Você está na página 1de 471

DIÁLOGO FREIRIANO

IVANIO DICKMANN [org.]


NOTA: Dado o caráter interdisciplinar desta coletânea, os textos publicados respeitam as normas e técnicas
bibliográficas utilizadas por cada autor. A responsabilidade pelo conteúdo dos textos desta obra é dos res-
pectivos autores e autoras, não significando a concordância dos organizadores e da instituição com as ideias
publicadas.
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou
processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, vi-
deográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer
parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às
características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos é punível como crime (art.184 e
parágrafos do Código Penal), com pena de prisão e multa, busca e apreensão e indenizações diversas (art.
101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).
CONSELHO EDITORIAL

Ivanio Dickmann - Brasil


Aline Mendonça dos Santos - Brasil
Fausto Franco Martinez - Espanha
Jorge Alejandro Santos - Argentina
Miguel Escobar Guerrero - México
Carla Luciane Blum Vestena - Brasil
Ivo Dickmann - Brasil
José Eustáquio Romão - Brasil
Enise Barth - Brasil

EXPEDIENTE

Editor Chefe: Ivanio Dickmann


Financeiro: Maria Aparecida Nilen
Diagramação e Edição de Vídeos: Renan Fischer

FICHA CATALOGRÁFICA

D536 Diálogo Freiriano / Ivanio Dickmann (Org.). 1.ed. Veranópolis:


Diálogo Freiriano, 2019.
ISBN: 978-65-80183-06-7
1. Educação Filosofia. 2. Cartas pedagógicas. 3. Freire, Paulo (1921
1997). I. Dickmann, Ivanio.

CDD 370.1

Ficha catalográfica elaborada por Karina Ramos CRB 14/1056

EDITORA DIÁLOGO FREIRIANO


[CNPJ 20.173.422/0001-76]
Av. Osvaldo Aranha, 610 - Sala 10 - Centro
CEP 95.330-000 - Veranópolis - RS
dialogar.contato@gmail.com
www.dialogofreiriano.com.br
Whatsapp: [54] 98447.1280
Ivanio Dickmann
[organizador]

DIÁLOGO FREIRIANO

Diálogo Freiriano
Veranópolis - RS
2019
SUMÁRIO

PAULO FREIRE VIVE EM NÓS!


Ivanio Dickmann .......................................................................................... 9
PARTE I:
CARTAS PEDAGÓGICAS ...................................................................... 11
Carta I Bianca Joana Mattia....................................................................................... 13
Carta II Carla Rosane Paz Arruda Teo ..................................................................... 19
Carta III Artur Pires de Camargos Júnior ................................................................. 25
Carta IV Eliana Nunes Maciel Bastos ........................................................................ 31
Carta V Débora Peruchin ............................................................................................ 39
Carta VI Eliza Trapella ............................................................................................... 45
Carta VII Adenir Vendrame....................................................................................... 51
Carta VIII Ana Lúcia Souza de Freitas ..................................................................... 55
Carta IX Micheli Canova Hickmann ......................................................................... 65
PARTE II:
RELATOS DE EXPERIÊNCIAS .............................................................. 71
Oficinas Pedagógicas de Didática Freiriana
Ivanio Dickmann ............................................................................................................. 73
A ascendência Tapuia Paiacu à margem do saber
Maria Mônica de Freitas ................................................................................................. 79
Relatos de memórias reflexivas com conexões entre o passado e o presente de
minha experiência profissional em Paulo Freire
Carlos Roberto de Sousa .................................................................................................. 89
Por uma educação para o envolvimento do ser
Ronaldo Ferreira Pinheiro .............................................................................................. 97
A vida é uma festa!
Silvana Mesquita Cristino ............................................................................................. 113
Conversando com Paulo Freire: as angustias de ser educadora no século XXI.
Joanna de Ângelis Lima Roberto .................................................................................. 125
Ensinar exige respeito à autonomia do ser educando
Eliziane de Sales Pinto, Marcia Michelly Pereira Duarte, Mycaelle da Silva Tavares
.......................................................................................................................................... 133
DIÁLOGO FREIRIANO

Café com Paulo Freire para pensar e mudar o mundo: a experiência do


núcleo Varginha/MG
Priscilla Bibiano ............................................................................................................. 135
PARTE III
ARTIGOS CIENTÍFICOS ......................................................................157
Etnografia freiriana: a descoberta do universo simbólico do educando na busca
pelas Palavras Geradoras
Guilherme Ernesto de Andrade Neto, José Inaldo Valões .......................................... 159
A educação decolonial e Paulo Freire na perspectiva da avaliação escolar
Rodrigo de Souza Pain ................................................................................................... 167
A Pedagogia da Autonomia como pilar das práticas na educação infantil
Bruna Santana de Oliveira, Camila Gomes Santos da Silva, Laila Gardênia Viana
Silva ................................................................................................................................. 181
Uma análise crítica da educação brasileira sob a ótica da Pedagogia de Paulo
Freire
Eliane Alves de Souza .................................................................................................... 193
Da Pedagogia do Oprimido à Pedagogia do Movimento: as contribuições do
pensamento político-pedagógico de Paulo Freire para a educação no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra-MST
Franciele Soares dos Santos ........................................................................................... 203
A relação entre a prática educativa de Paulo Freire e os Direitos Humanos na
perspectiva da cultura da paz
Lucilaine Machado Munefiça, Leni Aparecida Viana da Rocha, Mariléia Lilian
Kwiatkoski, Marisa Olegário Rommy Salomão .......................................................... 217
A leitura de mundo e o currículo: construções e desconstruções sob uma
perspectiva freireana
Emanuelle Milek, Ana Maria Soek, Nívea Moreira de Camargo, Sonia Maria
Chaves Haracemiv ......................................................................................................... 231
Golpe militar de 1964: como o golpe militar interrompeu o processo
democrático e destituiu o Presidente João Goulart (1954 à 1964)
Maria Carmem de Farias .............................................................................................. 245
Mapas mentais no ensino de geografia feito por autistas na escola básica
fluminense: o desafio da inclusão
Clézio dos Santos, Marilza Santos da Silva ................................................................. 267
A Educação Física no Ensino Médio no IFNMG/Campus Araçuaí:
características e percepções discentes
Edmara Moreira Cerqueira, Georgino Jorge de Souza Neto ..................................... 293

7
DIÁLOGO FREIRIANO

O papel do professor no encantamento pela leitura na educaçao infantil


Francisca Rita de Oliveira, Joseneuma Borges de Almeida, Sara Pereira Ferreira
.......................................................................................................................................... 309
Linguagem e gênero textual: uma análise das fábulas em dois livros didáticos de
Língua Portuguesa do 6° ano
Lillian Gonçalves de Melo, Suerdes Oliveira da Silva, Tatiane Oliveira da Silva .... 321
Educação Ambiental se começa na educação infantil e se prioriza no ensino
fundamental para o desenvolvimento da criança formando cidadãos
conscientes
Inês Mesquita Diniz ....................................................................................................... 339
Contribuições para o pensamento crítico da juventude: análises de um projeto
de cidadania em escolas estaduais do Rio de Janeiro
Walace Ferreira, Alberto Alvadia Filho....................................................................... 351
Os desafios do trabalho pedagógico nas escolas/classes multisseriadas do
campo do Município de Irecê
Patrícia Gonçalves de Souza ......................................................................................... 367
Classes multisseriadas: que organização escolar é essa?
Patrícia Gonçalves de Souza ......................................................................................... 381
Saber e poder: educação popular uma alternativa possivel?
Paulo Alberto Duarte Junior......................................................................................... 393
Fernando Collor, da eleição ao impeachment segundo o Jornal Folha de São
Paulo e a Revista Veja: como essas mídias influenciaram nesses processos.
Maria do Carmo da Silva, Maria Isaura Ventreschi Carrenho, Renata Aparecida
Carvalho Bomfim ........................................................................................................... 405
A dança e suas contribuições como componente educativo nos anos iniciais do
ensino fundamental
Alcilene Nobre Batista, Ronne Clayton de Castro Gonçalves .................................... 425
Ensino aprendizagem por meio da aplicação de uma Sequência Didática (SD):
trazer este diálogo para a escola
Rosa Prasser .................................................................................................................... 437
A busca por uma pedagogia culturalmente sensível nos livros didáticos de
-padrão, norma culta
Andreza Marcião dos Santos, Shirlene Aparecida da Rocha, Aldair Oliveira de
Andrade, Raquel Aparecida Dal Cortivo..................................................................... 449
ÍNDICE REMISSIVO.............................................................................465

8
PAULO FREIRE VIVE EM NÓS!

É nosso compromisso manter vivo o legado de Paulo Freire! Nossa editora,


a Diálogo Freiriano, não tem este nome por acaso. Somos dialógicos. Acreditamos no
diálogo como Freire sugere: o encontro amoroso de seres humanos para pronunciar
um novo mundo. Queremos ser o estopim de diálogos freirianos. Por isso essa cole-
tânea que você tem em mãos agora recebeu este nome. Ela expressa o que outros e
outras pessoas como nós tem feito iluminados por Paulo Freire.
Cada texto que compõe este livro é uma manifestação de que Paulo Freire
está vivo. Como ele vive? Na nossa prática e na nossa reflexão. Na nossa reflexão e na
nossa prática. Em suma, ele vive em nós! No cotidiano do espaço pedagógico no qual
e sobre o qual atuamos Paulo Freire se manifesta na nossa ação refletida. Em cada
aluno ou aluna, em cada atividade pedagógica, em cada escola, em cada universidade,
em cada movimento social, os freirianos e freirianas mantém a pedagogia de Paulo
Freire viva.
Nesta obra nós decidimos abrir o leque de tipos de textos. Nem todas as pes-
soas escrevem artigos acadêmicos. Por isso, acolhemos também cartas pedagógicas e
relatos de experiências. Assim, damos a oportunidade de quem quer compartilhar sua
vida por outros instrumentos de escrita fazer parte de nossas publicações. Isso não
desdoira nossos livros, pelo contrário, diversifica e nos estimula a escrever de outras
formas. Nos mantém criativos e menos bitolados ao universo acadêmico.
Temos ideia de manter esta obra em periodicidade anual. Então, se você não
tem um texto publicado e é freiriano ou freiriana como nós, quem sabe poderemos
estar juntos na segunda edição. Pense nisso, considere compartilhar teus quefazeres
conosco e com o mundo. Escrever é também um exercício de sistematização, muito
útil à nossas práticas. Quem escreve sobre o que faz, faz melhor quando repete a prá-
tica.
Quanto me refiro a nossas práticas e reflexões pedagógicas freirianas, caso
você querido leitor, querida leitura, ainda não esteja familiarizado com a trajetória e a
história de Paulo Freire, estou falando de uma postura pedagógica crítica, ou seja, que
analisa a estrutura social opressora e que propõe uma transformação desta estrutura
opressora, pelo viés da educação. Ser crítico impõe uma postura criativa diante do
DIÁLOGO FREIRIANO

mundo. Ser crítico é ser um ser da transformação. Que pensar e faz uma educação
problematizadora e criadora de vida.
Eu espero que com esta obra coletiva possamos estimular outros educadores
a assumir esta postura em seus espaços educativos. Que sejamos motivação para quem
já se sente chamado a construir um novo mundo através da educação. Se você é esta
pessoa, bem-vindo, bem-vinda... se achegue e vamos trilhar juntos este caminho. Não
é fácil, mas é possível!
Por fim, compartilhe este livro com mais pessoas, para que elas possam ter
contato com as experiências pedagógicas que compõe este livro. Vamos dialogar atra-
vés das cartas pedagógicas, dos relatos de experiências e dos artigos que seguem nas
próximas páginas. Vamos fazer nosso país um país educativo, crítico e criativo.
Boa leitura a todos e todas!
Um grande abraço e força na luta!

Ivanio Dickmann
Organizador

10
PARTE I

CARTAS PEDAGÓGICAS
CARTA I

CARTA PARA PAULO FREIRE:


DIÁLOGOS, ENCONTROS E REFLEXÕES DE
UMA ENFERMEIRA

Primavera de 2018.

Querido mestre Paulo Freire,

Escrevo essa carta enquanto, da janela de minha sala, visualizo lindas árvores
com flores amarelas e ouço felizes pássaros cantando do alto delas sob o sol que ilu-
mina mais um dia, revelando a boniteza do fim da primavera. Esse cenário me inspira
a escrever essas singelas palavras e assim, humilde e respeitosamente me proponho a
redigir essa carta.
Gostaria, antes de mais nada de me apresentar, me chamo Bianca, tenho 29
anos, sou graduada em Enfermagem pela Universidade Comunitária da Região de
Chapecó Unochapecó. Possuo especialização em Saúde Coletiva com ênfase em Es-
tratégia Saúde da Família pela Universidade do Estado de Santa Catarina UDESC,
mestrado em Ciências da Saúde pela Unochapecó. E atualmente, me encontro aven-
turando-me em uma nova utopia, estou em processo de doutoramento, também em
Ciências da Saúde pela mesma Universidade.
Me proponho com essa carta contar um pouco de minha trajetória, do meu
encontro com sua teoria, suas obras, sua história de vida e revelar como sua teoria tem
me influenciado. Além disso, falar sobre as escolhas que tenho feito como forma de
resistência, influenciada por seus pensamentos e como tenho de forma humilde e au-
daciosa, do ponto de vista de tudo que seu legado representa, buscado reinventar seus
propósitos.
Desde a infância nutro a vontade de ser professora, contrariando a vontade
de minha mãe. Venho de uma família materna que possui a docência em suas raízes.
Isso, sempre alimentou uma grande admiração em mim pela profissão e a vontade de
segui-la. Durante o ensino médio, precisei fazer uma das principais escolhas que uma
adolescente aos dezesseis anos precisa fazer: a profissão. Dentre muitas conversas com
DIÁLOGO FREIRIANO

a família decidi que faria enfermagem. Escolhi a enfermagem por ser uma profissão,
assim como a docência, que exige dedicação, cuidado, diálogo, possibilidade da pro-
ximidade com as pessoas e de alguma forma contribuir de forma positiva e transfor-
madora.
Em 2011, iniciei minha atuação como enfermeira em uma Secretaria Muni-
cipal de Saúde. Atuei durante três anos em uma equipe da Estratégia Saúde da Família,
em um município de pequeno porte no oeste catarinense, momento enriquecedor e
que também contribuiu para minha formação profissional.
No ano de 2014, iniciei o mestrado, sendo que a temática de minha pesquisa
de dissertação foi: Formação profissional em saúde. Lembra de minha vontade de ser
professora? Então, foi por meio do mestrado que pensei ser possível realizar meu an-
tigo sonho profissional. Nesse período fui apresentada por minhas orientadoras às
suas obras com a proposta de utilização como referencial teórico da dissertação do
mestrado. Inicialmente, confesso, que o olhar para sua teoria foi um olhar ingênuo,
mas aos poucos fui desenvolvendo criticidade, possibilitada pelo próprio processo de
apropriação de suas teorias e conceitos. Iniciava então um mergulho por um universo
desconhecido da educação. Isso, muitas vezes, provocou-me desconforto, afinal, a in-
terdisciplinaridade, que nesse caso consistiu em fazer o diálogo entre saúde e educa-
ção, por diversas vezes me desassossegou.
Querido mestre Paulo Freire preciso dizer ainda que mal sabia eu, mas quem
lê suas obras, não permanece mais como antes, a transformação é inegável. Sua pre-
sença em minha vida mudou sentidos, alterou significados, alimentou sonhos e uto-
pias. Preciso ressaltar que essas palavras, não possuem somente um sentido poético,
mas são criadoras de uma postura crítica e de sentimento de transformação social.
Assim, seus ensinamentos têm sido incorporados como prática de vida cotidiana.
Para muitos, pode soar estranho uma enfermeira que estuda Paulo Freire,
mas ao compreender a capacidade do alcance e o teor de suas obras, fica claro que seu
pensamento pode, assim como é, ser disseminado, utilizado, apropriado e incorpo-
rado por diversas áreas do conhecimento. Devo confessar, que na área da saúde, tra-
dicionalmente marcada pelo positivismo, uma enfermeira que estuda Paulo Freire,
não raras as vezes, causa estranhamento. Nesse sentido seus pensamentos ganham
ainda mais relevância, pois, acima de tudo auxiliam no processo de humanização
dessa profissão que tem como premissa o cuidado humano. E sobre o cuidado hu-
mano, caro mestre, tens muito o que nos ensinar.
Conceitos como educação libertadora, conscientização, práxis, sujeito, diá-
logo, problematização e educação permanente dão base e sustentação para a formação

14
DIÁLOGO FREIRIANO

e a prática profissional em enfermagem e na área da saúde. A partir deles, se bem tra-


balhados, nos ajudam a compreender a importância e a necessidade da formação de
um profissional enfermeiro, crítico, criativo, reflexivo compromissado com a trans-
formação social. Auxiliam na formação de enfermeiros que compreendam as estrutu-
ras dominantes provocadas pelo capitalismo, que fazem as pessoas (seus pacientes,
usuários...) a adoecerem. Enfermeiros que compreendam que saúde e doença são po-
los de um processo permeado por condicionantes determinados e construídos social-
mente. Que tenham a clareza para perceber que as desigualdades e a pobreza, resul-
tantes do modo de produção do capital adoecem e matam pessoas. Para além disso,
que esses profissionais sejam denunciantes de relações sociais desumanizadoras que
oprimem e ao mesmo tempo sejam transformadores dessa realidade e anunciem no-
vas formas criadoras de cuidado, de saúde e de vida. Dito isso, tenho o enorme prazer
em poder contribuir, minimamente, para a aproximação da enfermagem de seus en-
sinamentos, querido mestre Paulo Freire.
O tempo tem também passado rápido por aqui, nossos dias têm sido exaus-
tivamente ocupados por intermináveis tarefas de trabalho. As pessoas não têm tempo
para dialogar, compartilhar, solidarizar-se, participar, pois o trabalho nessa lógica de-
senfreada de produção tem ocupado a maior parte do nosso tempo. E nas horas de
descanso e lazer as pessoas tem buscado afugentar suas frustrações no consumo de-
senfreado, gerando desperdícios que culminam, dentre outras coisas, na degradação
ambiental.
Não posso deixar de contar ainda, tempos difíceis que estamos vivendo.
Nosso país passa por sérios problemas políticos, econômicos, éticos e morais, resul-
tantes desse modelo de sociedade individualista, egoísta que tem invertido valores so-
ciais importantes para uma sociedade justa e igualitária como solidariedade, empatia,
organização social e participação.
Essa crise de valores é tamanha que a intolerância ressurge em polvorosa e
com força, diuturnamente. Diante disso, convivemos com cenários de feminicídios,
intolerância racial, misoginia, homofobia e estamos tendo que conviver com a parali-
sante sensação de impotência diante das diversas injustiças que se colocam.
Além disso, querido mestre Paulo Freire, assistimos a uma crise política sem
precedentes em nosso país. A começar a falar, do lugar em que me encontro, nossos
governantes aprovaram uma proposta de emenda constitucional que congelou os gas-
tos em saúde por 20 anos! A saber, os resultados disso já começam a aparecer. Já temos
indicadores, demonstrando o retorno de algumas doenças, até então erradicadas em
nosso país, como o sarampo, por exemplo. Também, temos presenciado o aumento

15
DIÁLOGO FREIRIANO

da mortalidade infantil, o ressurgimento de doenças que possuem séria relação com


as questões sociais como a febre amarela, dentre outros indicadores que nos mostram
o impacto de tamanha irresponsabilidade na saúde dos brasileiros. Também, é co-
mum vermos a culpabilização dos sujeitos pela responsabilidade de sua saúde, reti-
rando, por muitas vezes, a problematização oriunda do modelo de sociedade que gera
desigualdade, à que estamos condicionados.
É necessário ter clareza que isso pode fazer parte de um processo que com-
bina estratégias que podem culminar na desestruturação do Sistema Único de Saúde
(SUS) que traz a saúde como direito de todos os brasileiros e tem como princípios,
dentre outros, a integralidade da assistência, a universalidade de acesso e a participa-
ção social. Mas é importante compreender também que o SUS é resultado de diversas
lutas e movimentos sociais e que é patrimônio do povo brasileiro e por isso, mais do
que nunca, precisamos estar vigilantes e mobilizados para garantir sua efetiva conso-
lidação.
Para agravar ainda mais esse cenário, passamos por um processo eleitoral
turbulento, que fez emergir na população brasileira um frenesi de sentimentos, exal-
tando rupturas de valores democráticos. Esse cenário provocou a cisão das pessoas
em seus posicionamentos, elevando sentimentos de ódio pelos opostos, gerando qua-
dros de violência física e moral, numa absurda intolerância pelo plural, pelo diverso e
pelo diferente.
A partir desse processo, em que tivemos a eleição de um governo ultracon-
servador, alguns discursos têm se tornado de vanguarda frente a isso, a exemplo da
Escola sem Partido que dentre outras coisas defende a neutralidade da ação pedagó-
gica. Preciso lhe contar ainda que nesse quadro seu nome também tem ganhado des-
taque, pois nesses discursos eles têm usado o jargão de que: necessário expurgar
Paulo Freire das escolas brasileiras Diante disso, é importante refletir sobre o que se
coloca em disputa nesse cenário, de um lado a ideologia hegemônica e de outro a ide-
ologia contra-hegemônica, tendo em vista que, o que não pode ser discutido nas es-
colas são assuntos que oferecem resistência ao hegemônico que sustenta as estruturas
de desigualdade em nosso país.
Querido mestre Paulo Freire, mal sabem eles que se as escolas brasileiras es-
tudassem sua obra com a dedicação e afinco que merecem, e que para além disso, co-
locassem em ação seus ensinamentos, na forma de um ativismo ao invés do verba-
lismo que temos presenciado, possivelmente o Brasil não estaria passando por tama-
nha crise de valores importantes para uma sociedade justa e igualitária. Ao fim da re-

16
DIÁLOGO FREIRIANO

flexão, percebo que aí está a real intencionalidade de não o querer nas escolas brasi-
leiras pelas identidades reacionárias: manter o satus quo Assim, assistimos uma as-
censão do neoliberalismo e o mais preocupante é a atitude ingênua da população bra-
sileira frente a esse cenário, me entrego a confessar então, esse como meu maior medo.
Todas essas questões se colocam como contexto para a realização de minha
tese de doutoramento em que me proponho aprofundar e mergulhar ainda mais em
suas obras, nesse momento de minha trajetória acadêmica e de vida. Mobilizada em
imergir ainda mais em sua teoria, me propus a estudar sobre as raízes epistemológicas,
buscando em que fontes o senhor mergulhou para se inspirar. Nesse sentido, iniciei
os estudos por Hegel, Marx, Husserl, dentre outros autores. Esse mergulho epistemo-
lógico ampliou minha visão de mundo e me fez compreender e me instrumentalizar
para fazermos resistência à essa onda reacionária e neoconservadora.
A partir de todas essas denúncias, querido Paulo Freire, o que me proponho
durante o processo de doutoramento é fazer o anúncio, nisso consiste meu sonho.
Buscar a partir de sua obra, elementos teóricos que deem suporte para a formação de
novos profissionais de saúde que compreendam que para além de aprender, anato-
mia, fisiologia, patologia, farmacologia, é necessário compreender o contexto político,
econômico, cultural e social que estão intrinsecamente emaranhados e formam essa
teia em que a saúde é um dos fios de seda tecidos.
É desse contexto que me posiciono para pensar em minha tese, acreditando
que não existe neutralidade na ação pedagógica de qualquer professor, nem do pro-
fessor da área da saúde e a partir disso é necessário compreender a que projeto socie-
tário esses professores que formam os futuros profissionais da saúde estão auxiliando
a construir.
Nesse sentido sua obra traz contribuições essenciais para a formação dos fu-
turos profissionais da saúde ao possibilitar a transformação da realidade. Para isso é
necessário que os professores e futuros profissionais compreendam a realidade como
ponto de partida. Entendam as relações entre opressor e oprimido, resultantes das es-
truturas e do modo de organização social que desumanizam, que provocam desigual-
dade social a partir da conscientização. Que a saúde e a doença estão diretamente re-
lacionadas a isso e que a mobilização pela consolidação do Sistema Único de Saúde
perpassa por compreender a sociedade dessa forma.
Assim, me coloco em busca do inédito-viável, assumindo o compromisso de
humildemente, transformar seus pensamentos em práxis, acreditando que é possível
fazermos, sermos e vivermos de forma diferente, a partir da educação transformadora,

17
DIÁLOGO FREIRIANO

do diálogo, da solidariedade, da compreensão e da conscientização e que esses sejam


os princípios fundamentais para um mundo igualitário e justo socialmente.
A título de encerramento dessa carta, gostaria ainda, querido mestre Paulo
Freire, de agradecer por poder compartilhar de seus conhecimentos, por seu legado,
pela boniteza e a leveza com que escrevestes suas obras, numa linguagem poética que
nos toca, nos afeta e nos mobiliza. Finalizando e a fim de firmar novamente meu com-
promisso com seu legado, dedico também essa carta: esfarrapados do mundo e
aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo
com eles (FREIRE, 2015).

Amorosamente,

Bianca Joana Mattia1

1
Enfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação
Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unochapecó.

18
CARTA II

PENSANDO A PRÁTICA:
PARA TRANSFORMAR O MUNDO

14 de dezembro de 2018.

Caro Paulo,

Tomo a liberdade de lhe escrever esta carta. Como você jamais ouvir falar
sobre mim, é importante que eu comece por me apresentar. Tomando de empréstimo
as palavras de Belchior, aviso que eu sou apenas uma professora latino-americana,
sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vinda do interior. Mas trago im-
pressa em mim uma ideia, uma vontade de estar no mundo em um aprender sem fim,
tentando colocar em relevo o que aprendo em cada situação da vida. Mais do que isso,
buscando contagiar outros com o prazer de (vir a) saber, buscando participar dos pro-
cessos de aprender alheios, tornando-os não mais alheios, mas
É desse lugar, repito, que tomo a liberdade de escrever. Escrever para regis-
trar, para dar materialidade à reflexão sobre a docência que habita em mim, e sobre
como o encontro com você mesmo que assíncrono marca, movimenta e alimenta
essa reflexão, produzindo mudanças no meu e no meu
Na tentativa de atribuir uma certa temporalidade à docência que afirmo ha-
bitar em mim, articulando passado e presente, percebo que desde muito cedo já havia
uma vontade de estar em meio a processos de ensinar e aprender. Minha lembrança
mais remota, tanto quanto posso chegar em uma mirada retrospectiva sobre minha
história, remonta à época de meu ingresso no primeiro ano do ensino fundamental,
quando (com sete anos de idade) me acometeu imensa tristeza no período de férias
escolares de inverno. Tanto que, ao final do ano, ao chegar o período de férias de verão
que seria mais longo e, portanto, mais penoso , fiquei ainda na escola por mais dez
dias, auxiliando meus colegas com exercícios de leitura oral durante as aulas daquilo
que, naquele tempo, chamava-se antes dos exames finais.
Ao cabo, hoje, de cinco décadas de percurso, me surge, arrebatadora, a com-
preensão de que a relação com ensinar e aprender permeia toda a minha trajetória,
pessoal e profissional, a despeito de minha formação inicial não ter sido na área da
DIÁLOGO FREIRIANO

educação. Ou seja, trilhei caminhos outros, mas tive sempre a educação como fio con-
dutor desses caminhos, em que venho tecendo diferentes modos e possibilidades de
ser educadora, a cada tempo e momento, conforme escrevo e reescrevo minha histó-
ria.
De formação na área da saúde, me aconteceu, em certo ponto do caminho,
nutricionista e amanhecer Sem nenhuma (ou muito pouca)
preparação, mas com um desejo intenso (lhe asseguro), tornei-me docente. Nessa
condição, reproduzi, certamente, muito daquilo que vivi como estudante. É possível
que, ainda hoje, o faça com alguma frequência provavelmente, bem maior do que
eu mesma gostaria.
A partir daí, ao longo de duas décadas, fui fazendo-me docente na e para a
área da saúde. Incursões pelas humanidades fizeram e ainda fazem parte desse itine-
rário, no curso do qual, acredito e espero, esteja me fazendo uma educadora melhor.
Nesse sentido, o encontro com você, Paulo, representa um dos mais felizes e encanta-
dores momentos de minha viagem na docência e na vida. Um divisor de águas, por
assim dizer, a partir do qual meu ser educadora enredou-se mais com meu ser mais
gente. Meio confuso? Na verdade, o que quero dizer é que, a partir de você, Paulo, me
reconheço um ser humano melhor, empenhado em se fazer, dia a dia, uma educadora
melhor.
Se eu precisasse escolher, amigo posso chamá-lo assim? É como eu me
sinto em relação a você , eu diria que boniteza desse nosso encontro foi (e é) pro-
duzir, em mim, uma capacidade de pensar minha prática. De refletir. Todo o resto do
que tenho aprendido, contigo e de ti, vem daí. Nesse refletir, que amadurece e se avo-
luma, foi brotando uma tolerância, principalmente (mas não só) comigo mesma. E,
dessa tolerância, uma possibilidade de aceitar que tenho medos. Muitos medos. Ao
mesmo tempo, Paulo, também foi surgindo uma convicção de que esses medos po-
dem me mover para um outro melhor. E de que, no movimento de estar
sendo-indo em direção desse melhor, eu não esteja sozinha.
De todos os medos que tenho e já tive, preciso confessar a você que um é
maior do que os outros. É o medo de ter estado nesse mundo em inércia, sem ter apro-
veitado a oportunidade para fazê-lo um pouco, um pouquinho melhor para os muitos
outros que estão aí e para os que ainda virão. Só um pouquinho que seja.
Nosso mundo anda tão desafiador, Paulo... Como educadores, nos chegam
estudantes cada vez mais jovens, com uma leitura de mundo muito própria, situada
historicamente, sínteses de uma sociedade tendendo francamente ao imediatismo,

20
DIÁLOGO FREIRIANO

pragmatismo, utilitarismo. Vamos vivendo, nesses nossos tempos, uma mercantiliza-


ção de quase tudo, incluindo a educação, e um apressamento galopante dos processos
de ensino-aprendizagem. Olho em volta e vejo, não sem tristeza, que somos meio que
induzidos à imobilização, num movimento ao qual parece não haver resistência pos-
sível, empenhado em colocar-nos desesperançados.
Aí, de repente, encontro você! E, na boniteza desse encontro, você me ensina
com sua sabedoria serena e firme que a esperança faz parte da natureza humana.
Que é a esperança que nos alimenta e se traduz no acreditar que é possível seguir,
transformando e nos transformando, para sermos (juntos) mais. Amigo, encontrei
em você motivos renovados para ter fé nos homens e mulheres que fazemos o mundo
e, então, se somos nós que o fazemos, podemos fazê-lo melhor! Essa fé, e a esperança
ativa (que não pode ser espera alienada), são fulcrais no meu, no nosso fazer docente.
Aprendi com você que esse fazer docente não precisa nem pode negar a autoridade e
a rigorosidade, mas antes reclama construir-se em absoluto equilíbrio com uma
docência encharcada de amorosidade, como potência para fazer da educação um es-
paço-tempo de alegria, e do aprender um processo prazeroso.
E foi assim, Paulo, que aprendi com você que a dupla e
nos permite fazer frente à imobilização e à acomodação, em uma superação que se dá
não pela negação dos conflitos e dos desafios, mas pela possibilidade de movimentar
o processo pedagógico em uma dinâmica educativa dialógica que envolve tolerância
e amorosidade. Mestre, venho aprendendo tanto e sempre com você... Sobre tantas
coisas que, antes do nosso encontro, pareciam perdidas em sua obviedade ingênua.
Sobre, por exemplo, a importância do gesto do professor, que precisa estar atento às
próprias práticas de forma que seu gesto docente seja corporificação da sua palavra.
Então, me pergunto sempre: há coerência entre minha palavra e meu gesto? Afinal,
quando nossas ações dão corpo e vida às nossas palavras, alimentam-se (das ações e
das palavras) os processos educativos. Paulo, na verdade, aprendi com você a me tor-
nar uma de mim mesma! E, apesar dos dilemas e dos tropeços em que
eu possa incorrer, mais ou menos frequentemente, me reconheço e assumo como ser
aprendente, mantendo viva a capacidade de reflexão sobre a prática para poder revê-
la e reelaborá-la. Para poder transformá-la!
Revelo, então, Paulo, meu sonho: que o mundo seja um lugar melhor. E, ao
mesmo tempo que abro meu coração e apresento esse meu sonho que sei também
ser seu , compreendo que posso enfrentar meu medo (da inércia) pela via da educa-
ção. Compreendo que, como educadora, esperançando (sem esperar), com meus pa-
res e com os educandos, podemos fazer do mundo um lugar melhor, a cada dia, um

21
DIÁLOGO FREIRIANO

pouco de cada vez, pensando nossas práticas, refletindo sobre elas, reinventando-as,
transformando-as e, por meio delas, transformando o mundo. Sei que esse exercício
é, às vezes, doloroso, mas também sei que é o caminho possível em direção do sonho
que coloco no horizonte. E quanto mais caminho, movida pelas utopias que vou vis-
lumbrando, vou também me impregnando da vontade de seguir buscando...
E sigo aprendendo, aprendente que vou sendo, menos certa de minhas cer-
tezas, como você me ensinou. Aprendendo que é preciso estar verdadeiramente aberta
e disponível para o diálogo. Aprendendo que diálogo é coisa que nada tem a ver com
o outro mas que envolve uma escuta atenta e ativa, uma escuta que se
aprende escutando, que implica uma desburocratização da mente, que se revela como
relação entre falar e escutar como direito, respeito e ética. Aprendendo que a curiosi-
dade é uma virtude geradora do processo reflexivo e que, em sendo criticamente cu-
riosa, preciso me perguntar incansavelmente sobre meu fazer docente. Aprendendo
que não existem respostas prontas que possam encurtar caminhos. E que, assim como
não basta a docência, tampouco pensar sobre esse fazer pode ser suficiente: é
preciso pensar a prática para produzir mudança. Sim! Mudança! Também vou apren-
dendo que mudar é preciso, é possível e que a mudança começa em mim (e em cada
um), que o novo pode ser bem simples e não, necessariamente, algo espetacular.
Aprendendo que, ser inacabado e condicionado que sou, posso enfrentar meus medos
e dar alguma materialidade a meus sonhos. Enfim, Paulo, muito venho aprendendo
contigo, pela tua palavra de denúncia e de anúncio do mundo um mundo melhor.
No curso dessas reflexões, iluminadas pelo nosso encontro, vou tornando-
me, gradativamente, mais convicta de que um mundo melhor é possível, porque pos-
sível é a mudança. Não nego os desafios nem ignoro as (minhas, nossas) limitações,
mas, contigo, acredito muito mais nas possibilidades de uma educação transforma-
dora para um mundo melhor, sempre melhor, no horizonte. Para isso, como você tão
persistentemente nos ensina, é preciso esperançar e as luvas das as-
sumindo riscos, ultrapassando as atitudes de inércia e as visões fatalistas que nos ne-
gam o sonho e a esperança. É preciso coragem para começar e continuar caminhando,
buscando uma docência emancipatória, acreditando na potência de nossa prática do-
cente para a formação de sujeitos comprometidos com a transformação do mundo.
Caro amigo, se acreditamos nessa prática docente e se nos acreditamos ca-
pazes dela, então também acreditamos e nos acreditamos disponíveis e capazes de
mudança. Uma mudança que não pode ser idealizada como algo totalizante e repen-
tino, mas como coisa que fazemos juntos (educadores e educandos), gradualmente,
pelo enfrentamento das situações-limite que nos afetam por meio da construção de

22
DIÁLOGO FREIRIANO

uma sucessão de inéditos viáveis. Uma mudança que se traduza na formação de sujei-
tos críticos, autônomos, éticos, conscientes, dispostos e preparados para intervirem
no mundo, comprometidos e conectados com as realidades vividas, agentes de trans-
formação.
Revela-se, aí, Paulo, ao meu ver, o objetivo maior dos processos educativos
em que nos embrenhamos com tanto afinco: transformar o mundo para melhor. E
essa missão transformadora só pode se fazer realidade se começar por cada um, em
busca de ser mais. Afinal, assim, estaremos todos, juntos, constantemente nos tor-
nando outros, transformando o (nosso) mundo e nos transformando com o mundo
e com os outros de nós.
E esse caminhar, de reflexão sobre a prática, vai nos abastecendo de clareza
sobre nosso fazer docente, sobre nosso estar no mundo. Esses muitos e fa-
em permanente renovação, são a práxis, que não acontece ou se dá pronta, mas
passa pela nossa formação, não só como educadores e educadoras, mas, fundamen-
talmente, como gente, gente que aprende e ensina, em processo, programados que
somos para aprender, como você nos ensina. Quanta sabedoria compartilhada, Paulo!
Com que propriedade você me ajudou a compreender que é também nesse percurso
reflexivo que vamos nos docentes especialmente aqueles de nós que
qualquer outra coisa e professores.
Querido amigo, é importante que te diga, ainda, que é na firme intenciona-
lidade de avançar na direção de um pensar e fazer docente certos que me coloco a
caminhar. Assumo, neste percurso, que só a reflexão sobre a ação pode nos conduzir
desde a identificação e superação dos desafios dados pelas situações-limite que se nos
apresentam até a realização de nossas possibilidades, ao vislumbrar e construir inédi-
tos-viáveis que nos coloquem em um estado melhor. Assim, sigo refletindo. Refle-
tindo para reinventar a prática, superando desafios e realizando possibilidades. Possi-
bilidades transformadoras.
Para finalizar, Paulo, quero te dizer que essa carta é um pouco desabafo, um
pouco saudade, um pouco gratidão... Gratidão por essa pessoa que, tendo te encon-
trado, e sendo ainda eu, já é uma outra. Uma outra pessoa hoje e, certamente, uma
nova outra, amanhã. Uma pessoa que, agora, já pode pegar seus medos nas mãos e
transformá-los em sonhos. Sonhos de mudança. E em compreensão. Compreensão
de que uma educação emancipadora é o que nos pode levar a fazer nossa experiência
humana ser transformadora do mundo, pela promoção do ser mais das futuras gera-
ções.

23
DIÁLOGO FREIRIANO

Então, caro amigo, se por um lado essa carta é um pouco desabafo, um


pouco saudade, um pouco gratidão, ela é também, antes e mais do que tudo, muito de
esperança!

Com amorosidade,
Carla Rosane Paz Arruda Teo 1

1
Nutricionista, Doutora em Ciências de Alimentos com pós-doutorado em Nutrição em Saúde Pública.
Atua como docente dos cursos de graduação em Nutrição e em Medicina, e dos cursos de mestrado e
doutorado do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Comunitária da
Região de Chapecó (Unochapecó).

24
CARTA III

DOCÊNCIA E COMPETÊNCIA:
REFLEXÕES FREIRIANAS SOBRE A UTILIZAÇÃO
LIBERTADORA DE TDIC NA ESCOLA

Tocantins/MG, 07 de setembro de 2019.

Professores e aspirantes à carreira do Magistério,


Recordo-me de que conheci Paulo Freire em setembro de 2006. Na época,
eu cursava o primeiro semestre de minha primeira graduação e sentia o desejo de con-
tribuir para um futuro melhor neste país. Optei por realizar esta contribuição pela via
da Educação, que abracei com amor. Neste dia, em que comemoramos a independên-
cia do Brasil, proponho-me a conversar com vocês nesta carta tentando relacionar um
pouco do legado freiriano com um tema dos dias atuais. É o primeiro texto que es-
crevo nesse estilo e me perdoem se eu não corresponder às expectativas de cada um
de vocês.
Pensar a independência de nosso Brasil à luz da lógica freiriana é perceber
que ainda estamos distantes da independência almejada para a nação e para cada um
de nós. Fome, violência, desemprego, número insuficiente de vagas nos cursos supe-
riores em universidades públicas e dificuldades de acesso a atendimento médico de
qualidade são algumas formas de opressão que assolam muitos de nós. O ato de es-
crever na data de hoje esta carta possui para mim, então, o sentido de questionar a
realidade cruel que está posta como natural.
A Pedagogia do Oprimido e a Pedagogia da Autonomia tornaram-se, com o
passar do tempo, bases para meu trabalho e minha vida, uma vez que me identifico
com a luta pela desmistificação da realidade e pelo fim da opressão. Esse combate não
envolve nenhuma forma e/ou instrumento de violência, mas puramente a Educação
Libertadora. Penso que em pleno século XXI já não há mais espaço para sustentar a
miséria e manter a desinformação. Aqueles que ainda o fazem agem, na minha opi-
nião, como dinossauros em um tempo de revoluções tecnológicas surpreendentes. E
por falar em tecnologias...
DIÁLOGO FREIRIANO

Na utilização de Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação


(TDIC), vejo como a Pedagogia do Oprimido e a Pedagogia da Autonomia contri-
buem para meu papel político-pedagógico no mundo e como ela pode também con-
tribuir para aquele uso por outros Professores. Permitam-me utilizar esta última pa-
lavra com inicial maiúscula, pois considero que assim atribuo a devida relevância a
esses Profissionais do Magistério.
Preocupo-me com a utilização de TDIC por vocês em sala de aula, uma vez
que, de acordo com a metodologia escolhida, essas tecnologias podem contribuir para
o apassivamento do estudante e do próprio Professor. Receber informações sem ter
os hábitos de análise, reflexão e aplicação consciente delas pode contribuir para per-
petuar a opressão das pessoas. A divulgação de fake news é um exemplo contemporâ-
neo de utilização opressora de TDIC, pois a desinformação favorece a manipulação
da sociedade.
As Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação não são em si mes-
mas benéficas ou prejudiciais à Educação. Creio que o contexto, a metodologia e a
intenção desse uso sejam, sim, o que poderia transformá-las em instrumentos de li-
bertação ou opressão de estudantes e Professores. Acredito também que está claro
meu posicionamento favorável à utilização crítica/libertadora de TDIC em escolas de
Educação Básica.
Para libertar pessoas da opressão, podemos empreender metodologias sig-
nificativas de utilização de TDIC por estudantes. Devemos partir de uma motivação
profissional pela transformação de escolas tradicionais em escolas libertadoras. Pode-
remos, assim, organizar situações de aprendizagem que permitam a construção ativa
do saber pelo discente.
É necessário superar o modismo e a imposição, ambos opressores, do uso de
tecnologias digitais para ceder lugar ao desejo de intervir na realidade a partir, tam-
bém, dessas tecnologias. Não quero sustentar a ideia de que as TDIC sejam os únicos
recursos dos quais um Professor deveria dispor para exercer seu papel político-peda-
gógico no mundo contemporâneo. Giz, lousa e livros, se utilizados também de forma
crítica e libertadora, podem também ser instrumentos de transformação da realidade.
Foi através deles que a humanidade conquistou muitos avanços, porém atualmente
podemos desfrutar também dos benefícios oferecidos pelas tecnologias digitais.
Entendo como utilização crítica e libertadora de TDIC na escola o uso que
se faz dessas tecnologias com base na contestação do status quo da sociedade. A natu-
ralização da dualidade entre opressor e oprimido pode ser rompida cotidianamente
nas salas de aula na medida em que padrões, estereótipos, preconceitos e atitudes são

26
DIÁLOGO FREIRIANO

questionados e discutidos. Arquivos de áudio, vídeo e/ou texto escrito, por exemplo,
podem ocultar uma ideologia opressora, que dificulta a autopercepção de cada pessoa
como agente transformador da realidade pessoal e da sociedade.
A utilização libertadora de TDIC na escola envolve muito mais que apenas
receber conteúdo produzido por outras pessoas, em outros contextos e com outros
valores morais. A liberdade a que me refiro envolve principalmente criar conteúdo
em formato de áudio, vídeo e/ou texto escrito em blogs, redes sociais, fóruns, plata-
formas de Educação a Distância e tantos outros espaços da Internet. Esse é um pro-
cesso que, se exercido de forma consciente, revela o desenvolvimento da autonomia
humana em tempos de cibercultura.
A criação de conteúdo digital, obviamente, deve valorizar a realidade local
para nela intervir: os costumes de pessoas que vivem em uma rua, um bairro ou em
uma cidade; problemas ambientais cotidianamente vivenciados e justamente por isso
muitas vezes naturalizados, carecendo de contestação; ausência ou precariedade de
serviços públicos e diversos outros temas. Afirmo, ainda, que é necessário prezar pelo
respeito mútuo e pela ética ao abordar esses temas. Creio que o uso de Tecnologias
Digitais de Informação e Comunicação deva contribuir, assim, para mudanças na re-
alidade local e regional, respeitando a(s) cultura(s) que aí se encontra(m). Importar
ideias e formas de ser/agir típicas de outras culturas, sem considerar o contexto em
que hoje nos encontramos, seria contribuir para a opressão do local e do regional.
Paulo Freire destacou a dimensão político-pedagógica da ação educativa e,
neste sentido, destaco também que nenhuma forma de utilização de TDIC é neutra,
ainda mais ocorrendo este uso na sala de aula. Muitas tecnologias hoje popularmente
conhecidas não surgiram com finalidades educacionais, mas militares e econômicas.
A mera inserção desses recursos em classes escolares pode transmitir ideologias que
oprimem quando não assumimos um posicionamento crítico em relação ao potencial
das TDIC. Afirmo, neste sentido, que a intencionalidade desse uso pode convergir
para o apassivamento ou a libertação do estudante e do próprio professor.
Temos os deveres político-pedagógicos de identificar a natureza dos conte-
údos que ministramos nas escolas, conhecê-los com profundidade teórica e abordá-
los com domínio metodológico que nos permita criar condições de aprendizagem que
sejam significativas para os estudantes. Se optarmos pela utilização de TDIC como
recurso didático-pedagógico, o que recomendo em função do perfil de estudantes que
temos recebido nas escolas, aconselho que o uso dessas tecnologias não ocorra com
um fim em si mesmo. Elas são meios para favorecer o ensino e a aprendizagem pela

27
DIÁLOGO FREIRIANO

porta do diálogo freiriano, ou seja, pela interação entre pessoas dotadas de conheci-
mento, autonomia e liberdade. Nós e nossos alunos somos essas pessoas.
Desenvolver-se enquanto Professor na era das TDIC e da cibercultura não é
o mesmo que há três décadas atrás. A velocidade das mudanças tecnológicas afeta e
pode até mesmo criar novas formas de comunicação, comércio e educação, por exem-
plo. Acompanhar essas transformações é um desafio para uma população que muitas
vezes não tem acesso a recursos básicos para sobreviver. Estamos presenciando tudo
isso como expectadores ou como agentes? Sabemos aonde queremos chegar quando
utilizamos TDIC? Conhecemos o suficiente para implementar metodologias críticas
e libertadores de uso desses recursos?
O potencial das tecnologias digitais pode ser explorado por nós. É isso
mesmo. Não podemos aceitar a inserção das TDIC como um elemento intruso em
escolas e salas de aula nas quais atuamos. Além de conhecer o potencial de cada re-
curso tecnológico, necessitamos identificar em que momento cada um pode contri-
buir positivamente para o ensino e a aprendizagem significativa. Necessitamos saber,
inclusive, se uma TDIC seria prejudicial dado o contexto em que nos encontramos.
O desenvolvimento de competências digitais pode favorecer a exploração do
potencial de TDIC em escolas de Educação Básica. Creio nisso porque o desenvolvi-
mento profissional na perspectiva das competências favorece a autonomia docente na
medida em que o professor poderia desenvolver uma noção crítica do uso de tecno-
logias digitais como recurso didático-pedagógico. Assim, seria possível desenvolver
formas de utilização de TDIC que correspondam às demandas do contexto escolar.
Em caso contrário, a utilização de tecnologias digitais correria o risco de se traduzir
em modismo ou imposição, ambos opressores tais como afirmei anteriormente.
Não nascemos sabendo utilizar TDIC de forma crítica, segura, ética e liber-
tadora. Aprendemos ou não a fazer esse uso, cuja ideia resume minha concepção de
competência digital. E aqui aponto outra preocupação minha: Todos nós temos a
oportunidade de refletir sobre a utilização libertadora de TDIC em sala de aula? Creio
que não. Eu mesmo me iniciei neste processo há menos de dois anos e já encontrei
resistência interna e externa. Interna e externa, eu repito, porque tanto o desejo de
desenvolver a autonomia quanto a luta contra a opressão devem ocorrer cotidiana-
mente em uma sociedade que veladamente oprime.
Identificar os contextos em que estão inseridos os estudantes, compreender
as demandas do entorno da escola, identificar diferentes perfis de aprendizagem, co-
nhecer os interesses dos estudantes e analisar possibilidades de uso do conhecimento

28
DIÁLOGO FREIRIANO

na realidade cotidiana são alguns exemplos de competências que favoreceriam a uti-


lização libertadora de TDIC. Paulo Freire deixou claro na Pedagogia da Autonomia
que ensinar exige [...] competência profissional e isso me provocou a escrita desta
carta. A docência em tempos de TDIC demanda, então, o desenvolvimento de com-
petências específicas, conhecidas como competências digitais.
Nenhum ou pouco resultado significativo obteremos se recebermos apara-
tos tecnológicos de última geração nas salas de aula, mas sem desenvolvermos com-
petências para utilizá-los como recursos didático-pedagógicos. Competências digitais
entrariam em jogo para superar a mera utilização de TDIC para apresentação de con-
teúdos pré-determinados e estanques. Saber operar os recursos tecnológicos também
não é suficiente para realizar o que proponho nesta carta. Pesquisar na Internet, sele-
cionar fontes confiáveis, analisar informações, tratar dados e criar conteúdo em for-
mato de áudio, vídeo e/ou texto escrito são exemplos de utilização libertadora de Tec-
nologias Digitais de Informação e Comunicação na sala de aula. O caráter libertador
reside justamente no fato de Professores e estudantes poderem ter vez e voz em rela-
ção ao acesso à informação e à produção de conhecimento.
Se desejamos mediar o desenvolvimento de cidadãos digitalmente compe-
tentes, nós também necessitamos passar pelo mesmo processo. Tal como Paulo Freire
afirmou, somos incompletos e a descoberta de nossa incompletude nos move a ser-
mos mais. Que sejamos, então, cada vez mais competentes no uso de TDIC em nossa
vida pessoal e em nosso ofício, a fim de inspirarmos crianças, adolescentes, jovens e
adultos a também serem cada vez mais competentes. Sejamos líderes na cibercultura
e não expectadores que recebem passivamente os impactos da revolução digital.
O maior desafio que tenho percebido em conversas com outros Professores
e aspirantes ao Magistério em relação à utilização de TDIC é justamente a criação de
conteúdo. Ao mesmo tempo, afirmo que a sensação de criar e compartilhar com os
estudantes algum conteúdo digital é realmente libertadora. Trata-se de ser sujeito pro-
tagonista da própria carreira docente. Mais libertador ainda é perceber quando os dis-
centes também já estiverem criando de forma ética, segura e crítica os próprios vídeos,
áudios e/ou textos escritos em meios digitais. Em tempos de cibercultura, esse pode
ser um caminho para conhecer e desmistificar o mundo, para sair da caverna com as
próprias pernas.
Percebo também que a ensinagem, termo sabiamente proposto por Paulo
Freire, explica muito bem o que hoje vem ocorrendo com a utilização de TDIC como
recurso didático-pedagógico. Nossos alunos podem demonstrar habilidades de ope-
ração de smartphones, smartwatches, tablets e outras tecnologias digitais. A partir de
nossa experiência de vida e de nossa formação acadêmica, podemos ter a maturidade

29
DIÁLOGO FREIRIANO

para selecionar fontes confiáveis de informação, tratar dados e apresentá-los de forma


compreensível. Se unirmos as habilidades de nossos estudantes em relação ao uso de
TDIC com nosso potencial para o desenvolvimento de formas de mediação pedagó-
gica utilizando TDIC, vivenciaremos processos de ensinagem digital.
Unidos, cooperando e criando, Professores e estudantes formariam comu-
nidades e redes de aprendizagem que podem se manter ou não restritas à sala de aula.
Teríamos o ensino e a aprendizagem conjugados em um só processo dialógico, indis-
sociável e humano. E aqui deixo claro aos céticos em relação ao potencial de TDIC na
Educação que o uso de nenhuma tecnologia pode prescindir da humanidade de quem
a usa. É justamente o caráter essencialmente humano que deve ser invocado para
combater a utilização opressora de Tecnologias Digitais de Informação e Comunica-
ção.
Percebo a atualidade da obra de Paulo Freire quando tento refletir sobre a
questão norteadora desta carta. O tema das competências para o uso de TDIC em es-
colas de Educação Básica é relativamente recente e, mesmo assim, o pensamento frei-
riano sustentou estas discussões iniciais. Desejo aprofundar-me neste debate e con-
vido vocês a fazerem o mesmo, pois é muito importante que estejamos plenamente
conscientes de nosso papel político-pedagógico no contexto cibercultural.
Finalizo esta carta, queridos colegas, agradecendo ao mestre Paulo Freire por
ter se dedicado a mudar pessoas para que estas mudassem o mundo. Ele nos abriu a
mente para compreendermos a importância político-pedagógica de nosso ofício e nos
instrumentalizou com o conhecimento necessário para perpetuar a liberdade e a au-
tonomia.
Agradeço também a todos que direta ou indiretamente contribuíram para
que eu me aproximasse do pensamento, das práticas e do exemplo de Paulo Freire.

Sigamos!
Um abraço freiriano.
Artur Pires de Camargos Júnior1

1
Mestrando em Educação (UDE, Uruguay). Graduado em Pedagogia e Normal Superior. Especialista em
Psicopedagogia Clínica/Institucional, Tecnologias em EaD, Supervisão/Orientação/Inspeção Escolar,
Educação Inclusiva, Biblioteconomia e em Pedagogia Digital/Inovações Tecnológicas.

30
CARTA IV

PAULO FREIRE: MINHA INSPIRAÇÃO!

Primavera de 2019,

Querido e Amado Paulo Freire:

Com a intimidade que é possível entre nós mediante as tantas leituras feitas
de ti e melhor ainda, como conterrâneos nordestinos, me permitirei lhe tratar usando
o pronome você. Lembrando do que está escrito por ti quando se descreve:
jovem, apesar da aparência, apesar da escassez dos cabelos e da barba
(FREIRE, 2012, p. 90). Assim, a sua jovem alma me contagia indubitavelmente, há
mais de 10 anos, quando iniciei minha caminhada acadêmica, e conheci você, pela sua
escrita numa aula de didática, no curso de Pedagogia.
Mas antes de continuar com estas linhas traçadas com muito amor deixa eu
me apresentar a ti, para isto vou parafraseá-lo conforme você escreveu em seu livro1
sombra desta Sou primeiro hidrolandense, baiana, nordestina. De-
pois brasileira, latino-americana, gente do mundo.
Como gente deste mundo, por vezes só e não solitária, digo que os teus livros
têm sido meus companheiros por tantos e tantos momentos, consolando-me e incen-
tivando-me a prosseguir como pessoa e profissional neste mundo cada vez mais caó-
tico.
As primeiras leituras das suas palavras me encantaram tanto que quando re-
leio: brasileiro, sem arrogância, mas pleno de confiança, de identidade, de espe-
rança em que, na luta, nos refaremos, tornando-nos uma sociedade menos
(FREIRE, 2012, p. 42), volto ao tempo e revejo a minha trajetória com emoção lem-
brando todas as incontáveis vezes que teus escritos me encorajaram a prosseguir, ape-
sar das grandes dificuldades financeiras e emocionais que enfrentei. Até nos momen-
tos que fiquei num leito de hospital você foi inspiração e/ou motivação, como também

1
Paulo Freire -
DIÁLOGO FREIRIANO

nos momentos de saúde frágil eu recorri aos escritos seus para nunca perder a espe-
rança de continuar os estudos, em prol de uma formação docente cada vez mais vol-
tada para a prática humana.
Como disse o primeiro contato com sua obra foi na aula de didática com
uma professora maravilhosamente, freiriana. Dali sair encantada, cheia de sonhos, ca-
minhando pela rua para pegar o ônibus de volta para casa, após um dia inteiro de
trabalho como estagiária em uma creche, e depois de enfrentar a aula presencial da
faculdade. Pois bem, ali estava eu sozinha repetindo a frase: há educação sem
e foi assim, que por muitas e muitas noites segui o meu trajeto dentro da-
quele ônibus lotado, em pé, lendo e relendo trechos de livros teus, os quais emprestava
na biblioteca da faculdade. Quantas vezes sonhava acordada com o dia que iria utilizar
trechos de livros seus em minhas aulas...
Quanto mais lia Pedagogia da Autonomia; Pedagogia da Esperança; Peda-
gogia do Oprimido; entre outros, mas me conscientizava que tinha encontrado o meu
caminho profissional, pois por motivos afins tinha ficado sem estudar há sete anos, e
voltar para o sonho do estudo, entrando numa faculdade, encontrando estes escritos
de um nordestino lutador, que acredita e acreditou no Brasil, me encantou. E, mara-
vilhosamente, fui me apaixonando pela educação como ferramenta para transforma-
ção, ou seja, acreditei esperançosamente, que a educação seria o instrumento que mu-
daria minha vida, e por meio deste instrumento eu poderia ser mediadora de mudan-
ças na vida de muitas pessoas também.
Assim prossegui os dias de faculdade com intensas lutas, sobretudo, a sua
inspiração me levava a prosseguir em muitos e muitos momentos, quando a esperança
ficava ofuscada pelas dificuldades financeiras, físicas, emocionais, etc, as leituras de
suas obras fazia com que o som de sua voz ecoasse em meu coração: esperança na
libertação não significa já a libertação. É preciso lutar por ela, dentro de condições
historicamente favoráveis. Se estas não existem, temos de pelejar esperançadamente
para criá-las, viabilizando, assim, a libertação. A libertação é possibilidade; não sina,
nem destino, nem (FREIRE, 2012, p. 50). Assim, o sonho da libertação foi inun-
dando o meu ser, e pude ir disseminando os conhecimentos esperançosos freirianos
durante as minhas práticas educativas. Utilizando sempre a esperança contida em
seus escritos para serem combustíveis em minha caminhada neste sul do país. E este
sonho de libertar-me tomou conta de todas as áreas da minha vida, fui retomando a
minha identidade outrora roubada por situações desprezíveis e construindo e recons-
truindo a minha história com maestria. Aqui estou!

32
DIÁLOGO FREIRIANO

Após dois anos de faculdade consegui um trabalho numa Instituição Educa-


cional que acreditava na prática humana, nas relações, ali pude exercer muito os meus
recentes conhecimentos freirianos, foi um período belíssimo. Dessas minhas relações
ganhei o primeiro livro seu: à Cristina reflexões sobre minha vida e minha
um presente recebido de colegas amigas de trabalho por ocasião de um ani-
versário meu, livro este que carrego comigo e tem me inspirado por tantos momentos.
Ao final da faculdade pude escrever a monografia sobre o ato de disseminar
conhecimento, utilizando as inspirações freirianas na íntegra, foi uma alegria apre-
sentar o meu trabalho e receber com da banca, onde enalteceram
os meus conhecimentos frente as obras do Mestre Paulo Freire, um momento singular
em que você esteve presente com toda a amorosidade que lhe apraz.
Como nordestina só e não solitária (como já disse) nestas terras sulistas ter a
sua presença em tantas noites, dias e madrugadas tem sido uma alegria para mim,
converso contigo em meus pensamentos e em ti encontro muitas respostas para os
meus dilemas profissionais e pessoais. Acredite!
Após o término da faculdade já tive oportunidade de fazer a minha primeira
pós-graduação, onde pude mais uma vez utilizar a inspiração freiriana, desta vez apro-
fundei muito em seus escritos, utilizando-os para fundamentar minha monografia so-
bre a gestão humana e suas benfeitorias no âmbito escolar, mais uma alegria ímpar
nesta caminhada.
Assumi o papel de pedagoga e nesta caminhada foi e tem sido lindo argu-
mentar com os professoros no cotidiano do chão da escola sobre os seus escritos ins-
piradores, pois para além das adversidades constantes, mediante toda a diversidade
intrínseca no convívio com as pessoas nos ínterins da escola, as inspirações de uma
educação libertadora, mais humana, menos mais são em
suma, combustíveis preciosos para que a caminhada se torne mais amena.
O trabalho de pedagoga consiste em lidar com os educandos, com as famílias
destes, com o grupo de docentes, com todas as demandas burocráticas da escola, en-
fim, com os processos de ensino e aprendizagem e tudo que o permeia, desta feita,
muitas são as energias que propagamos, para tanto, encontrei sempre afago e inspira-
ção nas suas palavras, por exemplo, quando diz: a realidade. Reconheço
os obstáculos, mas me recuso a acomodar-me em silêncio ou simplesmente virar o
eco macio, envergonhado ou cínico, do discurso (FREIRE, 2012, p. 71).
Tais escritos inspiráveis me fazem dialogar com as famílias, tão carentes de orienta-
ções, como também me fazem compreender e tentar encontrar novos caminhos jun-
tamente, com os professores que assoberbados de tarefas não conseguem pensar em

33
DIÁLOGO FREIRIANO

novas estratégias diante dos educandos com dificuldade numa sala de trinta crianças,
as quais estão na fase de alfabetização, e assim, as demandas da escola são absurda-
mente, imensuráveis e poder refletir sob à luz da sua teoria mediante os obstáculos da
convivência escolar é um bálsamo para a alma.
Paulo Freire, você está presente em todas as adversidades encontradas em
minha caminhada, de forma que me encoraja a olhar nos olhos das pessoas, a exercer
a postura de ouvir as singularidades das gentes que preenchem os espaços escolares, a
tentar encontrar novas estratégias que estimulem as pessoas a continuarem suas ca-
minhadas apesar dos desmantelos sociais, políticos que destroem a esperança da nossa
gente em nosso país.
Assim, os teus escritos encorajam esta pedagoga e professora na vigente luta,
onde temos tentado resistir hasteando a bandeira do respeito mútuo, das diversidades,
das culturas, das personalidades multicores, enfim, contigo temos tentado prosseguir
mediante tantas atrocidades às circunstâncias que possibilitam à aquisição de uma
educação com maior qualidade para todas as gentes desta sociedade.
Tenho que lhe contar agora a maior alegria desta minha caminhada profis-
sional que está sendo utilizar as minhas aprendizagens da educação libertadora com
o público da EJA, tem sido espetacular! Há três anos eu falo de você para os meus
educandos, gentes de várias idades, com conhecimentos de vida tão distintos dos
meus, com tantas necessidades de serem ouvidos, etc. Assim, tenho podido falar de ti
para estas pessoas tão sublimes em minhas noites de trabalho com a turma da EJA.
Falo para eles do ser humano tão inteligente que olhou profundamente para os des-
validos do mundo, que escreveu lindamente sobre novas formas de educar, pensando
na educação como uma ferramenta para a transformação de vidas, sobre um homem
corajoso que levou a Educação de Jovens e Adultos para os palcos de discussões das
Academias. A você a nossa intensa gratidão!!!
Recentemente, fizemos uma sequência didática sobre sua forma de alfabeti-
zar, destaquei alguns dos seus escritos, principalmente àqueles que enaltecem a boni-
teza em ser gente neste mundo, como por exemplo: gosto de ser gente precisa-
mente por causa de minha responsabilidade ética e política em face do mundo e dos
outros. Não posso ser se os outros não são, sobretudo não posso ser se proíbo que os
outros sejam. Sou ser (FREIRE, 2012, p. 71).
Foi e é uma experiência majestosa dar voz e vez a estes sujeitos no interim de
nossas aulas, e ter você em nosso palco de discussão é um sonho, tenho vivenciado
pessoas simples (de condições financeiras) melhorarem seus vocabulários, falarem
abertamente que agora conseguem conversar com os médicos que lhes atendem no

34
DIÁLOGO FREIRIANO

postinho de saúde, pois perderam a vergonha de pronunciar suas palavras. Enfim, o


trabalho com a EJA é um grande desafio, aprendo com eles a ser professora todas as
noites, os desafios estão para além do ensino dos conteúdos, mas isto você já nos en-
sinou e deixou para nós o seu legado de maneira tão espetacular. A minha eterna gra-
tidão a ti!!!!
Juntamente, com a EJA veio a oportunidade de estudar no Mestrado Profis-
sional do Instituto Federal do Paraná, onde consegui entrar após um concorrido pro-
cesso seletivo, você sabe que para uma sertaneja, nordestina, baiana e mulher neste
país ter chegado a um Mestrado Federal é uma conquista impagável, estou muito feliz
e sei que sua alma generosa também ficará.
Assim, você tem me acompanhado nesta jornada da escrita da dissertação
intitulada de: docente Uma atuação humanística na Educação de Jovens
e Viu só, advinha quem é a minha principal baste
Então, acredito que quando estamos plantando o bem todas as coisas coo-
peram para que o bem prevaleça, e desta maneira tenho sentido sua presença em meu
caminho, com suas inspirações tenho tentado plantar o bem e estou extremamente,
feliz com este processo de construção profissional e pessoal.
Nesta lida com o mestrado estou relendo alguns trechos escritos seus e vejo
o tanto os compreendo melhor hoje, sem dúvidas suas inferências sobre a educação
são mais atuais do que nunca. O meu muito obrigada sempre!!!
Quando me deparo com este escrito seu: novo homem e a nova mulher
jamais serão o resultado de uma ação mecânica, mas de um processo histórico e social
profundo e complexo (FREIRE, 2003, p. Vejo e percebo o real sentido de tudo
o que me aconteceu para que chegasse a este processo de evolução, é sabido que nin-
guém evolui sem ruptura, sem abnegação, sem que passe por profundos e gigantescos
momentos de transformação, para tanto, a mudança dói, as estruturas precisam ser
abaladas para que novas e bonitas transformações sejam então, concretizadas, assim,
é possível que haja a concepção de uma nova mulher ou um novo homem.
Com liberdade, humildade, perseverança os sonhos são e sempre serão pos-
síveis, é dessa maneira que me fez acreditar e, assim propago um pouquinho do seu
legado, por meio deste meu caminhar que tem sido dificultoso, mas ao mesmo tempo
harmonioso, cheio de relações humanas lindas, amigos amados têm feito os meus dias
ficarem menos odientos, fazendo eu sempre acreditar que é possível alcançar as vitó-
rias acadêmicas, profissionais e pessoais apesar de toda a maldade que o mundo tem
acumulado e propagado.

35
DIÁLOGO FREIRIANO

Gostaria de finalizar com estas palavras suas: espera em que quem es-
pera jamais se acomoda no ato de esperar, quem espera se move, na verdade, pacien-
temente impaciente no processo da realização do sonho ou do (FREIRE,
2012, p. 104). E te dizer que estou tentando me mover sempre em favor dos sonhos
que me são caros, alimentando o amor pelas pessoas, pelo mundo que é tão lindo, por
esta nossa vida que é única e preciosa. Aprendendo a dizer não para a acomodação
todos os dias, e incentivando os meus semelhantes que comigo compartilham mo-
mentos a seguirem os seus caminhos com integridade e perseverança, afinal o conhe-
cimento nos leva além, podemos enxergar um mundo mais brilhante e repleto de pos-
sibilidades sob a ótica do conhecimento libertador.
Gratidão por todo o seu extraordinário legado!!!
Gratidão pelos inúmeros momentos que esteve sozinho, abdicando do seu
tempo em estar com os seus semelhantes para deixar os seus escritos a todos nós, os
seus discípulos freirianos.
Carinhosamente e amorosamente um dessa minúscula freiriana in-
serida neste imenso mundo, que lhe ama um bocado!!

Eliana Nunes Maciel Bastos2

2
Eliana Nunes Maciel Bastos. Pedagoga e Professora. Mestranda no Instituto Federal do Paraná. e-mail:
elianamaciel1982@gmail.com

36
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 27ª ed. Rio de Janeiro: Edi-
tora Paz e Terra, 2003.
___________, Paulo. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha prá-
xis. Direção, organização e notas Ana Maria Araújo Freire. 2ª ed. São Paulo: Editora
UNESP, 2003.
___________, Paulo. O caminho se faz caminhando/conversas sobre educação e
mudança social com Myles Horton e Paulo Freira. Organizado por Brenda Bell,
John Gaventa e John Pters. Tradução de Vera Lúcia Mello Joceline. Notas de Ana
Maria Araújo Freire. Petrópolis / RJ: Editora Vozes, 2003.
____________, À sombra desta mangueira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2012.

37
CARTA V

SOBRE A IMPORTÂNCIA DE FREIRE PARA A EDUCAÇÃO

Caxias do Sul, primavera de 2019

Caros colegas de estudo e prática freireana,

Escrevo esta carta pensando em compartilhar um pouco da minha experiên-


cia em conhecer e estudar as ideias de Paulo Freire. Meu primeiro contato com sua
obra foi em uma disciplina da graduação, porém não aprofundei meus estudos e, con-
fesso, pouco aprendi. Encontrei novamente suas obras no Mestrado em Educação, em
uma disciplina que mudou minha visão sobre Freire.
Até então, por não conhecer sua obra, tinha a impressão de que suas ideias
eram utilizadas apenas por modismo e sem a devida reflexão. Infelizmente, há casos
em que isso realmente acontece. Percebi, porém, que Freire segue sendo citado e es-
tudado pela qualidade das suas ideias e por suas contribuições para refletir a educação.
É importante lembrar que estudar o pensamento de Freire não pode reduzir-
se a conteúdos fechados e bibliografias. Mais do que ler e comentar a obra de Freire, é
preciso refletir, problematizar e compreender de que maneira podemos transformar
nossa práxis pedagógica.
Gostaria de destacar três de suas obras:
* Pedagogia da autonomia, que é muito mais do que um de epí-
e merece um olhar atento para reflexão sobre os saberes necessários à prática
docente;
* Cartas a Cristina, um livro cuja leitura flui com naturalidade, apresen-
tando aspectos da vida de Freire descritos por ele mesmo em formato de carta; suas
ideias são percebidas nos textos e, como não é um livro destinado a ser teórico, nos
aproxima do autor como em uma conversa;
* Pedagogia da Esperança, que retoma o tradicionalmente estudado Pedago-
gia do Oprimido e apresenta algumas experiências de Freire pelo mundo.

Além de serem importantes para conhecer o pensamento freireano, as obras


citadas também sensibilizam o olhar de quem as lê atentamente.
DIÁLOGO FREIRIANO

Muitas vezes Freire escreve de forma repetitiva, retomando o que já havia


afirmado. Freire explica em Pedagogia da esperança que, ao retomar o livro Pedagogia
do oprimido, procura aspectos que provocaram críticas para esclarecê-las e explicar-
se melhor, afirmando e reafirmando suas posições. Seu pensamento apresenta con-
ceitos básicos, que estão sempre presentes e são reafirmados por ele.
Uma das críticas que Freire recebeu foi por ter marcado Pedagogia do opri-
mido com uma linguagem machista. Em numerosas cartas enviadas a ele, pessoas afir-
maram que ele estaria se contradizendo, pois denunciava a opressão ao mesmo tempo
em que utilizava uma linguagem que excluía as mulheres e seria, portanto, discrimi-
natória. Freire explicou, em Pedagogia da esperança, que escrevia assim por acreditar
que ao escrever esta palavra incluía também as mulheres. Afirmou, então,
que após refletir muito sobre as cartas que recebeu com as críticas, percebeu que es-
tava errado e que realmente estava utilizando uma linguagem opressora. Segundo ele,
esse problema não é apenas gramatical, mas também ideológico. Freire agradeceu às
pessoas que escreveram a ele sobre isso, afirmando que muito o ajudaram.
A partir desse momento, Freire passou a referir-se sempre a e ho-
ou a seres humanos, recusando utilizar uma linguagem opressora. Afirmou
que a discriminação da mulher pelo discurso machista e por práticas concretas é uma
maneira de tratá-las de forma colonial, o que é incompatível com suas ideias. Segundo
ele, recusar a ideologia machista exige recriar a linguagem. Freire afirmou, ainda, que
modificou sua linguagem não para agradar aos leitores, mas para ser coerente com
sua opção por um mundo menos opressor.
Da mesma forma, Freire explicou que não escreveu Pedagogia do oprimido
para agradar aos oprimidos e contrariar os opressores, mas por acreditar que era uma
tarefa política que deveria cumprir. Segundo ele, a modificação de sua linguagem faz
parte do processo de mudar o mundo. Superar o discurso machista, do mesmo modo
que superar outros discursos autoritários, exige, além de um novo discurso democrá-
tico, também efetivar práticas democráticas. Para Freire, não é aceitável fazer um dis-
curso democrático e ter uma prática colonial.
O pensamento de Freire deve ser entendido como um movimento em cons-
tante progressão. Freire reconhece, por exemplo, que em momentos anteriores não
havia percebido a importância de alguns temas, como questões de gênero e meio am-
biente. Ele assumiu que, ao desconsiderar questões de gênero, estava sendo opressor.
Para ler Freire, portanto, é necessário contextualizar suas obras para entender em que
perspectiva histórica foram escritas.

40
DIÁLOGO FREIRIANO

Há diversos conceitos importantes no pensamento pedagógico freireano,


dentre eles: autonomia, libertação, criticidade, diálogo, humanização, conscientiza-
ção, transformação, esperança, utopia e vocação para ser mais. Durante a leitura de
suas obras é perceptível a interdependência dos conceitos.
Em Pedagogia da esperança, Freire explica que esperança, sonho e utopia são
necessários a toda prática educativa que denuncia as situações de dominação. É ne-
cessário, porém, que a esperança não seja apenas espera, mas que seja crítica e acom-
panhada da prática para concretizar-se na história.
A obra Pedagogia do oprimido é retomada em Pedagogia da esperança. Freire
afirma que o faz para rever, repensar e redizer o que havia escrito anos antes. O mo-
mento de escrever é, para ele, tempo de criação e recriação de ideias. Ele explica que,
antes de escrever, há o momento de falar sobre as ideias, discuti-las e recriá-las em
seminários e em conversas com amigos. Para ele, escrever é refazer o que foi pensado,
reafirmando-o enquanto o atualiza. No livro Pedagogia da esperança, Freire reafirma
a posição que assumiu e defendeu em Pedagogia do oprimido, opondo-se à intolerân-
cia, que nega ao sujeito a possibilidade de construir sua própria história.
Nesse sentido, um relato feito por ele destaca-se: Freire explica que Pedago-
gia do oprimido foi publicado no Brasil somente após já ter sido traduzido para o in-
glês, espanhol, italiano, francês e alemão, e que precisou omitir o nome de alguns ami-
gos nos agradecimentos. Segundo ele, seu desejo era que o livro pudesse ter sido edi-
tado primeiramente no Brasil, em português, língua em que foi escrito, mas que isso
não foi possível devido ao clima perverso e antidemocrático do regime militar. Freire
afirma, então, que está convencido de que é preciso lutar para que o Brasil não viva
novamente a negação da liberdade imposta pelo golpe militar de 1964.
Freire acreditava muito na educação, tanto a educação formal como a edu-
cação não escolar. Ele ensinou que não devemos nos acomodar e que os questiona-
mentos devem ser permanentes, especialmente na prática docente. Para ele, a educa-
ção deve cuidar de educandos e educadores, deve construir conhecimentos, ao mesmo
tempo em que não pode ser opressora nem reproduzir o vazio. Além disso, Freire de-
fende que não é possível realizar uma prática educativa neutra, pois a educação é, por
natureza, política. É preciso defender suas posições ao mesmo tempo em que se esti-
mula e respeita o direito de o outro ter uma tese contrária.
O método de alfabetização de Freire e suas reflexões sobre o processo edu-
cativo são considerados um trabalho importante e inovador por intelectuais das áreas
de Ciências Sociais, Pedagogia e Filosofia. Celso de Rui Beisiegel, em seu livro Política
e educação popular, se refere a Freire e afirma que muitos podem ter desistido de ler

41
DIÁLOGO FREIRIANO

Pedagogia do oprimido nas primeiras páginas por imaginar que seriam ideias idealistas
e repletas de um verbalismo revolucionário. O autor afirma que essas análises, porém,
vindas de diferentes perspectivas teóricas, formaram um esforço coletivo e interdisci-
plinar para esclarecer as características e implicações das propostas de Freire.
No texto da conclusão de seu livro, Beisiegel contextualiza a chegada de
Freire para o exílio no Chile e comenta o cenário político da época. Explica também
que em 1965 foi publicada a primeira edição de Educação como prática da liberdade,
onde Freire apresenta seu método de alfabetização de adultos e inicia uma reflexão
sobre as experiências vividas no Brasil.
Francisco C. Weffort, no texto de apresentação do livro Educação como prá-
tica da liberdade, afirma que Freire não é apenas um espectador na história do povo,
já que sua teoria educacional recebe a influência de suas experiências. Freire reconhe-
ceu as prioridades a serem colocadas em prática em um contexto de emergência polí-
tica das classes populares e de crise das elites dominantes.
No mesmo texto, Weffort explica a urgência da alfabetização e da conscien-
tização das massas no Brasil, onde a desigualdade e a opressão marcam o sistema so-
cial. Sobre o livro, afirma que é uma reflexão sobre a experiência de Freire e do povo
brasileiro. A obra Educação como prática de liberdade foi caracterizada por Weffort
como uma importante oportunidade para pensar o movimento popular brasileiro. As
ideias de Freire expressam a emergência política das classes populares e conduzem a
uma reflexão sobre o movimento popular em suas dimensões sociais e políticas.
Na introdução do livro Pedagogia do oprimido, Freire afirma que a consci-
entização, por si só, não é responsável pela adesão do povo, apenas o orienta na busca
de sua afirmação. Beisiegel comenta que esta ideia está de acordo com a apresentação
escrita por Francisco Weffort para o livro Educação como prática da liberdade, onde
está dito que a tomada de consciência não conduz diretamente à expressão das insa-
tisfações sociais, porém possibilita que isso ocorra já que efetivamente há uma situa-
ção de opressão.
Freire passou a aceitar ser caracterizado como revolucionário a partir da Pe-
dagogia do oprimido. As implicações revolucionárias da sua pedagogia da libertação
ocorrem em função da resistência às estruturas de opressão. Segundo Beisiegel, Freire
escreveu o livro em uma fase de inquietações intelectuais e muito estudo, buscando
explicações para os desafios encontrados em sua prática educativa.

42
DIÁLOGO FREIRIANO

Beisiegel também apresenta as críticas de Freire à educação e ex-


plica suas ideias para uma educação problematizadora. Explica a importância da cons-
cientização e do diálogo, afirmando que a reflexão não deve apenas ocorrer em nível
intelectual, devendo também conduzir à prática.
Atualmente, estudo as obras de Paulo Freire para minha pesquisa no Dou-
torado em Educação. Tenho como foco o desenvolvimento da autonomia dos estu-
dantes, conceito no qual tenho por base as ideias de Freire, assim como sua concepção
de educação.
Gostaria de destacar um trecho de outro livro de Freire, Pedagogia da indig-
nação: experimentar com intensidade a dialética entre a do ea
da para aprender e impossibilitados de viver sem re-
ferência de um amanhã, onde quer que haja mulheres e homens há sempre o que fa-
zer, há sempre o que (FREIRE, 2014, p. 97). Este trecho apresenta um ponto
importante do pensamento de Freire: a leitura do mundo e a leitura da palavra. Além
disso, destaca-se a afirmação de que onde há pessoas sempre há o que fazer e aprender.
Essa frase, além de inspiradora, reflete que, enquanto humanos, estamos em um cons-
tante processo de aprendizagem. Freire afirmou diversas vezes que somos seres ina-
cabados e que estamos sempre em construção.
As reflexões realizadas ao estudar Freire aumentam minha esperança na
educação, meu desejo pelo ser-mais, minha inquietude diante dos diversos limites que
precisamos enfrentar. A ideia de inacabamento destacada por Freire aproxima-se do
meu desejo pessoal de permanentemente estar estudando. Acredito nas potencialida-
des do ser humano e na importância da educação e manifesto meu desejo de constan-
temente aprofundar meus estudos sobre Paulo Freire.
As referências que utilizei para a escrita desta carta pedagógica estão listadas
logo após o término do texto. Espero que minhas palavras possam contribuir para as
reflexões acerca da importância do legado de Paulo Freire para a educação do Brasil e
do mundo.

Um abraço fraterno,

Débora Peruchin1

1
Sobre a autora: Doutoranda em Educação (UCS), Bolsista BPG-UCS, Mestre em Educação (UCS, 2017)
e graduada em Licenciatura em Matemática (UCS, 2014). Professora de Matemática e Ciências na rede
municipal de educação de Caxias do Sul.

43
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
BEISIEGEL, Celso de Rui. A do educador. In: BEISIEGEL, Celso de
Rui. Política e educação popular: a teoria e a prática de Paulo Freire no Brasil. São
Paulo: Ática, 1982. p. 262-280.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 2010.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do opri-
mido. 7 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo: Paz e Terra, 2014.
WEFFORT, Francisco C. Educação e política: reflexões sociológicas sobre uma peda-
gogia da liberdade. In: FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 24 ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. p. 9-34.

44
CARTA VI

São Paulo, primaveril 20 de setembro de 2019.

Cara professora Juraneide,

A primavera está chegando. Os Ipês amarelos, em sua maioria, reinam abso-


lutos nas avenidas próximas de casa. No quintal, o caquizeiro que até um dia desses
era formado por longos galhos secos, agora está todo exuberante em sua roupagem
verde, balançando ao vento. A pitangueira tem colorido o chão e a paisagem. São tan-
tas as flores que formam um imenso tapete ao redor. A romãzeira ganhou folhagem
nova depois da poda, mas já exibe suas flores avermelhadas e pequenos frutos. Até o
pé de arruda se enfeitou de flores amarelas para colorir o que está a sua volta. É lindo
de ver.
Parece estranho começar esta carta falando de flores e folhas e árvores colo-
ridas? Não, não é. Com a chegada da estação das flores, as pessoas deveriam ficar mais
alegres, mais otimistas, mais coloridas, também. Há perfume no ar, há cor para alegrar
os olhos e almas, depois daqueles dias mais cinzentos do inverno. E aí, eu penso nas
crianças que ficam confinadas dentro daquela pequenina sala de aula e isso me causa
certa gastura, ou melhor, um desconforto. Sabe bem do que eu estou falando, não
sabe?
Como você disse outro dia, naquele encontro de educadores do qual parti-
cipamos, devemos trabalhar com o que temos em mãos e não esperar para fazer so-
mente quando tivermos condições adequadas. Lembra? Sua fala foi bem eloquente e
nos emocionou, a todos. Até aplausos você arrancou de sua plateia. Pois eu não vou
esquecer a analogia que fez utilizando aquela furadeira manual, como denominamos
aquela broca fixada em um pedaço de madeira que já viveu para muito mais de um
século e viajou pelos mares, até chegar ao nosso país. Creio que o avô de meu marido
jamais imaginou que aquela sua obra , instrumento de trabalho na feitura dos brin-
quedos de madeira que vendia pelo bairro, sobreviveria numa época em que tudo está
automatizado.
Uma simples ferramenta antiga foi a analogia perfeita para mostrar o quanto
podemos fazer com o que temos nas mãos, mas certamente, isso não anula o dever do
DIÁLOGO FREIRIANO

Estado. Ao contrário, se a educação estivesse no topo das preocupações, não precisa-


ríamos recorrer ao improviso. Mas, esse discurso é tão recorrente, que nem vou me
alongar.
Pois, então, a chegada da primavera traz muitas possibilidades e também é
uma poderosa ferramenta. Observar as mudanças na paisagem é uma delas. Plantar,
com as crianças, pequenos vasinhos de flores ou mudas de árvores para que possam
acompanhar o crescimento, é outra. Passear pela escola observando que espécies de
árvores e plantas existem, é outra. Analisar se elas têm comida suficiente e água para
beber. Será que elas já pensaram que as plantas comem e bebem? E como é isso? Ela-
borar placas para identificar as espécies, escritas em pedaços de madeira, colocar o
nome nos vasinhos, fazer um mutirão para colorir com flores a escola. Quantas pos-
sibilidades!
Quando nos organizamos para planejar a oficina das Histórias Enlatadas,
juntamos mais latinhas do que usamos e elas também podem ser aproveitadas para
plantar flores ou fazer as mudas de árvores que, somadas a tantas outras, poderão sal-
var nosso planeta, inclusive ensinando que temos muito para reaproveitar daquilo que
jogamos no lixo. Ah, sim, porque o nosso planeta é a nossa casa, a nossa escola, a rua
por onde caminhamos, o quintal do vizinho. Hoje mesmo, jovens e ativistas de diver-
sas partes do mundo se uniram para cobrar medidas emergenciais contra o aqueci-
mento global, uma greve mundial pelo clima. Se lutamos pela preservação de nossas
florestas, se nos preocupamos com o clima, temos de pensar em plantar e cuidar de
nossas árvores, em nossa casa, em nossa escola, nas ruas por onde andamos.
Compartilhar essas responsabilidades com nossos alunos é educar pelo
exemplo. Só assim eles vão respeitar as árvores plantadas nas ruas e ajudar a cuidar e
a protegê-las. Ou entender por qual motivo não devem sujar as ruas jogando lixo,
mesmo que seja uma simples goma de mascar ou um pedacinho de papel. É preciso
despertar a consciência desses pequenos para que se tornem protagonistas dessa his-
tória.
E puxando a cordinha nessa linha de planejamento, vamos alçar voos maio-
res. A comida para a planta também pode vir do lixo da escola, dos orgânicos, dos
restos de frutas e legumes que vão para o lixo comum. O importante papel desse lixo
do bem pode ser discutido com as crianças e mais uma semente ser plantada.
Ontem foi aniversário de nascimento de Paulo Freire, 19 de setembro, e ele
sempre pregou que a escola tem por objetivo ensinar o aluno a ler o mundo para de-
pois transformá-lo. E de quantas formas podemos ensinar nossas crianças a lerem esse
mundo? Lembra que conversamos sobre o contexto social em que nossos alunos estão

46
DIÁLOGO FREIRIANO

inseridos? Da situação de pobreza, de abandono social, de descaso, entre tantas au-


sências? Pois é, mas eles têm o conhecimento dessa realidade que muitos de nós, edu-
cadores, sequer fazemos ideia. E como é difícil trazê-los para a sala de aula e fazer de
conta que o mundo lá fora não existe! E não é isso que fazemos tantas vezes? Preocu-
pados com os conteúdos, com os relatórios, com as metas, com isso e aquilo? Com as
culpas por não conseguirmos fazer nossos alunos aprenderem o que o currículo de-
termina. Ufa! Como tudo isso é desgastante para nós. E para eles, então?
Penso no caquizeiro, nas hastes longas e nuas que até um dia desses colabo-
ravam para a paisagem bucólica do meu quintal, depois que suas folhas secas e ama-
reladas se jogaram ao chão, sacudidas pelo vento. Para o incauto, arrancar pela raiz
aquela árvore seca seria o correto a fazer, para no local plantar outra, que crescesse
frondosa. Mas, para o precavido, a chegada da primavera traria as folhas que antece-
dem e preparam a chegada do fruto para o verão.
Pensemos em nossas crianças. O que elas trazem? O que conhecem? Sim,
pois o que desconhecem nós sabemos: não dominam a leitura e a escrita que ensina-
mos na escola. Serão elas como os galhos secos do caquizeiro? Mas os galhos, ainda
que secos, não têm vida e não se preparam para a chegada das folhas e dos frutos?
Então, a criança que não aprende no tempo predeterminado já não carrega culpa su-
ficiente por não conseguir fazer o que a maioria parece ser capaz? Será que não perce-
bemos que cada um pode ter o seu tempo? Porque gostamos de rotular, sempre de
acordo com o que nós pensamos ser o certo? Será que não estamos arrancando muitas
árvores só porque seus galhos estão secos?
Isso me faz lembrar minha mãe e sua história. Cresceu num outro país, numa
época em que apenas os meninos iam para a escola, enquanto as meninas aprendiam
as tarefas consideradas primordiais para o casamento, ao mesmo tempo em que cui-
davam das tarefas da casa. Lavar, limpar, cozinhar, costurar, tricotar, rezar, cuidar das
plantas e animais. Nesse contexto, ler e escrever não eram prioridade, já que, após o
casamento, o marido seria o chefe da família, e era o homem que precisaria dar conta
do sustento da casa, portanto, o menino precisava estudar. Meu pai, por exemplo, di-
zia que andou três anos na escola e lá ficava o dia todo . Não soube com que idade ele
foi para a escola, nem como era essa educação que recebera, mas aprendeu o suficiente
para sempre cobrar dos filhos a tabuada na ponta da língua , o domínio sobre as
quatro operações e outras noções que ele considerava muito importantes para a vida.
Já a minha mãe não frequentou a escola em sua infância. Seu aprendizado
veio com a prática e com a vivência. Mas, para os letrados, o diagnóstico para a pessoa
que não frequentou a escola é o analfabetismo . Quando eu me refiro desta forma ao

47
DIÁLOGO FREIRIANO

analfabetismo, dizem que sou exagerada. Até pode ser, mas sabemos que rotulamos,
consciente ou inconscientemente, os não aprendentes de forma patológica. E quase
sempre lhes atribuímos culpa. Mesmo nos documentos, onde a assinatura é obrigató-
ria, juntamente com a digital, como o passaporte necessário para a viagem ao Brasil,
está lá registrado: não sabe escrever . Não, de fato não sabia. Mas sabia ler o mundo
no qual vivia, assim como sabia de cor e salteado tudo aquilo que aprendera de ou-
vir , de ver e de fazer . Desde os complicados pontos de tricô e crochê, que fazia
sem gráficos nem receitas, apenas recorrendo à memória, até as infinitas orações e
canções e cantigas típicas. Como posso dizer que minha mãe era analfabeta?
Enquanto éramos crianças, e minha mãe criou quatro filhos, trabalhou para
ajudar meu pai nas despesas e sempre se orgulhou de ter proporcionado os estudos e
formado duas filhas na faculdade. Não teve tempo para estudar. Mas depois, quando
sentiu que podia, foi fazer aquilo que nos tinha proporcionado e que lhe havia sido
negado quando criança: foi para a escola. A oportunidade surgiu numa sala de uma
dessas associações de bairro, num curso do MOBRAL. Veja, ela tinha um conheci-
mento de mundo e uma memória invejáveis. Quando aprendeu a leitura queria co-
locar esse conhecimento no papel. Escrever as rezas, principalmente. Era isso que fazia
sentido para ela. E não é essa a lição que Freire nos deixou? A leitura do mundo precede
a leitura da palavra.
Pois é assim que eu penso o trabalho com nossas crianças. Precisamos en-
tender o mundo deles, mas para isso precisamos estabelecer uma relação de confiança.
Conhecer o mundo que existe dentro da escola, para fora das paredes das salas de
aula e dos imensos corredores pode ser um caminho, literalmente. Reconhecer os es-
paços internos pode ser o começo da conversa para conhecer os externos, aqueles que
saem pelos portões trancados da escola e os levam para a casa onde vivem. Conhecer
essa realidade nos possibilita reconhecer o aprendizado que já trazem. Esse é o co-
meço. Já pensou quantas palavras farão sentido para eles?
Cara colega ensinante, parece que os ventos sopraram a nosso favor. Vejo,
nesse encontro, as mãos do destino trabalhando para colocar, lado a lado, duas pes-
soas que se importam em conhecer, aprender, compartilhar experiências, sonhos, an-
seios e transformar aquilo que está para ser transformado, num momento em que
ambas estão disponíveis para que isso acontecesse. Não é assim que lhe parece? Entre
tantos lugares, foi a esse que o caminho me levou. Apesar dos muros, das grades, das
trancas e de tantas outras amarras, as portas se abriram e nós descobrimos que havia
muito a partilhar. A sua história de vida também é um exemplo de superação, de força,
de luta. Nada foi fácil para nós duas, e isso temos em comum.

48
DIÁLOGO FREIRIANO

Mas não podemos esquecer que fora desses muros houve outra escuta. O que
poderia parecer loucura se transformou numa oportunidade única de compartilhar
a sua história e a sua vivência. O incentivo e o entusiasmo na parceria com a sua for-
madora só contribuíram para o sucesso desse encontro. Veja só como é importante
enxergar as possibilidades, acreditar! E a Susan tinha no olhar aquele brilho que iden-
tifica as pessoas apaixonadas pela educação e pelo ser humano.
Nesse momento, em que você está decifrando esse mundo novo que também
se abriu em seu trabalho, eu estava buscando um novo olhar, um novo aprendizado,
um novo significado para essa nova fase da minha vida. E a troca se deu. É isso que me
encanta na educação. Nós ainda temos muito que trocar. Agradeço pela generosidade,
pela escuta, pela simplicidade, pela acolhida, pelo brilho no olhar, pelo encantamento.
Como diria Freire, o mundo não é, o mundo está sendo . E está sendo muito bom
partilhar esses momentos. Que possamos continuar trilhando esse caminho, plan-
tando árvores e flores e alimentando nossas crianças com o respeito que elas merecem.
E é claro, desviando dos espinhos que por ventura aparecerem à nossa frente.

Eliza Trapella1

P.S. Acho que Paulo Freire nasceu no começo da primavera com a missão de
fazer desabrochar as flores e as cores do mundo escondidas nas tardes bucólicas do
inverno.

1
Graduada em Jornalismo, Pedagogia e Letras. Iniciei minha carreira como Monitora do Mobral aos 18
anos, e atuei, entre outros, como Professora do Ensino Fundamental na PMSP até encerrar minha
carreira profissional. elizatrapella@gmail.com

49
CARTA VII

CARTA PARA O CÉU

Juruena MT, dia 15-10-2019

Querida professora Romilda!

Nem preciso perguntar como a senhora está, porque sei que está bem aí! E
nesse momento, deve estar ensinando os anjos com aquele largo sorriso no rosto e
aquela meiguice no olhar como sempre cultivará num canteiro especial e que tinha
como essencial para a sua pedagogia!
Eu?! Estou bem professora! Mas sinto muita saudade da senhora! Nunca
mais tivemos oportunidade de nos encontrarmos! Senti muita tristeza quando soube
que havias partido para a viagem eterna! Mas logo entendi, como naquele primeiro
dia de aula entendi as primeiras letrinhas que a senhora me ensinara, que essa viagem
faz parte dos planos de Deus para que possamos entender a sabedoria da vida eterna.
Essa sabedoria não se aprende na escola aqui da terra, mas somente aí no céu.
Professora, são tantas as lembranças que levo comigo da nossa escolinha.
Lembro-me como se fosse hoje, aquele meu primeiro dia aula! 1983! Eu tinha 9 anos.
Saímos de casa eu, meus três irmãos a Maninha, a Preta e o Dri, e minha bolsinha de
tergal azul marinho de que a mãe costurara com tanto carinho e dentro dela um ca-
derninho de capa xadrez na cor vermelha, um lápis preto e uma borracha e no coração
muita, mais muita vontade de aprender e uma esperança de que dias melhores viriam.
Sim porque aquele Brasil da época não estava fácil! Era uma época de transição, final
da Ditadura Militar. Mas o Brasil não vai bem até hoje professora, a senhora precisava
ver! Muita coisa falta para que a democracia seja efetivada. Vivemos num país que
ainda não valoriza a educação. Eu sinto muito! Meu sonho era ver outro país. Mas
infelizmente estamos longe disso. Voltando para o meu primeiro dia de aula. Foi na
casa da dona Maria que com quanta alegria ela nos recebeu! É impossível somar na
aritmética da vida aquela alegria toda! Uma senhora de mais de 60 anos sabia que as
paredes de sua casa poderiam servir de escola e muito mais que isso, de alicerce para
varias crianças que naquele momento da vida iniciavam uma caminhada de esperança
DIÁLOGO FREIRIANO

por um futuro. Ah!! Como ia esquecendo dela! Nesse primeiro dia de aula levei tam-
bém minha caixa de lápis de cores! Sim, ela fazia parte de meus sonhos, pois havia
dentro de mim uma imensa vontade de colorir o mundo! De transformá-lo em um
melhor lugar para todos.
E a casa da dona Maria foi nossa escola por mais ou menos uma semana até
que a nossa escolinha ficou pronta. Nossa escolinha, um barraquinho, coberto de lâ-
minas aonde as carteiras eram tocos de árvores com uma tábua para sentar e outra
para por o caderno e escrever. A escola foi feita num pedacinho de terra que seu Pedro,
generosamente doou e os pais construíram. Tudo isso era muito lindo! Mais lindo
ainda eram as paredes de floresta que protegiam nossos caminhos até chegarmos à
escola! Entre cantar de pássaros, saltos de cutias e outros animais, às vezes um medi-
nho da fera nos assombrava, mas nunca a vimos naquele caminho, sim professora,
estou falando dela, a terrível onça! Essa que em noites escuras assim dizia
meu pai, no quintal de nossa casa. Mal sabíamos nós que aquela imensa floresta por
onde passávamos todos os dias, era a mais importante floresta do mundo, a Amazô-
nica! A senhora professora nunca nos falou sobre ela, mas entendo, era proibido es-
tudar e proteger a Floresta naquela época em que a DITADURA era fresca ainda, e
que, a ordem era DEVASTAR a Amazônia! Mas tudo bem.
Naquela escola estudamos por 4 anos, três na companhia da senhora. Foi
uma época muito feliz da minha vida. Pode ter certeza, eu, meus irmãos, os filhos da
dona Tereza, da dona Otilia, da dona Maria, do seu Pedro fomos crianças abençoadas
por termos a conhecido e tido o privilégio de que fosse nossa professora. Se tivesse
hoje a oportunidade de escrever algo para marcar aquele lugar, aquela época, com
certeza, seria: estudou um grupo de crianças muito feliz, conduzido por uma
professora muito
Professora, os alicerces que a senhora construiu em minha vida, firmaram-
me em terras do conhecimento. A leitura da palavra me ajudou muito a ler
Sua pedagogia era a do carinho, afeto e amor. Essa pedagogia trago em mi-
nha bagagem de professora que sou. Seu sorriso é outra herança que carrego e pratico
em minha docência diária. Receber a crianças de modo bem feliz me faz feliz também.
Aqui não poderia deixar de lembrar o nosso querido e abençoado Paulo Freire. Esse
que nos trouxe a pedagogia do carinho! Do afeto! Da paciência! Da liberdade... Não
sei se a senhora pode estudar Paulo Freire, não sei se permitiram isso, mas a sua peda-
gogia era de puros reflexos Freirianos. Queria tanto poder dividir conhecimentos com
a senhora hoje! Contar tudo que já fiz neste mundo de professora, os prêmios que

52
DIÁLOGO FREIRIANO

recebi, as conquistas e fracassos, tantos dias que já chorei... Mas tanto que também
sorri! Mas tudo bem, já disse que entendi sua viagem.
Hoje a vida de professora não é fácil, mas sei que cada momento difícil é
superado quando amamos aquilo que fazemos. Tenho plena consciência professora
do meu compromisso, enquanto educadora, com a melhoria da educação na minha
escola, cidade e país. Mas sei também da falta de compromisso de nossos governantes
que pouco investem na educação em todos os âmbitos do ensino, principalmente no
professor. O que vale a pena nessa vida de professor é o que recebemos de nossos alu-
nos. Professora interceda aí junto do Pai, nosso Criador, numa prece por dias melho-
res na educação de nosso país. Uma terra que não investe na educação está condenada
ao caminho incerto, inseguro, é como um barco que navega, mas sem leme, não sabe
aonde se quer chegar. Muito triste para todos nós professores e para nossas crianças
que estão construindo o futuro desde hoje.
Nossa professora! Tenho tanto para lhe falar! Poderia lhe escrever páginas e
páginas, mas tenho que terminar! Antes quero lhe agradecer por todo o carinho e por
ter sido tanto em minha vida, por ter me ajudado construir significados, por ter me
dado os primeiros estímulos no meu mundo acadêmico. A senhora me abriu janelas
para a vida e a vida, a vida me abriu portas.
Até algum dia professora! Iremos nos encontrar e matar toda a saudade! Um
grande abraço! Um beijo no seu coração!

Com carinho sua eterna aluna,

Adenir Vendrame1.

1
Professora, formada em pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso. Pós-graduada em:
Educação Ambiental pela Associação Juinense de Ensino superior-AJES; Psicopedagogia clinica e
institucional pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais-INTERVALES; Práticas e Saberes na
Educação Infantil pela Universidade do Mato Grosso-UNEMAT; Educação Infantil e Ensino
Fundamental pela Faculdade Mantenense dos Vales Gerais-INTERVALES.

53
CARTA VIII

CARTA SOBRE CARTAS PEDAGÓGICAS:


EXPERIÊNCIA E REINVENÇÃO DO
LEGADO DE PAULO FREIRE

Paris, 15 de outubro de 2019.

A você, que pretende escrever uma Cartas Pedagógica,

Não escrevo somente porque me dá prazer escrever, mas também porque me sinto
politicamente comprometido, porque gostaria de convencer outras pessoas, sem a
elas mentir, de que o sonho ou os sonhos de que falo, sobre que escrevo e porque
luto, valem a pena ser tentados (FREIRE, 1994, p. 15-16).

Olá! Seja qual for o motivo que fez com que você chegasse até a leitura desta
sobre Cartas ficarei feliz se ao final você se sentir motivada ou
motivado a escrever e se a minha escrita puder de alguma forma apoiar a sua. De an-
temão, refiro que a finalidade com que lhe dirijo esta escrita é estabelecer novas par-
cerias para ampliar experiências, com vistas a contribuir para credibilizar as Cartas
Pedagógicas (VIEIRA, 2018) enquanto instrumento metodológico de formação. Por
isto, gostaria de expressar meu desejo de conhecer sua experiência e convidá-la/o a
trocar ideias sobre o potencial que se inscreve no processo de formação que se realiza
por meio das Cartas Pedagógicas.
Inicialmente, preciso justificar o inusitado desta Cartas Pedagógica ser da-
tada no dia 15 de outubro, em Paris. Ao concluí-la na data em que coincide com o dia
do/a professor/a, penso ser esta uma referência que sugere diversos significados que
podem ser atribuídos a esta escrita. Quanto à cidade, diz respeito à significativa fase
da vida pessoal e profissional, em que, vivendo um nesta ambiência tão
encantadora e inspiradora, estou me dedicando a sistematizar minha produção de co-
nhecimento relacionada às Cartas Pedagógicas.
Minha experiência com a pesquisa que coordenei nos últimos anos na Uni-
versidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), intitulada de gestão da es-
cola: saberes, tensionamentos e (2016-2019) ganhou ênfase, ao longo
do percurso, nos aspectos metodológicos e gestou significativas contribuições para o
processo de reinvenção das Cartas Pedagógicas. De modo não formal e informal, as
DIÁLOGO FREIRIANO

relações interpessoais me incentivaram a escrever cartas, com a finalidade de compar-


tilhar reflexões, buscando somar esforços no trabalho de reinvenção do legado de
Paulo Freire. Da intensa comunicação realizada no período entre 1º de agosto e 06 de
outubro deste ano, resultou uma série histórica de onze produções escritas, cujo con-
junto intitulei Pedagógicas de É neste contexto que emerge a proposi-
ção de escrever esta sobre Cartas com o objetivo de incentivar a
escrita, convidar ao diálogo acerca do potencial que se inscreve neste conceito que
Paulo Freire nos deixa como legado, bem como sugerir orientações para encorajar
novas autorias.
Por meio desta escrita apresentarei, inicialmente, considerações sobre o con-
ceito na obra de Paulo Freire, indicando referências para o aprofundamento posterior
deste conhecimento, se for o caso. Na continuidade, compartilharei brevemente mi-
nha experiência relacionada às Cartas Pedagógicas. Ao final, vou sugerir algumas ori-
entações para a escrita, considerando ser esta a melhor forma de compreender as pe-
culiaridades de uma Carta Pedagógica, bem como de perceber o potencial pedagógico
a ser explorado. Ou seja, sugiro que a compreensão conceitual e a reflexão acerca das
possibilidades de sua reinvenção se dê a partir da própria experiência de produção
escrita de uma Carta Pedagógica.
Para o conhecimento do conceito de Carta Pedagógica na obra de Paulo
Freire, um bom ponto de partida é tomar como referência o verbete, de autoria de
Adriano Hertzog Vieira, que integra o Dicionário Paulo Freire (STRECK; REDIN;
ZITKOSKI, 2018). Para o autor, a produção de Freire em forma de Cartas Pedagógicas
associa o rigor da escrita ordenada e refletida à amorosidade da escrita dirigida a al-
guém com quem nos vinculamos afetivamente (VIEIRA, 2018). Na apresentação do
verbete, são indicadas as cinco obras de Paulo Freire cujo título contém a palavra
carta, a saber: Cartas a Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo
(1979); Quatro Cartas aos animadores e às animadoras culturais (1980); Professora
sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar (1993); Cartas a Cristina (1994); e Pedagogia
da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos (2000).
Como é possível observar, somente a última obra apresenta a expressão Car-
tas Pedagógicas. Este é o título que seria atribuído ao livro que Paulo Freire estava
escrevendo quando faleceu. A expressão foi valorizada e mantida por Ana Maria
Freire (Nita) quando organizou a publicação póstuma, reunindo às cartas cujo projeto
ficou incompleto, outros registros produzidos por Paulo Freire, dando destaque à in-
dignação diante das situações de opressão e desigualdade social enquanto marca da
produção teórico-crítica do autor. A respeito das peculiaridades da escrita de Freire

56
DIÁLOGO FREIRIANO

em forma de cartas, Nita comenta na introdução de suas Notas à obra Cartas a Cris-
tina:

Ao fazer cartas no lugar de ensaios na sua forma mais tradicional, na qual um capí-
tulo se sucede ao outro, caracterizando-se por uma sucessão logicamente desenca-
deadas de ideias, que se iniciam, desenvolvem e encerram em cada capítulo e da su-
cessão destes no todo do texto, não o fez. Fez ensaios sim, mas ensaios em forma de
cartas, em que, sem negar as qualidades dos ensaios tradicionais, optou por esta
forma menos habitual por acreditar que ps textos assim redigidos são mais comu-
nicadores. (FREIRE, Nita, 1994, p.239)

Sobre a escrita em forma de cartas e as Cartas Pedagógicas na obra de Paulo


Freire, destaca-se o estudo realizado por Isabela Camini em função de sua experiência
com os movimentos sociais, cuja publicação intitulada pedagógicas: aprendi-
zados que se entrecruzam e se tem, entre seus objetivos, para
uma reflexão acerca da prática de comunicar pedagogia: escrevendo (CA-
MINI, 2012, p. 4). Analisando a secular tradição da escrita de cartas, buscando teste-
munhos históricos de diferentes épocas, tais como Antônio Gramsci, Rosa Luxem-
burgo, Che Guevara, Olga Benário e Dom Hélder Câmara, entre outros, a autora ana-
lisa a obra de Paulo Freire e considera que o autor, por meio de suas Cartas Pedagógi-
cas, ressignifica a tradição de escrever cartas. Com base nestes estudos e levando em
conta sua experiência formadora com educadores e educadoras populares, a autora
enfatiza a importância de adotarmos a prática de escrever Cartas Pedagógicas como
princípio. Em suas palavras, sugere a todos/as educadores/as populares a atitude de:

anunciar-se herdeiros/as de uma tradição que vem de longe, e que tende a se


consolidar. Todavia, aos herdeiros de algum bem material ou social, cabe-lhes uma
tarefa, uma responsabilidade, isto é, de cuidá-lo, de continuá-lo e, acima de tudo, de
fazê-lo dar frutos. Deste modo, entendendo a importância de retomar este propó-
sito e expandir esta tradição, anunciamos que cartas pedagógicas precisam ser escri-
tas, bem como lidas e respondidas, pois, assim, compõe-se um círculo cultural que,
além de promover comunicação, gera conhecimento e libertação. (CAMINI, 2012,
p. 8).

Em consonância com a autora e orientada pelos Estudos e Leituras de Paulo


Freire, em diálogo com outros autores e autoras, venho buscando contribuir, por
meio da minha experiência docente de ensino e pesquisa, para adensar a compreensão
conceitual acerca das Cartas Pedagógicas e suas possibilidades de recriação em dife-
rentes contextos educativos. Com certeza, não estou sozinha nesta intenção e prática.
Por isso, considero que o conhecimento da diversidade das experiências que, em di-
ferentes âmbitos de atuação, vêm constituindo possibilidades e expandindo perspec-
tivas é tão relevante quanto a indicação de referências bibliográficas. É em função

57
DIÁLOGO FREIRIANO

deste entendimento que faço desta escrita além de uma forma de apresentar minha
experiência, reflexão e considerações metodológicas, também um convite para a con-
tinuidade do diálogo.
Obviamente os limites da escrita de uma carta não permitem que eu me al-
gongue em detalhes, especialmente considerando que minha experiência com Cartas
Pedagógicas - a que me dedico a sistematizar neste momento - está próxima de com-
pletar vinte anos. Foi no ano de 2000 a primeira vez que coordenei uma oficina de
pesquisa de produção de Cartas Pedagógicas, no âmbito de meu trabalho como pro-
fessora e pesquisadora no então Centro Educacional La Salle, em Canoas, no Rio
Grande do Sul (RS). Acompanhei o trabalho de formação continuada na Escola Fun-
damental La Salle situada no Jardim América, em Sapucaia do Sul, criada pela Provín-
cia Lassalista ao propor um projeto diferenciado na rede lassalista de ensino, por oca-
sião da comemoração dos 90 anos de sua presença no Brasil.
Desde o início, nomeamos como Sonho o movimento de
reinvenção da escola, organizada por ciclos de formação e com o ensino por Com-
plexo Temático, que tomava como referência e inspiração o projeto da Escola Cidadã,
desenvolvido na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, contando com o pensa-
mento de Paulo Freire como um de seus principais fundamentos (FREITAS, 2004).
Ao final do primeiro ano de efetivo funcionamento da escola, conscientes de que a
manutenção de um projeto desta natureza representava um desafio permanente à
reinvenção da docência, os professores e professoras da escola foram convidados e
convidadas a participar de um encontro de formação no Centro Universitário. A Ofi-
cina de Cartas Pedagógicas, realizada em um laboratório de informática, partiu da
proposição de que escolhessem um/a destinatário/a, real ou imaginário/a, para o/a
qual contassem sua experiência do primeiro ano de trabalho na escola, comparti-
lhando suas aprendizagens, mas também pedindo um conselho, sobre algum aspecto
que estivesse preocupando a ponto de lhes o
Muitas e significativas experiências decorreram desta primeira Oficina de
Cartas Pedagógicas, tanto na escola quanto na formação acadêmica dos integrantes
do Projeto Sonho Possível, contribuindo para sua recriação em outros espaços. Parti-
cularmente, além de minha tese contar com o que chamei, à época, de uma
de Cartas (FREITAS, 2004), assumi esta modalidade de escrita como
procedimento de ensino, tanto escrevendo aos estudantes, com diferentes finalidades,
quanto sugerindo e orientando as produções por eles/elas realizadas. Neste momento,
ao revisitar meus registros docentes, buscando localizar as primeiras Cartas Pedagó-
gicas produzidas, identifiquei, preliminarmente, como mais antiga a escrita datada de

58
DIÁLOGO FREIRIANO

26 agosto de 2001, intitulada de Estágio dirigida às alunas e


ao aluno participante da disciplina de prática de supervisão escolar I, do Curso de Pe-
dagogia do Centro Universitário La Salle.
Ao longo destes quase vinte anos, o trabalho com as Cartas Pedagógicas teve
continuidade, com diferentes ênfases, em minha experiência docente em diversas dis-
ciplinas no Ensino Superior. Mas foi no ano de 2018 que esta modalidade de escrita
ganhou maior visibilidade e amplitude de práticas ao ser apresentada como uma mo-
dalidade de inscrição de trabalhos em três eventos acadêmicos, a saber: o II Congresso
Internacional Paulo Freire: o legado global (MG), promovido pela Faculdade de Edu-
cação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ocorrido em Belo Hori-
zonte, de 28 de abril a 1º de maio; o XX Fórum de Estudos: Leituras de Paulo Freire ,
promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da UNISINOS,
em São Leopoldo/RS, de 3 a 5 de maio; e o XII Diálogos com Paulo Freire, nos dias 23
e 24 de novembro, nas Faculdades Integradas de Taquara (FACCAT).
A participação com apresentação de trabalhos nos referidos eventos fortale-
ceu, na teoria e na prática, minha compreensão acerca do potencial pedagógico que
reside no legado e reinvenção das Cartas Pedagógicas. No primeiro evento, apresentei
a primeira versão da escrita de uma sobre Cartas com o objetivo
de compartilhar minha experiência de trabalho com esta modalidade de escrita no
Mestrado Profissional em Gestão Educacional (MPGE), orientando a escrita de Car-
tas Pedagógicas com o apoio da metodologia da sala de aula invertida (FREITAS,
2018). No segundo, tendo participado da coordenação geral do evento, além propor-
mos esta modalidade de escrita para a inscrição de trabalhos, assumimos as Cartas
Pedagógicas como forma de comunicação para diversas ações, tais como fazer o con-
vite para o evento, apresentar orientações para a inscrição em cada eixo temático, etc.
Para o terceiro evento, produzimos no Grupo de Pesquisa um trabalho em forma de
vídeo que apresentou nossa experiência com as Cartas Pedagógicas elaboradas como
Cartas Convite para as Rodas de Diálogo promovidas com gestores e gestoras escola-
res. Assim, em função da experiência da pesquisa, sistematizamos nossa compreensão
e propusemos o diálogo a partir dos seguintes questionamentos:
 O que caracteriza a escrita de uma Carta Pedagógica?
 Quais os elementos constitutivos desta modalidade de escrita?
 Qual o potencial das Cartas Pedagógicas como instrumento de formação e
pesquisa?

59
DIÁLOGO FREIRIANO

Ainda em 2018, participei de outros dois relevantes momentos de Estudos e


Leituras de Paulo Freire, compartilhando a experiência da pesquisa com as Cartas Pe-
dagógicas no Norte e no Nordeste do país: o III Fórum de Leituras de Paulo Freire da
Região Norte, promovido pela Universidade Estadual do Amapá (UEPA), em Ma-
capá/AP, de 22 a 24 de agosto, e o X Colóquio Internacional Paulo Freire, promovido
pelo Centro Paulo Freire Estudos e Pesquisas, em Recife/PE, de 20 a 22 de setembro.
Em maio deste ano, a participação do GP no XXI Fórum de Estudos: Leituras de Paulo
Freire, realizado na Universidade de Caxias do Sul (UCS) deu continuidade ao inves-
timento de esforços para a produção de trabalhos em outros modos de expressão,
apresentando um de Cartas e um Flipbook. Enfim, muitas foram
as andarilhagens (BRANDÃO, 2018) que permitiram o adensamento da compreensão
conceitual, bem como do potencial pedagógico de sua reinvenção. Andarilhagem é de
fato o conceito do pensamento de Paulo Freire que melhor expressa o que realizamos
até este momento, considerando o que nos diz Carlos Rodrigues Brandão, no verbete
de sua autoria:

Somos humanos porque aprendemos a andar. Somos humanos porque


aprendemos a pendular entre um e um contínuo
Entre os que andam, viajam e vagam, há os que se deslocam porque
querem (os viajantes, os turistas), os que se deslocam porque creem (os pe-
regrinos, romeiros), os que se deslocam porque precisam (os migrantes da
fome, os exilados) e há os que se deslocam porque devem (os
para usar uma palavra cara aos dos anos 1960 os com
o outro, com uma (BRANDÃO, 2018, p. 44).

Conscientemente, andarilhamos. Resulta destas andarilhagens a proposição


mais recente da oficina de pesquisa denominada Pedagógicas e outros regis-
tros: experiências, fundamentos e considerações A oficina foi reali-
zada no dia 12 de agosto, na I Jornada de Oficinas Metodológicas, promovida pela
Escola de Humanidades da Unisinos. Nesta ocasião, minha participação aconteceu na
modalidade a distância, inaugurando andarilhagens em conexão Paris-Porto Alegre,
via Webconferência, que anunciam o potencial de internacionalização das Cartas Pe-
dagógicas. Mais do que palavras, a imagem a seguir expressa a intensidade do movi-
mento de Estudos e Leituras de Paulo Freire que vem se realizando do Sul ao Norte
do país e também internacionalmente por meio do qual as Cartas Pedagógicas
ganham visibilidade, credibilidade e adesão.

60
DIÁLOGO FREIRIANO

Imagem: Cartas Pedagógicas, andarilhagens e reinvenção

Fonte: elaborado pela autora a partir de acervo pessoal.

Atualmente, estou me dedicando a analisar os Anais dos eventos já referi-


dos - que publicaram trabalhos na modalidade de Cartas Pedagógicas. As conclusões
preliminares me levam a sugerir orientações, com as quais concluo esta sobre
Cartas Inicialmente, é importante considerar, segundo o que indica a
própria expressão, que a escrita de uma Carta Pedagógica caracteriza-se por atender
dois critérios. Sendo uma carta, deve apresentar os elementos próprios deste gênero
de escrita: data, destinatário, remetente, saudação inicial e final, além de empregar a
primeira pessoa, com a intenção de comunicar-se, com diferentes finalidades. Por ser
pedagógica, a escrita apresenta e desenvolve com clareza a finalidade a que se propõe,
por exemplo: comunicar uma experiência, abordar um tema, dar retorno sobre apre-
ciação de trabalhos, fazer um convite, dar boas-vindas, entre outras. Importa ainda
considerar a qualidade da escrita caracterizada como uma reflexão pessoal fundamen-
tada, ou seja, fazendo uso apropriado de conceitos e incluindo referências diretas ou
indiretas. Além disso, é importante levar em conta que uma Carta Pedagógica tem
como intencionalidade promover o diálogo e incentivar a escrita. Para tanto, a apre-
sentação de questionamentos para suscitar a reflexão e a sugestão de encaminhamen-
tos pode ser uma boa alternativa para a promoção do diálogo.
Importante ainda observar que enquanto modalidade de escrita acadêmica,
as Cartas Pedagógicas assemelham-se a um resumo expandido, levando em conta sua
extensão geralmente estipulada entre 3 a 6 páginas. Para avançarmos quanto a este
reconhecimento, é importante observar as marcas características deste tipo de traba-
lho, quando for o caso da inscrição em eventos: apresentar um título, um resumo
acompanhado de palavras-chave e incluir referências bibliográficas. Penso e gostaria

61
DIÁLOGO FREIRIANO

de propor a reflexão a este respeito, que o rigor acadêmico da escrita de Cartas Peda-
gógicas é um desafio que se apresenta neste momento. E me questiono: como fazê-lo
sem que se despotencialize a proximidade da escrita que mobiliza quem escreve a en-
volver-se no ato de escrever, incentivando a criatividade e a autoria de pensamento?
Ao finalizar, faço minhas as palavras de Paulo Freire quando afirma, na obra
Pedagogia do Oprimido, que olhar para trás não deve ser uma forma nostálgica
de querer voltar, mas um modo de melhor conhecer o que está sendo para melhor
construir o (FREIRE, 1987, p.73). Com este entendimento, convido as leitoras
e os leitores a seguirmos em frente, reinventando a tradição da escrita de cartas na
perspectiva de vivenciarmos o prazer de escrever ao mesmo tempo em que exercer-
mos a escrita como forma de luta por sonhos possíveis , como nos aponta a epígrafe
apresentada na introdução. Reitero a expectativa de que esta leitura seja motivadora
do conhecimento sobre o legado de Paulo Freire acerca das Cartas Pedagógicas e que
a minha escrita possa de alguma forma apoiar a sua. Por isso, não hesite em fazer con-
tato se precisar de ajuda ou mesmo se quiser trocar uma ideia. Se isto acontecer, esta
sobre Cartas estará cumprindo uma função formativa relevante.

Grande abraço freireano,

1
Doutora em Educação pela PUCRS (2004), com pós-doutorado em Pedagogia Crítica pela Liverpool

0000-0003-3259-0431 . e-mail 0311anafreitas@gmail.com

62
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Andarilhagem (verbete). In: STRECK, Danilo;
REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed.
rev. amp. - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018, p.44-45.
CAMINI, Isabela. Cartas pedagógicas: aprendizados que se entrecruzam e se
comunicam. Porto Alegre: ESTEF, 2012.
FREIRE, Ana Maria Araújo. Notas. In: FREIRE, Paulo. Cartas a Cristina. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1994, p. 237-334.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido, 20ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
______. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1979.
______. Quatro cartas aos animadores e às animadoras culturais. República de São
Tomé e Príncipe: Ministério de Educação e Desportos, São Tomé, 1980. Disponível
em: http://acervo.paulofreire.org:8080/xmlui/handle/7891/1160? Acesso: 10 de
outubro de 2017.
_______ . Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho
1993.
_______ . Cartas a Cristina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
______. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:
UNESP, 2000.
FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Pedagogia do inédito-viável: contribuições da
participação pesquisante em favor de uma política pública e inclusiva de formação
com educadores e educadoras. Porto Alegre: PPGE/PUCRS, 2004. 989f. Tese
(Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre.
______. Carta sobre Cartas Pedagógicas: compartilhando experiências sobre a
formação de professores/as e de gestores/as. In: Anais do II Congresso Internacional
Paulo Freire: o Legado Global, 2018, Belo Horizonte. [recurso eletrônico]. Campinas,
GALOÁ, 2018. Disponível em: <https://proceedings.science/freire-globalconference-
2018/papers/carta-sobre-cartas-pedagogicas%3A-compartilhando-experiencias-
sobre-a-formacao-de-professores/as-e-de-gestores/as> Acesso em: 10 out. 2019.
STRECK, Danilo; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs.). Dicionário Paulo
Freire. 4. ed. rev. amp. - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018.
VIEIRA, Adriano Hertzog. Cartas Pedagógicas (verbete). In: STRECK, Danilo;
REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José (orgs.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed. rev.
amp. - Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2018, p. 75-76.

63
CARTA IX

PRIMAVERA DE SONHOS,
INTERVENÇÕES VIRANDO REALIDADE!

1º de setembro de 2019.

Estimados Pedagogos,

alguém (...) me perguntar, com irônico sorriso, se acho que, para mudar o Brasil,
basta que nos entreguemos ao cansaço de afirmar que mudar é possível e que os seres
humanos não são puros expectadores, mas atores também da história, direi que não.
Mas direi também que mudar implica saber que fazê-lo é
(Segunda carta Do Direito e do Dever de mudar o Mundo, in Pedagogia da Indig-
nação, Unesp- 2000, São Paulo).

