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Planificação dos Conteúdos Programáticos
Parte I – Do fundamento Teórico das Teorias das Relações Internacionais
Síntese dos Temas Abordados
▪ Idealismo Wilsoniano
▪ Realismo
▪ Internacionalismo liberal
▪ Realismo pós-II Guerra Mundial
▪ Funcionalismo
▪ Behaviorismo
▪ Escola Francesa
▪ Escola Inglesa
▪ Perspetiva Transnacionalista e da Interdependência
▪ Marxismo e Neomarxismo, teorias da dependência
▪ Neorrealismo ou Realismo Estrutural
▪ Regimes Internacionais
▪ Institucionalismo Neoliberal
▪ Institucionalismo
▪ Governança sem Governo
▪ Perspetivas Pós-Positivistas e teorias críticas
▪ Construtivismo
▪ Século XXI e continuação dos debates dos anos 1990
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Capítulo 7 – Anos 1980
1. Do contexto histórico
2. Do neorrealismo ou realismo estrutural
2.1. Da reinterpretação das relações norte-sul por Stephen Krasner
3. Dos regimes internacionais
3.1. Das interpretações do fenómeno da integração europeia
4. Do institucionalismo Neoliberal
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Parte I – Do fundamento Teórico das Teorias das Relações
Internacionais
Capítulo 1) Da Disciplina das Relações Internacionais
Desde sempre que as sociedades se relacionam entre si, estabelecendo contactos além
das fronteiras. Através desses contactos, elas influenciam-se mutuamente, podendo os
fluxos que trocam afetar as diferentes sociedades, positivamente ou negativamente,
aquando a perda do seu controlo. Com o tempo, esses fluxos tornaram-se complexos,
alguns pacíficos e outros até mesmo conflituosos. Tornou-se evidente e clara a
importância dos fatores internacionais na dinâmica interna de cada povo, podendo estas
dinâmicas influenciar outros povos. Face a estas realidades, tornou-se imperativo
refletir sobre o ambiente externo no qual as sociedades se desenvolvem e interagem
entre si, onde se registam fenómenos e acontecimentos que podem ser gerados pelas
próprias ações dos diferentes povos.
O objetivo foi sempre o de conseguir encaminhar esses processos de fluxos mútuos para
se conseguir administra-los, de modo, essencialmente, a manter as situações que são
favoráveis a essas sociedades e a alterar as que lhes são prejudiciais. Assim, tendo como
objeto de estudo os fenómenos internacionais que afetam o sistema internacional, as
Relações Internacionais tentam compreender a relação entre os diversos fenómenos
internacionais e como influenciam o sistema internacional, recorrendo à sua análise
para estabelecer, entre eles, relações causais e comparações, com o objetivo de
encontrar padrões de comportamento.
Surgiu, portanto, um problema semântico muito importante: porque é que, então, essas
relações se chamam internacionais?
▪ Para Adriano Moreira existem duas grandes razões. A primeira está no seu uso
antigo e continuado. Se sempre nos referimos a essas relações como relações
internacionais, então não faz sentido mudar agora. A segunda refere-se ao facto
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de a expressão pretender que, de um modo ético, a cada nação corresponda um
Estado.
Deste modo, o que há a fazer é distinguir as duas dimensões que se podem atribuir à
expressão relações internacionais, segundo Lytton Guimarães.
Ator das relações internacionais: todos aqueles que atuam na sociedade internacional,
ou seja, agentes governamentais ou não, cuja ação, em qualquer domínio de atividade,
tenha impacto fora das fronteiras nacionais, podendo ir dos Estados, às ONG’s, às
empresas transnacionais, aos grupos terroristas e ao próprio indivíduo, passando por
muitos outros aqui não mencionados.
Política Externa: esforço estratégico do Estado para ordenar os fatores de poder que o
caracterizam, por forma a agregar os seus interesses, objetivos, valores, decisões e
ações tomadas e as regras de ordenamento internacional que deseja ver
implementadas, compondo as linhas de orientação e ação estratégicas desenvolvidas
fora das suas fronteiras territoriais, tanto em situações de cooperação como em
situações de conflito.
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soberanos, pluralidade essa que implica o estabelecimento de interações e fluxos muito
mais específicos. Daí a necessidade de se proceder à definição do campo de estudos das
Relações Internacionais.
Com esta obra nascia a disciplina das Relações Internacionais, especialmente na sua
vertente de Teoria das Relações Internacionais. Numa fase inicial como esta, os estudos
académicos sobre as Relações Internacionais, concentravam-se em problemas
substantivos como a diplomacia, a política do poder, os problemas da guerra e da paz,
as alianças e as intervenções militares, refletindo, quase sempre, preocupações de
caracter normativo, ligada que a disciplina estava ao direito internacional.
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Por esta razão, logo de início, o fator autonomizador das Relações Internacionais, o
conceito operacional que todos aqueles autores sempre enumeraram como tema
fundamental e da disciplina, foi a Guerra. Isto ocorreu porque a cada um dos atores das
relações internacionais, segundo estes autores, todos de matriz estritamente realista,
se reserva o direito de recorrer à força para a defesa do que considera ser o seu interesse
ou direito, já que as relações internacionais ocorrem num chamado estado de natureza.
• Aspetos Negativos
o Desde logo, a interdisciplinaridade pode fazer das Relações
Internacionais uma disciplina fragmentada e se essa fragmentação
não for equilibrada e solidamente sustentada, a disciplina em causa
poderá vir a conter deficiências de conteúdo.
o Para além disso, pode dificultar o processo de construção de um
corpo único e próprio das Relações Internacionais. Sem sustento
académico e sem aprofundamento dos estudos, as Relações
Internacionais são acusadas de serem excessivamente generalistas e
subjetivas, não detendo a precisão das ciências exatas.
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• Aspetos Positivos
o Por outro lado, a fragmentação permite apreender o objeto de estudo
de acordo com diferentes ângulos de abordagem. Fornece uma visão
mais abrangente e a sua análise não fica limitada a uma só área pois
é feita de forma multifacetada. A investigação do internacional não
fica restringida a uma única avaliação, o que a torna mais rica.
o Para além disso, a interdisciplinaridade permite às Relações
Internacionais serem uma disciplina em permanente evolução. A
constante transformação da realidade internacional provoca a
modernização e a adaptação das outras disciplinas que a formam.
Assim, à medida que estas progridem, as RI progridem igualmente,
sendo a reavaliação disciplinar do campo específico das RI também
constante. A fonte de crescimento e de dinamismo é, pois, tripla.
o Outro aspeto positivo fornecido pela multidisciplinaridade da
disciplina é o facto de se destacarem diferentes caminhos de
pesquisa, levando à sua especialização em diferentes tópicos. A
realidade internacional, ao ser analisada de forma interdisciplinar,
inclui a possibilidade de ser estudada, de um modo mais
aprofundado, por esta ou por aquela visão, por este ou por aquele
prisma de estudo, havendo uma diversidade significativa de caminhos
de análise que podem ser mais detalhados, direcionando-se a campos
de conhecimento mais específicos.
Portanto, Aristóteles desenvolve um modelo que assenta nas fações (na divisão), no
pluralismo, no associativismo e vai influenciar São Tomás de Aquino (séc. XIII). Platão,
por sua vez, desenvolve um modelo que assenta na ascensão cognitiva para se alcançar
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a ideia do bem, defendendo o universalismo, o centralismo, a unidade e influenciando
Santo Agostinho (séc. V).
No Império Romano, o “Direito das gentes” (jus gentium) regulava as relações entre os
indivíduos e entre as diferentes comunidades, numa época onde ainda não havia
Estados. Mais tarde, é-lhe acrescentada uma sistematização das regras que regulam os
civis, designado jus civile. Entretanto, quando Roma começa a expandir-se, é introduzida
uma cláusula – praector peregrinus - para regular as relações entre os romanos e os não-
romanos que passavam a fazer parte do Império Romano, devido á sua expansão
territorial e comercial. Foi necessário introduzir o praector peregrinus porque Roma
passou a ter ligações com não-romanos, então foi necessário acrescentar algo ao jus
civile que permitisse regular essas relações. Tanto o jus civile, o jus gentium e o direito
tinham uma base laica (não estavam sob influencia religiosa). A base do direito não era
religiosa, mas antes fundamentalmente uma base moral que regulava a sociedade.
No século XVII, é no contexto da revolução científica que Hugo Grocius apresenta a sua
obra, propondo a laicização do direito como também a tese do Jusnaturalismo. Porém,
sem qualquer repercussão, uma vez que a sociedade da época não estava preparada
para receber essa proposta e, então, deixa de lado a laicização. No entanto, a obra de
Grocius de 1625 virá a ser fundamental quando a sociedade estiver preparada para
receber o Jusnaturalismo. A partir da Revolução Científica, juntamente com o
Renascimento, os Descobrimentos e a criação da palavra “Estado” e “Soberania”,
assiste-se ao aparecimento de inúmeros Estados que vão ganhar forma no Congresso
de Westfália de 1648 (reunido para terminar com a guerra dos 30 anos de Católicos VS
Protestantes).
Consensual entre os juristas, o Estado surge sendo, então, como refere o Professor
Doutor José Adelino Maltez, como “ um povo, sobre um território organizado em torno
de um determinado poder político” ou, de forma mais completa, como ensina Marcello
Caetano, “ um povo fixado num território, de que é senhor, e que dentro das fronteiras
desse território institui, por autoridade própria, órgão que elaborem as leis necessárias
à vida coletiva e imponham a respetiva execução”, surgindo a soberania como um poder
territorial, por congeminação do discurso político com o filosófico, na sequência do
fundamento teórico dado pelo Jusnaturalismo ao Direito Romano, o Direito passou a ser
usado pelos Estados Territoriais Soberanos como justificador do Poder.
O Direito das gentes passou, portanto, a ser de dois tipos: um direito interno dos Estados
que regulas as relações entre os indivíduos e as comunidades desse próprio Estado (de
cada Estado) que tem uma base cristã; e um direito internacional que regula as relações
entre os Estados Soberanos, também de base cristã.
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Depois de Westfália, um novo acontecimento veio deturpar a Europa e, mais tarde, o
mundo: a Revolução Francesa. Orientada por Napoleão Bonaparte, no século XVII, a
Revolução Francesa desregulou a ordem estabelecida em Westfália, sendo necessário
um novo congresso, desta vez feito em Viena, de 1814 a 1815, com o objetivo de
restabelecer a ordem pré-revolucionária e reinstitucionalizar a política assente, bem
como o Direito Internacional, no mesmo fundamento cristão fornecido pela religião. Na
verdade, também o meio utilizado pelo congresso para alcançar os objetivos propostos,
a Santa Aliança, encontrava substrato valorativo e ético no Catolicismo.
A adoção dos ideais revolucionários um pouco por toda a Europa, assim como a
independência dos Estados Unidos da América do Norte e o início das independências
latino-americanas esvaziaram de conteúdo as resoluções do Congresso de Viena, que
foram substituídas pelo pragmatismo diplomático articulado através do Direito
Internacional positivista, substituindo a ordem de Westfália-Viena pelo chamado
Concerto Europeu1, expressão de um equilíbrio de poder ou balança de poder,
representando, justamente, o pragmatismo diplomático assente no Direito
Internacional positivista, a base de sustentação da nova ordem mundial não era mais o
Catolicismo, antes o interesse do Estado Nacional Soberano Territorial. Afinal de contas,
o Direito Internacional institucionalizava o Concerto Europeu, adicionado do
nacionalismo que surgia como fator de aglutinação do Estado, que se pretendia coeso
em torno de si mesmo. Por outro lado, Grocius propunha a laicização desse direito,
terminando com o substrato valorativo e ético do mesmo.
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circunstância de a opinião pública ter passado a poder influenciar o processo político
interno de muitos Estados preparavam o fim da paz dos 100 amos, com o eclodir da
Primeira Guerra Mundial.
Uma vez em pleno Concerto Europeu os Estados começaram a formar alianças porque
começaram a entrar em vários conflitos regionalizados, alianças estas que degeneraram
a primeira guerra mundial – Santa Aliança e Tríplice Entente. Com o fim das hostilidades
surge a preocupação de estudar os fatores que podem originar guerras grandes, visando
evitá-las. Surge assim a disciplina das relações internacionais e a sua vertente teórica:
Teoria das Relações Internacionais.
Em 1929 dá-se o Crash e logo depois a Grande Depressão, criando o clima perfeito de
condições para se iniciar a segunda guerra mundial (1939-45). Na segunda guerra
mundial já existia a teoria das Relações Internacionais, então chega-se à conclusão de
que é importante estudar com grande rigor as Relações Internacionais e as suas teorias
que vão dar suporte teórico e epistemológico, reforçando-se o triângulo das RI.
O fim da primeira guerra mundial criou, assim, o ambiente para que emergisse a tensão
entre o “idealismo do universalismo liberal” de matriz kantiana e a continuação do
“realismo de matriz hobbesiana”. Procurando um espaço entre as duas correntes
continuavam, os estudiosos do direito internacional, na tentativa de uma terceira via
internacionalista de cariz grociano.
