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2 La Italia brasiliana - Novembro de 2016 La Italia brasiliana - Novembro de 2016

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Editorial A vida dos Daros nos engenhos
imigrantes trabalharam em engenhos Grupo Seis de Janeiro.
para a conseguir açúcar, melado, As casas onde os descendentes
vinagre e cachaça. viveram ganham destaque. O Museu
Em decorrência de problemas Este jornal trata-se de uma edição Augusto Casagrande, onde residiram
que surgiram para a unificação da Itália especial que contará apenas algumas das Augusto, a esposa Cecília Daros e os No século 20, uma das principais fontes de trabalho e renda dos imigrantes italianos era o engenho
durante o século 19, como conflitos milhares de histórias dos descendentes filhos. E a casa construída em 1941
políticos e econômicos e a alta cobrança de João Batista e Tereza Daros. que abrigou três gerações da família de
Peça de museu

Foto: Caroline Monteiro


de impostos, muitas famílias italianas Na leitura, poderá se conhecer Domingos Favero.
começaram a emigrar para os Estados a história dos Daros nos engenhos, Integrantes da família também se Na família Daros, outro produtor
Unidos e outros países da América do como era a difícil vida para a plantação destacaram na música, como Antônio também teve destaque nos engenhos.
Sul. Entre elas estava a família Daros. da cana e produção principalmente de Zanette, coordenador e regente do Enquanto a esposa ficava em casa,
João Batista Daros e Tereza Daros eram açúcar. Ou também a vida de quem se Grupo Seis de Janeiro. Antônio Daros e os filhos trabalhavam
da região de Vêneto, no norte italiano. dividia entre a roça e a produção de Entre as matérias, o leitor nas plantações de cana. O filho de
Juntos tinham seis filhos João, Maria, peças artesanais, como Antônio Daros. encontrará os relatos de Jorge Daros, Antônio, professor Jorge Daros, revela
Catarina, Salvador, Cecília e Domingos. As casas onde os descendentes o professor que decidiu escrever um que o engenho foi criado quando ele
Com esperança de uma vida viveram ganham destaque. O Museu livro e narrar as histórias dessa família. tinha sete anos e o trabalho era difícil,
melhor e terras para viver, a família Augusto Casagrande, onde residiram E ainda saber sobre as festas realizadas principalmente nos invernos rigorosos.
chegou a Urussanga e depois, com mais Augusto, a esposa Cecília Daros e os para reunir para reunir os Daros do Sul “Na época, se fazia açúcar no
21 famílias italianas, fundaram a cidade filhos. E a casa construída em 1941 de Santa Catarina. inverno. Meu pai me chamava às 4h30,
a Cresciúma (hoje Criciúma). que abrigou três gerações da família de O amor tem espaço com as tomava um cafezinho e ia com o pé
No começo, os Daros se Domingos Favero. memórias do casal Maria e Lourenço no chão, calça e camisa curta. Andava
destacaram na agricultura produzindo Integrantes da família também se Favero e o casamento de 60 anos de sobre a geada para ir pegar os bois e
alimentos como arroz, amendoim, destacaram na música, como Antônio Maria e Angelino de Oliveira. Mergulhe para começar a moer as canas”, relata.
feijão e trigo. Além disso, muitos dos Zanette, coordenador e regente do na história e aproveite a leitura. Mas apesar de todo o trabalho,
não se conseguia juntar muito dinheiro.
Descendentes da Família Daros Conforme o professor, com o que o
pai ganhava comprava-se roupas, sal e
Giovanni Battista Daros e Teresia por italianos no sul. Lourenço também em Morro Estevão. Daí foi residir querosene para as lamparinas. Foram
Daros tiveram oito filhos, sendo que era chamado de “Incio Corona”. às margens do Rio Mãe Luzia, sul de 14 anos produzindo açúcar até Antônio
seis nasceram na Itália. Após a morte Catarina Daros casada com Forquilhinha, depois do Verdinho, local encerrar as atividades e doar partes do
da esposa, João Batista casou-se Nicola Benedet, de Espigão da Toca, onde faleceu. engenho para a Unesc. O professor de
novamente. Com Luiza Benedet teve município de Araranguá. Augusta Daros casou-se com História Paulo Sérgio Osório revela
mais uma filha. Salvador Daros também José Dalmolin, também chamado de que Jorge doou as peças por acreditar
João Daros foi o primeiro chamado de “Barba Moro”, casou-se “Bépi Ventura”, residente na Segunda na relevância para a história da cidade,
filho a se casar. A eleita foi Serafini com Marina Mangilli e se estabeleceu Linha, perto de Morro Estevão. Peças do engenho de Antônio Daros expostas no Corredor dos Historiadores, na Unesc mas que foi esquecida.

