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Cultura Portuguesa da Época dos

Descobrimentos

aulas
(cont. – o «achamento» do Brasil
relatado na Carta de Pêro Vaz de
Caminha)

As imagens aqui apresentadas são para


uso pedagógico exclusivo nesta UC

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


Contexto(s) das viagens marítimas (cont. da 1ª aula)
Motivações económicas e contexto político ibérico

 Consequências políticas, económicas e religiosas da queda


do Império Romano do Oriente (>1453)
 Portugal e a sua expansão marítima ao longo do século XV
 Espanha (união Foto
das ?coroas de Castela e Aragão, tomada de
(à escolha da Faculdade)
Granada e 1ª viagem de Cristóvão Colombo em 1492)
 Depois de Colombo, a manutenção do caminho para a
Índia pelo sul de África
 1ª Viagem de Vasco da Gama, segundo a relação (o Roteiro)
da viagem

 O ‘achamento” do Brasil e a Carta que o regista: história


e literatura
Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022-2023
O “achamento” do Brasil em 1500
segundo a Carta de Pêro Vaz de Caminha

Uma realidade desconhecida dos europeus e


asiáticos

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


• «Sabendo-se das longas e secretas intrigas que acompanharam nas duas cortes
da Península e junto da Santa Sé a veemente pugna das soberanias, de que
resultou o celebérrimo convénio [assinado em Tordesilhas, a 7 de junho de
1494];
• que Cristóvão Colombo, em 1498, movido, como confessa, pelas disposições
desse contrato, mudava o rumo aos seus descobrimentos e, pela primeira vez,
avistava a terra firme da América;
• que, nesse mesmo ano [1498], Duarte Pacheco Pereira foi igualmente incumbido
por D. Manuel de explorar a ocidente «a quarta parte do mundo»;
• e, fInalmente, que Gaspar Corte-Real partia também para ocidente, ao mesmo
tempo que Cabral [em 1500], a explorar as terras setentrionais do Novo Mundo
[Terra Nova, América do Norte], à sombra do apoio e das expressas doações
reais;
• era lógico e necessário que Pedro Álvares Cabral, desviando-se para Oeste,
procurasse realizar uma exploração do Atlântico Meridional, com vistas ao
descobrimento das terras dentro dos limites de Tordesilhas.»

Cf. Jaime Cortesão, A Carta de Pero Vaz de Caminha (Lisboa, 2000, p. 56)

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


A ‘Carta” desta “Ilha de Vera Cruz” a D. Manuel
A NOVIDADE DO DESCONHECIDO – CURIOSIDADE, ENTUSIAMO E CAUTELAS
EDUCATION

Contexto do “Achamento do Brasil”

«É dentro desse ambiente de árdua competição pela partilha do Mundo e da


premente necessidade de tomar as posições de direito, onde quer que
existissem, muito mais onde sobrelevassem os interesses, como nos mares que
levavam à Índia, que devemos ler a Carta de Caminha e entender as suas
revelações implícitas sobre a rota de Cabral.
Ora, a missiva de Pêro Vaz não só refere o descobrimento de Vera Cruz como
facto natural e dentro duma rota prévia e seguramente traçada e percorrida,
mas [...] dela se infere que Pedro Álvares julgava ter abordado a uma terra
inteiramente nova e alheia tanto à cultura da África, como da Ásia. São estes os
primeiros elementos que a Carta nos fornece, como provada intencionalidade
do descobrimento de Cabral.»
Jaime Cortesão, A Carta de Pero Vaz de Caminha
(Lisboa, 2000, pp. 56-57)

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A Carta desta “Ilha de Vera Cruz” a D. Manuel

Texto diferente do Roteiro: na intencionalidade, na forma e no género, no


modo de expressão

“Senhor
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães
escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que
ora nesta navegação Foto
se achou, não deixarei
? (à escolha também de dar disso minha
da Faculdade)
conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que — para o
bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer» (Carta, ed. de J.M.G.,
Ed. Presença, 1983, p. 245).