Em tempos globalizantes, de comunicação cada vez mais veloz, saio na con-


tramão dos meios tecnológicos e por meio desta carta pedagógica desafio a me escre-
ver. Como nos fala Schiller escrever é uma ação recíproca entre dois impulsos huma-
nos: o formal e o sensível, ou seja, a manifestação da beleza criada pelas ações integra-
das entre a razão e a sensibilidade humana (SHILLER, 2011, p. 70-73). Então... escre-
vamos!
Acordei de um sonho, já sonhado há muito tempo. Sim, a primavera vem
chegando, os girassóis estão floridos. Chegou o tempo da floração, até que enfim, con-
segui superar o repetitório do universo acadêmico. Entrei no curso de Pedagogia em
2000 e passei no concurso municipal em 2003. Posso dizer que minha formação foi
na ação, aos moldes da pedagogia freiriana. E, portanto, foi na prática que percebi que
a universidade e a própria escola careciam de mais sensibilidade, arte e estética. Sabe
amigos, ao ler as obras de Paulo Freire ia me apaixonando por cada uma e tentando,
a cada nova experiência internalizá-las em minha vida. Acredito fielmente que educar
não é apenas instruir, mas oferecer uma experiência significativa que prepare para a
vida.
Em contrapartida preciso lhes dizer, caros amigos pedagogos, nossa geração
de crianças grita por liberdade. Eles querem alçar voos em busca de novas experiên-
cias. Desejam uma escola dinâmica, que pratica a arte em suas diversas modalidades,
vivência esta que estou tendo na escola que trabalho atualmente. Sim, seguimos os
DIÁLOGO FREIRIANO

conteúdos programáticos conforme calendário anual, mas transversalmente a eles


existem outras ... diria ... maneiras de aguçar a sen-
sibilidade a partir da escuta atenta de nossos alunos: protagonistas do conhecimento.
O exercício crítico e sensível que enquanto pedagoga posso viver com autonomia
junto às minhas crianças, num movimento de perceber-se parte de um contexto e co-
participantes da realidade vivida, logo, responsáveis por ela, abre espaço para que pen-
semos propostas de intervenção social que dê conta de olhar inicialmente para aquilo
que nos cerca antes mesmo de apontar a realidade do outro. Creio nisso... almejo isso!
Em meio a turbulência do calendário escolar, conteúdos a serem trabalhados
e aprendizagens a serem construídas, meus alunos quiseram ir além, exercer e enten-
der mais acerca do conceito de cidadania, olhando de fato, tal como ela é na vida real.
E assim começamos a tecer fios de sonhos na sala de aula. Tudo isso iniciou ao estu-
darmos o município e os três poderes, quem exerce essas funções e quais suas respon-
sabilidades. A turma se deu conta da responsabilidade que terá quem for escolhido
para estes cargos. De imediato todos se envolveram e apresentaram indagações sobre
como era antes de haver esta organização, como exercer a cidadania na escola, impor-
tância do voto consciente. Apresentaram na ponta da língua suas observações; foi uma
festa da intelectualidade. Logo em meio ao turbilhão de coisas que me vieram a cabeça,
veio a certeza: a escola precisa viver na sua cotidianidade contemporânea essa festa da
intelectualidade e protagonismo! Assim, nasceu nosso protejo de intervenção social
ação,
Mas deixe-me explicar melhor o que vem a ser este projeto. O projeto de
Intervenção Social constitui-se numa situação de aprendizagem que potencializa vi-
vências significativas de protagonismos compartilhados, buscando soluções viáveis,
criativas e promotoras do bem comum. Com orgulho partilho, pois se refere a uma
prática que promove o diálogo entre as ciências, as sociedades e as culturas, onde se
coloca o conhecimento a serviço das aprendizagens para uma vida que se faz inte-
grada, assim como idealizou Paulo Freire.
Foi com esse intuito, entusiasmados com os debates acerca dos conteúdos
estudados que, de repente, nossa sala de aula viralizou: todos sujeitos tinham ideias
para colocar em xeque a cidadania! Um ambiente rico em práticas e atividades volta-
das para a formação do cidadão, literalmente surgiu. Foram muitas ideias (afinal mi-
nha turma possui trinta alunos) e para sermos democráticos, tivemos que votar para
a escolha do nome do nosso projeto, que ficou intitulado: ação, Fize-
mos campanhas políticas simuladas (política como forma de atividade ou de práxis
humana) para escolhermos os representantes/mediadores. Dentre as ações propostas,

66
DIÁLOGO FREIRIANO

destaco uma muito especial: implantamos o Grêmio Estudantil Mirim em todo o seg-
mento do EF-AI da escola através de um trabalho de conscientização nas turmas de-
monstrando de forma prática e real a importância do voto consciente. O Grêmio Es-
tudantil Mirim possibilita o fortalecimento da cidadania. Os alunos poderão exercer
seus direitos e deveres de forma mais responsável e atuante, tendo o Grêmio como
órgão máximo de representação. O que ficou marcante nesta ação foi a doação. Cada
aluno doará seu tempo ao bem comum dos outros e esta é uma ação que consiste
numa liberdade voluntária entre pessoas. Para destacar e simbolizar esta entrega nossa
turma presenteou os integrantes do Grêmio Estudantil Mirim com um colete de iden-
tificação e símbolo de doação e entrega ao próximo.
Nossa próxima ação é conhecer a Câmara de Vereadores, apresentar um
projeto de lei de autoria da turma: criação do Vereador Mirim. O principal objetivo é
oferecer aos alunos do Município uma lição de cidadania e democracia, com o exer-
cício, por um dia, das funções e dos trabalhos do Poder Legislativo Municipal. Na Câ-
mara de Vereadores, os vereadores cederão seus lugares no Plenário aos vereadores
Mirins, que vão apresentar seus projetos, defendê-los e votar as propostas apresenta-
das pelos colegas. Os partidos dos Vereadores Mirins não são iguais aos dos vereado-
res oficiais. Os partidos são temáticos. Isso significa que os temas ou assuntos preferi-
dos dos estudantes definirão seus partidos. Eles não querem parar, sentiram-se sujei-
tos, são atuantes, perceberam que aquela palavra (cidadania) que parecia estar muito
distante da realidade era algo essencial e intransferível ao outro.
A proposta da turma potencializou as práticas de cidadania na escola. A luta
das crianças pelos seus direitos e deveres enquanto sujeitos de voz e vez, passou a ser
uma constante no espaço escolar e principalmente em sala de aula. Estão envolvidos
com o próprio bem-estar, assim como de seus semelhantes. A cidadania foi trabalhada
a partir do conhecimento dos direitos e deveres do cidadão, perpassando pela melho-
ria da autoestima e a importância do desenvolvimento de valores como responsabili-
dade, solidariedade, companheirismo, amizade, empatia, ética, cuidado com o meio
ambiente, refletidos com os alunos para tomada de decisões visando o estabeleci-
mento e o cumprimento de atitudes cidadãs no cotidiano de todos os envolvidos.
Como eu iniciei... que ficaram recheadas de ... as
quais se engajaram nas palavras engajamento e
Todavia, não posso negar às vezes me vejo reproduzindo velhas fórmulas,
me vejo de perto e me rejeito, fazendo rebelde de mim mesmo vou tecendo fios de
sonhos em busca de uma aula mais produtiva. Hoje só consigo me perceber como
mediadora de aprendizagens numa perspectiva de materialização dos saberes ditos

67
DIÁLOGO FREIRIANO

teóricos, tentando possibilitar uma comunhão entre saberes teóricos e práticos, entre
o mundo das ideias e o da vivência concreta. Mas o que tiro de lição disso tudo? Ações
educativas exercem uma práxis, que mobiliza ações transformadoras nos modos de
ser e de agir dos sujeitos e também nas realidades em que estes venham a intervir.
É assim que percebo o grandioso poder transformador que temos. Por isso
que Paulo Freire tanto insistia no imperativo da formação de pedagogos críticos, aten-
tos ao mundo, sensíveis, éticos. Ele dizia que era preciso se ter e boniteza
de mãos (2006), ou seja, ética e estética sendo tomadas como princípios que
permeiam nossa intervenção no mundo. Concordam?
Infelizmente, os componentes curriculares ainda são vistos em muitas esco-
las como departamentos intransponíveis que não possuem relação entre si. Mesmo
com os Parâmetros Curriculares Nacionais orientando para a interdicisplinaridade, a
abordagem dos temas transversais e a contextualização dos saberes produzidos na es-
cola.
Assim como as cartas pedagógicas de Paulo Freire, as quais recolocam a edu-
cação no espaço do coloquial e do afetivo, tentei fazer este mesmo movimento através
do relato de minha experiência vivida. Sinceramente, ao escrever esta carta despertou-
me o desejo e o desafio de mais intervenções significativas nesse universo mágico que
é a nossa profissão.
Com o desejo de que haja beleza nos encontros, é que precisamos persistir.
Quero uma escola da prática, da pesquisa, do acolhimento, que prepara o aluno para
ler o mundo, ler como diz Clarice Lispector a entrelinha, o que não está sendo dito,
o silencioso e o não dito. Que haja sementes de possibilidades para que estas possam
semear nas escolas saberes e intervenções significativas na vida de nossos alunos. Que
a sensibilidade do Pedagogo esteja sempre presente para assim poder encontrar nestes
caminhos pedagógicos abertura ao novo.
Acreditem! Precisamos ter consciência de que o alcance de nossas atuações
cotidianas pode não ser tão grande, mas, de algum modo, por atingir diretamente as
existências de nossos alunos, que com eles estabelecemos relações socioeducativas,
pode colaborar com os desejos de transformação destes. Tenhamos humildade, paci-
ência e esperança nesses processos educativos como tão bem nos ensinou Paulo
Freire.
Remeto a você Pedagogo esta carta, desejando que girassóis cresçam em seu
A primavera quer ficar mais uma estação dentro de mim e vos

68
DIÁLOGO FREIRIANO

digo: se for para tecer caminhos floridos, que esta estação permaneça em minha car-
reira profissional por longos e intermináveis anos e vos digo mais, que a floração per-
maneça!
Desejosa que esta carta possa ser saboreada por você com doçura e que vocês
tenham percebido o quanto procuro mobilizar sentimentos transformadores, é que a
remeto a você esta frase:

(...) uma carta só terá cunho pedagógico se seu conteúdo conseguir interagir com o
ser humano, comunicar o humano de si para o humano do outro, provocando este
diálogo pedagógico. Sendo um pouco mais incisivo nesta reflexão, diríamos que
uma Carta Pedagógica necessariamente precisa estar grávida de pedagogia. Portar,
sangue, carne e osso pedagógico. (CAMINI, 2012, p. 35)

Micheli Canova Hickmann1.

P.S: Precisamos de sonhos para viver e para educar...

1
Licenciada em Pedagogia Anos Iniciais com Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional e
Gestão Educacional. Atualmente trabalha no Colégio Marista São Francisco de Chapecó.

69
DIÁLOGO FREIRIANO

Referência
CAMINI, Isabela. Cartas Pedagógicas: aprendizados que se entrecruzam e se comu-
nicam. Porto Alegre: ESTEF, 2012.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 2006.
________. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo,
UNESP, 2000.
________ Cartas a Guiné Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1978.
aulo Freire
15, 42, 2001.
________. Cartas a Cristina: reflexões sobre minha vida e minha práxis. São Paulo:
UNESP, 2003.
GOETHE, J.; SCHILLER, Friedrich. Correspondência. São Paulo: Hedra, 2010.

70
PARTE II

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS
OFICINAS PEDAGÓGICAS DE DIDÁTICA FREIRIANA

Ivanio Dickmann 1

Desde que começamos a elaborar a Didática Freiriana2, Ivo e eu temos nos


dedicado para reinventar o Método Paulo Freire. É um desafio muito grande e ousado
de nossa parte. Mas temos nos esforçado para entregar algo valioso a comunidade
freiriana. Nossa intenção é uma só: manter o legado de Paulo Freire vivo.
Este relato que inicio agora é uma partilha de momentos onde compartilhei
as dez pedagogias que compõe a didática freiriana. Farei a partilha do passo a passo
das oficinas pedagógicas como estou chamando estes momentos para servir de
registro a quem queira dialogar comigo sobre como usar o método freiriano na atua-
lidade e em diferentes espaços pedagógicos.
Estamos preparando um texto mais
denso e mais explicativo sobre a didática freiri-
ana que publicaremos em breve. Este relato
não objetiva detalha-la em seus pormenores.
Contudo, creio que poderá ter uma boa visão
do que se trata, pois não poderei deixar de
mencionar a estrutura do que ensinei nas ofi-
cinas e você vai adentrando no texto, na oficina
e consequentemente na didática freiriana.
Ao ler as linhas a seguir te convido a viajar comigo no tempo e no espaço.
Vamos juntos para as oficinas pedagógicas de didática freiriana. A primeira aconteceu
numa linda pousada dos Freis Capuchinhos em Vila Flores-RS, organizada por Ivo e
eu. A outra aconteceu em Caxias do Sul-RS na câmara de vereadores, organizada por
mim com o apoio da vereadora Denise Pessoa, que participou da oficina. Uma mais

1
Editor Chefe da Editora Diálogo Freiriano. É Historiador e Pós-Graduado em Gestão de Políticas Públi-
cas e Projetos Sociais. Tem Certificação Internacional PMD Pro1 em Gestão de Projetos Sociais. Mestre
em Serviço Social pela PUC-SP. É autor e organizador, dentre outras obras, do livro Primeiras Palavras
em Paulo Freire, Pedagogia da Liderança Popular, Dinâmicas Pedagógicas e 365 Dias com Paulo Freire.
E-mail: ivanio.dialogar@gmail.com
2
Para saber mais detalhes deste conceito consultar nosso artigo completo na revista Educere et Educare.
DOI: http://dx.doi.org/10.17648/educare.v13i28.18076
DIÁLOGO FREIRIANO

recente, ocorreu no sindicato dos servidores e servidoras municipais, também de Ca-


xias do Sul-RS, articulada pela presidente da entidade. A última que escolhi para com-
por este rol deu-se em Curitiba-RS, com as educadoras e educadores do curso de Ser-
viço Social da UNINTER.
Em todos estes lugares tivemos variedade de participantes, de diferentes per-
fis, idades, gênero, função, entre outros. Porém, todos e todas com tarefas pedagógicas
em seus espaços de trabalho ou de intervenção. Alguns participantes viam na oficina
de didática freiriana uma preparação para uma nova prática educativa mais crítica.
Outros vieram para reascender a mística da pedagogia do oprimido e reafirmar sua
postura crítica, ao tempo que se alimentavam da energia nova que os diálogos pro-
porcionavam.

A organização das oficinas pedagógicas


Cada oficina foi organizada a partir de nossa provocação. Basicamente cha-
mamos os interessados através das redes sociais, com anúncios no Facebook e através
de nossa lista de e-mails. Os interessados e interessadas preenchem um formulário
breve apresentando-se um pouco para conhecermos sua idade, profissão, sobre sua
trajetória acadêmica e profissional, sua idade, sexo. Perguntamos também se já leu
algumas obras de Paulo Freire, especialmente, Pedagogia do Oprimido e Pedagogia
da Autonomia.
Queremos com este questionário saber quem vem pra oficina, para prepa-
rarmos os materiais pedagógicos que utilizaremos e ter uma noção do nível de enten-
dimento dos conceitos freirianos de cada participante. Desta forma, podemos nos
preparar para acolher melhor cada um e cada uma que vem pra oficina.
Aproveitando a inscrição, solicitamos também os contatos de cada pessoa
para enviar um texto sobre as 10 pedagogias que compõe a didática freiriana. É uma
leitura prévia interessante para que ninguém chegue pra oficina sem noção nenhuma
do tema que será trabalhado. O texto é um artigo breve de umas q0 páginas que apre-
senta uma panorâmica geral, porém resumida, da reinvenção do método Paulo Freire.
Reparem que a oficina começa antes do encontro presencial.
Criamos, em duas oportunidades, um grupo no Whatsapp com os inscritos
e alimentamos este grupo por uns 15 dias anteriores ao encontro presencial com in-
formações e mensagens de estímulo quanto ao tema e a oportunidade que representa
uma oficina pedagógica freiriana. As pessoas vão se apresentando no grupo e intera-

74
DIÁLOGO FREIRIANO

gem um pouco e chegam para a oficina um pouco mais achegadas. Amizades são des-
pertadas pelas histórias de vida de cada membro. Pontos de interesse e saberes são
compartilhados.

O encontro presencial

ção total e irrestrita. A primeira parte começa com uma dinâmica de apresentação,
onde tentamos liberar as tensões físicas e mentais, onde cada participante se apresenta
resumidamente para uma roda de novos companheiros e companheiras de cami-
nhada. Esta dinâmica inicial quebra o gelo e deixa a todos e todas mais à vontade no
grupo.
Sentados em um círculo começamos a dissecar cada uma das 10 pedagogias
que compõe a didática freiriana3. A cada pedagogia dialogamos sobre suas caracterís-
ticas e sua conexão com o método utilizado por Freire na experiência de Angicos e
com os elementos da sua pedagogia de forma geral. Vamos reinventando o método e
construindo uma compreensão comum da didática feiriana.

Utilizamos como material pedagógico elementos simples para tornar a par-


ticipação simples e intuitiva: post-it, canetas coloridas, cartazes de cartolina ou papel
pardo para cada uma das 10 pedagogias. Nos post-its os participantes vão colocando
suas sínteses de cada pedagogia. Vamos avançando e os cartazes vão ganhando corpo
com as reflexões coletivas. Às vezes estas sínteses são feitas individualmente e outras
vezes em duplas ou sub-grupos.

3
As 10 pedagogias que compõe a Didática Freiriana são: 1. Pedagogia da acolhida, 2. Pedagogia da per-
gunta, 3. Pedagogia do tema gerador, 4. Pedagogia da contextualização, 5. Pedagogia da reflexão, 6. Pe-
dagogia da investigação temática, 7. Pedagogia da dialética, 8. Pedagogia da práxis, 9. Pedagogia do diá-
logo e, 10. Pedagogia da gratidão.

75
DIÁLOGO FREIRIANO

Vamos colocando cada um dos cartazes na ordem que vamos dialogando


sobre cada uma das 10 pedagogias, assim, queremos que os participantes se concen-
trem em cada pedagogia, contendo a ansiedade de ter uma noção do todo antes das
partes. Fazemos este percurso, dominamos parte por parte para compor o todo. É uma
escolha metodológica para compreender que cada parte é essencial, cada pedagogia
deve ser compreendida isoladamente para fazer sentido na totalidade.

A pausa pedagógica
Escolhemos momentos de parada na oficina. Não avançamos sem ter a cer-
teza de que estamos aprendendo ao avançar. Para isso, fazemos uso de um instru-
mento chamado pausa pedagógica 4. É uma parada estratégica de revisão e monitora-
mento nos certificarmos, enquanto grupo, que a aprendizagem está se efetivando.
Nestas pausas o facilitador da oficina resgata com os presentes o que viu até aquele
momento.
O resgate do passo a passo, do conteúdo, das dinâmicas de grupo, dos diálo-
gos, do método usado é útil para não perdermos o acúmulo da caminhada. Uma pausa
pedagógica potencializa o que vai ser ensinado a seguir, pois os educandos e o educa-
dor refrescam as suas memórias e prosseguem com a compreensão dos temas mais
nítidos.
Desde que acrescentamos a pausa pedagógica em nossos processos notamos
uma força maior em encontros de dia inteiro e de mais de um dia. Pois, nossa cabeça
não tem condição de aglutinar uma tonelada de conhecimentos novos e ajustá-los de
forma a termos este conhecimento a nossa disposição imediatamente. Nossos novos
saberes vão se ajustando na prática e na reflexão, no uso destes conhecimentos. A
pausa pedagógica garante que consigamos acumular mais saberes. Experimente!

Como usar a didática freiriana


Depois da oficiana sugerimos aos participantes três formas de começar a uti-
lizar a didática freiriana em seu quefazer pedagógico. Só o participante pode determi-
nar qual é a melhor maneira de usá-la, pois nós não conhecemos tão profundamente

4
A título de registro gosto de compartilhar sempre que esta pausa pedagógica não é uma invenção nossa.
Tivemos contato com ela há alguns anos através da educadora popular Helena Bins, num curso de Agen-
tes de Desenvolvimento Local desenvolvido pelo CAMP de Porto Alegre, em 2006. Ela usou a pausa
pedagógica durante sua facilitação no curso e, desde então, incorporamos este elemento em nosso fazer
pedagógico pela potência que vemos nesta parada para resgatar e registrar a produção do conhecimento
na qual estamos inseridos/as.

76
DIÁLOGO FREIRIANO

sua realidade a ponto de dar esta orientação. Contudo, acreditamos que os três cami-
nhos poderão nos levar ao mesmo ponto com o passar do tempo.
As três maneiras são: 1. como uma estratégia pedagógica a iluminar suas
ações, 2. como um percurso educativo a ser utilizado numa sequência ordenada a pri-
meira pedagogia até a última e, 3. como uma caixa de ferramentas. Vamos entender
um pouco mais cada uma destas visões. Veja qual pode ser a sua postura pedagógica
frente a didática freiriana.
1. Estratégia Pedagógica: quando nos referimos a estratégia queremos di-
zer que você recorrerá a didática freiriana como uma diretriz para suas
atividades pedagógicas. Sempre que você estiver em dúvida do que fazer,
sempre que tiver que modelar alguma intervenção você lembrará dos
princípios presentes nas 10 pedagogias que compõe a didática freiriana.
2. Percurso Educativo: você vai usar o caminho gradual das 10 pedagogias
para preparar as tuas ações educativas. Iniciará com a pedagogia da aco-
lhida e finalizará com a pedagogia da gratidão. Esta visão de percurso é
muito útil para fazer-nos dominar as 10 pedagogias quando ainda esta-
mos nos aproximando da didática freiriana.
3. Caixa de Ferramentas: aqui pode ter duas dinâmicas. Primeira, você po-
derá já estar utilizando algumas das 10 pedagogias no seu quefazer peda-
gógico, e então, vai acrescentando as demais com o decorrer do tempo
até acumular todas e ter segurança em cada uma delas ou; segunda, você
pode ver as 10 pedagogias de forma mais ou menos isolada e utilizar
aquela que for mais útil em determinada ocasião. Numa abertura de
turma nova, por exemplo, pode intensificar a pedagogia da acolhida, en-
quanto que numa turma que já está mais tempo junto pode aprofundar
os diálogos com a pedagogia da reflexão e da investigação temática.

77
DIÁLOGO FREIRIANO

De qualquer forma, você estará mais perto de Paulo Freire. Isso é importante
que saibamos. Pois, a didática freiriana não é algo fechado e finalizado. Estas oficinas
pedagógicas tem o objetivo de colocar nossas concepções à prova da comunidade frei-
riana. Queremos dialogar freirianamente com quem também tem afinidade com a
pedagogia do patrono da educação brasileira para construirmos uma didática freiri-
ana que faça sentido e que possa ser usada em diferentes espaços pedagógicos.
Sabemos que muito ainda há por ser sistematizado até termos uma versão
mais definitiva da didática freiriana, mas as contribuições de cada turma têm confir-
mado nossas intuições e hipóteses sobre a reinvenção do Método Paulo Freire para
nosso tempo e nossa realidade histórica. Temos recebido muitos retornos positivos
de educadores e educadoras experientes e que transitam a tempos pelos campos de
estudos freirianos e isso nos motiva nesta jornada de sistematizar práticas e reflexões
da comunidade freiriana.
Cremos no nosso esforço como uma contribuição ao legado de Paulo Freire
e somos gratos por todos e todas que se atrevem e se desafiam em trilhar os caminhos
do Andarilho da Utopia conosco. Sigamos juntos companheiros e companheiras. Po-
dem sempre contar conosco. #PauloFreireVive

78
A ASCENDÊNCIA TAPUIA PAIACU À MARGEM DO SABER

Maria Mônica de Freitas 1

O que me permitiu construir este tema


A escuta, pela primeira vez do nome de Paulo Freire se deu no primeiro pe-
ríodo da Faculdade de Letras no ano de 2002, quando um colega o mencionou em
uma discussão e sala de aula. Até esse momento, eu não o conhecia, apesar de já atuar
em sala de aula enquanto professora dos anos iniciais do ensino fundamental. Eu já
era professora do Estado do Rio Grande do Norte e estava cursando a faculdade por
meio de um programa de formação em serviço.
Esse primeiro eco do nome de Freire não me causou impacto algum. Apesar
de ter me despertado a curiosidade de saber quem era ele. Fiquei atenta aos comentá-
rios de colegas e professores, sem perguntar muito e sem adentrar nas discussões fui
aprendendo, aos poucos, que se tratava de um professor-educador e não apenas de
um professor.
Com as leituras, o passar do tempo e após ganhas o livro Importância do
Ato de que faz parte do conjunto de sua obra, fui esclarecida de que Paulo Freire
era o nome de uma pessoa muito importante para a compreensão de práticas pedagó-
gicas distintas daquelas em que a escola, os professores e os estudantes sempre estive-
ram acostumados, ou seja, a tal da que o próprio deu nome para
descrever o processo de ensino-aprendizagem por pura transmissão.
Naquele ano, eu também praticava a transmissão e me sentia perdida
quando chegava em sala de aula e via tanta diversidade de níveis de aprendizagem,
principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento da competência de ler e es-
crever.
Nesse exato momento, as caixinhas da minha memória abrem as portas e
delas saem imagens, vozes, letras, símbolos, frases, desenhos. Misturam-se persona-
gens, atividades, falas, conceitos, processos. E a memoria fica cada vez mais confusa,

1
Professora vinculada à Secretaria de Estado da Educação, Cultura e Desporto do Estado do Rio Grande
do Norte (SEEC/RN). Graduada em Letras pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(UERN), Especialista em Leitura e Produção de Texto pela Faculdade Vale do Jaguaribe (FVJ) e Mestre
em Letras pela UERN.
DIÁLOGO FREIRIANO

porque ali, naquele momento, muitas das minhas práticas não tinham significado
nem para mim mesma, imagine para os meus alunos. Quase todos em processo de
alfabetização. São essas lembranças que tenho hoje como fundamentação para a cons-
ciência de que eu precisava conhecer educadores como Freire. Para isso, amparo-me
em Lowenthal (1998) quando traz uma reflexão aceitável de que a consciência do pas-
sado está fundada na memória. Hoje, eu sei que foi ali, no processo de formação em
serviço que me redescobri, me reinventei e me formei enquanto educadora.
São momentos e fatos que foram aos poucos se constituindo na minha me-
mória individual. Sim porque, segundo Lowenthal (1998) a memória pode ser indivi-
dual e coletiva, mas a primeira é inviolável. E isto é tão certo que esses elementos me
foram muito úteis para hoje entender a posição que me encontrava enquanto profes-
sora e as mudanças que ocorreram ao longo dos 17 anos que se passaram, devidas às
experiências que vivenciei na sala de aula, no convívio com colegas e com professores
do curso de Letras. Estes foram muito especiais para que eu buscasse compreender,
através de leituras de obras que foram fundamentais na construção dessa trajetória
minha na educação.
A partir de discussões e das atividades do curso, a minha sala de aula se trans-
formou em um laboratório de experiências exitosas. Passei a atuar nos anos finais do
ensino fundamental, como professora de Língua Portuguesa, espaço pedagógico no
qual me encontrei. A minha memória, nesse momento, tem um outro sentido, porque
está iluminada por muitos pontos de luz da pedagogia freiriana. Foram muitas as ex-
periências pautadas em um processo de ensino-aprendizagem que não mais estava
voltado apenas para a transmissão. Enxertei-o de muitas outras espécies didáticas,
embora ainda soubesse, conscientemente, que precisava aprofundar cada vez mais os
estudos, pois, fez parte também do meu aprendizado entender eu professor necessita
estudar sempre.
Foi com esse pensamento que conclui a graduação e ingressei na especiali-
zação, assim que terminei, no ano de 2007. Após a festa de formatura, na sexta-feira a
noite, no sábado, lá estava eu assistindo a primeira aula da especialização. Novamente,
os estudos proporcionaram vastas experiências, agora na sala de aula do ensino mé-
dio, em um contexto rural, onde podia vivenciar muitas experiências freirianas, se eu
soubesse dominar um pouco das práticas do seu método. Não, eu estava ainda em
processo de leitura, de aprendizado, mediatizando os saberes necessários à minha vi-
vência, com o anseio de me tornar uma professora-educadora, não com a mesma qua-
lidade de Paulo Freire, mas, como sua discípula. Embora me sentisse longe, mas,
muito longe de alcançar o discipulado.

80
DIÁLOGO FREIRIANO

Aqui ou ali ia vivenciado um projeto, uma prática exitosa, alguns resultados


que cada vez mais me estimulavam a buscar meios de atingir as melhorias que sempre
sonhei para meus alunos, mesmo antes de conhecê-los, por exemplo, a cada início de
ano letivo. O mais importante é que, a cada projeto de ensino, a cada aula e a cada
prática o professor vai fazendo descobertas que nunca nem pensou em fazer. Tam-
bém, as próprias descobertas associadas à vida do educador, são fatores que influen-
ciam na sua vivência profissional. Foram descobertas assim que tiveram peso para
aprofundar conhecimentos e que permitiram adentrar à temática que se relaciona
com o conteúdo principal deste texto, que é marginalidade do saber de uma etnia in-
dígena presente nos rincões do Sertão do Rio Grande do Norte.

O fortalecimento da identidade Tapuia Paiacu


No início do mês de fevereiro de 2013 fui convidada por um colega, o pro-
fessor Raimundo Tôrres, para participar de uma assembleia para a constituição de um
Estatuto de Associação. Tratava-se de uma organização que tinha como objetivo reu-
nir pessoas descendentes da etnia Tapuia Paiacu, um povo originário do território
onde foi fundada a cidade de Apodi, no Rio Grande do Norte, cujo nome originou-se
de Poty nome do rio com significado de conforme historiadores da
região. Mais tarde, passa a ser grafado como Pody e por fim Apodi, se configurando a
originalidade indígena.
Os motivos para o convite a mim direcionado se liga justamente ao conhe-
cimento de que eu era uma das pessoas descendentes deste povo que podia auxiliar
no fortalecimento da entidade, ora em processo de criação. Eu sempre soube da mi-
nha identidade étnica, porém, até o ano de 2013 nunca dei importância a tal fato, e
hoje sei conscientemente que isso se deu pelo fato de ignorar os saberes que se associ-
avam a esta minha identificação étnica.
A ligação com o grupo e com a pessoa de Lúcia Paiacu Tabajara2, que à época
se identificava como Lúcia Maria Tavares e é hoje considerada pela Fundação Nacio-
nal do Índio (FUNAI) como a líder do povo ascendente dos Tapuia Paiacu de Apodi,
foi o bastante para que fortalecesse a minha identidade étnica. Essa condição também
passou a influenciar nos saberes sobre a prática pedagógica. Além do mais, a própria
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº. 9.394/96, a partir de texto atualizado
em 2013 aborda aspectos referentes à temática da história nacional no artigo 4º, onde

2
Nome oficialmente formalizado conforme pedido judicial no qual a concessão foi possível no início do
mês de outubro de 2019, pelo juiz da Vara Cível da Comarca de Apodi.

81
DIÁLOGO FREIRIANO

dispõe que se em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a


formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e euro-
e estabelece que a temática indígena necessita ser ensinada com abordagem es-
pecial, considerando a importância da ascendência do índio como personagem histó-
rico na construção da sociedade.
Passei a me olhar como pertencente na história da fundação da minha cidade
natal e comecei a ler os registros da memória popular, incluindo-se a memória do meu
próprio pai que atende pelo nome de João Batista e que sempre teve a coragem de
nunca negar a sua identidade indígena e de repassar isso para todos os filhos.
O fortalecimento da minha identidade Tapuia Paiacu foi a mola propulsora
de tantas outras descobertas, nas quais pode ser incluída a intervenção pedagógica re-
alizada como requisito para compor a minha dissertação de mestrado, concluído na
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

A marginalidade do saber dos ascendentes Tapuia Paiacu


No ano de 2015 decidi que iria tentar a pós-graduação stricto sensu partici-
pando da seleção nacional para o Programa de Mestrado Profissional em Letras
(PROFLETRAS), na unidade da UERN, Campus Maria Elisa de Albuquerque Maia
(CAMEAM), que fica situado na cidade de Pau dos Ferros, no alto Oeste do estado.
Fui aprovada em comecei a assistir as aulas no ano de 2016. Como o Mestrado era em
Letras, e não tinha vínculo com as áreas adequadas para um estudo que eu pudesse
inserir a temática indígena, de início não manifestei interesse em um projeto voltado
para esta questão.
Mas, na aula de escolha dos orientadores, um deles, o Professor Doutor Gil-
ton Sampaio de Souza apresenta como condição para a seleção de orientandos, proje-
tos que incluíssem estudos sobre argumentação, ensino de produção de textos e cul-
tura local. Fitei-o como meu possível orientador e expressei a vontade de trabalhar
com a temática indígena, descrevendo minha identidade, o sentimento de pertença à
etnia Paiacu e o envolvimento com o movimento indígena, algo que já fazia parte da
minha vida enquanto membro d Centro Histórico Cultural Tapuias Paiacus da Lagoa
do Apodi (CHCTPLA), aquela associação que contribuiu para o fortalecimento da
minha identidade e que hoje sou lembrada como sócio fundadora.
A conversa com o professor Gilton Sampaio foi bastante positiva e no final
me tornei sua orientadora. O objetivo principal, como requisito do programa era pla-
nejar e executar uma intervenção na área de ensino de Língua Portuguesa, o que opor-
tunizou idealizar um trabalho com a temática. No início não se pensava em elaborar

82
DIÁLOGO FREIRIANO

a proposta freiriana, mas, as leituras sobre a temática, o quesito cultural e a ideia de


inseri-la na área do ensino de produção de textos foram elementos que fizeram pensar
na abordagem sobre temas geradores. E foi a partir disto que Paulo Freire se tornou
referência teórica para os procedimentos metodológicos da atividade pedagógica.
Após estudos sobre a história dos Tapuia Paiacu enquanto etnia originária
do povo de Apodi, as conclusões de que esse povo nunca deixou de existir foram pro-
fundamente fortalecidas em mim. Compreendi melhor o significado da autodeclara-
ção étnica e a partir disso percebi o quanto a maioria dos ascendentes Paiacu estão à
margem de sua identidade.
Os estudos sobre a história desse povo revelam que no século XVII, por volta
de 1.680, quando os colonizadores, grupo liderado por Manoel Nogueira Ferreira e
seus irmãos João Nogueira e Baltazar Nogueira chegaram às margens da lagoa de
nome Itaú, hoje conhecida como Lagoa do Apodi, ali existiam várias Tabas indígenas
ocupadas pelos Paiacu. Inicialmente, após a concessão do território não houve confli-
tos. Mas, quando o objetivo do colonizador foi se consumando, por meio da atividade
de criar gado e outros animais e a lagoa começou a servir de espaço para esta atividade,
os indígenas começaram a se incomodar com a poluição das águas causada pelos ani-
mais, motivos este para o início dos conflitos.
O cronista Nonato Mota, que trabalhou com os registros de vários fatos da
época relata em seu manuscrito (s/d) que um dos primeiros confrontos de índios e
colonizadores ocorreu na Lagoa do Apanha-Peixe, situada hoje no município de Ca-
raúbas-RN, desmembrado de Apodi no século XIX. Na ocorrência foram mortos de-
zenas de indígenas e um dos irmãos Nogueira, Baltazar. A partir deste massacre, os
índios e se tornaram inimigos ferrenhos, o que desencadeou uma sé-
rie de confrontos e mortes de indígenas, bem como se foi nestas batalhas o segundo
membro da família Nogueira, João.
Tantas guerras entre índios e colonos impulsionou à Coroa Portuguesa a
instituir o aldeamento dos Paiacu para a Vila de Portalegre, uma das primeiras que
foram fundadas no Rio Grande do Norte. Em 1.761, cerca de mil índios foram trans-
portados para a referida vila e ali foram aldeados em terras inférteis, o que fez com que
fossem constantes as revoltas dos nativos. Eles viveram mais de 50 anos passando
fome porque não tinham como desenvolver suas atividades agrícolas. Esse foi o mo-
tivo para que no ano de 1825 ocorresse uma rebelião liderada por uma velha índia
chamada Luiza Cantofa e seu companheiro de movimento João do Pêga, seguida de
um dos mais sangrentos massacres de índios. Foram mais cerca de 70 índios mortos,

83
DIÁLOGO FREIRIANO

após serem presos por se rebelarem na vila e provocarem a morte de um coronel e de


um delegado.
Relata Nonato Mota em seu manuscrito (s/d) que após passarem dias presos
na Casa de Câmara e Cadeia, os índios foram acorrentados e, com a promessa de se-
rem transferidos para a capital Natal, desceram a serra de Portalegre. No entanto, ao
chegarem em um local de mato fechado, às margens de um riacho chamado Dor-
mente, os índios foram fuzilados. Luiza Cantofa consegue fugir acompanhada de sua
neta Jandy e se esconde na serra. Por poucos dias, logo é encontrada por caçadores
que avisam aos colonos e estes também a assassinam usando um punhal.
A história de Luiza Cantofa foi transformada em lenda, justamente seguindo
o método de caracterização do mito fundador (CHAUÍ, 2000) que conduz a história
do povo originário da região ao esquecimento, ao silenciamento das vozes que passa-
ram a viver amedrontadas pela possibilidade de serem exterminadas pelo poder do-
minante, que a partir daquele momento, na Ribeira do Apodi capitania que com-
portava toda a região hoje conhecida como médio e alto Oeste Potiguar regia os
processos religiosos e sociais.
O massacre dos 70 índios, como é conhecido, foi o fato que silenciou a as-
cendência Paiacu do Apodi. Uns fugiram para outras terras, como o Ceará, por exem-
plo, mas há os que ficaram na própria Vila do Apodi, que em 1835 foi elevada a con-
dição de município e tinha ainda um contingente populacional de indígenas. Estes,
passaram a viver camuflados como se não fossem índios, temerosos de outros massa-
cres, algo que não ocorreu apenas na região do Apodi.
Monteiro (2001) informa que os índios do sertão do Rio Grande do Norte,
passaram a ser chamados de caboclos e de outros nomes sempre voltados para o ca-
ráter da animalização como um apelo claramente político e ideológico de apagamento
dos indígenas como atores sociais, com relação a sua identidade étnica e a seus terri-
tórios tradicionais. A finalidade era usurpá-los. Por isso, muitos indígenas ficarem
sem terras, sem trabalho e se tornaram alvos fáceis, perseguidos pelos colonos como
mestiços marginais, chamados de vadios ou de desocupados.
Toda essa condição levou ao apagamento histórico, a ponto de hoje o muni-
cípio de Apodi, em períodos de eleição ou em eventos políticos e sociais se usar nos
discursos políticos a frase clichê terra dos Tapuias mas o próprio
povo, muitas vezes com histórico familiar de ascendência indígena não se reconhece
como tal.

84
DIÁLOGO FREIRIANO

Ao trabalhar com a temática indígena, nos círculos de cultura a menção a


essa história instigou os alunos que participaram do projeto a pensar sobre esses pa-
radoxos que compõem as relações étnicas atuais neste contexto. Foram cinco círculos
de cultura, nos quais as conversas e diálogos com os alunos instigaram a auto visuali-
zação deles como possíveis atores que descendem desse processo de construção étnica
do povo Paiacu. Foi também realizada uma aula de campo no local do massacre dos
70 índios, que hoje fica localizado no município de Viçosa-RN, ao pé da serra de Por-
talegre.
Em cada círculo de cultura, as conversas revelavam como os estudantes, con-
sequentemente suas famílias e a maioria dos atores sociais do município de Apodi, a
pesar da forte história indígena registrada, pouco conhece dos fatos, do apagamento
histórico, do silenciamento à voz do povo que, por ordem da dominação colonial foi
quem construiu a cidade: a igreja, as casas mais antigas das famílias de colonos bran-
cos, os prédios institucionais. Mesmo que tudo isso tenha sido construído no local da
própria aldeia Paiacu, como forma de extingui-la do território.
Esse diálogo entre o ator social e sua história, e, em especial entre aluno e
professor é algo que Paulo Freire destaca como de grande importância em seu projeto
de educação popular (FREITAS, 2018). O projeto de intervenção que trabalhei consi-
derou também o contexto social dos alunos que se constituem como sujeitos do pro-
cesso. Para Freire (1987, p. 93) o diálogo é encontro entre os homens, mediatizados
pelo mundo para pronunciá- Como essa ideia trabalha a conscientização crítica
da realidade, o pensamento foi perseguir isso como finalidade na formação dos alunos
participantes.
No último círculo de cultura, o diálogo foi sobre as famílias resistentes que
se autodeclararam a partir da fundação do CHCTPLA, um direito afirmativo consti-
tuído por lei. Os estudantes foram instigados a pesquisar sobre os fatos e escreverem
sobre ele, mas, na análise dos textos é possível perceber o quanto ainda reproduzem a
história contada pelo branco.
A intervenção partiu de uma ação dialógica, buscando a integração entre a
história construída, sua desconstrução e a reconstrução dos fatos. O objetivo principal
foi que os sujeitos inseridos no processo de desenvolvimento social ampliassem suas
percepções sobre a relação direta entre a realidade que vivem e o processo de constru-
ção sócio histórico e sociocultural. Pensei em trabalhar com eles a ideia de que a con-
dição de preconceito e negação à identidade Paiacu do Apodi hoje não se deu no vá-
cuo, mas foi um processo histórico moldado por ações que podem ter sido sistemati-
camente planejadas ou não.

85
DIÁLOGO FREIRIANO

O trabalho priorizou a superação da contradição entre opressor-oprimido,


para facilitar o rompimento das ideias discriminatórias e distorcidas de que os índios
foram totalmente exterminados. Esta ideia preconizou a cultura do opressor (coloni-
zador), fazendo prevalecer a ideia da inexistência do índio em nossa região. Nessa pre-
valência, há elementos que evidenciam favoravelmente a ocorrência do que Freire
(1996) analisa sobre a possibilidade de o oprimido seguir a tendência de preservar a
ideologia do opressor, querendo se parecer com este, aderindo aos seus costumes e
gostos.
É justamente nesse sentido que se defende a ideia de que, muitos ascendentes
da etnia Tapuia Paiacu, primeiros habitantes do território apodiense, vivem à margem
dos saberes sobre sua própria história. Diversas são as evidências encontradas a partir
da intervenção pedagógica trabalhada no processo de construção do meu trabalho de
Mestrado, mas, há também fatos cotidianos que indicam essa marginalização da his-
tória.
Essa constatação tem reforçado a ideia do preconceito, da discriminação e
do desconhecimento, até mesmo da ignorância de políticos que compõem os poderes
públicos sobre a consciência étnica necessária para poder se desenvolver ações afir-
mativas nas diversas instituições responsáveis por isso. É necessário um trabalho de
representação histórica, cultural e antropológica nesse sentido para que sejam ampli-
adas as concepções sobre a temática. A escola, o campo pedagógico e o tratamento
dado à didática da história indígena pode ser um caminho para disseminar esses co-
nhecimentos e saberes. A pedagogia freiriana é bem-vinda nesse contexto.

86
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Lei n° 9.394/96 de 20 de dezembro
de 1996. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1996.
CHAUI, M. Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária. Perseu Abramo, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17º ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
FREITAS, M. M. Relatos sobre o massacre de 70 índios na serra de Portalegre/RN:
argumentação em discursos de liderança indígena e alunos do ensino
fundamental. Pau dos Ferros, 2018, 297 fls. Dissertação (Mestrado Profissional em
Letras em rede nacional). Programa de Pós-Graduação em Letras, Campus Avançado
Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia, Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte.
LOWENTHAL, D. Como conhecemos o passado: Projeto História. Revista do
Programa de Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-
SP - Trabalhos da Memória, São Paulo, n. 17, p.63-202, novembro, 1998.
MONTEIRO, D. M. terra e trabalho em perspectiva histórica: um exemplo do sertão
nordestino (Portalegre RN). História Econômica & História de Empresas IV.2
2001. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/revista/index.php/rabphe/article/
view/146/162> Acesso em 25 de janeiro de 2018.
MOTA, N. Fundação do Apody. Manuscrito original em PDF (s/d).

87
RELATOS DE MEMÓRIAS REFLEXIVAS COM CONEXÕES
ENTRE O PASSADO E O PRESENTE DE MINHA EXPERIÊNCIA
PROFISSIONAL EM PAULO FREIRE

Carlos Roberto de Sousa 1

Gostaria de iniciar esse texto parabenizando toda a equipe editores por Diá-
logos Freiriano, junto com seus professores e profissionais da educação que carregam
consigo uma luta incansável de fazer educação nesse país, de contrastes e desafios po-
líticos, democráticos, educacionais e pedagógicos. Segundo destacar nosso grande pa-
trono da educação brasileira e mentor Paulo Freire com sua contribuição valiosa e
histórica para uma educação progressista, libertadora e crítica no pensamento peda-
gógico brasileiro. Gratidão.
Dando continuidade, gostaria de ressaltar como conheci Paulo Freire, mi-
nha relação com seu pensamento, bibliografias, suas teorias e métodos, seus conheci-
mentos e pesquisas e sua contribuição a uma prática escolar dotada de significados e
valias. Paulo Freire teve um grande significado para minha trajetória escolar, acadê-
mica e profissional. Quando estudante de Pedagogia na Universidade Estadual do Ce-
ará (UECE). Porém, só fui apresentado a leitura do mesmo em um seminário em 1995,
quando cursava o ensino normal pedagógico de nível médio para professor primário.
Fiquei maravilhado com alguns de seus pensamentos citados pela professora pales-
trante. Onde ressalto um deles: Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho,
os homens se educam em comunhão entre si. Fiquei maravilhado nessa perspectiva
socialista e ao mesmo tempo de humildade na relação de aprendizagem como bem
colocou Freire nessa citação. Trazendo um pensamento de liberdade e ao mesmo
tempo crítico do homem e mulher no contexto educacional. Aquele momento apesar
de ter sido curto, serviu de alerta sobre o que eu iria fazer na busca da curiosidade por
estudar mais sobre esse autor. Na época não tínhamos internet e nem material bibli-
ográfico disponível em bibliotecas sobre ele. Fiz-me contente, apenas com essa pales-
tra reflexiva de seu pensamento e biografia nesse encontro que já mencionei.

1
Professor Especialista em Psicopedagogia, Pedagogo, lotado na Universidade Estadual do Ceará (UECE),
na Faculdade de Educação de Itapipoca (FACEDI) no setor de ensino Educação Popular e Movimentos
Sociais. Email: carlos.roberto@uece.br
DIÁLOGO FREIRIANO

Quando aprovado no vestibular em 1997 para o curso de pedagogia na


UECE, não imaginava que ia encontrar vários professores conhecedores de Paulo
Freire e que tinham já um conhecimento vasto a seu respeito, fiquei apaixonado. Em
diálogos e discussões com os mesmos, dia a dia ia sendo introduzido e incentivado a
procurá lo para leituras e pesquisas. Desde então me tornei um eterno leitor Freiriano
e disseminador de seu pensamento, ideias e práticas. Ao adentrar a Universidade já
motivado e movido pelo desejo de conhecer cada vez mais freire me deparei com uma
vasta literatura dentro da biblioteca do curso de Pedagogia que já eram trabalhadas de
forma interdisciplinar por professores do curso em suas diversas ementas de discipli-
nas.
Nesse contexto fui construindo uma bagagem filosófica, pedagógica e soci-
ológica de Paulo Freire que seriam usadas mais na frente como futuro professor da
rede municipal de ensino de Itapipoca, Ceará. Nessa perspectiva cronológica no ano
1998 passo a trabalhar com Educação de Jovens e adultos como professor municipal.
Aqui tive a oportunidade de interagir teoria e prática no processo de alfabetização de
adultos. Momento rico em meu crescimento profissional. Passamos por formações e
capacitações já na linha pedagógica freiriana e seu método de alfabetização e de en-
sino, além de textos do livro Pedagogia do oprimido, onde foi colocado as dimensões
da educação bancária e libertadora na educação. Nessa formação recebi um exemplar
que tenho até hoje, uma edição de bolso do livro Pedagogia da Autonomia lançado
em 1997. Época que ainda estudava Pedagogia e que recebi a notícia de sua partida
para a dimensão espiritual e morada eterna. Momento de tristeza e comoção por saber
de seu legado e de minha admiração pessoal por suas ideias e ensinamentos.
Paulo Freire foi aos poucos sendo minha referência pedagógica e crítica que
ia solidificando a minha trajetória acadêmica e profissional. Ainda dessa memória
pessoal e coletiva fui fundamentado e lapidado no pensamento freiriano por toda mi-
nha formação dentro do curso de Pedagogia, onde nunca mais parei de estuda lo, pes-
quisar sobre suas obras e sobre o que produziram sobre ele. Como estudante fui par-
ticipativo, militante e dialoguei com os movimentos dentro da universidade e fora
dela. Não fui doutrinado e muito menos fui doutrinador por conhecer seus pensa-
mentos e obras. Muito pelo contrário, Freire contribuiu com um pensamento para o
debate, pois o mesmo denunciou as desigualdades sociais, criticou os currículos en-
gessados e elitistas que legitimavam a burguesia dominante detentora de um saber que
só servisse a elas, defendeu uma educação popular, uma escola cidadã de oportunida-
des para os menos favorecidos e marginalizados, oprimidos e sofredores vítimas de
um sistema da opressão. Paulo Freire debateu o debate de uma educação libertadora

90
DIÁLOGO FREIRIANO

das amarras e correntes da opressão. Fez uma solidariedade com as pessoas e defendia
o desenvolvimento pela inclusão e igualdade de oportunidades tendo a educação
como bandeira de luta e processo transformador.
Portanto, foi nesse contexto que fui apresentado a Paulo Freire. Enquanto
estudante, militante e a posterior como professor do município, atuando na área de
alfabetização de adultos, praticando o que aprendia na Faculdade e refletindo isso na
minha prática pedagógica de sala de aula. Confrontando as ideias com a prática. Vi-
venciando seu método no debate e círculos de aprendizagem em sala de aula. Na lei-
tura de textos de suas obras de referência, socializando os mesmos no dia a dia.
Assim nesse contexto fui sendo seu discípulo. Em todos os níveis de ensino
onde passava ia influenciando sua práxis a minhas vivências e a dos outros. Em mo-
mentos de docência com crianças, adolescentes ou adultos e em outros momentos
como gestor pedagógico em secretaria de educação e atualmente em gestão de escola
pública. O legado de Paulo Freire se consolidou as nossas vivências e hoje não pode
ser vista como algo opcional na educação. O pensamento de Freire é validado e faz
parte do modo de fazer e acontecer da educação em uma escola democrática e verda-
deiramente popular. Não dá para dizer se gosto ou não gosto de Paulo Freire. Consi-
dero o mesmo como obrigatório, sem impor, lógico a formação de professores. Con-
cepções pedagógicas intrinsecamente viáveis a um ensino significativo e real.
Portanto, falar de Paulo freire me remete sempre a essas boas memórias. Mi-
nha trajetória estudantil e minha atuação profissional como professor municipal.
A contribuição de Freire a minha prática e a minha formação se consolida
com uma realidade atual de minha atuação profissional. Seu pensamento e obras e
suas temáticas propostas, me deixam muito feliz. Não por achar a tentativa de esgota-
ló, porém pelo sentido provocador e refletivo com que os mesmos nos proporciona-
ram dialogar com a ajuda de renomados professores e intelectuais com propriedade
em provocar o assunto. Fazendo, portanto interconexões com a teoria e a prática, le-
vando ao encontro de nossa realidade profissional docente ou não.
Faço questão de colocar nesse texto a delícia das principais temáticas deba-
tidas e problematizadas por Freire e seus admiradores, como uma das temáticas é a
escola cidadã que segundo autores ressalta que a Escola Cidadã é aquela que se as-
sume como um centro de direitos, como um centro de deveres. O que a caracteriza é
a formação para a cidadania. A Escola Cidadã, então, é a escola que viabiliza a cidada-
nia de quem está nela e de quem vem a ela. Ela não pode ser uma escola cidadã em si
e para si. Ela é cidadã na medida em que se exercita na construção de quem usa o seu
espaço. A Escola Cidadã é uma escola coerente com a liberdade, que, brigando para

91
DIÁLOGO FREIRIANO

ser ela mesma, viabiliza ou luta para que os educandos e educadores também sejam
eles mesmos. E como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma escola de comuni-
dade, de companheirismo. É uma escola que não pode ser jamais licenciosa nem ja-
mais autoritária. É uma Escola que vive a experiência tensa da democracia.
Assim trazendo para o nosso contexto, a escola cidadã, é a nossa escola. A
escola da essência do povo. Sem essa escola as oportunidades do povo continuam
aquém de mudanças, de busca de seus direitos. Se não existir essa escola a perpetuação
das desigualdades se eternizam e se naturalizam no sistema capitalista como normal
de existir. Como educadores Freirianos não podemos permitir que anomalias e frag-
mentações da educação adentrem essa escola. Que retrocessos e precarizações sociais
sejam retomados.
Foi, portanto, fazendo essa reflexão que fui interagindo com seu pensa-
mento, construindo esse texto e resgatando como e onde conheci Freire, fazendo esse
intercâmbio de memórias. Assim podemos citar autores freiriano e fazermos mais re-
flexões
Na primeira reflexão destaco o Prof. Gadotti como o Educar, conviver e o
transformar é fundamental na escola cidadã. Sem esses elementos somos prisioneiros
da opressão e das amarras atuais da escola que luta e briga por espaços democráticos,
por companheirismo e interação com a comunidade em geral. Ainda o professor res-
salta a contribuição de Paulo Freire no inicio de sua trajetória por essa escola pública
e popular, ou seja, do povo. Gadotti relata ainda as lutas de Paulo Freire junto com
seus pares nesse movimento que resultou em sua perseguição do governo autoritário
e ditador na época. Porém sua história e lutas permaneceram e deram frutos de resis-
tência. Ainda fala Moacir das experiências de sucesso e cidadania de várias escolas que
se mantiveram e existem no nosso Brasil, além os saberes da educação popular e de
praticas e lutas por uma educação com qualidade sociocultural e socioambiental. E
por fim que a escola cidadã não deve ser vista como mercadoria, porém como direito
do cidadão.
Na segunda reflexão, destaco Paulo Roberto Padilha, com outras caracterís-
ticas da escola cidadã que digamos assim, precisamos sempre está atento, pois esses
valores são essenciais para o existir dessa escola aberta e democrática. Assim educar
com criatividade, alegria e esperança, tornam se movimentos vivos da educação como
um ato político. Destaca ainda o método de Paulo Freire como fundamental para os
círculos de cultura e debates de palavras geradoras como emancipação, humanização,
criatividade, arte, saberes, alegria e esperanças. Padilha faz uma críticas aos retrocessos
educacionais da escola sem partido, parodiano músicas importantes e reflexivas a

92
DIÁLOGO FREIRIANO

nossa prática educação. Fala que a escola deve ser um espaço de alegria e prazer, onde
todos possam existir e coexistir em interação com todos os envolvidos, mostrando
que é possível superar o silêncio e medo, com práticas dialógicas, interativas, criativas,
ousadas e esperançosas, juntando arte e ciência.
Na terceira reflexão falo de Angela Biz que defende um educar com partici-
pação e diálogo na escola cidadã, onde a mesma destaca que a escola cidadã é aquela
que viabiliza a cidadania, destacando a gestão democrática e seus diversos sujeitos da
aprendizagem, incluindo os segmentos e setores colegiados como o conselho de classe
e o conselho de escola e seus representantes da escola e fora dela como pais, alunos,
professores, funcionários e gestores. Ressalta a importância do projeto político peda-
gógico e as tomadas de decisões nesse espaço democrático e educativo. Incentiva a
participação dos alunos em grêmios escolares e a importância da autonomia. Fala de
uma escola acolhedora, interativa e dialógica com canais de escutas e incentivos desde
cedo da participação das crianças e jovens no exercício dessa cidadania participativa.
Assim como Paulo Freire ressaltou a escola cidadã e popular deve existir em prol da
comunidade escolar em um processo de educação onde se exerça a solidariedade e a
interatividade de forma coletiva.
E por fim, a quarta e último reflexão nesse relato de memórias ressalto
Paulo Freira e a escola Cidadã, como um movimento vivo, com espaços democráticos
e significativos. Uma escola construída ou forjada a partir da realidade dos alunos e
da comunidade, da leitura de mundo proposta por Paulo Freire. Uma escola contex-
tualizada na tematização de conhecimentos e ideias com a possibilidade de problema-
tizar essa realidade e propor alternativas de mudanças e que pelo o diálogo se tenha
voz e vez de participar, opinar, debater, argumentar e existir. Nunca a cultura do si-
lêncio. Deve se valorizar a participação dos diferentes sujeitos, com respeito aos direi-
tos humanos e a diversidades, além de ter a responsabilidade de preparar o cidadão
para o mundo do trabalho e para viver em coletividade. Assim as mesmas frisam que
a escola cidadã deve ser pública, estatal e democrática.
Relato portanto, agora uma segunda etapa de reflexão de Paulo freire que é
minha experiência profissional atual. Exerço a docência no ensino superior como pro-
fessor substituto do curso de Pedagogia da UECE desde 2012, Universidade que con-
clui meu curso de graduação. Estou nessa experiência há quase sete anos ministrando
aulas no curso de Pedagogia. Minha lotação inicial foi para o setor de ensino teorias
da educação e prática de ensino, no qual ministrei aulas de Didática. Nesse contexto
tive a oportunidade de trabalhar o livro a escola cidadã de Gadotti, aprofundando o
debate que hora é resgatado nessa jornada, sobre os desafios de ensinar e aprender na

93
DIÁLOGO FREIRIANO

escola popular e pública. Foram debates interessantes e fundamentais a retomada das


ideias freirianas nessa disciplina de didática. Outro conteúdo debatido pelos alunos
foi a proposta de educação a partir do livro pedagogia do oprimido. Foi realizado me-
sas redondas em círculos de culturas em sala de aula debatendo as duas concepções
metodológicas de aulas: a educação bancária e a educação libertadora ou transforma-
dora. Fizemos um contraponto e construímos propostas viáveis de ensino nas relações
do trabalho pedagógico e didático entre professor e aluno no processo de ensino e
aprendizagem, ressaltando e criticando a educação bancária como tradicional e con-
servadora de práticas passivas e não interativas e uma outra proposta de educação
ativa, participativa e crítica dos alunos perante a realidade do ensino e do professor.
Por fim, como amante de Paulo Freire, como terceiro conteúdo ressaltamos as ten-
dências pedagógicas nas ideias educacionais brasileira. Assim destacamos a pedagogia
progressista de Freire nas tendências libertadora e libertária na didática e história da
educação e da pedagogia. Mostramos um paralelo entre elas e as pedagogias liberais
entre as quais esta a tradicional criticada por Freira na educação bancária.
Hoje estou em um outro setor de ensino, após outra seleção nesta mesma
universidade: movimentos sociais, educação popular e ecologia. Foi exatamente aqui
que encontrei oásis para trabalhar com Paulo Freire. Ministro essa disciplina, onde
realizamos debates e mesas redondas ricas e fundamentais nos dias atuais. Onde esta-
mos borbadeados pela mídia de ameaças políticas de expurgar ou exilar novamente
Paulo Freira da Educação Brasileira. Fazemos um trabalho constante de expandir os
conhecimentos e pensamente de Paulo Freire, socializar suas obras nas redes sociais e
divulgar seu trabalho, que foi um marco referencial da educação no Brasil.
Também sou gestor de escola pública e procuro relacionar minhas práticas
administrativas e de gestão aos seus conhecimentos e posturas críticas, fazendo dessa
escola onde atuo como gestor espaço democrático de trocas de saberes, vivencias com
as famílias e a comunidade. Espaço aberto de cidadania. Ressalto essa realidade com
muita satisfação e acredito que sou privilegiado, pois construi minha história freiriana
como estudante e tenho hoje a oportunidade de vivencia lá com minha prática edu-
cativa tanto na docência superior como na escola de educação básica.
Portanto, finalizo essas considerações reflexivas fazendo essas conexões de
minha experiência profissional docente e em gestão escolar com essa rica aprendiza-
gem que aprendi nessa jornada pedagógica, tendo como pano de fundo a grande fi-
gura de Paulo Freire e sua bandeira de luta que é a escola com sua educação que pre-
cisa ser libertadora e transformadora da realidade, democrática e participativa, onde

94
DIÁLOGO FREIRIANO

devemos unir o educar com o conviver, transformar, com criatividade, alegria e espe-
rança, com participação e diálogo além de ter sentido e vida para todos. Pois falar de
Paulo Freire é interagir com o olhar da história e da memória da educação brasileira.
Assim parafraseando o mestre Paulo Freire: educar é impregnar de sentido o que fa-
zemos a cada instante . Assim falar da escola Freiriana é da sentido a tudo que possa
existir na busca dessa sociedade melhor, dessa escola melhor. Desse cidadão melhor.

95
POR UMA EDUCAÇÃO PARA O ENVOLVIMENTO DO SER

Ronaldo Ferreira Pinheiro 1

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.


Rubem Alves

Introdução
O presente relato de experiência tem como objetivo dar conhecimento à so-
ciedade sobre uma experiência de campo e prática de ensino realizada com os alunos
do Projeto Mundiar em uma visita ao lixão do município de Tucuruí. O Projeto Mun-
diar consiste numa parceria firmada entre a fundação Roberto Marinho e a Secretaria
de Estado de Educação do Estado do Pará (Seduc-PA). O projeto é inovador dentro
do Estado do Pará. Contudo, ele já existe em outros estados do país com nomes dife-
rentes, mas objetivos semelhantes no que tange a combater a distorção. A principal
base teórica do relato é o artigo de Pinheiro (2019), que mencionaremos no decorrer
do texto.
Conforme Pinheiro (2019) o cenário em que nasce o Projeto Mundiar apre-
senta um Estado do Pará com graves condições educacionais comparado ao restante
do país. Em 2013, conforme dados do Inep (2013) 54% da população possuía Ensino
Fundamental e apenas 40% dos jovens de 16 anos que concluíram essa modalidade.
No Ensino Médio, o percentual de jovens de até 19 anos que concluíram essa moda-
lidade de ensino somava 31%. Cerca de 350 mil jovens de 15 a 17 anos estavam fora
da escola e o IDEB da Rede de Educação do Pará, tanto para o Ensino Fundamental
como para o Ensino Médio, era um dos mais baixos do país. Em boa medida, tais re-
sultados derivam da deficiência da formação inicial dos professores da rede. Somente
55% possuíam Ensino Médio e apenas 42% daqueles que lecionam no Ensino Funda-
mental tinham formação superior.
Os dados apontados no Termo de Referência da Seduc e para implantação
de projeto de correção da distorção idade-série revelam que 42% dos alunos do Ensino

1
Licenciado em Filosofia, Especialista em Gestão de programas de Reforma Agrária e Assentamento,
Filosofia Contemporânea e História, docência do Ensino Superior. Professor Unidocente do Projeto
Mundiar na SEDUC-PA, Tucuruí Pará. E-mail: ronaldo.fpinheiro@escola.seduc.pa.gov.br
DIÁLOGO FREIRIANO

Fundamental e 58% dos alunos do Ensino Médio estavam fora da faixa de escolariza-
ção desejável.
Conforme Pinheiro (2019) na intenção de reverter esse quadro, a Secretaria
da Educação do Estado do Pará buscou organizar uma proposta pedagógica que pos-
sibilitasse a esses estudantes avançar no seu percurso escolar, através da aceleração de
estudos, nos termos do disposto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei no. 9.394/1996 Art. 24, inciso V, alínea b), quando se refere explicitamente à
aceleração de estudos no tratamento da ênfase à avaliação da aprendizagem e seu elo
com a progressão escolar, a partir do rendimento escolar, eliminando os repetidos ci-
clos de reprovação.
No Ensino Médio, busca-se que este estudante possa concluir sua escolari-
zação básica, e consequentemente possa fortalecer a recomposição de competências e
habilidades, que validam as disposições para aumento da autoestima e o desejo de re-
alizar seus projetos pessoais. Quanto à escola, pretende-se que o desenvolvimento des-
sas ações contribua para a quebra dos ciclos de reprovações e repetências que inevita-
velmente conduzem ao fracasso escolar. Então, neste cenário nasce o Projeto Mun-
diar. Que se utiliza da Metodologia Telessala que aponta para uma educação focada
no desenvolvimento do Ser .
Dentre as inúmeras experiências exitosas do Projeto Mundiar aqui relata-
mos a ida dos alunos ao lixão do município de Tucuruí, Sudeste Paraense. De uma
turma com 28 alunos regularmente matriculados e frequentes, compareceram a visita
15 alunos. Os demais não foram por motivos de trabalhos ou falta de condições, veí-
culo para o referido deslocamento.
A ação teve como principal foco o desenvolvimento do eixo do módulo dois
respondendo a indagação onde estou? e também fazer uma relação com as outras
disciplinas, neste período a turma já estava entrando no terceiro módulo com a disci-
plina de Química e também puderam fazer uma reflexão sobre os impactos ambien-
tais e a própria história da região. As etapas da ação foram primeiramente uma visita
prévia do professor ao local e mais quatro alunos, depois a arrecadação de roupas e
alimentos. Na sequência a visita com os 15 alunos e depois debate em ala de aula sobre
a experiência, produção de um memorial de relatos e por último a frustrada tentativa
de implementar um projeto de alfabetização.

Relato de experiências
A educação é uma fabulosa ferramenta, que os homens criaram, para trans-
mitir às novas gerações o seu saber. Mais do que transmitir esse saber, como nos

98
DIÁLOGO FREIRIANO

afirma Brandão (2007, p. 11), ela ajuda a pensar tipos de homens. Mais do que isso,
ela ajuda a criá-los, através de passar de uns para os outros o saber que os constitui e
legitima.
Fazer educação no século XXI tem sido desafiador, pois como nos fala Pi-
nheiro (2006, p. 12) vivemos uma época de órfãos políticos da nação, que na verdade
são crianças que mamaram lágrimas (órfãos de poder, filhos do sofrimento e da mi-
séria). Diante deste cenário nos cabe repensar nossas práticas educacionais. Pois a
nossa geração tem se deparado com uma realidade em que o problema se reflete na
alma do homem e no seu habitat.
A humanidade, nos últimos 80 anos, evoluiu de maneira incomparável, con-
tudo, na mesma proporção em que evoluímos materialmente degringolamos espiri-
tual e eticamente escreve Pinheiro (2006, p. 13) assim, precisamos refletir a trajetória
existencial da humanidade e nada melhor para isso do que fazermos uma reflexão do
saber mediante as indagações O que eu tinha? , O que eu tenho? e O que eu
quero?
Urge repensarmos nossas atitudes racionais, mas sobretudo: como temos
usufruído e aplicado esta razão? Pois, a cada dia ela tem sido insuficiente para dirimir
nossos problemas existenciais. Desta forma, os homens - disse o pequeno príncipe -
embarcam nos trens, mas não sabem mais que procuram. Então eles se agitam, sem
saber para onde ir [...] cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim [...] e não encon-
tram o que procuravam [...] os olhos são cegos é preciso ver com o coração[...]
(SAINT-EXUPÉRY, 2009, p. 78-79).
A educação (formal e informal) durante muitos séculos nos deu segurança
quanto ao que esperar do futuro. Mas agora ela precisa ser repensada, não apenas
como um produto da inteligência racional, mas também da inteligência emocional.
A verdadeira fonte das dificuldades na sala de aula está na questão dos relacionamen-
tos e da busca dos alunos por reconhecimento e aceitação. (SHINYASHIKI, 2011, p.
23).
A educação pode salvaguardar o futuro da humanidade, se conseguir ver e
tratar o ser humano de maneira holística, como um todo, emocional, racional e espi-
ritual. Pois, a crise de hoje é fruto de uma crise espiritual. (PINHEIRO, 2006, p. 48).
Desta forma, o cuidado com o Ser deve ser tarefa primordial da educação, pois sem
o cuidado o ser humano estará fadado ao fracasso. (PINHEIRO, 2006, p. 48).
Mediante tais reflexões que passamos a acreditar em uma educação para o
envolvimento do ser, da pessoa humana , que é proposta do Projeto Mundiar, con-
forme dados do Portal da Secretaria de Educação do Estado do Pará (SEDUC, 2015),

99
DIÁLOGO FREIRIANO

desenvolvido em parceria com a Fundação Roberto Marinho, o objetivo principal é


acelerar a aprendizagem corrigindo o fluxo dos estudantes em distorção idade-série.
O Projeto Mundiar se apresenta como opção inovadora de emancipação do
Ser , por meio do cuidado, cuidar do ser , na valorização da inteligência emocional,
sobretudo buscando o desenvolvimento do aluno, não apenas do ponto de vista inte-
lectual, mas como um todo, formando cidadãos críticos, criativos e participativos.
Figura 1- Alunos do Projeto Mundiar - Noite - Turma M2NM01

O fio norteador do Projeto Mundiar se faz como diferencial ao apresentar


eixos temáticos em quatro módulos semestrais voltados à uma educação para o de-
senvolvimento do ser . Como nos informa Pinheiro (2019) primeiramente, abor-
dando o ser humano e a sua expressão , quem sou eu? , valorizando a construção
de uma identidade, a do aluno, que é pessoa antes de ser sujeito .
O segundo módulo traz o tema do ser humano interagindo com o espaço ,
focando aqui na contextualização da identidade, ampliando a cosmovisão do ser ao
indagar onde estou? Assim, o ser pode refletir sua identidade inserida em um con-
texto; se é alguém, o é em algum lugar, em algum território.
O terceiro módulo traz a reflexão sobre o ser humano em ação. Pois, o ser,
quando ele é, sobretudo, é humano, ele não é estático, ele age, por isto ele se pergunta
para onde vou? , é o ser que molda a própria história, reescrevendo a sua vida e tra-
çando um futuro melhor para si e para os seus como protagonista.

100
DIÁLOGO FREIRIANO

Figura 2- Eixo 1 - Marinho (2013. p. 119) Figura 3- Eixo 2 - Marinho (2013. p. 119)

A última etapa, o quarto módulo, vem falar de missão, protagonismo e cida-


dania: aborda sobre o ser humano e a sua participação social. Vendo a pessoa como
agente de mudanças, indagando ao aluno qual a minha missão no mundo? Pois, não
basta ser alguém, estar em algum lugar e saber para onde ir, mas é preciso agir, sendo
sujeito de sua própria história, sendo o protagonista e não um mero coadjuvante de
sua existência.
Figura 4- Eixo 3 - Marinho (2013. p. 119) Figura 5- Eixo 4 - Marinho (2013. p. 119)

Desta forma, o Projeto Mundiar aponta para um ideal de educação focado


no ser , na pessoa humana . Pois, com professores motivados para atuarem como
mediadores pedagógicos, a sala de aula se transforma num espaço onde a complexa
realidade do estudante, seus saberes e seus fazeres são tomados como ponto de partida
para reflexão, releitura e construção de significados. (MARINHO, 2013, p. 142)
O grande compromisso, também, é com o desenvolvimento da autoestima e
da autocrítica, focando tanto no educador como no educando. Tecendo aqui o desen-
volvimento do ser e da pessoa por completo; tendo como alma da estratégia o
cuidador do ser . É pelo cuidado que ele mantém essas polaridades unidas e faz delas
material da construção de sua existência no mundo e na história, por isso o cuidado é
essencial. (BOFF, 2004, p. 67).

101
DIÁLOGO FREIRIANO

Dentro do projeto Mundiar na turma de 2016, quando estávamos cursando


o segundo módulo, em função da reflexão do ser humano interagindo com o espaço,
focando aqui na contextualização da identidade, ampliando a cosmovisão do ser ao
indagar onde estou? e na disciplina de Sociologia e Geografia, fomos em uma visita
no lixão do município. Para nossa surpresa encontramos 17 famílias residentes no
local. Foi um impacto para a maioria dos alunos verem que 17 famílias sobreviviam
daquilo que achavam que não serviria para mais nada, o seu lixo.
A visita no lixão foi um diferencial na vida daqueles alunos, inicialmente foi
tudo uma grande aventura. Um trajeto de aproximadamente uns 18 quilômetros dis-
tante da zona urbana, contornando o belíssimo lago da UHE Tucuruí, para então che-
garmos ao local. Estávamos todos em motocicletas. O grupo consistia de 15 pessoas,
o professor da turma, a supervisora pedagógica e um grupo de 13 alunos do Projeto
Mundiar da turma de 2016 noturna, da Escola Estadual de Ensino Médio Deputado
Raimundo Ribeiro de Souza.
Figura 6- Foto da parada no caminho rumo ao Lixão.

A medida que nos aproximávamos do local se ia percebendo o sorriso dos


alunos desfalecendo, pois era um cenário de abandono e destruição, uma verdadeira
contradição, por uma lado a fantástica paisagem do belíssimo lago da UHE Tucuruí,
e do outro o lixo jogado a céu aberto, na beira da estrada, já começava a calamidade
mesmo há uns três quilômetros antes do ponto culminante. Era de doer o coração.
Figura 7- foto, lixo jogado a beira da estrada.

102
DIÁLOGO FREIRIANO

Quando chegamos ao local definido, onde todo o lixo da cidade era despe-
jado de qualquer maneira e as pessoas competiam catando o que dava para recolher,
pois dali dependeria sua sobrevivência. Eram 17 famílias, com um percentual de mais
de 30 pessoas, sendo destas 16 analfabetas e 6 crianças menores de 13 anos em idade
escolar, longe da escola, residindo ali no lixão. Para os alunos do Projeto Mundiar,
mesmo que a maioria fosse oriunda de classes menos favorecidas socialmente, aquilo
era uma cena muito forte.
Figura 8 - Foto no lixão - senhor catando lixo

Figura 9 - Foto no lixão- caminhões despejando lixo.

Figura 10 - Foto- alimentos sendo preparados de maneira rústica.

103
DIÁLOGO FREIRIANO

Figura 11 - Foto no lixão - caminhões despejando mais lixo.

Figura 12 - Mapa- Trajeto da Escola até o Lixão.

O lixão está localizado próximo a dois igarapés que descem para dentro do
lago. A área é inadequada para depósito de lixo, não há nenhum tratamento ou seleção
adequada do lixo, os residentes do lixão separam o que pode ser vendido e o restante
é deixando a mercê da própria natureza, se ela quiser que se encarregue de resolver o
problema criado pelos seres humanos.
O percurso da Escola até o lixão totaliza 18.8 quilômetros. Fica distante da
cidade e consequentemente da escola para um município pequeno do interior são
grandes distâncias. No entanto, a proximidade do lixão para com as águas, tanto de
igarapés como do lago da UHE Tucuruí não exime a população de contaminação.
No momento de diálogo e interação com as famílias residentes no lixão,
muitos deles não quiseram aparecer nas fotos, a maioria das pessoas que ali residem
demonstram sentirem-se envergonhados de sua condição de vida. Tivemos um en-
contro formidável com um senhor de mais de 60 (sessenta) anos a quem denomina-
remos de Seu Francisco .
Andando pelo local, explorando a área, não demorou muito, nos deparamos
com uma casa de restos de madeira misturados com lona e material velho de constru-
ção, era meio torta, desajeitada e nada confortável, estava um pouco escondida atrás

104
DIÁLOGO FREIRIANO

de uma fileira de casas mais à frente. No entanto aquela casa nos chamou atenção pela
quantidade de livros que se acumulava em suas proximidades.
Figura 13- Foto- Barraco onde reside Seu Francisco

Figura 14- Foto Seu Francisco

Não demorou muito apareceu o proprietário daquela casa. Que veio checar
os inúmeros estranhos se achegando ao seu humilde território. Um senhor muito
educado e de muito bom jeito nos cumprimentou e disse que ficássemos à vontade.
Nisso, uma outra moradora já havia servido um café aos visitantes naquele inóspito
mundo, café oriundo do lixo, mas preparado com muito zelo e amor.
Tomando café, sentando a beira daquele barraco, em pleno sol equatorial
das 15 horas, fomos enfeitiçados pelas histórias de Seu Francisco , conduzidos a uma
gostosa conversa, mas ainda nos intrigava o porquê daqueles livros, quando fomos

105
DIÁLOGO FREIRIANO

convidados a entrar no barraco, percebemos que em ralação ao que tinha guardado lá


dentro o que está fora era insignificante. Imaginávamos, deve ser um leitor incrível e
voraz, nas horas vagas deverá ler cada um.
Depois de muita conversa começamos a fazer algumas perguntas e seu
Francisco ia nos respondendo. Percebendo um diálogo já bem firmado e estabele-
cido, então indaguei: seu Francisco se o senhor ganhasse na megassena hoje2 qual a
primeira coisa que faria? A resposta daquele senhor foi uma das maiores lições de mi-
nha vida.
Respondeu Seu Francisco a ´primeira coisa que eu ia fazer é pagar uma
professora para me ensinar a ler e a escrever, pois eu só estou aqui nesse buraco de
mundo porque eu não sei ler e nem escrever.
Pasmem, naquele momento não pude me conter, olhei meus alunos que
emudeceram, a coordenadora pedagógica que me acompanhava também ficou muda,
e o aluno que filmava esqueceu de filmar. Afinal de contas, aquele colecionador de
livros nem mesmo sabia ler, mas já havia lido a muito tempo a palavramundo de
que Paulo Freire (1989, p. 11) nos ensina em sua obra. Eunice continuou e aprofun-
dou o trabalho de meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais
significou uma ruptura com a leitura do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a
leitura da .
Naquele momento, imóvel, diante de seu Francisco eu havia entendido o
que Paulo Freire estava querendo dizer quando se referiu a leitura da palavramundo .
Embora não soubesse decodificar palavras, mas aquele homem era um leitor formi-
dável de experiências da vida, sabia selecionar os tipos de plásticos que podiam ser
vendidos, sabia da importância da educação, sabia que era merecedor de uma vida
digna. Enquanto meus alunos lembravam das aulas de Química e diziam este é polí-
mero, este é termofixo, Seu Francisco dizia, este aqui é bom para reciclar, pagam
bem, este aqui é muito duro não serve, não querem nos comprar dele.
Todos estavam lendo a mesma realidade estapafúrdia, mas cada um a lia ao
seu modo. Seu Francisco nos ensinou uma das maiores lições de nossa vida. Depois
continuou contando suas histórias. Explicou-nos o motivo de não ter estudado. Ori-
undo de família pobre, seis filhos. O pai aleatoriamente selecionou 3 (três) filhos
(sendo 2 meninas e 1 menino) para frequentarem a escola e aprenderem a ler, os ou-
tros três filhos (homens) foram designados para permanecerem na roça ajudando ao
pai.

2
No referido período estava acumulada e o prêmio era muito alto.

106
DIÁLOGO FREIRIANO

Nos conta seu Francisco que os três que tiverem a oportunidade de estudar
estão bem de vida, uma é advogada em Brasília, outra está muito bem empregada em
Teresina, e os três que não estudaram estão jogados pelos confins do mundo. Ele es-
tava naquele lixão.
Também nos contou que uma vez estava na rua trabalhando no serviço de
limpeza pública e enquanto varria a rua, uma mãe o olha, vira para uma criança e diz:
- está vendo, se você não estudar, vai ficar na rua catando bosta de cachorro igual
aquele homem. Para Seu Francisco foram muito duras aquelas palavras, afirma que
doeu muito, mas mesmo assim ainda não tinha tido oportunidade de aprender a ler e
a escrever.
Figura 15- Foto - Seu Francisco .

Nos falou de sua dificuldade de se comunicar com os parentes, tinha muita


fé em cartas. Pedia as pessoas para escreverem as cartas, mas reclama, sempre faziam
de má vontade, ou relutavam em fazer, mesmo ele se dispondo a pagar pelo serviço.
Aquilo o entristecia muito. A conversa durou um bom tempo. Aprendemos muito
com a vida e com as palavras daquele singelo homem tomado pela sabedoria da vida.
Retornamos algumas outras vezes naquele local inóspito, levamos roupas,
comidas, aqueles alunos que presenciaram tudo aquilo mudaram de vida. Nos unimos
e propomos um projeto de alfabetização para seu e os demais moradores
do lixão que também eram analfabetos, mas não conseguimos, não avançou por falta
de apoio, pois a maioria dos alunos não tinham condições de ir até o local, faltava
material e tantos outros empecilhos, nadamos e morremos na praia . Só não se per-
deu tudo porque aquela aula de seu Francisco ficou guardada em nossas vidas para
sempre.
Aquele senhor, de poucos cabelos, usando um boné velho para proteger-se
do sol, a sua pele escura, queimada do sol, seu braço esquerdo caído, havia perdido o

107
DIÁLOGO FREIRIANO

movimento do braço em uma vez que tentaram lhe roubar e lhe atingiram o braço
com um facão o eu lhe deixou os movimentos limitados naquele membro. Seus olhos
cansados nos olhavam um a um atentamente, mas seus sorrio sempre altivo e sua fala
mansa a nos ensinar. Naquele dia, esse homem foi o professor, um sábio professor.
Nos ensinou que todo livro que achava ele guardava, pois mesmo não sa-
bendo ler, ele acreditava que aquilo era de grande valor e que um dia serviria muito
para alguém. Sua fé na educação era forte, acreditava nela como agente de transfor-
mação, como ferramenta de libertação do homem. Conforme nos fala Paulo Freire
(1987, p, 38) a mera aprendizagem da leitura e da escrita não faz milagres. Aqui se
faz notório a lição de que a leitura não é apenas um mero ato de decodificar palavras,
mas de ler o mundo, fazer a leitura da palavramundo .
Aqui entendemos a contribuição de Freire (1987, p. 39) os analfabetos ou
não, os oprimidos, enquanto classe, não superarão sua situação de explorados a não
ser a transformação radical, revolucionária, da sociedade de classes em que se encon-
tram explorados. Aqui a palavra aparece como ferramenta para libertação, aprender
a ler e escrever já não é, pois, memorizar sílabas, palavras ou frases, mas refletir criti-
camente sobre o próprio processo de ler e escrever e sobre o profundo significado da
linguagem. (FREIRE, 1987, p. 40).
A grande aprendizagem que Seu Francisco no dá é a de que a palavra hu-
mana é mais que um mero vocábulo é palavração. (FREIRE, 1987, p. 40). Por mais
que o sonho platônico de Seu Francisco seja aprender a ler e a escrever, eu e os alu-
nos que ali estávamos aprendemos com este incrível senhor, uma primorosa lição:
aprendemos a ler o mundo. Aqueles alunos puderam ver que sabiam decodificar pa-
lavras, mas que ainda precisavam fazer a leitura revolucionária, fazer a leituração ,
fazer a leitura da palavramundo .
Aquele senhor havia percebido que tinha sido privado de uma vida digna
por não ter tido acesso ao letramento, os alunos em debate na sala de aula, posterior-
mente ao ocorrido, levantaram uma discussão sobre o assunto e suas concepções mu-
daram, sua vida mudou, fizeram a reflexão da palavra e na palavra. Compartilharam
seu entendimento e sua experiência com os demais alunos que não foram ao lixão.
Mesmo assim também aprenderam.
Uma outra discussão que tivemos depois da visita ao lixão e ao ver as fotos
dentro da sala de aula fomos motivados a pensar que compreender-se como ser hu-
mano é perceber a necessidade de se buscar um paradigma superior e uma nova ética
que compreende: saber cuidar; saber fazer transações ganha-ganha; saber conversar.

108
DIÁLOGO FREIRIANO

Assim, conforme Bernardo Toro (2011) o cuidado, hoje, não é uma opção, ou apren-
demos a cuidar ou pereceremos todos .

Considerações finais
Desta experiência incrível trago aqui as palavras do saudoso Paulo Freire
(2017, p. 60) citado pelo atualíssimo professor Walter Kohan (2019, p. 15) em que nos
afirma sempre digo que a única maneira que alguém tem de aplicar, no seu contexto,
alguma das proposições que fiz é exatamente refazer-me, quer dizer, não seguir-me.
Para seguir-me, o fundamental e não seguir-me. Sempre ouvi falar de Paulo Freire,
mas nunca me interessei por buscar uma profundidade, até que um dia em uma for-
mação no Rio de Janeiro no ano de 2017, encontrei-me com Ângela Biz Antunes, e
ela me prometeu que eu ia mudar a respeito de minha concepção sobre Paulo Freire.
No ano passado, tive o privilégio de participar de um projeto maravilhoso,
365 dias com Paulo Freire , era tudo que precisava, pois minha critica era exatamente
na práxis da metodologia Freiriana, mas na Leitura de Cartas a Cristina, pude perce-
ber que tudo que eu não encontrava em Paulo Freire, na verdade estava em Paulo
Freire, não estava era em aplicadores de métodos equivocados que atribuíam a Freire.
Então descobri que tudo o que eu mais acreditava em educação, concordá-
vamos, Freire (um gigante) e eu (um mero aprendiz coadjuvante). Aqui cito nesta
obra maravilhosa denominada 365 dias com Paulo Freire, no centro desta teoria
Freire coloca o sentido de olhar para o ser humano como homem (lat. homine) e não
como coisa (lat. rem), ou como um simples operário, mas olhar para este como pessoa
(hominem), como ser, ser humano. Aqui percebemos a importância que Freire dá ao
ser humano ao escrever e olhar com tanto apreço e carinho para Cristina, que poderia
ser qualquer de nossos estimados alunos em sala de aula, ele olha afetuosamente, en-
sina e também ensina como se ensina. (PINHEIRO, 2019, p. 487).
Portanto posso dizer que Ângela Antunes, estava certa, depois de um con-
tato mais profundo com Paulo Freire descobri que eu já era Freiriano, só não sabia. E
a experiência com meus alunos no lixão me traz a memória de como a educação pre-
cisa ser pensada para diminuir a distância entre a prática e a teoria e manter a coe-
rência que é cuidar da pessoa, que não se resume ao mero ato de transferir conteúdo,
mas criar possibilidades para a sua produção ou sua construção, portanto, é estabele-
cer raízes para uma educação de envolvimento do ser. (PINHEIRO, 2019).Então par-
timos em direção a leitura, leitura da palavramundo e a rememoração de nossa pró-

109
DIÁLOGO FREIRIANO

pria história para construção de significado ao que aprendemos, tanto na escola for-
mal, quanto informal, mas que seja uma aprendizagem com significado e que conduza
para libertação.
E por último aqui quero deixar meus sentimentos de admiração ao homem
guerreiro que conhecemos neste trabalho como seu Francisco , a duas semanas atrás
fui informado do seu falecimento, me doeu o coração, pois como educador espero por
meio do ensino mudar o destino de um homem, mas este mesmo sabendo ler a pa-
lavramundo não me esforcei o bastante para ajuda-lo a decifrar as letras e proporci-
oná-lo o prazer de conversar com os livros, não pude lhe ensinar, mas muito aprendi
com esta alma singela e cheia de saberes. Que os seus o receba, e que tenha a merecida
vida digna que o mundo lhe furtou. Descanse em paz Guerreiro. Nós, aqui na educa-
ção, continuamos na luta.

110
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
BOFF, L. Saber Cuidar. 11ª Edição. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
BRANDÃO, C. R. O que é Educação. São Paulo : Brasiliense, 2007.
BRASIL. LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. Planalto, 2019. Disponivel
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm>. Acesso em: 20 agosto
2019.
FREIRE,. Pedagogia do Oprimido. 17ª. ed. Rio de Janeiro: Editora Paz e terra, 1987.
FREIRE, P. A importãncia do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo:
Autores Associados/Cortez, 1989.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. 8ª. ed. Rio de janeiro :
Paz e TErra, 2017.
INEP. INEP Resultados e Resumos. INEP, 2018. Disponivel em: <http://portal.inep.
gov.br/resultados-e-resumos>. Acesso em: 23 agosto 2019.
KOHAN, W. Paulo Freire mais do que nunca: Uma biografia Filosófica. Belo
Horizonte: Vestígio, 2019.
MARINHO, F. R. Incluir para transformar: Metodologia Telessala em Cinco
movimentos. Rio de Janeiro: FRM, 2013.
PINHEIRO , F.; RIBEIRO, D. S. ; ANDRADE, A. D. L. P. D. Anais do V Encontro de
Educação, I Colóquio de Educação, Políticas e Sociedade, I Encontro de Trabalho e
Educação, 5, Cametá: UFPA. Anais Eletronico, 2019. Disponivel em: <https://drive.
google.com/file/d/1iTZXg1WXM6rXnZ4JOwvxYYRYq_UInmZu/view>. Acesso
em: 12 ago. 2019.
PINHEIRO, R. F. Um estranho na teia da Vida. Lavras: UFLA, 2006.
PINHEIRO, R. F. 22 de outubro. In: DICKMANN, I.; DICKMANN, I. 365 dias com
Paulo Freire. São Paulo: Diálogo Freiriano, 2019. p. 486-488.
SAINT-EXUPÉRY, A. O pequeno Príncipe. 48ª. ed. Rio de Janeiro: Agir, 2009.
SEDUC. Portal Seduc. Projeto Mundiar, 2015. Disponivel em: <http://www.seduc.
pa.gov.br/site/seduc/modal?ptg=5311>. Acesso em: 25 outubro 2019.
SHINYASHIKI, R. Conquiste seus alunos. São Paulo: Editora Gente, 2011.
TORO, B. A coragem de pedir ajuda. TED Amazônia. Youtube, 2011. Disponivel em:
<https://www.youtube.com/watch?v=5nivihNqbXk>. Acesso em: 22 agosto 2019.

111
A VIDA É UMA FESTA!

Silvana Mesquita Cristino 1

INTRODUÇÃO
Com a proposta de realizar uma aula diferenciada e lúdica para os alunos de
sextos anos, devido o mês de outubro ser dedicado a comemoração do dia das crian-
ças, os professores da Escola Municipal Professora Terezinha Ferreira Parente lança-
ram o projeto A VIDA É UMA FESTA!

A possibilidade de explicar sua própria vida e o mundo implica acesso a informação


sobre o passado, a ferramenta analíticas e afetivas. A auto-estima e a estima pelos
outros implicam a capacidade de apego e de reconhecimento das capacidades e das
limitações. A capacidade de realizar um projeto inclui a possibilidade de reconhecer
o que se pode e o que não se pode fazer; e o domínio das capacidades necessárias
para concluí-lo implica, no século XXI, acesso a um currículo diferente daquele uti-
lizado nas escolas primárias e secundárias tradicionais; assim como o desenvolvi-
mento das capacidades para relacionar-se com os outros no atual contexto tecnoló-
gico e social implica também uma vida cotidiana nas escolas diferente da vida coti-
diana própria das instituições educacionais do século XX. (BRASLAVSKY, 2004, p.
19)

O projeto foi inspirado no filme de desenho animado mexicano que concor-


reu ao OSCAR - maior premiação norte americana oferecido aos melhores filmes do
ano -, como melhor filme de animação, com título: VIVA! A VIDA É UMA FESTA!

Um dos aspectos que as Artes vão influenciar no processo de construção do conhe-


cimento é a possibilidade do desenvolvimento de um pensamento crítico mais agu-
çado. Uma obra de arte fala através de uma linguagem não-quotidiana, indireta e
subjetiva, ela pode dar margem a diversas interpretações. (COLARES, 2001, p. 26)

A escola valoriza muito a dedicação dos alunos em todas as atividades ofere-


cidas. Temos uma Banda Fanfarra, projetos de reforço escolar, oferecido pelo pro-
grama Mais Educação, Projeto de Mediação, desenvolvido pela orientadora de apren-

1
Professora efetiva da Rede Municipal de Fortaleza. Doutora em Ciências d aEducação pela UNIDA.
Mestre em Ciências da Educação Pela Universidade Americana. Especialista em Psicopedagogia e
graduada pela UECE.
DIÁLOGO FREIRIANO

dizagem, e nossos professores participam ao longo do ano de todas as olimpíadas na-


cionais, OBA, OBMEP e Olimpíada de Língua Portuguesa, tendo sempre alunos clas-
sificados para outras fases.

A existência da instituição escolar é algo tão inerente à nossa sociedade e à nossa


maneira de viver que, às vezes, não nos perguntamos por que há escolas ou damos
a essa pergunta resposta um pouco simples ( para guardar as crianças e distraí-las ,
para reproduzir a cultura estabelecida ). Não vamos entrar em uma análise -
mesmo breve - daquilo que a escola significa nas sociedades ocidentais, mas gosta-
ríamos de frisar que, assim como não podemos entender o desenvolvimento hu-
mano sem cultura, dificilmente poderemos entendê-lo sem considerar a diversidade
de práticas educativas por meio das quais podemos ter acesso e interpretamos de
forma pessoal essa cultura, práticas essas que cabe incluir as escolares. Mediante es-
sas práticas tenta-se assegurar uma intervenção planejada e sistemática, destinada a
promover determinados aspectos do desenvolvimento de meninos e meninas.
(COLL, 2001, p. 18)

Os alunos de sextos anos, são alunos novatos que recebemos de outras esco-
las das adjacências. Esses alunos não conhecem bem o funcionamento de nossa escola
e geralmente, estão sempre em conflitos uns com os outros. Nós professores tentamos
oferecer aulas dinâmicas, diversificadas, diferentes e até mesmo lúdica, desenvol-
vendo projetos de duração mínimas para não comprometer nossos conteúdos.

E quando se trabalha em conjunto internamente é mais fácil trabalhar em conjunto


com o que é externo. Historicamente, a expansão da escola primária foi possível de-
vido á existência de profundas alianças entre a família e a escola, como instituições
com funções diferenciadas e complementares. Entretanto, na atualidade, há um nú-
mero cada vez maior de atores da educação, o que torna mais difícil a construção e
a sustentação de alianças. (BRASLAVSKY, 2004, p. 30)

Começamos esse projeto para mostrar aos alunos o que é o cinema, posto
que alguns alunos não conheciam o espaço físico de uma sala de cinema. Os alunos
das turmas de sextos anos da escola tiveram a oportunidade de assistir ao filme que
deu nome ao projeto, que tinha também como proposta, levá-los a uma reflexão sobre
a importância e o valor da vida.

Ninguém se oporia abertamente a uma formulação que afirmasse que a educação


deve servir para que as pessoas e os grupos atuem no mundo, e para que se sintam
bem atuando nesse mundo: conhecendo-o, transformando-o, em uma relação fértil
e criativa entre essas pessoas, esses grupos e o ambiente. Isto implica um certo co-
nhecimento do mundo tal como é hoje e como será no futuro. Implica também uma
certa reflexão de como as pessoas se sentem nesse mundo e nesse século, e de qual a
capacidade de que se julgam ter para informá-lo e encontrar nele um lugar para si.
(BRASLAVSKY,2004, p. 7)

114
DIÁLOGO FREIRIANO

O filme apresenta um vasto campo colorido, cores vivas e alegres produ-


zindo uma sensação maravilhosa de bem está em nosso campo visual. A música apre-
senta melodias e instrumentais harmônicos muito prazerosos ao nosso campo audi-
tivo. É um encantamento, embora a história do filme seja bastante triste. Pois se trata
da vida de pessoas que sofreram muito durante gerações por causa da morte prema-
tura de um músico que vai em busca de sucesso e por conta de uma traição de um
amigo é assassinado.

A finalidade da educação, para ser adequada à natureza humana, deve buscar a ver-
dade em suas dimensões ética. Estética, gnosiológica, lógica e ôntica. O belo, o bom,
o verdadeiro são objetos da busca humana de perfeição e condensam-se no Su-
premo Bem que orienta a conduta de cada um. (SILVA, 2014, p. 75)

A escola através das atividades desenvolvidas no quotidiano tenta desenvol-


ver nos alunos uma relação de amizade, parceria e os leva a ter comportamento amis-
toso no sentido de proporcionar o bem-estar. As atividades lúdicas pretendem na re-
alidade quebrar um pouco a rigidez das aulas tradicionais, proporcionando aos alunos
do sexto ano momentos de alegrias e reflexão sobre seu próprio comportamento, bus-
cando ensinar valores fundamentais para o desenvolvimento humano deles, apresen-
tando nessa mesma ocasião a importância da vida e dos valores humanos.

A articulação dos aspectos afetivos e intelectuais, internos e externos, individuais e


coletivos no processo de aprendizagem carece de novas matrizes, novas formas de
dinâmicas que permitam essa integração.
Nós educadores não vivenciamos esse processo de aprendizagem. Portanto, para
que possamos praticá-lo sem resistências é necessário antes de mais nada que expe-
rimentemos essa situação como aprendizes, vivenciando o processo nas diferentes
etapas e áreas do conhecimento. (FAGALI, 1993, p.15-16)

A história do filme se passa num vilarejo do México, onde o protagonista


principal Miguel que tem um forte talento para ser músico, possivelmente herdado
geneticamente de seus antepassados, é proibido de exercê-lo devido os traumas sofri-
dos por seus antecessores.
Ele é tataraneto de uma mulher muito idosa que, amargurada por conta de
ter sido abandonada por seu pai, e influenciada por sua mãe, porque ficou profunda-
mente magoada com seu pai que saiu em busca do sucesso na carreira musical e nunca
mais voltou, mas, não voltou porque foi assassinado por seu amigo. Por esse motivo
sua tataravó proibia que todos da família não ouvissem música. A família vivia de fa-
zer sapatos. Mas Miguel não aceitava essa proibição e foge de casa no dia dos mortos
para participar de um concurso musical que vai acontecer na praça da cidade. Porém,
Miguel não tem violão, por isso vai até o cemitério da cidade, onde tem o túmulo de

115
DIÁLOGO FREIRIANO

um grande violeiro, que, guarda um belíssimo violão. Ao tentar resgatar o violão por
algum motivo misterioso, Miguel fica preso entre o mundo dos mortos e o mundo
dos vivos. No decorrer da história Miguel encontra seus antepassados e conhece toda
a história de sua família. O filme se passa em dois mundos, o mundo dos mortos onde
Miguel passa uma parte da história e o mundo dos vivos.
A época em que o filme se passa representa o Dia dos Mortos um dia bas-
tante comemorado naquele vilarejo, onde ocorre uma grande festa nesse dia. A festa
se dá pelas lembranças que as pessoas têm de seus antepassados. O filme aborda o
amor pela família.

As artes, entendidas como processo de representação simbólica para comunicação


do pensamento e dos sentimentos humanos, representam enorme valor e significam
grande importância na formação do educando. (NEVES, 2010, p. 31)

A ideia tinha também como propósito oferecer uma manhã de interação en-
tre os seguimentos professores e alunos, possibilitando uma manhã comemorativa ao
dia das crianças, pois nossos alunos do sexto ano são crianças entre 10 e 12 anos de
idade.

A finalidade da educação, para ser adequada à natureza, deve buscar a verdade em


suas dimensões ética, estética, gnosiológica, lógica e ôntica. O belo, o bom e o ver-
dadeiro são objetos da busca humana de perfeição e condensam-se no Supremo
Bem que orienta a conduta de cada um. Se esse Supremo Bem é adequado à natureza
humana, pode contribuir para que o pleno desenvolvimento dela aconteça; caso, ao
contrário, esse Supremo Bem esteja aquém das imensas potencialidades humanas,
podemos dizer que contribuirá para a desumanização da pessoa, reduzindo-a a di-
mensões menores do que aquelas a que poderia chegar. (SILVA, 2014, p. 81)

Nossa escola é uma escola de periferia da cidade de Fortaleza que acolhe alu-
nos do sexto ao nono ano. Embora ainda conte com uma creche que fica bem ao lado,
mas o trabalho é diferenciado, pois a escola e a creche contam com espaços diferentes
e discentes com idades muito distanciadas, daí os trabalhos serem totalmente indivi-
dualizados em seus ambientes próprios.

O autoconceito é aprendido ou forjado no decorrer das experiências de vida; as re-


lações interpessoais, particularmente vinculada aos outros significativos (pais, ir-
mãos, professores, colegas, amigos etc.), constituem os elos mediante os quais a pes-
soa tece a visão de si mesma. No decorrer das interações que vive, a criança elabora
essa visão a partir das interiorizações das atitudes e percepções que esses outros
tem a seu respeito, de modo que as atitudes vividas na relação interpessoal vão cri-
ando um conjunto de atitudes pessoais em relação a ela mesma. Assim acaba consi-
derando-se simpática ou incômoda, esperta ou desajeitada, chata ou encantadora,
porque é isso que os demais lhe transmitem, muitas vezes de forma totalmente in-
consciente. (SOLÉ, 2001, p. 40)

116
DIÁLOGO FREIRIANO

A creche não participa do quotidiano da escola, na realidade ela se torna


também muito importante porque vários alunos da nossa escola têm seus irmãos pe-
quenos estudando na creche. Pela grande diferença de idades e cronograma escolar
diferentes os dois ambientes são diferenciados, embora, a creche se utilize do material
da escola.

A dimensão estética e lúdica da educação mostra a forma de conhecer o mundo ad-


vindo da beleza da arte. Significa reconhecer que o homem integra duas dimensões
básica na sua atitude frente ao mundo: o sentir e o simbolizar. Na primeira dimen-
são, os significados são vividos, experenciados e passíveis de serem expressos na arte
e na brincadeira. Na segunda são interpretados através de conceitos. (COLARES,
2001, p. 15)

Através das artes e das brincadeiras é possível imaginar um mundo total-


mente diferente da realidade. A ideia também foi transportar através da imaginação
os alunos para outros lugares, o que deu muito certo. O cinema nos leva aos lugares
mais distantes e maravilhosos.

Cercado por múltiplas atrações eletrônicas ou sociais que cada instante suscita sua
motivação, é até certo ponto aceitável que uma criança ou adolescente não vá para
a escola estimulada pelo interesse, motivada pelo fascínio de aprender. Então, assim,
é responsabilidade do professor despertar interesse e participação, motivação e até
mesmo entusiasmo dos alunos. (ANTUNES, 2012, p. 43)

É possível esquecer a dura realidade por alguns momentos. Nossos alunos


passam por muitas dificuldades, a maioria são privados da companhia dos pais, pois
os mesmos trabalham constantemente, alguns tem famílias esfaceladas por conta da
violência, muitos tem problemas de uso de drogas ilícitas por parte dos familiares,
alguns tem familiares presos, outros por sua vez tem histórias de abuso sexual, enfim...
muitas são as dificuldades. O projeto foi realizado na escola durante os meses de se-
tembro e outubro, com a culminância no dia 20 de outubro. Segundo Bruner (1969):

A predisposição para aprender é outro dos temas abordado por esse autor. Ao dis-
cutir as predisposições, é comum localizar os fatores culturais, motivacionais e pes-
soais que influem no desejo de aprender e de tentar solucionar problemas, como é
o caso da relação entre professor e aluno. A maneira como é estabelecida esta relação
repercute na natureza da aprendizagem, no grau em que o estudante desenvolve
uma habilidade independente. As relações entre aquele que ensina e aquele que
aprende refletem sempre na qualidade da aprendizagem. (PORTILHO, 2009, p. 49)

Em todos os aspectos de sua apresentação o projeto proporcionou aprendi-


zagens diferenciadas ao longo de sua execução. Tivemos sua finalização numa manhã
de sábado no mês de outubro, mês esse dedicado a se comemorar o dia das crianças,

117
DIÁLOGO FREIRIANO

onde ocorreu uma manhã de atividades pedagógicas e ao mesmo tempo lúdica, a es-
cola tem um histórico de sempre abrir aos sábados, geralmente aos sábados a escola
tem profissionais desenvolvendo atividades importantes para nossos alunos. Alguns
projetos são permanentes durante o ano letivo, alguns são projetos artísticos e espor-
tivos que a comunidade desenvolve constantemente, a comunidade tem uma vida cul-
tural bastante ativa. Algo bem visível e estimulante nesse projeto foi a aproximação e
a colaboração entre professores e alunos.

DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA
O Projeto: A Vida é uma Festa! Iniciou com a pesquisa sobre os verdadeiros
valores da vida. Indagações feitas ao longo das aulas de Artes, onde os alunos conse-
guiram experimentar situações de reflexão e entendimento a respeito de coisas im-
portantes para sua formação.

A modernidade gestou a lógica disciplinar que fragmenta e construiu fronteiras es-


tanques, protegidas que dificultam as relações com o outro. O homem moderno evi-
tou as margens e as bordas e lutou contra a ambiguidade. Partiu em busca da certeza,
da ordem e procurou a definições claras. A interdisciplinaridade requer uma nova
subjetividade que requer uma nova subjetividade capaz de transitar no centro dos
territórios, mas também de conviver nas fronteiras que acolhem o outro do inte-
lecto moderno. (FURLANETTO,2014, p. 70).

Valores como: honestidade, solidariedade, compaixão, amizade, coopera-


ção, solidariedade, empatia e outras. As aulas eram realizadas com atividades práticas
de boas atitudes, como: fazer silêncio para ouvir a opinião do colega, apreciar as obras
artísticas realizadas pelos amigos da sala, empréstimo de materiais.

Assim, o ser humano não só vive de racionalidade e de técnica; ele desgasta-se, en-
trega-se, dedica-se as danças, transes mitos magias, ritos; crê nas virtudes do sacrifí-
cio, viveu frequentemente para preparar sua outra vida além da morte. Por toda
parte, uma atividade técnica, prática, intelectual testemunha a inteligência empí-
rico-racional; em toda parte, festas, cerimônias, cultos com suas possessões, exalta-
ções, desperdícios, consumismos , testemunham o Homo Ludens, poeticus, con-
sumans, imaginarus, demens. (MORIN, 2011, p. 52-53)

As discussões se baseavam principalmente, a respeito de como poderíamos


melhorar a nossa convivência, o que fazer para que o amigo quisesse ficar perto da
gente, como tratar o outro, e assim, o comportamento e a convivência dos alunos fo-
ram melhorando. Alguns alunos têm muita dificuldade de falar a respeito da convi-
vência em sala de aula, ou por timidez em alguns casos ou por medo mesmo dos alu-
nos maiores. A intermediação do professor é fundamental na busca dessa fala, pois,
com esse comportamento violento de alguns alunos em sala de aula a aprendizagem

118
DIÁLOGO FREIRIANO

é prejudicada e o desenvolvimento cognitivo fica prejudicado. Tem-se trabalhado


muito para melhorar a convivência entre os alunos e o despertar do respeito entre eles.

Talvez, por meio de uma ação interdisciplinar seja possível a análise de ações vio-
lentas e inconsequentes que sejam análogas no reino da História e da Biologia, em
diferentes espaços territoriais que a Geografia apontará e até mesmo em textos sig-
nificativos cuja Literatura permitirá resgatar. O importante é que o aluno agressor
possa reconstituir-se afetivamente não para descobrir que errou e, por isso, expiar a
culpa, mas para identificar que em sua rota de desenvolvimento omitiu-se de ações
solidárias ou envolveu-se em procedimentos importantes para estruturar sua per-
sonalidade. (ANTUNES, 2012, p. 30)

O objetivo geral do projeto foi proporcionar momentos lúdicos e rico em


vivências emocionais com os amigos do quotidiano escolar. E os objetivos específicos
foram: despertar para novas amizades; valorizar os bons amigos; partilhar momentos
felizes de brincadeiras; e, socializar conhecimentos e opiniões. O diálogo entre pro-
fessor e alunos foi fortalecido até mesmo, mas esperam dos outros que se comportem
durante as brincadeiras, quando eram lidas as regras alguns alunos apontavam alguns
colegas que tinham dificuldades em aceitar as regras das brincadeiras.

Parece evidente que a opinião que temos de certa pessoa nos faz esperar dela deter-
minados comportamentos, e nos permite descartar a possibilidade de que tenha ou-
tros, Transferindo este princípio para a situação escolar, podemos afirmar que alu-
nos e professores não só se vêem de determinada forma mas esperam dos outros que
se comportem em um certo sentido, de acordo com essa forma de ver. Este é o cha-
mado fenômeno das expectativas, que foi profundamente estudado no que se refere
às que os professores têm de seus alunos. (SOLÉ, 2001, p. 43)

Durante as atividades foram distribuídos vários prêmios aos vencedores, e a


discussão sobre vencer e perder foi bastante rica, pois os alunos entenderam o objetivo
das atividades, perceberam que o participar das aividades/brincadeiras já era um ato
vencedor pois ali, ganharam muito em conhecimento. O sucesso do projeto só foi
possível porque os alunos se envolveram completamente.

A união planetária é a exigência racional mínima de um mundo encolhido e inter-


dependente. Tal união pede uma consciência e um sentimento de pertencimento
mútuo que nos una a nossa Terra, considerada como primeira e última pátria. (MO-
RIN, 2011, p. 66)

Foram desenvolvidas em sala de aula muitas atividades relacionadas ao pro-


jeto. Algumas dinâmicas de acolhimento, com o objetivo de fortalecer os laços de ami-
zade entre os alunos. Realização de debates e discussões a respeito de como tratar o
outro, o que fazer em momentos de violência ou agressões envolvendo bulying contra

119
DIÁLOGO FREIRIANO

colegas de sala, ou na hora do recreio com alunos de outras turmas. Além das ativida-
des na sala de aula os alunos sabiam que teria uma culminância do projeto no sábado
escolhido por nós. Esse dia seria especial porque eles iriam comemorar o dia das cri-
anças e seria um dia diferente!
E foi exatamente nesse dia que os alunos tiveram a sessão de cinema na es-
cola e ganharam algumas lembranças confeccionadas pelos professores patrocinado-
res do projeto, muitos professores participaram colaborando com alguma quantia em
dinheiro ou doando alguma guloseima.

A possibilidade antropológica, sociológica, cultural, espiritual de progresso restaura


o princípio da esperança, mas sem certeza científica , nem promessa histórica . É
uma possibilidade incerta que depende muito da tomada de consciência, da von-
tade, da coragem, da oportunidade... Do mesmo modo, as tomadas de consciência
tornaram-se urgentes e primordiais. (MORIN, 2011, p.65)

Os recursos materiais foram doados pelos professores participantes do pro-


jeto, o grupo de professores, os coordenadores e o gestor colaboraram financeira-
mente para a compra dos materiais para a festa. A festa dos alunos do sexto ano foi
realizada no pátio da escola, no sábado pela manhã. Contamos com mais de cem alu-
nos. Foram aferecidos uma manhã de lazer com brincadeiras diversas, sorteios de
brindes, bingo da alegria e um saboros lanche. Os alunos passaram três horas na es-
cola, foi muito divertido e cada um ganhou uma lembrança confeccionadas com as
doações recebidas.

Mudanças comportamentais somente ocorrem quando se manifesta um senti-


mento autêntico de sensibilização a essas mudanças. Antes de ações, é importante
que possamos sentir o desejo de mudar e se isso tem validade para múltiplos pro-
cedimentos usuais, vale também para o bullying, desde suas manifestações iniciais
em casos leves ou severos. (ANTUNES, 2012, p. 27).

Os recursos materiais utilizados foram: data Show, DVD, aparelho de som,


brindes diversos, chocolate, sacos de corrida, papel ofício, tinta guache, lápis de cores,
cartolinas, guloseimas, pipocas, pirulitos e outros.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Projeto: A Vida é uma Festa! Teve seu ponto de culminância com uma
linda festa comemorativa ao dia das crianças. A festa foi no pátio interno da escola
com cerca de 140 alunos dos sextos anos. Foi uma manhã com muita alegria. Dispo-
mos cadeiras no pátio para as crianças assistirem o filme, em seguida fizemos uma

120
DIÁLOGO FREIRIANO

grande roda onde iniciamos as brincadeiras, as competições e os ganhadores ganha-


vam brindes. Para encerrar fizemos vários sorteios de lembranças que os professores
ofereceram as crianças. Tudo que foi oferecido aos alunos foram doações dos profes-
sores e dos coordenadores.
A culminância do projeto foi um sucesso devido o empenho dos professores
e profissionais da limpeza que nos ajudaram muito na arrumação do pátio e dos ou-
tros ambientes utilizados pelos alunos, como também e principalmente a participação
dos alunos. Muitos já apresentavam muita ansiedade por esse dia, durante as aulas na
semana.
O processo de desenvolvimento do projeto na sala de aula e o empenho dos
alunos, demonstraram que é preciso um olhar individual com todos e cada um, o
comportamento coletivo do grupo deve ser com bastante frequência refletido e discu-
tido entre eles. Muitos não têm consciência sobre sua própria violência com o outro,
parecem cegos diante de brincadeiras violentas e linguagem de baixo calão que apre-
sentam. Quando conversávamos no grupo e perguntávamos como se sentiam depois
das discussões, depois que cada um tinha a oportunidade de falar, eles diziam que foi
bom! Bom no sentido de poder ser ouvido pelo grupo, pelos colegas, no entender,
agora todos sabiam o que incomodava cada um na sala de aula.
As brincadeiras mais frequentes de bater diminuíram. As brincadeiras de es-
conder os materiais dos colegas já não tinham mais e os cumprimentos aumentaram,
o bom dia, o boa tarde e o com licença surgiram meio tímido por alguns alunos.
Ao final do projeto o sentimento de gratidão que pudemos observar nos
olhos de nossos alunos foi muito gratificante, acredito que para todos os envolvidos
no projeto. A finalização desse projeto, que ao longo de dois meses realizamos na es-
cola nos trouxe a certeza de que é preciso olhar para nossos alunos de maneira mais
suave, afetiva e cuidadosa. A relação professor aluno se tornou mais suave e todos sa-
íram ganhando.
Trabalhar com esse projeto nos possibilita mudar nossa rotina sem deixar de
olhar o conteúdo que os alunos precisam conhecer ao longo do ano letivo. O espaço
de aprendizagem na escola, não se encerra somente na sala de aula, tem outros espaços
como: o pátio, a quadra, o jardim, os corredores... Todos esses ambientes são propí-
cios à aprendizagem e pertece a cada um que habita diariamente a escola, professores,
alunos e funcionários.
Acreditamos que para termos uma escola bonita devemos preservar o ambi-
ente físico e o humano. O ambiente físico é o espaço onde nos encontraremos todos

121
DIÁLOGO FREIRIANO

os dias e o humano são aquelas pessoas que estaremos compartilhando nossas ale-
grias, nossos conhecimentos e nossos sonhos de uma sociedade mais justa e fraterna
para todos. Afinal, o melhor lugar do mundo é a escola.

122
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Celso. (In)disciplina e (des)motivação. São Paulo, Editora Paulus, 2012.
BERKENBROCK-ROSITO, Margaréte May. HAAS, Celia May. Interdisciplinari-
dade e transdisciplinaridade: políticas e práticas de formação de professores. Rio de
Janeiro, Editora Wak, 2014.
BRASLAVSKY, Cecília. Dez fatores para uma educação de qualidade para todos no
século XXI. Madri, Editora Moderna, 2004.
COLARES, Edite. MATOS, Elvis de Azevedo. RABELO, Jakline. NASCIMENTO,
Valcidéa do. Ensino de arte e educação: coleção para professores nas séries iniciais.
Fortaleza, editora brasil tropical, 2001.
COLL, César. MARTÍR, Elena. SOLÉ, Isabel e outros. O construtivismo na sala de
aula. São Paulo, Editora Ática, 2001.
FAGALI, Eloísa Quadros & VALE, Zélia Del Rio. Psicopedagogia institucional
aplicada. A aprendizagem dinâmica e construção na sala de aula. Petrópolis, RJ.
Editora Vozes, 1993.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo,
Editora VOZES. 2ª edição, 2011.
NEVES, Libéria Rodrigues. SANTIAGO, Ana Lydia B. O. uso dos jogos teatrais na
educação possibilidades diante do fracasso escolar. São Paulo, EDITORA
PAPIRUS. 2ª edição, 2010
PORTILHO, Evelise. Como se aprende. Rio de Janeiro, Editora WAK, 2009.

123
CONVERSANDO COM PAULO FREIRE:
AS ANGÚSTIAS DE SER EDUCADORA NO SÉCULO XXI.

Joanna de Ângelis Lima Roberto 1

Não é fácil conversar com Freire, não por que ele não está entre nós na ma-
téria, mesmo por que, tenho certeza que está entre nós através de seus escritos, que
foram muitos. Não é fácil, por que ele sempre tem uma resposta pronta para todas
nossas perguntas, Freire nos responde e nos faz repensar nossas práticas constante-
mente. Quando li Freire pela primeira vez, não entendi sua profundidade, senti a ne-
cessidade de reencontrá-lo. Queria me deliciar com suas sabias palavras, mas, tinha
medo de não conseguir fazer sozinha novamente. Por isso, resolvi reencontrá-lo nessa
entrevista, que foi fruto de um trabalho de final de disciplina para o doutorado, inti-
tulada: Paulo Freire em tempos sombrios/Pedagogia da Esperança.
Nossos encontros com esse sábio, em um curto semestre e com tantos con-
tratempos na minha vida, mas, eram encontros necessários. Necessários para me re-
encontrar como educadora. Realizei jornadas pelo instituto Paulo Freire, mas preci-
sava de uma troca cara a cara. Fui à busca...
Seu nome é Paulo Reglus Neves Freire, nascido dia 19 de setembro de 1921,
Pernambucano, faleceu aos 75 anos no dia 02 de Maio de 1997, educador e filosofo
Brasileiro, reconhecido mundialmente e Patrono da Educação Brasileira, embora al-
guns poucos loucos queiram negar sua importância, autor de diversas obras, tem
muito a nos ensinar sobre educação. Foi um homem de seu tempo e também muito
além de seu tempo, por isso, precisava de sua ajuda em algumas questões. E fui entre-
vistá-lo.
Hoje percebo que fui educada em uma com nenhuma
reflexão sobre os conteúdos depositados em mim, durante a escola nunca questionei
e na faculdade comecei a questionar alguns conteúdos e suas contradições. Muitas das
vezes tive podado meu poder criador e no momento atual, sinto-me pouco criativa e
insegura quando inquirida ou estimulada a fazer uma critica. Não sei se tenho

1
Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas
Populares, UFRRJ. Mestre pelo mesmo programa. Professora de Educação Física na Prefeitura Municipal
de Macaé e pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro.
DIÁLOGO FREIRIANO

da liberdade2 que tenho hoje, mas, tenho medo de estar fazendo com meus alunos o
que fizeram comigo.
Paulo Freire: Quanto mais se lhe imponha passividade, tanto mais ingenui-
dade, em lugar de transformar, tendem a adaptar-se ao mundo, à realidade parciali-
dade nos depósitos recebidos. Na medida em que esta visão anula o poder
criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criti-
cidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para eles, o fundamental não é o desnu-
damento do mundo, a sua transformação. O seu e não humanismo,
está em preservar a situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a manuten-
ção de sua falsa generosidade... Por isto mesmo é que reagem, até instintivamente,
contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico, que não
se deixa emaranhar pelas visões parciais da realidade, buscando sempre os nexos que
prendem um ponto a outro, ou um problema a outro3.
Joanna: Sim Freire, compreendo o que diz, precisamos ser seres para a trans-
formação, precisamos ser mais críticos que os demais, por sermos educadores e influ-
enciarmos as instituições através de nossas práticas educativas, e mostrar que também
somos educados enquanto educamos, por sermos sujeitos desse processo de educação
e crescermos através dele.
Freire: Claro, pois, maneira, o educador já não é o que apenas educa,
mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser edu-
cado, também educa.4 (...) a educação sozinha não transforma a sociedade, sem
ela tampouco a sociedade muda5
Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da
equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o dife-
rente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente a nossa
opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que fizemos e o que fazemos.
Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explodindo os
outros, discriminando o índio, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a
ser sérios, justos e amorosos da vida e dos outros6.

2
Pedagogia do Oprimido, 2018. 66. ed. p.31
3
Pedagogia do Oprimido, 2018. 66. ed. p 83-84
4
Ob. cit. p.95-96
5
Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. Organização e participação de Ana Maria
Araújo Freire. 2014. p. 77
6
Ob. cit. p. 77. Terceira Carta: Do assassinato de Galdino Jesus dos Santos índio Pataxó. Nessa Carta
Paulo Freire

126
DIÁLOGO FREIRIANO

Joanna: Professores adoecendo por estarem trabalhando em escolas públicas


desestruturadas, presenciando a violência por parte dos alunos, contra eles mesmos e
contra os professores, alunos visivelmente drogados em sala de aula, pichações, de-
predação do bem público e o descaso do Governo, faz com que haja a falta de espe-
rança e coragem de mudar a situação atual que só facilita o desmonte das instituições
públicas. O que fazer?
Freire: uma das condições para a continuidade da briga contra o poder que
nos domina é reconhecer-nos perdendo a luta, mas não vencidos... Com a vontade
enfraquecida, a resistência frágil, a identidade posta em dúvida, a autoestima esfarra-
pada, não se pode lutar. Desta forma, não se luta contra a exploração das classes do-
minantes como não se luta contra o poder do álcool, do fumo ou da maconha. Como
não se pode lutar, por faltar coragem, vontade, rebeldia, se não se tem amanhã, se não
se tem esperança. Falta amanhã esfarrapados do como falta amanhã aos
subjugados pelas drogas7.
Por isso é que toda prática educativa libertadora, valoriza o exercício da von-
tade, da decisão, da resistência, da escolha; o papel das emoções, dos sentimentos, dos
desejos, dos limites; a importância da consciência na história, o sentido ético da pre-
sença humana no mundo, a compreensão da história como possibilidade jamais como
determinação, é substantivamente esperançosa e, por isso mesmo, provocadora da es-
perança. Um dos meus sonhos ao escrever cartas pedagógicas- se não os tivesse não
haveria por que escrevê-las- é desafiar-nos, pais e mães, professoras e professores, ope-
rários, estudantes, a refletir sobre o papel que temos e a responsabilidade de assumi-
lo bem, na construção e no aperfeiçoamento da democracia entre nós8.
Joanna: Caro Freire, mas, é tão difícil falar em democracia com tudo que es-
tamos vivendo hoje. Vivemos uma falsa democracia, através da manipulação. Na sua
época como agora, nunca se falou tanto em Autoridade, excesso de liberdade e defesa
da moral e dos bons costumes. O senhor viveu uma ditadura e foi exilado, hoje vive-
mos uma ditadura velada e nos exilamos em nós mesmos. Que tipo de democracia é
essa que o senhor fala?
Freire: Não de uma democracia que aprofunda as desigualdades, puramente
convencional, que fortifica o poder dos poderosos, que assiste de braços cruzados à
aviltação e ao destrato dos humildes e que acalenta a impunidade. Não de uma demo-
cracia cujo o sonho de Estado, dito liberal, é o Estado que maximiza a liberdade dos

7
Trecho em Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. Organização e participação
de Ana Maria Araújo Freire. 2014, p. 53
8
Idem. p. 54.

