estados. Esta
crença absoluta na harmonia natural dos interesses dos Estados levou académicos e
estadistas a apostar no valor da educação, encarada como meio de combater a
ignorância, a principal causa da incapacidade de ver a harmonia dos interesses entre
Estados.3

Este novo pensamento, chamado de Internacionalismo Liberal, representa a adaptação


dos princípios políticos liberais à gestão do sistema internacional, através da promoção
de regimes políticos democráticos para compor as estruturas institucionais
internacionais que a guerra havia desmontado. Tendo um impacto considerável na
teoria das Relações Internacionais após a I Guerra Mundial, o internacionalismo Liberal
formou-se, contudo, na base de uma tradição muito mais antiga, que partilha com o
Idealismo o pensamento kantiano. Afinal, Kant acredita na possibilidade da “paz
perpétua e universal” assente na emancipação da natureza humana.

Após a II Guerra Mundial, o Internacionalismo Liberal viria a ser marginalizado em


função do falhanço do Tratado de Versailles e da consequente ascensão, após a II Guerra
Mundial, do Realismo do pós-guessa. Na década de 1970, com as teses do
transnacionalismo e da interdependência e, depois, na década de 1980 sob a forma do
neoliberalismo, as ideias liberais viriam a ganhar nova relevância, porém, já sem as
influências idealistas originais do Internacionalismo Liberal. O fim da Guerra Fria e a
globalização, com a onda de democratização que varreu o mundo um pouco por todo o
lado, dariam ao liberalismo um novo ímpeto, ainda que mantendo afastadas as matrizes
idealistas do original Paradigma Liberal.

O tema central do Liberalismo, em todas as suas formas, é a noção da harmonia ou


equilíbrio entre interesses em competição. Indivíduos, grupos ou Estados podem
prosseguir o seu próprio interesse, mas um equilíbrio natural tende a existir, ao mesmo
tempo que os interesses em competição tendem a entrar em complementaridade, de
modo que o conflito nunca se torna irreconciliável. Afinal, a paz e o comércio, à velha
moda do século XIX, continuam ligados em formatações mais modernas, de modo que
se acredita que, nas relações entre os Estados, ao nível do sistema internacional, tende
a desenvolver-se uma balança de interesses que conduz à paz e à cooperação, aqui
surgindo o vetor idealista do liberalismo original.

Diretrizes teóricas

No pós-I Guerra Mundial, o Internacionalismo Liberal tendeu a desenvolver-se enquanto


uma via intermédia entre as duas grandes e totalmente opostas teorias de Relações
Internacionais existentes: a que vinha demarcando, embora não sistematizada, o
comportamento dos agentes internacionais, o Realismo, e o Idealismo, que então
ascendia à teoria mais apropriada ao ambiente pós-conflito mundial. Com efeito,

3
Interessante notar que estas ideias eram particularmente vigorosas nos EUA e no Reino Unido, já que
estes países haviam sido menos devastados pela guerra e estavam, por conseguinte, mais dispostos a ver
além das questões imediatas e, por outro lado, porque a natureza anárquica do sistema internacional lhes
parecia particularmente absurda, a eles, com tradições liberais.
47
enquanto os realistas consideram que os únicos atores das relações internacionais são
os Estados e os idealistas enfatizam os indivíduos, os internacionalistas liberais adotam
uma postura intermédia, defendendo que os Estados são membros imediatos da
sociedade internacional, porque os indivíduos apenas nela participam por intermédio
dos Estados de que são cidadãos.

Assim, há intercâmbios económicos e sociais entre os Estados, embora a vida


internacional não seja, nem conflito (Realismo) nem cooperação (Idealismo), mas sim
um jogo que se revela, ao mesmo tempo, distributivo e produtivo.

A ação dos Estados está condicionada por regras comuns e por instituições, porque os
indivíduos, no seio dos Estados, tendem a transformar os procedimentos que se revelam
capazes de evitar, solucionar ou limitar os conflitos em normas, o que significa que este
Internacionalismo Liberal estará na base do que, nos anos 1960-1970, viria a ser a Escola
Inglesa.4

Neste contexto, o Estado surge da decisão racional dos indivíduos quando estes
renunciam à conservação e à acumulação ilimitada e unilateral de riquezas e decidem
erigir normas de convivência capazes de evitar, solucionar ou limitar os conflitos de
interesses e sancionar ou punir aqueles que não obedeçam a essas normas. Assim, o
princípio que se exprime quando a experiência dos conflitos ensina a procurar normas
que os evitem ou quando a experiência da cooperação ensina a aperfeiçoar a
experiência anterior é o de que a resultante geral será uma tendência de sociedades
humanas para caminhar na direção de uma ordem política à qual os conflitos de poder
acabam por se subordinar.

Assente na referência clássica mais antiga de Hugo Grocius e na referência moderna que
pode ser lida em John Locke, os internacionalistas liberais consideram que o pano de
fundo no qual decorrem as interações entre os atores das relações internacionais é o da
1Sociedade Internacional.

1Sociedade Internacional – existe quando um grupo de Estados, que tem consciência de


interesses e valores comuns, forma uma sociedade, no sentido de se considerarem
interligados por um conjunto de regras comuns que orientam as suas relações e que
partilham no trabalho das instituições comuns.

A Sociedade Internacional existe por oposição à Anarquia Internacional, mas sem chegar
ao extremo de cooperação da Comunidade Internacional, quando os Estados
reconhecem certos interesses comuns e, possivelmente, alguns valores comuns, e se
consideram obrigados a cumprir certas regras.

Em suma, o Internacionalismo Liberal pauta-se pelas seguintes características:

4
No fundo, para esta conceção internacionalista, os indivíduos, através dos Estados, procuram encontrar
formas de conservar e acumular riquezas sem contrariar os interesses de terceiros e de cooperar
mediante normas que os protejam daqueles que não aceitam limitar a expansão dos seus interesses
diante dos interesses de terceiros.
48
o Apresenta influências tanto do Idealismo como do Realismo, sendo
considerada uma visão intermédia entre ambas.
o O pano de fundo das Relações Internacionais para os
internacionalistas liberais é a Sociedade Internacional.
o Valoriza a existência de ordem, através da criação de regras, normas
e organizações internacionais.
o Aproxima-se bastante do Idealismo pois valoriza, de forma muito
significativa, a emancipação do Homem, mas não tanto pelos seus
ideais e pensamentos, e mais pela capacidade que têm de
desenvolver o comércio através do progresso, aproximando-se um
pouco da visão realista – also, influência idealista de que a natureza
humana é suscetível ao progresso.
o Formou-se com base na tradição mais antiga que partilha com o
Idealismo – o pensamento kantiano, assente na emancipação
humana.
o Os atores do internacional não são nem somente o Estado (Realismo),
nem o indivíduo (Idealismo) – o Estado é o principal ator das relações
internacionais, mas a sua existência resulta do facto de ser formado
por indivíduos, sendo estes atores das relações internacionais por
intermédio dos Estados de que são cidadãos.
o A vida internacional é simultaneamente, mesmo que em momentos
distintos, distributiva e produtiva, não existindo sempre conflito
(Realismo) ou cooperação (Idealismo).
o O Liberalismo Internacional representa, no fundo, a adaptação dos
princípios políticos liberais em relação à forma de gestão do
internacional e defende a promoção de regimes políticos
democráticos como forma de reconstruir o que a 1º Guerra Mundial
destruiu.

5. Do 1ºGrande Debate da Teoria das RI

✓ Idealismo//Realismo//Internacionalismo Liberal
✓ Existe Anarquia Internacional?
• Idealismo → Não
• Realismo → Sim
• Internacionalismo Liberal → Não existe nem deixa de existir. Existe uma
sociedade internacional regrada e com valores, costumes, tradições,
cultura, etc.
✓ Contexto: pós-I Guerra Mundial

As diferenças, opostas e irreconciliáveis, entre o Idealismo e o Realismo, marcaram o


tom do primeiro grande debate na teoria das Relações Internacionais. O mote da
divergência reside na natureza anárquica do sistema internacional, assentando:

49
▪ Por um lado, na forma como cada Escola admite, ou não, que o sistema
internacional tenha capacidade para anular essa tendência anárquica.
▪ Por outro, na forma como cada um define os processos e os instrumentos
empregues pelos atores que agem no cenário internacional.

Assim, para o Realismo, o sistema internacional assenta na anarquia internacional, visto


que esta é inultrapassável, enquanto, em contraste, para o Idealismo o sistema
internacional manifesta-se como uma comunidade internacional, por assentar na
cooperação.

Nota: o dualismo Idealismo versus Realismo é, neste sentido, um dualismo


ontológico, do domínio da realidade identificada como relevante, dos processos e das
estruturas que lhe dão forma. É, simultaneamente, um dualismo epistemológico, que
deriva da impossibilidade de julgar as pretensões relativas ao conhecimento dessa
realidade.

Internacionalismo
Idealismo Realismo Liberal
Pano de fundo do
Sistema Comunidade Anarquia Sociedade
Internacional Internacional Internacional Internacional
Principal ator das
relações Indivíduo Estado Indivíduo e Estado
internacionais
Visão da natureza Otimista Pessimista Otimista
humana Antropológico Antropológico Antropológico
Conflito e
Conflito/Cooperação Cooperação Conflito iminente Cooperação

Se o Idealismo se associa às representações mentais e, por isso, à dimensão ideacional


da política internacional, faz apelo às abordagens pós-positivistas, enquanto o Realismo
assume uma realidade objetiva diferente dessas representações mentais, uma realidade
material e positiva, fazendo, por conseguinte, apelo às abordagens positivistas,
empiristas.

Assim, quando se fala do espaço político internacional, surgem inevitavelmente as


seguintes questões:

▪ Trata-se de um espaço que distingue pela distribuição de forças materiais (poder,


interesses e distribuição de capacidades) ou fala-se antes de um espaço de paz,
de justiça, identidade e bem-estar material?
▪ É um espaço de leis próprias e inalteráveis ou sujeito a mudanças? De uma
sociedade internacional, à maneira dos cultores do Direito Internacional.

50
Na verdade, Edward Carr deixa claro que, quando as Relações Internacionais nascem,
nascem após uma grande guerra, marcadas pelo desejo utópico de evitar outra guerra.
As Relações Internacionais nascem, portanto, como uma disciplina marcadamente
utópica, ainda que o Realismo, não sistematizado, fosse, até então, a visão
predominante e de comportamento dominante nas relações internacionais. Contudo,
até à II Guerra Mundial, o Idealismo iria predominar como Escola das Relações
Internacionais.

Na realidade, se os idealistas e os liberais têm uma visão positiva da natureza humana,


os realistas apresentam uma visão pessimista, sendo a via intermédia a dos cultores do
Direito Internacional, aqueles que, sem cair nos exageros da Comunidade Internacional,
também não consideram que a Anarquia Internacional seja total, havendo elementos
de ordem que a ordenam através da coordenação do comportamento dos agentes,
como o Direito Internacional, o comércio internacional, a diplomacia, e muitos outros,
existindo, assim, algo como aquilo que a Escola inglesa virá, mais tarde, denominar de
Sociedade Internacional.

Capítulo 7) Anos 1980


1. Regimes Internacionais

Em paralelo com a vaga neorrealista dos anos 1980, com origem nas teses neorrealistas,
mas também nos trabalhos desenvolvidos nos anos 1970 sobre o transnacionalismo e a
interdependência, surge, ainda na década de 1980, o conceito de regime internacional,
cuja definição mais comumente utilizada é a de Stephen Krasner.

Na verdade, o conceito de regime internacional vem tentar conciliar elementos que até
então pareciam irreconciliáveis, contraditórios até. A ideia de regime internacional parte
do pressuposto neorrealista da estrutura, considerando que o estudo da política
internacional deve centrar-se sobre as regras eternas do sistema internacional
(anarquia), visto serem estas responsáveis pelo comportamento das unidades (Estados).

Ao pegar nesta ideia, Krasner acrescenta-lhe a colaboração dos teóricos da cooperação


internacional, transnacionalistas, já que, nos anos 1980, era impossível negar a
importância da cooperação internacional. Assim, Krasner procura estudar o
funcionamento e a evolução dos processos de cooperação internacional partindo da
importância primordial dos Estados nesses processos, conciliando, desta forma, os
pressupostos estatocêntricos do Neorrealismo com os pressupostos da cooperação
internacional dos transnacionalistas.

A tarefa de Krasner é levada a cabo através do conceito de regime internacional:

Regime internacional – para Krasner são princípios, normas, regras e


procedimentos de decisão em torno dos quais convergem as expectativas dos
atores. Por princípios, Krasner entende o conjunto de premissas teóricas sobre
como funciona o sistema internacional, enquanto as normas especificam os

51
padrões de comportamento. As regras e os procedimentos de decisão, por sua
vez, definem como será o comportamento dos atores em áreas claramente
identificadas.

A ideia central do regime internacional é, por conseguinte, a de que grande parte


do relacionamento internacional acontece segundo regras preconcebidas
(escritas ou não) consideradas de benefício mútuo para os atores que decidem
participar no regime internacional em causa (ou pelo menos para os atores mais
importantes desse regime).

Para haver a formação do regime internacional é preciso que os atores, num domínio
específico do seu relacionamento, considerem importante criá-lo. O mesmo é dizer que
as expetativas desses atores convirjam para o mesmo sentido. Isto terá impactos sobre
o comportamento dos atores, pois é esta convergência de expetativas que determina
que estes atores queiram criar o regime na área específica do seu relacionamento (um
relacionamento interestatal, portanto internacional).

Como neorrealista que é na década de 1980, Krasner considera que os atores de que
fala na sua definição de regime internacional são os Estados e todo o seu argumento
assenta sobre a lógica neorrealista de que os Estados constroem ou procuram alterar os
regimes internacionais segundo os seus interesses, calculados de modo racional. Porém,
como na definição de Krasner aparece a referência “atores” e não “Estados” de modo
preciso, teóricos não-neorrealistas vêm considerando, como “atores” não apenas os
Estados, como também as organizações internacionais, entre outros.

Isto significa, por conseguinte, que o conceito de regime internacional, apesar de ter
uma origem neorrealista, tem vindo a ser utilizados por autores de outras Escolas das
Relações Internacionais. Se o conceito nasce com Krasner em meados da década de
1980, ele virá a ser muito utilizado ao longo da década seguinte pelos construtivistas,
estruturalistas e pós-estruturalistas, bem como pelos institucionalistas neoliberais com
origem nas Perspetiva Transnacional.

• Se se utilizar a perspetiva estatocênctrica, o conceito de regime internacional


estará a ser utilizado no âmbito da abordagem neorrealista. Porém, se se atribuir
aos regimes internacionais um grau de autonomia que entra em conflito com o
estatocentrismo neorrealista, o conceito estará a ser utilizado por outras
abordagens das Relações Internacionais.
• O entendimento dos estruturalistas centra-se na ênfase dada às estruturas de
poder menos visíveis, designadamente os interesses económicos associados ao
capitalismo, que determinam, para esta abordagem, o comportamento dos
atores, que não são, primordialmente, os Estados, mas antes, precisamente, as
forças de poder menos visíveis (os interesses em jogo).
• Por sua vez, o entendimento dos institucionalistas centra-se no estudo da
cooperação internacional através da valorização das instituições internacionais,
à maneira de Keohane, Nye e John Ruggie.

52
• O entendimento dos construtivistas centra-se na busca pelo entendimento do
processo de desenvolvimento histórico dos conhecimentos, convicções e
entendimentos partilhados, porque estes é que moldas, segundo esta
abordagem das Relações Internacionais, o 10 entendimento humano, tal como
defendido por diversos autores construtivistas, entre eles Wendt.

Deste modo, frente às interpretações posteriores que viriam a ser feitas ao conceito de
regime internacional e respetivas utilizações, é possível sistematizar o entendimento de
cada abordagem relativamente ao conceito de Krasner:

• Assim, se os neorrealistas consideram que os atores das relações internacionais


são os Estados, sendo os restantes irrelevantes ou meros instrumentos nas mãos
dos Estados, os estruturalistas, preocupados com as configurações institucionais
dos principais interesses em jogo, sobretudo capitalistas, bem como os
institucionalistas, dão importância primordial, enquanto atores dos regimes
internacionais, aos atores não estatais, embora não excluam os Estados. Os
institucionalistas neoliberais aceitam, assim, que nos regimes internacionais
participem todos os tipos de instituições internacionais, mesmo as de carácter
não formal.
Para os neorrealistas, que consideram apenas como atores dos regimes o
Estados com interesses permanentes, os regimes são criados e moldados pelos
Estados que, em função dos seus interesses racionais, entram assim num
processo de negociação.

• Já os construtivistas da década de 1990 consideram que a própria participação


dos atores, sejam estes quais forem, nos regimes internacionais (que são
evolutivos e não estáticos) é mais um dos fatores históricos que contribuem para
a forma como esses atores vêm a sua participação na vida internacional. Afinal,
o construtivismo está centrado no processo de criação, difusão e evolução das
ideias, sejam estas quais forem.
Ademais, os neorrealistas, que vêm os Estados como agentes
maximizadores dos seus interesses e não como participantes numa sociedade
internacional ou numa comunidade internacional, apresentam a tendência para
adotar um conceito restrito de “regra”, o que afunila a discussão dos regimes
internacionais apenas para tratados internacionais e acordos internacionais com
conteúdo jurídico escrito.
Assim, para os neorrealistas, só há regime internacional se houver
tratados ou acordos internacionais, o que reforça o papel dos Estados enquanto
sujeitos de Direito Internacional, logo atores predominantes dos regimes
internacionais.

1.1) Das interpretações do fenómeno da integração europeia

No âmbito do debate em torno da compreensão do fenómeno da integração europeia,


é interessante verificar como variam os discursos. Os institucionalistas neoliberais
53
adeptos do discurso dos federalistas e regionalistas, muito em voga nos anos 1980,
consideram que, a partir do momento que os Estados-membros das Comunidade
Europeia, hoje União, criaram Instituições Comunitárias, deram origem a novas
entidades, novos atores, cuja vontade não resulta da mera soma das vontades dos seus
Estados-membros. As instituições Comunitárias, uma vez criadas, ainda que por Estados,
passam a ser atores autónomos na vida internacional.

✓ De modo contrário, os intergovernamentalistas, mais associados à visão


neorrealistas das Relações Internacionais, consideram que, uma vez tendo sido
criadas pelos Estados-membros da UE, as Instituições Comunitárias só existem
através destes e Estados, atuando meramente no âmbito das tarefas que lhes
foram conferidas pelos Estados-membros.

Assim, não nascem atores autónomos nas relações internacionais, tão pouco a vontade
das Instituições Comunitárias é algo mais do que a mera soma das vontades dos seus
Estados-membros. Mesmo a Comissão Europeia, na qual estão representados peritos
em diversas áreas e não os Estados-membros, não possui essa vontade autónoma, pois
no seio da Comissão Europeia não são decididas as questões verdadeiramente
importantes. Estas são decididas pelos Estados-membros reunidos nos Conselhos.

✓ Os institucionalistas, com uma abordagem, em termos económicos liberal e, em


termos políticos, transnacional, procuram estudar a cooperação internacional
através das instituições internacionais, as quais são, para esta abordagem das
Relações Internacionais, as verdadeiras promotoras do progresso.

