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O êxodo português: a vida de António Alfredo Balina antes e


durante o processo de mudança para o Brasil

Maria Gabriela Balina do Amaral 1

RESUMO

O texto detém-se em ilustrar de forma breve o processo vivido pelos imigrantes


portugueses até meados do século XX. Sendo assim, António Balina é usado
como exemplo para analisar este momento histórico. Abrangem-se, neste
estudo, três momentos cruciais para tal movimento: a vida em Portugal, a
jornada para o Brasil e a chegada à nova terra. As fontes consultadas explicam
como foi a tomada de decisão, o processo de mudança e os primeiros
momentos após o desembarque, além de possibilitar reviver os motivos que
causaram o êxodo dos nativos de Portugal para as terras brasileiras. A análise
de documentos oficiais e fotos ajuda na construção de um quadro geral de
como era a viagem marítima e a chegada ao porto do Rio de Janeiro.

Palavras Chave: Balina, Brasil, imigrante, migração, Portugal

ABSTRACT

The article focuses on briefly illustrating the process experienced by Portuguese


immigrants during the mid-twentieth century. For that, António Balina is used as
an example to study this historical moment. Three major steps are covered in
this research: the life in Portugal, the journey to Brazil and the arrival to the new
land. The sources consulted explain how the decision to leave was made, how
was the process of moving and how were the first moments after arriving. In
addition, it also enables remembering the reasons that caused the exodus of
Portuguese people to Brazil. A picture of what the voyage and the arrival to the
port of Rio de Janeiro were like is built by analysing official documents and
images.
Keywords: Balina, Brazil, immigrant, migration, Portugal
1
Aluna do curso de Licenciatura em Línguas, Literatura e Culturas da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, turma de 2020/2021. E-mail: magahp2@gmail.com
2

Introdução

Para que a emigração portuguesa destinada ao Brasil seja entendida com mais
clareza é necessário contextualizar a situação do povo de Portugal nos âmbitos
econômico e social. Sendo assim, neste estudo, serão analisados, de forma
breve, alguns dos motivos que causaram o êxodo português ocorrido em
meados do século XX. De facto, existem poucos estudos sobre a emigração
portuguesa durante esta época e que façam uso de indivíduos reais como
exemplificação e ilustração deste processo. Tais são as grandes razões pelas
quais este foi escolhido como tema para o trabalho aqui apresentado.

Outro motivo é de caráter pessoal. António Alfredo Balina 2, meu avô, é a maior
inspiração para este estudo, já que foi uma pessoa extremamente importante e
presente em minha vida, principalmente durante a infância e o início da
adolescência. Muito do que tenho, sei e sou devo a ele, não somente por ter
fornecido um quarto de meus genes, mas, também, por ter sido um grande
exemplo de superação, persistência, trabalho duro e sucesso. Um típico rapaz
da aldeia, como ele mesmo se denominava, foi para o Brasil ainda jovem,
tentando buscar uma vida melhor. Lá, conquistou, com muita luta, seu pequeno
“império”3 na área do comércio, construiu sua própria família e conseguiu
ascender socialmente. Concluiu os estudos por meio de supletivo, chegando a
se formar no ensino secundário em uma escola pública no Rio de Janeiro. Teve
a oportunidade de estudar no ensino superior privado, no curso de direito, mas
optou por dar preferência ao estudo dos filhos em um curso privado de língua
inglesa.