127
DIÁLOGO FREIRIANO

fortes para acumular capital em face da pobreza e às vezes da miséria das maiorias,
mas de uma democracia de que o Estado, recusando posições licenciosas ou autoritá-
rias e respeitando realmente a liberdade dos cidadãos, não abdica de seu papel regu-
lador das relações sociais9.
Joanna: Tivemos e ainda estamos tendo muitos embates dentro de nossas
escolas, com nossos colegas de trabalho e também com alunos, devido aos acalorados
debates políticos. O que o senhor diria da situação que vivemos no momento eleitoral
e que se estende ao pós-eleitoral?
Freire: Não posso aceitar como tática do bom combate a política do quanto
pior melhor, mas não posso também aceitar, impassível, a política assistencialista que,
anestesiando a consciência oprimida, prorroga, sine die10, a necessária mudança da
sociedade. Não posso proibir que os oprimidos com quem trabalho em uma favela
votem em candidato reacionário, mas tenho o dever de adverti-los do erro que come-
tem. Da contradição em que se emaranham. Votar no político reacionário é ajudar a
preservação do status quo. Como posso votar, se sou progressista e coerente como
minha opção, num candidato em cujo discurso, faiscante de desamor, anuncia seus
projetos racistas11?
Joanna: também pensamos assim Freire, mas, às vezes esquecemos as urgên-
cias dessas pessoas. Muitas votam pelo imediato. Realmente, votam no menos pior,
pelo que está fazendo no momento para a comunidade, no que prometem ou no que
elas querem ouvir.
Freire: é que o poder dos opressores, quando se pretende amenizar ante a
debilidade dos oprimidos, não apenas quase sempre se expressa em falsa generosi-
dade, como jamais a ultrapassa. Os opressores, falsamente generosos, tem necessi-
dade, para que a sua continue tendo oportunidade de realizar-se, da
permanência da injustiça. A social injusta é a fonte geradora, permanente,
desta que se nutre da morte, do desalento e da miséria.
Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado para entender o
significado terrível de uma sociedade opressora? Quem melhor que eles, para ir com-
preendendo a necessidade de libertação? Libertação a que não chegarão por acaso,
mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e reconhecimento da necessidade de
lutar por ela. Luta que, pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de

9
Trecho em Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. Organização e participação
de Ana Maria Araújo Freire. 2014.p. 54.
10
Do latim, sem dia, sem data marcada.
11
Idem, p. 93.

128
DIÁLOGO FREIRIANO

amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência dos opressores, até
mesmo quando esta se revista da falsa generosidade referida12.
Joanna: Em Pedagogia da Esperança o senhor relata pesquisa que fez, inclu-
sive diz que esta não era nada sofisticada, que propunha perguntas a pais e mães em
torno de suas relações com filhas e filhos. Relata o contraste dos castigos físicos que os
pais da área urbana de recife na Zona da Mata impunham aos seus filhos, e uma frase
que me marcou muito foi: duro é que faz gente dura, capaz de enfrentar a
crueza da vida. Pancada é que faz homem e a quase inexistência de castigos
por parte dos pais das áreas pesqueiras, onde o gosto pela liberdade era estimulado.
Poderia falar um pouco sobre essa relação autoridade e liberdade vinda de casa e os
reflexos na escola para nós?
Freire: Não sei mesmo até que ponto poderíamos considerar aquele com-
portamento licencioso, faltoso de limites ou se, pelo contrário, os pescadores, ao en-
fatizar a liberdade, condicionados por seu próprio contexto cultural, não estariam
contando com a natureza mesma, com o mundo, com o mar... Era como se, ameni-
zando ou diminuindo o seu dever de educadores de seus filhos, pais e mães o compar-
tilhassem com o mar, com o mundo mesmo, aos quais caberia através da prática de
seus filhos estabelecer-lhes os limites a seu quefazer. Me lembro de que, à época da
pesquisa, indagamos sobre a razão por que vários alunos vinham faltando tão fre-
quentemente às aulas. Alunos e pais, separadamente, respondiam. Os alunos,
somos Os pais, são livres. Um dia Os castigos nas demais
áreas as crianças amarradas em um tronco de árvore (...), a surrá-las com correia de
couro. Este último era castigo preponderante em uma cidade da zona da Mata, famosa
por sua fabricação de calçados.
Uma das minhas preocupações, na época, tão valida ontem quanto hoje, era
com as consequências políticas que um tal tipo de relação pais-filhos, alongando-se
depois nas relações professores-alunos, teria com vistas ao processo de aprendizagem
de nossa incipiente democracia. Era como se família e escola, completamente subju-
gadas ao contexto maior da sociedade global, nada pudesse fazer a não ser reproduzir
a ideologia autoritária13.
Joanna: então, como proceder?

12
Pedagogia do Oprimido, 2018, 66ed, p. 41 a 43.
13
Pedagogia da Esperança. p. 29 a 31.

129
DIÁLOGO FREIRIANO

Freire: Reconheço os riscos a que nos expomos ao enfrentar problemas


como este. De um lado, o do voluntarismo (...) e de outro, o do objetivismo mecani-
cista (...). Ambas estas concepções da história e dos seres humanos nela terminam por
negar definitivamente o papel da educação. A primeira, porque atribui à educação um
poder que ela não tem; a segunda, porque nega qualquer poder a ela.
No que diz respeito às relações autoridade-liberdade, o tema da pesquisa re-
ferida, corremos também o risco de, negando à liberdade o direito de afirmar-se, exa-
cerbar a autoridade ou, atrofiando esta, hipertrofiar aquela. Em outras palavras, cor-
remos o risco de cair seduzidos ou pela tirania da liberdade ou pela tirania da autori-
dade, trabalhando, em qualquer das hipóteses, contra a nossa incipiente democracia14.
Joanna: A tirania da autoridade é perigosa, mas, a tirania da liberdade é tão
perigosa quanto, não acha?
Freire: A mim me dá pena e preocupação quando convivo com famílias que
experimentam a da em que as crianças podem tudo: gritam, ris-
cam as paredes, ameaçam as visitas em face da autoridade complacente dos pais que
se pensam, ainda, campeões da liberdade. Submetidos ao rigor sem limites da autori-
dade arbitrária as crianças experimentam fortes obstáculos ao aprendizado da deci-
são, da escolha, da ruptura. Como aprender a decidir, proibidas de dizer a palavra, de
indagar, de comparar. Como aprender democracia na licenciosidade em que, sem ne-
nhum limite, a liberdade faz o que quer ou no autoritarismo em que, sem nenhum
espaço, a liberdade jamais se exerce?
Estou convencido de que nenhuma educação que pretenda estar a serviço da
boniteza da presença humana no mundo, a serviço da seriedade da rigorosidade ética,
da justiça, da firmeza de caráter, do respeito às diferenças, engajada na luta pela reali-
zação do sonho da solidariedade pode realizar-se ausente da tensa e dramática relação
entre autoridade e liberdade15.
Joanna: Para finalizar, teríamos como fazer uma reflexão sobre a Educação e
os processos que a sustentam?
Freire: Não é possível fazer uma reflexão sobre o que é educação sem refletir
sobre o próprio homem. (...), o homem se sabe inacabado e por isso se educa. Não
haveria educação se o homem fosse um ser acabado. A educação é uma resposta da
finitude da infinitude. A educação é possível para o homem, porque este é inacabado
e sabe-se inacabado. Isto leva-o a perfeição. A educação, portanto, implica uma busca

14
Idem, p. 31.
15
Pedagogia da Indignação: Cartas pedagógicas e outros escritos. Organização e participação de Ana Maria
Araújo Freire. 2014, p. 37-38.

130
DIÁLOGO FREIRIANO

realizada por um sujeito que é o homem. O homem deve ser o sujeito de sua própria
educação. Não pode ser objeto dela. Por isso, ninguém educa ninguém16.
A educação tem caráter permanente. Não há seres educados e não educados.
Estamos todos nos educandos. Existem graus de educação, mas estes não são absolu-
tos. A sabedoria parte da ignorância. Se num grupo de camponeses conversarmos so-
bre colheita, devemos ficar atentos para a possibilidade de eles saberem muito mais
do que nós. Se eles sabem selar um cavalo e sabem quando vai chover, se sabem se-
mear, etc., não podem ser ignorantes, o que lhes falta é um saber sistematizado. Por
isso não podemos nos colocar na posição superior que ensina um grupo de ignoran-
tes17.
Com base no inacabamento, nasce o problema da esperança e da desespe-
rança. Podemos fazer dele o objeto de nossa reflexão. Eu espero na medida em que
começo a busca, pois não seria possível buscar sem esperança. Uma educação sem
esperança não é educação.
Joanna: Professor Paulo Freire, só tenho a agradecer suas palavras e o quanto
elas me ajudam a refletir questões na nossa educação. Sabemos que existem perguntas
que nunca terão respostas e que na educação não existe formulas mágicas ou receitas
de bolo, sabemos que o senhor viveu em um tempo em que discutia-se pouco as ques-
tões raciais e também as questões de gênero, por isso sabemos das limitações de deba-
ter esses temas tão caros à educação. No entanto, foi um prazer poder beber de sua
fonte inspiradora e poder te parafrasear será sempre um grande prazer. Tenho certeza
que recorrer a ti nos momentos angustiosos da educação será sempre um refresco di-
ante das pancadas diárias que encontramos no chão da escola, será sempre uma fonte
de esperança. Pois, com suas palavras aprendi a amar o diálogo e a nutrir-me dele e em
face ao novo, não repelir o velho por ser velho, nem aceitar o novo por ser novo, mas
aceitá-los na medida em que me forem válidos18. Aprendi a acreditar que a educação
será sempre possível, enquanto houver a Esperança.

16
Educação e Mudança. 39ªed. p. 33-34.
17
Idem p. 35.
18
Parafraseando Freire. Educação e Mudança. 39ª ed. p. 54.

131
ENSINAR EXIGE RESPEITO À AUTONOMIA
DO SER EDUCANDO

Eliziane de Sales Pinto 1


Marcia Michelly Pereira Duarte 2
Mycaelle da Silva Tavares 3

O respeito à autonomia a dignidade de cada um é


um imperativo ético e não um favor que podemos
ou não conceber uns aos
Paulo Freire

A obra de Paulo Freire Pedagogia da Autonomia nos promove uma reflexão


acerca da autonomia do ser educando, através disso um respeito à dignidade e as
diferenças envolvidas no processo de educar. O conceito de autonomia remete a
capacidade do indivíduo de realizar escolhas, utilizando-se de seu poder de decisão e
avaliação dos riscos, aplicando-se esse conceito na educação, a autonomia refere-se a
permitir a liberdade do aluno no seu próprio processo de aprendizagem, sendo que
nesse processo trabalha-se a confiança, a ética e o respeito.
O processo vivido em sala de aula deve ir muito além do ato do professor
transmitir o seu conhecimento adquirido, mas sim, de manter um diálogo onde as
duas partes exponham o seu saber, dúvidas e questionamentos acerca do que lhes foi
apresentado, buscando assim um consenso diante do exposto, tendo em vista que
todo questionamento é algo a ser levado em consideração, pois este é transformado
em aprendizagem. Neste momento é fundamental respeitar a liberdade do outro e dar
a cada aluno a chance de escolher, encorajando-o a pensar de modo independente,
deixando com que suas curiosidades se manifestem em sala de aula, sem medo dos
questionamentos dos demais alunos ou mesmo dos professores.
O educador precisa desenvolver no educando a capacidade deste de ter seu
próprio senso crítico, que não necessariamente será igual ao dele, pois a autonomia só
somente ocorre quando o estudante é capaz de interagir, falar, expressar e sair do seu

1
Assistente Social graduada pela Unileão. Especialista em Seguridade Social pela FAK. Crato CE.
2
Enfermeira Residente em Saúde Coletiva pela COREMU-PE. Juazeiro do Norte CE.
3
Enfermeira graduada pela Unileão. Especialista em Saúde pública e da Família pela FAK. Crato - CE
DIÁLOGO FREIRIANO

individualismo, sendo capaz de estabelecer relações e conclusões diante de seus co-


nhecimentos prévios e das relações feitas a partir das novas informações e interações.
O educador precisa despertar no educando a capacidade deste de ter seu pró-
prio senso crítico, que não necessariamente será igual ao dele, pois a autonomia so-
mente ocorre quando o educando é capaz de interagir, falar, expressar e sair do seu
individualismo, sendo capaz de estabelecer relações e conclusões diante de seus co-
nhecimentos prévios e dos adquiridos possibilitando o rompimento com consciência
bancária e o ceticismo que o educando é parte passiva no processo educacional.
Esse processo de interação em sala de aula do aluno com seus colegas e com
o professor, contribui para sua vivencia extra sala de aula, a autonomia e confiança
conquistada ao decorrer do seu aprendizado escolar é expressado também em sua
vida cotidiana, tendo seu impacto positivo em suas relações sociais. A educação é de-
terminante no desenvolvimento de seres humanos comprometidos com a ética e com
o bem, despertar o aluno para a consciência humana, para a responsabilidade e o res-
peito as diferenças, é contribuir infinitamente na construção de uma sociedade mais
equânime.
Essa consciência humana só se dar partindo do pressuposto que cidadãos
conscientes são formadores de pensamentos críticos, de uma visão de mundo onde a
ética e o respeito são a base para uma sociedade mais justa, e que uma educação base-
ada na busca incessante pelo conhecimento transforma a vida dos envolvidos neste
processo, mas para que isso aconteça é necessário que haja além da interação entre os
envolvidos, que essa aprendizagem ultrapasse os muros da escola, e passe a fazer parte
do cotidiano deste grupo de pessoas

134
CAFÉ COM PAULO FREIRE
PARA PENSAR E MUDAR O MUNDO:
A EXPERIÊNCIA DO NÚCLEO VARGINHA/MG

Priscilla Bibiano 1

primavera vive em meu coração.


Victor Hugo

INVERNO DE 2018
Uma coceira nas lembranças de Liana2, faz memória a um grupo que ela ha-
via participado, chamado Café com Morin. Em uma conversa com sua grande amiga,
Ana Felíccia3, a memória do patrono da educação brasileira - Paulo Freire - une o
vivido à utopia. Liana e Ana, lançam em suas redes sociais um sonho: o sonho de ver
o legado de Paulo Freire sendo pensado e repensado. Neste processo de reinventar
Freire, nasce uma esperança, um inédito viável, chamado Café com Paulo Freire, que
tem por objetivo principal pensar e transformar o mundo. Para Ana Felíccia, este é
um dos modos de resistir aos processos políticos de ataque às lutas populares e crimi-
nalização dos movimentos sociais e, em especial, à defesa legítima e imprescindível da
imagem e trajetória de Paulo Freire.
Liana e Ana, "mães biológicas" da ideia, ao experienciarem a boniteza do
fruto que estava sendo gestado em seu coração, como todo bom(a) freiriano(a), não
conseguiram ficar com o tesouro só para elas. Ao ser compartilhada, a proposta foi
sendo amada por tantos outros corações freirianos e, assim - desde julho/2018, o Café
com Paulo Freire vem cooptando assento em outros colos amorosos.

1
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Lavras/MG, pedagoga, autora do livro Educação po-
pular freiriana: por uma pedagogia da humanização, curadora local do Café com Paulo Freire.
2
Doutora em Educação. Professora da Rede Municipal de Porto Alegre. Co-criadora do Café com Paulo
Freire
3
Doutora em Educação. Professora Estadual e da Rede Municipal de Porto Alegre. Co-criadora do Café
com Paulo Freire
DIÁLOGO FREIRIANO

O objetivo deste relato de experiência é contar sobre a vida do Café com


Paulo Freire - Varginha/MG, desde o seu nascimento. Para além de registrar a traje-
tória de um grupo de estudos, vislumbramos a expansão deste sonho coletivo de ter
Paulo Freire reinventado. O Café com Paulo Freire nasce como uma experiência
alada, que tem - portanto - a essência de voar. Essência que vem se estabelecendo
como um de nossos gritos de militância: Voa, Café!!!
"Voa, Café" que tem uma multiplicidade de significados e significâncias: o
café que faz acordar, o café que dá energia, que desperta, o café que é forte, que esti-
mula, que faz palpitar o coração. Por estes e tantos outros efeitos, precisamos que
nosso Café voe... que saia do chão das ideias e reflexões e torne-se prática cotidiana de
reumanização, que erga do solo nosso "fazer a diferença" em um mundo carcomido
pela desigualdade social, intolerância e injustiça. E foi - literalmente - o voar, que en-
charcou o solo varginhense com este Café arrebatador.

NASCIMENTO DO NÚCLEO VARGINHA


Liana, em 16/07/2018, lança um convite em um grupo privado de Facebook.
No dia seguinte, 17/07/2018, é a vez de Ana Feliccia reforçar o convite:

Como é possível perceber em suas palavras, o convite vem encharcado de


esperança e crença na possibilidade de um mundo diferente. Talvez, por isso, ele cum-
pra exatamente a sua função: sensibilizar. Em 26/07/19, às 10h10min, Liana expande
este convite para compartilhamento público. Com o potencial multiplicador da co-
municação digital, sua publicação ganha novos alcances. Angela Biz Antunes, diretora
do Instituto Paulo Freire, compartilha também a publicação (19h19min) e, da linha

136
DIÁLOGO FREIRIANO

Como dito, foi o voar - ou melhor, o não voar - que nos possibilitou entrar
nesta teia. Ao ver a publicação de Angela, ainda no mesmo dia (23h13min), meu co-
ração acelerou. Em tempos sombrios, de uma política suja e desumana, a possibilidade
de sonhar novamente acontece e mobiliza. Fiquei "maluca" de vontade de participar.
Ao olhar o local, o coração dói: Porto Alegre/RS. Impossível voar até lá todo mês. Mas
sou freiriana, trago em mim a vocação ontológica de ser mais, de ser inconformada,
de ir além do que é dado. Dormi pensando no Café; na manhã do dia seguinte, acordei
pensando novamente. A coceira nas ideias me atacou e não resisti. Se não posso voar
até o Café, por que não pedir que ele voe até mim? Foi assim, que o desejo individual
de participar virou coletivo: por que não pedir que ele voe até nós?? Afinal, café sugere
queijo, queijo sugere Minas Gerais...
Um tanto quanto receosa, deixei a coragem e ousadia - outras características freiria-
nas, falarem mais alto. Com esperança, entrei em contato com Liana e indaguei da
possibilidade de trazer a ideia para nosso município. Três dias depois, ela me retorna
dizendo que era possível formar grupo em qualquer lugar, desde que trabalhássemos
os mesmos temas. Foi assim que, no mesmo dia, comecei a convidar pessoas. Em duas
semanas tínhamos 34 pessoas se dizendo interessadas. Agora era fazer acontecer.

A proposta tomou forma e, no dia 21/08/2018, o primeiro encontro aconte-


ceu: com 26 pessoas, entre assistentes sociais, filósofos, auxiliares de escola, educado-
ras de creche, professoras, educadoras de educação não-formal, diretora de escola, su-

137
DIÁLOGO FREIRIANO

pervisora, diretora de projetos sociais, intérprete de libras, fotógrafa, estudantes e pro-


fessores de curso de pedagogia, agente e coordenadora de pastoral da Criança, presi-
dente do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, coordenadora da Secre-
taria de Educação... ufaaaa, diversidade e boniteza pra todo gosto.
A previsão era de um encontro com duração de 2h, em média. A primeira
temática determinada: Diálogo. A metodologia utilizada para este primeiro momento
era de acolhimento e prática de diálogo, aqui entendido e refletido como fala e escuta
verdadeira. Como receber pessoas que, em sua maioria, não se conheciam sem passar
por processo de apresentação? Então, foi o que fizemos: experimentamos a proposta
freiriana de círculo de cultura para nos conhecermos.

jargão, nossos caminhos passaram a se entrecruzar. Foram dispostas fotos de todxs xs


participantes e, um(a) pegava uma foto de alguém que conhecia (mesmo que fosse
pouco) e apresentava aos demais. Essa pessoa validava ou não a fala da outra e, se qui-
sesse, fazia seus acréscimos acerca de si. O diálogo girou em torno das histórias, do
saber acadêmico e do saber de experiência feito de cada uma e cada um. Muitas his-
tórias, memórias, muita diversidade; mas, ao final de cada fala/relato/conto, um pro-
pósito em comum: crescer intelectualmente, a partir do estudo de Paulo Freire, a fim
de lutar contra a desigualdade social e a desumanização. Andarilhar, esperançar... al-
çar voo.
Ao final do encontro, a sensação era redundantemente de encontro. En-
contro no sentido de ir em direção a, estar diante, reunião, confluência. Muita alegria,
espírito de partilha, gratidão e sonho.

Desde então, este grupo vem encontrando-se nas ideias e ideais, seja física
ou virtualmente.

138
DIÁLOGO FREIRIANO

Era inverno o contexto político do país exigia, ainda mais, mobilização po-
pular frente aos retrocessos e atrocidades que vinham se legitimando mas, uma se-
mente havia sido plantada... agora era regar, adubar, cuidar, para vê-la florescer. Mais
do que nunca, o Café com Paulo Freire constituía-se como inédito viável.

ESTRUTURAÇÃO
Mas, o que estudar neste contexto? O que fazer? Como fazer? Onde fazer?
Com quem fazer? A proposta exige organização e rigorosidade metódica, a fim de não
cair em mero verbalismo ou ativismo; como diz Freire (1996, p.24): "A reflexão crítica
sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria
pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo".
Para tanto, foi estabelecido coletivamente que os encontros aconteceriam da
seguinte maneira:

a) Participantes: número livre


A participação foi aberta a todas as pessoas que quisessem conhecer, apro-
fundar na proposta de Paulo Freire, independente de área de atuação. Desde que se
posicionasse no mundo como ser de busca, de querer ser mais, mesmo que a prin-
cípio tivesse ideias, aparentemente, divergentes. Até mesmo porque, a ideia é pensar
e transformar o mundo; sendo assim, seria ótimo avaliar e verificar que houve mu-
dança de mentalidade (caso não fosse coerente à proposta), a partir dos estudos e vi-
vências do grupo.
Como já dito, o grupo iniciou com 34 interessados, destes, 26 participaram
do primeiro encontro. De lá para cá, o grupo foi criando identidade e se estabelecendo
conforme disponibilidade de dias e horários, intenções e, até mesmo, pela afinidade
que vem sendo criada. Como o número de pessoas a cada encontro estava muito flu-
tuante, em termos de quantidade, foi necessário pedir que realmente ficasse quem ti-
vesse interesse de participação mais efetiva. Embora o número não interferisse dire-
tamente no estudo, interferia muito na metodologia pensada pela curadora local.
Houveram vezes em que o encontro foi preparado com procedimentos didáticos para
20 e apareceram 9 participantes.
Também vale considerar que o rigor é algo indicado pelo próprio Freire, e o
Café com Paulo Freire não deveria ser estabelecido apenas como encontro esporádico
e despretensioso de amigos; ele implica em compromisso com a educação popular e
exige efetividade de quem se dispõe a estar na proposta.

139
DIÁLOGO FREIRIANO

Infelizmente, no aniversário de um ano do grupo, uma de nossas integrantes


faleceu. Hoje, temos 11 pessoas que se tornaram o grupo fixo, sempre participam, to-
mam as decisões. Todas mulheres, motivo pelo qual, passaremos a escrever somente
no feminino. Em se tratando de áreas de atuação: assistentes sociais, diretora de escola,
supervisora escolar, professoras, coordenadora de pastoral da criança.
Para o ano de 2020, serão abertas novas vagas com a finalidade de expandir
o alcance das ideias força estudadas todas elas necessárias ao contexto sócio-histó-
rico-político que vivemos.
Voa, Café... com amplitude e qualidade!!!

b) Periodicidade: mensal
Embora o desejo fosse (e ainda é) de reunir quinzenalmente, a escassez do
tempo cronológico e agendas de cada participante, são dificultadores. Então, o que
tem sido feito, é buscar driblar essa escassez do tempo do relógio (tempo contado
cronos) contando com a ajuda do tempo vivido (tempo sentido kairos). Ou seja, o
aproveitamento do tempo torna-se uma exigência e, ao mesmo tempo, uma metodo-
logia. Todas as atividades e momentos são remetidos ao estudo. Assim vamos, tam-
bém, além de estudar teoria, vivê-la em cada encontro.
Exemplo disto são as categorias freirianas amorosidade, diálogo, justa ira.
Mesmo que elas não sejam a ideia força do mês, elas passam a estar presentes no jeito
de ser e estar de cada uma. Por exemplo: temos uma colega que perdeu o esposo, que
era quem a levava todo mês, visto morar em outra cidade. Com seu falecimento, essa
colega ficou impedida de estar conosco. Em um dos encontros, organizamo-nos em
caronas solidárias e fizemos o encontro na casa dela, gastamos mais tempo contado...
e multiplicamos em mil o tempo sentido. Vivemos a amorosidade, o respeito, reuma-
nizamo-nos um pouco mais ao sermos empáticas com a dor do outro e, isto, é ex-
tremamente freiriano. De que adianta querer saber como aplicar a teoria freiriana se
ela não for transportada para o dia a dia? A vivência das aprendizagens precisa ser
realidade.
Em alguns meses não foi possível realizar o encontro, portanto, fizemos dois
em outro mês. Ao final do primeiro ciclo, que estamos considerando de agosto/2018
a dezembro/2019, teremos realizado encontro todos os meses, exceto mês de férias
escolares.

c) Duração: 2h30min
Os encontros têm cerca de 2h30min de duração, sendo dividido este tempo
em acolhida, estudo, encaminhamentos e café (lanche).

140
DIÁLOGO FREIRIANO

d) Local: itinerante
O primeiro encontro foi realizado em uma escola social que trabalha na pers-
pectiva da educação popular. Escolhida como ponto de partida pela proposta peda-
gógica, coerente ao grupo, e por estar em área central; o que facilitaria o trajeto de
todxs.
De comum acordo, ficou estabelecido que a proposta de itinerância era uma
ideia interessante. Para além de contemplar a facilidade de acesso de todos e todas,
oportunizaria o conhecimento de novos espaços que trabalham na garantia de direi-
tos. Assim foi feito, encontro em uma escola social, depois em uma ong, depois num
centro municipal de educação infantil.
Com a reformulação do número de participantes, ficou decidido que os en-
contros passariam a ser nas casas das integrantes. O que gerou mais entrosamento
ainda... o acolher/ir em casa trouxe a possibilidade de conhecer mais a fundo quem

Para 2020, temos uma proposta de realizar o Café em espaços públicos, ge-
rando visibilidade e curiosidade acerca da proposta.

e) Metodologia: encontros dialógicos reflexivos


A metodologia baseia-se em encontros dialógicos reflexivos (círculos de cul-
tura) com utilização de procedimentos didáticos diversificados e místicas tão carac-
terísticas em movimentos populares. A opção pelo trabalho em círculo é proveniente
da possibilitação física da igualdade: no círculo todos estão à mesma altura, todos se
olham e se veem. O animador dessa roda de conversa tem o papel de coordenar, in-
centivar o diálogo que é a base da reflexão, do estudo.

Assim, em lugar de escola, que nos parece um conceito, entre nós, demasiado car-
regado de passividade, em face de nossa própria formação (mesmo quando se lhe
dá o atributo de ativa), contradizendo a dinâmica fase de transição, lançamos o Cír-
culo de Cultura. Em lugar de
ordenador de Debates. Em lugar de aula discursiva, o diálogo. Em lugar de aluno,

alienados, programação c
dizado (FREIRE, 1978, p. 102).

No Círculo de Cultura, todos aprendem, todos ensinam. O seu conteúdo te-


matiza conhecimentos gerais e assuntos relacionados à prática social, na perspectiva
da participação política, visando a soluções para as adversidades do mundo do traba-
lho e da vida.

141
DIÁLOGO FREIRIANO

A curadoria local seleciona material que traga referência ao conceito de cada


categoria a ser estudada. Esses materiais são, basicamente: textos, músicas e vídeos
por motivos esteticamente intencionais, como explicamos abaixo.
O espaço é sempre organizado de modo a compor um cenário que sensibi-
lize, tornando, a estética do local, um objetivo. Entendemos estética como prevê sua
etimologia: do grego aisthêtiké, que tem a faculdade de sentir ou de compreender; que
pode ser compreendido pelos sentidos. Isso significa que, quanto mais os materiais es-
colhidos passarem pelos sentidos dos participantes (audição, tato, olfato, paladar e
tato), maior a chance de o conteúdo ser consolidado. Daí a importância de preparação
dedicada, com significado e esteticamente efetiva.
Em todos os encontros são realizadas leituras de textos sobre as ideias força.
Esses textos são lidos coletivamente, com paradas para reflexões e contextualização à
realidade de cada participante. São enviados com antecedência para que todos possam
se organizar e, se quiserem, fazer leitura antecipada.
A mística é parte constituinte e busca ser essa energia criativa que não deixa
cansar, nem desistir. Torna-se a força invisível que faz a pele arrepiar, que impulsiona
a querer estar ali novamente... uma força que não se consegue explicar, tocar e medir,
mas que sentimos que nos impulsiona a acreditar, a lutar e a cuidar das conquistas
alcan
continuar quente, vivo e intenso.
O acolhimento também é sempre entendido como componente fundante. O
abraço, o sorriso, as lágrimas que se tornaram inevitáveis em alguns momentos, o per-
guntar do outro, o se importar se está tudo bem... amorosidade proposital e desejada;
constituidora de intimidade e criação/fortalecimento de vínculo. A organização das
caronas... O importar-se com a presença de todas nos encontros... Tudo vai fortale-

O café é sempre momento de ale-


gria. Comer e beber juntas, preparar ou se
preocupar de adquirir o alimento certo a ser
levado, a boniteza de usarmos as mesmas
canecas4, que nos são tão preciosas e trazem
identidade e sentimento de pertença!

4
Arte da caneca: Aline Daka. Aline é artista visual e educadora. Começou a "quadrinhar" fazendo fanzines
no movimento anarcopunk dos anos 90. Logo depois se formou em artes visuais pela Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul e complementou seus estudos na Faculdade de Belas Artes da Universidade

142
DIÁLOGO FREIRIANO

Momento de comemorar
zer à memória. Commemorare também significa com-memorare, isto é, recordar
com, recordar junto com o outro. Festa, alegria, comunhão...

f) Temas: conforme ideia força enviada pelas curadoras gerais da rede.


O Café com Paulo Freire foi pensado para acontecer em Porto Alegre/RS.
Quando a ideia ganhou asas, as curadoras propuseram que os temas deveriam ser os
mesmos em todos os núcleos, para dar unidade à proposta. Por isso, as ideias força
são estabelecidas mês a mês, conforme demanda do encontro anterior e são divulga-
das a todos os Cafés.
O tema gerador é uma metodologia inovadora que estimula a curiosidade,
provoca o debate, prioriza a problematização dos saberes já constituídos histórica e
socialmente pelos seres humanos, situados em um mundo concreto, conflituoso e
contraditório.

construído por cada sujeito e o saber em processo de construção intersubjetiva a partir


do seu nível de com-
preensão da realidade constitutivo de um mundo intersubjetivamente partilhado é
possível desencadear a discussão problematizadora que, explicitando as diferenças de
visão de mundo e as contradições intrínsecas à produção da realidade social, gera no-
vos níveis de consciência/conhecimento da realidade problematizada, oportuni-
zando, a cada sujeito, a ressignificação de sua visão de mundo.
Embora as temáticas não sejam de escolha de cada núcleo, são extremamente
pertinentes aos contextos5 e momentos, e não se tornam imposição. Realmente, se
tornam uma sequência natural do estudo, um estimula o outro:
1º 21/08/2018: Apresentações
2º 25/09/2018: Diálogo
3º 23/10/2018: Esperança
4º 22/11/2018: Indignação
5º 11/12/2018: Amorosidade e Alegria

de Lisboa, em Portugal. É mestre em Educação, na linha de pesquisa Filosofias da Diferença e Educa-


ção/UFRGS e atua como professora de desenho. Também é ilustradora da (n.t.) Revista Literária em Tra-
dução na qual publica semestralmente quadrinhos a partir de poemas e textos literários; da mesma revista
é curadora e ensaísta do Suplemento de Arte. Com HQs, colabora para revistas de arte e literatura.
5
As ideias força, especialmente as iniciais, no ano de 2018, são um contraponto reflexivo à conjuntura
política, eleitoral. Buscando contribuir na conscientização e exortando acerca da importância da partici-
pação popular efetiva e militante pela garantia de direitos.

143
DIÁLOGO FREIRIANO

6º 02/04/2019: Conscientização
7º 30/04/2019: Pensar certo e Saber de experiência feito
8º 28/05/2019: Resistência
9º 09/07/2019: Paulo Freire: vida e obra
10º 10/09/2019: Inéditos viáveis
11º 24/09/2019: Manifesto em Defesa ao Legado de Freire
12º 20/10/2019: Retrospectiva geral
13º 26/11/2019: Paulo Freire: presente até na ausência
14º 30/11/2019: Confraternização

OS ENCONTROS
Os quadros a seguir apresentam de modo sintético os encontros do grupo,
com a finalidade de convidar a leitor(a) a se debruçar sobre esta trajetória, a entrar
nela por meio de um olhar aguçado e curioso nas fotos; a imaginar as místicas; a bus-
car construir uma linha do tempo com as ideias força; a bagunçar essa mesma linha
unindo um tema a outro que não esteja logo em seguida; a pensar nas datas e aconte-
cimentos em nosso país... ouse estar conosco, sentir, entender, querer saber mais...
Topa?
1º ENCONTRO
DATA 21/08/2018
IDEIA FORÇA Apresentações
MÍSTICA Dinâmica de apresentação reversa
FOTOS

144
DIÁLOGO FREIRIANO

2º ENCONTRO
DATA 25/09/2018
IDEIA FORÇA Diálogo
MÍSTICA Conto africano Ubuntu
E que é o diálogo? É uma relação horizontal de A com B. [...] Nutre-se do amor,
da humildade, da esperança, da fé, da confiança. [...] Só aí há comunicação. O
diálogo é, portanto, o indispensável caminho (Jaspers), não somente nas ques-
tões vitais para a nossa ordenação política, mas em todos os sentidos do nosso
ser (FREIRE, 1978, p. 115).
SOBRE Somente quem escuta paciente e, criticamente, o outro, fala com ele sem preci-
sar se impor. Assim, para Freire (1996, p.132), no processo da fala e escuta, a
disciplina do silêncio, a ser assumido a seu tempo pelos sujeitos que falam e

mocrático, que aprende a falar escutando, é cortado pelo silêncio intermitente


de quem falando, cala, para escutar a quem, silencioso e não silenciado, fala.
FOTOS

3º ENCONTRO
DATA 23/10/2018
IDEIA FORÇA Esperança
MÍSTICA Bonecas Abayomis
mas por imperativo existencial e his-
da Es-
perança.
SOBRE
ao abrir o livro Pedagogia da Indignação, refere-se ao apenas esperar: tempo
perdido, para ele, o tempo de espera precisa ser um tempo de quefazer. Espe-
rançar é não desistir.
FOTOS

145
DIÁLOGO FREIRIANO

4º ENCONTRO
DATA 22/11/2018
IDEIA FORÇA Indignação
MÍSTICA Energia do Círculo e Mãos dadas
Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação para minha briga
tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como mo-
tivação de minha briga porque, histórico, vivo a História como tempo de possibilidade
e não de determinação. Se a realidade fosse assim porque estivesse dito que assim teria
de ser não haveria sequer por que ter raiva. Meu direito à raiva pressupõe que, na ex-
periência histórica da qual participo, o amanhã não é algo pré-datado, mas um desafio,
um problema. A minha raiva, minha justa ira, se funda na minha revolta em face da

por isso, cruzar os braços fatalistamente diante da miséria, esvaziando, desta maneira,

SOBRE mudar porque a realidade é mesmo assim. (FREIRE, 1996, p.74)


Não junto a minha voz à dos que, falando em paz, pedem aos oprimidos, aos esfarra-
pados do mundo, a sua resignação. Minha voz tem outra semântica, tem outra música.
Falo da resistência, da indignação, da "justa ira" dos traídos e dos enganados. Do seu
direito e do seu dever de rebelar-se contra as transgressões éticas de que são vítimas
cada vez mais sofridas. (FREIRE, 1996, p. 113)
Está errada a educação que não reconhece a justa raiva, na raiva que protesta contra as
injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um
papel altamente formador. O que a raiva não pode é, perdendo os limites que a confir-
mam, perder-se em raivosidade que corre sempre o risco de se alongar em odiosidade.
(FREIRE, 1996, p. 45)
FOTOS

5º ENCONTRO
DATA 11/12/2018
IDEIA FORÇA Amorosidade e Alegria
MÍSTICA Lançamento de Livro Freiriano

quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua

de liberdade, não pode ser pretexto para a manipulação, senão gerador de outros atos

SOBRE
É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem
mil vezes antes de uma desistência. É impossível ensinar sem a capacidade forjada, in-
ventada, bem cuidada de amar. [...] É preciso ousar, no sentido pleno desta palavra,
para falar em amor sem temer ser chamado de piegas, de meloso, de a-científico, senão
de anticientífico. FREIRE (1994, p. 10)

146
DIÁLOGO FREIRIANO

FOTOS

6º ENCONTRO
DATA 02/04/2019
IDEIA FORÇA Conscientização
MÍSTICA Relatos de experiência
Para Freire (1978), existem graus de compreensão da realidade:
Consciência Intransitiva: condição do ser humano que está imerso em sua
realidade e que, ainda, não tem a capacidade de objetivá-la, de materializá-la,
restringindo suas preocupações no vital biológico, na sobrevivência.
Consciência Transitivo-ingênua: ainda se move, nos limites do confor-
mismo. Embora já perceba a contradição social, é um tipo de consciência de-
pendente que transfere para outros a responsabilidade na solução de seus pro-
SOBRE blemas. Caracteriza-se pela interpretação simplificadora dos problemas e pelo
imaginar que o passado foi melhor que o presente. Ao conduzir-se apenas pela
emoção, tem dificuldades para o diálogo, para a argumentação racional
mostrando-se, muitas vezes, sectária e fanatista.
Consciência Transitivo-crítica: caracteriza-se pelo pensar autônomo, pela
profundidade com que interpreta os problemas e pelo engajamento sociopo-
lítico. É democrática, interpreta, racionalmente, a realidade e é dialógica, por-
tanto, receptiva.
FOTOS

147
DIÁLOGO FREIRIANO

7º ENCONTRO
DATA 30/04/2019
IDEIA FORÇA Pensar certo e Saber de experiência feito
MÍSTICA Ver, ouvir e sentir Freire
Chama-se a esse pensar certo de consciência revolucionária, ou de consciência de
classe; é indispensável à revolução, que não se faz sem ele. (FREIRE, 2015b, p. 84)
[...] não posso, de maneira alguma, nas minhas relações político-pedagógicas com
os grupos populares, desconsiderar seus saberes de experiência feito. Sua explica-
ção do mundo de que faz parte a sua própria compreensão de sua presença no
mundo. E isso tudo vem explicitado ou sugerido ou escondido no que chamo de
SOBRE
leitura de mundo que precede sempre a leitura da palavra. (FREIRE, 2000, p. 38)
Partir do saber de experiência feito para superá-lo não é ficar nele. (FREIRE, 2015a,
p. 37)
É próprio do pensar certo a disponibilidade ao risco, a aceitação do novo que não
pode ser negado ou acolhido só porque é novo, assim como o critério de recusa ao
velho não é apenas o cronológico. (FREIRE, 1996, p. 35)
FOTOS

8º ENCONTRO
DATA 28/05/2019
IDEIA FORÇA Resistência
MÍSTICA Poder da Mandala

A resistência freiriana tem a ver com a possibilidade de mudar o mundo, compreendê-


lo dinâmico, recusando o discurso de que a mudança irá acontecer espontaneamente,

Segundo Paulo Freire ão é a expressão da desistência da luta pela mu-


SOBRE
- a orgânica e/ou a cultural - são manhas necessárias

tual não inclui a todos não basta. É necessário precisa-


mente, por causa deste reconhecimento, lutar contra ele e não assumir a posição fata-
lista forjada pelo próprio sistema e de acordo com o qual não há o que fazer, a realidade
0, p. 123).

148
DIÁLOGO FREIRIANO

FOTOS

9º ENCONTRO
DATA 09/07/2019
IDEIA FORÇA Paulo Freire: vida e obra
MÍSTICA Cordéis e Música
FOTOS

10º ENCONTRO
DATA 10/09/2019
IDEIA FORÇA Inéditos viáveis
MÍSTICA Foi-se a Mariane, ficam os Girassóis e seu amor por eles
O "inédito-viável" é, na realidade, uma coisa inédita, ainda não claramente conhecida
e vivida, mas sonhada. (NITA FREIRE citada por FREIRE, 2015a, p. 279).
Para Ana Maria Freire, o inédito-viável é uma palavra epistemologicamente constru-
SOBRE ída, para expressar, com enorme carga afetiva, cognitiva, política, ética e ontológica, os
projetos e os atos das possibilidades humanas (UTOPIA e democracia: os inéditos-vi-
áveis na educação cidadã. In: Azevedo, José Clóvis et al. (Org.). Utopia e democracia
na educação cidadã. Porto Alegre: SMED/UFRGS, 2000).

149
DIÁLOGO FREIRIANO

FOTOS

11º ENCONTRO
DATA 24/09/2019
IDEIA FORÇA Manifesto em Defesa ao Legado de Freire
MÍSTICA Ir ao encontro
ideológica ao pensamento crítico e, em particular, às
ideias do educador Paulo Freire, não apenas no Brasil, como também em outros
países da América Latina e do Caribe, o Conselho de Educação Popular da Amé-
rica Latina e do Caribe (CEAAL), em aliança com diversos movimentos, orga-
nizações e entidades sociais, manifesta-se pela construção da Campanha Latino-
SOBRE Americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire.
Justifica esta campanha a necessidade de defesa do legado de Paulo Freire e o
enfrentamento do contexto adverso em que vivemos em nosso continente, mar-
cado pelo aprofundamento das desigualdades sociais e dos processos históricos

FOTOS

12º ENCONTRO
DATA 20/10/2019
IDEIA FORÇA Retrospectiva geral
Vídeo com fotos dos encontros e músicas como referência para a construção
MÍSTICA
de um mapeamento geral

150
DIÁLOGO FREIRIANO

FOTOS

13º ENCONTRO
DATA 26/11/2019
IDEIA FORÇA Paulo Freire: presente até na ausência
MÍSTICA Onde está Paulo Freire?

PAULO FREIRE: entre a nossa presença, a denúncia de outros e o silêncio ou


mal-uso de alguns
SOBRE
Carta-desabafo de Carlos Rodrigues Brandão acerca da memória de Paulo
Freire, na visão atual de alguns grupos.

FOTOS

14º ENCONTRO
DATA 30/11/2019
IDEIA FORÇA Confraternização
MÍSTICA Cozinhar junto

151
DIÁLOGO FREIRIANO

FOTOS

Conforme pode-se ver, os temas geradores encadeiam-se um ao outro e, ao


mesmo tempo, geram uma bonita teia com muitas sinapses e interconexões. Exata-
mente porque surgem das demandas próprias do estudo e da realidade vivida. Os en-
contros são momentos de grande alegria para todas as participantes. Sempre dizemos
que é impossível descrever um que tenha sido melhor que o outro. Claro, cada um
deles marca de uma forma, alguns pelo conteúdo, outros pelas dinâmicas, outros pelo
afeto. Nada melhor que algumas falas próprias das participantes para exemplificar o
que tem significado o Café com Paulo Freire:

Há um ano fui convidada pela linda Priscilla Bibiano a tomar um café diferente. A
princípio, não sabia direito o que era. Quando contei a algumas pessoas, fui muito
criticada por querer estudar Paulo Freire, mas me arrisquei nessa experiência e con-
fesso: não me arrependo! Está sendo ótimo, conheci pessoas maravilhosas, fiz novas
amizades e, o mais importante, confirmei minha missão de fazer e querer um
mundo melhor. Que venham os próximos Cafés e que tenhamos mais pessoas que-
rendo defender o legado de Paulo Freire! (Daniele Fernandes)

O grupo de estudo mudou minha postura enquanto professora e ser humano, me


fez entender que a pedagogia de Paulo Freire é alicerçada pelo princípio do diálogo.
Diante de tantas adversidades que vivemos, desta luta de classes, veio trazer luz para
meu caminho e calmaria para meu coração, por me fazer acreditar que existe trans-
formação pela educação. A educação será a minha arma de luta a favor dos vulnera-
bilizados. O que tenho no coração em relação ao grupo é gratidão, por me apresen-
tar Paulo Freire e fazer com que suas abras se tornem inspiração para o meu trabalho
e se torne combustível para eu continuar lutando contra toda forma de opressão.
Fico com a frase do Carlos Rodrigues Brandão: "Educação não transforma o mundo.
Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo." Esse grupo tem me trans-
formado e eu também quero transformar as pessoas. (Élita Silva)

São tantas lembranças e acontecimentos nesse período do "Café com Paulo Freire"
que fica difícil escolher o que escrever. Em nossas reuniões, o que mais me marcou
foi o tema gerador "Diálogo". Nele, pudemos entender a fundo que é possível com-

152
DIÁLOGO FREIRIANO

preender o outro, a partir do dialogar. Nesse período, tivemos uma colega que fale-
ceu, infelizmente. Em um desses encontros, lembro perfeitamente suas palavras
"Hoje, não julgo mais ninguém". Palavras que muito me marcaram e trouxeram pro-
funda reflexão sobre nosso cotidiano. Cada um tem seu tempo, suas motivações, e
devemos nos colocar no lugar do outro. Uma reflexão que levarei comigo como
eterna aprendizagem. Assim é nosso "Café com Paulo Freire": muita emoção e
aprendizagens. (Inês Mesquita)

Fazer parte destes encontros tem sido maravilhoso, aprendi tantas coisas. Paulo
Freire, professor por excelência; com ele aprendi que ser professor não é apenas en-
sinar, mas aprender junto, compreender. Uma benção ter a Priscilla como media-
dora dos encontros! Uma freiriana que fez a diferença em minha vida e em minha
visão de educadora. Momentos únicos e especiais, que jamais sairão de meus pen-
samentos, aprendizagem para a vida. (Joice Ferreira)

Quando houve um convite para participar do café Paulo Freire, não hesitei, fui logo
aceitando, meu desejo era só um aprender; mais que tudo, me compreender. Ali ob-
servei uma chance de confrontar meu saber com os outros saberes, uma prática frei-
riana. Mas não imaginei que fosse aprender tanto... em alguns casos, confirmei os
meus saberes; em outros, foi doloroso... tive que desfazer meus conceitos, minhas
verdades. Entendi conceitos como perdão, luta, silêncio, afastamento, resistência,
ira. O que mais ficou, talvez por causa do momento político e pessoal que passamos,
foi o calar e afastar, até mesmo para recompor e criar estratégias para modificar mi-
nha forma de agir. Ler os textos de Paulo Freire, mesmo que não sendo obra inteira,
me proporcionou crescimento como pessoa: pude entender que o amor é funda-
mental, que não há espaço para diferenças e preconceitos. Infelizmente, somos fru-

julgamos melhores, como se nosso julgamento fosse sempre o correto. Escolhemos


caminhos para justificar nossos erros e, nesse estudo, pude de forma muito peculiar
perceber o quanto escolhemos caminhos errados para justificar nossa vaidade.
Paulo Freire, uma pessoa repleta de conhecimento, se manteve humilde e não se
sobrepôs ao outro, pelo contrário, para ele somos um. Espero, durante essa minha
jornada, cada vez mais, aprofundar e fazer a diferença no mundo que vivo, mas de
forma embasada, com conceitos e livre de qualquer alienação. (Kely Giuliana Fer-
reira)

É com o coração cheio de gratidão que partilho minha experiência no Café com
Paulo Freire. Experiência esta que tem me levado a ter um olhar diferenciado a tan-
tas questões, a uma busca constante de ser melhor para o meu próximo em busca da
tão sonhada humanização... (Lucimara Machado)

Por algum tempo, a partir de dos engodos, engasgos típicos do fazer profis-
sional, vivi a desilusão de acreditar que não seria possível a mudança a partir do ou-
tro... passei a crer que somente o papel individual teria realmente efetividade. Estar
com este grupo, é reacender em mim a crença no papel multiplicador do coletivo. Sim,
estamos refazendo nossa atuação no mundo a partir do saber inédito que vimos cons-
truindo juntas. Estamos revisitando nossos conceitos, transformando alguns, refor-
çando outros. Isso é fantástico! Ao desejar voar com o Café, aceitamos que Paulo

153
DIÁLOGO FREIRIANO

Freire fosse impregnado em nossos discursos e nos modificasse. Isso é fazer o que ele
pediu: que reinventássemos suas ideias, seu legado.

sonhada a construção de uma rede de Cafés; mas, já que aconteceu, agora é ir! E com
. E é bem por aí... mais que indo, estamos voando... e felizes! Hoje, esta-
mos em: Arroio do Sal/RS, Belo Horizonte/MG, Cachoeira do Sul/RS, Canoas/RS,
Curitiba/PR, Goiânia/GO, Guaíba/RS, Mossoró/RN, Passo Fundo/RS, Pelotas/RS,
Porto Alegre)/RS (2 núcleos, Salvador (constituindo)/BA, Santa Cruz do Sul/RS, São
Borja/RS, São Paulo/SP, Varginha/MG. É certo que cada pessoa que participou saiu
modificada pela experiência. E este é nosso melhor e mais desejado resultado; afinal,
o Café com Freire é para pensar e transformar o mundo!
Que boniteza fazer parte disso! Vamos juntos e juntas?! Fica o convite: se
você se sente chamadx a revisitar visões de mundo e reconstruí-las a partir de uma
proposta de reumanização, de transformação social, junte-se à rede6. Força na luta!

6
Contato: cafecompaulofreire@gmail.com

154
DIÁLOGO FREIRIANO

BIBLIOGRAFIA
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1978.
149 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 165 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do opri-
mido. 22. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015a. 333 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 6.
reimp. São Paulo: UNESP, 2000. 134 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 59. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2015b. 253 p.
FREIRE, Paulo. Professora, sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar. 4. ed. São

MANIFESTO DE LANÇAMENTO DA CAMPANHA LATINO-AMERICANA E


CARIBENHA EM DEFESA DO LEGADO DE PAULO FREIRE. 2019. Disponível
em: http://cdhep.org.br/wp-content/uploads/2019/07/ManifestoDefensaLegado-
FreirePT.pdf. Acesso em: 16 nov 2019.
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José. Dicionário Paulo
Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 445 p.

155
DIÁLOGO FREIRIANO

ANEXO
Bibliografia dos textos utilizados pelo grupo de estudos:
BIBIANO, Priscilla. Educação popular freiriana: por uma pedagogia da humanização.
São Paulo: Dialogar, 2018. 203p.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Paulo Freire: entre a nossa presença, a denúncia de
outros e o silêncio ou mal-uso de alguns (nota liminar). 2019. 3 p.
DICKMANN, Ivo; DICKMANN, Ivanio. Primeiras palavras em Paulo Freire. São
Paulo: Editora Ação Cultural, 2016. 240 p.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 5. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1981.
149 p. (O Mundo, Hoje, v. 10)
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 15.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 165 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido. 22. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015a. 333 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. 6.
reimp. São Paulo: UNESP, 2000. 134 p.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 59. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2015b. 253 p.
MANIFESTO DE LANÇAMENTO DA CAMPANHA LATINO-AMERICANA E
CARIBENHA EM DEFESA DO LEGADO DE PAULO FREIRE. 2019. Disponível
em: http://cdhep.org.br/wp-
content/uploads/2019/07/ManifestoDefensaLegadoFreirePT.pdf. Acesso em: 16 nov
2019.
REINVENTANDO PAULO FREIRE O INÉDITO VIÁVEL. Disponível em:
http://www.projetomemoria.art.br/PauloFreire/paulo_freire_hoje/04_pf_hoje_rein
ventando_pf.html. Acesso em: 16 nov 2019.
STRECK, Danilo R.; REDIN, Euclides; ZITKOSKI, Jaime José. Dicionário Paulo
Freire. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 445 p.
VASCONCELOS, Maria Lúcia Marcondes Carvalho; BRITO, Regina Helena Pires de.
Conceitos de Educação em Paulo Freire. 6. ed. Petrópolis, RJ: Vozes: São Paulo, SP:
Mack Pesquisa Fundo Mackenzie de Pesquisa, 2014. 196 p.

156
PARTE III

ARTIGOS CIENTÍFICOS
DIÁLOGO FREIRIANO

158
ETNOGRAFIA FREIRIANA:
A DESCOBERTA DO UNIVERSO
SIMBÓLICO DO EDUCANDO NA BUSCA
PELAS PALAVRAS GERADORAS

Guilherme Ernesto de Andrade Neto 1


José Inaldo Valões 2

INTRODUÇÃO
Há uma dimensão antropológica nos educadores que reconhecem a impor-
tância da subjetividade dos educandos no processo de construção dos saberes, pois
esse reconhecimento lhes fará adentrar o universo de valores culturais que ele desco-
nhece. Nesse sentido, o educador comprometido pode ser comparado com um antro-
pólogo, que tenta desvendar os sentidos que os sujeitos atribuem a seus signos cultu-
rais para incorporá-los a suas estratégias didáticas.
Considerando esses aspectos pretendemos com esse brevíssimo ensaio refle-
tir sobre a dimensão antropológica e etnográfica do pensamento freiriano. Apresen-
taremos como a primeira encontra-se manifesta na forma como o pensador reconhe-
ceu a importância do ser do educando, ou seja, da alteridade no processo de constru-
ção dos novos saberes.
Na sequência, pensaremos a importância da etnografia, principalmente, na
primeira fase do método de alfabetização construído por Freire, quando o educador
deverá no contexto do educando para abstrair deste as palavras gerado-
ras. Entretanto, antes de abordarmos tanto a dimensão antropológica, quanto a di-
mensão etnográfica do pensamento deste autor, convém tecer algumas reflexões so-
bre a mobilização da etnografia, enquanto principal técnica da Antropologia Social.
De saída podemos ponderar que a princípio essa técnica foi concebida como
um fazer menor dentro da Antropologia, haja vista que seria impensável para os an-
tropólogos de gabinete, que se consideravam extremamente civilizados, conviver por
anos com os selvagens irascíveis das ditas culturas exóticas.

1
Mestre em Ciências Sociais Pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
2
Mestre em Ciências Sociais Pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).
DIÁLOGO FREIRIANO

Assim, as descrições etnográficas eram realizadas por missionários e aven-


tureiros. Estes, em contato com os povos colonizados, escreviam seus relatos e reco-
lhiam do campo todos os artefatos materiais e imateriais possíveis. Cabia ao antropó-
logo, autoridade intelectual incontestável, apenas ordenar tais objetos em um sistema
lógico, definido como paradigma evolucionista.
Um dos principais pressupostos do citado modelo analítico, afirmava que os
povos estudados estavam em um grau de evolução menor, quando comparados com
as sociedades ditas civilizadas. Nesse sentido, o percurso evolutivo das sociedades hu-
manas encontrou dois limites bem estabelecidos. No marco inicial estavam os povos
colonizados, primitivos e selvagens, no limite da régua evolutiva estava às sociedades
ocidentais européias, consideradas o suprassumo das sociedades humanas.
Não é difícil perceber, que em certa medida, as concepções evolucionistas
serviram para justificar os violentos processos de colonização do neocolonialismo.
Afinal, Coube aos mais evoluídos, contribuir para a evolução dos sel-
vagens. Argumento que justificou atrocidades contra várias etnias em diversas regiões
do continente africano, que tiveram seus territórios colonizados pelos brancos euro-
peus.

A AFIRMAÇÃO DO MÉTODO ETNOGRÁFICO


Porém, com Malinowsk (1978) surgiu a Antropologia moderna, que se ca-
racteriza pela consolidação da etnografia, realizada considerando uma série de prin-
cípios científicos. Contrastando com os evolucionistas, a partir desse pensador, o an-
tropólogo tornou-se o principal responsável pela produção dos seus dados. Coletados
por meio de um processo de profunda imersão na cultura estudada.
A premissa por trás dessa nova perspectiva etnográfica, afirmou que não se
pode conhecer verdadeiramente o outro, realizando apenas análises superficiais. As-
sim, em suas pesquisas no Litoral Sul da Nova Guiné, Malinowsk viveu longos perío-
dos com os nativos trobiandeses. Convivência marcada pela aplicação de um con-
junto de técnicas, rigorosamente descritas, com a finalidade de imprimir cientifici-
dade a Antropologia.
Com seu método etnográfico, o proeminente antropólogo tentou abarcar
em suas descrições e analises a totalidade da cultura estudada. Considerando tanto os
aspectos estruturais da anatomia social do grupo: organização social, genealogias e
formas de parentesco, quanto os seus costumes mais íntimos, através de uma espécie
de crônica do cotidiano nativo.

160
DIÁLOGO FREIRIANO

Logo, pensando sobre tais aspectos, podemos considerar que as descritas


mudanças, estavam relacionadas com a afirmação de um novo paradigma científico:
o funcionalismo. Para os antropólogos funcionalistas, as culturas devem ser pensadas
em seus próprios termos. Assim, o critério não foi mais realizar comparações eivadas
de prenoções entre grupos humanos distintos, mas pensá-los a partir de suas especi-
ficidades.
Os funcionalistas compreendiam que os múltiplos arranjos culturais, são
formas diversas que surgiram para possibilitar a existência humana nos mais variados
ambientes terrestres. Isto é, o complexo conjunto de costumes de um povo, possui a
funcionalidade de assegurar-lhe sua sobrevivência e reprodução. Logo, considerando
a citada premissa, seria dever do antropólogo, revelar a função a qual cada costume
estaria subordinado, bem como demonstrar as leis que regem esta subordinação
(MALINOWSKI, 1978).
A consolidação do método etnográfico foi fundamental para o avanço do
conhecimento acerca da diversidade cultural, pois a partir do mesmo desconstruiu-se
a noção de que os nativos eram selvagens, que viviam de forma caótica. Contrariando
esta percepção, o antropólogo demonstrou que nas sociedades tribais, os individuas
agem orquestrados por regras de regulação social tão sofisticadas, quanto as das soci-
edades ditas civilizadas.

UMA CONCEPÇÃO INTERPRETATIVA DA CULTURA


Diferenciando-se do modelo funcionalista, Geertz (1989) propôs uma con-
cepção interpretativa da cultura, podemos afirmar que não houve mudanças radicais
nas práticas etnográficas já consagradas. A imersão em campo permaneceu sendo
uma experiência fundamental para etnografia, pois apenas por meio da mesma, torna-
se possível ao etnógrafo construir relações, selecionar um grande número de informa-
ções, mapear genealogias, além de identificar os limites do campo de pesquisa. Logo,
podemos ponderar que, sem o fazer etnográfico seria impossível realizar o que ele
chamou de uma descrição densa.
De modo geral, a grande mudança proposta por esse autor alterou profun-
damente a forma como se concebia a cultura. Segundo o mesmo, seria um grande
equívoco aplicar arranjos conceituais, que definem previamente os signos de um de-
terminado povo. Não nos caberia determinar a que função elementar, um determi-
nado costume serve, tão pouco nos colocar frente ao nativo, enquanto sujeitos capazes
de compreender e explicar sua cultura melhor que ele mesmo.

161
DIÁLOGO FREIRIANO

Na sua perspectiva a cultura seria uma teia de significados construída pelos


sujeitos, que paradoxalmente lhes aprisionam. Caberia ao antropólogo desvendar os
sentidos atribuídos pelos nativos de uma dada cultura a seus signos. Percebe-se que
os sujeitos pesquisados assumem a centralidade do processo investigativo, cujo resul-
tado seria interpretar a interpretação que eles fazem de suas experiências culturais, o
que seria a interpretação da interpretação (GEERTZ, 1989).
Desse modo, o saber antropológico seria o resultado das relações construídas
a partir do encontro de alteridades informadas por cosmovisões distintas, que se en-
contram. Logo, o antropólogo perde sua áurea de portador exclusivo dos conheci-
mentos capazes de apreender as diversas culturas e explicá-las para seus nativos me-
lhor do que eles fariam, o que podemos categorizar como uma relação horizontal de
construção do conhecimento.

A ETNOGRAFIA PÓS-MODERNA
Com os pós-modernos, mas uma vez a etnografia foi repensada. Esses toma-
ram como alvo de análise as relações de poder que se estabelecem entre os antropólo-
gos e seus pesquisados. Vimos que o método etnográfico, por Malino-
wisk, segue um conjunto de pressupostos científicos, que afirma o antropólogo en-
quanto par diferenciado, portador do conhecimento, na relação com os nativos. Saber
que possibilitava ao mesmo, descrever e analisar a cultura, em sua inteireza.
Geertz, em sua antropologia interpretativa tentou relativizar tais premissas.
Segundo ele, o produto do fazer etnográfico é sempre uma interpretação da forma
como os sujeitos de uma cultura concebem seus signos. Assim, foi um equívoco an-
tropológico, tentar estabelecer as relações de sentido em uma cultura, desconside-
rando seus atores. Também seria questionável, tentar abarcar a totalidade dos costu-
mes, a partir de uma conceituação rígida. Logo, o fundamental estava em compreen-
der a relação que um determinado signo estabelece com a teia cultura da qual ele faz
parte.
Entretanto, os pós-modernos afirmam que tal esforço não foi suficiente, pois
a interpretação final sempre será a do antropólogo, que continua sendo uma autori-
dade, portadora do conhecimento acerca de certa cultura. Além do mais, para eles
Geertz continuou perseguindo a totalidade dos núcleos de significado da cultura, ten-
tando descrever as múltiplas conexões de significado entre os símbolos.
Para superar estes dilemas, os pós-modernos passaram a compreender o
texto etnográfico como resultado de múltiplas parcerias. Nesse caso, o antropólogo
torna-se uma espécie de mediador, responsável por apresentar os diversos discursos

162
DIÁLOGO FREIRIANO

acerca de um tema, em uma dada cultura. Assim, os nativos são chamados a serem
coautores do trabalho etnográfico.
Mas, para muitos os dilemas antropológicos e etnográficos estão longe de
serem resolvido, pois mesmo o texto etnográfico pós-moderno, guarda estruturas e
posicionamentos discursivos, que em última instância, foram definidos pelo antropó-
logo. Fato que torna improvável à superação de certas relações de poder (CALDEIRA,
1988).

A DIMENSÃO EDTNOGRAFICA DO MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO FREI-


RIANO
Após discutirmos sobre a importância do método etnográfico para a Antro-
pologia destacando como o mesmo vem sendo permanentemente reinventado, nos
deteremos em refletir acerca da dimensão etnográfica do método de alfabetização
construído por Paulo Freire. A princípio ponderamos que a Antropologia perpassa o
pensamento freiriano, cujo teor provocativo incita o educador a saí de sua zona de
conforto, seu para tentar compreender o contexto de seus educandos.
Nesse sentido, o pensador rompeu drasticamente com os pressupostos de
uma educação bancaria que sacraliza a imagem de um mestre portador absoluto de
todos os saberes, responsável por transferi-los para seres destituídos de luz própria,
compreendidos como meras tábuas rasas: os alunos (FREIRE, 1997).
Na ruptura dessa relação extremamente assimétrica entre os pares na relação
de ensino e aprendizagem desvela-se a dimensão antropológica do pensamento frei-
riano, pois o educador realizará o esforço permanente de conhecer o universo do edu-
cando, reconhecendo tanto a alteridade do mesmo, quanto seus conhecimentos, uma
vez que, ele não chega vazio nos espaços formais e informais de ensino. Logo, a cons-
trução dos saberes se dará, essencialmente, a partir da troca de experiência entre su-
jeitos oriundos de universos distintos.
Considerando o método etnográfico, podemos vislumbrá-lo com clareza no
processo de construção do método de alfabetização construído por ele, principal-
mente, quando refletimos sobre a primeira fase, que enfatiza a importância do levan-
tamento do universo vocabular do grupo com o qual o educador irá trabalhar.
Aqui mais uma vez devemos destacar o esforço que o educador terá que re-
alizar na direção de um universo desconhecido. Não lhe caberá aplicar sobre o grupo
de educando um conjunto de conhecimentos produzidos a partir de pressuposto teó-
ricos exógenos apartados da realidade do mesmo, pois será ineficaz, mas de conhecer

163
DIÁLOGO FREIRIANO

a realidade dos sujeitos que constituem esse grupo, ouvindo com atenção aquilo que
eles consideram significante.
Para tanto, será salutar que o educador tal qual o antropólogo realize uma
imersão na realidade dos seus educandos, através dos passeios pela comunidade, das
conversas com as pessoas, da convivência construída mediante uma relação de apro-
ximação com a alteridade. Ademais, o processo de imersão possibilitará a realização
das perguntas que o educador julgar importante para desvendar essa nova realidade.
Além disso, será nesse processo que ele entrará em contato com o universo
vocabular dos educandos, ou seja, com as palavras geradoras que eles mobilizam para
nominar e atribuir significado a seu contexto. Essas palavras devem passar por um
processo de seleção, que considera critérios como: riqueza fonética, dificuldade foné-
tica e conteúdo programático das palavras, isto é, o potencial das mesmas para traba-
lhar com conteúdos pedagógicos, históricos e políticos. Tal processo constitui o fulcro
do método de alfabetização construído e experimentado exitosamente por Freire, so-
bretudo porque a partir delas se dará o processo de alfabetização (FREIRE, 1998).
Desse modo, a princípio reconhecemos a dimensão antropológica do pen-
samento freiriano, quando o pensador reconhece a potência da diversidade presente
no pensamento do educando no processo de construção dos saberes, que se dará, ine-
quivocamente, a partir do encontro de sujeitos oriundos de mundos distintos. Por
último, refletimos sobre como o esforço do educador para compreender o universo
vocabular do educando, o que lhe possibilita apreender as especificidades do contexto
do sujeito e seus signos, pode ser relacionado com a prática etnográfica, consagrado
pela Antropologia Social.

164
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
CALDEIRA, Tereza. A pós-modernidade na antropologia, in Novos Estudos Ce-
brap 21. São Paulo, Cebrap, 1988.
GEERTZ, Clifford. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa dacultura
in A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989, pp. 13-41.
MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra (1997).
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra (1998).

165
A EDUCAÇÃO DECOLONIAL E PAULO FREIRE NA
PERSPECTIVA DA AVALIAÇÃO ESCOLAR

Rodrigo de Souza Pain 1

Introdução
Avaliar é um dos atos mais complexos da prática docente. Tal ação encontra-
se no cerne da discussão acerca das competências e habilidades que os discentes de-
vem adquirir durante a aprendizagem. Será que nossos professores estão preparados
para esta tarefa? O que se tem feito para trazer à tona o debate a respeito das práticas
avaliativas no contexto escolar? O presente artigo tem como objetivo apontar os ca-
minhos que envolvem a discussão sobre avaliação e fomentar a discussão de uma te-
mática muitas vezes esquecida nas instituições escolares.
O artigo 205 da Constituição Federal de 1988, ao assegurar diversos direitos
sociais, é claro ao afirmar que educação é um direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o (BRASIL, 1988, art. 205). Dessa forma, a educação deve-
ria servir como pilar de sustentação da sociedade brasileira, mas o que se tem obser-
vado é a diminuição contínua dos investimentos no setor, trazendo prejuízos no que
diz respeito à qualidade ofertada para a população. Além disso, é preciso assinalar que
a escola deixou de ser o único lugar de legitimação do saber. As novas tecnologias de
informação e comunicação têm modificado as relações entre docentes e discentes bem
como o às práticas de ensino.
A metodologia utilizada na constatação de questões importantes que envol-
vem a avaliação e a educação brasileira em geral foi à revisão bibliográfica, depoi-
mento de docentes e a observação participante por meio de vasta experiência em
diversos contextos escolares ao longo dos anos -, visando observar as perspectivas
mais relevantes que tratam do tema. O método foi o hipotético-dedutivo buscando

1
Professor Adjunto de Sociologia do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). É membro do Grupo de Pesquisa em Ciências Sociais
e Educação (GPCSE/ICS/UERJ) e do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Ciências Sociais (LEPCS
UERJ).
DIÁLOGO FREIRIANO

compreender aspectos da meritocracia enquanto ferramenta que alimenta as injusti-


ças sociais em um país marcado pelas enormes desigualdades sociais e raciais. Assim,
eliminamos a sedução que se esconde por trás da prática meritocrática ao apontar as
relações subjetivas da avaliação e a colonialidade que muitas vezes persegue estudan-
tes que representam segmentos historicamente marginalizados no Brasil.

A avaliação numa perspectiva teórica


Podemos apontar que é relativamente recente essa denominação de
ção vinculada a uma prática até então chamada de Os exames escolares, tal
como conhecemos e praticamos em nossas escolas, foram sistematizados no decorrer
dos séculos XIV e XVII, junto a exigências da modernidade (LUCKESI, 2011)2.
Buscar o conhecimento requer interação para além da sala de aula. Procura
respeito, pede o convívio com outros sujeitos, partilhando experiências. Se o saber é
relação - ligação no sentido de valor, relação de um tipo particular com o mundo,
união consigo mesmo e com os outros -, o processo que leva a adotar uma relação
de saber que deve ser o objeto de uma educação intelectual, e não a acumulação de con-
teúdos (CHARLOT, 2000). É preciso estar atento para o fato de que mui-
tas escolas brasileiras estão apenas se empenhando em mostrar resultados, em avalia-
ções externas, no sentido de prestar conta aos governos e sem prestar atenção ao pro-
cesso e ao conteúdo efetivamente educacional e formativo.
Mediante tal afirmação, é relevante salientarmos que o processo educativo é
complexo e fortemente delimitado por aspectos pedagógicos e sociais. Buscar uma
educação inclusiva, tarefa de toda sociedade brasileira, é um difícil dever. Num grande
trabalho de referência, o sociólogo Pierre Bourdieu (1992) aponta que a escola é, em
grande medida, um instrumento de exclusão. Essa instituição converte desigualdades
sociais em desigualdades escolares, cuja conseqüência é a reprodução das disparida-
des entre classes. Portanto, faz-se necessário apontar caminhos que tragam debates às
diferentes práticas de atuação docente. E a avaliação é, sem dúvida, uma das tarefas
mais abrangentes que envolvem o magistério.
Entender o ato de avaliar parece tarefa simples aos olhos do senso comum.
No Brasil, tradicionalmente, atribui-se uma nota de zero a dez ao estudante, a partir
de um ou alguns instrumentos avaliativos, e a apreciação está dada. Alguns autores
apontam a fragilidade com o que se verifica a ação de avaliar no país, muitas vezes
resultado de uma espécie de negociação na qual o professor aproveita sua autoridade

2
De acordo com o autor, a escola que conhecemos no presente é a escola da modernidade.

168
DIÁLOGO FREIRIANO

(ou até mesmo a falta dela) para intimidar os alunos, como salienta o educador e filó-
sofo brasileiro Cipriano Luckesi (2011).
Percebe-se que muitos discentes desenvolvem medo e antipatia com o am-
biente escolar, o que pode estar associado, dentre vários aspectos, a maneira como
docentes utilizam a avaliação. O poder de dar uma nota não raramente é usado para
induzir subordinação e controlar o comportamento do estudante em sala de aula
(FERNANDES e FREITAS, 2007).
As notas aplicadas em caráter quantitativo passam a ser objeto de cobiça por
parte de professores de modo que muitos se orgulham quando boa parte dos dis-
centes não consegue satisfatória pontuação , e também de estudantes que fazem
qualquer coisa para uma boa contagem, independente de perspectivas lícitas. Luckesi
(2011) chama esse contexto de do o qual traz consequências. No
campo pedagógico, é o não cumprimento da função de contribuir para a melhoria da
aprendizagem. Na esfera psicológica, a tensão da nota traz personalidades submissas.
A avaliação da aprendizagem utilizada de forma fetichizada3, segundo o autor, é útil
ao desenvolvimento da autocensura. Por fim, há uma consequência no campo socio-
lógico, pois a avaliação da aprendizagem realizada de tal modo acaba por servir ao
processo de seletividade social.
É nessa direção que pensa o importante teórico suíço Philippe Perrenoud
(1998), que destaca a crise de valores que vivenciamos e seu impacto no próprio sen-
tido da escola. Segundo o autor, é através da prática da avaliação da aprendizagem que
se fortalece a hierarquia da organização social. Existe uma espécie de relação de su-
bordinação, em diferentes graus, e que também possui componentes sociais. Em es-
colas privadas percebe-se que muitas vezes os bolsistas são os que tiram as menores
notas. Em entrevista com uma professora da rede privada, a mesma reconheceu que
dá a nota em função da condição do aluno na escola: seria leviana em não afirmar
que sei quem são os alunos que pagam a mensalidade e aqueles que não pagam. Os pri-
meiros são os meus , afirmou a docente. A constatação é que a maioria dos
alunos bolsistas é de origem negra, o que aponta para um forte componente racial, ou
melhor, para o conceito de racismo institucional, como uma ideologia que desenvolve
uma relação de hierarquias a partir da cor da pele, proporcionando uma estrutura de
desigualdade social permanente na sociedade brasileira, limitando a população negra
a ter acesso a seus direitos (WERNECK, 2013, p.17). Através da ação de avaliar, se

necessidade e que se torna independente.

169
DIÁLOGO FREIRIANO

classificam e distribuem as classes ou grupos sociais. A classificação dos alunos na sala


de aula determina a hierarquia social. O sociólogo peruano Aníbal Quijano (2007)
apresenta um modelo de análise do aspecto modernidade/colonialidade4, um desses
modelos é a colonialidade do ser, no qual se afirma a superioridade da identidade
masculina, heterossexual e branca e, de outra forma, a inferioridade da identidade ne-
gra, feminina, indígena, homossexual, ou qualquer identidade diferente do padrão es-
tabelecido.
A pesquisadora Alzira Camargo (1997), ao analisar os discursos dos alunos
sobre avaliação escolar e ao citar o filósofo francês Michel Foucault, chama atenção
para as estratégias de dominação por meio da ocupação do espaço como: o enfileira-
mento, a imobilidade, a posição ocupada na ordem das cadeiras escolares, as filas dos
fracos e dos fortes, o remanejamento de classes conforme o aproveitamento escolar, a
definição do quadro negro para efeito de exercício da avaliação, e outras que sugerem
o princípio do quadriculamento inspirado nas celas dos conventos e na vida em quar-
téis. Tal conjunto de práticas tem os mesmos propósitos: separar indivíduos torná-los
solitários e impedir a ociosidade para melhor controlá-los e dominá-los5.
A prática do exame serve para medir e vigiar o desempenho dos estudantes
a partir da nota que obtiveram bem como estabelece uma comparação entre o desem-
penho dos diversos alunos6. Para Foucault (2002), o exame ocupa uma função extre-
mamente importante também porque expõe para o próprio indivíduo examinado o
seu Como resultado das avaliações, os estudantes são classificados e
objetivados. Porém, em contrapartida, esses indivíduos constroem suas identidades,
na proporção em que esses objetivos são absorvidos por eles7.
Camargo (1997) percebe que os relatos dos alunos sobre a avaliação assen-
tam-se na reação do professor diante do erro e do baixo rendimento dos estudantes.
Dessa forma, um terço dos relatos dos discentes em sua pesquisa fez alusões a críticas

4
A colonialidade é uma forma de poder que surgiu do colonialismo moderno, e aponta uma hierarquia
nas relações sociais pautadas na perspectiva de raça dentro do contexto capitalista. Assim, segmentos da
sociedade que eram marginalizados e oprimidos no período colonial continuam nesse contexto de
modernidade.
5
A própria tendência de câmeras de vigilância nas escolas, e ultimamente na própria sala de aula é um
exemplo.
6
Vale salientar que a competição é característica cada vez mais presente na sociedade capitalista,
principalmente em tempos de individualismo crescente.
7
Michel Foucault analisa o poder não se identificando necessariamente com o Estado, mas nas várias

170
DIÁLOGO FREIRIANO

destrutivas, ofensas morais, ameaças, gritos, perseguições, ridicularização, discrimi-


nação, todas praticadas em nome da avaliação. A própria ideia de estigma se faz pre-
sente como rótulo social negativo que identifica pessoas (ou no caso estudantes) como
desviantes, não porque seu comportamento viole normas, mas porque eles têm carac-
terísticas pessoais ou sociais que os levam à exclusão (GOFFMAN, 1963).
Isso nos leva à percepção de que para muitos professores a avaliação é um
momento em que sua autoridade é reforçada, atentando, inclusive, contra o artigo 7º
da Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo a qual: são iguais pe-
rante a lei e tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm pro-
teção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer
incitamento a tal (DUDH, 1948: 06).
Vale salientar, ainda, que em diversas realidades sociais do Brasil a cultura
da violência está fortemente inserida. Muitas vezes a relação docente/discente é pau-
tada por essa característica. Igualmente, muitos professores por nós entrevistados re-
lataram sofrer, em menor ou maior grau, a Síndrome do Burnout, ou seja, a exaustão
extrema com precariedade do estado físico, emocional e mental por conta da sua ati-
vidade em sala de aula8. A falta de políticas públicas que facilitem a convivência e a
harmonia escolar está no cerne da complexa relação entre discentes e docentes em um
país caracterizado pela cultura do medo e pela violência.

As relações subjetivas que permeiam a avaliação


Na escola a avaliação tem um papel decisivo no que diz respeito ao desen-
volvimento cognitivo do aluno e de suas perspectivas de aprendizagem. No entanto,
percebe-se que a salutar discussão sobre o tema passa distante da maioria dos docen-
tes. Faltam cursos de educação continuada em maior parte dos sistemas de ensino do
país, incorrendo na solidão do professor, muitas vezes sozinho, abandonado e fragili-
zado para desenvolver a ação de avaliar seu alunado.
Em diversos momentos da prática docente podemos perceber formas subje-
tivas de avaliação, o que implica no questionamento de uma possível visão técnica.

8
De acordo com a agência alemã Deutsche Welle, ao citar um ranking de violência nas escolas elaborado
pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE - 2014), o Brasil lidera as
estatísticas. Com mais de 100 mil professores e diretores de escolas do segundo ciclo do Ensino
Fundamental e do Ensino Médio (alunos de 11 a 16 anos), considerando dados de 2013, 12,5% dos
docentes brasileiros ouvidos relataram ser vítimas de agressões verbais ou de intimidação de alunos ao
menos uma vez por semana. A média entre os 34 países pesquisados é de 3,4%. Disponível em:
<https://www.dw.com/pt-br/a-viol%C3%AAncia-contra-professores-no-brasil/a-48442455>, acesso
em: 29 de maio de 2019.

171
DIÁLOGO FREIRIANO

Nem sempre o professor avalia apenas o conhecimento que o estudante adquiriu em


um determinado processo de aprendizagem, mas também valores e atitudes. Ao con-
ceituarmos a avaliação escolar devemos levar em consideração que são diversos os as-
pectos incluídos nesta definição: o conhecimento assimilado pelo estudante e seu de-
senvolvimento, assim como o comportamento do discente com seus valores e com-
portamentos (FERNANDES e FREITAS, 2007).
Dessa maneira, os juízos de valor muitas vezes dão a base da avaliação e são
comprovados pela opinião pessoal do professor, por aquilo que ele valoriza, por suas
simpatias, identificação ou antipatias em relação ao discente, por seus preconceitos,
por suas concepções e crenças (ANDRÉ e PASSOS, 1997). Esta contaminação se co-
nhece como que consiste na interferência que produz a opinião que se
tem sobre alguns aspectos de uma pessoa no sentido da apreciação ou não de suas
qualidades (CAREAGA, 2001). Tal efeito, muito estudado no campo empresarial, é
pouco analisado na prática pedagógica. O clima de estresse e abandono que muitos
professores estão submetidos ajuda a reforçar esses aspectos negativos dos estudantes.
Pierre Bourdieu (2001) chama de violência simbólica a ação pedagógica que
é objetivamente estruturada e impõe um arbitrário cultural de um grupo de classe a
outro grupo de classe. Diversos elementos incorporam a sensação de avaliação, anu-
lando a perspectiva de avaliação neutra9. Como observa Gimeno Sacristán, catedrá-
tico da Universidade de Madri, alguns docentes valorizam a capacidade de argumen-
tação do aluno, outros a resposta correta, uns a ortografia, outros a expressão escrita,
alguns o conceito, outros docentes a técnica. Isso é um efeito das percepções humanas,
e é delas que se nutre à avaliação (SACRISTÁN apud ANDRÉ e PASSOS, 1997).

Paulo Freire e a perspectiva decolonial


É mister apontar a importância das obras de Paulo Freire nos autores deco-
loniais. O educador brasileiro influenciou diversos pensadores em variados campos
do conhecimento, em especial a pedagogia crítica. A educação libertadora, trazida por
Freire, aponta que o universal não é superior ao local, ao contrário, o primeiro surge
das inúmeras práticas locais e do seu processamento, ou seja, o local é redescoberto,
modificado, enriquecido e adaptado em cada ato de recriação do conhecimento10 (Ge-
rhardt, 2001:104). E a educação popular, que trouxe significativas reflexões sobre os

9
Como na frase atribuída a Paulo Freire neutra,

10
Segundo o Heinz-Peter Gerhardt (2001), pode-se afirmar que a educação libertadora é um dos poucos
conceitos educacionais do Hemisfério Sul adotado por educadores do Norte.

172
DIÁLOGO FREIRIANO

sujeitos colocados à margem da sociedade capitalista, no qual o oprimido deve sair


dessa condição de opressão a partir do estímulo da consciência de classe oprimida.
Esses dois pontos que nos interessa ao refletir sobre a educação decolonial.11
Da mesma forma que o clássico Livro de Paulo Freire do Opri-
mido apresenta maneiras de desconstruir o mito da estrutura opressora, o ponto de
vista decolonial caracteriza diferentes estratégias para a desconstrução da narrativa
eurocêntrica. A obra de Freire converge com algumas das principais matrizes críticas
de pensamento latino-americano dos últimos anos. De acordo com Camila Penna, a
proposta da perspectiva decolonial, tem assim, como a obra de Freire, um valor peda-
gógico na medida que questiona os referenciais eurocêntricos a partir dos quais o co-
nhecimento na área das ciências sociais é produzido (2014) A autora apresenta dife-
rentes estratégias para reverter a do que aparecem tanto em Freire
como nos autores pós-coloniais, como revolução, objetivação da mitologia opressora
(ou eurocêntrica), deslocamento do lugar de fala, e valorização do conhecimento
fronteiriço (183:2014).
Em sua obra, à Guiné- Freire relata experiências de suas vi-
sitas aquele país africano com o propósito de alfabetização da população local sem a
perspectiva da educação colonialista, (...)porque a Guiné-Bissau não parte do zero,
mas de suas fontes culturais e históricas, de algo de bem seu, da alma mesma de seu
povo, que a violência colonialista não pode (Freire, 1978:10). O próprio autor
também salienta que, a educação colonial herdada, de que um dos principais ob-
jetivos era a ´desafricanização´ dos nacionais, discriminadora, mediocremente verba-
(1978,15). Assim, Freire busca a superação de um passado recente opressor
olhando para a própria realidade, múltipla e complexa da população guineense.

A meritocracia, a colonialidade e a necessidade do debate docente.


Após entrevistas com professores, foi simples observar que as discussões que
envolvem a prática avaliativa nas escolas brasileiras esbarram na visão meritocrática12.
Os termos ou do embora seduzam num primeiro

11
A autora também aponta para os pressupostos e argumentos da obra de Freire que convergem com a
literatura decolonial, tais como o raciocínio
de que a dominação (e a estrutura opresssora) se fundamenta em mito (do eurocentrismo).
12
Perspectiva na qual o sucesso do indivíduo depende exclusivamente do seu mérito, como talento, esforço,
habilidade ou expertise. Segundo seus críticos, séculos de desigualdades e opressão levaram as minorias
sociais a um contexto de desvantagem, portanto sem os privilégios da classe dominante. No caso
brasileiro, as enormes desvantagens da classe dominada refletem historicamente em quaisquer
indicadores sociais.

173
DIÁLOGO FREIRIANO

momento, escondem as complexas e diversas realidades sociais. Para Pierre Bourdieu


(1983), os conceitos têm o poder de criar a realidade, e nesse caso, a meritocracia serve
para mascarar a desigualdade e as diferentes oportunidades que envolvem os estudan-
tes avaliados. Podemos trazer o conceito de colonialidade para compreender melhor
a argumentação. De acordo com Aníbal Quijano (2000), a colonialidade do poder é
classificação social da população mundial ancorada na noção de raça, que tem origem
no caráter colonial, mas já provou ser mais duradouro e estável que o colonialismo
histórico, em cuja causa foi determinada. Entender o Brasil como um país miscige-
nado, marcado por séculos de escravidão da população de origem africana parece ser
chave para compreender que a avaliação escolar também carrega os preconceitos, in-
clusive racial, no seu cerne.
A formação inicial do professor, do ponto de vista tradicional, é uma educa-
ção que visa reproduzir e perpetuar o monoculturalismo, a despersonalização, o acul-
turamento e que enxerga a diversidade cultural como obstáculo ao processo educaci-
onal13 (LEGRAMANDI E GOMES, 2019:28). Em nossa sociedade existem práticas
(como o processo avaliativo nas escolas), tradições e histórias que sofrem profundo
preconceito dos setores hegemônicos, isto é, aqueles que se aproximam do que é con-
siderado por parte daqueles que tem o poder. Muitas vezes essas práticas
também são desenvolvidas no campo da educação popular, o que torna mais necessá-
rio trazer à baila essas questões.
Percebe-se que a maioria dos professores no âmbito da educação básica con-
corda com a negação do princípio da meritocracia justamente pelas desigualdades que
atingem todo o processo educacional. A meritocracia é um mito que alimenta as de-
sigualdades, e isso tem impacto na Academia, pois um assunto no qual a universidade
é bastante carente diz respeito a uma reflexão conjunta sobre que tipo de conheci-
mento ela deve produzir e para quem são esses conhecimentos (CHALHOUB, 2007).
Um exemplo é a pouca importância dada ao ensino de História da África no Brasil,
inclusive nos currículos de Ciências Humanas. Num país com mais da metade da po-
pulação afrodescendente é fundamental repensar conteúdos e necessidades. A visão
eurocêntrica da história ainda é uma realidade, seja nas universidades ou nas escolas.
É fundamental a busca por teóricos da educação decolonial, pois boa parte da popu-
lação negra brasileira não se vê representada por autores brancos. Segundo Zulma Pa-
lermo:

13
Basta perceber a pouquíssima valorização dos autores negros, e de países em desenvolvimento nos
diversos currículos dos cursos de formação de professores.

174
DIÁLOGO FREIRIANO

por uma posición decolonial que ejerce resistência ante esse estado de situa-
ción, implica localizarse em um lugar de indidable lucha intelectual y significa tam-
bién la imprescindible necesidad de debatir com otras maneras de concebir la resis-
tência a la dominación por el poder (PALERMO, 2010: 50)

Sabemos que a desigualdade social se reflete profundamente na educação.


Num enfrentamento a essa realidade, universidades públicas e diversos concursos
brasileiros consagram princípios de ação afirmativa, buscando, assim, proteger mino-
rias sociais e segmentos marginalizados historicamente. Esse é um reconhecimento
cabal que o princípio meritocrático, no campo avaliativo, tem que ser repensado, con-
textualizado e criticado, ainda que vivenciemos uma expansão social do conservado-
rismo que traz consigo a negação das ações afirmativas e uma fantasiosa valorização
da meritocracia. Dessa forma, a meritocracia ocupa um importante lugar nesse pro-
jeto de educação. Isto porque é esse paradigma que, ao mesmo tempo, encobre as his-
tórias de dominação e subordinação denunciadas pela educação decolonial, também
que justifica os escolares de determinados sujeitos ou coletivos sob a defesa
de que não fizaram por merecer esse lugar, portanto não estando aptos ou preparados
(LEITE, et al, 2019).
Apesar do discurso contrário a questão meritocrática por parte dos profes-
sores, o que se percebe nos bancos escolares é a continuação dessa prática. Contribui
de maneira importante nessa direção à falta de estrutura que caracteriza grande parte
das escolas públicas brasileiras, principalmente no que diz respeito à ausência de fun-
cionários com qualificação técnica, tais como pedagogos, assistentes sociais e psicólo-
gos. A diminuição dos investimentos públicos em educação é um fator determinante
para a observação desse contexto.
Na avaliação escolar, o professor brasileiro geralmente não tem o suporte
técnico administrativo institucional para compreender o cotidiano do alunado para
além dos seus encontros em sala de aula. Mesmo convivendo com o estudante, na
maioria das vezes não conhece sua história, seus problemas, seu cotidiano, suas de-
mandas, enfim, todo o seu lado humano e social. Ainda temos professores com baixos
salários e que precisam lecionar em várias instituições escolares para complementar a
renda, bem como salas de aulas cheias. Muitos alunos significa impossibilidade estru-
tural de aplicação de uma avaliação individualizada. Como agravante, a maior parte
das escolas não dispõe do Projeto Pedagógico, e assim as avaliações ficam restritas a
particularidades do docente. Ao avaliar o corpo discente, o professor acaba desenvol-
vendo métodos que tratam a coletividade dos alunos e acabam utilizando instrumen-
tos meritocráticos incapazes de observar as particularidades individuais.

175
DIÁLOGO FREIRIANO

A construção de um projeto pedagógico mais condizente com a situação so-


cial e histórica do estudante pode ser medida pelos processos avaliativos desenvolvi-
dos pela instituição escolar (MANTOVANI, 2006). Uma escola que não possui o
plano pedagógico é uma instituição que não se conhece. Dessa forma, é fundamental
o desenvolvimento de políticas públicas com a visão de fortalecer o educacional
das escolas, e encarar esse corpo de técnicos como imprescindível no processo educa-
tivo. A qualidade de ensino resulta do envolvimento de todos os participantes da es-
trutura educacional14. Desta maneira, central ao projeto político-acadêmico da deco-
lonialidade é o reconhecimento de múltiplas e heterogêneas diferenças coloniais, des-
tarte como as múltiplas e heterogêneas reações das populações e dos sujeitos subalter-
nos a colonialidade de poder (COSTA e GROSFOGUEL, 2016).

Considerações finais
Este artigo teve como intuito refletir sobre a prática avaliativa no contexto
escolar brasileiro, com contribuições do pensamento decolonial e de Paulo Freire. O
princípio da colonialidade se faz presente na escola como instituição em diversas ma-
neiras, inclusive na avaliação, no qual o racismo institucional ainda persiste. Entendo
que a decolonialidade deve ser uma prática social constantemente debatida no âmbito
escolar e também nos cursos de formação de professores. A cultura da violência e a
recente e difícil conjuntura política brasileira, marcada por perseguições a docentes e
desvalorização de conquistas históricas da educação brasileira como a liberdade de
cátedra também assinala esse cenário de tensão que se reflete na relação entre docentes
e estudantes.
Há uma necessidade na valorização da equipe escolar que representa a busca
pela qualidade de ensino, o que impacta, em última instância, num processo mais hu-
manitário de avaliação. Técnicos administrativos, psicólogos, assistentes sociais, entre
outros profissionais representam muito na melhoria do ensino. Faltam profissionais,
e isso tem impacto direto na relação entre professor e estudante - marcada pela inqui-
etação por ambos os lados. A busca por uma educação inclusiva e humanizada passa
necessariamente pelo reforço da equipe escolar.

14
Um exemplo é o inspetor escolar, um profissional que não deve cuidar somente da parte burocrática,
mas também procurar um método de trabalho menos controlador, tornando-se mais participativo e
democrático, mais orientador da aplicação da norma e mais estimulador da criticidade e da criatividade
tão necessária à melhoria do funcionamento do sistema (SANTANA e NUNES, 2011).

176
DIÁLOGO FREIRIANO

A avaliação deve levar em conta as particularidades e necessidades dos alu-


nos de maneira individualizada. Deve ser formativa, valorizando um processo contí-
nuo, ou seja, no dia-a-dia da sala de aula, com todos os agentes escolares envolvidos.
A prática da meritocracia deve ser repensada no desenvolvimento escolar que tem
como objetivos a educação inclusiva e decolonial.
Os estudantes devem ser pensados dentro de sua complexidade como indi-
víduo pertencente a um conjunto social de maneira democrática e libertária. Também
salientamos que a ausência de políticas públicas que facilitem o convívio escolar é uma
importante lacuna que está no cerne da tensa relação entre professores e estudantes e
que se refletem na prática educativa, inclusive na atividade avaliativa. Devemos bus-
car, dessa maneira, uma educação libertadora democrática pensando a partir dos su-
jeitos e suas identidades sociais.

177
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
ANDRÉ, M.E.D.A; PASSOS, L. F. além do fracasso escolar: uma redefinição das
práticas In: Aquino, Julio Groppa. Erro e fracasso na escola.
Alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1997.
DUDH. ASSEMBLEIA GERAL DA ONU. Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Paris, 1948. Disponível em: https://nacoesunidas.org/wp-content/
uploads/2018/10/DUDH.pdf.
BOURDIEU, P. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.
__________________. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.
__________________. Meditações pascalianas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2001.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Org. Yussef Said Cahali. 9.ed. rev., ampl. e
atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
CAMARGO, A. L. C. discurso sobre a avaliação escolar do ponto de vista do
Revista da Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, v. 231(1- 2),
pp. 283-302, 1997.
CAREAGA, A. La evaluación como herramienta de transformación de la prática
docente. Universidade de los Andes, Mérida: Educere, 2001.
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro:
Editora Civilização Brasileira, 2001.
CHALHOUB, S. A meritocracia é um mito que alimenta as desigualdades. In:
Jornal da Unicamp, 7 de jun. 2007. Disponível em: https://www.unicamp.br/
unicamp/ju/noticias/2017/06/07/meritocracia-e-um-mito-que-alimenta-
desigualdades-diz-sidney-chalhoub acesso em: 29 de maio de 2019.
CHARLOT, B. Relação com o saber elementos para uma teoria. Porto Alegre:
Artes Médicas, 2000.
COSTA, J. B.; GROSFOGUEL, R. e perspectiva Sociedade
e Estado. Brasília, v.31., n.1, 2016.
FERNANDES, C. O.; Freitas, L.C. Indagações sobre currículo: currículo e avaliação.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2002.
FREIRE, P. Cartas à Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978

178
DIÁLOGO FREIRIANO

GERHARDT, H.P. libertadora e In FREIRE, A.M.A (org.).


A pedagogia da libertação em Paulo Freire. São Paulo: Editora Unesp, 2001.
GOFFMAN, E. Stigma Notes on the management of spoiled identity. New Jersey:
Prentice-Hall, 1963.
LEGRAMANDI, A. B; GOMES, M. T. e resistência no pensamento
freiriano: propostas para uma pedagogia decolonial e uma educação
Revista Ambiente e Educação. São Paulo, USP, v.12, n.1, pp.24-32, 2009.
LEITE, L.H.A., RAMALHO, B. B. M., CARVALHO, P.F.L. A educação como prática
de liberdade: uma perspectiva decolonial sobre a escola. Educação em Revista. Belo
Horizonte, v.35, 2019.
LUCKESI, C. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 14. ed.
São Paulo: Cortez, 2011.
MANTOVANNI, E.E. A avaliação no ensino de História e as contribuições da
psicopedagogia. Universidade de Campinas, 2006.
OCDE. TALIS 2013. Results: An international perspective teaching and learning.
OECD, Paris, 2014.
PARLERMO, Z. Universidad Latinoamericana em la encrucijada
Revista de Estudos Críticos. Universidade Nacional del Comahue, n.1, ano, 1, 2010.
PERRENOUD, P. Avaliação: da excelência à regularização das aprendizagens:
entre duas lógicas. Porto Alegre: Artmed, 1998.
QUIJANO, A. del poder y clasificacíon In CASTRO-GÓMEZ,
S.; GROSFOGUEL, R. (Org.) El giro decolonial: reflexiones para uma diversidad
epistémica mas allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007,
pp.93-127.
QUIJANO, A. del poder y clasificacíon Journal of World
Systems Research. Vol. XI, n.2, 2000, pp.342-386.
SANTANA, K.E.S; NUNES, S.C. Inspeção escolar no processo motivacional suas
implicações e importância na educação. Faculdade Católica de Uberlândia, 2011.
WERNECK, Jurema. Racismo institucional. São Paulo: Ibraphel Gráfica, 2013.

179
A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA COMO PILAR DAS
PRÁTICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Bruna Santana de Oliveira 1


Camila Gomes Santos da Silva 2
Laila Gardênia Viana Silva 3

INTRODUÇÃO
Pensar o professor da educação infantil e as transformações ocorridas na
contemporaneidade não é algo fácil. Nossa educação não se encaixa mais nos moldes
de uma educação determinista/racionalista pautada na separação dos conhecimentos
voltados apenas a um grupo elitista, em que o conhecimento era direcionado para
poucos. Além disso, o professor era considerado um mero transmissor e o detentor
de todo conhecimento, consequentemente, o aluno recebia os conteúdos de forma
passiva. A educação de hoje exige, o que já nos afirmava Paulo Freire (1996) desde o
século passado, que devem estar alicerçadas na ontologia
das formas de ser e estar no mundo. Primeiramente, reconhecendo que nos transfor-
mamos no contato com o outro, formamos e nos formamos simultaneamente, evi-
denciando as transformações nas formas de ser e estar no mundo, que implicam dire-
tamente nos espaços educacionais.
É por meio dessas rupturas que podemos pensar as práticas do professor de
Educação Infantil. É nessa fase que a criança começa a constituir os maiores passos
para o seu desenvolvimento e descobertas sobre a realidade. Na primeira infância, a
criança adquire novas formas de pensar sobre o mundo ao seu redor, desenvolve sua
imaginação, percepções sobre as regras sociais, responsabilidades. Inicia sua experi-

1
Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB. Especialista em Gestão
Educacional-Uniasselvi. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Educação pela Universidade
Federal de Sergipe (PPGED/UFS). Membro do grupo de pesquisa ECult- Educação e Culturas Digitais
(Ecult/UFS/CNPq). Pesquisadora/ Bolsista CAPES. E-mail: brusan10@hotmail.com
2
Graduada em Licenciatura Plena em Pedagogia na universidade do Estado da Bahia - UNEB / Campus
VIII. Pós-graduada Latu Senso em Gestão Educacional. E-mail: camylagomess@live.com
3
Graduada em Letras-Português pela Universidade Tiradentes (Unit). Mestranda em Educação pela
Universidade Federal de Sergipe (UFS). Integrante do Grupo de Pesquisa Tecnologias nas salas de aula:
o pós-digital em questão, da mesma instituição. E-mail: lailagardeniavs@gmail.com
DIÁLOGO FREIRIANO

ência coletiva com outras crianças e reivindica autonomia em seus protagonismos in-
teracionais, sejam eles na aprendizagem, brincadeiras e em processos culturais o qual
tem contato. E desafiam, mais do que nunca, as práticas do professor na sala de aula,
fazendo-o repensar seu papel não como mero transmissor de conteúdo, mas como
um mediador, ocasionando rupturas e sendo ainda capaz de recriar e refazer suas prá-
ticas a partir das experiências com as crianças.
Nesse sentido, a presente pesquisa destaca em suas práticas a partir da Peda-
gogia da Autonomia de Paulo Freire (1996) como o ato de educar, seja ele nos dife-
rentes níveis da educação, não somente exige primeiramente respeito à autonomia do
educando, mas também pressupõe compreender que a educação é a principal forma
de intervenção de mundo. Com isso, a pesquisa tem como objetivo geral compreender
a importância da pedagogia da autonomia nas práticas com as crianças de uma escola
de Educação Infantil do município de Paulo Afonso- BA, destacando ainda, como a
pedagogia da autonomia é importante para a Educação Infantil e como a mesma se
institui nas práticas reflexivas dos professores e no ato de aprender das crianças em
suas experiências com seus pares e professores na sala de aula.
Portanto, as aprendizagens vivenciadas pelas crianças do período I e II ocor-
reram mediante à construção de um espaço de aprendizagem chamado Exposição
do construído pelas próprias crianças, o qual consistiu primeiramente no
desenvolvimento da autonomia das crianças em todo o processo de construção-ela-
boração de material, escolha do nome, conteúdos escolhidos de acordo com as vivên-
cias das crianças. Ademais, a professora se colocou como mediadora das interações
das crianças e em todo o trajeto procurou deflagrar as curiosidades anexando saberes
das crianças indispensáveis às práticas, pautando sua mediação pedagógica na leitura
de mundo precedendo a leitura da palavra (FREIRE, 1996, p. 49).

2. EDUCAR EXIGE RESPEITO À AUTONOMIA DO SER DO EDUCANDO


A Educação Infantil, em sua instância no cuidar e educar, deve priorizar a
criança como protagonista de seu desenvolvimento, ou seja, suas descobertas diante
da realidade vivida em que concerne sua participação no processo de construção e
utilização dos espaços de aprendizagem. Assim sendo, os espaços que requerem uma
atenção e cuidado, devem ser bem planejados, com o intuito de incentivar a partici-
pação das crianças de maneira conjunta e interativa, ao manter a organização do es-
paço para que haja a valorização e o cuidado com o mesmo.
Ademais, respeitar as necessidades caracterizadas ao espaço no qual a cri-
ança faz parte e possui influência sobre ele é de fundamental relevância, tendo como

182
DIÁLOGO FREIRIANO

premissa de que é preciso conhecer para pertencer ao espaço e assim possibilitar novas
descobertas para a criança. Por isso, Freire (1996, 1999, 2005) remete a devida impor-
tância sobre o desenvolvimento da autonomia da criança em suas ações mais simples
para chegar as mais complexas, destacando a interação como meio de favorecer
aprendizagem da criança.
De acordo com Freire (1996), exige respeito aos saberes dos edu-
Nesse direcionamento, o autor enfatiza que, por meio do é
colocado ao professor ou amplamente à escola o dever de respeitar os saberes social-
mente constituídos dos educandos até sua chegada a ela, de modo que ao discutir com
os educandos os saberes já constituídos por eles em sua vivência e relacionando-os
aos conteúdos ensinados, exploram-se de forma reflexiva e crítica os conteúdos cur-
riculares fundamentais, a partir da realidade concreta no qual o educando está social-
mente inserido, respeitando, assim, a autonomia do ser do educando.
Nesse sentido, Vigotsky (1999) enfatiza que a criança antes mesmo de chegar
à escola já traz consigo conhecimentos próprios. Ou seja, toda e qualquer aprendiza-
gem que a criança se depare, há ali um conhecimento prévio relacionado à sua história
de vida. Esses conhecimentos devem prevalecer e amadurecer conforme o cresci-
mento do educando, no ambiente escolar e demais ambientes, porém, essa ação só
será possível por meio de uma mediação existente no ambiente escolar.
Ao docente cabe um papel fundamental, o de mediador, visto que o mesmo
deverá intervir na zona de desenvolvimento proximal ou potencial do educando, pro-
vocando avanços que não aconteceriam de forma espontânea. Por meio dele será pos-
sível a realização das ligações entre o que sabe e o que irá aprender, notando-se que o
dever da escola, por sua vez, é fazer com que o educando avance em suas etapas, as
quais o professor atua não como transmissor, mas sim como mediador no processo
de construção de saberes de seus educandos. (FREIRE, 1996)
Logo, o interacionismo torna-se um elemento essencial no processo de
aprendizagem das crianças, já que o mesmo possibilitará aos educandos uma troca
significativa de experiências e aprendizados, partindo das premissas de uma aprendi-
zagem coletiva e colaborativa, ou seja, a criança aprendendo com seus pares. Deste
modo, o fazer pedagógico ganha vida e apresenta-se com maior profundidade no pro-
cesso formativo dos sujeitos sociais.
Para tanto, Craidy e Kaercher (2001) afirmam que a vida cotidiana é mar-
cada pela vida em grupo. Desde a chegada, ainda bebê, o ser se encontra rodeado de
pessoas, sendo a família o primeiro grupo interativo e logo após apresentam-se a co-
munidade, a igreja e por fim o ambiente escolar. Na escola, o professor se vê diante de

183
DIÁLOGO FREIRIANO

uma tarefa: trabalhar o grupo e grupalidade no ambiente escolar. Cord (2008) aborda
que o papel social da instituição é articular prática positivas, que visem promover a
cidadania. A grupalidade, por sua vez, é uma forma de se trabalhar por meio da reali-
dade dos educandos à autonomia nas práticas em sala de aula.
Neste direcionamento, Teberosky (1987) afirma que a interação grupal é
uma situação privilegiada para a aula, a qual apresenta vantagens que devem ser apro-
veitadas. A autora aponta ainda que o grupo escolar é uma ou a única oportunidade
que se tem de conviver com crianças da mesma idade, uma vez que neste ambiente se
tem a maior chance de praticar a socialização e desenvolver a criticidade de modo a
refletir sobre a realidade no qual o educando faz parte por meio do desenvolvimento
da leitura de mundo, explorando e respeitando a curiosidade de seus aprendentes, se-
jam eles crianças, jovens ou adultos. De acordo com Freire (1996) exige cri-
e, por essa razão, a curiosidade e autonomia do educando devem ser respei-
tadas nesse processo.
Por conseguinte, o docente assume o papel de estimulador ao confrontar di-
ferentes pontos de vistas, ao mostrar aos seus educandos que é possível existir uma
miríade de opiniões diferentes da sua. Desta forma, a dialogicidade4 verdadeira des-
crita por Paulo Freire como aquela em que os sujeitos dialógicos e crescem
na diferença, sobretudo, no respeito a ela, é a forma de estar sendo coerentemente
exigida por seres que, inacabados, assumindo-se como tais, se tornam radicalmente
(FREIRE, 1996, p. 25)
Destarte, diante da dialogicidade e interação, a criança é capaz de confrontar
suas hipóteses com as de outros e partilhar as aprendizagens e experiências adquiri-
das. Teberosky (1987) conceitua como uma situação privilegiada, desde o ponto do
desenvolvimento cognitivo, situação esta que facilita a socialização de conhecimentos
e tarefas propostas. A autora cita ainda que todos os conhecimentos que a criança ad-
quire perante a interação não são transmitidos de umas para outras, mas sim constru-
ídos. Por esta razão que o individual é resultado de experiências, atividades e interação
entre sujeitos.
Nesse contexto, respeitar a historicidade e vivência da criança de forma ética,
respeitando sua forma de ser e estar no mundo, torna-se imprescindível ao processo
de ensino-aprendizagem da criança. Freire (1996, p. 15) enfatiza que se respeita

4
Freire (2005, p. 201) destaca a dialogicidade como essência prática de uma educação
realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos educadores e povo, que iremos buscar o
conteúdo programático da educação. O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação

184
DIÁLOGO FREIRIANO

a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação
moral do educando. Educar é substantivamente
Para tanto, a ética apresenta-se indissociável à prática educativa, de modo
que a historicidade, aspectos socioculturais e vivência do educando devem ser respei-
tadas, visando à autonomia da criança enquanto protagonista de seu processo forma-
tivo e constituição de saberes ao longo do processo educativo. Nesse contexto, educa-
dor e educando aprendem de forma conjunta numa perspectiva libertária e interaci-
onista, em que a autonomia alicerça-se nas responsabilidades por eles assumidas, de
modo que clima de respeito que nasce das relações justas, sérias, humildes, genero-
sas, em que a autoridade docente e as liberdades dos alunos se assumem eticamente,
autentica o caráter formador do espaço (FREIRE, 2005, p. 92).

3. CAMINHOS METODOLÓGICOS PERCORRIDOS


O presente estudo se alicerçou na pesquisa qualitativa devido às complexi-
dades das interações sociais e humanas das crianças enquanto atores sociais da con-
temporaneidade. Segundo Flick (2009), os significados emergidos na interação com o
objeto pode aparecer no seu mais amplo aspecto social e também subjetivo, sendo
necessário levar em conta as complexidades dos fenômenos da realidade. Para tanto,
durante toda a imersão em campo se buscou reconhecer a complexidade de uma pes-
quisa com crianças e sua formação enquanto ser humano e social no espaço educaci-
onal, pressupondo reflexões sobre as perspectivas múltiplas surgidas.
Articulado a isso, a pesquisa se inspirou na pesquisa-ação, uma vez que pos-
sibilita ao educador maior reflexão sobre as suas práticas no campo de estudo. Con-
siste ainda em oportunizar ao pesquisador atuar no campo pesquisado, podendo con-
tribuir com espaço formando a si mesmo enquanto educador e formando e apren-
dendo com os educandos, pois forma se re-forma ao (FREIRE, 1996,
p. 12). Complementando, Minayo (2001) afirma que ao fazê-la, o professor possui um
espaço privilegiado de reflexão, além de observar, planejar e desenvolver ações de
forma mais consciente em sua prática cotidiana.
Por essa razão o instrumento utilizado foi a observação participante para
uma melhor reflexão crítica sobre a prática baseada em Paulo Freire (1999). A mesma
compreende em uma práxis do pesquisador, mas também é momento de maior apro-
ximação com sujeitos da pesquisa. Por conseguinte, foram registradas todas as intera-
ções no diário de campo. Onde foram anotadas as interações de cada detalhe das vi-
vências com as crianças: emoções, gestos, expressões etc., permitindo uma descrição
minuciosa dos meandros e nuances da pesquisa. Macedo (2010) afirma que nele se

185
DIÁLOGO FREIRIANO

registra os momentos mais íntimos com o objeto de estudo e não se pode deixar ne-
nhum detalhe de lado.
Neste direcionamento, este trabalho é resultante das práticas pedagógicas
emergidas nas experiências vivenciadas com crianças na primeira infância do período
I e II em uma escola de Educação Municipal Infantil da cidade de Paulo Afonso, loca-
lizada no Estado da Bahia. A faixa-etária das crianças é de 05 a 06 anos. Ademais, tam-
bém foram participantes desta pesquisa os professores das referidas turmas de Edu-
cação Infantil.

4. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA NA PRÁTICA: A EDUCAÇÃO COMO


FORMA DE INTERVENÇÃO DE MUNDO
A educação como principal forma de intervenção de mundo propicia refle-
xão sobre si e sobre as ações no mundo que o sujeito faz parte. Primeiramente é ne-
cessária uma mediação que tenha como alicerce a realidade vivida e, principalmente,
possibilite ver o educando em sua totalidade, de tal modo a transpor linearidade de
uma educação bancária preestabelecida por meio de políticas educacionais, docu-
mentos normativos, dentre outros. Requer ainda que o educador tenha consciência
crítica, uma vez que sua função vai muito além de uma mera transmissão de conteúdo.
Para tanto, a compreensão da realidade é fundamental nas suas práticas formativas,
não somente de contrapartida a uma educação prática meramente transmitida, mas
também de uma prática reflexiva de um sujeito em constante evolução. Essa evolução
se dá nos processos formativos em que o educador forma e se reforma junto com os
educandos possibilitando uma mudança educacional progressista (PAULO FREIRE,
2011).
Por isso mesmo, as práticas com as crianças dos períodos I e II da Educação
Infantil consistiu em deflagrar a curiosidade presente nas crianças e torná-las cons-
trutoras de suas próprias autonomias, sobretudo, respeitando suas singularidades e
tendo como alicerce a realidade delas, trabalhando não só a Pedagogia da Autonomia,
mas também os pilares do cuidar e educar na educação infantil, acrescentado a im-
portância de suas fases de aprendizagem. Com isso, primeiramente foram estrutura-
dos diálogos que abordavam os conceitos de contagem em sua amplitude teórica e
prática. O conceito de tempo sobre como utilizar o ontem, hoje e amanhã, contar mi-
nutos, horas, e todo o processo histórico do relógio, de quem o inventou e como o
mesmo é tão importante para as nossas vivências.
Todo esse diálogo foi estruturado como uma forma de conhecimento prévio
para as práticas das crianças. Para tal, a proposta se deu por meio de uma construção

186
DIÁLOGO FREIRIANO

de um espaço de aprendizagem. Nomeada como do pelas pró-


prias crianças, a atividade buscou colocar em prática todo o diálogo em sala de aula.
Esse contato prévio desenvolve uma maturação relacionado as dúvidas das crianças,
possibilitando melhor interação conjunta das crianças com seus pares e a professora,
consistindo no avanço da socialização, como afirma Piaget (1974). Esse primeiro mo-
mento com a professora buscou a todo instante provocar indagações, curiosidades,
trazer aspectos vividos pelas crianças. Suas falas sobre como o relógio faz parte de suas
vidas e da vida de todos ao seu redor fizeram surgir diversas perguntas e relatos. Com
base nesses protagonismos, a construção dos espaços pautou-se nos conhecimentos
prévios e construídos pelas crianças.
Nesse sentido, a professora, que mantém o diálogo não só com as crianças,
mas também com os pais, destacando a importância da parceria entre escola e pais,
solicitou relógio de diferentes modelos e sucatas inutilizáveis aos pais das crianças
para que elas pudessem contribuir com a exposição e construir alguns modelos de
relógios e demais materiais com as sucatas. Além da preservação ambiental, diante da
solicitação do educador, ter o relógio de suas próprias residências na escola gerou uma
euforia nas crianças e um sentimento de responsabilidade de cuidar de um objeto tão
importante e que voltariam para suas casas após usarem os mesmos no espaço de
aprendizagem. Por isso, a professora priorizou a todo tempo momentos de conversas,
para explicar passo a passo: processo histórico, conteúdo a ser abordado com os reló-
gios, a importância das sucatadas para a preservação do meio ambiente e também a
responsabilidade de cuidar de um objeto vindo do seu espaço familiar.
Corroborando a afirmação de Paulo Freire de que a prática é profunda-
mente formadora em toda sua interação, por isso, (1996, p. 38), a professora
pautou toda a construção do espaço de aprendizagem com atravessamentos no con-
teúdo pautado: preservação do meio ambiente, trabalhar com os números destacando
as vivências e as falas das crianças, e também a importância da responsabilidade, já
que os relógios foram solicitados aos seus pais e funcionavam perfeitamente, pressu-
pondo um cuidado pelas próprias crianças, ou seja, sua responsabilidade e cuidado ao
usar. Além disso, o diálogo com as crianças foi crucial para pensar a construção do
espaço de acordo com as falas destacadas das crianças. Nota-se, portanto, que a pro-
fessora, como educadora, pautou suas práticas no ato de compreender o educando e
também de como reformar-se enquanto educadora, pois o exige apreensão
da (FREIRE, 1996, p. 41).
Em consonância com essa apreensão de que o ensinar consiste apreensão da
realidade, a proposta do espaço de aprendizagem do propiciou às

187
DIÁLOGO FREIRIANO

crianças momentos de interação coletiva no decorrer de sua construção. As crianças


a todo tempo ajudavam umas as outras na construção dos relógios e nos demais ob-
jetos que iriam fazer parte das experiências. Além disso, brincavam e interagiam, mos-
trando que mesmo entre as paredes da sala de aula, o aprender é muito mais do que
um conteúdo abordado no quadro negro, mas é também espaço de socialização, con-
versas, imaginação e criação. Caracterizando enredos, protagonismos e construindo
sua própria forma de ver o mundo, as crianças se envolveram de forma prazerosa na
construção do espaço. Ultrapassando horizontes muitas vezes limitados por meio de
uma educação bancária.
Por sua vez, Vigotsky (1998, p. 111) enfatiza que é de comprovação em-
pírica, frequentemente verificada e indiscutível para a Essa prática empírica
na infância valorizada pelo autor é destacada em cada detalhe de construção do espaço
de aprendizagem. Escolha do nome, responsabilidade com todo o material, preserva-
ção do meio ambiente, em contraste também sua construção por meio das sucatas
solicitadas aos seus pais. Ademais, ao finalizar a construção do espaço, as crianças so-
licitaram à professora que as crianças de outras salas também pudessem visitar o es-
paço já constituído. Ou seja, toda experiência com o processo histórico, de construção
e diálogos em sala provocou a necessidade de compartilhamento nas crianças.
Para tanto, a professora ao conceder a vontade das crianças de compartilhar
suas vivências no espaço pediu que elas o apresentassem. Não apenas o espaço físico,
mas suas aprendizagens construídas sobre o processo histórico do relógio, os diálogos
ocorridos e a construção do espaço físico e quais materiais foram utilizados, expan-
dindo de maneira dinâmica a interação entre as crianças das turmas de Educação In-
fantil. O exige (FREIRE, 1996, p. 59) e foi com esse com-
prometimento no ensinar que a professora enquanto educadora promoveu a todo
tempo a autonomia da criança diante das práticas mediadas, propiciou compartilhar
suas experiências diante do assunto abordado, protagonizar a produção, compreen-
der reflexões surgidas e desencadeou a necessidade de socialização das crianças com
seus pares, uma vez que o educar na práxis exige respeito ao desenvolvimento da au-
tonomia do educando (FREIRE, 1999).
Portanto, as crianças em todo o processo não apenas foram responsáveis
pela construção do espaço de aprendizagem, mas principalmente aprenderam inici-
almente por meio da teoria sobre o conteúdo programático, entretanto, o mesmo foi
a todo tempo direcionado às suas experiências de vida. Por conseguinte, construíram
por meio de sucatas, trazidas de suas próprias residências, todo o espaço de aprendi-
zagem, nomearam o mesmo de acordo com as aprendizagens construídas durante os

188
DIÁLOGO FREIRIANO

diálogos em sala, acrescentando ainda os relatos das suas vivências com os pais, de-
mais familiares e seus pares. Vale a pena destacar como a mediação da professora,
enquanto educadora comprometida e tendo por base nas suas prática a educação pro-
gressista de Paulo Freire, conseguiu e consegue trabalhar com as crianças, não em uma
perspectiva de educação bancária, mas de uma educação que pode erigir mudanças e
por meio de sua prática ser a ponte de construção de uma autonomia e reflexão crítica
na sala de aula.Todo esse engajamento do educador exige comprometimento, reflexão
crítica, diálogo, saber escutar, exige alegria, esperança, respeito à autonomia do edu-
cando e, sobretudo, compreender como a educação é uma prática crucial para inter-
venção do mundo (FREIRE, 1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As práticas alicerçadas na Pedagogia da Autonomia propiciaram às crianças
da Educação Infantil momentos singulares na construção da aprendizagem. Autono-
mia, interação e integração foram pilares de extrema relevância nas mediações com as
crianças. A construção do espaço de aprendizagem evidenciou o quanto é possível
dialogar teoria-prática-reflexão-ação, baseados, sobretudo, no desenvolvimento da
autonomia da criança. Toda essa prática reflexiva tem influência dentro das paredes
da escola e nas vivências e experiências fora dela, não esquecendo que as mediações
devem levar em conta a realidade vivida pela criança seja ela no espaço familiar e de-
mais espaços. Sobretudo, priorizar a criança como protagonista da interação com os
pares das outras salas ocorra de maneira simultânea, havendo assim uma valorização
da criança enquanto sujeito de suas aprendizagens e compartilhamentos.
Desse modo, diante da proposta de interação entre os períodos I e II, no qual
a autonomia das crianças foi priorizada e respeitada no decorrer das práticas educati-
vas desenvolvidas ao longo da experiência de aprendizagem planejada e mediada pelo
professor, é importante concluir que a autonomia do ser enquanto protagonista no
seu processo formativo é imprescindível às crianças em fase pré-escolar da Educação
Infantil, de modo que priorize a leitura de mundo precedendo a leitura da palavra.
Além disso, os saberes constituídos devem propiciar aos educandos significativas con-
tribuições no processo de apreensão dos conteúdos curriculares de forma criativa, crí-
tica e ética.
Destarte, ao partilhar todas as experiências e aprendizagens pautadas na au-
tonomia e protagonismo infantil, é importante ressaltar que as atividades podem ser
partilhadas com as demais salas, principalmente na Educação Infantil, fase de desco-
bertas e experiências que as crianças sentem a necessidade de contar e compartilhar

189
DIÁLOGO FREIRIANO

cada detalhe de suas aprendizagens, influenciando, deste modo, no meio social de ma-
neira positiva, que se resulta na construção de saberes de forma progressista e libertá-
ria, pautadas nas contribuições do educador Paulo Freire ao campo de estudo que nos
remete a reflexão docente enquanto mediador no processo formativo dos atores soci-
ais.
Nesse contexto, é necessário repensar as atividades e práticas educativas de-
senvolvidas em sala. Ao trazer a criança como protagonista desses espaços, a divulga-
ção e socialização de aprendizagens adquiridas no contexto escolar, de modo que a
criança por meio da imaginação, criação e interação possam aprender a conhecer e
pertencer aos espaços no qual faz parte de forma integrada. É imprescindível oportu-
nizar aos nossos educandos práticas educativas que respeitem os saberes próprios, a
curiosidade, a vivência e leitura de mundo por eles apresentadas e, sobretudo, respei-
tar a autonomia do ser e estar no mundo enquanto protagonista de sua história e
aprendizagens significantes à vivência e atuação em sociedade.

