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30 ANOS DE LITERATURA
PARA CRIANÇAS E JOVENS
ALGUMAS LEITURAS
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
(CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL)
APRESENTAÇÃO
Elizabeth D’Angelo Serra 7
1. DE LOBATO À DÉCADA DE 1970
Laura Sandroni 11
2. BALANÇO DOS ANOS 60/70
Maria Antonieta Antunes Cunha 27
3 A LITERATURA INFANTIL NOS ANOS 80
Maria da Glória Bordini 33
4. A LITERATURA INFANTIL DOS ANOS 80
Ana Lúcia Brandão 47
5. A LITERATURA PARA CRIANÇAS
E JOVENS NOS ANOS 90
Nilma Gonçalves Lacerda 59
6. CEM ANOS DE POESIA NAS
ESCOLAS BRASILEIRAS
Graça Paulino 75
7. UM PANORAMA DA LITERATURA PARA
CRIANÇAS E JOVENS
Elizabeth D’Angelo Serra 89
8. TEXTO E IMAGEM: DIÁLOGOS E LINGUAGENS
DENTRO DO LIVRO
RicardoAzevedo 105
7
APRESENTAÇÃO
Laura Sandroni
Estou a examinar os contos de Orimm dados pelo Garnier. Pobres crianças brasileiras!
Que traduções galegais! Temos que refazer Ludo isso — abrasileirar a línguagem.
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contra o obscurantismo autoritário do poder. Mas, por outro lado, poderíamos definir
essa ideologia como a de uma pessoa que na prática acreditava no desenvolvimento
econômico capitalista para a resolução dos problemas brasileiros e na ação da iniciativa
privada — de preferência a de indivíduos bem intencionados, modernos e arejados,
iluminados pelo conhecimento científico; que tinha profundo horror à estatização,
associada por ele à ineticiente e corrupta máquina burocrática brasileira, que estaria
irremediavelmente ligada à velha ordem de coisas e que queria libertar o país; presa, de
um modo geral, aos termos liberais (liberdade, democracia etc.).
As características do literário
e a brasilidade na obra de Lobato
Além desses aspectos com que Lobato procurava despir seu estilo de toda
“a literatura” no sentido da retórica tradicional, a criatividadc que
demonstra é marcada pelo humore aponta no sentido da modernização que
preconiza.
Ele foi o primeiro a fazer do folclore tema sempre presente em suas
histórias através das personagens do Sítio, como Tia Nastácia e Tio
Barnabé. A primeira, ponte de ligação entre o mundo racional repi-
esentado por Dona Benta, c as superstições e as crendices próprias das
populações analfabetas; o segundo, conhecedor dos mistéiios, dos mitos
que habitam o folclore.
Em alguns livros como O saci e Histórias de Tia Nastácia, o folclore é a
temática central. Não se trata mais aqui de um pesquisador que registra a
tradição oral como fizeram Alexina de Magalhães Pinto e os demais já
citados, mas de buscar nessa fonte inesgotável da literatura, que é o
folclore, os elementos necessários a uma criação original.
Outra das grandes inovações de Lobato é a de trazer para o universo da
criança os grandes problemas, até então, considerados como parte exclusiva
do mundo adulto. Assim, discutem-se no Sítio as terríveis conseqüências
das guerras em A chave do tamanho, os problemas do desenvolvimento
brasileiro em O poço do Visconde, o conhecimento intuitivo ti-ente ao
predomínio da lógica e da razão em O saci.
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O primeiro ponto que gostaria de enfatizar é que quase todas as trilhas mais
interessantes da literatura infantil brasileira foram ensaiadas na segunda
metade dos anos 60 e dos anos 70. Muitos dos melhores nomes de nossa
literatura infantil de 1997 estavam lançando-se àquela época, prenunciando
trajetórias vitoriosas.
Se na poesia contávamos com obras primorosas de Cecília, Sidônio,
Quintana e Vinícius, também a prosa poética nos oferecia Bartolomeu
Campos Queirós e Luiz Raul Machado, com seu nem sempre louvado
quanto mereceria João teimoso, sem falar numa obra especialíssima de
Jorge Amado, com as melhores qualidades da produção do escritor para
adultos, e que cabe magnificamente nesse caso: O gato malhado e a
andorinha Sinhá, uma história de amor.