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A segunda guerra mundial marcou o fim da Sociedade das Nações, tendo os intelectuais
depressa tecido severas críticas ao Idealismo-Utopismo de Wilson, introduzindo, como
reação, o Realismo, enquanto o direito internacional se apagava totalmente.
Assim nascia a Teoria das Relações Internacionais, uma nova disciplina inicialmente
autonomizada pelo fator guerra, conforme defenderam sempre os realistas como Hans
Morgenthau e Henry Kissinger, herdeiros diretos das observações de Friedrich
Nietzsche. Veio suceder ao Direito Internacional da institucionalização da Política entre
os Estados, face à sua incapacidade em manter a ordem, como ficava demonstrado pela
eclosão das duas grandes guerras mundiais.
▪ Idade Média
▪ Renascimento
O conceito de Estado começa a espalhar-se por toda a Europa e é, então, que ocorre o
Congresso de Westfália, que vem pôr um fim à guerra dos 30 anos, tentando repor a
ordem. O congresso de Westfália tinha então o princípio, poderia determinar qual a
religião que se praticava nesse território/Estado. e, se o príncipe tinha esta liberdade de
determinar qual a religião a ser praticada, tinha também a possibilidade de determinar
sobre outras matérias, concluindo então que quem manda na ordem interna é quem
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detém o poder político. E é então que pela 1ª vez surge o conceito de Política Externa e
ocorre o sistema internacional que é composto por Estados Soberanos que utilizam a
política interna e externa para se relacionarem uns com os outros. No entanto, era
necessária uma adaptação dos direitos das gentes e é assim que o “jus gentium” dá
origem ao direito internacional. Não continuaria a regular a relação entre as pessoas,
mas passaria a regular as relações entre Estados. A ordem parecia, então, ter sido
reposta à Europa.
▪ Iluminismo
A verdade é que no século XVII ocorreu outro fenómeno que veio abalar estas
estruturas: o iluminismo. O Congresso de Viena queria acabar com as “sementes
revolucionárias” e repor a ordem de Westfália. A opinião pública passou a ter relevância
e, com isto, o direito internacional tornou-se o 1º Direito Internacional positivista, numa
ordem que deixa de ser do Congresso de Viena e passa a ser de 1ª ordem de equilíbrio
de poderes consoante os interesses europeus: Concerto Europeu.
▪ 1ª e 2ª Guerra Mundial
A 1ª guerra mundial foi então a altura onde se assistiu a atrocidades nunca antes vistas.
Num dos seus 14 pontos, o Presidente Wilson propôs a criação da Sociedade das Nações
que tinha como objetivo recuperar o direito internacional positivista. Tal não foi bem-
sucedido e, com o surgimento da 2ª guerra mundial, tanto o direito internacional
positivista como as próprias relações internacionais estavam em causa. Ocorre então o
grande debate das RI entre idealistas, realistas e autores do direito internacional.
Durante as grandes guerras eram os idealistas que predominavam, mas a teoria das RI
mostrou-se ser incapaz de prever o aparecimento de uma nova guerra e a teoria que
ganhou terreno foi o Realismo.
A disciplina das relações internacionais nasceu por causa da 1ª guerra mundial e ganhou
dinâmica com a 2ª guerra mundial. Ganhou autonomia pois a ciência política também
se tornou autónoma. Tem um objeto de estudo próprio, teorias próprias e metodologia
para estudar o objeto. Demonstrou aos académicos e população em geral que as outras
disciplinas até então estudadas, como o direito internacional e afins, já não eram
capazes de avaliar as grandes guerras porque tinha acontecido um conflito de grandes
dimensões. Logo, criou-se uma disciplina internacional para que nenhuma guerra
daquelas dimensões voltasse a acontecer. També é interdisciplinar, ou seja, são precisas
várias disciplinas para o seu estudo. Porém, como desvantagem, o facto de ser composta
por muitas disciplinas pode causar a perda da sua essência, pois deixa de ter corpo
próprio e um objeto de estudo próprio.
Uma vez nascida a disciplina das relações internacionais após a 1ª guerra mundial, a
disciplina tornou-se autónoma por passar a ter um objeto de estudo próprio, “o
internacional” (entendido como o conjunto de interações onde todos os autores têm
importância fora das fronteiras nacionais). Para já, ainda não tinha metodologia própria,
esta só aparecera na década de 50. Nos primeiros anos a disciplina estudava as alianças
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militares, os problemas da guerra e da paz, problemas de segurança, etc. Mais tarde,
começou a estudar áreas mais complexas, como por exemplo, as relações entre poder
económico e militar, estratégias governativas, etc.
A partir dos anos 90, o leque de questões que as Relações Internacionais passaram a
estudar foram, então, consideradas como “os Novos-Temas”: narcotráfico, degradação
do meio ambiente, tráfico humano, etc. Por último, as Relações Internacionais, para
além de serem autónomas, têm uma característica fundamental: são multidisciplinares
ou interdisciplinares, como anteriormente foi referido, isto é, recorrem a vários
domínios de estudo. No entanto, isto pode ser favorável, visto que se transforma numa
disciplina fragmentada e torna mais difícil analisar o objeto de estudo.
Vale destacar, desde logo, que o campo de estudo das Relações Internacionais se
caracteriza pelo pluralismo teórico, já que são os debates e diálogos científicos que
permitem a construção de conceitos adequados e a produção de interpretações
científicas da realidade internacional.
A verdade é que, a rigor, o confronto entre discursos teóricos só pode resultar numa
valorização evidente da própria disciplina de Relações Internacionais, ainda que, do
ponto de vista conceptual, não exista consenso sobre o que, no fundo, é, como se define,
esta disciplina.
Neste sentido, é possível extrair o objeto de estudo das Relações Internacionais através
da enumeração dos problemas que, de acordo com esta definição, as Relações
Internacionais estudam. Como ramo autónomo do saber, as Relações Internacionais
criam e organizam técnicas e métodos de estudo, através de uma perspetiva
multidisciplinar, objetivando a elaboração de hipóteses, a identificação de temas, o
estabelecimento de objetivos e a criação e definição, com precisão, dos seus próprios
conceitos. Assim, as Relações Internacionais como disciplina servem para a formação
de decisões, por parte dos indivíduos organizados socialmente no patamar de
decisores políticos, para a condução das relações internacionais, tanto a nível
conjuntural, como estrutural.
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5.1) Metodologia e variáveis
Uma vez determinado o que se quer estudar (ontologia) e sobre que bases do
conhecimento se pretende fazê-lo (epistemologia) há que definir as ferramentas
abstratas que permitem organizar o estudo. A escolha destas ferramentas depende de
como o internacionalista vê o mundo.
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Capítulo 2) Triângulo ontologia-epistemologia-metodologia
1. Do fundamento epistemológico, ontológico e metodológico das
teorias das Relações Internacionais
Epistemologia
Ontologia Metodologia
Só é possível criar uma Teoria das Relações Internacionais com uma base
epistemológica, ontológica e metodológica forte. Para tal, é necessário compreender no
que consiste cada aspeto:
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As teorias das Relações Internacionais surgem enformadas por escolas filosóficas
diferentes e suportadas por conceitos que numa base inicial, são oriundos de algumas
das principais Ciências Sociais. No entanto, as teorias das Relações Internacionais
distinguem-se dessas ciências porque têm uma ontologia própria que fundamenta o seu
campo de estudos; e porque desenvolvem e organizam um corpo teórico e conceitual
próprio.
Segundo Whitehead, as teorias das Relações Internacionais surgem, deste modo, como
sistemas conceituais expressos em discursos marcados por características próprias.
Assim, uma verdadeira teoria das Relações Internacionais precisa de se caracterizar por
um discurso teórico que apresente:
Neste sentido, avaliar os fundamentos mais essenciais das teorias das Relações
Internacionais reconduz-se à análise compreensiva do corpo de pressupostos
ontológicos, epistemológicos e metodológicos das várias teorias das Relações
Internacionais, concebida a disciplina das Relações Internacionais como “um conjunto
de debates, de problemáticas, perspetivas e paradigmas avançados por uma
comunidade epistémica consciente envolvida na produção de conhecimento sobre um
domínio empírico” que pode designar-se por relações internacionais em letras
minúsculas, por contraposição à identificação da disciplina académica que se lança
sobre o estudo desse domínio empírico, redigida em maiúsculas: Relações
Internacionais.
As Relações Internacionais são uma disciplina em que competem as teorias das relações
internacionais. Na sua maioria, estas são teorias sobre as relações internacionais (com
letras minúsculas), apesar de ocasionalmente termos a notícia de teorias sobre a
conduta da própria disciplina (ou seja, Teoria das Relações Internacionais).
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Deste modo, analisar cada teoria das Relações Internacionais consiste em analisar, de
forma sistematizada, o corpo de pressupostos ontológicos, epistemológicos e
metodológicos dessa teoria, isto é, localizar essa teoria das Relações Internacionais no
discurso académico das Relações Internacionais.
Cada paradigma das Relações Internacionais identifica aquilo que considera ser a
realidade das relações internacionais, isto é, a sua ontologia. Esta realidade das relações
internacionais pode ser puramente empírica, mas pode também ser metafísica. Se a
realidade metafísica assenta em afirmações que não estão sujeitas a validade empírica
direta e que derivam de argumentação filosófica, a realidade empírica é composta por
verdades produzidas acerca dos fenómenos e práticas concretas (observáveis) da
política internacional e das relações internacionais.
Não obstante tudo isto pareça dar origem a grandes divisões no seio da disciplina das
Relações Internacionais, não é este fator central que fragmenta a disciplina em múltiplos
paradigmas. Dito de outra forma, não é o debate em torno dos quais os atores e os
processos considerados mais relevantes para se compreender as relações internacionais
que origina diferentes paradigmas de Relações Internacionais. A natureza empírica ou
metafísica das relações internacionais acaba por ter existência porque a fonte das
divisões vai muito além daqueles problemas (empíricos) e são de natureza metafísica:
quais as fontes de autoridade política das Relações Internacionais, o direito natural, o
contrato social, os direitos individuais, ou outra? Qual a natureza e o âmbito da política
em Relações Internacionais, a Economia ou a moral? Estas e outras questões levantam-
se colocando à disciplina inúmeros desafios metafísicos que acabam por conduzir à sua
fragmentação em múltiplos paradigmas, já que cada parcela da comunidade epistémica
das Relações Internacionais tem uma interpretação diferente a dar a essas questões, o
que a leva a construir, na base dos pressupostos de Whitehead, uma nova teoria das
Relações Internacionais.
Por outro lado, o académico das Relações Internacionais não vê os dados empíricos com
que trabalha, pois não tem acesso direto à estrutura profunda da realidade
internacional que estuda. O Estado, o sistema internacional e a política internacional
não se apresentam os olhos de quem os estuda, daí que a realidade empírica obrigue
uma imagem que é, já por si, uma questão teórica, ontológica.
Simultaneamente qualquer teoria das Relações Internacionais tem pretensão a ter uma
epistemologia própria, pois esta refere-se ao ramo da filosofia que trata do
conhecimento. É esta pretensão epistemológica que permite descortinar d que forma
cada teoria resolve as questões relacionadas com a produção de conhecimento sobre o
universo político e a sua validação.
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A metodologia que o académico das Relações Internacionais utiliza para analisar o que
consideram ser a realidade (ontologia) a partir da forma como produz conhecimento
sobre essa realidade (epistemologia) depende, assim, tanto da ontologia, quanto da
epistemologia.
Pode, neste sentido, afirmar-se que, nas Relações Internacionais, é possível ter-se uma
ideia do que se pretende, empiricamente, estudar. Porém, a formulação correta da
questão empírica que se deseja estudar só pode ser feita uma vez determinadas as bases
ontológicas e epistemológicas em interligação entre si. Daqui deverá a escolha
metodológica para a análise empírica, sendo desde já certo que a metodologia e método
são conceitos distintos, já que o primeiro pretende-se com as grandes opções ligadas à
ontologia e epistemologia do estudo em causa e o segundo refere-se às técnicas de
estudo que serão aplicadas na prática para a concretização da investigação.
materialismo
Em suma:
Alexander Wendt elabora um gráfico sobre a construção social da teoria das Relações
Internacionais. Acredita que a realidade empírica é uma realidade social porque assenta
nas perceções dos indivíduos do Estado, nos grupos e nos costumes e hábitos
individuais. Ou seja, é uma realidade socialmente construída. Porém, como isto não é
alvo de consenso, o autor formula um gráfico onde posiciona e define o quanto de
construção social cada teoria apresenta.
materialismo X (social)
(muito material) 24
(pouco social)
idealismo
Os idealistas consideram, por seu turno, que o fator mais fundamental da sociedade é o
que Wendt chama de “distribuição de ideias ou conhecimentos”, isto é, a natureza e a
estrutura da consciência social, sendo geralmente esta estrutura partilhada entre os
atores através de normas, regras e instituições.
Para os idealistas, esta estrutura é social e permite a constituição de identidades e
interesses, ajuda os atores a solucionar problemas comuns, define expetativas de
comportamentos, constitui ameaças e assim por diante. É evidente que não negam a
existência de forças materiais nessa mesma estrutura, mas estas assumem um papel de
menor relevância, uma vez que são constituídas com significados particulares para os
atores. As ideias têm, assim, uma função constitutiva, já que contribuem para a
constituição dos agentes e para a participação na construção e socialização dos mesmos.