A
Mandredini. O casal foi residir na onde hoje é o alto do bairro São Luiz. Antônia Daros casada com o “Apesar da importância para o
Quarta Linha e mais tarde transferiu- Cecília Daros casou-se com viuvó Olindo Bristot se estabeleceram maioria dos imigrantes produzem a cana e me dão. Eu e minha patrimônio cultural da cidade, a peça
se para o sul de Morro Albino, hoje às Augusto Casagrande e se estabeleceu na localidade de Espigão da Toca, italianos que chegou a mulher trabalhamos no engenho, é algo foi doada e esquecida. Hoje, ela se
margens da BR-101. onde hoje é o bairro Comerciário, junto município de Araranguá. Criciúma no fim do século 19, bem familiar. Antes produzíamos de encontra ornando o corredor em frente
Maria Daros casou-se com ao museu Augusto Casagrande, que era Thereza Daros (filha do trabalhou no campo. Entre eles estava oito a 10 mil litros de cachaça por safra, ao bloco do curso de História da Unesc,
Lourenço Favero, de Urussanga. Ele sua residência. segundo casamento de João Batista) Luis Daros, neto de Antônio Daros. agora, fazemos aproximadamente próximo a Galeria de Historiadores”,
era proprietário de um hotel naquela Domingos Daros casou-se casou com Antônio Comin e residiam Casado com Ângela Rosso, ele vivia quatro mil litros”, ressalta Amélio. ressalta Osório.
que foi a primeira localidade formada com Augusta de Luca e se estabeleceu no bairro São Luiz no entroncamento com a família no Morro Albino onde
começou a produzir em um engenho

Foto: Arquivo pessoal


da atual Avenida Santos Dumont com a
Desembargador Pedro Silva. açúcar, melado, cachaça e vinagre. Para
Foto: Revista Colonizadores

o trabalho ele tinha ajuda dos 10 filhos,


* Texto da jornalista Luciane Beloli cinco mulheres e cinco homens.
Um dos filhos de Luis, Amélio
Daros, de 76 anos, lembra que desde

Expediente a infância ajudava o pai e o processo


não era fácil. “Produzíamos a própria
cana, era tudo manual, com boi. Depois
Projeto Experimental de Mídia de pronta, vendíamos a cachaça para
Impressa das acadêmicas Caroline uma empresa da família Nuernberg e o
Barbosa Monteiro e Maria Júlia açúcar para armazéns ou torradeiras de
Grassi, apresentado em cumprimento café”, afirma.
à exigência do Curso de Jornalismo Com a expansão da cultura do
da Faculdade Satc, sob a orientação fumo, a família deixou de trabalhar
do professor Karina Woehl de Farias. no engenho em 1960, ficando 30 anos
Textos, fotos, edição e planejamento afastada. Na década de 90, a crise nas
gráfico são de responsabilidade do(a) plantações de fumo fez o produtor
Alguns integrantes da família Daros reunidos para um registro fotográfico acadêmico(a). voltar as origens. “Hoje, meus filhos Antônio Daros junto as peças do seu engenho desmontado antes de fazer a doação
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A Saga dos Daros: uma homenagem à família italiana


Livro escrito pelo professor Jorge Daros, filho de Antônio Daros, conta a história de uma das 22 famílias que colonizaram Criciúma no fim do século 19

Seis anos de pesquisa

Foto: Maria Júlia Grassi

Foto: Maria Júlia Grassi


As festas, a comida, o trabalho, as
dificuldades e até como aconteciam os
enterros, fazem parte do livro de Jorge
Daros, que dedicou seis anos de pesquisa
até a publicação em 2006. “A medida
que se expandia o conhecimento, eu
ia anotando tudo e escrevia histórias
sem muita ordem. Na cabeça vai se
colocando o livro e o título deixa para o
fim. A mente é enriquecida e organiza
o que se quer na cabeça. Depois é só
revisar e colocar em ordem, buscando
um conjunto harmônico e orgânico”,
revela o professor.
O trabalho do autor não ficou
restrito a busca de informações dentro
do país, ele viajou à Itália onde ficou
20 dias e conversou com fontes de lá
para saber as origens dos imigrantes
de Criciúma, onde nasceram, em que
local foram batizados, cresceram e os membros da família Daros foram aos estudiosos da nossa historiografia
constituíram família. exímios profissionais no manuseio principalmente na preservação dos seus
O historiador Mário Belloli, de ferramentas para a construção de costumes, que envolve a sua seriedade
que a convite do autor prefaciou a casas, igrejas e outros equipamentos no desempenho de suas atividades
primeira edição do livro, destaca que de uso domésticos. “A obra trouxe luz profissionais e culturais”, finaliza.