2
Nasceu no norte de Portugal, em Canelas do Douro, Peso da Régua, no dia 28 de janeiro de
1942, entretanto, foi registrado somente no dia 06 de março do mesmo ano. Filho de
trabalhadores rurais, cresceu em situação de pobreza e completou o quarto ano do ensino
básico em uma escola multisseriada de sua aldeia. Foi morar em Porto, aos doze anos, para
trabalhar em uma casa de pasto. Aos dezesseis foi viver na casa de um tio no Rio de Janeiro.
Trabalhou no comércio desde sua chegada ao Brasil e, após anos, conseguiu abrir e expandir
seu próprio negócio. Casou-se com Eponina Martins, filha de português e brasileira, e teve três
filhos, todos formados no ensino superior. Dez anos após se instalar no Rio de Janeiro, trouxe
sua irmã, Maria Júlia, para viver consigo até o ano de 1989, quando esta voltou para Portugal.
Retornou à sua pátria duas vezes a passeio, junto com seus descendentes. Apesar da
distância nunca deixou de manter contato com a família que permaneceu na terra natal.
3
Pequena rede composta por quatro lojas e uma fábrica de uniformes profissionais, conhecida
como “Uniformes Balina”, atualmente administradas por seus dois filhos mais jovens.
3

Por que sair de Portugal?

O grande escritor Eça de Queirós comentou, certa vez, que “em Portugal a
emigração não é como em toda a parte, a transbordação da população que
sobra; mas a fuga da população que sofre” (1890) 4. De facto, desde o momento
em que esta frase foi publicada o país passava por grandes dificuldades. Por
volta do ano de 1880 se deu uma sucessão de colheitas escassas, além da
enorme concentração fundiária, característica da Península Ibérica. Essas são,
portanto, as geratrizes mais famosas da grave crise econômico-social de
Portugal do final do século XIX. Há estudiosos, como Eulália Maria Lobo
(2001)5, que explicam a difícil situação que o país vivia.

A maior indústria da época era a do tabaco, que pagava salários baixíssimos


para os proletários contratados; a mineração portuguesa foi quase inteiramente
entregue à exploração de grandes companhias estrangeiras, principalmente as
inglesas; as poucas fábricas de tecido sofriam com a constante interrupção da
produção, devido à falta de matéria prima; a agricultura permanecia estagnada,
com resultados insuficientes para sustentar o país; a terra se cansava cada vez
mais; a pesca, a pecuária e a exploração dos bosques eram feitos apenas para
subsistência das famílias que sobreviviam do pouco que lhes era possível
arrumar.

O campo foi totalmente dominado pela miséria, obrigando os trabalhadores a


se submeterem a jornadas de trabalho abusivas e salários minúsculos. Nem
sempre havia emprego, mas o frio, a fome e os pagamentos que deviam ser
feitos nunca deixavam de estar presentes. A saída, para muitos, foi recorrer a
agiotagem ou penhorar, até mesmo, seus últimos bens. Desta forma, era
extremamente comum uma dívida se tornar cada vez maior com o tempo e o
problema da falta de dinheiro continuava a ocorrer.

Nas cidades, os operários eram vítimas do monopólio das poucas famílias


portuguesas ricas ou estrangeiras que detinham os meios de produção. Não se
podia deixar ser demitido, pois para cada vaga de trabalho haviam muitos
4
QUEIRÓS, Eça de. O governo e a imigração. In: ___. Uma campanha alegre – volume I.
Lisboa: A Editora, 1890. P. 90 – 101.

5
LOBO, Eulália Maria L. Imigração portuguesa no Brasil. São Paulo: Editora Hucitec, 2001.
4

outros trabalhadores famintos em busca de emprego. Excluindo-se a alta


burguesia local, os agiotas e as lojas de penhor eram os únicos que lucravam
com a miséria dos grandes centros urbanos. Estudar era um grande luxo e uma
população cada vez mais leiga, desesperada e alienada crescia sem saber
como seria o dia de amanhã. “A política, a administração, tornaram aqui a vida
intolerável” (1890)6, concluiu Eça de Queirós.