190
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
CRAIDY, Carmem Maria; KAERCHER, GLADIS, Elise P. da Silva. Educação
Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.
FLICK, Uwe. Desenho de Pesquisa Qualitativa. Tradução Roberto Cataldo Costa.
Porto Alegre: Artmed, 2009.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1999.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e terra, 42 ed. 2005.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
MINAYO, Maria Cecilia de Souza. Pesquisa social: Teoria, método, criatividade.
Petropolis: Vozes, 2001.
PIAGET, J. GRECO, P. Aprendizagem e conhecimento. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1974.
TEBEROSKY, Ana. Construção de escritas através da interação grupal: Os
processos de leitura e escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.
VIGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
VIGOTSKY, L. S.; COLE, M. A formação social da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

191
UMA ANÁLISE CRÍTICA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
SOB A ÓTICA DA PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE

Eliane Alves de Souza 1

1. INTRODUÇÃO
Há décadas a Educação pública faz parte do noticiário no Brasil, mas rara-
mente com boas notícias. Há falta de investimentos em qualificação de professores,
segurança e infraestrutura escolar.
O fraco desempenho da Educação pública brasileira é demonstrado em in-
dicadores estatísticos como, por exemplo, o Censo Escolar de 2018, divulgado pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira INEP2,
mostrou que no ano de 2018 foram registradas 48,5 milhões de matrículas nas 181,9
mil escolas de educação básica no Brasil, 1,3 milhões a menos em comparação com o
ano de 2014, o que corresponde a uma redução de 2,6% no total de matrículas.
Gráfico 01: Total de matrículos na educação básica segundo a rede de ensino Brasil 2014 a 2018

Fonte: Elaboração pela Deed/Inep com base nos dados do Censo da Educação Básica.

1
Mestranda em Ciências da Educação pela Universidade Columbia Del Paraguay Asunción PY;
Especialista em Administração Estratégica pela UNESA Rio de Janeiro Brasil; Bacharel em Ciências
Contábeis pela Federação das Faculdades Celso Lisboa Rio de Janeiro Brasil; Funcionária Pública
Federal.
2
http://portal.inep.gov.br Resumo Técnico Censo da Educação Básica 2018 acesso em 08/10/2019
DIÁLOGO FREIRIANO

O diretor de Estatísticas Educacionais do Inep, Carlos Sampaio, creditou a


redução nas matrículas a uma série de fatores. Em reportagem do Jornal Gazeta do
Povo3, de 28/04/2019, ele explicou:

se deve tanto a componentes demográficos, quanto à melhoria no fluxo no


ensino médio, no qual a taxa de aprovação subiu três pontos percentuais de 2013 a
2017. A queda também pode ser explicada pelas altas taxas de evasão e da migração
de alunos para a Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A edição 2018 do Indicador de Alfabetismo Funcional Inaf4 não aponta


avanços nos níveis de alfabetismo no Brasil. Este Indicador foi criado em 2001 pela
ONG Ação Educativa em parceria com o Instituto Paulo Montenegro com o objetivo
de estudar, medir os níveis de Alfabetismo da população brasileira de 15 a 64 anos.
Com a análise dos níveis de Alfabetismo no país, o Inaf objetiva contribuir para a de-
fesa dos direitos educativos dos brasileiros e coloca em debate o próprio significado
de analfabetismo. Para o Inaf, a visão binária de alfabetizado x não-alfabetizado é
equivocada, pois trata-se de um processo gradativo de aquisição e consolidação de
habilidades.
Quadro 01: Níveis de alfabetismo no Brasil conforme o Inaf (2001-2008)5

Fonte: Inaf 2001-2018

A edição 2018 do Inaf6 retrata os níveis de alfabetismo da população adulta


e permite acompanhar a evolução da série histórica trazendo dados inéditos e com-
plementares:

3
https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/evasao-escolar-e-um-dos-principais-problemas-da-
educacao-no-brasil/
4
https://ipm.org.br/relatorios
5
O critério de arredondamento das frações dos resultados permite percentuais totais diferentes da soma
dos números arredondados.
6
https://drive.google.com/file/d/1ez-6jrlrRRUm9JJ3MkwxEUffltjCTEI6/view

194
DIÁLOGO FREIRIANO

resultados obtidos ao longo de mais de uma década mostram uma significativa


redução do número de Analfabetos, caindo de 12%, em 2001-2002 para 4% em 2015,
embora os dados desta última edição sinalizem uma inflexão nessa tendência, indi-
cada por um novo aumento desse patamar em 2018. Ao longo dos anos, houve ainda
uma redução da proporção de brasileiros que conseguem fazer uso da leitura da es-
crita e das operações matemáticas em suas tarefas do cotidiano apenas em nível Ru-
dimentar (de 27% em 2001-2002 para um patamar estabilizado de pouco mais de
20% desde 2009). Indivíduos classificados nesses dois níveis de Alfabetismo com-
põem um grupo denominado pelo Inaf como Analfabetos Funcionais. Os Analfa-
betos Funcionais equivalentes, em 2018, a cerca de 3 em cada 10 brasileiros têm
muita dificuldade para fazer uso da leitura e da escrita e das operações matemáticas
em situações da vida cotidiana, como reconhecer informações em um cartaz ou fo-
lheto ou ainda fazer operações aritméticas simples com valores de grandeza superior
às (INAF Brasil 2018 Resultados Preliminares)

Paulo Freire7, em sua obra A Importância do Ato de (pág. 11) explica


que leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica
a continuidade da leitura e que o analfabeto é um cego,
quase fora da realidade. (pág. 17)
É impossível almejar o desenvolvimento econômico de uma nação e a mo-
bilidade social de seus cidadãos sem pensar primeiro no desenvolvimento educacio-
nal do país. A educação é direito social de todos, constitucional e de competência co-
mum da União, Estados, Distrito Federal e dos Municípios. A Educação é um dos
deveres mais importantes de todas as esferas governamentais e o investimento nesta
área é agenda obrigatória de todo programa de governo. Quando abordamos a temá-
tica desenvolvimento educacional, mais do que investimentos financeiros na área, há
de se refletir sobre a Pedagogia moderna defendida por Paulo Freire em
como Prática da (pág. 12) onde o autor defende uma Educação que pre-
pare o indivíduo para a decisão, para a responsabilidade social e política.
Diante da importância do tema Educação, este artigo teve o objetivo de ana-
lisar seu desempenho e políticas governamentais na área, ao longo da última década
no Brasil, em confronto aos ensinamentos de Paulo Freire.
Para alcançar o objetivo pretendido neste trabalho realizou-se uma pesquisa
básica quanto à sua finalidade, de nível explicativo, qualitativa através de dados se-
cundários e bibliográfica com pesquisas em artigos acadêmicos, sites oficiais do go-
verno federal, periódicos e livros.

7
Educador, filósofo, considerado um dos pensadores mais notáveis da história da pedagogia mundial e
Patrono da Educação brasileira.

195
DIÁLOGO FREIRIANO

O artigo está dividido em quatro seções, com esta introdução. Na segunda


seção é feita a Apresentação e Discussão dos Resultados. Na terceira seção apresenta-
se a Conclusão e encerra-se o trabalho com a Bibliografia.

2. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS


Em 2004 nasceu no Brasil o Movimento Escola Sem Partido8, movimento
político criado e defendido pelo advogado Miguel Nagib, Procurador do Estado de
São Paulo, católico, e indignado com um professor de sua filha que comparou Che
Guevara a São Francisco de Assis. A partir dessa analogia feita em sala de aula, que dr.
Nagib entendeu como política e ideológica nas o advogado
criou uma associação para coibir essas práticas nas escolas e abriu um canal online
para denúncias. O movimento defende a imparcialidade do professor em sala de aula
com respeito às suas visões políticas, religiosas e pessoais.
Paulo Freire, em sua obra Importância do Ato de 9
deixa clara a na-
tureza política do processo educativo:

ponto de vista critico, é tão impossível negar a natureza política do processo


educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Isto não significa, po-
rém, que a natureza política do processo educativo e o caráter educativo do ato po-
lítico esgotem a compreensão daquele processo e deste ato. Isto significa ser impos-
sível, de um lado, como já salientei, uma educação neutra, que se diga a serviço da
humanidade, dos seres humanos em geral; de outro, uma prática política esvaziada
de significação educativa. Neste sentido é que todo partido político é sempre educa-
dor e, como tal, sua proposta política vai ganhando carne ou não na relação entre os
atos de denunciar e de anunciar. Mas é neste sentido também que, tanto no caso do
processo educativo quanto no do ato político, uma
das questões fundamentais seja a clareza em torno de a favor de quem e do quê, por-
tanto contra quem e contra o quê, fazemos a educação e de a favor de quem e do quê,
portanto contra quem e contra o quê, desenvolvemos a atividade política. Quanto
mais ganhamos esta clareza através da prática, tanto mais percebemos a impossibi-
10
lidade de separar o inseparável: a

O Movimento Escola Sem Partido11 defende a fixação de cartazes informati-


vos, nos corredores e nas salas de aula, sobre os deveres do professor e o que não deve
ser abordado em salas de aula; e visa também prevenir a dos direitos dos
pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas pró-
prias Em 2014, o procurador Nagib foi convidado a escrever um Projeto

8
https://www.infoescola.com/educacao/escola-sem-partido/
9
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler, 23ª edição, pág. 15. São Paulo, 1989.
10
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler, 23ª edição, pág. 15. São Paulo, 1989.
11
https://www.programaescolasempartido.org/

196
DIÁLOGO FREIRIANO

de Lei (PL 2974/2014) para ser apresentado à Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro
e, no mesmo ano, foi lançado o Projeto de mesmo tipo sob o nº 864/14, por um vere-
ador carioca, para apreciação da Câmara Municipal da capital. E, assim, esses projetos
tem servido de referência para a criação de outros projetos do mesmo tipo nas Assem-
bleias Legislativas e Câmaras Municipais de vários Estados e Municípios brasileiros.
A polêmica em torno do Movimento Escola Sem Partido diz respeito sobre a possibi-
lidade de haver perseguições políticas e censura ao trabalho do professor em sala de
aula, a partir da aprovação desses Projetos de Lei.
No Prefácio, de autoria de Moacir Gadotti, na obra de Paulo Freire
ção e (1979), aprendemos sobre a indissociabilidade entre educação e po-
lítica:

de Paulo Freire ninguém mais pode ignorar que a educação é sempre um


ato político. Aqueles que tentam argumentar em contrário, afirmando que o educa-
dor não pode estão defendendo uma certa política, a política da des-
politização. Pelo contrário, se a educação, notadamente a brasileira, sempre ignorou
a política, a política nunca ignorou a educação. Não estamos politizando a educação.
12
Ela sempre foi política. Ela sempre esteve a serviço das classes

Paulo Freire, patrono da Educação brasileira, educador mais reconhecido e


premiado internacionalmente, em sua obra do Oprimido o educador
defende a escola como espaço de desenvolvimento da consciência crítica dos alunos.
Segundo a Pedagogia defendida pelo educador, a missão principal da Educação é
conscientizar o aluno de sua realidade, ensinar o aluno a o para poder
transformá-lo; e critica o que qualificou ou denominou como
Para Freire, a se contrapõe a educação libertadora ou
Em do (1996), Freire discorre sobre a temática:

visão da educação, o é uma doação dos que se julgam sábios


aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instru-
mentais da ideologia da opressão a absolutização da ignorância, que constitui o
que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra no ou-
tro.
(...)
Na concepção que estamos criticando, para a qual a educação é o ato de
depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos, não se verifica nem
pode verificar-se esta superação. Pelo contrário, refletindo a sociedade opressora,
sendo dimensão da do a mantém e esti-
13
mula a

12
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Prefácio de Moacir Gadotti, Pág. 6, 2013.
13
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª ed. pág. 33, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

197
DIÁLOGO FREIRIANO

Na a metodologia de ensino utilizada é a das institui-


ções tradicionais onde o professor é centro do processo de aprendizagem, uma vez
que é o possuidor de todo saber, de todo conhecimento, travando um relacionamento
vertical, de cima para baixo, com o educando. Freire defende que essa metodologia de
ensino não desperta no educando o desenvolvimento da consciência crítica, a criati-
vidade e a plenitude do aprendizado.
A Câmara dos Deputados Federais, Brasília-DF, recebeu na legislatura de
2019 o projeto Sem Mordaça14 autoria das Deputadas Federais Talíria Pe-
trone (RJ), Luiza Erundina (SP), Fernanda Melchionna (SP), Samia Bomfim (SP), e
Aurea Carolina (MG), todas do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL-RJ). O projeto
visa garantir a liberdade de ensino e aprendizagem, do pluralismo de ideias, além de
combater o preconceito e garantir a liberdade religiosa.
O Projeto de Lei nº 509/2019, Sem Mordaça15 em seu 1º artigo de-
fende a liberdade de todos os professores, estudantes e funcionários para expressar
seu pensamento e opinião e toma por base o artigo 206, incisos I e III da Constituição
Federal de 1988:
Art.1º do PL Sem

os professores, estudantes e funcionários são livres para expressar seu pen-


samento e opinião nos termos do artigo 206, incisos I e III da

O Art. 206 da CF/1988 define os princípios sobre os quais o ensino será mi-
nistrado:
206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o
saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições
públicas e privadas de ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
V - valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusi-
vamente por concurso público de provas e títulos;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de

14
https://www.camara.leg.br/noticias/551792-ESCOLA-SEM-PARTIDO-X-ESCOLA-SEM-
MORDACA:-DEPUTADAS-DEFENDEM-PROJETOS-SOBRE-OS-TEMAS
15
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2191271

198
DIÁLOGO FREIRIANO

A pedagogia proposta por Paulo Freire é a chamada pedagogia libertadora


ou pedagogia da libertação. Esta pedagogia é conhecida e estudada em diversas uni-
versidades no mundo, cuja proposta central é a educação crítica que tem a capacidade
de transformar a sociedade. Na obra e (1979), Freire defende
que desenvolvimento de uma consciência crítica que permite ao homem transfor-
mar a realidade se faz cada vez mais (pág.17)
O desenvolvimento de uma consciência crítica se faz com estudo do conte-
údo programático aliado à abertura de debates de ideias, com reflexões do passado
histórico comparando-os a atual conjuntura e discutindo perspectivas de futuro. Em
Importância do Ato de (1979), Freire disserta sobre o direito de voz do edu-
cando, o direito de dizer a sua palavra e o dever do educador de ouvi-lo:

outro ponto que me parece interessante sublinhar, característico de uma visão


crítica da educação, portanto da alfabetização, é o da necessidade que temos, educa-
doras e educadores, de viver, na prática, o reconhecimento óbvio de que nenhum de
nós está só no mundo. Cada um de nós é um ser no mundo, com o mundo e com os
outros. Viver ou encarnar esta constatação evidente, enquanto educador ou educa-
dora, significa reconhecer nos outros - não importa se alfabetizandos ou participan-
tes de cursos universitários; se alunos de escolas do primeiro grau ou se membros
de uma assembleia popular - o direito de dizer a sua palavra. Direito deles de falar a
que corresponde o nosso dever de escutá-los. De escutá-los corretamente, com a
convicção de quem cumpre um dever e não com a malícia de quem faz um favor
para receber muito mais em troca. Mas, como escutar implica falar também, ao de-
ver de escutá-los corresponde o direito que igualmente temos de falar a eles. Escutá-
los no sentido acima referido é, no fundo, falar com eles, enquanto simplesmente
falar a eles seria uma forma de não ouvi-los. Dizer-lhes sempre a nossa palavra, sem
jamais nos expormos e nos oferecermos à deles, arrogantemente convencidos de
que estamos aqui para salvá-los, é uma boa maneira que temos de afirmar o nosso
elitismo, sempre autoritário. Este não pode ser o modo de atuar de uma educadora
ou de um educador cuja opção é libertadora. Quem apenas fala e jamais ouve; quem
o conhecimento e o transfere a estudantes, não importa se de escolas
primárias ou universitárias; quem ouve o eco apenas de suas próprias palavras,
numa espécie de narcisismo oral, quem considera petulância da classe trabalhadora
reivindicar seus direitos, quem pensa, por outro lado, que a classe trabalhadora é
demasiado inculta e incapaz, necessitando, por isso, de ser libertada de cima para
baixo, não tem realmente nada que ver com libertação nem democracia, Pelo con-
trário, quem assim atua e assim pensa, consciente ou inconscientemente, ajuda a
preservação das estruturas

A educação vai muito além da velha de datas, fórmulas, nomes


de cidades e de personagens históricos. A Educação não serve apenas para informar,
mas, principalmente, para formar. Segundo Freire (1979) a Educação não é um pro-
cesso de adaptação do indivíduo à sociedade, mas de transformação.

199
DIÁLOGO FREIRIANO

Reportagem publicada no jornal G116 de 13/09/2019, noticiou a previsão de


cortes orçamentários para a educação básica em 2020:

O orçamento do Ministério da Educação (MEC) para 2020 prevê uma queda de


54% nos recursos destinados ao apoio à infraestrutura para a educação básica, se
comparada à proposta apresentada em 2018 para o orçamento deste ano. Serão R$
230,1 milhões ante R$ 500 milhões autorizados

Os artigos 21 e 22 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), LEI nº 9.394/1996, de-


finem a composição da educação escolar e as finalidades da educação básica respecti-
vamente:

21. A educação escolar compõe-se de:


I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino
médio;
II - educação superior.
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-
lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos

Cortar orçamento da educação básica é cortar condições do educando de


receber a formação indispensável para o exercício da cidadania e dificultar-lhe o
acesso aos meios para alcançar progresso no trabalho e em estudos posteriores, como
o próprio artigo 22 da LDB define. Cortar orçamento da educação é cortar perspecti-
vas de desenvolvimento de uma nação. Como Paulo Freire em da indig-
nação: cartas pedagógicas e outros deixa claro o papel da educação para o
desenvolvimento da sociedade:

é possível refazer este país, democratizá-lo, humaniza-lo, torna-lo sério, com


adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida destruindo o sonho, invi-
abilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tam-
pouco a sociedade

3. CONCLUSÃO
O presente trabalho objetivou analisar o desempenho da educação brasileira
e as políticas governamentais na área ao longo da última década no Brasil, em con-
fronto aos ensinamentos de Paulo Freire. Verificou-se diante de alguns fatos e estatís-
ticas oficiais, levantadas na área de educação brasileira, que o Brasil ainda está longe
de prover uma educação básica de qualidade aos menos favorecidos economica-
mente. Há uma movimentação governamental no sentido de cortes orçamentários

16
https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/09/13/orcamento-do-governo-federal-preve-cortes-para-
educacao-basica-em-2020.ghtml

200
DIÁLOGO FREIRIANO

justamente na área de educação, inclusive da educação básica. Politicamente há um


embate entre Projetos de Leis sobre a autonomia didática do professor em sala de aula,
o que ressuscita a polêmica sobre possíveis perseguições políticas e censura. Contras-
tando esse quadro com os ensinamentos de Paulo Freire, em algumas de suas obras,
conclui-se que o Projeto de Lei Sem Partido é avesso à Pedagogia defendida
por Freire, a Pedagogia Libertadora, e que o Projeto de Lei Sem éo
retrato da Pedagogia Libertadora defendida por ele defendida. Conclui-se que na me-
dida em que há cortes no orçamento governamental para a Educação, torna-se inútil
pensar em perspectivas de desenvolvimento brasileiro.

201
DIÁLOGO FREIRIANO

BIBLIOGRAFIA
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2019]. Disponível em: http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 13/10/2019.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23ª ed.
São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
____________. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23ª
ed. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 14ª ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1983.
FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 1ª ed. Prefácio de Moacir Gadotti. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Indignação, 1ª ed. São Paulo: Editora UNESP, 2000.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de
dezembro de 1996.
BRASIL/MEC. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, DF: 20 de dezembro de 1996.

202
DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
À PEDAGOGIA DO MOVIMENTO:
AS CONTRIBUIÇÕES DO PENSAMENTO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO DE PAULO FREIRE
PARA A EDUCAÇÃO NO MOVIMENTO DOS
TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA-MST

Franciele Soares dos Santos 1

Introdução
As condições objetivas que desencadearam a necessidade da organização do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, em meados da década de
1980, se relacionam diretamente com as transformações ocorridas na agricultura bra-
sileira, que, por sua vez, provocaram a expulsão de um grande contingente de traba-
lhadores do campo. Assim, a constituição do MST como movimento social popular
do campo- MSPdoC, ocorre essencialmente por meio da necessidade da luta pela
terra. No entanto, diante da baixa escolarização dos sujeitos Sem Terra2 e diante da
falta de escola nos acampamentos para as crianças, o Movimento3 acaba por se preo-
cupar com a questão escolar e assumir a escolarização de seus integrantes com vistas
à construção de uma escola diferente do MST e no MST. Faz isto gestando, ao mesmo
tempo, sua proposta educativa, inicialmente, a partir da preocupação com educação
das crianças, jovens e adultos acampados; posteriormente, da necessidade que emer-
gia da construção de uma proposta educativa e escolar, articulada a formação de edu-
cadores que trabalhassem nas escolas do assentamento de acordo com seus princípios
pedagógicos.

1
Professora do curso de Pedagogia-Unioeste-campus de Francisco Beltrão - PR. Doutora em educação
pela Universidade Federal de Pelotas-UFPel. E-mail: sfrancielesoares@gmail.com
2
A expressão Sem Terra, com letras com letras maiúsculas e sem hífen, de acordo com Caldart (2001,
-
categoria social de trabalhadores e trabalhadoras do campo que não têm terra e que passam a requerê-la
como direito. Trata-se de um vocábulo recente nos dicionários de língua portuguesa, uma das conquistas
culturais da luta pela terra no Brasil. Mas em seu nome, os Sem Terra, mantêm a grafia original de seu

3
As denominações Movimento e MST serão utilizadas para designar o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra.
DIÁLOGO FREIRIANO

Por meio de pesquisas realizadas anteriormente sobre o MST4, compreen-


demos que o Movimento construiu seu projeto educacional, com intuito de apro-
priar-se de uma teoria coerente com seu projeto histórico e sua prática social, nessa
caminhada, o pensamento político-pedagógico freiriano, especialmente via Pedago-
gia do Oprimido, esteve presente, tanto na elaboração da proposta educacional,
quanto nas experiências formativas e práticas escolares desenvolvidas pelo MST,
constituindo-se como uma das concepções pedagógicas que historicamente vem con-
tribuindo de forma significativa para a educação no Movimento.

Considerações sobre o pensamento político-pedagógico de Paulo Freire


Paulo Freire experimentou a pobreza e também conheceu as mazelas do
povo nordestino, isto por sua vez marcou profundamente sua forma de pensar e ver
o mundo. De acordo com o próprio Freire em Jaboatão, quando eu tinha dez
anos, comecei a pensar que no mundo tinham muitas coisas que não andavam bem.
Embora fosse criança comecei a perguntar-me o que poderia fazer para ajudar aos
(FREIRE, 1980, p.21).
Freire formou-se em Direito, porém abandonou-o na primeira causa, pois
ficou indignado com a injustiça no campo jurídico. Então, decidiu trabalhar na área
da educação como diretor do Departamento de Educação e de Cultura do SESI- Ser-
viço Social da Indústria, quando retomou seu contato com o povo, e realizou suas
primeiras experiências que o conduziram ao método Paulo Freire de Alfabetização de
Adultos. Neste período, também participou da fundação do movimento de Cultura
Popular do Recife, que mais tarde articulou-se ao Serviço de Extensão Cultural da
Universidade do Recife (FREIRE,1980). Porém, com o golpe civil militar em 1964
estas experiências foram abortadas, e Paulo Freire é forçado a deixar o país, e vive no
exílio de 1964 a 1979. É no exílio que ele escreve diversas obras, dentre elas sua
principal: a Pedagogia do Oprimido.
Portanto, as raízes do pensamento político-pedagógico freiriano, estão loca-
lizadas nas reflexões sobre as condições desumanas de existência e opressão vividas
pelas classes populares no Brasil e na também na América Latina nas décadas de 1950

4
Pesquisas em nível de pós-graduação, respectivamente mestrado e doutorado em educação: SANTOS,
Franciele Soares dos. Formação de educadores militantes no MST: a experiência do curso de Pedagogia
da Terra na Unioeste/PR. Dissertação de mestrado. Programa de pós-graduação em educação. UFSC,
2009. SANTOS, Franciele Soares dos. Trabalho educação e formação humana no MST: tensionando a
forma histórica escolar à luz da pedagogia socialista. Tese de doutorado. Programa de pós-graduação em
educação. UFPel, 2016.

204
DIÁLOGO FREIRIANO

e 1960. Representam aprendizados que Freire teve ao aproximar-se dos movimentos


de libertação contra a opressão que se manifestavam nestas décadas5. Diante disso,
Freire reconheceu no oprimido o sujeito de sua pedagogia e apresentou o caráter po-
lítico da educação, bem como a possibilidade de uma educação problematizadora e
libertadora, por meio do diálogo com o educando, sendo uma crítica ao modelo esco-
lar baseado na educação bancária, ou seja, uma posição contrária à lógica da educação
formal presente nas escolas.
Em sua primeira obra como prática da ressaltou o
papel da educação como um instrumento de libertação humana ao apresentar sua
proposta de alfabetização de adultos, bem como a concepção dialógica de educação.
Tratou da urgência da construção de um projeto de educação que articule
alfabetização e conscientização, por meio do diálogo, condição essencial para
pedagogia dos homens Mas, é a obra Pedagogia do Oprimido que demarcou a
concretização de sua concepção de educação6. Nesta obra, Freire aprofunda as
discussões da Educação como Prática da Liberdade e também apresenta as reflexões
das observações realizadas os anos de exílio, reconhece a educação como um ato
político, e também assume uma posição a favor dos oprimidos, os sujeitos de sua
pedagogia. É na dedicatória que Freire expressa sua opção pelos oprimidos:
esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com
eles sofrem, mas sobretudo, com eles (FREIRE, 2003).
Para Freire são os oprimidos os sujeitos capazes de entender a necessidade
da libertação, pois eles que vivenciam as consequências deste processo. No entanto, a
libertação não ocorre por acaso necessita da da e da de
lutar por o problema na visão do educador é que os oprimidos hospedam em si
o opressor, seus valores e sua ideologia.
A pedagogia do oprimido deve funcionar como instrumento de descoberta
do hospedeiro do opressor, para assim contribuir com a libertação dos oprimidos.
Freire alerta que num primeiro momento os oprimidos tornam-se opressores e te-
mem a liberdade, por isso ela é um . Assim, o nascimento de um ho-

5
Para Paludo (2001, p.91), é com Freire que nos anos 1960, temos anunciada uma pedagogia das classes
-se a conceber uma pedagogia na educação brasileira (e latino
americana) que leva em consideração a realidade brasileira com vistas à sua transformação, em que as

6
gogia do Oprimido como ponto de partida
de uma elaboração teórica mais aprofundada, mais consistente, mais rigorosa, especialmente quanto à
sua base de fundamentação sócio-

205
DIÁLOGO FREIRIANO

mem implica no engajamento dos homens e mulheres na luta social, para com-
preensão verdadeira da condição de oprimidos, e no papel da conscientização para a
compreensão da necessidade da transformação das condições de existência.
Na mesma obra, denunciou a prática bancária na educação escolar. De
acordo com Freire, na perspectiva bancária de educação, cabe ao educador fazer co-
municados, cabendo aos educandos a recepção passiva dos conteúdos, por meio da
memorização e a repetição dos mesmos: aí a concepção de educação,
em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os
depósitos, guardá-los e arquivá- (FREIRE, 2003, p. 59).
A educação bancária tem por objetivo manter os oprimidos imersos na cul-
tura do silêncio. Já é a educação libertadora que apresenta aos oprimidos a possibili-
dade da conscientização da realidade e busca da vocação ontológica de ser mais No
entanto, Paulo Freire afirma que somente quando os oprimidos descobrem nitida-
mente o opressor, estarão engajados na luta organizada por sua libertação, começam
a crer em si mesmos, superando, assim, sua com regime opressor
(FREIRE, 2003, p.52), sendo a educação é fundamental neste processo de descoberta.

A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois mo-


mentos distintos. O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando o mundo da
opressão e vão comprometendo-se na práxis, com sua transformação; o segundo em
que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser oprimido e
passa a ser pedagogia dos homens em processo de transformação. (FREIRE, 2003,
p. 41).

Uma pedagogia pautada numa proposta político-pedagógica em que o en-


sino, não é uma mera transferência de conteúdos, mas sim, um momento produção e
construção de novos conhecimentos por meio da relação dialógica. (FREIRE, 2000, p.
52). O diálogo é o instrumento indispensável para a prática educativa libertadora, per-
mite a problematização, a contextualização dos saberes sistematizados, bem como a
visualização da necessidade de libertação, pois ninguém liberta ninguém, nin-
guém se liberta sozinho; os homens se libertam em (FREIRE, 2003, p.52).
Portanto, em Freire a educação é compreendida como práxis revolucionária,
articulada aos saberes e a cultura do povo, ou seja, uma ação cultural comprometida
com a conscientização e a luta dos oprimidos pela libertação. Na obra Cultural
para a liberdade e outros Freire ao discutir a alfabetização de adultos, afirma
que a conscientização é fundamental no processo de transformação social. Tal afir-
mação implica em compreendermos que não há conscientização sem uma radi-
cal denúncia das estruturas de dominação e sem o anúncio de uma nova realidade a

206
DIÁLOGO FREIRIANO

ser criadas em função dos interesses das classes sociais hoje (FREIRE,
2011, p.132).
É na dialética denúncia e anúncio que os oprimidos, enquanto sujeitos his-
tóricos terão condições de analisar de formar crítica a realidade em que vivem. Logo,
a pedagogia humanista e libertadora, busca a construção de uma cultura de libertação,
bem como uma revolução cultural por meio de uma educação comprometida com a
emancipação humana.

[...] para Freire, uma educação emancipatória é importante no processo de


reumanização dos homens aqueles homens que foram desumanizados por seus
semelhantes através do processo de exploração, de coerção e de hegemonia, na
sociedade de classes.(ROSSI, 1981, p. 103).

De fato, Paulo Freire preocupava-se com o acirramento do processo de de-


sumanização na sociedade capitalista. A temática humanização sempre esteve
presente nas suas obras, e, não foi por acaso que ela tornou-se uma constante nos seus
escritos. Ao longo destes, concebeu a desumanização como uma expressão concreta
da alienação e dominação, que implica diretamente no silenciamento dos oprimidos
frente à realidade injusta em que vivem. E o mais importante, Freire entendia que a
desumanização não está presente só nos oprimidos, mas também nos opressores, ou
seja, a opressão, a exploração e violência promovida pelos opressores os desumaniza
também; por isso Freire ressalta que cabe também aos oprimidos a libertação de seus
opressores.
A humanização é entendida como a vocação e o projeto utópico dos
oprimidos. Um projeto que deve ser construído pautado nos princípios da educação
libertadora, porém, Freire não era ingênuo, ou seja, não acreditava que sozinha a
educação que iria resolver o problemas da humanidade. Por várias vezes, ele
questionou e denunciou o papel da escola na sociedade capitalista e na formação
humana. Mas, nunca perdeu a crença em suas contribuições para a transformação so-
cial, afirmava que a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tam-
pouco a sociedade (FREIRE, 2000, p.67). Afirmou o caráter político da edu-
cação, e seu papel crucial para a emancipação humana.
A partir dessas compreensões, acreditamos que a pedagogia do oprimido de
Paulo Freire, enquanto uma prática social e política comprometida com a conscienti-
zação e humanização dos oprimidos, foi e é ainda hoje uma alternativa aos desafios
existentes para a construção de processos educativos emancipatórios. Como exemplo,
podemos citar a educação Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que é

207
DIÁLOGO FREIRIANO

herdeira da pedagogia do oprimido e uma materialização dessa concepção pedagó-


gica. (CALDART, 2012). Assim, Paulo Freire pode ser considerado o pedagogo
que abriu caminho para o diálogo entre educação e movimentos (SCHWEN-
DLER, 2010, p. 269), seu pensamento político-pedagógico mobilizou e mobiliza a es-
perança de homens e mulheres Sem Terra desde o início das práticas educativas no
Movimento.

O pensamento político-pedagógico de Paulo Freire e a educação no MST


Ao longo de sua trajetória, o MST vem construindo uma proposta pedagó-
gica que pressupõe uma teoria educacional cuja concepção de educação está apoiada
num projeto histórico determinado. Como movimento social popular do campo,
mais combativo da atualidade, educa seus militantes a partir de um projeto político-
ideológico contrário aos interesses da hegemonia capitalista. Este educar está desen-
volvido nas experiências acumuladas pelo Movimento ao longo de sua história de luta
e resistência, engendrando processos educacionais que sinalizam avanços qualitativos
no âmbito da formação humana de caráter crítico e revolucionário, como exemplo a
elaboração da Pedagogia do Movimento Sem Terra7.
Na Pedagogia do Movimento Sem Terra, o Movimento é o princípio educa-
tivo. Ela é constituída por diferentes matrizes pedagógicas: Pedagogia da luta social,
Pedagogia da organização coletiva, Pedagogia da terra, Pedagogia do trabalho e da
produção, Pedagogia da cultura, Pedagogia da escolha, Pedagogia da alternância e Pe-
dagogia da história. (CALDART, 2004).
Dentre as matrizes pedagógicas da Pedagogia do Movimento, destaca-se a
da Luta como a primeira delas. A centralidade da reflexão nessa
matriz, entre outras sistematizadas, está justamente localizada na formação humana
contestadora, como aquela realizada no âmbito dos movimentos sociais do campo,
que identifica o sujeito, educa-o e conscientiza-o. Ou seja, conforme Caldart (2004, p.
336-337), o aprendizado produzido pela pedagogia da luta é o da postura política

7
Roseli Caldart, intelectual ligada ao Movimento, foi quem sistematizou pela primeira vez a proposta
formação de educadores e
educadoras do MST na Pedagogia

Movimento Sem Terra (2004). Essa última pesquisa constituiu- ra grande síntese
teórico-
sistematização da proposta pedagógica do Movimento, uma obra referencial nas discussões sobre
educação no âmbito do MST.

208
DIÁLOGO FREIRIANO

e cultural de contestação social, que é a tradução do princípio da possibilidade de mu-


dança para o jeito de olhar a sociedade como um todo.
Por sua vez, uma formação vinculada aos princípios pedagógicos da Peda-
gogia do Movimento caracteriza-se por ser uma formação político-pedagógica que
repensa as práticas educativas a partir de específicas matrizes pedagógicas, apontando
para uma ação de reflexão crítica na formação dos sujeitos do campo, questionando,
por exemplo, a expropriação do modo de produção capitalista sobre os trabalhadores
do campo.
Caldart (2004), afirma que há três fontes que a influenciaram: a experiência
e as trazidas pelos sujeitos que militavam no MST; a segunda o Movimento, seus prin-
cípios, projetos e ensinamentos; e por último os elementos da teoria pedagógica tra-
zida pelos professores e pedagogos que auxiliavam o MST, em destaque os estudos de
Paulo Freire e também de alguns pensadores e pedagogos socialistas.
Como é sabido, o processo de gestação do MST foi desencadeado na reto-
mada da luta pela terra no Brasil. Desde as primeiras ocupações de terra ocorridas
entre 1979 e 1984, especialmente no sul do Brasil, com a ocupação das fazendas Macali
e Brilhante, posteriormente fazenda Encruzilhada do Natalino, em Ronda Alta no Rio
Grande do Sul. No entanto, cabe considerar outro fator determinante nesse processo,
que foi a influência junto aos trabalhadores do campo das Comunidades Eclesiais de
Base (CEBs) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que realizavam encontros que
contribuíram para a organização destes trabalhadores. E também é de se mencionar a
influência significativa exercida por alguns setores da Igreja Católica vinculados à Te-
ologia da Libertação, que trouxeram contribuições para a conscientização destes tra-
balhadores sobre a necessidade da organização para a luta pela terra. Do ponto de vista
político, o processo de redemocratização do país também foi determinante para a or-
ganização dos trabalhadores tanto da cidade quanto do campo.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é criado em 1984,
no município de Cascavel-PR. Mas a organização da primeira escola de acampamento
é anterior ao MST, quando professoras8 e mães acampadas em Encruzilhada do Na-
talino sentem a necessidade de desenvolver práticas educativas com as 180 crianças
em idade escolar que viviam naquele acampamento.

8
caso, ou por destino histórico, entre os acampados havia uma professora. Era Maria Salete
Campigotto, professora estadual desde 1978, que, casada com um colono Sem Terra, integra o grupo.
Salete virá a ser, depois, a primeira professora de assentamento do país. No acampamento Salete passou

209
DIÁLOGO FREIRIANO

Num primeiro momento, o foco não era a escola, e sim a realização ativida-
des educativas que proporcionassem o cuidado das crianças bem como o reconheci-
mento por parte delas da luta da qual participavam. Segundo Camini (2009, p. 104),
os professores eram pessoas que tinham alguma experiência na catequese, na sala
de aula, ou simplesmente gostavam de lidar com Essa escola só foi legali-
zada em 1984, já no assentamento nomeado de Nova Ronda Alta, mas foi organizada
desde 1983.
Cabe chamar atenção também, para o fato de que as professores envolvidas
com a organização da primeira escola de acampamento cursavam pedagogia na Uni-
versidade de Passo Fundo (UPF) e já tinham conhecimento da proposta de educação
popular de Paulo Freire. Ou seja, o contato com a obra Pedagogia do oprimido esteve
diretamente articulado com a concepção de educação popular, e ainda, segundo Cal-
dart (2015, p. 24), foi fundamental para as experiências educativas e escolares do Mo-
vimento

[...] forneceu elementos críticos à forma de escola baseada em uma concepção


de educação, e a necessidade de valorização da realidade vivida pelos sujeitos
Sem Terra no trabalho educativo. Mas talvez a maior inspiração tenha sido encon-
trar argumentos para uma proposta ao mesmo tempo altiva e humilde na constru-
ção assumida, tendo como pressuposto o necessário protagonismo dos trabalhado-
res, do povo, nos processos de transformação social: não vamos construir sozinhos
nosso projeto educativo, precisamos de diálogo com outros companheiros de pro-
jeto histórico, mas queremos ser protagonistas dessa construção.

Desse contato, há a inspiração para a construção da escola diferente para as


crianças Sem Terra. Ou seja, escola que deveria valorizar a história da luta das
famílias, ensinando a ler e a escrever através de experiências que também desenvolve-
ram o amor a terra e ao (CALDART, 1991, p. 88).
Um outro momento importante na constituição da questão educacional e
escolar no MST ocorre em 1985 na Fazenda Anonni, a maior ocupação já realizada
pelo Movimento. Na Anonni, devido ao número de crianças em idade escolar, tam-
bém se passou a discutir a necessidade da escola. É por meio da Equipe de Educação9
que as primeiras discussões sobre a escola no acampamento são fomentadas. Primei-
ramente, não houve unanimidade sobre a necessidade da escola. Entretanto, a equipe
de educação se desdobrou para convencer os acampados, pois esta já acompanhava o
trabalho escolar desenvolvido em outros acampamentos, e já visualizava a importân-
cia da escola para a luta do MST. Coube a ela então demonstrar a necessidade da escola

9
No acampamento da Fazenda Anonni foram constituídas equipes de trabalho. Entre elas estava a Equipe
de Educação.

210
DIÁLOGO FREIRIANO

por meio de dois aspectos relevantes: a Anonni poderia ser um futuro assenta-
mento, e então a escola não seria tão provisória assim [...] havia ainda o agravante do
número de crianças privadas do direito constitucional de frequentar a (CAL-
DART et al., 1991, p. 90).
A combinação desses dois aspectos levou a organização a travar debates co-
letivos com pais e professores para definir o que ensinar nas escolas. Assim, a escola
passou a ser compreendida como imprescindível para a continuidade das ações, as
lutas e enfrentamentos no contexto dos acampamentos e assentamentos do Movi-
mento. Junto a isso, intensificaram-se as lutas principalmente a partir da necessidade
que surgia da construção de uma escola no e para o Movimento, a partir do entendi-
mento da educação como um direito de todos.
Outro fator, como ressalta Caldart (2004, p. 227), é o de que naquele período
de início da organização do Movimento grande maioria dos sem-terra tem baixo
nível de escolaridade e uma experiência pessoal de escola que não deseja para seus
filhos: discriminação, professores despreparados, reprovação, Daí a neces-
sidade da ocupação da escola a fim de garantir o direito à educação negada historica-
mente aos trabalhadores do campo brasileiro, e também como uma forma de resistên-
cia ao modelo escolar urbano implementado no campo. Martins (2009, p. 185) afirma
que a intencionalidade da ocupação da escola condensa também uma perspectiva
do projeto de sociedade, uma concepção de classe e um posicionamento identitário.
Nesse sentido, o fundamento da categoria ocupação está vinculado ao projeto de
classe trabalhadora, um projeto
Além disso, a necessidade da ocupação da escola é justificada pela ausência
de políticas educacionais para educação no meio rural brasileiro, e devido ao fato de
que ao sistema produtivo, a escolaridade campesina também serviu de su-
porte para a estruturação de uma sociedade desigual e de preparo mínimo para mão
de obra que atendesse prerrogativas político- (LEITE, 2002, p. 53).
E, ainda, a preocupação principal era a de construir uma forma escolar pen-
sada coletivamente pelos Sem Terra e vinculada à luta do MST na contramão do pro-
jeto hegemônico escolar capitalista. Ao mesmo tempo surgem questões sobre a neces-
sidade de romper com o modelo escolar predominante para a população rural,
quando os acampados começam a discutir a questão da escola, uma das palavras mais
pronunciadas nas reuniões pais e professores é A escola tem que ser dife-
rente, o professor tem que ser diferente, os alunos têm que ser diferentes, tudo dife-
(CALDART et al., 1991, p. 97).

211
DIÁLOGO FREIRIANO

Portanto, dessa preocupação emergiu a busca por uma escola diferente para
o Movimento e no Movimento. Por isso, ao ocupar a escola e objetivar a construção
de uma escola diferente, o MST passa a reescrever a história de educação escolar no
campo. Os primeiros passos para a ocupação da escola e a construção de uma escola
diferente ocorrem, primeiramente, pela redefinição de seus objetivos.
Nesse cenário, o pensamento político-pedagógico freiriano articulou-se aos
desafios da construção de um projeto educativo emancipatório do MST. Sendo pre-
sença constante nas experiências formativas e práticas escolares do Movimento, na
busca da práxis libertadora e transformadora.

Nessa prática-movimento de educação, ou nessa prática ético-política-educativa, foi


sendo elaborada essa concepção de educação, baseada em leituras da educação apre-
endidas de Paulo freire pelo coletivo de educadores e em leituras dos processos que
acontecem nas vivências da opressão e da libertação dos oprimidos. (ARROYO,
2012, p. 25)

A pedagogia do oprimido passa a ser o alicerce para produção e sistematiza-


ção de materiais pedagógicos produzidos pelo Movimento no período de 1991 a 1996,
estes baseados, fundamentalmente, no pensamento de Paulo Freire, abrangendo refle-
xões sobre temas geradores, concepção problematizadora e dialógica de educação. Por
conseguinte, a prática escolar desenvolvida nas escolas dos acampamentos e assenta-
mentos do MST, especialmente as vinculadas a alfabetização de jovens e adultos-EJA,
passou a fundamentar-se na metodologia dos temas geradores. Como sabemos, o mé-
todo de investigação dos temas geradores almeja a construção de um projeto de edu-
cação que articula alfabetização e conscientização por meio do diálogo, condição es-
sencial para uma pedagogia de homens livres. Os temas geradores surgem após uma
pesquisa prévia do universo das palavras faladas no meio cultural do educando, desse
meio, são extraídos os vocábulos de maior possibilidade fonêmica e carga semântica,
sendo que essas palavras são chamadas de geradoras porque proporcionam a forma-
ção de outras. Ou seja, o ponto de partida freiriano inicia-se pela busca, pela investi-
gação acerca do tema gerador: situações existenciais, concretas, que se encontram co-
dificadas pela realidade, para então chegar à descodificação. (FREIRE, 1982).
Em todas as etapas da descodificação, os educandos exteriorizam sua visão
de mundo, sua forma de pensá-lo, sua percepção fatalista das situações-limites, sua
percepção estática ou dinâmica da realidade. Ou seja, investigar o
é investigar, repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu
atuar sobre a realidade, que é sua práxis (FREIRE, 1982, p. 115).

212
DIÁLOGO FREIRIANO

O desvelamento da realidade, por meio da metodologia dos temas geradores,


implica a leitura de mundo, isto é, o reconhecimento e a leitura crítica do contexto
histórico onde os sujeitos estão inseridos. Nesse caso, a educação e a escola, por meio
de suas práticas educativas, assumem um papel determinante. Pois, como alertava
Freire (1977, p. 48) o homem não pode participar ativamente da história, na so-
ciedade, na transformação da realidade se não for ajudado a tomar consciência da re-
alidade e de sua capacidade para
Desse modo, a leitura crítica da realidade implica diretamente na construção
de experiências educativas comprometidas com a conscientização de homens e mu-
lheres, sendo um elemento imprescindível para a libertação humana na perspectiva
do ser mais. Assim,

A conscientização é um dos conceitos estruturantes da concepção e prática da edu-


cação libertadora. [...] compreendida como processo de criticização das relações de
consciência-mundo, é condição fundamental do comprometimento humano di-
ante do contexto histórico-social. [...] É através da conscientização que os sujeitos
assumem seu compromisso histórico no processo de fazer e refazer o mundo, den-
tro das possibilidades concretas, fazendo e refazendo também a si mesmos. (FREI-
TAS, 2010, p. 88).

Como afirmou Bogo, intelectual vinculado ao MST, em seu texto peda-


gogo da esperança e da Paulo Freire nos ensinou o caminho para a
formação da consciência na sua forma política. Ensinou-nos que no mundo e
com o é não somente aprender a ler a realidade, mas propor-se a modificá-
(BOGO, 2007, p.7). O autor destaca ainda que

Sua obra é lida em todos os cursos de formação de educadores, do ensino médio à


graduação, e nos de formação política; seu rosto aparece nos murais e pinturas feitas
pelos artistas que lutam pela terra e pela emancipação de toda classe trabalhadora;
seus ensinamentos aparecem nas palavras de ordem, nas místicas e nas músicas fei-
tas pelos educandos da terra de todos os cantos do Brasil. (BOGO, 2007, p.7).

E ainda, Freire sempre foi sensível as lutas dos movimentos sociais e suas
marchas, especialmente dos Sem Terra. Para Freire (2000)

O Movimento dos Sem-Terra, tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza, não
começou agora, nem a dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remotas se
acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente na bravura de seus compa-
nheiros das Ligas Camponesas que há quarenta anos foram esmagados pelas mes-
mas forças retrógradas do imobilismo, colonial e perverso. O importante porém é
reconhecer que os quilombos tanto quanto os camponeses, das Ligas e os sem-terra
de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o
mesmo sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura
da história como da (p. 60).

213
DIÁLOGO FREIRIANO

Para ele as marchas dos Sem Terra recuperam a humanidade negada histo-
ricamente aos oprimidos, alimentam a utopia e o sonho, ou seja, Freire reconheceu o
potencial educativo do Movimento no processo de engajamento de homens e mulhe-
res na luta por uma sociedade mais justa e humana para todos. Por fim, cabe destacar
que a pedagogia freireana é ainda hoje alicerce das propostas educativa e escolar do
MST estando presente nos processos formativos de educadores, bem como nas suas
escolas de acampamento e assentamentos.

Considerações finais
Este texto constitui-se como uma breve reflexão em torno das contribuições
do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire para a educação no MST. Procu-
rou-se olhar para trajetória histórica de construção da proposta educacional do Mo-
vimento situando como a Pedagogia do Oprimido encontrou-se e dialogou com a Pe-
dagogia do Movimento passando ser base para a realização das práticas pedagógicas
no contexto da escola do acampamento e assentamento por meio da metodologia dos
temas geradores. Como vimos, ao longo de sua trajetória o Movimento utilizando-se
dos pressupostos teórico-metodológicos da pedagogia freireana realiza processos for-
mativos que sinalizam avanços qualitativos no âmbito da formação humana, compre-
endendo a escola como uma instituição que corrobora para construção de um projeto
histórico vinculado às lutas dos oprimidos, bem como com sua emancipação.
Concluímos, que foi o pensar esperançoso de Paulo Freire e a pedagogia do
oprimido que demonstraram a possibilidade da educação como instrumento organi-
zação política e pedagógica para os sujeitos Sem Terra. Anunciou a esperança em uma
educação emancipatória, como uma práxis transformadora, para um mundo melhor,
um mundo justo e humanizado para todos. Dessa maneira, o pensamento político-
pedagógico de Freire contribuiu com questões fundamentais para a luta do MST, ao
ensinar que mudar é difícil, mas é , que a transformação social implica em
sonho, utopia e projeto, ao demonstrar a história como possibilidade, bem como a ne-
cessidade dos oprimidos assumirem os desafios da transformação, de assumir sua pre-
sença no mundo.

214
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
ARROYO, M. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. Editora Saraiva 2012.
BOGO, A. O pedagogo da esperança e da liberdade. Disponível em:
www.mst.org.br. Acesso em 13 de novembro de 2012.
CALDART, R. S. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3ª Ed. São Paulo: Expressão
Popular, 2004.
_____________. O MST e a formação dos sem terra: o movimento social como
princípio educativo. In.: Revista Estudos Avançados. São Paulo, vol.15, n 43, 2001.
______. Pedagogia do Movimento e complexos de estudo. In: CALDART, R. S.,
STÉDILE, M. E., DAROS, D. (Orgs.). Caminhos para transformação da escola:
Agricultura camponesa, educação politécnica e escolas do campo. São Paulo:
Expressão Popular, 2015.
CALDART, R. SCHWAAB, B. A educação das crianças nos acampamentos e
assentamentos. In: GÖRGEN, F. S. A. e STÉDILE, J. P. Assentamentos: a resposta
econômica da Reforma Agrária. Petrópolis: Rio de Janeiro, 1991.
FREIRE, P. Educação como prática da liberdade. 14 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1982.
_________. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
_________. Educação e mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
__________. Conscientização. 4 ed. São Paulo: Moraes, 1980.
__________. Ação cultural para liberdade e outros escritos. 14 ed. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 2011.
_________. Pedagogia da Indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São
Paulo: Editora UNESP, 2000.
FRIGOTTO, G. Projeto societário contra-hegemônico e educação do campo: desafios
de conteúdo, método e forma. In.: MUNARIN, A.; BELTRAME, S.; CONTE, S. F.,
PEIXER, Z. I. (orgs.). Educação do campo: reflexões e perspectivas. 2 ed.
Florianópolis: Insular, 2011.
LEITE, S. C. Escola Rural: urbanização e políticas educacionais. 2 ed. São Paulo:
Cortez, 2002.
PALUDO, C. Educação popular em busca de alternativas: uma leitura a partir do
campo democrático popular. Porto Alegre: Tomo, Camp, 2001.
ROSSI, W. Pedagogia do trabalho. São Paulo: Moraes, 1981.

215
DIÁLOGO FREIRIANO

SCOCUGLIA, A. C. A História das Idéias de Paulo Freire e a atual crise de


paradigmas. 2 ed. João Pessoa: Ed. Universitária / UFPB, 1999.
SCHWENDLER, S. F. Educação e movimentos sociais: uma reflexão a partir da
pedagogia do oprimido. In.: MIRANDA, S. G. e SCHWENDLER, S. F. (orgs.).
Educação do campo em movimento: teoria e prática cotidiana: volume I. Curitiba:
Ed. UFPR, 2010.

216
A RELAÇÃO ENTRE A PRÁTICA EDUCATIVA
DE PAULO FREIRE E OS DIREITOS HUMANOS NA
PERSPECTIVA DA CULTURA DA PAZ

Lucilaine Machado Munefiça


Leni Aparecida Viana da Rocha
Mariléia Lilian Kwiatkoski
Marisa Olegário
Rommy Salomão

INTRODUÇÃO
A educação possui um papel primordial na perspectiva de construir uma
cultura de Direitos Humanos, pela sua importância e alcance dentro do espaço social.
Mas, para tal é fundamental uma educação que dialogue com a realidade dos sujeitos
envolvidos no processo de ensino e aprendizagem ressaltando a ação dialógica, vi-
sando a práxis do sujeito na sua realidade em que esteja inserido. A reflexão do con-
ceito de práxis associado ao conceito de prática pedagógica em Paulo Freire, e, por
conseguinte, a educação, no sentido mais amplo à ação transformadora, é uma dis-
cussão relevante e atual.
Não é apenas uma questão moral e ética, é também uma questão política e
social, considerando que a garantia dos direitos sociais, políticos, civis como políticas
públicas são condições para garantir a dignidade humana. Assim, a pergunta geradora
das discussões foi a seguinte: qual a relação entre a prática educativa de Paulo Freire e
os direitos humanos na perspectiva da cultura da paz?
A pesquisa apresenta como objetivo geral: discutir a relação entre a prática
educativa de Paulo Freire e os direitos humanos na perspectiva da cultura da paz. Pos-
sui como objetivos específicos: analisar o conceito de direitos humanos a partir da
Declaração dos Direitos Humanos e de reflexões atuais sobre o tema; reconhecer as
principais contribuições de Paulo Freire no que diz respeito a uma perspectiva dos
direitos humanos e a prática educativa no Brasil; refletir sobre o papel das práticas
educativas na formação de uma consciência voltada à educação para a paz.
A fundamentação teórica da investigação indica três seções que se relacio-
nam e integram a análise sobre o problema apontado: Reflexão crítica dos direitos
DIÁLOGO FREIRIANO

humanos; A prática educativa na perspectiva de Paulo Freire; Papel das práticas edu-
cativas numa educação voltada para a paz.
A quarta seção aponta a metodologia da pesquisa apresentando e classifi-
cando a pesquisa e suas relações com o estudo proposto.

REFLEXÃO CRÍTICA DOS DIREITOS HUMANOS


A dignidade é um princípio que faz com que o homem viva a partir da ga-
rantia de sua sobrevivência pela luta dos direitos humanos. Os Direitos Humanos re-
conhecem que a dignidade precisa ser garantida. No entanto, esses direitos ainda estão
afastados das pessoas, pois esse direito aparentemente garantido não as atinge.
O direito não é algo absoluto. Não nasce com o sujeito tampouco é garantido
apenas pela criação de uma lei. Os direitos humanos são compostos por um processo
que perpassa por construções culturais e históricas que variam conforme são cobradas
e conforme o Estado está disposto a cumprir. Variam também de acordo com a pers-
pectiva ideológica vigente.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento surgido em
junho de 1948 a partir dos acordos entre os países integrantes da ONU (Organização
das Nações Unidas). Seu contexto histórico localiza-se no período pós Segunda
Guerra Mundial, os massacres e atrocidades decorrentes do fortalecimento do
totalitarismo estatal da década de (SCHAFRANSKI, 2011, P. 78), quando os
acontecimentos da referida guerra mostraram ao mundo a capacidade destrutiva de
certas visões de mundo. Seu objetivo foi formular direitos considerados fundamentais
à pessoa humana, que deveriam ser por esse motivo, defendidos e propagados por
todos os Estados.
A Declaração é a primeira parte de três etapas definidas pela Comissão de
Direitos Humanos para a criação de uma rede de proteção mundial e foi publicada
apenas três anos após formação da ONU, pois era urgente para essa organização a
definição de normas internacionais para assegurar os direitos humanos. Nas palavras
de Schafranski (2011, p. 79) solenemente a redação e a promulgação de
uma Declaração que proclamasse os direitos Para reforçar esse pensa-
mento, adiante, a mesma autora apresenta:

Essa Carta [de criação da ONU] representou a criação e posterior desenvolvimento


de um inédito sistema normativo e institucional, que objetivava conter os poderes
dos Estados Nacionais por meio da pactuação em âmbito internacional. (SCHA-
FRANSKI, 2011, p. 79)

218
DIÁLOGO FREIRIANO

Posteriormente, em 1966, foram publicados dois documentos complemen-


tares à Declaração. Tais documentos deveriam especificar o que foi afirmado na pri-
meira declaração, ampliando a definição de direito humanos e seus sujeitos, são eles:
o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais.
Segundo Herrera Flores (2009), os documentos representam a imagem que
o mundo vivia na época: em um contexto de Guerra Fria, no qual duas ideologias se
enfrentavam ambas buscando a hegemonia mundial, cada uma com suas convicções,
distintas uma da outra. Esse contexto influenciou, conforme o autor, a definição do
escopo de cada Pacto, o primeiro correspondendo à ideologia liberal; o segundo cor-
respondendo à ideologia social-democrática (SANTOS, 2010).
O conjunto dos três documentos é chamado de Carta Internacional dos Di-
reitos Humanos, com validade global, global de (SCHAFRANSKI,
2011), os direitos neles afirmados como universais, indissociáveis e inerentes à pessoa
humana. Possuem nesse conceito formulado na Declaração, validade para todos os
seres humanos, independente de cultura, país de origem, raça e etnia, podendo ser
invocados sempre que algum indivíduo ou grupo social sentir-se violentado. Os di-
reitos humanos têm como base a igualdade, a liberdade e a dignidade.
No entanto, e nisso nos apoiamos em Herrera Flores (2009) e Santos (2010),
analisando o que diz a Declaração e vendo a realidade na qual o mundo se encontra,
podemos perceber que existe uma incoerência entre a teoria (documentos internaci-
onais) e a prática, pois uma vez garantido em norma internacional cada um dos direi-
tos humanos, os mesmos não ocorrem na realidade da maioria das pessoas. A Decla-
ração Universal dos Direitos Humanos convive diariamente com as violações desses
mesmos direitos, e não raro:

A fonte primária das mais massivas violações de direitos humanos milhões e mi-
lhões de pessoas condenadas à fome e má nutrição, pandemias e degradação ecoló-
gica dos seus meios de subsistência reside na dominação do Norte Global sobre o
Sul global, agora intensificada pelo capitalismo neoliberal global. (SANTOS 2010, p.
436-437).

O que nos faz pensar que: se os direitos humanos são de fato universais e já
nascidos com o indivíduo, qual o motivo de não haver acesso a eles para tantas pes-
soas?
Herrera Flores (2009) e Santos (2010) trazem importantes reflexões a esse
respeito, ele define os direitos humanos não como garantias, mas como processos,
resultado sempre provisório das lutas que os seres humanos colocam em prática para

219
DIÁLOGO FREIRIANO

ter acesso aos bens necessários para a (HERRERA FLORES, p. 28) Tais bens
seriam: convicção religiosa, trabalho, meio ambiente, cidadania, alimen-
tação sadia, tempo para o lazer e formação, patrimônio histórico-artístico, (idem,
idem). Resultados provisórios porque sua validade encontra-se sempre ameaçada pe-
las variações do contexto sócio-cultural, podendo ser desestruturados caso as neces-
sidades fundamentais de cada grupo cultural sejam desconsideradas em benefício de
uma visão de mundo única.

A PRÁTICA EDUCATIVA DE PAULO FREIRE E OS DIREITOS HUMANOS


NA PERSPECTIVA DA CULTURA DA PAZ
A prática educativa na perspectiva de Paulo Freire
Os anos 50 foram marcados pelo surgimento diferente de alfabetizar do edu-
cador Paulo Freire e dos círculos populares de cultura, fatos que proporcionaram a
sistematização de um ideário e de experiências que conhecemos nos dias atuais por
educação popular e que na década de 60 geraram movimentos populares de todas as
ordens que tinham como diferencial a valorização do diálogo e a interação como fun-
damentos necessários para garantir a libertação do educando e o direito a educação
básica. Parafraseando Freire (1979), vislumbrar uma educação em duplo plano ins-
trumental, capaz de preparar técnica e cientificamente a população para o mercado
de trabalho, atendendo as necessidades concretas da sociedade, para isto Freire elabo-
rou uma proposta alfabetização de adultos, cujo princípio básico era a leitura do
mundo e as experiências do educando, desta forma suas propostas de alfabetização
partiam da realidade de vida do aluno para o aprendizado da técnica de ler e escrever.
Assim, o método Paulo Freire chamava a atenção dos educadores e políticos
da época, pois seu método acelerava o processo de alfabetização de adultos e tinha
como ponto fundamental as palavras geradoras, podemos dizer que o método con-
siste em três momentos entrelaçados: investigação temática, tematização e a proble-
matização. A partir dessas etapas a realidade opressiva é experimentada como um
processo passível de superação, segundo o autor a para a libertação deve
desembocar na práxis (FREIRE,1979 p.16).
Portanto, Freire elabora uma forma de educação interdisciplinar, com o ob-
jetivo da libertação dos oprimidos, ou seja, a humanização do mundo por meio da
ação cultural libertadora, evitando a lógica mecanicista que considera a consciência
como cópia da realidade. Entende-se que se torna indispensável o caráter de encon-
tros de consciências no ato de aprendizagem, visto que educação é a transmissão de
uma consciência à de algum aprendizado que já possui a outra que ainda não

220
DIÁLOGO FREIRIANO

tem. Pinto (2003, p. 48), ressalta que a educação é também fator de ordem consciente
determinada pela consciência social e objetiva do sujeito de si e do mundo. Segundo
ele, a alienação educacional pode ser uma característica da atividade pedagógica, aler-
tando para a necessidade imprescindível que o educador transforme a sua realidade,
sendo antes de tudo o seu próprio povo, passando da consciência ingênua à crítica.
Nessa perspectiva, o professor deve compreender a educação como prática
social, intransferível de uma sociedade a outra, servindo aos objetivos e interesses das
lutas pelo desenvolvimento e transformação do indivíduo. O alfabetizando adulto é
visto como detentor de um saber, no sentido do conceito de cultura e sujeito da edu-
cação, nunca objeto dela, já que essa se concretiza em um diálogo amistoso entre os
sujeitos educadores educandos. Assim o conhecimento é visto como produto da
existência real, objetivo, concreto e material, do homem e de seu mundo. Freire (1979,
p.4) ressalta a importância da dimensão cultural no processo de transformação, pois
educação é mais do que uma instrução, para ser transformadora deve enraizar-se
na cultura dos Nesse sentido a transmissão de conteúdos estruturados fora do
contexto do alfabetizando é considerada invasão cultural, porque não emerge saber
popular.
No pensamento de Freire (1967, p.19-20) o aluno é um depósito que
deve ser preenchido pelo professor juntos podem aprender e descobrir novas di-
mensões e possibilidades na realidade da vida, pois o educador é somente mediador
no processo de ensino-aprendizagem e aprende junto com seu aluno. A educação é
vista por) Freire (1967, p. 23) como uma capaz de torná-la
mais humana e transformadora para que homens e mulheres compreendam que são
sujeitos da própria história. A liberdade torna o centro de sua concepção educativa e
esta proposta é explícita desde as primeiras obras por ele construídas. Nas suas expec-
tativas os analfabetos deveriam ser reconhecidos como seres humanos produtivos,
que possuem uma cultura, e o papel do educador deve ser de profundo comprometi-
mento de transformação social com os educandos.
Cabe ao professor mediar à aprendizagem sempre priorizando a bagagem de
conhecimentos trazida pelo aluno da sua vivência mundana, transpondo esse conhe-
cimento prévio para o conhecimento letrado. Contudo, para essa adequação se tornar
viável, não basta somente revermos o material didático, é preciso não só o educador
repense o seu papel enquanto mediador de uma aprendizagem que priorize a baga-
gem de conhecimento trazido por seus alunos, mas também a flexibilidade das insti-
tuições em permitir a realização de um bom trabalho diferenciado.

221
DIÁLOGO FREIRIANO

O caráter pedagógico determina os processos educativos que segundo Ca-


valcante e Silva (2012, p. 56) em situações histórico-sociais Neste
sentido o trabalho pedagógico está implicado em relações humanas, neste sentido di-
ferenciado pelas práticas educativas em objetivos humanos para formação humana.
Libâneo (2002, p. 34), completa: processo educativo se viabiliza como prática so-
cial precisamente por Não compreende apenas o estudo e o ensino, mas as prá-
ticas educativas suscitando questões morais e teóricas. Freire (1996, p. 39) afirma que
pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a pró-
xima colocando o trabalho docente como reflexão da prática pedagógica que
busca as auto avaliações dos sujeitos envolvidos e assim emergem reflexões e renova-
ções em termos de conhecimentos, metodologias, posicionamentos, saberes, crenças,
consciência pessoal e profissional.
O crescimento do trabalho pedagógico decorre do crescimento mútuo dos
sujeitos que se completam. Não se trata de uma ação solitária, mas uma prática soli-
dária. Tardif (2002, p. 275) explana sobre o campo científico da Pedagogia, teoria e
prática do fenômeno educativo, não é o domínio dos conhecimentos destas áreas
todas, mas a capacitação para, a partir da transdisciplinaridade, proceder à leitura do
mundo onde se situa e atua cotidianamente, construindo um saber situado cultural-
mente. A educação se dá em ambiente formais e não formais, num conceito evidenci-
ado pela de prática pedagógica assumida por Paulo Freire segundo Pio; Carvalho;
Mendes (2014, p. 05771) se inter-relacionam, educação na acepção de sentido mais
amplo é a ação sendo oportuno e atual.
Paulo Freire (2001 p.45) tinha como objetivo socializar os indivíduos nos
diferentes contextos vislumbrando diferentes conhecimentos para alcançar diferentes
resultados um novo conceito pedagógico estabelecido através das diferentes maneiras
para realização nos diferentes contextos capaz de proporcionar o despertar. O diálogo,
principal instrumento, proporciona o despertar da consciência de sujeito inserido
num processo de alfabetização, a prática educativa que integra o diálogo e a reflexão
possibilita ao ser humano reflexão e compartilhamento dessa. A relação de diálogo
possibilita o crescimento e o enriquecimento por meio da participação de diferentes
conhecimentos levando em consideração o saber do outro.
Sendo preocupação voltada para uma democratização da educação onde
sujeito histórico social busca sua autonomia e reflexão sobre o significado filosófico
da que está ligada a ética e ao sonho coletivo. A existência humana é
que permite, portanto, denúncia e anúncio, indignação e amor, conflito e consenso,
diálogo ou sua negação com a verticalidade de poder. (FREIRE, 2001 p.47).

222
DIÁLOGO FREIRIANO

Enfatiza-se um olhar direcionado à prática Pedagógica no Brasil baseado no


princípio da docência, analisar suas tendências bem como seus aspectos, desafios e
possibilidades que são contributivos na compreensão do papel da pedagogia na for-
mação do professor. Compreendendo e rompendo com visão separatista entre teoria
e prática do fazer pedagógico.
Em outras palavras, o fazer pedagógico deve conciliar a teoria e prática, a fim
de aplicar na realidade sócio histórica apresentada pelo profissional da educação, a
capacidade de se encontrar e confrontar a realidade educacional e sociocultural, e a
partir dessa identificação, planejar as ações futuras a serem desenvolvidas, de modo a
fortalecer a autonomia e emancipação cidadã. Para tal efeito se concretizar é preciso
que o pedagógico ou práxis não seja nem prático e nem teórico, mas que se
complementem de forma dialética.
Ao responder as exigências de democratização fundamental, nos onde inse-
rimos no processo histórico, renunciamos o papel de simples objeto, o que nos exige
enquanto sujeitos a necessidade de uma educação que não descuide da vocação onto-
lógica do homem de ser sujeito e não descuidar das condições peculiares da sociedade,
que vivencia constante mutação, transição e contradição. Sendo a educação pautada
e propositada em processo histórico, tem função ética de estimular e habilitar para a
libertação através da conscientização.

Papel das práticas educativas numa educação voltada para a paz


A escola é o lugar em que a educação se realiza de forma sistemática, e o ofí-
cio de professor é o de orientar para saberes e fazeres que realmente auxiliem para a
construção de vidas, socializando e cooperando para a consciência de pensar no bem-
estar coletivo. (BELTRAME, 2007). Desta forma, na prática do dia a dia, o conheci-
mento das leis, normas, deveres e direitos cidadãos é possível assegurar ações consci-
entes na expectativa de uma cidadania ativa levando a uma cultura de direitos huma-
nos e consequentemente a paz social. Os princípios que regem de modo geral a Edu-
cação em Direitos Humanos (DH) são, segundo Candau, (2000, p.77):

Compromisso com a vigência dos DH visando a construção da cidadania, da paz e


da justiça; Compromisso com a educação em DH como meio para a transformação
social, construção da cidadania e a realização integral das pessoas e dos povos; Afir-
mação da dignidade de toda pessoa humana, grupo social e cultura; Respeito à plu-
ralidade e à diversidade.

A educação possui um papel primordial na perspectiva de construir uma


cultura de DH, pela sua importância e alcance dentro do espaço social, mas para tal é

223
DIÁLOGO FREIRIANO

fundamental uma educação interagindo com a realidade dos sujeitos envolvidos no


processo de ensino e aprendizagem. É uma ação dialógica, visando à práxis do sujeito
na realidade em que esteja inserido. Entende-se que a teoria é ligada à prática, e com
dizia Paulo Freire (1979, p.26-29): nada mais prático que uma boa teoria. Teorizar é
iluminar a ação, é decifrá-la, é aprender o movimento do real, portanto, algo por es-
sência relacionado à prática. Precisamos fundamentalmente buscar a uma teoria que
possa servir de guia para a prática, por outro lado,

A teoria em si (...) não transforma o mundo. Pode contribuir para sua transforma-
ção, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assi-
milada pelos que vão ocasionar com seus atos reais, efetivos tal transformação. Entre
a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das
consciências, de organização dos meios materiais e planos concretos de ação. (Vas-
quez, 1977, p. 206).

A possibilidade de refletir sobre o seu trabalho e elaborar propostas que pro-


movam a aprendizagem dos alunos depende em grande parte dos conhecimentos teó-
ricos do que o professor, os quais aliados à experiência pessoal e profissional permitir
construir novas possibilidades de olhar a prática e analisá-la. Partindo desse pressu-
posto devemos considerar que para modificar efetivamente a realidade se faz neces-
sário a ação e não tão somente as ideias. Sendo assim, o que visamos é a práxis, ou seja
atividade teórico prática. Compreendendo a necessidade de intervenção teórica na
prática de forma criadora e reflexiva.
A Práxis explicada por Pio; Carvalho; Mendes (2014, p. 05772) é
material do homem social, na qual refletimos sobre a complexidade da categoria e
práxis vista por Paulo Freire é a prática pedagógica que é evidenciada em Pedagogia
do oprimido prática por transformação (1997, p. 32), Konder avaliza esse
concepção quando fala sobre a práxis,

[...] atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modi-
ficando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mes-
mos. É a ação que, para se aprofundar de maneira mais consequente, precisa da re-
flexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que en-
frenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos, cotejando-os com a prática.
(1992, p. 115).

São pensamentos e ideias na formação e prática docente, onde dialoga-se


com a realidade objetiva e subjetiva da docência. Uma atividade humana e social que
se manifesta e se realiza na e a partir da realidade. Segundo Vázquez, práxis é a
dade material do homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um
mundo (1997, p. 3). Portanto, há necessidade de os professores tornarem-

224
DIÁLOGO FREIRIANO

se conhecedores da teoria que abarca sua prática profissional, sendo conscientes de


seu papel e atuantes ativos no intuito de intervir sobre as necessidades de aprendiza-
gem dos seus discentes na conquista de sua dignidade e direitos, ampliando assim a
configuração de um Estado presente e democrático.
Montoro, (1999, p. 28) assinala que basta ensinar direitos humanos. É
preciso lutar pela sua efetividade e acima de tudo, trabalhar pela criação de uma cul-
tura prática desses Segundo o mesmo autor, a atitude docente constitui-se a
partir das demandas educativas, das concepções de ensino e aprendizagem e das ati-
vidades propostas. Entende-se essa prática pedagógica como importante estratégia de
enfrentamento dos problemas pertinentes ao campo educacional, a partir da forma-
ção dos sujeitos, ressaltar os direitos humanos. Uma educação fundamentada na paz
deve ajudar o educando a elaborar a sua escala de valores humanos, a qual determi-
nará boa parte das decisões de suas vidas; a aprender a solucionar problemas; a reagir
sem violência ao comportamento das outras pessoas; a buscar soluções para a preser-
vação do ecossistema, são possibilidades e caminhos que conduzem para a paz. (BEL-
TRAME, 2007).
A reflexão de educar para a paz sustenta-se em contribuir para um desenvol-
vimento harmonioso do ser humano buscando com o educando uma forma de fo-
mentar a cooperação, a honestidade, a solidariedade, o compromisso com a verdade,
a liberdade de expressão, o respeito, requisitos que se fortalecem pelo comprometi-
mento coletivo.
Hoje, no que se refere as questões legais pode-se citar as mudanças ocorridas
no artigo 12 da Lei de Diretrizes e Bases de 1996, ao inserir-se o inciso X. Lei n. 13.663,
de 14 de maio de 2018, a qual estabelece ações destinadas à promoção de cultura de
paz nas escolas.(BRASIL, 2018) A ênfase consiste em planejar e viabilizar ações de
conscientização que combatam as diferentes formas de violência na sociedade brasi-
leira, tais medidas promovem respeito à pluralidade e à diversidade; compromisso
com a dignidade humana e cidadania.
Freire, (1978, p.26) em sua concepção de Pedagogia Libertadora tem como
ponto de partida toda prática educativa situada no concreto, na realidade, e no meio
existencial. Ele defende uma permanente postura crítica entre o homem e suas rela-
ções com a realidade. A educação para a paz, nos dias de hoje, é uma necessidade.
Seguramente, uma tarefa que jamais estará pronta, ela se faz um direito e um dever de
todo o educador, sejam estes da educação formal ou informal.

225
DIÁLOGO FREIRIANO

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O presente artigo foi desenvolvido na perspectiva de uma pesquisa explora-
tória, com o objetivo de proporcionar visão geral, de tipo aproximativo, acerca de de-
terminado fato (GIL, 2008). O estudo bibliográfico foi norteada pela reflexão dos di-
reitos humanos em Herrera Flores e a prática educativa em Paulo Freire numa pers-
pectiva da educação para a Paz. Assim, como salienta Cervo e Bervian, (1983, p. 55):

A pesquisa bibliográfica procura explicar um problema a partir de referências teó-


ricas publicadas em documentos. Pode ser realizada independentemente ou como
parte da pesquisa descritiva ou experimental. Em ambos os casos, busca conhecer e
analisar as contribuições culturais ou científicas do passado existentes sobre um de-
terminado assunto, tema ou problema.

Para a realização da discussão e resultados foi utilizada uma abordagem qua-


litativa com o levantamento, comparação e interpretação de dados aos referenciais
teóricos e legislação vigente. Matheus (2009, p. 545), comenta que a transformação de
um conjunto de estudos qualitativos em um novo estudo sensibilidade teórica
do pesquisador para desconstruir e analisar os dados das pesquisas, a partir do pro-
cesso indutivo e
O estudo deste trabalho foi fundamentado em ideias e pressupostos de teó-
ricos que apresentam significativa importância na definição e construção dos concei-
tos discutidos nesta análise: a prática pedagógica que visa noção de direitos humanos
e autonomia na construção de cultura de paz. Para, tais objetos foram estudados em
fontes secundárias como trabalhos acadêmicos, artigos, livros e afins, que foram aqui
selecionados.
A questão central do trabalho voltou-se para uma indagação de como o con-
ceito de práxis pode ser articulado à prática pedagógica a partir dos significados atri-
buídos por Paulo Freire e suas contribuições à sociedade brasileira no que diz respeito
aos direitos humanos. Assim sendo, o trabalho transcorreu a partir do método con-
ceitual-analítico, visto que utilizamos conceitos e ideias de outros autores, semelhan-
tes com os nossos objetivos, para a construção de uma análise científica sobre o nosso
objeto de estudo, área [...] fornecendo o estado da arte sobre um tópico
específico, evidenciando novas ideias, métodos, subtemas que têm recebido maior ou
menor ênfase na literatura (NORONHA; FERREIRA, 2000, p. 191).
Inferimos que a teoria pedagógica de Paulo Freire, fundada no diálogo, na
reflexão e na ação transformadora da realidade, objetiva a construção coletiva da
consciência crítica da humanidade a partir de uma práxis libertadora, revolucionária.
Portanto, a pedagogia freiriana se concretiza na relação teoria-prática, inovando, ao

226
DIÁLOGO FREIRIANO

alocar o conceito de práxis relacionando-o à educação e orientando-o à emancipação


humana.
O método de pesquisa escolhido favorece uma liberdade na análise de se mo-
ver por diversos caminhos do conhecimento, possibilitando assumir várias posições
no decorrer do percurso, não obrigando atribuir uma resposta única e universal a res-
peito do objeto.
Os resultados da pesquisa mostram que o conceito de práxis é muito pro-
missor à prática pedagógica, ressaltando maior aprofundamento na formação do-
cente mais voltada para o processo de construção, desconstrução e reconstrução do
conhecimento. Os desafios e a busca constante de alternativas de trabalho como pro-
fissional da educação pressupõem troca, experiência, interações sociais, novas apren-
dizagens, através de um trabalho de reflexibilidade crítica sobre as práticas e de re-
construção permanente de uma identidade pessoal e profissional.
Freire destaca a educação como um ato de conhecimento, uma aproximação
com a realidade na qual o sujeito está inserido. Ela tem função de construir a autono-
mia do sujeito, através da sua responsabilidade ética, social e política, econômica, cul-
tural, entre outras. (1996) Nesse sentido temos nela um instrumento fundamental no
sentido de refletir sobre os Direitos Humanos, desse modo, a educação é compreen-
dida como um dos principais instrumentos de formação da cidadania, inerente a sua
essência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização destes estudos buscou contribuir para uma análise crítica em
relação ao formato de prática pedagógica utilizado e incitado na área da educação,
estudos como esse podem contribuir na formação do profissional docente, assim
como para políticas públicas de valorização e formação continuada desses profissio-
nais e aumentar o número de pesquisadores, pois, quando analisamos o processo de
realização das pesquisas levantadas, supõe-se desenvolver uma criticidade metodoló-
gica que poderá auxiliar na identificação de lacunas na própria pesquisa, assim como
instigar estudos posteriores que venham a agregar ou refutar tal ideia. Não se esgo-
tando em mera passividade, mas criando e recriando e integrando-se com o contexto
e suas condições ao responder aos seus desafios.
As reflexões realizadas nesse estudo sobre a perspectiva crítica dos direitos
humanos e a prática educativa em Freire possibilitaram indagações sobre as desigual-
dades sociais, uma vez que a igualdade, a liberdade, a justiça, entre tantos direitos,
embora sejam postos como universais, não encontram respaldo na realidade. Para que

227
DIÁLOGO FREIRIANO

todos tenham acesso a esses direitos, os autores analisados apresentam como essencial
considerar as necessidades de cada sociedade e cada cultura, num processo dialógico,
sem estabelecer como única determinada visão de mundo.
Sabendo de nossa incompletude explanada por Freire em variados estudos,
temos ela como subsídio para constante busca por aprendizado significativo, ocasio-
nado através da práxis diária pautada na tríade de finalidades: descortinar o conheci-
mento acumulado em um determinado campo, permitindo ser utilizado por pesqui-
sadores ou por profissionais para avançar os estudos ou aprimorar o trabalho; na
construção de novas teorias, redefinir existentes ou desenhar novos estudos; e na con-
dução de pesquisas que permitam verificar a validade empírica de efetividade de mo-
delos e quadros teóricos.

228
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
BELTRAME, Maria do Carmo Uggeri. Utopia realizável: a educação para a paz
permeando a prática educativa. 2007, 101 f. Dissertação (Mestrado, Educação nas
Ciências) - Curso de Pós-Graduação na Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ.
BRASIL, Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996. BRASIL,
Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental.
Disponivel em: https://www.jornaljurid.com.br/legislacao/leis/lei-no-13632-de-6-
de-marco-de-2018,
CANDAU, Vera M. F. Sociedade, cotidiano escolar e cultura(s): uma aproximação.
Educação & Sociedade, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 15-21, set. 2000.
CORTELLA, Mario Sergio. Educação, convivência e ética: audácia e esperança! São
Paulo: Cortez Editora, 2015.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do
oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
FREIRE. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
FREIRE, Paulo. Conscientização: Teoria da Prática da Liberdade. São Paulo: Cortez
Editora, 1979.
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. 10 ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra,1980.
FREIRE, Paulo. Educação e mudança. 4 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
FREIRE, Paulo. BETTO, Frei. Essa escola chamada vida. 3 ed. São Paulo: Editora
Ática,1986.
FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/
livro_freire_educacao_pratica_liberdade.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2019.
FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1967. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/paulofreire/
livro_freire_educacao_pratica_liberdade.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2019.
Gil, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ED. São Paulo: Atlas,
2008.

229
DIÁLOGO FREIRIANO

HERRERA FLORES, Joaquín. A (re)invenção dos direitos humanos. Tradução de:


Carlos Roberto Garcia; Antônio Henrique Graciano; Jefferson Aparecido Dias.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no
século XXI. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do Direito. 25ª ed., São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1999.
PIO, Paulo Martins; CARVALHO, Sandra Maria Gadelha de; MENDES, José
Ernandi. PRÁXIS E PRÁTICA EDUCATIVA EM PAULO FREIRE: REFLEXÕES
PARA A FORMAÇÃO E A DOCÊNCIA. Eduece: Didática e Prática de Ensino na
relação com a Formação de Professores, Fortaleza, v. 2, p.1-12, 2014. Disponível em:
<http://www.uece.br/endipe2014/ebooks/livro2/PR%C3%81XIS%20E%20PR%C3%
81TICA%20EDUCATIVA%20EM%20PAULO%20FREIRE%20REFLEX%C3%95
ES %20PARA%20A%20FORMA%C3%87%C3%83O%20E%20A%20DOC%C3%8A
NCIA.pdf>. Acesso em: 22 jul. 2019.
SANTOS, Boaventura de Souza. A gramática do tempo: para uma nova cultura
política. São Paulo: Cortez Editora, 2010.
SCHAFRANSKI, Sílvia Maria Derbli. Os direitos humanos e o novo contrato social:
reflexos atuais na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Schoba, 2011.
VAZQUEZ, Adolfo S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
VEIGA, Ilma Passos A. (org.). Caminhos da profissionalização do magistério.
Campinas: Papirus, 1998.

230
A LEITURA DE MUNDO E O CURRÍCULO: CONSTRUÇÕES E
DESCONSTRUÇÕES SOB UMA PERSPECTIVA FREIREANA

Emanuelle Milek 1
Ana Maria Soek 2
Nívea Maria Camargo 3
Sonia Maria Chaves Haracemiv 4

1. INTRODUÇÃO
A educação popular freireana, como ato político de conhecimento e ato cri-
ador, destaca a importância da criticidade e das práticas e experiências de vida cotidi-
ana dos sujeitos dentro da composição do processo de transformação social. Educação
essa que perpassa a singela ideia de relacionar-se a fatores sociais, políticos, culturais,
históricos e econômicos, estendendo-se para a valorização e respeito das diferenças
culturais e os saberes e experiências de vida de cada sujeito.
Dentro da perspectiva freireana foi acrescido, propositalmente ao título
deste artigo, a terminologia Leitura de Mundo que remete à importância da significa-
ção e dos sentidos daquilo que as escolas trazem enraizadas em seus currículos, bem
como os significados estabelecidos/compreendidos por seus sujeitos, dentro do pro-
cesso de ensino-aprendizagem, para realizar uma leitura de mundo a qual Freire de-
nomina de palavramundo.
Assim, tem-se como significação crítica do ato de educar, uma relação igual-
mente crítica do ato de aprender. Pois, para Freire, não existe um ensinar sem apren-
der, afinal ensinar e aprender se complementam de tal maneira que quem ensina
aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de ou-
tro, porque, observado a maneira como a curiosidade do educando aprendiz trabalha
para apreender, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos e equívocos.
O ensinar não pode centrar-se na simplicidade de transferir, pois precisa sig-
nificar um processo constante de construção mútua do conhecimento. A forma crítica
de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo está, de um

1
Doutoranda no PPGE-UFPR, Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano.
2
Doutoranda no PPGE-UFPR, Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano.
3
Doutoranda no PPGE-UFPR, Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano.
4
Professora Doutora do PPGE-UFPR, Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano.
DIÁLOGO FREIRIANO

lado, na não negação da linguagem simples, ingênua, na sua não desva-


lorização por constituir-se de conceitos criados na cotidianidade, no mundo da expe-
riência sensorial; de outro, na recusa ao que se chama de impos-
sível, porque se desenvolve em torno de conceitos abstratos. Pelo contrário, a forma
crítica de compreender e realizar a leitura do texto e a do contexto não exclui ne-
nhuma das duas formas de linguagem ou de sintaxe.
Nessa criticidade, exigida tanto pelo aprender quanto pelo ensinar, cabe ao
currículo, sob uma ótica da racionalidade emancipatória, compreender a relação
como um processo dependente da participação dos sujeitos envolvidos no movi-
mento educativo. Desta valia, Freire compreende que os conteúdos resultam não de
uma doação ou imposição do educador, mas em uma devolução organizada, sistema-
tizada e acrescentada aos educandos daqueles elementos que este lhe entregou de
forma desestruturada. Assim, Freire (2011b, p. 117) expõe que: o educador hu-
manista ou revolucionário autêntico, a incidência da ação é a realidade a ser transfor-
mada por eles com os outros homens e não
Ao analisar os escritos de Bobbitt verifica-se que, para o autor, no currículo
o aluno é tido como fonte de matéria-prima, que participa de um de experimen-
de acúmulo de saberes, tendo-o como base para que futuramente evolua para
o trabalho, afinal a sociedade necessita da instituição: escola. Desta maneira, esse cur-
rículo das escolas para Bobbitt (2004, p. 75) visará: os objetivos que não são sufi-
cientemente conseguidos como resultado da experiência geral não Para o
autor então, somente ao anotar os erros e falhas de execução humana, em cada um
dos campos de atuação do currículo, que se poderá saber o que incluir e então insistir
no currículo orientado das escolas. Ao tratar a educação como um
nota-se, no discurso de Bobbitt, um distanciamento quanto aos diálogos estabelecidos
por Freire, que anteveem na educação o desaprender e o aprender constantes, bem
como um construir e desconstruir de diferentes experimentações, sejam elas do edu-
cador ou do educando, como relações mútuas e necessárias para estabelecer um cur-
rículo significativo.
Percebe-se que são muitas as linguagens trazidas pelos autores quanto às
concepções de Teorias de Currículo, não existindo, portanto, a simplista ideia de uni-
cidade para tamanha estrutura que envolve intrinsecamente a educação escolar. As-
sim, os diálogos aqui ressaltados têm o intuito de fomentar e instigar ainda mais a
pesquisa nessa área, para quem sabe, futuramente, desconstruir antigas concepções
atreladas aos modelos engessados do processo de ensino x aprendizagem.

232
DIÁLOGO FREIRIANO

Para tal destaque-se a importância da escola e da estrutura curricular condi-


zente à realidade, conforme explana o filósofo e educador Bernard Charlot (2013):

A Lisboa de que fala o professor de Geografia não deve ser confundida com a Lisboa
em que o aluno vive. De certo modo, trata-se da mesma cidade, mas a relação com
ela não é similar nos dois casos: esta é lugar de vivência, aquela é objeto de pensa-
mento. (CHARLOT, 2013, p. 147).

Denota-se, muitas vezes, que os objetos de pensamento da escola não têm


referentes no meio de vida do educando. Assim, controlar a relação entre o objeto de
pensamento e os seus referentes no meio de vida, e introduzir o aluno em universos
intelectuais constituídos por objetos cujo sentido não decorrem de uma relação com
o mundo vivenciado é, sob duas formas correlatas, o problema central da pedagogia e
da construção curricular.
Portanto, estabelecendo um diálogo com Freire denota-se que na escola
tem-se o encontro com o transformar e criar, agir como ser transformador, modifica-
dor que, nas relações com a realidade, produza-se, não somente o material, como tam-
bém instituições sociais, ideias e concepções uma relação então de significação do
homem com o mundo. (FREIRE, 2011b, p. 128).

2. EDUCAÇÃO E ENSINAR, REPRODUÇÃO OU REAVIVAMENTO DE SA-


BERES?
Na cultura dos saberes pode-se perceber, gradualmente, as diferentes mu-
danças ocorridas na Instituição: escola, mudanças tais, fracamente, distanciadas de vi-
eses políticos e sociais. A escola cumpre diferentes papéis que acabam por correspon-
der aos mais diferentes interesses, olvidando-se, não sem razão, do acendimento crí-
tico do sujeito social.
Essa falsa legitimação de uma escola e para compreende,
erroneamente, uma concepção desgostosa, por assim articular, que compreende/
atende a um capital reprodutivo e quantitativo.
É possível significar, conforme escritos de Bourdieu, que a escola e o trabalho
pedagógico por ela desenvolvido só poderiam ser compreendidos quando atrelados
ao sistema das relações entre classes. A escola não seria uma instância neutra que ape-
nas transmitiria uma forma singular de conhecimento intrinsecamente superior, e
que avaliaria os alunos a partir de critérios universalistas, mas, ao contrário, consistiria
em ser uma instituição a serviço da reprodução e legitimação da dominação exercida
pelas classes dominantes. (BOURDIEU, 1992, p. 87).

233
DIÁLOGO FREIRIANO

Em contrapartida tem-se ainda, aquele modelo de escola que possibilita o


pensar de uma nova organização social, como possibilidade de enxergar o mecanismo
de formação humana, como compreende Gramsci, ao vislumbrar que o meio público
deva atuar para que a escola atinja a todos sem divisões de grupos ou castas, tendo
como marca social o fato de que cada grupo social tem um tipo de escola própria,
destinado a perpetuar nesses grupos uma determinada função tradicional, diretiva ou
instrumental. (GRAMSCI, 1982, p. 130).
Pode-se também estabelecer o entendimento de educação como, de um lado,
reprodutora de uma ideologia dominante, e, de outro, como proporcionadora, inde-
pendentemente da intenção de quem tem o poder; a negação daquela ideologia (ou o
seu desvelamento) pela confrontação entre ela e a realidade (como de fato está sendo
e não como o discurso oficial diz que ela é), realidade vivida pelos educandos e pelos
educadores, percebe-se então a inviabilidade de uma educação neutra. (FREIRE,
2011a, p. 36).
Ao estabelecer um diálogo entre as visões de organização escolar e neutrali-
dade discutidas tanto por Bourdieu e Gramsci, ao traçar uma aproximação entre eles,
quanto por Freire, torna-se perceptível o vislumbramento um tanto ideológico de es-
cola e daquilo que ela efetivamente representa, na qual tem-se um poder fortemente
econômico denominando os passos que nela serão compreendidos.
Desta valia depreende-se a importância de destacar a não neutralidade do
agente educador, como afirma Freire, não em sentido intimista e manipulador, mas
sim na forma de oportunizar um aclaramento, de maneira a assumir a nossa opção,
como educador, que é política, e sermos então, coerentes com ela na prática.
Assim, compreende Paulo Freire (2001), em trecho do texto Carta aos Pro-
fessores quando explana que:

O ensinante aprende primeiro a ensinar mas aprende a ensinar ao ensinar algo que
é reaprendido por estar sendo ensinado. O fato, porém, de que ensinar ensina o en-
sinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o en-
sinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. (FREIRE, 2001, p. 259).

Nessa dialogicidade entre ensinante e ensinado, percebe-se a unicidade do


educar, na qual prevalece o conhecimento advindo e construído junto às partes inte-
grantes do processo, daí a não reprodução do ensinar e do aprender, afinal prevalece
o estabelecimento de relações entre saberes e significados, bem como preserva o su-
jeito e sua especificidade de trajetória de vida.
Assim, a neutralidade da educação resulta ser entendida como um quefazer
puro, a serviço da formação de um modelo ideal de ser humano desatrelado do real,

234
DIÁLOGO FREIRIANO

virtuoso e bom, é uma das conotações fundamentais da visão pueril da educação.


(FREIRE, 2011a, p. 40).
Desta maneira destaque-se, sob o entendimento de Demerval Saviani (2016,
p. 55), que o currículo não é outra coisa senão: própria escola em pleno funciona-
mento, mobilizando todos os seus recursos, materiais e humanos, na direção do obje-
tivo que é a razão de ser de sua existência: a educação das crianças e O autor
compreende ainda que é necessário viabilizar as condições de transmissão e assimila-
ção do currículo, isto implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe gra-
dativamente do seu não domínio ao seu domínio.
E esse saber dosado e sequenciado para efeitos de sua transmissão-assimila-
ção no espaço escolar ao longo de um tempo determinado, é o que o autor convenci-
ona chamar de Nessa visão percebe-se um papel muito mais atuante
da figura do professor e de passividade na figura do aluno, a questão da neutralidade
não é colocada em pauta, apenas pode-se depreender, do discurso de Saviani, que a
forma como é concebido o currículo afasta-se da concepção freireana de relação entre
significantes e significados.
Tomaz Tadeu, nesse sentido, é objetivo ao explanar que as teorias de currí-
culo estão envolvidas no desenvolvimento de critérios de seleção que respondam ao
questionamento: o que ensinar? Sendo então o resultado de uma seleção, de um uni-
verso mais amplo de conhecimentos e saberes, assim seleciona-se aquela parte, espe-
cífica, que vai constituir o currículo. A função das teorias seria a de justificar tais es-
colhas... Organizando e estruturando a nossa forma de ver a realidade, deslocando
seus conceitos para os de ideologia e poder. (SILVA, 2000, 14-16).
A educação e o ensinar compreendem, portanto, em tempos e concepções
diferentes, tanto o reavivamento quanto a reprodução de saberes, o espaço pedagó-
gico ainda se encontra distanciado da ideia de texto, abordada por Freire (2011d), para
que esse ambiente seja constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito:

Educar e educar-se, na prática da liberdade, é tarefa daqueles que pouco sabem, por
isto, sabem que sabem algo e podem assim chegar a saber mais - em diálogo com
aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem, para que estes, transformando
seu pensar que nada sabem em saber que pouco sabem, possam igualmente saber
mais. (FREIRE, 2011d. p. 96).

O que resultaria em um educar um tanto mais democrático, que possibilite


ao educando e ao educador a construção de reciprocidade e, consequentemente a mo-
dificação das concepções advindas do currículo de maneira a ressignificá-las no âm-
bito escolar e social. Ainda segundo Freire (2011d, p. 96) a fundamental é

235
DIÁLOGO FREIRIANO

que tenhamos sensibilidade para perceber que estamos frente a um grupo que são
portadores de imenso repertório de saberes. São grupos carregados de

3. CONSTRUÇÕES E DESCONSTRUÇÕES DA LEITURA DE MUNDO


FRENTE AO CURRÍCULO
Para Freire, a educação é uma forma de intervenção no mundo que implica
tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascara-
mento. Assim, dialética e contraditória, não poderia ser a educação só uma ou só a
outra dessas coisas. Nem apenas reprodutora nem apenas desmascaradora da ideolo-
gia dominante. (FREIRE, 2011c, p. 96).
Ainda nesse entendimento depreende Paulo Freire (2011c) que:

Neutra, a qualquer destas hipóteses, a da reprodução da ideologia do-


minante ou a de sua contestação, a educação jamais foi, é, ou pode ser. É um erro
decretá-la como tarefa apenas reprodutora da ideologia dominante como erro é
tomá-la como uma força de (des)ocultação da realidade, a atuar livremente, sem
obstáculos e duras dificuldades. [...] do ponto de vista dos interesses dominantes,
não há dúvida de que a educação deve ser uma prática imobilizadora e ocultadora
de verdades. (FREIRE, 2011c, p. 96-97).

Percebe-se, notoriamente, na colocação do autor, que nada justifica a mini-


mização dos seres humanos e, a educação, deve fundamentar-se em um método ativo,
dialogal, participante, que contribua para a participação decisória dos educandos nos
rumos da sociedade. Uma educação democrática, onde o educando não é paciente,
mas sim sujeito desse processo, neste sentido fica expresso nas palavras de Dermeval
Saviani (2011) que:

[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada


indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens. [...] o objeto da educação diz respeito, de um lado, à identifi-
cação dos elementos culturais que precisam ser assimilados pelos indivíduos da es-
pécie humana para que eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitante-
mente, à descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo. (SAVI-
ANI, 2011, p. 13).

A relação de produção humana encontra-se, intrinsicamente atrelada ao ato


educativo, ou seja, essa formação do ser humano e os métodos e instrumentos para
atingi-la. Vale ressaltar as concepções advindas de Bourdieu e Passeron (2014) que
identificam a forte influência da herança cultural em benefício ao sucesso escolar. Da
mesma maneira que se torna fácil mostrar que se os sujeitos das classes desfavorecidas
têm maiores chances de se deixar esmagar pela força do destino social, eles também
podem, excepcionalmente, encontrar no excesso de sua desvantagem a provocação

236
DIÁLOGO FREIRIANO

para superá-la. Assim os autores depreendem que: peso da hereditariedade cultu-


ral é tão grande que nele se pode encerrar-se de maneira exclusiva sem ter necessidade
de excluir, pois tudo se passa como se somente fossem excluídos os que se
(BOURDIEU; PASSERON, 2014, p. 44).
É notória que as vantagens e desvantagens sociais fortemente sobre
as carreiras escolares. Como exemplo disso pode-se apresentar a Pirâmide de Maslow,
conforme Figura 1, a qual expressa que um indivíduo só sente o desejo de satisfazer a
necessidade de um próximo estágio se a do nível anterior estiver sanada, portanto, a
motivação para realizar estes desejos vem de forma parcial/gradual, assim há discre-
pância de partida nesta pirâmide, na qual indivíduos mais favorecidos já partem de
determinadas etapas por assim dizer, enquanto outros permanecem um
longo período em estágios de necessidades básicas.
Fazendo uma análise crítica da forma de interpretar os estágios colocados
por Maslow (1970), Figura 1, verifica-se nas ideias de Barcelos (2010), a afirmação de
que nosso ser biológico, como humanos, se constrói na imersão do ato de conversar,
e o termo convivência é uma expressão para a criação de espaços pedagógicos de
aprendizagem numa perspectiva da amorosidade, do acolhimento, do diálogo com o
outro, enfim, do reconhecimento de que o outro não é um inimigo em potencial, mas
sim um possível parceiro.
FIGURA 1

FONTE: Maslow (1970)5


A autoestima e a realização pessoal não podem ser entendidas por meio de
respostas simples ou apressadas, pois exigem a retomada da reflexão sobre as diferen-
tes possibilidades metodológicas, didáticas, pedagógicas e de organização curricular,
a grande diferença reside na opção de emoção que se fizer. Um dos pontos de partida

5
Imagem disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Hierarquia_de_necessidades_de_Maslow>.
Acesso em: 12jul19.

237
DIÁLOGO FREIRIANO

desta proposição é a de que os seres humanos são construídos não pela competição,
não pela negação do outro, não pela indiferença, mas sim pela cooperação, pela acei-
tação, pela tolerância. A cooperação aproxima o diálogo e o reconhecimento. (BAR-
CELLOS, 2010).
Barcellos (2010) ressalta que o currículo, as práticas pedagógicas e afetivi-
dade são contribuições da biologia do amor e da biologia do conhecimento, numa
visão freiriana a existência humana acontece no processo relacional do conversar. É o
fundamento biológico do mover-se, de um ser vivo, no prazer de estar onde está na
confiança de que é acolhido. Ao longo da vida se constrói o mundo em que vive e o
mundo constrói a todos no decorrer dessa viagem, influenciando e modificando os
homens pelo que experienciam.
Não tem como separar produção do conhecimento de emoções. O nexo ín-
timo e estreito entre educação e identidade social, entre escolarização e subjetividade
é assegurado precisamente pelas experiências cognitivas e afetivas corporificadas no
currículo. (FREIRE, 2001c).
A construção do conhecimento, bem como o processo de aprendizagem hu-
mana, pode se dar via diferentes metodologias e/ou práticas didáticas, metodológicas,
organizativas e pedagógicas. Não existe separação entre a dimensão biológica e di-
mensão cultural da pessoa, e nos seus processos de viver. (BARCELLOS, 2010).
A ideia de currículo colocada por Barcelos (2010) é o de organização como
rede de entrelaçamento de conhecimentos, saberes, experiências e emoções. Proposi-
ção epistemológica para a construção de conhecimento. Ao se pensar alternativas de
Diretrizes Curriculares, há que se considerar e escutar as experiências trazidas pelos
educandos, não torná-lo uma mera lista de conteúdos a serem contemplados.
É necessário que educador, numa postura humanista, tenha sensibilidade
quanto à realidade que atua, desvelando a opressão em que os sujeitos se encontram,
buscando observar as relações de fragilidades. Movimento necessário para encontrar
um estatuto teórico que valide as intuições da qual brotam as reflexões de as práticas
cotidianas. (PEROZA; SILVA; AKKARI, 2013. p. 463).
Freire (2011) percebe que os hábitos e visões de mundo presentes na sua cul-
tura, revelam alguns detalhes que precisam ser analisados em sua configuração histó-
rica, ou seja, que se constituíram de determinada maneira e têm suas razões de ser.
Por isso, afirma insistentemente que, a eficácia de uma prática educativa coerente,
precisa esforçar-se para desvelar a ea da cultura das classes popu-
lares com as quais se encontra.

238
DIÁLOGO FREIRIANO

Em uma sociedade em que democracia e participação se reduzem em esco-


lher entre o que está posto, são criados subservientes, subalter-
nizados, seguidores massa de manobra, com sua na leitura
freiriana. E se assim é para aqueles que aceitam esta imputação que lhes é atribuída,
imagine a que tipos de posturas educacionais estão submetidos os sujeitos das classes
populares. Atualmente, reclama-se da falta de contestação inteligente. Por que será?
Seria o reflexo de uma individualista do capital? Como romper? E o papel
da educação neste contexto? (FREIRE, 2011a).
A educação libertadora não é somente uma forma de educação de sala de
aula, mas que pode ser implantada em outros meios que representem formas de edu-
cação, ou seja, as que de alguma forma possam contribuir no protagonismo do cole-
tivo e assim sendo, na participação de todos. O questionamento evidenciado no artigo
está direcionado aos jovens, em especial os que estão em uma posição de vulnerabili-
dade, principalmente, quando não são direcionados a pensar, nas oportunidades que
o poder da educação gera. E enfatiza a educação que promove o desenvolvimento de
reflexão crítica, que motive ao caminho da transformação da realidade, que inspire a
percepção das possibilidades por meio de suas potencialidades individuais, voltadas
não somente a ele, mas que por meio de suas atitudes geradas após reflexão-ação, co-
laborem para uma transformação na sociedade. (RYZEWSKI; STORTI, 2008).
Essa contrastante relação e cenário de construção humana, relação social e
satisfação de leitura de mundo significativa, percebe-se que a relação de herança cul-
tural, trazida por Bourdieu, acentua-se na questão de que esta se transmite de maneira
mais discreta e mais indireta e, mesmo na ausência de todo esforço metódico e de toda
ação manifesta e, nos meios mais é talvez menos necessário pregar a devoção
à cultura ou tomar, deliberadamente, nas mãos a iniciação à prática cultural. Já em
oposição tem-se, na figura do público menos àquele que os pais não podem
transmitir outra coisa, a maior parte do tempo, que a boa vontade cultural, as classes
cultas arranjam iniciações difusas muito mais bem preparadas para suscitar, por uma
espécie de persuasão clandestina, a adesão à cultura. (BOURIDEU; PASSERON, 2014,
p. 37).
Ressalte-se que, para Freire, a cultura, por meio dos movimentos de educa-
ção popular, passa a ser alvo de críticas quando nega a afirmação do ser humano no
processo histórico de sua construção e torna-se alienante. Alienação cultural que se
efetiva em relações de desigualdade e de poder. (OLIVEIRA, 2015, p. 30).
Assim percebe-se uma cultura dominante que se apresenta como centro do
de si e do e uma cultura dominada com seu - Para a leitura de

239
DIÁLOGO FREIRIANO

mundo então preceder a leitura dada/imposta da palavra, faz-se necessário o real dis-
cernimento quanto às verdadeiras relações humanas, de maneira que estas interve-
nham no mundo e assim modifiquem-no. Construir e desconstruir um currículo são
fundamentais em respeito ao ser humano, de adequação às especificidades e necessi-
dades individuais, de respeito às diferenças. Desconstruir é construir novamente, sob
diferentes perspectivas para com diferentes intenções.
O currículo deveria permear e nortear, não necessariamente, engessar e en-
gendrar em si um completo e absoluto que não seja tão representativo quanto
um eixo de flexibilização dentro deste, que valorize relações significativas ao invés de
meras representações. Para não então, como educadores e como institui-
ções educacionais, nas armadilhas das palavras que supomos poder utilizar como
princípio norteador do partilhar do conhecimento, para sulear educandos que dela
não têm a compreensão significativa suficiente.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após essa pequena jornada de discussões e aprendizagens quedam-se os
questionamentos: que currículo pode ser oportunizado para as distintas realidades?
O que atende à necessidade e especificidade do aluno? Quais as perspectivas e objeti-
vos que cada indivíduo espera obter da escola? O que motiva os alunos a irem à escola?
Qual a perspectiva de vida que cada um espera alcançar com o auxílio da escola?
É compreensível que não existe uma fórmula escolar que compreenda os di-
ferentes vieses advindos das diferentes realidades e concepções de vida de cada um. A
trajetória educacional vira um reflexo social, um reflexo que modifica seu significado
como uma de uma nem sempre atendida e
muitas vezes incompreensível afinal, nesse jogo de incompreendidos eu posso passar,
permanecer ou simplesmente desistir, fazer com que esse sistema se torne excludente
e sem significado, ou importante e fundamental para minha constituição e emancipa-
ção social.
Vale destacar importante mensagem advinda do documentário Pro dia nas-
cer feliz, com roteiro e direção de João Jardim, o qual retrata as angústias e inquieta-
ções do adolescente, e, em especial, a maneira como ele se relaciona com um ambi-
ente, que por vezes identifica e por outras não, ser fundamental em sua formação: a
escola. Filmado em três Estados brasileiros com classes sociais distintas, o documen-
tário desenha um diário de observação do adolescente brasileiro. Professores também
expõem seu cotidiano profissional, ajudando a pintar um quadro completo das desi-
gualdades e da violência no país a partir da realidade escolar.

240
DIÁLOGO FREIRIANO

Tem-se representado nele, um sistema escolar que se mostra excludente em


muitos aspectos, principalmente quando afasta de seus conteúdos a significação social
e de formação humana que deveriam contemplar.
O professor causa estranhamento por unir conhecimento ao poder, por uti-
lizar a avaliação como ferramenta de punição, em consequência formata-se um edu-
cando que tem o compromisso de atender suas expectativas e demandas, sem nem ao
menos ter claro os porquês de tais concepções, causando maior afastamento de signi-
ficação dos instrumentos de aprendizagem afastando-o do sentido real dos signifi-
cados e aproximando-os do conceito de que escola é difícil, é para poucos, justificando
não ter condições, julgando ser mínimo, desconhecendo potencialidades e potencia-
lizando fraquezas... Resultado? Frustração e evasão.
Assim vale refletir com as palavras de Bourdieu e Passeron (2014, p. 76):
tudar não é criar, é criar-se, não é criar uma cultura, menos ainda criar nova cultura,
é criar-se, no melhor dos casos, como criador dela, ou, na maioria dos casos, como
utilizador ou transmissor advertido de uma cultura criada por
Cultura, currículo, concepção de educação, de educar, leituras de mundo,
leituras de palavra, sentidos e significações, tudo se perde quando não constitui signi-
ficado para o sujeito, tudo é deixado para trás. É preciso haver sentido para estabelecer
um verdadeiro significado.

241
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
BARCELOS, Valdo. Educação de Jovens e Adultos. Currículo e Práticas
Pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
BOBBITT, J. F. O currículo. Tradução de: PARASKEVA, M. J. Lisboa: Didática
Editora, 2004.
BORDIEU, P. A reprodução. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.
______; PASSERON, J. C. Os Herdeiros: os estudantes e a cultura. Tradução de:
VALLE, I. R; VALLE, N. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014.
BRASIL. Pro Dia Nascer Feliz. Direção: JARDIM, J. Roteiro: JARDIM, J. Produção:
TAMBELLINI, F. R.; JARDIM, J. Fotografia: HADBA, G. Edição: JARDIM, J. Música:
VILLA-LOBOS, D. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=
nvsbb6XHu_I>. Acesso em: 13 jul. 2019.
CHARLOT, B. Da relação com o saber às práticas educativas. Coleção Docência em
Formação: saberes pedagógicos. São Paulo: Cortez, 2013.
FREIRE, P. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se complementam. 51.
ed. Coleção questões da nossa época. v. 22. São Paulo: Cortez, 2011a.
______. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011b.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 50. ed.
São Paulo: Paz e Terra, 2011c.
______. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 17.
ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011d.
______. Carta de Paulo Freire aos professores: ensinar, aprender leitura do
mundo, leitura da palavra. Educação Básica. Estudos Avançados 15 (42), 2001.
Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/25098 3836_Carta_de_
Paulo_Freire_aos_professores>. Acesso em: 10 jul 2019. p. 259-268.
GOODSON, I. F. O currículo em mudança: estudos na construção social do
currículo. TRADUÇÃO DE: LIMA, J. Á. de. Porto: Editora Porto, 2001. p. 61-80.
GRAMSCI, A. Tradução de: COUTINHO, C. N. Os Intelectuais e a Organização da
Cultura. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 117-139.
OLIVEIRA, I. A. de. Paulo Freire: gênese da educação intercultural no Brasil.
Curitiba/PR: CRV, 2015.

242
DIÁLOGO FREIRIANO

PEROZA, J; SILVA, C. P. da. AKKARI, A. Paulo Freire e a diversidade cultural: Um


humanismo político-pedagógico para a transculturalidade na educação. Revista
Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.21, n.2, p.461-481, jul./dez. 2013. Disponível
em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/3208> Acesso em:
20/05/2019.
SAVIANI, D. Educação Escolar, Currículo e Sociedade: o problema da Base
Nacional Comum Curricular. Ano 3. N. 4. 2016. Movimento Revista de Educação.
Universidade Federal Fluminense. Disponível em: <http://www.revistamovimento
.uff.br/index.php/revistamovimento/article/view/296/301>. Acesso em: 10 jul 2019.
p. 54-84.
______. Pedagogia Histórico-crítica: primeiras aproximações. 11. ed. Coleção
Educação Contemporânea. Campinas/SP: Autores Associados, 2011.
RYZEWSKI, L. A.; STORTI, M. M. T. Pedagogia do Oprimido e Protagonismo
Juvenil: contribuições para uma práxis libertadora. Anais do VI Encontro
Internacional do Fórum Paulo Freire. São Paulo, 2008. Disponível em:
<http://www.acervo.paulofreire.org:8080/jspui/bitstream/7891/4195/1/FPF_PTPF_
01_0853.pdf>. Acesso em: 10 jul 2019.
SILVA, T. T. Teorias do Currículo: uma introdução crítica. Porto: Porto Editora,
2000. p. 9-16.

243
GOLPE MILITAR DE 1964:
COMO O GOLPE MILITAR INTERROMPEU O PROCESSO
DEMOCRÁTICO E DESTITUIU O PRESIDENTE JOÃO
GOULART (1954 À 1964)

Maria Carmem de Farias

1. INTRODUÇÃO
O golpe militar de 1964 resultou do plano de desestabilização da política es-
tadunidense para os países latino-americanos. Planejado com características de mo-
vimentos sociais para derrubar o governo nacionalista e democrati-
camente eleito do Presidente João Goulart
Fundado no discurso anticomunista a partir da Guerra Fria, somando-se ao
evento da Revolução Cubana, o Exército brasileiro apoiado pelas classes dominantes,
as empresas nacionais e multinacionais, o alto clero da Igreja católica, e a imprensa
que teve um papel de destaque na função de manipular as informações, difundir falsas
denúncias, principalmente sobre as políticas de governo, criando um clima de des-
confiança e de terror entre a população conclamando, através de seus editoriais, as
pessoas a irem para as ruas defender a democracia que estava em com a ex-
pansão do comunismo na América Latina.
Conforme Emiliano José (Galeria F, 2005) a grande imprensa brasileira cha-
mou o golpe, quis o golpe e articulou o golpe vendo, posteriormente, a censura voltar-
se contra ela ou, ao menos, contra alguns dos órgãos que se entusiasmaram com a
ordem castrense como foi o caso do Correio da Manhã que deu entusiástico apoio ao
golpe militar e depois, como reagiu às violências da ditadura, foi implacavelmente
perseguido por ela, até extinguir-se. São famosos os títulos dos seus editoriais nos úl-
timos dias de Goulart, característicos de um meio que se envolvera profundamente
com ideias do golpe, usando: e uma sequência tipicamente
golpista, clara subversão dos princípios democráticos, atuação contra um governo de-
mocraticamente eleito.


Trabalho apresentado à disciplina Prática de Pesquisa em História como parte dos pré-requisitos para a
obtenção do diploma de Licenciatura em História.
DIÁLOGO FREIRIANO

A escolha da temática propõe, portanto, analisar o golpe militar, as reais cau-


sas que motivaram a destituição do presidente João Goulart e o atual contexto polí-
tico, buscando fazer uma analogia entre o golpe militar de 1964 e a atual situação po-
lítica brasileira, em que o Congresso Nacional, os partidos políticos de oposição e a
imprensa, que mais uma vez tenta contra o processo democrático, impõe à Nação,
mais uma vez, a interrupção da democracia por um golpe de Estado, com o impedi-
mento da presidenta da República democraticamente eleita, remontando-nos, assim,
aos fatos históricos de 1964.
Este trabalho será realizado mediante uma pesquisa histórica, definida por
Marconi e Lakatos (1999, p. 4-5) como crítica de fatos, desenvolvimen-
tos e experiências do passado, com cuidadosa seleção de fontes de informação e inter-
pretação das evidências obtidas. Reconstrói o passado, sistematicamente, verificando
evidências e delineando
A pesquisa será de caráter exploratório, tal modalidade é conceituada por
Gil da seguinte forma:

As pesquisas exploratórias têm como principal finalidade desenvolver, esclarecer e


modificar conceitos e ideias, tendo em vista, a formulação de problemas mais pre-
cisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. O produto final deste pro-
cesso passa a ser um problema mais esclarecido, passível de investigação mediante
procedimentos mais sistematizados (GIL, 1999, p. 4-5).

2. JOÃO GOULART
2.1 João Goulart, Ministro do Trabalho do Governo Vargas.
Em 1951, Getúlio Vargas voltou à presidência, desta vez de forma democrá-
tica, através do voto da ampla maioria da população. Entretanto, em seu novo go-
verno, Vargas enfrentou uma das mais duras oposições da história republicana brasi-
leira.
Sua marca ditatorial contradizia seu perfil populista visto que foi um dos
presidentes que mais investiu no trabalhador brasileiro, seu governo deixou um le-
gado que persiste até os dias atuais, a exemplo das leis trabalhistas e do desenvolvi-
mento do parque industrial brasileiro. Contudo, as medidas nacionalistas e nas áreas
econômica e trabalhista decretadas por Getúlio criaram um clima de descontenta-
mento nos seus adversários. Nesse momento eclodiu uma campanha contra Getúlio,
articulada pela UDN, por importantes setores das Forças Armadas, pelo empresari-
ado e pela maioria da imprensa liderada por Carlos Lacerda, (então governador do
Rio de Janeiro e seu principal opositor).

246
DIÁLOGO FREIRIANO

Em 1954, o Presidente Getúlio Vargas percebeu a necessidade de uma apro-


ximação do governo com as classes trabalhadoras e, considerando a capacidade de
articulação com as camadas mais populares da sociedade e lideranças sindicais, con-
vidou Jango para assumir o Ministério do Trabalho.
João Goulart assumiu o ministério num momento em que os marinheiros,
em greve, reivindicavam melhores salários. Atendendo às expectativas da categoria,
no dia primeiro de maio do mesmo ano concedeu aos trabalhadores um aumento de
100% no salário mínimo. O Presidente Vargas acatou a decisão, porém, foi forçado a
exonerar o Ministro porque o reajuste gerou um descontentamento nos militares.
Em 05 de agosto de 1954, Gregório Fortunato, chefe da guarda pessoal do
Presidente da República, reagiu à bala às provocações da oposição, nesse atentado um
dos disparos atingiu o jornalista Carlos Lacerda, principal inimigo de Vargas, e matou
o Major da Aeronáutica, Rubens Vaz, fato que acirrou a conspiração contra o go-
verno. Lacerda, através da Tribuna da Imprensa, de sua propriedade e com seu poder
de influência nos principais meios de comunicação, deu início a uma campanha de
grande repercussão, inclusive no Congresso Nacional e a tensão política se tornou in-
sustentável resultando no suicídio do presidente, em 24 de agosto de 1954, pondo fim
nos planos dos adversários que planejavam tomar o poder através do golpe de Estado.

2.2 João Goulart, Vice-presidente de JK.


Com o fim do governo Vargas, Juscelino Kubitschek surgiu como o político
de maior expressão no cenário político nacional. Entretanto, João Goulart, além de
ser o herdeiro político de Vargas, desfrutava de uma inestimável capacidade de arti-
culação com as camadas mais populares da sociedade e lideranças sindicais. Nessa
perspectiva Jango candidatou-se a vice-presidente pelo PTB, na chapa de Juscelino
Kubitschek (PSD), sendo eleito com um número de votos superior aos votos de JK.
Nesse período, também exerceu a presidência do Senado Federal, conforme estabele-
cia a Constituição.
Havia, naquele momento, grande expectativa em relação às eleições marca-
das para 03 de outubro de 1955 e grupos políticos adversários de Getúlio tentavam
impedir que getulistas voltassem ao poder. Um componente explosivo dessa conjun-
tura política foi a candidatura de João Goulart a vice-presidente da República. A ali-
ança entre Juscelino e Jango reunia as duas mais importantes estruturas partidárias do
período, tendo em vista a penetração do PTB no eleitorado urbano e a força do PSD
no eleitorado do campo, o que deixou os antigetulistas preocupados (FICO, 2004).

247
DIÁLOGO FREIRIANO

O principal líder civil da campanha contra JK era o então deputado federal,


pela UDN do Distrito Federal, Carlos Lacerda; alvo do atentado da Tonelero, como
citado anteriormente. Lacerda era dono do Jornal Tribuna da Imprensa, no qual pu-
blicava artigos pedindo a intervenção dos militares contra a candidatura de Juscelino.
Com grande capacidade de comunicação foi o pioneiro no uso político da televisão,
veículo ainda pouco difundido no Brasil, inaugurado na hoje extinta TV Tupi. Se-
gundo Lacerda as Forças Armadas viessem para as ruas, já teriam vindo ao encon-
tro do desejo de muitos, que consiste em entregar a mãos fortes a sucessão presiden-
cial para a reorganização do (FICO, 2015).

2.3 Jango, segundo Mandato de Vice-presidente da República.


O general Henrique Teixeira Lott, Ministro da Guerra, foi de fundamental
importância para neutralizar as potenciais crises militares que ameaçavam fragilizar o
governo de JK e conquistou certa projeção que lhe valeu a indicação como candidato
do PSD à presidência da República. No entanto, não possuía qualquer habilidade po-
lítica e, nesse momento, para concorrer com Lott, surge a candidatura, praticamente
isolada, de Jânio Quadros, então governador de São Paulo, político que insistia em se
dizer apartidário. Jânio era um fenômeno, com discurso moralista conseguiu o amplo
apoio do eleitorado paulista de classe média e popular, sua campanha foi marcada
pelo símbolo da vassoura, que a corrupção do país (FICO, 2015).
Jânio venceu as eleições com expressiva votação de 48% dos votos, mas seu
candidato a vice-presidente, Milton Campos, foi derrotado pelo petebista João Gou-
lart, candidato a vice-presidente do general Lott que, assim, permaneceria na vice-
presidência por mais um mandato. Sobretudo em São Paulo foi forte o movimento
- liderado por uma corrente do PTB paulista, que propunha o voto em Jânio
e Jango. Nesse contexto as regras estabeleciam que as eleições de presidente e de vice-
presidente da República ocorriam separadamente, sendo possível a eleição de candi-
datos de chapas opostas.
No dia da sua posse, em janeiro de 1961, Jânio fez um violento discurso con-
tra Juscelino Kubitschek, acusando-o pela inflação e pela dívida externa, afirmando
ser terrível a situação financeira do Brasil, sugerindo a existência de corrupção. Seu
governo, no entanto, não resistiu mais que sete meses.

Salomão Malina, secretário de organização do PCB em 1960, avalia a vitória de Jânio


Quadros, quarenta anos depois resultado objetivo das eleições presidenciais de
1960 foi uma derrota do conjunto das forças democráticas e nacionalistas, que pa-
trocinaram a candidatura do general Lott, A vitória de Jânio Quadros (......) encerrou

248
DIÁLOGO FREIRIANO

uma lição: a maioria do povo votou contra nós contra as forças progressistas, de-
mocráticas e (ALMEIDA, 2002, p. 90)

Segundo Jorge Ferreira (2014), o presidente (Jânio) teria encontrado duas


grandes dificuldades em seu governo. A primeira tinha formulação simples: o país es-
tava em sérias dificuldades financeiras, a economia brasileira crescera muito durante
o governo JK, a produção industrial aumentara em 80%; em alguns ramos da indústria
o crescimento fora impressionante, bastando citar a elétrica e de comunicação, com
380% e de equipamentos e transportes, com 600%. A renda per capita do país alcan-
çara o patamar de três vezes o da América Latina.
A segunda dificuldade era de natureza política: Jânio não tinha maioria par-
lamentar no Congresso Nacional. A oposição formada pelo PSD, pelo PTB e pelo PSP,
respectivamente, quase dois terços das cadeiras do Congresso, cerca de duzentas. A
base política do presidente, formada pela UDN, pelo Partido Republicano (PR) e pelo
Partido Democrata Cristão (PDC), por sua vez, não chegava a cem parlamentares.
Mas isso não o impediu de governar, pois contou com os votos da oposição para apro-
var medidas importantes como a Lei Antitruste e a lei que disciplinava o envio de re-
messa de lucros para o exterior por empresas estrangeiras. Jânio, ainda levou adiante
algo inédito nas relações exteriores como a política externa independente; assim,
pode-se afirmar que os dois principais problemas que enfrentou o desequilíbrio fi-
nanceiro e a falta de base parlamentar não eram obstáculos intransponíveis para seu
governo e, portanto, razão para sua renúncia.