Na verdade, na base dos estudos realizados na década de 1970 pelos transnacionalistas


e através da interdependência complexa de Keohane e Nye, os anos 1980
apresentariam, ainda, uma nova abordagem das Relações Internacionais, influenciada,
que pelo transnacionalismo, quer pelas análises neorrealistas de K. Waltz, quer ainda
pelo conceito de regimes internacionais de S. Krasner, que viria a aplicar segundo a sua
própria lógica.

2. Do contexto histórico (bases teóricas)

Na década de 70, o poder dos EUA tinha sido afetado pelas crises petrolíferas, pela
guerra do Oriente e pela crise financeira que deu origem à desvalorização do dólar por
Nixon. Começou por ser uma crise americana que rapidamente se tornou mundial –
levando ao surgimento de teses que valorizam os elementos menos estatais das RI.
Porém, no final de 70, acontece o oposto. No poder nos anos 80 nos EUA é Reagan que
governa com o neoliberalismo (económico) e é ele quem recupera o poder e a
hegemonia norte-americana através de programas militares (Guerra Fria).

Por consequência, os EUA eram muito mais armados. Neste sentido, a teoria das RI
acompanha a conjuntura internacional e é nesta altura que surge o Realismo Estrutural
ou Neorrealismo, formato renovado do Realismo Clássico adaptado aos anos 80 que

54
surge como nova Escola das Relações Internacionais, através do contributo de dois
atores e respetivas obras fundamentais:

• “War and Change in World Politics”, de Robert Gilpin (1930 - …), em 1981

Robert Gilpin reconhece que os desenvolvimentos da vida internacional em plena


década de 1980 recolocavam no cerne das relações internacionais os problemas
recorrentes do conflito e da paz, surgindo como uma figura central do Neorrealismo.

Argumentando que a natureza fundamental das relações internacionais não se alterou


ao longo dos milénios, Gilpin procura identificar as forças responsáveis pela mudança
na ordem internacional, considerando que qualquer alteração na balança de poder
enfraquece as estruturas do sistema internacional existente. No entanto, esta alteração
ocorre, porém apenas quando existe um diferencial no aumento de poder no sistema
internacional. A razão dessa alteração situa-se no comportamento das unidades (os
Estados), já que, aqueles que viram o seu poder reforçado no sistema internacional,
vislumbram benefícios e diminuição de custos com a alteração do sistema.

Por essa razão, os atores procuram alterar o sistema através da expansão territorial,
política e económica, até ao ponto em que os custos marginais da continuação da
alteração sejam maiores que os benefícios marginais da mesma. Isto significa que
quando os Estados conseguem desenvolver um poder capaz de alterar o sistema
internacional de acordo com os seus interesses, eles fá-lo-ão, mas só quando isto lhes
permitir aumentar o seu poder, pois será este a ferramenta que lhes permitirá promover
a alteração em seu benefício, uma alteração que termina apenas quando os custos a
esta associados se tornam maiores que os benefícios.

• “Theory of International Politics”, de Kenneth Waltz (1924-2013), em 1979

Kenneth Waltz, por seu turno, procura construir uma teoria da política internacional a
partir do exame de teorias e abordagens à disciplina das Relações Internacionais até
então existentes, já que considera que estas possuem defeitos que têm de ser
remediados. O objetivo da teoria é, assim, para Waltz, explicar o funcionamento desse
domínio tal como ele existe, e não fazer previsões ou especulações sobre questões que
dele estão fora. O autor é, assim, muito claro quanto ao domínio que pretende
investigar: a política internacional.

O que o autor pretende estudar é a natureza da política internacional, dedicando-se


então ao estudo dos processos recorrentes que ocorrem no sistema internacional (que
são, sobretudo, guerras). O Neorrealismo de Waltz considera que somente uma teoria
sistémica é capaz de explicar a natureza da vida internacional, visto que com uma teoria
reducionista, o todo só é possível de ser apreendido através da análise dos atributos e
das interações das suas partes, daqui resultando que a natureza do todo resultará destes
atributos e comportamentos. Assim, Waltz parte do pressuposto contrário, centrando-

55
se na estrutura do sistema internacional e na distribuição relativa de poder entre as suas
unidades, cujos comportamentos serão resultado da natureza intrínseca do sistema.5

Neste sentido, a natureza intrínseca do sistema internacional é a sua anarquia, e é esta


anarquia que compele as unidades que compõem o sistema a comportar-se de
determinada forma. No fundo, Waltz estabelece a primazia do sistema internacional
sobre os seus componentes, definindo o que ele entende como 1sistema.
1Sistema – algo composto por uma estrutura e por unidades em interação
(enquanto) a estrutura é a componente alargada do sistema que torna possível
pensar o sistema como um todo.

Por outro lado, Waltz considera, pois, que os dois elementos essenciais de uma teoria
sistémica da política internacional são a estrutura do sistema e as suas unidades em
interação. Por conseguinte, ao invés da conceção do Realismo Clássico de que é o
comportamento dos Estados no sistema internacional que determina a natureza
anárquica deste, para Waltz, o comportamento dos Estados no sistema internacional
resulta da natureza (anárquica) deste sistema, pelo que se torna necessário separar o
sistema (em si) das unidades que o compõem (os Estados).

O fundamental para se explicar a natureza da política internacional é, pois, a


consideração de que o sistema internacional é anárquico por natureza – o que
verdadeiramente interessa ao Neorrealismo é identificar as estruturas eternas da
anarquia internacional. Apenas depois de apreendidas estas estruturas eternas é que é
possível construir teorias explicativas do comportamento internacional, isto é, do
comportamento dos Estados no seio do sistema internacional anárquico.6

A teoria da política internacional de Waltz tem, assim, tal como já mencionado, uma
orientação sistémica – dita também estrutural – no sentido em que toma o sistema
internacional como variável dependente, já que procura explicar o sistema de Estados
através dos agregados da população, do território, poder militar, PIB, etc., isto é, através
das capacidades materiais dos Estados integrados num sistema, cujo comportamento
resulta da natureza intrínseca do sistema internacional. O que Waltz enfatiza, por
conseguinte, são poderes causais da estrutura do sistema internacional na explicação
do comportamento dos Estados. Uma teoria com esta orientação distingue-se das
teorias reducionistas do comportamento dos Estados, que enfatizam os fatores relativos
à unidade e ao nível de análise, como a psicologia dos decisores políticos ou a política
doméstica.

5
As alternativas são duas: as teorias das relações internacionais que concentram as causas no nível
individual ou nacional, que são reducionistas, e as teorias que concebem as causas como operando
também ao nível internacional, que são sistémicas.
6
O interesse de Waltz é pelo estudo da estrutura e do efeito que esta origina sobre os sistemas de Estados
no âmbito do sistema internacional. Neste sentido, a teoria da política internacional de Waltz distingue-
se das teorias da política externa, que têm por objetivo de estudo explicar o comportamento individual
dos Estados.
56
Se as teorias sistémicas explicam a política internacional por meio da estrutura
do sistema internacional, as teorias reducionistas explicam a política
internacional por meio das propriedades dos agentes (Estados) e das interações
que estabelecem entre si, diminuindo a importância das forças causais em
diferentes níveis de análise.

Assim, podemos concluir que o Neorrealismo de Waltz, estrutural, é claramente


sistémico no sentido em que enfatiza as propriedades da estrutura, que é anárquica e
possui uma determinada distribuição de capacidades.

3. Do Neorrealismo ou Realismo Estrutural

É verdadeiramente Kenneth Waltz o principal responsável por cunhar o Neorrealismo


ou Realismo estrutural, cuja principal característica é a consideração de que o sistema
internacional é anárquico, e que é a anarquia do sistema internacional que faz com que
os Estados se comportem de uma determinada maneira, consoante a procura por mais
poder.

O Neorrealismo de Waltz revela interesse pelas estruturas fundamentais e eternas do


sistema internacional, o que leva a que esta Escola das Relações Internacionais seja
também denominada de Realismo Estrutural, havendo um casamento entre o
sistemismo behaviorista e o Realismo tradicional. Partindo das premissas da natureza
anárquica do sistema internacional e do comportamento dos Estados ser resultante
dessa natureza anárquica, Waltz elabora a sua teoria da política internacional assente
nos seguintes fundamentos.

• As variáveis domésticas dos Estados não têm relevância, sendo que a única
qualidade intrínseca dos Estados que importa ter em conta é o poder relativo,
isto é, o lugar que cada Estado ocupa na hierarquia das potências, resultado da
distribuição das capacidades internacionais;
• O comportamento dos Estados é compreendido olhando para a estrutura
anárquica do sistema internacional (estrutura esta que enquadra a política
internacional) e para o lugar que cada um ocupa na hierarquia de poder (ou
distribuição de capacidades). Estes são os únicos fatores que delimitam os
possíveis destinos dos Estados.

Para ilustrar a questão das variáveis na teoria de Waltz, Hedley Bull coloca a
questão: “Se, no fim da II Guerra Mundial, a URSS estivesse fragilizada e a Grã-
Bretanha estivesse fortalecida, qual teria sido o destino do sistema internacional:
a paz entre as superpotências hipotéticas (EUA e Grã-Bretanha) ou a tensão entre
as mesmas?”

➢ Segundo Hedley Bull, numa situação dessas não teria havido Guerra
Fria, nem qualquer outra espécie de situação de tensão, uma vez que
os EUA e a Grã-Bretanha são culturalmente e ideologicamente

57
próximos e possuem uma intensão relação comercial, além de outros
fatores de ligação.
➢ Segundo Kenneth Waltz, ocorreria o contrário. Teria havido, ou
Guerra Fria, ou outra situação qualquer de tensão entre os EUA e a
Grã-Bretanha, tal como houve entre os EUA e a URSS, visto que os
fatores apontados por Bull de proximidade cultural, ideológica,
comercial, etc. são de pouca relevância quando comparados com a
estrutura do sistema internacional e o poder relativo dos Estados.
Nesta situação hipotética, os EUA e a Grã-Bretanha entrariam numa
corrida pela maximização do poder relativamente ao outro, visando
assegurar uma segurança considerada sempre ameaçada.

• Conceito de poder: para Waltz, o Realismo Clássico utiliza o conceito de forma


vaga e imprecisa, considerando que o poder é, ao mesmo tempo, objetivo e meio
para atingir outros objetivos, havendo uma propensão dos homens (logo,
também dos Estados) para acumular poder. O realismo Estrutural vem corrigir
algumas imprecisões, considerando que o poder é apenas um meio para atingir
objetivos (não sendo um objetivo em si), com diversas vantagens.
• Num sistema internacional anárquico no qual a competição é desregulada, a
guerra está sempre presente. Todavia, como refere Waltz, “a guerra ocorre
ocasionalmente [pois] apesar de num dos seus aspetos a guerra é, muitas vezes,
erradamente tomada como indicador de que o próprio sistema quebrou”,
quando, na verdade, na maioria dos casos, o que houve foi apenas um
ajustamento dentro do sistema. Isto significa que, embora sublinhe a
continuidade na política internacional, o Neorrealismo não nega a existência da
mudança, mas refere que a mudança dentro do sistema internacional ocorre
sobretudo quando se verificam alterações na configuração de poder (em
especial o poder militar).
Ou seja, a mudança ocorre quando as principais potências do sistema
internacional caem ou outras ascendem a essa categoria, pois estes dois
fenómenos produzem uma deslocação da balança de poder, originando
alterações no sistema internacional.
• As principais potências do sistema internacional são aquelas que detêm sempre
a responsabilidade da gestão do sistema internacional em seu benefício. Pela sua
posição diferenciada no sistema internacional, estas grandes potências
empreendem tarefas que os outros Estados não têm, nem o incentivo, nem a
capacidade para desempenhar, sendo tais tarefas, segundo a ordem decrescente
de importância referida por Waltz, a transformação ou a manutenção do
sistema, a preservação da paz e a gestão dos problemas económicos comuns,
entre outros.

58
Apesar de ter sido recebido com entusiasmo nos EUA, a Escola Neorrealista não ficou
imune a críticas provenientes de vários quadrantes teóricos. As principais críticas tecidas
ao Neorrealismo foram:

1) Relutância em reconhecer outros atores das relações internacionais para além


dos Estados, sendo as organizações internacionais consideradas entidades ao
mero serviço dos interesses nacionais dos Estados-membros, joguetes nas mãos
dos Estados;
2) A anarquia produz fortes limitações à possibilidade de se pensar e praticar a
cooperação internacional. Esta pode existir e o Neorrealismo não nega, de facto,
a sua existência. Contudo, a firme convicção de que ela apenas ocorre quando
as circunstâncias o permitem limita muito a verdadeira possibilidade da mesma
ocorrer. Afinal, para os neorrealistas a cooperação internacional só existe
quando beneficia os interesses dos Estados, e quando não ocorre uma situação
em que os ganhos relativos de um Estado sejam superiores aos ganhos relativos
de outros Estados;
3) Negação do conceito de entidade supranacional;
4) Falta de interesse pela constituição histórica dos contextos do próprio sistema
internacional, não considerando sequer relevantes os processos históricos que
conduziram à formação dos Estados Modernos – as unidades que compõe o
sistema internacional.
• Isto resulta da primazia dada aos elementos de continuidade,
muito embora os neorrealistas aceitem a mudança.

Assim, comparando o Realismo Clássico com o Neorrealismo ou Realismo Estrutural,


enquanto os primeiros dão importância aos processos da natureza humana, os
neorrealistas desprezam estes processos. Afinal, os realistas clássicos procuram
encontrar as regras eternas de funcionamento do sistema internacional através do
estudo do comportamento das suas unidades, os Estados, cuja ação está ancorada na
natureza humana. Por seu turno, os neorrealistas só querem procurar as regras eternas
da estrutura anárquica do sistema internacional, que não resultam do comportamento
das suas unidades, antes são responsáveis pela forma como estas atuam.

Em suma, o Neoliberalismo pauta-se pelas seguintes características:

• Tem como pai Kenneth Waltz, tendo contribuído também para o


erguer da sua base o autor Robert Gilpin.
• Parte da premissa que o sistema internacional é anárquico por
natureza e o comportamento dos Estados dentro do sistema
internacional em busca de mais poder para satisfazerem os sues
fins é resultado/consequência de o sistema internacional ser
anárquico.
• Procura identificar as forças responsáveis pela mudança na ordem
internacional, considerando que qualquer alteração na balança do
poder enfraquece as estruturas do sistema internacional. Essa
59
alteração provém do comportamento dos Estados pois são estes
que veem o seu poder reforçado, vislumbrando benefícios e a
diminuição de custos.
• Considera que o sistema internacional é anárquico por natureza,
contrapondo-se ao Realismo que diz que o comportamento dos
Estados tem como consequência que o sistema internacional seja
anárquico.
• O seu verdadeiro objetivo é estudar quais são as regras internas
da anarquia internacional e aferir quais são as estruturas eternas
dessa mesma anarquia internacional.
• Apresenta um novo conceito do poder. O conceito de poder
segundo o realismo clássico é um conceito considerado como
meio para alcançar objetivos e o objetivo em si mesmo. Os
Estados querem poder para serem mais poderosos que os outros.
o O poder não é um objetivo em si mesmo, o poder é
apenas um meio utilizado pelos Estados para
conseguirem alcançar os seus fins;
o Os Estados demasiado poderosos devem dividir o
seu poder e dar ideias aos demais Estados de que o
seu poder está dividido.7
o O que interessa ao Neorrealismo é o poder relativo
que cada Estado tem ao nível do sistema
internacional. Não interessam as características
internas do Estado, só a população em bruto, o PIB,
território, armamento, etc., ou seja, o poder
relativo.
• As variáveis domésticas dos Estados não são relevantes para a
análise neorrealista. A única qualidade que importa é o seu poder
em relação aos outros Estados, havendo um contexto de
hierarquia de potência (“lei do mais forte”).
As 2 variáveis explicativas do comportamento dos atores
(Estados) no sistema internacional são:
o A estrutura anárquica do Sistema Internacional
o A distribuição de capacidades nesse sistema
Desta forma, fatores ideológicos, comerciais ou culturais são
vistos pelos neorrealistas como fatores que exercem uma
influência residual no comportamento dos atores, que são os
Estados.

7
Waltz considera que um Estado que consiga acumular uma grande quantidade de poder em relação aos
outros Estados deverá procurar distribuir esse poder entre os aliados para conseguir manter a sua posição
de liderança durante mais tempo – posição que seria ameaçada se, frente a tanto poder, os outros Estados
optassem por construir coligações (negativas) para contrabalançar ou mesmo opor-se a esse Estado
demasiado poderoso.
60
• No Neorrealismo, o Estado é o ator por excelência das RI, visto
que é ele quem nos dá uma visão do sistema internacional
enquanto possivelmente conflituoso. Porém, os académicos desta
Escola até consideram a possibilidade de existir cooperação
internacional, só que esta é reduzida, sendo que as instituições
internacionais não passam de uma mera soma da vontade dos
seus Estados-membros. Ou seja, os Estados-membros utilizam as
instituições internacionais como forma de aumentarem o seu
poder.
o Instituição Internacional – só existe num mandato
definido pelos Estados-membros. Tudo o que foge
ao mandato está fora do âmbito de
ação/competências dessa organização. As
organizações não passam de um brinquedo nas
mãos dos Estados, que fazem com elas aquilo que
querem para ficarem mais poderosos.
• No sistema internacional quem tem mais responsabilidades na
manutenção da estabilidade do sistema internacional são as
potências mais poderosas, isto é uma realidade verificável, pois
têm mais responsabilidade e peso.
• Partindo do aspeto anterior, muitas vezes ocorrem
desestabilizações, sobretudo quando as potências menos
poderosas ascendem e quando as potências mais poderosas
caiem para posições inferiores. Nesse caso, há
destabilizações/mudanças no sistema. Daí que se atente que o
Neorrealismo não considera a mudança, assumindo uma
continuidade. Contudo, não a nega, justificando a sua ocorrência
como resultante dos fatores 1) ascensão ou decadência de
Estados-membros e 2) guerra.
o O sistema está destabilizado quando há uma troca
na hierarquia das potências, causando uma guerra
(conflito) que acabará por colocar as potências no
seu lugar hierárquico correto. Esta é uma situação
rara e esporádica.

Tal como vimos, é evidente que o Neorrealismo tenha sido adaptado à sua época e
criticado sobretudo por não considerar a mudança e a existência da organização
supranacional. Em simultâneo, não considera como plenamente visível a cooperação
entre os Estados, sendo esta somente viável quando os ganhos relativos dos Estados são
beneficiados – sendo estes complicados de medir, daí os Estados confiarem nas suas
capacidades e não na cooperação.

61
3.1) Base epistemológica e ontológica

Para Wendt, a característica sistémica da teoria da política internacional de Waltz não o


é por oposição a teorias reducionistas. Conforme veremos aquando o estudo do
Construtivismo, Wendt não considera possível que as estruturas possam produzir
efeitos sobre os comportamentos dos agentes (Estados) sem se ter em conta os
atributos e as interações que se estabelecem entre estes agentes. Logo, o objetivo
central das teorias sistémicas não é provar que as estruturas são mais explicativas que
os agentes se umas e outros estiverem separados, mas provar como os agentes estão
estruturados de formas diferentes pelo sistema de tal forma que produzem efeitos
diferentes. O debate, desta maneira, deixa de ser entre teorias sistémicas e teorias
reducionistas e passa a ser entre diferentes tipos de teorias sistémicas. Afinal, a teoria
de Waltz é sistémica, assim como a de Wendt, assim como a de grande parte do
mainstream das Relações Internacionais. Mas não o são porque não são reducionistas.
São sistémicas por diferentes razões.