Desta forma, em lugar de privilegiar a relação causal entre os agentes, os idealistas
privilegiam a sua relação constitutiva e os seus efeitos.
Em suma:
O idealismo no gráfico posiciona-se no eixo extremo direito (social), porque é mais social
que o materialismo.
Y (construção)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
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Nota: Idealismo VS idealismo
Wendt chama à atenção para o facto de a teoria Idealista, nas Relações Internacionais,
não se reconduzir à teoria idealista no âmbito da teoria social, apontando aquilo que,
do ponto de vista social, o idealismo não é:
✓ Assim, o idealismo não é uma visão normativa de como é que o mundo deveria
ser, como sucede com o Idealismo das Relações Internacionais, mas é antes uma
visão científica daquilo que o mundo efetivamente é. Pretende ser tão realista
quanto o materialismo.
✓ Ao mesmo tempo, o idealismo enquanto teoria social não assume que a natureza
humana é intrinsecamente boa, nem que a convivência social é intrinsecamente
cooperativa, como o faz o Idealismo das Relações Internacionais. O conflito e o
pessimismo não são, portanto, exclusivos do materialismo.
✓ Do mesmo modo, o idealismo enquanto teoria social não assume que as ideias
partilhadas não possuem uma realidade objetiva. Na verdade, as estruturas
sociais são tão reais quanto as estruturas materiais.
✓ Por outro lado, o idealismo enquanto teoria social também não assume que a
mudança social é fácil ou possível num dado contexto socialmente construído.
Aliás, por vezes esta mudança é mesmo mais difícil de ocorrer em estruturas
sociais do que em estruturas materiais.
✓ Por fim, o idealismo não significa que o poder e os interesses, isto é, as forças
materiais, não sejam importantes. Significa, antes, que os seus significados e
efeitos estão dependentes das ideias dos atores.
individualismo
Em suma:
Ainda assim, o individualismo pode ser compatível com a teoria que defende que as
estruturas causam as propriedades dos agentes, isto é, influenciam na construção dos
agentes, tendo a estrutura, por conseguinte, efeitos primordiais sobre os agentes, já que
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é difícil sustentar que as estruturas não possam ser reduzidas às propriedades e
interações dos indivíduos tomados a nível micro, como é o caso das teorias racionalistas
que dominam o mainstream das Relações Internacionais. Porém, a maioria dos
individualistas trata as identidades e interesses como dados exógenos e apenas
consideram os efeitos comportamentais ou causais.
Y (construção)
individualismo
(pouca construção social)
(indivíduo)
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
holismo
Para os holistas, a capacidade explicativa da estrutura não se reduz aos efeitos das
interações entre os agentes, isto é, os efeitos causais ou comportamentais, mas também
os efeitos constitutivos da estrutura sobre os agentes, já que a estrutura participa na
construção e na socialização desses agentes. Isto significa que o holismo integra, quer
os efeitos causais da estrutura, quer os seus efeitos constitutivos, implicando uma visão
top-Down da vida social, em contraste com a visão bottom-up do individualismo.
Partindo de uma visão que valoriza a estrutura, o holismo dá importância, quer aos
efeitos causais e constitutivos quer, ainda aos efeitos que a própria estrutura origina nos
agentes, contribuindo para a construção destes.
Em suma:
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internacional é grande, se há essa influência da estrutura na
constituição dos agentes então temos efeitos constitutivos.
o O holismo dá mais importância à estrutura que o individualismo e
privilegia os efeitos constitutivos.
O holismo no gráfico está no eixo superior extremo do y, pois tem uma maior construção
social que o individualismo.
Y (construção)
holismo
1Construtivismo
(muita construção social)
(coletividade)
(efeitos constitutivos)
individualismo
(pouca construção social)
(indivíduo)
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
Assim se obtém a organização das teorias das Relações Internacionais em torno de dois
polos básicos: o polo do debate materialismo-idealismo, centrado na discussão sobre o
social; e o polo do debate individualismo-holismo, centrado na discussão sobre a
construção. Na formação gráfica, o social é representado por x e a construção é
representada por y, obtendo-se um gráfico sobre a construção social.
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Nota: é importante que as ontologias (ou sociologias) de Alexander Wendt não sejam
confundidas com as ontologias do triângulo (epistemologia, metodologia e ontologia),
pois tratam-se de matérias diferentes.
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Com efeito, o Realismo, que apresenta uma natureza materialista e individualista,
situando-se no quadrante inferior esquerdo, sustenta que a natureza humana é
determinante fundamental na definição do interesse nacional. Trata-se de um
argumento individualista porque implica que os interesses dos Estados não sejam
construídos pelo Sistema Internacional. Simultaneamente, o Realismo assenta na
natureza material do sistema internacional, na base do poder e dos interesses, o que é,
claramente, um argumento materialista.
O Neorrealismo, por seu lado, é ainda mais materialista que o Realismo, assentado no
poder e nos interesses, isto é, nos fatores materiais da estrutura, e confere maior peso
explicativo à estrutura do sistema internacional do que aos seus agentes, configurando-
se como uma teoria sistémica. Contudo, na medida em que se serve de analogias
microeconómicas, o Neorrealismo assume que esta estrutura apenas influencia o
comportamento dos agentes, neles tendo apenas efeitos causais, e não participa na
construção da identidade desses agentes, neles não tendo, por conseguinte, efeitos
constitutivos. Neste sentido, o Neorrealismo é uma teoria das Relações Internacionais
que, claramente individualista, é menos que o Realismo. Daí a sua localização no
quadrante inferior esquerdo, numa posição mais acima que o Realismo, de modo a
demarcar as diferenças em matéria de individualismo.
Por fim, no quadrante inferior direito estão as teorias das Relações Internacionais que
consideram as identidades e os interesses dos Estados são sobretudo formados graças
30
a fatores domésticos, com uma visão mais social do que é feita a estrutura do sistema
internacional, como o Liberalismo.
Para teorizar sobre uma realidade empírica, tenho de ter um grau de abstração superior
ao do fenómeno internacional empírico exigente (pode não ser palpável, mas é
inatingível. É uma realidade empírica, observável aos nossos olhos). A teoria das RI para
ser observável aos nossos olhos necessita de abstração do nosso pensamento e
pensamento do autor (teoria).
Tendo em conta a existência da realidade empírica, da teoria das RI e dos debates das
RI, nós podemos dividir estas realidades por graus de abstração.
2) Teoria das RI
O debate entre duas ou mais teorias das RI exige um grau de abstração superior ao da
teoria, uma vez que falamos de discussão entre teorias constituídas, logo o grau é
superior. O discurso Meta teórico abrange o discurso entre teorias das RI e tem um grau
de abstração superior ao da teoria.
Por sua vez, quando eu quero estudar as questões ditas globais, eu estou para além do
nível sistémico – nível global.
• Nível Global: aquele que se preocupa com as grandes questões que afetam a
humanidade, mais preocupado com os problemas de paz, guerra, alcance do
32
desenvolvimento socioeconómico mundial, entre outros. O comportamento e as
prioridades de um Estado, nesta perspetiva, são partilhadas por todos os Estados,
todos os indivíduos e todos os subsistemas de Estados. Assim, conclui-se que
existem problemas globais que são de resolução prioritária, como a poluição,
escassez de recursos, terrorismo, guerra, etc.
o Ex: os objetivos do milénio – a destruição dos habitats naturais, poluição
dos oceanos. Em geral estas questões ligadas ao ambiente e objetivos do
milénio.
Nenhum nível de análise é mais importante que outro, é necessário fazer uma escolha
precisa do nível de análise que eu vou utilizar para o estudo do meu fenómeno empírico
(podem utilizar-se dois simultaneamente, mas cautelosamente).
funcionam.
- Estudam somente os agentes e, para além Para além dos efeitos causais entre os agentes
disso, estudam os efeitos causais que o (efeitos que o comportamento dos agentes
comportamento dos vários agentes provoca um provocam entre si), as teorias sistémicas estudam
nos outros. a estrutura dos sistema internacional e
o Então, as teorias reducionistas estudam consideram que, por um lado, os agentes causam
os agentes e consideram que esses entre si efeitos causais, e, por outro, em
agentes provocam entre si efeitos simultâneo, o sistema internacional influencia na
causais. constituição dos agentes, sendo que qualquer
agente que exista no sistema internacional é
- A política internacional é explicada através das
influenciado pela estrutura do mesmo, ao mesmo
características do agente (Ex: os agregados de
tempo que o próprio produz efeitos constitutivos
população, o PIB, o poder militar) pois são estas
sobre a estrutura.
que influenciam as suas atitudes e não a
o Ou seja, os agentes também influenciam a
estrutura.
formação da estrutura do SI (Sistema
- O comportamento final do Estado resultará do
Internacional), pelo que há efeitos
efeito conjunto de todos estes fatores internos
biunívocos entre os agentes e a estrutura,
e não da influência da estrutura internacional.
derivada da influência mútua na sua
constituição.
33
o Atenta à política externa dos Estados A política internacional é explicada pela estrutura
para compreender as relações que do sistema internacional (Efeitos causais da
estabelece com a estrutura, atribuindo- estrutura sobre o comportamento dos agentes e
lhe um valor causal e não determinante. efeitos 3constitutivos sobre a formação dos
agentes).
o Como firmado antes, as interações entre o
agente e a estrutura são biunívocas (a
estrutura influencia e é influenciada pelos
agentes.
34
Parte II – Das Teorias das Relações Internacionais
Capítulo 3) Anos 1920-1930
A autonomização das Relações Internacionais em torno do fenómeno guerra,
imediatamente após a I Guerra Mundial, persuadiu os académicos de que era necessário
pensar sobre as relações internacionais, era necessário teorizar sobre o novo domínio
que nascia, bem como elevar os níveis de conhecimento sobre a realidade internacional.
Na realidade, existe uma relação biunívoca entre o mundo real, da política internacional,
e o mundo académico, que em momentos históricos nos quais se verificam alterações
profundas, se torna mais forte. Nestas circunstâncias, os meios académicos procuram
aplicar na prática as suas teorias, enquanto os meios políticos procuram no mundo
académico novas soluções.
O fim da Primeira Guerra Mundial foi um período de grande comunicação entre o meio
académico e o meio político em função do falhanço dos mecanismos políticos
internacionais tradicionais, o que sugere a questão de se buscar saber se a teoria das
Relações Internacionais se desenvolveu, e vem desenvolvendo, meramente como
resposta a acontecimentos do mundo real da política internacional, ou se tal teoria se
expande como um processo de desenvolvimento interno ao discurso de uma
comunidade em particular de internacionalistas, cujos debates produzem novas e cada
vez mais sofisticadas teorias e modelos das Relações Internacionais, como sugerem os
historiadores revisionistas da disciplina.
1. Do contexto histórico
35
• Conferência de Versailles (1919) – é neste contexto que a Conferência de
Versailles vem pôr fim a uma era e dar início a uma nova, começando a desenhar-
se um novo sistema de relações internacionais (que haveria de falhar nos seus
escassos objetivos após 20 anos, com o deflagrar da II Guerra Mundial.
O novo Sistema Internacional de Versailles assentava em cinco elementos
fundamentais, sendo certo que todos assentavam no Estado como o ator por
excelência das relações internacionais:
o Segurança coletiva
o Diplomacia multilateral permanente
o Autodeterminação dos povos
o Globalização da sociedade internacional
o Supressão dos focos de contágio da Revolução Bolchevique
O facto de o novo sistema assentar nestas premissas não significa, no entanto, que
havia um consenso entre os académicos, e mesmo entre os políticos, sobre a forma de
as aplicar, já que variavam as lentes teóricas com que académicos e político olhavam
para a nova estruturação do sistema internacional.
Interessa, pois, ter estas Escolas em atenção e o debate que entre elas se estruturou.
Efetivamente, ao longo dos anos 1920 e 1930 evidenciou-se o choque entre os dois
paradigmas tidos como clássicos no estudo das Relações Internacionais:
11
Epíteto que também pode ser atribuído às perspetivas de cariz marxista que abordam os fenómenos
internacionais de matriz racionalista que viriam a surgir ao longo do tempo derivam, ou do Realismo, ou
do Internacionalismo, ou da Perspetiva Marxista, ainda que nem tanto do Idealismo, origem remota das
36
O que está na base da origem das duas visões clássicas e opostas das Relações
Internacionais (Idealismo e Realismo) é a constatação da natureza anárquica da
sociedade internacional, sendo certo que a diferença fundamental entre o Idealismo e
o Realismo assenta em dois aspetos essenciais:
o Por um lado, na forma como cada Escola admite, ou não, que o sistema
internacional tenha capacidade para anular essa tendência anárquica.
o Por outro lado, na forma como cada uma define os processos e os instrumentos
empregues pelos atores que agem no cenário internacional.
Neste sentido, é útil fazer-se uma sistematização dos aspetos fundamentais das crenças
dos idealistas universalistas, dos internacionalistas liberais e dos realistas
estatocêntricos.