2.4 Jango e a crise da renúncia de Jânio Quadros


Em 25 de agosto de 1961, o Brasil é surpreendido com a renúncia do presi-
dente Jânio Quadros. A renúncia que mudou o cenário político brasileiro deixou o
governo órfão. Após renunciar ao cargo, Jânio dirigiu-se até a Base Aérea de Cumbica
onde perguntava constantemente se as tropas já estariam na rua. Naquele momento
Jango estava fora do Brasil, encontrava-se na China cumprindo uma missão diplomá-
tica e comercial acompanhado por empresários e políticos que também foram até à
União Soviética. A viagem estabelecia um importante empreendimento da Política
Externa Independente do Brasil, em uma conjuntura internacional dominada pela
Guerra Fria, e no momento posterior à Guerra da Coreia e a Revolução Cubana. Foi
exatamente nesse período de extrema tensão que o governo brasileiro marcou uma
posição de não mais se aliar aos EUA mantendo sua independência nas relações di-
plomáticas e comerciais com todos os países de seu interesse, inclusive os países de
regime comunista.

249
DIÁLOGO FREIRIANO

Goulart foi o primeiro representante do governo brasileiro a romper o blo-


queio ideológico em nome da amizade entre os povos promovendo a aproximação do
Brasil com a China, onde foi recebido com honrarias de chefe de nação por Mao-Tse-
Tung. Para Goulart a amizade entre os povos estava além das fronteiras ideológicas e
o respeito à autodeterminação do povo chinês como um direito conquistado, ficou
marcado em seu discurso de chegada à China como reproduz Tendler (1984, -45):
a amizade cada vez mais estreita entre a China Popular e os Estados Unidos do
Brasil, Viva a amizade dos povos asiáticos, africanos e Latino-
Na viagem, Goulart encontrou-se com o líder soviético Nikita Khruschov,
com o primeiro ministro chinês e com Mao Tsé-tung. Proferiu inúmeros discursos,
participou de jantares e liderou reuniões com empresários brasileiros e funcionários
soviéticos e chineses considerando bons resultados. No dia 24 de agosto estava de
volta ao Brasil, em Xangai, na festa de sua despedida, declarou favorável a substituição
da China Nacionalista (atual Taiwan) pela China Comunista na Organização das Na-
ções Unidas (ONU); nesse momento falava como presidente do PTB e não como vice-
presidente da República (FERREIRA, 2014)
De regresso ao Brasil, com parte da comitiva, porém ainda em Cingapura,
Goulart hospedou-se no Raffles Hotel. Na madrugada do dia 26 de agosto (tarde de
25 de agosto no Brasil), ele foi acordado por dois amigos e assessores com a imprevista
e impactante notícia: Jânio havia renunciado, Jango era o novo presidente do Brasil.
Tanto para Jango como para os demais brasileiros a notícia parecia não ter
sentido, haja vista que, Jânio Quadros foi eleito com a votação mais expressiva que um
candidato à presidência da República já recebera no país: 48% dos votos. Derrotara o
marechal Henrique Teixeira Lott, candidato apoiado pelos dois maiores partidos, o
PTB e o PSD. Lott tinha o apoio das esquerdas, a exemplo do Partido Comunista Bra-
sileiro (PCB), democratas e nacionalistas, e era, ainda, apoiado por JK. O marechal
Lott era um homem reconhecido por sua seriedade, competência e ilibada conduta
política e militar. Jânio, por sua vez, concorreu com apoio da UDN, venceu opositores
de grande peso político, mobilizando multidões com discurso que prometia
a política brasileira usando uma vassoura como símbolo de campanha (FERREIRA,
2014).
Sua renúncia permanece ainda como algo de debates, contudo, mesmo sem
provas documentais, de acordo com a literatura de história e ciências sociais, há vários
indícios que o presidente desejava dar um golpe de Estado. Um desses indícios era a
ação em nome da moralização da política, que resultava em profundo desgaste do le-
gislativo em face do executivo.

250
DIÁLOGO FREIRIANO

Para muitos analistas políticos não foi de forma casual que, naquele con-
texto, ele convidou seu vice-presidente para chefiar uma comitiva à União Soviética e
à China. Sobre João Goulart pesavam, desde que assumiu o Ministério do Trabalho
de Vargas (1953-54), fortes acusações de proximidade com os comunistas, por conta
de seus diálogos e negociações com o movimento sindical. Na presidência do PTB
Jango defendia as reformas de base; no Partido, para os grupos nacionalistas e de es-
querda, elas eram um conjunto de medidas que permitiam o desenvolvimento econô-
mico e a justiça social no Brasil. No entanto, para os setores políticos conservadores,
as reformas de base seriam prejudiciais às estruturas econômicas e político-sociais do
país, sendo a mais temida delas a reforma agrária (FICO, 2015).
Jânio sabia que amplos setores da sociedade e fortes grupos políticos e mili-
tares dificilmente tolerariam a possibilidade de Goulart assumir a presidência da Re-
pública. Renunciar ao cargo subitamente, tendo como vice um nome com tal histórico
e ainda por cima tão longe literalmente na China fazia parte de seus planos, ele
desejou ameaçar os políticos brasileiros jogando com a ampla rejeição militar ao
nome de Jango. O fato é que na manhã do dia 25 de agosto, logo após as comemora-
ções do Dia do Soldado, o presidente do Congresso Nacional, Ranieri Mazzilli (PSD),
recebeu uma carta de renúncia de Jânio Quadros (FERREIRA, 2014).
Ainda em Paris, através da visita do Deputado trabalhista, Carlos Jeressati,
do Ceará, Jango foi informado da extrema gravidade da crise, a qual poderia, de fato,
resultar em uma guerra civil (FERREIRA, 2014).
Em Porto Alegre, Brizola percebeu que, diante da gravidade do momento,
para resistir ao golpe era necessário, além do apoio político e militar, o apoio da po-
pulação. Para tanto, era fundamental romper a censura dos meios de comunicação
para garantir aliados à posse de Goulart. Na manhã do dia 27 de agosto as rádios gaú-
chas (Capital, Farroupilha e Difusa) foram tomadas por tropas do III Exército, e di-
ante disso Brizola ordenou que a Guarda Civil invadisse a sede da rádio Guaíba e trou-
xesse seus equipamentos para os porões do Palácio Piratini. Com os transmissores da
rádio em seu poder e sob a guarda de duzentos homens da Brigada Militar, o gover-
nador passou a defender a legalidade da posse de Jango, mobilizando de imediato a
população da capital e do interior do Rio Grande do Sul (FERREIRA, 2014).
Diante da atitude de Brizola, no mesmo dia a Junta Militar ordenou ao Co-
mando do III Exército que destituísse o governador, se houvesse alguma resistência o
Palácio deveria ser bombardeado por tanques ou pela viação de caça. Entretanto, o
Comandante Machado Lopes comunicou a Brizola que ele e os generais do Estado-

251
DIÁLOGO FREIRIANO

Maior do III Exército haviam rompido com Odílio Denyes e estavam do lado da lega-
lidade e da Constituição, portanto, estavam decididos a defender a posse de Jango,
João Goulart era o vice-presidente eleito e tinha o direito constitucional de assumir a
presidência (FERREIRA, 2014).
A tensão política era profunda e os militares afirmavam que não aceitariam
Goulart na presidência, para eles Jango como presidente era sinônimo de comunismo
e de caos. O golpe estava posto: ou se enfrentaria uma guerra civil ou se buscaria uma
solução negociada.
O ex-ministro de Vargas, Tancredo Neves, foi encarregado de levar a pro-
posta a Jango, em Montevidéu. Embora favorável a uma solução pacífica e já ciente de
que se buscava uma negociação política com os militares, Jango a princípio resistiu à
proposta, uma vez que, com o regime parlamentarista ele assumiria, mas com poderes
limitados. Goulart sabia da gravidade da crise, o país encontrava-se fragmentado,
ameaçado por um conflito armado. Diante da iminência de uma guerra civil ele deci-
diu, mesmo a contra gosto, aceitar o parlamentarismo para tomar posse e conduzir o
país à normalidade constitucional, na presidência da República teria maiores condi-
ções políticas para agir (FERREIRA, 2014).
Havia no Congresso Nacional, há muitos anos, a tramitação de uma emenda
parlamentarista; nesse crítico momento um grupo de parlamentares do PTB e do PSD
foi designado a dar uma nova redação à emenda que, em regime de urgência, entrou
em pauta para votação no Congresso Nacional.
Quando parecia que a crise já havia sido contornada Jango sofrera novas
ameaças, rumores diziam que o avião que o levaria de Porto Alegre à Guanabara po-
deria ser abatido por caças. Tratava-se do que, posteriormente, ficou conhecido como
Operação Mosquito, era bem mais que um boato, portanto, o general Ernesto Geisel,
chefe da Casa Militar, presente ao encontro com os ministros, ordenou que tropas do
Exército tomassem as bases aéreas onde se encontravam os caças e garantiu o pouso
do avião presidencial, embora outras versões afirmem que os sargentos é que sabota-
ram as aeronaves. Dessa forma, Goulart só viajou, com segurança, até Brasília no dia
5 de setembro. (Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1961, p. 1)

2.5 João Goulart, Presidente da República.


No dia 7 de setembro de 1961, às 15h, João Goulart tomou posse em sessão
solene no Congresso Nacional. O ambiente era de alívio e esperança nos destinos do
país, afinal, diante de gravíssima crise, com feitio de um golpe militar, a sociedade

252
DIÁLOGO FREIRIANO

brasileira se mobilizou em defesa da Constituição e da legalidade democrática. O par-


lamento também atuou de forma decisiva, apontando para uma solução pacífica.
Em seu discurso de posse, Goulart enfatizou o intento de conciliar um país
fragmentado afirmando que, mesmo no calor daquela grave hora, conseguiria formar
uma grande união nacional. O momento aconselhava o ódio e ressentimen-
tos pessoais, em benefício dos altos interesses da Naç e para o presidente, não havia
razão para pessimismo: nossa grande tarefa é a de não desiludir o povo, e para tanto
devemos promover, por todos os meios, a solução de seus problemas, com a mesma
dedicação e o mesmo entusiasmo com que ele soube defender a Lei, a Ordem e a De-

Mas como governar o país sob o regime parlamentarista? Era a primeira vez,
em toda a história republicana, que o Brasil adotava o regime de gabinete, algo com-
plexo para os políticos e para o novo presidente, habituados a compor ministérios se-
gundo a lógica presidencialista. Além disso, a crise político-militar não se dissipara
completamente, tanto que as tropas do I Exército, que haviam se deslocado para o Sul,
permaneciam em suas posições, aguardando o recuo dos contingentes do III Exército,
comandados por Machado Lopes. Até a meia-noite da véspera de sua posse, Jango
ainda não havia indicado quem seria o primeiro ministro, os nomes de Auro de
Moura Andrade e Tancredo Neves eram os mais cogitados. Goulart teria declarado
que desejava um homem de sua confiança pessoal, um raciocínio presidencialista,
pois um primeiro-ministro precisa da confiança de ampla maioria do Parlamento,
sem isso não poderia governar, de forma que o Congresso havia previsto outra sessão
após a posse de Jango, exatamente visando a apreciar o Gabinete.
A adoção do parlamentarismo no Brasil foi idealizada em função das difíceis
circunstâncias políticas que o país vivia, pois o regime não era desejado nem pela Junta
Militar, nem pelo Congresso e nem por Jango, todos aceitaram como um mal menor.
Seu maior objetivo era impedir a guerra civil garantindo a posse de Jango.
No parlamentarismo instaurado no Brasil era o presidente da República e
não o primeiro-ministro quem vetava os projetos de lei, no entanto, todos os atos do
presidente deviam ser referendados pelo primeiro-ministro, o que na prática podia
produzir dificuldades e mesmo impasses para o funcionamento do governo. De qual-
quer forma, a própria falta de clareza da legislação constituía-se um limitador para as
ações do presidente João Goulart.
Conforme previa o regime parlamentarista, os partidos políticos elegem suas
bancadas para o Parlamento. Um partido pode ser maioria ou formalizar aliança com
outro partido ou com vários partidos políticos. Seja como for, o partido majoritário

253
DIÁLOGO FREIRIANO

indica o primeiro-ministro, ele é o chefe de governo, indica os ministros de Estado e


governa o país, portanto, o primeiro-ministro precisa da confiança da ampla maioria
do parlamento, sem isso ele não pode governar. O presidente da República também é
eleito, mas não governa, ele é o chefe da Nação, mas tem uma prerrogativa importante
para estabilidade do sistema político: quando em conflitos entre partidos políticos ou
quando o primeiro-ministro perde a maioria no Parlamento, o presidente da Repú-
blica dissolve o Congresso Nacional e convoca novas eleições (FERREIRA, 2014).
Foi, portanto, nesse clima de esperança, mas de muitas dúvidas quanto ao
funcionamento do novo regime, que Goulart organizou seu primeiro Gabinete, que
foi, sugestivamente, chamado de da conciliação O primeiro-mi-
nistro foi o pessedista mineiro Tancredo Neves, tratava-se de homem de muito bom
trânsito político e pertencente ao maior partido do Congresso Nacional, o PSD. Tan-
credo tinha antigas e boas relações com Goulart, tanto que fora escolhido para
vencê- quando estava em Montevidéu.
A estratégia política conciliadora do presidente, em relação aos partidos po-
líticos que compunham o Congresso, era evidente e só pode ser compreendida tendo-
se em vista as turbulentas condições de sua posse.
Com o afastamento de Tancredo para concorrer às eleições de 1962, o depu-
tado gaúcho Brochado Rocha assumiu o lugar de primeiro ministro, prometendo -
com base na emenda parlamentar que instituiu o novo regime e previa a consulta po-
pular nove meses antes do término do mandato de Goulart - antecipar o plebiscito
que confirmaria ou não a permanência do parlamentarismo. No entanto, Brochado
não conseguiu antecipar a consulta popular e acabou renunciando; os operários de-
cretaram greve geral e o Congresso, enfim, marcou o plebiscito para 6 de janeiro de
1963 tendo Jango, cinco dias antes, concedido um aumento de 75% no salário mí-
nimo.
A Pesquisa do Instituto de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), realizada
no Estado da Guanabara, já sinalizava que 81% dos eleitores desejavam que Jango to-
masse posse no regime presidencialista, 10% no regime parlamentarista, 9% não soube
responder. Entre os eleitores do governador Carlos Lacerda, 69% desejava que Gou-
lart assumisse a presidência no regime presidencialista (FICO, 2015).
Com a ampla vitória do presidencialismo Jango assumiu, com plenos pode-
res, a Presidência da República, exaltando os ânimos de seus adversários políticos,
posto que, Jango, desde que tomou posse, foi vítima de intensa campanha de desesta-
bilização por meio de ampla propaganda ideológica, financiada por empresários e
pelo governo estadunidense.

254
DIÁLOGO FREIRIANO

Jango chegou à presidência em meio a uma crise política, ele não era um ho-
mem de posições radicais, tendia à negociação e contava com o apoio popular con-
forme pesquisas do Ibope porém vinha recebendo críticas dos militares, da im-
prensa, de setores conservadores da Igreja Católica e da classe média, descontente com
a crise econômica.
Goulart procurava conciliar, o que não é nada fácil quando as diversas forças
já se encontravam em estado de guerra. De um lado estavam os grupos há muito
tempo conhecidos na história brasileira, as forças do liberalismo internacional e os
seus asseclas brasileiros, capitaneados pela UDN de Carlos Lacerda e dos governado-
res Magalhães Pinto (MG) e Ademar de Barros (SP), que tinham um partido próprio.
A estas forças somavam-se as instituições do IBAD e do IPES, amplamente financia-
das pela CIA, e se encarregavam da propaganda e da agitação política. Eram as forças
civis que se articulavam com setores do exército e que estariam, mais tarde, à frente
do golpe.
O presidente tentava a governabilidade e garantir a maioria no parlamento
para as reformas de base, contudo, o bloco aliado (PTB e PSD) não estava coeso, inte-
resses individuais e a perspectiva da sucessão presidencial faziam com que cada um
seguisse os próprios passos em detrimento dos interesses nacionais. As esquerdas se
dividiam entre Jango, Arraes e Santiago Dantas e Brizola, Prestes, Francisco Julião e a
CGT. Contudo, a situação ficava cada vez mais difícil para Jango, a inflação começava
a pesar contra ele e, na política externa, tinha em John Kennedy um
(FERREIRA, Jorge 2014).
Para pressionar o Congresso Nacional a aprovar as reformas de base Jango
decidiu realizar grandes comícios por todo o Brasil, o Comício da Central, de 13 de
março de 1964, foi o primeiro deles e acabou se tornando também o último.
Também conhecido como o Comício das Reformas, com o objetivo de
apoiar a proposta de Jango de implantar as Reformas de Base, o Comício da Central
foi realizado na Central do Brasil, na Praça da República no Rio de Janeiro. Reuniu
representantes de partidos políticos, trabalhadores do campo e da cidade, servidores
públicos, estudantes, soldados e sargentos, totalizando mais de 300 mil pessoas. Den-
tre os oradores estavam presentes os governadores Miguel Arraes (PE), Leonel Brizola
(RS), os dirigentes da União Nacional dos Estudantes (UNE) e do Comando Geral
dos Trabalhadores (CGT). Em um clima radicalizado o presidente Jango respondeu
aos adversários: empresários contrários às reformas e à imprensa, que o acusava de
preterir à Constituição e forjar um golpe de Estado. (FERREIRA, 2014).

255
DIÁLOGO FREIRIANO

Em seu discurso Jango anunciou o envio de uma mensagem ao Congresso


propondo as reformas política, universitária, bancária, fiscal, agrária, urbana e eleito-
ral, esta última concedia o direito de voto aos soldados, sargentos e aos analfabetos.
Além disso, Jango propunha, na mensagem, a desapropriação das terras às margens
de ferrovias, rodovias e açudes federais, para implementar a reforma agrária. Jango
pretendia implantar medidas nacionalistas limitando a remessa de lucros ao exterior,
promover estatização de empresas estratégicas e ampliar o monopólio da Petrobras.
A classe média estava temerosa por conta da campanha publicitária contra
Jango e o associavam ao comunismo. Em seu discurso Jango mencionou algo que pre-
ocupava os proprietários de imóveis: ele pretendia regulamentar o preço extorsivo dos
alugueis residenciais. Em referência ao movimento do que reunia
mulheres para contra o Jango disse ainda: rosários não po-
dem ser levantados contra a vontade do povo e as suas aspirações mais A
referência à Cruzada desencadeou um movimento de ao resul-
tando na da Família com Deus pela no dia 19 de março de 1964,
que reuniu em torno de 500 mil pessoas em São Paulo, onde entoavam palavras de
ordem como chegando a hora de Jango ir Depois aconteceria outra
grande marcha no dia 2 de abril, no Rio de Janeiro, dia seguinte à destituição de Jango,
denominada pelos jornais conservadores como da
A da Família com Deus pela foi organizada por associ-
ações femininas conservadoras e setores da igreja católica e da classe média com terços
nas mãos, protestando contra o Comício da Central do Brasil e sendo favoráveis à
deposição do presidente João Goulart. A base ideológica do protesto foi a
do Rosário pela lançada no Brasil, em 1962, pelo padre islandês Patrick
Peyton, ex-padre de Hollywood, um agente da CIA, e financiada por mais de trezentas
empresas nacionais e multinacionais e pela remessa de dinheiro do governo estadu-
nidense.
O Comício foi o estopim para os que conspiravam contra o mandato do pre-
sidente, porém, outras iniciativas de Jango serviram como pretexto para o golpe de
1964. Na mensagem enviada ao Congresso Nacional no dia 15 de março, Goulart so-
licitou aos parlamentares maiores poderes e pediu que deputados e senadores apro-
vassem um plebiscito sobre as reformas de base, suscitando mais à posição
ideológica do presidente.
No dia 20 de março, seu chefe do Estado-Maior do Exército, general Castelo
Branco, fez circular documentos reservados criticando o Comício da Central e as
ameaças contra o Congresso Nacional. O general, posicionando-se como líder da

256
DIÁLOGO FREIRIANO

conspiração, afirmou aos seus subordinados que pretendia as aspirações


e esforços observados em amplas áreas das Forças Armadas e orientou todos para que
se mantivessem mobilizados para a Os documentos surtiram grande
repercussão nos quartéis e funcionaram como autorização para o golpe.

3. O GOLPE MILITAR E A DESTITUIÇÃO DE JANGO


O golpe civil militar de 1964, que destituiu o presidente João Goulart, inter-
rompeu o processo democrático e instalou no Brasil uma ditadura que durou 21 anos,
resultou do plano de desestabilização da política estadunidense para os países latino-
americanos. Como mencionado anteriormente este fato não aconteceu só no Brasil,
mas também em outros países, a exemplo de Guatemala e Argentina; em toda a Amé-
rica Latina os governos progressistas foram vítimas de golpes de Estado. Dessa forma,
o discurso e anticomunista foi o eixo central para unificar as classes
dominantes (imprensa, empresas nacionais, multinacionais, ruralistas, o alto clero da
Igreja Católica e os militares) com o intuito de derrubar o presidente João Goulart.
Temia-se o que o Brasil, maior país da América do Sul, influenciasse os demais países
sul-americanos a adotarem o regime cubano.
Depois de Jango ter apoiado o movimento dos Marinheiros e Fuzileiros Na-
vais, oficiais-generais das três forças o acusaram de promover a indisciplina e a quebra
da hierarquia militar. Apesar de tantos problemas Goulart aceitou o convite para par-
ticipar das comemorações de 40 anos de criação da Associação dos Suboficiais e Sar-
gentos da Policia Militar, no Automóvel Club, e proferiu discursos transmitidos pelas
rádios e TV e, com isso, intensificava a conspiração militar para destituí-lo da Presi-
dência da República.
No dia 31 de março o general Mourão Filho, comandante da 4ª Região Mi-
litar de Juiz de Fora MG, iniciou a movimentação em direção ao Rio de Janeiro,
onde se encontrava o presidente. Agiu por conta própria, pois o golpe estava previsto
para alguns dias depois, conforme pretendiam os principais chefes militares. Depois
de assistir na TV o discurso de Jango no Automóvel Club até uma hora da manhã,
redigiu, por volta das duas horas, um manifesto afirmando que Goulart deveria ser
afastado do poder, do qual Às quatro horas ordenou que as tropas seguis-
sem para o Rio de Janeiro. Desde o dia anterior, a Polícia Militar de Minas Gerais
controlava as fronteiras e principais pontos estratégicos do Estado.
Na madrugada do dia 2 de abril Auro de Moura Andrade (senador pelo PSD
do Estado de São Paulo), que em sua condição de presidente do Senado presidia o
Congresso Nacional, convocou uma sessão extraordinária, formalizando a declaração

257
DIÁLOGO FREIRIANO

de vacância do cargo de presidente da República. Uma comunicação enviada pelo


Chefe da Casa Civil de Goulart, Darcy Ribeiro, pretendia exatamente o oposto. O ofí-
cio, enviado por Darcy, dirigido ao Presidente do Congresso dizia:

O Senhor Presidente da República incumbiu-me de comunicar a Vossa Excelência


que, em virtude dos acontecimentos nacionais das últimas horas, para preservar de
esbulho criminoso, o mandato que o povo lhe conferiu, investido na chefia do Poder
Executivo, decidiu viajar para o Rio Grande do Sul, onde se encontra à frente das
tropas militares legalistas e no pleno exercício dos poderes constitucionais com seu
Atenciosamente, Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil (FICO, 2015).

3.1 Como os EUA apoiaram o golpe militar de 1964


A partir das eleições de 1962 os candidatos da oposição a Goulart receberam
financiamento de campanha do governo dos EUA segundo revelaria, anos depois,
Lincoln Gordon, embaixador dos EUA no Brasil. O financiamento teria somado um
montante de UU$ 5 milhões. O relatório estadunidense de 1964 evidencia que foram
gastos, apenas nesse ano, UU$ 2 milhões com muitas iniciativas de propaganda em
rádios, jornais e unidades móveis de exibição de filmes, os quais difundiam propagan-
das anticomunistas e contra o governo de Jango. No ano de 1963 foram exibidos 1.706
filmes, somente no Rio de Janeiro, para 179 militares, em escolas, quartéis e navios;
além disso, o governo estadunidense autorizava empréstimos diretamente para os es-
tados cujos governadores faziam oposição a Jango, sem intermediação do governo fe-
deral, de forma irregular, caracterizando ingerência nos assuntos internos do Brasil.
Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, foi bastante beneficiado assim como
Ademar de Barros, governador de São Paulo, e Magalhães Pinto, governador de Mi-
nas Gerais, que, da mesma forma, receberam recursos do governo dos EUA.
Conforme o embaixador Lincoln Gordon, o plano foi sugerido pela CIA e
ele o endossou. Ele costumava identificar os governos estaduais beneficiados como
da ou da santidade estratégia adotada para
evitar que recursos da Aliança para o Progresso, destinados às obras de impacto ou
iniciativas que favorecessem a imagem dos EUA, fossem para as mãos do governo fe-
deral ou para esquerdistas como Leonel Brizola ou Miguel Arraes. Sobre Arraes, a re-
presentação estadunidense reuniu seus especialistas para decidir o que fazer, a embai-
xada dos EUA afirmava que Arraes, se chegasse ao poder, iria o Brasil.
A estratégia das da seria defender, não só como uma forma
de minar o governo Goulart, mas também como a única forma de os EUA continua-

258
DIÁLOGO FREIRIANO

rem o Brasil, apesar da do governo federal de fazer a esta-


bilização da economia e o saneamento financeiro, por eles desejados. Justificativa que,
hoje, mostra-se bastante inconveniente à luz das evidências disponíveis (FICO, 2008).
Documento secreto do governo dos Estados Unidos, de 1963, e só desco-
berto recentemente, revela um de que definia duas diretrizes.
Em primeiro lugar os EUA deveriam apoiar a destituição de Goulart e a formação de
um novo governo e, para dar uma coloração de legalidade, o texto estabelecia que seria
que parte significativa do território nacional fosse contro-
pelas forças anti-Goulart. Em segundo lugar e, talvez, o mais importante o
plano determinava que os Estados Unidos deveriam interferir militarmente no Brasil
caso houvesse confrontos e apoio de algum país comunista (URSS ou Cuba). O plano
foi a base para a realização da Brother (o Grande irmão), força-tarefa
naval composta por um porta-aviões, um porta-helicopteros, seis contra-torpedeiros
(dois equipados com mísseis teleguiados), além de cem toneladas de armas e quatro
navios-petroleiros pois previa-se que, com o apoio dos trabalhadores do setor po-
deria faltar combustível. A Brother foi enviada ao Brasil no dia do
golpe de 1964, mas foi desativada em função do rápido sucesso dos golpistas (FICO,
2008).
Jango poderia ter resistido, oficiais legalistas na Base Aérea de Santa Cruz
aguardaram uma ordem do presidente para fazer decolar cinco jatos que poderiam,
ao menos, obrigar Mourão Filho a negociar, mas a ordem não veio. O apoio militar
não era suficiente e levou Jango a deixar o Rio de Janeiro seguindo para Brasília.
Havia expectativa de confronto, no entanto Jango estava decido a não resis-
tir. Além de sua índole pacífica, na manhã do dia 1º de abril ele foi informado do apoio
dos Estados Unidos à sua deposição. Também não contava com suficiente apoio mi-
litar, ele enviou dois generais de sua confiança para deter os soldados de Mourão Fi-
lho, porém eles não conseguiram impedir que seus homens aderissem aos golpistas e
o próprio comandante do II Exército, em São Paulo, compadre de Goulart, também
aderiu ao golpe. Nesse sentido, o comandante do I Exército do Rio de Janeiro aconse-
lhou-o a deixar a cidade para não ser preso.
Quando Goulart deixou o Rio de Janeiro as notícias se espalharam e houve
comemoração na Zona Sul da cidade. Conforme noticiou o jornal O Dia, a população
de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército.
No bairro do Flamengo muitos paravam para ver as chamas que consumiam o prédio
da União Nacional dos Estudantes (UNE), atacado pelo Comando de Caça aos Co-
munistas (CCC).

259
DIÁLOGO FREIRIANO

Jango ainda não havia deixado o país quando o senador Auro de Moura An-
drade, no dia 3 de abril, em sessão extremamente tumultuada com represálias morais
como as de Tancredo Neves e outros senadores que o chamavam de e gol-
declarou a vacância do cargo de presidente da República e em consequência
determinou a posse do presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. Assim, o aparato civil
entra em cena para legitimar o Golpe.
Na capital, o ministro-chefe do Gabinete da Casa Civil do governo de Jango,
Darcy Ribeiro, junto aos setores leais ao presidente, havia reunido cerca de mil traba-
lhadores, no Teatro Nacional, decididos a pegar em armas e insistiu então para que
Jango resistisse, mas ele não concordou. De Brasília, onde encontrou sua mulher, seus
filhos e recolheu documentos pessoais, Jango seguiu para Porto Alegre e lá ouviu de
Leonel Brizola os mesmos apelos para que resistisse. Decidiu, no entanto, buscar exí-
lio no Uruguai e posteriormente na Argentina, onde faleceu em 1976. Voltou ao Brasil
morto para ser enterrado em São Borja, ao lado de Getulio Vargas. Em 2013 seu corpo
foi exumado em busca de provas de que teria sido assassinado por envenenamento
assim, em dezembro desse mesmo ano, foi novamente sepultado, dessa feita, com
honras de chefe de Estado.

3.2 A imprensa apoiou o golpe militar de 1964


A imprensa sempre teve papel de destaque no processo político brasileiro.
Ela expressou, e expressa, as ideias conforme os interesses dos poderosos grupos po-
líticos e econômicos. Muitos jornais se destacaram nos anos 50 e 60, foram eles: O
Globo, A Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Última Hora e Tribuna da Imprensa.
A propaganda ideológica era conduzida por duas associações de empresá-
rios: o Instituto Brasileiro de ação Democrática - IBAD, fundado em 1959, que tinha
a função de financiador, repassando recursos recebidos de empresas privadas brasi-
leiras e dinheiro da CIA Centra de Inteligência Americana; e o Instituto de Pesquisa
e Estudos Sociais - IPÊS, criado em 1961 por grandes empresários, que assumia o pa-
pel principal de influenciar a opinião pública brasileira através de elaboração de pan-
fletos, edição de livros além da veiculação de propaganda para desestabilizar o go-
verno do presidente João Goulart.
No período de maior tensão política no Brasil, entre 1961 a 1964, foi criado,
dentro do Congresso Nacional, o Grupo de Assessoria Parlamentar (GAP), braço di-
reito do IPÊS que tinha como representante um poderoso banqueiro, financiado por
grandes empresas nacionais e internacionais. Sua função era coordenar uma rede

260
DIÁLOGO FREIRIANO

de parlamentares para barrar ou alterar os projetos do Executivo envi-


ados ao Congresso, dessa forma, o governo seria inviabilizado e Goulart ficaria isolado
do cenário politico nacional, provocando um clima de instabilidade política (FER-
REIRA, 2014).
A convergência de interesses entre o IBAD e o IPÊS levou a um processo de
colaboração mútua, junto a eles surgiram inúmeros outros grupos anticomunistas,
alguns com apoio financeiro dos dois institutos. Anterior à posse de Goulart já existia
a Brasileira a Família e (TFP), a
de Defesa eo por um Mundo após a posse de
Jango surgiram: os da a Feminina a
zada do o de Caça aos (CCC), a da Famí-
lia com Deus pela entre outros.
Como citado anteriormente, o papel da mídia era criar um clima de pânico,
mostrando a existência da república sindicalista, atemorizando os latifun-
diários com o espectro da reforma agrária, amedrontando a classe média com as gre-
ves, chamando a massa de católicos para opor-se às reformas que Goulart pretendia
fazer, trazendo para a reação instituições como a Igreja Católica e assustando a todos
com os riscos que corria a propriedade privada.
Tudo isso a imprensa brasileira conseguiu fazer com muito trabalho, cons-
ciência e disciplina. Sem qualquer inocência e atentando contra os princípios jorna-
lísticos liberais que ela falsamente proclamava defender, a imprensa brasileira conse-
guiu fabricar uma opinião pública favorável ao golpe (Emiliano José, Galeria F-2005).
Não importa que grande parte daquilo que a imprensa dissesse fosse uma
construção ideológica assumindo o sentido de falso , importa que se
a imprensa diz parece verdade. Dito de outra maneira é a imprensa que constrói a
verdade, mesmo que ela, examinada com outras lentes, não seja mais do que uma
construção arbitrária, mentirosa, e a serviço dos interesses das classes dominantes,
que viam os seus privilégios potencialmente contrariados, pelo governo Goulart, além
desta ser, é claro, a serviço dos interesses Estadunidenses (Emiliano José, Galeria F-
2005).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após este trabalho de conclusão de curso, é possível perceber a importância
do resgate da trajetória política do presidente João Goulart, bem como as reais causas
que motivaram sua destituição por um golpe civil militar. É inadmissível que ainda
hoje prevaleça a inversão dos fatos e, que a manipulação das informações persista

261
DIÁLOGO FREIRIANO

como verdade absoluta para muitos, conforme a versão dos generais, detentores do
poder nos anos de chumbo.
Em todo período da ditadura civil militar a história não era ensinada nas es-
colas ou, era ensinada segundo a ótica dos generais, e as novas gerações pouco ou nada
conhecem sobre o golpe civil militar de 1964 e a trajetória política do presidente João
Goulart, assim como as reais causas pelas quais foi deposto. Se juntarmos a manipu-
lação dos meios de comunicação e as que permanecem como
chegaremos à conclusão que esse é maior exemplo da Propaganda Ideológica de des-
construção da história do Brasil. Dessa forma, é necessário analisar o contexto para
entender como e por que um golpe civil militar depôs o presidente da República, in-
terrompeu um processo democrático e instalou no país uma ditadura que durou 21
anos.
Percebe-se que o golpe não era contra o presidente da República, o golpe era
contra um projeto que contrariava interesses políticos e econômicos das classes do-
minantes nacionais e internacionais. Tais interesses levaram os EUA a apoiarem o
golpe, conforme vimos, documento secreto dos EUA, de 1963 que mais tarde revelou
um de que definia como diretrizes a destituição de Goulart, a
formação de um novo governo e estabelecia que os Estados Unidos deveriam intervir
militarmente no Brasil caso houvesse confronto, com apoio de algum país comunista.
Com esse estudo, constatamos que, nas eleições de 1962, candidatos, oposi-
tores de Jango foram financiados pelo governo dos EUA. Além disso, governadores
de oposição receberam empréstimos, e outros valores foram recebidos para financiar
inúmeras iniciativas, nos meios de divulgação, para difundir propagandas anticomu-
nistas e contra o governo de Jango. Essa oposição ao governo de João Goulart conso-
lidou-se quando, ainda Ministro do Trabalho do governo Vargas, Jango defende o
aumento de 100% no salário mínimo e articula com as lideranças sindicais buscando
a solução de conflitos com os movimentos de greves. E enquanto presidente, em nome
da autodeterminação dos povos, não pactua com as ameaças de sanções impostas pe-
los Estados Unidos no auge da Guerra Fria e estabelece uma política externa de inde-
pendência, no relacionamento com Cuba e demais países de cunho comunista à
exemplo da República Popular da China e a União Soviética.
Analisando, portanto, os discursos contra o presidente, constatamos que
este é um pensamento irracional elaborado pelos seus opositores. A tese de rotular
Jango de comunista é desconstruída pelas pesquisas e publicações de renomados his-
toriadores, as quais nos permitem concluir: Jango não era comunista, tampouco era
anticomunista. Ele era um político nacionalista e pertencia ao PTB, o mesmo partido

262
DIÁLOGO FREIRIANO

de Getulio Vargas, de quem Jango era amigo e herdeiro político. A ele foi concedida a
carta testamento e todo o legado trabalhista. Vale ressaltar que antes de Getúlio Dor-
nelles Vargas suicidar-se ele entrega em mãos a carta testamento ao seu amigo João
Goulart pedindo que só abrisse a carta quando desembarcasse em Porto Alegre. Sendo
assim, nas palavras de Vargas, transcrevo o que se conhece pela história: amigo
Jango, hoje eles estão vindo atrás de mim, amanhã eles virão atrás de ti, toma esta carta
e só abra ela assim que desembarcares em Porto (Depoimento de João Vi-
cente Fontanella Goulart, apud João Alexandre Goulart).
Goulart, em toda sua trajetória, soube conviver com as diferenças ideológi-
cas e defendia o direito à autodeterminação dos povos. Para Goulart a amizade entre
os povos estava além das fronteiras ideológicas e o respeito à autodeterminação como
um direito conquistado. Jango foi o primeiro representante do governo brasileiro a
visitar a China, promovendo assim a aproximação do Brasil com aquele país. Em seu
discurso ele afirma: a amizade cada vez mais estreita entre a China Popular e os
Estados Unidos do Brasil, Viva a amizade dos povos asiáticos, africanos e Latino-
(TENDLER, 1984, -
Ainda hoje se questiona: por que Jango não resistiu? Na Base Aérea de Santa
Cruz, como vimos anteriormente, Oficiais legalistas, aguardaram ordem do presi-
dente para fazer decolar cinco jatos que poderiam, ao menos obrigar Mourão Filho a
negociar, mas a ordem não veio. O ministro-chefe do Gabinete da Casa Civil de seu
governo, Darcy Ribeiro, havia reunido, junto aos setores leais ao presidente, cerca de
mil trabalhadores, assim como Leonel Brizola havia pedido que resistisse, mas Jango
decidiu não resistir. Havia expectativa de confronto, no entanto, além de sua índole
pacífica, também não contava com suficiente apoio militar. E como vimos, os EUA
estavam dispostos a invadir o Brasil com a força tarefa da Operação Brother Sam.
Assim, consumou o golpe civil militar de 1964 que destituiu o presidente
João Goulart, interrompeu o processo democrático e instalou uma ditadura no Brasil
que durou 21.
Para abordar os aspectos similares entre os fatos históricos de 1964 e o atual
contexto político brasileiro, trazemos um depoimento do jornalista João Vicente Fon-
tella Goulart, filho do Presidente Jango, em entrevista ao Sindicato dos Trabalhadores
nas Indústrias de Confecções e Vestuário de Guarulhos:

nós estamos vendo aí jogadas políticas que nos lembram muito 1964″, afirma
o filho do ex-presidente Jango, João Vicente Goulart. Para ele as semelhanças são
reconhecíveis. João Vicente está se referindo à comparação do momento que esta-
mos vivendo com aquilo que seu pai, João Goulart, viveu no processo da derrubada
do governo. Para ele o financiamento empresarial é a grande conexão entre hoje e

263
DIÁLOGO FREIRIANO

(GOULART, João Vicente Fontanella. Entrevista [2015] concedida ao Sindi-


cato dos Trabalhadores nas Indústrias de Confecções e Vestuário de Guarulhos,
grifo do autor)

Conclui-se, portanto, com essa pesquisa, fazendo um paralelo entre o perí-


odo da história de 1964 e o atual contexto político brasileiro, que o Congresso Nacio-
nal, as classes dominantes, os partidos de oposição e a imprensa impõem mais uma
vez à Nação a angústia de estar diante da possibilidade de ver a democracia interrom-
pida com o impedimento de uma Presidenta democraticamente eleita. Dessa forma,
os atuais acontecimentos não só nos remontam aos fatos históricos de 1964 como nos
impõem uma nova exigência: a de resistir.

264
DIÁLOGO FREIRIANO

REFEREÊNCIAS
ALMEIDA, Francisco Inácio (org.). O último secretário: a Luta de Salomão Malina.
Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2002.
DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do estado: ação política, poder e golpe
de classe. Rio de Janeiro: Vozes, 1981.
EMILIANO JOSÉ. Galeria F: Lembranças do Mar Cinzento, IV 2005.
FERREIRA, Jorge. 1964. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2014.
FICO, Carlos. O Grande Irmão (Operação Brother Sam). Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2ª edição, 2008.
FICO, Carlos, História do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Contexto, 2015.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social 1999, p.4-5
GOULART, João Alexandre, Monografia do curso de Publicidade e Propaganda da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2009.
GOULART, João Vicente Fontanella. Entrevista concedida ao Sindicato dos Traba-
lhadores nas Indústrias de Confecções e Vestuário de Guarulhos, 2015.
MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1999.
TENDLER, Silvio. Jango. Rio de Janeiro: Caliban, 1983, DVD.

265
MAPAS MENTAIS NO ENSINO DE GEOGRAFIA FEITO POR
AUTISTAS NA ESCOLA BÁSICA FLUMINENSE:
O DESAFIO DA INCLUSÃO

Clézio dos Santos 1


Marilza Santos da Silva 2

Nossa pesquisa explora uma perspectiva plural de educação versando sobre


os processos de representação cartográfica e a subjetividade dos mapas mentais de
crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), compreendendo
o Ensino de Geografia no âmbito da escola pública no município de Duque de Caxias,
localizado na Baixada Fluminese. Considerando assim, o Ensino de Geografia no viés
da Cartografia Escolar destacando a importância de pesquisas que elucidem a Educa-
ção Inclusiva.
O Autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento, caracterizado por
alterações na interação social, comunicativa e do comportamento, que se manifesta
antes dos 3 anos de idade e persiste durante a vida adulta. As Diretrizes de Atenção às
pessoas com Transtorno do Espectro Autista (BRASIL, 2013) abordam que antes era
classificado como Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) e, mais recente-
mente, classificado com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Atualmente classifi-
cado de acordo com Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM
V (2014) em dois fatores principais relativos aos déficits de comunicação social, os
comportamentos/interesses restritos e repetitivos. O TEA é por vezes considerado
como uma síndrome neuropsiquiátrica, sem etiologia específica, destacando que não
é uma doença única, mas sim, um distúrbio do desenvolvimento complexo, com eti-
ologias múltiplas e graus variados.
De acordo com Tuchman e Rotta (2004 apud SILVA e SANTOS, 2017) ao
se utilizar os critérios aceitos para definir o autismo, este não seria um distúrbio raro,
ocupando o terceiro lugar entre os distúrbios do desenvolvimento infantil, estando

1
Prof. Dr. de Ensino de Geografia do IM/UFRRJ e professor do Programa de Pós-Graduação em
Geografia - PPGGEO/UFRRJ, Pesquisador Universal CNPq e Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE)
da FAPERJ. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Geografia GEPEG/UFRRJ.
2
Mestre em Geografia PPGGEO/UFRRJ, Licenciatura Plena em Geografia UFRRJ, Bacharel em
Fonoaudiologia UNESA. Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Ensino de Geografia
GEPEG/UFRRJ; marilzafonogeo@gmail.com
DIÁLOGO FREIRIANO

atrás, por sua vez, das malformações congênitas e da síndrome de Down. Logo, per-
cebe-se que o autismo ocupa uma posição significativa quando se reporta às deficiên-
cias que acometem crianças no Brasil. Desse modo, de acordo com os últimos dados
estatísticos do Ministério da Saúde do Brasil (2013) é possível que haja cerca de 1,2
milhões de pessoas com autismo no Brasil, assim como, os dados de 2010 divulgados
pelo Center of Diseases Control and Prevention (CDC), órgão do governo dos Estados
Unidos, dispõem que os meninos têm 5 vezes mais probabilidade de ser diagnosticado
com TEA do que as meninas.
Contudo, torna-se importante analisar e identificar a expressão da lingua-
gem cartográfica das pessoas com TEA, dentro de suas realidades. Para isso, torna-se
necessário apreender como ocorre o desenvolvimento das crianças e de suas relações
espaciais com o meio, como ocorre o desenvolvimento das habilidades cognitivas su-
periores, a formação de conceitos, o pensamento-linguagem para se chegar às repre-
sentações dos indivíduos, como o mapeamento cognitivo, ou seja, compreender como
ocorreram suas representações mentais dos Para Paganelli (2010)
ocorrem etapas na construção do espaço no desenvolvimento de uma criança e essas
são paralelas às demais etapas desde o nascimento, podendo-se, assim, avaliar o de-
senvolvimento cognitivo de um indivíduo através de suas ações/representações. Vale
salientar, que esse conhecimento se torna relevante para que o educador elabore suas
metodologias de ensino.
Nessa perspectiva, essa pesquisa buscou construir um olhar da
Cartografia no Ensino de Geografia, numa concepção semelhante à estabelecida por
Castellar (2011, p.124) que irá ressaltar:

Para educar o aluno para compreensão das noções cartográficas, consideremos que
seus desenhos são o ponto de partida para explorar seu conhecimento da realidade
e dos fenômenos que querem representar. Esses desenhos são representações gráfi-
cas ou mapas mentais elaborados a partir da memória, não havendo necessidade de
utilizar as convenções cartográficas.

Desse modo, partindo do pressuposto de um Ensino da Cartografia


realizado para as crianças e construído por crianças, como bem elucida Seemann
(2006), torna-se relevante que o educador supere a mera reprodução de um repertório
longo de conteúdos impostos nos curriculos escolares, sem estabelecer uma relação
com os conhecimentos prévios ou mesmo a experiência vivenciada do educando.
Além de ser importante que o educador busque entender como esses conhecimentos
são produzidos (PONTUSCHKA, PAGANELLI e CACETE, 2009).

268
DIÁLOGO FREIRIANO

No contexto histórico social o qual a educação está inserida, com padrões


pré-estabelecidos, quem diverge desses padrões, são excluídos, foi nesse âmbito que
surgiu a necessidade de realizar essa pesquisa. Esse paradigma que se quer transcender
como educadores, buscar contribuir para inclusão (ir para além de uma inserção e sim
uma efetiva inclusão, abrangendo todos os direitos que compreende a qualquer cida-
dão) de pessoas com TEA na sociedade.
Dentro do contexto histórico da Educação Especial, sabe-se que várias foram
as transformações. A Educação Especial esteve sobre a análise da eugenia, da aceitação
caritativa (na perspectiva cristã), da humanização (médico-terapêutico), da normali-
zação. No Brasil inicia-se no século XIX, com iniciativas de alguns brasileiros, tendo
como inspiração modelos americanos e europeus, seguindo a mesma estruturação,
considerando atualmente a perspectiva do direito a uma Educação Inclusiva (RI-
BEIRO, 2003).
Para enriquecer o olhar transdisciplinar focado na realidade a qual Educação
Especial está inserida, Pletsch (2011) confirma que o trabalho com pessoas com defi-
ciência multiplica a informação de muitos e, consequentemente, o bem-estar de mi-
lhares de outros, e, assim, com a difusão desse conhecimento, haverá várias outras
pessoas em prol dos direitos dos indivíduos com deficiência. Desse modo, pensando
no direito das crianças e adolescente com TEA a uma educação que respeite e consi-
dere suas limitações, que com novas pesquisas surgirão métodos de intervenção de
aprendizagem que visem atendê-los.
Sendo assim, o intuito da pesquisa no Ensino da Cartografia tem como fina-
lidade possibilitar para as crianças e adolescentes com TEA a oportunidade de mos-
trar suas próprias formas de expressão, bem como, as suas experiências de vida. Para
isso, corroborando com Seemann (2006), quando esse elucida que as pesquisas au-
mentaram consideravelmente no âmbito da Cartografia, entretanto, poucos trabalhos
abordam a questão da representação espacial por crianças. Desta forma, percebe-se
mais uma vez a necessidade de pesquisas para esse público, e em especial crianças e
adolescentes com TEA.

Educação inclusiva no Brasil


Diante da trajetória histórica do Brasil no que tange a educação e especifica-
mente a educação especial, Pletsch (2010), reafirma que começou a se constituir no
final do século XVIII, as instituições especializadas para surdos e cegos nas sociedades
ocidentais. No Brasil só irá expandir no século XIX, quando os primeiros atendimen-
tos oficiais acontecem no período imperial monárquico, com o Imperial Instituto dos

269
DIÁLOGO FREIRIANO

Meninos Cegos, o atual Instituto Benjamin Constant (IBC) no Rio de Janeiro, na ca-
pital do Império. Três anos depois, também no Rio de Janeiro, surge o Imperial Insti-
tuto dos Surdos-Mudos, posteriormente Instituto Nacional de Educação de Surdos
(INES). Assim, se faz importante ressaltar, que a implantação desses Institutos, ocor-
reram de forma isolada, no período que não havia Legislação e ou Diretrizes para a
educação.
Como descreve Ribeiro (2003) que na história do atendimento a pessoas ex-
cepcionais (como eram chamados na época) dominava-se a filosofia da eugenia, mo-
mento em que consideravam que essas pessoas tinham que ser pois repre-
sentavam transtorno para sociedade. Já com a doutrina cristã, passou a haver a
caritativa, por serem de no entanto, ficavam segregados
e por outro lado, no mesmo período, acreditavam que as causas dos problemas dos
excepcionais estavam ligadas a dos
Na idade moderna, predominou-se o caráter humanista, a pessoa excepcio-
nal era vista aos da medicina, surgindo estudos voltados para os aspectos orgâ-
nicos. No século XX contextualiza-se pelo enfoque médico-terapêutico, nesse mesmo
momento, há interesse com a educação desses indivíduos em instituições segregadas.
E no Brasil, no mesmo século, o viés médico-pedagógico, ocorrendo à dependência
do laudo médico. (RIBEIRO, 2003).
As primeiras ações para atender as pessoas com necessidades especiais a
princípio eram de iniciativa particular, sejam para atender debilidades físicas, senso-
riais ou mentais. No entanto, essas iniciativas não estavam às políticas pú-
blicas de educação. Para isso, Pletsch (2010) elucida que na Constituição de 1946, a
educação passa ser um direito universal, e nesse mesmo período, foram criadas as pri-
meiras classes especiais, ocorrendo à separação dos sujeitos ditos dos
com uma ideia homogeneizadora. Ainda nesse momento, o atendimento
prestado às pessoas deficientes estava pautado no tratamento médico e da correção da
deficiência orgânica e/ou física, o foco maior era para o atendimento clínico, não ha-
vendo preocupação com a educação desses sujeitos.
Menezes (2012) reafirma que a princípio no Brasil o atendimento aos indi-
víduos com deficiência não era definido como uma proposta educacional, e sim o foco
estava na deficiência, tendo como princípios as terapias: psicológica, fonoaudiológica
e fisioterápica, pouca era a importância que se dava para as atividades acadêmicas.
Assim, competiam às instituições privadas a educação das pessoas deficientes, com
apoio financeiro de verbas públicas, demonstrando que o Estado não assumia a res-
ponsabilidade plena com a Educação Especial.

270
DIÁLOGO FREIRIANO

Surge então, na metade do século XX campanhas e Associações, como a: As-


sociação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), que tiveram um papel relevante
no atendimento dos deficientes (são, portanto, Instituições filantrópicas-assistencia-
listas que prestam serviço gratuito, financiado com dinheiro público). Somente na dé-
cada de 90, com a Secretária de Educação Especial (SEESP), e hoje Secretária de Edu-
cação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), que serão elabo-
radas importantes diretrizes institucionais, com parâmetros e orientações à educação
dos alunos com necessidades educacionais especiais.
Dentro de um cenário de diversos problemas extraescolares e intraescolares
que está inserida a educação brasileira, e a inclusão de alunos dotados de habilidades
especiais não deixam de fazer parte dessa realidade. Infelizmente, ainda hoje, o que se
ver são políticas pautadas em dados quantitativos, em modelos internacionais de edu-
cação e muitas das vezes preocupados com o número de alunos inseridos nas escolas,
sem suporte que venha suprir suas reais necessidades. Assim, pode-se ressaltar como
Pletsch (2011) que a exclusão se faz de acordo com as condições culturais do aluno, e
infelizmente também ocorre dentro da escola, mesmo que seja forjado, o que permite
dissimular a exclusão social que é construída no exterior da escola, mas que é refor-
çado com o ideário do esforço pessoal, afirmando que no desenvolvimento,
depende do aluno, responsabilizando-o pelo seu
A realidade da educação brasileira tem vários problemas sociais, econômicos
e políticos, assim, como a falta de profissionais qualificados, condições estruturais, sa-
lariais que venham dar um suporte de base, atendendo a demanda mínima para edu-
cação, seja ela especial ou não. Ainda de acordo com Pletsch (2011) é nesse contexto
sucintamente explicitado, que se encontra a educação brasileira, considerando que na
década de 90, ocorreu um boom nas políticas de inclusão social, adquirindo espaço
nas diretrizes educacionais brasileiras, conceituando todos os transtornos que deno-
minam pessoas com necessidades especiais, em um único termo de Educação Inclu-
siva no ensino regular comum, sejam deficiências físicas, alterações sensoriais (como
auditiva, visual), deficiência mental/ intelectual, deficiências múltiplas, altas habilida-
des, transtorno global do desenvolvimento, nesse incluindo, o autismo e Síndrome de
Asperger, hoje considerando-os Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Ainda de acordo com o debate acima exposto, afirma-se que os pressupostos
da educação inclusiva foram incorporados pelo Ministério da Educação em 2001. As-
sim, Pletsch (2011, p.11) expõe que os educandos com necessidades especiais devem
ser incluídos nas classes regulares com o devido apoio pedagógico, como se pode ana-
lisar a seguir:

271
DIÁLOGO FREIRIANO

A partir dessas diretrizes, a educação inclusiva passou a fomentar o discurso e as


práticas educacionais nas quais os alunos com deficiências e outras condições atípi-
cas do desenvolvimento deveriam ser matriculados em classes regulares, com o su-
porte da Educação Especial (complementar ou suplementar), que poderia ocorrer
em sala comum com apoio do professor ou no contra turno em sala de recursos.
(PLETSCH, 2011, p. 11)

A singularidade da inclusão escolar de crianças com Transtorno do Espectro


Autista (TEA), diante da pluralidade que envolve o assunto, fazendo assim, uma in-
tersecção entre o transtorno e a Educação Inclusiva. Deste modo, Giardinetto (2009),
reafirma que o melhor tratamento para criança com TEA é a educação, e que os obje-
tivos educacionais não diferem das outras crianças que não apresentam TEA, assim,
as potencialidades e competências devem ser estimuladas, buscando um equilíbrio e
um bem-estar biopsicossocial, aproximando esses indivíduos da sociedade.

Cartografia Escolar e o Ensino de Geografia


As representações cartográficas apresentam-se como uma importante forma
de expressão espacial a ser inserida nas aulas de Geografia, estando presente em vários
conceitos da ciência geográfica, tais como: espaço, território, região, paisagem, lugar.
Constituindo um elemento com linguagem gráfica para os professores de Geografia.
Assim, a Cartografia Escolar vem se destacando como área de pesquisa no
Brasil e sendo consolidada pelos Colóquios de Cartografia para Crianças e Escolares
desde 1995, apresentando-se como elo entre Cartografia, Educação e Geografia. Con-
siderando que diante da Cartografia podem-se abordar os conceitos geográficos, in-
ter-relacionados à educação, a estrutura do currículo e a formação docente, bem como
a Geografia e os conceitos socioespaciais.
Fazendo um paralelo com Ensino da Cartografia, é importante que se esta-
beleça uma relação com o ensino-aprendizagem propostas para os estudantes, indo
além da reprodução de conceitos prontos, dos manuais didáticos, onde os discentes
são vistos apenas como depósitos de ou meros reprodutores de mapas, que
muitas das vezes podem não ter nenhuma relação com a realidade em que estão inse-
ridos. Assim, faz-se necessário elucidar o acima exposto com as ideias de Harley
(1989, p.1):

Nossos estudantes podem hoje ser conduzidos para escritos que esboçam as ideias
da teoria da informação, linguística, semiótica, estruturalismo, fenomenologia, teo-
ria desenvolvimentista, hermenêutica, iconologia, marxismo e ideologia [...]. Então
a despeito destes sintomas de mudanças, nós somos ainda, querendo ou não, os pri-
sioneiros de nosso próprio passado.

272
DIÁLOGO FREIRIANO

Assim, é possível perceber como se torna importante às representações grá-


ficas dos educandos, podendo com isso, trabalhar conceitos sociais para uma forma-
ção crítica-cidadã através do Ensino. Dentro desse contexto, Seemann (2002, p.1) res-
salta: cartografia como uma linguagem na sala de aula está ganhando
cada vez mais espaço nas metodologias dos um Ensino que supera a
mera cópia de mapas, reprodução vazia de significados para o estudante, não permi-
tindo que esses os compreendam e os inter-relacionem com a sua realidade social.
No século XVIII, a Cartografia era vista como um campo do conhecimento
dotado por um conjunto de regras, com a finalidade de dominar a técnica de produ-
ção de mapas. E os europeus tinham como propósito promover um modelo científico
padrão, envolvendo termos matemáticos, de observações sistemáticas, oferecendo,
desta forma, uma única (HARLEY, 1989, p.1).
Ainda de acordo com Harlley (1989) a Cartografia era concebida através dos
fatos objetivos, cálculos, medições e convenções, abrangendo a produção estritamente
tradicional, não contemplando, dessa maneira, a diversidade simbólica que pode exis-
tir na criação das representações espaciais. Harley (1989) relata a importância de re-
pensar a dos mapas em diferentes perspectivas. Para Seemann (2012) a pro-
dução dos mapas, se importava mais com os métodos e práticas que os definiam, as-
sim, para o autor torna-se necessário para se fazer Cartografia buscar formas alterna-
tivas de repensar os espaços, lugares e territórios. Neste momento, ainda elucidando
com os pensamentos de Seemann (2012) sobre o que seria a Cartografia quando esse
relata que:

Em vez de ver a cartografia como técnica esotérica para os aptos em matemática e


engenharia, como língua culta para os mais cultos e como um conjunto de ferra-
mentas especializadas que espantam até o último interessado em mapas, precisamos
mergulhar no mundo fascinante das representações cartográficas e olhar além das
suas aparências para alcançar os professores e outros com curiosidade po-
tencial de querer saber de mapas. [...] Quero mostrar que a cartografia é inteira-
mente humana e faz parte da nossa prática social: queiramos ou não, somos mape-
adores da realidade, alguns mais e outros menos. (SEEMANN, 2012, p. 13-14).

Desde a pré-história, o homem já fazia uso da Cartografia para mapear seus


espaços, mesmo que mentalmente, para posteriormente delimitar e conquistar os ter-
ritórios. Neste sentido, vale a reflexão que os mapas (mesmo que voláteis) estão pre-
sentes em vários segmentos da sociedade há milhares de anos. Logo, o homem desde
os tempos mais remotos, utilizava-se de representações espaciais para se organizar no
espaço, e com a tal processo torna-se cada vez mais frequente, utilizando-

273
DIÁLOGO FREIRIANO

se, consequentemente, dos mapas para diferentes fins, especialmente no que se refere
às relações de poder sobre os espaços. Desse modo, Oliveira (2010, p. 16) endossa que:

O homem sempre desenvolveu uma atividade exploratória do espaço circundante e


sempre procurou representar esse espaço para os mais diversos fins. Para movimen-
tar-se no espaço terrestre, mesmo em trajetos curtos, houve necessidade de registrar
os pontos de referência e armazenar o conhecimento adquirido da região. O mapa
surge, então, como uma forma de expressão e comunicação entre os homens. Esse
sistema de comunicação exigiu, desde o início, uma e, consequentemente,
uma dos significantes expressos.

Harley (1989, p.2) irá destacar a importância de transcender aos conteúdos


pré-estabelecidos, na visão de uma Cartografia rígida, dotada apenas de técnicas, sím-
bolos, códigos universalizados, que exalta a das exaltada em toda
Deve-se perceber que a grande maioria dos mapas disponíveis para o público
em geral é construído sob a ótica da Cartografia Cartesiana, talvez de forma demasia-
damente técnica, servindo apenas na busca de obter conhecimento territorial, descon-
siderando uma Cartografia que contemple elementos do cotidiano do indivíduo,
tendo, assim, um real significado.
Assim, é importante ressaltar que o ato de cartografar envolve processos cog-
nitivos de abstração, pois constitui uma análise mental, para, posteriormente, ser ex-
pressa através de elementos gráficos representados através de cartas, plantas, mapas,
perfis topográficos, maquetes, croquis e outros. Assim sendo, apresenta-se como a
forma já delimitada para se espacializar e transmitir informações ou fenômenos da
superfície terrestre. Mais uma vez Seemann (2003, p.50) elucida que: Os geógrafos
precisam ver os mapas como linguagem [carto]gráfica: uma forma de comunicação
que deve fazer parte do nosso Para este autor, deve-se enfatizar
menos o radical (que seria o sentido mais técnico Cartografia) para um en-
tendimento de representação cartográfica como ampla de
Assim, uma Cartografia menos língua (com vocabulário e gramática fixas) e
mais linguagem (forma de expressão humana livre de convenções pré-estabelecidas).
Podendo-se afirmar que o mapa é uma forma de expressão considerada, sobretudo,
como uma linguagem gráfica, dotada de significantes e significados e que, para a in-
terpretação dos seus signos gráficos, utilizam-se processos de abstração (habilidades
cognitivas superiores). O signo é algo que representa o seu próprio objeto e possuí
dois aspectos: o significante e o significado. O significante corresponde o aspecto con-
creto (material) do signo. O significado é o aspecto imaterial, conceitual do signo (SI-
MIELLI, 2010).

274
DIÁLOGO FREIRIANO

Para Santos (2012) a Cartografia deve ser compreendida como constru-


ção social, não como algo pronto, acabado e estático. A Cartografia não é meramente
um amontoado de técnicas, ela constrói, e reconstrói e acima de tudo revela informa-
(SANTOS, 2012, p.11-12). Com isso, deve-se considerar uma Cartografia que
vai além da técnica, bem como suscita sentimentos, cultura, arte, estando envolvidos
processos cognitivos de expressão e espacializações de experiências, ou seja, dotadas
de representações cartográficas mentais e abstratas, intrínsecas aos indivíduos.
Dentro do Ensino de Geografia tem-se debatido em torno da Alfabetização
Cartográfica, refletindo sua importância para o currículo de geografia, no entanto,
mais do que um currículo se faz necessário uma definição clara dos conteúdos a serem
trabalhados, buscando correlacioná-los ao cotidiano dos alunos, dando-lhes signifi-
cados reais, na busca de um objetivo.
Assim como a criança é estimulada para alfabetização da leitura, ela deverá
ser estimulada para fazer a leitura do mundo, pois a Geografia está em todos os luga-
res. Logo, a Alfabetização Cartográfica proporcionará ao aluno a desenvolver habili-
dades que o capacite ir além da leitura escrita. A proposta da Alfabetização Cartográ-
fica segundo os autores Passini, Carneiro e Nogueira (2014, p.3): uma proposta que
considera o aluno como um sujeito na construção do conhecimento e habilidades de
ver o espaço, representá-lo e tornar-se leitor crítico para nele atuar como cidadão
Os autores ainda enfatizam que a Alfabetização Cartográfica uma pro-
posta metodológica que considera o aluno um sujeito no espaço: vê e compreende,
compreende e representa, representa e
Para que o aluno chegue ao 6º ano torna-se
necessário que ele já seja estimulado desde as séries iniciais, assim, de acordo com
Passini (1999, p.126, grifo da autora) deve-se buscar uma eficiente da lin-
guagem cartográfica como meio para uma leitura dos fenômenos geográficos em suas
relações espaciais e A criança deve ser inserida desde a educação infantil
em atividades que a desenvolva, bem como, proporcionem habilidades que a auxilia-
rão posteriormente na leitura/representação/compreensão de um mapa, mesma
forma, que a língua escrita representa uma ferramenta para o entendimento do
(PASSINI, 1999, p.126). Dessa forma, torna-se necessário a cri-
ança para leitura das representações cartográficas.
Santos (2013) considera que um aluno que se encontra nas séries iniciais,
não terá a mesma maturação cognitiva que um aluno que se encontra no Ensino Mé-
dio, ressaltando que esse é um fator relevante a ser considerado na relação da Carto-

275
DIÁLOGO FREIRIANO

grafia e o Ensino de Geografia. Almeida (1999, p. 133) considera o Ensino da Carto-


grafia na Educação Geográfica como principal que deve iniciar desde os
primeiros ciclos como introdução à Educação Cartográfica que permearia todo o En-
sino Fundamental.
Ainda de acordo com Santos (2013) que corrobora com o trabalho de Simi-
elli3 (1986, 1996 e 1999) no momento que a autora aponta os diferentes níveis de
aprendizagem do mapa para os respectivos anos do Ensino Fundamental e Médio:

 Alunos de 1ª à 4ª serie (2º e 5º) séries do Ensino Fundamental devem trabalhar ba-
sicamente com a Isso porque esse e o momento em que
o educando começa a se familiarizar com os elementos de representação gráfica
para, posteriormente, trabalhar efetivamente com a representação cartográfica.
 Alunos de 5ª à 8ª (6º a 9º) séries do Ensino Fundamental devem trabalhar, eventu-
almente, com a alfabetização na 5ª e na 6ª (6º e 7º) séries, mas já têm condições de
ocupar-se com a análise, a localização e a correlação.
 Alunos do Ensino Médio têm condições de trabalhar com análise - localização, com
a correlação e com a síntese. (SANTOS, 2013, p. 73).

Assim, a Alfabetização Cartográfica contribuirá não apenas com a escolari-


zação, ou como apenas reprodutores de mas sujeitos atuantes, trans-
formadores, críticos e ávidos por novas possibilidades de transformações sócio-espa-
ciais. Martinelli (1999) reforça e concorda com a prática de um processo metodoló-
gico de Alfabetização Cartográfica, bem como, enfatiza a importância desse recurso
na concepção de uma educação que contribua na formação cidadã. Deste modo, a
Alfabetização Cartográfica nas séries iniciais desempenhará um papel importante
para que o aluno compreenda/decodifique e faça representações Cartográficas domi-
nando os princípios da linguagem gráfica.
Não há intenção de se trabalhar com círculos concêntricos com os educan-
dos, percorrendo o espaço de forma linear, da maior escala cartográfica para menor
escala, mas fazê-los entender que as escalas interagem entre si, que não estão isoladas.
Com isso, o professor de forma contextualizada poderá auxiliar os educandos fazerem
análises do espaço em multideterminações e interconexões, como é apontado por Pas-
sini, Carneiro e Nogueira (2014).
Nos primeiros anos do ensino fundamental, tende-se a trabalhar o espaço de
forma linear, partindo do bairro, município, estado. De acordo com Cavalcanti
(2010), há desde o final do século XX ressalvas a essa abordagem dos círculos concên-
tricos e deve-se superar essa perspectiva, trabalhando com as crianças que os espaços

3
Ressaltando que essas etapas resumidas por Simielli (1981), apontadas por Santos (2013), foram
detalhadas por Rimbert (1964) e Libault (1971).

276
DIÁLOGO FREIRIANO

que elas vivenciam estão em consonância com a produção dos espaços maiores. As-
sim, perceber diferenciações, fazer comparações e compreender processos
que evidenciam as relações entre o local e o global. (CAVALCANTI, 2010, p.7). Con-
tudo, proporcionar a criança pensar o espaço em diferentes escalas geográficas, desde
o e experienciado, deixando claro que estará em constante relação
com o espaço mais amplo, global. Reportando-se ao conceito de as
autoras Pontuschka, Paganelli e Cacete (2009) explanam esse conceito dentro da Ge-
ografia na perspectiva da:

A análise do espaço vivido, das cartas mentais, dos mapas, inscreve-se numa proble-
mática desenvolvida ao longo da década de 70 do século passado, constituindo uma
abordagem da Geografia da percepção, ou Geografia das representações, ou ainda
Geografia comportamental. Tal analise procura conhecer o do isto
é, as qualidades subjetivas que os indivíduos dão aos lugares e que orientam suas
práticas sociais. Pode-se falar de uma uma vez que ela trabalha
sobre a experiência e o imaginário pessoal. Para a Geografia da percepção, a arte, a
literatura, o cinema são instrumentos uteis para (PONTUSCHKA, PAGA-
NELLI, e CACETE, 2009, p. 314.).

Deve-se salientar que o conceito de é trabalhado pela geo-


grafia humanística, por autores como Tuan (1983, p. 151), retratando que espaço
se transforma em lugar à medida que adquire definição e nesse sentido,
o lugar é o espaço que possui significado para as pessoas que vivem nele, das relações
intrínsecas que são estabelecidas, como o próprio lar. O autor afirma que: lar é um
lugar íntimo. Pensamos na casa como lar e (1983, p.160). Desta forma, o lugar
está vinculado a sentimentos e a laços de pertencimento, de
Os autores Castro, Gomes e Corrêa (2010, p. 30) trazem como referência
Tuan (1979), como, nas suas considerações sobre o estudo do que:
para além da evidência sensorial e das necessidades imediatas e em direção
a estruturas mais E ainda citam Horlzer (1992, p. 32) para se reportarem
ao conceito geográfico, quando diz que:

O espaço vivido é uma experiência contínua, egocêntrica e social, um espaço de mo-


vimento e um espaço-tempo vivido... (que)... se refere ao afetivo, ao mágico, ao ima-
ginário. Assim, percebe-se que a representação do cotidiano está intimamente re-
lacionada à percepção única que o indivíduo tem do mundo, carregadas de senti-
mentos e de cultura. (HORLZER, 1992, p. 32 apud CASTRO, GOMES e CORRÊA,
2010, p. 30)

Elucidando essa relação do homem com o lugar como a autora Carlos (2007,
p. 20): lugar é o mundo do vivido, é onde, formulam-se os problemas da produção
no sentido amplo, isto é, o modo onde em que é produzida a existência social dos seres

277
DIÁLOGO FREIRIANO

A mesma autora ainda corrobora que cada lugar à base de reprodução


da podendo ser analisado segundo a mesma autora pela tríade: habitante
identidade lugar que possui função própria, envolvendo elementos como cultura,
tradição, língua, hábitos que são inerentes a cada indivíduo. O passível de ser
sentido, pensado, apropriado e vivido através do (CARLOS, 2007, p. 17).
Na perspectiva do olhar de Santos (2006, p. 218), o lugar, conceito esse inti-
mamente relacionado ao conceito de corresponderia que o lugar é:

[...] um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e instituições -


cooperação e conflito são a base da vida em comum. Porque cada qual exerce uma
ação própria, a vida social se individualiza; e porque a contiguidade é criadora de
comunhão, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espon-
taneidade. O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe
vêm solicitações e ordens precisas de ações condicionadas, mas é também o teatro
insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação comunicativa, pe-
las mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade. (SANTOS,
2006, p. 218)

Ainda elucidando essa relação intrínseca, social e histórica do homem com


o seu lugar que Callai (2005, p. 243) muito bem corrobora que:

Cada lugar tem uma força, uma energia que lhe é própria e que decorre do que ali
acontece. Ela não vem de fora, nem é dada pela natureza. É resultado de uma cons-
trução social que se dá na vivência diária dos homens que habitam o lugar, resultado
do grau de consciência das pessoas como sujeitos do mundo onde vivem e dos gru-
pos sociais que constituem ao longo de sua trajetória de vida.

Sendo assim, faz-se importante lembrar que dentro de uma escola estão en-
volvidos mais do que conteúdos acadêmicos, mas sim, valores que são importantes na
formação biopsicossocial do indivíduo, ou seja, ver o indivíduo como um todo e não
somente como mero depósito de saberes, como se os discentes fossem va-
sem uma história, valores, costumes e cultura. Ainda de acordo com Callai
(2005, p. 244): capacidade de representação do espaço vivido, se esta for desenvol-
vida assentada na realidade concreta da criança, pode contribuir em muito para que
ela seja alfabetizada para saber ler o Assim, mais uma vez reforça-se que a
escola também é um lugar de construção e (re)significação para os sujeitos.
Para o desenvolvimento de uma criança, as experiências são muito impor-
tantes e se fazem imprescindíveis o contato e a experimentação com os elementos que
compõe o seu Desta forma, a aprendizagem na infância se dá princi-
palmente através das vivências concretas. Todavia, é necessário que a criança explore

278
DIÁLOGO FREIRIANO

o objeto, tocando-o, manipulando-o. Com isso, para vivenciar o espaço, não seria di-
ferente, ou seja, é preciso que se explore e vivencie-o, para que, assim, possa apreendê-
lo.
Relembrando a forma que o homem pré-histórico explorou o espaço geo-
gráfico e que o auxiliou no seu processo de dando-lhe condições de so-
brevivência na Terra, afirma-se que é através de suas experiências e vivências do es-
paço circundante, que permitiu o seu desenvolvimento. Mas nesse momento, faz-se
importante, corroborar com as ideias de Cavalcanti (2005) que reforça ao citar Pino
(2001) que:

Não é na mera manipulação de objetos que a criança vai descobrir a lógica dos con-
juntos, das relações e das classificações; mas é na convivência com os homens que
ela descobrirá a razão que os levou a conceber e organizar dessa maneira as coisas.
Evidentemente, nesse processo de apropriação cultural o papel mediador da lingua-
gem (a fala e outros sistemas semióticos) é essencial. (PINO, 2001, p. 41 Apud CA-
VALCANTI, 2005, p. 190).

Assim sendo, Seemann (2002, p. 7) endossa que: criança, os seres hu-


manos aprendem e constroem suas relações espaciais sob as devidas condições esti-
mulantes para a aprendizagem Com isso, reforça-se a importância cultural e social
no processo de desenvolvimento das funções mentais superiores.

A educação inclusiva na rede pública de Duque de Caxias/RJ


O Município de Duque de Caxias está localizado na região metropolitana do
Estado do Rio de Janeiro, situando-se na Baixada Fluminense. Faz limite com sete
municípios: Nova Iguaçu, São João de Meriti, Belford Roxo, Petrópolis, Miguel Pe-
reira, Magé e Rio de Janeiro. E de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Ge-
ografia e Estatística (IBGE, 2010), o contingente populacional da Baixada Flumi-
nense (compreendendo seus 13 municípios) é de 3.651.771 habitantes, sendo que, o
município de Duque de Caxias representa quase um quarto do todo, com uma popu-
lação de 855.048 em uma área territorial de 467,620 km².
O município de Duque de Caxias, como os demais municípios da Baixada
Fluminense apresenta baixo Índice de Desenvolvimento humano (IDH) de 0.711,
sendo o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) de 4,5 em 2015. A

279
DIÁLOGO FREIRIANO

meta do município para o mesmo ano foi de 4,7, porém, abaixo do esperado para mé-
dia nacional que seria de 6,0. Nesse momento, torna-se necessário destacar que o
4
IDEB é calculado com base na e nos dados de aprovação.
O município de Duque de Caxias tem 175 escolas, compreendendo desde a
Creche-Escola, Ensino Infantil e Ensino Fundamental primeiro e segundo segmento.
Além das escolas, o município ainda possui classes especiais, em seu total de 106 clas-
ses; dispõe de 132 salas de recursos5 e não tem nenhuma escola especial, estando todos
os alunos inclusos/inseridos em escolas regulares de acordo com os dados dispostos
no site da Secretaria Municipal de Educação (SME- DC).
Segundo o levantamento realizado no Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais INEP (2017)6 há no município de Duque de Caxias um total de
77. 284 mil alunos matriculados, sendo que desses alunos temos 2.700 na Educação
Especial e 74. 584 no ensino regular. No Quadro 01 abaixo segue a síntese dos dados
correspondentes à educação no município:
Quadro 01 Dados educacionais do Município de Duque de Caxias
Total de Escolas Total de Alunos Total de alunos no Total de Alunos na Educação Especial
na rede Matriculados Ensino Regular em Classes especiais e incluídos
175 77.284 74.584 2700
Fonte: INPE e SME-DC

De acordo com Plano Municipal de Educação - PME DC (2015), a Educa-


ção Especial tornou-se vigente no município em 1979, sendo um dos pioneiros a im-
plementar esse serviço de assistência aos educandos com necessidades especiais. Ini-
cialmente em caráter de serviço de Orientação Educacional, atendendo a grande de-
manda de estudantes com mais de três anos de retenção nos anos iniciais. Assim, fo-
ram estabelecidas as classes especiais para estudantes com deficiência auditiva (pes-
soas surdas) e os estudantes com deficiência mental (como eram denominados na
época).

4
A Prova Brasil e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) são avaliações para
diagnóstico, em larga escala, desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep/MEC). Tem o objetivo avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema

disponível em: http://portal.mec.gov.br/prova-brasil. Acesso em: 28/03/2017.


5
De acordo com o Ministério da Educação Secretária de Educação Especial A implantação das Salas de
Recursos Multifuncionais nas escolas comuns da rede pública de ensino atende a necessidade histórica
da educação brasileira, de promover as condições de acesso, participação e aprendizagem dos alunos
público alvo da educação especial no ensino regular, possibilitando a oferta do atendimento educacional
especializado, de forma não substitutiva à escolarização (BRASIL, 2010)
6
Fonte: http://matricula.educacenso.inep.gov.br/controller.php

280
DIÁLOGO FREIRIANO

A pesquisa ocorre em duas escolas7 do município de Duque de Caxias, a Es-


cola Municipal POTO e a Escola Municipal GS, compreendendo ao ensino funda-
mental segundo segmento, ambas se encontram no primeiro distrito. A escola Muni-
cipal POTO conta com 1580 alunos, sendo 86 alunos com necessidades especiais,
além de contar com 109 professores (incluindo os de licença), desses professores são:
cinco são de Geografia; dois no AEE/SR e quatro na classe especial.
Já a escola Municipal GS Essa unidade conta com 525 alunos, correspon-
dendo a 2 turmas de Educação Infantil, 13 turmas de Ensino Fundamental Primeiro
Segmento e 8 turmas de Ensino Fundamental Segundo Segmento, totalizando 23 tur-
mas. Atualmente são 23 alunos matriculados com necessidades especiais. Dentre as
deficiências, de acordo com as informações cedidas pela Orientadora Pedagógica, en-
contram-se alunos com: Intelectual, Síndrome de Down, Autismo, Defi-
ciente Dentre os professores totalizam 28, sendo apenas 2 de Geografia e 1
professora na educação especial.
A pesquisa de campo se desenvolve em dois momentos: primeiramente ini-
ciou-se fazendo o levantamento das escolas do Município de Duque de Caxias que
tem alunos com autismo, junto a Secretária Municipal de Educação SME-DC. No
segundo momento, realizou-se o contato com as escolas e se iníciou as observações
dos alunos na sala de recurso, para em seguida, realizar as atividades propostas na
perspectiva da Cartografia no Ensino de Geografia. As atividades foram registradas
da seguinte forma: Fotos e caderno de campo (onde foram feitos os registros de
campo).
Participaram dessa pesquisa sete alunos, 2 alunos na E. M. GS. e 5 alunos na
E. M. POTO, todos são alunos do ensino fundamental segundo segmento. Nesse mo-
mento, reforça-se que a rede municipal de Duque de Caxias não apresenta escola ex-
clusiva para alunos com autismo, esses alunos encontram-se matriculados no Ensino
Regular, realizando Sala de Recurso no contra turno. Segundo a política pública edu-
cacional do município, esses alunos são no Ensino Regular.
Devido ao número de alunos com autismo matriculados no Ensino Funda-
mental séries finais, não foi possível fazer um recorte específico de um ano (série),
assim, dos sete participantes, cinco são alunos do sexto ano, dois alunos do sétimo
ano. Nesse momento, pode-se enfatizar com o dado levantado por Pletsch (2016, p.
88) quando a autora aponta que na análise realizada por seu grupo de pesquisa: Ob-
servatório de Educação Especial e inclusão escolar: práticas curriculares e processos de

7
Reserva-se a não divulgar o nome das escolas.

281
DIÁLOGO FREIRIANO

ensino e aprendizagem constou-se que a maioria das matrículas do público alvo da


Educação Especial ocorre nos anos iniciais do ensino fundamental, fato esse eviden-
ciado nos dados levantados também nessa pesquisa. No Quadro 028 abaixo, elaborado
para fins dessa pesquisa, seguem alguns dados dos alunos participantes:
Quadro 02 - Alunos da Rede Pública Municipal de Duque de Caxias participantes da pesquisa
Aluno Ano Idade
M 6º 12 anos
N 7º 13 anos
G 6º 12 anos
LM 7º 14 anos
L 6º 12 anos
H 6º 13 anos
JV 6º 12 anos
Fonte: Silva (2017)

Os Mapas mentais dos alunos autistas nas escolas municipais de Duque de Caxias
A metodologia aplicada nessa pesquisa, com os alunos participantes, usou
como base a proposta de análise feita por Simielli (1999)9, segundo a autora, para que
ocorra a Alfabetização Cartográfica, torna-se importante o desenvolvimento de no-
ções como pode se visualizar na Figura 01 do fluxograma abaixo elaborado por Simi-
elli (1999, p. 100) autora:
Figura 01 Alfabetização Cartográfica

Fonte: Simielli (1999, p. 100)

8
Com a finalidade de resguardar a identidade dos alunos participantes, forma utilizadas as iniciais dos
seus respectivos nomes.
9
Esse trabalho está publicado em: SIMIELLI, Maria Helena Ramos. Cartografia no ensino fundamental
e médio. In. A Geografia em sala de aula/ organizadores Ana Fani A. Carlos. 3. Ed. São Paulo: Contexto,
2001.

282
DIÁLOGO FREIRIANO

A proposta de Simielli (1999), assim como, Castellar e Vilhena (2010) é que,


através das noções cartográficas, torna-se possível desenvolver o raciocínio espacial
do aluno. Para Castellar e Vilhena (2010, p. 25) por meio do Cartográ-
10
, é possível desenvolver concepções como noções de: ponto e linha; escala
e proporção; legenda; visão vertical e obliqua; imagem bidimensional e tridimensio-
Ainda assim, as autoras reforçam a necessidade de usar o corpo como ponto de
referência.
Dessa forma, a concepção desenvolvida na pesquisa é proporcionar ao aluno
uma percepção cartográfica, desmitificando a cartografia-desenho, abordando uma
cartografia como um meio de comunicação e representações cartográficas, assim, ofe-
recendo ao educando autista diferentes recursos visuais, versando os conceitos carto-
gráficos, para que seja possível posteriormente apreendê-los através dos mapas men-
tais desses alunos. Ressaltando que a linguagem visual é um facilitador no processo de
apreensão da aprendizagem pelo aluno.
Santos (2013) reforça a necessidade de versar sobre a alfabetização cartográ-
fica nas séries iniciais do ensino fundamental, devido à importância para percepção
do espaço de vivência da criança, como também, na construção dos valores e atitudes,
dessa forma, o autor elucida que aluno precisa apreender os elementos básicos da
representação gráfica/cartográfica para que possa, efetivamente, ler o mapa. (SAN-
TOS, 2013, p.199), assim como, ocorrerá na concepção desenvolvida nessa pesquisa.

As atividades gráficas desenvolvidas na pesquisa


Essa pesquisa se desenvolve através das representações mentais dos alunos
com autismo, analisando-as como um recurso importante e colaborador para o en-
sino e aprendizagem da Geografia para o público alvo da Educação Especial, não so-
mente como objeto de reprodução. Seemann (2012, p. 158) esclarece que desenhos
expressam emoções, preocupações e opiniões que as crianças dificilmente poderiam
descrever através de O autor ainda reforça a necessidade de se ler
os mapas produzidos por essas crianças, pois eles revelam seus conhecimentos
e suas identidades. Nesse contexto, segue abaixo duas atividades desenvolvidas na pes-
quisa.

10
No que refere os conceitos de Alfabetização Cartográfica e Letramento Cartográfico, são conceitos que
se complementam, apesar de alguns autores diferenciá-los, como: Passini (1999), Almeida (1999) e
Martinelli (1999).

283
DIÁLOGO FREIRIANO

Atividade - Mapa mental


Através do mapa mental, pode-se observar se o aluno tem percepção do es-
paço vivenciado por ele, e se tem a capacidade de abstrair, transpondo para o papel,
assim, pode analisar alguns elementos essenciais para a Cartografia Escolar através da
linguagem gráfica. Como nas concepções de Passini (1999, p. 127) que destaca a im-
portância de os alunos representarem os espaços experienciados e percebam as rela-
ções existentes, como o que é igual/diferente, o sentido de ordem e proporção, consi-
derando que não sai perfeito em sua projeção e proporção, mas é o desenho
na ótica do Assim como, abordam Castellar e Vilhena (2010) a importância
dos mapas mentais, pois será através dessas representações que observamos as con-
cepções que o aluno tem do espaço e as noções que possui sobre proporção, conside-
rando que os desenhos são o ponto de partida.
Assim, no momento dessa atividade foi indagado se eles sabiam o que era
um mapa. Alguns alunos disseram: mapa do outro disse: estudo isso
em Perguntei se poderíamos montar um mapa da nossa casa, alguns fica-
ram pensativos, outros com dificuldade de abstrair a pergunta, e assim, expliquei que
poderíamos. Em seguida fui perguntando: Como é sua casa? E complementei: Eu não
sei.... Como posso saber se não tenho um mapa? E os deixei livre para desenharem.
Dessa forma, foi lhes entregue: uma folha de papel A4, lápis e borracha. Em um grupo
de determina escola, um dos alunos solicitou uma régua, o que despertou o interesse
dos demais alunos, que também fizeram a mesma solicitação. A seguir a Figura 02
representa o Mapa mental realizado por M aluno do 6º ano da E. M. GS.
Figura 02 - Mapa mental realizado por Miguel 6º ano

Fonte: Silva, 2017.

284
DIÁLOGO FREIRIANO

Pode-se analisar que aluno foi capaz de representar duas casas que constam
no mesmo terreno, a casa da avó (onde ele mora) e a casa do primo. Representou a
casa dividida em cômodos com os respectivos mobiliários. O aluno quando indagado
sobre seu desenho, foi nomeando-os e sinalizando detalhes como: a casa do seu ca-
chorro e do cachorro do primo. Pode-se inferir a capacidade de organização, abstra-
ção e a harmonia de proporção, além da representação na perspectiva vertical em sua
simbolização.
A seguir, pode-se visualizar na Figura 03, a representação mental de outro
aluno com autismo no 7º ano, ao pedi-lo para fazer um mapa da sua casa, o aluno
representa sua rua, com a sua casa, dos vizinhos e aquilo que tem algum significado
para ele, enfatizando que cada indivíduo representa de acordo com sua vivência. Ob-
serva-se na sua representação, a diferença de percepção-visual do outro aluno, esse
aluno apresenta uma percepção visual horizontal, vertical e frontal.
Figura 03 Mapa mental de Nathan 7º ano

Fonte: Silva, 2017

Atividade: Organização espacial


Nessa atividade foi utilizado um jogo de tabuleiro11, como pode ser visuali-
zada na Figura 05. Essa atividade tem como proposta auxiliar o aluno na percepção e
domínio do espaço. Objetivo dessa atividade foi trabalhar com os alunos a organiza-
ção espacial, através das noções de direita/esquerda/em cima/embaixo que conse-
quentemente indagou-se as noções de: Norte/sul/ leste/ oeste. Ressaltando a impor-
tância para que o aluno desenvolva a habilidade de leitura e construção de mapas, as-

11
Esse jogo foi inspirado em uma atividade que se encontra no livro: MARISCO, Maria Tereza; NETO,
Armando Coelho de Carvalho; ANTUNES, Maria Elisabete. Marcha Criança: História e Geografia:
Ensino Fundamental 3º ano. 12ª ed.- São Paulo: Scipione, 2011.

285
DIÁLOGO FREIRIANO

sim, como enfatizado pelas autoras já citadas, como Simielli (1999), Castellar e Vi-
lhena (2010). Logo a seguir, pode-se visualizar nas figuras 04 a atividade com o jogo
de tabuleiro:

Figuras 04 Jogo de tabuleiro


Fonte: Silva, 2017

Nessa atividade, o aluno escolhia: o (verde ou laranja); qual o lugar


queria chegar (escola, praça, teatro, cinema, sorveteria, biblioteca); decidia (jogando
o dado) quem iniciaria o jogo (quem tirasse o número maior). Dando andamento a
atividade, jogava-se novamente o dado que indicaria quantas casas o jogador teria que
andar e o dava as instruções, por exemplo, duas casas para direita/es-
querda, três casas para cima/baixo. A mesma atividade foi realizada através da orien-
tação: norte/sul, leste/oeste. Com isso, seguia-se até chegar ao objetivo (que seria che-
gar: na escola ou ao teatro ou a sorveteria ou a biblioteca, ou na praça).
Analisando os alunos realizando atividade, foi possível perceber que três alu-
nos não tiveram dificuldade em se orientar; um dos alunos em nenhuma das duas
possibilidades (direta/esquerda/em cima / embaixo ou norte/sul/leste/oeste) conse-
guiu apreender; dois apresentaram um pouco de dificuldade e o outro teve maior fa-
cilidade quando realizou a atividade se orientando por noção de norte/sul/leste/oeste.
Todos gostaram muito da atividade e alguns solicitaram para jogarem mais
de uma vez. Um dos alunos explanou: gostei desse joguinho, você pode ir para
lados diferentes, você pode ter outras Assim, o indaguei: o que seria
probabilidades? Ele respondeu: Nesse momento, per-
cebe-se a capacidade de raciocínio do aluno, articulando de forma coerente o pensa-
mento.

286
DIÁLOGO FREIRIANO

Observa-se que nas representações mentais dos alunos com autismo, poucas
foram as diferenças observadas no primeiro mapa mental e no último mapa mental
realizado. Foram evidenciados, que alguns alunos colocaram títulos, outros alunos
dispuseram legenda. Mas as representações foram ricas em detalhes, organização,
proporção e capacidade de abstração. No entanto, vale relembrar que os mapas men-
tais são desprovidos de convenções cartográficas, são representações livres. Assim,
nesse estudo, foi possível contribuir (dentro do recorte espacial e temporal da pes-
quisa) para reflexões e análises concernentes às representações mentais e habilidades
cognitivas superiores dos alunos com TEA, bem como, diante das atividades propos-
tas, oferecer ao aluno autista diferentes recursos cartográficos visuais.
Assim, pode-se depreender das atividades desenvolvidas com os alunos, que
alguns aspectos devem ser considerados no processo de ensino-aprendizagem da Ge-
ografia na perspectiva da [Carto]grafia, tais como: a maturidade das habilidades cog-
nitivas superiores para abstração e internalização dos conceitos abordados, relem-
brando como Vigotsky (1991) ressalta que desenvolvimento e aprendizagem estão in-
ter-relacionados; as lacunas no processo de aprendizagem dos conceitos básicos da
Cartografia nas séries iniciais (defasagem na as dificul-
dade de atenção e concentração comumente encontradas nos indivíduos com au-
tismo, assim como, pouco tempo que foi disposto na apresentação desses conceitos
trabalhados no momento da pesquisa, considerando que não foi uma aula e sim mo-
mentos. Em uma aula, os conceitos são apresentados e diferentes atividades são pro-
postas para internalização dos conceitos.
Assim, todas as atividades aqui dispostas, tiveram como objetivo trazer a re-
flexão sobre as habilidades cognitivas dos alunos com autismo e a possibilidade de
repensar as práticas metodológicas do Ensino de Geografia em uma perspectiva da
Educação Especial. De acordo com as análises realizadas e aqui dispostas, é possível
evidenciar as diferentes possibilidades de se trabalhar com esse público, logo, condi-
ções estruturais: físicas, humanas, formação, informação e interesse de todos os en-
volvidos no processo educacional tem grande repercussão no bem-estar biopsicosso-
cial (orgânico-emocional- social) desses indivíduos.

Conclusão
Assim, nesse estudo, foi possível contribuir (dentro do recorte espacial e
temporal da pesquisa) para reflexões e análises concernentes às representações men-
tais e habilidades cognitivas superiores dos alunos com TEA, bem como, diante das

287
DIÁLOGO FREIRIANO

atividades propostas, oferecer ao aluno autista diferentes recursos cartográficos visu-


ais. Dessa forma, buscou-se colaborar, para minimizar os estigmas e afirmações taxa-
tivas referentes à incapacidade dos indivíduos com autismo de se relacionarem com o
mundo que os cercam. A pesquisa pontuou as potencialidades dessas pessoas, estabe-
lecendo que esses alunos (como qualquer outro), são sujeitos que trazem consigo, seu
contexto: biológico, social, cultural e histórico.
Considerando o processo histórico da educação no Brasil, e principalmente
da Educação Inclusiva, as quais foram descritos nessa pesquisa, ressaltando o Ensino
em sua totalidade, ainda sim, necessita-se de políticas públicas sólidas, reais, de estru-
tura física e pedagógica das escolas, profissionais qualificados para atenderem as de-
mandas, não apenas a inserção desses alunos dentro de uma escola (em busca de da-
dos quantitativos). O sistema educacional precisa realmente estar preparado para re-
ceber os alunos com Necessidade Educativa Especial, dando-lhes o suporte adequado
para sua aprendizagem escolar e social. Como também, chega-se a reflexão, após a
prática desse trabalho, que além da estrutura física, leve-se em consideração o caráter
humano das necessidades especiais de cada educando, entendendo-os como sujeito
único, não os estigmatizando com rótulos e compartimentalizando o seu aprendi-
zado.
Dessa forma, pôde-se assinalar a necessidade de uma reforma do pensa-
mento no Ensino, na perspectiva da educação inclusiva. Desde a formação, informa-
ção, interesse e as práticas pedagógicas. No entanto, diante da diversidade que engloba
o Ensino na modernidade, não há pretensão de se criar ou sugerir uma má-
para o Ensino de Cartografia para os alunos, pois diante das colocações expostas
nesse trabalho, várias são as transformações necessárias no sistema educacional. As-
sim, as reflexões aqui expostas, visam colaborar para um olhar holístico no Ensino,
compreendendo a educação como um todo e não compartimentalizando o saber.

288
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
ALMEIDA, R. D. Cartografia escolar. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2010.
BRASIL. Retratos do Autismo no Brasil. Ministério da Saúde, 1ª ed. 2013. Disponível
em: http://www.autismo.org.br/site/images/Downloads/RetratoDoAutismo-201310
01.pdf Acesso em: 01/02/2014.
__________. Censo Escolar: Município de Duque de Caxias (2015). INEP - Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em:
nepdata.inep.gov.br/analytics/saw.dll?Dashboard. Acesso em: 30/03/2017.
________. Duque de Caxias: Ideb 2015. Disponível em: http://www.qedu.org.br/
cidade/2751-duque-de-caxias/ideb. Acesso em: 28 Març. 2017.
________. Prova Brasil. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/prova-brasil. A
cesso em: 28/03/2017.
CALLAI, H. C. Aprendendo a ler o mundo: a geografia nos anos iniciais do ensino
fundamental. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n. 66, p. 227-247, maio/ago. 2005.
Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso: 30 de nov. 2015.
CARLOS, A. F. A. O lugar no/do mundo. São Paulo: Labur Edições, 2007, 85p.
CASTELLAR, S. V. e VILHENA, J. Ensino de Geografia. São Paulo, Cengage Learning,
2010
CASTRO, I. E. de; GOMES, P. C. P; CORRÊA, R. L. Geografia: conceitos e temas. 13ª
ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2010.
CAVALCANTI, L. S. Cotidiano, mediação pedagógica e formação de conceitos: uma
contribuição de Vygotsky ao ensino de geografia. Cad. Cedes, Campinas, vol. 25, n.
66, p. 185 - 207, maio/ago. 2005.
________ A geografia e a realidade escolar contemporânea: avanços, caminhos,
alternativas. Anais. I Seminário Nacional: Currículo em movimento - Perspectivas
atuais. Belo Horizonte, nov. de 2010. DSM-V Manual diagnóstico e estatístico de
transtornos mentais/ [American Psychiatn c Association, traduç. Maria Inês Corrêa
Nascimento [et al.]; revisão técnica: Aristides Volpato Cordioli... [et al.]. - e. Porto
Alegre: Artmed, 2014. xliv, 948 p.; 25 cm. Disponível em: file:///F:/DSM%20V.pdf.
Acesso em: 18/05/2016
DUQUE DE CAXIAS. Plano Municipal de educação. Disponível em: http://www.
cmdc.rj.gov.br/?p=5837. Acesso em 28/03/2017.
EUA -CDC-Center of Diseases Control and Prevention incidência de autismo.
Disponível em:http://www.cdc.gov/ncbddd/autism/data.html. Acesso em: 23 de
maio de 2016.

289
DIÁLOGO FREIRIANO

GIARDINETTO, Andréa Rizzo dos Santos Bodttger. Educação do aluno com


autismo: Um estudo circunstanciado da experiência escolar inclusiva e as
contribuições do currículo funcional natural. UNESP, Marília, 2009.
HARLEY, J.B. Deconstructing the map. Cartographica, v.26, n.2, p.1-20, 1989.
MARTINELLI, M. Alfabetização Cartografica. Boletim de Geografia. 17: 125-135,
1999, p 125-130.
PASSINI, E. Y. O que significa Alfabetização Cartográfica? Boletim de Geografia. 17:
125-135, 1999, p 125-130.
________; CARNEIRO, S. M. M; NOGUEIRA, V. Contribuições da alfabetização
cartográfica na formação da consciência espacial-cidadã. Revista Brasileira de
Cartografia, Rio de Janeiro, Nº 66/4, p. 741-755, Jul/Ago/2014.
PLETSCH, M. D. Repensando a inclusão escolar: diretrizes políticas, práticas
curriculares e deficiência intelectual. Rio de Janeiro: Nau: Edur, 2010, 280 p.
________. A dialética da inclusão/exclusão nas políticas educacionais para pessoas
com deficiência: um balanço do governo Lula (2003-2010). Revista Teias. v. 12, n. 24,
p. 39-55, jan./abr. 2011.
________; FAISSAL, F. S. (org.). Observatório de educação especial e inclusão
escolar: balanço das pesquisas e das práticas na Baixada Fluminense São Carlos:
Marquezine & Manzini: ABPEE, 2016.
PONTUSCHKA, N. N; PAGANELLI, T. I; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender
Geografia. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2009.
RIBEIRO, M. L. S. Perspectiva da escola inclusiva: algumas reflexões. In. RIBEIRO,
M. L. S; BAUMEL, R. C. R. C. (Org.). Educação Especial: do querer ao fazer. São Paulo:
Avercamp, 2003.
SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo:
Hucitec (2006).
SANTOS, C. Por uma Cartografia Escolar. Santo André: Agbook Editora, 2012.
________ Saberes Cartográficos. Nova Iguaçu: Agbook, 2013.
SILVA, M. S; SANTOS, C. O ensino de geografia e os mapas mentais de crianças e
adolescentes com transtorno do espectro autista no município de Duque de
Caxias/RJ. Revista Continentes, 6, n.11, 2017, pp.94-126.
SILVA, M. S. Os mapas mentais de crianças e adolescentes com transtorno do
espectro autista no município de Duque de Caxias- RJ. Dissertação de mestrado em
Geografia; Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, 2017.

290
DIÁLOGO FREIRIANO

SEEMANN, J. O professor do ensino fundamental na educação cartográfica: caminhos


tortos entre representação (carto)gráfica, mapas e mapeamentos. Fortaleza: [s.n.], 2002.
Universidade Estadual do Ceará. Dep. Geociências.
_________ Subvertendo a cartografia escolar no Brasil. Revista Geografares, n°12,
p.138-174, Julho, 2012.
SIMIELLI, Maria Elena. Cartografia no ensino fundamental e médio. In. A Geografia
em sala de aula/ organizadores Ana Fani A. Carlos. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2001.
________ O mapa como meio de comunicação e a alfabetização cartográfica. In
ALMEIDA, R. D. (Org.). Cartografia escolar. São Paulo: Contexto, 1999.
TUAN, Y. Espaço e lugar a perspectiva da experiência. São Paulo: Ed. DIFEL, 1983.
VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. Livraria Martins Fontes Editora. São
Paulo -SP 1991.

291
A EDUCAÇÃO FÍSICA NO ENSINO MÉDIO NO
IFNMG/CAMPUS ARAÇUAÍ:
CARACTERÍSTICAS E PERCEPÇÕES DISCENTES

Edmara Moreira Cerqueira 1


Georgino Jorge de Souza Neto 2

Introdução
Este artigo tenciona elaborar uma análise da visão discente sobre a relevância
da Educação Física enquanto componente curricular na escola, a partir da vivência
dos alunos nos anos anteriores com a disciplina. Para tanto, investimos o nosso olhar
para o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais - IFNMG - Campus Araçuaí, na
tentativa de contribuir com a potencialização do debate sobre a presença e importân-
cia da disciplina de Educação Física no estrato formativo do Ensino Médio dentro dos
Institutos Federais e demais espaços de formação educacional.
A Educação Física, em seu processo de constituição do campo de saber e atu-
ação profissional, passou por várias (re)apropriações de acordo com as necessidades
e demandas de cada época. Inicialmente, sofreu influência médica, na qual sobressaiu
a função higienista, para que fosse ensinada à população hábitos de corpos saudáveis.
Após isso, surgiu a intervenção militar no qual os alunos eram tratados como simples
soldados, preparados fisicamente para proteger a nação. Sofreu também, influência
do esporte, onde se preocupava em formar atletas sendo, as aulas de Educação Física,
voltadas para alunos aptos à prática da atividade física, assim o restante dos discentes
eram excluídos gradativamente (DARIDO, 2003).
Apesar de a Educação Física ter sofrido influências baseadas na visão biolo-
gicista, Soares (1996, p. 11) afirma que esse componente curricular é lugar de
aprender coisas e não apenas o lugar onde àqueles que dominam técnicas rudimenta-
res de um determinado esporte vão o que já sabem, enquanto aqueles que
não sabem continuam no mesmo É necessário transmitir aos alunos os conhe-

1
Docente no IFNMG/Campus Araçuaí. Mestre em Educação.
2
Docente na Universidade Estadual de Montes Claros. Doutor em Estudos do Lazer.
DIÁLOGO FREIRIANO

cimentos que os levam a compreender o porquê de realizarem esta ou aquela ativi-


dade. Sendo assim, o aluno poderá entender e vivenciar o seu aprendizado, levando-
o, portanto a uma mudança de comportamento e a assumir novas atitudes.
Atualmente, o IFNMG Campus Araçuaí conta com quatro turmas de 1º
ano do Ensino Médio Integrado com uma média de 40 alunos em cada uma delas. Sua
área de atuação, alocada no município de Araçuaí, região do Médio Jequitinhonha no
Estado de Minas Gerais, abrange os municípios de Virgem da Lapa, Ponto dos Volan-
tes, Novo Cruzeiro, Medina, Leme do Prado, Jenipapo de Minas, Itaobim, Itinga, Co-
ronel Murta, Comercinho, entre outros.
Como objetivo central desse estudo iremos analisar as características dos
discentes do 1º ano do Ensino Médio Integrado do IFNMG no Campus Araçuaí e sua
visão quanto à importância da Educação Física em relação às demais disciplinas esco-
lares.
Atualmente, encontramos muitos trabalhos na área da Educação Física, mas
poucos procuram investigar a partir do olhar dos discentes. Pensando na perspectiva
de um esquadrinhamento da valorização da Educação Física enquanto campo de in-
tervenção escolar, buscamos elucidar pontos importantes no que tange ao cotidiano
da disciplina no âmbito do IFNMG Campus Araçuaí.

Educação Física no Ensino Médio: sua prática pedagógica a partir da década de 90


Desde sua criação, a Educação Física experimentou várias alterações referen-
tes às suas abordagens e práticas pedagógicas. Todavia, em 1990, começaram a ocorrer
nacionalmente mudanças significativas envolvendo as questões educacionais culmi-
nando com a criação de documentos norteadores para a prática pedagógica dos pro-
fessores, como os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN (1997/1998), os Conte-
údos Básicos Comuns CBC (2005), as Diretrizes Curriculares Nacionais para o En-
sino Médio DCNEM (2013) e o mais recente deles, a Base Nacional Comum Curri-
cular BNCC (2017).
O PCN, do Ministério da Educação e Cultura MEC, propõe a nível de En-
sino Médio, a formação geral, em oposição à formação específica; o desenvolvimento
de capacidades de pesquisar, buscar informações, analisá-las e selecioná-las; a capaci-
dade de aprender, criar, formular, ao invés do simples exercício de memorização
(BRASIL, 1998). Neste documento, a formação do aluno tem como alvo principal a
aquisição de conhecimentos básicos, a preparação científica e a capacidade de utilizar
as diferentes tecnologias relativas às áreas de atuação.

294
DIÁLOGO FREIRIANO

Já as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio DCNEM pro-


curam recolher e elaborar as visões, experiências, expectativas e inquietudes em rela-
ção ao Ensino Médio, presentes na educação brasileira, especialmente entre os educa-
dores. A partir daí, apresentam propostas de regulamentação da base curricular naci-
onal e de organização do Ensino Médio.
A elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio foi es-
sencial diante de exigências educacionais e da consequente aceleração da construção
de conhecimentos, da expansão de obtenção das informações, da elaboração de novos
meios de comunicação e das oscilações de interesse dos jovens e adolescentes nesse
grau de ensino (DCNEB, 2013). Estas diretrizes têm como marca a definição da iden-
tidade e dos objetivos do Ensino Médio.
Assim como os PCNs, do MEC, os Conteúdos Básicos Comuns CBC, ela-
borados pelo Estado de Minas Gerais, buscam oferecer às escolas estaduais mineiras
uma base curricular comum que permita aos alunos ter acesso ao conjunto de conhe-
cimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da ci-
dadania. Enquanto os PCNs apontam o caminho a ser seguido pelas escolas, o CBC
se propõe a ir mais além e detalha o trabalho que pode ser realizado pelo professor
com seus alunos. Este documento tem como proposta:

Estabelecer os conhecimentos, as habilidades e competências a serem adquiridas pe-


los alunos na educação básica, através do planejamento dos professores, e também
as metas a serem alcançadas pelos professores a cada ano, é uma condição indispen-
sável para o sucesso de todo sistema escolar que pretenda oferecer serviços educaci-
onais de qualidade à população. (MINAS GERAIS, 2005, p. 9).

O CBC traz as diretrizes norteadoras das diferentes disciplinas, os critérios


que foram adotados para a seleção dos conteúdos, os tópicos que devem ser trabalha-
dos, as competências e as habilidades a serem desenvolvidas, seguidos de orientações
e sugestões de atividades para serem realizadas com os alunos.
Já a BNCC estabelece conhecimentos, competências e habilidades que se es-
pera que todos os estudantes desenvolvam ao longo da escolaridade básica. Orientada
pelos princípios éticos, políticos e estéticos traçados pelas Diretrizes Curriculares Na-
cionais da Educação Básica, a Base soma-se aos propósitos que direcionam a educação
brasileira para a formação humana integral e para a construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva. (BRASIL, 2017).
Referente à Educação Física no Ensino Médio, os PCNs (BRASIL, 1998, p.
42) orientavam para que os conteúdos no decorrer do Ensino Médio em Educação
Física desenvolvessem nos alunos as seguintes competências e habilidades:

295
DIÁLOGO FREIRIANO

- Compreender o funcionamento do organismo humano, de forma a reconhecer e


modificar as atividades corporais, valorizando-as como recurso para melhoria de
suas aptidões físicas;
- Desenvolver as noções conceituais de esforço, intensidade de frequência, apli-
cando-as em suas práticas corporais;
- Refletir sobre as informações específicas da cultura corporal, sendo capaz de dis-
cerni-las e reinterpreta-las em bases cientificas, adotando uma postura autônoma
na seleção de atividades e procedimentos para a manutenção ou aquisição da saúde;
- Assumir uma postura ativa, na prática das atividades físicas, e consciente da im-
portância delas na vida do cidadão.

Segundo Darido et al. (1999), é de fundamental importância levar os concei-


tos básicos aos alunos em relação às atividades físicas e saúde, proporcionando aos
educandos a vivência de conteúdos diversificados para que os mesmos possam ter
uma melhor concepção na escolha de um estilo de vida que venha ser mais saudável.
E nesse caso, essa atribuição recai aos docentes ao elaborar o plano de ensino.
Quanto ao CBC, trata a disciplina como uma área de conhecimento que pos-
sui características próprias e que busca contribuir para o desenvolvimento integral do
aluno. Ainda, reforça que a disciplina deve tratar das práticas corporais, porém não se
trata de qualquer prática ou uma simples realização de movimento, mas sim daqueles
que se apresentam na forma de esporte, ginástica, lutas, jogos, brincadeiras, dança,
movimentos expressivos e outros. Cada um com sua finalidade, objetivo e significado.
Assim, estes seriam conteúdos legítimos a serem problematizados na Educação Física
escolar.
Importante ressaltar que para o CBC (2005) é indispensável possuir um
plano de ação para a Educação Física construído a partir de uma abordagem diagnós-
tica das experiências vividas anteriormente pelos alunos. Para tanto,

[...] faz-se necessário problematizar a vivência corporal dos alunos nas brincadeiras,
nos jogos, nas danças, nas ginásticas, nos esportes, enfim, em todas as suas manifes-
tações corporais, imprimindo-lhes sentidos e significados educativos. Assim, as prá-
ticas corporais deixam de ser vistas como um pelo ou seja, como uma
atividade desprovida de significado intencionalidade educativa, e passam a ser per-
cebidas como conhecimentos importantes e necessários à formação humana do
educando, principalmente para a vivência plena de sua corporeidade (CBC, 2005, p.
25).

De acordo com Silva (2010), nas atividades ministradas pelo professor o


aluno se inibe a participar pela obesidade, pela falta de habilidade para a prática dos
esportes ou atividades propostas ou até mesmo pela rejeição e por se acharem incapa-
zes perante os demais colegas. E ainda, pela falta de objetividade e intencionalidade
na realização desta ou daquela atividade. Isso poderá gerar nos alunos o desinteresse
e a desmotivação.

296
DIÁLOGO FREIRIANO

Mauro Betti (1992, p. 286) aponta que:

É preciso enfim levar o aluno a descobrir os motivos para praticar uma atividade
física, favorecer o desenvolvimento de atitudes positivas para com a atividade física,
levar à aprendizagem de comportamentos adequados na pratica de uma atividade
física, levar ao conhecimento, compreensão e análise de seu intelecto todas as infor-
mações relacionadas às conquistas materiais e espirituais da cultura física, dirigir
sua vontade e sua emoção para a prática e a apreciação do corpo em movimento.

Neste sentido, perceber a importância da compreensão das estratégias emo-


cionais e das perspectivas dos educandos, torna-se fundamental para a prática do-
cente.
Vale ressaltar que todos os documentos acima apontam que é no Ensino Mé-
dio que a escola tenciona trilhar o aluno a ampliar e aprofundar seus conhecimentos,
a vivenciar atividades que proporcionem a eles o desenvolvimento de sua autonomia
e corporeidade, fazendo uso das expressões corporais e ainda, a estimular a terem um
maior conhecimento de si e das suas potencialidades. Nesse sentido, a Educação Fí-
sica, enquanto conteúdo curricular presente na escola, também tem como desafio
contribuir com uma educação compreendida como um processo de formação hu-
mana que valoriza o domínio de conhecimentos, competências e habilidades intelec-
tuais e motoras.

Instituto Federal Campus Araçuaí: perfil pedagógico institucional


As diretrizes pedagógicas que norteiam as ações no Instituto Federal, além
dos documentos oficiais mais generalizantes, se pautam em um Plano de Desenvolvi-
mento Institucional - PDI, que organiza as intervenções em vários âmbitos, mas par-
ticularmente as pedagógicas. De acordo com este documento orientador, a instituição
deve adotar:

[...] uma organização de trabalho que incentiva a formação e atuação de equipes in-
terdisciplinares, o fortalecimento da articulação entre teoria e prática, bem como o
estímulo a ações que motivem a autonomia intelectual dos seus discentes, tornando-
os protagonistas do processo de ensino-aprendizagem e preparando-os para os no-
vos desafios pessoais e profissionais. A organização didático-pedagógica leva em
consideração, ainda, a abrangência do IFNMG, as especificidades de cada um de
seus campi, a diversidade dos arranjos produtivos locais e os princípios de autono-
mia didático-pedagógica, administrativa, patrimonial, financeira e disciplinar (PDI,
2013, p. 68).

No que diz respeito à matriz curricular adotada, o PDI indica que:

297
DIÁLOGO FREIRIANO

[...] considera-se o perfil desejado para cada curso, observando as aptidões concei-
tuais, procedimentais e atitudinais a serem desenvolvidas para o seu alcance, a esco-
lha de conteúdos necessários, como também a necessidade de preparação dos dis-
centes para o mundo do trabalho, de forma a atender uma série de expectativas,
dentre elas: a formação para a cidadania plena e emancipada, as novas demandas
econômicas e de emprego, a participação no atendimento às demandas da sociedade
e no desenvolvimento sustentável (PDI, 2013, p. 70).

Para além dos preceitos formais, a educação tecnológica prevê uma relação
do ensino prático voltado para a inserção do aluno no mercado de trabalho. Sobre esta
lógica, entendemos que o trabalho não pode se sobrepor à estrutura formativa, mas
amparar as perspectivas do educando. Assim, não é o mercado que deve regular o
processo ensino-aprendizagem, mas ao contrário, a formação do sujeito é que deve
organizar as ações profissionais.
De acordo com Ciavatta (2005), a ideia da formação integrada é que se su-
pere o ser humano separado historicamente pela divisão social do trabalho entre o ato
de executar e as funções de pensar, dirigir ou planejar. A pretensão é de que ocorra
uma diminuição da redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto restrito e
operacional, simplificado, livre dos conhecimentos que estão na sua gênese científico-
tecnológica e na sua apropriação histórico-social.

Dos métodos
A abordagem metodológica deste estudo está pautada na investigação qua-
litativa que, segundo Lakatos e Markoni (2003), significa ler e interpretar os fenôme-
nos atribuídos através da coleta dos dados descritivos, com ausência de técnicas esta-
tísticas. De acordo com Godoy (1995) a pesquisa qualitativa é uma das várias possibi-
lidades de se estudar os fenômenos que envolvem os seres humanos e suas emaranha-
das relações sociais em diferentes ambientes. Ainda foi realizada uma pesquisa de
campo, que, para Lakatos e Markoni (1992), é onde procuramos respostas de um de-
terminado problema, ou para afirmar alguma hipótese e até mesmo descobrir outras
respostas diferentes sobre o assunto. Consisti no levantamento de dados e registros
relevantes suficientes para ser analisados.
Os sujeitos da pesquisa foram os discentes das quatro turmas de 1º ano do
Ensino Médio Integrado, do Instituto Federal do Norte de Minas IFNMG Campus
Araçuaí, localizado na cidade de Araçuaí, região do Vale do Jequitinhonha, no Estado
de Minas Gerais. Na coleta de dados participaram 20 alunos de cada turma escolhidos

298
DIÁLOGO FREIRIANO

aleatoriamente tendo recolhidos os 80 questionários respondidos. O trabalho com es-


ses sujeitos da pesquisa ocorreu pelo fato desses alunos já possuírem uma vivência
com o conteúdo da Educação Física na escola nos anos anteriores.
Os critérios de inclusão dos participantes foram: estar matriculados no 1º
ano do Ensino Médio Integrado no Campus Araçuaí, ter autorização dos pais ou res-
ponsáveis legais e aceitar participar do estudo. Foram selecionados somente alunos
do 1º ano por trazerem consigo o conhecimento e a vivência sobre as aulas de Educa-
ção Física adquiridos através dos anos anteriores de estudo. E, o mais relevante, por
podermos, a partir dos resultados obtidos, averiguar quais as perspectivas desses alu-
nos com a disciplina e as possíveis contribuições nos demais anos de sua formação
dentro da instituição. Os critérios de exclusão utilizados foram: não atender a qual-
quer um dos requisitos acima e o não interesse em participar da investigação.
Como instrumento de pesquisa foi aplicado um questionário constituído
por questões abertas e fechadas, no qual os participantes responderam livremente de
acordo com os seus conhecimentos. A coleta dos dados foi realizada em uma semana,
sendo os questionários aplicados pelos colegas docentes de outras disciplinas em sala
de aula, não podendo, o estudante, sair do local com o questionário, pois deveria ser
entregue no mesmo dia.
Após a análise dos dados coletados utilizamos, para a discussão dos resulta-
dos, a categorização proposta por Bardin (1977). Conforme o autor, as questões foram
transformadas em temas para serem confrontados com o referencial teórico, assim
sendo analisadas e discutidas.
Referente à categorização, Bardin (1977, p. 177) destaca que:

A categorização é uma operação de classificação de elementos constitutivos de um


conjunto, por definição e, seguidamente, por reagrupamento segundo o gênero
(analogia), com os critérios previamente definidos. As categorias, são rubricas ou
classes, as quais reúnem um grupo de elementos (unidades de registro, no caso da
análise de conteúdo) sob um título genérico, agrupamento esse efectuado em razão
de caracteres comuns destes elementos.

As temáticas elaboradas e discutidas foram as seguintes: Caracterização dos


discentes e a importância da Educação Física atribuída por eles perante as demais dis-
ciplinas curriculares.

299
DIÁLOGO FREIRIANO

Dos resultados
- Caracterização dos discentes e a importância da Educação Física atribuída por
eles perante as demais disciplinas curriculares
Quanto ao estrato etário da amostra, a maior parte se situa com a idade de
15 anos (61,25%). As demais idades correspondem a 14 anos (27,5 %), 16 anos (10%)
e 13 anos (1,25%). Destes, conforme intenção da pesquisa, 50% são do sexo masculino
e 50% do sexo feminino.
Ao analisarmos as cidades de origem dos investigados, percebemos que
pouco mais da metade, ou seja, 51,25% são da localidade de Araçuaí/MG, onde se si-
tua o Instituto Federal. Os demais alunos vêm de cidades que se encontram no en-
torno da sede, sendo que a maior distância apontada nos dados atinge 235 km onde
podemos inferir o nível de penetração que esta Instituição possui na região do Vale
do Jequitinhonha.
Avançando na nossa análise, nos detemos agora na percepção que os discen-
tes possuem da importância atribuída às disciplinas do currículo escolar. A Educação
Física se situa em uma valoração mediana de importância: 55% dos investigados a
consideram relevante na grade curricular da instituição escolar. De imediato, salta aos
olhos a imensa consideração de valor conferida às disciplinas de caráter formativo e
instrumental, no caso da Matemática (100%) e Português (97,5%). O quadro abaixo
ilustra melhor o todo desta situação, e serve de base para nossa discussão posterior:
Conforme visto, há uma tendência de maior valorização quanto às discipli-
nas, na perspectiva de maior prática no cotidiano, consideradas com uma maior
e no mundo do trabalho como no caso de Português e Mate-
mática. Esta realidade tem fundamento histórico, e encrudesce o fato de que:

[...] o grupo social composto por jovens de classes populares (poderíamos dizer
vens oriundos de famílias que convivem com limitados níveis de escolari-
zação, baixo padrão de renda, vinculados a ocupações que exigem baixos níveis de
qualificação, residentes em bairros periféricos e/ou em cidades afastadas da capital;
[...] Para esse grupo, a passagem pelo ensino médio em escolas públicas é um traço
relevante, não só como um dos elementos que compõe seu perfil numa ótica quan-
titativa, mas, sobretudo, em virtude do que significa ser um egresso da escola pública
(SAMPAIO, 2011, p. 30).

Neste sentido, os Institutos Federais de Educação Tecnológica representam


uma outra possibilidade de inserção destes jovens, garantindo um maior amparo
quanto às condições de ensino e uma qualificação mais potente. Enquanto investi-
mento de maior envergadura no Ensino Médio, os Institutos se diferenciam pela pro-

300
DIÁLOGO FREIRIANO

posta e estrutura. No entanto, as escolas públicas do Ensino Fundamental ainda so-


frem com carências estruturais que comprometem a formação dos seus educandos,
pois não conseguem atender as demandas fundamentais deste processo.
Este fato provoca todo um desdobrar, eivado de déficits e falhas que impac-
tam consequentemente em aprendizagens futuras (mesmo que se consiga o acesso a
escolas reconhecidamente qualificadas, como os Institutos ou ainda posteriormente
Universidades Públicas). Evidentemente, este contexto deve ser criticado na perspec-
tiva de construção de uma escola que atenda e dê minimamente conta de suprir tais
necessidades, se desejarmos superar este estado de coisas, posto que:

[...] as vítimas dessas políticas, aparentemente humanistas, são os alunos, os pobres,


as famílias marginalizadas, os professores. O que lhes foi oferecido foi uma escola
sem conteúdo e com um arremedo de acolhimento social e socialização, inclusive
na escola de tempo integral. O que se anunciou como novo padrão de qualidade
transformou-se num arremedo de qualidade, pois esconde mecanismos internos de
exclusão ao longo do processo de escolarização, antecipadores da exclusão na vida
social (LIBÂNEO, 2012, p. 24).

Avançando na nossa análise, nos detemos agora na percepção que os discen-


tes possuem da importância atribuída às disciplinas do currículo escolar. De imediato,
salta aos olhos a imensa consideração de valor conferida às disciplinas de caráter for-
mativo e instrumental, no caso da Matemática (100%) e Português (97,5%). Educação
Física se situa em uma valoração mediana de importância (55%), enquanto a disci-
plina com menor marcação no questionário foi a de Artes, com apenas 36% dos alu-
nos a considerando importante. O quadro abaixo ilustra melhor o todo desta situação,
e serve de base para nossa discussão posterior:
Quadro 1 Importância atribuída às disciplinas escolares
Disciplinas Total de respostas recebidas % de respostas por disciplina
Matemática 80 100
Português 78 97,5
História 61 76,25
Língua Estrangeira 52 65
Biologia 49 61,25
Geografia 48 60
Educação Física 44 55
Química 40 50
Filosofia 40 50
Física 39 48,75
Sociologia 32 40
Artes 29 36,25
Fonte: Dados da Pesquisadora

301
DIÁLOGO FREIRIANO

Conforme visto, há uma tendência de menor valorização quanto às discipli-


nas de cunho humanista, com perspectiva menos prática ou ainda com uma menor
e no mundo do trabalho. Esta realidade tem fundamento
histórico, e encrudesce o fato de que:

A atenção privilegiada, e muitas das vezes exacerbada, dada a determinadas disci-


plinas curriculares (Língua Materna, Matemática e disciplinas ligadas às áreas cien-
tíficas) relega as disciplinas percebidas como não académicas para uma subsequente
e progressiva marginalização, traduzida em reduções de tempo no horário escolar,
inadequados ou insuficientes recursos materiais e humanos (BRANDÃO, 2002, p.
14).