A abordagem de Waltz, mais do que sistémica, é uma abordagem à macroestrutura do


sistema internacional – ao mesmo tempo que o que Waltz designa por teoria
reducionista é uma abordagem à microestrutura do sistema internacional. No fundo,
considerando a noção que Waltz dá ao conceito de sistémica e de reducionista, então
ambas estudam a estrutura do sistema internacional através dos padrões de
comportamento dos Estados, porém em diferentes níveis de análise. Assim, ambas são
teorias sistémicas, logo não há lugar para a distinção entre teoria sistémica e teoria
reducionista.

Isto não significa, todavia, que a abordagem de Waltz seja holista. Tomando por
referência as explicações dadas sobre esta matéria fundamental, com base na análise
ontológica de Wendt, na verdade, o Neorrealismo de Waltz assenta num estudo que
combina a enfase clássica do Realismo no poder e nos interesses dos Estados – o
materialismo – com a abordagem microeconómica, através de analogias, para explicar
o sistema internacional, o que se funda numa ontologia individualista.

• Em primeiro lugar, vale notar que o Neorrealismo é, segundo Wendt, mais


materialista do que o Realismo Clássico já que concede grande valor explicativo
ao peso da estrutura do sistema internacional e assume que essa estrutura
apenas regula o comportamento das unidades e não constrói identidades.
• Em segundo lugar, ao explicar o sistema internacional através de analogias
microeconómicas, o Neorrealismo funda-se também numa ontologia
individualista, sendo, no entanto, menos individualista que o Realismo Clássico,
este assente numa ontologia totalmente individualista. Isto levanta algumas
dúvidas acerca do posicionamento do Neorrealismo no âmbito absoluto do
individualismo, onde apesar de tudo Wendt o posiciona. Com efeito, o
Neorrealismo enfatiza a produção da vontade das unidades, o que vai contra o
individualismo. No entanto, na prática, a maioria dos neorrealistas assume como

62
dado adquirido a identidade dos Estados e o seu conceito de estrutura não
contempla a possibilidade de haver efeitos que possam resultar da estrutura e
influenciar os Estados, o que vai de encontro ao individualismo.

Em todo o caso, é o interesse do Neorrealismo pelas estruturas fundamentais e eternas


do sistema internacional que leva a que esta Escola de Relações Internacionais seja
também chamada de Realismo Estrutural, havendo um casamento entre o sistemismo
behaviorista e o Realismo tradicionalista.

Ou seja, de um modo sintético, o Neorrealismo é ainda mais materialista que o


Realismo, assentando no poder e nos interesses, isto é, nos fatores materiais da
estrutura, e confere maior peso explicativo à estrutura do sistema internacional do que
aos seus agentes, configurando-se como uma teoria sistémica. Contudo, na medida em
que se serve de analogias microeconómicas, o Neorrealismo assume que esta estrutura
apenas influencia o comportamento dos agentes, neles tendo apenas efeitos causais, e
não participa na construção da identidade desses agentes, neles não tendo, por
conseguinte, efeitos constitutivos. Neste sentido, o Neorrealismo é uma teoria das
Relações Internacionais que, claramente individualista, é-o menos que o Realismo. Daí
a sua localização no quadrante inferior esquerdo, numa posição mais acima que o
Realismo, para demarcar as diferenças em matéria de individualismo.

Y (construção)

holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)

Neorrealismo
individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo)
Realismo
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)

4. Do Institucionalismo Neoliberal

Com origem na Perspetiva Transnacionalista e na Interdependência, alguns autores


puseram-se a par do Neorrealismo e vieram apresentar uma interpretação mais
abrangente do conceito de estrutura, focar a normalidade e a frequência da cooperação,
63
e não apenas a natureza filosófica da anarquia internacional, de modo a fornecerem
uma abordagem alternativa à vida internacional que focasse explicitamente o efeito das
instituições internacionais sobre as relações dos Estados.

A ideia central dos institucionalistas neoliberais é a de que o progresso é obtido através


da criação de instituições internacionais, pois estas vêm promover a cooperação
internacional, servindo de contraponto à natureza conflitual da anarquia internacional.
Em muitos aspetos esta Escola de Relações Internacionais coincide com o Neorrealismo,
que procura apenas limitar, acrescentando novas possibilidades relativas à frequência
de cooperação entre os Estados.

▪ Robert Keohane é o grande veículo transmissor do Institucionalismo Neoliberal,


em especial na obra “Neorealism and Its Critics”.

Recuperando e atualizando as teses centrais do Transnacionalismo e da


Interdependência da década precedente, Keohane procura estudar o comportamento
dos Estados, particularmente em matéria de conflito e de cooperação nas suas
interações mútuas, através das instituições que dão significado a esse comportamento.

Deste modo, o autor define instituições internacionais como sendo:

Instituições Internacionais – conjuntos de regras (formais e informais), ligadas


entre si e persistentes no tempo, que prescrevem o comportamento de cada
ator, constrangem as atividades e moldam expetativas. Isto que significa que
estas instituições constrangem, mas não determinam, o comportamento dos
Estados. As instituições Internacionais afetam, para Keohane, o comportamento
dos Estados tanto ao nível do fluxo de informação e das possibilidades de
negociação, quanto ao nível da a capacidade de um verificar o cumprimento dos
compromissos assumido por outro (s), quando ainda ao nível do grau de
expectativas quanto à solidez dos acordos internacionais.

A existência destas instituições internacionais, ao constranger a autonomia dos Estados


no sistema internacional, acaba por atenuar a característica anárquica deste sistema.
Assim, argumentando que as relações internacionais decorrem num pano de fundo de
anarquia internacional, o Institucionalismo Neoliberal considera que esta anarquia é
atenuada pelas instituições internacionais.8

Ao procurar investigar o conteúdo da então recente aclamada governança internacional,


Keohane estabelece um diálogo com o Neorrealismo, de onde resulta que o
Institucionalismo Neoliberal se constrói a partir dos principais pontos de debate com o
Neorrealismo. As duas Escolas das Relações internacionais partilham os principais
pressupostos, embora discordem do seu significado e amplitude, demarcando assim o
2º Grande debate na disciplina das Relações Internacionais.

8
Keohane vem, deste modo, ampliar a perspetiva Transnacionalista e da Interdependência, que
desenvolvera nos anos 1970, enquadrando-a nas premissas neorrealistas estruturadas por Kenneth Waltz,
especialmente porque, na sua obra, Waltz havia confirmado que a política internacional estava
sarapintada de partículas de governança.
64
Na verdade, o Institucionalismo Neoliberal não nega, antes aceita, os 3 pressupostos
realistas básicos:

1) O Estado é o principal ator das relações internacionais, nestas atuando de


acordo com a definição do seu interesse nacional;

O Institucionalismo Neoliberal, à semelhança do Neorrealismo, considera os


Estados como atores fundamentais das relações internacionais, agindo na
política internacional enquanto entidades racionais e unitárias, sem conferir
grande relevância aos fatores internos que condicionam o seu comportamento
externo.

• Enquanto ator racional, executa avaliações de custos, benefícios e


riscos antes de tomar decisões;
• Enquanto unitário, o seu comportamento internacional resulta dos
desígnios e objetivos que se propôs a alcançar no sistema
internacional.

O Estado surge, assim, conceituado num modelo muito semelhante ao modelo


realista, de modo que o Institucionalismo Neoliberal surge como uma Escola de
Relações Internacionais estatocêntrica.

2) O poder é uma variável essencial na atuação dos Estados;

Para o Institucionalismo Neoliberal de Keohane, os Estados procuram o poder e


calculam os seus interesses tendo essa ambição em conta. Assim, o poder e a
influência são vistos como interesses (fins ou meios necessários) importantes
para os Estados.

Todavia, a procura por poder não constitui sempre, em todos os casos, um


interesse primordial dos Estados, já que em condições sistémicas diferentes os
Estados definem os seus interesses próprios de formas também diferentes:

• Quando a sobrevivência do Estado está em causa, o interesse


primordial do Estado será manter a sua autonomia.
• Quando o ambiente internacional está relativamente pacífico, as
energias do Estado serão canalizadas para o alcance de outros
objetivos.

Nota: o valor dos recursos de poder para influenciar o comportamento na


política internacional depende, pois, dos objetivos perseguidos, já que os
recursos de poder são diferentemente efetivos consoante a área temática em
questão.

65
3) A estrutura do sistema internacional é anárquica.

Neste sentido, a política internacional, segundo o Institucionalismo Neoliberal de


Keohane, é compreendida como uma anarquia internacional na qual os atores
não-estatais perdem a relevância que haviam tido na década precedente e os
Estados são considerados, embora não os únicos, sem dúvida os seus principais
atores.

• Embora vá mais além, o Institucionalismo Neoliberal estrutura-se a partir


do Neorrealismo. Desenvolvendo-se na base das variações de poder,
foca-se simultaneamente nas variações de outras características
sistémicas, designadamente os níveis e a qualidade da informação –
variáveis que o Neorrealismo é incapaz de abranger – acrescentando-lhe,
assim, uma interpretação estrutural sobre a emergência de regras e
procedimentos no sistema internacional, bem como sobre a sua
obediência por parte dos Estados, o que dá corpo à cooperação
internacional.
o Esta não depende, segundo Keohane, de fórmulas
utópicas e idealistas. A cooperação pode ocorrer
simplesmente por se mostrar a melhor forma dos
atores alcançarem os seus objetivos e interesses,
numa base racional.

Cooperação internacional – ocorre sempre entre unidades políticas soberanas


cujo comportamento é fortemente marcado pela possibilidade concreta de
ocorrência de conflitos. Porém, surge apenas porque os Estados têm interesses
comuns ao criar as instituições internacionais que, desta forma, conquanto
ganhem uma grande importância, têm um carácter meramente utilitário.

Ora do ponto de vista do Institucionalismo Neoliberal, a habilidade dos Estados


cooperarem depende da sua capacidade para construir institucionais
internacionais, que podem variar em natureza e força.

4) A estes pressupostos acrescenta o papel central que, nesse sistema


internacional anárquico, desempenham as instituições internacionais, sendo
certo que, embora os neorrealistas aceitem que esse papel possa existir.

As instituições internacionais têm, deste modo, um papel importantíssimo na


disponibilidade e na qualidade da informação existente no sistema internacional,
de modo que acabam por ter um papel fundamental reduzindo a incerteza e, por
conseguinte, influenciando o comportamento dos Estados.

• A preocupação central dos institucionalistas neoliberais prende-se


com a forma como as instituições afetam o comportamento dos
Estados, através de uma interpretação estrutural da emergência de
regras e procedimentos internacionais e da sua obediência pelos

66
Estados e, ainda, da análise dos processos de mudança pacífica que
ocorrem no sistema internacional. Para tanto, assumem que as
instituições internacionais afetam o comportamento dos Estados a
partir de duas premissas:
o Se por um lado é necessário haver interesses comuns entre os
atores para que estes possam ver que, na cooperação, têm
algo a ganhar; por outro, o grau de institucionalização do
sistema internacional exerce grande influência sobre o
comportamento dos Estados, ao impor limites.

A verdade é que, enquanto o Institucionalismo Neoliberal considera elevadas as


probabilidades de sucesso dessa cooperação internacional, o Neorrealismo considera-
as reduzidas, já que para esta escola as instituições internacionais não conseguem
verdadeiramente substituir a confiança nas capacidades do Estado.

Em situações de cooperação internacional, em que as instituições internacionais


constrangem a autonomia dos Estados, ganham importância, em particular, os Regimes
Internacionais, pois estes estabelecem os parâmetros para se identificar os interesses e
as ações dos atores, sendo o principal processo em curso nas relações internacionais
para Keohane.

• Os regimes internacionais resultam de negociações políticas que


refletem a correlação de forças vigentes no momento em que as
regras são fixadas e mudá-las implica sempre um custo mais elevado.
Por isso, é sempre importante compreender como são negociados e
estabelecidos os regimes internacionais no sistema internacional.
• Os regimes internacionais demonstram que, parte dos jogos nas
relações internacionais não se decidem nos jogos em si, mas no
processo contínuo de estabelecimento das suas regras.
• A função dos regimes internacionais surge, então, como a de
institucionalizar a cooperação entre os Estados, pois grande parte do
comportamento destes atores é afinal ditado pelo grau de
institucionalização do seu relacionamento.

Em suma, o Institucionalismo Neoliberal pauta-se pelas seguintes


características:
• Tem origens na Perspetiva Transnacionalista e na
Interdependência, focando-se no efeito das Instituições
Internacionais, nas relações entre os Estados.
• Surge com base em alguns aspetos do Neorrealismo, mas
acrescenta novas possibilidades de cooperação internacional.
• Oferece uma interpretação mais abrangente do conceito de
estrutura, visto que se dispõe a focar a normalidade e a frequência
da cooperação internacional, e não reduzir a estrutura ao palco

67
da guerra, assumindo uma natureza conflituosa da anarquia
internacional.
• Tem como premissas principais:
o O Estado é o ator por excelência das RI, atuando de
acordo com os seus interesses, só que a uma
ressalva em vez de serem interesses de poder
militar são interesses económicos, não deixando de
ser interesses.
o O poder é uma variável importante a tem em conta
na avaliação do sistema internacional.
o Encara, simultaneamente, o SI como anarquia
internacional, partindo dos mesmos pressupostos
que o neorrealismo, mas reagindo de forma
otimista, uma vez que assume, como diferença
fundamental, a viabilidade da cooperação
internacional.
o A cooperação dá-se por meio das instituições que
impõem regras de comportamento aos Estados,
atenuando a anarquia internacional
o Os Estados criam facilmente processos de
cooperação porque assim têm maiores ganhos
económicos e isso confere-lhes um incentivo maior
para prosseguirem com a cooperação
internacional.
Nota: neste sentido, embora um Estado deixe de
ter lucro/ganhos relativos com a sua participação
numa determinada instituição (organização
internacional), opta por não a abandonar por uma
questão de credibilidade.

• Para os institucionalistas, o progresso é obtido através da criação


de instituições internacionais.
o Estas veem promover a cooperação internacional,
servindo de contraponto à natureza conflituosa da
anarquia internacional, assumida como certa pelos
Neorrealistas.
o Estas dão significado ao comportamento dos
Estados, pois é segundo as regras que estas criam
que os Estados atuam, sobretudo em matéria de
conflito e cooperação.
o Constrangem, através da criação dessas mesmas
normas, o comportamento dos Estados. No
entanto, não o determinam.

68
• O institucionalismo Neoliberal acredita na capacidade de as
instituições internacionais atenuarem a anarquia internacional,
sendo capazes de limitar o poder do Estado. porém, estes não
estariam dispostos a abdicar da sua soberania, apenas de parcelas
de soberania concedidas a estas instituições na tentativa de evitar
uma anarquia internacional total.
o O contraste é evidente, na medida em que o
Neorrealismo descarta por completo a influência
e/ou utilidade das instituições internacionais,
considerando que nenhuma é suficientemente
poderosa para que um Estado esteja disposto a
abdicar de parcelas da sua soberania. Não existem
instituições com poder superior ao dos Estados e,
por isso, a situação de anarquia internacional é
total e inevitável.

4.1) Base epistemológica e ontológica

Considerando as bases ontológicas de Wendt que têm guiado a forma como temos vindo
a posicionar as teorias das Relações Internacionais, o Institucionalismo Neoliberal
assenta, assim, tal como o Neorrealismo, numa ontologia simultaneamente
individualista e materialista.

De facto, o Institucionalismo Neoliberal partilha uma ontologia individualista com o


Neorrealismo em função da forma como aborda a estrutura do sistema internacional.
Do mesmo modo, partilha com o Neorrealismo a base materialista de análise do sistema
internacional, que enfatiza o poder e os interesses dos Estados. Porém, este
materialismo é relativizado, o que quase posiciona o Institucionalismo Neoliberal na
lógica idealista, porque, contrariamente ao Neorrealismo:

• O Institucionalismo Neoliberal confere um papel de relativa autonomia às


instituições internacionais, capazes de atenuar a anarquia do sistema
internacional
• O Institucionalismo Neoliberal enfatiza o papel das expetativas dos atores, em
alguns casos até mais do que o poder e os interesses, ainda que nenhum
institucionalista neoliberal se tenha, alguma vez, declarado idealista.

Facto é que o posicionamento de ambas as teorias de Relações Internacionais no âmbito


do materialismo e do individualismo, embora o Neorrealismo seja menos individualista
e o Institucionalismo Neoliberal menos materialista, um em relação ao outro, Wendt
considera que houve uma concordância fundamental em torno da abordagem
individualista do sistema internacional, o que levou o debate a centrar-se na importância
do poder e dos interesses versus ideias e instituições.

69
Y (construção)

holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)

Neorrealismo
individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo) Institucionalismo
Realismo Neoliberal
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)

Em suma, o Institucionalismo Neoliberal partilha com o Neorrealismo a visão


individualista da estrutura, já que ambas as teorias partem da visão anárquica do
sistema internacional. Por outro lado, a maioria dos institucionalistas neoliberais nunca
contestou a visão de Waltz de que o poder e os interesses são as bases materiais da
estrutura do sistema internacional, o que à partida sugere que o Institucionalismo tem
uma base, além de individualista, também materialista. A verdade é que, a par desse
poder e interesses, o Institucionalismo Neoliberal enfatiza as expetativas dos agentes,
mais até do que a importância que confere à base material da estrutura do sistema
internacional, já que considera que a criação das instituições internacionais é uma
possibilidade para amenizar a realidade da anarquia internacional.

Neste sentido, coloca-se o Institucionalismo no patamar do individualismo, porém num


intermédio (de dúvida) entre o materialismo e o idealismo, já que em boa verdade o
Institucionalismo Neoliberal não apresenta uma visão idealista da estrutura do sistema
internacional.

5. Do 2º Grande Debate da Teoria das RI

✓ Neorrealismo// Institucionalismo Neoliberal


✓ 2 fatores:
• Estrutura do sistema e interação dos atores
• A posição dos anteriores na hierarquia internacional

O 2º debate, ao contrário do 1º, não discute a existência de uma anarquia internacional,


pois assume a sua existência e pretende compreender os seus efeitos e implicações, e a
capacidade que as instituições internacionais têm de limitar essa anarquia internacional.

70
Porém, as duas teorias que integram o 2º Grande Debate (Neorrealismo e
Institucionalismo Neoliberal) partilham os mesmos pressupostos, partem das mesmas
premissas e divergem na possibilidade de existir cooperação internacional, sendo que
no Neorrealismo a cooperação é reduzida e o Internacionalismo Neoliberal considera a
cooperação internacional através das instituições internacionais, uma vez que os
Estados visam obter ganhos económicos com essa cooperação.

Deste modo, se as questões relativas ao conflito e à cooperação internacional são


centrais nas Relações Internacionais, elas não reúnem consenso e, se estiveram no
centro do debate entre realistas e idealistas, estiveram também no centro do debate
entre neorrealistas e institucionalistas neoliberais, contrapondo os argumentos de
Kenneth Waltz e Robert Keohane.

Assim, podemos denotar as seguintes contradições:

✓ Enquanto o Institucionalismo Neoliberal atribui maior importância aos objetivos


e às preferências dos Estados, o Neorrealismo interpreta o comportamento dos
mesmos em função das suas capacidades, isto é, do seu poder.
✓ Para os neorrealistas, as questões da segurança são predominantes nas
prioridades dos Estados, enquanto, para os Institucionalistas neoliberais, a
agenda estatal está centrada sobre o mais importante progresso económico.