Por meio da análise simplificada de duas fotografias do acervo pessoal da


família Balina, datadas de 1949 7 e 19548, pode-se perceber algumas das
consequências da pobreza vivida no Norte de Portugal. A fome era a principal
delas, como relatado anteriormente. Foi descrito, de forma oral, por António
Balina que a comida normalmente posta nas mesas dos casebres mais
empobrecidos da região norte do Douro era o “caldo de unto”. Este alimento
era preparado a partir de água fervida, combinada com uma pequena
quantidade de banha, migalhas de pão e, por vezes, pedaços de pedra.
Supostamente a junção desses componentes devia fornecer proteína,
carboidrato e sais minerais. Outro problema recorrente eram as doenças que
não poderiam ser tratadas por falta de atendimento médico para os que não
podiam pagar por profissionais. A medicina popular e alternativa era a única
opção para a maior parte da população. A segunda foto citada neste parágrafo
foi tirada logo após a recuperação do jovem António, que havia sofrido no final
da infância de febre reumática, um exemplo muito comum de enfermidade
infantil nas aldeias lusitanas.

Além da miséria cotidiana, os portugueses pretendiam fugir, também, do


serviço militar que, neste período, era obrigatório. O país vivia a possibilidade
constante de se envolver em conflitos iniciados pela Inglaterra, com quem
mantinha uma forte relação de dependência econômica e política. A monarquia
enfraquecia cada vez mais, durante o final do século XIX, e as revoltas que
pretendiam instalar uma república tornavam-se comuns. Apenas no dia 2 de
outubro de 1910 o Regime republicano passou a vigorar oficialmente em
6
QUEIRÓS, Eça de. O governo e a imigração. In: ___. Uma campanha alegre – volume I.
Lisboa: A Editora, 1890. P. 90 – 101.

7
Ver anexo I.
8
Ver anexo II.
5

Portugal, trazendo uma suposta sensação de mudança no âmbito político, que


mais tarde se provou insuficiente para que efeitos positivos fossem, de facto,
sentidos entre os cidadãos.

Sendo assim, a situação apenas piorou a partir de 1916, durante a Primeira


Guerra Mundial, quando o então ministro da Guerra, Norton de Matos,
determinou o recenseamento militar obrigatório para os que possuíam idades
entre vinte e quarenta e cinco anos. Os soldados foram enviados às colônias
portuguesas na África e à algumas regiões da Europa, podendo-se destacar
sua participação na área de Flandres, onde lutaram cerca de setenta e cinco
mil homens, segundo Aniceto (2014)9.

No ano de 1926 o regime ditatorial comandado pelas forças militares foi


implantado. Apenas três anos depois, a crise econômica de 1929 afetou o
mundo todo. Em seguida, em 1936, quando a Península Ibérica ainda se
recuperava do desastre econômico do final da década anterior, a Guerra Civil
espanhola se iniciou, causando desabastecimento de gêneros agrícolas
importantes e que estiveram em falta há muito tempo no território português.
Além de todos esses fatores anteriormente mencionados, entre os anos de
1939 e 1945, ocorreu a Segunda Guerra Mundial, que afetou Portugal
significativamente, apesar deste ter se declarado neutro em relação ao conflito.

Portanto, o breve panorama da situação econômico - militar lusitana aqui


descrito pode esclarecer alguns dos motivos pelos quais muitos portugueses
optaram por sair de seu país natal para tentar refazer suas vidas em outras
terras pelo mundo.

9
ANICETO, Afonso. As forças Armadas e a Grande Guerra. Nação e Defesa. Lisboa, v. 139, p.
53 – 63, ago. 2014.
6

Por que vir para o Brasil?

O Brasil era um destino conhecido e cobiçado pelos imigrantes durante os anos


de 1890 e 1960. Ex-colônia lusitana, recém proclamada a abolição da
escravatura e vivendo seu grande desenvolvimento econômico, o país sul
americano se tornou um dos destinos preferidos de quem buscava refazer a
vida na América. Além dos portugueses, o Brasil recebeu, também, uma
enorme quantidade de italianos, japoneses, espanhóis, alemães, sírios e
libaneses.

Contudo, este país atrairia em especial os imigrantes portugueses pela questão


do idioma em comum. A religião católica, presente em massa tanto na cultura
portuguesa quanto na brasileira, criava, novamente, a sensação de que a
mudança não seria tão súbita quanto para povos de outras origens. A grande
oferta de emprego foi uma consequência extremamente atrativa da abolição da
escravidão, pois a mão de obra que sustentava as grandes plantações de cana
de açúcar e café até o final do século XIX era integralmente composta por
negros escravizados.