Entendemos que o fato da escola brasileira historicamente ter servido à pre-


paração de uma massa de sujeitos para o trabalho, torna a associação do maior valor
às disciplinas de caráter instrumental algo inevitável. Neste sentido, a Educação Física,
alvo central do nosso interesse neste estudo, acaba relegada a um plano de importân-
cia na percepção do aluno consideravelmente menor e menos significativa no seu pro-
cesso formativo.
Na perspectiva de Gomes (2013), para que seja possível a construção das dis-
ciplinas e do conhecimento, é fundamental uma proposta educacional que contemple
intencionalidades de consolidação de um conjunto de objetivos no intuito de propor-
cionar uma teia de saberes, e mais do que isto, atribuir sentido entre os diversos cam-
pos do saber. Na ausência de um projeto educacional, as disciplinas correm o sério
risco de ficarem soltas, cada uma com sua finalidade atuando de maneira isolada e
sem a compreensão do lugar que ocupam na escola.
Pensando na validade de uma disciplina (ou o que a legitima), devemos com-
preendê-la em um contexto histórico e social, em que se atribuem sentidos e signifi-
cados de valor a um dado campo do conhecimento (mais do que outros). Neste sen-
tido, podemos apontar que:

[...] as práticas são permeadas por de poder e de consumo cri-


ativo, relações conflituosas presentes em uma cultura escolar, seja pelas prescrições
oficiais de imposição de normas, seja pelo consumo criativo dessas normas em que,
nas práticas ordinárias, os movem-se a partir de táticas de sobrevivên-
cia. A história de uma disciplina escolar requer uso de diferentes fontes que, coloca-
das em confronto, permitem reconstituir representações, criando uma trama na
qual são apontadas mudanças, estagnação e até extinção de uma disciplina no pro-
jeto pedagógico da escola (PINTO, 2014, p. 135).

Cada disciplina carrega em si um empoderamento (ou a falta dele), à medida


que encarna as finalidades da sua e ainda de como a mesma é percebida

302
DIÁLOGO FREIRIANO

pelo conjunto da sociedade, na perspectiva de uma possível e/ou


prática. Sobre isto, é pertinente pensarmos:

[...] que toda história das disciplinas escolares deve, em um mesmo movimento, le-
var em conta as finalidades obvias e implícitas perseguidas, os conteúdos de ensino
e a apropriação realizada pelos alunos tal como poderá ser verificada pelos seus tra-
balhos e exercícios. Existe uma interação constante entre estes três polos que con-
correm, os três, na constituição de uma disciplina, e estaríamos diretamente conde-
nados a graves desconhecimentos se menosprezar qualquer um deles (JULIA, 2002,
p. 60).

No caso da Educação Física, nos parece bastante claro a falta de um projeto


educacional que valore a sua intervenção pedagógica, notadamente determinada por
uma pretensa baixa expectativa de que a mesma possua. Dito de ou-
tra forma, podemos pensar que:

Um conteúdo passa a ser valioso e legítimo quando goza do aval social dos que tem
poder para determinar sua validade; por isso, a fonte do currículo é a cultura que
emana de uma sociedade. Sua seleção deve ser feita em função de critérios psicope-
dagógicos, mas é preciso considerar antes de mais nada a que ideia de indivíduo e
de sociedade servem (SACRISTÁN, GÓMEZ, 2007, p. 155).

O retorno dos pesquisados comprova destacadamente o fato de que as dis-


ciplinas entendidas como mais importantes são de fato aquelas que possuem maior
status social, adquirido através de um deliberado projeto de investimento em uma
formação mais técnica, que possa atender basicamente funções do trabalho de menor
valor. Saber escrever e fazer parece bastar para que essa massa de indiví-
duos se insira no mercado de trabalho exercendo papéis de pouca relevância na dinâ-
mica da produção de bens, mas fundamentais para a mesma, à medida que o sistema
necessita da absorção desta mão-de-obra, via de regra barata e com a qualificação mí-
nima para atuar. Nesta lógica, que importância teria disciplinas como Artes, Sociolo-
gia, Filosofia e Educação Física? Os dados do estudo nos parecem ser bastante eluci-
dativos quanto a esta perspectiva.
O papel da organização curricular é fundamental neste processo. É o currí-
culo que determina, de forma decisória, os tempos e espaços dos saberes escolares.
Obviamente, a lógica curricular obedece a um campo de forças que estruturam a sua
ordenação. Aspectos como política, economia, ideologia de Estado, elementos cultu-
rais, dentre outros, acabam por direcionar os interesses atrelados à construção de um
modelo curricular. Para maior compreensão do que aqui tratamos como
nos apropriamos da fala de Nunes e Rúbio (2008, p. 56), ao afirmarem que:

303
DIÁLOGO FREIRIANO

O currículo aqui é entendido como o percurso da formação escolar, ou seja, ele se


refere a tudo que acontece na escolarização. Enquanto projeto político que forma as
novas gerações, o currículo é pensado para garantir a organização, o controle e a
eficiência social. O currículo, por transmitir certos modos de ser e validar certos co-
nhecimentos, está intimamente ligado ao poder. O currículo, pelos seus modos de
endereçamento, nos chama a ocupar determinadas posições de sujeito. O currículo,
por regular as ações dos sujeitos da educação, forma identidades.

Segundo Chervel (1990), se é verdade que a sociedade impõe à escola suas


finalidades, estando a cargo dessa última buscar apoio na primeira, para criar suas
próprias disciplinas, há toda razão em se pensar que é ao redor dessas finalidades que
se elaboram as políticas educacionais e que se realizam a construção e a transformação
histórica da escola. Acrescenta ainda que as disciplinas são o preço que a sociedade
deve pagar à sua cultura para poder transmiti-la no contexto da escola ou do colégio.
Ou seja, é por meio das disciplinas escolares que o saber cultural é transmitido. De-
vendo assim a escola selecionar o que de mais presente está na cultura em determi-
nada época e que será valioso para a vida do educando.
Reconhecer este cenário é também aceitar o desafio para modifica-lo, na-
quilo que se compreende necessário. Equalizar valores de saber, e organizar currículos
que atendam às demandas de formação, exige o esforço teórico de apropriação da
construção dos conhecimentos e da sua força de legitimação no espaço social.
No caso da Educação Física, a prática da realidade escolar tem mostrado que
a mesma ainda preserva sua importância quando não projetada para fora da escola
(ou quando projetada para o mundo prático do trabalho). Assim, ganha algum valor
quando percebido no próprio contexto interno da dinâmica escolar, quando via de
regra assume o papel de um ou como um momento de distração
do sério e importante que ocorre naquele espaço, ou ainda na organização de eventos
escolares em datas especiais (como Festas Juninas e Desfile do 07 de Setembro). Isto
fica ainda mais explícito quando os alunos foram inquiridos sobre a importância das
disciplinas fora do ambiente escolar (ou mundo O quadro 2 expõe este ce-
nário, que comprova, a rigor, a nossa percepção sobre este fenômeno:

304
DIÁLOGO FREIRIANO

Quadro 2 Importância atribuída às disciplinas fora da escola


Disciplinas Total de respostas recebidas % de respostas por disciplina
Matemática 75 93,75
Português 72 90
Língua Estrangeira 61 76,25
História 32 40
Geografia 28 35
Filosofia 28 35
Educação Física 26 32,5
Biologia 25 31,25
Sociologia 25 31,25
Física 22 27,5
Química 15 18,75
Artes 12 15
Fonte: Dados da pesquisadora

Neste contexto, a Educação Física perde ainda mais o seu valor, quando
comparada à importância que possui escola e (55% x 32,5% respecti-
vamente). Ou seja, no mundo fora do ambiente escolar, o conhecimento pertencente
a esta disciplina parece ser pouco útil. Diferentemente do valor social que a mesma
possuía no início do século XX3, nas últimas décadas, quando se propõe uma ressig-
nificação dos sentidos pedagógicos da Educação Física4, ocorre a significativa perda
da sua relevância neste processo, principalmente quando consideramos o extra-muro
escolar.
Neste universo de relações, absolutamente plurais, é preciso pensar que a de-
terminação de uma disciplina como mais legítima que outras se deve a uma densa
rede de negociações, embates, tensões e resistências que configuram, no tempo e no
espaço, o lugar que se ocupa no âmbito escolar (a escola, ela própria, também é eivada
de sentidos e significados sociais que a determina). Assim,

A constituição dos saberes escolares específicos a cada disciplina do currículo é re-


sultado de um processo complexo que envolve consentimentos, conflitos, diferentes
tipos de mediação entre diversos sujeitos e instituições, diante dos papéis que, em
cada época e sociedade, são atribuídos à escola. Na Educação Física, contemporane-
amente, esse processo parece marcado por uma busca permanente de legitimidade
diante de saberes que, tradicionalmente, parecem mais próximos ao que foi sendo
identificado (e naturalizado) como inerente à instituição escolar: saberes mais pró-
ximos da racionalidade moderna (JÚNIOR, GALVÃO, 2005, p. 406).

3
No início do século XX, a Educação Física passa a ser considerada na formação dos sujeitos, no
entendimento da importância de um conteúdo que trabalhasse com o melhoramento da raça, com o
aprimoramento físico e com sentido higiênico - lembremos que naquele momento o trabalho braçal era
consideravelmente mais importante.
4
Nas últimas décadas, a Educação Física se encontra mais voltada para uma perspectiva humanista do
movimento, valorizando aspectos culturais do mesmo, como danças, lutas e jogos.

305
DIÁLOGO FREIRIANO

De todo modo, a realidade concreta dos alunos é um dado sensível, pois os


mesmos sentem o cotidiano desta disciplina no contexto escolar e dão retorno desta
apropriação bastante singular. Cabe considerar que a Educação Física é um compo-
nente curricular presente na formação dos sujeitos sociais, e deve se constituir em real
possibilidade de desenvolvimento pessoal e social dos educandos.

Últimos Apontamentos
Este artigo apontou, no que tange à caracterização discente, que a maior
parte dos alunos reside na própria cidade de Araçuaí e/ou no seu entorno. Além disso,
o número de ingressantes egressos da escola pública anterior ao Ensino Médio é pre-
dominante. Estas características são particularmente importantes quando pensamos
no papel social que os Institutos Federais de Educação representam, ao oportunizar
uma formação qualificada em uma etapa bastante sensível na constituição de um pla-
nejamento pessoal/profissional futuro.
Outro dado relevante situa-se na percepção de importância que os alunos
atribuem às disciplinas em geral, e especificamente à disciplina de Educação Física.
Para 55% dos 80 participantes do estudo, a Educação Física representa uma disciplina
importante dentro da grade curricular. Embora esteja em uma posição mediana,
quando comparada com outras disciplinas, como Português (97,5%) e Matemática
(100%), a noção de valor da Educação Física decai consideravelmente. atingindo um
percentual de 32,5 quando pensada em sua utilidade para fora dos muros da escola.
Contribui para este processo uma construção histórica que atrela a disciplina
de Educação Física a um conhecimento prático sem valor evidente na formação mais
elevada dos alunos. Isto acarreta uma perda da noção identitária da Educação Física
no espaço escolar, levando a uma apropriação desigual, em termos de valoração,
quando comparada com disciplinas de cunho técnico-formativo, como Português e
Matemática, por exemplo.
Assim, esperamos que este debate possa contribuir para o desenvolvimento
de reflexões sobre esta temática, com desdobramento em mudanças significantes nas
intervenções pedagógicas, bem como do papel atribuído pelas políticas educacionais
à Educação Física, posto que a mesma pode (e deve) exercer uma função contributiva
no processo de formação de seus alunos, a partir da apropriação enriquecida de todos
os seus conteúdos.

306
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Base Nacional Co-
mum Curricular. Proposta preliminar (3ª versão). Abr. 2017. Documento homolo-
gado pela Portaria n° 1.570, publicada no D.O.U. de 21/12/2017, Seção 1, Pág. 146.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes Curricu-
lares Nacionais Gerais da Educação Básica (DCNEB). Brasília: MEC, SEB, DICEI,
2013.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâ-
metros Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tec-
nologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/SEF, 1997.
Plano de Desenvolvimento Institucional 2014 a 2018. Dez. 2013b. Disponí-
vel em: <http://documento.ifnmg.edu.br/action.phpkt_path_info=ktcore. actions.
document.view&fDocumentId=6773>. Acesso em: 17 nov. 2017.
MINAS GERAIS (Estado). Secretaria de Estado da Educação. Conteúdo Básico Co-
mum. Educação Física. Educação Básica - Ensino Fundamental (5a a 8a séries). Belo
Horizonte, 2005.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Editora 70, 1977.
BETTI, M. Ensino de primeiro e segundo graus: Educação Física para quê? Revista
Brasileira de Ciências do Esporte, Brasília, v. 2, n. 13, p. 282-287, 1992.
BRANDÃO, D. Expectativas e Importância Atribuída à Disciplina de Educação Fí-
sica - estudo comparativo por género nos alunos do 12° ano de escolaridade nas
escolas secundárias do Concelho de V.N. de Gaia. 2002. Dissertação (Mestrado de
Desporto de Crianças e Jovens) - Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação
Física, Universidade do Porto, Porto, 2002.
CIAVATTA, M. A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memó-
ria e de identidade. In: FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.; RAMOS, M. (orgs.). O en-
sino médio integrado. Concepção e contradições. São Paulo: Cortez, 2005.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pes-
quisa. Teoria e Educação, Porto Alegre, Panonica, n. 2, p. 177 229, 1990.
DARIDO, S. C. et al. Educação física no ensino médio: reflexões e ações. Motriz, Rio
Claro, v. 5, n. 2, dez. 1999.
DARIDO, S. C. Educação Física na escola questões e reflexões. Rio de Janeiro: Gua-
nabara Koogan, 2003.

307
DIÁLOGO FREIRIANO

GODOY, A. S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Ad-


ministração de Empresas, Rio de Janeiro, v. 35, n. 2, p. 57-63, mar./abr., 1995. Dis-
ponível em: http://www.wejconsultoria.com.br. Acesso em: 13 abr. 2017.
GOMES, V. Os enfrentamentos em busca pela interdisciplinaridade escolar. Revista
Nucleus, Ituverava, v.10, n 1, abr 2013. Disponível em: www.nucleus. feituve-
rava.com.br/index.php/nucleus/article/view/870. Acesso em: 03 jul. 2018.
JULIA, D. Disciplinas escolares: objetivos, ensino e apropriação. In: LOPES, A.; MA-
CEDO, E. (Org.) Disciplinas e integração curricular: história e políticas. Rio de Ja-
neiro: DP&A, 2002, p. 37-72.
JÚNIOR, M. S.; GALVÃO, A. M. de O. História das disciplinas escolares e história da
educação: algumas reflexões. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 391-408,
set./dez. 2005.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. São Paulo:
Atlas, 1992.
LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos da Metodologia Científica. 5.
ed. São Paulo: Atlas, 2003.
LIBÂNEO, J. C. O dualismo perverso da escola pública brasileira: escola do conheci-
mento para os ricos, escola do acolhimento social. Educação e Pesquisa, São Paulo,
v. 38, n. 1, p. 13-28, 2012.
NUNES, M. L. F.; RUBIO, K. O(s) currículo(s) da educação física e a constituição da
identidade de seus sujeitos. Currículo sem Fronteiras, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 55-
77, 2008. Disponível em: < http://www.curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/
nunes-rubio.pdf >. Acesso em: 10 jul. 2018.
PINTO, N. B. História das disciplinas escolares: reflexão sobre aspectos teórico-me-
todológicos de uma prática historiográfica. Revista Diálogo Educacional, Curitiba,
v. 14, n. 41, p. 125-142, jan./abr. 2014.
SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e transformar o ensino. 4. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2007.
SAMPAIO, S. M. R. (Org.) Observatório da vida estudantil: primeiros estudos. Sal-
vador: EDUFBA, 2011.
SILVA, M. M. Entre o discurso crítico e pós-crítico: a Educação Física nos currículos
paranaenses do início do século XXI. Pensar a Prática, Goiânia, v. 13, n. 1, p. 1-18,
jan./abr. 2010.
SOARES, C. L. Educação física escolar: conhecimento e especificidade. Revista Pau-
lista de Educação Física, São Paulo, supl.2, p.6-12, 1996. Disponível em: www.usp.br.
Acesso em: 15 de março de 2017.

308
O PAPEL DO PROFESSOR NO ENCANTAMENTO PELA
LEITURA NA EDUCAÇAO INFANTIL

Francisca Rita de Oliveira 1


Joseneuma Borges de Almeida 2
Sara Pereira Ferreira 3

INTRODUÇÃO
Atualmente vivemos em uma sociedade extremamente consumista e mo-
dernizada, onde o número de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) tem
aumentado consideravelmente. Nesse contexto, vê-se uma necessidade de resgatar
e/ou reformular o que é tido como antigo, memórias ou histórias de um determinado
povo ou lugar. Dessa maneira os livros se fazem de grande valia, na medida em que
ainda atraem muitas crianças e adolescentes.
É um processo que se deve começar na formação da aprendizagem da cri-
ança, o afeto com os livros, que é uma ferramenta indispensável para se construir lei-
tores. A criança é um ser humano em construção e, assim sendo, a educação infantil
trabalha as fases que desenvolve as diversas ações: a coordenação motora, visual, inte-
lectual, social, dentre outras que levam a criança à descoberta de conhecimento e
aprendizagem sólida.
A presente pesquisa visa pensar sobre o desenvolvimento, o aprendizado e o
despertar na criança o encantamento pela leitura. Está baseada em pesquisas biblio-
gráficas de autores que abordam o referido tema e almejasse demostrar possibilidades
de se trabalhar a leitura em sala de aula a partir da Educação Infantil, para formar
leitores assíduos e autônomos.

1
Licenciada em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação Franciscano Nossa Senhora de Fátima e
em Letras- Língua Portuguesa pela Universidade Federal da Paraíba- UFPB. Cursando mestrado
multidisciplinar profissional em Ciências da Educação pela Faculdade de Sidrolândia FACSIDRO.
2
Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Vale do Acaraú- UVA e em Ciências Biológicas
pela Universidade Federal da Paraíba- UFPB. Cursando mestrado multidisciplinar profissional em
Ciências da Educação pela Faculdade de Sidrolândia FACSIDRO.
3
Licenciada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN e em Pedagogia pelo
Instituto Superior de Educação São Judas Tadeu-ISESJT. Cursando mestrado multidisciplinar
profissional em Ciências da Educação pela Faculdade de Sidrolândia FACSIDRO.
DIÁLOGO FREIRIANO

Os professores devem ser incentivadores dessa prática, gostando eles pró-


prios de ler e possuindo um considerável embasamento dessas leituras. Sendo assim
capaz de levarem para as salas de aulas diferentes gêneros textuais. É importante, não
trabalhar apenas com os mesmos livros todos os anos, mas é necessária à sua diversi-
ficação, para que possa incentivar as crianças e despertar nelas o seu imaginário, ali-
ando a atividade de leitura com o conhecimento que o lúdico pode oferecer e dar lugar
à memória e ao sonho.
Inicialmente aborda a leitura no cotidiano da criança, em seguida enfatiza os
benefícios da leitura como recurso pedagógico na Educação Infantil e por fim apre-
senta o desafio cotidiano do professor na inserção desse recurso em sala de aula.
Dessa maneira, o tema abordado é de suma importância, sendo analisado de
maneira contundente, despertando nos profissionais da educação, bem como nos lei-
tores assíduos e mesmo naqueles que estão dando os primeiros passos nesse caminho
das letras, uma reflexão crítica sobre essa temática, contribuindo assim para o conhe-
cimento sobre a literatura infanto-juvenil na educação.

1. A LEITURA NO COTIDIANO DAS CRIANÇAS


A leitura é a descoberta de palavras, de frases, de contextos, que dão sentido
ao que é real e ao que é imaginário. A leitura deve ir além do universo infantil, deve
permanecer na vida adulta e ir além da leitura de livros, mas adentrar na leitura de
mundo, como bem afirma Freire (1982).
A Educação Infantil é a fase fundamental na formação da criança, nesse mo-
mento acontece à inserção no seu meio social e, através da leitura, essa inserção pode
acontecer de forma mais prazerosa e tranquila.
Uma dessas formas é a contação de histórias que desperta na criança o ima-
ginário, além de contribuir com todas as questões que envolvem o processo de aqui-
sição da leitura, como a gramática, a sonoridade e pronúncia das palavras. Como tam-
bém, ampliar a capacidade de recontar histórias reais, fábulas, contos. Outra maneira
bastante eficaz de ensinar a leitura é através do brincar.
Para Moyles (2006, p.46) brincar, como um instrumento de aprendiza-
gem e como parte do processo E o ato de ler corresponde a uma brinca-
deira séria. A leitura infantil no cotidiano familiar e escolar é um brincar, uma forma
de recreação, que contribui de maneira positiva para o desenvolvimento intelectual,
psicológico e social das crianças.
Antunes (2004, p. 31), ressalta que:

310
DIÁLOGO FREIRIANO

[...] no ato de brincar que toda criança se apropria da realidade imediata, atribuindo-
lhe significado. Em outras palavras, jamais se brinca sem aprender e, caso insista em
ima separação, esta série de organizar o que se busca ensinar, escolhendo brincadei-
ras adequadas para que melhor se aprende.

A Educação Infantil possui um leque de variedade em leitura e pode aconte-


cer usando outros materiais e recursos além do livro, como brincar com o quebra-
cabeças, com a massa de modelar, com embalagens, com terra, com figuras e dese-
nhos. Nesse sentido, o brincar é uma maneira de transformar o básico pelo o lúdico.
De acordo com Moyles (2006, p. 26), o brincar é excelência no desenvolvi-
mento intelectual das crianças:

O comportamento de brincar é uma maneira útil de a criança adquiri habilidades


desenvolvimentos- sociais, intelectuais, criativas e físicas. Em primeiro lugar, grande
parte do brincar é social. O brincar sócio dramático e o brincar turbulento necessa-
riamente envolve coordenação de atividades entre um ou mais parceiros.

O professor deve saber a diferença entre o brincar em uma perspectiva for-


mal e informal e o ensinar que contemple a exposição de conteúdos e para a formação
do sujeito, pois o mesmo é o mediador entre a criança e tudo o que vai ser apresentado
na escola.
Já que o professor compartilha seu saber, o mesmo deve ter encantamento e
interesse por histórias infantis para trabalhar em sala de aula. Para que haja a interação
da criança com o mundo das letras, cores e imaginação de forma orientada pelo pro-
fessor, mas é importante que atividades orientadas e não orientadas sejam planejadas,
tendo em vista, objetivos viáveis e alcançáveis. É importante a leitura no cotidiano da
criança, pois estimula a prática na atividade cultural em sua vida. O gosto pela leitura
deve começar antes de ir à escola.
A família é um grande mediador na descoberta do mundo das letras, quanto
mais cedo à criança tiver contato com os livros, mas ela vai gostar de ler. No entanto,
na Educação Infantil, o brincar é essencial na descoberta do conhecimento da criança
na sua aprendizagem, dessa forma, não há limites de estratégias que se esgotem as
possibilidades de se trabalhar a leitura.
Em outras palavras, é evidente que proporcione a interação da criança e o
seu cotidiano e aprendizagem em uma relação ímpar, proporcionando elementos que
a estimulem ao interesse pela descoberta.

311
DIÁLOGO FREIRIANO

1.1 O professor na educação infantil


A educação infantil há muito tempo vem em busca de reforma ou de um
olhar diferenciado. No contexto social a escola e toda a sua estrutura física se caracte-
riza como um ambiente de aprendizagem e de socialização. O educador, nesse as-
pecto, configura-se como um mediador do conhecimento na construção e formação
da criança.
Para Antunes (2008, p. 52),

Além do estímulo que cabe ao professor oferecer, também o ambiente, e as condi-


ções de tranquilidade e emocionais para que o aluno comente livremente o que leu
transmitindo o seu parecer, suas emoções, o que representou para si a leitura feita.

Nesse sentido, o papel do professor na Educação Infantil é provocar na cri-


ança encantamento, no entanto, embora seja possível perceber a curiosidade intrín-
seca e se mostrar em busca de resposta daquilo que está vivendo é o ato pedagógico
que irá promover as condições mais estruturadas para seu pleno desenvolvimento.
O Referencial Curricular Nacional (BRASIL, 1988, p. 31) traz a questão da
interação dos outros métodos dentro da Educação Infantil:

A interação social em situações diversas é uma das estratégias mais importantes do


professor para a promoção de aprendizagens pelas crianças. Assim, cabe ao profes-
sor propiciar situações de conversa, brincadeiras ou de aprendizagens orientadas
que garantam a troca entre as crianças, de forma a que possam comunicar-se e ex-
pressar-se, demonstrando seus modos de agir, de pensar e de sentir, em um ambi-
ente acolhedor e que propicie a confiança e a autoestima.

Como já mencionado, a interação social ajuda no desenvolvimento da


aprendizagem da criança. As práticas de leitura resultam da interação do professor,
na Educação Infantil com os livros, revistas em quadrinhos e outros gêneros infantis,
que se tornam estratégias para estimular a criança no ato de ler.
Nesse contexto Paulo Freire (1982, p.49), enfatiza que leitura da palavra é
sempre precedida da leitura do Em outras palavras, o autor traz a questão de
se trabalhar a leitura na Educação Infantil, como algo capaz de despertar a curiosidade
na criança e introduzi-la em um mundo cheio de fantasia. Quando a criança começa
a decodificar as palavras, ocorre uma interação com o mundo da escrita, portanto a
escola é um ambiente real para formar leitores.
Nesse sentido Solé, (1998, p. 62), afirma que:

O ensino inicial da leitura deve garantir a interação significativa e funcional da cri-


ança com a língua escrita, como meio de construir os conhecimentos necessários
para poder abordar as diferentes etapas da sua aprendizagem.

312
DIÁLOGO FREIRIANO

A autora ressalta que a leitura desenvolve na criança o que é elementar da


fala oral e da escrita, na sua formação enquanto leitor e escritor, ou seja, é através da
leitura que o indivíduo abrange seu conhecimento em diversa área. É importante lem-
brar que o prazer de ler se dá desde cedo, na infância. Quando a criança é incentivada,
a leitura proporciona autonomia na sua aprendizagem. É na infância que a criança
desenvolve suas habilidades e hábitos, gostar de algo envolve vários fatores em nossa
vida, é essencial que o educador estimula a criança em sala de aula a leitura.
Sobre isto, aborda Solé (2004, p. 88), ato de ler há objetivos diversos: es-
tudar, informar, revisar um texto escrito pelo próprio aluno ou simplesmente pelo
Implica dizer que o professor em sala de aula deve trabalhar a leitura de forma
prazerosa e compartilhada, influenciando, assim, o educando a interpretar e produzir
as suas produções, esses são alguns métodos utilizado para tornar leitores ativos.

2. OS BENEFÍCIOS DA LEITURA COMO RECURSO PEDAGÓGICO NA


EDUCAÇÃO INFANTIL
É inegável que a leitura é muito importante no cotidiano das pessoas. Dessa
forma acontece à comunicação, a expressão de opinião e aquisição do conhecimento.
A leitura desperta em nós a curiosidade de pensar, refletir e organizar as ideias. A cri-
ança busca algo que desperto o seu imaginário, as histórias infantis abrem as portas
para o encantamento pela leitura.
Nessa perspectiva Solé, (1998, p. 61), afirma que:

Como aprender e ensinar a ler e a escrever não é uma questão simples, seria muito
útil não despender esforços e energias discutindo se a leitura deveria começar na
Escola da Educação Infantil [...]. Desde muito pequena, as crianças constroem co-
nhecimentos relevantes sobre a leitura e a escrita.

Para autora, o contato da criança com a leitura deve acontecer o mais cedo
possível. Para que haja encantamento pela leitura, o professor deve trabalhar os gêne-
ros literários infantis e, para isso, deve explorar todas as possibilidades pedagógicas,
mesmo aquelas consideradas ultrapassadas como a interpretação de texto, devem ser
consideradas e repensadas, de maneira a atender as necessidades da criança leitora do
século XXI.
A Educação Infantil deve promover um plano didático-pedagógico com ati-
vidades socioeducativas que incentivem a leitura. Como aborda os PCNs acesso
das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o desenvolvimento das
capacidades relativas à expressão, à comunicação, à interação social, ao pensamento,
à ética e à BRASIL (1998 pág. 13).

313
DIÁLOGO FREIRIANO

Para o ministério da educação, a criança passa a maior parte na escola, e as


atividades socioculturais ajudam na construção da ética e valores e também na forma-
ção da criança. No entanto, para se tornar leitor, a criança deve ter contato com livros
e ter encantado por diversos gêneros como a fábula, o cordel, os contos, as cartas, as
notícias de jornais.

2.1 Artes na educação infantil: ferramenta de incentivo à leitura.


A infância proporciona momentos prazeroso, fantásticos, marcantes e lúdi-
cos na criança, a mesma desenvolve hábitos que podem ser considerados essenciais
para estimular o prazer e o gostar de folhear as páginas de um livro. A arte na Educa-
ção Infantil desenvolve todas as etapas desde as cognitivas até as afetivas, que são fun-
damentais no processo de aprendizagem da criança.
O professor de Educação Infantil pode lançar um projeto de artes que con-
temple a formação de leitores para ser inserido no plano pedagógico e, consequente-
mente, na sala de aula.
Para o Referencial Curricular Nacional (BRASIL, 1998, p. 105), as atividades
de artes facilitam no processo de aquisição da leitura, e explicita.

É essencial que se incluam atividades que se concentrem basicamente na leitura das


imagens produzidas pelas próprias crianças (desenhos, colagens, recortes, objetos
tridimensionais, pinturas etc.). Permitir que elas falem sobre suas criações e escutem
as observações dos colegas sobre seus trabalhos é um aspecto fundamental do tra-
balho em artes.

Assim sendo, as atividades de artes são importantes para a formação da cri-


ança. Ao ouvir histórias se estimula o gosto de ler, a música, o teatro de fantoches é
um caminho de aprendizagem para a compreensão do mundo de sonhos e imagina-
ção. A leitura é um espaço para a socialização de cultura do ser humano, onde seus
benefícios para as crianças vão desde o desenvolvimento cognitivo ao simples prazer
de folhear um livro

2.2 Os gêneros literários na educação infantil


O contato com leitura literária proporciona desenvolvimento no processo
de aprendizagem da criança. O professor é um mensageiro, que estimula e envolve as
crianças para o encanto pela leitura. É de grande importância se trabalhar a leitura na
Educação infantil. É através do ouvir as histórias, os contos de fadas e as fábulas que a
criança se encanta pelo universo das letras. Para que haja encantamento pela leitura,
o professor deve trabalhar os gêneros literários infantis.

314
DIÁLOGO FREIRIANO

No tocante aos gêneros, Meireles (1984, p. 32), ressalta que:

A criança tem um apetite voraz pelo belo e encontra na literatura infantil o alimento
adequado para os anseios da psique infantil. Alimento, esse, que traduz os movi-
mentos interiores e sacia os próprios interesses da criança. A literatura não é, como
tantos supõem, um passatempo. É uma nutrição.

Desse modo, o contar ou ler histórias literárias infantis em sala de aula faz a criança
questionar e associar os elementos narrado nas histórias; como: uma o ou
entre outras que constrói sonhos e imaginações. É importante que o trabalho com o
texto literário esteja incorporado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma
forma específica de conhecimento.
Na Educação Infantil as crianças adoram ouvir histórias, os contos de fadas
e até mesmo interpretar ou viver os personagens, são momentos vividos por elas que
enriquecem a sua capacidade de buscar o conhecimento através da percepção sobre a
leitura contidas nos livros.
Para Abramovich (1989, p. 15), o primeiro contato da criança com um texto
geralmente é através das histórias contadas oralmente, sejam por seus familiares ou
professores. Esse é o início da aprendizagem, compreensão e descobertas importantes
na formação da criança. As histórias podem ser contadas durante o dia, numa tarde
de chuva ou à noite, antes de dormir, preparando para o sono gostoso e reparador
embalado por uma voz amada. É poder rir, sorrir, gargalhar com as situações vividas
pelos personagens, com a ideia do conto ou com o jeito de escrever de um autor e,
então, pode ser um pouco cúmplice desse momento de humor, de gozação.
Para Coelho (2000, p. 15), a leitura é fundamental na formação do indivíduo,
ao ressaltar que:

Estamos com aqueles que dizem: Sim. A literatura, e em especial a infantil, tem uma
tarefa fundamental a cumprir nesta sociedade em transformação: a de servir como
agente de formação, seja no espontâneo convívio leitor/livro, seja no diálogo lei-
tor/texto estimulado pela escola. [...] É ao livro, à palavra escrita, que atribuímos a
maior responsabilidade na formação de consciência de mundo das crianças e dos
jovens.

É no ato pedagógico que irá promover as condições mais estruturadas para


seu pleno desenvolvimento de aprendizagem. Sendo assim, o educador precisa res-
peitar cada necessidade que a criança tem. É, pois, nessa hora que o educador no ato
de ensinar e de transmitir o conhecimento específico deve ser uma corrente afetiva
pela leitura e nas atividades proposta em sala de aula.
A Educação Infantil é um período preparatório para desenvolver sua apren-
dizagem durante a alfabetização, e esse contato com os livros desse de cedo à criança
vai adquirir um domínio eficaz sobre a leitura.

315
DIÁLOGO FREIRIANO

Aguiar (2016, p. 112), ressalta que: interesses voltam-se, nesta fase, para
histórias curtas e rimas, em livros com muitas gravuras e pouco texto escrito, que per-
mitem a descoberta do sentido mais pela linguagem visual do que pela O tra-
balho com a leitura na educação infantil possibilita à criança criar as suas próprias
produções imaginárias.

3. O DESAFIO DO PROFESSOR EM SALA DE AULA


O professor de Educação Infantil é peça fundamental na formação da cri-
ança, pois o mesmo é estimulador/mediador do conhecimento e na valorização do
indivíduo para atuar na sociedade. A criança constrói a sua própria identidade por
meio do conhecimento adquirido em sala de aula.
O desafio em sala de aula, que o profissional de Educação Infantil encontra
é bastante grande, os recursos pedagógicos que o mesmo tem são: o quadro negro e
os livros de didáticos, no entanto o educador deve ter estratégias e métodos para um
novo ensino, pois a criança é um ser, capaz de criar, modificar e construir o seu pró-
prio conhecimento.
De acordo com Souza (2007, p. 42), a base da formação do ser humano está
na educação.

A educação é componente fundamental do processo de formação de sujeito socio-


cultural, inclusive de bacharéis, sujeitos que tem memória, estão inseridos em espa-
ços econômicos, social, político e culturais distintos, contraditórios e conflituosos e
portam direitos e deveres que expressam uma construção histórico-social.

Assim, o professor precisa acreditar, e ser renovador de ideias para uma pe-
dagogia de ensino. É nessa visão de educar, que o professor auxilia no desenvolvi-
mento afetivo, emocional e ético da criança. A sala de aula é um ambiente de relacio-
namento entre aluno e professor. No entanto, o desafio do professor é conscientizar
o aluno, de que a leitura deve fazer parte do seu cotidiano.
Segundo o Referencial Curricular Nacional BRASIL (1997, p. 38), enfatiza
que:

A proposta de transversalidade traz a necessidade de a escola refletir e atuar consci-


entemente na educação de valores e atitudes em todas as áreas, garantindo que a
perspectiva político-social se expresse no direcionamento do trabalho pedagógico;
[...].

316
DIÁLOGO FREIRIANO

Nessa perspectiva, a leitura proporciona na criança motivação, estímulo, o


encantamento, pelo os livros, nessa perspectiva de formação de leitor, possam-se, di-
zer que a leitura é fundamental para construção do desenvolvimento ético do ser hu-
mano. É com essa socialização que o educador promove laço afetivo com a criança.
É nesse processo de socialização que a relação afetiva faz parte do outro. É
nessa perspectiva, que o educador se torna fundamental na vida da criança, no seu
período de adaptação no contexto escolar, sendo assim vemos afetividade como um
dos elementos que influenciam esse processo de aprendizagem.
Segundo o Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil (1998, p.
30), mostra a figura do professor na vida da criança.

O professor é mediador entre as crianças e os objetos de conhecimento, organi-


zando e propiciando espaços e situações de aprendizagens que articulem os recursos
e capacidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas de cada criança aos seus co-
nhecimentos prévios e aos conteúdos referentes aos diferentes campos de conheci-
mento humano.

O sujeito no meio social cria vínculos afetivos construídos por base de inte-
ração no ambiente que está inserido. São diversos tipos de relacionamentos dentro de
uma sociedade que o objeto, ou seja, o indivíduo cria forma de estimulo para
expressar seu vínculo afetivo com o professor em sala de aula.
Devemos salientar que o ambiente para um processo positivo na aprendiza-
gem é o cotidiano escolar, é nesse ambiente que os indivíduos vão expor seu afeto,
educador e criança criam laço afetivo para vida toda.
A socialização se dá através da interação e o relacionamento de convivo so-
cial de um ou mais indivíduos inseridos. A relação de afetividade se desenvolve por
meio de contato físico do ser humano e da interação compartilhada culturalmente. É
nesse processo de socialização afetivo que a Educação Infantil tem um papel funda-
mental na infância da criança.
Os reflexos de sentimento afetivo fazem parte da formação da criança na
educação infantil, que mais tarde esse mesmo reflexo; refletirá vínculo afetivo por
vida. É nesse desenvolvimento afetivo que melhora aprendizagem e na sua personali-
dade no contexto social.

4.1 O professor e o encantamento pela leitura


O professor de Educação Infantil é alguém muito especial na vida da criança.
Há momento em sala de aula que a leitura se torna inesquecível, para a criança é uma

317
DIÁLOGO FREIRIANO

brincadeira, para cada história contada e ouvida, o professor parece se tornar o super-
herói.
A criança passa a maior parte do seu tempo na escola, mas sabe-se que a fa-
mília é fundamental no desenvolvimento psicológico, cognitivo e afetivo. É no ambi-
ente familiar que se propicia a construção de leitores, se a criança vive em um ambi-
ente onde seu país está sempre lendo, a mesma vai ser um eleitor ativo.
Nesse contexto, Rubem Alves (1980, p. 13), ressalta a importância de ser pro-
fessor.

Mas professores são habitantes de um mundo diferente, onde o pouco


importa, pois o que interessa é um cultural que o aluno adquire numa dis-
ciplina identificada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma di-
ferença faz aquele que a ministra.

Esses fatores como dedicação, encantamento pela leitura, motivação são im-
portantes no processo de aprendizagem da criança. Para que se tenha êxito na Educa-
ção Infantil, o professor deve buscar mais formação no conhecimento sobre o pro-
cesso de ensino e de aprendizagem. Trabalhar em sala de aula com atividade lúdica
que envolve a leitura isso estimula a criança a lê e ter contato com diversas formas
escritas no universo de leitura.
Dessa forma, Souza (2007, p. 21), traz a formação do professor com uns dos
pontos essenciais para educação.

Assim, a formação para a percepção do papel que exerce o professor na sociedade e


do próprio papel da educação passa a ser importante, ao lado da formação para a
compreensão ativa do significado das tecnologias nas relações humanas.

É nessa perspectiva, pois, que o autor mostra a importância da formação do


professor. Entretanto, o professor precisa ter respeito pela profissão, deve gostar de
ler. É dessa maneira que acreditamos que o futuro de nossas crianças está nas mãos,
do professor de educação infantil. É na formação do professor que possamos criar es-
tratégica pedagógica no ambiente lúdico, e favorável ao encantamento da criança pela
leitura.
O encantamento do lúdico e do brincar com os livros e histórias infantis des-
pertam seu mundo imaginário, que desenvolvem na criança as suas habilidades e
competência de pensar, refletir, aprender a ter autonomia. Esse mundo deve ser co-
nectado a Educação Infantil, no entanto, o ato de educar não deve ser visto como um
passatempo ou um brincar. Educar se faz com amor e encanto e dedicação, onde es-
cola e família devem trabalhar juntas e prol de uma forma completa desse indivíduo.

318
DIÁLOGO FREIRIANO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em face aos dados apresentados somos levados a acreditar que a leitura no
cotidiano da criança na Educação Infantil é de grande importância à formação de fu-
turos leitores. No entanto, são muitos os desafios postos aos profissionais para aten-
derem às necessidades na formação da criança e leitores em um mundo informatizado
e imediatista.
Entretanto, o professor é o principal mediador entre a criança e seu gosto
pela leitura. Para isso ele deve buscar mecanismos que despertem o interesse da cri-
ança, procurando trabalhar em conjunto com toda escola. O encanto pela leitura e o
papel do professor é essencial para despertar o interesse por vários gêneros literários.
O objetivo do núcleo pedagógico, escola, professor e aluno é adquirir uma aprendiza-
gem social e cultural que a leitura nos leva ao conhecimento e a formação de leitores.
Ao fazer a exposição em sala de aula do que leu, e contar história com fanto-
che, e livro pedagógico de tecido ilustrado, a criança dispõe de maneiras lúdicas de
desenvolver também a escrita e a oralidade, que permitirão aos mesmos um preparo
para os níveis mais elevados de ensino.
Assim sendo, a Educação Infantil torna-se o principal caminho para desper-
tar na criança o encantamento pela leitura, e o papel do professor é incentivar a leitura
deste a mais tenra idade, buscando desenvolver suas habilidades e aptidões em todo
processo de aprendizagem e afeiçoamento intelectual.

319
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: Gostosuras e bobices. São Paulo: Sci-
pione, 1989.
ALVES, R. Conversa Com Quem Gosta de Ensinar. Guarulhos, São Paulo: Cortez
Editora, 1980.
ANTUNES, W. A. Lendo e formando leitores: orientações para o trabalho com a
literatura infantil. Circuito Campeão. v. 1. São Paulo: global, 2008.
BRSIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamen-
tal. Referencial curricular nacional para a educação infantil / Ministério da Edu-
cação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
1998.
________. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
nal. Brasília: Ministério da Educação, 1996.
________. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
apresentação dos temas transversais, ética / Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC/SEF, 1997.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
________. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo, Olho
D´Àgua, 1993, 127 p.
________. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 23. ed.
São Paulo: Cortez, 1989.
MEIRELES, C. Problemas da literatura infantil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 1984.
MOYLES, J. R. A Excelência do Brincar: A Importância da Brincadeira na Transi-
ção Entre Educação Infantil e Anos Iniciais. Porto Alegre: Artmed, 2006.
SOLÉ. I. Estratégias de leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
SOUZA, J. V. A. Formação de Professores Para a Educação Básica: Dez anos de
LDB. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
Webartigos:
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf acesso em 12/ 10/2018.
http://portaldeperiodicos.eci.ufmg.br/index.php/moci/article/viewFile/2162/1359
acesso em 10/11/2018.- acesso em 12/10/2018
https://fapb.edu.br/wp-content/uploads/sites/13/2018/02/especial/10.pdf-
https://monografias.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/4376/6/Import%C3%A2nci
aDaLeituraPrazerosa_Artigo_2016.pdf acesso em 03/11/2018.

320
LINGUAGEM E GÊNERO TEXTUAL:
UMA ANÁLISE DAS FÁBULAS EM DOIS LIVROS
DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO 6° ANO

Lillian Gonçalves de Melo 1


Suerdes Oliveira da Silva 2
Tatiane Oliveira da Silva 3

INTRODUÇÃO
Nesta pesquisa discute-se sobre a relação entre a Linguagem e o gênero tex-
tual fábula - em dois livros didáticos do 6º ano. Sabe-se que os gêneros textuais são
fundamentais para o desenvolvimento da linguagem e estão presentes em qualquer
contexto social. Além disso, o livro didático corresponde a um recurso pedagógico
utilizado com frequência no contexto escolar, que possui um investimento conside-
rável do Governo Federal.
O problema norteador desta pesquisa é saber quais elementos presentes nos
livros didáticos, em relação ao gênero textual fábula, condizem com as propostas de
ensino- aprendizagem previstas no Conteúdo Básico Comum (CBC). A hipótese é
afirmar que as propostas didáticas presentes nos livros didáticos exploram questões
gramaticais de forma isolada ou elementos explícitos que pouco contribuem para a
compreensão das condições de uso da linguagem.
O objetivo geral desta pesquisa é investigar como é abordado o gênero tex-
tual fábula, em dois livros didáticos de Língua Portuguesa do 6° ano, a fim de avaliar
se as propostas didáticas dos livros condizem com o que está previsto no Conteúdo
Básico Comum (CBC) de Língua Portuguesa a fim de propiciar a representação da
linguagem em uso nos diversos contextos sociais.
Esta pesquisa adotou um estudo qualitativo, além disso, uma pesquisa bibli-
ográfica pautando-se na fundamentação teórica dos estudos de Coelho (2000), Mar-
cuschi (2008), Antunes (2009); além das orientações do Conteúdo Básico Comum-
CBC (2005). O corpus de anállise são dois livros didáticos de Língua Portuguesa do

1
Docente do IFNMG/ Araçuaí, doutora em Linguística e Língua Portuguesa pela PUC-Minas.
2
Licenciatura em Pedagogia pelo INCISOH/ FUNORTE.
3
Licenciatura em Pedagogia pelo INCISOH/FUNORTE
DIÁLOGO FREIRIANO

6° ano. Sendo que um desses livros é de uma Escola Municipal e o outro é utilizado
por uma Escola Estadual, ambas situadas na cidade de Januária M.G. Foram selecio-
nadas todas as propostas didáticas dos livros que utilizam o gênero fábula, tanto para
produção, leitura, interpretação ou que tratam de questões gramaticais.

GÊNEROS TEXTUAIS NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA


Segundo Marcuschi (2008), o estudo acerca dos gêneros textuais não é novi-
dade. No Ocidente, os gêneros são investigados há pelo menos vinte e cinco séculos.
O estudo destes iniciou-se com Platão numa linha poética e com Aristóteles na linha
retórica. Inicialmente a palavra estava vinculada aos literários que circulam
na esfera artística e cultural, mas mudou a perspectiva devido ao reconhecimento de
que os gêneros textuais não se limitavam a estes. Atualmente, está relacionada a vari-
edades de gêneros do discurso, tanto oral quanto escrito, com ou sem tradições literá-
rias.
Cabe citar que, devido às áreas de pesquisa, têm-se gêneros textuais e gêneros
discursivos; os primeiros são tipos de textos que circulam em diversos contextos soci-
ais, segundo Marcuschi (2008); essa terminologia pauta-se na área de estudos da Lin-
guística Textual que visa investigar questões relacionadas a nível textual, compreen-
dendo o texto como um processo em construção, que pauta-se nos diversos usos so-
ciais.
Os gêneros discursivos baseiam-se nas pesquisas de Mikhail Bakhtin, que
estão relacionadas a proposta dos estudos voltados para a Análise do Discurso, que
concebem os gêneros discursivos como enunciados que refletem as condições espe-
cíficas e as finalidades de cada referido campo, não só por seu conteúdo pelo seu estilo
da linguagem [..] mas, acima de tudo, por sua construção composicional (BAKHTIN,
2010, p.261). Assim, o autor trata os gêneros discursivos sob o viés da enunciação, na
qual todo enunciado, seja ele particular ou individual, possui seu campo de utilização
na língua com tipos relativamente estáveis de enunciados.
Para Marcuschi (2008, p. 155), gêneros são formas textuais escritas ou
orais, bastante estáveis, histórica e socialmente ou seja, os gêneros textuais
são variados, com características e funções próprias. Na proposta deste trabalho,
adota-se a concepção de gênero textual, porque serão analisados textos nos livros di-
dáticos de Língua Portuguesa do 6° ano, tomando como base os estudos de Marcuschi
que baseia-se na vertente da Linguística Textual.
De acordo com o autor, pode-se citar como gêneros textuais: telefonema,
carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem, receita culinária, bula de

322
DIÁLOGO FREIRIANO

remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, resenha, edital de concurso, con-


versação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate papo por computador, aulas
virtuais, entre outras; visto que a quantidade de gêneros é infinita, porque a cada ins-
tante são criados novos gêneros e outros caem em desuso devido a sua função sócio-
comunicativa.
Os diferentes gêneros textuais apresentam um tipo textual predominante, ou
seja, uma tipologia. A esse respeito Marcuschi (2008) diz que tipos textuais são ma-
neiras de organizar os textos. Podem ser narrativos, descritivos, expositivos, argumen-
tativos e injuntivos. Geralmente cada texto contém mais de uma tipologia, porém uma
predomina.
Marcuschi (2008) diz que o domínio discursivo está relacionado às esferas
de circulação jornalística, religiosa, familiar, jurídica, entre outras. O domínio discur-
sivo não constitui um gênero em si, mas dele origina-se outros gêneros. As esferas de
atividades humanas se relacionam ao uso da língua oral e escrita nas relações sociais
Para Marcuschi (2008, p.174) suporte é: locus físico ou virtual com formato es-
pecífico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como

O suporte textual livro didático de Língua Portuguesa incorpora vários gê-


neros textuais. Eles não mudam suas identidades originais ao serem incorporados ao
livro didático, ou seja, uma fábula, uma receita culinária, um conto, um poema, uma
história em quadrinhos mantém suas origens mesmo sendo apresentados no livro di-
dático. Os gêneros textuais são fundamentais para o estudo da língua, pois há varie-
dades de gêneros orais e escritos, quando bem explorados, os alunos desenvolvem as
competências da leitura e da escrita, da fala, e da escuta. Os pronomes, a gramática, os
verbos devem ser explorados de acordo com as condições de uso que estão inseridos
nos gêneros, conforme afirma Antunes (2009).

O GÊNERO TEXTUAL FÁBULA


De acordo com Cereja e Magalhães (2010, p. 66) fábula é um gênero nar-
rativo ficcional bastante popular e existe há mais ou menos 2.800 Não há regis-
tro oficial de quem a criou, mas sabe-se que este gênero nasceu no Oriente, na tradição
popular oral e foi reinventado no século VI a.C, no Ocidente pelo escravo grego
Esopo, que atualmente é considerado o pai da fábula. No entanto, foi La Fontaine que
introduziu esse gênero definitivamente na literatura Ocidental no século XVII.

323
DIÁLOGO FREIRIANO

Para Coelho (2000, p. 165), (lat. fari = falar e gr. phaó = dizer, contar
Esse gênero textual foi criado inicialmente para o público adulto com a inten-
ção de levar o homem a refletir sobre certo ou errado, justo ou injusto. Além de alertar
sobre acontecimentos que podem ser reais, serve de críticas a comportamentos hu-
manos e de ironia aos homens. O gênero textual fábula possui como protagonistas
animais irracionais que vivem numa situação humana e transmite certa moralidade.
Embora tenha sido criada para os adultos, a fábula agradou tanto as crianças que foi
incorporada na Literatura Infantil. Atualmente, é destinada ao público infanto-juve-
nil também, sua função é divertir e instruir seus leitores.
Segundo Vale (2001), o gênero textual fábula é estruturado em duas partes.
A parte narrativa, ou corpo, na qual se realiza as ações dos personagens e a parte mo-
ral, a alma, que explicita o ensinamento pretendido. Esse gênero pode ser estruturado
em prosa ou versos. Em sua origem, a fábula era estruturada em versos. Na sua estru-
turação, primeiro aparece a apresentação da personagem, ou seja, o contexto da situ-
ação. Posteriormente, surge o conflito e a resolução deste, ou a ação. Na finalização
ocorre a moral, que por vezes aparece implícita no texto. Coelho (2000) diz também
que nesse gênero as personagens expressam sempre uma simbologia; o leão, por
exemplo, significa força, majestade, poder; a raposa, astúcia, esperteza; entre outros.
De acordo com leituras realizadas acerca do gênero fábula, percebe-se que
ainda há quem confunda esse gênero com outros. Nesse sentido, de acordo com Co-
elho (2000), cabe citar, por exemplo, os gêneros Apólogo e Parábola. Essas modalida-
des literárias também apresentam moral explícita ou implícita. No entanto, se diferem
na caraterização de suas personagens. O gênero Apólogo é protagonizado por objetos
inanimados (plantas, relógios, estátuas, rios, pedras, agulha, linha, dentre outros.). Em
contrapartida, gênero Parábola tem como protagonistas seres humanos. Em relação
ao gênero fábula, como já citado anteriormente, suas personagens são animais irraci-
onais. O gênero fábula é recomendado para crianças, principalmente, porque apre-
senta um discurso alegórico e possibilidade de discussão acerca da moral. As crianças
são instigadas a fazerem questionamentos e analogias com a realidade vivenciada.
De acordo com Alba Maria Perfeito, Eliza Adriana Sheuer Nantes e Neluana
Leuz de Oliveira Ferragini em artigo intitulado de de Trabalho Docente: O
gênero fábula e o Processo de Análise as autoras afirmam que a fábula
não estabelece tempo preciso da história que está sendo contada; devido a isso, apare-
cem expressões do tipo: dia ou manhã entre outras. Para as
pesquisadoras, foram vários os autores que prestaram contribuições significativas
para a expansão do gênero fábula ao longo da história. O escravo grego Esopo foi um

324
DIÁLOGO FREIRIANO

desses contribuintes. Ele viveu 550 a.C. e não registrava suas fábulas que eram de ori-
gem oral popular. Alguns estudiosos se arriscam a afirmar que as fábulas existiam há
pelo menos mil anos antes de Esopo. No século II a.C.; os destaques são para Babrios
e Fredo, sendo Fredo considerado um grandioso fabulista antigo. Romano, também
filho de escravo, redimensionou a estética da fábula. No século XVII, as contribuições
acerca desse gênero são direcionadas ao francês Jean de La Fontaine, que premia os
franceses com sua coleção de fábulas, nas quais muitas delas seguiam os modelos de
Esopo e Fredo.
De acordo com Zenaide Maia, em artigo intitulado como Ensino de Lei-
tura a partir do gênero fábula destaca, como escritor de fábulas, Millôr Fernandes,
década de 60. Segundo a autora, Millôr publicou o autor tratava
de temas políticos com humor sarcástico e estabelecia um tom mais moderno a antiga
forma das fábulas. No Brasil, além de Millôr Fernandes, pode-se dar ênfase também
ao autor Monteiro Lobato, que recria e reconta narrativas dos fabulistas clássicos
como as de Esopo e de La Fontaine, além de contar suas próprias fábulas. Ao recontá-
las, Monteiro Lobato realizava adaptações a fim de aproximar as histórias a realidade
do leitor brasileiro.

ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS


Os dados analisados nesta pesquisa foram coletados em dois livros didáticos
de Língua Portuguesa do 6° ano. O primeiro livro é Português: linguagens, 6° ano:
língua portuguesa, dos autores Willian Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães,
esse recurso didático é utilizado por uma Escola Estadual. O segundo livro é Vontade
de saber português, 6° ano das autoras Rosimeire Aparecida Alves Tavares e Tatiane
Brug Nerotto Conselvan; esse livro didático é utilizado por uma Escola Municipal.
No livro didático Português: linguagens, 6° ano: língua portuguesa foram
encontradas quatro fábulas sendo elas: dois de Esopo, mosca e a
de Monteiro Lobato, urso e a de Esopo, sapo e o escor-
recontada por Heloisa Prieto. No livro didático Vontade de saber português, 6°
ano foram encontradas três fábulas intituladas: assembleia dos de Ivana Ar-
ruda Leite, mulher e sua recontado por Kátia Canton e pastor e os
de Esopo recontado Felipe Torre.
No livro didático Português: linguagens, 6° ano: língua portuguesa, de Ce-
reja e Magalhães, há uma brevíssima discussão acerca das características e origem do
gênero textual fábula, como, por exemplo, quando relata que fábulas são pequenas
histórias que geralmente têm animais como personagens [...] as fábulas são antigas.

325
DIÁLOGO FREIRIANO

Nascidas no Oriente, elas foram reinventadas no Ocidente pelo escravo (CE-


REJA e MAGALHÃES, 2010, p.17).
Com base nos tópicos do CBC, a análise das atividades presentes nos livros
didáticos foi organizada em: Contexto de produção e circulação; Organização Temá-
tica; Seleção Lexical e Efeitos de Sentido; Vozes do Discurso; Textualização do Dis-
curso Narrativo; Organização Temática. A seguir haverá a análise e discussão das ca-
tegorias identificadas nos livros didátios a partir dos tópicos e subtópicos do CBC.
Para uma melhor compreensão, adota-se como método de organização a análise de
cada um dos livros didáticos separadamente.

LIVRO DIDÁTICO - PORTUGUÊS LINGUAGENS, 6º ANO LÍNGUA PORTU-


GUESA
No livro didático de Cereja e Magalhães (2010), ao todo há dez atividades
relacionadas às fábulas. Na categoria - Contexto de produção, circulação e recepção
de textos - foi encontrada uma atividade nos subtópicos situações sociais de uso do
texto/gênero e domínio discursivo, objetivo da interação textual e função sociocomu-
nicativa do gênero, a seguir:
Figura 1 - Atividade - Tópico 1 - Contexto de produção, circulação e recepção de textos.

Fonte: Cereja e Magalhães, 2010, p.193.

Nessa atividade, o aluno deve o objetivo comunicativo (finali-


dade ou função sociocomunicativa) de um texto ou gênero textual (BRASIL- CBC,
2005, p. 34). Isso exige que o aluno faça uma análise detalhada da fábula, instigando-
o a criar hipóteses, relacionando-as com o conhecimento prévio sobre o assunto, para,
a partir daí, inferir qual é a mensagem a ser transmitida. Além disso, perceber a função
sociocomunicativa da fábula, que é realizar um ensinamento para que o interlocutor
perceba a moral da história e aplique-a no seu cotidiano.
Na categoria Organização temática, no subtópico implícitos, pressupostos e
subentendidos identificou-se três atividades, observe:
Figura 2- Atividade - Tópico 3 - Organização temática.

Fonte: Cereja e Magalhães, 2010, p.193.

326
DIÁLOGO FREIRIANO

Nessa proposta, o aluno precisa informações (dados, fatos, argumen-


tos, conclusões...) implícitas em um (BRASIL- CBC, 2005, p.36). A atividade
possibilita perceber o uso do pronome pessoal em condição de uso, ou seja, con-
textualizado, pois relaciona o pronome pessoal inserido numa dada situação comuni-
cativa. Isso facilita a assimilação do conteúdo, visto que a matéria não é apresentada
mecanicamente.
Na categoria Seleção lexical e efeitos de sentido, no subtópico significação de
palavras e expressões foi encontrada apenas uma atividade. Veja a seguir:
Figura 3- Atividade - Tópico 4 - Seleção lexical e efeitos de sentido.

Fonte: Cereja e Magalhães, 2010, p.193.

Na atividade acima, o aluno deve o significado de palavras e expres-


sões usadas em um (BRASIL- CBC, 2005, p.37). Nessa atividade, o aluno é ins-
tigado a inferir o significado e o sentido de um pronome possessivo no contexto de
uma situação comunicativa, exigindo uma percepção (implícita) a partir do contexto
para estabelecer o pressuposto que esse pronome estabelece uma ideia de ao
personagem responsável pelo dizer no diálogo presente na fábula.
Foram identificadas quatro atividades na categoria - Vozes do discurso,
sendo três no subtópico modalização e argumentatividade: uso de recursos linguísti-
cos (entoação e sinais de pontuação, adjetivos, substantivos, expressões de grau, ver-
bos e perífrases verbais, advérbios, operadores de escalonamento, etc.) [...]. Escolheu-
se a atividade abaixo para discussão:
Figura 4- Atividade - Tópico 6 - Vozes do discurso.

Fonte: Cereja e Magalhães, 2010, p.105.

327
DIÁLOGO FREIRIANO

Na atividade acima o aluno deveria estratégias de modalização e argu-


mentatividade na produção de textos em função dos efeitos de sentido
(BRASIL- CBC, 2005, p.38). Essa atividade não explora o gênero textual fábula e nem
o seu contexto, é apenas uma prática mecânica de pontuação que muitas vezes difi-
culta o entendimento dos alunos. Embora anteriormente houve a explicação da fun-
ção do travessão em diálogos faltou uma representação do contexto enunciativo da
fábula. Para ser mais atrativa essa proposta necessita de práticas orais mediadas pelo
professor para que o aluno possa perceber a finalidade de uso dos sinais de pontuação.
No subtópico recursos linguísticos de representação do locutor e/ou desti-
natário do texto e seus efeitos de sentido encontrou-se uma atividade. Veja a seguir:
Figura 5- Atividade - Tópico 6 - Vozes do discurso.

Fonte: Cereja e Magalhães, 2010, p.104.

Na atividade acima o aluno deve posicionamentos enunciativos


presentes em um texto e suas vozes (BRASIL- CBC, 2005, p.38).
Dessa forma, precisa ter um conhecimento prévio sobre enunciação, locutor, locutá-
rio, ou seja, interlocutores. A partir desse conhecimento conseguirá reconhecer a voz
e o posicionamento do personagem (interlocutor) responsável pelo dizer. Na catego-
ria Textualização do discurso narrativo (ficcional) no subtópico fases ou etapas, en-
controu-se uma atividade. Observe abaixo:
Figura 6- Atividade - Tópico 8 - Textualização do discurso narrativo (ficcional).

Fonte: Cereja e Magalhães, 2010, p.104.


Nessa atividade o aluno precisa e usar as fases ou etapas da nar-
ração em um texto ou sequência (BRASIL- CBC, 2005, p.40). Nota-se que
não há êxito nessa atividade, porque pede-se que o aluno apenas conte quantos pará-
grafos há no texto, não há uma discussão acerca do conteúdo nem da sequencialidade
que o texto possui.

LIVRO DIDÁTICO VONTADE DE SABER PORTUGUÊS, 6º ANO


No livro didático Vontade de Saber Português, 6° ano, das autoras Tavares e
Conselvan. Esse livro possuiu sessenta e uma atividades, dezoito delas refere-se à ca-
tegoria Contexto de produção, circulação e recepção de textos; quatro do subtópico

328
DIÁLOGO FREIRIANO

situação comunicativa: produtor e destinatário, tempo e espaço da produção; grau de


intimidade entre os interlocutores. Observe a atividade abaixo:
Figura 7 - Atividade - Tópico 1 - Contexto de produção, circulação e recepção de textos.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.75.

Nessa proposta o aluno precisa os gêneros de texto às práticas


sociais que os (BRASIL- CBC, 2005, p.35). É uma atividade interessante,
pois desperta a necessidade de fazer analogia da fábula com a realidade, exigindo co-
nhecimento prévio e reflexão da situação comunicativa do gênero textual proposto. É
uma proposta de reflexão oral entre o leitor, professor e autor, ambos interlocutores.
No subtópico pacto de recepção do texto, foram identificads duas atividades.
Veja uma delas a seguir:
Figura 8- Atividade - Tópico 1 - Contexto de produção, circulação e recepção de textos.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.84.

Essa proposta acima requer que o aluno saiba o objetivo comu-


nicativo (finalidade ou função sociocomunicativa) de um texto ou gênero textual
(BRASIL- CBC, 2005, p.34). A escolha se deu por acreditar que é uma atividade desa-
fiadora, requer do aluno discernimento, pois envolve vários aspectos. O aluno traba-
lhará em equipe e o desenvolvimento acontecerá em etapas. Desse modo, o aluno ana-
lisará as opiniões de outras pessoas acerca de sua produção desenvolverá uma pes-
quisa para assim saber o nível de aceitação do trabalho desenvolvido. É uma atividade
excelente, pois exige do aluno criticidade, bom senso, leitura acerca do assunto e, a
partir dos resultados, deverá se posicionar de maneira imparcial.
No subtópico situações sociais de uso do texto/gênero foram encontradas
treze atividades. Observe a seguir:

329
DIÁLOGO FREIRIANO

Figura 9- Atividade - Tópico 1 - Contexto de produção, circulação e recepção de textos.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.76.

Nessa atividade o aluno deve os gêneros de texto às práticas so-


ciais que os (BRASIL- CBC, 2005, p.35). A atividade garante ao aluno a
autonomia. Através dessa proposta ele socializa, troca opiniões, desenvolve a orali-
dade e discute sobre questões cotidianas. Essa é o tipo de atividade que abrange vários
aspectos que condizem com as propostas do CBC (2005) que pontuam a necessidade
de considerar o conhecimento de mundo dos educandos. A proposta dessa atividade
aborda a realidade vivenciada pelos alunos a partir de reflexões fomentadas pela lei-
tura e discussão da fábula assembleia dos
Na categoria Organização temática encontrou-se apenas uma atividade,
classificada no subtópico título-texto (subtítulo/partes do texto). Observe abaixo:
Figura 10- Atividade - Tópico 3 - Organização temática.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.80.

Nessa atividade o aluno deve título e subtítulos a um texto ou


partes de um (BRASIL- CBC, 2005, p.36). Essa proposta exige do aluno enten-
dimento acerca do texto em questão, para fazer a ligação título/texto. Além disso, ex-
plora a criatividade para avaliar se o título está adequado e solicitar outro título que
seja possível para essa fábula.
Na categoria Seleção lexical e efeitos de sentido constatou-se nove ativida-
des. Sendo cinco delas relacionadas ao subtópico significação de palavras e expressões.
Veja a atividade abaixo:
Figura 11 Atividade- Tópico 4 - Seleção lexical e efeitos de sentido.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.76.

330
DIÁLOGO FREIRIANO

Nessa atividade o aluno deve o significado de palavras e expressões


usadas em um (BRASIL- CBC, 2005, p.38). Essa atividade aborda o sentido da
palavra de forma contextualizada a nível enunciativo, pois o sentido é compreendido
na oração. Além disso, o estudante deverá perceber o sentido da expressão
na sentença ratos foram saindo de fininho, com as desculpas mais esfarrapadas:
difere do sentido proposto que significa sair disfarçadamente.
No subtópico recursos lexicais e semânticos de expressão: sinonímia, anto-
nímia, hiperonímia, hiponímia, neologia, comparação, metáfora, metonímia..., foram
identificadas três atividades. Observe abaixo:
Figura 12 -Atividade - Tópico 4 - Seleção lexical e efeitos de sentido.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p. 77.

Nessa proposta o aluno precisa recursos lexicais e semânticos


usados em um texto e seus efeitos de (BRASIL- CBC, 2005, p.37). Essa pro-
posta de atividade é interessante, pois exige que aluno saiba associar uma palavra a
outras, ampliando seu repertório lexical. Com isso, durante uma produção textual,
por exemplo, o aluno irá associar palavras sinônimas para estabelecer a coesão textual
de forma eficaz.
No subtópico efeitos de sentido da seleção lexical do texto [...], constatou-se
apenas uma atividade. Veja a atividade abaixo:
Figura 13- Atividade - Tópico 4 - Seleção lexical e efeitos de sentido.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p. 82.

Nessa atividade o aluno precisa o significado de palavras e expressões


usadas em um (BRASIL- CBC, 2005, p.37). Essa proposta é importante, porque
exige do aluno interpretação acerca do texto. A resposta não está pronta, o discente é
induzido a inferir informações através do entendimento do que significa a escolha le-
xical da expressão de

331
DIÁLOGO FREIRIANO

Na categoria Vozes do discurso, encontraram-se quatro atividades, sendo


duas do subtópico vozes locutoras e seus respectivos destinatários (alocutários). Ob-
serve a atividade abaixo:
Figura 14- Atividade - Tópico 6 - Vozes do discurso.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p. 81.

Nessa proposta o aluno deve posicionamentos enunciativos


presentes em um texto e suas vozes (BRASIL- CBC, 2005, p.38).
Nota-se nessa atividade que é preciso compreender as vozes presentes no gênero tex-
tual, essa identificação é possível no momento em que há interação entre autor, leitor;
é momento em que é possível identificar o sujeito responsável pelo dizer.
No subtópico modalização e argumentatividade: uso de recursos linguísticos
(entoação e sinais de pontuação, adjetivos, substantivos, expressões de grau, verbos e
perífrases verbais, advérbios, operadores de escalonamento, etc.) com meios de ex-
pressão ou pistas do posicionamento enunciativo das vozes do texto e persuasão dos
alocutários, constataram-se duas atividades. Observe abaixo:
Figura 15- Atividade - Tópico 6 - Vozes do discurso.

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p. 86.

Nessa atividade o aluno irá estratégias de modalização e argumen-


tatividade usadas em um texto e seus efeitos de (BRASIL- CBC, 2005, p.38).
Nota-se que na alternativa apesar do uso do trecho de uma fábula, percebe-se que

332
DIÁLOGO FREIRIANO

o gênero não é explorado, trata apenas do reconhecimento e classificação dos subs-


tantivos. Na alternativa o aluno terá que identificar a relação entre o gênero do
substantivo e o determinante (marcado pelo uso dos artigos), essa prática é necessária,
porque aborda o substantivo a nível textual.
Na categoria Textualização do discurso narrativo (ficcional), foram encon-
tradas vinte e nove atividades, sendo dezesseis do subtópico fases e etapas. Veja a ati-
vidade abaixo:
Figura 16- Atividade - Tópico 8 - Textualização do discurso narrativo (ficcional).

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p. 84.

Nesse caso, citado na proposta acima, o aluno deverá na produção de


textos ou sequências narrativas orais ou escritas, recursos de textualização adequados
ao discurso, gênero, suporte, destinatário e objetivo da (BRASIL, CBC,
2005, p.40). Para realizar a produção, o aluno seguirá instruções que se pautam na
estrutura e elementos que compõe a finalidade do gênero fábula, tais como: diálogos
ou não, linguagem adequada, história curta, moral e respeitar a sequência de fatos que
caracterizam um texto narrativo.
No subtópico exposição ou ancoragem (ambientação da história, apresenta-
ção de personagens e do estado inicial da ação), constatou-se cinco atividades. Ob-
serve:

333
DIÁLOGO FREIRIANO

Figura 17- Atividade - Tópico 8 - Textualização do discurso narrativo (ficcional).

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.75.

Para resolução da atividade acima o aluno precisa e usar as fases


ou etapas da narração em um texto ou sequência (BRASIL, CBC, 2005,
p.40). Essa prática é interessante porque exige do aluno conhecimento de outro gê-
nero. Na atividade acima é o gênero de O aluno deverá saber os ele-
mentos que compõe a fábula para diferenciá-la do outro gênero textual, tais elementos
são de suma importância como, por exemplo, o tempo e espaço, os personagens apre-
sentados como animais e a moral.
No subtópico ordenação temporal linear encontrou-se duas atividades. Veja
a atividade a seguir:
Figura 18- Atividade - Tópico 8 - Textualização do discurso narrativo (ficcional).

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.76.

Na atividade acima o aluno deverá e usar estratégias de ordena-


ção temporal do discurso em um texto ou sequência (BRASIL, CBC, 2005,
p.40). Nessa proposta o aluno deve compreender as estratégias de ordenação temporal
do gênero, percebendo o início indefinido e sequência das informações que são de-
senvolvidas na história tanto pelos marcadores temporais: certa vez, quando. Em re-
lação aos marcadores de lugar, tem-se: no pescoço, na sala.
No subtópico complicação ou detonador (surgimento de conflito ou obstá-
culo a ser superado) encontrou apenas uma atividade. Veja a atividade abaixo:
Figura 19 - Atividade - Tópico 8 - Textualização do discurso narrativo (ficcional).

Fonte: Tavares e Conselvan, 2012, p.76.

334
DIÁLOGO FREIRIANO

Nessa proposta acima, o aluno deverá e usar as fases e etapas da


narração em um texto ou sequência (BRASIL, CBC, 2005, p.40). Nesse
caso, o aluno precisa compreender o momento inicial da história e depois identificar
o conflito que gera o desequilíbrio da narrativa. Além disso, perceber o desenrolar
desse conflito a partir do clímax presente na narrativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa adotou-se como objetivo investigar como é abordado o gê-
nero textual fábula em dois livros didáticos de Língua Portuguesa do 6° ano, a fim de
avaliar se as propostas dos recursos pedagógicos condizem com o que está previsto no
CBC de Língua Portuguesa. Em relação ao objetivo desta pesquisa, pode-se afirmar
que as atividades dos dois livros didáticos em sua maioria estão condizentes com o
previsto no CBC de Língua Portuguesa. No entanto, o número de fábulas encontradas
considera-se insuficiente. No livro didático Vontade de Saber Português, 6° ano de
Tavares e Conselvan encontrou-se apenas três fábulas, enquanto que no livro didático
Português: linguagens, 6° ano: língua portuguesa, de Cereja e Magalhães apenas qua-
tro.
O problema norteador dessa pesquisa foi saber quais elementos presentes
nos livros didáticos em relação ao gênero textual fábula condizem com proposta de
ensino aprendizagem prevista no CBC. Percebeu-se, nos dois livros didáticos, a pre-
sença de tópicos e subtópicos que exploram habilidades importantes para o aprendi-
zado das fábulas, tais como: reconhecer fases e etapas narrativas em um texto; usar na
produção de textos narrativos orais e escritos, recursos de textualização adequados ao
gênero textual; reconhecer a finalidade de um texto; relacionar o título ao um texto;
inferir o significado de palavras e expressões em um texto; relacionar os gêneros às
práticas sociais; inferir informações implícitas no texto.
Esta pesquisa adotou como hipótese inicial afirmar que as propostas didáti-
cas presentes nos livros didáticos exploram questões gramaticais de forma isolada ou
elementos explícitos que pouco contribuem para a compreensão das condições de uso
da linguagem. Essa hipótese foi em partes confirmada, visto que apenas duas ativida-
des trabalharam as questões gramaticais isoladamente, uma atividade solicita que o
aluno apenas conte quantos parágrafos há no texto, enquanto a outra pede que o
aluno reescreva o texto colocando parágrafos e travessões nas falas das personagens e
não exploraram o gênero textual fábula em seu uso social.
Acredita-se que o gênero textual fábula e o seu uso social devem ser mais
explorados pelos dois livros didáticos, visto que é um gênero textual usual no 6° ano

335
DIÁLOGO FREIRIANO

e abrange questões do cotidiano, podendo inclusive, ser explorado de maneira inter-


disciplinar, pois além de trabalhar a linguagem e seu uso social, aborda também ques-
tões relacionadas ao respeito, a solidariedade, a ética, entre outros valores essenciais
para a formação de cidadãos conscientes e críticos. Além disso, estimula a imaginação
dos educandos por ter um discurso alegórico.
Dessa maneira, é possível concluir que os dois livros didáticos investigados
podem ser considerados como recursos pedagógicos a serem utilizados nas práticas
do professor ao abordar o gênero textual fábula, porém, é preciso inserir outros meios,
vsito que os textos são fragmentos do gênero.

336
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
ANTUNES, Irandé. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009. cap.3, p.49-73.
BAKHTIN, Mikhail Mikhaiolivitch. Estética da Criação Verbal. Tradução de Paulo
Bezerra. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. p. 261-269.
BRASIL. Secretaria de Educação. Conteúdo Básico Comum de Língua Portuguesa.
Brasília: MEC/SEE-MG, 2005.
CEREJA, Willian Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Português- linguagens,
6° ano: língua portuguesa. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. 1. ed. São Paulo:
Moderna, 2000. p. 163-183.
MAIA, Zenaide, O ensino de leitura a partir do gênero fábula. Disponível em:
http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/producoes_pde/artigo_ze
naide_maia.pdf. Acesso em: 15 set. 2015.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo: Parábola Editorial, 2008. p. 146-185.
PERFEITO, Alba Maria; NANTES, Eliza Adriana Sheuer; FERRAGINI, Neluana
Feuz de Oliveira. Plano de Trabalho Docente: o gênero fábula e o processo de análise
linguística. Disponível em: http://www.cchla.ufrn.br/visiget/pgs/pt/anais/Artigos/
Alba%20Maria%20Perfeito(UEL),%20Eliza%20Adriana%20Sheuer%20Nantes(UEL
)%20e%20Neluana%20Leuz%20de%20Oliveira%20Ferragini%20(UEL).pdf. Acesso
em: 10 de abr. de 2016.
TAVARES, Rosimeire Aparecida Alves; CONSELVAN, Tatiane Brug Nerotto.
Vontade de saber português, 6° ano. 1. ed. São Paulo: FTD, 2012.

337
EDUCAÇÃO AMBIENTAL SE COMEÇA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL E SE PRIORIZA NO ENSINO FUNDAMENTAL
PARA O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA FORMANDO
CIDADÃOS CONSCIENTES

Inês Mesquita Diniz 1

1. INTRODUÇÃO
As políticas da EA não nasceram prontas e acabadas. Foram estão constan-
temente retomadas, avaliadas, criadas e recriadas. Atualmente, estas políticas dão ên-
fase à interação da escola com os grupos locais comunitários. Essa aliança é conside-
rada fundamental para dar respostas aos fatores que desequilibram o meio ambiente
e á vida social. Entende-se, pois, que a escola deve abrir suas portas para dialogar com
a comunidade definindo uma agenda de prioridades locais.
O ser humano é inacabado, inconcluso, está sempre se fazendo na relação
com o mundo e com os outros. A consciência de inacabamento lhe possibilita a edu-
cabilidade, permitindo ir além de si mesmo; como ser relacional, comunica-se pelo
diálogo exigência fundamental da existência humana (FREIRE, 2003; SIMÕES
JORGE, 1979)
O mundo é mediador do processo educativo. Como realidade objetiva ele é
cognoscível. O diálogo entre educadores e educandos é fundamental para construir
novos conhecimentos e compreendendo-se, nesse processo, como seres sociais e ha-
bitantes do mesmo Planeta (FREIRE, 1983, 2003)
Com os avanços dos processos industriais e tecnológicos, os quais deman-
daram uma quantidade enorme de recursos naturais e geraram impactos ambientais
de grandes proporções, ocorreu uma grande preocupação mundial com o futuro do
planeta.
No final do século XIX e no início do século XX, muitos países passaram a
proteger amostras do ambiente natural por meio de parques nacionais.

1
Graduada em História (UNIS) e Pedagogia. (UNINTER) Pós-Graduada em Teorias e Práticas da
Educação Infantil (UNIFAL); Especialização em Educação Ambiental (UFLA); Menção Honrosa FNDE
(2017); Autora do Livro: Gestão Escolar ética e relações interpessoais na contemporaneidade; Poetisa.
DIÁLOGO FREIRIANO

Na década de 1960, a preocupação deixou de ser estética e passou a ser base-


ada na perda da qualidade ambiental provocada pelo desenvolvimento econômico,
que teve seu auge com a Revolução Industrial.
Em 1968, a Conferência da UNESCO sobre Biosfera postulou e surgiu um
programa integrado, contínuo e permanente de educação e informação sobre o meio
ambiente (GUERRA, 2000).
A partir de então, as nações começaram a estabelecer suas legislações e a es-
truturar seus órgãos ambientais. A recomendação 96 da Declaração de Estocolmo in-
dicava a necessidade de se desenvolver uma Educação Ambiental como instrumento
estratégico.
Na década de 1970, surge um ambientalismo associado às lutas pelas liber-
dades democráticas em algumas escolas, entre professores e estudantes, e em institui-
ções.
Sendo a escola a base de formação do cidadão, ela é responsável pela educa-
ção que o motivará na vida profissional, social e pessoal e em sua convivência familiar.

2. A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA FORMAÇÃO DOS DISCENTES DESDE


A EDUCAÇÃO INFANTIL ATÉ O ENSINO FUNDAMENTAL
A Educação Ambiental Freiriana, propõe uma práxis educativa que eviden-
cia a ação-reflexão, dos sujeitos, promovida via decodificação da realidade, que para
Delizoicov (1983), ocorre pela discussão e análise do conjunto da realidade, através
do que ele chama de pois o investigador se projeta fora da situação
vivida, como se fora dela estivesse observando-a e analisando-a, potencializando desta
forma uma crítica sobre o entorno e as condições sociais as quais estão expostos, su-
perando a ideia conservacionista/recursista de uma educação tradicional que ainda
está presente na Educação Ambiental Escolar.
Conforme Sato (2001) é necessário definirmos a identidade de quem atua na
Educação Ambiental, não de maneira simbólica, mas sim uma identidade que se con-
solide nas ações cotidianas, de tal maneira que se enraíze no pensamento e nas ações,
capaz de promover transformações políticas, econômicas e sociais
Nesse sentido, toda a sociedade vem discutindo essa problemática, visando
encontrar mecanismos e ações que possam reverter esse quadro. É visível em todos os
lugares, telejornais, comentários, livros sobre meio ambiente a preocupação com o
aumento do lixo produzido pela população mundial e seu destino final.
Há alguns anos, a produção de produtos descartáveis e embalagens plásticas,
aumentou consideravelmente, assim como a produção de lixo doméstico, industrial,

340
DIÁLOGO FREIRIANO

comercial e hospitalar principalmente nos países desenvolvidos. (Dib-Ferreira, 2005,


p. 160)
Esses resíduos produzidos pelo ser humano, sempre foram depositados de
maneira incorreta na natureza, porém, até a Segunda Guerra Mundial tais resíduos
tinham uma composição mais simples, basicamente orgânica, e acabavam tendo uma
destinação mais simples e se decompunham mais facilmente.
Tais colocações são fundamentais para uma Educação Ambiental, em vista
da construção de uma consciência cidadã individual e coletiva em prol da sustentabi-
lidade do mundo local-global, o que exige do processo educativo uma práxis dialógica.
Também é importante, na visão de Freire, o ser humano enquanto ser relacional, com
o mundo e no mundo um ser em comunicação.
É nessa comunicação dialógica que ele vai fazendo a história e a cultura, vai
transformando o mundo e a si mesmo, de forma ativa e política, buscando responder
a seus inquietamentos e problematizando a realidade de vida. Para tanto se torna fun-
damental, na educação, refletir sobre as questões-problema em conexão com as cir-
cunstâncias histórico-culturais, para possibilitar ao ser humano criar, de maneira crí-
tica, dialógica e responsável, sua história e cultura, buscando ser mais nos lugares de
vivência.
Todas essas relações que o ser humano estabelece com o mundo e com os
outros precisam estar pautadas numa ética característica intrínseca aos seres huma-
nos que, segundo Freire, está em conformidade com a liberdade, pois quanto mais
livres somos, maior a nossa eticidade. Nesse sentido ele enfoca a ética universal, que
se contrapõe à pseudo-ética do mercado do lucro, da ganância, que inferioriza as pes-
soas em detrimento do capital.
Nesse contexto, Freire corrobora a finalidade da Educação Ambiental, en-
quanto formadora de uma Ética de Responsabilidade das pessoas entre si e no uso dos
bens naturais renováveis e não-renováveis, em prol da sustentabilidade no mundo:
um outro mundo possível, onde as relações e ações se pautem pela busca permanente
do equilíbrio ecológico dinâmico para a vida com qualidade.
Entretanto, com o tempo, essa situação se transformou, com a utilização de
novos tipos de materiais, além de existir uma elevação significativa no volume desses
resíduos. O uso do plástico, por exemplo, em substituição a outros materiais, como
papeis e papelões, na produção de embalagens como sacolas de supermercado, vem
aumentando gradativamente desde a década de 1960. (Dib-Ferreira, 2005, p.160).
Segundo Felix (2007),

341
DIÁLOGO FREIRIANO

o lixo é um dos principais problemas ambientais no mundo, sendo uma das mais
preocupantes questões que dizem respeito à ação humana. Dessa forma, é necessá-
rio que se discutam medidas que diminuam a gravidade dos impactos ambientais
ao mundo natural.

Cabrale colaboradores afirmam ainda que com os avanços econômicos e tec-


nológicos o ser humano vem acelerando a degradação ambiental e fomentando crises
de todos os aspectos referentes à produção excessiva de resíduos sólidos, que quase
sempre têm destinação e acondicionamento inadequado.
Dentre os produtos descartados pelo homem estão inúmeros elementos que
poderiam ser reaproveitados através da reciclagem, e na verdade são inutilizados e
simplesmente jogados na natureza, degradando dessa forma o ambiente natural, de-
gradando a qualidade da água, do ar e do solo.
O próprio Freire enfoca que é necessário, para uma Educação Libertadora e
Crítica, ampliar a leitura de mundo. Sob o foco das questões socioambientais, essa
ampliação de leitura de mundo é relevante, pois elas são multidimensionais, ou seja,
relacionam-se aos vários segmentos sociais políticos, econômicos, culturais, éticos,
tecnológicos, entre outros. Por isso, uma visão interdisciplinar e multireferencial se
torna necessária para a apreensão da interconectividade complexa dos problemas da
realidade ambiente.
A dimensão formativa do ser humano tem relação direta com a transitivi-
dade da consciência no pensamento de Paulo Freire, constituindo o movimento da
consciência ingênua, acrítica explicação da realidade-mundo como destino dado
para a consciência crítica, isto é, compreensão da realidade-mundo, a partir das causas
e efeitos dos fatos.
Do pensar de Paulo Freire para o acontecer da Educação Ambiental, educar
se torna um ato de auto e hetero apreensão inteligente e gnosiológica, de reflexão
construtiva do conhecimento, pró formação integral do ser humano em vista do de-
senvolvimento de sujeitos-alunos responsavelmente éticos, cidadãos politizados
para com a realidade-mundo, tendo por base um conhecimento libertador, ou seja,
um conhecimento problematizado e referenciado. A dimensão gnosiológica da edu-
cação compreende também a dimensão política do ato educativo, que qualifica a edu-
cação como intervêm.
Tais pressupostos, a partir de Freire, são fundamentais para a Educação Am-
biental, em vista da construção de um conhecimento conscientizador. Nessa direção,
há possibilidade do educador realizar uma leitura dialogal de mundo com seus edu-
candos, visando à compreensão de natureza, das relações entre os seres humanos e

342
DIÁLOGO FREIRIANO

natureza, dos problemas socioambientais sob o ponto de vista correto e desejável


das questões econômicas, políticas, culturais, tecnológicas, sociais, éticas e, inversa-
mente, das situações desumanizantes; enfim, das situações-limites, na perspectiva de
construir conhecimentos que desenvolvam uma consciência crítica em vista da cida-
dania ambiental como um inédito viável. nação social para a transformação da socie-
dade.
Freire afirmou várias vezes: conhecer não é acumular saberes, mas apreender
o aprendido, reinventar o já sabido e, acima de tudo, aplicar este conhecimento às
situações existenciais concretas.
Dentre os princípios metodológicos da Pedagogia de Freire, que corroboram
a discussão das questões socioambientais, são centrais os temas geradores em torno
de questões concretas dos sujeitos envolvidos, local e globalmente, problematizando
o atual padrão de vida civilizatório, a ideologia dominante, as situações-limites e cons-
truindo premissas para uma sociedade sustentável e solidária no horizonte do inédto-
viável
Freire traz aos educadores socioambientais que é possível suplantar práticas
conservadoras, estimulando o educando a relacionar-se e interagir ética, crítica e cu-
riosamente com o mundo, com os outros habitantes do Planeta de forma sustentável,
como sujeito histórico e protagonista de um mundo mais humano dimensões cons-
titutivas da práxis sócio pedagógica libertadora.
Há uma grande necessidade de se trabalhar nas escolas do Ensino Funda-
mental e Educação Infantil sobre a educação ambiental que envolve tudo relacionado
ao meio ambiente.
Um dos principais conceitos que surgiram ao longo dos anos no que se refere
ao tratamento dado ao lixo é a coleta seletiva, que consiste na separação dos resíduos
produzidos, recolhendo-os de forma a possibilitar um tratamento diferenciado para
cada tipo de resíduo.
Algumas cidades no país, segundo Alencar (2005), têm incentivado seus ha-
bitantes a classificar o lixo para possibilitar a coleta seletiva, e o consequente trata-
mento adequado aos produtos descartados, possibilitando seu reaproveitamento. En-
tretanto, o número de cidades que se utiliza desse processo de tratamento de lixo ainda
é pequeno, quando se leva em consideração a quantidade de resíduos sólidos produ-
zidos pela população brasileira.
Freire nos alerta para assumamos o dever de lutar pelos princípios éti-
cos mais fundamentais como do respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros
animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e (FREIRE, 2000, p. 67). Para

343
DIÁLOGO FREIRIANO

ele, o diálogo é uma necessidade existencial (FREIRE, 1983), e é dialogando, proble-


matizando a realidade que podemos emergir em consciência crítica. Mas, segundo ele,
não existe diálogo sem amor. Mais que isso, O diálogo para Freire (1983) é a essência
da educação como prática de liberdade.
Vislumbrar a Educação Ambiental enquanto um ato de amor significa
mesmo, olhar para o ambiente e voltar a nós a responsabilidade de transformarmos a
realidade em que estamos inseridos. Em suas palavras, Freire ressalta seu anseio em
relação como ele seria lembrado e assim diz: gostaria de ser lembrado como al-
guém que amou o mundo, as pessoas, os bichos, as árvores, a terra, a água, a
(FREIRE, 2001, p. 25).
Por isso essa grande necessidade das escolas e CEMEIs aprimorarem seu
currículo para introduzir a educação ambiental em seus conteúdos didáticos para for-
talecer esses conceitos geradores de opiniões.
Existem, portanto, inúmeros livros excelentes para serem trabalhados na
educação de forma didática e pedagógica. Ruty Rocha tem livros maravilhosos a res-
peito do assunto assim como tem vídeos, músicas. Dessa maneira vamos incentivando
nossos alunos a ter uma consciência crítica para cuidar do meio que ele vive.
Cabe cada escola se mobilizar para que possamos introduzir nos conteúdos
uma forma didática e tranquila para trabalhar com crianças pequenas até o ensino
fundamental.
Cada idade tem uma proposta pedagógica para desenvolver suas experiên-
cias na educação ambiental. Por exemplo se um pássaro passa por eles perto do pátio
pode se observar juntamente com eles falando sobre a natureza, água, onde eles vivem.
E as crianças em fase de Pré-escola e ensino fundamental automaticamente vai ofere-
cendo leituras prazerosas para se conscientizar.
O trabalho educacional é, sem dúvida, um dos mais urgentes e necessários
meios para reverter essa situação, pois atualmente, grande parte dos desequilíbrios
está relacionada à condutas humanas geradas pelos apelos consumistas que geram
desperdícios, e pelo uso inadequado dos bens da natureza e, é através das instituições
de ensino, que poderemos mudar hábitos e atitudes do ser humano, formando sujei-
tos ecológicos
Nesse sentido, segundo Alencar (2005, p. 96):

as situações de ensino devem ser organizadas de modo que possam apresentar opor-
tunidades para os alunos construírem conhecimentos significativos sobre o meio
ambiente podendo compreender e transformar sua realidade e atuar de forma efici-
ente sobre ela (ALENCAR, p. 96).

344
DIÁLOGO FREIRIANO

Diante disso, além da formulação de propostas teóricas, da aprovação de leis


e da introdução de novas diretrizes curriculares e orientações didáticas nos sistemas
educacionais, da produção e distribuição de material pedagógico, é necessário que
haja um acompanhamento e maior apoio ao que acontece dentro das escolas, no es-
paço de sala de aula, local onde a educação realmente acontece e, quer sejam grandes
ou pequenas, as ações desenvolvidas, elas são extremamente necessárias.
É a partir delas que podemos mudar condutas e pessoas, que serão capazes
de relacionar-se de forma mais consciente e racional com o mundo e com os outros.
Felix (2007, v. 18).

A educação ambiental é de fundamental importância nas instituições educacionais,


uma vez que os alunos podem tirar nota dez nas avaliações, mas, ainda assim jogar
lixo na rua, pescar peixes-fêmeas prontas para reproduzir, atear fogo no mato indis-
criminadamente, realizar ações danosas sem perceberem a extensão dessas ações ou
por não se sentirem responsáveis pelo mundo em que vivem.

No entanto, a atenção dada a questão ambiental, como tema transversal no


currículo do ensino fundamental é ainda incipiente (Dos Anjos, 1996).
A falta de uma formação adequada do educador, em relação ao meio ambi-
ente, dificulta o tratamento de conteúdos curriculares sob a abordagem ambiental,
prejudicando muitas vezes, a reflexão e as ações dos alunos. Considerando que a edu-
cação, muitas vezes, é incapaz de responder a todos os desejos e necessidades dos di-
ferentes integrantes da sociedade, especialmente, porque estimula a competitividade
irracional, parece pertinente a proposta de Loureiro (1999)
Paulo Freire deixa claro em seus últimos escritos o quanto os assuntos am-
bientais devem estar presentes nas práticas educativas. ecologia ganha uma impor-
tância fundamental neste fim de século. Ela tem de estar presente em qualquer prática
educativa de caráter radical, critico ou (FREIRE, 2000. p. 31).
Que concebe a Educação ambiental como um processo educativo de
construção da cidadania plena e planetária, que visa à qualidade de vida dos envolvi-
dos e a consolidação de uma ética ecológica
Por ser a Educação Ambiental uma atividade formal e informal é que a escola
precisa se preocupar em promover simultaneamente, o desenvolvimento de conheci-
mentos, atitudes e de habilidades necessárias à preservação e melhoria da qualidade
de vida.
Felix (2007, v. 18).

345
DIÁLOGO FREIRIANO

O reflexo desse trabalho educacional transcende os muros escolares, atingindo cir-


cunvizinhanças e, sucessivamente, a cidade, a região, o país, o continente e o planeta.
(FELIX, p. 18)

De acordo com Veiga (1995, p. 38),

projeto pedagógico pode orientar o trabalho da escola por meios de diversas for-
mas de planejamento, todas elas integradoras no diálogo e na busca de solução dos
problemas da escola com base na ação coletiva, alunos, professores gestores, admi-
nistrativos e de apoio pais e comunidade local. Juntos, todos estarão buscando al-
ternativas para promover inovações no cotidiano escolar. Mas é importante saber
que a construção do projeto pedagógico não é apenas uma obrigação legal a que a
escola deve atender, mas uma conquista que apresenta o seu poder de
(VEIGA, p. 38).

Percebe-se que é através da conscientização nas escolas e de desenvolvimen-


tos de atividades e projetos educativos sobre educação ambiental que se consegue for-
mar nas estudantes atitudes positivas frente a conscientização e preservação do meio
ambiente. Essas ações podem contribuir muito para a melhoria do meio ambiente de
forma geral e para a preservação da biodiversidade.
De acordo com Rodrigues (2010, p. 2)

Educação Ambiental aplicada no âmbito escolar, além de ser um processo educaci-


onal das questões ambientais, deve alcançar os problemas socioeconômicos, políti-
cos, culturais e históricos pela sua interação com o meio ambiente. Sua aplicação
tem a extensão de auxiliar na formação dos alunos, desenvolvendo hábito se atitudes
sadias de conservação e respeito ambiental, transformando-os em cidadãos consci-
entes, de maneira que rompe com o ensino tradicional, pela sua abrangência, e in-
crementa a participação de todos: professores, alunos e a comunidade. (RODRI-
GUES, p. 2)

Desse modo, a escola precisa motivar e incentivar os alunos a serem multi-


plicadores de ações ambientais, visando o desenvolvimento de atitudes sustentáveis
simples, como o reaproveitamento dos resíduos sólidos, reciclagem do lixo, coleta se-
letiva, etc.
Dentre várias outras medidas e ações que contribuem com a preservação do
meio ambiente e com a qualidade de vida dos seres humanos e demais seres vivos.
Portanto a educação ambiental na escola é uma proposta que vem de encon-
tro com a realidade dos alunos, a mesma está diretamente ligada à prática diária de
conscientização e redução dos impactos ambientais.
A inserção da educação ambiental nos currículos escolares é hoje garantida
por lei, sua definição se expressa no Artigo 1º da Lei 9.795/99 de Política Nacional de
Educação Ambiental de 27 de abril de 1999, que normatiza a Educação Ambiental no
Brasil como:

346
DIÁLOGO FREIRIANO

Os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores so-
ciais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conser-
vação do Meio Ambiente, bem de uso comum do povo, essencial a sadia qualidade
de vida e sua sustentabilidade. (BRASIL, 1999)

Porém, é no Artigo 7º que a lei determina a obrigatoriedade das instituições


educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino além de outras instituições a
aturem em Educação Ambiental e compor em à esfera de ação do Plano Nacional de
Educação Ambiental (PNEA) e se responsabilizar por sua implementação.
Um ponto positivo na educação ambiental é a importância que a mesma re-
cebe nos PCN -Nacional Temas Transversais (BRASIL, 1998, p. 187).
Desse modo a principal função do trabalho com o tema educação ambiental
é contribuir para a formação de cidadãos conscientes, aptos a decidir e atuar na reali-
dade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem-estar de
cada um e da sociedade.
Para isso é necessário que a escola se proponha a trabalhar com atitudes, com
formação de valores, com o ensino e aprendizagem de procedimentos simples, como
reciclagem, coleta seletiva e reaproveitamento dos resíduos e do lixo.
Contudo, se a proposta de desenvolvimento sustentável parece plenamente
justificável e legítima, é fundamental que a escola a valide no trabalho cotidiano, fa-
zendo com que os estudantes sejam disseminadores do conhecimento adquirido e
ajudem na proteção do planeta.
Assim, a gestão ambiental e a busca do desenvolvimento sustentável é uma
necessidade urgente e que deve ser constantemente trabalhada nas escolas, pois estará
contribuindo com a formação de atitudes práticas nos alunos como a reciclagem, co-
leta seletiva e redução dos resíduos na natureza.
A escola precisa promover esta vinculação por meio de atividades que con-
templem a perspectiva interdisciplinar, envolvendo conteúdos diversos a disciplinas
diferentes, possibilitando ao aluno reconhecer a necessidade de educar-se para cuidar
do meio ambiente. Mesmo que haja dificuldades a escola precisa promover as mais
diversas experiências de conscientização, observando a realidade de cada comunidade
atendida.
Para Dias (2009, p. 75)

Educação Ambiental é tida como sinônimo de educação para o desenvolvimento


sustentável ou de educação para a e, por isso mesmo é fundamen-
tal inserirmos no âmbito educativo projetos e ações voltadas para a Educação Am-
biental visando, de maneira Interdisciplinar, atingir um maior número de pessoas

347
DIÁLOGO FREIRIANO

dentro da sociedade. Os estudantes são disseminadores do conhecimento recebido


na escola e isso torna a ação mais (DIAS, p. 75).

Assim, reconhece-se que a escola desempenha um dos papéis mais impor-


tantes nesse redirecionamento de nossa civilização. Afinal, a ela cabe informar, pes-
quisar e, o mais importante, formar os futuros gestores da sociedade humana.
Neste sentido, os PCN (1997) destacam que à escola compete assumir práti-
cas diferenciadas com relação a ação social contra o meio ambiente, bem como privi-
legiar os agentes disseminadores do conhecimento que sai de dentro das salas de aula.
Ainda deve promover ações que mostrem a natureza, em todas as suas formas, como
essencial a sobrevivência humana em todo e qualquer tempo de existência. Somente
assim teremos condições de manter o planeta vivo.

3. CONCLUSÃO
Os educadores precisam motivar e incentivar seus alunos buscando melho-
rar o ensino-aprendizagem, isso pode ser feito por meio de atividades pedagógicas
como, por exemplo: projetos educativos, pesquisa de campo, elaboração de slides e
vídeos pelos próprios alunos, aulas práticas, seminários, gincanas, jogos educativos,
dentre várias outras atividades pedagógicas.
Ou seja, é por meio de atividades práticas e lúdicas que o ensino-aprendiza-
gem se torna mais interessante e atrativo, possibilitando maiores oportunidades de
crescimento cultural e qualidade no aprendizado.
Desse modo, a escola precisa motivar e incentivar os alunos a serem multi-
plicadores de ações ambientais, visando o desenvolvimento de atitudes sustentáveis
simples, como o reaproveitamento dos resíduos sólidos e coleta seletiva.
Nas escolas, vê-se cada vez mais a preocupação de conscientizar os alunos
sobre conservação ambiental e o seu papel em relação ao futuro. Metodologias sim-
ples desenvolvidas pelos professores estão conseguindo despertar os alunos para a re-
alidade e tornando-os capazes de não só preservar para o agora como também para as
gerações futuras.
É de fundamental importância para o educador ambiental a atenção para as
transformações que vem ocorrendo ao longo do tempo e buscar meios de ajustar as
atitudes e pensamentos, com vistas para a preservação dos recursos naturais
A conscientização da sociedade se mostra como um verdadeiro desafio para
a educação na atualidade, mesmo por que partes dos problemas ambientais existem
por falta de informação. Por isso a necessidade de as escolas colocar em seus currículos
a educação ambiental

348
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
ALENCAR, Mariléia Muniz Mendes. Reciclagem de lixo numa escola pública do
município de Salvador. Candombá Revista Virtual, v. 1, n. 2, p. 96 -113, jul-dez.
2005. Disponível em: http://revistas.unijorge.edu.br/candomba/2005-v1n2/pdfs/
MarileiaAlencar2005v1n2.pdf Acesso em: 15Set.2018.
BARROS, Maria Arlete Campos. A coleta seletiva de lixo na escola. Brasília 2012.
BRASIL. Secretaria da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e
quarto ciclos apresentação dos temas transversais. Secretaria da Educação
Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
________; Ministério das Relações Exteriores. Agenda 2030 para o
desenvolvimento sustentável. Pós 2015. Disponível em: http://www. itamaraty.
gov.br/pt-BR/politica-externa/desenvolvimento-sustentavel-e-meio-ambiente/135-
agenda-de-desenvolvimento-pos-2015.Acesso em: 13 de set.2018
________; 9.795, de 27 de abril de 1999.Dispõe sobre a educação ambiental, institui
a Política Nacional de Educação Ambiental. Disponível em: http://www.leidireto.
com.br/lei-9795.html Acesso em: 17 de jun. de 2018.
DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo:
Cortez, 2009.
DIB-FERREIRA, Declev Reynier. As Diversas visões do lixo. 2005.160p. Dissertação
(Mestrado em Ciência Ambiental. Universidade Federal Fluminense)
DICKMANN, Ivo, CARNEIRO, Sonia Maria Marchiorato. Paulo Freire e Educação
ambiental: contribuições a partir da obra Pedagogia da Autonomia. Paulo Freire
and Environmental Education: contributions from the work Pedagogy of Freedom
FELIX, Rozeli Aparecida Zanon. Coleta seletiva em ambiente escolar. Revista
Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental, vol. 18, janeiro a junho de 2007.
Universidade Federal do Rio Grande. Disponível em: http://www.remea.furg.br/
edições/vol18/art42v18a6.pdf.Acesso em 18 de set.2018
FREIRE, P. Conscientização: teoria e prática da libertação uma introdução ao
pensamento de Paulo Freire. 3. ed. São Paulo: Moraes, 1980. 102 p.
______. Educação como prática da liberdade. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983. 150 p.
______. Pedagogia do oprimido. 37. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003. 184 p.
______. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Anca/MST,

349
DIÁLOGO FREIRIANO

______. Política e educação: ensaios. 5. ed. São Paulo, Cortez, 2001 (Coleção
Questões de Nossa Epoca; v23.
______. Pedagogia da esperança. 9° ed. São Paulo: Paz e Terra, 1992.
SOUZA, Erika Rejane da Silva. Concepções de estudantes de Ciências sobre o uso
do lixo e resíduos. Brasilia. 2012.
VEIGA, Ilma Passos a. Projeto Político Pedagógico da escola: uma Construção
possível, Campinas, SP: Papirus, 15 Ed; 19

GLOSSÁRIO
AGENDA 2030 Corresponde a um conjunto de programas, ações e diretrizes que
orientarão os trabalhos das Nações Unidas e de seus países mem-
bros rumo ao desenvolvimento sustentável;
CEMEI Centro Municipal de Educação Infantil;
E.A Educação Ambiental;
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais;
PNEA Política Nacional de Educação Ambiental;
ODS Objetivo Desenvolvimento Sustentável

350
CONTRIBUIÇÕES PARA O
PENSAMENTO CRÍTICO DA JUVENTUDE:
ANÁLISES DE UM PROJETO DE CIDADANIA EM ESCOLAS
ESTADUAIS DO RIO DE JANEIRO

Walace Ferreira 1
Alberto Alvadia Filho 2

Introdução
Este trabalho é resultado do projeto de extensão Juventude e Ci-
dadania desenvolvido na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) desde
fins de 2017, mas cujas atividades começaram efetivamente a ser realizadas em 20183.
Sendo desenvolvido em colégios da rede estadual de ensino do Estado do Rio de Ja-
neiro, o projeto consiste na realização de atividades diversas (palestras, debates, ofici-
nas e rodas de conversa) que mobilizam temas dinâmicos, atuais e conectados a de-
mandas sociais sensíveis à sociedade e em especial à juventude.
Por meio de atividades de caráter complementar ao conteúdo propedêutico,
o objetivo principal do projeto consiste em contribuir na formação do pensamento
crítico dos estudantes, desenvolvendo temas e ampliando debates inclusive utilizando
conteúdos presentes no currículo regular, tanto da própria disciplina de Sociologia
quanto de outras disciplinas de Humanidades.
Centrando-se, particularmente, no Ensino Médio, etapa de ensino em que a
Sociologia é obrigatória nos três anos, o tema a ser desenvolvido é negociado entre o

1
Doutor em Sociologia pelo IESP/UERJ. Atualmente é Professor Adjunto de Sociologia da Universidade
do Estado e
Cidadania
2
Mestre em Ciências Sociais pelo PPCIS/UERJ. Professor de Sociologia do Instituto Federal do Rio de
Janeiro (IFRJ
Juventude e Cidadania
3
A aprovação do projeto ocorreu em setembro de 2017, mas como a Universidade do Estado do Rio de
Janeiro passava por grave crise à época, em greve e com salários atrasados, a realização das ações foi
inviabilizada naquele momento. Contudo, nos meses finais de 2017 estabeleceram-se os primeiros
contatos com diferentes colégios da rede estadual fluminense, visando o começo das atividades no
retorno das aulas em 2018, quando a situação crítica da universidade também se viu amenizada.
DIÁLOGO FREIRIANO

colégio e os membros do projeto4, constando preferencialmente entre racismo, discri-


minação e preconceito, gênero, sexualidade, trabalho, tecnologia, política, democra-
cia, desigualdade, cultura, educação, mobilidade social, meio ambiente e violência ur-
bana - temas caros à Sociologia.
Nada impede, contudo, que temas novos sejam incorporados, já que não nos
restringimos estritamente ao currículo de Sociologia, pois o compreendemos como
intimamente relacionado à grande área das Humanidades. Um exemplo disso é a in-
clusão de estudantes de Psicologia no projeto, bem como a parceria com profissionais
de Psicologia Social de outras instituições, de modo a ampliar as temáticas e a visão
analítica dos assuntos trabalhados.
Ademais, como um dos públicos alvos é o estudante de Licenciatura de Ci-
ências Sociais da UERJ - que não apenas comparece às atividades, mas também parti-
cipa ativamente de muitas delas - o projeto possibilita ao futuro docente de Sociologia
a observação da atuação da disciplina em espaços múltiplos de ensino e de modo com-
plementar ao modelo de aula tradicional.

1. Os subsídios teóricos norteadores das atividades


Em geral, nas atividades, são utilizados dois tempos de aula, o que equivale
ao período de 1h40. Independentemente do formato da atividade, costumamos reali-
zar uma apresentação preliminar do tema, seguida da atividade em si, abrindo-se pos-
teriormente um espaço para o debate, onde é estimulada a participação de todos e
fomentada a conexão do tema com a realidade local.
Como nos disse Paulo Freire (1981, p.13), leitura do mundo precede sem-
pre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura .
Nesse sentido, é fundamental que os conceitos abordados façam sentido para o
mundo do estudante e que ele possa utilizá-los e potencializá-los em articulação e a
partir da sua própria realidade. O letramento conceitual que a Sociologia e os temas
de Humanidades têm a oferecer devem sair do encontro fecundados pelas referências
da vida dos estudantes, servindo-lhes de insumo para o desenvolvimento de seu senso
crítico ao (re)encontrar a realidade.

4
Trata-se de uma sensibilidade metodológica que objetiva a elaboração de uma atividade que vá ao
encontro do perfil da escola e de necessidades da própria unidade escolar em determinado momento
específico.

352
DIÁLOGO FREIRIANO

Este projeto de extensão parte de uma perspectiva do papel da Sociologia que


procura pensar o saber como uma prática que pode ser construída a partir de formas
alternativas e complementares de ensino5.
Sobre a Sociologia, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio (BRA-
SIL, 2006), alertam para função da disciplina como um instrumento de desenvolvi-
mento da cidadania:

se tem falado do poder de formação dessa disciplina, em especial na forma-


ção política, conforme consagra o dispositivo legal (LDB nº 9.394/96, Art. 36, § 1o,
III) quando relaciona de e da cidadania En-
tende-se que essa relação não é imediata, nem é exclusiva da Sociologia a prerroga-
tiva de preparar o cidadão. No entanto, sempre estão presentes nos conteúdos de
ensino da Sociologia temas ligados à cidadania, à política em sentido amplo
(quando, muitas vezes no lugar da Sociologia stricto sensu, os professores trazem
conteúdos, temas e autores da Ciência Política) e mesmo contrastes com a organi-
zação política de sociedades tribais ou simples (quando, então, é a Antropologia que
vem ocupar o lugar da Sociologia), ou ainda preocupações com a participação co-
munitária, com questões sobre partidos políticos e eleições, etc. Talvez o que se te-
nha em Sociologia é que essa expectativa - preparar para a cidadania - ganhe con-
tornos mais objetivos a partir dos conteúdos clássicos ou contemporâneos temas
e (BRASIL, 2006, p. 104).

Na educação básica, a Sociologia tem por objetivo a análise crítica das rela-
ções sociais, despertando no aluno a descrita pelo sociólogo
norte-americano Wright Mills6 (1975), propondo o uso da disciplina como forma de
entender o indivíduo e suas ações perante as estruturas sociais. Seguindo a perspectiva
da imaginação sociológica, trilha-se o entendimento segundo o qual os indivíduos só
podem compreender sua existência e analisar seu futuro percebendo-se parte de um
determinado contexto, de maneira que nossas ações influenciam e são influenciadas
pela dinâmica social.
O exercício de transformar o exótico em familiar e o familiar em exótico
proposto pelo antropólogo Roberto DaMatta (1987) consiste num caminho eficiente
para despertar a imaginação sociológica, o que significa problematizar o que é cotidi-
ano, reafirmando sua historicidade, e, portanto, sua materialidade. É dessa maneira
que procuramos questionar os estudantes envolvidos nas atividades sobre a necessi-
dade de se enfrentar bases sociais preconceituosas e intolerantes, observando o nosso
papel crítico e reflexivo diante dos padrões sociais estabelecidos pelo cotidiano.

5
Lembramos, aqui, de uma atividade realizada em 2018 na qual o diretor da unidade escolar salientou a
relevância de formas inovadoras de se trabalhar os conteúdos das diferentes disciplinas, destacando que
o ensino atual encontra-se cada vez mais distante das perspectivas dos jovens do século XXI.
6
O conceito foi usado primeiramente no ano de 1959.

353
DIÁLOGO FREIRIANO

Só é possível tomar certos fenômenos no sentido de busca de conscientiza-


ção social na medida em que sejam submetidos a um processo de estranhamento e
desnaturalização, demonstrando que os fenômenos de ordem social não passam de
construções ligadas à história e às relações de força presentes nas dinâmicas sociais.
Diante disso, o ensino de Sociologia deve auxiliar a emancipação do indiví-
duo para além da sala de aula, valendo-se, por exemplo, de outros espaços no âmbito
das escolas, conforme defendido por Paulo Freire (1993).
Inspirando-se no autor de Pedagogia do Oprimido, Frago e Escolano (2001),
salientam que no modelo de escola contemporânea, a sala de aula vai além de um am-
biente delimitado por paredes, porta e janelas, onde estão dispostas inúmeras carteiras
e cadeiras. O ambiente escolar deve ser um espaço no qual se devem acolher as dife-
renças, os questionamentos, as dúvidas e os saberes. Com isso:

a escola transforma-se num lugar no qual é permitido ir além dos limites de


uma apostila/livro conseguindo alcançar o diferente, pois as vivências normais e co-
muns são esquecidas num piscar de olhos, enquanto aquelas significativas serão
lembradas e relembradas por décadas e (SCHLICKMANN; SCHMITZ,
2015, p. 5).

Nossa intenção com essas atividades de extensão é uma exploração das te-
máticas de forma a estimular uma pedagogia crítica e conscientizadora, dando um
sentido atual e formativo à Sociologia, indo ao encontro às conclusões de Leal e Yung
(2014):

sentido, é importante considerar a relação entre mediações pedagógicas para


ministrar o curso de sociologia no ensino médio, papel instrucional da escola con-
temporânea em suas adversidades e representações sociais sobre as ciências sociais
que decorrem da experiência social do alunato do ensino médio em contato com a
disciplina escolar sociologia. Essas representações são uma forma de manifestação,
a partir de registros de experiências sociais, de lógicas/mundos e estruturas sociais
que tornam compreensíveis os significados atribuídos pelos estudantes à sociologia
e seu ensino na (LEAL; YUNG, 2014, p. 774).

2. Os propósitos deste projeto extensionista


Pensando o impacto transformador da extensão universitária, temos pro-
movido a articulação entre universidade e sociedade, objetivo que embasa os projetos
de extensão, recorrendo ao apoio de profissionais de dentro da UERJ e de outras ins-
tituições que visem debater temas relacionados direta ou indiretamente ao currículo
de Sociologia e que ajudem na formação cidadã do público de escolas públicas do Es-
tado do Rio de Janeiro.

354
DIÁLOGO FREIRIANO

Numa segunda perspectiva, contribuímos para a ampliação e a capilarização


do debate nas escolas públicas em torno de temas ligados aos direitos humanos, reu-
nindo alunos da educação básica, professores e corpo administrativo em torno de uma
proposta de cidadania.
As atividades se voltam para turmas de primeiro, segundo e terceiro ano do
ensino médio, do ensino regular e da educação de jovens e adultos, ocorrendo direta-
mente nas salas em que estas turmas têm suas aulas ou na acomodação de alunos de
várias turmas num auditório da escola. Noutras vezes, participamos em eventos mais
amplos organizados pelas instituições escolares. Em 2019, por exemplo, destacamos a
participação do projeto em duas rodas de conversa realizadas no Colégio Estadual
Professora Maria Nazareth Cavalcanti Silva, em Cascadura (dias 03 e 05 de abril), du-
rante a de Prevenção à Violência nas orientada pela SEEDUC/RJ,
e na roda de conversa realizada no Colégio Estadual Professor Clóvis Monteiro, em
Higienópolis (dia 05 de abril), durante o mesmo evento sugerido pela SEEDUC/RJ
nas escolas. Nosso projeto também foi convidado para realizar uma atividade durante
7
a da , no Instituto de Educação Governador Roberto Silveira
(Duque de Caxias), no dia 16 de outubro, na qual fizemos uma oficina sobre formas
de enfrentamento aos preconceitos cotidianos, destacando-se os preconceitos raciais
e de gênero.
Noutra frente de destaque, temos estimulado a participação de estudantes de
Licenciatura em Ciências Sociais da UERJ junto a um projeto de extensão, conhe-
cendo, já na formação universitária, a realização de um trabalho que articula univer-
sidade e sociedade, teoria e prática, além de levá-los para a realidade das escolas visi-
tadas. Se em 2018 os licenciandos vivenciavam as atividades como ouvintes, em 2019
passamos a contar com eles na posição de protagonistas ativos, principalmente nas
atividades em que abordamos o sistema de cotas da UERJ e apresentamos as caracte-
rísticas que dão a esta universidade um caráter plural e popular. O projeto, com isso,
tem apoiado a formação do estudante da Licenciatura no que tange à observação da
Sociologia em múltiplos espaços de realização educacional e de modo diferente da
aula tradicional. Ademais, abre-se espaço para a pesquisa que o licenciando poderá

7
Interessante mencionar que o convite para a ida ao colégio se deu pela coordenadora pedagógica desta
unidade escolar ao assistir a uma comunicação oral a respeito do projeto realizada no dia 04 de outubro
durante o VII Seminário Internacional do Proealc/UERJ. O projeto tem tido ampla participação em
congressos acadêmicos, oportunidades nas quais estabelecemos rede de contatos visando novas
atividades e transformamos nossas ações em produtos acadêmicos.

355
DIÁLOGO FREIRIANO

realizar a partir dessa vivência, bem como para a produção de artigos baseados em
suas experiências.
Por fim, mas não menos importante, as atividades do projeto também ofe-
recem ferramentas de apoio aos vestibulares e ao Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM), já que tanto nas provas de Ciências Humanas quanto nas Redações tem ha-
vido a exigência de temas atuais, de argumentações calcadas nos direitos humanos,
com densidade conceitual e teórica, assim como alinhadas a uma lógica interdiscipli-
nar (FERREIRA; SANTOS, 2016).

3. Detalhamento das atividades


Em 2019, até novembro, realizamos 17 atividades entre palestras, oficinas,
rodas de conversa e debates, em 9 colégios distintos, considerando que em 2018 já
havíamos feito 14 atividades em 12 colégios estaduais do Rio de Janeiro. Até o pre-
sente momento são, portanto, 31 atividades.
Considerando o trabalho realizado desde 2018, alcançamos atividades sufi-
cientes para dividirmos nossa atuação em 6 áreas temáticas, conforme o quadro 1:
Quadro 1: Áreas temáticas e os anos de realização
Áreas temáticas Anos em que foram realizados
1- Contra discriminação 2018 e 2019
2- Combate às Fake News 2018
3- Gênero, Indústria cultural e Violência doméstica 2018
4- Cidadania, Política e Direitos Humanos 2018
5- A importância do meio ambiente e da reciclagem 2019
6- O sistema de cotas da UERJ e a perspectiva de mobilidade de jo-
2019
vens de origem popular
Fonte: Autores deste artigo.

Já as cidades envolvidas, e a quantidade de atividades, estão no quadro 2:


Quadro 2: As cidades das atividades segundo os anos 2018 e 2019
Cidades 2018 2019
Rio de Janeiro 6 16
Petrópolis 3 --
Duque de Caxias 2 1
São Gonçalo 1 --
Niterói 1 --
Paty do Alferes 1 --
Fonte: Autores deste artigo.
Abaixo apresentaremos detalhes de algumas atividades8 segundo as áreas te-
máticas nas quais elas se encaixam.

8
Em todas as atividades tiramos fotos com autorização dos envolvidos e registramos seus detalhes.

356
DIÁLOGO FREIRIANO

3.1 Atividades contra discriminação


Incluem-se nesta área temática atividades que tratam da valorização da dig-
nidade humana, da pluralidade e da diversidade, combate ao bullying e aos preconcei-
tos cotidianos. Representam boa parte das atividades que realizamos entre início de
2018 até novembro de 2019.
Algumas foram conduzidas por membros da equipe, inclusive com apoio de
estudantes de Licenciatura em Ciências Sociais da UERJ, e noutras contamos com a
parceria de profissionais de Psicologia. Abaixo a seleção de três delas.
Imagem 1: Palestra sobre bullying e diversidade Paty do Alferes (Prof. Alberto) - 2018

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

Imagem 2: Roda de conversa sobre combate às violências cotidianas Cascadura/RJ


(Prof. Walace, estudantes de Ciências Sociais e de Psicologia) - 2019

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

357
DIÁLOGO FREIRIANO

Imagem 3: Oficina sobre bullying e depressão Campinho/RJ


(Psicóloga Ágata Castanheda) - 2019

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

3.2 Combate às Fake News


Devido à integração cada vez maior dos jovens ao universo da internet e à
propagação das fake news pelas redes sociais, em 2018, ano de eleições nacionais,
foram realizadas pelo professor Walace Ferreira oficinas sobre o tema em dois
colégios da zona norte do Rio de Janeiro, como visto nas imagens 5 e 6. Na dinâmica,
após explanação inicial sobre indústria cultural e a necessidade de termos uma visão
crítica dos meios de comunicação de massa, diferentes casos conhecidos de fake news
foram distribuídos aos grupos. Ao final do debate intragrupos, cada qual expôs seu
caso e o professor explicou por que consistiam em notícias falsas e como elas
prejudicam a democracia. Os casos envolviam assuntos de cultura brasileira, política,
economia e costumes.
Imagem 5: Oficina sobre fake news Cordovil/RJ (Prof. Walace Ferreira) 2018

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

358
DIÁLOGO FREIRIANO

Imagem 6: Oficina sobre fake news Campinho/RJ (Prof. Walace Ferreira) - 2018

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

3.3 Gênero, Indústria cultural e Violência doméstica


Parceira do projeto, a professora Natália Oliveira9, realizou em 2018 oficinas
em quatro colégios de diferentes municípios debatendo o tema gênero na sua relação
com a indústria cultural, focando especialmente no drama da violência doméstica.
Para tanto, foram apresentados exemplos de manipulação da mídia com relação à
violência doméstica, à predominância do patriarcado e do machismo na sociedade
brasileira, pedindo aos estudantes um trabalho no qual deveriam reelaborar
reportagens que reforçavam preconceitos de gênero. Ao final das atividades, os alunos
expuseram os trabalhos em algum espaço amplo da unidade escolar.
Imagem 7: Oficina sobre Indústria cultural e violência doméstica
São Gonçalo (Profa. Natália Oliveira) - 2018

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

9
Professora de Sociologia do Colégio Pedro II.

359
DIÁLOGO FREIRIANO

3.4 Cidadania, Política e Direitos Humanos


Incluímos neste item atividades diversas cujo norte foi a defesa da cidadania,
dos direitos humanos e da política com viés democrático. As imagens abaixo demons-
tram duas atividades exemplificadoras deste horizonte temático fundamental no qual
está ancorado este projeto de extensão.
Numa região carente socioeconomicamente de Duque de Caxias, o profes-
sor Rodrigo Pain10, membro do projeto, realizou palestra abordando as condições da
juventude nas periferias das grandes cidades, em especial da região da baixada flumi-
nense, assim como da importância de os jovens atentarem para as características do
mercado de trabalho, para os direitos sociais e para a política em ano de eleições
(2018). Vejamos na imagem 8.
Já a imagem 9 apresenta a oficina realizada pelo parceiro do projeto, profes-
sor Vinícius Mayo11, mostrando aos estudantes como a política está no cotidiano de
todos nós, se manifesta de várias maneiras e é indispensável nas nossas vidas.
Imagem 8: Palestra sobre Cidadania e Direitos Humanos Duque de Caxias
(Prof. Rodrigo Pain) - 2018

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

10
Professor de Sociologia do CAP-UERJ.
11
Professor de Sociologia do Colégio Pedro II.

360
DIÁLOGO FREIRIANO

Imagem 9: Oficina sobre a política no cotidiano Petrópolis (Prof. Vinícius Mayo) - 2018

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

3.5 A importância do meio ambiente e da reciclagem


Nas imagens 10 e 11 mostramos oficinas cujo foco encontra-se no tema do
meio ambiente, ambos os casos representando parcerias do projeto. No primeiro, são
oficinas a respeito dos impactos sociais do sistema econômico extrativista mineral,
que levou às tragédias de Mariana e Brumadinho, por exemplo. Trata-se de uma par-
ceria com professores e pesquisadores de Ciência Política da UNIRIO12.
Já no segundo, trabalhou-se a importância da reciclagem inserida numa ló-
gica de consumo extremamente danosa para o planeta. Nesse caso, a parceria ocorre
com pesquisadoras do Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Meio Am-
biente da UERJ13.
Imagem 10: Oficina sobre impactos sociais do extrativismo - Brás de Pina
(Equipe parceira da UNIRIO) 2019

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

12
Nesse caso, destaca-se a parceria dos Professores de Ciência Política André Coelho e Enara Echart
Muñoz.
13
Nesse caso, destaca-se a Professora Elza Neffa e a pesquisadora Vânia Sanches.