Uma carta para o rei – um testemunho pessoal, um texto entre outros mas
com destinatário direto, um pedido de recompensa:

“…peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé
Jorge de Osório, meu genro, o que dela receberei em muita mercê” (Carta,
p. 263).
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A ‘Carta” desta “Ilha de Vera Cruz” a D. Manuel
Mútua aproximação, mútua “descoberta”, mútua curiosidade:

De 7-8 homens na 1ª vista de Terra de Vera Cruz, logo se contam 18 ou 20 na


ancoragem…(p. 246) Quando “fizeram vela”, já estavam na praia “sessenta ou
setenta homens” (p.247)

Curiosidade /desconfiança inicial > rápida perceção da facilidade do


encontro: Foto ? (à escolha da Faculdade)

No “porto seguro” …”na praia andavam muitos com seus arcos e setas e não
lhe aproveitaram. Trouxe-os logo, já de noite, ao capitão, onde foram recebidos
com muito prazer e festa” (p. 247)

Similar necessidade de descrição da diferença e especificidade: “A feição


deles…” (p.247) – surpresa e respeito

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Figurações do encontro com os indígenas do Brasil – Armada de Pedro Álvares Cabral

Pintura óleo sobre tela “Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500” (Oscar Pereira da
Silva, 1865-1939). Imagem: Wikimedia Commons.

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A ‘Carta” desta “Ilha de Vera Cruz” a D. Manuel
De notar:
A ostentação de poder, para estudar a reação dos visitantes: um colar de ouro mui
grande ao pescoço”, um “castiçal de prata”: “Um deles, porém, pôs olho no colar do
capitão e começou a acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que
dizia que havia em terra ouro” (p. 248), e também prata, e papagaios…
Mas não reconheceram o carneiro, espantaram-se com a galinha, não quiseram
provar ou rejeitaram a comida e o vinho que os portugueses lhes davam para irem
percebendo os seus gostos…
Foto ? (à escolha da Faculdade)
os portugueses interpretavam como queriam interpretar à luz do que procuravam:
ouro, prata… Aliás, a carta dá bem conta disso mesmo:
“Isto tomávamos nós assim por o desejarmos; mas e ele queria dizer que levaria as
contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, porque lho não havíamos
de dar” (p. 248-9)
Registo constante da naturalidade do comportamento dos nativos, como sucede
quando se deitaram na alcatifa: “E então estiraram-se assim de costas na alcatifa, a
dormir, sem ter nenhuma maneira de cobrir em suas vergonhas (…) E lançaram-lhes
um manto em cima e eles consentiram e ficaram e dormiram” (p.249) – facto que
Vasco da Gama nunca conseguiu com os africanos e indiano… como todos os
portuguesas nesta viagem certamente sabiam.
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Victor Meirelles (1859-1861), Primeira missa no Brasil - óleo sobre tela – Museu Nacional de Belas Artes, Brasil
A riqueza da narrativa desta ‘Carta”

A narrativa de Pêro Vaz de Caminha é especial, pelo seu foco:

Na natureza acolhedora (tanto do ponto de vista físico como humano);

No contacto fácil e direto com os nativos, sem sinais de «cortesia»


destes;

Na consciência do “homem novo”


Foto ? (à e da
escolha da sua diferença em relação ao
Faculdade)
que conheciam;

Na observação e no exame das suas características, dos costumes, das


atitudes (também da fauna e da flora), das informações que queriam
recolher, só conseguida por observação e pela interpretação de gestos e
sinais

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Relativamente às habitações (v. 27 de abril):

Foram-se lá todos e andaram entre eles e, segundo eles diziam, foram bem uma légua e
meia a uma povoação de casas, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que
eram tão compridas cada uma como esta nau capitana. E eram de madeira, e das
ilhargas, de tábuas, e cobertas Ide palha; de razoada altura e todas em uma só casa. Sem
nenhum repartimento. Tinham dentro muitos esteios e de esteio a esteio uma rede,
atada pelos cabos em cada esteio. altas, em que dormiam, e, debaixo, para se
aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma em um
cabo e outra no outro. E diziam que, em cada casa, se acolhiam trinta ou quarenta
pessoas … (p. 256-7) Foto ? (à escolha da Faculdade)

À alimentação e ocupações:
…lhes davam de comer daquela vianda que eles tinham, a saber: muito inhame [tubérculo]
e outras sementes, que na terra há, que eles comem.