Na verdade, a principal diferença de argumentos no âmbito da discussão entre


neorrealistas e institucionalistas neoliberais consiste em assumir, ou não, a premissa de
que o Estado sobreano se preocupa fundamentalmente com a sua segurança e, a partir
daí, identificar a medida em que o conflito entre os Estados é inevitável e a medida em
que a cooperação entre eles é viável. Contudo, em ambos os casos a premissa da
racionalidade está presente e aplica-se ao comportamento do Estado.

Premissa da Racionalidade – parte do princípio de que o Estado tem uma ideia


clara sobre a estrutura das suas preferências, é capaz de avaliar alternativas de
ação que existem no ambiente em que se insere e, em função disso mesmo, é
capaz de tomar decisões com base em cálculos de custos e benefícios que
possam estar associados a cada alternativa de ação que identificou.
o Sem esta racionalidade, as inferências de
comportamento que os Estados fazem a partir da
estrutura tornar-se-iam suposições sobre
processos que compelem os atores a adaptar o seu
comportamento ao ambiente.

Keohane chama, no entanto, à atenção para o facto de esta racionalidade apenas


assumir que os atores fazem cálculos para maximizar o valor esperado em relação a um
determinado conjunto de objetivos ordenados de forma consistente, o que significa que
não são consideradas, nem as situações de informação perfeita, nem todas as
alternativas possíveis, nem a mudança das preferências do ator.

71
Capítulo 8) Anos 1990 e século XXI
1. Segurança Internacional – Terrorismo, Guerras Civis, Guerras entre
Estados, Segurança Humana

As guerras entre Estados, as guerras civis e o terrorismo, dentre outros, são modelos de
subversão do Estado, já que, se existem instrumentos legais das ideologias – como os
partidos políticos – bem como formas legais e institucionalizadas de rotação do poder –
como as eleições – também existem instrumentos ilegais desta rotação do poder, os
quais compõem a subversão do Estado.

Subversão – é o processo, politicamente orientado e motivado, desenvolvido


com a intenção de violar o direito, com recurso ou ameaça de recurso à violência
e ações marginais e informais – isto é, ilegais, clandestinamente preparadas e
desenvolvidas – visando a alteração da ordem política e social pré-existente, que
será substituída, total ou parcialmente, por outra.

o Vale mencionar que o processo subversivo,


qualquer que ele seja, é sempre um processo
transitório, uma fase passageira. Pode durar mais
ou menos tempo, mas é sempre uma fase que se
insere numa linha de instrumentalidade.

A História apresenta-nos diversos exemplos de processos subversivos e da sua maior ou


menor transitoriedade, como:

• A Guerra dos Cem Anos -> levou cem anos intermitentes


• A Guerra dos Trinta Anos -> levou trinta anos intermitentes
• A Primeira Guerra Mundial -> levou quatro anos intermitentes
• Uma revolução ou golpe de Estado -> em geral, a primeira leva mais tempo e o
segundo é muito rápido.

Tendo em conta o conceito de subversão, pode concluir-se que ele visa atingir um
determinado objetivo e um universo político-social, sendo a fronteira entre a subversão
política e os outros tipos de subversão – psicológica, moral, cultural, religiosa, etc. –
muito ténue, já que é difícil explicitar até que ponto é que estes tipos de subversão se
limitam aos seus respetivos limites formais de caracterização e quando é que passam a
ter implicações de caráter político.

Na verdade, poderíamos considerar que qualquer processo subversivo é uma subversão


política, já que tem sempre, em maior ou menor medida, implicações políticas. Todavia,
em termos académicos, isso seria simplificar demasiado o objeto de estudo do processo
subversivo.

Deste modo, opta-se por se considerar que subversão política inclui apenas os modelos
subversivos que possuem uma vinculação política imediata, isto é, os modelos

72
subversivos que derivam de duas circunstâncias – que normalmente surgem em
simultâneo nestes processos:

• Têm uma finalidade política


• Visam um universo político

Neste âmbito, consideram-se como processos de subversão:

• Guerra
• Guerra civil
• Golpe de Estado
• Revolução
• Guerrilha
• Terrorismo

Guerra – é a GUERRA ENTRE ESTADOS, ou também chamada GUERRA


INTERNACIONAL. É a forma mais letal e subversiva de todas, já que, em termos
estatísticos, muitos governos já caíram e foram substituídos por outros em
consequência de guerras, pois estas visam, de facto, a alteração radical e violenta da
sede e ideologia do poder do inimigo. Trata-se, no fundo, da guerra (internacional)
entredois ou mais Estados – sendo certo que a guerra formal ocorre quando um
Estado declara formalmente guerra a outro ou outros –, tendo inclusive uma forma
jurídica e institucional que facilita o seu tratamento: o direito da guerra, que avaliza
como tratar a guerra.

o Exemplos disso mesmo são a Convenção de Genebra e a


Convenção de Viena -> as quais referem como os Estados se
devem, ou não, comportar numa guerra, ainda que, na
realidade, não haja nenhum Estado que não tenha violado o
direito da guerra, praticando tortura, utilizando campos de
concentração, dizimando populações, etc.

Importa, todavia, reter que, numa guerra, existem Forças Armadas, toda uma
institucionalização da guerra por parte dos Estados participantes.

O cientista político norte-americano Samuel Huntington – que se celebrizou com o seu


Choque de Civilizações – considera que existem três tipos de guerra e assim classifica a
guerra em três tipos:

• Guerra total
• Guerra geral
• Guerra limitada

Guerra total -> é a guerra na qual os dois lados inimigos empregam todos os meios
ao respetivo dispor para destruir totalmente o adversário. Por «todos os meios»
entendemos efetivamente todos os meios ao respetivo dispor, isto é, meios militares
de toda a ordem, armas económicas (como meios de lançamento de capital do(s)
outro(s) para nele(s) criar hiperinflação) e quaisquer outros meios, como culturais,
73
assassinato de civis, etc. Isto porque a intenção de ambos os lados é destruir
totalmente o lado oposto, como sucedeu na Primeira Guerra Mundial ou na Segunda
Guerra Mundial, que foram as únicas guerras sem quaisquer limites.

Guerra geral -> é a guerra que ocorre quando cada lado inimigo vai até onde o outro
lado inimigo deixa ir. Isto significa que a intenção de destruição de cada lado inimigo,
frente ao outro, é a mesma da guerra total, a destruição total do inimigo. Todavia,
os meios utilizados por cada lado inimigo são apenas aqueles que o outro lado
inimigo permite, ou seja, faz-se o que se pode até o inimigo deixar; quando este
reage, o primeiro recua, sob pena da destruição total do planeta, já que se vive em
plena era nuclear. Razão pela qual, embora os dois lados inimigos possuam
armamento nuclear, este nunca é utilizado. Então, os meios não são todos utilizados
em função dos constrangimentos impostos pela Guerra Fria, da doutrina do
containment, da doutrinada destruição mútua garantida.

o Isto significa que os exemplos que se inserem na


guerra geral são as guerras que ocorreram durante
a Guerra Fria, como a Guerra da Coreia, a Guerra
do Vietnam, a Crise dos Mísseis em Cuba, etc.

Guerra limitada -> é a guerra que procura destruir o alvo de forma precisa e
cirúrgica, sem danos colaterais, evitando ao máximo a perda de vidas de civis e
a destruição das localidades em redor, daí designar-se, também, por guerra
cirúrgica. Esta guerra utiliza tecnologia de ponta, como os GPS, drones, etc., para
uso de armamento inteligente. A primeira vez que este equipamento de ponta,
com intenção de destruir cirurgicamente apenas o alvo, sem produzir danos
colaterais, foi utilizado, foi na primeira Guerra do Iraque, ainda que aviões não
tripulados, acionados por controle remoto, já tivessem sido utilizados na
Primeira Guerra Mundial. Porém, nessa época, a tecnologia era muita débil, daí
em diante, foi-se aperfeiçoando, chegando-se aos drones atuais.

o De referir que a guerra limitada não é, como pode


parecer, uma novidade. Em tempos idos, como na
Primeira Guerra Mundial, ainda agora mencionada,
a ideia de utilizar tecnologia, à época inteligente,
era destruir pouco o território inimigo, visando a
futura ocupação do mesmo. Com efeito, se um dos
lados considera vir a ocupar um território inimigo,
é mais racional destruir apenas o necessário para
de lá retirar o inimigo, visando tornar-lhe o
território inoperacional, porém facilitando, ao lado
que destruiu, a reconstrução.

74
Guerra civil – ao contrário da guerra (assim simplesmente chamada, todavia
indicando a guerra entre Estados, ou guerra internacional), é uma guerra interna,
ocorrendo sempre entre duas Forças Armadas: as Forças Armadas regulares, do
governo, e as Forças Armadas insurretas, do movimento que reivindica o poder
do Estado sob o qual está submetido. Ambas são consideradas Forças Armadas
pois estão equipadas, estão organizadas, têm Quartel-General, etc.

A história está recheada de guerras civis. Alguns exemplos:

• Guerra civil norte-americana


• Guerra civil espanhola
• Guerra civil em Portugal (entre D. Miguel e D. Pedro)
• Guerra civil angolana

Passando-se no interior do Estado, a guerra civil conduz a implicações jurídicas graves,


já que na mesma não se podem aplicar as Convenções de Genebra e de Viena,
destinadas às guerras internacionais. Todavia, por uma questão de humanismo e, até,
de boa vontade e bom-senso, essas Convenções acabam por ser aplicadas igualmente
nas guerras civis – o que facilita a sua resolução e como a comunidade internacional
deve lidar com as mesmas.

Neste sentido, é de ressaltar que:

✓ Qualquer guerra civil que se prolongue no tempo acaba, inevitavelmente, por se


internacionalizar, uma vez que as partes (o governo e os insurretos) consumam
os seus apoios (militar, económico, etc., e, até, voluntários) a Estados terceiros,
quando não são estes, de livre vontade, que se introduzem na guerra civil para
apoiar uma das partes, como sucedeu durante a Guerra Fria, quando o outro
lado apoiava a outra parte da guerra civil. Exemplo evidente ocorreu na guerra
civil angolana, na qual os EUA apoiaram a UNITA de Jonas Savimbi, enquanto a
URSS apoiou o MPLA de José Eduardo dos Santos.
✓ A internacionalização de uma guerra civil NÃO significa que esta deixe de ser uma
guerra civil. Afinal, tal guerra continua a ser jogada no território do mesmo
Estado, apenas com apoios de Estados terceiros às duas (ou mais) partes em
confronto, que lutam pela posse do poder.
✓ Na guerra civil não há o reconhecimento dos neutros, como sucede na guerra,
pois decorrendo no interior de um Estado, todos têm de tomar partido, segundo
exigência das próprias circunstâncias da luta armada entre as Forças Armadas
governistas e as Forças Armadas insurretas, nas quais não há lugar a neutros.

Terrorismo – é um ato político, sendo instrumental, no sentido em que é um meio


para atingir um fim sempre político, e não um fim em si mesmo, sendo certo que os
seus propósitos imediatos devem ser considerados em separado dos seus propósitos
mediatos, partindo do princípio de que estes últimos nem sempre são evidentes.

o Geralmente, o terrorismo apresenta-se como uma tática


montada contra a sociedade liberal-capitalista primeiro-
75
mundista, quer se manifeste na Europa, no Japão, no
continente americano ou noutras áreas do mundo,
organizando-se normalmente contra as liberdades concedidas
pelo pluralismo personalista dominante no primeiro-mundo.
Por conseguinte, raras vezes ocorre em países do segundo-
mundo (quando este existia, durante a Guerra Fria) ou contra
interesses destes países.
o Informalmente, o terrorismo criou um novo contrapoder, na
medida em que desenvolveu poderes independentes no seio
do próprio Estado, capazes de dialogar como Estado e de lhe
impor, inclusivamente, determinadas decisões.
o Estes novos centros de poder, autónomos de circuitos e
mecanismos constitucionais e legalmente estruturados nos
Estados-vítimas, ilegais e ilegítimos, funcionam eficazmente
pelo uso da força discricionária, visando provocar o pânico e o
medo das populações, de modo que assim influenciem a
opinião pública para que esta pressione os respetivos
governos a alterar as suas políticas externas em benefício do
que pedem os terroristas.
o Com efeito, o objetivo fundamental do terrorismo é difundir
um sentimento profundo de insegurança pública, altamente
condicionadora, visando a instalação do medo na retaguarda
e no coração das grandes potências, com vista a dobrar e
enfraquecer, por causa da dependência do voto que esses
países manifestam em termos essenciais, fazendo vacilar,
infletir ou condicionar as políticas dos governos desses povos
no que toca aos interesses antagónicos defendidos pelos
terroristas.

De facto, a ameaça permanente, a certeza da existência de células terroristas


organizadas, apoiadas internacionalmente, pendente sobre as populações e sobre as
autoridades das democracias liberais e ainda dos países não sovietizados, mas
sobretudo dos primeiros, exerce um forte meio de pressão, condicionando a opinião
pública pelo medo, à retração, à cedência e ao neutralismo passivo, coagindo os
governos a negociar com os terroristas em condições menos favoráveis ou a assumir
medidas repressivas excecionais contrárias à sua vocação demoliberal. E, efetivamente,
conforme refere André Frossard, 99% dos atentados terroristas no mundo são
cometidos em democracias parlamentares. Ademais, os países onde os terroristas são
instruídos, treinados, equipados e, pode dizer-se, subvencionados, antes de serem
expedidos (ou reexpedidos) para o Ocidente, são bem conhecidos de todos.

Se se fala de terrorismo, pela primeira vez, desde a Revolução Francesa, com uma
conotação positiva, hoje o terrorismo surge como uma evolução da guerrilha urbana,
um fenómeno que cada vez se torna mais isolado de fanáticos e parte de uma estratégia

76
utilizada pelos inimigos da liberdade, caracterizado pela sua imprevisibilidade, pela sua
não-convencionalidade (pois não cumpre regras), por ser assimétrico (pois não tem
rosto) e por poder haver reféns no auge do processo.

A atualidade está recheada de atentados terroristas:

• Torres Gémeas de Nova Iorque


• Madrid, 2004
• Etc.

As atividades terroristas são passíveis de ser classificadas a partir de diversas


características.

1. Segundo os objetivos imediatos, o terrorismo pode ser:


• Terrorismo indiscriminado
• Terrorismo seletivo

Terrorismo indiscriminado -> terrorismo que visa a criação de danos a um agente


paciente indefinido ou irrelevante, isto é, quando não há um alvo específico a
atacar. Geralmente, procura-se atacar, ou mesmo matar, o máximo de pessoas
possível. Mesmo que sejam poucas pessoas, a ideia deste tipo de terrorismo é
causar danos a pessoas que não se sabem quem são.
o Exemplos: colocação de bombas em cafés, metro, ou outros
locais de frequência social indeterminada.

Terrorismo seletivo -> terrorismo que visa atingir primordial e diretamente uma
determinada entidade, ou seja, o alvo a abater é previamente escolhido e, por
conseguinte, sabe-se exatamente quem se quer atacar/matar.
o Exemplos: sequestro ou morte de altas individualidades.

2. Segundo o executante do terrorismo, este pode ser:


• Terrorismo de Estado
• Terrorismo religioso
• Super-terrorismo

Terrorismo de Estado -> terrorismo executado pelos próprios Estados, contra


outros Estados ou mesmo contra a sua própria população. Exemplos: os Contras
da Nicarágua são um exemplo clássico de terrorismo de Estado, já que este
movimento foi criado pelos EUA, tendo tido, como consequência, mergulhar a
Nicarágua numa profunda e danosa guerra civil de 10 anos.
o O lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki
também é considerado terrorismo de Estado por parte dos
EUA, uma vez que o Japão já havia pedido a rendição no final
da II Guerra Mundial e os EUA lançaram as bombas em todo o

77
caso. De igual modo, o que Israel faz com os palestinianos
também é terrorismo de Estado.

Terrorismo religioso -> terrorismo praticado por Estados, por razões religiosas,
sendo por isso uma forma de terrorismo muito letal, pois os esses Estados
convencem indivíduos a praticá-lo em nome da religião, e quem o pratica não
tem medo de morrer, já que encara o mundo de uma forma maniqueísta,
considerando-se sempre do lado do Bem.
o Exemplos: os atentados terroristas praticados pelos grupos
terroristas religiosos, como a Al-Qaeda.

Super-terrorismo -> terrorismo criado, com esta designação, por Yonah


Alexander e Milton Hoening, em 2001, para se referir a uma nova fase deste
fenómeno subversivo. Com efeito, com o derrube do muro de Berlim, o sistema
internacional alterou-se bruscamente. O segundo mundo, um dos mais
importantes polos de apoio e de fácil justificação para o terrorismo,
desapareceu, constituindo um forte revés ao terrorismo, que sofreu outro, em
1994, com a prisão do terrorista internacional «Carlos», conhecido por «Chacal».
Todavia, segundo o Departamento de Estado, entre 1999 e 2000, as ações
terroristas passaram de 392 para 423, um aumento de 8%. Neste contexto, os
EUA rapidamente reassumiram o seu papel de polícia de mundo, com a primeira
Guerra do Golfo contra o Iraque (1990/1991), a intervenção no Afeganistão
(2001) e a segunda Guerra do Golfo contra o Iraque (2003) – intervenções que
se inserem na guerra contra o terrorismo, desencadeada pelos ataques da Al
Qaeda, a 11 de setembro de 2001, contra o World Trade Center e o Pentágono,
nos quais morreram mais de 5 000 pessoas.

Na verdade, para o surgimento desta nova fase do terrorismo, podem-se


enunciar, como principais atentados:
• Os atentados ao World Trade Center, em 1993
• Os atentados ao edifício federal em Oklahoma, em 199523
• Os atentados à Torres Gémeas do World Trade Center, em 11/09/2001
• O ataque ao metro de Tóquio com gás sarin, em 1995.

Com esta nova fase do terrorismo, o super-terrorismo, tem início uma nova
etapa terrorista abrangendo meios cada vez mais poderosos e letais, de natureza
biológica, química e nuclear, de conceção e execução transnacional, que
corresponde ao final do século XX e início do século XXI. Nesta nova era, os
ataques terroristas ocorrem em teatros de operações invulgares, como os EUA
ou o Japão, assumindo proporções alarmantes com efeitos psicológicos
devastadores. Afinal, esse tipo de países, que passa a ser alvo dos ataques
terroristas, faz parte do centro dos países demoliberais e, pós-Guerra Fria,
globalizados, que se considera inacessível a práticas dessa natureza. A sua

78
ocorrência provocou, assim, um profundo trauma nas multidões, nas elites e nos
sistemas de segurança – que falharam de forma impressionante na sua missão
de inteligência e serviços de informações desses países, destinados a garantir a
respetiva segurança.

1.1. Tipos de super-terrorismo

Super-terrorismo biológico -> super-terrorismo muito eficaz, pois é necessária


uma dose reduzida de químico para produzir uma grande quantidade de material
viral; todavia é um tipo de super-terrorismo muito caro.
o Exemplo: vírus, bactérias, toxinas manipuladas em
laboratório.