361
DIÁLOGO FREIRIANO

Imagem 11: Oficina sobre reciclagem CAp-UERJ no Rio Comprido


(Equipe de pesquisadoras de Meio Ambiente da UERJ) 2019

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

3.6 O sistema de cotas da UERJ e a perspectiva de mobilidade de jovens de ori-


gem popular.
Destaque de meados de 2019 em diante foram os debates sobre o sistema de
cotas da UERJ e a apresentação da universidade como dispondo de razoáveis condi-
ções para jovens de camadas populares que almejam a mobilidade social via educação
superior. A universidade é apresentada pelo seu semblante popular e plural num con-
texto de extrema desigualdade sócio-racial. A UERJ foi a primeira universidade bra-
sileira a adotar o sistema de cotas raciais14, possui uma Bolsa Permanência15 para os
estudantes cotistas, Passe Livre Universitário16, bandejão com almoço e janta a baixo
preço17.
Essa atividade foi repetida, até novembro de 2019, em cinco colégios, envol-
vendo o coordenador do projeto e estudantes de Licenciatura em Ciências Sociais que
partilham com os alunos da educação básica suas experiências na universidade, sendo
que a maioria dos que nos acompanham são cotistas.

14
Atualmente, a legislação está balizada pela Lei nº 8.121, de 27 de setembro de 2018, que prorroga a reserva,
por mais 10 anos, para as universidades públicas estaduais, com a inclusão de quilombolas e estabelece os
percentuais em 20% das vagas reservadas a negros, indígenas e alunos oriundos de comunidades
quilombolas, 20% das vagas reservadas a alunos oriundos de ensino médio da rede pública, seja municipal,
estadual ou federal e 5% das vagas reservadas a estudantes com deficiência, e filhos de policiais civis e
militares, bombeiros militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou
incapacitados em razão de serviço (SISTEMA DE COTAS/UERJ).
15
Atualmente o valor é de R$500,00 mensais.
16
Voltado para a circulação de ônibus dentro do município do Rio de Janeiro.
17
Os alunos cotistas pagam R$2,00 por cada refeição.

362
DIÁLOGO FREIRIANO

Imagem 12: Palestra sobre a UERJ Olaria/RJ (Prof. Walace e licenciandos da UERJ) - 2019

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

Imagem 13: Debate sobre a mobilidade por meio da educação e as oportunidades da UERJ
Praça da Bandeira/RJ (Prof. Walace e licenciandos da UERJ) - 2019

Fonte: Equipe do projeto de extensão.

Considerações finais
Nossa proposta, de caráter extensionista e com dois anos de atuação, está
dirigida ao espaço escolar com o propósito de contribuir para a formação crítica do
estudante da educação básica da escola pública e, por conseguinte, da sua formação
cidadã sob inspiração da pedagogia freireana.
Ao promovermos atividades sobre assuntos candentes no âmbito da
Sociologia, sempre de modo transversal à grande área de Humanidades, pretendemos
contribuir não apenas para o aprendizado desses temas, mas também para o estímulo
de percepções críticas acerca da realidade social, lócus priviegiado onde os temas
aparecem e se desenvolvem objetivamente.
São tempos de reacionarismo, conservadorismo, intolerâncias múltiplas e
incertezas futuras, época em que os direitos humanos, a diversidade e a convivência

363
DIÁLOGO FREIRIANO

pacífica diante das adversidades precisam mais do que nunca ser trabalhados com
nossos jovens. É responsabilidade do professor e da universidade conectarem espaços
acadêmicos de produção de saber com a juventude e com futuros profissionais da
educação.
Nesse sentido, durante as atividades, presenciamos realidades sociais com
semelhanças e diferenças, e compartilhamos com os colegas professores destas escolas
a percepção de que a juventude fluminense necessita do fortalecimento do debate de
uma série de assuntos que digam respeito às suas vidas cotidianas, levando-os a refletir
sobre comportamentos, combater preconceitos e valorizar os princípios
democráticos.

364
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
BRASIL. MEC. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Ciências Humanas
e suas Tecnologias. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Brasília,
DF, 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume
_03_internet.pdf>. Acesso em: 13 nov. 2019.

FERREIRA; Walace; SANTOS, Bruna Navarone. A Sociologia e o ENEM: Uma aná-


lise a partir do currículo do CAp-UERJ. In: X Simpósio Educação e Sociedade con-
temporânea. CAp-UERJ, 3 a 5 de nov. 2016. Disponível em: <http://www.cap.
uerj.br/site/images/stories/noticias/xsesc/a-sociologia-e-o-enem.pdf>. Acesso em: 12
nov. 2019.
FRAGO, Antônio Viñao; ESCOLANO, Augustín. Currículo, espaço e subjetivi-
dade: a arquitetura como programa. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A editora, 2001.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. 51. ed. São Paulo: Cortez, 2011. Dispo-
nível em: <https://educacaointegral.org.br/wp-content/uploads/2014/10/imp ortan-
cia_ato_ler.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2019.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do opri-
mido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
LEAL, Sayonara; YUNG, Tauvana. Por uma sociologia do ensino de sociologia nas
escolas: da finalidade atribuída à disciplina à experiência social do alunato. Estudos
de caso no Distrito Federal. Revista Sociedade e Estado, vol. 30, n. 3, set./dez, 2015.
Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/se/v30n3/0102-6992-se-30-03-00773.pdf
>. Acesso em: 13 nov. 2019.

SCHLICKMANN, Luciane; SCHMITZ, Lenir Luft. Da escola tradicional à escola


contemporânea: algumas considerações sobre a constituição do espaço escolar. In:
Anais do 6º SEMIC do Curso de Pedagogia da FAI Faculdades. 2015. Disponível em:
<http://faifaculdades.edu.br/eventos/SEMIC/6SEMIC/arquivos/resu-
mos/RES27.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2019.
SISTEMA DE COTAS. Programa de ação afirmativa da UERJ. 2019. Disponível em:
<https://www.uerj.br/a-uerj/a-universidade/sistema-de-cotas/>. Acesso em: 15 nov.
2019.

365
OS DESAFIOS DO TRABALHO PEDAGÓGICO NAS
ESCOLAS/CLASSES MULTISSERIADAS DO
CAMPO DO MUNICÍPIO DE IRECÊ

Patrícia Gonçalves de Souza 1

Introdução
Este artigo foi elaborado para refletir sobre os desafios do trabalho pedagó-
gico nas escolas/classes multisseriadas do/no campo do Município de Irecê. A escolha
do tema surgiu a partir das inquietações vividas enquanto coordenadora pedagógica
nas escolas do campo e de classes multisseriadas.
Atualmente, são várias as discussões que têm sido iniciadas com o objetivo
de defender a escola do campo como espaço de diversidade, reconhecendo que cada
povo que nele convive possui sua cultura, uma identidade e, portanto, um ambiente
que carece de políticas que sejam direcionadas à essa realidade, e não de uma mera
transferência do que é elaborado para o meio urbano.
No contexto das Escolas do Campo, especialmente nas classes multisseria-
das, as dificuldades se ampliam, sobretudo quando consideramos que nelas prevale-
cem currículos urbanocêntricos que não dialogam com a realidade da cultura local e
que insistem em reproduzir a lógica da organização escolar seriada em um contexto
caracterizado pela heterogeneidade.
Reiterando o parágrafo anterior, esse estudo busca refletir a prática pedagó-
gica do trabalho docente nas escolas/classes multisseriadas do campo do município
de Irecê, bem como os desafios enfrentados pelos professores no desenvolvimento do
seu ofício, a partir da seguinte questão: como os docentes organizam o tempo e o es-
paço na sala de aula multisseriada para dar conta da heterogeneidade que configura
essa sala?
Contudo, o reconhecimento de que as pessoas que vivem no campo têm di-
reito a uma educação diferenciada daquela oferecida a quem vive nas cidades é recente

1
Doutoranda e Mestra em educação. Especialista em: Psicopedagogia Clínica e Institucional, Gestão de
Escolas e Educação Infantil. Graduada em Pedagogia. Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de
ensino de Irecê-BA.
DIÁLOGO FREIRIANO

e inovador, e ganhou força a partir da instituição, pelo Conselho Nacional de Educa-


ção (CNE), das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
(DOEBEC). Esse reconhecimento extrapola a noção de espaço geográfico e compre-
ende as necessidades culturais, os direitos sociais e a formação integral desses indiví-
duos.
A partir da experiência enquanto orientadora do trabalho docente na escola
do campo foi possível perceber as inúmeras dificuldades que o professor enfrenta nas
classes multisseriadas como: a falta de material didático adequado, estrutura física,
alunos de vários níveis de aprendizagem e principalmente um currículo específico
para as escolas do campo.
Dessa forma, a importância de se estudar essa temática justifica-se também
pelo elevado número de classes multisseriadas existentes em nosso município. Uma
vez que os coordenadores das escolas do campo podem atuar em diversos espaços ao
mesmo tempo, por esse motivo é importante entender como desenvolver um trabalho
de qualidade nas classes multisseriadas.
Apesar da implantação das Leis de Diretrizes e Bases (LDB) 4.024/61 e
5.692/71, que visam melhorias para a educação no Brasil, as mesmas omitiram-se
quanto a Educação do Campo, assumindo assim uma postura citadina, que buscava
nivelar a educação nacional, para impulsionar a modernização da sociedade. Já a LDB
9.394/96, um espaço apesar de pequeno, para tratar da Educação do Campo,
a partir do momento que a lei entrou em vigor, embora ainda percebamos que as es-
colas do campo não estejam totalmente em evidência na sua dinâmica pedagógica.
Porém, os professores de Escolas do Campo, de um modo geral estão sem
formação suficiente para assumirem salas de aula em tais comunidades principal-
mente porque ali o regime escolar se configura em classes multisseriadas. Isto porque
não há um suporte pedagógico ou uma capacitação específica e necessária para que se
atue em tais classes. Tal despreparo faz com que muitos professores, principalmente
os que estão iniciando a carreira e que nunca passaram antes por escolas multisseria-
das hostilizem tal condição, buscando outras instituições para trabalhar para que as-
sim não venham a atuar nas escolas de área rural.
A partir dos relatos lidos sobre quando foi iniciada a Educação rural no país,
identifica-se que as escolas funcionavam dentro das casas, e que em muitos casos eram
as esposas ou as filhas dos donos das fazendas que ministravam as aulas. As escolas
tinham apenas quadro de giz, não tinha cadeiras e nem mesas individuais; as profes-
soras usavam uma mesa grande com dois grandes bancos formados por uma tábua e

368
DIÁLOGO FREIRIANO

duas estacas em cada um, e os alunos sentavam um ao lado do outro enquanto que a
professora passava nos cadernos as atividades referentes a cada série.
Estas condições acima relacionadas com o funcionamento das escolas de
classes multisseriadas, costumam sugerir que quando se fala em Educação do Campo,
a primeira impressão que se tenha é de que se trata de uma educação de péssima qua-
lidade.
Infelizmente, a Educação no Campo hoje se resume num modelo
da educação citadina, reproduzindo práticas metodológicas totalmente fora do con-
texto dos alunos campesinos, negando assim sua oportunidade de e se
em sua comunidade, como cidadão do campo que tem seus valores, seu
modo de vida, suas expectativas e experiências de vida e uma cultura própria.
Por todos os motivos acima explicitados é que surgiu a preocupação e neces-
sidade de pesquisar a temática, objetivando aprofundar um pouco mais sobre ensino
e aprendizagem nas classes multisseriadas e discutir as dificuldades enfrentadas pelos
professores das referidas classes das escolas municipais de Irecê.

Educação do campo: Breve histórico


Apesar de o Brasil ser um país de origem agrária, a discussão sobre educação
dos povos do campo só teve início a partir da década de 1910/1920, devido ao forte
movimento migratório em direção às cidades. Nessa época um grande número de
pessoas que residiam na zona rural deixou o campo e foram para a cidade em busca
de melhores condições de trabalho motivadas pela industrialização que se iniciava na-
quele período.
Isso fez com que houvesse um esvaziamento do campo em grande escala,
pois as pessoas vendiam as suas propriedades suas terras e iam para os grandes centros
urbanos em busca de trabalho, queriam trabalhar nas indústrias que iam surgindo,
com isso deu-se início ao êxodo rural.
Na tentativa de conter esse movimento e poder fixar o homem no campo,
políticos, intelectuais dedicaram-se a formular as bases de uma escola integrada às
condições locais, o que ficou conhecido como Ruralismo Pedagógico, que inclusive se
estendeu até os anos 50. Porém, isso não trouxe resultados satisfatórios, visto que não
promoveu a transformação do espaço campesino, nem possibilitou ao homem sonhar
por essa transformação. (LEITE, 1999).

Concomitantemente, explodia a ideologia do colonialismo que, ao defender as vir-


tudes do campo e da vida campesina, mascarava sua preocupação maior: esvazia-

369
DIÁLOGO FREIRIANO

mento populacional das áreas rurais, enfraquecimento social e político do patriar-


calismo e forte oposição ao movimento progressista [urbano, isso principalmente
por parte dos agroexportadores. Mas o r[uralismo contou também com o apoio de
alguns segmentos das elites u[rbanas, que viam na fixação do homem no campo
uma maneira de evitar a explosão de problemas sociais nos centros citadinos.
(LEITE, 1999, p. 28 29)

É importante ressaltar que o ruralismo pedagógico não oferecia condições


de discutir com propriedade os problemas do homem do campo e propor alternativas
de melhorias; era apenas um movimento que pretendia fixar o homem no campo, sem
pensar na sua forma de vida e produção, nem buscou discutir acerca de valores e de
políticas públicas que dessem base para a permanência do homem no campo com
dignidade. a escola surge no meio rural brasileiro tardia e (CA-
LAZANS, 1993, p. 16).
Os intelectuais viam os povos do campo como seres dotados de uma extrema
carência, devendo, portanto ser assistidos e protegidos, pois de acordo com a sua
julgavam que eles não tinham condições de pensar e viver dig-
namente.

É importante destacar que as classes dominantes brasileiras, especialmente as que


vivem no campo, sempre demonstraram desconhecer o papel fundamental da edu-
cação para a classe trabalhadora. As revoluções agroindustriais e suas consequências
no contexto brasileiro, principalmente a industrialização, provocaram alterações
que obrigaram os detentores do poder no campo a concordar com algumas mudan-
ças, como por exemplo a presença da escola em seus domínios. (CALAZANS, 1993,
p. 16)

Na década de 1930, surgiu a idéia da construção do Plano Nacional de Edu-


cação (PNE), com o dos Pioneiros da Educação Nesse período bus-
cava-se a modernização pela educação. Pensava-se que isso traria uma nova concep-
ção de educação do campo, buscando configurar em um conjunto de políticas com
definições elaboradas para atender os povos do campo. Entretanto, a educação urbana
permaneceu inalterada e nas escolas predominava o ensino a serviço da burguesia. No
que concerne às escolas do campo, a única novidade do período foi à regulamentação
do curso de aprendizado agrícola durante o Estado Novo, tendo padrões parecidos
aos de ensino elementar, infelizmente com o objetivo de formar capatazes rurais.
(LEITE, 1999, p. 30 - 31)

As proposições getulistas do Estado Novo de certa forma mantiveram a tradição es-


colar brasileira, garantindo a obrigatoriedade e a gratuidade da escolaridade, porém
dando ênfase ao trabalho manual nas escolas primárias e secundárias e ao desenvol-
vimento de uma politica educacional voltada para o ensino vocacional urbano, des-
tinado especialmente às classes populares. (LEITE, 1999, p. 30)

370
DIÁLOGO FREIRIANO

Conforme (LEITE, 1999), no início da década de 1950, foi criada a Campa-


nha Nacional de Educação Rural (CNER) e do Serviço Social Rural (SSR), na tentativa
de desenvolver atividades educacionais para as populações rurais, como: projetos para
a preparação de técnicos destinados à educação de base rural e programa para a me-
lhoria de vida dos rurícolas, nas áreas de saúde, associativismo, artesanato. Embora
realizasse um trabalho educativo, desconsiderou-se as formas de vida dos povos cam-
pesinos e os elementos políticos, sociais e culturais que os integravam. Além disso, as
reivindicações da minoria ficaram obscurecidas, pois os trabalhadores rurais, os
bóias-frias e os arrendatários ficaram isolados sem o direito de externar seus senti-
mentos, ou ainda, caso falassem ou reivindicassem não tinham seus direitos respeita-
dos. (LEITE, 1999, p. 36-37)
Vale ressaltar que a educação que lhes era oferecida, não dialogava nem con-
templava as suas singularidades e especificidades, ao contrário mantinha como vítima
da exclusão social e dependência sociocultural, política e econômica.
A intencionalidade da educação rural neste período, segundo (LEITE, 1999),
era fortalecer o capitalismo vigente, possibilitar que a minoria que detinha os meios
de produção continuasse explorando e subjugando os povos excluídos pela sociedade,
levando-os a uma condição de miséria, dependência e subordinação, ficando refém
do sistema capitalista.
Dessa forma, percebe-se o agravamento da situação econômica, social, edu-
cacional e cultural das classes menos favorecidas que viviam no campo, sem condições
dignas de sobrevivência, sendo vítimas de um sistema excludente e uma sociedade
desigual; na qual as relações sociais aconteciam de forma desumana, visto que, de um
lado estavam aqueles que detinham o poder enquanto que do outro os excluídos e
marginalizados pelo sistema subversivo e capitalista exacerbado.
Por volta da década de 1960, houve no Brasil uma forte crise onde foi preciso
a população carente migrar da zona rural para a cidade acreditando em melhores con-
dições de vida, contanto ao chegar aos centros urbanos perceberam que a situação se
agravou e não tinha meios de sobreviver dignamente ficando marginalizada pelo ca-
pitalismo.

Em meados da década de 1960, o país vivenciou o início da crise do modelo desen-


volvimentista através: a) do desenvolvimento das ondas migratórias das populações
carentes (principalmente as nordestinas e/ou do meio rural para o urbano) e outros
problemas de ordem sócio-política que desordenaram a sociedade nacional; b) do
golpe militar de 1964, que modificou extremamente a estrutura sócio-política da
Nação e cristalizou o modelo de dependência econômica do país em relação aos pa-
íses do bloco capitalista; c) da anulação dos direitos civis e da cidadania (levando em
consideração as ações repressoras do governo militar; d) do desenvolvimento do

371
DIÁLOGO FREIRIANO

―milagre econômico‖ e da aproximação do país do Fundo Monetário Internacio-


nal. (LEITE, 1999, p. 42).

O golpe militar de 1964 trouxe consequências funestas para o desenvolvi-


mento da educação no campo fazendo com que o Brasil ficasse submisso dependendo
dos países capitalistas. Nesse contexto, a população campesina passou a ter uma edu-
cação nos moldes da subserviência, visto que não tinha uma proposta de educação
que visasse às pessoas alcançar sua autonomia para que pudessem intervir nas relações
sociais.
Insatisfeitos com o modelo de educação que lhes tem sido oferecido pelas
elites através do sistema oficial de ensino a chamada Educação Rural , os povos do
campo, organizados em torno de movimentos sociais e sindicais diversos, tem procu-
rado empreender alternativas pedagógicas para construir uma educação que esteja a
serviço de suas lutas.
Na década de 80 com o surgimento do Movimento dos Trabalhadores Ru-
rais sem Terra (MST) e de outros movimentos sociais organizados, avança-se na luta
por uma proposta de educação para os povos do campo, com uma perspectiva dife-
renciada, a partir da sua realidade, feita com os sujeitos campesinos.
Sobre esta forma de organização social e experiências educacionais que
trouxe consequências significativas para a educação brasileira, principalmente para os
povos do campo, (SOUZA, at. al. 2011), afirmam:

Iniciativas desenvolvidas pelos movimentos sociais, organizações da sociedade civil,


associações, vão configurar uma segunda realidade, mostrando-nos trajetórias e
percursos promissores, pois têm desenvolvido iniciativas articuladas com os terri-
tórios rurais. É o caso das experiências desenvolvidas pelo MOC (Movimento de
Organização Comunitária), pela REFAISA (Rede das Escolas Integradas do Semi-
Árido), pela AECOFABA (Associação das Escolas das Comunidades e Famílias
Agrícolas da Bahia), pela RESAB (Rede de Educação do Semi-Árido Brasileiro), pelo
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), etc. (SOUZA, et.al., 2011,
p. 164)

Nos anos 90, reunidos em torno da Articulação Nacional por um Educação


Básica do Campo, este movimento vai organizar-se politicamente e pressionar o Es-
tado brasileiro para desenvolver políticas públicas específicas para os povos do campo,
a exemplo do PRONERA Programa Nacional de Educação em Áreas de Reforma
Agrária, instituído em 1998. Como desdobramento das lutas, em março de 2002 foi
aprovada as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo no Conselho Nacional
de Educação (BRASIL, 2002).

372
DIÁLOGO FREIRIANO

Apesar da iniciativa do Ministério da Educação (MEC) no período, que pos-


sibilitou o diálogo com os movimentos sociais organizados sobre a educação do
campo, percebe-se que temos ainda o grande desafio de termos uma proposta de edu-
cação que contemple as especificidades e singularidades dos sujeitos campesinos.
Mesmo com diferentes projetos e programas implementados pelo Estado, o quadro
educacional hoje no meio rural brasileiro é marcado pela precariedade: ainda predo-
mina o analfabetismo, a evasão e a repetência; existe também a falta de recursos finan-
ceiros, e de profissionais com formação não específica para lidar com a escolarização
dos rurícolas; o currículo é urbanocêntrico e o calendário não leva em consideração a
época do plantio e da colheita dos povos do campo.
Faz-se necessário, sobretudo, pensar e propor uma educação que possibilite
aos cidadãos adquirirem sua consciência de oprimido pela elite dominante e opres-
sora e possa se organizar para lutar pela sua independência e autonomia intelectual
manifestando-se contra os opressores que mantém na condição de subserviência.

Reflexões sobre as práticas Pedagógicas nas classes multisseriadas nas escolas no


campo
Existiu, historicamente, um descaso muito grande com relação ao homem
do campo, assim como, o processo de desenvolvimento existente no campo visto que
este sempre foi visto ao longo da história como atrasado e sem perspectiva de vida,
pois lugar de morar é na cidade por ser considerada como referência de desenvolvido.
Essa forma de pensar perdurou por muitos anos e infelizmente ainda hoje
temos poucas ações de políticas públicas para os indivíduos do campo; a maneira de
pensar da grande maioria das pessoas veem os cidadãos campesinos como pessoas
alienadas sem cultura e sem conhecimento. A educação no campo instalada também
tem apresentado práticas pedagógicas fundadas em referenciais urbanocêntricos, dis-
tante da realidade dos sujeitos campesinos.
Diante da realidade apresentada, precisa-se realizar no campo uma prática
pedagógica que possibilite superar a visão alienada em relação aos problemas socioe-
ducativos e que dê condições de sair do estado de submissão e subalternidade, e que
amplie os horizontes políticos, culturais e sociais no sentido de se ter clareza do tipo
de cidadão e de sociedade que se quer formar; sendo assim:

O professor numa escola do campo, ao planejar o seu trabalho pedagógico, necessita


ter claro qual o projeto histórico que defende. Essa clareza oferece elementos para
definir como irá delimitar os objetivos, as formas e os critérios que irão orientar o

373
DIÁLOGO FREIRIANO

processo avaliativo e seus objetivos, expressando novas formas e relações de organi-


zação do seu trabalho pedagógico, com perspectiva emancipatória para a formação
humana. (SILVA, et.al., 2012, p.167)

Partindo dessa afirmação, é imprescindível uma prática pedagógica que pro-


mova a emancipação dos sujeitos e crie condições para que saiam da alienação e pos-
sam construir conhecimentos capazes de promover a sua autolibertação, mediante a
organização e a luta constante pela sua autonomia.
Lecionar em classe multisseriada constitui-se em uma atividade desafiadora
devido às dificuldades que infelizmente são típicas dessas classes, devido à heteroge-
neidade que a configura e o descaso do poder público instituído com relação ao estu-
dante do campo, especialmente das classes multisseriadas, leva-nos a refletir acerca do
tipo de educação que está sendo oferecida na multisseriação.

O fazer docente nas classes multisseriadas do município de Irecê


No município de Irecê BA, onde a presença das classes multisseriadas tam-
bém é muito marcante. O município possui 39 escolas com aproximadamente 16
situadas no campo: Meia Hora, Mocozeiro, Queimada do Floriano, Achado, Lagoa
Nova, Angical, Itapicuru, Fazenda Nova, Umbuzeiro, Baixão de Zé Preto e Cocão.
Dentre essas, somente duas escolas não funcionam com classe multisseriada, a Escola
Municipal de Angical e a Municipal José Francisco Nunes em Itapicuru. O número
de alunos nas escolas do campo chega aproximadamente a 1200.
Nas instituições onde há o multisseriamento, o regime de trabalho funciona
com os alunos de todas as series no mesmo espaço-tempo, mas com conteúdos insti-
tucionalizados, distribuídos e desenvolvidos por séries e disciplinas sequenciais, ou
seja, com um caráter educacional fundamentado nas escolas das cidades, prevale-
cendo como a única e crucial diferença - a unidocência; enfatiza-se: um professor para
ministrar aulas a várias séries concomitantes num período de 04 horas diárias por
cada turno.

Muitos educadores (as) expressam insatisfação com relação a existência das classes
multisseriadas pelo fato de não possuírem formação específica para trabalhar com
uma turma diversificada em termos de idade e de aprendizagens, estabelecendo
muitas comparações com as turmas seriadas, manifestando a expectativa que essas
turmas se transformem em seriadas como alternativas para que o sucesso na apren-
dizagem se efetive. (GEPERUAZ, 2005, p.46).

Cabe ressaltar que essa forma de organizar uma turma com alunos de mais
de uma série não acontece apenas no Brasil. É conhecido como multigrado em países

374
DIÁLOGO FREIRIANO

latino-americanos, e sobre o qual se reconhece a necessidade de uma definição orga-


nizativa diferenciada do modelo de um professor por grau (por série), como defende
Ezpeleta:

Los cursos comunitarios están concebidos y estructurados para El trabajo con el


grado múltiple. Entre los centros educativos destaca El reconocimiento a este hecho,
que, siendo obvio para el interes pedagógico, nunca lo fue para la organización del
sistema escolar: que el núcleo de la actividad institucional es la enseñanza, y, simul-
táneamente, que el trabajo con pocos niños con distintos niveles de avance, requiere
una resolución organizativa diferenciada respecto del modelo de un maestro por
grado, con grupos relativamente homogéneos. (EZPELETA, 1997, p. 104)

Por su parte, las escuelas multigrado son producto de outra circunstancia histórica
y de una definición de otro tipo. Para uma administración que a partir de la postre-
volución se propuso La expansión del nivel primario, el problema consistía en ase-
gurar La existencia del servicio escolar, sin que por entonces su calidad fuera objeto
de preocupación. (Idem, ibidem, p. 105)

Essa forma de organização multisseriada também é adotado como modali-


dade de ensino em países como Canadá, México e França. O documentário francês
e (2002), dirigido por Nicolas Philibert, explicita o cotidiano do trabalho
docente no contexto de uma escola multisseriada em uma comunidade francesa.
Embora os problemas da Educação não estejam localizados apenas no meio
rural, neste a situação é mais grave, pois, além de não considerar a realidade socioam-
biental onde cada escola está inserida, esta foi tratada sistematicamente, pelo Poder
Público, como resíduo, com políticas compensatórias, Programas e Projetos emer-
genciais, que muitas vezes ratificou o discurso da cidadania.
É preciso enfatizar que as classes multisseriadas passam por diversas situa-
ções visíveis no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. Essa organização re-
quer a competência do poder público como uma possibilidade em prol de melhorias
para o educando do campo, e é a partir desse pressuposto que é possível acreditar em
uma Educação do Campo favorável no desenvolver de sua aprendizagem, pois o edu-
cando do campo merece uma escola padronizada com professores capacitados e ma-
teriais pedagógicos de qualidade, melhorando assim a visão de que, as classes multis-
seriadas é uma realidade completamente distorcida de educação, é um descaso total
que vivenciam os alunos do campo.
Assim, a modalidade da educação ou da escolaridade multisseriada é ofere-
cida, quase sempre, no primeiro segmento do ensino fundamental e sobretudo nas
escolas do campo. Sua presença maciça na área rural se deve as grandes distâncias en-
tre as propriedades e também por causa do baixo número de crianças em cada série.

375
DIÁLOGO FREIRIANO

No município de Irecê, os gestores das escolas do campo geralmente são nu-


cleados, atendem a duas ou mais escolas. O diretor e o coordenador se organizam para
não deixar as escolas sem um representante.
O que se observa até o momento é que os alunos das escolas do campo não
têm recebido o atendimento educacional público de maneira regular devido a orga-
nização multisseriada, ou seja, crianças para serem matriculadas em creches estão jun-
tamente com as turmas de pré-escola e as de até 5 anos, são aglomeradas em salas com
turmas do ensino fundamental. O trabalho com a multissérie tem sido hoje um dos
grandes desafios na educação do campo, que segundo (Silva, 2007) o desenho que se
apresenta é de que (a classe-escola) multisseriada, assim como toda a educação do
campo e o próprio campo como território, têm sido relegados a segundo plano.
E é devido ao fato das escolas de classes multisseriadas serem uma das poucas
e/ou a única oportunidade que os alunos da campo têm para frequentar a escola e ter
direito a educação básica, que ela precisa ser mais valorizada e melhorada, para que
não haja um esvaziamento e/ou uma substituição por outras escolas ou que as crianças
sejam transferidas para a cidade.
Por esse motivo que é preciso pensar numa proposta de desenvolvimento da
escola do campo que leve em conta a tendência de superação entre a dicotomia rural-
urbano ao mesmo tempo em que resguarde a identidade cultural dos grupos que ali
produzem suas vidas, ou seja, pensar numa melhoria para as escolas do campo e acima
de tudo valorizar seus saberes e cultura local.

Considerações finais
Ao longo da construção do artigo, por meio das leituras realizadas, procurei
abordar a partir da literatura como se configura a problemática do trabalho docente
na contemporaneidade, a fim de compreender este fenômeno no contexto da educa-
ção do campo e nela nas classes multisseriadas, bem como analisar o trabalho reali-
zado pelos docentes das escolas do campo do referido município.
Portanto, percebe se que precisa se efetivar nas escolas do campo uma prá-
tica pedagógica que envolva os estudantes num processo contínuo de construção de
conhecimentos sistematizados mediante inserção de conteúdos baseados na realidade
desses sujeitos sociais, levando em consideração os traços indenitários, suas singula-
ridades e especificidades, seu modo de vida e de produção, onde os estudantes das
escolas de classes multisseriadas sejam autores e protagonistas da sua história e seja
valorizado enquanto ser humano, consciente dos seus deveres sociais e, sobretudo,
que seus direitos saiam do campo da teorização e entre no universo da praticidade.

376
DIÁLOGO FREIRIANO

Reiterando o parágrafo anterior, sendo sujeitos que tenham acesso aos co-
nhecimentos socialmente construídos pela humanidade, acesso educação de quali-
dade no campo, salas de aulas com estrutura física adequada, professores com uma
base teórica consistente para a formação política desses sujeitos que ao longo do pro-
cesso histórico vem sendo marginalizados pela classe elitizada e dominante, tendo os
seus direitos negados e sendo vítimas da exclusão.
No entanto, cabe dizer que os desafios da pesquisa sobre a multissérie são:
aprofundar a compreensão de quais conhecimentos científicos os professores domi-
nam e quais são necessários para a efetivação de uma prática pedagógica transforma-
dora.

377
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
ARROYO, Miguel. KOLLING, Edgar J. et al. Por uma Educação do Campo. Brasil.
Fundação Universidade. Brasília, 2010.
_______________. Formação de Educadores e Educadoras do Campo. Brasília:
MEC, 2004
_______________. Gonzalez; CALDART, Roseli Salete; MOLINA, Mônica Cas-
tagna. (org). Por uma Educação no Campo. Petrópolis: Vozes, 2004, Cap. I, p. 27
49. 14
BICUDO, M. A. V. Fenomenologia: Confrontos e Avanços. São Paulo: Cortez Edi-
tora, 2000.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Texto constitucional pro-
mulgado em 5 de outubro de 1988, Brasília-DF: 2010.
CALAZANS, Maria Julieta Costa. Para compreender a educação do Estado no meio
rural - traços de uma trajetória. In: Jacques Therrien e Maria Nobre Damasceno (co-
ords.). Educação e Escola no campo. Campinas, Papirus, 1993.
CALDART, Rosely S. Pedagogia do Movimento Sem-Terra. São Paulo: Expressão
Popular. 2004. p.315 405.
GADOTTI, Moacir. Para chegar lá juntos e a tempo: caminhos e significados da
educação popular em diferentes contextos. 21ª- Reunião Anual da ANPED. Ca-
xambu, 1998
FREIRE, Paulo. A Concepção da Educação como Instrumento da
Opressão. Seus Pressupostos, sua Crítica. In: Pedagogia do Oprimido. 41ª edição.
Rio de Janeiro. Paz e Terra, 2005, Cap. 2, p.80.
GOHN, M. G. Movimentos sociais e educação. SP: Cortez, 1994.
FERNANDES, B. M. A formação do MST no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
HAGE, Salomão Mufarry. A Realidade das Escolas Multisseriadas Frente as Con-
quistas na Legislação Educacional. In: anuais da 29ª reunião anual da AN-
PED:Educação, Cultura e Conhecimento na Contemporaneidade: desafios e com-
promisso manifestos. Caxambu: ANPED, 2006.
LEITE, Sérgio Celani. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. 2. ed. São
Paulo: Cortez, 1999.
SILVA, Jaqueline Barbosa da, SANTIAGO, Maria Eliete. As iniciativas de formação
continuada para a educação do campo: os/as professores/as das classes multisseriadas

378
DIÁLOGO FREIRIANO

e suas representações sociais. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM


EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2., 2008, Brasília. Anais... Brasília: UnB, 2012. 15 p.
SOUZA, Maria Antonia de, SANTOS, Fernando Henrique Tisque dos. Educação do
Campo: Prática do Professor em Classe Multisseriada. Diálogo Educ., Curitiba, v.
7, n. 22, set./dez. 2011. p. 211-227.
TOLEDO, Maria Cristina Moiana de. A Escola do Campo e a Pesquisa do Campo.
Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006.
VEIGA, José Eli. Destino da Ruralidade no Processo da Educação - estudos avança-
dos, n.51, maio á agosto 2004.

379
CLASSES MULTISSERIADAS:
QUE ORGANIZAÇÃO ESCOLAR É ESSA?

Patrícia Gonçalves de Souza 1

Introdução
Os estudos voltados para a educação dos povos do campo têm conquis-
tado espaço no debate acadêmico nacional principalmente a partir da década de 90
do século XX, quando houve importantes conquistas dos movimentos sociais organi-
zados em defesa de uma escola que atendesse às demandas dos povos trabalhadores
do meio rural. E foi nessa perspectiva que o presente artigo foi pensando com a in-
tenção de refletir sobre o modelo de organização das classes multisseriadas nas escolas
do campo.
Desse modo, os pesquisadores que discutem a temática como Arroyo, Ga-
dotti, Hage, Veiga, dentre outros têm se debruçado sobre a problemática da escola do
campo a fim de compreender o processo de ensino e aprendizagem nessa forma de
organização.
Com o aprofundamento da pesquisa, notou-se nas referidas classes que o
tempo dedicado a cada turma é infinitamente menor que o recomendado pela legis-
lação, embora as professoras cumpram os duzentos dias letivos preconizados pela
LDBEN.
Assim, neste artigo é apresentado alguns elementos que permitem uma me-
lhor compreensão da problemática da organização do espaço e do tempo nas classes
multisseriadas.

Aspectos históricos das classes multisseriadas


Na Idade Média a organização seriada já se fazia presente. Foram pontos que
estavam marcadamente presentes na trajetória da educação. As mudanças sociais e

1
Doutoranda e Mestra em educação. Especialista em: Psicopedagogia Clínica e Institucional, Gestão de
Escolas e Educação Infantil. Graduada em Pedagogia. Coordenadora Pedagógica da Rede Municipal de
ensino de Irecê-Ba.
DIÁLOGO FREIRIANO

históricas foram fatores que determinaram o modo de organização das escolas. (PA-
RENTE, 2010; AUGUSTO, 2010). Não era feita por meio de exames que comprovas-
sem aprendizado num determinado tempo ou conteúdo pré-estabelecidos.
O aprendiz era permitido permanecer no espaço destinado ao aprendizado
até que seus recursos financeiros o sustentassem, somente os mais abastados pode-
riam ficar pelo tempo que quisessem ou até atingir suas próprias expectativas. Com o
passar dos anos, a escola vai caminhando rumo à organização que conhecemos hoje.
Num primeiro momento, os cursos livres foram sendo substituídos pela graduação
dos estudos em graus e classes que funcionavam em um mesmo espaço. Os grupos se
reuniam em pontos diferentes da mesma sala. Para cada classe havia um professor.
Surge a delimitação dos tempos para as aprendizagens e dos espaços para
agrupamento dos alunos, na sequência desse processo evolutivo. Os tempos de apren-
dizagem no final do século XVI já estavam definidos em anos, dias e horas e os conte-
údos pré-estabelecidos para serem cumpridos dentro desse programa anual. Ao final
de cada período, os alunos deveriam ser submetidos a exames seletivos para demons-
trar ter aproveitado esse tempo.
É oportuno ressaltar que a organização escolar, como a concebemos hoje,
com delimitações de tempo: ano letivo, horário de aulas, calendário escolar, progra-
mas de ensino rígidos e avaliações seletivas são herança da modernidade e guardam
em sua estrutura muito da influência dos jesuítas, com sua Companhia (séc. XVI), e
de Comênio (séc. XVII), com sua Carta Magna. (PARENTE, 2010).
De certa forma, foi daí que surgiu a organização em séries ou seriada que se
caracteriza pela definição do tempo escolar em ano letivo, pela divisão dos conteúdos
em séries, pela concepção de educação pautada na aquisição de conhecimentos e for-
mação de habilidades, pela avaliação quantitativo-seletiva e pelo papel do professor
de transmitir conhecimento.
Nessa organização, os estudantes são agrupados em séries anuais de acordo
com o nível de desempenho de cada um. Os conhecimentos são divididos em conte-
údos escolares adequados a cada série e devendo ser ministrado por um professor no
decorrer de um ano letivo. Ao final desse período, os alunos passam por uma avaliação
quantitativa para demonstrar o quanto aprenderam e se estão aptos a frequentar o ano
seguinte ou não. Para aqueles que não conseguiram aprovação haverá uma nova
chance no ano seguinte cursando a mesma série. Eles serão agrupados com outro
grupo de alunos que estiverem no mesmo nível de conhecimento que eles, desconsi-
derando a idade. (AUGUSTO, 2010; MIRANDA, 2005).

382
DIÁLOGO FREIRIANO

Essa forma de segregar aqueles considerados inaptos ou incapazes gerou no


sistema educacional brasileiro problemas graves como os altos índices de reprovação,
a evasão escolar e a distorção de idade-série, que se arrastam há décadas, sem solução.
(AUGUSTO, 2010; MIRANDA, 2005; PARENTE, 2010). Apesar disso, há uma
crença de que a escola sem essa rigidez não seria capaz de cumprir sua função social
de transmitir conhecimento.
Um instrumento poderoso nesse processo educacional seletivo é a avaliação
que, apesar de, explicitamente, ser um meio efetivo de verificação de aprendizagem,
implicitamente oferece ao professor um instrumento de controle sobre os alunos.
Freitas (2004) concluiu que poder do professor se estabeleceu a partir do controle
da avaliação do
Poucas instituições, na história da evolução humana, mantêm princípios tão
rígidos e primitivos como a escola. Todos percebem que uma reforma educacional de
base é urgente, porém, há de se cuidar para que não seja inconsequente nem utópica,
menos ainda precipitada para não se correr o risco de apenas substituir os meios de
exclusão.
Entretanto, as opiniões dos autores convergem para uma única direção: a
organização de ensino tal qual ela existe hoje, com seu espaço delimitado em salas de
aula, com carteiras enfileiradas uma atrás da outra, pátio para recreação e blocos ad-
ministrativos; tempos para as aprendizagens definidos em anos, semestres, bimestres,
dias, horas e minutos; programas institucionais rígidos e avaliação seletiva é fruto de
um contexto histórico-social diferente do que vivemos hoje e necessita urgentemente
ser adequado.

A organização das classes multisseriadas


Há escolas que admitem a seriação, é uma forma de organização bastante
usada, mas no contexto da educação do campo surgem as classes multisseriadas como
uma solução para levar educação formal aos setores rurais que na maioria das vezes
não há muitas crianças para formação de uma turma seriada, e de acordo com os pa-
drões do sistema é obrigatório haver uma quantia significativa de alunos para que se
torne possível regulamentar a matricula de todos perante Lei.
A multissérie é uma organização das escolas do campo para agregar edu-
cando de duas ou mais séries/anos em uma mesma sala, com apenas um (a) professor
(a), historicamente as classes multisseriadas tornaram-se uma estratégia para solucio-
nar o acesso à escolarização de um número reduzido de crianças e jovens presentes

383
DIÁLOGO FREIRIANO

no campo. Foram sustentadas por políticas compensatórias no que diz respeito a so-
lucionar o acesso a escolarização de um número reduzido de crianças e jovens exis-
tentes no campo.
Essas escolas são unidocentes, impondo aos professores uma sobrecarga de
atividades além das condições adversas do trabalho realizado na sala de aula como
merendeiro, servente, Psicólogo, enfermeiro, vigia escolar, diretor e na maioria das
vezes, realizando o papel de pai/mãe.
Esses são alguns dos muitos termos utilizados para denominar a modalidade
de ensino em que um único professor atende a várias séries no mesmo espaço e tempo:
Multissérie, multi-idade, agrupamento vertical, multianual, escola isolada, classe múl-
tipla, multigrado, sala unidocente, sala (classe ou turma) multisseriada. Se por um lado
é uma modalidade de ensino tão recorrente no território brasileiro, por outro, é tão
pouco difundida, sendo ainda desconhecida de muitos. É fato que torno das clas-
ses multisseriadas formou-se uma imagem de que este ensino é de segunda categoria,
e o que é pior, sem alternativa de
Segundo o (MEC - MOPFEE) Manual Orientações Pedagógicas para For-
mação de Educadoras e Educadores (2009: 23), a ser conhecida como multis-
seriada para caracterizar um modelo de escola do campo que reúne em um mesmo
espaço um conjunto de séries do ensino
A partir dessa afirmação, se pode perceber que esse modelo de escola define
a forma de organização mais típica da escola do campo. Sabe-se que o modelo que
tem predominado na história brasileiro é constituído, quase que em uma totalidade
em classes multisseriadas, considerando ainda que a educação do campo sempre es-
teve em segundo plano, limitando-se ao ensino das primeiras letras.
Segundo o Guia Referencial do Programa Escola Ativa (2009) as classes mul-
tisseriadas são caracterizadas como classes heterogêneas, ou melhor, onde se compor-
tam em um único espaço varias séries de Ensino Infantil ao Ensino Fundamental I, o
que caracteriza a enturmação presente nas escolas do campo.
Esse programa tem como objetivo a qualidade do desempenho escolar em
classes multisseriadas nas séries iniciais do ensino fundamental de escolas do campo.
Para isso, o mesmo implanta nas escolas recursos pedagógicos e de gestão, como kits
de caderno de aprendizagem das disciplinas Português, Matemática, Ciências, Histó-
ria e Geografia para os estudantes do ensino fundamental.
Para muitos educadores que trabalham com a realidade de classes multisse-
riadas, as mesmas são vistas como sofrimento, problema, insatisfação, atraso e tantos

384
DIÁLOGO FREIRIANO

outros adjetivos que ao longo do tempo vão se incorporando e fazem surgir uma cul-
tura vista de maneira negativa.
Não se sabe ao certo quando as Classes Multisseriadas surgiram no Brasil,
mas conforme Maria do Socorro (apud GARDIA, 2005), na década de 30, em lugares
como São Paulo, a escola Primária rural atendia até a 3ª série em classes multisseriadas
e os conteúdos trabalhados era igual os da cidade.
A multisseriação, historicamente apontada no Brasil como a principal carac-
terística das escolas rurais, tem sido vista como praga que deveria ser extermi-
do adjetivações apreendidas e discutidas nos estudos de
Santos e Moura (2010, p. 35). A ela também está associado o baixo índice de aprendi-
zagem dos alunos que estudam nas escolas do meio rural.
Essa modalidade de ensino sempre foi sustentada por políticas compensató-
rias no que diz respeito a solucionar o acesso a escolarização de um número reduzido
de crianças e jovens existentes no campo. Por ser unidocentes, impõe aos professores
uma sobrecarga de atividades além das condições adversas do trabalho realizado na
sala de aula como merendeiro, servente, Psicólogo, enfermeiro, vigia escolar, diretor
e na maioria das vezes, realizando o papel de pai/mãe. Tal situação é expressa em uma
pesquisa realizada pelo GEPERUAZ/UFPA (Grupo de Estudos e Pesquisas em Edu-
cação do Campo na Amazônia) (2005):

Muitos educadores (as) expressam insatisfação com relação a existência das classes
multisseriadas pelo fato de não possuírem formação específica para trabalhar com
uma turma diversificada em termos de idade e de aprendizagens, estabelecendo
muitas comparações com as turmas seriadas, manifestando a expectativa que essas
turmas se transformem em seriadas como alternativas para que o sucesso na apren-
dizagem se efetive. (GEPERUAZ 2005, p. 46).

Cabe ressaltar que essa forma de organizar uma turma com alunos de mais
de uma série não acontece apenas no Brasil. É conhecido como multigrado em países
latino-americanos, e sobre o qual se reconhece a necessidade de uma definição orga-
nizativa diferenciada do modelo de um professor por grau (por série), como defende
Ezpeleta:

Los cursos comunitarios están concebidos y estructurados para El trabajo con el


grado múltiple. Entre los centros educativos destaca El reconocimiento a este hecho,
que, siendo obvio para el interes pedagógico, nunca lo fue para la organización del
sistema escolar: que el núcleo de la actividad institucional es la enseñanza, y, simul-
táneamente, que el trabajo con pocos niños con distintos niveles de avance, requiere
una resolución organizativa diferenciada respecto del modelo de un maestro por
grado, con grupos relativamente homogéneos. (EZPELETA, 1997, p. 104)

385
DIÁLOGO FREIRIANO

Por su parte, las escuelas multigrado son producto de outra circunstancia histórica
y de una definición de otro tipo. Para uma administración que a partir de la postre-
volución se propuso La expansión del nivel primario, el problema consistía en ase-
gurar La existencia del servicio escolar, sin que por entonces su calidad fuera objeto
de preocupación. (Idem, ibidem, p. 105)

Essa forma de organização multisseriada também é adotado como modali-


dade de ensino em países como Canadá, México e França. O documentário francês
e (2002), dirigido por Nicolas Philibert, explicita o cotidiano do trabalho
docente no contexto de uma escola multisseriada em uma comunidade francesa.
Embora os problemas da Educação não estejam localizados apenas no meio
rural, neste a situação é mais grave, pois, além de não considerar a realidade socioam-
biental onde cada escola está inserida, esta foi tratada sistematicamente, pelo Poder
Público, como resíduo, com políticas compensatórias, Programas e Projetos emer-
genciais, que muitas vezes ratificou o discurso da cidadania.
É preciso enfatizar que as classes multisseriadas passam por diversas situa-
ções visíveis no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. Essa organização re-
quer a competência do poder público como uma possibilidade em prol de melhorias
para o educando do campo, e é a partir desse pressuposto que é possível acreditar em
uma Educação do Campo favorável no desenvolver de sua aprendizagem, pois o edu-
cando do campo merece uma escola padronizada com professores capacitados e ma-
teriais pedagógicos de qualidade, melhorando assim a visão de que, as classes multis-
seriadas é uma realidade completamente distorcida de educação, é um descaso total
que vivenciam os alunos do campo.

Condições de trabalho no contexto das classes multisseridas


A realidade da multisseriação tem gerado, ao longo dos anos, uma situação
de precariedade em que viveu e ainda vive a escola do campo, seja em relação à estru-
tura física, seja pelo o insuficiente grau de formação do professor. Constituído essen-
cialmente por sala multisseriada ou unidocente, essa escola se caracteriza por possuir
uma sala e ter um só professor que ministra aula para quatro séries iniciais do Ensino
Fundamental no mesmo local e ao mesmo tempo. (TOLEDO, 2005)
Em consequência da ausência de alunos e materiais pedagógicos adequados
ao atendimento dessas escolas, só tem reforçado desde o surgimento até os dias atuais
a ideia de que para estudar é melhor ir para a cidade, deixando assim uma enorme
lacuna na Educação do campo.
No campo, a presença da sala multisseriada segundo o Censo Escolar 2005,
das 207.234 escolas brasileiras, quase 50% estão localizadas no meio rural, totalizando

386
DIÁLOGO FREIRIANO

96.557 escolas e detendo 17,3% da matrícula no ensino fundamental do país, o que


significa o atendimento a 5.799.387 alunos. Destes, 71,5% são alunos de 1ª a 4ª série.
Mais da metade das escolas do meio rural (59%) são multisseriadas apenas 20% das
escolas rurais são seriadas , atendendo a 1.371.930 alunos, o equivalente a 24% das
matrículas. (MEC/INEP, 2007).
A incidência de escolas campesinas varia de acordo com a região do Brasil.
As escolas rurais nas regiões Norte e Nordeste são superiores às localizadas nos meios
urbanos 71,65% no Norte e 62,53% no Nordeste. As matrículas nas escolas das áreas
rurais brasileiras em 2006 totalizaram 7.469.924 (o total de matrículas da Educação
Básica foi 55.942.047). No Rio Grande do Norte RN, das escolas de Ensino
Fundamental do campo [...] utilizam a multisseriação, considerando que 66% são
multisseriadas e 16% são mistas salas multisseriadas e (Dantas e Carvalho,
2008, p. 02).
No período de 2000/2005, houve um declínio no número de estabelecimen-
tos e de matrículas das séries iniciais do ensino fundamental no meio rural, como po-
demos perceber com os dados do INEP, apresentados pelo GEPERUAZ (2004), refe-
rentes ao Censo Escolar de 2002, aponta que 64% das escolas rurais eram multisseri-
adas. O que mais preocupa é que esse ensino é oferecido em situações precárias, ob-
tendo um baixo rendimento dos estudantes, prejudicando assim, a aprendizagem dos
mesmos. (HAGE, 2004).
Em 2003, de acordo com os dados do MEC/INEP, pôde se perceber um cres-
cimento nessa percentagem, passando para 83% o número de escolas multisseriadas
no campo brasileiro (sendo que destas, 40% têm apenas uma sala de aula). (Ramalho,
2008). Contudo, nos anos posteriores, confirmou-se essa tendência ao declínio (em
2005 as salas multisseriadas somavam 59%, como já foi colocado) uma queda de 24%
nesses dois anos.

Isso sugere melhoria no fluxo escolar, com a progressão dos alunos para as séries
posteriores. Também pode ser o resultado da política de nucleação e reorganização
da rede escolar adotada pelos municípios, sugerindo a transferência do atendimento
desses alunos para escolas urbanas, decorrente do incentivo dos programas de
transporte escolar. (MEC/INEP, 2007).

O Brasil possui proporções continentais, havendo Estados que são maiores


em extensão territorial do que muitos países, tendo, portanto um contingente enorme
de culturas, etnias, sotaques, enfim, um país caracterizado pela diversidade. Na área

387
DIÁLOGO FREIRIANO

educacional não poderia ser diferente. No caso da Educação do Campo, mais especi-
ficamente das salas multisseriadas, por mais que essas possuam suas diferenças, que
variam de região para região, as semelhanças são ainda mais evidentes.
No entanto, a multisseriação acaba sendo um agravante, pois, como muitos
professores nunca nem ao menos ouviram falar nessa organização escolar, devido,
principalmente, a esta ser negligenciada durante sua formação, seja ela a nível ou mé-
dio ou superior, muitos descrevem a experiência inicial nessa realidade como um
se sentindo totalmente perdidos.

O fato de iniciarem como professores em turmas multisseriadas contribuiu para au-


mentar as dificuldades expostas. Em vários memoriais, os professores-alunos che-
gam a descrever essa experiência inicial como assustadora, em outros, como trau-
mática. A necessidade de adequar espaço, tempo, idade, série e conteúdo aos dife-
rentes níveis de aprendizagem dos alunos revelou-se como uma das maiores dificul-
dades enfrentadas por eles. (Ramalho, 2008, p. 70).

Outro fator de diferenciação entre as salas multisseriadas e as classes, diga-


mos, é, sem dúvida alguma, o tempo. A multisseriação exige tempos esco-
lares e ritmos docentes diferentes. Imaginar em uma mesma sala, funcionando em um
mesmo turno, com mais de uma série juntas, com a atuação de apenas um professor,
exigindo do mesmo, uma didática diferenciada, que muitas vezes é o próprio que a
elabora de acordo com a necessidade e com base em sua experiência, exigindo do pro-
fessor utilizando uma expressão típica da região - de Para isso tem
que se ter em mente que,

Compreender a sala de aula significa não apenas discuti-la do ponto de vista da


constituição e da transmissão de conteúdos cognitivos e simbólicos, isto é, da cul-
tura escolar, como também do ponto de vista das suas características próprias, seus
modos seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, elementos que compõem,
na perspectiva de Forquim (1993), uma cultura da escola. (Garcia, 1999, p. 111).

nas últimas décadas como uma do sistema, praga


que deveria ser para dar lugar às classes seriadas tal qual o modelo ur-
bano, este modelo de organização escolar/curricular tem (MOURA &
SANTOS, 2011, p. 5). Tal percepção vem sendo reafirmada ao longo do tempo pelo
baixo desempenho das escolas do campo e que neste espaço é predominantemente
composto por classes multisseriadas.
Há estudos desde 2002 (HAGE, GEPERUAZ) que indicam alguns fatores
que estão ligados diretamente ao baixo desempenho do ensino do campo/classes mul-
tisseriadas, os quais vão desde a falta de um espaço físico adequado, com energia elé-

388
DIÁLOGO FREIRIANO

trica, água encanada, banheiro, cozinha, fornecimento de merendeira, a um acompa-


nhamento pedagógico e formação específica, recursos didáticos, adequação curricu-
lar, dentre outros.
Diante da falta de uma política publica que dê conta da dinâmica que cons-
titui as classes multisseriadas, e das mazelas que compõem o cenário sócio educacio-
nal das mesmas, torna-se um desafio para qualquer professor ministrar aulas nessas
classes. A visão política pedagógica capaz de lidar com os fatores mencionados são
escassos, como a formação de professores, tornando um agravante na formulação e
desenvolvimento das aulas.
Sem formação, sem informação sobre as classes multisseriadas, muitos pro-
fessores e coordenadores se sentem desnorteados sem saber como proceder frente as
especificidades da educação do campo e assim também como elaborar e desenvolver
uma proposta educacional que atenda as necessidades das series/anos que compõem
a multisserie. Sem esse norte, acabam seguindo o modelo urbanocêntrico, planejando
série/ano por série/ano, disciplina por disciplina desenvolvendo assim também suas
aulas.
Rabello e Goldenstein (1986), ao analisarem e proporem uma forma de atu-
ação para as classes multisseriadas, apontam algumas dificuldades encontradas que
não são, necessariamente, especificidades de organização destas classes. São elas: a) a
idealização da classe homogênea por parte do professor, que a considera mais fácil
para se trabalhar; b) a dificuldade de se elaborar um planejamento que esteja vincu-
lado às reais condições da classe; c) o atendimento aos diferentes níveis de aprendiza-
gem.
Essas dificuldades estão presentes no cotidiano de qualquer escola, seja com
classes unisseriadas ou multisseriadas. No entanto, ao se pensar em classes multisse-
riadas, precisamos analisar o contexto em que elas estão funcionando. A classe mul-
tisseriada é organizada, na maioria das vezes, pelo número reduzido de alunos para
cada série, o que a caracteriza como mais do que uma simples classe.
As escolas multisseriadas devem sair do anonimato e ser incluídas na agenda
das Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, do Ministério da Educação, das
universidades e centros de pesquisa, e dos movimentos sociais do campo. Elas não
podem continuar sendo tratadas como se não existissem, excluídas inclusive das esta-
tísticas do censo escolar oficial. Não há justificativa para tamanha desconsideração do
poder público e da sociedade civil para com os graves problemas de infra-estrutura e
de condições de trabalho e aprendizagem que enfrentam

389
DIÁLOGO FREIRIANO

Considerações finais
Os professores e estudantes das escolas multisseriadas, que em geral encon-
tram-se abandonadas às situações contingentes próprias das comunidades em que se
localizam, afinal, delas depende atualmente a iniciação escolar da maioria das crian-
ças, adolescentes e jovens do campo.
Sem formação, sem informação sobre as classes multisseriadas, esses profes-
sores e coordenadores se sentem desnorteados sem saber como proceder frente as es-
pecificidades da educação do campo e assim também como elaborar e desenvolver
uma proposta educacional que atenda as necessidades das series/anos que compõem
a multisserie.
Assim, a pesquisa proporcionou entender que sem esse norte, acabam se-
guindo o modelo urbanocêntrico, planejando série/ano por série/ano, disciplina por
disciplina desenvolvendo assim também suas aulas.
Ao vislumbrar de perto a realidade da organização da multisserie, foi possí-
vel compreender que é de fundamental importância realizar nessas classes uma prá-
tica pedagógica que possibilite superar a visão alienada em relação aos problemas so-
cioeducativos e que dê condições ao professor de sair do estado de submissão e subal-
ternidade, e que amplie os horizontes políticos, culturais e sociais no sentido de se ter
clareza do tipo de cidadão e de sociedade que se quer formar.
É necessário salientar que, para que o educador tenha condições para desen-
volver com qualidade o trabalho pedagógico na realização do seu fazer pedagógico, a
formação continuada é necessária.

390
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
ARROYO, Miguel. KOLLING, Edgar J. et al. Por uma Educação do Campo. Brasil.
Fundação Universidade. Brasília, 2010.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer
CNE/CEB n° 36/2001. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas
do Campo.Brasília: MEC/CNE, 2003.
DAMASCENO, M. N. Pedagogia do enfrentamento no cotidiano das lutas do
campo. IN: Reunião Anual da Anped, 16, 1993, Caxambu. Anais... Caxambu: AN-
PED, 1994. p.125-162.
DAMASCENO, M. N. Pedagogia do enfrentamento no cotidiano das lutas do
campo. IN: Reunião Anual da Anped, 16, 1993, Caxambu. Anais... Caxambu: AN-
PED, 1994. p.125-162.
GADOTTI, Moacir. Para chegar lá juntos e a tempo: caminhos e significados da
educação popular em diferentes contextos. 21ª- Reunião Anual da ANPED. Ca-
xambu, 1998
GEPERUAZ. Grupo de Pesquisa em Educação Rural da Amazônia. Classes Multis-
seriadas: desafios da educação rural no estado do Pará/ Região Amazônia. Belém-
PA, 2003.
HAGE, Salomão Mufarry. A Realidade das Escolas Multisseriadas Frente as Con-
quistas na Legislação Educacional. In: anuais da 29ª reunião anual da AN-
PED:Educação, Cultura e Conhecimento na Contemporaneidade: desafios e com-
promisso manifestos. Caxambu: ANPED, 2006.
MARTINS, F. J. Gestão democrática e ocupação da escola: o MST e a educação.
Porto Alegre: EST, 2004.
MÉSZAROS, István. A educação para além do capital. Trad. Isa Tavares. São Paulo:
Boimtempo, 2005.
MOLINA, Mônica Castagna. A Contribuição do PRONERA na construção de po-
líticas públicas de Educação do Campo e Desenvolvimento Sustentável. Brasília,
199. (Tese) Doutorado em Desenvolvimento Sustentável. Centro de Desenvolvi-
mento Sustentável da Universidade de Brasília.
TOLEDO, Maria Cristina Moiana de. A Escola do Campo e a Pesquisa do Campo.
Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2006.
VEIGA, José Eli. Destino da Ruralidade no Processo da Educação - estudos avança-
dos, n.51, maio á agosto 2004.

391
DIÁLOGO FREIRIANO

NASCIMENTO, C. G. Educação, Cidadania e Políticas Sociais: a luta pela educa-


ção básica do campo em Goiás. Revista Iberoamericana de Educación, 2004.

392
SABER E PODER:
EDUCAÇÃO POPULAR
UMA ALTERNATIVA POSSIVEL?

Paulo Alberto Duarte Junior 1

Introdução
Neste artigo que vamos aprofundar nas próximas linhas, vamos ensaiar
como a Educação Popular pode enfrentar o Estado, como ela pode se articular para
deslumbrar uma nova roupagem para educação. Seria possível uma Educação Popu-
lar (EP) diante do Estado? Está é a grande pergunta. Aparentemente podemos levan-
tar que não é possível e se é possível pode haver limites.
As discussões entre EP e universidades populares se são possíveis, ainda es-
tão em questão na atualidade. No entanto, a situação no Brasil nas duas ultimas déca-
das, tem-se visto uma expansão cada vez maior de pessoas nas universidades e um
questionamento, um tencionamento das pessoas que vem ingressando e discutindo a
forma de como se constituem as universidades, seus saberes hegemônicos. Já que his-
toricamente a grande maioria da população esteve fora da universidade. Aqui se per-
guntamos se a universidade está a serviço do Estado ou não. A quem interessa os sa-
beres? Para que (m) serve o conhecimento? São justificativas para se perguntar se a EP
seria viável.
Com base em autores/as que tratam da EP e que permeiam a educação de
certa maneira, vamos levantar bibliografias e tecer reflexões que sobre nossa busca de
ver outra forma de educação que dialogue para além do interesse do Estado, se é que
podemos falar em educação fora Estado.

Breve Histórico
Todo o movimento de uma nova concepção de educação popular começa
com perspectiva sistemática e crítica aqui no Brasil com Paulo Freire (1921-1997) na
década de 60, na qual passou a ser chamado de Educação Popular. Historicamente

1
Graduado no curso de licenciatura em História. Foi Bolsista do Grupo PET Práxis /Licenciaturas
Conexões de Saberes (FNDE), e voluntário no Laboratório de Documentação e História Oral pela,
Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Erechim. E-mail: pauloalberto847@gmail.com
DIÁLOGO FREIRIANO

antes dos anos 60, existia toda uma tentativa na América do Sul em dar um significado
para esse popular. Quem seria esse popular? A exemplo, temos Domingo Faustino
Sarmiento (1811-1888) do século XIX que queria uma educação para todos e todas a
partir das escolas seria a base para civilização, só que não para os/as indígenas. Com o
tempo o conceito vai mudando e ganhando outros sentidos e entendimentos
uma ressignificação desse conceito que em autores como Domingo Faustino Sarmi-
ento (Argentina), José Martí (Cuba), José Pedro Varela (Uruguai) tinha o sentido de
educação geral do povo ou educação pública (STRECK, 2010, p.
A questão aqui para nos sulear é apontar o que se entende por educação po-
pular e seus agentes. Entende-se que quem faz parte da EP são pessoas que estão em
situação de opressão, a margem do sistema, são os/as ribeirinhos/as, os/as indígenas,
os/as quilombolas, os/as favelados/as, todas as formas de organização comunitárias, o
famoso digamos assim. Em linhas gerais a EP é entendida para busca de di-
reitos sociais, culturais e políticos, seja em espaços formais ou não-formais. Ela é uma
educação que busca as classes populares a conseguir uma educação de qualidade, a
entrar nas universidades, já que majoritariamente foram excluídas; valorizar suas cul-
turas, cosmologias; ter o direto de dizer a sua palavra. Busca obter uma educação li-
bertadora, emancipadora que livre das situações de opressão, partindo dos saberes e
não fincado neles, pois os saberes populares devem ser levados em conta e junto com
eles os educadores/as e educandos/as buscarem uma forma de se educarem, consci-
entizarem e humanizarem (FREIRE, 2011). Trabalho que Paulo Freire realizou em
Angicos2 no Rio Grande do Norte (RN), como educador, buscando a leitura de
mundo com as pessoas que pare ele precede a leitura da palavra.
De acordo com as autoras Freitas e Machado (2010) a Educação Popular em
si e para a formação inicial de educadores/as está ligada a uma perspectiva emancipa-
tória, a qual leva em consideração condicionantes histórico-sociais, e se posiciona a
favor de práticas educativas que se opõe a naturalização lógica dominante e contribu-
indo para o empoderamento dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, o conceito de em-
poderamento para as autoras está ligado a problematização do sujeito por ele próprio
da realidade na qual ele/a está inserido, por meio da conscientização de classe e do
entendimento da ideologia dominante.
Sendo assim, a Educação Popular se coloca sob uma nova perspectiva, com
o desafio de maximizar as relações por meio do aprendizado. Com isso, mobilizando

2
Para saber mais sobre essa experiência metodológica em Angicos-RN e como foi realizada. Cf.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é o método Paulo Freire. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983.

394
DIÁLOGO FREIRIANO

os saberes e não saberes com o intuito de aumentar o desejo de aprender dos indiví-
duos, a partir da partilha de suas experiências, nesse sentido, as autoras apontam a
importância do diálogo, o qual é responsável por autorizar os sujeitos a dizerem sua
palavra e ouvirem a do/a outro/a, configurando assim um dos princípios da Educação
Popular.
O destaque das autoras é que algumas experiências de Educação Popular
a expressão formação com educadores/as e não para ou de educadores/as,
pois testemunham a reciprocidade das aprendizagens que resultam dos processos
educativos fundamentados na Educação (FREITAS; MACHADO, 2010, p.
138, grifo nosso).
Junto a isso, as autoras apontam que ainda encontramos desafios a serem
enfrentados na teoria e na prática, diante da necessidade de encontrar outras maneiras
do ser e do fazer do educador popular, para lidarmos com velhos problemas, assu-
mindo novos contornos e assim fazendo a ligação com a natureza política da Educa-
ção Popular por meio de práticas inclusivas em processos sociais excludentes. Já que
a EP vem de um histórico, de contextualização3 latino-americano do cenário que
passa por fazes desde anos 60 até a atualidade.
Em Freire educar estar ligada a política e educação na busca de transforma-
ção social.

Entendo a educação popular como o esforço de mobilização, organização e capaci-


tação das classes populares; capacitação cientifica e técnica. Entendo que esse es-
forço não se esquece, que é preciso poder, ou seja, é preciso transformar essa orga-
nização do poder burguês que está aí, para que possa fazer escola de outro jeito. Em
uma primeira eu a aprendo desse jeito. Há estreita relação entre escola e
vida política (FREIRE; NOGUEIRA, 2011b, p. 33).

Em um de seus livros póstumos, com relação à America Latina, Freire


aborda temas com relação à Educação Popular e como ela é em seu pensamento, ao
dialogar com vários países da América Latina. Com isso Paulo Freire (2018, p. 207-
208) fala sobre quando diz ele afirma:

A Educação Popular está relacionada, em um primeiro momento, com a educação


das classes populares. Portanto, tem haver com uma educação que poderíamos di-
zer, em uma linguagem mais religiosa, dos Eu não gosto desta
expressão, mas tem a ver exatamente com educação dos oprimidos, a educação dos

3
Contextualização do cenário latino-americano referente a educação popular, lutas e movimentos de
cultura e, é comentado sobre pessoas importantes para a construção de o que hoje

PAULO, F. S. Educação Popular e Docência. 1. ed. São Paulo: Cortez Editora, 2014.

395
DIÁLOGO FREIRIANO

enganados, a educação dos proibidos [...] Educação Popular esteja, primeiro, a ser-
viço dos grupos populares ou dos interesses dos grupos populares, sem que isto sig-
nifique a negação dos direitos dos grupos das elites [...] Mas o grande objetivo da
Educação Popular está exatamente em atender os interesses das classes populares
que há quinhentos anos estão sendo negados. [...] De um modo mais radical, a Edu-
cação Popular significa, para mim, caminhos, isto é, o caminho no campo do co-
nhecimento e o caminho no campo político, através dos quais amanhã e aí vem a
utopia as classes populares encontrarem o poder. É isto que significa Educação
Popular para mim; o que significa nos anos 1960, o que significa nos anos 1970, o
que significa nos anos 1980 e o que significa hoje também.

Educar em Freire está ligado a uma posição política, sem neutralidade; edu-
car é conscientizar as pessoas a enxergarem as barreiras físicas ou não, sempre a buscar
o inédito-viável na ação-reflexão-ação, na busca em entender outras interpretações da
realidade ao não naturalizá-las; o diálogo como forma de ouvir e falar, dizer a sua pa-
lavra, para além de um conceito é aporte metodológico; sempre partir da realidade
das pessoas, mas nunca ficar nelas.

Desenvolvimento
Pois bem, vemos brevemente os aspectos da EP como uma forma diferente
de se contrapor a uma educação elitista, excludente, que não leva em consideração os
saberes dos alunos/as. Pensando aqui o que o Freire (2011) aponta como educação
bancária4. Só demonstra que havia um problema na educação, assim com pensou Ivan
Illich, em diagnosticar que havia problemas na escola, que servia para manter uma
classe hierarquizada e desigual, visto em seu livro Sociedade sem Escolas (1970). Pois,
se a educação que se tinha nas escolas ou universidade não fazia uma denúncia da
realidade, tão pouco não anunciavam novas visões. Ficava difícil pensar um modelo
de educação em que os sujeitos não podiam dizer a sua palavra, nem se quer ter con-
dições mínimas para viver, ou simplesmente colocar a culpa que quis
ou não vai São uma das questões preocupantes que fez com que surgisse
a EP.
Por outro lado, como acreditar em uma instituição escolar que serve para
atender os interesses dos dominantes, que não se preocupa com as camadas popula-
res. Como os teóricos da reprodução: resumindo, seriam teorias de que a escola, por
exemplo, reproduziria as relações da classe dominante, reforça a desigualdade e não a

4
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido
da educação
funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão a absolutização da ignorância,
que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no

396
DIÁLOGO FREIRIANO

combatem. No livro, A reprodução (2012), Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron vê


a escola como reprodutora em seu sistema de ensino, favorecendo a quem tem certo
Capital Cultural5 e que vai se perpetuando e mantendo a ordem das classes dominan-
tes; Althusser considera a educação como um que serviria aos
interesses dos dominantes, basicamente é um braço do Estado (STRECK et al., 2014).
Fica praticamente inviável, sendo quase um pessimismo com relação à educação nos
espaços escolares buscar uma mudança.
István Mészáros nos aponta que ao limitarmos uma mudança educacional
radical as margens interesseiras do Capitalismo, significa abandonar conscientemente
ou não, o objetivo de uma transformação social qualitativa, segundo ele necessário
romper com a lógica do Capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa
educacional significativamente (MÉSZÁROS, 2005, p.27). Isso indica um
problema, diagnóstico no âmbito educacional que não quer mudança. Então a educa-
ção que tínhamos ou temos seria só reprodutora? Como se dá essa lógica de domi-
nância, o que torna ela uma verdade? Essa discussão poderia dar uma dissertação ou
uma tese a respeito dessas indagações.
Nos espaços de educação das escolas ou universidades, existe quem define
os currículos ou quem manda no campo acadêmico e quer reproduzir uma lógica de
poder, saber e se manter, em uma posição dominante. Para Brandão (2007) a educa-
ção pode existir imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o
controle sobre o saber como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na
divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos. Parece-nos um exercício de
poder e controle desses saberes para atender uma lógica educação que mantenha as
pessoas na linha. Seria possível uma EP como contraponto a dominação de saberes,
hierarquizada. Uma alternativa para uma nova relação de poder.
Michel Foucault trata da questão do poder como forma de controle, de se
criar um saber e por esse saber em circulação, pois saber é poder e poder é saber. Se
pegarmos a ideia de que a EP pode ser alternativa de se exercer outros saberes e até
mesmo o poder, é possível que Foucault esteja aplaudindo e dizendo que é possível.
Segundo Foucault (1979) o poder não pertence a ninguém, ele está em rede, em cir-
culação, não está localizado no Estado (não quer dizer que não exerça poder) o poder
perpassa a todas as pessoas. Sendo assim, a EP pode ser uma alternativa, já que o Es-

5
Seriam conhecimentos, experiências, gosto por certos tipos de filmes, pinturas, músicas, por exemplo,
que dariam sentido da cultura dominante para as classes dominadas.

397
DIÁLOGO FREIRIANO

tado não concentra os poderes, mas o perpassa. Visto que a noção de poder em Fou-
cault nos ajuda a pensar a EP como resistência as formas de dominação socialmente
impostas e as verdades cristalizadas.
Verdades essas que são construídas e que não são universais e a grande in-
dagação de Foucault e ver como foi caminho que levou aquela verdade de
Nietzsche, essa questão se transformou. Não é mais: qual o caminho certo da verdade?
Mas qual foi o caminho fortuito da (FOUCAULT, 1979, p. 156). Tal ver-
dade pode predominar em espaços de educação como hegemônicas produzindo uma
legitimação para construção de uma educação que atenda certos interesses. Andreola
e Colling (2014, p. 134) apontam que:

A verdade está centrada no discurso cientifico e em quem a produz. A escola produz


verdades? Quem disse a verdade da escola? Quem determinou o que ensinar na es-
cola? Se para Paulo Freire a verdade se constrói, historicamente no diálogo, para
Michel Foucault cada sociedade possui seu próprio regime de verdade e o faz funci-
onar, acolhendo e sancionando discursos como verdadeiros.

Seria necessário criar outro discurso, outra forma de educação como EP?
Mas aí poderíamos cair em outras formas de verdades, de discursos, de dispositivos
de captura. No entanto, a EP não trabalha com verdades universais, mas parte, prin-
cipalmente da realidade das pessoas construindo com elas uma visão de mundo dife-
rente de acordo com suas cosmovisões, cultura, necessidades da região, que não deixa
de pregar um discurso (libertador, emancipatório) ou ser um novo dispositivo. A EP
em espaços formais seria uma nova forma de educação possível.
De acordo com Foucault (1996, p. 44) sistema de educação é uma ma-
neira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, como os saberes
e os poderes que eles trazem Nessa medida a EP seria uma alternativa viável
perante o Estado, levando outro discurso, outra disputa por uma Educação Popular e
disputar o conceito de popular, já que é passível de ser ressignificado.
Não tem problema de ser ressignificado e abarcar outras lutas que emergem,
pois ao longo do tempo a EP vem aderindo outras pautas que não estavam postas nos
anos 60 como era a alfabetização, por exemplo, nos primórdios realizados por Freire
e que hoje está em pauta o feminismo, patriarcado, colonialismo a agroecologia como
novas pautas que não se tinha antes. A grande questão é para não se perder o horizonte
de ser anticapitalista, anti-agronegocio (expressão do capitalismo no campo).
Em suma, com base no micropoder de Foucault, nos deslumbramos possi-
bilidades de outra maneira de se posicionar com a EP com outras pautas emergentes,
com articulações de uma nova concepção de educação possível. Mesmo que as teorias

398
DIÁLOGO FREIRIANO

da reprodução sejam pertinentes, não podemos pensa-las como não tendo mais pos-
sibilidade de mudança.

Desafios da educação popular diante do Estado


Se o poder perpassa a EP e ela tem possibilidade de confrontar uma educação
que não atenda os/as oprimidos/as, em seus aspectos político, cultura e soci-
oeconômico. Podemos ver se uma escola ou universidade, por exemplo, aderir a EP e
se institucionalizar, pode-se assumir ou suspeitar que se burocratize, pois seria difícil
acreditar que a classe dominante, que não visa a mudança dos/as deixe fa-
zer outra concepção de educação que é contra o sistema que vivemos que é excludente,
seletivo, e desumanizador. Também é possível acreditar que temos pessoas bem-in-
tencionadas que acreditam na EP. Mas, como se articular e promover isso sem ser um
comitê do Estado ou acabar entrando no jogo burocrático que pode impossibilitar?
O que chama muita atenção é ver questões colocadas pensando a EP se seria
possível uma educação popular atrelada ao Estado? Ou abster de lutar contra o capi-
talismo, contra o neoliberalismo?
Conforme Streck et al. (2014) nos anos 90 houve uma refundamentação da
EP devido ao avanço do neoliberalismo, se reinventando para poder agir em uma
nova realidade que estava posta e para isso era preciso mudar, se refundamentar, se
instrumentalizar.
A EP tem-se reinventado, estando em constante movimento, articulando
com outras teorias. Indicando que não é algo parado, mas que assume a bandeira de
tentar e entender a realidade com outros chaveamentos possíveis que ajudem a per-
ceber essa realidade, pois assim, nós podemos cair na armadilha de aplicar certas
em outras ocasiões que não servem mais.
Nesse ponto é perceptível que a EP tenta se adequar as situações postas. O
que vemos é se mesmo ela sendo contra o capitalismo ou comitê regulado pelo Estado,
ela deve se repensar e achar estratégias de confrontamento para não ser captura na
lógica do Estado e jogar os interesses deste.
Um dos exemplos de tentativa de consolidação de um espaço de Educação
Popular em universidades públicas, é o caso da Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS)6. Em que se tem tentado achar outros meios para não cair na consistência de

6
Está presente nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Paraná nas cidades de Realeza
e Laranjeiras do Sul; Santa Catarina em Chapecó, Rio Grande do Sul em Erechim, Cerro largo e Passo
Fundo. Que tem em seu projeto de fundação a construção de uma universidade popular. Cf. BENINCÁ,
Dirceu. Universidade popular e os povos indígenas. Educação em Perspectiva, Viçosa, v. 6, n. 1, p.80-

399
DIÁLOGO FREIRIANO

universidades elitistas, que não tem outros saberes populares presentes nas universi-
dades e que não são valorizados ou se quer são tratados. O desafio foi lançado e bem
analisado pelo professor da UFFS, Thiago Ingrassia Pereira sobre o caso do campus
Erechim e sobre a possibilidade de uma Universidade e Educação Popular7.
Os autores Dirceu Benincá e Eduardo Santos abordam bem a questão de
uma EP na educação superior, que vai além de inserir pessoas historicamente excluí-
das (índios, negros, pessoas de baixa renda e etc.) de ter acesso ao ensino superior, e
principio vital para a configuração de uma universidade popular é a valoriza-
ção do diferente e das diferenças: de cultura, de etnia, de gênero, de identidade, de
opção religiosa e (BENINCÁ; SANTOS, 2013, p. 55).
O que está posto, de certa maneira, mas que poderíamos esmiuçar posteri-
ormente é bater nos aspectos de popular do ensino superior. Entretanto, é fundamen-
tal valorizar outros saberes nos espaços educacionais. Como vemos no sociólogo por-
tuguês Boaventura de Souza Santos, um embate diante dos saberes hegemônicos aca-
dêmicos que servem aos interesses de poucas pessoas. Um dos conceitos que nos ajuda
a pensar do sociólogo português é o de Ecologia dos Saberes, que dialoga com o que o
Benincá, Eduardo Santos, Paulo Freire vem nos apontando é a valorização de outros
conhecimentos e ecologia dos saberes resulta do reconhecimento da validade epis-
temológica de outras formas de saber (FREITAS, 2014, p. 33). Talvez seja um
dos pontos centrais para pensar o caráter popular em uma instituição do Estado. Até
que ponto avançar na efetivação popular sem sofrer uma guinada de instabilidade,
como por exemplo, uma massa critica pensante e atuante democraticamente, em
busca de uma alternativa de sociedade que se encaixe nos moldes atuais? Ainda não é
claro, mas vemos uma crise de universidade que Boaventura Santos (2013) identifica
três crises com que se defronta a universidade: Hegemonia: não ser a única que do-
mina as pesquisas, de ser a mais top, de criar conhecimento, não ser a única influente,
papel que de certa forma foi atribuída as universidade no século XX.
Legitimidade: não ser cosensual por hierarquização dos saberes, de um sa-
ber científico acadêmico superior em relação a um saber popular que não teria muita
validade; restrição de acesso, democratização e oportunidade para filhos(as) de classes

98, jan./jun. 2015. Disponível em: <http://www.seer.ufv.br/seer/educacaoemperspectiva/index.php/


ppgeufv/article/viewFile/556/160>. Acesso em: 2 jan. 2017.
7
O professor Dr. Thiago Ingrassia Pereira é sociólogo e analisa bem o caso do campus Erechim e o desafio
de uma Universidade e Educação popular respectivamente nas seguintes referencias. Cf. PEREIRA,
Thiago Ingrassia (Org.). Universidade pública em tempos de expansão: entre o vivido e o pensado.
Erechim: Evangraf, 2014; PEREIRA, Thiago Ingrassia. Classes populares na universidade pública
brasileira e suas contradições: a experiência do alto Uruguai gaúcho. Curitiba: CRV, 2015.

400
DIÁLOGO FREIRIANO

trabalhadores; temos um tencionamento em jogo entre o que é produzido nas univer-


sidades e que é feito fora dela, a universidade está fechada para o mundo real.
Institucional: busca por autonomia, mas que depende do Estado (grana, di-
nheiro) como para fazer pesquisas até que ponto isso é autonomia. Autonomia de va-
lores e objetivos versus pressão por objetivo eficaz, produtividade e responsabilidade
social para o que as empresas privadas enfrentam. A partir de uma virada popular é
possível dialogar com a falta de autonomia, e atender a essa crise institucional identi-
ficada por Santos.
Para tanto, Santos vê o modelo universitário como algo fechado em si
mesmo, detentora hegemônica dos saberes, desconhecedor dos problemas da socie-
dade que muitas vezes decidem por eles mesmos quais seriam relevantes para resolver.
É preciso considerar outros saberes e vozes. Que o autor chama atenção para um mo-
delo pluriversitário.
Pluriversitário: se tem uma partilha dos problemas que vão resolver conjun-
tamente, é um processo transdisciplinar, que abarcam várias, pois pretende ouvir, co-
nhecer, confrontar outros conhecimentos é algo menos hierárquico. O choque entre
ciência e sociedade faz tencionar saberes cristalizados e descontextualizados dos pro-
blemas sociais. Em suma, podemos afirmar segundo o autor que a sociedade deixa de
ser objeto e começa a questionar a ciência. É trazer, por exemplo, além dos modelos
tradicionais dentro da universidade a pesquisa-ação ou pesquisa participante como
formas diferentes do que se pratica no modelo universitário considerando outras sa-
beres e vozes.
Boaventura faz uma leitura interessante de crise da universidade ao percebe-
mos a educação em xeque para um caminho neoliberal, de privatização e mercantili-
zação da educação para atender aos interes do Estado e do Mercado. De acordo com
Benincá e Santos (2013, p. 74-75):

Como adverte Paulo Freire, a educação é sempre um ato político. E poderá sê-lo
para a reprodução da política que sustenta o sistema hegemônico ou para a constru-
ção de pensamentos e ações contra-hegemonicos. Entretanto, a universidade popu-
lar só se constituirá efetivamente como tal se tiver clareza de seu papel critico e cri-
ativo e de sua finalidade cientifica e sociopolítica, sobremaneira com a emancipação
das camadas mais oprimidas [...] A universidade será popular na medida na propor-
ção em que as experiências e os conhecimentos gestados por ela não legitimarem ou
reproduzirem o sistema de mercado, mas fortalecerem os princípios de uma nova
sociedade.

Por isso, seja cada vez mais importante colocar na agenda da educação uma
educação como prática para liberdade, visando a EP como possibilidade e não como

401
DIÁLOGO FREIRIANO

redentora, ou a única que possa mudar tudo. O que tudo indica é o papel político que
a universidade ou mesmo a escola vai assumir. Se elas optarem por uma EP, é preciso
como mencionado, ter clareza do que quer para não produzir ou legitimar o sistema
hegemônico.

Considerações Finais
Um ponto base é ver que a educação popular busca valorizar os diferentes
saberes sem hierarquizar, como vemos no pluriversitário do Boaventura de Souza
Santos. Os sujeitos não são passivos perante o discurso da ciência, mas que as pessoas
começam a tencionar, questionar e por em jogo um conhecimento unilateral. A edu-
cação popular (EP) tenta tencionar ao mostrar outras formar possíveis de se compre-
ender o mundo, de transformá-lo, que esse processo não se dá só na universidade,
mas, fora do mundo acadêmico também. Não se nega a importância da universidade,
entretanto vemos que é preciso reformar a universidade junto com outros/as agentes
e com os/as próprios/as acadêmicos(as). Até que ponto podemos mudar estando re-
lacionado com Estado?
As discussões chegam a tocar na parte de uma universidade ou a EP de esta-
rem ligadas ao Estado. De certa forma o Estado estaria na lógica dominante, isto é, das
pessoas dominantes, visto que a democratização de acesso das pessoas/classes desfa-
vorecidas que quase não conseguem ingressar em cursos superiores. Essa ligação com
Estado pode vê-la como um fator não viável para EP ou para as universidades, seja ela
se assumindo popular ou não. Seria possível fazer esse movimento fora da via estatal?
Paulo Freire acredita que sim, dentro ou fora, mas depende de seu posicionamento.
Ou será que atrelado aos dominantes seria apenas, ou quase impossível sair de uma
teoria do reprodutivismo como Bourdieu e Althusser? Respostas concretas ainda são
difíceis. Mas vemos que a EP vem buscando novos meios, ações, sujeitos com vozes
que ecoam, sujeitos que agem que dizem sua palavra. O pluriversitário deve começar
a ser cada vez mais enfatizado, mas como? Bom, através da EP podemos possivel-
mente colocar métodos de pesquisa-ação e pesquisa participante, pois o livro é apenas
um dos meios de se aprender com os/as outros/as e não para os/as outros/as. Daí é
outro leque de ações possíveis da pesquisa-ação ou participante como análise futura
de engajamento, de um caminho possível a ser elaborada no bojo da EP.
Em resumo, depende do posicionamento da ser tomado como visto anteri-
ormente, mas como se manter fiel e coerente a EP e não cair em tentação diante do
jogo do sistema hegemônico, verdadeiro, único, bancário, universal e não reproduzir
ou atender o interesse do Estado?

402
DIÁLOGO FREIRIANO

Referências
BENINCÁ, Dirceu; SANTOS, Eduardo. O caráter popular da educação superior. In:
SANTOS, Eduardo; MAFRA, Jason Ferreira; ROMÃO, José Eustáquio (Org.).
Universidade popular: teorias, práticas e perspectivas. Brasília: Liber Livro, 2013. p.
51-79.
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução: elementos para uma
teoria do sistema de ensino. 5 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O Que é Educação. São Paulo, Brasiliense, 2007.
COLLING, Ana Maria; ANDREOLA, Balduino A. Diálogos impertinentes entre
Freire e Foucault. In: FREITAS, Ana Lcia Souza de; GHIGGI, Gomercindo;
PEREIRA, Thiago Ingrassia (Org.). Paulo Freire: em diálogo com outros(as)
autores(as). Passo Fundo: Méritos, 2014. Cap. 6. p. 117-141.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.
_____, Michel. A ordem do discurso. 3. ed. Trad. L. F. de A. Sampaio. São Paulo:
Edições Loyola, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do compromisso: América Latina e Educação Popular.
São Paulo: Paz e Terra, 2018.
_____; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e prática em educação popular.
Petrópolis, Rio de janeiro: Vozes, 2011b.
FREITAS, A. L. S.; MACHADO, M. E. Formação com educadores/as e os desafios
da práxis da Educação Popular na Universidade. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 2,
p. 137-144, maio/ago. 2010.
FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Parentesco intelectual entre Paulo Reglus Neves Freire
e Boaventura de Sousa Santos. In: FREITAS, Ana Lucia Souza de; GHIGGI,
Gomercindo; PEREIRA, Thiago Ingrassia (Org.). Paulo Freire: em diálogo com
outros(as) autores(as). Passo Fundo: Méritos, 2014. Cap. 1. p. 17-40.
MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
SANTOS, B. S. A universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatório da universidade. In: APPLE, M. W.; BALL, S. J.; GANDIN, L. A.
(Orgs.). Sociologia da Educação: análise internacional. Porto Alegre: Penso, 2013, p.
301-310.

403
DIÁLOGO FREIRIANO

STRECK, Danilo R. Paulo Freire e a consolidação do pensamento pedagógico na


América Latina. In: STRECK, Danilo R. (Org). Fontes da Pedagogia Latino-
americana: Uma antologia. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010, p.329-345.
_____, Danilo et al. Educação Popular e Docência. 1ª ed. São Leopoldo: Cortez, 2014.

404
FERNANDO COLLOR, DA ELEIÇÃO
AO IMPEACHMENT SEGUNDO O JORNAL
FOLHA DE SÃO PAULO E A REVISTA VEJA: COMO ESSAS
MÍDIAS INFLUENCIARAM NESSES PROCESSOS.

Orientador: Prof.º Dr. Nilo Oliveira1

Maria do Carmo da Silva 2


Maria Isaura Ventreschi Carrenho 3
Renata Aparecida Carvalho Bomfim 4

1. Introdução
Fernando Collor de Mello foi o primeiro presidente eleito pelo povo depois
de um longo período de ditadura militar no país. Essa foi a primeira vez em muitos
anos que o povo foi às urnas para escolher seu presidente. Este artigo discute a in-
fluência do jornal Folha de São Paulo e da revista Veja no processo social e político da
Era Collor desde sua candidatura até o processo de impeachment ocorrido em 1992.
Nesse período, o jornal Folha de São Paulo era dirigido por Otávio Frias Fi-
lho, jornalista e advogado, trabalhava na Folha de São Paulo desde 1975, que era de
propriedade de sua família. Em março de 1990 declara a respeito de Collor: não o
reconheço como presidente da República, mas como usurpador vulgar da
Já a Revista Veja era dirigida por José Roberto Guzzo e tinha como redatores
chefes Tales Alvarenga e Mário Sérgio Conti, esse último é autor do livro Notícias do
Planalto, que retrata os bastidores da grande imprensa, o jornalista aborda quem de-
cide o quê e como nas grandes imprensas do país e como essas mídias cobriram a
ascensão e a queda de Fernando Collor.
Ainda no período eleitoral, a revista Veja dedica a Collor sua principal ma-
téria da edição de 17 de maio de 1989, com a chamada a popularidade de caça-
dor de marajás e o prestígio de inimigo do presidente Sarney, Fernando Collor dispara

1
Professor Doutor em História Social pela PUC-SP.
2
Graduanda do curso de Licenciatura em História da Faculdade Sumaré cursando 6º semestre.
3
Graduada do curso de Licenciatura em História da Faculdade Sumaré segundo semestres 2018.
4
Graduada do curso de Licenciatura em História da Faculdade Sumaré primeiro semestre 2019.
DIÁLOGO FREIRIANO

nas pesquisas de A revista não só fala da surpresa de ter Collor em disparada


no início das campanhas, como ressalta suas características políticas de forma positiva
e o desdém dos outros candidatos com a posição privilegiada de Collor nas pesquisas.
A revista Veja foi uma das mídias responsáveis pela criação desse persona-
gem que salvaria o Brasil dos políticos mal intencionados, a campanha de Collor se
fez como sendo o político que odeia os políticos, o caçador de marajás minha
gestão não vai haver mordomia. Vou vender as mansões do governo em Brasília e os
carros oficiais dos ministros. Em um ano e meio, a Inflação será de 3% ao (Fer-
nando Collor de Melo Veja, 17 de maio de 1989. p. 34).
Nesse período, a Veja publicou quase 40 capas direcionadas a Fernando Col-
lor, ora se posicionava a favor, ora contra, essa oscilação de posicionamento é bem
diferente do jornal Folha de São Paulo que nunca apoio o presidente, nem quando era
candidato.
Fernando Affonso Collor de Mello, nascido em 12 de agosto de 1949 no Rio
de Janeiro, filho de Arnon Affonso de Faria Mello e Leda Collor, advém de uma famí-
lia com tradições políticas, seu avô materno, Lindolfo Collor, exerceu alguns manda-
tos políticos, dentre eles o de ministro do trabalho no governo Getulio Vargas, no qual
elaborou e consolidou o projeto das leis trabalhistas brasileiras, o que de acordo com
o ex-reitor da PUC, Pe. Fernando Bastos Ávila, foi considerado um dos maiores avan-
ços da America latina.
Fernando Collor, apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, fez toda sua vida
política no Nordeste, antes de se candidatar para presidente da república foi prefeito
de Maceió pelo ARENA (1979-1982), Deputado Federal por Alagoas pelo PDS (1983-
1986) e Governador por Alagoas pelo PMDB (1987-1989).
É importante entender esse período compreendido entre 1989 e 1992, pois
houve acontecimentos marcantes para a história do Brasil, como a primeira eleição
para presidente da república desde o golpe militar em 1964 devido ao apelo popular
5
conhecido como , foi marcado pela volta às eleições presidenciais pelo
voto direto, após um grande período de gestão militar (1964 1985).

5
O deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou em março de 1983 a ementa
constitucional que visava às eleições diretas para presidente no ano de 1984. Porém, apesar do apelo
popular, a ementa não foi aprovada, pois embora tivesse 298 votos favoráveis e 25 votos contra, a ausência
de 113 deputados federais pôs fim ao movimento. Vendo que não seria possível ignorar o apelo popular,
cujas pesquisas de ibope apresentavam que 84% da população era a favor da ementa de Dante de Oliveira,
Figueiredo (PDS) encaminhou ao congresso outra ementa onde eram propostas as eleições diretas para
o sucessor de seu sucessor. Desse modo, somente em 1989 a população pode escolher seu presidente
dentre 22 candidatos.

406
DIÁLOGO FREIRIANO

O movimento pelas foi um momento histórico de grande relevância


para a política do Brasil contemporâneo, de abertura política, de participação e mo-
bilização popular, e de construção de um nto que girava em
torno das eleições diretas e da votação da Emenda Dante de Oliveira. (BAZAGA,
2013. p. 1).

Foi nesse período, a partir dos anos 90, que as portas para implantação do
neoliberalismo6 foram abertas no Brasil, demandando uma ascendência governamen-
tal aliada com as concepções fundamentais do livre mercado e do antiestadismo, con-
ceitos unidos aos interesses do capital estrangeiro e nacional, sobretudo na esfera eco-
nômica. Reformas institucionais de natureza constitucionais redefiniram a armação
do aparelho de Estado, fortalecendo sua índole aristocrática, impedindo qualquer ma-
nifestação democrática em relação ao controle da transferência do patrimônio.

Mesmo considerando a presença de medidas e determinadas políticas de cunho ne-


oliberal nos governos Figueiredo (1979-1985) e Sarney (1985-1990) consideramos
que a implantação do projeto neoliberal no Brasil, como elemento condutor da ação
governamental e todas as suas esferas, inicia-se no governo de Fernando Collor de
Melo (1990-1992). (MACIEL, 2011, p. 98).

Quando o então presidente Fernando Collor de Mello assumiu a presidência


do Brasil no cenário internacional alguns acontecimentos, como o fim definitivo da
Guerra Fria7, consolidaram definitivamente o triunfo absoluto do capitalismo no ce-
nário mundial, sendo esse um dos fatores que contribuiu para implantação do neoli-
beralismo, evidenciando a ideia de crítica ao papel do Estado na economia. Além des-
ses fatos, o próprio processo de impeachment foi um marco na história recente do
país.

2. Processo Eleitoral
Nas primeiras matérias durante a candidatura para presidência em 1989, a
folha se posicionava contra Collor, ao evidenciar agressividade de seus seguranças
faz campanha no Rio com 88 seguranças; estudante é (LOPES 1989)
e também em suas pesquisas eleitorais, nas quais aponta Collor com um dos maiores

6
Neoliberalismo tem como núcleo de suas ideias a crítica ao papel do Estado na economia e a defesa da

7
Com o fim da Segunda Guerra Mundial a humanidade se depara com a disputa hegemônica entre EUA
e URSS, conhecida como Guerra Fria. Nesse período o mundo estava dividido em dois blocos, o
capitalista dominado pelos EUA e o Socialista dominado pela URSS. Na prática, não havia combate
direto entre as duas potências, porém, havia a iminência de uma possível Terceira Guerra Mundial. A
Guerra Fria foi um fantasma que assombrou o mundo por cerca de 45 anos.

407
DIÁLOGO FREIRIANO

índices de rejeição. Do início de junho até agora, Collor praticamente triplicou seu ín-
dice de rejeição, pulando de 11% para o atual 30%, o que o coloca como o terceiro mais
rejeitado, junto com (MENDES; BERABA.1989).
Collor era o candidato da Rede Globo de televisão, Marinho voltou
de Paris para votar em Collor e não escondeu quem era seu preferido nas
(FORNES, 1989), por isso ele cresceu tanto nas pesquisas de intenções de voto.

As primeiras pesquisas eleitorais foram favoráveis à sua candidatura. Sem base par-
tidária, fez uma campanha solitária. Construiu uma eficaz estrutura de propaganda
e marketing. Elaborou um discurso eleitoral direto, compreensível à maioria dos
eleitores. (VILLA, 2016)

A Folha de São Paulo, embora tentasse se mostrar imparcial, animou-se com


a aproximação de Mario Covas no Ranking das disputas eleitorais e fez questão de
evidenciar que Covas era o menos rejeitado nas pesquisas. é o segundo mais
rejeitado, com os mesmos 32% da última pesquisa. E Covas tem o menor índice entre os
candidatos, com apenas (MENDES; BERABA Folha de São Paulo 1989 diretas
89 B1).
Dentro dessa perspectiva, vimos o quão a Folha de São Paulo considerava
Fernando Collor de Melo uma má opção para a presidência, pois sempre buscava
atacá-lo de diversas maneiras como, por exemplo, na crítica ao número de seguranças
citada logo no início desse artigo.
Para melhor entender a relação dessa mídia com Collor, foi selecionado o
jornal Folha de São Paulo pelo caderno - que fala de todo processo eleito-
ral e da cobertura que fez este jornal, não só de Collor, mas dos candidatos mais fortes
na disputa.
Collor no seu processo eleitoral se destacava por ser contra os marajás que,
segundo o próprio candidato, eram funcionários públicos que ganhavam salários ab-
surdamente altos e desproporcionais para os cargos que lhes eram atribuídos, nesse
sentido os planos de governo de Fernando Collor de Melo consistiam basicamente na
caça destes marajás entre outros como é apresentado na revista Veja meu governo,
ministro vai pagar sua própria casa com o salário que recebe. E também vai dirigir seu
próprio (Collor Veja 17 de maio de 1989. p.37)
Sobre a dívida externa, o candidato fala: sistema que bolamos é simples.
O governo retira o aval dos empréstimos internacionais, e cada Estado e cada empresa
brasileira que se vire para conseguir dinheiro lá fora e pagá- (Collor Veja, 17 de
maio de 1989). Em resposta à pergunta feita pelo jornal Folha de São Paulo o

408
DIÁLOGO FREIRIANO

papel do Estado na alavancagem do crescimento econômico e na contenção do de-


A proposta de Fernando Collor de Melo, segundo o Jornal Folha, foi à
seguinte:

O papel do setor público será planejar e coordenar o crescimento pela incorporação


seletiva de progresso técnico à indústria e pelo progressivo aumento de sua exposi-
ção à concorrência internacional. Para melhorar a qualificação da mão-de-obra o
Estado terá que garantir educação para todos e aprimorar o ensino, especialmente o
profissionalizante. O seguro-desemprego será desburocratizado. (Collor Folha de
São Paulo, 29 de outubro de 1989 Diretas89 B5)

Ainda na perspectiva econômica, a folha de São Paulo questiona o candidato


à presidência sobre a abertura da economia e diplomacia, tendo então a seguinte res-
posta.

Trata-se de promover a integração competitiva do Brasil com a economia mundial.


Pretendemos importar e exportar muito. O Brasil Tende a ficar isolado, o que não é
desejável. O caminho é buscar vantagens no comércio com os EUA, Europa, Ásia e
bloco socialista. As ZPEs não atendem as necessidades do desenvolvimento. Deve-
se repudiar ações de lesa-humanidade e os crimes que o racismo supõe. (Collor
Folha de São Paulo, 31 de outubro de 1989 - Diretas89 B7)

Fica então evidente que a maioria das propostas de governo do presidenciá-


vel Collor era com foco na economia. Dentro desse contexto, houve o plano Collor,
cujo principal objetivo era controlar a alta inflação no país, porém se faz necessário
destacar que tal plano não foi mencionado nas campanhas políticas nem em suas pro-
postas de governo.
No início das pesquisas eleitorais feitas pela Data Folha, Collor aparecia com
26% de intenção de votos, logo em seguida vinha Brizola com 15% seguido de Lula
com 14% nas intenções totais de votos, ao longo das campanhas eleitorais, Fernando
Collor perdeu muitos votos como aponta a seguinte matéria do jornal

Collor se estabiliza depois de ter caído abruptamente sete pontos percentuais entre
o início e meados de setembro para, em seguida, ir suavizando sua curva de quedas
nas pesquisas. O primeiro tropeço de Collor (de 40% no início de setembro para
33% no meio do mês) chegou a ser apontado por alguns analistas políticos como
processo de queda e até derrocada. (Folha de São Paulo, 29 outubro de
1989 - Diretas89 B3)

Na reta final do primeiro turno das eleições presidenciais, Collor estava com
26% das intenções de voto e a um passo do segundo turno, no qual ele via seu adver-
sário com indiferença e já se considerava vitorioso. Porém a disputa não foi tão desi-
gual como o candidato esperava. Faltando 3 dias para as eleições, a folha publica pes-
quisa na qual a diferença entre os dois candidatos era de apenas um ponto.

409
DIÁLOGO FREIRIANO

Na quinta pesquisa Data Folha no segundo turno, Collor cai um ponto e registra
46% das intenções de voto. Lula cresce um ponto, ficando com 45%. Os dois estão
tecnicamente empatados... A diferença entre os dois, que era de dez pontos no dia
30 de novembro, havia caído dois pontos na pesquisa do dia 4 de dezembro e cinco
pontos no levantamento do dia 8 (Folha de São Paulo 14 de dezembro de 1989 -
Diretas89 B1)

3. Era Collor
Fernando Collor de Mello tomou posse na presidência da República em 15
de março de 1990, segundo Mauro Lopes rito e a pompa das cerimônias do dia da
posse não eram vistos desde o governo Juscelino Collor recebeu de Sarney
a faixa presidencial, leu o juramento constitucional e prometeu liquidar a inflação.
um discurso de 54 minutos, ele defendeu a iniciativa privada, comentou o desgaste
dos regimes socialistas e priorizou o combate à inflação como objetivo de seu
(Lopes Folha de São Paulo 16 de março de 1990 A1)
Collor assinou as primeiras medidas provisórias e decretos do seu governo,
as quais eram: Venda de bens imóveis da União no Distrito Federal; Venda de cháca-
ras e mansões oficiais; Reforma ministerial e reorganização da previdência; Contesta-
ção de despesas na administração pública federal; Programa Federal de Desregula-
mentação e Restrições para acumulação de cargos e empregos.
No dia seguinte, anunciou o programa econômico que tinha o nome oficial
de Plano Brasil Novo, porém esse nome poucas vezes foi utilizado, ficou popular-
mente conhecido como Plano Collor.
A população recebeu em choque a notícia das mudanças do novo plano,
dentre essas mudanças estava a volta do cruzeiro (Cr$), um cruzado novo valia um
cruzeiro. A poupança ficava limitada o saque de até Cr$50mil, o restante ficava retido
por 18 meses, pagando correção e juros, o mesmo acontecia com conta corrente. As
tarifas de luz e de telefone foram reajustadas em 32,1% e os combustíveis subiram
57,8%. Os aplicadores no overnight podiam retirar Cr$ 25 mil ou 20% do saldo da
aplicação, o que fosse maior. As barreiras à importação foram reduzidas e estimulava
a vinda de capital estrangeiro.

O plano econômico do governo Collor surpreende pelo seu impacto inaudito, e pela
sua extrema violência. Realiza o mais brutal e imprevisto ajuste de liquidez de que
se tem notícia na história brasileira e talvez não se encontrem paralelos de um
choque deste tipo em toda a experiência econômica internacional. É com preocu-
pação que se recebe a notícia de que os recursos aplicados no overnight e em outros
ativos passam a ter um limite de 20% para seu resgate; até mesmo a caderneta de
poupança e os depósitos à vista foram atingidos. Uma dosagem tão extrema no con-
trole monetário certamente impõe problemas angustiantes de curto prazo, trazendo
incertezas quanto à manutenção do próprio cotidiano das atividades econômicas

410
DIÁLOGO FREIRIANO

nos próximos dias. (Frias Filho, Otávio Folha de São Paulo 16 de março de 1990
A2).

Como se pode observar, o diretor do jornal folha de São Paulo não esconde
sua insatisfação em relação ao plano apresentado, critica duramente tais medidas e
coloca em dúvida sua eficiência.
O jornal entrevistou pessoas que certamente não apoiavam o plano apresen-
tado pelo presidente como o candidato da oposição Luis Inácio Lula da Silva (PT) que
lamentou em entrevista para o jornal que os assalariados fossem os principais preju-
dicados com o reajuste econômico. Ainda alertou que tais medidas poderiam levar a
uma onda maciça de desemprego. Que se fosse ele o eleito também teria determinado
uma política séria de controle do sistema financeiro, porém teria partido para uma
política capaz de penalizar os detentores de grandes fortunas.
O plano pegou tantas pessoas de surpresa que o candidato também derro-
tado nas eleições presidenciais Leonel Brizola (PDT) não quis manifestar opinião so-
bre as medidas anunciadas e o Ministro do Trabalho e Previdência Social, Antônio
Rogério Magri também evitou comentar a nova política salarial, pois estava tendo di-
ficuldade em entender tais medidas.
Para Mauro Lopes o plano de governo de Fernando Collor deixou perplexa
até sua base de apoio no congresso (PFL, PDS, PRN). Segundo o colunista da folha, os
principais líderes dos partidos de sustentação do governo apontaram diversas falhas
no plano, e sugeriram modificações de alguns pontos à ministra Zélia Cardoso.
Antes da posse do presidente a Veja fez uma matéria dedicada à ministra
Zélia Cardoso de Melo e ressaltou a ousadia do presidente em indicar uma mulher
como ministra da economia.
Na edição de 21 de março de 1990, logo após a posse e a apresentação do
polêmico plano de governo do novo presidente, a revista fez duras críticas aos planos
apresentados por Collor.

Ao atacar a poupança, Collor jogou uma sombra nos destinos de um tipo de inves-
timento em que todos confiavam. Mais que isso, quebrou uma promessa explícita
de sua própria campanha e fez exatamente aquilo que, segundo ele, seu adversário
no segundo turno da sucessão presidencial, Luís Inácio Lula da Silva, cogitava se-
cretamente fazer caso fosse vitorioso. (Veja, 21 de março de 1990. p.58 e 59).

Porém, na edição seguinte a revista deu ao presidente do Banco Central,


Ibrahim Eris, a oportunidade de esclarecer pontos importantes sobre o Plano Collor.

411
DIÁLOGO FREIRIANO

Nós cometemos erros elementares na comunicação do plano, e isso induziu muita


gente ao erro. Esses erros chegaram até a atrapalhar a aceitação do pacote no Con-
gresso. É preciso entender que esse plano foi o mais anunciado de todos, nosso
maior medo era descobrir uma falha, e isso evitamos. (Veja, 28 de março de 1990. p.
5)

A revista ainda questionou sobre a caderneta de poupança, um dos pontos


mais polêmicos das medidas econômicas, em resposta Eris disse: Caderneta não foi
tocada, estão lá rendendo exatamente o que renderia. O governo não se apropriou de
(Veja, 28 de março de 1990.p.6)
O Plano Collor idealizado por Zélia Cardoso de Melo adotava medidas libe-
rais de ampla abertura às importações, no entanto, um dos pontos mais polêmicos
desse ambicioso plano de governo foi a inclusão de 68 estatais, das quais apenas 18
empresas foram de fato privatizadas.

Um dos pilares industriais do país, as estatais siderúrgicas começaram a ser privati-


zadas com o desmonte da holding Siderbrás. A primeira, em 1991 e considerada a
jóia da coroa, foi a Usiminas, gerando grande polêmica à época pelo fato de ser uma
das mais lucrativas do sistema. O Grupo Gerdau, que arrematou a usina, foi um dos
grandes beneficiários das privatizações no setor. (RUSSO, 2013)

A desestatização do Estado Nacional e a comercialização dos serviços públi-


cos foram destruidoras, pois, pertences primordiais para uma garantia de condições
de uma vida digna foram transferidos para o capital privado, debilitando essencial-
mente o serviço de ordem pública.
No início do processo de privatização das estatais e reformas administrativas
com fechamento de ministérios, autarquias e empresas públicas ocasionou demissão
de funcionários públicos, abertura do mercado brasileiro ao exterior com a extinção
de subsídios do governo, flutuação cambial sob controle do governo.

No governo Collor, no início da década de 1990, os produtos importados passaram


a invadir o mercado brasileiro, com a redução dos impostos de importação. A oferta
de produtos cresceu e os preços de algumas mercadorias caíram ou se estabilizaram.
Os efeitos iniciais destas medidas indicavam que o governo estava no caminho
certo, ao debelar a inflação que havia atingido patamares elevados no final da década
de 1980 e início da década de 1990, mas isso durou pouco tempo. (MENDONÇA,
2007)

Os recursos adquiridos com o processo de privatização deveriam cobrir as


dívidas públicas, porém esse objetivo não foi alcançado. A política de juros altos para
combater a inflação e atrair investimentos externos não resultou como esperado, ele-
vou a dívida em valores superiores aos conseguidos com a venda das estatais.

412
DIÁLOGO FREIRIANO

Ao abrir a porta para o mercado internacional, as indústrias brasileiras per-


deram forças e tiveram dificuldades para concorrer com produtos mais baratos, desse
modo, as indústrias foram obrigadas a se modernizar com implantação de novas tec-
nologias e assim reduzir mão de obra.
O erro de Collor foi tentar resolver de forma imediata o problema da inflação
que vinha se arrastando desde a década de 80, seu plano de governo visava conter a
inflação e estimular a economia, porém, conseguiu aumentar o desemprego e a desi-
gualdade social. A Folha de São Paulo, uma das grandes mídias do país se posicionou
em relação ao processo de privatização de Collor através da publicação dos seus edi-
toriais.

... à privatização, à redução da máquina do Estado, à luta contra as desigualdades


sociais e regionais, à modernização tecnológica, ao combate contra a economia de
cartório e à integração do Brasil nos quadros do mercado internacional há mais
convergência do que divergência entre as posições do jornal e aquelas que o senhor
vem programando. O problema é o abismo que se abre entre o que o senhor diz e o
que seu governo faz entre o liberalismo da retórica e a selvageria da ação. (FOLHA
PRESS, Acervo Folha, FSP, 25 de abril de 1991. p. 1).

Na edição de 23 de maio de 1990, a revista Veja teve como capa a ministra


Zélia Cardoso de Melo com o seguinte título equipe econômica persiste nas trapa-
lhadas e já se fala em demissões no A matéria dizia: equipe econômica do
governo erra mais do que acerta, Collor é obrigado a revogar seus atos e avisa que podem
rolar cabeças no Ainda segundo a notícia:

O próprio presidente Fernando Collor convocou para uma reunião a ministra Zélia,
o secretário de Política Econômica, Antônio Kandir, e o presidente do Banco Cen-
tral Ibrahim Eris, repreendeu-os asperamente pelos equívocos cometidos, deixo
claro que não tolerará reincidência e saiu dali com uma idéia na cabeça. pró-
xima vez que errarem, serão garantiu a um auxiliar. (Veja, 23 de maio de
1990. p. 26)

As atrapalhadas as quais a revista se referia eram de primeiro ter confiscado


o dinheiro da população e depois abrir liquidez para devolver cédulas ao mercado.
Bloquearam o dinheiro do fundo de garantia dos aposentados, dos consórcios e das
igrejas depois voltaram atrás.
Fora esses erros cometidos que apontavam que a equipe econômica não sa-
bia o que estava fazendo, ainda foram aplicadas medidas inconstitucionais como ta-
xação sob novas transferências de titularidade de cruzados novos em 20% e um corte
de vencimentos para funcionários públicos, que o governo foi obrigado a abater de-
pois da publicação no Diário oficial.

413
DIÁLOGO FREIRIANO

O governo Collor já publicou no Diário Oficial da União, desde sua posse, 348 atos
mudando as normas do setor financeiro, Entre circulares (133), portarias (37), ins-
truções normativas (27), decretos (13), leis (21), medidas provisórias (28) e outros
despachos (89), chega-se a uma média de oito atos publicados por dia, contando
somente os dias úteis. (Veja, 23 de maio de 1990. p. 33)

Esses números pretendiam mostrar a incompetência da equipe econômica


de Collor. A revista ainda tripudiou dos economistas do presidente ao publicar na
matéria a capa de um livro de astrologia encontrado à mesa de um dos economistas
livro à esquerda que ensina a entender a economia segundo os astros, foi visto na
mesa de um velho economista. É um sintoma das dificuldades da (Veja 23 de
maio de 1990. p. 33)
Na última edição da veja de 1990, a revista fechou com retrospectiva de tudo
que aconteceu de mais importante no ano, especialmente sobre o governo Collor, po-
rém conclui sua matéria de forma otimista. pouco, ainda. 1990 foi só o início de um
longo processo que ainda não se sabe como acabará. Apesar de todos os problemas, pode
ter sido o ano em que se começou a concretiza uma boa ideia: um novo (Veja,
26 de dezembro de 1990. p. 47)
Com a inflação a 20% e a crescente do desemprego, o audacioso Plano Collor
falhou, em 31 de janeiro de 1991 o governo anunciou um novo pacote econômico o
Collor Essas novas medidas extinguiam o overnight e outros indexadores
econômicos e ainda previam o congelamento de preços e salários.

A política econômica do governo Collor chegou ao fim na semana passada sem


choro nem vela. Chegou ao fim sem que o presidente e sua equipe econômica reco-
nhecesse o lastimável fiasco do Plano Collor...De um golpe, o Plano Collor confis-
cou 65% dos ativos financeiros existentes no país em março passado. Mandou para
o espaço o respeito à propriedade privada ao bloquear contas correntes e cadernetas
de poupança. Desrespeitou contratos renegou dívida e passou por cima da Consti-
tuição. Rompeu solenes promessas de campanhas feitas pelo próprio presidente da
República. Exigiu dezenas de medicas provisórias e centenas de circulares, resolu-
ções e portarias, todas disciplinadamente engolidas pelo Congresso e aturadas pela
população. Impôs uma recessão que reduziu o PIB em 4% em 1990, empobreceu o
país e tirou o emprego de um número estimado em 2,5 milhões de pessoas. Aos
descamisados coube a parte mais amarga dos resultados do Plano Collor. (Veja, 06
de fevereiro de 1991. p. 26)

O novo plano econômico não atendeu as expectativas propostas. A insatis-


fação e perda de confiança da população em relação ao presidente cresciam mais rá-
pido que a inflação e a maneira com que as mídias apresentavam as novas medidas
reforçavam essa descrença nas providências adotadas pelo governo.

414
DIÁLOGO FREIRIANO

Se o plano Collor 1 trouxe desconfiança, embora temperada pelo crédito de confi-


ança, o Plano Collor 2 carrega a suspeita de que o governo despreparado tenta agar-
rar-se a uma boia qualquer. Collor é hoje um náufrago em meio à tempestade e sem
nenhum indício de terra. O problema é que, se ele afundar a estabilidade institucio-
nal começa também a fazer águas. (Dimenstein - Folha de São Paulo, 1º de fevereiro
de 1991, p. A2)

O plano Collor 2 não foi capaz de alavancar a economia, tampouco conse-


guiu deter a inflação, apenas foi capaz de segurá-la até maio que foi quando a Ministra
Zélia foi demitida.

Catorze meses depois de prometer liquidar a inflação com um só tiro, o presidente


Collor fuzila Zélia com um tiroteio de intrigas e coloca o embaixador Marcílio Mar-
ques Moreira em seu lugar. Com ela, despede-se a equipe que promoveu a maior
intervenção econômica da História do país e um estilo de governo. (veja 15 de maio
de 1991. p. 5)

Ficou claro para a Veja que a demissão de Zélia foi injusta, que ela foi res-
ponsabilizada sozinha pelos erros cometidos no governo Collor. Seu romance com o
ministro da Justiça Bernardo Cabral foi visto como imoral, considerado prejudicial ao
governo Collor e contribuiu para demissão da ministra.
A partir daí a ineficiência dos planos Collor I e II dividiu espaço com a mídia
com notícias escandalosas ligadas ao presidente, ou a pessoas envolvidas com ele. Um
personagem que começou ganhar páginas dos jornais foi Paulo César Farias, mais co-
nhecido como PC Farias, ele era dono de uma empresa de aviação e fazia uso dos ae-
roportos brasileiros como se também fosse dono deles. A revista Veja chamou atenção
em uma de suas edições para o fato de que as malas trazidas por PC sequer eram olha-
das pelos agentes da Receita Federal.

As malas do deputado Luiz Dantas, bem como as de sua esposa e de seus três filhos,
que acompanharam a família Farias na viagem de três semanas pela Suíça, França e
Estados Unidos, também não foram vistoriadas tivemos as malas
lembra o deputado, não trouxemos nada de mais, só trouxemos Um
agente da Receita Federal, contudo, assegura que na bagagem dos ilustres viajantes
havia malas, pacotes e algumas caixas de papelão capazes de armazenar uma boa
pilha de roupa. O agente lembra muito bem que recebeu uma ordem clara: Ele de-
veria libera sem fiscalizar os pertences de PC Farias e sua comitiva. (Veja, 03 de julho
de 1991.p.20)

A vida conjugal de Collor também ganhou espaço nas mídias, tira


aliança, faz uma descortesia com Rosane e exibe suas dificuldades (veja, 21
de agosto de 1991.p.20). Na época Rosane foi acusada de fraude, corrupção passiva e

415
DIÁLOGO FREIRIANO

peculato à frente da LBA8 (Legião Brasileira de Assistência). A ex-primeira dama foi


presidente da LBA entre 1990 e 1991. por denúncias devastadoras de cor-
rupção e investigada pelo ex-SNI, a presidente da LBA chora ao deixar o (Veja,
04 de setembro de 1991.p.28)
Dentre diversas denúncias de esquemas de desvios de verbas da LBA o caso
mais polêmico foi da emissão de dinheiro através da LBA para uma fundação fan-
tasma que tinha o endereço da mãe de Rosane. Também ficou conhecida pela compra
fraudulenta de 1,6 milhões de quilos de leite em pó. Mais tarde outros escândalos fo-
ram aparecendo os quais levaram o presidente ao Impeachment.

4. Processo de Impeachment
A Revista Veja do dia 04 de setembro de 1991, denunciou através de sua re-
portagem desvios de verbas feitos pela primeira-dama Rosane Collor de Melo, que
presidia a Instituição LBA, para fins particulares e familiares.

Reduzido ao seu aspecto monetário, o escândalo da LBA, estaciona em torno dos 11


milhões de dólares. Colocado no plano da história da corrupção no Brasil, o escân-
dalo é bem mais grave. A LBA é feita para assistir a população carente, para minorar
o sofrimento dos milhões de pobres que existem no Brasil afora. O escândalo da
LBA, portanto, atinge o coração do governo, à medida que expõe as entranhas de
uma malversação monstruosa. O escândalo corre para as questões políticas e públi-
cas do palácio do Planalto, e não para os problemas familiares e privados da Casa da
Dinda. (Veja, 04 de setembro de1991. p. 30).

A reportagem denuncia os desvios enormes de dinheiro sofridos pela Insti-


tuição que existe para auxiliar as pessoas carentes, praticados pela primeira-dama Ro-
sane Collor. As denúncias são comprovadas de várias formas, desde dados dos com-
putadores apreendidos pela polícia federal até as enxurradas financeiras que saíram
do cofre da LBA para os parentes da primeira-dama sem licitações.
Diante das investigações que foram feitas, a acusada não apresentou provas
que as desmentissem. Independente de ser a primeira-dama do país, a sociedade exi-
gia resposta para tais denúncias que não foram esclarecidas pelos envolvidos, de forma
que contestassem as evidências da acusação.

8
A Legião Brasileira de Assistência (LBA) foi fundada em 28 de agosto de 1942, pela então primeira-
dama Darcy Vargas, com o objetivo de ajudar as famílias dos soldados enviados à Segunda Guerra
Mundial. Com o final da guerra, tornou-se um órgão de assistência as famílias necessitadas em geral. A
LBA era presidida pelas primeiras-damas. E foi extinta no governo de Fernando Henrique Cardoso.

416
DIÁLOGO FREIRIANO

Pedro Collor de Melo, irmão caçula do presidente, começa a aparecer nas


mídias atacando PC Farias, a disputa por poder entre os dois empresários é acompa-
nhada por todos com grande interesse, o que fica evidente é que Pedro Collor não está
de fato mirando em PC Farias, e sim no próprio irmão.