Eles não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem
galinha, nem outra nenhuma alimária, que costumada seja ao viver dos homens; nem
comem senão desse inhame que aqui há muito e dessa semente e frutos que a terra e as
árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós
tanto com quanto trigo e legumes comemos.» (p. 260)

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entre duas talas mui bem atadas e por tal maneira, que andam fortes, segundo os homens, que
A ariqueza
ontem da narrativa
suas casas foram, desta
diziam, porque lhas ‘Carta”
viram lá.» (p. 257)
«Eu creio, Senhor, que não dei ainda aqui conta a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas.
Os arcos são pretos e compridos e as setas compridas e os ferros delas de canas aparadas,
Às novidades:
segundo Vossa Alteza verá por alguns, que creio que o capitão a Ela há-de enviar.» (p. 258)

Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros e creio que o faziam mais
por verem a ferramenta de ferro, com que a faziam, que por verem a cruz,
porque eles não têm coisa que de ferro seja e cortam sua madeira e paus
com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau, entre duas talas mui
bem atadas e por tal maneira, que andam fortes, segundo os homens, que
Fotodiziam,
ontem a suas casas foram, ? (à escolha dalhas
porque Faculdade)
viram lá.» (p. 257)

«Eu creio, Senhor, que não dei ainda aqui conta a Vossa Alteza da feição de
seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos e as setas compridas e os
ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns, que
creio que o capitão a Ela há-de enviar.» (p. 258)

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


A riqueza da narrativa desta ‘Carta”
À valorização do “diálogo” pacífico – por gestos e expressões;

à projeção do futuro: ou seja, a expectativa da facilidade da “aculturação” e


cristianização dos nativos:

30 de Abril
«Parece-me gente de tal inocência que, se os homem entendesse e eles a nós, que
seriam logo cristãos, porque eles não têm nem entendem em nenhuma crença,
Foto
segundo parece. [...] porque esta? (à escolha
gente é boada Faculdade)
e de boa simplicidade e imprimir-se-á
ligeiramente neles qualquer cunho que lhes quiserem dar. E logo lhes Nosso Senhor deu
bons corpos e bons rostos, como a bons homens e ele, que nos por aqui trouxe, creio que
não foi sem causa. E, portanto, Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar na santa fé
católica, deve entender em sua salvação; e prazerá a Deus que, com pouco trabalho,
será assim.» (pp. 259-260)

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A riqueza da narrativa desta ‘Carta”

Ao registo da “esquiveza” (por dificuldade de compreensão do outro):

«Depois de dançarem, fez-lhes ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e salto real,
de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E, conquanto os com aquilo muito
segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como monteses.» [...]
Basta dizer-vos que até aqui, como quer que se eles em alguma parte amansassem,
logo duma mão para a outra se esquivavam, como pardais de cevadoiro; e homem
não lhes ousa de falar rijo por se mais não esquivarem. [...]
Foto
Os outros dois, que o capitão ? (ànas
teve escolha da nunca
naus [...], Faculdade)
aqui mais apareceram, de que
tiro ser gente bestial e de pouco saber e por isso são assim esquivos.» (p. 255)
«À segunda-feira [27 de Abril], depois de comer saímos todos em terra a tomar água. Ali
vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. [...] E depois, poucos e
poucos, misturaram-se connosco e abraçavam-nos e folgavam e alguns deles se
esquivavam logo.» (p. 256)
«E o capitão [...] aos degradados mandou que ficassem lá a esta noite. [...]
E, como foi tarde, fizeram-nos logo todos tornar e não quiseram que lá ficasse
nenhum.» (pp. 256-257)