A princípio, os destinos mais procurados pelos europeus para começar suas


novas vidas eram os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Além da oferta de emprego abundante, estes
estados, principalmente os que compõe a região sul do país, também se
assemelhavam a Portugal por causa do clima mais úmido e frio, ao contrário da
região nordeste do Brasil, por exemplo.

Durante o primeiro governo do presidente brasileiro Getúlio Vargas a área


industrial foi implantada e desenvolveu-se rapidamente no país. Os salários,
apesar de não serem altos, eram muito mais atrativos do que os pagos em
Portugal, principalmente no estado do Rio de Janeiro. A partir da década de
1950 a construção civil também ganhou muita importância neste cenário e
gerou ainda mais empregos por conta da construção da cidade de Brasília, a
nova capital.

Muitos portugueses viam seus parentes e amigos conseguindo trabalho,


salários melhores, abandonando a miséria e, até mesmo, se tornando donos de
7

seus próprios negócios depois de fazerem sua jornada pelo Oceano Atlântico.
Em paralelo às oportunidades econômicas apresentadas pelo Brasil estava o
exemplo vivo de muitos portugueses que conseguiram se libertar das
condições desagradáveis que viviam em sua terra natal ao se mudarem para
uma nova vida nos trópicos. Segundo Scott (2015) 10, para que os motivos que
levaram ao processo vivido pelos imigrantes sejam entendidos, é necessário
apresentar uma série de fatores de expulsão e atração que começaram em
meados do século XIX, tanto no Brasil quanto em Portugal.

A decisão e a partida
Como explicado durante a introdução, este breve estudo teve a oportunidade
de contatar a família Balina, cujo patriarca foi um caso típico da imigração
portuguesa para o Rio de Janeiro, ocorrida neste referido caso em 1958. Ao ser
questionada sobre como foi feita a decisão de seu pai de vir para o Brasil, a
filha mais velha de António Balina contou11:

Como meu pai contava, a minha avó, a mãe dele, tinha um irmão que
já tinha imigrado para o Brasil trinta anos antes. Eles mantinham
contato por carta, como era comum na época, e minha avó tinha
sempre a noção de que esse meu tio, de todos os irmãos, era quem
estaria melhor de vida. Ela pediu a ele que enviasse para o filho dela
uma carta de chamada, porque na época o Brasil só recebia
imigrantes com essa tal carta. Pelo que sei, ela é um documento onde
duas pessoas que estão no brasil, brasileiras ou imigrantes com
residência no país e com documentação regularizada, se
responsabilizavam por dois anos, pelas atitudes e por dar emprego e
casa a esse imigrante que está sendo chamado. A minha avó
contundentemente pedia a esse meu tio avô que fizesse essa carta
de chamada, solicitando que meu pai viesse para o Brasil, porque ela
encarava que essa seria uma maneira de ele romper com aquela
situação de dificuldade de vida e de uma pobreza bastante grande.
Seria a quebra daquela situação que a família vivia já há várias
gerações. Então ela conseguiu que esse tio enviasse a carta e,
também, por querer uma vida melhor ou por entender que os pais é

10
SCOTT, Ana Sílvia. Os portugueses. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

11
Entrevista concedida por BALINA, Jacqueline Martins. [out. 2020]. Entrevistador: Maria
Gabriela Balina do Amaral, Rio de Janeiro.
8

que diziam aquilo que devia ser feito, meu pai aceitou e decidiu vir
para o Brasil sozinho com apenas dezesseis anos.
Pode-se perceber que, a partir da leitura dos tópicos anteriores, a situação de
miséria vivida de forma constante pela maior porção da população e o exemplo
dos conterrâneos que haviam se deslocado anteriormente, foram os grandes
motivos pelos quais a o fluxo migratório Portugal – Brasil ocorreu tão
intensamente. Era, de facto, a famosa busca por uma vida melhor.