No caso do teatro, além da prodigiosa obra de Maria Clara Machado, vale
sublinhar a importância de Lúcia Benedetti, cujas peças há muito —
infelizmente — não são reeditadas. Sua obra, clássica como a da autora de
Pluft, o fantasminha, também entende o teatro como uma forma de
participação afetiva, pessoal e “interna” da criança nos acontecimentos do
drama, sem a preocupação com a
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livro didático), acaba deixando de certa fonna implícita a idéia de que toda
obra que chega às crianças corno literatura tem o mesmo valor literário.
Talvez o maior problema não seja a sua indicação (normalmente,
obrigatória) para leitura. Os maiores problemas talvez sejam sua leitura
acrítica, como boa literatura, e a tendência dos educadores (pais e
professores, por exemplo) a priorizarem de maneira quase exclusiva esse
típo de obra, não possibilitando pela experiência diversificada o
cotejamento entre propostas literárias, para a escolha cada vez mais
sensível e inteligente de leituras pessoais.
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l. Este
texto deve muito ao artigo de Regina Zilberman, “Literatura para crianças dos
últimos 20 anos”. Litterature D’America, Roma: Buizoni, v.8, no 35, 1987, pp. 45-56.
34
2. Id., ibid.
41
Rocha, Joel Rufino dos Santos, Sylvia Orthof, Maria Heloísa Penteado,
Ziraldo e Elvira Vigna, por exemplo.
De 1985 a 1990 a vasta produção de livros infantis mantém-se,
consolidando um novo número significativo de bons escritores na área,
como: José Arrabal, Tatiana Belinky, Ciça Fittipaldi, Rogério Borges,
Anna Flora, Ana Maria Bohrer, Márcia Kupstas, Terezinha Alvarenga e
outros.
Nessa mesma fase, de 1985 a 1990, os livros de literatura juvenil são
publicados em maior número, por diversas editoras, fazendo emergir nesse
campo conhecidos autores de literatura infantil como Luiz Galdino, Ana
Maria Machado, Sylvia Orthof, Lygia Bojunga Nunes, Terezinha Éboli.
Paralelamente a isso, novos autores e novas propostas dedicadas ao público
jovem surgem através de obras de Luiz Antonio Aguiar, Liliana Iacocca,
Paulo Rangel, Álvaro Cardoso Gomes, Ivan Ângelo, Marcelo Carneiro da
Cunha e outros.
O livro de imagem, inserido no mercado editorial como proposta única e
inovadora por Juarez Machado em Ida e volta nos anos 70, consolida-se
como gênero na literatura infantil, graças aos livros que realizam
visualmente idéias inteligentes e sensíveis de Angela Lago, Eva Furnari,
Rogério Borges, Maria José Boaventura e Regina Coeli Rennó.
No campo da poesia, encontramos o novo diálogo prosa e poesia, dando
vazão ao gênero prosa poética tão bem exemplificada nas obras de
Bartolomeu Campos Queirós, no humor questionador de Ruth Rocha,
Sylvia Orthof e Ana Maria Machado, por exemplo.
No campo da poesia ainda contamos com a presença preciosa de Roseana
Murray, Sérgio Caparelli, José Paulo Paes, Wania Amarante, Elias José,
Ciça Alves Pinto, MônicaVersiani, Antônio Barreto e Dilan Camargo. Nos
anos 80, percebe-se que algumas editoras abrem espaço para os
coordenadores editoriais que sejam profissionais que vêm burilando um
questionamento lúcido sobre a literatura infantil e juvenil, seja em trabalho
como educadores atuantes, seja
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que deseja casá-la com um bom partido, expondo para o leitor o quanto a
menina tinha sua autoexpressão cassada. Pouco a pouco, Josefa apaixona-
se e vai adquirindo a sua personalidade e seu o querer.