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A riqueza da narrativa desta ‘Carta”
Várias referências à fauna (aves e outros animais):

«Outras aves, então, não vimos; somente algumas pombas seixas e pareceram-me
maiores, em boa quantidade, que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas, mas eu
não as vi, mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes e de infindas maneiras,
não duvido que por esse sertão hajam muitas aves.» (p. 258)
«Diego Dias e Afonso Ribeiro [...] trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas,
quase como pegas, senão quanto tinham o bico branco e os rabos curtos.» (p. 258)

Mariscos: Foto ? (à escolha da Faculdade)


«Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e pregação, espraia muito a água e descobre
muita areia e muito cascalho. Foram alguns, em nós aí estando, buscar marisco e não no
acharam. E acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um muito
grosso, que em nenhum tempo o vi tamanho. Também acharam cascas de bergões e de
amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.» (p. 252)

Tubarão:
«E, depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros,
que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou e
levava-lho e lançou-o na praia.» (p. 255)

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


A riqueza da narrativa desta ‘Carta”

Também à flora

Ex: Palmas / palmeiras:


«Andámos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há
muitas palmas não muito altas, em que há muito bons palmitos.» (p. 254)
«Foi o capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e
de muita água que, a nosso parecer, era esta mesma que vem ter à praia em que nós
tomámos água. Ali permanecemos um pedaço bebendo e folgando ao longo dela, entre
Foto
esse arvoredo, que é tanto ? (à escolha
e tamanho e tão da Faculdade)
basto e de tantas prumagens, que lhe não
pode homem dar conto. Há entre ele muitas palmas de que colhemos muitos e bons
palmitos.» (p. 259)

«Traziam alguns deles uns ouriços verdes de árvores que, na cor, queriam parecer de
castanheiros, senão quanto eram mais e mais pequenos. E aqueles eram cheios duns
grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura muito
vermelha, de que eles andavam tintos E, quanto se mais molhavam, tanto mais
vermelhos ficavam.»
(p. 256)

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


A riqueza da narrativa desta ‘Carta”
Expetativa de encontrar ouro e prata:

•26 de Abril
«E depois moveu o capitão para cima, ao longo do rio, que anda sempre a carão da
praia, e ali esperou um velho que trazia na mão uma pá de almadia. Falou, estando o
capitão com ele perante nós todos, sem o nunca ninguém entender nem ele a nós,
quanto a coisas que lhe homem perguntava de ouro, que nós desejávamos saber se o
havia na terra.» (pág. 254)
•1 de Maio
Foto ? (à escolha da Faculdade)
«Nela até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem nenhuma coisa de
metal, nem de ferro; nem lho vimos.» (pág. 262-263)

A fertilidade do solo:

«Porém, a terra, em si, é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre-
Doiro-e-Minho, porque neste tempo de agora assim os achámos, como os de lá. Águas
são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á
nela tudo por bem das águas que tem.» (pág. 263)

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


A representação da
riqueza e diversidade
humana, da fauna e da
flora
Terra Brasilis, do cartógrafo Lopo Homem,
auxiliado por Pedro e Jorge Reinel, 1519
(detalhe) – BNP – BNDigital:
«Este mapa, que faz parte do chamado “Atlas
Miller”, mostra a costa do Brasil e parte do Atlântico
central, desde as duas largas aberturas do
Amazonas até o Prata e ainda, parte da costa que se
lhe segue ao sul»
«No topo do mapa há uma legenda de caráter
histórico, característica da cartografia portuguesa
do século XVI, que foi traduzida do latim para o
português por Jaime Cortesão, em 1935, que diz:
“Esta carta é da região do grande Brasil e do lado
ocidental alcança as Antilhas do Rei de Castela.
Quanto à sua gente, é de cor um tanto escuro.
Selvagem e crudelíssima, alimenta-se de carne
humana. Este mesmo povo emprega, de modo
notável, o arco e as setas. Aqui [há] papagaios
multicores e outras inúmeras aves e feras
monstruosas. E encontram-se muitos gêneros de
macacos e nasce em grande quantidade a árvore
que, chamada brasil, é considerada conveniente
para tingir o vestuário com a cor púrpura”.
A representação do
novo “índio” cristão