Super-terrorismo químico -> super-terrorismo mais fácil de fabricar do que o


anterior e, ainda, mais barato, porém exige a posse dos meios para a
pulverização. Este tipo de terrorismo foi descoberto pelos nazis e bastante
utilizado por Saddam Hussein.
o Exemplo: gás sarin utilizado no atentado ao metro de Tóquio
em 1995.

Super-terrorismo nuclear -> super-terrorismo que, sendo o mais caro de todos, é


constituído por armamento nuclear de pequenas proporções, que possa ser
utilizado em guerras limitadas.
o Exemplo: nunca foi utilizado.

Super-terrorismo suicida -> super-terrorismo muito utilizado no terrorismo


indiscriminado, em especial promovido pelo fundamentalismo islâmico, em
função das promessas, de natureza religiosa, feitas aos jovens mártires. Este
super-terrorismo é uma adaptação da utilização de pilotos suicidas em
operações militares por parte do Japão no final da II Guerra Mundial, os
conhecidos Kamikazes, que partiam para o martírio com promessas de
recompensa transcendente na vida subsequente.
o Exemplo: inúmeros suicidas islâmicos que provocam
atentados bombistas em vários lugares.

Ciberterrorismo -> super-terrorismo que tem por missão essencial causar o caos,
através de ataques terroristas a redes de informática que suportam sistemas
vitais de países e de organizações internacionais. Por outro lado, este super-
terrorismo tem a função de utilizar a Internet como meio de propaganda ao
fundamentalismo islâmico e para ensinar as suas técnicas e desta forma recrutar
novos membros.

Nova técnica de super-terrorismo:

• lobo solitário -> este super-terrorismo mostra que, se este, efetivamente,


resulta, então, pelo ciberterrorismo, indivíduos são incentivados, através
da propaganda via Internet, a tornarem-se terroristas. Depois acedem
79
aos 24 manuais que os instruem e, desta forma, os lobos solitários, a
partir de qualquer país, são formados e treinados, em todos os sistemas
operativos de computador, via Internet. O lobo solitário é, então, um
indivíduo que, sozinho, tem uma ténue ligação a uma organização
terrorista, mas sabe fazer sozinho, e escolher o lugar e o momento
adequados para executar o ato terrorista.
o Exemplo: una bomber (que está preso).

Segundo as principais motivações reivindicadas, o terrorismo pode ser:

• Grupos baseados no separatismo nacionalista


• Grupos anarquistas ou comunistas
• Grupos de guerrilha tradicionais
• Grupos de extrema-direita
• Grupos fundamentalistas islâmicos

Grupos baseados no separatismo nacionalista -> são aqueles que combatem pela
autodeterminação, pela libertação de uma invocada ocupação estrangeira ou
pela assunção de um Estado para uma minoria étnica ou cultural.
o Exemplos: PKK, IRA, ETA, Partido do Povo do Curdistão, OLP,
etc.

Grupos anarquistas ou comunistas -> são aqueles que, herdeiros da


contracultura esquerdista da década de 1960, atuam pela destruição do
capitalismo liberal.
o Exemplos: Fação do Exército Vermelho (Alemanha), células
comunistas de combate (Bélgica), Underground (EUA), etc.

Grupos de guerrilha tradicionais -> são aqueles que têm por objetivo derrubar e
substituir, na sede do poder, uma determinada situação.
o Exemplos: Sendero Luminoso (Peru), Contras (Nicarágua),
Khmers Vermelhos (Camboja), etc.

Grupos de extrema-direita -> são aqueles que, anti esquerdistas e racistas, lutam
pela colocação, no poder, da extrema-direita e pela expulsão, dos respetivos
países, de todos os que não são nacionais desse Estado.
o Exemplos: Ku Klux Klan (EUA), Vanguarda Nazionale (Itália),
ANB (África do Sul), etc.

Grupos fundamentalistas islâmicos -> são aqueles que visam a guerra santa
contra Israel e contra as potências anti-islâmicas, os infiéis. Exemplos: Hezbollah,
Jihad Islâmica, Xiismo iraniano, etc.

Combate ao terrorismo:

• Medidas antiterrorismo: o Fase ativa: são levadas a efeito medidas por polícias
com treino especial, são militares, que possuem treino, fazem videovigilância,
executam tarefas desde a negociação ao abate final; o facto de existirem é já,
80
em si, um fator dissuasor; o Fase reativa: são levadas a efeito medidas após
ocorrer o atentado.
• Medidas de contraterrorismo: são aquelas que se destinam a combater o
terrorismo, semelhantes às do próprio terrorismo.

A Segurança Humana é um conceito que foi cunhado em 1994, fruto do trabalho de


Mahbub ul Haq, no PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento),
quando este liderava a equipa do Relatório de Desenvolvimento Humano. Com a criação
da segurança humana o referente da segurança passa do Estado para o indivíduo,
humanizando-a. A segurança humana aparece, assim, no relatório de 1994, como algo
centrado no ser humano e não no Estado, centrado no bem-estar dos povos e não na
segurança das fronteiras, como um bem político que se materializa nos direitos dos
indivíduos de viver livres de medo, porém também ao abrigo de necessidades,
beneficiando de igualdade de oportunidades de gozar todos os seus direitos e de
desenvolver plenamente o seu potencial humano.

A segurança humana incorpora, por conseguinte:

• Segurança económica
• Segurança alimentar
• Segurança no acesso a cuidados de saúde
• Segurança ambiental
• Segurança pessoal
• Segurança comunitária
• Segurança política.

Pode ver-se, por aqui, que a segurança humana supera todas as barreiras conceituais
que equivaliam à segurança à vida livre de medo (freedom from fear), alargando-a à vida
ao abrigo de necessidade (freedom from want), incorporando ainda a garantia de que
as gerações vindouras herdarão um futuro possível. A securitização das sete áreas
referidas visa dar-lhes importância política acrescida e, desejavelmente, mais recursos.

Trata-se, desta forma, de um conceito que tem vindo a ser operacionalizado e que
encontra, na sua ambição, o maior obstáculo para a sua implementação. A União
Europeia, à semelhança de outras organizações internacionais, tem mantido uma voz
ativa nos debates em curso, apresentando declarações conjuntas e endossando o
conceito nas suas políticas externas como uma das traves mestras da cooperação e
parcerias que enceta.

Neste sentido, o ex-Secretário Geral das Nações Unidas (1997-2006), refere que “hoje,
sabemos que ‘segurança’ significa muito mais do que a ausência de conflito. (...)
Sabemos que uma paz duradoura requer uma visão mais ampla que englobe áreas como
a educação e a saúde, democracia e direitos humanos, proteção contra a degradação
ambiental e a proliferação de armas mortíferas. (...) Estes pilares do que agora
compreendemos ser o conceito focado nas pessoas de ‘segurança humana’ estão
interligados e reforçam-se mutuamente.”

81
Com efeito, desde o fim da Guerra Fria que a comunidade internacional se vem
confrontando continuamente com novas ameaças e riscos variados. A perplexidade dos
anos iniciais do pós-Guerra Fria deu lugar à compreensão de que não são só os conflitos
que põem populações, regiões e países em risco, mas também a pobreza crónica e
persistente, os desastres ambientais e as alterações económicas repentinas, entre
tantos outros fatores. É desta realização que surge o conceito de segurança humana,
que procura garantir a sobrevivência, subsistência e dignidade das pessoas face a
ameaças atuais e emergentes.

Por reconhecer e agir sobre a interligação entre direitos humanos, desenvolvimento e


segurança, a ideia de segurança humana, contrariamente à definição clássica de
segurança nacional, tem no seu seio a população enquanto recipiente de direitos
inalienáveis, e não o território. Por ser um conceito criado através de interligações
várias, projetos com a ideia de segurança humana no seu âmago têm o potencial de
garantir a sustentabilidade económica, social e ambiental que está em cima da mesa na
discussão acerca do futuro da agenda para o desenvolvimento, não separada da defesa
e promoção dos direitos humanos fundamentais.

Daí existir uma interligação profunda entre a segurança humana e os direitos humanos,
assim como com a agenda para o desenvolvimento, que engloba, não apenas questões
económicas, como também, e sobretudo, ambientais.

2. Do pós-internacionalismo da governança sem governo

O estudo da ordem e da governança mundiais transformava-se num tema


transcendente, que Rousenau e Czempiel abordam e estudam na sua obra “Ordem e
Transformação na Política Mundial”, 1992.

Na obra “Ordem e Transformação na Política Mundial” os autores desenvolvem uma


abordagem dita pós-internacionalistas pela crença no deslocamento constante da
autoridade, no mundo turbulento pós-Guerra Fria, tanto interna como
internacionalmente.

• Internamente: os autores afirmam que a autoridade se desloca para os grupos


subnacionais.
• Exteriormente: esse deslocamento da autoridade dá-se no sentido das
autoridades supranacionais, o que significa, para os autores, que o governo
nacional deixa de existir, ou, ao menos, perde a preponderância – (a relevância
muda de posição).

O estudo da existência da governança na ausência desses governos nacionais torna-se


um grande desafio que os autores solucionam afirmando que:

Mesmo na ausência dos governos nacionais, mesmo na ausência de instituições


e obrigações especialmente incumbidas de executar as tarefas que precisam de
ser executadas para dar viabilidade ao sistema internacional, estas continuam a
ser executadas. As necessidades funcionais têm de estar sempre presentes para
82
que os sistemas, sejam locais ou mundiais, se consigam preservar, permanecem,
mesmo na ausência de instituições formalmente incumbidas de as executar, são
as funções a que os autores se referem:

1) Interagir com os desafios externos que ocorrem em qualquer sistema.


2) Evitar a iminência de conflitos entre membros ou fações que provoquem a
destruição irreparável.
3) Buscar recursos para a preservação do sistema.
4) Buscar recursos para o bem-estar do sistema.
5) Definir objetivos e condutos destinados a alcançar o bem-estar e a
preservação do sistema internacional → Funções que terão de continuar a
ser executadas.

Estas funções continuam a ser executadas porque, além dos governos que compõem o
sistema internacional, existe uma governança – esta permite que o sistema funcione
mesmo na ausência daqueles governos. Assim, é importante realçar que governança
não é o mesmo que governo.

Governo – sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal, pelo poder
de polícia que garante a implementação das políticas devidamente instituídas.

Governança – surge como o conjunto de atividades apoiadas em objetivos


comuns, que podem ou não derivar de responsabilidades legais e formalmente
prescritas, e que não dependem, necessariamente, do poder de polícia para que
sejam aceites e vençam resistências. Trata-se de um fenómeno mais amplo do
que o governo, abrangendo as instituições governamentais e implicando
também mecanismos informais, de caráter não-governamental, que fazem com
que as pessoas e as organizações dentro da sua área de atuação tenham uma
conduta determinada, satisfaçam as suas necessidades e respondam às suas
demandas.
o A governança vai, assim, de encontro à lógica
construtivista da ordenação dependente de
sentidos intersubjetivos, embora inclua, também, a
constituição de elementos formalmente
instituídos.
o Uma vez que a governança só funciona se for
aceite pela maioria ou pelos atores mais
poderosos do sistema, ela é sempre eficaz, pois
nem sequer se fala de governança ineficaz
(enquanto se pode falar de governos ineficazes, ou
“fracos”). Neste caso, o que existiria seria a
anarquia ou o caos.

É neste sentido que Rousenau e Czempiel falam em governança sem governo,


pretendendo referir-se à existência de ordem internacional, por oposição ao caos,
mesmo sem a existência de mecanismos regulatórios numa determinada esfera de
83
atividade, endossados por uma autoridade formal, uma vez que essa esfera continua a
funcionar efetivamente.

Governança e ordem surgem estreitamente interligadas.

A Governança corresponde à Ordem adicionada de intencionalidade, a ordem global


consiste na série de entendimentos rotineiros por meios dos quais flui a política mundial
– quer estes entendimentos sejam fundamentais, como as premissas que estabelecem
o funcionamento do sistema, quer sejam rotineiros, como serve de exemplo o comércio
ou a regulamentação dos correios, etc.

Nem todos os entendimentos emergem de uma ação consciente, no sentido de criá-los,


por parte de atores que os sustentam. Muitos desses entendimentos resultam de um
somatório de decisões que os atores vão tomando, para dar resposta a problemas
imediatos. Essas decisões vão-se acumulando e acabam por assumir e enformar a
ordenação de todo o sistema.

3. As perspetivas de base pós-positivista: a retoma da Dimensão Cultural


e das Identidades, o Construtivismo e a Teoria Normativa nas Relações
Internacionais

3.1) Da origem e da essência das perspetivas pós-positivistas

O estudo sobre o papel das instituições internacionais no sistema internacional, ao longo


dos anos 1990, saiu revigorado através do Paradigma Institucionalista, já que o fim da
Guerra Fria levou os especialistas da área a dedicarem-se primordialmente à análise da
nova ordem internacional. Ora, na nova estrutura do sistema internacional, era visível,
não só o aparecimento de inúmeras novas organizações internacionais, como a
implementação consequente de normas internacionais, o que motivou os especialistas
das Relações Internacionais que se dedicavam ao estudo da ordem internacional pós-
Guerra Fria a centrar as suas análises, justamente, sobre a implementação dessas
normas internacionais e sobre o funcionamento e eficácia das organizações
internacionais, deslocando as análises de Relações Internacionais para as ações
intencionais geradoras de uma ordem política, recolocando a discussão em termos de
governabilidade.

É verdade que o estudo das normas, regras e procedimentos relacionados a temas


específicos, ou a regiões específicas, antigo já nas Relações Internacionais, não se
tornara obsoleto, porém a década de 1990 vem demonstrar uma preocupação central
em torno da forma como as instituições internacionais, designadamente as
organizações internacionais, podem contribuir para gerar ordem na política
internacional. Assim, na década de 1990, assiste-se a:

• Introdução do papel ordenador das instituições internacionais na eterna


dicotomia ordem-anarquia da disciplina

84
• Novas abordagens às estruturas de autoridade e às novas formas de exercício da
cidadania
• Reincorporação da Cultura e da Identidade enquanto temas essenciais para a
compreensão das relações internacionais.

3.1) Reincorporação da Cultura e da Identidade

Na realidade, a dimensão cultural nas análises internacionalistas não era nova, porém
nenhuma abordagem anterior que introduzia os temas da cultura e da formação de
identidades havia gerado os frutos que gerariam estas novas abordagens dos anos 1990.

Com efeito, as abordagens dos anos 1960 que se preocupavam com a dimensão cultural
tiveram o mérito de introduzir o papel das variáveis cognitivas nas análises de política
externa, procurando evitar as distorções das informações e os problemas gerados pela
consideração dos Estados enquanto atores homogéneos, racionais e unitários por parte
dos realistas. Nos anos 1970, autores da Escola Inglesa como Hedley Bull recuperaram
um tema grociano ao repescar o conceito de sociedade internacional, o qual pressupõe
a existência de normas partilhadas internacionalmente assentes numa cultura
internacional. Já durante toda a década de 1980, as perspetivas pós-modernas, pós-
estruturalistas, feministas e críticas da Escola de Frankfurt e ainda os construtivistas
apresentaram um interesse permanente pelos fatores mais subjetivos nas análises
internacionalistas, designadamente a cultura e a formação das identidades.

De facto, estas perspetivas observaram que a premissa da racionalidade instrumental


presente no comportamento dos Estados dos pontos de vista do Neorrealismo e do
Institucionalismo Neoliberal era frequentemente insuficiente para explicar os
fenómenos internacionais. Afinal, nem sempre a perceção dos interesses, mesmo por
parte dos Estados, é feita de modo tão linear e direto, surgindo por vezes percalços às
avaliações ditas racionais dos Estados, que lhes criam dificuldades.

Por isso, à racionalidade predominante nas teorias das Relações Internacionais, assente
em metateorias de carácter, primeiro positivista e, depois, neopositivista, começou a
contrapor-se a lógica mais político-social, psicológica e de personalidade que desde os
anos 1980 fundamenta as análises de base pós-positivista das perspetivas que Robert
Keohane, em 1988, aquando do seu discurso de tomada de posse enquanto presidente
da International Studies Association (ISA), já havia designado como perspetivas
Reflexivistas, opostas às abordagens racionalistas de base positivista.

A distinção de Keohane tornou-se clássica e ainda hoje demarca as análises racionalistas


das perspetivas Reflexivistas interpretativistas que analisam os fenómenos
internacionais, em particular as instituições internacionais e a razão que leva os atores
a cooperar. Assim sendo, vale lembrar que, na base da distinção de Keohane está a
diferença entre a tradição clássica e a moderna teoria política no estudo da cooperação
internacional, sendo certo que a tradição clássica está na origem das perspetivas pós-
positivistas e a moderna teoria política está na origem do racionalismo de base
positivista e suas teses.

85
• Tradição Clássica do estudo da cooperação internacional – sublinha que a razão
que leva os Estados a cooperar é a natureza social da Humanidade. A
cooperação estabelece-se, assim, quando atores que partilham um objetivo
comum que não pode ser alcançado através da ação isolada de cada um desses
atores os leva a estabelecer uma ação conjunta para alcançar esse objetivo,
surgindo a cooperação como resultado de hábitos e práticas entre atores que
partilham tradições e valores comuns, particularmente dentro de uma mesma
comunidade, no âmbito da qual a cooperação é mais facilmente alcançável.
• A moderna teoria política – em lugar de acentuar o papel dos hábitos e das
práticas comuns que especialmente dentro de uma mesma comunidade conduz
à cooperação, acentuou sempre os interesses dos atores que estabelecem (ou
não) essa cooperação. Os interesses dos atores que perseguem estratégias
destinadas a alcança-los é o que forma o núcleo duro da moderna teoria política,
que os considera como dados adquiridos, não se preocupando, por conseguinte,
em refletir sobre esses interesses e sobre os objetivos dos atores. Considerando-
os como dados existentes, o que interessa à moderna tradição do estudo da
cooperação internacional é explicar as escolhas dos atores em termos de
racionalidade estratégica e instrumental, resultado da utilização, ou não, da
força.
Assim, no âmbito da moderna teoria política, tanto os realistas quanto os
liberais, embora partilhem o paradigma dos interesses e objetivos dos Estados,
numa base racional, chegam a conclusões muito diferentes:
o Os realistas que a anarquia é a razão pela qual a cooperação
entre Estados é rara – já que, na ausência de uma autoridade
superior a eles próprios, os Estado, antes de se engajar em
comportamentos cooperativos, têm de se preocupar com a
sua segurança
o Os liberais assumem que a segurança não é sempre a
preocupação dos Estados, que muitas vezes pretendem a
maximização racional dos ganhos através da cooperação,
explorando as condições sob as quais essa cooperação ocorre.

Oposta a esta lógica racionalista de interpretação da cooperação internacional, seja


pelo viés realista, seja pelo liberal, está a perspetiva reflexivista de Keohane, sendo
estas duas grandes abordagens aquelas que demarcam o debate em torno da
cooperação internacional e muito além desta. Considerada hoje uma distinção
clássica, a verdade é que, ainda que sem esta designação, a demarcação existe
desde que as variáveis culturais e identitárias foram introduzidas nas análises
internacionalistas.