Em O equilibrista, Fernanda Lopes de Almeida põe os opostos para
conviver: o equilibrista que tem o prazer de viver e que vai construindo sua
vida, dia após dia e o desiquilibristra, o materialista. Sylvia Orthof faz o
mesmo em Gato pra cá, rato pra lá, que revela que os eternos inimigos
admiram-se mutuamente, apesar de enxergarem a vida de modo diverso.
Logo, esses são exemplos que englobam grande número de textos que
evocaram a questão emergente da relatividade de valores, num tempo em
que nossa sociedade se abria para a democracia.
Entre os autores estreantes na literatura infantil quejá deixam marcas por
sua criatividade e estilo estão Angela Lago, com a exploração bem-
humorada do folclore em Sangue de barata; Lúcia Miners, que escreve de
forma poética sobre o amor filial em Tião que morou num bumbo; Eva
Furnari, com suas narrativas visuais Zuza e Arquimedes, Filó e Marieta,
revelando perfeita sintonia com a curiosidade infantil.
Ciça Fittipaldi, com João Lampião, que em um estilo literário próximo à
linguagem oral, conta a história de um homem que vai mudando de
profissão conforme vai vivendo, enfrentando assim as adversidades e
tornando-se um homem experiente.
Marina Colasanti descobre a linguagem literária belíssima com que tece
verdadeiros contos contemporâneos em Ofélia, a ovelha e A mão na massa,
assim como José Arrabal em A princesa Raga-Si.
Lia Zatz, expõe facetas nada santas do modelo de mãe em Suriléia, mãe
monstrinha. Luís Camargo dá um tratamento lúdico original aos objetos
cotidianos em Maneco chapéu, chapéu de funil; Lino de Albergaria em
Túlio e a chuva, que conta a história de um
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ia lá pra fora, correr, correr atrás da vida, atrás daquele papagaio lindo que
apareceu de repente, ela já está correndo atrás do papagaio estrelado de
roxo e abóbora, soltinho no céu, vai cair. Quem foi o besta que perdeu uma
pipa linda dessas? Nossa! Vai cair aqui perto, aqui dentro da Consolação,
se cair aqui eu pego, pego mesmo, não tem dúvida, que fôlego tem esse
papagaio, mas já está ficando cansado, tá caindo, tá caindo, já vejo ele na
minha mão, e daqui a pouco vou empinar ele de novo. Assim que fizer a
maior das rabiolas, boto ele de novo pra ir passear nas alturas.
De repente, o papagaio caiu por trás de umas árvores, Florípedes deu um
grito de vitória, o papagaio logo ali, atrás dos últimos carneiros.
Não podia acreditar. Florípedes não podia acreditar no que via. Na frente
dela, sentada em cima de uma campa antiga, uma menina que regulava com
o seu tamanho, usando umas roupas esquisitas, segurava o papagaio na
mão, o seu papagaio. “É meu”, foi logo dizendo, “me devolve por favor”.
“Seu?”, a menina fez uma cara de pouco caso, e disse, para surpresa de
Florípedes, “está bem, pode pegar”. Nossa, que mão mais quente, parece
que saiu do fogo. E afinal de contas o que estava aquela menina fazendo
ali? “Em que enterro você veio? Se perdeu da sua mãe? Não é bom ficar
atidando sozinha aqui pelos fundos do cemitério”, e respondendo ao olhar
crítico da outra, “bem, eu moro aqui, moro já tem muito tempo, estou mais
que acostumada, mas a minha mãe diz até hoje que isso aqui é muito
perigoso, imagina só”, falou, parecendo ter vislumbrado de súbito uma
parceria inusitada.
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Não sabemos ainda quiem é essa menina que aparece a Florípedes, nos
fundos do cemitériio da Consolação. Reparem que as duas meninas podiam
estar em ouitros cemitérios, do Caju, do Catumbi, das***, mas elas estão
no cermitério da Consolação. Um cemitério é uma grande enciclopédia,
erm versão econômica, nome, datas de nascimento e morte dos verbeltes.
