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RELAÇÕES RACIAIS NO IMPÉRIO

COLONIAL PORTUGUÊS
1415 - 1825
Relações Raciais no Império
Colonial Português
1415-1825

iDliloteca MA — PUCSP
Apresentação

100055449
BIBLIOTECA TEMPO UNIVERSITÁRIO — 4

Esta Coleção, dirigida por renomados professores umiversi-


tários, destina-se à apresentação de textos rigorosamente crenti-
ficos, visando às necessidades da investigação universitária no
Brasil.

Tradução de
ELICE MUNERATO

Capa de

TAuRrICIO JOSE MARCHEVSKY PRÓLOCO PARA BRASILEIROS

Exemplar n.º

Traduzido do original inglês


Race Relations in the “Portuguese Colonial Empire (1415-1825)
da Oxfords.University Press, de Londres
o e
e

Direitos exclusivos para língua portuguêsa


EDIÇÕES TEMPO BRASILEIRO LTDA.
— Rua Gago Coutinho, 61-ZC.01. Tel. 25-8178
Caixa Postal n. 2813, ZC.00 — End. Telegr.: TEMBRAS
RIO DE JANEIRO — GB — BRASIL
O Brasil é criação dos brasileiros,
Portugal não repetiu na África o êxito que lhe é
atribuído no Brasil: eis a principal lição dêste livro do
Professor C, R. Boxer.
K não repetiu porque o tal êxito é mais brasileiru
que português.
Na realidade, a chamada “Epovéia das Descobertas"
— exposta pelos oradores oficiais, em sonoros dós de
peito, como uma façanha visando “dilatar a fé e o im-
pério” — constitui um dos capítulos do processo mais
amplo da Revolução Comercial. Nela Portugal viveu seus
dias máximos; nada temos de envergonhar-nos daquele
rortugal, que acabaria submergido pelo filisteísmo da
Contra-Reforma e suas sequelas. É ao Portugal do In-
fante, de Fernão Mendes Pinto, de Vasco da Gama, de
Cabral e de Camões, que devemos o nosso aparecimento
no cenário mundial.
Angola e Moçambique também surgiram então, nu-
réêm o Brasil e a Índia terminaram absorvendo 4 aten-
ção de Lisboa, só concentrada na Africa a partir de
meados do século XIX, quando CECIL RHODES começou
a lalar num Império Britânico que fôsse de Capetown
à Alexandria, e os franceses queriam dominar na dire-
ção oposta, do Atlântico ao Índico. Nesta cruz, Portu-
gal poderia ser crucificado, inclusive com os cravos que
os belgas e alemães principiavam a encrustrar no con- rios, o que faz mais sentido, para qualquer entendido
tinente negro. em rudimentos de análise econômica.
Procedia-se a uma nova divisão internacional de Mesmo agrícola, Portugal sofre de um crônico de-
terras, desta vez promovida em maior escala por im- ficit no abastecimento de cereais, conseqlúência de um
perialismos não mais apenas mercantis, porém indus- setor primário não mecanizado, conforme está implícito
trials. na quantidade de mão-de-obra aí empregada. Não ci-
Os holandeses, e depois os inglêses, já tinham subs- tamos o caso norte-americano (apenas 11% no campo),
tituído os lusos na Índia, deixando-lhe apenas o prêmio de propósito: poder-se-ia alegar que Portugal era “pe-
de consolação de alguns enclaves, que serviriam para os queno”: daí lembrarmos a Holanda...
saudosistas evocarem as glórias do passado, nas festi- E mais: a indústria portuguêsa existente é quase
vidades oficiais ou oficiosas, só a leve, com predominância têxtil, a mais sumária que
“pode existir.
Em seguida, os olhares cúpidos dos mais lortes se
depositavam na África. Os britânicos foram de nôvo os Às consequências social ao óbvias: apenas 14,5%
ao me em em
primeiros a beneficiar-se da decadência lusitana, e aií- de tôdas as casas portuguêsas, com certeza, têm água
rancaram-lhe o pedaço, entre Angola e Moçambique, que corrente (enquanto há 34,2% na Espanha e 28,7% na
lhes permitiu realizar, pelo menos temporãriamente, o Grécia); eletricidade: 19,5% das casas (Espanha: 80%),
sonho de RHODES. e 1,8% com banheiros...
Qual o itinerário percorrido por Portugal, desde. Por consequência, a saúde pública não pode ir
muito bem.
aquêies dias extraordinários do Renascimento, até a In-
dependência do Brasil e o Colonialismo salazarista? Até Com uma taxa de mortalidade infantil a mais alta
o melancólico fim de linha atual, quando a sua situação da Europa (88,6 por 1.000 habitantes), Portugal está,
econômica está entre as mais atrasadas da Europa, ao nisto, à frente até de alguns jovens estados africanos,
lado da Espanha e da Grécia, em ordem decrescente, como o senega!l (67,5). Em Portugal morre-se mais de
embora isto seja escondido pela propaganda oficial e ofi- tubercuiose que em qualquer outra nação européia (51
e por seus escribas e oradores? óbitos por 100.000 habitantes). as”