Jorge Daros decidiu escrever o livro após viagem ao norte da Itália e tem aproximadamente 1,5 mil exemplares vendidos
Lançamento do livro no Rio Grande do Sul reuniu mais de 600 pessoas
Maria Júlia Grassi origem dos colonizadores. O escritor muito importantes as entrevistas com

D
teve dificuldade para encontrar registros
pessoas mais velhas, assim como O livro “A Saga dos Daros” felizes traz uma sensação de ter Criciúma na livraria Fátima, na livraria
e uma viagem à Itália do final do século XIX, como o modo conhecer lugares onde nasceram, também foi lançado fora do estado e cumprido uma missão na terra”. Diocesana, na Unilivros da Unesc e na
surge o livro “A Saga de vida e o trabalho dos imigrantes. viveram e se desenvolveram os Daros”, muito prestigiado. “Em São Marcos, O livro pode ser adquirido em cidade de Araranguá nas lojas Fátima.
dos Daros”. Uma obra “Antigamente o padre tomava nota da considera o escritor. no Rio Grande do Sul, lugar em que
com 832 páginas, entre

Foto: Arquivo pessoal


vida religiosa e servia para a vida civil,O autor fez descobertas durante também estive pesquisando, o livro foi
elas fotos ilustrativas, que tratam da não existia registro de nascimento e o desenvolvimento do livro, entre elas muito bem recebido. O lançamento
história da família na Itália e a vinda nem de casamento”, conta Daros. que os antepassados tinham costumes em 2007 reuniu mais de 600 pessoas”,
para Criciúma. “Foi após um que hoje não são mantidos ressalta.
passeio na Itália em 1999, “Olhei para baixo e pensei nos Daros nos centros urbanos. Daros Com aproximadamente 1,5 mil
em um monte no castelo destaca que os italianos viviam exemplares vendidos o escritor Jorge
de São Martinho, olhei para que viveram lá e nos primeiros imigrantes no campo e tudo girava em Daros recebe encomendas do estado,
baixo e pensei nos Daros que que colonizaram Criciúma. Assim torno da própria natureza, do país e também do exterior. “Pelo
viveram lá e nos primeiros da lavoura e do contato com Facebook e e-mail me perguntam como
imigrantes que colonizaram aconteceu, esta foi minha inspiração” animais. Os vizinhos eram adquirir o livro. Eu embalo os livros,
Criciúma. Assim aconteceu, valorizados e existia grande faço uma dedicatória e envio pelo
esta foi minha inspiração”, revela o A solução foi ir às próprias interação, especialmente em algumas correio”, conta o autor.
professor Jorge Daros, idealizador e paróquias em busca de registros de situações de dificuldades. “Os vizinhos Em cada contato com sua própria
escritor do livro. nascimento e casamentos. Buscar eram muito importantes em tempos obra, Daros emociona-se e refere-se a
O trabalho começou com a busca informação com as famílias para que de doenças, era tudo diferente poucos ela com muito carinho. “O prazer de
por livros históricos, com o objetivo contassem suas próprias histórias e de recursos medicinais, então ajudavam mandar o livro e saber que milhares
de resgatar a história de Criciúma e a outros membros da família. “Foram uns aos outros”, destaca. de pessoas vão ler, se alegrar e ficarão Lançamento do livro A Saga dos Daros em São Marcos, Rio Grande do Sul
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Tradição compartilhada em festa Há 36 anos contando a história
Encontro reúne integrantes da família Daros de Criciúma e de outros estados para preservar a cultura Patriarca da família Casagrande, Augusto chegou ao município em meados do século 19,
casou-se com Cecília Daros, filha de João Batista Daros, e deixou um legado empreendedor

