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Correio dos Açores, 13 de Junho de 2020 opinião 17

Chá da Cesta - 33

Ilha da Madeira - I
obra publicada em 1861, em Londres.5 Cro- neiro de 1881. É tido como uma dos primeiros estudioso continental da flora, em trabalho
nologicamente, ocorre pela mesma altura em que trouxeram chá do Brasil para São Miguel. saído em 1948, repete a existência oitocentista
que se diz que, na ilha de São Miguel, Betten- Foi Coronel de Milícias de Ponta Delgada de chá naquela Ilha.13 Seguindo o que fora
court Leite o tentava nas Calhetas. Apesar de por Patente de 1812. Partira para a Madeira dito anteriormente, Mendes Ferrão repete
toda a sua potencialidade, em 1888, ainda não em 22 de Agosto de 1811 e dali seguira para ainda o que já se sabia: que houve cultivo
se dera o passo decisivo na ilha da Madeira: o Brasil onde casou a primeira vez a 25 de de chá na Madeira no primeiro quartel do
“de experiências isoladas do cultivo para Janeiro de 1813. Casou segunda vez, com a século XIX, e que tal ocorreu numa proprie-
ornamento.”6 cunhada, em Lisboa a 9 de Novembro 1824.8 dade denominada Quinta do Jardim da Serra,
Por: Mário Moura
Doutor em História do Atlântico Será outra pista, no caso, a ligar a Madeira e propriedade do cônsul inglês Henry Veich (ou
Universidade dos Açores São Miguel? Veitch). Veicula ainda que, o que já outros
Na advertência introdutória à relação que haviam dito, que das folhas colhidas chegou a
Chá na Ilha da Madeira? Convém ter sem- José do Canto redigiu em 1851, das plantas fabricar-se chá preto. Adianta um dado actual:
pre em mente que a Madeira era um espaço que cultivava na Ilha, intitulada Hortus Can- a cultura do chazeiro na Madeira desapareceu
permeável à influência do Império Britânico. tuanus, o autor diz o que pensa da aclimatação completamente.14 Outra pista, vem em entrada
Saliente-se o facto de ter sido ocupada duas de novas espécies: “(…) O clima de Portugal, publicada no volume II do Dicionário da
vezes por tropas Britânicas, primeiramente de Madeira e Açores é acomodado a toda a cas- História de Portugal, dirigido pelo historiador
Julho de 1801 a Janeiro de 1802, em seguida, ta de produções vegetais. (…) O homem só, madeirense Joel Serrão. A publicação vai de
de Dezembro de 1807 a Outubro de 1814. neste recanto do mundo, tem sido, há séculos, 1963 a 1971, cujo autor é identificada pelas
E não só. A Madeira, em finais do século testemunha impassível de tanta maravilha: iniciais F.C. da C. (provavelmente o historia-
XVIII era muito visitada por britânicos ‘(…) nunca ao seu artifício deveu a natureza o dor e antropólogo micaelense Francisco Car-
estudiosos de plantas exóticas e tropicais, que mais leve auxílio. (…).”9 A natureza dos reiro da Costa). Aí repete-se o que Cristóvão
ali as deixavam de quarentena no regresso solos da Ilha é pródiga e aberta a todo o tipo Moniz já dissera.15
das suas expedições, antes de as submeterem de introduções.10
aos climas menos temperados da Europa Não sei se são dados actualizados ou se se Lugar das Areias, Rabo de Peixe, 6 de
continental.’1 referem ao chá que existiu, no entanto, é gente Junho de 2020
Outra pista ligando a Madeira às Ilhas
Britânicas e ao Mundo científico de então:
‘o British Museum, a Linean Society, o Kew
Gardens, a Universidade de Kiel, a Univer-
sidade de Cambridge, o Museu de História
Natural de Paris (guardavam no seu acervo) [Henry Veitch (1782-1857)]
importantes colecções de fauna e flora das Fonte: https://gw.geneanet.org/brynjulf?lang=en&n=veitch
ilhas.’ Pela Madeira, ‘passaram destacados &oc=1&p=henry
especialistas da época, sendo de realçar John
Byron, James Cook, Humbolt, John Forster. Uma outra achega chega-nos de José do
Darwin esteve nas Canárias e Açores (1836) Canto, o que nos leva a ter de admitir outro
e mandou um discípulo à Madeira.’2 contributo para o chá Madeirense, além de
Isto tudo teve reflexos práticos na própria Veitch. Fidélio de Freitas Branco responde, a
Ilha da Madeira, ‘ (…) em 1757 o inglês 21 de Maio, à curiosidade de José do Canto,
Ricardo Carlos Smith fundou no Funchal que lhe escrevera para o Funchal a 3 daquele