Com efeito, em Portugal o setor primário (agricul- Também é muito baixo o nível educacional: quase
tura, pesca, reflorestamento) absorve em tôrno de 50 % metade da ponulação continua analfabeta. (1)
da fórça de trabalho; por isto estaria quase definido o Como, então, Portugal apresenta, aos turistas, ruas
seu estágio de Desenvolvimento. Não se venha alegar o tão limpas e povo razoivelmente vestido, entusiasmando
pequeno tamanho de Portugal. Uma coisa nada tem à os brasileiros que prefiram ordem a progresso”
ver com à outra: a Holanda dispõe de 19% no setor
primário, 50% na indústria e 41% nos servicos torciá. (1) PERRY ANDERSON, Portugal co fin do Ultracolonialis-
Mo, trad. do inglês sob o mesmo título, Editôra Civilização Bra-
sileira S.A, Rio de Janeiro, 1960, págs. SS 0 O, x
A explicação surge muito simples: Portugal expor-
Ninguém se espante; trata-se da pura verdade.
ta, anualmente, em tôrno de 50% da sua nova mão-de- Com efeito, desde a Contra-Reforma que Portugal
“obra geracional; outrora êles vinham em massa para vive sufocado sob o pêso da reação, da repulsa ao pro-
o Brasil depois para à Venezuela; hoje, aos bandos para
0 Mercado -Comum “Europeu. Quem quiser encontrá-los, gresso.
Já ANTERO DE QUENTAL o denunciava, em páginas
procure-os na França, Alemanha e Benelux. Em contra-
“partida recebem as divisas enviadas pelos trabalhadores,
candentes, ao mostrar que não se trata do “Catolicis-
e, isto, mais as matérias-primas das “províncias ultra- mo em geral”, “a causa da nossa decadência”, como vd
marinas”, constitui o grosso do balanço lusitano de pa- pretendem alguns weberianos exaltados, “mas só o Ca-
tolicismo do Concílio de Trento”. E explica: “O Catoli-
camentos. Acrescente-se a política financeira, embora
cismo constitucional da Idade Média não impediu, antes
não econômica, de Salazar, obcecado mais em estabilizar
o orçamento que em promover o Desenvolvimento, e en- ajudou, os progressos da península, porque era
tenderemos o pleno significado da política do Estado e porque era nacional. O Catolicismo absoluto do Con-
rico, com o povo pobre. Rico, aliás, até um limitado cílio de Trento causou a decadência e a rulna da pe-
ponto, pois quase não há Capitalismo local, e sim pre- nínsula, porque era despótico e estrangeiro. Eis ai O vie
postos do capital estrangeiro, sobretudo britânico, desde mento estranho, a excrescência perfidamente introuuz.
priscas eras, conforme demonstraremos adiante. da no Cristianismo, que o desvirtuou, que lhe deu outro
Nossas palavras podem parecer uma Catilinária lu- caráter, e que se logrou animar por algum tempo a Igreja
sofoba, contudo, muito longe estamos disto. O autor das com uma vida fictícia, foi só para a perder mais tarde
presentes linhas é nordestino, e está acostumado a ouvir jrremediávelmente, a ela e a quantos a seguiram cega-
e a dizer colsas piores sobre sua própria região, também mente”. (12)
Na esteira da Conira-Reforma vioram os ultinios
melhorar a situação, despertando o povo para sua pró- cruzados: Pina Manique — o célebre Intenderte de
pria miséria 6-assim-o-estimulando, -de modo um tanto
D. Maria 1, acérrimo inimico dos iluministas pombal-
drástico, para-entrar em-brios-e-reagir-—i-o sentido das nos — âAntônio Sardinha, inspirador do salazar, sv-
“análises, por exemplo, de JOSUÉ DE CASTRO e de CELSO cessor de JOSEPH DE MAISTRE e DONoOsJo0 CORTES, e prede-
FURTADO, entre outros. Éles são, porém, um tanto es- coessor de JACKSON DE FIGUEIREDO MANOEL LUBAMB?
cassos no Portugal atual, vivendo uma fase de ufanismo ARMANDO (CAMARA cc GUSTAVO (CORCAO, entre outros.
saudosista, promovido oficialmente. O conservador é uma colsa, O reacionário, outra; o pri
Qual foi o itinerário da A » Zbh meiro, por definição, pretende conservar do passado os