E m sua quinta edição a Festa

A ugusto Casagrande foi casado

Foto: Deise Silvano Daros

Foto: Maria Júlia Grassi


da Família Daros reúne seus com Cecília Daros, os dois
membros para preservar a vieram da Itália em 1915, ela
cultura italiana. O encontro tem relação com cinco anos e ele com sete anos. Os
com o livro “A Saga dos Daros”, de dois estão entre os primeiros imigrantes
autoria de Jorge Daros. “O Eugênio italianos de Criciúma, casaram-se e
Daros, de Sombrio, meu primo, disse tiveram 15 filhos. Augusto, sendo um
que quando o livro fosse publicado pioneiro no ramo de telhas e tijolos e
iria organizar a festa da família Daros, visando economia, construiu a própria
a primeira foi realizada lá em 2008”, casa. Atualmente, a residência abriga o
explica Jorge. Museu Augusto Casagrande, conhecido
A festa conta com uma comissão como “Casarão”.
organizadora que se reúne a cada dois Conforme o coordenador do
anos e é responsável por enviar os museu, Realdo Medeiros, a construção
convites até a outros estados. Conforme teve início em 1918 e levou dois anos
Eugênio Daros, em cada festa decide- para ficar pronta. “A casa foi a primeira
se em qual cidade será a próxima em Criciúma a ter dois pisos, sem laje
edição, assim, um membro da família e em armação de madeira”, conta o
Daros, que more na cidade escolhida, coordenador.
fica responsável por coordenar os O museu foi inaugurado em
preparativos. 1980, para comemorar o centenário de
Criciúma. Dois anos antes já começava
o trabalho de restauração do prédio,
“Meu primo, disse que que foi doado à prefeitura pelo médico
quando o livro fosse Família reunida para Festa da Família Daros realizada em Balneário Gaivota, em 2013 Joacy Casagrande Paulo, neto de
Augusto Casagrande e Cecília Daros.
publicado iria organizar “A família reunida contabiliza cantada e discursos, além de almoço, “A reforma conservou todos os traços
a festa da família Daros, aproximadamente 350 pessoas, todas apresentações de palco, sorteios e de sua construção, as pinturas internas Na foto, o Museu Augusto Casagrande que em 2020 comemora o centenário
as idades vão à festa, que começa encerra-se com café com “mistura” à foram revitalizadas preservando
a primeira foi realizada lá pela manhã com recepção, missa tarde”, conta. suas origens. Todos os desenhos nas como documentos, roupas, móveis e aproximadamente três mil alunos
em 2008” paredes denotam as posses da família, fotografias. Conforme a diretora de visitam o museu. O espaço conta muitas
pois poucas pessoas tinham pinturas Cultura da FCC, Solange Scotti, a verba histórias dos imigrantes e de uma das
e ornamentos de origem italiana”, que a Fundação recebe para destinar ao famílias fundadoras de Criciúma. É a
Próxima festa confirmada Foto: Deise Silvano Daros esclarece Medeiros. Museu vem da prefeitura. memória de quem mora aqui e também
A Fundação Cultural de Criciúma A casa recebe alunos, pessoas que para os que não conhecem, sem dúvida
A festa da Família Daros já tem é responsável pela administração estão a passeio, e inclusive profissionais um patrimônio histórico de Criciúma”,
edição definida. “A festa que nos alegra do museu. Seu acervo, reúne itens de arquitetura. “Anualmente, enaltece Solange.
muito será feita ainda neste ano, entre
fim de novembro e início de dezembro.
A família se reunirá na cidade de Acessibilidade legislação do Instituto Brasileiro De
Foto: Maria Júlia Grassi

Sombrio e quem está na coordenação Museus (Ibram), que diz que os espaços
é meu primo, Valcir Daros”, adianta Desde julho de 2015, o culturais devem ter acessibilidade. “O
Eugênio. Museu Augusto Casagrande recurso de aproximadamente R$ 130
A festa da família promove a conta com uma rampa de mil, foi liberado pela Caixa Econômica
integração e estimula a preservação acessibilidade na entrada, Federal e contou com projetos da
do contato dos familiares uns com os além de um elevador na Associação dos Amigos do Museu
outros. “Por conta da modernidade e da parte interna do museu e Augusto Casagrande (AMAC)”,
correria os parentes se visitam pouco, adaptação no banheiro. As esclarece a diretora de cultura.
o evento tem o objetivo de manter as mudanças foram realizadas O Museu Augusto Casagrande
pessoas unidas. Nos destacamos pela pela administração municipal está localizado à Rua Cecília Daros
seriedade, luta e trabalho e temos como por meio da Fundação Casagrande, s/n° aberto para visitação
mérito conquistas empreendedoras. Cultural de Criciúma. de segunda à sexta-feira, das 8h às 12h,
Família é assim! A festa é a nossa As alterações se deram e das 13h às 17h. Telefone para contato:
ligação”, considera o idealizador. Missa celebrada pelo pároco Durval Daros, o padre da família, na festa dos Daros O museu ganhou uma rampa de acessibilidade em 2015 em cumprimento a nova (48) 3445-8855
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Amor da Itália para o Brasil Seis décadas de companheirismo
Vencendo dificuldades, amando e aprendendo a perdoar, a paixão de infância de Maria Favero e
Ainda crianças, Maria e Lourenço se conheceram em um navio vindo da Itália. No Brasil, se reencontram e casaram Angelino de Oliveira se tornou um casamento duradouro que em 2016 completa 60 anos

Caroline Monteiro

E m 1956, enquanto o Brasil ela ia para a escola. Quando ela voltava, família. Mas por problemas de saúde e

