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(cont. – o «achamento» do Brasil
relatado na Carta de Pêro Vaz de
Caminha)
Cf. Jaime Cortesão, A Carta de Pero Vaz de Caminha (Lisboa, 2000, p. 56)
“Senhor
Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães
escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que
ora nesta navegação Foto
se achou, não deixarei
? (à escolha também de dar disso minha
da Faculdade)
conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que — para o
bem contar e falar — o saiba pior que todos fazer» (Carta, ed. de J.M.G.,
Ed. Presença, 1983, p. 245).
Uma carta para o rei – um testemunho pessoal, um texto entre outros mas
com destinatário direto, um pedido de recompensa:
“…peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé
Jorge de Osório, meu genro, o que dela receberei em muita mercê” (Carta,
p. 263).
Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023
A ‘Carta” desta “Ilha de Vera Cruz” a D. Manuel
Mútua aproximação, mútua “descoberta”, mútua curiosidade:
No “porto seguro” …”na praia andavam muitos com seus arcos e setas e não
lhe aproveitaram. Trouxe-os logo, já de noite, ao capitão, onde foram recebidos
com muito prazer e festa” (p. 247)
Pintura óleo sobre tela “Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500” (Oscar Pereira da
Silva, 1865-1939). Imagem: Wikimedia Commons.
Foram-se lá todos e andaram entre eles e, segundo eles diziam, foram bem uma légua e
meia a uma povoação de casas, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que
eram tão compridas cada uma como esta nau capitana. E eram de madeira, e das
ilhargas, de tábuas, e cobertas Ide palha; de razoada altura e todas em uma só casa. Sem
nenhum repartimento. Tinham dentro muitos esteios e de esteio a esteio uma rede,
atada pelos cabos em cada esteio. altas, em que dormiam, e, debaixo, para se
aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma em um
cabo e outra no outro. E diziam que, em cada casa, se acolhiam trinta ou quarenta
pessoas … (p. 256-7) Foto ? (à escolha da Faculdade)
À alimentação e ocupações:
…lhes davam de comer daquela vianda que eles tinham, a saber: muito inhame [tubérculo]
e outras sementes, que na terra há, que eles comem.
Eles não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem
galinha, nem outra nenhuma alimária, que costumada seja ao viver dos homens; nem
comem senão desse inhame que aqui há muito e dessa semente e frutos que a terra e as
árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós
tanto com quanto trigo e legumes comemos.» (p. 260)
Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros e creio que o faziam mais
por verem a ferramenta de ferro, com que a faziam, que por verem a cruz,
porque eles não têm coisa que de ferro seja e cortam sua madeira e paus
com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau, entre duas talas mui
bem atadas e por tal maneira, que andam fortes, segundo os homens, que
Fotodiziam,
ontem a suas casas foram, ? (à escolha dalhas
porque Faculdade)
viram lá.» (p. 257)
«Eu creio, Senhor, que não dei ainda aqui conta a Vossa Alteza da feição de
seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos e as setas compridas e os
ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns, que
creio que o capitão a Ela há-de enviar.» (p. 258)
30 de Abril
«Parece-me gente de tal inocência que, se os homem entendesse e eles a nós, que
seriam logo cristãos, porque eles não têm nem entendem em nenhuma crença,
Foto
segundo parece. [...] porque esta? (à escolha
gente é boada Faculdade)
e de boa simplicidade e imprimir-se-á
ligeiramente neles qualquer cunho que lhes quiserem dar. E logo lhes Nosso Senhor deu
bons corpos e bons rostos, como a bons homens e ele, que nos por aqui trouxe, creio que
não foi sem causa. E, portanto, Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar na santa fé
católica, deve entender em sua salvação; e prazerá a Deus que, com pouco trabalho,
será assim.» (pp. 259-260)
«Depois de dançarem, fez-lhes ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e salto real,
de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E, conquanto os com aquilo muito
segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como monteses.» [...]
Basta dizer-vos que até aqui, como quer que se eles em alguma parte amansassem,
logo duma mão para a outra se esquivavam, como pardais de cevadoiro; e homem
não lhes ousa de falar rijo por se mais não esquivarem. [...]
Foto
Os outros dois, que o capitão ? (ànas
teve escolha da nunca
naus [...], Faculdade)
aqui mais apareceram, de que
tiro ser gente bestial e de pouco saber e por isso são assim esquivos.» (p. 255)
«À segunda-feira [27 de Abril], depois de comer saímos todos em terra a tomar água. Ali
vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. [...] E depois, poucos e
poucos, misturaram-se connosco e abraçavam-nos e folgavam e alguns deles se
esquivavam logo.» (p. 256)
«E o capitão [...] aos degradados mandou que ficassem lá a esta noite. [...]