Viramos verbetes depois de mortos, e verbetes mínimos. Pode ser que a
menina vá dizer isso à Florípedes, se ela for uma humorista. Se não, vai é
dar a mão à nova colega, saindo pelas alamedas atrás de pandorgas,
papagaios, pipas.
Não podemos ficar atrás delas o tempo todo, é melhor que vamos também a
nosso destinio, supondo que as duas desobedeçam de vez aos bons
conselhos de todas as mães e saiam a dar um giro pelas ruas de São Paulo.
Uma jovem vê pelas ruas de São Paulo (a literatura vê pelas ruas de São
Paulo) — e de qualquer outra cidade do seu porte, se eu conhecesse um
cemitério semelhante no México, é lá que botava as duas para conversar —
vê outros jovens iguais a ela, menores, e maiores, famintos, violentos,
perdidos; vê o progresso, a produção da riqueza; vê dignidades perdidas,
faróis fechados. Vê grandes centros de consumo e diversão, vê o
aviltamento dos seres, a felicidade e a ruína estampada nas faces anônimas,
vê esperança, desesperança, a falta de perspectiva qiue leva a população,
majoritariamente, a apoiar o crime financeiro,1 duas jovens pelas ruas de
São Paulo vêem os tamagotchis chegando, vêem o pequeno traficante de
nove anos sendo preso, perguntando apavorado ao repórter: “O juiz vai me
bater?”, vê a vida e vê a morte, nisso Florípedes é craque.
Tenho motivos para cirer que as duas saíram a dar esse giro, talvez a outra
garota fosse de fora, e Florípedes quisesse levá-la a conhecer um pouco da
sua cidade. Quem sabe a gente não vai até a minha escola? Foram, na certa.
“Quem sabe você não dá uma olhadinha ali na Adriana, está dando aula na
5ª agora de tarde, é a melhor
professora de História do mundo, precisa ver quando ela fala dos egípcios e
dos colonizadores espanhóis. E quem sabe a gente não passa pela cantina,
você tem uns trocados aí?, a cantineira faz um pastel do outro mundo — “,
e Florípedes sentiu que a menina dava um risinho meio estranho. Se
perguntou então se a outra seria um fantasma, não, fantasmas não sabem
segurar uma pipa tão bem como ela havia segurado, se a gente ficar amiga
(continuou a pensar), ela não tem cara de quem deve ter medo de ser amiga
de filha de coveiro, se a gente ficar amiga —, e a garota tinha mesmo uns
trocados meio amassados no fundo do bolso do vestido, e compraram dois
pastéis, e duas coca-colas, e foram lanchar sentadas no banco debaixo da
árvore, que a escola de Florípedes era uma escola antiga (antiga e amiga),
tinha dessas delícias: banco debaixo de árvore, pastel e coca-cola,
Florípedes pensou que preferia guaraná, e pensou “para uma visita a gente
sempre oferece coca-cola”, e cobriu a boca envergonhada, pois na verdade
a visita é que estava pagando a festa, de seu Florípedes só tem umas
moedinhas rastaqüeras, que é uma palavra do Mário de Andrade de que ela
gosta muito. “O Mário? Ah, é um escritor. Dos bons. Quer dizer, a Rosa diz
isso toda hora. Minha professora de Português. Assim, assim. Não é tão
boa como a Adriana, mas dá pro gasto. Meio chata, mas gosta de levar a
gente pra biblioteca.”
O lanche acabou, cada migalha catada com prazer, os beiços lambidos e
relambidos, não ficava bem Florípedes pedir à companheira para comprar
outro pastel. Irem à biblioteca implicava passar na frente da cantina, e
quem sabe, o cheiro da massa fritando...
O cheiro da letra deve ter sido mais forte. As duas meninas estão dentro da
biblioteca.
Rosa tentava dizer a Florípedes que o livro que puxava distraída da estante
era uma obra-prima, dessas que só aparecem de tempos em tempos. Não
era um livro brasileiro, mas isso não tinha a menor importância. Um
escritor chamado Ivanir Caliado tinha traduzido O doador, da americana
Lois Lowvry (1993).
70
“Você já pensou ficar sem lembrança de tudo o que aconteceu para trás?