Foto: Livro A Saga Daros


A
começava a viver a era eu ia procurar o rastro dela na areia e na coluna, ela precisou deixar de lado
ligação entre Lourenço Favero Kubitschek, um jovem pensava ‘olha a marca, pela passou por as plantações. “Eu sempre tive dores na
e Maria Daros começou muito casal iniciava a sua vida em Urussanga. aqui”, conta em meio a risos. coluna. Eu fiz arte quando era criança.
antes do casamento. Ambos Moradores do Morro do Rio Carvalho, Apesar de terem crescido juntos, o Subi em uma cerca de taquara e cai no
nascidos na região de Vêneto, na Itália, Maria Favero, de 79 anos, e Angelino casamento só veio quando eles tinham chão. Senti uma dor forte, mas fiquei
saíram com suas famílias do porto de de Oliveira, de 80, eram vizinhos desde quase vinte anos. Com sete meses de quietinha. Minha mãe até hoje não
Gênova a bordo do navio Krönspring a infância. Angelino lembra que por diferença na idade, Maria e Angelino se saberia se fosse viva”, confessa.
Friedrich Wilhelm no fim de 1879. seus pais serem muito amigos, eles casaram em 9 de junho de 1956 na Igreja Logo após o casamento, Angelino
Darlene Favro Cancillier, bisneta conviviam bastante tempo juntos. Matriz Nossa Senhora da Conceição conseguiu emprego em uma cerâmica,
do casal, afirma que o avô sempre “Quando éramos crianças, nos de Urussanga, em cerimônia realizada onde ficou trabalhando durante 15
contava a história de como os pais se domingos, nós dois, um amigo e uma pelo padre Agenor Neves Marques. anos. Já aposentado, precisou voltar ao
conheceram. amiga íamos brincar de se esconder. “Eu fui na casa dela acompanhado trabalho para ajudar na renda da casa
“Eu lembro do nonno Santo (filho Quando as duas achavam eu e meu dos meus pais, naquela época era e nas despesas com remédios. Foram
de Lourenço) contando para mim o amigo, saíamos correndo e subíamos no comum. Falei para o pai dela ‘Seu mais 40 anos exercendo a função de
que o pai dele havia contado a ele, que pé de goiabeira. Então, elas amarravam Moisés, eu estou namorando com a guarda em um prédio residencial em
conheceu a Maria no navio enquanto urtiga em um pedaço de bambu e nos sua filha, eu amo ela e parece que ela Criciúma. Seu último dia de serviço foi
vinham da Itália. Mas que como ainda cutucavam. Começávamos a berrar por me ama também. A aliança está aqui, em 23 de setembro deste ano.
eram crianças, cada um seguiu um causa da coceira da urtiga”, conta. o senhor aceita que eu case com ela?’. Para o casal, o segredo para estar
caminho com a sua família. Uma coisa Mais reservada, Maria não Ele disse que se ela aceitasse, por ele há 60 anos juntos é amar e aprender
fora do comum para a época é que ela demonstrava sentimentos. Angelino tudo bem. Na mesma hora já coloquei a a perdoar. Angelino frisa que ainda
era mais velha que ele. O Lourenço revela que, quando era adolescente, aliança. No casamento, o padre Agenor se declara à esposa e o sentimento só
tinha nove anos e Maria 14”, relata Maria Daros e Lourenço Favero em 1920, em Urussanga, onde sempre viveram escreveu uma carta para ela e pediu falou para a Maria cuidar bem de mim e aumentou com o passar do tempo:
Darlene. que sua irmã entregasse. Maria guardou ela está cuidando até hoje”. “Eu digo ‘Você está bonita’. Hoje,
O reencontro aconteceu quando Inseparáveis Mantendo as raízes a carta por muito anos, o papel já Da união nasceram três filhos, duas eu amo ela mais do que quando nos
os dois já eram adultos. Com a união estava amarelado quando ela acabou mulheres e um homem, seis netos, um casamos”. Com um pouco de timidez,
nasceram 13 filhos que se espalharam Entre os pedidos durante as perdendo a folha. O aposentado afirma falecido recentemente, e dois bisnetos. Maria revela: “Um dia você briga, um