A cultura internacional e a formação de identidades surgem, assim, nos anos 1990,


como variáveis relevantes a ser tidas em conta para a explicação dos fenómenos de
fragmentação, das possibilidades da cooperação internacional, mas também dos
conflitos étnicos e nacionais. De facto, enquanto os institucionalistas, retomam o

86
valor das ideias para compreender os comportamentos (cooperativos) dos atores
visando encontrar os elos empíricos e S. Huntington reifica os agentes culturais, as
novas abordagens dos anos 1990 vêm questionar as premissas racionalistas destas
análises, transformando as ideias em variáveis endógenas às análises
internacionalistas, considerando que os atores que compõem a sociedade
internacional crescentemente globalizada são atores reflexivos. Os atores passam,
no âmbito destas perspetivas, a ser considerados agentes não estáveis e
imprevisíveis, ao contrário das perspetivas racionalistas que os encaram enquanto
agentes estáveis e previsíveis como bolas de bilhar, pelo que a cultura e as
identidades surgem como sendo socialmente construídas e fragmentadas na visão
de Yosef Lapid.

Simultaneamente, as novas perspetivas da década de 1990 vêm reposicionar o


debate sobre ética, moral e democracia a agenda internacional, com a recuperação
da abordagem deontológica de Kant à relação entre ética e política e a recuperação
da abordagem utilitarista de Bentham à mesma relação.

3.2) Surgimento de novas abordagens

Assim, seguindo a tendência dos anos 1980 – quando a epistemologia positivista


começava a ser criticada pelos pós-positivistas, porém sem grande repercussão – na
década de 1990, com o fim da Guerra Fria, assistiu-se também ao reposicionamento
dos temas éticos na agenda internacional. Esse reposicionamento ocorreu nos anos
1990, o que conduziu à retoma, em força, do debate normativo nas Relações
Internacionais.

Assim, estas perspetivas abriram caminho para que, na década de 1990, o papel do
Direito Internacional e das organizações internacionais, a universalização dos
regimes democráticos liberais e a relação entre a paz e o comércio internacional –
temas especificamente idealistas – fossem recuperados na base da importância
concedida à normatividade do Paradigma Idealista. Afinal, do ponto de vista das
abordagens reflexivistas, a complexidade do sistema internacional a partir do final
da Guerra Fria exige a compreensão da cooperação internacional através da
tradição idealista, que significa a crença de que práticas e instituições podem ser
modificadas, gerando a reforma do sistema, numa base normativa, que encara as
ideias enquanto variável explicativa dos fenómenos internacionais.

Neste sentido, os anos 1990 assumem-se como a década da crítica ao positivismo e


ao empiricismo, embora o Paradigma Realista/Neorrealista não deixe de continuar
a ser utilizado. Se os anos 1970 haviam assinalado o Realismo do pós-Guerra como
incapaz de explicar os fenómenos transnacionais e da interdependência por se
basear em premissas equivocadas, os institucionalistas neoliberais e os partidários
das perspetivas reflexivistas evidenciam nos anos 1980 que a epistemologia pós-
positivista não era capaz de conviver com fenómenos como as instituições
internacionais. A verdade, porém, é que os institucionalistas neoliberais incorporam

87
conceitos-chave do Neorrealismo, como poder e racionalidade, enquanto as
perspetivas reflexivistas foram marginalizadas.

Assim, na década de 1990 estrutura-se o 2º Grande Debate das relações


Internacionais, entre neorrealistas e institucionalistas neoliberais, ainda num
quadro amplamente racionalista, embora as perspetivas não racionalistas
ancoradas numa metodologia de base crítica ao positivismo ganhassem dinâmica,
vindo a organizar a Teoria das Relações Internacionais para o século XXI, quando se
assistira à composição do 3º Grande Debate das Relações Internacionais, entre
racionalistas e abordagens reflexivistas.

3.3) Abordagens Racionalistas VS Abordagens Reflexivistas

A introdução, em força, do papel das ideias nos estudos internacionalistas


promoveu a estruturação do debate teórico entre racionalistas e partidários de
epistemologias interpretativas, sendo os racionalistas compostos por realistas,
neorrealistas, institucionalistas neoliberais e todas as outras teorias das Relações
Internacionais, enquanto as epistemologias interpretativas enquadram os pós-
modernos, pós-estruturalista, teóricos críticos da Escola de Frankfurt,
institucionalistas históricos e sociológicos e os teóricos feministas. Centrado sobre
a natureza da realidade internacional e como esta deve ser interpretada e explicada,
o debate teórico entre racionalistas, de um lado, e partidários de epistemologias
interpretativas, de outro, ocorre, assim, num nível de abstração muito mais elevado
do que nos dois debates anteriores, já que tanto realistas e neorrealistas, quanto
institucionalistas neoliberais e teóricos de outras Escolas de Relações
Internacionais, uma vez que as suas premissas assumem sempre a lógica do
comportamento racional por parte dos agentes que estudam. A estes racionalistas
contrapõem-se os partidários de epistemologias interpretativas, que Robert
Keohane apelida de Reflexivistas.

Realistas como Hans Morgenthau e Morton Kaplan e neorrealistas como Kenneth


Waltz e Robert Gilpin, assentes numa ontologia positivista, explicam as relações
internacionais como respostas comportamentais dos Estados no seio do sistema
internacional. Do lado oposto, os partidários da ontologia pós-positivista
interpretativa ou reflexivista, assentes numa filosofia relativista da ciência, para a
qual o mundo natural e as evidências empíricas pouco ou nada constrangem as
crenças do indivíduo, procuram explicar as relações internacionais através do
estudo das relações sociais, já que o que importa no sistema internacional são as
relações sociais internacionais e, para que essas possam ser interpretadas, é
necessário estudar a única variável relevante, as ideias. Se os primeiros adotam uma
metodologia de base positivista, dita neopositivista, os segundos seguem uma
metodologia de base pós-positivista.

Estas abordagens relativas, ancoradas na sociologia interpretativistas que toma o


conhecimento como uma realização coletiva origina um dilema descrito como

88
círculo hermenêutico. O dado empírico destas análises será sempre mais uma
interpretação, aberta a questionamentos por outras interpretações ou leituras.

Para Emanuel Adler, os institucionalistas, centrados sobre os interesses materiais e


ideais que, mais do que as ideias, governam a conduta humana e, assim, as relações
internacionais, coincidem com os neorrealistas no fundamento das suas análises,
porém introduzem as ideias nas suas avaliações, fazendo uma concessão aos
interpretativistas reflexivistas. Afinal, Robert Keohane e Judith Goldstein
consideram que as ideias, entendidas enquanto crenças mantidas pelos indivíduos
podem afetar as escolhas e os resultados políticos no processo de escolha racional
para processamento das informações.

Segundo Keohane, a abordagem reflexivista consiste, desta forma, numa


abordagem sociológica ao estudo das instituições internacionais que enfatiza o
papel das forças sociais impessoais e do impacto das práticas culturais, normas e
valores que não resultam do cálculo dos interesses. Esta abordagem enfatiza a
natureza reflexivista do homem que, por conseguinte, origina instituições
internacionais também reflexivistas, razão pela qual, em última análise, a própria
política internacional tem também uma natureza reflexivista.

Esta natureza reflexivista da política internacional significa que a atividade


institucional internacional tem significados intersubjetivos, de acordo com os quais
os indivíduos, as organizações e os Estados se desenvolvem no contexto mais
abrangente das instituições internacionais. Assim, não se pode dizer que estas
instituições sejam apenas o reflexo das preferências e do poder das unidades que
as constituem. Na verdade, as instituições também moldam, ajudam a formar e
influenciam essas preferências e esse poder. Dito de outro modo, as preferências e
o poder das unidades que compõem as instituições internacionais são afetados
pelas instituições internacionais internamente e não são apenas resultados das
forças exógenas.

3.4) Construtivismo

Através desta introdução das ideias, os institucionalistas acreditam conseguir


estabelecer uma terceira via entre as abordagens racionalistas de base
neopositivista e as abordagens reflexivistas de base pós-positivista. Porém, a
verdadeira terceira via entre os dois opostos é constituída pelo construtivismo, uma
teoria social segundo a qual o modo pelo qual o mundo material forma a, e é
formado pela, ação e interação humana depende de interpretações normativas e
epistémicas dinâmicas do mundo material, podendo enquadrar-se, nesta
abordagem, para além do próprio Alexander Wendt, entre outros académicos.

O meio termo do construtivismo assenta na possibilidade, exposta por Alexander


Wendt, de se poder utilizar, em termos metodológicos, mesmo se sendo um forte
defensor das ontologias idealista e holista, sob as quais assenta o seu
Construtivismo, a metodologia positivista. Wendt tem consciência que esta mistura

89
entre a ontologia idealista-holista do Construtivismo com a metodologia positivista
característica a priori dos racionalistas o coloca no meio do Terceiro Grande Debate
das Relações Internacionais, embora o seu objetivo não seja criar uma
epistemologia eclética. Simplesmente, a ontologia idealista-holista não implica
necessariamente, do seu ponto de vista, uma epistemologia pós-positivista.

É neste sentido que Wendt procura, com o seu Construtivismo estreito, criar uma
via média através do Terceiro Debate das Relações Internacionais, buscando
reconciliar o que, para muitos académicos, é tido à partida como posições
epistemológicas e ontológicas incompatíveis. Afinal, o que realmente importa é o
que existe e não a forma como os teóricos o interpretam. Ademais, a ciência deveria
ser, em vez de método-orientada, questão-orientada, já que a importância das
questões constitutivas original um papel central, nas Ciências Sociais para os
métodos interpretativos. No entanto, os pós-positivistas dão demasiada ênfase à
epistemologia, enquanto os positivistas deveriam ter a mente mais aberta, tanto
para as questões, tanto para as novas metodologias. O esforço de Wendt vais assim
no sentido de tentar uma via média entre estas duas filosofias opostas, que têm
dificuldade em falar de si, e mostrar que, se os pós-positivistas podem dar menos
ênfase à epistemologia, também os positivistas podem ser abertos a novas questões
de pesquisa e a novos métodos de investigação.

4. 3º Grande Debate das RI

Podemos então concluir que o neorrealismo e o institucionalismo neoliberal entram em


queda. Então, outras perspetivas que vinham a ganhar dinâmica desde os anos 60
começam a ganhar força, são as tais perspetivas pós-modernas e pós-estruturalistas, a
teoria crítica da Escola de Frankfurt, as teorias feministas, teoria da justiça global, etc.

Este tipo de teorias teve início na década de 60, mas não teve repercussão pois nos anos
60 não tinham agenda empírica de pesquisa capaz de apresentar um verdadeiro projeto
de pesquisa que fosse algo conclusivo, algo capaz de estruturar uma teoria das RI.

Por outro lado, na década de 70, estas abordagens não ganharam dinâmica pois estavam
na sombra da Escola Inglesa que traz o conceito de sociedade internacional (sociedade
internacional – existe quando para além das regras, existem também valores, normas e
interesses comuns entre os vários atores que participam numa sociedade). esse
conceito foi muito importante para a teoria da RI e as abordagens pós-estruturalistas e
pós-modernas foram esquecidas.

Em 80 essas abordagens ficavam na sombra da teoria neorrealista de Kenneth Waltz.


Após a queda do muro de Berlim, essas teorias tiveram a possibilidade de aparecer com
dinâmica no âmbito da sociologia e foram importadas pelas RI.

Porquê? → porque elas vinham explicar a nova ordem internacional, a nova sociedade
internacional pós-derrube do muro de Berlim:

• Vieram colocar o indivíduo no centro dos debates das RI


90
• Vieram centrar as preocupações, os estudos da comunidade epistémica
Para além disto, surgiram novas organizações internacionais em geral como regimes
internacionais (regimes internacionais – são princípios, normas, regras e processos de
tomada de decisão por meio da expetativa e comportamento dos Estados, que deve
convergir) e por consequência era preciso estudar a normatividade dessas organizações
internacionais.

Isto devia-se ao facto de os Estados terem interesses comuns como também valores
comuns e sentirem a necessidade de criarem regras comuns de comportamento para
normatizar e assim pacificar a sociedade internacional de modo que nunca mais se
voltasse a repetir uma situação de Guerra fria.

Importou-se de certa forma o idealismo dos anos 20 misturado com o direito


internacional e abordagens da sociologia, o que deu origem a perspetivas pós-modernas
e pós-estruturalistas, a teoria crítica da Escola de Frankfurt, as teorias feministas, teoria
da justiça global, a normatividade do direito internacional, as regras e os
comportamentos dos Estados na RI.

A estas abordagens já Robert Keohane, no seu discurso havia apelidado de abordagens


reflexivistas (usam métodos alternativos como a interpretação crítica).

Robert Keohane não é um reflexivista, apenas apelidou as abordagens reflexivistas. Já o


neorrealismo, o institucionalismo neoliberal foram também, tal como o realismo e
grande parte das teorias das RI que fazia parte do mainstream, incluídas nas abordagens
racionalistas.

É assim, que surge o 3º Grande Debate:

✓ Abordagens Racionalistas (Comunitarismo)// Abordagens Reflexivistas


(Cosmopolitismo)// Construtivismo (meio-termo)

• Teoria Racionalista (assenta na razão e no neopositivismo)


o É composto por: realistas, neorrealistas e institucionalistas
neoliberais.
o Ontologia positivista: explica as relações internacionais como
respostas comportamentais dos Estados.
o O Estado é estudado de forma individualista e o individuo
percecionado apenas como cidadão, sendo parte integrante deste,
mas não o influenciando.
o O Estado é um ator racional, homogéneo, monolítico que se comporta
de forma reativa, representado pelo Governo (legítimo representante
do Estado).
o Isto tudo é uma ação nacional porque não se tem em conta as
perceções do líder, nem os valores. Só se tem em conta os interesses

91
do Estado, e ao defenderem-se só os interesses do Estado, está a
defender-se uma posição racional do Estado.
o O Estado é monolítico e um só. Não vale a pena identificar as
características internas do Estado → é unitário na medida em que
apenas conta a vontade que emana do governo, único representante
legítimo do Estado na sociedade internacional.
O Estado é homogéneo porque não interessa saber quantos ministérios o compõem, ao
contrário da visão das teorias reflexivistas, porque os ministérios de hoje têm relevância
na parte da política externa. Porém, para os racionalistas só conta a vontade do Governo
como legítimo representante do Estado.

• Teoria Reflexivista (assenta na abordagem interpretativista)


o É composta por: pós-modernos, pós-estruturalistas, críticos da Escola
de Frankfurt, institucionalistas históricos e sociológicos, e os teóricos
feministas.
o Ontologia pós-positivista: o mundo ou as evidências empíricas não
são significativas no constrangimento de crenças dos indivíduos.
Procuram explicar o mundo através dos ideais.
o Valorização da intersubjetividade humana: as relações entre
indivíduos começam pelo ponto mais micro possível.
o O Estado não é monolítico, ou seja, o Estado não é mais composto por
uma só figura que é o Governo, o líder em representação legítima.
o O Estado não é homogéneo, é heterogéneo, formado por vários
ministérios que trabalham de forma autónoma em termos de política
externa.
o O Estado não é mais racional porque está sujeito aos valores, à moral,
às perceções das suas lideranças → assim as suas ações são
inesperadas, não são programadas. Ele não tem um comportamento
reativo.
Nesta abordagem de começar pelo contexto mais micro possível entende-se que
o Estado só existe por ser composto por indivíduos, sendo que, os reflexivistas
consideram relevante o estudo relativo às ideias dos indivíduos, pois são estas
que influenciam, na realidade, a entidade abstrata que consideram ser o Estado.

▪ Holista: estuda o indivíduo como um todo, analisando o seu papel


e influência no internacional; através do estudo das suas ideias e
não de características específicas individuais que não produzam
qualquer tipo de efeito na atuação dos Estados e,
consequentemente, no sistema internacional.
▪ Sistémica (≠ reducionista): estuda todo o sistema internacional,
mais especificamente, a influência dos indivíduos sobre o mesmo.

92
▪ Metodologia das abordagens reflexivistas:

❖ Consistem numa lógica interpretativa, ou seja, vão centrar-se


no indivíduo enquanto indivíduo em si (moral, valores e
perceções próprias, pensa de maneira própria) e não
enquanto cidadão de um Estado (com deveres e regras).
❖ A moral, os valores e as perceções dão origem a várias
realidades. Não existe uma realidade, mas sim tantas quanto
os indivíduos, e para interpretar essas realidades o método
principal, utilizado pelos reflexivistas, é a interpretação.
Segundo Emmanuel Adler (construtivista) esse método de
interpretação pode dar origem ao que ele apelida de ciclo
hermenêutico.
Ciclo hermenêutico – se os reflexivistas vão utilizar o método interpretativista
então vão basear-se constantemente em textos produzidos por outros autores
para produzir o seu próprio texto, a sua própria interpretação e depois o que vier
a seguir será o mesmo, havendo uma repetição de uma linha de leitura
interpretativa que remete para um ciclo vicioso.

➔ Por isso é que a linguagem tem uma importância


fundamental a nível das teorias reflexivistas, ou seja, é
outro método por estas utilizado. A linguagem não tem
necessariamente de seguir um padrão comum. O que de
facto existe nessas abordagens reflexivistas é a
relativização da ciência.

o Ou seja, as realidades que existem não são realidades


empíricas fixas. Cada membro da comunidade epistémica
olha para a realidade e perspetiva-a de uma determinada
forma sempre diferente.

• Construtivismo de Alexander Wendt

o Teoria social importada para as RI, transformando-se numa teoria


das RI e que compõe o meio-termo do 3ºGrande Debate entre as
abordagens reflexivas e racionalistas.

Segundo Emmanuel Adler, o construtivismo de Alexander Wendt é o que compõe o


meio-termo do 3ºGrande Debate. Embora Wendt seja um construtivista, ele aceita
metodologias pós-positivistas e também aceita metodologias positivistas para os
estudos das realidades empíricas, a realidade estudada é possível ser estudada por
uma mistura de metodologias, logo Wendt apesar de dizer que não pretende ser
eclético, ele é bastante aberto na forma como encara o seu construtivismo.

o O construtivismo é uma teoria social das RI que tal como as


abordagens reflexivistas, assenta sobretudo no indivíduo
93
enquanto indivíduo, e por isso valoriza as perceções dos
indivíduos na realidade empírica.

Realidade Empírica – como é valorizada por cada indivíduo de forma diferente


então trata-se de uma realidade diferente para cada indivíduo.

o É uma realidade que está sempre em movimento porque o


indivíduo é um ser que está sempre em evolução. O indivíduo vive
em sociabilidade, vive em inter-relação com os outros indivíduos.
A esta inter-relação dá-se o nome de intersubjetividade.
Intersubjetividade – não é mais do que os indivíduos se relacionando uns com
os outros, se isto acontece a estrutura da sociedade internacional vai ser uma
estrutura socialmente construída → porque os indivíduos se relacionam entre si
na base da intersubjetividade humana. Então, a sociedade internacional é
socialmente construída, isto significa que o Estado, grupos sociais são
socialmente construídos e a política interna é socialmente construída, assim
como as RI.

Contudo, embora seja tudo socialmente construído, não significa que as forças
materiais e os interesses não tenham importância. A sua importância encontra-
se, antes, num plano secundário.

o E porque é que a realidade empírica é socialmente construída?


Porque os conflitos são socialmente construídos da
intersubjetividade humana, que deriva das perceções dos
indivíduos.
o Deste modo, o indivíduo está (tal como nas abordagens reflexivas)
no centro do debate do construtivismo, e este assenta nesta rede
de valores do indivíduo, da intersubjetividade humana e da
realidade socialmente construída.
Para o construtivismo, o pano de fundo das RI, onde os agentes atuam, é a sociedade
internacional:

• Porque há valores comuns entre os agentes.