Não me importa o que o presidente está achando de meu comportamento. Fer-


nando gosta das pessoas que se curvam a ele, e eu nunca me submeti nem a meu pai.
Não vou me submeter a uma pessoa cuja vida conheço muito bem e não respeito.
(Pedro Collor Veja, 20 de maio de 1992. p. 17)

A vida política de Collor já não estava fácil, encontrava dificuldade com o


congresso e já não tinha o apoio popular quando em uma entrevista exclusiva para a
revista Veja, o irmão do então presidente, Pedro Collor, fez graves denúncias de cor-
rupção sobre o esquema PC Farias e Collor de Melo.

Na tarde da última quarta feira, Pedro Collor tomou um avião em Maceió e chegou
a São Paulo, após uma escala em Recife, em companhia da mulher Maria Teresa e
de uma irmã, Ana Luiza, Pedro Collor deu uma entrevista de 2 horas à Veja. A seu
pedido, o encontro ocorreu nas dependências da revista. A mulher e a irmã de Pedro
Collor foram testemunhas de suas declarações e chegaram a colaborar em algumas
respostas. Além de fazer novas denúncias sobre as atividades de PC Farias no go-
verno, Pedro Collor diz que ele é testa de ferro do presidente Fernando Collor. Diz
que o jornal Tribuna de Alagoas, que PC Farias quer lançar em Maceió, na verdade
pertence ao seu irmão. Também garante que um apartamento em Paris que se su-
punha ser propriedade do empresário na verdade pertence ao seu irmão Fernando
Collor. Para Pedro Collor existe uma profunda entre os dois. (Veja, 27
de maio de 1992. p.18).

Ainda nessa entrevista Pedro declara: não acho, eu afirmo categorica-


mente que o PC é o testa-de-ferro do Fernando. É a pessoa que faz os negócios de acordo
com ele. Não sei a finalidade, mas deve ser para sustentar campanhas ou para manter o
status (Pedro Collor Veja 27 de maio de 1992.p.21). Essas denúncias foram
concludentes para que Collor fosse levado ao processo de Impeachment
As acusações contra o presidente não pararam por aí, um mês depois das
acusações de Pedro Collor a revista Veja publica do governo na Câmara até
1990, Renan Calheiros conta que alertou Fernando Collor sobre as atividades de PC
Farias no governo e chegou até a sugerir ao presidente que tentasse mandar o empresário
para fora do (Veja, 24 de junho de 1992. p.5)
Devido às denúncias de desvio de verbas feitas contra Collor pelo irmão, o
procurador da República, Aristides Junqueira, abriu um processo para apurar os en-
volvidos, desde o tesoureiro PC Farias, a ex ministra Zélia Cardoso e o piloto da aero-
nave, todos acusados de estarem em comum acordo com o presidente em relação às

417
DIÁLOGO FREIRIANO

falcatruas delatadas por vários órgãos e familiares. Collor se indignou contra as dela-
ções feitas pelo irmão Pedro Collor, atribuindo a ele insanidade mental.
A revista Veja pauta da seguinte forma a reportagem do dia 30 de setembro
de 1992, depois das últimas denúncias feitas por Pedro Collor e a abertura de processo
contra o presidente: Collor tenta controlar a debandada, os amigos abandonam o na-
vio e o governo organiza a fuga do plenário na votação do

O governo entrou em colapso na quarta-feira passada quando o Supremo Tribunal


Federal deu um basta às chicanas jurídicas dos advogados do Planalto e decidiu que
o impeachment será decidido pelo voto aberto da Câmara, em sessão aberta para
essa semana. (Veja, 30 setembro de 1992. p.20).

Com a abertura do processo contra Collor e pela falta de provas que o absol-
vesse, o STF optou pelo impeachment do então presidente. Com mínimas possibili-
dades de apoio no Congresso, como mencionado acima, os amigos o abandonaram.
Não foram somente os amigos que o abandonaram, o povo também lhe deu
as costas. Em resposta à passeata de 10 mil estudantes que parou o centro de São Paulo
na terça-feira 11 de agosto, o presidente em um discurso para 2 mil taxistas no palácio
do Planalto pede à população que no próximo domingo dia 16 fossem colocados pa-
nos ou toalhas nas cores da bandeira do Brasil, e que os carros carregassem fitas verdes
e amarelas em referência ao apoio a sua presidência, entendendo que ele estava sendo
vítima de conspiração.
No comentário sobre a CPI em relação ao presidente, a folha explicita a in-
dignação e preocupação em punir os culpados, e critica de forma bem direta a relação
de Collor com PC Farias e a Casa da Dinda9. O jornal aproveita para convocar a po-
pulação para se manifestar contra as fraudes denunciadas a respeito de Collor, afir-
mando que uma situação grave como as que foram relatadas não podem ficar impu-
nes e precisa da força popular.

No domingo 16, o povo cobriu o país de preto para repudiar um presidente que,
espertamente, queria esconder-se atrás da bandeira nacional. Collor saiu impea-
chado e renunciado. Nas manifestações seguintes, as cores da bandeira reaparece-
ram com mais vigor, numa prova de que, quando se torna necessário, as ruas se en-
carregam de resgatar o orgulho e o símbolo da nação. (Veja, 26 de agosto de 1992.
p. 31 e 32)

9
A casa da dinda, foi a residência oficial de Collor entre 1990 e 1992. Ele decidiu morar lá porque o Palácio
da Alvorada estava em reforma e ele não teria se adaptado à Granja do Torto, outra residência oficial da
Presidência da república. Na casa da Dinda escândalos vão de carros suspeitos a despachos e reformas,
(GUSTAVO, Miranda. 05 de julho de 1992. Acervo o Globo.)

418
DIÁLOGO FREIRIANO

O sentimento de indignação suscitados pelas revelações da CPI que investi-


gava PC Faria, assim como seu relacionamento com o presidente, perpassava os mais
diversos setores da opinião pública,

O potencial das manifestações poderá ser amplificado com o horário eleitoral gra-
tuito na televisão, dentro de cinco dias. Um contingente maior de pessoas tomará
conhecimento dos resultados da CPI, e é de supor que o anseio legítimo pela puni-
ção dos culpados aumente proporcionalmente. Deixar tal expectativa sem resposta
é um risco, também crescente, para a efetiva implantação da democracia no Brasil.
(FOLHA PRESS, Acervo Folha, FSP, 12 de agosto de 1992. p.2)

Antes que o processo de impeachment fosse votado, a revista Veja denunciou


a obra superfaturada do jardim da casa da Dinda. paisagista do marajá desmente
presidente e conta que os jardins da Dinda Custaram, 2,5 milhões de (09 de
setembro de 2018)

Uma parte dos jardins foi afetada. Tive que reconstruir as áreas danificadas. Meus
adversários na CPI usaram esse fato para tentar enganar a opinião pública, alegando
que milhões de dólares teria sido gastos. A casa e os jardins são tipos das boas resi-
dências de Brasília. (Fernando Collor de Mello na televisão, domingo 30 de
agosto)
Nada da Dinda foi reconstruído. As obras começaram em maio de 1989 e foram
concluídas em junho passado. Nestes três anos, a Garden recebeu 2,5 mi-
lhões de dólares, boa parte através de cheques fantasmas. Não há outro jardim igual
em Brasília. É um dos mais belos do mundo. (José Roberto Nehring, em entrevista
Veja quinta feira 3 de setembro.)

O luxo do jardim da residência do presidente estampado na Veja, com cas-


cata na piscina e lago artificial, deixou a população que sofria com os ajustes dos pla-
nos apresentados no governo Collor convencidos de que o caça marajás deveria ser
expulso da presidência. Em 29 de setembro de 1992, sofrera um processo de impeach-
ment.
A notícia do Impeachment de Collor estampou todas as mídias, a revista
Veja lança 2 edições sobre o processo. A Folha de São Paulo em ritmo de comemora-
ção anuncia na primeira página, o impeachment de Collor. O então presidente aceita
a derrota e passa o cargo para seu vice Itamar Franco. VITÓRIA DA DEMOCRA-
CIA. IMPEACHMENT! Câmara depõe Collor em decisão histórica; presidente respeita
o resultado e Itamar (vice-presidente de Collor) assume (FOLHAPRESS, Acervo
folha, FSP, 30 de setembro de 1992.p.1)

419
DIÁLOGO FREIRIANO

Considerações Finais
A mídia em geral é um canal que leva as notícias até a casa das pessoas, pode
ser através de telejornais, rádios, jornais, revistas e nos dias atuais a internet. Sem dú-
vida, manter-se informado é um elemento fundamental para formação de opinião e
ampliação de conhecimento.
Porém, as mídias não só têm o poder de informar, ela também pode mani-
pular informações. Os meios de comunicações vêm apoiando golpes políticos e/ou
estratagemas financeiros de acordo com seus interesses por muitos anos. A imprensa
participa efetivamente da política brasileira e buscamos aqui enfatizar essa relação.
A revista Veja teve um papel de grande relevância no processo de criação do
personagem Collor, se posicionando favoravelmente a ele durante as campanhas elei-
torais, porém em relação ao Impeachment mostrou-se totalmente contra o presidente
fornecendo subsídio para sua queda. Entre os anos de 1989 e 1992 a revista Veja pu-
blicava periodicamente capas de revistas voltadas para Collor ou por membros de sua
equipe.
Mesmo não atingindo grande parte do público brasileiro como os canais de
televisão, ou rádio, a revista Veja foi decisiva na abertura do processo de impeachment
contra Collor, foi quem encabeçou as denúncias de corrupção contra Collor e emer-
giu o esquema PC Farias.
O jornal Folha de São Paulo também fazia questão de destacar notícias con-
tra o presidente desde o período de sua candidatura. Os planos de governos conheci-
dos como Plano Collor I e II foram negativamente criticados pelo jornal. Não só isso,
a Folha de São Paulo também enfatizava as notícias de corrupção.
Se não é a mídia a dar importância para uma determinada notícia, ela chega
e logo é esquecida. Sendo assim é ela quem escolhe os assuntos que considera relevan-
tes e forma a opinião de uma nação. Nesse sentido, estudar o período Collor é, por-
tanto, uma forma de compreender a relação entre a mídia e política nacional.

420
DIÁLOGO FREIRIANO

Referência
Acervo - Folha de São Paulo: Disponível em: https://acervo.folha.com.br/
ANDRÉA FORNES - Roberto Marinho retorna de Paris para votar em Collor Folha
de São Paulo São Paulo- 15 de novembro de 1989 Diretas 89 B2
Antonio Manuel T. Mendes e Marcelo Beraba - Collor pára de cair; Covas sobe e em-
pata com Maluf; Brizola e Lula mantêm posições. Folha de São Paulo São Paulo
29 de outubro de 1989 diretas 89 B1
BAZAGA, Rochelle Gutierrez. As Uma Análise Sobre o Impacto da Cam-
panha no Processo de Transição Política Brasileira. 2013. 11f. XXVII SIMPÓSIO NA-
CIONAL DE HISTÓRIA ANPUH, Natal RN, 2013.
BRANDÃO, Wellington Diretas Já: sintonia entre as lideranças políticas e a maioria
da população 2014 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/ camaranoticias/
noticias/POLITICA/467454-DIRETAS-JA-SINTONIA-ENTRE-AS-LIDERANCAS
-POLITICAS-E-A-MAIORIA-DA POPULACAO.html acesso em 05 de maio de
2018.
CONTI, Mário Sergio. Noticias do planalto. A imprensa e o poder nos anos Collor
2ª Ed São Paulo Companhia da Letras, 2012
Fernando Collor Senador da Republica Biografia. 2014. Disponível em:
<http://www.fernandocollor.com.br/biografia/> Acesso em: 04/11/2018
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991 São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
MACIEL, David. O governo Collor e o neoliberalismo no Brasil (1990-1992). Revista
UFG\Dezembro 2011 Ano XIII nº11.
MARQUES, Gabriel. O que é 2015. Disponível em: <https://gabriel
marques.jusbrasil.com.br/artigos/172450520/o-que-e-impeachment>. Acesso em:
04/11/2018.
MAURO LOPES Collor toma posse, baixa nove medidas e prepara o choque Fo-
lha de São Paulo São Paulo 16 de março de 1990 A1
MAURO LOPES Collor toma posse e baixa primeiras reformas da máquina admi-
nistrativa Folha de São Paulo São Paulo 16 de março de 1990 Especial 1.
MENDONÇA, Claudio - Neoliberalismo no Brasil: Política econômica incentivou pri-
vatizações 2007 disponível em: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/ geogra-
fia/neoliberalismo-no-brasil-politica-economica-incentivou-privatizacoes.htm -
acesso em: 09 de setembro de 2018.

421
DIÁLOGO FREIRIANO

OLIVEIRA, Mônica de Souza, O Papel da folha de São Paulo na


queda do Collor, XXVII Simpósio Nacional de Historia, Conhecimento
Histórico e diálogo social, Natal-RN. 22 a 26 de julho de 2013.
OTÁVIO FRIAS FILHO Plano Collor Folha de São Paulo São Paulo 17 de
março de 1990 A 2 Opinião.
RUSSO, Mário - Privatizações ganharam força a partir dos anos 90 2013 disponível
em: https://oglobo.globo.com/economia/privatizacoes-ganharam-forca-partir-dos-
anos-90-10448501 - acesso em: 09 de setembro de 2018.
VEJA. Collor, Quem é, o que quer e por que está agitando a sucessão. São Paulo:
Editora Abril, 17 de maio de 1989. nº 1.079
VEJA. Zélia, As idíeas e o charme discreto da economista de Collor. São Paulo: Edi-
tora Abril, 17 de janeiro de 1990. nº 1.113
VEJA. A Economia de Zélia. São Paulo: Editora Abril, 07 de março de 1990. nº 1.120
VEJA. O Dinheiro Sumiu. São Paulo: Editora Abril, 21 de março de 1990. nº 1.122
VEJA. O futuro do Plano Collor em jogo. São Paulo: Editora Abril, 21 de março de
1990. nº 1.122
VEJA. Como o pacote está mexendo com a cabeça dos brasileiros São Paulo: Edi-
tora Abril, 18 de abril de 1990. nº 1.126.
VEJA. Na linha do Tiro A equipe econômica persiste nas trapalhadas e já se fala
em demissões no ministério. São Paulo: Editora Abril, 23 de maio de 1990. nº 1.131.
VEJA. O romance que derrubou Cabral. São Paulo: Editora Abril, 17 de outubro de
1990. nº 1.152.
VEJA. Zélia O inferno da Ministra. São Paulo: Editora Abril, 14 de novembro de
1990. nº 1.156.
VEJA. Retrospectiva 1990 O Ano da Virada. São Paulo: Editora Abril, 26 de de-
zembro de 1990. nº 1.162.
VEJA. Plano Collor II Deu errado. Começa tudo outra vez. São Paulo: Editora
Abril, 06 de fevereiro de 1991. nº 1.168.
VEJA. A Trama que derrubou Zélia. São Paulo: Editora Abril, 15 de maio de 1991.
nº 1.182.
VEJA. A República de Alagoas Como a turma de Collor está fazendo e aconte-
cendo. São Paulo: Editora Abril, 03 de julho de 1991. nº 1.189.

422
DIÁLOGO FREIRIANO

VEJA. Trovoada no Planalto Collor se apóia nos militares para pressionar o con-
gresso São Paulo: Editora Abril, 10 de julho 1991. nº 1.190.
VEJA. O casamento em crise. São Paulo: Editora Abril, 21 de agosto 1991. nº 1.196.
VEJA. Escândalo na LBA São Paulo: Editora Abril, 04 de setembro 1991. nº 1.198.
VEJA. Collor Esgotado Isolado e sem credibilidade o presidente sai em busca de
apoio São Paulo: Editora Abril, 11 de setembro 1991. nº 1.199.
VEJA. Trapalhada no Planalto o caso de plágio nos artigos de Collor. São Paulo:
Editora Abril, 15 de janeiro de 1992 nº 1.217
VEJA. Exclusivo Collor Fala. São Paulo: Editora Abril, 25 de março de 1992 nº
1.227
VEJA. Exclusivo O imposto de Renda de PC Farias de 1987 a 1991. São Paulo:
Editora Abril, 20 de março de 1992 nº 1.227
VEJA. Pedro Collor conta tudo. São Paulo: Editora Abril, 27 de maio de 1992. nº
1.236.
VEJA. Collor Sabia. São Paulo: Editora Abril, 24 de junho de 1992. nº 1.240.
VEJA. O Brasil Renuncia A Collor. São Paulo: Editora Abril, 26 de agosto de 1992.
nº 1.249.
VEJA. A Guerra do Impeachment. São Paulo: Editora Abril, 02 de setembro de 1992.
nº 1.250.
VEJA. O Jardim do Marajá da Dinda. São Paulo: Editora Abril, 09 de setembro de
1992. nº 1.251.
VEJA. Chegou a hora. São Paulo: Editora Abril, 30 de setembro de 1992. nº 1.254
VEJA. Caiu. São Paulo: Editora Abril, 30 de setembro de 1992. nº 1.255. Edição His-
tória.
VILLA, Marco Antonio. Collor Presidente: Trinta meses de turbulências, reformas,
intriga e corrupção. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2016.

423
A DANÇA E SUAS CONTRIBUIÇÕES COMO
COMPONENTE EDUCATIVO NOS ANOS
INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Alcilene Nobre Batista 1


Ronne Clayton de Castro Gonçalves 2

1. INTRODUÇÃO
A dança é a arte de expressar-se por meio de movimentos, tendo o corpo
como principal instrumento, trazendo consigo diversos aspectos positivos para a vida
dos seres humanos que a pratica. Sabe-se que a dança é capaz de promover a compre-
ensão da corporeidade e estimular a criação, responsabilidade, organização, noções
de tempo e espaço entre outras coisas (FERREIRA, 2009).
Nesse sentido, tem-se notado a importância da inserção da dança nos ambi-
entes escolares. Já que além de contribuir para valorização e apreciação de manifesta-
ções expressivas e culturais, também auxilia na melhoria da aprendizagem do edu-
cando, no que se refere ao domínio do esquema corporal. E isso, influencia direta-
mente no desenvolvimento psicomotor e cognitivo, refletindo por sua vez no aprimo-
ramento da leitura e escrita dos educandos.
Este estudo teve como objetivo geral analisar de que forma a dança como
prática educativa, pode contribuir com o processo de ensino aprendizagem. E os ob-
jetivos específicos foram: identificar a importância da dança no espaço escolar; inves-
tigar de que forma a dança contribui para o processo educacional; verificar como a
dança é explorada como componente educativo.
Para que fosse possível o alcance de tais objetivos, foi utilizado como meto-
dologia, um levantamento bibliográfico acerca de dança no espaço escolar, tendo
como referencial alguns autores como Ferreira (2009), Nanni (2001) e Portinari
(1989), e ainda, pesquisa de campo, o instrumento de coleta de dados foi a entrevista
com roteiro semiestruturado e abordagem qualitativa, os sujeitos de pesquisa foram
o gestor e uma professora de dança da Escola Centro Educacional Anchieta.

1
Especialista em Educação Infantil (Faculdade do Tapajós). Graduada em Pedagogia (Faculdade do
Tapajós).
2
Mestrando em Ensino (Universidade do Vale do Taquari). Especialista em Formação de Leitores
(Faculdades Integradas de Jacarepaguá). Bacharel em Biblioteconomia (Universidade Federal do Pará).
DIÁLOGO FREIRIANO

2. EVOLUÇÃO DA DANÇA NO BRASIL


No Brasil, a dança se manifesta em vários aspectos, seja ela na cultura popu-
lar, no samba, nas danças folclóricas, nas danças étnicas de origem indígenas e nas
formas mais eruditas, a dança faz parte da história deste país desde a sua fundação até
os dias atuais. Há relatos de que a dança já era praticada pelos índios, mesmo antes do
descobrimento do Brasil, possuindo aspectos rituais e religiosos, e suas características
são semelhantes as manifestações de danças primitivas (BREGOLATO, 2006).
Assim como as danças indígenas, outras formas de expressão também cons-
tituem a história do Brasil, como o candomblé, trazido pelos escravos africanos no
século XVI. Tais manifestações, deram origens a outras como maracatu, batuque, ca-
poeira, frevo, carnaval, reisado, maculelê, bumba-meu-boi, congada entre outras
(BREGOLATO, 2006).
Estas expressões, distintivamente acabaram se tornando mais populares em
algumas regiões brasileiras, passando a ser até uma característica marcante desses lu-
gares. Portinari (1989, p. 270) afirma que estado tem o seu folclore, no qual a
dança é componente de uma enorme atração, embora as vezes nem conste como pa-
trimônio Afirmando que a dança no contexto das tradições folclóricas de
cada região, acaba representando a identidade local e a partir da arte de dançar esses
costumes são disseminados por gerações.
Já as danças eruditas como o ballet, foram introduzidas no Brasil por volta
de 1927, com a fundação da escola de dança no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
E foi a partir de então que surgiram os primeiros profissionais da área e consequente-
mente esta modalidade começou a expandir-se no país, com o surgimento de outras
companhias, como o Ballet do IV Centenário de São Paulo, o Ballet do Teatro de Gua-
íra de Curitiba, o Ballet da Fundação das Artes de Belo Horizonte, entre outros. Com
o passar dos anos, ingressou também no Brasil por meio das escolas de dança, outras
diferentes modalidades, tais como a dança moderna, o jazz, dança contemporânea,
sapateado, entre outros (PORTINARI, 1989).
Percebe-se que, seja ela popular ou erudita, moderna ou clássica, seja ela de
origem tradicional ou com influências de outros países, cada vez mais a arte de dançar
ganha espaço na sociedade brasileira.

3. A INTRODUÇÃO DA DANÇA NO CONTEXTO ESCOLAR


Com tantos benefícios que a dança promove na vida do ser humano, e que
por sua vez impacta positivamente na sociedade, esta atividade passa a ser introduzida

426
DIÁLOGO FREIRIANO

no âmbito escolar, não com intenção de formar bailarinos, mas de possibilitar ao


aluno de aprender e de se expressar criativamente através de movimentos. Dessa
forma, acredita-se que a dança como recurso pedagógico auxilia o aluno na constru-
ção do conhecimento e no processo de ensino aprendizagem.
Essa introdução da dança no espaço escolar começou aos poucos, quando a
partir de 1996, com a criação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que estabelecia o en-
sino da arte como obrigatório, fez com que as instituições escolares passassem a bus-
car o desenvolvimento cultural dos alunos, incluindo também além da dança, as artes
visuais, a música e o teatro, como as linguagens que constituirão o componente cur-
ricular (BRASIL, 1996).
No ano seguinte, a dança foi incluída nos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais (PCN) no rol de disciplinas. Daí um grande avanço da área para que a mesma
ingressasse de fato no ambiente escolar. Ser vista não somente como uma distração
ou uma atividade para ser realizada na ausência de conteúdos programáticos, mas sim
como um recurso pedagógico de grande valia. Nos Parâmetros Curriculares Nacio-
nais Arte, é mencionado que:

A dança é uma forma de integração e expressão tanto individual quanto coletiva,


em que o aluno exercita a atenção, a percepção, a colaboração e a solidariedade. A
dança é também uma fonte de comunicação e de criação informada nas culturas.
Como atividade lúdica a dança permite a experimentação e a criação, no exercício
da espontaneidade. Contribui também para o desenvolvimento da criança no que
se refere à consciência e à construção de sua imagem corporal, aspectos que são fun-
damentais para o seu crescimento individual e sua consciência social (BRASIL,
1997, p. 49).

A inserção da dança no PCN (Volume 06 - Arte) tinha como objetivo pro-


mover o ensino da dança como uma atividade educativa, recreativa e criativa, contri-
buir para a construção do conhecimento, promover a consciência corporal e auxiliar
os alunos no que se refere a interação social. Deste então esta atividade passa a ser
executada nas escolas, tanto como componente da disciplina de Arte, como também
da disciplina de Educação física (BRASIL, 1997).

3.1 A dança como instrumento educativo e a sua contribuição no processo de


ensino aprendizagem
Sabe-se que a dança, sendo trabalhada de forma correta, pode contribuir no
processo de aprendizagem, segundo Ferreira (2009), é por meio da dança, que a escola
pode favorecer o resgate da cultura brasileira como forma de despertar a identidade
social do aluno no projeto de construção da cidadania, além de promover uma maior

427
DIÁLOGO FREIRIANO

interação social e fazê-lo participar do processo de ensino-aprendizagem. Observa-se


que a dança escolar também pode contribuir para que os alunos assumam posturas de
valorização e apreciação das manifestações expressivas e culturais.

A dança na escola pode contribuir para a melhoria de aprendizagem do educando,


visto que trabalha a percepção do próprio corpo, elemento este indispensável a aqui-
sição das habilidades: leitura e escrita. A dança na escola possibilita que o educando
amplie sua capacidade de interação social fazendo-o conhecer e respeitar a diversi-
dade (FERREIRA, 2009, p. 12).

Percebe-se que essa prática propicia ao aluno uma facilidade no que se refere
ao domínio corporal, que por sua vez reflete no aprimoramento de habilidades a se-
rem desenvolvidas em sala de aula. Com a prática da dança, a leitura melhora signifi-
cativamente, pois esta atividade trabalha aspectos como concentração, interpretação,
memória e outros fatores que atrelados ao ensino darão suporte à aprendizagem.
Já no que diz respeito à melhoria na escrita, deve-se ao aprimoramento de
habilidades como coordenação motora, noções de espaço e etc. Porém, além desses
benefícios, a dança também proporciona trabalhar as emoções, a imaginação, a cria-
tividade, a espontaneidade e a interação das crianças. Mas, para que se possa trabalhar
estas percepções e obter êxito, é importante que o profissional esteja preparado, co-
nheça os seus alunos em suas individualidades, suas capacidades e limitações, e utilize
a dança como instrumento para a melhoria e aprimoramento dessas áreas.

Uma aula de dança na escola permite ao professor conhecer melhor o seu aluno, ou
seja, saber suas preferências sobre o que gosta de brincar, de cantar, de ouvir; discu-
tir suas experiências; fazer fluir sua imaginação e verificar a influência dela na reali-
dade e nas atitudes da criança. Isto quer dizer que a prática da dança escolar tem que
estar voltada não só para a recreação, ou simplesmente para o treino de habilidades
motoras, mas para equilíbrio psíquico, para a expressão criativa e espontânea, afim
de assegurar aos alunos a possibilidade de reconhecimento e compreensão do uni-
verso simbólico (FERREIRA, 2009, p. 15).

A escola que utiliza a dança como ferramenta, tem a oportunidade de traba-


lhar os mais diversos conteúdos, auxilia no entendimento de assuntos importantes da
atualidade, promove entendimento acerca do mundo escolar, da sociedade, da histó-
ria, a cultura, do folclore, e muitos outros.
Para Ferreira (2009, p. 18) os instrumentos formativos que farão da
dança escolar um conteúdo realmente Assim, é possível perceber que a
dança se resume em uma importante forma de comunicação, expressão e conheci-
mento, e que a sua prática dentro das unidades escolares poderá promover a formação
de um aluno mais afetuoso, criativo, determinado e reflexivo.

428
DIÁLOGO FREIRIANO

3.1.1 Coordenação motora


A coordenação motora é classificada em dois grupos: grossa e fina. A coor-
denação motora grossa resume-se na capacidade da coordenação de movimentos de-
correntes da integração entre o comando do cérebro e unidades motoras dos múscu-
los e articulações, ou seja, envolve grandes pares musculares e prevalece a execução de
gestos e atitudes amplas, como andar, correr e saltar. Já a coordenação motora fina,
refere-se aos pequenos grupos musculares, que produzem assim movimentos delica-
dos e específicos, é mais presente nos membros superiores, onde se permite dominar
o manuseio de objetos, sua execução baseia-se em movimentos de pintar, desenhar,
escrever, digitar e outros (ALVES, 2008).
O desenvolvimento motor deve ser algo estimulado desde a infância, pois
isso ajuda na promoção de habilidades motoras que trarão reflexos durante toda a
vida da criança, auxiliando também na melhoria de sua saúde física e mental. Afinal,
é através do corpo que a criança socializa e adquire recursos adequados para sua inte-
ração, garantindo sua independência e ainda contribuindo para o seu autoconheci-
mento. Essas experiências motoras devem ser presentes no cotidiano das crianças, seja
em casa ou na escola, através de qualquer atividade corporal.

3.1.2 Consciência corporal


A consciência corporal é entendida como a busca pela interação entre todos
os aspectos implícitos no trabalho a ser desenvolvido com o corpo, tais como: coor-
denação óculo-manual, coordenação dinâmica geral, lateralidade, interiorização, seg-
mentos corporais, percepção-temporal, percepção-espacial. Nesse contexto, a dança
possibilita de maneira gradual o aprimoramento da consciência corporal do indiví-
duo, pois ele tomará conhecimento não só de suas raízes fisiológicas, mas também da
relação sujeito-mundo, supondo que esse saber, o acompanhará durante toda a sua
vida (LÊ BOULCH, 1982).
Observa-se que a consciência corporal é algo muito importante a ser desen-
volvido na primeira idade, e se aprimorando com o passar dos anos. A dança é uma
forma de interação e expressão, quem a pratica possui uma maior facilidade para
construir a imagem do próprio corpo. Isso é importante para o crescimento e matu-
ridade do indivíduo, contribuindo assim para a formação da consciência corporal
(ALVES, 2008).

A descoberta do interior, de um ser único, individual e criativo é indispensável


ao exercício da Dança enquanto forma de expressão da comunidade humana. Isto

429
DIÁLOGO FREIRIANO

porque o nosso corpo possui a dimensão existencial que nascem da relação deste
com o mundo exterior (NANNI, 2001, p. 84).

Sabe-se que a criança que é estimulada a se movimentar, brincar, dançar,


acaba explorando com maior frequência e liberdade o meio em que ela vive, aprimo-
rando assim a mobilidade e se expressando de melhor forma com as pessoas. Natu-
ralmente, a criança na medida em que cresce, mantém um vocabulário gestual muito
grande, as vezes ultrapassando até mesmo a fala, provando que os desenvolvimentos
mental, físico e emocional estão intimamente ligados, já que durante este processo, a
criança adquire a sua própria consciência corporal.

Consciência Corporal: É o conhecimento que o indivíduo possui de seu corpo


quando o mesmo se encontra em movimento ou em posição estática, em relação aos
objetos e o espaço que o rodeia, isto é, esquema corporal refere-se a uma estrutura
que favorece a tomada de consciência do próprio corpo e das possibilidades de ex-
pressar-se por meio deste. Constrói-se a partir da multiplicidade de sensações pro-
vindas dos sentidos internos e externos do corpo. Elemento essencial para a criança
na construção de sua personalidade, o que está ligada a Imagem Corporal que é a
imagem que o indivíduo tem de seu próprio corpo como resultado de suas experi-
ências, ou seja, caracteriza-se pela percepção e o sentimento que o ser humano pos-
sui de si mesmo (ALVES, 2008, p. 83).

Percebe-se que o trabalho com o corpo, é capaz de gerar a consciência cor-


poral, por este motivo fica visível a importância de inserir a dança como prática peda-
gógica no âmbito escolar, desde a educação infantil até as séries mais avançadas. Já
que ela é uma atividade que promove esse autoconhecimento, relacionando-se tam-
bém no autoconhecimento do indivíduo, no que diz respeito às suas peculiaridades,
capacidades e limitações.

3.1.3 Interação social


O processo de interação social é uma das mais importantes tarefas do desen-
volvimento inicial da criança. Ela se caracteriza pela ampliação e refinamento do re-
pertório de comportamentos sociais, e simultaneamente, pela compreensão gradual
de valores e normas que regulam o funcionamento da vida em sociedade. A aprendi-
zagem de comportamentos sociais e de normas de convivência inicia-se na infância,
primeiramente com a família e depois em outros ambientes, como vizinhança, na cre-
che, igreja e etc. Essa aprendizagem depende das condições que a criança encontra
nesses ambientes, o que influi sobre a qualidade de suas relações interpessoais subse-
quentes (DEL PRETTE, 2005).
A escola possui um papel essencial no desenvolvimento integral da criança
e deverá estar em interação com o meio físico e social em que a criança desenvolva

430
DIÁLOGO FREIRIANO

suas atividades. Sabe-se que a escola acaba sendo um novo meio onde a criança irá
estabelecer diferentes relações sociais, e isso pode causar certo desconforto, já que ge-
ralmente, o habitual da criança é se relacionar somente com o seu grupo familiar. No
meio escolar a criança terá contato de forma sistematizada com a cultura acumulada,
com novas e diferentes formas de disciplina, além de manter contatos com novas for-
mas de relações grupais (WALLON, 1979).
É com este ideal que a dança é importante para o espaço escolar, pois uma
das principais características desta atividade, é o auxílio na interação entre as pessoas,
independentemente de suas diferenças físicas e sociais. A dança oportuniza as pessoas
a se expressarem, sem que suas diferenças importem, fazendo com que a criança en-
tenda que não existem diferenças capazes de separa-los ou isola-los da sociedade.

4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para realização desta pesquisa, realizou-se um levantamento bibliográfico,
para que assim, fosse possível construir a fundamentação teórica. De acordo com Fa-
chin (2006, p. 122) entende-se por levantamento bibliográfico as obras escritas,
bem como a matéria constituída por dados primários ou secundários que possam ser
utilizados pelo pesquisador ou simplesmente pelo Marconi e Lakatos (2017)
complementam argumentando que levantamento bibliográfico compreende a identi-
ficação de obras que são importantes para a pesquisa.
Este estudo é classificado como qualitativo, de acordo com Minayo (2001, p.
21-22) a pesquisa qualitativa

Se preocupa, nas ciências sociais, como um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, motivos, aspi-
rações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo
das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à opera-
cionalização de variáveis.

O campo de pesquisa foi a Escola Centro Educacional Anchieta. Para Seve-


rino (2016, p. 131-132) na pesquisa de campo objeto/fonte é abordado em seu meio
ambiente próprio. A coleta de dados é feita nas condições naturais em que os fenôme-
nos ocorrem [...] sem intervenção e manuseio por parte do
O instrumento de coleta de informações foram as entrevistas com roteiro
semiestruturado direcionado ao gestor e uma professora de dança da Escola pesqui-
sada. Segundo Flick (2013) para as entrevistas semiestruturadas são preparadas várias
perguntas sobre o tema pretendido, visando colher as percepções individuais dos en-
trevistados, permitindo a livre exposição de suas opiniões.

431
DIÁLOGO FREIRIANO

4.1 Análise e discussão dos resultados


Após avaliar o perfil dos entrevistados, acerca da escolaridade e suas experi-
ências profissionais na área em que atuam, percebe-se que esses profissionais possuem
a formação adequada para exercerem suas atividades de forma eficiente. Além de am-
pla experiência nas suas respectivas áreas, colaborando para o enfrentamento dos de-
safios profissionais.
Nesse contexto, ressalta-se também que a professora de dança possui a for-
mação e preparação que a qualifica para trabalhar a dança escolar de forma adequada,
que promova resultados positivos não somente físicos, mas também em outros aspec-
tos na vida dos alunos e no ambiente escolar.
Não são em todas as escolas que possuem profissionais formados na área da
dança, mas que mesmo assim desenvolvem ações voltadas para esse fim e até mesmo
sem a devida preparação conseguem obter bons resultados.

A qualidade do professor e é relativa ao conhecimento do que se do


se e do que se o professor tem que estar comprometido
com o educar e com o poder de comunicação, além de ter bom-senso e autocrítica
para saber se está preparado ou não para aplicar a dança escolar (FERREIRA, 2009,
p. 55).

Avançando no processo de entrevista sobre a temática da dança escolar, foi


levantado o questionamento aos sujeitos da pesquisa, sobre como a dança é inserida
no ambiente escolar, a professora afirma que:

Se observa que a dança, nas escolas de forma geral, ainda é pouco trabalhada, porém,
o professor de educação física pode incluir a dança no seu conteúdo programático,
embora o mesmo trabalhe esta atividade na maioria das vezes somente nos eventos
das escolas, e com isso promover de forma eficaz esta atividade, baseado no conhe-
cimento que este profissional já possui devido a sua formação (Dados da pesquisa).

Já o Gestor direcionou sua resposta para o Centro Educacional Anchieta,


afirmando que:

Inicialmente a dança é inserida nos eventos e programações que a escola realiza todos
os anos, onde nas pequenas programações a dança é desenvolvida pelos próprios pro-
fessores da turma, e nos eventos maiores, que exijam uma qualidade maior, a escola
conta com a parceria da Escola de Dança Anchieta (EDA), utilizando os alunos da
companhia de dança da escola, que por já fazerem aulas no cotidiano, nas modalida-
des Ballet Clássico, Contemporâneo, Jazz e Sapateado, possuem uma técnica mais ele-
vada, o que entra de acordo com o nível exigido para o evento (Dados da pesquisa).

Observa-se que a dança é uma atividade presente nas programações e ativi-


dades desenvolvidas na escola, seja de grande ou de pequeno porte, conta-se sempre

432
DIÁLOGO FREIRIANO

com a participação dos alunos e professores. Vale ressaltar que não somente o profes-
sor de educação física deve desenvolver esta atividade, já que este profissional é lotado
com esta disciplina específica nas turmas de 6º ao 9º ano, mas que também os profes-
sores das séries iniciais podem trabalhar a dança escolar na disciplina de educação
física, o que diferenciará seu trabalho é a metodologia utilizada pelo docente.

A dança como conteúdo da Educação Física é um complemento onde o professor


encontrará mais subsídios para o trabalho da dança como linguagem artística. Por
meio das danças que no Brasil existem infinitos ritmos, os alunos poderão conhecer
diferentes qualidades do movimento expressivo, além de conhecer as técnicas de
execução de movimentos e também aprendem a improvisar e construir coreografias
e o mais importante é passar a valorizar e apreciar diferentes manifestações expres-
sivas. Os conteúdos da Educação física que incluem a dança têm como finalidade,
melhorar o comportamento e o desenvolvimento tanto físico como psíquico (LIS-
BOA, 2012, p. 16).

Essa relação entre a dança e as práticas pedagógicas, afirma que é possível


construir ações onde a dança possa ser inserida nos espaços escolares e a partir daí,
trabalhada para que se desenvolva aspectos positivos no alunado, o que influenciará
positivamente dentro das salas de aula. E para que a dança escolar seja realmente uma
ferramenta significativa no processo de aprendizagem e construção do conhecimento
do aluno, é necessário que o professor siga recomendações como: planejamento, ca-
pacitação, metodologia e avaliação (FERREIRA, 2009).
O questionamento seguinte foi se ambos percebem melhorias nos alunos
que passam a frequentar as aulas de dança, e a contribuição desta atividade para o
desenvolvimento das crianças, os entrevistados concordam que ao comparar os alu-
nos que fazem as aulas de dança com os demais, nota-se que a concentração é mais
acentuada, a postura, o envolvimento e disciplina são os diferenciais, e que todas estas
habilidades e qualidades são trabalhadas na dança. A professora complementa ainda
que:

A dança ajuda as crianças no desenvolvimento intelectual, já que busca-se trabalhar


mais com a criatividade da criança para que ela aprenda de forma divertida, adap-
tando inclusive de forma lúdica o ballet clássico para elementos que elas já conhecem.
Isto acaba estimulando para que ela se torne mais expressiva, mais comunicativa, tra-
balhando a dinamicidade, o trabalho em grupo, noção de tempo e espaço e etc. Ressal-
tando também aspectos técnicos como melhorias em problemas de joelhos, de pisada,
de pés introvertidos, a postura do corpo entre outros, já que o ballet busca desenvolver
todas estas áreas (Dados da pesquisa).

Nota-se que são diversos os benefícios da dança dentro do espaço escolar, e


com isso se percebe que quanto mais preparado for o profissional que desenvolve esta
atividade dentro da escola, melhores são os resultados obtidos. Para Ferreira (2009, p.

433
DIÁLOGO FREIRIANO

28) dança escolar tem que se preocupar com a formação ética, a adaptação social,
a organização do trabalho, o tratamento da informação e com o desenvolvimento psi-
comotor da Adequando a forma de trabalhar e adaptando-se a realidade de
cada criança, o docente é capaz de desenvolver as habilidades dos alunos das variadas
formas existentes dentro da dança escolar.
Ao indagar sobre o apoio e incentivo da gestão no que diz respeito a dança
escolar, o gestor afirma que:

Sempre é dado todo o suporte para que a professora desenvolva o seu trabalho. E desde
2010 quando a EDA foi construída para esse fim específico, a gestão busca desenvolver
esse trabalho, sendo pioneira na cidade a implantar a dança acadêmica de nível pro-
fissional (Dados da pesquisa).

A professora respondeu que: todo o suporte necessário para desen-


volver o trabalho, sinto por parte da gestão a confiança e satisfação com o trabalho
que vem sendo (Dados da pesquisa). É perceptível a importância de se
desenvolver um trabalho em equipe, pautado na confiança e apoio para que se obte-
nha os resultados desejados, vale ressaltar que a entrevistada argumentou ainda que
há uma harmonia grande entre ela enquanto docente e a gestão da escola.
Seguindo com os questionamentos, ao tratar a respeito dos índices de apren-
dizagem das crianças que frequentam as aulas de dança, o gestor faz o seguinte co-
mentário:

Existe melhora nos índices, também devido à vontade e satisfação que a criança sente
ao fazer a aula de dança, o que acaba refletindo no seu melhor desempenho escolar,
devido a condicionante de que a criança precisa se sair bem na escola e tirar boas notas
para que permaneça frequentando as aulas de dança. (Dados da pesquisa).

De acordo com a visão da professora, melhoria dos alunos na escola, den-


tre outros aspectos, deve-se as habilidades que a dança ajuda promover naqueles que
a pratica, como concentração, disciplina e (Dados da pesquisa). Isto é,
segundo a entrevistada, a dança pode influenciar diretamente na melhoria dentro de
sala de aula. De acordo com Ferreira (2009, p. 79):

A dança na escola quando aplicada com metodologia adequada e, principalmente,


com consciência pedagógica, passa a ser uma ferramenta de grande valia na prática
da educação, pois além do desenvolvimento corporal, possibilita que o educando
amplie sua capacidade de interação social, contribuindo assim, para a promoção de
atitudes de valorização, respeito à diversidade, apreciação de manifestações expres-
sivas e culturais e melhoria da aprendizagem, uma vez que envolve e desenvolve to-
dos os princípios psicomotores.

434
DIÁLOGO FREIRIANO

Observa-se a importância de se desenvolver esta atividade dentro dos espa-


ços escolares, mas não como uma simples atividade física ou como forma de recrea-
ção, mas de executar a dança como uma ferramenta pedagógica que auxiliará o do-
cente no desenvolvimento de habilidades de seus alunos. Estas habilidades influenci-
arão positivamente nos índices educacionais, na melhoria da escrita e leitura, na inte-
ração social entre outras coisas importantes para o processo de ensino aprendizagem.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dança é presente na vida do ser humano desde os primórdios, seja ela
como manifestação artística ou como forma de expressão, percebe-se que diversos são
os benefícios para aqueles que a praticam. E estes benefícios não se limitam a melho-
rias físicas, mas também ao desenvolvimento de habilidades motoras, mentais, inte-
lectuais entre outras coisas.
Mas para que estes resultados sejam obtidos, é necessário que as escolas pas-
sem a utilizar a dança como um mecanismo de estratégia pedagógica, onde por meio
da dança e sua musicalidade, estas habilidades possam ser desenvolvidas, exploradas
e aperfeiçoadas, para que de fato haja resultados satisfatórios, e os reflexos destes re-
sultados gerem impactos positivos em sala de aula.
Na Escola Centro Educacional Anchieta foi possível verificar que a dança
escolar está presente no dia a dia da instituição, e que a gestão escolar acredita na
dança como um instrumento que auxilia na conquista de resultados desejados tendo
como base os resultados satisfatórios que a escola tem obtido.
Identificou-se que a professora de dança percebe avanços nas crianças que
passam a frequentar as aulas de dança. Isso potencializado também em decorrência
do nível de qualificação da docente, que auxilia na forma de exercer o seu trabalho,
buscando desenvolver as habilidades individuais dos alunos, e adaptando a forma de
trabalhar com a dança de acordo com a faixa etária e as capacidades de cada criança.
Diante disso, vale ressaltar a importância da obtenção de conhecimento por
parte dos professores, e mesmo que na maioria das escolas não se tenha um espaço
físico adequado ou um profissional tecnicamente qualificado para desenvolver essa
atividade, ainda assim, a dança pode ser desenvolvida para fins pedagógicos. Dei-
xando de ser algo trabalhado somente para festas juninas ou programações festivas
das instituições, e ser inserida no contexto escolar, como algo a ser desenvolvido cons-
tantemente pelos professores.

435
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
ALVES, Fátima. Psicomotricidade: Corpo, Ação e Forma. 4. ed. Rio de Janeiro: Wak,
2008.
BRASIL. Lei de diretrizes e bases da Educação Nº 9.394/1996. 1996.
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Arte/ Secretaria de Educação Funda-
mental. Brasília: MEC/SEF, 1997.
BREGOLATO, Roseli Aparecida. Cultura Corporal da Dança. 2. ed. São Paulo:
Ícone, 2006.
DEL PRETTE, A. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Rio
de Janeiro: Vozes, 2005.
FACHIN, Odília. Fundamentos de metodologia. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.
FERREIRA, Vanja. Dança escolar: um novo ritmo para a educação física. 2. ed. Rio
de Janeiro: SPRINT, 2009.
FLICK, Uwe. Introdução à metodologia de pesquisa: um guia para iniciantes. Porto
Alegre: Penso, 2013.
LÊ BOULCH, Jean.O desenvolvimento psicomotor: do nascimento aos 6 anos de
idade. Traduzido por Ana Guardiola Brozolara. Porto Alegre: Artes Médicas, 1982.
LISBOA, Gilvan da Silva. A importância da dança nas aulas de educação física na
escola. São Paulo: Moderna, 2012.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodo-
logia científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social.
In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criati-
vidade. 18. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
NANNI, Dionisia. Dança-Educação- princípios, métodos e técnicas. 3. ed. Rio de
Janeiro: 2001.
PORTINARI, Maribel. História da dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 24. ed. São
Paulo: Cortez, 2016.
WALLON, H. Psicologia e educação da criança. Lisboa: Vega, 1979.

436
ENSINO APRENDIZAGEM POR MEIO DA
APLICAÇÃO DE UMA SEQUÊNCIA DIDÁTICA (SD):
TRAZER ESTE DIÁLOGO PARA A ESCOLA

Rosa Prasser 1

1. INTRODUÇÃO
Esta pesquisa nasce com o desejo de conhecer as potencialidades de se tra-
balhar este tema das plantas medicinais e com o objetivo de implantar a horta na es-
cola. O uso de plantas no tratamento de doenças teve início há muitos séculos.
Quando os índios começaram por meio de observações nos hábitos desenvolvidos
pelos pajés no tratamento de alguns males de sua época. O Brasil tem uma grande
diversidade biológica: 10% dos 1,4 milhões de organismos vivos já descritos pela ci-
ência encontram-se no Brasil. No caso específico das angiospermas, o Brasil possui 55
mil espécies, o que totaliza 22% desse tipo de planta em todo o planeta (MITTER-
MEIER et al.1992). Este trabalho buscou analisar o uso das plantas medicinais, através
da implantação da horta na escola. Visando contribuir para a formação de cidadãos
críticos e conscientes que possam fazer escolhas com base em um conhecimento cons-
truído em um contexto histórico e social. Sendo norteadas por questões como: Será
que os chazinhos causam sintomas indesejáveis? As plantas cultivadas precisam ter
critérios para o seu uso? O que sabemos sobre as plantas medicinais? Justifica-se de
acordo com o Lorenzi e Matos (2002), que as plantas medicinais possuem efetividade
terapêutica e toxicologia. Tal afirmação está cientificamente aprovada, conforme as
suas necessidades básicas de saúde, pela facilidade do acesso e baixo custo.
Segundo CHAN (2013, p. 30),

A medicina tradicional de qualidade, segura e com eficácia comprovada contribui


para assegurar o acesso de todas as pessoas à atenção primária de saúde. Para mi-
lhões de pessoas, as plantas, os tratamentos tradicionais e as práticas da medicina

1
Possui Bacharelado em Teologia pela Faculdade Unida de Vitoria (2012), Licenciatura em filosofia pela
Faculdade entre rios de Piauí - FAERPI (2015). Formada em Capelania pela - CAFEBI - RJ. Pós-
graduação Especialização em educação e Divulgação em Ciências em Lato Senso - IFES. Atualmente é
professor e escritor, atua na disciplina de Filosofia. rosapesquisadora@gmail.com
DIÁLOGO FREIRIANO

tradicional representam a principal fonte de atenção à saúde e às vezes a única


(CHAN, 2013, p. 30)

O objetivo geral desta pesquisa é a aplicação de uma SD, que foi realizada em
três aulas. Buscamos compreender como conhecimento prévio dos alunos sobre
como as plantas medicinais podem ser uteis. Além disso, trabalharmos sobre suas prá-
ticas e costumes. Visando formar um cidadão consciente que consome e pode fazer
suas próprias escolhas. Os objetivos específicos foram: levantar o conhecimento pré-
vio dos alunos, aplicar a (SD) sequência didática. Implantar a horta na escola. Tendo
como fonte de pesquisa bibliográfica Guimarães e Giordan (2012). Eles argumentam
que a aplicação da (SD) sequência didática em sala de aula é um passo fundamental
para a análise do alcance educacional da proposta de ensino. Lobino (2012), diz que o
aluno aprende a partir de suas experiências, interagindo com o outro, agindo e rea-
gindo sobre e com o objeto do conhecimento, de forma permanente e processual.
Freire (1967) traz contribuição acerca desta temática.

1.1 Sequência didática numa perspectiva sociocultural e crítica.


Segundo Guimarães e Giordan (2012), a sequência didática é fundamental
para a proposta do ensino em sala de aula. Dentro da perspectiva sociocultural do al-
cance do aluno. A aplicação da sequência didática (SD) pode ter importantes elemen-
tos para esta interação.
De acordo com, Guimarães e Giordan, (2011, p. 8).

A Sequência Didática (SD) elaborada e aplicada em uma perspectiva sociocultural


pode se apresentar como uma opção eficiente que, dentre outras, visa minimizar as
tensões de um ensino descontextualizado e da ação desconexa das áreas de ensino
no ambiente escolar (GUIMARÃES; GIORDAN, 2011, p.8).

Guimarães e Giordan (2011) discutem em seu artigo os principais elementos


estruturantes da Sequência Didática conforme são desenvolvidas. A ordem e elemen-
tos que devem ser seguidos e apenas uma sugestão de elaboração, apenas uma alter-
nativa entre tantas possíveis ao professor.
Pais (2002, p. 102) define que:

sequência didática é formada por certo número de aulas planejadas e analisa-


das previamente com a finalidade de observar situações de aprendizagem, envol-
vendo os conceitos previstos na pesquisa (PAIS, 2002, p. 102).

A relevância destes caminhos no momento da aplicação da SD é fundamen-


tal dentro da perspectiva do fazer em sala de aula, onde se possibilita ao aluno na cons-
trução do saber. Tendo olhares ao diálogo, tudo foi construído anteriormente com

438
DIÁLOGO FREIRIANO

relação à temática proposta ao aluno. Ele como autor do conhecimento que deixa de
ser ouvinte e passa a ser pesquisador autônomo do conhecimento por ele construído.

2. EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE DEVE PROMOVER AU-


TONOMIA DO ALUNO:
A aplicação da sequência didática (SD) possibilita ao aluno criar, recriar e
tomar decisão em relação ao que lhe é proposto em sala de aula. Neste sentido Freire
(1967), enfatiza que os atos de criação e recriar são decisões que irão dinamizar o seu
mundo.
Conforme, Freire (1967, p.43):

A partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de
estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, o vão dinamizando o seu
mundo. Vai dominando a realidade. Vai humanizando-a. Vai acrescentando a ela
algo de que ele mesmo é o fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz
cultura. E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem com
os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando, criando, que não per-
mite a imobilidade, a não ser em termos de relativa preponderância, nem das socie-
dades nem das culturas. E, na medida em que cria, recria e decide, vão se confor-
mando as épocas históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem
deve participar destas épocas. (FREIRE, 1967, p. 43)

O processo de ensinar-e-aprender são permanentes, por isso, precisamos


avançar depois do diálogo e da construção do conhecimento enquanto ato pedagó-
gico libertador, para a organização da práxis coletiva. Dominar ou apropriar-se da pa-
lavra é uma parte de um processo maior que culmina na ação transformadora, na prá-
xis que reconstrói o mundo. que dizer a palavra verdadeira seja transformar o
(FREIRE, p. 77).
Freire (1999, p. 89) define:

educação é um ato de amor, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A


analise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma
(FREIRE, 1999, p. 89)

3. HORTA NA ESCOLA SEGUNDO LOBINO:


A implantação da horta na escola, de acordo com Lobino (2012), traz a pos-
sibilidade reflexiva dos alunos e todos que estão na escola cotidiana. Portanto, no mo-
mento do plantio da horta há uma interação entre os atores dentro da escola.
Segundo, Lobino (2012, p. 179):

Dentro da perspectiva de Lobino (2012), fazer resgate da história da humanidade


mais e momento de reflexão dentro da escola entre homem e natureza, horta traz

439
DIÁLOGO FREIRIANO

toda esta possibilidade reflexiva dos alunos de todos que estão dentro da escola co-
tidiana. Ver a terra como nossa morada no espaço até o plantio da horta, passando
pela compreensão dos princípios ativos das plantas, produzidos pela reação dos sais
da terra, da água, do gás carbônico do ar e do sol, e da interdependência entre plan-
tas, homem e os outros animais, estabelecendo relações entre o ontem e o hoje, as
diferentes (LOBINO, 2012, p. 179)

Lobino (2012, p. 176) enfatiza que:

A natureza modificada pelo homem. Quando mais extraímos coisas da natureza,


graças à organização do trabalho, às invenções, mais caímos na insegurança da exis-
tência. Não somos nós que dominamos as coisas. São elas que nos dominam. E isto
ocorre porque certos homens, através das coisas, dominam outros homens. Se qui-
sermos aproveitar, enquanto homens, de nosso conhecimento da natureza, precisa-
mos acrescentar ao nosso conhecimento o da sociedade humana. Horta na escola
possibilita uma consciência dos alunos, no momento do plantio e momento da re-
flexão do que homem quanto ser da sociedade estou praticando. As plantas
medicinais trazem consigo suas culturas sua relevância quanto saúde. (LOBINO,
2012, p. 176).

O projeto pedagógico vai possibilitar a aproximação entre os alunos e os ele-


mentos que compõem a natureza. A horta medicinal como se constitui um tema in-
tegrador entre todas as áreas do conhecimento escolar, proporcionando aos partici-
pantes dessa vivência maior interesse. E, em especial possibilitar aos professores e alu-
nos uma reflexão sobre a concepção utilitarista da natureza, repensando, inclusive o
conceito de desenvolvimento social. Lobino (2012), discute que este trabalho não só
se constitui como laboratório vivo, mas pretendeu envolver toda escola dentro do pa-
radigma curricular, que também é confirmado pelas Diretrizes Curricular Nacional
(DCNs), pelo parecer CEB/CNE nº 4/98, afirmando que o currículo se organiza em
princípios éticos, científicos, políticos e estéticos que fundamentam a articulação en-
tre as áreas do conhecimento e a vida cidadã.

4. REVISÃO LITERATURA:
4.1 As plantas medicinais ao longo da história
As plantas medicinais sempre tiveram relevância a toda sociedade. Com isso
as famílias vêm fazendo o resgate cultural do uso das plantas que seus ancestrais per-
ceberam e suas ricas propriedades. Muitos destes conhecimentos eram transmitidos
oralmente, visto que o uso das plantas medicinais está relacionado com sua tradição
familiar.
Araújo (2007, p. 45), dialoga que:

O conhecimento sobre as plantas medicinais sempre tem acompanhado a evolução


do homem através dos tempos. Remotas civilizações primitivas se aperceberam da

440
DIÁLOGO FREIRIANO

existência, ao lado das plantas comestíveis, de outras dotadas de maior ou menor


toxicidade que, ao serem experimentadas no combate às doenças, revelaram, em-
bora empiricamente, o seu potencial curativo. Toda essa informação foi sendo, de
início, transmitida oralmente às gerações posteriores e depois, com o aparecimento
da escrita, passou a ser compilada e guardada como um tesouro precioso. (ARAÚJO
et al., 2007, p. 45).

Cunha (2011), cita em seu artigo temas sobre o uso popular, concepção ci-
entífica sobre plantas medicinais, a utilização de produtos naturais (particularmente
da flora), com fins medicinais, e que isso nasceu com a humanidade. Indícios do uso
de plantas medicinais e tóxicas foram encontrados nas civilizações mais antigas, sendo
considerada uma das práticas mais remotas utilizadas pelo homem para cura, preven-
ção e tratamento de doenças, servindo como importante fonte de compostos biologi-
camente ativos (ANDRADE; CARDOSO; BASTOS, 2007).
Segundo Duarte (2006), os primeiros registros sobre a utilização de plantas
medicinais são datados de 500 a. C., no texto Chinês que relata nomes, doses e indi-
cações de uso de plantas para tratamento de doenças. Outros registros foram encon-
trados no manuscrito Egípcio de 1.500 a.C., em que continham in-
formações sobre 811 prescrições e 700 drogas. E algumas dessas plantas ainda são uti-
lizadas, como Ginseng, Ephedra spp. Cassia spp. e Rheumpalmatum L., inclusive
como fontes para indústrias farmacêuticas.
Porém, de acordo com Simões, Schenkel e Simon (2001) e Vale (2002), os
primeiros registros fitoterápicos datam do período 2.838-2.698 a. C., quando o impe-
rador chinês ShenNung catalogou 365 ervas medicinais e venenos que eram usados
sob inspiração taoísta de Pan Ki, considerado deus da criação. Esse primeiro herbário
dependia da ordenação de dois polos opostos: yang-luz, céu, calor, esquerdo; e o yin-
trevas, terra, frio, direito. Por volta de 1.500 a. C. A base da medicina hindu já estava
revelada em dois textos sagrados: Veda (Aprendizado) e Ayurveda (Aprendizado de
Longa Vida).

4.2 A política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos no brasil.


Jussara Macedo em seu artigo intitulado plantas medicinais e fitoterápicos
na atenção primária à saúde, traz discussão que no Brasil a regulamentação do uso de
plantas medicinais e da Fitoterapia iniciou-se em 2006 com a aprovação da Política de
Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC), que aborda dentre outras
práticas tradicionais a utilização de plantas medicinais e a Fitoterapia. A partir desta

441
DIÁLOGO FREIRIANO

legislação e em conformidade com orientações da OMS, também em 2006 foi apro-


vada a Política Nacional de Plantas Medicinal e Fitoterápico (PNPMF) e em 2008 o
Programa Nacional de Plantas Medicinal e Fitoterápico.
Outro marco importante foi a publicação da Relação Nacional de Plantas
Medicinais de Interesse para o SUS (RENISUS). A Portaria Nº 971 de 03 de maio de
2006 que aprova a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares segue
o disposto ao inciso II do Art. 198 da Constituição Federal, que dispõe sobre a inte-
gralidade da atenção e ao Art. 3º da Lei 8.080/90 que diz respeito às ações destinadas
a garantir as pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social,
como fatores determinantes e condicionantes da saúde e ainda ao preconizado pela
OMS com relação ao estímulo ao uso da medicina tradicional (Brasil, 2006a). Em seu
anexo esta portaria apresenta o histórico nacional relacionado com a sua construção,
conceitos a cerca da medicina tradicional, inclusive o de plantas medicinais e fitotera-
pia, bem como seus objetivos e diretrizes (Brasil, 2006a). Enquanto que a Política Na-
cional de Plantas Medicinal e Fitoterápico tem por finalidade estabelecer as diretrizes
para a atuação do governo na área de plantas medicinal e fitoterápico, elaborou-se a
Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), que se constitui
parte essencial das políticas públicas de saúde, meio ambiente, desenvolvimento eco-
nômico e social como um dos elementos fundamentais de transversalidade na imple-
mentação de ações 14 capazes de promover melhorias na qualidade de vida da popu-
lação brasileira (Brasil, 2006).

5. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS:
A pesquisa foi realizada na escola estadual Rômulo Castello em Carapina-
Serra _ES. Com uma turma do 3°ano do ensino médio. A sequência didática (SD)
sobre plantas medicinais foi organizada em três momentos pedagógico, definidos
como: Primeiro momento, aplicação do questionário para o levantamento prévio do
aluno sobre as plantas medicinais. Será que os chazinhos e as cápsulas causam sinto-
mas indesejáveis? As plantas cultivadas precisam ter critérios para seu uso? O que sa-
bemos sobre as plantas medicinais? Como implantar horta na escola? Logo após os
alunos assistiram a um vídeo sobre a história da fabricação e distribuição de medica-
mentos. No segundo momento, a turma foi dividida em dois grupos, logo foi entregue
dois textos com o tema: Plantas Medicinais na Sociedade e o Cenário Farmacêutico
no Brasil. No terceiro momento foi feita a implantação da horta, as mudas foram plan-
tadas e trazidas pelos alunos. A escola recebeu uma doação do parque Tabuazeiro
ES onde, foram plantadas vinte mudas. Os canteiros foram organizados pelos alunos.

442
DIÁLOGO FREIRIANO

No momento do plantio os alunos fizeram a seleção das plantas e a identificação delas


colocando as plaquinhas com os nomes de cada uma e sua utilização, houve interação
de todos os alunos.

6. PRODUÇÃO ANÁLISE DE DADOS:


Os resultados levantados no questionário demonstram que entre 36 alunos,
20 acreditam que as plantas cultivadas precisam ter critérios para seu uso, 15 deles
conhecem sobre as plantas medicinais através da cultura de seus familiares, 25 afir-
maram que os chazinhos precisam ser consumidos sem excesso e 18 dialogaram que
a implantação da horta e seu cultivo devem ser plantados no local de forma apropri-
ada. Com isso foi possível observar que os alunos têm fácil acesso às plantas medici-
nais e acreditam em seu poder de curar. Relataram que as plantas já são usadas há
muito tempo dentro da cultura do nosso país, para benefícios do ser humano. E acerca
do cultivo, que devem ser plantadas no local de forma apropriada. Sobre o conheci-
mento das plantas medicinais relataram que suas famílias cultivam plantas em casa
para consumo de algum mal-estar. Além disso, dialogaram que as plantas medicinais
trazem com elas costumes de suas culturas religiosas e suas práticas rituais que são
praticados antes de fazerem o uso das plantas medicinais e que tal utilização conta a
experiência cultural de seus ancestrais.

6.1 Momento da implantação da horta na escola


As mudas foram trazidas pelos próprios alunos e a escola recebeu doação do
parque Tabuazeiro de Vitória ES. O plantio foi realizado pelos alunos. As mudas fo-
ram plantadas no intervalo de 30 em 30cm entre as mudas, para o controle das pragas
e doenças. Os canteiros já existiam na escola, os alunos prepararam a terra com ferra-
mentas da escola. A terra já estava adubada. Antes de realizar o plantio, dialogamos
sobre implantação da horta e como mantê-la. Os alunos tinham curiosidade do pre-
paro do solo, adubação, Irrigação etc. Espécies utilizadas para plantio da horta foram
selecionadas. Aquelas utilizadas pela medicina popular na região, segundo o conheci-
mento popular. Tivemos a participação unânime da turma, que foi de grande relevân-
cia durante o momento do plantio. O envolvimento dos alunos e as observações feitas
por eles trouxeram uma rica experiência, diante de cada planta que estava sendo plan-
tada. A relação que os alunos fizeram com o conhecimento prévio obtido. O conheci-
mento em sala de aula e todo o saber que já tinham construindo foi muito importante.
Pois, foi possível vivenciarem um olhar diferenciado, podendo agora apreciarem cada
planta em um contato direto. Os alunos se mostraram orgulhosos em falar sobre

443
DIÁLOGO FREIRIANO

aquele momento. Fala do aluno: - Gostei muito de ajudar na realização da horta aqui
na escola, esta planta camomila minha mãe usa para fazer chá para tratar de
Outros participavam da seleção das plaquinhas com nomes, olhando atentos e per-
guntando para servia a planta que encontrava em sua mão. Sugeri para colocarmos o
nome em cada planta e descrevermos para que serve. Assim, outros alunos ao visita-
rem a horta teriam a ideia da relação que eles fizeram com plantas em uma perspectiva
do que conheciam e também o que aprenderam através do estudo do seminário rea-
lizado sala de aula. Aula na horta e dinâmica envolve todos os alunos. A relevância
deste momento é que os alunos como autores do conhecimento agora podem fazer
uma escolha consciente com relação ao uso de medicamentos.
Freire (1996, p.21) diz que:

não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua pro-


dução ou a sua (FREIRE, 1996, p. 21).

O aluno X trouxe de casa planta neste momento ele disse a


professora: - planta é usada para curar
E com muito orgulho de seu conhecimento ele abriu a cova, realizou o plan-
tio e dialogamos sobre manter a horta na escola. E que os alunos sempre deveriam
visitar a horta.

esta planta é usada para curar

Figura 2 Planta: Terramicina

Fonte: Acervo próprio

A aula na horta da escola possibilitou interação com os alunos em busca do


conhecimento, da investigação e da pesquisa. A aluna ao ter contato com a planta me-
dicinal Babosa achou espetacular, pois já sabia de sua utilização. Conhecia sobre o uso
da planta no tratamento para os cabelos. Naquele momento compartilhou com os de-
mais colegas sua experiência com a planta. Logo após, realizou o plantio da mesma.
De acordo com Freire, (1996, p. 26):

444
DIÁLOGO FREIRIANO

condições de verdadeira aprendizagem, os educandos vão se transformando


em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do
educador igualmente sujeito do (FREIRE, 1996, p. 26).
ela: professora esta planta é usada no

Figura 3 Planta: Babosa

Fonte: Acervo próprio

7. RESULTADOS E DISCUSSÃO:
Os dados obtidos por meio do questionário com os alunos mostraram que
já tinham conhecimento das plantas medicinais através das aulas de biologia, onde
são trabalhados conteúdos específicos nas aulas de botânica. Relataram que adquiri-
ram por meio da aula em seminário, através de livros e internet, diante de conversa
com os familiares, vizinhos e amigos um rico aprendizado. Vinte alunos afirmaram
que os chazinhos precisam ser consumidos sem excesso e 18 dialogaram que a im-
plantação da horta e seu cultivo devem ser plantados no local de forma apropriada.
Por meio da entrevista os alunos responderam que já utilizaram plantas medicinais
como recursos em algum momento da vida, principalmente quando sofreram de al-
gum mal considerado por eles mais simples. Como dor de cabeça, estomacal e dor de
barriga. Foi citado que a família tem tradição do uso e cultivo das plantas medicinais
em seus quintais e que as plantas trazem tradição cultural, religiosa e seus ritos. De
modo geral os alunos afirmam que sobre o assunto só sabia de algumas plantas, que
se fazia um chá com elas. Como cidreira para calmante, camomila para dor de barriga.
Mediante a fala dos alunos verifica-se que esta pesquisa contribui para a valorização
dos conhecimentos prévios dos alunos, e a importância sobre a utilização das plantas
medicinais.

O aluno X diz sobre a esta planta é usada para curar


Fala com muita propriedade de seu conhecimento.

445
DIÁLOGO FREIRIANO

Verificou-se que os alunos que mencionaram os nomes de algumas plantas


possuem conhecimentos familiares de pessoas que cultivam essas plantas. Como, por
exemplo, a mãe e avôs, que cultivam em casa e fazem uso.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximada-
mente 80% da população de países em desenvolvimento utilizam-se de práticas tradi-
cionais na atenção primária à saúde e, desse total 85% fazem uso de plantas medicinais
(Carvalho,2007). Esta pesquisa alcançou seu objetivo, na medida em que contribui
para despertar a consciência sobre uso responsável de plantas medicinais. Através
desse tema os alunos se sensibilizaram para o cuidado com a natureza e a importância
do conhecimento, tendo um olhar para o uso das plantas medicinais com critérios
necessários a saúde. O momento da troca de saberes tradicional (popular), e o acadê-
mico (conhecimento científico) foi muito enriquecedor.

446
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
AGUIAR, Roberto A. Ramos de. Direito do meio ambiente e participação popular.
Brasília: IBAMA, 1994
ARAÚJO, E.C. et al. Use of medicinal plants by patients with cancer of public hos-
pitals in João Pessoa (PB). Revista Espaço para a Saúde, v. 8, n. 2, p. 44-52, 2007.
BRUTSCHER, Volmir José. Educação e conhecimento em Paulo Freire. Passo
Fundo: IFBE; IPF, 2005. (Coleção Diá-lógos; 07).
Conferência de Estocolmo. Wikipédia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/
Conferência_de_Estocolmo>. Acessado no dia 03 de jan de 2018.
Conferência de Estocolmo. Info escola. Disponível em: <http://www.infoescola.com/
meio-ambiente/conferencia-de-estocolmo>. Acessado no dia 20 de dez de 2017.
DELIZOICOV, D. Problemas e Problematizações. In: PIETRECOLA, M. (org.). En-
sino de Física: conteúdo, metodologia e epistemologia numa concepção integradora.
Florianópolis: Ed. UFSC, 2001.
DUARTE, M.C.T. Atividade antimicrobiana de plantas medicinais e aromáticas
utilizadas no Brasil. Revista MultiCiência, n. 7, 2006.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996. Coleção Leitura
GASPARIN, J. L. A elaboração dos conceitos científicos em sala de aula na pers-
pectiva da teoria histórico-cultural. In: ENCONTRO NACIONAL DE DIDÁTICA
E PRÁTICA DE ENSINO, 14, 2008, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Edipucrs,
2008. 2 CDROM
GUIMARÃES, Yara A. F.; GIORDAN, Marcelo Instrumento para construção e va-
lidação de sequências didáticas em um curso a distância de formação continuada
de professores. In: VIIII ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCA-
ÇÃO EM CIÊNCIAS. Campinas, 2011.
GUIMARÃES, Y. A. F. E GIORDAN, M. Instrumento para construção e validação
de seqüência didáticas em um curso a distância de formação continuada de pro-
fessores. VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências, 2012.

447
A BUSCA POR UMA PEDAGOGIA
CULTURALMENTE SENSÍVEL NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA:
A NOÇÃO DE E
NORMA-PADRÃO, NORMA CULTA

Andreza Marcião dos Santos 1


Shirlene Aparecida da Rocha 2
Aldair Oliveira de Andrade 3
Raquel Aparecida Dal Cortivo 4

1. INTRODUÇÃO
Os princípios elaborados por Bortoni-Ricardo (2005), resultando na teoria
da Sociolinguística Educacional, e as concepções de Bagno (2007), acerca de que
na Língua é por apresentam como ponto de partida para seus estudos a
escola, a sociedade e o ensino de Língua Portuguesa, concentrando-se nas questões
relacionadas à variação e mudança linguística, que fazem parte do processo de ampli-
ação do conhecimento linguístico e desenvolvimento da competência comunicativa
dos estudantes.
A sociolinguística é de suma importância, pois visa a contribuir para a me-
lhoria do ensino de Língua Portuguesa através da reflexão e discussão acerca da reali-
dade linguística, considerando não somente os fatores internos à língua como a fono-
logia, morfologia, sintaxe ou semântica, mas também fatores externos como, por
exemplo, sexo, origem, faixa etária e escolaridade.
No entanto, para que o aluno não seja um estrangeiro dentro da sua própria
língua, é preciso que os professores, não somente de Português, tenham o conheci-
mento do caráter heterogêneo da língua e, principalmente, das variedades linguísticas

1
Doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Minas Gerais;
2
Doutoranda em Estudos Linguísticos pela UFMG; Professora EBTT do Instituto Federal do Norte de
Minas Gerais, Campus Araçuaí
3
Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp; Professor da Universidade Federal do Amazonas;
4
Doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP; Professora adjunta da
Universidade Federal do Amazonas.
DIÁLOGO FREIRIANO

presentes em sala de aula. Apenas quando o professor estiver ciente da indissociabili-


dade entre as dimensões históricas, sociais e geográficas, poderão entender melhor o
funcionamento da língua e de seus falantes.
Neste sentido, Bagno (2007) contribui para a busca de uma pedagogia cul-
turalmente sensível quando mostra que a nossa sociedade não aceita facilmente as di-
ferenças seja ela linguística, racial, de gênero ou religiosa e torna-se excludente, ou
seja, mesmo que fale o português e saiba toda a gramática normativa, o negro
sofre uma série de preconceitos. Se o cidadão vai do Nordeste para o Sudeste também
sofre (BAGNO, 2008, p. 10).
Por isso, é importante que a escola e o professor assumam uma postura crí-
tica, política e reflexiva para tratar das questões da variação e mudança linguística e,
principalmente, das noções de e norma-padrão e norma culta, uma
vez que nem a língua e nem a sociedade é homogênea e acreditar na crença de que há
um português e que todas as regras prescritas nas gramáticas normativas
devem ser seguidas não desenvolve no aluno a sua competência linguística e comuni-
cativa.
Assim, refletir e debater sobre essas noções nos Livros Didáticos de Língua
Portuguesa é proporcionar a desmistificação de concepções arcaicas e de preconceitos
sociais que são fruto da própria sociedade. E, cabe ao professor, enquanto mediador
do conhecimento, mostrar que as várias formas de uso da língua podem contribuir
para o conhecimento das diversas manifestações da linguagem e da escrita, de modo
que o aluno se posicione criticamente e reflexivamente em relação a elas, compreen-
dendo-as ou transformando-as,de acordo com os mais diversos contextos de comu-
nicação e interação social.

2. METODOLOGIA
Por se tratar de um artigo de natureza teórica, utilizamos 07(sete) livros di-
dáticos de Língua Portuguesa, aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático
- PNLD, para alunos do 1º ano do Ensino Médio, alusivo ao triênio 2018-2020. Os
livros analisados foram: 1. Língua Portuguesa: Linguagem e Interação (Faraco, Ma-
ruxo JR., Moura); 2. Ser Protagonista Língua Portuguesa (Ricardo Gonçalves Bar-
reto; Marianka Gonçalves-Santa Bárbara; Cecília Bergamin); 3. Português Contem-
porâneo: Diálogo, Reflexão e Uso (Carolina Dias Vianna, Christiane Damien, Wil-
liam Cereja); 4. Veredas da Palavra (Vima Lia Martin, Roberta Hernandes); 5. Novas
Palavras (Emília Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite, Severino Antônio); 6. Esferas

450
DIÁLOGO FREIRIANO

das Linguagens (Maria Inês Batista Campos, Nívia Assumpção); 7. Se Liga Na Língua:
Literatura, Produção de Texto, Linguagem (Cristiane Siniscalchi, Wilton Ormundo).
Tendo em vista que nosso objetivo foi verificar como os respectivos livros
didáticos lidam com as noções de e norma-padrão e norma culta,
consideramos a abordagem qualitativa, utilizando a Análise Textual, Análise Temá-
tica e Análise Interpretativa, com base em Severino (2002), além da Análise de Con-
teúdo de Bardin (1977).

3. POR UMA PEDAGOGIA CULTURALMENTE SENSÍVEL: AS PERCEP-


ÇÕES DE BORTONI-RICARDO E BAGNO
Bortoni-Ricardo (2005) e Bagno (2007) refletem sobre a busca por uma pe-
dagogia culturalmente sensível em sala de aula, pois acreditam que através dela as di-
versidades linguísticas presentes no contexto escolar poderão contribuir para o de-
senvolvimento da aprendizagem e compreensão da língua em seu caráter heterogê-
neo.
Por um lado, Bortoni-Ricardo (2005), através da Sociolinguística Educacio-
nal investiga os fenômenos da variação linguística, observando as suas implicações no
processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa em sala de aula. A Profes-
sora Dra. Maria Stella Bortoni-Ricardo desenvolveu pesquisas nesta área com o in-
tuito de contribuir para uma pedagogia culturalmente sensível e de aprimoramento
da língua na sala de aula. Segundo a autora, objetivo da pedagogia culturalmente
sensível criar em sala de aula ambientes de aprendizagem onde se desenvolvam pa-
drões de participação social, modos de falar e rotinas comunicativas (BORTONI-
RICARDO, 2005, p. 128).
A Sociolinguística Educacional pode contribuir efetivamente com o pro-
cesso educativo, no entanto, é preciso adotar estratégias distintas das que vêm sendo
empregadas, pois a tarefa da Sociolinguística Educacional não é simplesmente descre-
ver a variação ou escrever uma gramática variacionista e entregá-la ao professor. O
que precisa ser feito é mostrar a importância de uma pedagogia sensível às diferenças
linguísticas e culturais dos alunos, para poder provocar melhorias no ensino de língua
materna (BORTONI-RICARDO, 2005).
Para Bortoni-Ricardo (2005), o uso dos seis princípios, abaixo especificados,
pode apresentar respostas positivas à influência da Sociolinguística Educacional no
ensino e aprendizagem de língua materna.
O primeiro princípio considera que a influência da escola na aquisição da
língua não deve ser procurada no dialeto vernáculo do falante (estilo coloquial), mas

451
DIÁLOGO FREIRIANO

sim em estilos mais monitorados ou formais, porque qualquer um de nós, por mais
escolarizado e letrado que seja em momentos de descontração ou em outras situações
voltamos ao nosso dialeto materno. A escola, seguindo esse princípio, pode incorpo-
rar no repertório linguístico do aluno os recursos comunicativos que lhe permitam
empregar de forma segura os estilos mais monitorados da língua.
O segundo princípio relaciona-se com o caráter sociossimbólico das regras
variáveis, ou seja, são as regras que não são vistas de forma negativa na sociedade e,
por isso, não são objeto de correção na escola. Um exemplo disso é quando se faz o
uso da anáfora zero ou do pronome lexical como no exemplo citado por Tarallo e
Duarte:

Recebi ontem o contracheque. Ao receber Ø fiquei surpresa.


Recebi ontem o contracheque. Ao receber ele fiquei surpresa.
Enquanto em:
Eu vi ele saindo correndo do jardim.
Eu achei ela preocupada com a situação do país.
(TARALLO; DUARTE, 1988).

Nessas construções vi e achei o pronome lexical sofre mais


pressão por parte da sociedade e das escolas.
O terceiro princípio considera a inserção da variação linguística na matriz
social, pois a variação está ligada à estratificação social e à dicotomia rural-urbano.
-se dizer que o principal fator de variação linguística no Brasil é a secular má
distribuição de bens materiais e o consequente acesso restrito da população pobre aos
bens da cultura (BORTONI-RICARDO, 2005, p.131).
Segundo esse princípio, o professor assume um papel importante no que se
refere às diferenças linguísticas e culturais, uma vez que, se ele é sensível a esses fatores,
pode desenvolver estratégias interacionais em sala de aula e obter resultados positivos.
Diante disso, o aluno é considerado pelo professor e pelos próprios colegas como um
falante legítimo e começa a aprender alternar o seu dialeto vernáculo e a língua de
prestígio, principalmente quando se está fazendo um evento de letramento (OLI-
VEIRA, 1995).
No quarto princípio, os estilos monitorados da língua se fazem a partir da
realização de atividades de letramento em sala de aula, na qual, para a oralidade, pode-
se valer de estilos mais casuais, ou seja, faz-se a distinção entre a língua que usamos
para falar com outras pessoas que são mais próximas (alguém de quem gostamos e
confiamos) e outra que utilizamos ao ler, escrever e falar.

452
DIÁLOGO FREIRIANO

Um exemplo de atividade de monitoramento e letramento é dado por Frei-


tas (1996), no livro Nós cheguemu na escola, e agora? de Bortoni-Ricardo (2005), no
qual descreve uma entrevista realizada com uma menina de 11 anos residente em Bra-
sília, DF, sendo um estilo semimonitorado e com evento de letramento. É importante
salientar que os pais da menina têm antecedentes rurais e urbanos, e ela já se encontra
ajustada à cultura urbana, com a qual tem contato na escola. Assim, na entrevista à
medida que a menina vai folheando o caderno, faz também seus comentários.

A É a cadeia alimentar + né? O ciclo da vida puque cada uma vai comendo um
animal ou vegetal pra se alimentá.
A Isso aqui é a vida na água + fala assim + da fotossíntese + né como é que eles
respira + como é que as plantas fabrica seu próprio alimento+ fabricam (corrigindo)
o oxigênio para os peixes respirarem. Aqui a cadeia alimentar.
A (passando a folha do livro) Isso aqui nós vamu aprendê. Isso aqui também. Sim
+ esse aqui foi como a + o homem e a água + né? Como o homem + começou + né
+ a utilizá a água e como ele tá precisando + como ele precisa da água. Esse aqui é
água vezes progresso (continua passando as folhas). Agora esse + as plantas + o sol
+ né + que já é capítulo onze. Aqui é as camadas de um terreno + que o solo com a
argila + a areia + húmus + camada de argila. Esse aqui fala sobre o surgimento e a
evolução do solo. No capítulo treze tem o home que + que ele modifica o solo + que
ele coloca + assim + coisas + que ele modifica o solo. Que ele provoca erosões às
vezes. Os minerais e o homem + né + que fa + fala sobre rochas... (FREITAS, 1996
apud BORTONI-RICARDO, 2005, p. 49).

Nesse contexto, os pais da menina por serem falantes de uma variedade


uma vez que são oriundos de zona rural e após migrarem mantiveram seus
traços culturais originais, de certa forma influenciam o uso da língua pela filha. É im-
portante notar que a menina possui duas redes de relações, a rede familiar (pais, ir-
mãos e parentes próximos) e a rede de pares (formada pelos colegas da escola, todos
os membros de uma cultura urbana, provenientes de uma classe média e outros de
classe baixa). Assim, no decorrer da entrevista a menina apresentou recursos linguís-
ticos próprios dos estilos monitorados (quando faz a sua própria autocorreção), o que
mostra que a escola não deve ensinar o vernáculo, pois isso os alunos já possuem, a
função da escola é mostrar outras variedades que podem ser agregadas e consequen-
temente enriquecer esse vernáculo básico (BORTONI-RICARDO, 2005).
Em relação ao quinto princípio, ele propõe que a descrição da variação lin-
guística não pode ser dissociada da análise etnográfica e interpretativa do uso da vari-
ação em sala de aula, ou seja, o objetivo não é fazer a descrição per se da variação, mas
sim verificar o processo interacional e avaliar o significado que a variação assume. Os
significados podem ser vários, como por exemplo, o uso de estilos monitorados pode

453
DIÁLOGO FREIRIANO

representar prestígio para alguns e para outros não, o professor pode atribuir valor
negativo a uma variação e outros podem vê-la como uma característica cultural.
Por fim, o sexto princípio reforça o processo de conscientização crítica dos
professores e alunos no que se refere à variação e à desigualdade social que ela reflete.
Nesse contexto, é preciso oferecer ao professor formas que promovam o enriqueci-
mento do seu conhecimento e o torne apto a promover uma autorreflexão e uma re-
flexão crítica acerca das variedades linguísticas.
A Sociolinguística Educacional, portanto, visa a uma perspectiva reflexiva
sobre a realidade linguística de cada indivíduo e o compromisso com o meio social
considerando que existirá avaliação em relação à língua e linguagem, que determina-
das formas de usos linguísticos sofrerão preconceitos por parte da sociedade e de que
outras formas linguísticas serão policiadas, não pela sociedade em si, mas por aqueles
que acham que a língua está prescrita na gramática (DIAS, 2011).
Já na percepção de Bagno (2007), a língua está atrelada a discursos que se
contrapõem. Por um lado, o discurso científico, embasado nos estudos e teorias lin-
guísticas modernas, e por outro, o senso comum, que está ligado a concepções arcaicas
e carregadas de preconceitos, que propagam a noção de erro.
Essa noção de erro teve início no século III a.C, na cidade de Alexandria
(Egito), como uma forma de padronização e homogeneidade para se transformar em
um instrumento de poder, de unificação política. Nesse sentido, a Gramática Tradici-
onal também está atrelada a uma base de preconceitos sociais que revelam o tipo de
sociedade em que ela surgiu, ou seja, o modelo de língua característico de um grupo
restrito de falantes, sendo eles: livres (não-escravos), membros da elite cultural (letra-
dos), membros da aristocracia política e detentores da riqueza econômica (BAGNO,
2007).
Os defensores da Gramática Tradicional perceberam o processo de variação
e mudança linguística na língua, porém, não de forma positiva. Para eles, esse processo
era defeituoso, pobre, feio, sem regras, ilógico e que corrompia a língua, o falar
e (BAGNO, 2007). Essa concepção ainda é vista no contexto escolar, a nor-
matização ou padronização da língua, como um instrumento de poder e ascensão so-
cial que retira da língua a sua essência, ou seja, o seu processo dinâmico e de constante
mudança.
Por isso, a escola não pode considerar somente uma perspectiva de ensino
da língua portuguesa e tão pouco desconsiderar a língua como algo social. Assim, a
busca por uma pedagogia culturalmente sensível em sala de aula, poderia propagar o

454
DIÁLOGO FREIRIANO

respeito às diferenças sejam elas linguísticas ou de outra ordem, como também discu-
tir de forma crítica os valores sociais ou sociossimbólicos (como apontado por Bor-
toni-Ricardo, 2005), atribuídos a cada variante linguística. Seria um modo de consci-
entizar o aluno sobre o uso da sua própria língua materna e de como foi/é vista no
meio social.
A sala de aula é um acervo de fenômenos linguísticos e merece uma atenção
especial por parte do professor de língua portuguesa para o reconhecimento do perfil
sociolinguístico de seus alunos, levantando uma discussão e reflexão de novas formas
de construções e relações da língua na sociedade. Conscientizar o aluno de que a lín-
gua sempre estará sujeita a algum tipo de avaliação social (positiva ou negativa) será o
primeiro passo para desenvolver a competência linguística do aluno, pois terão o co-
nhecimento de que deverão adequar-se de acordo com o contexto de interação e co-
municação, além de desconstruir as concepções antigas de ensino de língua e a não
disseminação do preconceito.

4. A PEDAGOGIA CULTURALMENTE SENSÍVEL E A NOÇÃO DE


E NORMA-PADRÃO E NORMA CULTA NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Os livros Esferas das linguagens (ASSUMPÇÃO; CAMPOS, 2016), Língua
Portuguesa: linguagem e interação (FARACO; MOURA; MARUXO Jr, 2016) não fa-
zem menção à noção de e norma-padrão e norma culta. Já o livro
Novas Palavras (AMARAL et al., 2016) abordam a noção de e eo
conceito de norma-padrão e norma culta, considerando os aspectos da gramática nor-
mativa. Os autores exemplificam as seguintes construções para a compreensão do as-
sunto:

A gramática normativa considera a construção dois rolaram no


e a construção dois rolô no Mas...se essas duas de
exprimem a mesma ideia, se qualquer falante do idioma pode compreendê-
las perfeitamente, por que a gramática normativa só aceita como correta a primeira
construção? (AMARAL et al., 2016, p. 136).

A questão de definição sobre e na língua foi influenciada e,


de certa forma, determinada por aqueles falantes das classes sociais urbanas que tive-
ram um nível de escolaridade e, consequentemente, um maior prestígio social. Isto se
relaciona com o mito nº 6 certo é falar assim porque se escreve proposto
por Bagno (1999) no livro Preconceito Linguístico: o que é e como se faz? É claro que
não se deve desmerecer o ensino da gramática normativa, porém não se deve fazer

455
DIÁLOGO FREIRIANO

isso criando uma língua e reprovando como as pronúncias ou


construções sintáticas, por exemplo, que são resultados naturais da língua. Para Bagno
(2003) ocorre o seguinte:
Figura 01 - Por que há erros mais errados que outros?

Fonte: BAGNO (2003, p. 28)

A figura 01 possui como objetivo mostrar que quando o já se tornou


uma regra na língua falada por aqueles cidadãos mais letrados, ele passa despercebido,
mesmo que contrarie a regra da gramática normativa. Neste sentido, há erros mais
do que outros, considerando que quanto menos prestigiado socialmente o
indivíduo é, quanto mais baixo ele estiver da pirâmide social, mais erros os pertencen-
tes das classes privilegiadas encontrarão na língua dele, ou seja, pesos e duas me-
(BAGNO, 2003, p. 29).
Amaral et al. (2016) utilizam os termos língua culta formal e língua culta in-
formal em relação ao uso da norma-padrão. De acordo com o Dicionário de linguagem
e linguística de Robert Lawrence Trask (2004) a língua culta formal seria aquela que
pode ser empregada quase que exclusivamente na escrita, é mais ao longo do
tempo e se modifica menos que a língua culta informal, que se usa mais na fala.

As variedades formal e informal da língua culta, por serem típicas de falantes


urbanos de maior nível de escolaridade e de maior influência social, são denomina-
das também normas urbanas de prestígio (AMARAL et al., 2016, p. 137).

5
Neste sentido, o que os autores denominam como urbanas de
confundem-se com a definição de norma-padrão. Assim, apresentam-se al-
guns conceitos sobre tais definições ao longo do tempo.

5
Concordamos com a percepção de Marcos Bagno (2015) quando afirma que há uma profusão
terminológica que só pode causar uma confusão teórica e metodológica. Seguindo o raciocínio de
Amaral et al. (2016) o termo mais adequado para expressar o conceito pretendido seria variedades:

456
DIÁLOGO FREIRIANO

Quadro 1- Divergências entre definições de no decorrer do tempo


-se as regras da gramática normativa nas obras dos grandes
Rocha Lima (1985, p. 6) escritores, em cuja linguagem as classes ilustradas põem o seu ideal de perfei-

apresentar as características do português contemporâneo em


Cunha (1984) na Apre- sua modalidade culta, isto é, a língua como a tem utilizado os escritores bra-
sentação sileiros e portugueses do romantismo para cá, dando naturalmente uma situ-
ação privilegiada aos autores do século
Cegalla (1976) na In- livro pretende ser uma gramática normativa da língua portuguesa do
trodução Brasil, conforme a falam e escrevem as pessoas cultas da época
regras gramaticais são estabelecidas segundo o uso geral, a prática das
Said Ali (1964, p. 15)
pessoas cultas e a dos bons
incerteza e deficiência de nossa legislação gramatical, sentimos a necessi-
dade de nos pôr em contato mais íntimo com a língua viva de pessoas cultas,
e, cônscio de que a língua é um fato social cujas normas não se formulam a
Pereira (1948, p. 13)
priori , de gabinete, ao sabor dos gramáticos, esmeramo-nos em alargar a do-
cumentação clássica de modernos escritores de incontestável competência,
em abono das regras que
Fonte: SILVA (2013, p. 45).

Neste sentido, Rocha Lima (1985), Cunha (1984) e Cegalla (1976) entendem
como pessoas cultas somente os escritores, como Camões, Machado de Assis e José
de Alencar, enquanto Said Ali (1964) visualiza dois grupos: o das pessoas cultas e dos
bons escritores e Pereira (1948) defendia que as regras da língua devem ser depreen-
didas da língua, do uso, e não o contrário (SILVA, 2013).
Para Faraco (2002, p. 40):

A expressão norma culta deve ser entendida como designando a norma linguística
praticada, em determinadas situações (aquelas que envolvem um certo grau de for-
malidade), por aqueles grupos sociais mais diretamente relacionados com a cultura
escrita, em especial com aquela legitimada historicamente pelos grupos que contro-
lam o poder social.

Assim, língua culta formal e informal é interpretada como norma-padrão, o


que contraria os PCNs (1998), os quais não recomendam que o modelo de correção
estabelecido pela gramática tradicional seja o nível-padrão de língua ou que corres-
ponda à variedade linguística de prestígio.
No Livro Didático Português contemporâneo: diálogo, reflexão e uso, Cereja,
Dias Vianna e Damien (2016) apresentam o subtítulo variedade é melhor que
para problematizar as noções de e fazendo uma relação com
as variedades linguísticas:

Podemos dizer que o português são muitos e que todas as suas variedades servem às
finalidades para as quais existem. Determinar a norma-padrão de uma língua não
significa definir uma variedade como a mais correta, mais completa, mais bonita ou

457
DIÁLOGO FREIRIANO

mais dotada de certa qualidade específica. Trata-se, na verdade, de adotar uma con-
venção a fim de instituir e fixar um modo mais estável de ser produzirem textos que
possam perdurar por um período mais longo. O estabelecimento dessa convenção,
sem dúvida, envolve relações de prestígio, poder, classe social. Em outras palavras,
toda variedade linguística poderia, em princípio ser definida como a norma-padrão,
o que teria como consequência a produção de materiais e gramáticas para descrevê-
la e legitimá-la (CEREJA; DIAS VIANNA; DAMIEN, 2016, p. 51).

De acordo com a citação, os autores afirmam que é necessário determinar


uma norma-padrão para instituir um modo estável para a produção de textos, mas
que não significa defini-la como a pois cada variedade linguística existe para
finalidades específicas.
Nesta perspectiva, norma-padrão não é uma variedade da língua, mas tem
a função principal de minimizar as mudanças que ocorrem muito rapidamente na
fala, a fim de que os textos escritos não fiquem logo (CEREJA; DIAS
VIANNA; DAMIEN, 2016, p. 53). Essa concepção de norma-padrão repassa a noção
de unificação, pois fixa normas para se obter um padrão de escrita, o que por um lado
é importante, mas por outro se torna artificial e conservadora, o que pode gerar a in-
terpretação de que não saber a norma-padrão é não saber a língua. (SILVA, 2013).
Já no Livro Didático Se liga na língua: literatura, produção de texto, lingua-
gem Ormundo e Siniscalchi abordam que há uma única língua correta, e, mesmo
antes de iniciarem os estudos formais da língua na escola, o falante já a utiliza com
eficiência, interagindo com os outros falantes, compreendendo e sendo compreen-
(2016, p. 248). Entende-se, com isso, que os autores consideram os conheci-
mentos linguísticos que os alunos já detêm antes de entrar em uma sala de aula e que
cabe à escola o papel de ampliar o repertório linguístico dos estudantes, para que con-
sigam dar continuidade a sua vida escolar ou profissional.
Essa concepção difere da encontrada em Amaral et al. (2016) quando refe-
rida às variedades linguísticas empregadas pelas pessoas que têm maior escolaridade,
denominadas de variedades urbanas de prestígio, pois expressão variedades urba-
nas de prestígio tem sido preferida à expressão norma culta, que sugere um uso uni-
forme da língua, embora ambas apareceram como sinônimas em alguns
(ORMUNDO; SINISCALCHI, 2016, p. 248).
Diante da pluralidade terminológica, Bagno (2015) apresenta resumida-
mente essas denominações conflitantes nos livros didáticos.

458
DIÁLOGO FREIRIANO

Quadro 2- Quem vai ficar com a faixa?


¿ Norma Culta? ¿ Norma Culta?
Prescritiva (normativa) Descritiva (normal)
prescrita nas gramáticas normativas, Atividade linguística dos com es-
inspiradas na literatura colaridade superior completa e vivência urbana
Preconceito (baseia-se em mitos sem funda-
Conceito (termo técnico usado em investigações
mentação na realidade da língua viva, inspira-
empíricas sobre a língua, co-relacionadas com fato-
dos em modelos arcaicos de organização so-
res sociais)
cial)
Doutrinária (compõe-se de enunciados cate- Científica (baseia-se em hipóteses e teorias que de-
góricos, dogmáticos, que não admitem contes- vem ser testadas para, em seguida, ser validadas ou
tação) invalidadas)
Pretensamente homogênea Essencialmente heterogênea
Elitista Socialmente variável
Presa à escrita literária, separa rigidamente a
Se manifesta tanto na fala quanto na escrita
fala da escrita
Venerada como uma verdade eterna e imutá-
Sujeita a transformações ao longo do tempo
vel (cultuada)
Fonte: Bagno (2003, p. 54).

Essa relação é complexa e muitos estudiosos da língua se deixam levar por


esta ambiguidade, como ocorrido em Amaral et al. (2016), deixando o aluno na dú-
vida sobre qual fenômeno está sendo tratado. Com um novo olhar sobre o quadro de
Bagno (2003) percebe-se a crítica do linguista à maneira indiscriminada que os auto-
res dos livros didáticos utilizam o termo norma culta como sinônimo de norma-pa-
drão.

A padronização, que deveria ser benefício, acabou transformando-se em uma mo-


léstia, pois ainda traz uma forte tendência discriminatória e intensifica ainda mais a
exclusão social, já tão séria no Brasil. Por causa desses gramatiqueiros e dos que não
o são, mas se põem a dar conselhos e sugestões em defesa da língua portuguesa, é
que existem os preconceitos linguísticos, tão fortes e arraigados que fazem que o
brasileiro sinta-se um estrangeiro em sua própria língua[...]. (SILVA, 2013, p. 54).

Para Ormundo; Siniscalchi (2016), a norma-padrão é um modelo que ofe-


rece uma visão homogênea da língua, porque não considera as variações linguísticas,
sendo, portanto, um ideal linguístico, pois mesmo os falantes das variedades urbanas
de prestígio, abandonam ou modificam as regras que não lhe parecem adequadas às
suas necessidades no processo de interação e comunicação.
No Livro Didático Ser protagonista: Língua Portuguesa (BARRETO; BÁR-
BARA; BERGAMIN, 2016) encontram-se os conceitos de norma-padrão e norma
culta enfatizando que não há uma forma de falar que seja melhor ou pior do que outra,
pois qualquer falante é usuário competente de sua língua materna. Para a norma-pa-
drão os autores destacam que

459
DIÁLOGO FREIRIANO

Historicamente, os escritores literários clássicos foram tomados como referencial de


uso da língua. Na tradição de ensino, os manuais de gramática procuraram descre-
ver esse modelo (vamos chamá-lo de norma-padrão) e elevá-lo à categoria de
tuguês (BARRETO; BÁRBARA; BERGAMIN, 2016, p. 159).

E no que se refere à norma culta, os autores destacam os usos linguísticos dos


falantes considerados porém também estes não apresentam uma uniformi-
dade, sendo mais adequado, então, chamá-la de variedades urbanas de prestígio, pois
as variedades urbanas de prestígio aquelas que dão acesso à boa parte das opor-
tunidades profissionais e de participação na vida pública, é fundamental conhecê-las
e apropriar-se (Idem, Ibidem).
Em Veredas da palavra, Hernandes e Martin (2016) apresentam os termos
norma-padrão e normas urbanas de prestígio. A norma-padrão, segundo as autoras
do livro, é uma construção social e histórica, marcada pelas relações de poder, que não
representa um uso real da língua e que não admite a variação. Enquanto a norma ur-
bana de prestígio é aquela usada por falantes urbanos, mais escolarizados e de maior
nível econômico. Para uma melhor compreensão dos conceitos as autores apresentam
um quadro comparativo.
Quadro 3 - Diferenças entre os conceitos de norma urbana de prestígio e norma-padrão
COLUNA 1 COLUNA 2 COLUNA 3
Variedades menos prestigiadas Variedades mais prestigiadas Norma-padrão
Eu falo eu falo eu falo
você [tu] você tu falas
Ele ele fala ele fala
a gente a gente nós falamos
fala
Nós nós falamos vós falais
(vo)cês vocês eles falam
falam
Eles eles
Fonte: HERNANDES; MARTIN (2016, p. 261).

De acordo com o quadro, as diferenças relacionam-se com a flexão dos ver-


bos, na qual existe um número maior de formas verbais para a norma-padrão, redu-
zindo-se a quatro na segunda coluna e a duas na primeira, relativa às variedades me-
nos prestigiadas. Há também diferenças entre os pronomes pessoais, sendo que na
terceira coluna tem-se a descrição tradicional do quadro pronominal do português,
no caso de por exemplo, que aparece como a segunda pessoa do plural, na pri-
meira e na segunda coluna ele não aparece mais, porém incluem-se os pronomes
para a 2ª pessoa do singular, no lugar de (pouco falado atualmente);
para a 2ª pessoa do plural, no lugar de e como pronome de 1ª
pessoa do plural.

460
DIÁLOGO FREIRIANO

As autoras destacam a transformação inerente à dinâmica das línguas, utili-


zando como ilustração e estímulo à reflexão uma fotografia de exposição no Museu
da Língua Portuguesa, de 2010, sugestivamente intitulada onde se lê: erro
de hoje pode ser o acerto de (HERNANDES; MARTIN, 2016, p. 262). As-
sim, percebe-se a preocupação em relativizar o de aludindo muito
mais ao fenômeno linguístico, à língua em seus diferentes usos sociais, oportunizando
ao professor e ao aluno um importante momento de reflexão a respeito da sua forma
de falar. Tal abordagem, pode, inclusive, despertar no aluno o interesse pelo domínio
da língua padrão, uma vez que favorece a conscientização a respeito, como apontam
as autoras, do de segregação e de preconceito (p. 261) da língua, ou
ainda, da transformação desse fator limitador em fator de inclusão social. Outro texto
apresentado pelo livro é a figura abaixo:
Figura 02 - O certo do errado e o errado do certo

Fonte: HERNANDES; MARTIN (2016, p. 263).

Segundo a norma-padrão o correto seria -me mas com um


novo olhar sobre essa questão de ou há uma dupla face do erro, pois
para o linguista profissional, o erro não existe, uma vez que toda manifestação linguís-
tica segue regras facilmente demonstráveis, enquanto para os demais pesquisadores
que não adotam tal concepção, o erro existe e é preciso combatê-lo, visto que ensinar
a língua a quem fala é um modo de garantir a inserção do indivíduo
em uma cultura letrada (BAGNO, 2012).
No Livro Didático Veredas da palavra (2016), as autoras apresentam, por-
tanto, diversas variedades linguísticas e destacam que as variedades urbanas de pres-
tígio são as mais valorizadas socialmente. Desse modo, por tal motivo, a abordagem
proposta no livro enfatiza que é importante para os alunos a aquisição, no contexto
escolar, de outras variedades linguísticas, sobretudo as de maior prestígio social por-
que em algum momento de sua vida estarão em uma situação que exigirá tal domínio.

461
DIÁLOGO FREIRIANO

Neste sentido, ressalta-se mais uma vez que essa variedade de prestígio não
deve ser vista como um fator de exclusão ou discriminação, mas como uma forma de
inclusão social, de reflexão e uso da língua de forma crítica e adequada por seus usuá-
rios.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A noção de e norma-padrão e norma culta, aspectos esses
que são apresentados de forma errônea para sociedade, torna-se um fator colabora-
tivo para o processo de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa quando apre-
sentadas nos Livros Didáticos, pois nos levam a pensar e a considerar que nós já somos
falantes competentes da nossa língua materna e que por isso não há erro, há apenas o
uso adequado ou não da língua e quando se trata de norma-padrão não há um falante,
por mais escolarizado que seja, que siga suas regras e a utilize veementemente.
Segundo os princípios e critérios de avaliação do PNLD (2018, p. 12) é ne-
cessário considerar a existência de uma no livro didático, da temática
das relações étnico-raciais, do preconceito, da discriminação racial e da violência cor-
relata, visando à construção de uma sociedade antirracista, solidária, justa e igualitá-
E uma coisa não se pode deixar de lado: há o preconceito linguístico e o processo
de exclusão social, mas, se essas noções não forem discutidas em sala de aula, o conhe-
cimento linguístico que o aluno já possui continuará a ser desconsiderado no processo
de ensino da Língua Portuguesa. Ademais, a língua continuará atuando como fator
de exclusão, uma vez que a norma-padrão é concebida como a única aceitável, esta-
belecendo as noções, já mencionadas, de e
Assim como Bortoni-Ricardo (2005) e Bagno (2007) propõem a busca por
uma pedagogia culturalmente sensível, nós também como professores e futuros pro-
fessos de Língua Portuguesa deveríamos debater e refletir mais sobre as noções de
e norma-padrão e norma culta em sala de aula, pois a sociedade já é
cheia de preconceitos, principalmente na atualidade, por isso é hora de começar a
compreender que a intolerância, o fanatismo, o desrespeito pelo outro não leva a lugar
algum, a não ser gerar cada vez mais violência e preconceito.
Sabe-se que não se pode mudar o mundo de uma hora para a outra, mas é
importante começar a dar nossa contribuição como pesquisadores e professores na
nossa própria realidade, tornando mais claro em sala de aula e fora dela as origens e
formas de combater os mitos e visões contorcidas da língua. E se quisermos aprender
realmente a usar a nossa própria língua é preciso considerara concepção de Freire
(1989, p.7) que diz leitura da palavra é sempre precedida da leitura do ou

462
DIÁLOGO FREIRIANO

seja, na área da linguística, o estudo da sintaxe, morfologia, semântica, fonética, fono-


logia, estilística, por exemplo, não devem ser reduzidos a uma aprendizagem mecâ-
nica, mas que os alunos sintam-se curiosos para descobrir, a partir da sua realidade,
como a língua é dinâmica e viva, só assim poderemos aprendê-la, fixá-la e usá-la de
acordo com o meio em que estivermos inseridos.

463
DIÁLOGO FREIRIANO

REFERÊNCIAS
AMARAL, Emília [et al]. Novas Palavras. São Paulo: FTD, 2016.
BRASIL. MEC. SEMTEC. Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
(PCEM). Brasília, MEC/SEMTEC, 2000.
BAGNO, Marcos. Entrevista: Preconceito linguístico. Entrevista concedida a Carla
Viana Coscarelli, Delaine Cafiero e Juliana Ângelo Gonçalves. Presença Pedagógica.
v.14. n.79. 2008.
_______. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São
Paulo: Parábola Editorial, 2007.
BARRETO, Ricardo Gonçalves; BÁRBARA, Marianka Gonçalves; BERGAMIN, Ce-
cília. Ser Protagonista: língua portuguesa. São Paulo: Edições SM, 2016.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora? São Paulo:
Parábola Editorial, 2005.
CAMPOS, Maria Inês Batista; ASSUMPÇÃO, Nívia. Esferas das linguagens. São
Paulo: FTD, 2016.
CEREJA, William; DIAS VIANNA, Carolina; DAMIEN, Christiane. Português con-
temporâneo: diálogo, reflexão e uso. São Paulo: Saraiva, 2016.
DIAS, Paula Maria Cobucci Ribeiro. Contribuições da sociolinguística educacional
para materiais de formação continuada de professores de Língua Portuguesa. Tese
de doutorado em Linguística. Universidade de Brasília, Brasília, 2011.
FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto; MARUXO JÚNIOR, José Ha-
milton. Língua portuguesa: linguagem e interação. São Paulo: Ática, 2016.
HERNANDES, Roberta; MARTIN, Vima Lia. Veredas da Palavra. São Paulo: Ática,
2016.
ORMUNDO, Wilton; SINISCALCHI, Cristiane. Se liga na língua: literatura, produ-
ção de texto, linguagem. São Paulo: Moderna, 2016.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. São Paulo: Cor-
tez, 2002.
TARALLO; Fernando; DUARTE, Maria Eduarda. Processos de mudança linguística
em processo:a saliência vs. Não saliência de variantes. Ilhas do Desterro. vol. 20. 1988.
P. 44-58.

464
ÍNDICE REMISSIVO

alunos, 28, 29, 46, 53, 66, 67, 68, 80, 81, 321, 335, 347, 368, 369, 374, 375,
85, 87, 93, 94, 97, 98, 99, 102, 103, 381, 382, 383, 384, 385, 386, 387,
106, 107, 108, 109, 111, 113, 114, 388, 389, 425, 427, 428, 430, 434,
115, 116, 117, 118, 119, 120, 121, 435, 438, 445, 451, 462, 463
126, 127, 128, 129, 133, 163, 169, Autismo, 267, 281, 289
170, 171, 175, 177, 185, 194, 197, Autonomia, 25, 26, 29, 32, 70, 74, 90,
199, 211, 221, 224, 233, 240, 271, 133, 165, 182, 186, 189, 242, 349,
272, 275, 280, 281, 282, 283, 284, 401
285, 286, 287, 288, 293, 294, 295, avaliação, 98, 133, 167, 168, 169, 170,
296, 298, 299, 300, 301, 303, 304, 171, 172, 174, 175, 176, 177, 178,
306, 307, 323, 328, 330, 342, 344, 179, 241, 382, 383, 433, 454, 455,
345, 346, 347, 348, 355, 359, 362, 462
368, 369, 374, 375, 376, 382, 383, cidadania, 66, 67, 91, 92, 93, 94, 101,
385, 386, 387, 388, 389, 396, 427, 167, 184, 200, 220, 223, 225, 227,
428, 432, 433, 434, 435, 438, 439, 295, 298, 343, 345, 351, 353, 355,
440, 442, 443, 444, 445, 446, 450, 360, 371, 375, 386, 427
451, 453, 454, 455, 458, 461, 463 Cidadania, 178, 351, 356, 360, 392
ambiente escolar, 169, 183, 304, 305, classes multisseriadas, 367, 368, 369,
349, 354, 427, 432, 438 373, 374, 375, 376, 378, 381, 383,
aprender, 17, 19, 21, 23, 43, 48, 51, 93, 384, 385, 386, 388, 389, 390
107, 108, 117, 130, 153, 182, 183, conflitos, 21, 83, 114, 254, 262, 305
188, 190, 198, 213, 221, 224, 225, conhecimento, 76
231, 232, 234, 242, 290, 293, 294, consciência, 42, 46, 53, 68, 80, 86, 119,
311, 313, 318, 395, 402, 427, 439, 120, 121, 127, 128, 134, 143, 147,
452, 462 148, 173, 184, 186, 197, 198, 199,
aprendizagem, 26, 27, 28, 30, 33, 66, 213, 217, 220, 222, 223, 226, 239,
76, 79, 89, 91, 93, 94, 98, 100, 108, 261, 278, 290, 315, 339, 341, 342,
110, 114, 117, 118, 121, 123, 133, 343, 344, 373, 427, 429, 430, 434,
134, 153, 163, 167, 169, 171, 179, 440, 446
182, 183, 186, 187, 188, 189, 198, cuidar, 41, 46, 47, 100, 108, 109, 139,
217, 220, 221, 224, 225, 232, 237, 142, 176, 182, 186, 187, 344, 347,
241, 269, 276, 278, 279, 280, 282, 383
283, 287, 288, 297, 309, 310, 311,
312, 313, 314, 315, 317, 318, 319,
DIÁLOGO FREIRIANO

democracia, 51, 67, 92, 127, 129, 130, Educação Inclusiva, 30, 267, 269, 271,
149, 199, 239, 245, 246, 264, 352, 272, 288
358, 419 Educação Infantil, 53, 181, 182, 186,
direitos humanos, 93, 217, 218, 219, 188, 189, 191, 281, 309, 310, 311,
223, 225, 226, 227, 230, 355, 356, 312, 313, 314, 315, 316, 317, 318,
360, 363 319, 320, 339, 343, 350, 367, 381,
educação, 9, 10, 14, 17, 20, 21, 22, 23, 425
28, 32, 33, 34, 35, 37, 39, 41, 43, 44, educadora, 76
46, 47, 49, 51, 53, 68, 78, 79, 80, 85, emancipação, 92, 100, 207, 213, 214,
89, 90, 91, 92, 93, 94, 97, 98, 99, 100, 223, 227, 240, 354, 374, 401
101, 106, 108, 109, 110, 114, 115, emoções, 127, 185, 238, 283, 312, 428
116, 117, 123, 125, 126, 130, 131, ensino, 13, 19, 21, 27, 28, 30, 33, 35,
133, 134, 135, 137, 139, 141, 146, 53, 57, 58, 79, 80, 81, 82, 87, 89, 90,
149, 152, 163, 167, 168, 171, 172, 91, 93, 94, 97, 110, 163, 167, 171,
173, 174, 175, 176, 177, 179, 181, 174, 176, 179, 184, 193, 194, 198,
182, 184, 186, 188, 189, 193, 195, 200, 206, 213, 217, 221, 222, 224,
196, 197, 198, 199, 200, 203, 204, 225, 231, 232, 268, 271, 272, 276,
205, 206, 207, 208, 210, 211, 212, 280, 281, 282, 283, 287, 289, 290,
213, 214, 215, 217, 218, 220, 221, 291, 295, 296, 297, 298, 300, 303,
222, 223, 224, 225, 226, 227, 229, 307, 308, 312, 316, 318, 319, 321,
231, 232, 234, 235, 236, 238, 239, 335, 337, 344, 345, 346, 347, 348,
241, 242, 243, 267, 269, 270, 271, 351, 352, 353, 354, 355, 362, 365,
272, 275, 276, 279, 280, 281, 288, 367, 369, 370, 372, 375, 376, 381,
289, 290, 291, 295, 297, 298, 304, 382, 383, 384, 385, 386, 387, 388,
308, 309, 310, 312, 314, 316, 317, 397, 400, 403, 409, 425, 427, 428,
318, 320, 340, 341, 342, 343, 344, 435, 438, 442, 449, 451, 454, 455,
345, 346, 347, 348, 349, 350, 352, 460, 462
353, 355, 362, 363, 364, 367, 368, Ensino de Geografia, 267, 268, 272,
369, 370, 371, 372, 373, 374, 375, 275, 276, 281, 287, 289
376, 377, 378, 381, 382, 383, 384, Ensino Fundamental, 49, 53, 97, 98,
386, 389, 390, 391, 392, 393, 394, 171, 276, 280, 281, 285, 301, 307,
395, 396, 397, 398, 399, 400, 401, 343, 384, 386, 387
402, 403, 409, 430, 432, 433, 434, ensino-aprendizagem, 21, 79, 80, 184,
436, 437, 439 221, 231, 272, 287, 297, 298, 348,
EDUCAÇÃO AMBIENTAL, 339, 375, 386, 428
340 envolvimento, 82, 97, 99, 109, 176,
educação decolonial, 173, 174, 175 433, 443
Educação do campo, 215, 216, 369, escola, 9, 19, 26, 27, 28, 33, 46, 47, 48,
386 51, 52, 53, 55, 58, 65, 66, 67, 68, 79,
Educação do Campo, 368, 369, 372, 86, 90, 91, 92, 93, 94, 97, 98, 103,
375, 378, 379, 385, 386, 388, 391 104, 106, 110, 113, 114, 115, 116,

466
DIÁLOGO FREIRIANO

117, 118, 120, 121, 125, 129, 131, fábula, 314, 321, 322, 323, 324, 325,
134, 137, 140, 141, 167, 168, 169, 326, 327, 328, 329, 330, 332, 333,
171, 176, 178, 179, 182, 183, 186, 334, 335, 336, 337
187, 189, 196, 197, 198, 203, 207, Faculdade, 53, 59, 79, 89, 91, 142, 178,
208, 209, 210, 211, 212, 213, 214, 179, 307, 309, 405, 425, 437
215, 223, 229, 232, 233, 234, 235, gênero textual, 321, 322, 324, 325,
240, 241, 267, 271, 278, 280, 281, 326, 328, 329, 332, 334, 335, 336
284, 286, 288, 290, 293, 297, 299, golpe militar, 41, 245, 246, 252, 258,
300, 301, 302, 304, 305, 306, 307, 260, 371, 372, 406
308, 311, 312, 314, 315, 316, 318, hábitos, 26, 238, 278, 293, 313, 314,
319, 337, 339, 340, 344, 345, 346, 344, 437
347, 348, 349, 350, 352, 354, 355, infância, 13, 47, 181, 186, 188, 278,
363, 365, 367, 368, 369, 370, 373, 313, 314, 317, 429, 430, 436
375, 376, 381, 382, 383, 384, 385, interações, 116, 134, 182, 185, 227
386, 388, 389, 391, 395, 396, 398, Juventude, 351
399, 402, 426, 427, 428, 429, 430, leitura, 9, 10, 19, 20, 39, 41, 43, 47, 48,
432, 433, 434, 435, 436, 437, 438, 52, 55, 62, 74, 80, 89, 91, 93, 106,
439, 440, 442, 443, 444, 447, 449, 108, 109, 142, 148, 182, 184, 189,
450, 451, 452, 453, 454, 458, 464 190, 191, 195, 213, 215, 220, 222,
ESCOLA, 25, 198, 267, 437, 439 231, 239, 242, 274, 275, 285, 309,
Escola Sem Partido, 196, 201 310, 311, 312, 313, 314, 315, 316,
escolas brasileiras, 16, 168, 173, 386 317, 318, 319, 320, 322, 323, 329,
Estado, 13, 46, 79, 82, 87, 97, 98, 99, 330, 337, 342, 352, 394, 401, 425,
125, 127, 167, 170, 178, 181, 186, 428, 435, 462
196, 218, 225, 229, 246, 247, 250, linguagem, 18, 40, 108, 113, 121, 191,
251, 254, 255, 256, 257, 260, 267, 232, 268, 272, 273, 274, 275, 276,
270, 279, 294, 295, 298, 303, 307, 279, 283, 284, 316, 321, 322, 333,
351, 354, 365, 370, 372, 373, 378, 335, 336, 388, 395, 433, 450, 454,
393, 397, 398, 399, 400, 401, 402, 455, 456, 457, 458, 464
407, 408, 409, 412, 413 livro didático, 321, 323, 325, 326, 328,
etnografia, 159, 160, 161, 162 335, 462
exercício crítico, 66 Mapas mentais, 282
experiência, 23, 29, 34, 39, 42, 55, 56, memória, 48, 79, 80, 82, 90, 95, 109,
57, 58, 59, 60, 61, 63, 65, 68, 70, 75, 135, 143, 151, 268, 307, 310, 316,
89, 92, 93, 94, 97, 98, 108, 109, 135, 428
136, 138, 144, 146, 147, 148, 152, método de alfabetização, 41, 42, 90,
153, 154, 161, 163, 167, 182, 188, 159, 163, 164
189, 204, 209, 210, 211, 224, 227, metodologia, 26, 59, 109, 138, 139,
232, 268, 277, 290, 291, 354, 365, 140, 141, 143, 167, 198, 212, 213,
368, 388, 394, 400, 410, 432, 443, 214, 218, 282, 425, 433, 434, 436,
444 447

467
DIÁLOGO FREIRIANO

MST, 203, 204, 208, 209, 210, 211, 173, 191, 197, 203, 204, 205, 214,
212, 213, 214, 215, 349, 372, 378, 229, 242, 243, 320, 354, 378, 403
391 pedagogia sensível, 451
multisseriação, 374, 385, 386, 387, 388 políticas públicas, 171, 176, 177, 217,
neoliberalismo, 17, 399, 407, 421 227, 270, 288, 370, 372, 373, 391,
organização escolar, 234, 367, 382, 442
388 prática educativa, 41, 42, 44, 70, 74,
organização social, 15, 17, 160, 169, 94, 127, 155, 156, 165, 177, 185,
234, 372, 459 191, 206, 217, 218, 220, 222, 225,
palavras geradoras, 92, 159, 164, 220 226, 227, 229, 238, 242, 345, 425,
Paulo Freire, 9, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 447
25, 27, 29, 30, 31, 33, 34, 39, 43, 44, prática pedagógica, 81, 91, 172, 217,
46, 49, 52, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 62, 222, 224, 225, 226, 227, 294, 367,
63, 65, 66, 68, 70, 73, 74, 78, 79, 80, 373, 374, 376, 377, 390, 430
83, 85, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 106, práticas, 9, 21, 22, 30, 32, 40, 59, 66, 67,
108, 109, 111, 125, 126, 131, 133, 78, 79, 80, 90, 93, 94, 99, 114, 118,
135, 136, 138, 139, 143, 144, 148, 123, 125, 126, 161, 167, 168, 170,
149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 172, 174, 178, 181, 182, 184, 185,
156, 163, 172, 173, 176, 179, 181, 186, 187, 188, 189, 190, 196, 204,
182, 184, 185, 187, 189, 190, 195, 208, 209, 212, 213, 214, 217, 218,
196, 197, 199, 200, 203, 204, 206, 222, 223, 227, 231, 238, 242, 272,
207, 208, 209, 210, 212, 213, 214, 273, 277, 281, 287, 288, 290, 294,
216, 217, 218, 220, 222, 224, 226, 296, 302, 312, 315, 328, 329, 330,
234, 236, 242, 243, 312, 342, 345, 335, 336, 343, 345, 347, 348, 349,
349, 352, 354, 393, 394, 395, 398, 369, 373, 394, 395, 403, 433, 437,
400, 401, 402, 403, 404, 447 438, 441, 443, 446
Pedagogia, 25, 26, 29, 30, 31, 32, 39, processo de alfabetização, 80, 90, 164,
40, 41, 42, 43, 44, 49, 56, 59, 62, 63, 220, 222
65, 69, 70, 73, 74, 75, 87, 89, 90, 93, processo de aprendizagem, 43, 115,
111, 125, 126, 127, 128, 129, 130, 129, 133, 172, 183, 198, 238, 287,
133, 145, 155, 156, 165, 173, 181, 314, 317, 318, 319, 427, 433
182, 186, 189, 191, 195, 197, 200, professor, 17, 21, 27, 28, 53, 55, 79, 80,
201, 202, 203, 204, 205, 208, 209, 81, 82, 85, 89, 90, 91, 92, 93, 98, 102,
210, 214, 215, 221, 222, 224, 225, 108, 109, 117, 118, 119, 121, 133,
229, 242, 243, 309, 320, 321, 339, 134, 141, 153, 168, 170, 171, 172,
343, 349, 350, 354, 365, 367, 378, 174, 175, 176, 181, 183, 185, 189,
381, 391, 396, 403, 404, 425, 447 196, 198, 201, 211, 221, 223, 224,
Pedagogia da autonomia, 39, 44, 155, 233, 235, 241, 267, 272, 276, 291,
156, 191, 229, 349, 447 295, 296, 310, 311, 312, 313, 314,
Pedagogia do Oprimido, 25, 26, 32, 316, 317, 318, 319, 328, 329, 336,
39, 62, 63, 74, 87, 111, 126, 129, 165, 358, 360, 364, 368, 373, 374, 375,

468
DIÁLOGO FREIRIANO

382, 383, 384, 385, 386, 388, 389, 221, 222, 223, 224, 227, 231, 233,
390, 400, 428, 432, 433, 437, 438, 234, 236, 241, 275, 288, 298, 304,
450, 451, 452, 454, 455, 461 311, 316, 317, 332, 343, 394, 429,
sequência didática, 34, 438, 439, 442 445
sujeito, 14, 29, 41, 100, 101, 131, 143, valores sociais, 15, 347, 455
164, 186, 189, 205, 208, 217, 218,

469
DIÁLOGO FREIRIANO

470

Você também pode gostar