2. Do Idealismo Wilsoniano
• Em primeiro lugar, Wilson constatava que o povo não desejava a guerra e que
era a ela conduzido por militaristas ou autocratas, ou porque as suas legítimas
aspirações às nacionalidades estavam bloqueadas por sistemas
antidemocráticos.
o A solução que o presidente apontava era, pois, a da
implementação generalizada de regimes políticos democráticos,
que conduzissem os povos à autodeterminação caso fosse essa a
sua vontade. Segundo os idealistas, se os povos fossem livres de
escolher a forma de governo na qual quisessem viver, optariam
por formas representativas de poder, o que teria como resultado
a criação de mecanismos para a realização da harmonia de
interesses num mundo pacífico.
perspetivas pós-positivistas que, como o Construtivismo ou as teorias críticas, apenas nos anos 1990 e no
século XXI viriam a ganhar dinâmica.
37
• Por outro lado, a guerra ocorrera em função da organização do sistema das
relações internacionais anterior a 1914, assente na diplomacia secreta e nos
pactos e alianças secretas que equilibravam poderes.
o Neste sentido, a solução passava pela proibição de tais alianças
com uma diplomacia multilateral, isto através da criação de uma
nova estrutura institucional para as relações internacionais que,
fundada na Sociedade das Nações – a organização internacional
por excelência – haveria de ter segurança coletiva, de ver o direito
substituir a guerra como princípio e haveria de assentar na
harmonia de interesses entre os Estados.
Afirmando-se, até certo ponto, ou para alguns autores, como uma variante do
Internacionalismo Liberal, o Idealismo é uma abordagem à política internacional que
reforça a importância da moral, dos valores e ideias, em vez da importância do poder e
da prossecução dos interesses nacionais.2
Assim, o Idealismo/Utopismo:
2
Não obstante, o Idealismo não é uma extensão do Internacionalismo Liberal, sendo mais abrangente,
para já não dizer que o Liberalismo moderno se desconectou das ideias idealistas.
38
moldagem do Sistema Internacional, da universalização dos regimes democráticos e da
relação entre a paz e o comércio3 – aqui coincidindo com o Internacionalismo Liberal.
Afinal, segundo os idealistas/utópicos, existe a crença de que as práticas e as instituições
internacionais podem ser modificadas, alterando a forma do sistema internacional (se
as estruturas internas não satisfazem a paz então essas estruturas têm de ser alteradas)
3Relação causal e de interdependência entre a paz e o bom crescimento e
desenvolvimento do comércio – a paz gera condições para que o comércio se
desenvolva e este, só assim, é que se pode desenvolver. Por outro lado, o
comércio, sendo ele uma relação que envolve pelo menos duas partes, faz com
que as partes envolvidas não queiram prejudicar a sua relação comercial com a
entrada em conflito, sendo, portanto, percetível que o comércio também
promove a paz.
Por outro lado, o ator central das relações internacionais, sendo os Estados, só ocorre
em função destes serem compostos por indivíduos, sendo os Estados meras instituições
abstratas. Isto significa que a organização política assente no Estado e na soberania
suporta-se na lei, o que coloca o problema da natureza simultaneamente social e não
social do Homem. Para Kant, cada ser humano é social para satisfazer as suas
necessidades de sociabilidade, e não social quando estas necessidades não estão em
causa, por exemplo, a aprovação dos outros. Por isso, o Estado não surge, nem para
Kant, nem para os idealistas, como o fator central, mas antes o indivíduo e a natureza
humana, cujas potencialidades não têm limites, podendo ir até à ação sobre as relações
internacionais.
39
Neste sentido, os idealistas são também individualistas que acreditam no Homem
naturalmente bom (e que o mal está no poder), defendendo o otimismo antropológico.
São, pois, os indivíduos concretos que se relacionam entre si, através do comércio, das
viagens, da difusão das ideias e, até, das guerras, havendo, por conseguinte, laços
transnacionais que unem todos os seres-humanos.
Ainda que aceitem que a ação dos Estados seja limitada por imperativos morais e
jurídicos, os idealistas consideram que a racionalidade humana permite que os
indivíduos procurem evitar os riscos inerentes à solução unilateral dos conflitos e
procurem, a partir daí, aprender com a sua própria experiência, limitando a ação dos
seus Estados. Essencialmente através da cooperação.
40
estabelecidos pelas normas e instituições internacionais (e não nacionais), em particular
a Sociedade das Nações (SDN), com um conteúdo largamente normativo.
Y (construção)
holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)
individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo)
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social) 41
(pouco social) (pouco material)
Q: O Idealismo considera a existência de conflito ou considera a existência de
cooperação no Sistema Internacional?
Idealismo
3. Do Realismo
O Realismo é uma teoria que surge ao mesmo tempo que o Idealismo, mas que nos anos
20 e 30 não tem grande repercussão pelas Escolas Europeias e Norte-Americanas. Isto
deveu-se nomeadamente ao clima que se vivia no pós-I Guerra Mundial, clima este de
“queremos paz a qualquer custo”. Assim, como se moviam todos em direção da paz,
então vivia-se na generalidade numa utopia idealizada, assente na crença de que,
perante a possibilidade de se alcançar a paz e de se cumprirem certos princípios, não
voltará a surgir outra grande guerra.
42
Porém, após a II Guerra Mundial, o Realismo ganhou dinâmica, dada a emersão de um
período de antagonismo entre dois blocos e não de um período de utopia, como se
idealizava. A SDN (Sociedade das Nações), não apoiada pelos EUA, seus fundadores,
falha no cumprimento do seu principal objetivo e surge outra tamanha atrocidade (2ª
Grande Guerra). Não tendo percorrido as diretrizes em alinhamento com a história, o
Idealismo perde adesão em detrimento do Realismo, a teoria que, tal como revelava a
altura, considerava um conflito eminente.
Contudo, vale destacar que o Realismo considera o conflito eminente, mas não o
defende. O conflito eminente pode acontecer em qualquer altura/momento devido à
anarquia internacional permanente (“dilema da segurança”).
Como cada Estado tem autoridade suprema sobre uma população e um território,
qualquer autoridade termina onde começa o território e a população de outro Estado,
sendo certo que a soberania é a principal característica do Estado e não está limitada,
nem pela moral, nem pelo direito, apenas é passível de autolimitação. Não havendo um
poder superior ao Estado, uma autoridade acima do Estado, não pode haver regras
internacionais de convivência, de modo que o conceito de injustiça também não pode
existir. Assim, num ambiente interestatal, cada Estado é juiz, parte e executor dos
eventuais conflitos com outros Estados – existe Anarquia Internacional.
1Anarquia Internacional é, então, uma condição permanente do ambiente interestatal,
não significando desordem generalizada ou permanente, mas tão somente a
inexistência de uma autoridade superior à soberania dos Estados, pelo que, em última
análise, cada Estado depende unicamente de si próprio e utilizará os meios que tiver à
sua disposição para promover os seus interesses.
1Anarquia Internacional – define-se como um espaço de leis próprias e
inalteráveis, no qual predomina o poder e distribuição de capacidades entre os
agentes, sendo certo que essa natureza anárquica do sistema internacional
resulta deste comportamento das unidades em busca de mais e mais poder e da
sua preocupação com a distribuição de capacidades e não o contrário, sendo
uma teoria reducionista (focada no comportamento dos agentes) e não sistémica
43
(focada no todo, resultado das leis que determinam o funcionamento do
sistema).
Em último caso, cada Estado é responsável pela sua própria segurança e sobrevivência.
Neste contexto, tentando garanti-las através da luta pela defesa e concretização dos
seus interesses, conclui-se que os interesses de cada Estado pressupõem a exclusão dos
interesses dos outros Estados. No entanto, esta não é uma luta igualitária, sendo que os
Estados não são todos iguais e os mais importantes são as grandes potências – existe
uma hierarquia dento da anarquia internacional.
Y (construção)
holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)
individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo)
Realismo
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
4. Do Internacionalismo Liberal
Contexto histórico
A novidade do pós-I Guerra Mundial era a Sociedade das Nações (SDN), mas sem a
participação dos EUA, a política internacional continuou a ser conduzida pelas mesmas
potências dentro dos mesmos padrões do século XIX, quando na realidade o ambiente
era profundamente diferente e nenhum dos fundamentos que compunham a ordem do
pós-I Guerra Mundial eram compatíveis com a realidade anterior à guerra.
O único ponto em comum é a permanência da ideia de que, tal como havia no século
XIX, os fundamentos da nova estrutura institucional internacional originariam uma
46
ordem internacional baseada na harmonia natural de interesses entre Estados. Esta
crença absoluta na harmonia natural dos interesses dos Estados levou académicos e
estadistas a apostar no valor da educação, encarada como meio de combater a
ignorância, a principal causa da incapacidade de ver a harmonia dos interesses entre
Estados.3
Diretrizes teóricas
3
Interessante notar que estas ideias eram particularmente vigorosas nos EUA e no Reino Unido, já que
estes países haviam sido menos devastados pela guerra e estavam, por conseguinte, mais dispostos a ver
além das questões imediatas e, por outro lado, porque a natureza anárquica do sistema internacional lhes
parecia particularmente absurda, a eles, com tradições liberais.
47
enquanto os realistas consideram que os únicos atores das relações internacionais são
os Estados e os idealistas enfatizam os indivíduos, os internacionalistas liberais adotam
uma postura intermédia, defendendo que os Estados são membros imediatos da
sociedade internacional, porque os indivíduos apenas nela participam por intermédio
dos Estados de que são cidadãos.
A ação dos Estados está condicionada por regras comuns e por instituições, porque os
indivíduos, no seio dos Estados, tendem a transformar os procedimentos que se revelam
capazes de evitar, solucionar ou limitar os conflitos em normas, o que significa que este
Internacionalismo Liberal estará na base do que, nos anos 1960-1970, viria a ser a Escola
Inglesa.4
Neste contexto, o Estado surge da decisão racional dos indivíduos quando estes
renunciam à conservação e à acumulação ilimitada e unilateral de riquezas e decidem
erigir normas de convivência capazes de evitar, solucionar ou limitar os conflitos de
interesses e sancionar ou punir aqueles que não obedeçam a essas normas. Assim, o
princípio que se exprime quando a experiência dos conflitos ensina a procurar normas
que os evitem ou quando a experiência da cooperação ensina a aperfeiçoar a
experiência anterior é o de que a resultante geral será uma tendência de sociedades
humanas para caminhar na direção de uma ordem política à qual os conflitos de poder
acabam por se subordinar.
Assente na referência clássica mais antiga de Hugo Grocius e na referência moderna que
pode ser lida em John Locke, os internacionalistas liberais consideram que o pano de
fundo no qual decorrem as interações entre os atores das relações internacionais é o da
1Sociedade Internacional.
A Sociedade Internacional existe por oposição à Anarquia Internacional, mas sem chegar
ao extremo de cooperação da Comunidade Internacional, quando os Estados
reconhecem certos interesses comuns e, possivelmente, alguns valores comuns, e se
consideram obrigados a cumprir certas regras.
4
No fundo, para esta conceção internacionalista, os indivíduos, através dos Estados, procuram encontrar
formas de conservar e acumular riquezas sem contrariar os interesses de terceiros e de cooperar
mediante normas que os protejam daqueles que não aceitam limitar a expansão dos seus interesses
diante dos interesses de terceiros.
48
o Apresenta influências tanto do Idealismo como do Realismo, sendo
considerada uma visão intermédia entre ambas.
o O pano de fundo das Relações Internacionais para os
internacionalistas liberais é a Sociedade Internacional.
o Valoriza a existência de ordem, através da criação de regras, normas
e organizações internacionais.
o Aproxima-se bastante do Idealismo pois valoriza, de forma muito
significativa, a emancipação do Homem, mas não tanto pelos seus
ideais e pensamentos, e mais pela capacidade que têm de
desenvolver o comércio através do progresso, aproximando-se um
pouco da visão realista – also, influência idealista de que a natureza
humana é suscetível ao progresso.
o Formou-se com base na tradição mais antiga que partilha com o
Idealismo – o pensamento kantiano, assente na emancipação
humana.
o Os atores do internacional não são nem somente o Estado (Realismo),
nem o indivíduo (Idealismo) – o Estado é o principal ator das relações
internacionais, mas a sua existência resulta do facto de ser formado
por indivíduos, sendo estes atores das relações internacionais por
intermédio dos Estados de que são cidadãos.
o A vida internacional é simultaneamente, mesmo que em momentos
distintos, distributiva e produtiva, não existindo sempre conflito
(Realismo) ou cooperação (Idealismo).
o O Liberalismo Internacional representa, no fundo, a adaptação dos
princípios políticos liberais em relação à forma de gestão do
internacional e defende a promoção de regimes políticos
democráticos como forma de reconstruir o que a 1º Guerra Mundial
destruiu.
✓ Idealismo//Realismo//Internacionalismo Liberal
✓ Existe Anarquia Internacional?
• Idealismo → Não
• Realismo → Sim
• Internacionalismo Liberal → Não existe nem deixa de existir. Existe uma
sociedade internacional regrada e com valores, costumes, tradições,
cultura, etc.
