Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo
Este trabalho teve como objetivos apresentar uma revisão sobre a avaliação neuropsicológica da
linguagem pós-lesão de hemisfério direito em adultos, buscando-se caracterizar os instrumentos de
avaliação construídos especificamente para tal fim e os instrumentos de investigação da linguagem
funcional; e verificar a frequência em que os instrumentos de avaliação das funções do hemisfério
direito e os instrumentos de investigação da linguagem funcional são utilizados em pesquisas
internacionais. Consultaram-se obras tradicionais de neuropsicologia sobre a avaliação
neuropsicológica da linguagem, identificando-se quais instrumentos se propunham a avaliar
habilidades linguísticas relacionadas ao hemisfério direito e quais examinavam a linguagem
funcional. Fez-se uma busca na base de dados PubMed para estabelecer a frequência com que
publicações internacionais abordavam estudos envolvendo esses instrumentos. Verificou-se que há
poucos instrumentos de avaliação da linguagem em indivíduos com lesão de hemisfério direito.
Torna-se necessária uma maior difusão e utilização desses instrumentos na clínica e na pesquisa.
Palavras-chave: Linguagem, Comunicação, Avaliação neuropsicológica, Lesão de hemisfério
direito.
internacionais (Joanette, Ska, & Côté, 2004; Nesses casos de distúrbios neurológicos
Harciarek & Heilman, 2009; Dewarrat et al., adquiridos, a avaliação mais indicada é a
2009) e nacionais (Fonseca, Parente, Côté, Ska, neuropsicológica, que se caracteriza por ser
& Joanette, 2008; Costa-Ferreira et al., 2010). interdisciplinar, realizada por médicos,
Atualmente sabe-se que ao redor de 50% fonoaudiólogos e psicólogos, além de outros
desses indivíduos apresentam déficits em profissionais envolvidos com as relações entre
quatro processamentos linguísticos funcionais: cérebro e comportamento humanos (Lezak,
discursivo, pragmático, léxico-semântico e Howieson, & Loring, 2004). Dentre as funções
prosódico (van Lancker, 1997; Brookshire, avaliadas na clínica neuropsicológica, a
2003; Fonseca et al., 2007; Vigneau et al., linguagem é a mais tradicional, na medida em
2011; Diaz, Barrett, & Hogstrom, no prelo; que o estudo dessa habilidade marcou o início
Ferré, Ska, Lajoie, Bleau, & Joanette, 2011). O da neuropsicologia em 1861 com os relatos de
discursivo processa estímulos formados por afasia expressiva de Paul Broca (Joanette et al.,
mais de uma sentença e serve para transmitir 1990; Mäder, 2002).
uma mensagem, demandando funções Os instrumentos utilizados na avaliação
pragmáticas, linguísticas e cognitivas neuropsicológica podem ser classificados como
(Chapman, Highley, & Thompson, 1998; padronizados ou não padronizados, de acordo
Bartels-Tobin & Hinckley, 2005). O com a presença ou não de normas de aplicação,
pragmático refere-se ao processamento de de pontuação e estudos psicométricos. Podem,
adaptabilidade do uso da linguagem a ainda, ser categorizados como testes de
diferentes contextos comunicativos. avaliação do desempenho ou escalas, com base
no critério de mensuração de aptidão, por
Dentre as funções linguísticas ligadas às subtestes de acerto ou erro, ou da graduação de
habilidades pragmáticas, encontra-se o sintomas por escalas (Noronha & Alchieri,
processamento inferencial, isto é, a 2002; Manning, 2005; Pasquali, 2010).
representação mental que o indivíduo faz em No exame da linguagem, esses tipos de
relação às informações implícitas em unidades avaliação se combinam gerando três classes de
linguísticas (Gutiérrez-Calvo, 1999; ferramentas clínicas: 1) instrumentos não
Rousseaux, Daveluy, & Kozlowski, 2010). O padronizados, 2) instrumentos padronizados de
léxico-semântico refere-se à compreensão e/ou avaliação do desempenho comunicativo e 3)
à produção linguísticas processadas no nível da escalas de mensuração da linguagem funcional
palavra. Por fim, o prosódico consiste no (Kane, 1991; Benedet, 1995). Essas três classes
processamento da entonação ou linha melódica de instrumentos de avaliação neuropsicológica
do discurso produzida por variações na da linguagem podem ser subdivididas em
frequência, no ritmo e na ênfase das emissões, formais ou funcionais, a partir do grau de
para representar diferentes modalidades aproximação com o dia a dia da comunicação.