Foto: Arquivo de familia


por Urussanga, Criciúma, Turvo, orações estava que nenhum dos dois que esperava a amada voltar da escola Maria menciona que a vida não foi dia você canta, outro dia você ri e vai
Ermo, Paraná e Rio Grande do Sul. ficasse sozinho. A neta Maria Favero, todos os dias e depois observava os fácil, ela trabalhava na roça plantando levando assim. Tem que ter paciência
Com ajuda dos cunhados, Lourenço de 81 anos, que morou com os avós e rastros deixados pelas sandálias da aipim, batata e outros alimentos que com o outro. Eu brigo e depois eu peço
construiu uma casa no alto do morro ainda vive no mesmo local, recorda que menina. “Eu já gostava dela quando eram necessários para o sustento da perdão”.
do Rio Carvalho, em Urussanga, onde Maria e Lourenço eram inseparáveis.
viveram até a morte. Segundo a neta, eles nunca saíam
A religiosidade era uma sozinhos, um acompanhava o outro,
característica marcante do casal. A rezavam sempre juntos e até na morte
bisneta ainda lembra que Maria e estiveram unidos.
Lourenço rezavam muito. “Eles sempre “Uma manhã, eu estava na cozinha
tinham um rosário na mão. A Maria mal fazendo polenta para o nonno, quando
era conhecida pelo sobrenome Daros. ouvi um barulho vindo do quarto. A
Angelino de Oliveira e
Todos chamavam de Maria Corona, minha mãe tinha ido buscar o leite e Maria Favero se tornaram
por causa do rosário que era chamado quando chegou perguntou o que tinha amigos ainda na infância.
de corona”, acrescenta. acontecido. Eu não tive coragem de A neta Maria (à esquerda da O casamento aconteceu
dizer ‘Mãe, o nonno caiu no quarto’, foto) continuou morando com os em 1956, em Urussanga.
fiquei assustada. Quando minha mãe pais, Albina Padoin e Antônio Favero, O casal completa 60
anos de união com
“Eu não tive coragem foi ver, ele já estava morto. No dia e a irmã Leonir até o seu casamento. muita felicidade
seguinte, meu pai estava voltando da Há pouco mais de 20 anos, viúva,
de dizer ‘Mãe, o nonno serralheira onde foi buscar o caixão. voltou a viver no local onde os avós
e bom bumor
caiu no quarto’, fiquei A nonna Maria perguntou a ele em residiram. A casa antiga foi substituida
assustada. Quando italiano o que ele tinha ido fazer. Ele por uma nova, mas Maria preserva as
respondeu ‘Eu fui buscar o caixão do lembranças. “Nesta foto, está eu, minha
minha mãe foi ver, ele já meu falecido pai’. Aquela foi a última mãe, meu pai e minhã irmã, que estava
estava morto”
Monteiro

coisa que ela ouviu e morreu. Ninguém dando uma flor para a minha mãe. No
tinha contado para ela o que havia fundo é antiga casa onde vivemos com
acontecido com o nonno”, relembra. o nonno e a nonna”, recorda.
line
Foto: Caro
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Grupo Seis de Janeiro: “O canto dos Daros” Da roça, as peças artesanais
Criado em 1978 por ideia de Mário Bellolli e formado somente por homens, atualmente o grupo conta
com nove integrantes que preservam a cultura dos imigrantes italianos por meio da música folclórica Vindo de uma família de imigrantes agricultores, Antônio Daros enfrentou dificuldades para criar
seus filhos com o trabalho no campo. Foi no artesanato que conseguiu aumentar a renda familiar

N
para a cultura de Criciúma e região, ao
Foto: Maria Júlia Grassi

deixar gravados dois CD’S para a atual os arredores da rua Linha limpar o cipó”, relata com sorrisos. “Sempre ajudávamos ele
e a futura geração”, considera Belloli. Três Ribeirões, localizada As peças feitas eram vendidas a
Um evento na localidade de no bairro Bosque do pessoas que moravam nas proximidades como podíamos, com o
Primeira Linha com a participação do Repouso, em Criciúma, viveram e ainda e encomendavam. Maria acredita que que era possível. Recordo
Grupo Folclórico Seis de Janeiro atraiu vivem descendestes de Salvador Daros. o Antônio tenha aprendido a fazer as que ele dizia quando
e incentivou o surgimento de novos Entre eles estava Antônio Daros, peças com o pai, Salvador, já que ele
músicos como os grupos Polonês e casado com Regina Netto, que juntos também produzia e era conhecido por precisava de ajuda: ‘Vão
Afro-Brasileiro. Assim se concretizou tiveram 13 filhos. Naquela época, não isso. me tirar tucum’, ‘Vão me
a Festa das Etnias Com a edição de havia muito emprego ou dinheiro e o “Eu tenho uma cesta que quem ajudar a tirar taquarinha’,
Dança, música e gastronomia. pai da família se esforçava para superar fez foi um dos meus irmãos, o Otávio.
as difilculdades e sustentar os filhos e Ele teve paralisia infantil e tinha uma ‘Vão limpar o cipó”
Aparição na Globo esposa. deficiência física nas pernas. Meu pai
Uma dos três filhos ainda que ensinou o meu irmão a fazer. Ele os passos dos familiares, ambos
O Grupo Seis de Janeiro era vivos, Maria Daros da Luz, de 81 fez a cesta para mim há mais de 30 trabalhavam em plantações de fumo,
convidado para eventos comuns. Mas, anos, lembra que durante o dia o pai anos. Nós tínhamos muitas galinhas milho e mandioca, além de olaria. Por
antes mesmo de comemorar um ano trabalhava muito na roça, mesmo assim e colhíamos muitos ovos. Todos os causa de uma ferida na perna, Maria
de existência, foi convidado para se não conseguia muito dinheiro. Para domingos, a gente saía da casa do meu deixou de lado as atividades no campo
Foto dos integrantes que formam o Grupo Seis de Janeiro, criado em 1978 por Mario Belloli apresentar oficialmente na cidade ajudar na renda, todas as noites, ele se pai caminhando a pé até o Centro de aos 40 anos.