Não saber como era a vida de antes, dos seus pais, dos seus avós, não saber
dos mitos e lendas que muitas crianças e muitos jovens ouviram antes de
você? Esquecer o Caapora, o Saci, a Uiara, o Boitatá, a Mula-sem-
Cabeça?” perguntava Rosa. A companheira de Florípedes deu um salto de
espanto para trás, arregalando os olhos. Um calor repentino, um bafo de
dragão passou por elas, no corredor estreito. Florípedes assustou-se, Rosa
brincou: “Vai ver uma mula- sem-cabeça acabou de passar por aqui
pertinho.” Brincou e emendou a conversa, resumindo O doador, que é a
história de uma sociedade futura onde as pessoas são inteiramente
destituídas de emoções e de lembranças. Um menino de 12 anos é
escolhido para ser o guardião dessas lembranças, dessas emoções,
suportando sozinho, no lugar de toda a comunidade, o regozijo, a dor e a
lição do passado.
A outra menina põe na mesa, encantada, Maria Teresa, de Roger Mello
(1996). Florípedes se entusiasma, pega Bumba meu boi, também do Roger,
Viva o Boi Bumbá, do Rogério Andrade (1996), Menino do Rio Doce, de
Ziraldo (1996) e Comadre Florzinha contra a Mula-sem-Cabeça, de
Regina Chamlian (1996).
Rosa exulta e nós também. Que facilidade falarmos assim dessa vigorosa
linha de força na literatura que analisamos: o imaginário popular brasileiro.
Liberação das vozes recalcadas (é a carranca humanizada que fala em
Maria Teresa), investimento no humor, no peculiar, na recuperação para a
sala de jantar e para a biblioteca daquilo que por tanto tempo ficou
confinado à cozinha, ao campo, à senzala. São inúmeras as publicações —
com destaque para as coleções — de contos populares, de mitos e de
lendas, muitas delas de esmerado cuidado. Parece que estamos descobrindo
que
....o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia. 2
Graça Paulino
Nessa ordem de idéias, compreende-se por que a literatura destinada a crianças e jovens
surgiu e se desenvolveu sob a tutela da escola. Por um lado, essa literatura sempre fora
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2. Embora Umberto Eco tenha desenvolvido sua crítica a essa retórica da consolação em
Apocalípticos e integrados, já nos anos 60, em Obra aberta, sua própria definição dc
mensagem estética exclui o final feliz monológico e assertivo,
3. Marisa Lajolo e Rcgina Zilberman. A leitura rarefeita. São Paulo: Brasiliense, 1991.
4. Marisa Lajolo e Regina Zilberman. A formação da leitura no Brasil. São Paulo:
Ática, 1996.
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5.M. Zélia Versiani Machado. “Cadê a poesia que estava aqui?” Intermédio (cadernos
Ceale). Belo Horizonte, v. 2, ano 1, maio de 1996
80
(.... )
Cingiu-lhe o triste inverno um resplendor de neve,
na fronte que adormece a meditar na cruz!
Oh! quanto o doce abril fortalecer não deve
aquelas frias mãos, aquele olhar sem luz!...7
Também se explicita, logo na página de rosto, o modo de ler poesia que era
julgado ideal na época: os poemas são próprios para serem decorados pelas
crianças, “que assim aprendem a recitar e declamar”. Hoje essa prática de
leitura caiu em desuso, e prova disso é a quase ausência dos chamados
“poemas dramatizados” nas escolas.