As primeiras grandes levas de lusitanos chegaram ao porto do Rio de Janeiro


entre 1826 e 1850, somando um total de 26.785 portugueses durante esses
anos, segundo Chaves (2015)12. O único meio de transporte da época era o
navio, que continuou sendo a principal forma dos imigrantes atravessarem o
Oceano Atlântico mesmo após a propagação do avião como meio de transporte
civil. A Viagem marítima se manteve como a opção mais barata, apesar de
demorada, pois podia transportar um maior número de pessoas.

É comum ouvir relatos de casos de imigrantes que conseguiram custear suas


passagens de terceira classe trabalhando durante a viagem, principalmente
nas áreas de serviços manuais mais pesados, como as casas de máquina. Em
alguns outros casos, os trabalhadores eram aliciados assim que deixavam os
navios e acabavam se envolvendo em um esquema descrito por Chaves como
“escravidão branca” (2015)13, que era muito comum na época. Para essas
pessoas, os supostos “patrões” faziam promessas de terra e trabalho, além de
se proporem a pagar os custos das passagens de navio, valor que seria
debitado em pequenas parcelas do futuro salário. Contudo, esses
trabalhadores eram levados para áreas rurais, onde teriam sua mão de obra
explorada e acabavam se endividando cada vez mais por causa das taxas de
juros abusivas e os altos preços de produtos básicos (como comida, roupas e
ferramentas de trabalho) oferecidos somente por seus patrões mediante

12
CHAVES, Luiz Antônio da Costa. Buscando a árvore das patacas no além-mar: um breve
panorama da emigração portuguesa no Brasil e um pequeno exercício de história e memória.
In: Silva, Leonardo Santana da. História Social: Tradições e modernidades: ensaios
interdisciplinares sobre economia, cultura e política como formas de linguagens, identidades e
práticas de poder. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. P. 85 – 118.

13
Idem.
9

pagamento ou contração de nova dívida. Ainda haviam aqueles, como António


Balina, que se instalavam no Brasil por meio do auxílio de familiares ou amigos,
que, tendo algum dinheiro guardado e lugar em suas casas, recebiam os
imigrantes e custeavam seus gastos imediatos até que estes pudessem ser
pagos.

O número de portugueses que entraram no Brasil continuou aumentando até o


ano de 1938, quando o então presidente, Getúlio Vargas, decretou a “lei de
quotas da imigração”14. Tal medida precisou ser tomada, pois a necessidade de
mão de obra e a grande oferta de emprego das últimas cinco décadas não
existiam mais. A população constituinte do país já havia saturado o mercado de
trabalho, tornando inevitável a diminuição da recepção de estrangeiros em
território nacional.

As quotas de entrada consistiam em um limite imposto ao número anual de


imigrantes de certa nacionalidade que poderiam entrar em território brasileiro.
Esse limite era delimitado pelo cálculo de 2% do número de cidadãos de
determinada nacionalidade que haviam se instalado no Brasil entre o início do
ano de 1884 e o final de 1933. Pode-se ressaltar, também, que 80% dessas
quotas eram reservadas exclusivamente para trabalhadores rurais, o que
ressalta como havia maior possibilidade de se encontrar emprego nas áreas
rurais. Além disso, havia outra condição, o trabalhador do campo não podia
abandonar seu trabalho por pelo menos quatro anos a partir da data de sua
primeira contratação feita por um empregador brasileiro.