Francisco Henriques, Adoração dos Reis Magos


(c. 1501-1506), Viseu: Museu Grão
«Ouro, incenso e mirra foram trazidos ao Deus
menino pelos Reis Magos, Gaspar, Baltazar e
Belchior. Estes reis eram também embaixadores
das três raças humanas conhecidas então. Em
relação à representação tradicional do tema da
Adoração dos Reis Magos, este painel introduz
uma alteração que o torna especial: a
substituição de Baltazar, habitualmente de raça
negra, por um índio brasileiro. Trata-se, com
efeito, da primeira representação de um índio
na arte ocidental, decorrido que era um ou dois
anos do “achamento” do Brasil. Este índio
enverga um traje onde se misturam influências
europeias tradicionais, como a camisa e os
calções, com a novidade exótica de um toucado
de penas, colares de contas coloridas, grossas
pulseiras de ouro nos pulsos e tornozelos,
brincos de coral branco e uma flecha
tupinambá.
Saliente-se, ainda, o facto de o Menino segurar
na mão esquerda uma moeda de ouro cunhada
com as armas de Portugal, numa sugestão ao
secular desejo de riqueza associada aos
Descobrimentos Portugueses».
Texto do Museu Grão Vasco, Viseu.
Francisco Henriques, Adoração dos Reis Magos
(c. 1501-1506) – detalhe
A representação do novo “índio” cristão

Francisco Henriques, Adoração dos Reis Magos (c. 1501-1506) – detalhe


O real, o imaginado e o contado…
Só mais tarde, ao longo do século XVI, “Às descrições vividas dos
que voltaram a salvo dessa aventura humana que é a viagem,
transmitidas oralmente ou por escrito, arquivadas em cartas ou
diários, contrapunham-se as sínteses históricas, as crónicas de
lenta maturação e de filtragem dos elementos dos que não
chegaram a ir. OsFotoque? (àfizeram as derrotas dos oceanos ou
escolha da Faculdade)
percorreram as trilhas caravaneiras iam de novidade em
novidade, na vertigem do tempo e do espaço, procurando
equilibrar empiricamente as suas estruturas cognitivas e, de
improviso em improviso, responder com adequação às
solicitações, vencer os obstáculos que o jornadear por domínios
ignorados, onde desembocavam de chofre, lhes oferecia”
João R. Pinto, Relação anónima… de Vasco da Gama à Índia”, in Cidadania e História (Cadernos da
Revista de HES – 6-7, Lisboa, 1985, pp.147)
Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023
A ‘novidade’ do desconhecido e novamente «descoberto»:
visualização e descrição
As informações recolhidas contribuíram também para novas imagens e para novas cartografias
do Oriente e do mundo – que, a partir de 1502, com o Planisfério de Cantinho (um comerciante
ao serviço do duque de Ferrara), passaram progressivamente a incluir também,
compreensivelmente, o Brasil, além das Antilhas, da Gronelância e parte da América do Norte).

Foto ? (à escolha da Faculdade)

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O contado, o real, o figurado: Dos relatos (viagens, povos,
costumes) às novas cartografias e às alegorias dos continentes no século XVI.