P
de Urussanga, na comemoração do dedicava a produzir peças artesanais. Criciúma. Íamos a missa e depois A aposentada ressalta que era
ara comemorar o centenário da por gostar de cantar e este fato, centenário de fundação (maio de 1978). “Ele era uma pessoa muito querida vendíamos os ovos, que sempre antigamente a alimentação era bem
colonização de Criciúma (1980), inclusive, pode explicar de onde vem No ano seguinte, em uma tanto na família quanto na comunidade. levávamos dentro de cestas como essa diferente de hoje em dia. “A gente não
o historiador Mário Belloli este sobrenome. Há muitas leituras apresentação, por ocasião da Feira Nós trabalhávamos muito. Para ganhar que tenho ”, declara. tomava café, não era nosso costume.
resolveu criar um projeto cultural. Em que tentam explicar a derivação do do Livro, realizada na Praça Nereu uns trocados a mais, o meu pai fazia Nossas refeições eram assim: almoço
1978, Belloli apresenta ao prefeito sobrenome, mas uma só convence o Ramos, o grupo é surpreendido com em casa cadeira, peneira, balaio, cestas de manhã, janta ao meio dia e ceia à
Altair Guidi, a ideia de valorizar os professor e escritor Jorge Daros. “A a presença do “Globo Repórter”, que de palha. Também usava bambu e
A difícil vida no campo
noite. Comíamos polenta com salame,
costumes dos colonizadores por meio palavra Daros é de origem Húngara, conforme Belloli, estava realizando taquara, ele lascava as taquaras bem Aos 18 anos, Maria deixou a casa queijo, ovo frito, no lugar do café”,
da música. era um pássaro preto. A família cantava uma reportagem na região carbonífera. fininhas. Sempre ajudávamos ele como dos pais e se casou com Benvindo revela.
Belloli relata que faltava a criação de muito como os pássaros Daros, “O jornalista, ao indagar-me se podíamos, com o que era possível. Gustavo da Luz, mas continuou Como a polenta é um prato
um grupo organizado para desenvolver daí acredita-se que tenha surgido o poderia filmar algumas músicas do Recordo que ele dizia para nós quando morando na mesma rua. Como a mãe, obrigatório nas mesas de descendentes
a cultura do canto e da dança. sobrenome: Daros”, conta o escritor. grupo, logo teve a minha resposta, que precisava de ajuda: ‘Vão me tirar tucum’, Maria também teve muitos filhos, oito de italianos, a família também cultivava
“Interessado pelo desenvolvimento O Grupo Seis de Janeiro tem poderia sim, e com grande satisfação. ‘Vão me ajudar a tirar taquarinha’, ‘Vão homens e seis mulheres. Seguindo milho. Naquela época, as atafonas
da cultura, eu consegui reunir alguns o trabalho voltado para músicas Assim, foi para o “Ar”, para todo o ficavam no bairro Santa Augusta e em
cantores, que praticavam a música folclóricas italianas, entre as quais, Brasil”, relata. Içara. O filho mais velho de Maria,

Foto: Caroline Monteiro


folclórica, restritamente nas festas existe as que Jorge da Luz, conta que todo o processo
familiares em casamentos. Foi são frutos de
Foto: Maria Júlia Grassi