• Porque há interesses comuns entre os agentes.
• Porque os agentes voluntariamente estabelecem padrões e regras comuns de
comportamento.
Ao estabelecer estas regras/padrões comuns de comportamento, os agentes das RI
estão a criar entre si, sempre na base da intersubjetividade, ou seja, estão a criar
entre si redes normativas.

Redes Normativas – são o conjunto de regras e comportamentos padronizados


que levam os agentes das RI a terem um comportamento comum na base da
intersubjetividade humana.

94
o O comportamento pode não ser comum, pois quando há um conflito há
divergências de comportamento, pois os interesses sobrepõem-se aos
valores e às regras comuns de comportamento, gerando-se um conflito
que muitas vezes vem equilibrar o sistema, apesar de ser doloroso.
o As redes normativas, em geral, apesar dos conflitos (estes são exceção)
são norma. A norma é o cumprimento da regra, então as redes
normativas servem efetivamente para padronizar o comportamento dos
agentes na sociedade internacional.
o As redes normativas são origem ao que Ernest Hass chama de
comunidades epistémicas (≠ comunidade epistémica das RI). Estes são
grupos especializados numa determinada área temática que têm um
forte conhecimento sobre a mesma, e que atuando internacionalmente
na sociedade internacional podem mesmo influenciar a política externa
dos Estados.

O Construtivismo é das teorias das RI que mais vem ganhando adeptos no século
XXI, sendo isso um indicador muito bom. Contudo, seria melhor se tal indicasse
um verdadeiro fortalecimento da teoria em si, o que não é o caso.

Para além disto, o Construtivismo tem vindo a ganhar mais adeptos porque há
muitos académicos das RI que procuram fugir das teorias clássicas das RI, sem
cair nos extremos (abordagens reflexivistas), pelo que adotam o Construtivismo
como teoria que sobre os seus estudos de modo a alcançar um manto de
legitimidade sobre a realidade empírica.

5. Globalização

4.1) Problemas Globais, Lei da Complexidade Crescente das Relações


Internacionais e Conceito.

No fim dos anos 1980, assiste-se à estruturação do paradigma da globalização, reforçado


pelo derrube do muro de Berlim em 1989 e todas as consequências daí resultantes,
primeiro para a Europa, depois para todo o sistema internacional, com a generalização
do binómio democracia + economia de mercado.

A globalização provocou, desde logo, o desenvolvimento de novas tendências no


comércio internacional, nas migrações e na sociedade civil transnacional em geral, no
progresso das comunicações de todo o tipo, fazendo acelerar a interdependência e
interconetividade entre os povos, que vieram desafiar as competências dos Estados
nacionais.

Simultaneamente, assistiu-se a um aumento dos processos de regionalização – como o


fortalecimento da União Europeia (EU) ao longo dos anos 1990, a criação do Mercosul,
a APEC, a OEA, a Alianço do Pacífico, a Comunidade Andina, entre muitos outros – e dos
processos de fragmentação – como o desmantelamento da URSS, da Checoslováquia,
da Jugoslávia, do Sudão, entre muitos outros casos – num processo de convergência e

95
divergência que vai muito além da simples análise que era operada em tese-antítese-
síntese. Com a globalização, chegam os teóricos da complexidade a afirmar que, ao
mesmo que em há convergência, existe também divergência, e que o terceiro tempo é
o da emergência, o tempo que consiste numa fase de evolução em que tudo se torna
mais complexo, já que não há uma síntese, existe apenas um começo com convergência
e divergência, novas e velhas, em simultâneo.

Este contexto contribui para a emergência de questões transnacionais, ditas globais,


porque a toda a Humanidade dizem respeito, porque não podem ser tratadas
isoladamente por este ou aquele Estado, mas somente por em conjunto, com o
ambiente ou o crime internacional, para só citar alguns exemplos.

Neste sentido, altera-se, cada vez mais, a balança entre guerra e bem-estar, quer a nível
interno dos Estados, quer a nível internacional. E, de tudo isto, resulta que nem sempre
os governos nacionais – enquanto legítimos representantes dos Estados – têm a
capacidade de formular e executar sozinhos a sua política externa ou, dito por outras
palavras, controlar a sua esfera de ação externa. Afinal, em várias transações
económicas internacionais, atividades de grandes corporações transnacionais, ações de
especuladores ou de atores políticos transnacionais, entre outras, os Estados são apenas
uma parte do processo e, muitas vezes, nem sequer a mais importante. As ações dessas
transações, corporações transnacionais, especuladores, atores políticos transnacionais,
por exemplo, originam crises que os Estados é que têm de solucionar, ainda que não
tenham estado na sua origem. Isto significa que muitos fenómenos e atores
constrangem e limitam a autoridade dos governos nacionais e a sua capacidade para
lidar com as diversas situações (WEBBER & SMITH, 2002: 10-11).

Assim, surgem novos desafios à tradicionalmente clara distinção entre política


interna/doméstica e política internacional e entre questões internas e questões
internacionais, já que ambas se entrelaçam num emaranhado de interdependências
interconetividade, assim como há uma tendência para a governança global. Afinal, foi
no nosso tempo que surgiu uma espécie de ameaça global, que leva os homens a ganhar
consciência de uma globalidade humana, isto é, consciência de que existem problemas
globais, inimigos globais, que afetam e ameaçam toda a Humanidade (MALTEZ, 2002:
105).

Na verdade, o primeiro estímulo para a identificação e a sobrevivência das comunidades


políticas deixa de ser a tradicional dicotomia amigos x inimigos de cada comunidade
isolada, como outrora, e passa a ser a existência de inimigos globais comuns a todas
essas comunidades políticas. São estes inimigos globais que compõem a ameaça global,
e isto é que leva os homens a identificarem-se uns com os outros, leva-os a ganhar
consciência da globalidade humana (MALTEZ, 2002: 105).

Isto é a globalização, para os anglo-saxónicos, a mondialization, para os franceses, o


abraço armilar, para os portugueses, expressão de Almerindo Lessa (1909-1997) que,
em 1965, organizou, no antigo ISCSPU, em colaboração com a Sociedade de Teilhard de

96
Chardin e o Centro Português de Estudos Europeus, um colóquio sobre a Unidade do
Género Humano (MALTEZ, 2002: 108).

Em linguagem weberiana, “já não somos apenas sociedade enquanto partilha de


interesses. Já temos sinais de comunidade, dado que se vislumbra uma espécie de
aceitação de valores comuns. Já não vivemos apenas num modelo de ajustamento de
interesses partilhados racionalmente, mas começamos a ter ações orientadas pelo
sentimento de pertencermos a um todo” (MALTEZ, 2002: 104). Isto é a globalização, a
mundialização, a planetarização dos fenómenos, a unidade do género humano. Tudo
resultando da complexidade desses fenómenos, do mundo, da política internacional,
das relações internacionais -> é a lei da complexidade crescente das relações
internacionais, que significa o aumento dos centros de decisão e dos fluxos mútuos, que
se traduz em dois aspetos fundamentais:

• Aumento quantitativo dos centros de decisão – no sentido em que cada vez há


mais processos de regionalização – que, para além dos Estados, criam mais um
centro de decisão, a própria autoridade do processo de decisão – e de
fragmentação – no sentido em que o desmembramento dos Estados origina dois
ou mais novos Estados, assim aumentando, evidentemente, o número de
centros de decisão;
• Aumento qualitativo dos fluxos entre esses centros de decisão – já que, se
aumenta o número de centros de decisão, as suas relações mútuas, no sistema
internacional, irão somar-se às que já existem, fazendo, por conseguinte, com
que haja um aumento qualitativo dos relacionamentos entre os agentes
internacionais, sendo certo que, a esses relacionamentos, dá-se a designação de
fluxos.

Vale notar que, embora o desenvolvimento do pensamento complexo tenha ficado ao


encargo de diversos autores, dentre os quais se podem destacar Teilhard de Chardin,
Gilberto Freyre, Kenneth Boulding e Daniel Bell, com base na tese do perspetivismo de
Ortega y Gasset, foi Adriano Moreira quem aplicou a lei da complexidade crescente às
relações internacionais.

Lei da complexidade crescente – significa que aumentam a quantidade de polos


de decisão porque os Estados não são mais os únicos atores da RI e porque há
processos de regionalização, e sobretudo de fragmentação que fazem aumentar
o número de polos de decisão, ou seja, de atores que vão decidir nas RI e
consequentemente, se aumentam o número de polos de decisão, aumentam
também os fluxos entre esses polos de decisão. Há, portanto, um aumento, pelo
que a lei da complexidade crescente das RI significa um aumento quantitativo e
qualitativo ao nível das RI.

Considerando as ameaças globais, a consciência da globalidade humana e a lei da


complexidade crescente das relações internacionais, a verdade é que, hoje, não se pode
estudar Relações Internacionais sem ter em conta o fenómeno da globalização, que
Andrew Heywood (2011: 9) define como:
97
Globalização – emergência de uma complexa rede de interconetividade que
significa que as nossas são moldadas por eventos que ocorrem e decisões são
tomadas a uma grande distância de nós.

A questão central da globalização é, por conseguinte, que a distância geográfica está


perdendo relevância e que as fronteiras territoriais, como as que dividem os Estados,
estão se tornando menos significativas. Em todo o caso, a globalização não significa,
todavia, que o “local” e o “nacional” passem a estar subordinados ao “global”. Ao
contrário, a globalização sublinha o aprofundamento e a extensão do processo político,
no sentido em que os eventos locais, nacionais e globais (ou talvez locais, regionais,
nacionais, internacionais e globais) estão em constante interação”. Isto significa que, se
o tempo diminui em relações internacionais em função do avanço extraordinário de
todos os tipos de comunicações, que permitem que as notícias se desloquem em tempo
real, assim como a como a comunicação interpessoal, o espaço em relações
internacionais diminuiu, graças à interdependência e interconetividade que unem todos
os agentes internacionais, incluindo o indivíduo. Simultaneamente, o `global` não se
torna mais importante que os restantes níveis das relações internacionais, uma vez que,
em lugar de os absorver, todos eles convivem numa esfera que partilha um ponto de
interseção.

O conceito de globalização de Anthony Giddens, dado em 1990, vai no mesmo sentido


que o de Andrew Heywood, já que, para Giddens:

Globalização – converte-se na “intensificação das relações sociais por todo o


mundo, promovendo a ligação de localidades distantes, de tal forma que os
acontecimentos locais acabam por ser influenciados por acontecimentos que
têm lugar a milhares de quilómetros e vice-versa”.

Naturalmente que, frente a este conceito, a globalização é um fenómeno ou processo


que tem um profundo impacto nas relações internacionais. Na realidade, pode mesmo
dizer-se que nenhum desenvolvimento desafiou tanto a imagem convencional
estatocênctrica da política internacional de forma tão radical como a globalização. Há
mesmo quem fale em globalismo (HEYWOOD, 2011: 9) como a ideologia que suporta a
globalização, as teorias, os valores e as premissas que guiam o processo de globalização.

4.2) Perspetivas sobre a Globalização

Considerando o anteriormente exposto, é verdade que a globalização alterou a forma


como se encaram as relações internacionais, surgindo novas abordagens e perspetivas.

Todavia, facto é que não existe consenso, na Academia, quanto à forma de encarar a
globalização.

a) Céticos – visão realista, mais conservadora


Encara a globalização em termos de aumento da interdependência económica
entre os agentes internacionais, mas a atividade económica ocorre dentro, e não

98
acima, das fronteiras nacionais, pelo que o Estado se mantém como o principal
agente das relações internacionais.
Pode continuar a manter-se a visão estatocênctrica das relações internacionais,
abandonando, ou moderando o pressuposto de que a política externa dos
Estados é dominada por questões de segurança. Segundo esta visão cética, o
Estado continua a ser o principal agente das relações internacionais, todavia, a
diplomacia decorre tradicionalmente sem o pressuposto de que a força e a
segurança são as suas principais preocupações, de modo que a política
económica se torna tão importante quanto a gestão das questões tradicionais
da política externa, assim como outras políticas, cada qual gerida pelo ministério
competente e não pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Na realidade, não obstante os Estados, através dos respetivos ministérios,
tentarem fazer tudo isso de forma autónoma, já não são capazes, uma vez que
existe um número muito elevado de atividades transnacionais que está nas mãos
de organizações internacionais, grandes corporações transnacionais, grandes
especuladores invisíveis, organizações não-governamentais, do próprio
indivíduo, etc., que fogem ao controlo dos Estados (BROWN & AINLEY, 2012: 22)
– aspeto a que a visão cética é insensível por ter uma base realista.

b) Hiperglobalistas – os grandes crentes na globalização


Os hiperglobalistas apresentam a globalização como um processo de alterações
profundas, radicais, que ocorreram no mundo em termos económicos, políticos,
tecnológicos, sociais e culturais que os leva, mesmo, a falar num mundo sem
fronteiras, o que pressupõe que os Estados se tornam irrelevantes. Os
hiperglobalistas compõem, deste forma, conceções mais radicais das relações
internacionais, que assentam no paradigma da globalização, cujos defensores,
embora conscientes da importância que os Estados continuam a 6 ter, recusam-
se a coloca-los no centro das suas atenções (BROWN & AINLEY, 2012: 23). Em
lugar disso, os adeptos do paradigma da globalização colocam a ênfase das suas
análises nas transações globais que, a seu ver, ocorrem a todos os níveis, do
social ao político, passando sobretudo pelo económico. Ademais, as suas
análises começam pelo nível global (e não pelo Estado, para depois avançarem
para o global) e só fazem o Estado intervir quando lhes convém. Os mais radicais
chegam a defender o argumento do mundo sem fronteiras (BROWN & AINLEY,
2012: 24).

c) Liberais – os que encaram a globalização de um ponto de vista racional


Consideram que a globalização representa a vitória da economia de mercado
sobre outras fórmulas económicas, designadamente a socialista, após o colapso
da URSS e do bloco soviético. Sendo a globalização um processo surgido,
essencialmente, após os acontecimentos que alteraram o sistema internacional
em 1989-1991, os liberais encaram-na como consequência da vitória do bloco
capitalista sobre o bloco socialista na Guerra Fria. Neste âmbito, venceram

99
também a democracia e a economia de mercado, que se espraiaram aos quatro
cantos do mundo. A globalização surge, assim, como característica da economia
de mercado, significando, com esta, a crença no mercado.

d) Críticos – visão marxista de crítica ao capitalismo e contrária à globalização, já


que integra uma elevada dose de militância política.
Para esta visão crítica, a globalização surge como uma ferramenta para o
estabelecimento de uma ordem capitalista mundial. Ademais, segundo os
marxistas, na realidade a globalização em si não traz nada de novo, já que a
estrutura económica da sociedade, a nível global e micro, sempre assentou em
relações sociais. O próprio Marx já havia avançado muito do que o agora vêm
dizer os hiperglobalistas, pois os Estados nunca foram importantes na estrutura
socioeconómica de uma sociedade, mas antes as classes sociais que, se fazem
mover a história, fazem também evoluir essa mesma estrutura socioeconómica.

e) Transformistas – os que aceitam as grandes alterações introduzidas na


sociedade pela globalização, todavia afirmam que as estruturas básicas e
tradicionais do sistema estatocêntricos mantêm-se, o que significa que as
grandes transformações que a globalização introduziu na sociedade
internacional não foram suficientes para alterar as estruturas profundas da
política internacional.
Com efeito, frente às diversas posições supra explicitadas, outros consideram
que a ênfase das relações internacionais deve ser colocada nas transações
transnacionais em geral e na forma como os vários agentes internacionais se
relacionam, sejam eles estatais ou não. Durante algum tempo, ou numa
perspetiva pragmática, os Estados podem até ser considerados os principais
agentes das relações internacionais, porém esta avaliação terá sempre de ter em
conta que, além dos Estados, há muitos outros intervenientes no processo e que,
por ventura, os Estados serão apenas um dentre esses múltiplos intervenientes
no processo (BROWN & AINLEY, 2012: 23).
Trata-se, na verdade, de uma posição intermédia e, por conseguinte, daquela
que, no meio de todas as posturas que têm vindo a ser adotadas perante o
entendimento da globalização, mais tem reunido um maior apoio por parte da
comunidade epistémica de Relações Internacionais – até porque, de facto, as
transformações existem, mas não devem ser sobrevalorizadas.

4.3) Transformações e Continuidades decorrentes da Globalização

Frente às várias abordagens realizadas ao fenómeno da globalização, assim como ao seu


conceito e às várias características que foram sendo expostas, é possível afirmar-se que
esta desafia as competências dos Estados e que, por isso, a abordagem estatocênctrica
das relações internacionais se torna difícil de sustentar. Razão pela qual surgem
perspetivas novas, para as quais a política internacional não se resume às relações

100
interestatais isoladas dos processos de comunicação e relação entre as sociedades, isto
é, abordagens que vão além do estatocentrismo realista.

Para estas, os Estados são agentes da política internacional, todavia não são os únicos,
nem os mais importantes.

São agentes internacionais importantes no sentido em que estabelecem as regras do


ordenamento internacional nos vários níveis (económico, político, social, tecnológico,
etc.), porém não são eles quem determina a agenda internacional, tampouco toma as
decisões sozinhos, já que os Estados não podem ir contra os interesses dos grandes
grupos económicos, da Banca, entre outros agentes internacionais de carácter
especialmente económico, já que são estes que suportam muitos Estados.

É precisamente neste sentido que a visão transformista é a que tem reunido maior
apoio. Afinal, as transformações introduzidas na sociedade internacional são
significativas, todavia não devem ser sobrevalorizadas, já que não alteraram a estrutura
profunda da política internacional. Torna-se, pois, essencial, analisar de perto, quer as
referidas transformações, quer as continuidades que o processo de globalização tem
implicado, para que se consigam avaliar, de facto, os impactos da globalização sobre a
política internacional.

a) Transformações
• A globalização criou um ambiente de mudança globalizante.
o A interconetividade ajustou e estreitou os laços sociais, políticos,
económicos e culturais por cima das fronteiras estatais,
parecendo que se caminha para um sistema internacional único a
nível global
o A intensidade dessa interconetividade aumentou a magnitude
das atividades transfronteiriças ou transnacionais, ou mesmo
transmundiais, manifestando-se em diversas formas, como as
migrações, o aumento do comércio internacional, o acesso a
culturas distintas, etc. Isto significa que, qualquer questão interna
de um Estado rapidamente se internacionaliza (externaliza),
enquanto as questões internacionais também rapidamente se
internalizam para o fórum interno dos Estados, ocorrendo, por
conseguinte, uma dissolução de fronteiras entre o doméstico e o
externo.
• A interconetividade acelerou o tempo e estreitou o lugar em relações
internacionais, no sentido em que tudo ocorre no mesmo momento em
todos lugares.
• A globalização proporcionou um aumento dos problemas globais
• Assim como dos processos de regionalização e de fragmentação de
Estados, originando um aumento quantitativo do número de centros de
decisão e aumento qualitativo dos fluxos entre esses centros -> lei da
complexidade crescente das relações internacionais.