miséria contemporânea, em Postusalo DO to Dara àvadóres que The parecem válidos: o segundo quer regre-
A resposta é muito simples, embora não simplista: dir ao saudosismo agressivo, Da mesma forma que o
Salazar “e Tranco, estão nó poder há quatrocentos unos. !
(Do “Resposta gos Jornais catolicos to vo vol TD das Prosde,
Couro ManrviNS, sd. paes,
reacionarismo pode ser a tentação do conservador, o atl- bra contihuava-se a repetir, e isto por muito tempo, a
vismo pode vir a ser a do revolucionário. Entre ambos física de ARISTÓTELES, Para se fazer uma idéia deste
ficaria o reformador, não em busca de um imóvel cen- alheamento da inteligência portuguêsa às grandes con-
tro ilusório, porém “se movimentando, guiado por uma quistas da Ciência moderna e a visceral oposição das
audaz heterodoxia anti-procusteana. Não estamos, aliás, autoridades universitárias a tudo o que fôsse pensamento
discutindo aqui. os méritos e deméritos dêstes no Bra- moderno, que se leia um edital do Colegio das Artes da
sil, isto fica para outra oportunidade. Limitemo-nos ago- Universidade de Coimbra, dirigido pelos Jesuítas, de setc
ra a Portugal. de maio de 1746, onde se determinava que nos ''exames
O assunto vem preocupando, cada vez mais, os bra- ou lições, conclusões públicas ou particulares, se não en-
sileiros, cânscios do pêso negativo desta tradição. sine defensão ou opiniões novas pouco recebidas, ou INL-
Um dêles, NEWTON SUCUPIRA, da Universidade Fe- teis para o estudo das ciências malores, como são as de
deral de Pernambuco, que sintetizou muito bem: “A ação RENATO DESCARTES, ASSENDO, NEWTON e outros, nomea-
da Contra-Reforma, que se fêz sentir com o máximo damente qualquer ciência que defenda oz atomos de Epil-
le sua intensidade em Espanha e Portugal, se preser- curo ou outras qualscier conclusões crostas ao sistema
vou a ortodoxia de nossa fé, desligou estes dois países, de Aristóteles, o qual nestas escolas se deve seguir
especialmente o reino luso, da evolução da modernidade como repetidas vêzes se recomenda nos estatutos dêste
européia. Portugal que representou um papel pigantesco Colégio”, (8)
no cpenéia des descobrimentos e que, com a Escola de Esta longa citação diagnostica muito bem a raiz do
Sagres, parecia orlentar-se para uma ciência objetiva obscurantismo Ibérico. Não negamos ter a Contra-Refor-
aliada à pratica, esgotou-se com seu grande feito e não ma criado muitos novos e positivos valóres, inclusive
teve fórças para prosseguir com a Revolução Comercial, estéticos, do porte do barroco, por exemplo: apenas sub-
que os descobrimentos tanto impulsionaram. Isolado da inhamos o seu deticit atobal, e não setorial, na penín-
fermentação cultural que se processava na Europa, Por- sula Ibérica, mais que noutros paises da Europa.
tugal não foi diretamente afetado por êstes três ingre- Neste mesmo século NVIIJ, quando os Inacianos
ctientes básicos na constituição do mundo saído do Re- anda perseguiam a torto e a direito tudo que lhes cheil-
nascimento: a Ciência positiva, a Técnica e o Capita- rasse a modernidade, Já não diriamos nem “modernis-
lismo. Do espírito renascentistas em Portugal o que real-
mente se consolidou foi justamente o aspecto literário
(3) “O problema da autocenselencia da Cutura brasileira,
aula maugural na abertura dos cursos va doe Fios
mento e ação técnicos. À filosofia que vigorava era uma fia do Recife, em 1960,
In da Feciuldade de Firesofttu do Rec'te vol V, 1900,
escolástica dacadente, mumificada em comentários, sem págs, 62 € 63. O tema desta aula for também objeto de explana-
a vitalidade do seu clan originário, Enquanto GALILEU. cão oral no Seminário de Estudos Latino- Americanos, do FRANE
LANNENBAUM, na Universidado do Couúumbia. em dezembro de
” o o > T Sm) O oi” q.