de plantio era manual e com ajuda de


necessário então, promover ensaios pesquisa em um arado de boi. Depois de colhido
na localidade de Primeira Linha, onde livros editados e debulhado, o milho era ensacado e
todas as sextas-feiras, aconteciam no Brasil levado até a tafona com carro de boi. Já
reuniões musicais. Assim, em 1978, e na Itália. as palhas eram separadas e usadas para
nasce o Grupo Seis de Janeiro”, conta. Conforme fazer colchão.
O empresário, Antônio Zanette, relata o seu “Eu acompanhava o pai.
é o regente e coordenador do Grupo fundador, foram No Pinheirinho, quando os trens
Seis de Janeiro. A música, típica ainda utilizadas encostavam perto da caixa d’água e
italiana, aproxima algumas famílias músicas de abasteciam, fazia um barulho bem alto
como Copetti, Pavei, Darolt, Belloli e fonte primária e saia muita fumaça. Eu sempre rezava
a Daros. “Meus tios da família Daros da memória dos para que quando a gente passasse por
foram muito importantes nesta área descendentes ali não tivesse trem, porque assustava os
e são os responsáveis por eu ter este italianos, o que bois. Quando chegávamos, descangava
gosto pela música. Eu os ouvia cantar representa a os bois e deixava eles comendo capim,
e tocar nas festas de família desde meus importância do enquanto moíam o milho. Às vezes,
três anos”, pontua Zanette. Grupo. “É uma esperávamos o dia inteiro para voltar
A família Daros é conhecida c o n t r i b u i ç ã o Antônio Zanette, atualmente, coordenador e regente do grupo Maria Daros da Luz ainda guarda a cesta feita há mais de 30 anos por seu irmão, Otávio para a casa com a farinha”, relembra.
12 La Italia brasiliana - Novembro de 2016

Três gerações e uma casa de 75 anos


A família de Domingos Favero fixou residência em Turvo em meados do século 20. A casa construída de
forma diferenciada, na década de 40, abrigou três gerações e se tornou símbolo para os seus familiares

N os anos 40, uma casa

Foto: Caroline Monteiro


moderna em Turvo
seria feita de madeira
encantilhada serrada com um aparador.
Os principais responsáveis pela
construção dessa e de outras casas
daquela região foram Angelim Trichês
e seus ajudantes. O que provavelmente
ele não esperava é que a casa feita a
pedido da família de Domingos Favero
fosse permanecer intacta por 75 anos.
O filho mais novo de Domingos,
Alvize Fabro, conta que a casa,
construída em 1941, demorou
aproximadamente seis meses para
ser concluída. Hoje, com 81 anos, o
aposentado viveu na casa por nove anos
até seus pais se mudarem e deixarem
a casa para outro filho. Segundo
Alvize, a residência é importante para
as três gerações que viveram ali, a de A casa construída em 1941 foi a residência de três gerações da família de Domingos
Domingos, as dos filhos e netos.
“A casa representa o começo de do vento, abanávamos os grãos em uma e Pedrinha Zatta. “Nós respeitávamos
vida, nossa juventude, nossa história. Eu peneira, ensacávamos e vendíamos. porque era a casa da nonna. Nos
lembro que nós, íamos para a roça com Uma parte ficava para o nosso consumo críamos ali, é a nossa história que está
o meu pai, e colhíamos arroz em cacho e guardávamos em cima do forro”, ali. Representa tudo para mim. Tinha
durante o dia. À noite, toda a família lembra. muito enxerto de frutas, por isso
se juntava na sala, pegava o mangual Assim como o tio, Darci Favaro vinham muitas aracuãs. Foi quando
(duas varas amarradas com uma fita de Carlessi, de 70 anos, viveu na casa morávamos naquela casa que a nossa
couro), enquanto um segurava, o outro com seu pai Juventino Favero até os mãe nos ensinou a atirar com revolver
batia e debulhava o grão do cacho de 26 anos, quando se casou. Ela destaca e espingarda nos pássaros”, frisa.
arroz. Então, a gente separava o grão que havia muito cuidado com a casa Atualmente, a casa é utilizada
da palha. No dia seguinte, com ajuda por ter pertencido aos avós, Domingos pelo irmão mais novo de Darci, João
Favaro, para armazenar equipamentos,
produtos e outros itens. Morando em
Foto: Caroline Monteiro

uma casa ao lado, pouco mais de cinco


metros de distância, o agricultor relata
que, assim como os outros filhos de
Juventino, nasceu naquela casa e morou
até os 20 anos na casa antiga e enfatiza
que enquanto viveu naquela casa, seu
pai esteve bem de saúde. Juventino
morreu de câncer três anos após a
mudança.
“Todo dia quando saio de casa,
olho para o lado e vejo aquela casa. A
minha infância foi ali naquela casa, a
geração do meu pai. Nela, nós tivemos
momentos bons, momentos ruins.
O passado está ali, é uma relíquia.
A casa representa muito para nós.
Vários compradores vieram aqui tentar
comprar a casa, mas enquanto eu estiver
João Favaro, ALvize Fabro e Darci Favaro Carlessi na sala da antiga casa onde moraram vivo, eu não vendo”, ressalta João.

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