E, como foi tarde, fizeram-nos logo todos tornar e não quiseram que lá ficasse
nenhum.» (pp. 256-257)
«Outras aves, então, não vimos; somente algumas pombas seixas e pareceram-me
maiores, em boa quantidade, que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas, mas eu
não as vi, mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes e de infindas maneiras,
não duvido que por esse sertão hajam muitas aves.» (p. 258)
«Diego Dias e Afonso Ribeiro [...] trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas,
quase como pegas, senão quanto tinham o bico branco e os rabos curtos.» (p. 258)
Tubarão:
«E, depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros,
que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou e
levava-lho e lançou-o na praia.» (p. 255)
Também à flora
«Traziam alguns deles uns ouriços verdes de árvores que, na cor, queriam parecer de
castanheiros, senão quanto eram mais e mais pequenos. E aqueles eram cheios duns
grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura muito
vermelha, de que eles andavam tintos E, quanto se mais molhavam, tanto mais
vermelhos ficavam.»
(p. 256)
•26 de Abril
«E depois moveu o capitão para cima, ao longo do rio, que anda sempre a carão da
praia, e ali esperou um velho que trazia na mão uma pá de almadia. Falou, estando o
capitão com ele perante nós todos, sem o nunca ninguém entender nem ele a nós,
quanto a coisas que lhe homem perguntava de ouro, que nós desejávamos saber se o
havia na terra.» (pág. 254)
•1 de Maio
Foto ? (à escolha da Faculdade)
«Nela até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem nenhuma coisa de
metal, nem de ferro; nem lho vimos.» (pág. 262-263)
A fertilidade do solo:
«Porém, a terra, em si, é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre-
Doiro-e-Minho, porque neste tempo de agora assim os achámos, como os de lá. Águas
são muitas, infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á
nela tudo por bem das águas que tem.» (pág. 263)
Mas os textos também devem ser lidos pelo que revelam de todo o processo das
viagens marítimas, das suas contrariedades, dos seus improvisos, do encontro com
outras civilizações, culturas, realidades totalmente desconhecidas e pela primeira vez
presenciadas oficialmente pelos europeus.
Talvez o seu maior valor resida na sua dimensão cultural, enquanto testemunho da
mentalidade dos viajantes, dos seus anseios e convicções, dos seus referentes (e “pré-
conceitos”) e consequentes surpresas, dos seus equívocos e crenças infundadas,
apoiadas em histórias ou em relatos indiretos e em grande medida ficcionais , de uma
Idade Média povoada de mundos longínquos e desconhecidos, que tanto se
alimentaram de monstros como de riquezas a explorar.
Maria de Lurdes C. Fernandes – CPED – ano letivo 2022/2023
Um novo “mapa mental” - a ligação dos “mundos”
Por tudo isto, tanto o Roteiro como a Carta – complementarmente – marcam o
fim de uma certa visão do mundo (muito ficcional, como tantas outras da Idade
Média europeia) e simbolizam uma nova era política, comercial e,
indissociavelmente, cultural...
De facto, de modos diferentes – mutuamente enriquecedores na sua
complementaridade - representam, pelo modo como registam factos,
sentimentos, visões do novo e do “desconhecido”, testemunhos dessa era de
transformação do conhecimento e da visão
Foto ? (à escolha do mundo que, precisamente na
da Faculdade)
fronteira entre o século XV e o XVI, originam o despertar uma nova Geografia
que passou a incluir, primeiro, o Brasil e a América Central, mais tarde todo o
continente americano.
Criou-se uma nova ordem do saber e/ou reorganização dos saberes: além de
novas cartografias, também uma nova botânica (lembrar + tarde Garcia de
Orta, Colóquio dos simples e drogas da Índia, Goa, 1563), nova astronomia,
nova medicina, novas representações mentais do mundo, da existência
humana, da sua diversidade – física e cultural, alterando-se definitivamente o
sistema Ptolomaico.
Com estes dois factos – encontro com o Oriente e encontro como um “novo
Ocidente” – que os textos aqui registaram pela primeira vez, abriu-se
também um novo mapa mental (não só na Europa) que veio pôr em causa
certezas e, sobretudo, eliminar fantasias anteriores de um mundo que se
achava “conhecido”. Foto ? (à escolha da Faculdade)
A viagem de Fernão de Magalhães veio confirmá-lo, definitivamente…