linguísticas e emocionais (Harley, 2001; Pell, Os instrumentos de avaliação formal da
2006; Blake, 2007). linguagem podem ser considerados mais
Desse modo, indivíduos com lesão de HD artificiais. Isso porque avaliam a linguagem
apresentam, em geral, os seguintes sinais e com tarefas distantes do dia a dia comunicativo
sintomas: dificuldade em narrar as principais dos pacientes.
informações de um texto, entender a moral de As avaliações funcionais da linguagem
histórias, manter o tópico de um discurso e as complementam as formais. São constituídas por
regras desse com base na percepção da intenção subtestes ou itens que examinam a linguagem
do interlocutor, entender informações não funcional, ou seja, consistem em avaliações
literais e a intenção subentendida em sentenças, orientadas para a demanda comunicativa da
explicar as relações categoriais entre palavras e vida diária dos pacientes que sofreram lesões
compreender e produzir sentenças com cerebrais. A avaliação funcional da linguagem
diferentes entonações linguísticas está, assim, relacionada ao grau de
(interrogativa, afirmativa, imperativa) e naturalidade, contextualização e informalidade
emocionais (tristeza, alegria, raiva, surpresa, dos procedimentos de avaliação, com o intuito
etc) (Joanette et al., 1990; Côté et al., 2007; de parecer-se o máximo possível com as
Fonseca et al., 2007; Fonseca et al., 2008; situações comunicativas reais experienciadas
Fonseca, Parente, Côté, Ska, & Joanette, 2009; pelo indivíduo em seu cotidiano (Brookshire,
Ferré et al., 2011). 2003).
216 Pagliarin, K. C., Sarmento, T. F., Müller, J. L., Parente, M. A. M. P., & Fonseca, R. P.
A presente revisão sistemática da literatura Brookshire, 2003; Latorre & Dueñas, 1987,
justifica-se em dois aspectos: 1) É importante Lezak et al., 2004; Strauss, Sherman, & Spreen,
conhecer as ferramentas clínicas de avaliação 2006). Nessas obras, procuraram-se identificar
da linguagem em quadros de lesão de HD para quais testes de avaliação neuropsicológica têm
que esta população possa ser mais bem avaliada por objetivo examinar habilidades linguísticas
e as sequelas linguísticas oriundas desse quadro relacionadas ao HD e quais instrumentos têm a
possam ser descritas com maior profundidade; finalidade de examinar a linguagem funcional
2) É necessário, ainda, conhecer os em quadros de lesão cerebral. Os manuais dos
instrumentos de exame da linguagem funcional, testes citados foram consultados. Na análise
para que se saiba como avaliar o impacto dos dos manuais dos instrumentos, assim como da
distúrbios linguísticos não apenas em quadros descrição feita de cada instrumento nas
de lesão neurológica, mas também em diferentes obras clássicas de neuropsicologia,
transtornos psiquiátricos, como na buscou-se verificar por meio de que tarefas
esquizofrenia e nos quadros autísticos. Isso esses testes propõem-se a avaliar habilidades
porque as alterações no funcionamento linguísticas do HD ou a linguagem funcional.
cognitivo e linguístico modificam Após o levantamento de quais testes eram
drasticamente a vida de um indivíduo e de sua referidos na literatura, averiguou-se com que
família (Edwards, Hahn, Baum, & Dromerick, frequência as publicações internacionais têm
2006), podendo gerar prejuízos nas interações abordado estudos envolvendo esses
sociais, trocas pessoais, comportamento e instrumentos. Para tanto, fez-se uma busca na
humor. base de publicações internacionais PubMed, no
Essa revisão tem por objetivo apresentar mês de dezembro de 2010, incluindo artigos
um panorama da avaliação neuropsicológica da científicos de 1997 até 2010. Utilizaram-se
linguagem após lesão de HD em adultos, como palavras-chave as siglas dos nomes dos
buscando-se caracterizar os instrumentos instrumentos (MIRBI, RIPA, RICE, RHLB,
utilizados no exame desse quadro neurológico e FCP, CETI, FIM, ASHA FACS, CADL), no
na investigação da linguagem funcional. Além formulário básico. Em duas situações, o nome
disso, pretende-se verificar a frequência em que dos testes por extenso foi utilizado ao invés de
os instrumentos de avaliação das funções do sua sigla: 1) quando não havia sigla (Pragmatic
HD e os instrumentos de exame da linguagem Protocol e Protocole MEC); e, 2) quando com
funcional são utilizados em pesquisas a busca pela sigla era gerada uma quantidade de
internacionais nos últimos 13 anos. abstracts superior a 100 (RIPA, RICE e FCP).