Não embargam crentes esses teus temores, que me importa a noite, mais os seus
horrores, se a minha avozinha tão doente está? 9
9. Op,cit, p.48.
83
11.Há uma parte inteira do livro, intitulada Os poemas de sempre não têm dono, que
dedica espaço à “poesia que nasce do povo” e à sua recriação
86
Coração
Evidentemente, esse poema separado dos outros que compõem o livro pode
ser lido de uma maneira menos condescendente que a esperada. De
qualquer modo, seria necessário que se fizesse uma leitura crítica desses
eventos poéticos pouco expressivos, saturados, gratuitos, que mal
compõem um texto, e que não ampliam os horizontes culturais e estététicos
de seus leitores. Com muito medo de julgar mal os textos que se publicam
no país, os adultos condutores da leitura infantil parecem aceitar
docilmente as banalizações do gosto. Nem seria necessário , esse
procedimento. Se a poesia não termina, felizmente, em Roseana Murray ou
Sergio Caparelli, exemplos de bons poetas que escrevem literatura infanto-
juvenil, pode começar com eles, para um leitor ir que está dando seus
primeiros passos e precisa mover-se para a frente. E, se todos nós sempre
lemos um texto em vez de outro, pois ninguuém consegue lê-los todos, as
práticas de seleção de leituras devem ser conscientes e críticas, seja no
âmbito escolar, seja na visitação pessoal a livrararias e a bibliotecas. Tal
procedimento, pelo visto, não caracterizou ainda a algum fim de século no
Brasil. As antologias, a seu modo, propõeõem-se, enquanto isso, a facilitar
a vida dos leitores iniciantes.
14. A Antonio Carlos Tórtoro. Estrelas no mar, são Paulo: Moderna, 1994, p43.
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Referências bibliográficas
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CADERNOS de Teoria da Literatura: Ensaios de semiótica, v. 26, 1992-
1993.
COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico de literatura infantil e juvenil
brasileira. São Paulo: EDUSP, 1995.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz
JEDUSP, 1985.
INTERMÉDIO-CADERNOS CEALE. Belo Horizonte: Ceale/Formato, v. 2,
ano 1, maio de 1996.
LAJOLO, Mansa e ZILBERMAN, Regina. Aformação da leitura no Brasil.
São Paulo: Ática, 1996.
__________ A leitura rarefeita. São Paulo: Brasiliense, 1991.
MAINGUENEAU, Dominique. O contexto da obra literária. São Paulo:
Martins Fontes, 1995.
PAES, José Paulo. Poesia para crianças. São Paulo: Giordano, 1996.
PAULINO, Graça; WALTY, Ivete e CURY. Maria Zilda.
Inrertextualidades: teoria e prática. Belo Horizonte: Lê, 1997.
__________ (orgs.). Teoria da literatura na escola. Belo Horizonte: Lê,
1994.
PESSOA, Fernando. Mensagem. São Paulo: FTD, 1992.
________ Pedacinho de Pessoa. Belo Horizonte: RHJ, 1996.
PIMENTEL, Figueiredo. Álbum das crianças. Rio de Janeiro: Quaresma,
1897.
TÓRTORO, Antônio Carlos. Estrelas no mar. São Paulo: Moderna, 1994.
89
A criança
a escola vem crescendo. Assim, a maioria das crianças, até então, excluída
do contato com os bens culturais e do ensino formal vem tendo acesso à
escola.
Porém, essas crianças, quando têm uma família que pode oferecer-lhes um
mínimo de segurança afetiva e material, não têm, em geral, contato diário
com o instrumento principal que avalia o seu desenvolvimento na escola, o
texto escrito. E, quando não têm o mínimo de estrutura familiar, a situação
é ainda pior. Assim, a criança entra com enorme desvantagem em relação a
uma minoria privilegiada que também passa pelo sistema escolar e que vai
competir com ela mais à frente, cuja cultura e o conseqüente processo
educacional têm, no texto escrito, sua principal expressão de comunicação,
de registro e de construção social.
Para não falarmos da falta de qualidade do livro didático (que vem, neste
momento, sendo questionado pelo Governo Federal no sentido de melhorá-
lo), falemos sobre o conceito pronto e acabado do conhecimento, que ele
apresenta, em oposição ao conceito dinâmico e mutável. Não há espaço, no
livro didático, para o questionamento, base do pensamento criador.
93
Os professores
A saudosa escola pública que tinha qualidade não existe mais. Por que
será? Aquela escola, apesar de pública, atendia a uma classe média que
coinvivia com o texto escrito e tinha acesso à arte, tendo-a como valor
ciultural e, por isso, o processo educacional valorizava a palavra. Estarmos
falando dos anos 40 e 50, entrando pelos anos 60. Era uma minoria que
tinha direito à escola. Foi só com a Constituição de 1946 que a educação
básica passou a ser obrigatória e a construção de escolas pasou a ser
bandeira política nos anos 50 e 60.