✓ Contexto: pós-I Guerra Mundial
49
▪ Por um lado, na forma como cada Escola admite, ou não, que o sistema
internacional tenha capacidade para anular essa tendência anárquica.
▪ Por outro, na forma como cada um define os processos e os instrumentos
empregues pelos atores que agem no cenário internacional.
Internacionalismo
Idealismo Realismo Liberal
Pano de fundo do
Sistema Comunidade Anarquia Sociedade
Internacional Internacional Internacional Internacional
Principal ator das
relações Indivíduo Estado Indivíduo e Estado
internacionais
Visão da natureza Otimista Pessimista Otimista
humana Antropológico Antropológico Antropológico
Conflito e
Conflito/Cooperação Cooperação Conflito iminente Cooperação
50
Na verdade, Edward Carr deixa claro que, quando as Relações Internacionais nascem,
nascem após uma grande guerra, marcadas pelo desejo utópico de evitar outra guerra.
As Relações Internacionais nascem, portanto, como uma disciplina marcadamente
utópica, ainda que o Realismo, não sistematizado, fosse, até então, a visão
predominante e de comportamento dominante nas relações internacionais. Contudo,
até à II Guerra Mundial, o Idealismo iria predominar como Escola das Relações
Internacionais.
Em paralelo com a vaga neorrealista dos anos 1980, com origem nas teses neorrealistas,
mas também nos trabalhos desenvolvidos nos anos 1970 sobre o transnacionalismo e a
interdependência, surge, ainda na década de 1980, o conceito de regime internacional,
cuja definição mais comumente utilizada é a de Stephen Krasner.
Na verdade, o conceito de regime internacional vem tentar conciliar elementos que até
então pareciam irreconciliáveis, contraditórios até. A ideia de regime internacional parte
do pressuposto neorrealista da estrutura, considerando que o estudo da política
internacional deve centrar-se sobre as regras eternas do sistema internacional
(anarquia), visto serem estas responsáveis pelo comportamento das unidades (Estados).
51
padrões de comportamento. As regras e os procedimentos de decisão, por sua
vez, definem como será o comportamento dos atores em áreas claramente
identificadas.
Para haver a formação do regime internacional é preciso que os atores, num domínio
específico do seu relacionamento, considerem importante criá-lo. O mesmo é dizer que
as expetativas desses atores convirjam para o mesmo sentido. Isto terá impactos sobre
o comportamento dos atores, pois é esta convergência de expetativas que determina
que estes atores queiram criar o regime na área específica do seu relacionamento (um
relacionamento interestatal, portanto internacional).
Como neorrealista que é na década de 1980, Krasner considera que os atores de que
fala na sua definição de regime internacional são os Estados e todo o seu argumento
assenta sobre a lógica neorrealista de que os Estados constroem ou procuram alterar os
regimes internacionais segundo os seus interesses, calculados de modo racional. Porém,
como na definição de Krasner aparece a referência “atores” e não “Estados” de modo
preciso, teóricos não-neorrealistas vêm considerando, como “atores” não apenas os
Estados, como também as organizações internacionais, entre outros.
Isto significa, por conseguinte, que o conceito de regime internacional, apesar de ter
uma origem neorrealista, tem vindo a ser utilizados por autores de outras Escolas das
Relações Internacionais. Se o conceito nasce com Krasner em meados da década de
1980, ele virá a ser muito utilizado ao longo da década seguinte pelos construtivistas,
estruturalistas e pós-estruturalistas, bem como pelos institucionalistas neoliberais com
origem nas Perspetiva Transnacional.
52
• O entendimento dos construtivistas centra-se na busca pelo entendimento do
processo de desenvolvimento histórico dos conhecimentos, convicções e
entendimentos partilhados, porque estes é que moldas, segundo esta
abordagem das Relações Internacionais, o 10 entendimento humano, tal como
defendido por diversos autores construtivistas, entre eles Wendt.
Deste modo, frente às interpretações posteriores que viriam a ser feitas ao conceito de
regime internacional e respetivas utilizações, é possível sistematizar o entendimento de
cada abordagem relativamente ao conceito de Krasner:
Assim, não nascem atores autónomos nas relações internacionais, tão pouco a vontade
das Instituições Comunitárias é algo mais do que a mera soma das vontades dos seus
Estados-membros. Mesmo a Comissão Europeia, na qual estão representados peritos
em diversas áreas e não os Estados-membros, não possui essa vontade autónoma, pois
no seio da Comissão Europeia não são decididas as questões verdadeiramente
importantes. Estas são decididas pelos Estados-membros reunidos nos Conselhos.
Na década de 70, o poder dos EUA tinha sido afetado pelas crises petrolíferas, pela
guerra do Oriente e pela crise financeira que deu origem à desvalorização do dólar por
Nixon. Começou por ser uma crise americana que rapidamente se tornou mundial –
levando ao surgimento de teses que valorizam os elementos menos estatais das RI.
Porém, no final de 70, acontece o oposto. No poder nos anos 80 nos EUA é Reagan que
governa com o neoliberalismo (económico) e é ele quem recupera o poder e a
hegemonia norte-americana através de programas militares (Guerra Fria).
Por consequência, os EUA eram muito mais armados. Neste sentido, a teoria das RI
acompanha a conjuntura internacional e é nesta altura que surge o Realismo Estrutural
ou Neorrealismo, formato renovado do Realismo Clássico adaptado aos anos 80 que
54
surge como nova Escola das Relações Internacionais, através do contributo de dois
atores e respetivas obras fundamentais:
• “War and Change in World Politics”, de Robert Gilpin (1930 - …), em 1981
Por essa razão, os atores procuram alterar o sistema através da expansão territorial,
política e económica, até ao ponto em que os custos marginais da continuação da
alteração sejam maiores que os benefícios marginais da mesma. Isto significa que
quando os Estados conseguem desenvolver um poder capaz de alterar o sistema
internacional de acordo com os seus interesses, eles fá-lo-ão, mas só quando isto lhes
permitir aumentar o seu poder, pois será este a ferramenta que lhes permitirá promover
a alteração em seu benefício, uma alteração que termina apenas quando os custos a
esta associados se tornam maiores que os benefícios.
Kenneth Waltz, por seu turno, procura construir uma teoria da política internacional a
partir do exame de teorias e abordagens à disciplina das Relações Internacionais até
então existentes, já que considera que estas possuem defeitos que têm de ser
remediados. O objetivo da teoria é, assim, para Waltz, explicar o funcionamento desse
domínio tal como ele existe, e não fazer previsões ou especulações sobre questões que
dele estão fora. O autor é, assim, muito claro quanto ao domínio que pretende
investigar: a política internacional.
55
se na estrutura do sistema internacional e na distribuição relativa de poder entre as suas
unidades, cujos comportamentos serão resultado da natureza intrínseca do sistema.5
Por outro lado, Waltz considera, pois, que os dois elementos essenciais de uma teoria
sistémica da política internacional são a estrutura do sistema e as suas unidades em
interação. Por conseguinte, ao invés da conceção do Realismo Clássico de que é o
comportamento dos Estados no sistema internacional que determina a natureza
anárquica deste, para Waltz, o comportamento dos Estados no sistema internacional
resulta da natureza (anárquica) deste sistema, pelo que se torna necessário separar o
sistema (em si) das unidades que o compõem (os Estados).
A teoria da política internacional de Waltz tem, assim, tal como já mencionado, uma
orientação sistémica – dita também estrutural – no sentido em que toma o sistema
internacional como variável dependente, já que procura explicar o sistema de Estados
através dos agregados da população, do território, poder militar, PIB, etc., isto é, através
das capacidades materiais dos Estados integrados num sistema, cujo comportamento
resulta da natureza intrínseca do sistema internacional. O que Waltz enfatiza, por
conseguinte, são poderes causais da estrutura do sistema internacional na explicação
do comportamento dos Estados. Uma teoria com esta orientação distingue-se das
teorias reducionistas do comportamento dos Estados, que enfatizam os fatores relativos
à unidade e ao nível de análise, como a psicologia dos decisores políticos ou a política
doméstica.
5
As alternativas são duas: as teorias das relações internacionais que concentram as causas no nível
individual ou nacional, que são reducionistas, e as teorias que concebem as causas como operando
também ao nível internacional, que são sistémicas.
6
O interesse de Waltz é pelo estudo da estrutura e do efeito que esta origina sobre os sistemas de Estados
no âmbito do sistema internacional. Neste sentido, a teoria da política internacional de Waltz distingue-
se das teorias da política externa, que têm por objetivo de estudo explicar o comportamento individual
dos Estados.
56
Se as teorias sistémicas explicam a política internacional por meio da estrutura
do sistema internacional, as teorias reducionistas explicam a política
internacional por meio das propriedades dos agentes (Estados) e das interações
que estabelecem entre si, diminuindo a importância das forças causais em
diferentes níveis de análise.
• As variáveis domésticas dos Estados não têm relevância, sendo que a única
qualidade intrínseca dos Estados que importa ter em conta é o poder relativo,
isto é, o lugar que cada Estado ocupa na hierarquia das potências, resultado da
distribuição das capacidades internacionais;
• O comportamento dos Estados é compreendido olhando para a estrutura
anárquica do sistema internacional (estrutura esta que enquadra a política
internacional) e para o lugar que cada um ocupa na hierarquia de poder (ou
distribuição de capacidades). Estes são os únicos fatores que delimitam os
possíveis destinos dos Estados.
Para ilustrar a questão das variáveis na teoria de Waltz, Hedley Bull coloca a
questão: “Se, no fim da II Guerra Mundial, a URSS estivesse fragilizada e a Grã-
Bretanha estivesse fortalecida, qual teria sido o destino do sistema internacional:
a paz entre as superpotências hipotéticas (EUA e Grã-Bretanha) ou a tensão entre
as mesmas?”
➢ Segundo Hedley Bull, numa situação dessas não teria havido Guerra
Fria, nem qualquer outra espécie de situação de tensão, uma vez que
os EUA e a Grã-Bretanha são culturalmente e ideologicamente
57
próximos e possuem uma intensão relação comercial, além de outros
fatores de ligação.
➢ Segundo Kenneth Waltz, ocorreria o contrário. Teria havido, ou
Guerra Fria, ou outra situação qualquer de tensão entre os EUA e a
Grã-Bretanha, tal como houve entre os EUA e a URSS, visto que os
fatores apontados por Bull de proximidade cultural, ideológica,
comercial, etc. são de pouca relevância quando comparados com a
estrutura do sistema internacional e o poder relativo dos Estados.
Nesta situação hipotética, os EUA e a Grã-Bretanha entrariam numa
corrida pela maximização do poder relativamente ao outro, visando
assegurar uma segurança considerada sempre ameaçada.
58
Apesar de ter sido recebido com entusiasmo nos EUA, a Escola Neorrealista não ficou
imune a críticas provenientes de vários quadrantes teóricos. As principais críticas tecidas
ao Neorrealismo foram:
7
Waltz considera que um Estado que consiga acumular uma grande quantidade de poder em relação aos
outros Estados deverá procurar distribuir esse poder entre os aliados para conseguir manter a sua posição
de liderança durante mais tempo – posição que seria ameaçada se, frente a tanto poder, os outros Estados
optassem por construir coligações (negativas) para contrabalançar ou mesmo opor-se a esse Estado
demasiado poderoso.
60
• No Neorrealismo, o Estado é o ator por excelência das RI, visto
que é ele quem nos dá uma visão do sistema internacional
enquanto possivelmente conflituoso. Porém, os académicos desta
Escola até consideram a possibilidade de existir cooperação
internacional, só que esta é reduzida, sendo que as instituições
internacionais não passam de uma mera soma da vontade dos
seus Estados-membros. Ou seja, os Estados-membros utilizam as
instituições internacionais como forma de aumentarem o seu
poder.
o Instituição Internacional – só existe num mandato
definido pelos Estados-membros. Tudo o que foge
ao mandato está fora do âmbito de
ação/competências dessa organização. As
organizações não passam de um brinquedo nas
mãos dos Estados, que fazem com elas aquilo que
querem para ficarem mais poderosos.
• No sistema internacional quem tem mais responsabilidades na
manutenção da estabilidade do sistema internacional são as
potências mais poderosas, isto é uma realidade verificável, pois
têm mais responsabilidade e peso.
• Partindo do aspeto anterior, muitas vezes ocorrem
desestabilizações, sobretudo quando as potências menos
poderosas ascendem e quando as potências mais poderosas
caiem para posições inferiores. Nesse caso, há
destabilizações/mudanças no sistema. Daí que se atente que o
Neorrealismo não considera a mudança, assumindo uma
continuidade. Contudo, não a nega, justificando a sua ocorrência
como resultante dos fatores 1) ascensão ou decadência de
Estados-membros e 2) guerra.
o O sistema está destabilizado quando há uma troca
na hierarquia das potências, causando uma guerra
(conflito) que acabará por colocar as potências no
seu lugar hierárquico correto. Esta é uma situação
rara e esporádica.