Foto ? (à escolha da Faculdade)

Abraham Ortelius, 1º atlas moderno: Theatrum Orbis Terrarum, 1570


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Alegoria da Europa (entre 1551 e 1600) - Gravura de Adrien II Collaert,
a partir de um
desenho de
Martin de Vos –
Ruhr-Universität
Bochum

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Alegoria da Ásia, 1586-91 -
Gravura de Adrien II Collaert,
a partir de um desenho de
Martin de Vos
Herzog August Bibliothek

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Alegoria de África (c. 1586-91)
- Gravura de Adrien II Collaert,
a partir de um
desenho de Martin
de Vos, Antuérpia
EUA, Metropolitan
Museum of Art

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Alegoria da América (c. 1595) - Adrien II Collaert, a partir de um desenho de Martin de Vos,
Antuérpia (BNParis) – o tatu fantasista transporta uma Amazona com atributos guerreiros

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Imagens de tatu real

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A continuidade das viagens – a ligação dos “mundos”
(ainda sem conhecimnto da Oceania)

Estes textos (e outros relatos de viagem) testemunham complementarmente – porque


escritos para registo do progressivo contacto com novas populações, com a esperança de
trocas comerciais (especiarias, ouro, outros metais, outros recursos…) – , como a
experiência comercial dos portugueses e, muito especialmente, o domínio técnico da
arte de navegar associado a uma robusta vontade, primeiro, de chegar à Índia por mar,
depois, de domínio de novos territórios, foram determinantes para um tipo de
desenvolvimento ao longo da Época Moderna, tanto do Ocidente quanto dos outros
territórios que viveram esseFoto ? (à escolha
“encontro” … da Faculdade)

Mas os textos também devem ser lidos pelo que revelam de todo o processo das
viagens marítimas, das suas contrariedades, dos seus improvisos, do encontro com
outras civilizações, culturas, realidades totalmente desconhecidas e pela primeira vez
presenciadas oficialmente pelos europeus.
Talvez o seu maior valor resida na sua dimensão cultural, enquanto testemunho da
mentalidade dos viajantes, dos seus anseios e convicções, dos seus referentes (e “pré-
conceitos”) e consequentes surpresas, dos seus equívocos e crenças infundadas,
apoiadas em histórias ou em relatos indiretos e em grande medida ficcionais , de uma
Idade Média povoada de mundos longínquos e desconhecidos, que tanto se
alimentaram de monstros como de riquezas a explorar.
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Um novo “mapa mental” - a ligação dos “mundos”
Por tudo isto, tanto o Roteiro como a Carta – complementarmente – marcam o
fim de uma certa visão do mundo (muito ficcional, como tantas outras da Idade
Média europeia) e simbolizam uma nova era política, comercial e,
indissociavelmente, cultural...
De facto, de modos diferentes – mutuamente enriquecedores na sua
complementaridade - representam, pelo modo como registam factos,
sentimentos, visões do novo e do “desconhecido”, testemunhos dessa era de
transformação do conhecimento e da visão
Foto ? (à escolha do mundo que, precisamente na
da Faculdade)
fronteira entre o século XV e o XVI, originam o despertar uma nova Geografia
que passou a incluir, primeiro, o Brasil e a América Central, mais tarde todo o
continente americano.
Criou-se uma nova ordem do saber e/ou reorganização dos saberes: além de
novas cartografias, também uma nova botânica (lembrar + tarde Garcia de
Orta, Colóquio dos simples e drogas da Índia, Goa, 1563), nova astronomia,
nova medicina, novas representações mentais do mundo, da existência
humana, da sua diversidade – física e cultural, alterando-se definitivamente o
sistema Ptolomaico.

Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023


Um novo “mapa mental” - a ligação dos “mundos”

Reforçou-se também a curiosidade e novas interpretações da vida na Terra.

Com estes dois factos – encontro com o Oriente e encontro como um “novo
Ocidente” – que os textos aqui registaram pela primeira vez, abriu-se
também um novo mapa mental (não só na Europa) que veio pôr em causa
certezas e, sobretudo, eliminar fantasias anteriores de um mundo que se
achava “conhecido”. Foto ? (à escolha da Faculdade)
A viagem de Fernão de Magalhães veio confirmá-lo, definitivamente…

Fernão de Magalhães – a Odisseia (ep. 1)


https://www.rtp.pt/play/p11117/e662003/a-odisseia-de-fernao-de-
magalhaes

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