Alguns governos europeus, inclusive o português, chegaram a concretizar


tratados bilaterais para a fixação de trabalhadores no Brasil, pois nesta época
existia um desejo das elites nacionais de “esbranquiçar” a população brasileira,
segundo Chaves (2015)15. A concentração dos estrangeiros era limitada em até

14
BRASIL, Rio de Janeiro, RJ. Decreto de Lei nº 406, de 4 de maio de 1938. Dispõe sobre a
entrada de estrangeiros no território nacional. “Diário Oficial da União”. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-406-4-maio-1938-348724-
publicacaooriginal-1-pe.html, consultado em 18/11/2020>.
15
CHAVES, Luiz Antônio da Costa. Buscando a árvore das patacas no além-mar: um breve
panorama da emigração portuguesa no Brasil e um pequeno exercício de história e memória.
In: Silva, Leonardo Santana da. História Social: Tradições e modernidades: ensaios
interdisciplinares sobre economia, cultura e política como formas de linguagens, identidades e
10

25% dos moradores de determinado local, para cada nacionalidade. Havia,


também a obrigatoriedade da presença de, pelo menos, 30% de brasileiros
natos na composição dessas populações, contudo, na falta destes brasileiros,
era possível que a demanda fosse suprida diretamente por portugueses.

A cobrança da documentação necessária para entrar no Brasil passou a ser


realizada com rigorosidade, fazendo com que somente os portugueses
qualificados pudessem deixar sua terra natal. O governo da então Federação
dos Estados Unidos do Brasil passou a exigir que os imigrantes fossem
recebidos somente se apresentassem passaporte, ficha consular de
qualificação16, atestado de saúde17, atestado de antecedentes criminais18 com
informações consideradas não impeditivas de acordo com o a Lei n ⁰ 406, de 4
de maio de 1938 e carta de chamada 19. Todos esses documentos deveriam
estar sob posse do cidadão português quando este deixasse sua terra,
facilitando o trabalho das autoridades policiais, sanitárias e de imigração,
responsáveis pelo controle dos pontos de entrada de imigrantes no Brasil.

Próximo aos portos brasileiros, havia hospedagens e sistemas de


encaminhamento financiados pelo próprio Governo ou por empresas
particulares. O objetivo destes era facilitar a instalação dos imigrantes que
fossem aceitos no Brasil. Nestes locais eles poderiam cadastrar-se para
procurar emprego e abrigar-se por um breve momento após sua chegada. Para
trabalhar oficialmente em território brasileiro, os lusitanos precisavam entregar
cópias de seus documentos aos empregadores que deviam arquivar todas as
informações recolhidas nos livros de registro de seus negócios e disponibilizá-
las, caso necessário, a qualquer instancia do governo que desejasse acessar a
documentação.

práticas de poder. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. P. 85 – 118.

16
Ver anexo III.
17
Ver anexo IV.
18
Ver anexo V.
19
Ver anexo VI
11

Conclusão

Para entender a situação vivida pelos imigrantes portugueses que embarcaram


com destino ao Brasil em meados do século passado é necessário
contextualizar o momento econômico, político e social de Portugal no final do
século XIX e início do século XX. Sendo assim, a função principal deste
trabalho foi apresentar, de forma breve, algumas das causas que levaram esta
população empobrecida a deixar seu país para construir uma nova vida do
outro lado do Oceano.

A existência de poucos estudos de outros autores sobre a emigração


portuguesa ocorrida dentro desta curta delimitação de tempo dificultou, de certa
forma, o início da pesquisa. Esta dificuldade, entretanto, acabou tornando as
fontes, principalmente a iconografia e os testemunhos orais, um ótimo ponto de
partida.

Depois de estudar as causas a partir das quais se deu o processo migratório


português do início do século XX, a principal conclusão obtida é que o país
passava por grandes dificuldades políticas, sociais e econômicas. Tanto nas
áreas rurais quanto nas urbanas, as condições de vida da maior parte da
população eram péssimas. Fome, frio e falta de emprego eram a realidade da
vida em Portugal.

Outro fator igualmente responsável pelo movimento migratório foi a


receptividade do Brasil com os estrangeiros e a grande oferta de emprego
neste país. As semelhanças culturais entre Portugal e sua ex-colônia, além das
histórias de sucesso protagonizadas por outros conterrâneos, também foram
grandes incentivos para os imigrantes escolherem o Brasil como sua nova
pátria.