Tal como vimos, é evidente que o Neorrealismo tenha sido adaptado à sua época e
criticado sobretudo por não considerar a mudança e a existência da organização
supranacional. Em simultâneo, não considera como plenamente visível a cooperação
entre os Estados, sendo esta somente viável quando os ganhos relativos dos Estados são
beneficiados – sendo estes complicados de medir, daí os Estados confiarem nas suas
capacidades e não na cooperação.
61
3.1) Base epistemológica e ontológica
Isto não significa, todavia, que a abordagem de Waltz seja holista. Tomando por
referência as explicações dadas sobre esta matéria fundamental, com base na análise
ontológica de Wendt, na verdade, o Neorrealismo de Waltz assenta num estudo que
combina a enfase clássica do Realismo no poder e nos interesses dos Estados – o
materialismo – com a abordagem microeconómica, através de analogias, para explicar
o sistema internacional, o que se funda numa ontologia individualista.
62
dado adquirido a identidade dos Estados e o seu conceito de estrutura não
contempla a possibilidade de haver efeitos que possam resultar da estrutura e
influenciar os Estados, o que vai de encontro ao individualismo.
Y (construção)
holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)
Neorrealismo
individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo)
Realismo
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
4. Do Institucionalismo Neoliberal
8
Keohane vem, deste modo, ampliar a perspetiva Transnacionalista e da Interdependência, que
desenvolvera nos anos 1970, enquadrando-a nas premissas neorrealistas estruturadas por Kenneth Waltz,
especialmente porque, na sua obra, Waltz havia confirmado que a política internacional estava
sarapintada de partículas de governança.
64
Na verdade, o Institucionalismo Neoliberal não nega, antes aceita, os 3 pressupostos
realistas básicos:
65
3) A estrutura do sistema internacional é anárquica.
66
Estados e, ainda, da análise dos processos de mudança pacífica que
ocorrem no sistema internacional. Para tanto, assumem que as
instituições internacionais afetam o comportamento dos Estados a
partir de duas premissas:
o Se por um lado é necessário haver interesses comuns entre os
atores para que estes possam ver que, na cooperação, têm
algo a ganhar; por outro, o grau de institucionalização do
sistema internacional exerce grande influência sobre o
comportamento dos Estados, ao impor limites.
67
da guerra, assumindo uma natureza conflituosa da anarquia
internacional.
• Tem como premissas principais:
o O Estado é o ator por excelência das RI, atuando de
acordo com os seus interesses, só que a uma
ressalva em vez de serem interesses de poder
militar são interesses económicos, não deixando de
ser interesses.
o O poder é uma variável importante a tem em conta
na avaliação do sistema internacional.
o Encara, simultaneamente, o SI como anarquia
internacional, partindo dos mesmos pressupostos
que o neorrealismo, mas reagindo de forma
otimista, uma vez que assume, como diferença
fundamental, a viabilidade da cooperação
internacional.
o A cooperação dá-se por meio das instituições que
impõem regras de comportamento aos Estados,
atenuando a anarquia internacional
o Os Estados criam facilmente processos de
cooperação porque assim têm maiores ganhos
económicos e isso confere-lhes um incentivo maior
para prosseguirem com a cooperação
internacional.
Nota: neste sentido, embora um Estado deixe de
ter lucro/ganhos relativos com a sua participação
numa determinada instituição (organização
internacional), opta por não a abandonar por uma
questão de credibilidade.
68
• O institucionalismo Neoliberal acredita na capacidade de as
instituições internacionais atenuarem a anarquia internacional,
sendo capazes de limitar o poder do Estado. porém, estes não
estariam dispostos a abdicar da sua soberania, apenas de parcelas
de soberania concedidas a estas instituições na tentativa de evitar
uma anarquia internacional total.
o O contraste é evidente, na medida em que o
Neorrealismo descarta por completo a influência
e/ou utilidade das instituições internacionais,
considerando que nenhuma é suficientemente
poderosa para que um Estado esteja disposto a
abdicar de parcelas da sua soberania. Não existem
instituições com poder superior ao dos Estados e,
por isso, a situação de anarquia internacional é
total e inevitável.
Considerando as bases ontológicas de Wendt que têm guiado a forma como temos vindo
a posicionar as teorias das Relações Internacionais, o Institucionalismo Neoliberal
assenta, assim, tal como o Neorrealismo, numa ontologia simultaneamente
individualista e materialista.
69
Y (construção)
holismo
(muita construção social) Construtivismo
(coletividade)
(efeitos constitutivos)
Neorrealismo
individualismo
(pouca construção social) Idealismo
(indivíduo) Institucionalismo
Realismo Neoliberal
(efeitos causais)
X (social)
materialismo idealismo
(muito material) (muito social)
(pouco social) (pouco material)
70
Porém, as duas teorias que integram o 2º Grande Debate (Neorrealismo e
Institucionalismo Neoliberal) partilham os mesmos pressupostos, partem das mesmas
premissas e divergem na possibilidade de existir cooperação internacional, sendo que
no Neorrealismo a cooperação é reduzida e o Internacionalismo Neoliberal considera a
cooperação internacional através das instituições internacionais, uma vez que os
Estados visam obter ganhos económicos com essa cooperação.
71
Capítulo 8) Anos 1990 e século XXI
1. Segurança Internacional – Terrorismo, Guerras Civis, Guerras entre
Estados, Segurança Humana
As guerras entre Estados, as guerras civis e o terrorismo, dentre outros, são modelos de
subversão do Estado, já que, se existem instrumentos legais das ideologias – como os
partidos políticos – bem como formas legais e institucionalizadas de rotação do poder –
como as eleições – também existem instrumentos ilegais desta rotação do poder, os
quais compõem a subversão do Estado.
Tendo em conta o conceito de subversão, pode concluir-se que ele visa atingir um
determinado objetivo e um universo político-social, sendo a fronteira entre a subversão
política e os outros tipos de subversão – psicológica, moral, cultural, religiosa, etc. –
muito ténue, já que é difícil explicitar até que ponto é que estes tipos de subversão se
limitam aos seus respetivos limites formais de caracterização e quando é que passam a
ter implicações de caráter político.
Deste modo, opta-se por se considerar que subversão política inclui apenas os modelos
subversivos que possuem uma vinculação política imediata, isto é, os modelos
72
subversivos que derivam de duas circunstâncias – que normalmente surgem em
simultâneo nestes processos:
• Guerra
• Guerra civil
• Golpe de Estado
• Revolução
• Guerrilha
• Terrorismo
Importa, todavia, reter que, numa guerra, existem Forças Armadas, toda uma
institucionalização da guerra por parte dos Estados participantes.
• Guerra total
• Guerra geral
• Guerra limitada
Guerra total -> é a guerra na qual os dois lados inimigos empregam todos os meios
ao respetivo dispor para destruir totalmente o adversário. Por «todos os meios»
entendemos efetivamente todos os meios ao respetivo dispor, isto é, meios militares
de toda a ordem, armas económicas (como meios de lançamento de capital do(s)
outro(s) para nele(s) criar hiperinflação) e quaisquer outros meios, como culturais,
73
assassinato de civis, etc. Isto porque a intenção de ambos os lados é destruir
totalmente o lado oposto, como sucedeu na Primeira Guerra Mundial ou na Segunda
Guerra Mundial, que foram as únicas guerras sem quaisquer limites.
Guerra geral -> é a guerra que ocorre quando cada lado inimigo vai até onde o outro
lado inimigo deixa ir. Isto significa que a intenção de destruição de cada lado inimigo,
frente ao outro, é a mesma da guerra total, a destruição total do inimigo. Todavia,
os meios utilizados por cada lado inimigo são apenas aqueles que o outro lado
inimigo permite, ou seja, faz-se o que se pode até o inimigo deixar; quando este
reage, o primeiro recua, sob pena da destruição total do planeta, já que se vive em
plena era nuclear. Razão pela qual, embora os dois lados inimigos possuam
armamento nuclear, este nunca é utilizado. Então, os meios não são todos utilizados
em função dos constrangimentos impostos pela Guerra Fria, da doutrina do
containment, da doutrinada destruição mútua garantida.
Guerra limitada -> é a guerra que procura destruir o alvo de forma precisa e
cirúrgica, sem danos colaterais, evitando ao máximo a perda de vidas de civis e
a destruição das localidades em redor, daí designar-se, também, por guerra
cirúrgica. Esta guerra utiliza tecnologia de ponta, como os GPS, drones, etc., para
uso de armamento inteligente. A primeira vez que este equipamento de ponta,
com intenção de destruir cirurgicamente apenas o alvo, sem produzir danos
colaterais, foi utilizado, foi na primeira Guerra do Iraque, ainda que aviões não
tripulados, acionados por controle remoto, já tivessem sido utilizados na
Primeira Guerra Mundial. Porém, nessa época, a tecnologia era muita débil, daí
em diante, foi-se aperfeiçoando, chegando-se aos drones atuais.
74
Guerra civil – ao contrário da guerra (assim simplesmente chamada, todavia
indicando a guerra entre Estados, ou guerra internacional), é uma guerra interna,
ocorrendo sempre entre duas Forças Armadas: as Forças Armadas regulares, do
governo, e as Forças Armadas insurretas, do movimento que reivindica o poder
do Estado sob o qual está submetido. Ambas são consideradas Forças Armadas
pois estão equipadas, estão organizadas, têm Quartel-General, etc.
Se se fala de terrorismo, pela primeira vez, desde a Revolução Francesa, com uma
conotação positiva, hoje o terrorismo surge como uma evolução da guerrilha urbana,
um fenómeno que cada vez se torna mais isolado de fanáticos e parte de uma estratégia
76
utilizada pelos inimigos da liberdade, caracterizado pela sua imprevisibilidade, pela sua
não-convencionalidade (pois não cumpre regras), por ser assimétrico (pois não tem
rosto) e por poder haver reféns no auge do processo.
Terrorismo seletivo -> terrorismo que visa atingir primordial e diretamente uma
determinada entidade, ou seja, o alvo a abater é previamente escolhido e, por
conseguinte, sabe-se exatamente quem se quer atacar/matar.
o Exemplos: sequestro ou morte de altas individualidades.
77
caso. De igual modo, o que Israel faz com os palestinianos
também é terrorismo de Estado.
Terrorismo religioso -> terrorismo praticado por Estados, por razões religiosas,
sendo por isso uma forma de terrorismo muito letal, pois os esses Estados
convencem indivíduos a praticá-lo em nome da religião, e quem o pratica não
tem medo de morrer, já que encara o mundo de uma forma maniqueísta,
considerando-se sempre do lado do Bem.
o Exemplos: os atentados terroristas praticados pelos grupos
terroristas religiosos, como a Al-Qaeda.
Com esta nova fase do terrorismo, o super-terrorismo, tem início uma nova
etapa terrorista abrangendo meios cada vez mais poderosos e letais, de natureza
biológica, química e nuclear, de conceção e execução transnacional, que
corresponde ao final do século XX e início do século XXI. Nesta nova era, os
ataques terroristas ocorrem em teatros de operações invulgares, como os EUA
ou o Japão, assumindo proporções alarmantes com efeitos psicológicos
devastadores. Afinal, esse tipo de países, que passa a ser alvo dos ataques
terroristas, faz parte do centro dos países demoliberais e, pós-Guerra Fria,
globalizados, que se considera inacessível a práticas dessa natureza. A sua
78
ocorrência provocou, assim, um profundo trauma nas multidões, nas elites e nos
sistemas de segurança – que falharam de forma impressionante na sua missão
de inteligência e serviços de informações desses países, destinados a garantir a
respetiva segurança.
Ciberterrorismo -> super-terrorismo que tem por missão essencial causar o caos,
através de ataques terroristas a redes de informática que suportam sistemas
vitais de países e de organizações internacionais. Por outro lado, este super-
terrorismo tem a função de utilizar a Internet como meio de propaganda ao
fundamentalismo islâmico e para ensinar as suas técnicas e desta forma recrutar
novos membros.
Grupos baseados no separatismo nacionalista -> são aqueles que combatem pela
autodeterminação, pela libertação de uma invocada ocupação estrangeira ou
pela assunção de um Estado para uma minoria étnica ou cultural.
o Exemplos: PKK, IRA, ETA, Partido do Povo do Curdistão, OLP,
etc.
Grupos de guerrilha tradicionais -> são aqueles que têm por objetivo derrubar e
substituir, na sede do poder, uma determinada situação.
o Exemplos: Sendero Luminoso (Peru), Contras (Nicarágua),
Khmers Vermelhos (Camboja), etc.
Grupos de extrema-direita -> são aqueles que, anti esquerdistas e racistas, lutam
pela colocação, no poder, da extrema-direita e pela expulsão, dos respetivos
países, de todos os que não são nacionais desse Estado.
o Exemplos: Ku Klux Klan (EUA), Vanguarda Nazionale (Itália),
ANB (África do Sul), etc.
Grupos fundamentalistas islâmicos -> são aqueles que visam a guerra santa
contra Israel e contra as potências anti-islâmicas, os infiéis. Exemplos: Hezbollah,
Jihad Islâmica, Xiismo iraniano, etc.