A partir dessa revisão teórica, as seguintes Os resumos de estudos encontrados nessa busca
questões de pesquisa serão respondidas: geraram uma quantificação inicial; após a
1) Que instrumentos de avaliação análise desses abstracts, foram considerados
neuropsicológica da linguagem são indicados para a quantificação final apenas aqueles que se
na literatura para o diagnóstico de alterações referiam realmente ao instrumento investigado,
linguísticas após lesões de HD? ou seja, foram excluídos todos os estudos em
2) Por meio de que tarefas esses testes que a sigla estava presente representando outro
propõem-se a avaliar habilidades linguísticas de significado.
especialização do HD?
3) Que ferramentas clínicas são indicadas Resultados
para o exame da linguagem funcional em Para responder às duas primeiras questões
quadros de lesão cerebral? da pesquisa (Que instrumentos de avaliação
4) Com que frequência os instrumentos de neuropsicológica da linguagem são indicados
avaliação neuropsicológica da linguagem após na literatura para o diagnóstico de alterações
lesão de HD e testes de exame da linguagem linguísticas após lesões de HD? e por meio de
funcional são abordados em pesquisas que tarefas esses testes propõem-se a avaliar
internacionais? habilidades linguísticas de especialização do
Método HD?) são descritos nome, autoria, ano de
O presente estudo consiste em uma revisão publicação e subtestes ou tarefas de cada
sistemática da literatura. Consultaram-se obras instrumento nas Tabelas 1 e 2. Na Tabela 1,
de neuropsicologia que abordam a temática da foram agrupados os instrumentos padronizados
avaliação neuropsicológica da linguagem após e, na Tabela 2, os procedimentos não
lesões cerebrais (Beeson & Rapcsak, 2005; padronizados.
Avaliação neuropsicológica da linguagem 217
Fonseca, R. P., Parente, M. A. M. P., Côté, H., Holland, A. L., Fratalli, C. M., & Fromm, D.
Ska, B., & Joanette, Y. (2008). (1998). Communicative abilities in daily
Apresentando um instrumento de avaliação living (2ª ed). Austin: PRO-ED.
da comunicação à Fonoaudiologia
Joanette, Y., Goulet, P., & Hannequin, D.
Brasileira: Bateria MAC. Revista de
(1990). Right hemisphere and verbal
Atualização Científica Pró-fono, 20, 285-
communication. New York: Springer.
291.
Joanette, Y., Ska, B., & Côté, H. (2004).
Fonseca, R. P., Parente, M. A. M. P., Côté, H., Protocole MEC – Protocole Montreál
Ska, B. & Joanette, Y. (2009). Bateria MAC d’Évaluation de la Communication.
– Bateria Montreal de Avaliação da Montréal : Ortho Édition.
Comunicação. São Paulo: Pró-Fono.
Kane, R. L. (1991). Standardized and flexible
Fournier, N. M., Calverley, K. L., Wagner, J. batteries in neuropsychology: an assessment
P.; Poock, J. L., & Crossley, M. (2008). update. Neuropsychology Review, 2, 281-
Impaired Social Cognition 30 years after 339.
hemispherectomy for intractable epilepsy:
The importance of the right hemisphere in Kortte, K., & Argye, E. H. (2009). Recent
complex social functioning. Epilepsy & Advances in the Understanding of Neglect
Behavior, 12, 460-471. and Anosognosia Following Right
Hemisphere Stroke. Current Neurology and
Fratalli, C. M., Thompson, C. M., Holland, A. Neuroscience Reports, 9, 459-465.
L., Wohl, C. B., & Ferketic, M.M. (1995).
Functional Assessment of Communication Latorre, C., & Dueñas, A. (1987). La
Skills for Adults – ASHA FACS. Rockville: exploración del lenguage y las afasias – Una
ASHA. visión de conjunto. VII Congreso Nacional
de Neurologia, 33-46.
Gordon, W. A., Ruckdeschel-Hibbard, M., &
Egelko, S. (1984). Evaluation of the deficits Lezak, M. D., Howieson, D. B., & Loring, D.
associated with right brain damage: W. (2004). Neuropsychological Assessment.
normative data on the Institute of New York: Oxford Univertsity Press.
Rehabilitation Medicine test battery. New Lomas, J., Pickard, L., & Bester, S. (1989). The
York: NYU Medical Center. communicative effectiveness index:
development and psychometric evaluation
Gutiérrez-Calvo, M. (1999). Inferencias en la
of a functional communication measure for
comprensión del lenguaje. Em: Veja, M. &
adult aphasia. Journal of Speech and
Cuetos, F. (coords.), Psicolinguistica del
Hearing Disorders, 54, 113-24.
español (pp. 231-270). Madrid: Trotta.