um dos jardins onde reuniu várias espécies mesmo mês. Perguntara quem tinha/tivera
com valor comercial. Já em 1797 Domingos chá na Madeira. Responde-lhe Fidélio, após
Vandelli (1735-1816) e João Francisco de ter indagado junto de diversas pessoas: “(…)
Oliveira no estudo sobre a flora apresentou no G. Duff Dunbar.”7
ano imediato um projecto para um viveiro de Quem, então, Veitch, Dunbar? Ou ambos?
plantas. que foi criado no Monte e manteve- Em que pé ficamos? Que o assunto ainda
se até 1828.’ não está esclarecido. De onde terão vindo
Não ficou por aí o interesse madeirense as sementes e as plantas de chá? Podem ter
pelos jardins e plantas económicas: ‘(…) vindo do Brasil, mas também de qualquer área
José Silvestre Ribeiro, governador civil, de influência Britânica. Por exemplo, havia de São Miguel a escrever sobre o chá da Ma-
avançou em 1850 com um plano de criação por esta altura alguma cultura de chá na Ilha deira. Assim, em 1892, Gabriel de Almeida, 1 Soromenho, Ana, Um certo Olhar, in Revista do
Expresso, 17 de Agosto de 2019, p. 58.
do Gabinete de História Natural, a partir da de Santa Helena. Não esquecer que os Kew refere que o chá, na Ilha da Madeira, vegeta 2 Vieira, Alberto, As Ilhas Atlânticas. Para uma visão
exposição inaugurada a 4 de Abril no Palácio Gardens em Londres tinham chá. perfeitamente 11 e, em 1895, repetindo o que dinâmica da sua História, p. 250.
3 Vieira, Aberto, As Ilhas, a cana de açúcar e a História
de S. Lourenço.’ O que fracassou dois anos Um episódio que pode não querer dizer escreve em 1888, Cristóvão Moniz alude ao do meio ambiente; https://silo.tips/download/as-ilhas-a-
depois, porém, a 23 de Setembro, daquele nada mais do que isso. José Inácio Machado caso do chá da Madeira.12 cana-de-aucar-e-a-historia-do-meio-ambiente
4 Simmonds, Ob. Cit., 1854, p. 94.
ano de 1852, o alemão Frederico Welwists- Faria e Maia nasceu a 1 de Março de 1793, em 5 Moniz, Cristóvão, Ob. Cit., Maio de 1888, p.32.
ch, que passou pelo Funchal a caminho de Ponta Delgada, onde vem a falecer a 1 de Ja- Outro testemunho mais tardio, no caso um 6 Idem
7 Cf. UACSD/FAM-ABS-JC/Documentação não
Angola, propõe ‘a criação de um jardim de inventariada (Nestor Sousa), “Carta de Fidélio de Freitas
aclimatação no Funchal e em Luanda.’ Diga- Branco, Funchal, a José do Canto, Ponta Delgada”, 21 de
Maio de 1886
se que Welwistsch se correspondia com José 8 Rodrigues, Rodrigo, Ob. Cit., 2008, vol. 4, p. 2347;
do Canto e que a Madeira servia de ligação Albergaria, Eduardo Soares de, Ob. Cit.,2013, p.101.
9 Cf. UACSD/FAM-ABS-JC/Documentação não
entre das ‘colónias aos jardins de Lisboa, tratada/Cx.156, [Hortus Cantuanus: relação das plantas
Coimbra e Porto.’ Outro alemão, o Padre cultivadas na IIha de S. Miguel por José do Canto], 1851.
10 Na extensa lista de plantas, da qual apenas se respiga
Ernesto João Schmitz, ‘como professor do algumas, completa-nos a achega: “(fl. 10 v.) (…) protea (…)
seminário diocesano [do Funchal], levou (fl. 15 v.) (…) (fl. 19 v.) (…) 91 coffea /97 arábica/ árvore
do café (…) (…) azálea (…) (fl. 21 v.) (…) pittosporum
à criação em 1882 um Museu de História (…) (fl. 39 v.) (…) Hidrangea /Hortensia (…) (fl. 42 v.) (…)
Natural, que hoje se encontra integrado no poinsettia (…) (fl. 45v.) (…) metrosiderus (…) (fl. 46 v.) (…)
eucaliptos (…) (fl. 67 v.) maracujá (…) (FL. 69 V.) hibiscus
actual Jardim Botânico.’3 (…) (fl. 70 v.) (…) camélia (não a sinensis) (…) (fl. 92 v.)
Perante este quadro, não será de admirar (…) plátano (…) (fl. 98 v.) (…) araucária (…) (fl. 99v) (…)
acácia (…) (fl. 104 v.) bancksia, bouganvílea (…) (fl. 108)
que, na década de 20, do século XIX, Henry criptoméria Japónica (…).”
Veitch (1782-1857), um ex-cônsul Britânico 11 Almeida, Ob. Cit., 1892, p.4.
12 Moniz, Ob. Cit.,, 1895, p.32.
a residir na Ilha, tenha cultivado e, ainda que 13 Lacerda, Ob. Cit., 1948, pp. 16-17.
de pouca qualidade, produzido chá. Em 1854, 14 Mendes Ferrão, Ob. Cit., 1992, p. 160.
15 Costa, Idem, Francisco Carreiro da, Chá, in Dicio-
P. L. Simmonds dá-nos disso testemunho.4 nário de História de Portugal, Joel Serrão, vol. II, Porto,
Francisco Travassos Valdez confirma-o, em 1963-1971, p. 47.

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