Assim, entrou para a escola um contingente de crianças que estava excluído
dela, até então. Para atender a essa nova clientela, que chegava às escolas,
os cursos de magistério tiveram que formar mais professores. A
necessidade de atender à demanda e a falta de compromisso democrático
dos governantes e dos administradores de oferecer em ‘variedade e
qualidade à maioria contribuiu para uma formação diferente dos alunos das
escolas normais, não oferecendo uma formação de qualidade aos seus
professores e seus alunos. A abrangência do conceito de aprender a ler e a
escrever e quais as suas relações com a cultura não faziam parte do entorno
cultural dos novos professores que se formavam no magistério.
A expectativa era de cumprir a exigência do mercado de trabalho:
decodificar os signos escritos. A palavra escrita em suas formas variadas,
artísticas ou informativas, como instrumento para refletir e fazer pensar, foi
desaparecendo do contexto escolar. A educação básica era vista em sua
aparência menor, mais reduzida.
95
O que fazer?
As políticas de educação
Alguns números
Por títulos:
Do total de 41.670 títulos, 1ª edição e reedições:
101
Literatura infantil e juvenil 11.669 28%
Educação básica (EB) 16.489 39%
Literatura adulta 3.158 7%
Outros 26%
Exemplares = 2%
Títulos = 7%
Ao considerarmos:
A questão da qualidade
Ricardo Azevedo
são uma espécie de enfeite e que perguntar sobre o assunto não passa de
mera curiosidade pessoal.
Se o leitor perguntar a um professor quantos escritores ele conhece, vai
ouvir (com um pouco de sorte) uma lista de nomes, antigos e atuais. Se
perguntar sobre artistas plásticos a lista vai murchar completamente.
Essa falta de informação sobre imagens, claro, não contribui para o exame
e a avaliação das ilustrações de um livro, pois, afinal, se existe uma
frondosa, complexa e colorida árvore formada pelas artes plásticas (pintura,
escultura, desenho, gravuras, cenografia, fotografia etc.) a ilustração é, sem
dúvida, uma de suas ramificações.
Como o assunto é muito amplo, vou tentar colocar algumas questões e
adotar certas posições no intuito de, sem querer ser conclusivo, alimentar
uma discussão sobre o tema ilustração de livros. 1
7) Outro aspecto vale a pena ser ressaltado: que tipo de texto, afinal,
vai ser ilustrado? A questão é imensa mas pelo menos uma
diferenciação bem genérica é possível fazer: a) há textos didáticos,
ou seja, textos com motivação utilitária, que pretendem transmitir
informações ojetivas sobre determinado assunto e necessitam de
atualização periódica (novas informações, métodos e teorias vivem
surgindo) e
Aimorés ou Aimberés. Povo indígena extinto que, no século XVI, vivia em regiões hoje
situadas em Minas Gerias, Bahia e Espírito Santo. Os Aimorés usavam botoques e eram
mais altos e mais claros que os Tupinambás. Referidos genericamente como Tapuias,
supõe-se que falavam língua do tronco Macro-Jê. Bastante aguerridos, não se deixavam
seduzir e escravizar. Entraram em muitos conflitos com os colonos e índios a eles
aliados. 5
Ou então:
4. Naturalmente não pretendo definir o que seja literatura, assunto complexo e cheio de
teorias antagônicas, mas sim apenas apontar algumas de suas características mais
evidentes.
5. LARROUSSE CULTURAL. Dicionário temático. São Paulo: Nova Cultural, 1995.
6. Sezar Cesar. Biologia 2. 4ª ed, São Paulo: Atual, 1984, p. 20.
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Ou então
7. Lygia Bojunga Nunes. A bolsa amarela 6ª ed. Rio de Janeiro: Agir, 1981, p.30.
8. Murilo Mendes, O menino experimental 2ª ed. São Paulo: Summus, 1979, p. 26.
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