101
b) Continuidades
• O sistema westfaliano de Estados não colapsou e mantém-se bem
delineado
o Os Estados têm soberania
o As relações interestatais estruturam-se pela aceitação da
independência soberana de cada um, o que torna implícito o
princípio da igualdade de todos os Estados em termos jurídicos e
coloca o Direito Internacional na base do ordenamento do
sistema internacional, sobre o qual assentam os alicerces da
política internacional.
• A Justiça, a segurança e o poder afirmam-se como elementos de
continuidade, uma vez os Estados continuam a persegui-los.
• O Estado ainda é o principal sujeito de Direito Internacional e membro
das organizações internacionais (WEBBER &SMITH, 2002: 2).
• Do mesmo modo, o Estado ainda é a entidade organizacional do poder
político, militar, diplomático e, em certa medida, também do poder
económico (WEBBER & SMITH, 2002: 2), sendo certo que ele é, também,
quem faz as regras do ordenamento internacional a todos os níveis, ainda
que, conforme referido já, não controle mais a agenda internacional.

Face às transformações e continuidades que a globalização implica na sociedade


internacional, pode afirmar-se que a política externa se foca, hoje, essencialmente, nas
formas como, e na medida em que os governos nacionais conseguem lidar com os
desafios de um mundo substancialmente diferente. Não quer isto dizer que apenas se
devem ter em conta as abordagens tradicionais à política internacional, de carácter
jurídico-político, de acordo com as quais os Estados são os seus principais agentes e
apenas em situações específicas são considerados agentes da política internacional os
agentes não-estatais. As transformações provocadas pela globalização são reais e
evidentes e transformaram a sociedade internacional, de tal forma que interessa à
política internacional estudar de que forma os Estados, através dos seus legítimos
representantes – os governos nacionais – conseguem lidar com todas essas
transformações, que políticas formulam e executam, como o fazem e com que
resultados (WEBBER & SMITH, 2002: 2).

Neste sentido, existe uma inter-relação entre as esferas do nacional, do regional, da


política internacional e da governança global, havendo, entre todas elas, um ponto de
interseção que condensa essa inter-relação. Daí que as relações internacionais sejam
visíveis em três níveis, apresentados em gradação no sentido de uma maior integração:

1. Interestadual -> Cooperação


2. Supraestadual -> Integração
3. Transestadual -> Sociedade internacional -> Governança global (se se pensar
em termos de globalização)

102
4.4) Tipos de Globalização

A globalização, em todas as suas características, particularmente a interdependência e


a interconetividade, tem sido interpretada em três grandes eixos, a saber:

1. Globalização económica – significa que as economias nacionais foram absorvidas


por uma única economia global, que integra os mercados, a regulamentação
comercial (OMC) e financeira (ainda insípida), a geoeconomia e a geofinança. A
globalização económica existe sem dúvida, proporcionada pela expansão da
economia de mercado a todo o sistema internacional após as transformações
operadas no Leste europeu no período 1989-1991.

2. Globalização cultural – significa a existência de informação, comodidades, visões


de mundo, a moda, os hábitos de consumo, etc., que se produzem numa parte
do mundo e tendem a entrar num fluxo que atenua as diferenças culturais entre
os Estados, as regiões, os indivíduos.

3. Globalização política – significaria que as responsabilidades de formulação das


políticas passariam, dos governos nacionais, para as organizações internacionais,
ou mesmo autoridades supranacionais. Ora, este foco político da globalização
pressupõe que as lealdades dos cidadãos passaram, dos Estados nacionais, para
outras entidades, dada a incapacidade dos Estados em 10 prover as necessidades
básicas dos seus cidadãos. Já funcionalistas e neofuncionalistas – conforme
estudaremos – diziam isto nas décadas de 1950- 1960, para explicar a origem
dos processos de integração. Todavia, a realidade atual não é esta. Não existe
globalização política, pois não existe um governo que se sobreponha à
autoridade soberana dos Estados.

Capítulo 6) Anos 1970


1. Contexto Histórico
A década de 1970 vem trazer outras novidades ao estudo das Relações Internacionais,
também integradas na crítica ao Realismo. Afinal, os fenómenos da década de 1960,
associados à revolta dos povos do mundo, às reivindicações do então Terceiro Mundo
por uma nova ordem económica internacional, às crises petrolíferas e à crise financeira
internacional, não podiam ser interpretados, nem pelas lógicas behavioristas, nem pelas
realistas, enquanto mesmo as terceiristas vias pareciam incapazes de enquadrar, na
totalidade, a interpretação desses fenómenos, que transbordaram consequências para
a década seguinte. Não cabendo nas fórmulas tradicionais nem nas behavioristas,
tornavase necessário, para explicar os fenómenos dos anos 1960-1970, uma outra base
teórica para encarar o mundo.

Assim, estruturam-se dois tipos de respostas. Desde logo, contestações de caráter não
radical surgiram pelo viés liberal, procurando explicar os fenómenos internacionais da

103
década de 1960 e 1970, que o Realismo não se mostrava capaz de explicar, dando
origem à perspetiva Transnacionalista e às Teses da Interdependência de Robert
Keohane e Joseph Nye. Outras contestações ao Realismo, de carácter radical, foram
desenvolvidas pelo viés marxista através das teses cepalinas do pensamento
estruturalista latino-americano de Relações Internacionais, tomando a forma,
designadamente, nas teorias de dependência.

No final da década de 1960 e início da seguinte, o mundo assistiu a grandes


transformações, enquanto o fenómeno da integração económica e política em várias
regiões do mundo conduzia aos desenvolvimentos do Funcionalismo e do
Neofuncionalismo.

Com efeito, enquanto a Guerra Fria entrava em período de esmorecimento e as grandes


potências iniciavam uma política de détente, o receio de uma guerra nuclear diminuía
consideravelmente, abrindo espaço, na agenda internacional, para a entrada de outros
temas, designadamente motivados pelo fenómeno da segunda vaga de
descolonizações.

Simultaneamente, os preços do petróleo subiam abruptamente, em função dos choques


petrolíferos e da Guerra do Yom Kippur, e o sistema monetário internacional
desregulamentava-se com a desvalorização do dólar americano – moeda que, desde a
década de 1940, servia de referência a todas as economias ocidentais – levando à rutura
da sua paridade relativamente ao ouro. A crise financeira internacional atingia o auge e
afetava as economias nacionais um pouco por todo o mundo, resultado das
interdependências que existiam entre as mesmas.

Por um lado, estes acontecimentos mostraram que as questões económicas eram


absolutamente necessárias de serem estudadas para que as relações internacionais
pudessem ser compreendidas. Por outro lado, esse conjunto de acontecimentos
demonstrou que o que acontece numa parte do globo tem imediatamente reflexos no
mundo todo, começando a articular-se o que, a partir da década de 1990, viria a
denominar-se de globalização.

2. Propostas sobre as RI da América Latina


• Sub-região das Américas que se subdivide em América Central e América do Sul.
o Esta divisão é histórico-cultural linguística (base é a mesma para todos os
países da região, não geográfica, porque o México pertencia à América
do Norte
o Tem aproximação económica dos EUA, mas na realidade artilha com os
seus parceiros latinos a cultura.

Até ao canal do Panamá sente-se a influência da América do Norte e a dependência da


mesma; já na América do Sul as economias giram em torno da economia brasileira, por
isso é que há mais preocupação com o que se passa no Brasil em termos económicos e
principalmente económicos (“Um espirro no Brasil é uma constipação para a América

104
do Sul”). A América do Sul é o destino dos investimentos diretos estrangeiros prioritário
do Brasil. Só depois é que o Brasil começou a investir noutros países.

o Proposta de RI da América do Sul, mais do Sul do que da América Latina.


o Proposta de RI da América do Sul tem início, segundo vários académicos, no final
do séc. XIX.

Porquê? Porque é nesta altura que se concluem os processos independentistas das


antigas colónias portuguesas e espanholas da América do Sul e dá-se a formação de
novos Estados independentistas. Uns formam-se em República e outros em Império
(Brasil).

Esta fase vai durar desde o século XIX até 1930 e é designada: fase liberal
conservadora ou modelo liberal conservador.

Os recém-independentes novos Estados estavam preocupados em ter o


reconhecimento dos Estados Europeus para conseguirem ser Estados no sistema
internacional, logo o seu objetivo era trabalhar nesse sentido. Então, estes novos
Estados alinharam-se aos EUA em termos de política externa para trabalharem em
conjunto. Mas esta aliança teve certas condições, e o Brasil que era o maior território
da região tinha mais condições. Os outros eram reduzidos em tamanho por isso não
tinham muito a perder. Já o Brasil perdeu a sua hegemonia sobre a América do Sul por
causa desta aliança com os EUA, que lhe garantia o reconhecimento /apoio da sua
independência da Europa. Esta aliança do Brasil com os EUA foi uma aliança não-escrita.

Na aliança não-escrita estava definido que:


• A América do Norte ficava com toda a hegemonia da América Latina;
• O Brasil se subjugava aos EUA, a nível económico;
• O Brasil perdia a hegemonia que tinha sobre a América Latina e ficava
com um sub-hegemonia.

Ou seja, a hegemonia total sobre toda a América Latina pertencia à América do Norte, e
dentro dessa hegemonia estava uma sub-hegemonia que pertencia ao Brasil desde que
ficasse em subserviência (obediência) e não entrasse em conflito com o facto da América
do Norte ter toda a hegemonia sobre a América Latina.

Por outro lado, este período que vai do final do século XIX até 1930, as novas repúblicas
adotaram uma nova forma de comércio igual à da metrópole com as colónias, uma
economia liberal.

Economia liberal – comércio que visava o lucro da própria república sem a


preocupação da vantagem relativa do outro.

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Neste sentido, a república em causa poderia produzir e vender os seus excedentes para
fora de modo a obter lucros do comércio exterior sem ter a preocupação da vantagem
que outra república iria ter, vigorando o princípio do liberalismo.

Modelo liberal conservador

O modelo liberal conservador vigorou até 1930, pois nessa altura a situação económica
altera-se. Essa alteração deve-se ao Crash da bolsa em 1929 que provoca a Grande
Depressão -> é uma fase de entrerrego entre 1930 a 1945, em que os Estados vão tentar
adaptar-se à nova situação económica/financeira da realidade do sistema internacional.

Utilizam vários métodos para se salvarem. Mais tarde, vem a Guerra Civil Espanhola e
os Estados continuam sem saber o que fazer em termos de gerenciamento doas suas
relações externas. Até que a partir de 1942, os Estados começam a saber gerir as suas
relações externas através da chamada: Diplomacia da Barganha

• Diplomacia da Barganha:
o Teve o seu auge em plena 2WW
o Os Estados da América, sobretudo da América do Sul, o México e o
Brasil jogam, com sucesso, com um lado e com o outro do conflito
militar. Negociam, cedem e exigem dos dois lados do conflito,
obtendo vantagens económicas dos dois lados.
o O objetivo da diplomacia de Barganha é obter vantagens económicas.
o Acaba em 1943, pois Getúlio Vargas encontra-se com o Presidente
Roosevelt no Brasil, porque os norte-americanos receavam que a
vitória dos nazis na África se espalhasse até ao nordeste brasileiro e
tal situação poderia levar os nazis aos EUA. Para evitar tal
acontecimento, Roosevelt deu a Vargas tudo o que este precisava
para construir a Volta Redonda (siderurgia de alta ponta)
o Quando Vargas recebe o financiamento coloca-se no lado dos Aliados
do conflito militar, por isso terminou a Diplomacia de Barganha (só
poderia existir se nenhum país da América Latina estivesse colocado
numa posição oficial do conflito militar.

Quando a guerra acaba em 1945, as condições sociais existentes na América do Sul eram
totalmente diferentes das que existiam anteriormente sob o modelo liberal conservador
que acabou por colapsar em 1945.

A partir de 1945, as condições sociais eram outras e havia uma necessidade, um desejo
nacional pelo desenvolvimento económico, que na verdade era desenvolvimento
industrial. Ou seja, o que os líderes queriam era o desenvolvimento industrial dos
próprios países. Então o desenvolvimento económico era muitas vezes confundido com
o desenvolvimento industrial.

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Para dar resposta a esta realidade eram necessários os novos líderes que conseguissem
satisfazer estas medidas. O insípido desenvolvimento industrial dá origem a uma classe
social urbana que exigia novas condições de vida e participação ativa pública. Entramos
numa nova fase chamada: modelo desenvolvimentista.

Modelo desenvolvimentista: é um modelo que dá atenção ao desenvolvimento,


ao contrário do modelo liberal conservador, coloca o Estado ao serviço da
economia -> O Estado como agente investidor nas principais áreas económicas,
impulsionando as mesmas especialmente as indústrias.

o Ou seja, o Estado torna-se o impulsionador das principais áreas


industriais que leva ao desenvolvimento económico. O Estado torna-
se empreendedor que intervém na economia para fazer crescer a
economia através do desenvolvimento industrial.
o Este modelo desenvolvimentista é aquele que dura mais tempo, a
política externa é posta em serviço do desenvolvimento industrial e
torna-se pragmática, de forma a beneficiar o Estado
economicamente. Toda a política externa é posta ao serviço do
crescimento indústria.

Este período é mais longo porque começa em 1945, com o fim da 2WW e com as novas
exigências de sociedade, para além disto, passa por várias etapas como os golpes
militares (Argentina e Brasil) na década de 60.

Os golpes militares acabam por manter a lógica de desenvolvimento económico,


embora flexibilizem essa lógica de desenvolvimento; porque estes golpes militares na
América do Sul, em geral, são golpes militares apoiados pelos EUA, logo são golpes
militares de direita que apoiam o liberalismo, o capitalismo, o que não é compatível com
a existência de um Estado interventor na economia.

Este modelo espalhou-se por todos o Estados da América do Sul que veio terminar em
Crise da dívida

1982, os mesmo sofrem de uma crise e recorrem às instituições financeiras


internacionais e são impostas novas medidas, deixa-se o modelo desenvolvimentista e
cria-se outro tipo de modelo chamado: o modelo neoliberal, ou seja, a crise da dívida
veio dar origem ao modelo neoliberal.

Modelo neoliberal: é o modelo que tem na base o cumprimento das exigências


das instituições financeiras internacionais, ou seja, tudo aquilo que o FMI, o
Banco Mundial, etc. exigem à América Latina tem de ser cumprido senão não
lhes emprestam o dinheiro. Como os Estados da América Latina precisavam de
dinheiro, cumpriram as exigências e daí foi criado o Consenso de Washington.

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• Consenso de Washington:
o Não é um tratado escrito, é só uma reunião.
o Gerou-se entre as instituições financeiras internacionais, no sentido
de acordarem as medidas que os Estados da América Latina teriam de
satisfazer para beneficiar dos empréstimos
o A reunião é em Washington assim como mais tarde, os críticos fazem
uma reunião de Buenos Aires
o Resultou de uma união que foi feita em Washington

O modelo neoliberal é caraterizado pelos padrões do neoliberalismo

Enxugamento do Estado, o mesmo reduz-se, passa a ser não interventor


na economia.

Nota: O Chile no mesmo período desenvolvimentista é considerado uma exceção com


os seus “Chicago boys” (jovens que iam estudar para universidade de Chicago e
regressam para aplicar o que aprenderam.

Vários líderes latino-americanos passaram a ir estudar na Universidade de Chicago e


estavam desejosos de implementar as novas medidas monetaristas, chegavam com um
discurso moderno e ascendiam à presidência.

O período neoliberal é caraterizado economicamente pela versão das instituições


financeiras internacionais e pelo neoliberalismo do Consenso de Washington e em
termos políticos é criado um respeito por regimes internacionais.

Noutras fases os países da América Latina foram mais controversos, mais pró-ativos na
luta pela alteração do sistema internacional naquilo que não lhes convinha, agora
aceitavam pacificamente o sistema internacional em tudo aquilo que existia por isso
havia o respeito pelos regimes internacionais.

Mais tarde, gerou-se uma teoria na Argentina → Realismo periférico, de Carlos Escudé;
de acordo com a qual se defende em 5 pontos que a Argentina devia adotar uma posição
de país periférico, ou seja, de submissão às grandes potências, pois ela é periférica e só
assim a Argentina conseguiria tirar dividendos do sistema internacional que existia na
época neoliberal. Segundo Carlos, a teoria devia ser aplicada por todos os países que
fossem periféricos, tal como o Brasil, e se queria tirar vantagens económicas do sistema
internacional devia contentar-se com uma posição de periferia.

É claro que esta situação começou a desagradar populações em geral no final dos anos
90 e os próprios líderes políticos que não estavam no poder e mesmo os líderes que
tinham estado envolvidos na formação do Consenso de Washington mostravam-se
críticos contra o modelo neoliberal. Desta forma, formaram-se várias manifestações
antiglobalização, anti modelo neoliberal, etc. E começaram a reunir-se em reuniões no
Santigo do Chile e em Buenos Aires, onde foi formado o Consenso de Buenos Aires.
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Consenso de Buenos Aires – mas não teve repercussões

A partir do início séc. XXI começaram a subir ao poder, através das eleições livres e
democráticas, líderes oriundos da esquerda política do espectro tradicional esquerda-
direita. E esses líderes eram outsiders políticos, que não compunham uma esquerda
unitária. Então houve uma subida ao poder de vários esquerdistas:

▪ Brasil – Lula
▪ Bolívia - Evo Morales
▪ Equador – Rafael Correia
▪ Venezuela – Hugo Chavez
▪ Argentina – Cristina Kirchner

E por consequência subiram ao poder vários tipos de esquerda, é difícil colocar no


mesmo saco todas estas esquerdas, no entanto podemos tentar fazer uma
sistematização entre a esquerda nacionalista de Hugo Chavez, a esquerda mais social-
democrata de Lula e a esquerda de Kirchner que adotou uma postura bastante
neodesenvolvimentista (problemas entre a classe urbana e a classe do “campo”.

Nesse sentido, houve várias esquerdas a subir ao poder neste panorama esquerdista.

No entanto, é interessante verificar o modelo que se estruturou no Brasil, o modelo


logístico – estruturou-se com Lula, durou o 1º mandato de Dilma e caiu no 2º mandato
de Dilma terminando com o epitchment.

Modelo logístico – é uma combinação entre aquilo que é positivo do


neoliberalismo (a abertura dos mercados e o investimento direto estrangeiro
feito no Brasil e que o Brasil faz lá fora) com o que é positivo do modelo
desenvolvimentista (intervenção do Estado na economia), sendo certo que no
modelo logístico o Estado intervém apenas como Estado empresário no setores-
chave da economia.

o Claro que a este modelo logístico assim definido acrescem as políticas


sociais que Lula veio definir para o Brasil e que Dilma manteve,
algumas políticas sociais já vinham do antecessor de Lula -> Fernando
Henrique Cardoso (2 mandatos, 1995-2000)

Em 2010 há uma nova onde de direita no poder. Mais ou menos a partir de 2010 começa
a registar-se a eleição de presidente de direita:

▪ Argentina – Maurício Macri


▪ Colômbia – Ivan Duque
▪ Paraguai – Mário Benítez
▪ Chile - Sebastián Pinera
▪ Perú – Martin Vizcarra
▪ Brasil – Michel Temer
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E agora com a eleição de Bolsonaro torna-se evidente a viragem à direita do Brasil.
Provavelmente, isto deveu-se ao facto de as esquerdas não darem resposta às
necessidades desiguais, violentas da sociedade latino-americana, e neste sentido as
populações manifestavam o seu grande desagrado nas urnas. O Brasil foi uma situação
de corrupção que leva Bolsonaro a conseguir capacitar todo o ódio contra a corrupção
e disse que os ia resolver, sendo eleito.

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