Mäder, M. J. (2002). Avaliação
Halper, A. S., Cherney, L. R., Burns, M. S., & neuropsicológica: da pesquisa à prática
Mogil, S. T. (1996). Rehabilitation Institute clínica com adultos.In R. M. Cruz, J. C.
of Chicago Evaluation of Communication Alchieri, & Jr J. J. Sarda, Avaliação e
Problems in Right Hemisphere Dysfunction- medidas psicológicas (pp. 47-68). São
Revised (RICE-R). Rockville: Aspen. Paulo: Casa do Psicólogo.
Harley, T. (2001). The psychology of language. Manning, L. (2005). La neuropsychologie
New York: Psychology Press. clinique. Paris: Armand Colin.
Harciarek, M., & Heilman, K. M. (2009). The Myers, P. S. (1999). Right hemisphere damage:
contribution of anterior and posterior Disorders of communication and cognition.
regions of the right hemisphere to the San Diego: Singular Publishing Group.
recognition of emotional faces. Journal of
Clinical and Experimental Noronha, A. P. P., & Alchieri, J. C. (2002).
Neuropsychology, 31, 322-330. Reflexões sobre os instrumentos de
avaliação psicológica. In R. Primi, Temas
Holland, A. L. Communicative abilities in daily em avaliação psicológica (pp.716-79).
living. (1980). Baltimore: University Park Campinas: Instituto Brasileiro de Avaliação
Press. Psicológica.
Avaliação neuropsicológica da linguagem 225
Paradis, M. (1998). The other side of language: Sarno, M. T. (1969). The functional
pragmatic competence. Journal of communication profile. New York: NYU
Neurology, 11, 1-10. Medical Center Monograph Department.
Pasquali, L. (2010). Instrumentação Serafini, A. J., Fonseca, R. P., Bandeira, D. R.,
Psicológica: Fundamentos e Prática. Porto Mattos, A. M. P. P. (2008). Panorama
Alegre: Artmed. nacional da pesquisa sobre avaliação
neuropsicológica de linguagem. Psicologia,
Pell, M.D. (2006). Cerebral mechanisms for
ciência e profissão, 28(1), 34-49.
understanding emotional prosody in speech,
Brain and Language, 96(2), 221-234. Strauss, E., Sherman, E. M. S., & Spreen, O.
(2006). A compendium of
Pimental, P. A., & Kingsbury, N. A. (1989).
neuropsychological tests – administration,
Mini Inventory of Right Brain Injury.
norms, and commentary. New York: Oxford
Austin: PRO-ED.
University.
Prutting, C. A., & Kirchner, D.M. (1987). A
van der Meulen, I., van de Sandt-Koenderman,
clinical appraisal of the pragmatic aspects of
W. M., Duivenvoordene, H. J., & Ribbers,
language. Journal of Speech and Hearing
G. M. (2010). Measuring verbal and non-
Disorders, 52, 105-119.
verbal communication in aphasia: reliability,
Radanovic, M., Mansur, L. L., Azambuja, M. validity, and sensitivity to change of the
J., Porto, C. S., & Scaff, M. (2004). Scenario Test. International Journal of
Contribution to the evaluation of language Language and Communication Disorders,
disturbances in subcortical lesions. Arquivos 45, 424-435.
de Neuro-psiquiatria, 62, 51-57.
van Lancker, D.V. (1997). Rags to riches: our
Riberto, M., Miyazaki, M. H., Jorge Filho, D., increasing appreciation of cognitive and
Sakamoto, H., & Battisttela, L. R. (2001). communicative abilities of the human right
Reprodutilibilidade da versão brasileira da cerebral hemisphere. Brain and Language,
Medida de Independência Funcional. Acta 57, 1-11.
Fisiátrica, 8, 45-52.
Vigneau, M., Beaucousin, V., Hervé, P. Y.,
Ross, D. G. (1986). Ross Information Jobard, G., Petit, L., Crivello, F. et al.
Processing Assessment. Austin: PRO-ED. (2011). What is right-hemisphere
Ross, D. G. (1996). Ross Information contribution to phonological, lexico-
Processing Assessment (2a ed.). Austin: semantic, and sentence processing? Insights
PRO-ED. from a meta-analysis. Neuroimage, 54, 577-
593.
Rousseaux, M., Daveluy, W., & Kozlowski, O.
(2010). Communication in conversation in
stroke patients. Journal of Neurolology,
257, 1099-1107.
State University of New York at Buffalo
Research Foundation. (1993). Guide for the Recebido em 20 de Maio de 2011
use of the uniform data set for medical Texto reformulado em 20 de Janeiro de 2012
rehabilitation: functional independence Aceite em 03 de Abril de 2012
measure. Buffalo: State University of New Publicado em 30 de Junho de 2012
York.