Contudo, a partir de 1938, as facilidades que permitiram que muitos


desembarcassem no território brasileiro diminuíram com a aprovação da “lei
das quotas de imigração”. Esta lei determinou um limite de imigrantes aceitos
por ano em território nacional, especificou que tipo de indivíduo seria aceito no
Brasil e impôs uma fiscalização extremamente rigorosa.
12

Para os que chegavam ao novo país nesta época a maior parte dos empregos
oferecidos encontrava-se nas zonas rurais e, para quem nelas se fixava, não
era permitido abandonar o trabalho no campo por, no mínimo, quatro anos.
Com a intenção de facilitar o contato inicial entre possíveis patrões e
empregados foram criadas casas de hospedagem e sistemas de
encaminhamento de trabalhadores, que podiam ser financiados tanto pelo
governo quanto pela iniciativa privada. No âmbito internacional, foram
concretizados tratados bilaterais entre Brasil e Portugal relativos à imigração.

A história pessoal de Antônio Balina, apresentada neste breve estudo, é um


típico exemplo do processo vivido pelos portugueses que migraram para o
Brasil em meados do século XX. Ele foi um jovem de raízes humildes, nascido
durante a Segunda Guerra Mundial, em uma pequena aldeia, que percebeu por
meio do exemplo de outros imigrantes que passar a viver em um país diferente
seria uma das poucas oportunidades que teria para poder fugir das difíceis
condições de vida experienciadas em sua pátria. Precisou trabalhar
arduamente a partir do momento de sua chegada na nova terra para conseguir
juntar algum dinheiro e poder se aventurar no mundo dos negócios, mais
especificamente na área do comércio. Constituiu sua própria família e sempre
procurou oportunizar aos seus filhos tudo aquilo que não teve, principalmente
em relação à formação educacional. Portanto, é possível concluir que a
migração gerada pela busca de melhores condições de vida, apesar de ser um
processo complexo e árduo, apresentou resultados positivos para grande parte
dos indivíduos que a realizaram.
13

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANICETO, Afonso. As forças Armadas e a Grande Guerra. Nação e Defesa.


Lisboa, v. 139, p. 53 – 63, ago. 2014.

ARROTEIA, Jorge Carvalho. Aspectos da emigração portuguesa. Revista


eletrônica de geografia e ciências sociais, Barcelona, v. 94, p. 116 – 122,
ago. 2001.

CHAVES, Luiz Antônio da Costa. Buscando a árvore das patacas no além-mar:


um breve panorama da emigração portuguesa no Brasil e um pequeno
exercício de história e memória. In: Silva, Leonardo Santana da. História
Social: Tradições e modernidades: ensaios interdisciplinares sobre
economia, cultura e política como formas de linguagens, identidades e práticas
de poder. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015. P. 85 – 118.

LOBO, Eulália Maria L. Imigração portuguesa no Brasil. São Paulo: Editora


Hucitec, 2001.

QUEIRÓS, Eça de. O governo e a imigração. In: ___. Uma campanha alegre –
volume I. Lisboa: A Editora, 1890. P. 90 – 101.

SCOTT, Ana Sílvia. Os portugueses. São Paulo: Editora Contexto, 2010.

RIBEIRO, Cilene da Silva. Portugueses no além-mar e a imigração ao longo


das décadas de 1950 e 1960: motivações e saudades de um grupo familiar In:
RIBEIRO, Cilene Gomes; SOARES, Carmen. Odisseia de sabores da
lusofonia. Coimbra: Editora Universitária Champagnat, 2015. P. 229 - 303.
14

ANEXOS

Anexo I – AUTOR DESCONHECIDO. “Família Vasques”. 1949: preto e branco;


6x4cm

Anexo II – AUTOR DESCONHECIDO. “Jovem António” 1954: preto e branco;


3x4 cm.
15

Anexo III – Ficha Consular de Qualificação


16

Anexo IV – Atestado de Saúde


17

Anexo V – Atestado de Antecedentes Criminais


18

Anexo VI – Carta de Chamada

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