Combate ao terrorismo:
• Medidas antiterrorismo: o Fase ativa: são levadas a efeito medidas por polícias
com treino especial, são militares, que possuem treino, fazem videovigilância,
executam tarefas desde a negociação ao abate final; o facto de existirem é já,
80
em si, um fator dissuasor; o Fase reativa: são levadas a efeito medidas após
ocorrer o atentado.
• Medidas de contraterrorismo: são aquelas que se destinam a combater o
terrorismo, semelhantes às do próprio terrorismo.
• Segurança económica
• Segurança alimentar
• Segurança no acesso a cuidados de saúde
• Segurança ambiental
• Segurança pessoal
• Segurança comunitária
• Segurança política.
Pode ver-se, por aqui, que a segurança humana supera todas as barreiras conceituais
que equivaliam à segurança à vida livre de medo (freedom from fear), alargando-a à vida
ao abrigo de necessidade (freedom from want), incorporando ainda a garantia de que
as gerações vindouras herdarão um futuro possível. A securitização das sete áreas
referidas visa dar-lhes importância política acrescida e, desejavelmente, mais recursos.
Trata-se, desta forma, de um conceito que tem vindo a ser operacionalizado e que
encontra, na sua ambição, o maior obstáculo para a sua implementação. A União
Europeia, à semelhança de outras organizações internacionais, tem mantido uma voz
ativa nos debates em curso, apresentando declarações conjuntas e endossando o
conceito nas suas políticas externas como uma das traves mestras da cooperação e
parcerias que enceta.
Neste sentido, o ex-Secretário Geral das Nações Unidas (1997-2006), refere que “hoje,
sabemos que ‘segurança’ significa muito mais do que a ausência de conflito. (...)
Sabemos que uma paz duradoura requer uma visão mais ampla que englobe áreas como
a educação e a saúde, democracia e direitos humanos, proteção contra a degradação
ambiental e a proliferação de armas mortíferas. (...) Estes pilares do que agora
compreendemos ser o conceito focado nas pessoas de ‘segurança humana’ estão
interligados e reforçam-se mutuamente.”
81
Com efeito, desde o fim da Guerra Fria que a comunidade internacional se vem
confrontando continuamente com novas ameaças e riscos variados. A perplexidade dos
anos iniciais do pós-Guerra Fria deu lugar à compreensão de que não são só os conflitos
que põem populações, regiões e países em risco, mas também a pobreza crónica e
persistente, os desastres ambientais e as alterações económicas repentinas, entre
tantos outros fatores. É desta realização que surge o conceito de segurança humana,
que procura garantir a sobrevivência, subsistência e dignidade das pessoas face a
ameaças atuais e emergentes.
Daí existir uma interligação profunda entre a segurança humana e os direitos humanos,
assim como com a agenda para o desenvolvimento, que engloba, não apenas questões
económicas, como também, e sobretudo, ambientais.
Estas funções continuam a ser executadas porque, além dos governos que compõem o
sistema internacional, existe uma governança – esta permite que o sistema funcione
mesmo na ausência daqueles governos. Assim, é importante realçar que governança
não é o mesmo que governo.
Governo – sugere atividades sustentadas por uma autoridade formal, pelo poder
de polícia que garante a implementação das políticas devidamente instituídas.
84
• Novas abordagens às estruturas de autoridade e às novas formas de exercício da
cidadania
• Reincorporação da Cultura e da Identidade enquanto temas essenciais para a
compreensão das relações internacionais.
Na realidade, a dimensão cultural nas análises internacionalistas não era nova, porém
nenhuma abordagem anterior que introduzia os temas da cultura e da formação de
identidades havia gerado os frutos que gerariam estas novas abordagens dos anos 1990.
Com efeito, as abordagens dos anos 1960 que se preocupavam com a dimensão cultural
tiveram o mérito de introduzir o papel das variáveis cognitivas nas análises de política
externa, procurando evitar as distorções das informações e os problemas gerados pela
consideração dos Estados enquanto atores homogéneos, racionais e unitários por parte
dos realistas. Nos anos 1970, autores da Escola Inglesa como Hedley Bull recuperaram
um tema grociano ao repescar o conceito de sociedade internacional, o qual pressupõe
a existência de normas partilhadas internacionalmente assentes numa cultura
internacional. Já durante toda a década de 1980, as perspetivas pós-modernas, pós-
estruturalistas, feministas e críticas da Escola de Frankfurt e ainda os construtivistas
apresentaram um interesse permanente pelos fatores mais subjetivos nas análises
internacionalistas, designadamente a cultura e a formação das identidades.
Por isso, à racionalidade predominante nas teorias das Relações Internacionais, assente
em metateorias de carácter, primeiro positivista e, depois, neopositivista, começou a
contrapor-se a lógica mais político-social, psicológica e de personalidade que desde os
anos 1980 fundamenta as análises de base pós-positivista das perspetivas que Robert
Keohane, em 1988, aquando do seu discurso de tomada de posse enquanto presidente
da International Studies Association (ISA), já havia designado como perspetivas
Reflexivistas, opostas às abordagens racionalistas de base positivista.
85
• Tradição Clássica do estudo da cooperação internacional – sublinha que a razão
que leva os Estados a cooperar é a natureza social da Humanidade. A
cooperação estabelece-se, assim, quando atores que partilham um objetivo
comum que não pode ser alcançado através da ação isolada de cada um desses
atores os leva a estabelecer uma ação conjunta para alcançar esse objetivo,
surgindo a cooperação como resultado de hábitos e práticas entre atores que
partilham tradições e valores comuns, particularmente dentro de uma mesma
comunidade, no âmbito da qual a cooperação é mais facilmente alcançável.
• A moderna teoria política – em lugar de acentuar o papel dos hábitos e das
práticas comuns que especialmente dentro de uma mesma comunidade conduz
à cooperação, acentuou sempre os interesses dos atores que estabelecem (ou
não) essa cooperação. Os interesses dos atores que perseguem estratégias
destinadas a alcança-los é o que forma o núcleo duro da moderna teoria política,
que os considera como dados adquiridos, não se preocupando, por conseguinte,
em refletir sobre esses interesses e sobre os objetivos dos atores. Considerando-
os como dados existentes, o que interessa à moderna tradição do estudo da
cooperação internacional é explicar as escolhas dos atores em termos de
racionalidade estratégica e instrumental, resultado da utilização, ou não, da
força.
Assim, no âmbito da moderna teoria política, tanto os realistas quanto os
liberais, embora partilhem o paradigma dos interesses e objetivos dos Estados,
numa base racional, chegam a conclusões muito diferentes:
o Os realistas que a anarquia é a razão pela qual a cooperação
entre Estados é rara – já que, na ausência de uma autoridade
superior a eles próprios, os Estado, antes de se engajar em
comportamentos cooperativos, têm de se preocupar com a
sua segurança
o Os liberais assumem que a segurança não é sempre a
preocupação dos Estados, que muitas vezes pretendem a
maximização racional dos ganhos através da cooperação,
explorando as condições sob as quais essa cooperação ocorre.
86
valor das ideias para compreender os comportamentos (cooperativos) dos atores
visando encontrar os elos empíricos e S. Huntington reifica os agentes culturais, as
novas abordagens dos anos 1990 vêm questionar as premissas racionalistas destas
análises, transformando as ideias em variáveis endógenas às análises
internacionalistas, considerando que os atores que compõem a sociedade
internacional crescentemente globalizada são atores reflexivos. Os atores passam,
no âmbito destas perspetivas, a ser considerados agentes não estáveis e
imprevisíveis, ao contrário das perspetivas racionalistas que os encaram enquanto
agentes estáveis e previsíveis como bolas de bilhar, pelo que a cultura e as
identidades surgem como sendo socialmente construídas e fragmentadas na visão
de Yosef Lapid.
Assim, estas perspetivas abriram caminho para que, na década de 1990, o papel do
Direito Internacional e das organizações internacionais, a universalização dos
regimes democráticos liberais e a relação entre a paz e o comércio internacional –
temas especificamente idealistas – fossem recuperados na base da importância
concedida à normatividade do Paradigma Idealista. Afinal, do ponto de vista das
abordagens reflexivistas, a complexidade do sistema internacional a partir do final
da Guerra Fria exige a compreensão da cooperação internacional através da
tradição idealista, que significa a crença de que práticas e instituições podem ser
modificadas, gerando a reforma do sistema, numa base normativa, que encara as
ideias enquanto variável explicativa dos fenómenos internacionais.
87
conceitos-chave do Neorrealismo, como poder e racionalidade, enquanto as
perspetivas reflexivistas foram marginalizadas.
88
círculo hermenêutico. O dado empírico destas análises será sempre mais uma
interpretação, aberta a questionamentos por outras interpretações ou leituras.
3.4) Construtivismo
89
entre a ontologia idealista-holista do Construtivismo com a metodologia positivista
característica a priori dos racionalistas o coloca no meio do Terceiro Grande Debate
das Relações Internacionais, embora o seu objetivo não seja criar uma
epistemologia eclética. Simplesmente, a ontologia idealista-holista não implica
necessariamente, do seu ponto de vista, uma epistemologia pós-positivista.
É neste sentido que Wendt procura, com o seu Construtivismo estreito, criar uma
via média através do Terceiro Debate das Relações Internacionais, buscando
reconciliar o que, para muitos académicos, é tido à partida como posições
epistemológicas e ontológicas incompatíveis. Afinal, o que realmente importa é o
que existe e não a forma como os teóricos o interpretam. Ademais, a ciência deveria
ser, em vez de método-orientada, questão-orientada, já que a importância das
questões constitutivas original um papel central, nas Ciências Sociais para os
métodos interpretativos. No entanto, os pós-positivistas dão demasiada ênfase à
epistemologia, enquanto os positivistas deveriam ter a mente mais aberta, tanto
para as questões, tanto para as novas metodologias. O esforço de Wendt vais assim
no sentido de tentar uma via média entre estas duas filosofias opostas, que têm
dificuldade em falar de si, e mostrar que, se os pós-positivistas podem dar menos
ênfase à epistemologia, também os positivistas podem ser abertos a novas questões
de pesquisa e a novos métodos de investigação.
Este tipo de teorias teve início na década de 60, mas não teve repercussão pois nos anos
60 não tinham agenda empírica de pesquisa capaz de apresentar um verdadeiro projeto
de pesquisa que fosse algo conclusivo, algo capaz de estruturar uma teoria das RI.
Por outro lado, na década de 70, estas abordagens não ganharam dinâmica pois estavam
na sombra da Escola Inglesa que traz o conceito de sociedade internacional (sociedade
internacional – existe quando para além das regras, existem também valores, normas e
interesses comuns entre os vários atores que participam numa sociedade). esse
conceito foi muito importante para a teoria da RI e as abordagens pós-estruturalistas e
pós-modernas foram esquecidas.
Porquê? → porque elas vinham explicar a nova ordem internacional, a nova sociedade
internacional pós-derrube do muro de Berlim:
Isto devia-se ao facto de os Estados terem interesses comuns como também valores
comuns e sentirem a necessidade de criarem regras comuns de comportamento para
normatizar e assim pacificar a sociedade internacional de modo que nunca mais se
voltasse a repetir uma situação de Guerra fria.
91
do Estado, e ao defenderem-se só os interesses do Estado, está a
defender-se uma posição racional do Estado.
o O Estado é monolítico e um só. Não vale a pena identificar as
características internas do Estado → é unitário na medida em que
apenas conta a vontade que emana do governo, único representante
legítimo do Estado na sociedade internacional.
O Estado é homogéneo porque não interessa saber quantos ministérios o compõem, ao
contrário da visão das teorias reflexivistas, porque os ministérios de hoje têm relevância
na parte da política externa. Porém, para os racionalistas só conta a vontade do Governo
como legítimo representante do Estado.
92
▪ Metodologia das abordagens reflexivistas:
Contudo, embora seja tudo socialmente construído, não significa que as forças
materiais e os interesses não tenham importância. A sua importância encontra-
se, antes, num plano secundário.
94
o O comportamento pode não ser comum, pois quando há um conflito há
divergências de comportamento, pois os interesses sobrepõem-se aos
valores e às regras comuns de comportamento, gerando-se um conflito
que muitas vezes vem equilibrar o sistema, apesar de ser doloroso.
o As redes normativas, em geral, apesar dos conflitos (estes são exceção)
são norma. A norma é o cumprimento da regra, então as redes
normativas servem efetivamente para padronizar o comportamento dos
agentes na sociedade internacional.
o As redes normativas são origem ao que Ernest Hass chama de
comunidades epistémicas (≠ comunidade epistémica das RI). Estes são
grupos especializados numa determinada área temática que têm um
forte conhecimento sobre a mesma, e que atuando internacionalmente
na sociedade internacional podem mesmo influenciar a política externa
dos Estados.
O Construtivismo é das teorias das RI que mais vem ganhando adeptos no século
XXI, sendo isso um indicador muito bom. Contudo, seria melhor se tal indicasse
um verdadeiro fortalecimento da teoria em si, o que não é o caso.
Para além disto, o Construtivismo tem vindo a ganhar mais adeptos porque há
muitos académicos das RI que procuram fugir das teorias clássicas das RI, sem
cair nos extremos (abordagens reflexivistas), pelo que adotam o Construtivismo
como teoria que sobre os seus estudos de modo a alcançar um manto de
legitimidade sobre a realidade empírica.
5. Globalização
95
divergência que vai muito além da simples análise que era operada em tese-antítese-
síntese. Com a globalização, chegam os teóricos da complexidade a afirmar que, ao
mesmo que em há convergência, existe também divergência, e que o terceiro tempo é
o da emergência, o tempo que consiste numa fase de evolução em que tudo se torna
mais complexo, já que não há uma síntese, existe apenas um começo com convergência
e divergência, novas e velhas, em simultâneo.
Neste sentido, altera-se, cada vez mais, a balança entre guerra e bem-estar, quer a nível
interno dos Estados, quer a nível internacional. E, de tudo isto, resulta que nem sempre
os governos nacionais – enquanto legítimos representantes dos Estados – têm a
capacidade de formular e executar sozinhos a sua política externa ou, dito por outras
palavras, controlar a sua esfera de ação externa. Afinal, em várias transações
económicas internacionais, atividades de grandes corporações transnacionais, ações de
especuladores ou de atores políticos transnacionais, entre outras, os Estados são apenas
uma parte do processo e, muitas vezes, nem sequer a mais importante. As ações dessas
transações, corporações transnacionais, especuladores, atores políticos transnacionais,
por exemplo, originam crises que os Estados é que têm de solucionar, ainda que não
tenham estado na sua origem. Isto significa que muitos fenómenos e atores
constrangem e limitam a autoridade dos governos nacionais e a sua capacidade para
lidar com as diversas situações (WEBBER & SMITH, 2002: 10-11).
96
Chardin e o Centro Português de Estudos Europeus, um colóquio sobre a Unidade do
Género Humano (MALTEZ, 2002: 108).
Todavia, facto é que não existe consenso, na Academia, quanto à forma de encarar a
globalização.
98
acima, das fronteiras nacionais, pelo que o Estado se mantém como o principal
agente das relações internacionais.
Pode continuar a manter-se a visão estatocênctrica das relações internacionais,
abandonando, ou moderando o pressuposto de que a política externa dos
Estados é dominada por questões de segurança. Segundo esta visão cética, o
Estado continua a ser o principal agente das relações internacionais, todavia, a
diplomacia decorre tradicionalmente sem o pressuposto de que a força e a
segurança são as suas principais preocupações, de modo que a política
económica se torna tão importante quanto a gestão das questões tradicionais
da política externa, assim como outras políticas, cada qual gerida pelo ministério
competente e não pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Na realidade, não obstante os Estados, através dos respetivos ministérios,
tentarem fazer tudo isso de forma autónoma, já não são capazes, uma vez que
existe um número muito elevado de atividades transnacionais que está nas mãos
de organizações internacionais, grandes corporações transnacionais, grandes
especuladores invisíveis, organizações não-governamentais, do próprio
indivíduo, etc., que fogem ao controlo dos Estados (BROWN & AINLEY, 2012: 22)
– aspeto a que a visão cética é insensível por ter uma base realista.
99
também a democracia e a economia de mercado, que se espraiaram aos quatro
cantos do mundo. A globalização surge, assim, como característica da economia
de mercado, significando, com esta, a crença no mercado.
100
interestatais isoladas dos processos de comunicação e relação entre as sociedades, isto
é, abordagens que vão além do estatocentrismo realista.
Para estas, os Estados são agentes da política internacional, todavia não são os únicos,
nem os mais importantes.
É precisamente neste sentido que a visão transformista é a que tem reunido maior
apoio. Afinal, as transformações introduzidas na sociedade internacional são
significativas, todavia não devem ser sobrevalorizadas, já que não alteraram a estrutura
profunda da política internacional. Torna-se, pois, essencial, analisar de perto, quer as
referidas transformações, quer as continuidades que o processo de globalização tem
implicado, para que se consigam avaliar, de facto, os impactos da globalização sobre a
política internacional.
a) Transformações
• A globalização criou um ambiente de mudança globalizante.
o A interconetividade ajustou e estreitou os laços sociais, políticos,
económicos e culturais por cima das fronteiras estatais,
parecendo que se caminha para um sistema internacional único a
nível global
o A intensidade dessa interconetividade aumentou a magnitude
das atividades transfronteiriças ou transnacionais, ou mesmo
transmundiais, manifestando-se em diversas formas, como as
migrações, o aumento do comércio internacional, o acesso a
culturas distintas, etc. Isto significa que, qualquer questão interna
de um Estado rapidamente se internacionaliza (externaliza),
enquanto as questões internacionais também rapidamente se
internalizam para o fórum interno dos Estados, ocorrendo, por
conseguinte, uma dissolução de fronteiras entre o doméstico e o
externo.
• A interconetividade acelerou o tempo e estreitou o lugar em relações
internacionais, no sentido em que tudo ocorre no mesmo momento em
todos lugares.
• A globalização proporcionou um aumento dos problemas globais
• Assim como dos processos de regionalização e de fragmentação de
Estados, originando um aumento quantitativo do número de centros de
decisão e aumento qualitativo dos fluxos entre esses centros -> lei da
complexidade crescente das relações internacionais.
101
b) Continuidades
• O sistema westfaliano de Estados não colapsou e mantém-se bem
delineado
o Os Estados têm soberania
o As relações interestatais estruturam-se pela aceitação da
independência soberana de cada um, o que torna implícito o
princípio da igualdade de todos os Estados em termos jurídicos e
coloca o Direito Internacional na base do ordenamento do
sistema internacional, sobre o qual assentam os alicerces da
política internacional.
• A Justiça, a segurança e o poder afirmam-se como elementos de
continuidade, uma vez os Estados continuam a persegui-los.
• O Estado ainda é o principal sujeito de Direito Internacional e membro
das organizações internacionais (WEBBER &SMITH, 2002: 2).
• Do mesmo modo, o Estado ainda é a entidade organizacional do poder
político, militar, diplomático e, em certa medida, também do poder
económico (WEBBER & SMITH, 2002: 2), sendo certo que ele é, também,
quem faz as regras do ordenamento internacional a todos os níveis, ainda
que, conforme referido já, não controle mais a agenda internacional.
102
4.4) Tipos de Globalização
Assim, estruturam-se dois tipos de respostas. Desde logo, contestações de caráter não
radical surgiram pelo viés liberal, procurando explicar os fenómenos internacionais da
103
década de 1960 e 1970, que o Realismo não se mostrava capaz de explicar, dando
origem à perspetiva Transnacionalista e às Teses da Interdependência de Robert
Keohane e Joseph Nye. Outras contestações ao Realismo, de carácter radical, foram
desenvolvidas pelo viés marxista através das teses cepalinas do pensamento
estruturalista latino-americano de Relações Internacionais, tomando a forma,
designadamente, nas teorias de dependência.
104
do Sul”). A América do Sul é o destino dos investimentos diretos estrangeiros prioritário
do Brasil. Só depois é que o Brasil começou a investir noutros países.
Esta fase vai durar desde o século XIX até 1930 e é designada: fase liberal
conservadora ou modelo liberal conservador.
Ou seja, a hegemonia total sobre toda a América Latina pertencia à América do Norte, e
dentro dessa hegemonia estava uma sub-hegemonia que pertencia ao Brasil desde que
ficasse em subserviência (obediência) e não entrasse em conflito com o facto da América
do Norte ter toda a hegemonia sobre a América Latina.
Por outro lado, este período que vai do final do século XIX até 1930, as novas repúblicas
adotaram uma nova forma de comércio igual à da metrópole com as colónias, uma
economia liberal.
105
Neste sentido, a república em causa poderia produzir e vender os seus excedentes para
fora de modo a obter lucros do comércio exterior sem ter a preocupação da vantagem
que outra república iria ter, vigorando o princípio do liberalismo.
O modelo liberal conservador vigorou até 1930, pois nessa altura a situação económica
altera-se. Essa alteração deve-se ao Crash da bolsa em 1929 que provoca a Grande
Depressão -> é uma fase de entrerrego entre 1930 a 1945, em que os Estados vão tentar
adaptar-se à nova situação económica/financeira da realidade do sistema internacional.
Utilizam vários métodos para se salvarem. Mais tarde, vem a Guerra Civil Espanhola e
os Estados continuam sem saber o que fazer em termos de gerenciamento doas suas
relações externas. Até que a partir de 1942, os Estados começam a saber gerir as suas
relações externas através da chamada: Diplomacia da Barganha
• Diplomacia da Barganha:
o Teve o seu auge em plena 2WW
o Os Estados da América, sobretudo da América do Sul, o México e o
Brasil jogam, com sucesso, com um lado e com o outro do conflito
militar. Negociam, cedem e exigem dos dois lados do conflito,
obtendo vantagens económicas dos dois lados.
o O objetivo da diplomacia de Barganha é obter vantagens económicas.
o Acaba em 1943, pois Getúlio Vargas encontra-se com o Presidente
Roosevelt no Brasil, porque os norte-americanos receavam que a
vitória dos nazis na África se espalhasse até ao nordeste brasileiro e
tal situação poderia levar os nazis aos EUA. Para evitar tal
acontecimento, Roosevelt deu a Vargas tudo o que este precisava
para construir a Volta Redonda (siderurgia de alta ponta)
o Quando Vargas recebe o financiamento coloca-se no lado dos Aliados
do conflito militar, por isso terminou a Diplomacia de Barganha (só
poderia existir se nenhum país da América Latina estivesse colocado
numa posição oficial do conflito militar.
Quando a guerra acaba em 1945, as condições sociais existentes na América do Sul eram
totalmente diferentes das que existiam anteriormente sob o modelo liberal conservador
que acabou por colapsar em 1945.
A partir de 1945, as condições sociais eram outras e havia uma necessidade, um desejo
nacional pelo desenvolvimento económico, que na verdade era desenvolvimento
industrial. Ou seja, o que os líderes queriam era o desenvolvimento industrial dos
próprios países. Então o desenvolvimento económico era muitas vezes confundido com
o desenvolvimento industrial.
106
Para dar resposta a esta realidade eram necessários os novos líderes que conseguissem
satisfazer estas medidas. O insípido desenvolvimento industrial dá origem a uma classe
social urbana que exigia novas condições de vida e participação ativa pública. Entramos
numa nova fase chamada: modelo desenvolvimentista.
Este período é mais longo porque começa em 1945, com o fim da 2WW e com as novas
exigências de sociedade, para além disto, passa por várias etapas como os golpes
militares (Argentina e Brasil) na década de 60.
Este modelo espalhou-se por todos o Estados da América do Sul que veio terminar em
Crise da dívida
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• Consenso de Washington:
o Não é um tratado escrito, é só uma reunião.
o Gerou-se entre as instituições financeiras internacionais, no sentido
de acordarem as medidas que os Estados da América Latina teriam de
satisfazer para beneficiar dos empréstimos
o A reunião é em Washington assim como mais tarde, os críticos fazem
uma reunião de Buenos Aires
o Resultou de uma união que foi feita em Washington
Noutras fases os países da América Latina foram mais controversos, mais pró-ativos na
luta pela alteração do sistema internacional naquilo que não lhes convinha, agora
aceitavam pacificamente o sistema internacional em tudo aquilo que existia por isso
havia o respeito pelos regimes internacionais.
Mais tarde, gerou-se uma teoria na Argentina → Realismo periférico, de Carlos Escudé;
de acordo com a qual se defende em 5 pontos que a Argentina devia adotar uma posição
de país periférico, ou seja, de submissão às grandes potências, pois ela é periférica e só
assim a Argentina conseguiria tirar dividendos do sistema internacional que existia na
época neoliberal. Segundo Carlos, a teoria devia ser aplicada por todos os países que
fossem periféricos, tal como o Brasil, e se queria tirar vantagens económicas do sistema
internacional devia contentar-se com uma posição de periferia.
É claro que esta situação começou a desagradar populações em geral no final dos anos
90 e os próprios líderes políticos que não estavam no poder e mesmo os líderes que
tinham estado envolvidos na formação do Consenso de Washington mostravam-se
críticos contra o modelo neoliberal. Desta forma, formaram-se várias manifestações
antiglobalização, anti modelo neoliberal, etc. E começaram a reunir-se em reuniões no
Santigo do Chile e em Buenos Aires, onde foi formado o Consenso de Buenos Aires.
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Consenso de Buenos Aires – mas não teve repercussões
A partir do início séc. XXI começaram a subir ao poder, através das eleições livres e
democráticas, líderes oriundos da esquerda política do espectro tradicional esquerda-
direita. E esses líderes eram outsiders políticos, que não compunham uma esquerda
unitária. Então houve uma subida ao poder de vários esquerdistas:
▪ Brasil – Lula
▪ Bolívia - Evo Morales
▪ Equador – Rafael Correia
▪ Venezuela – Hugo Chavez
▪ Argentina – Cristina Kirchner
Nesse sentido, houve várias esquerdas a subir ao poder neste panorama esquerdista.
Em 2010 há uma nova onde de direita no poder. Mais ou menos a partir de 2010 começa
a registar-se a eleição de presidente de direita:
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