DESCARTES e outros criavam a física moderna, em Coim- 1999.


panizou o Exército e, last but not the leust, impulsionou
a indústria portuguêsa mais do que qualquer outro pre
mo”, continuavam existindo portuguêses lucidos E Cro decessor ou “sucessor, incentivando as fábricas de papel
cos: Antônio Nunes Ribeiro Sanches, Jacob de vastro da Louzã, de faiança do Rato, das sedas de Lisboa,
Quanto ao Brasil, MARCOS CARNEIRO MENDONÇA o —— —— — 1 —

Verney, vários dêles “cristãos novos”, o que explica em vem mostrando, numa série de estudos nos quais é es-
“grande parte o anti-ser iti vel; lo ou explosivo, dou- pecialista, como o Marquês foi benéfico ao nosso país,
tros reacionários lusitanos e até brasileiros. tentando liquidar os prejuízos impostos pelos britânicos
XAVIER DE OLIVEIRA definia muito bem a sua pá- através do. Tratado de Methuen, 1703, que depois foi
tria como “um relógio atrasado pela Inquisição”, tema reinstaurado em tôda sua fôrça até os dias atuais, quan
depois retomado por ALEXANDRE HERCULANO, outra fl- do a Inglaterra retomou por completo o velho dominio
gura extraordinária do pensamento português. que exercia na Economia lusitana; Pombal também teve
CASTRO SARMENHO introduziu, no seu país, a Físi- especial preocupação em repelir os castelhanos e em re-
ca newtoniana, apesar da furibunda reação coimbra-je- por os sacerdotes na sua missão evangélica, donde ti.
suítica, que outra figura memorável, TEÓFILO BRAGA, nham extrapolado há muito tempo em traficâncias poucc
denunciou em páginas irrefutáveis. (4) recomendáveis. (6)
Finalmente, RIBEIRO SANCHES e VERNEY tentaram Muita gente se escandaliza com as violências usa-
dar novos rumos à Educação lusitana, democratizando-a,
das pelo Marquês, para conseguir seus objetivos revo-
ao estendê-la como ensino público aos pobres e às pró-
lucionários, esquecendo-se ou ignorando as violências
prias mulheres, e urgindo-lhe um sentido prático, obje-
pós-pombalinas, de Pina Manique e doutros, para restau-
tivo, em sintonia com a realidade portuguêsa. (5) rar os antecedentes obscurantistas. Assim Portugal mer-
Esta preparação culminaria na obra do Marquês de
gulhou de novo no seu passado contra-reformista, ate
Pombal, que não só reconstruiu a Lisboa do terremoto
novo estremecimento maior, na revellão de 1320.
e perseguiu Jesuítas e aristocratas conspiradores, como
também, e principalmente, reformou a Universidade, No próprio Portugal vem-se efetuando uma reava:-
criou o Colégio das Artes e Humanidades anexo âquela, liacção dêste movimento emancipador memorável e dos
declarou a navegação livre, criou o Erário Régio, liber-
seu corajosos líderes, como o Jovem GARRET, cujas
tou todos os escravos que chegassem à metrópole, reor-
obras políticas de primeira fase tem agora nova e opor-
tuna reedição em Lisboa. (14)

(4) História da Universidade de Coimbra nas suas relações


com a mstrução pública portuguêsa (Em comemoração do IV Cen- (6) O Marquês de Pombal e o Brasil, Cia. Edi. Nacional,
nono da Jundação
a tipograíiia da Universidade
da Academia de Coimbra),
Real das Ciências, Por ordem
Lishva,, 189:
1892, 1.
prin « vol. 299 da Brasiliana, São Paulo, 1960, passim. O autor pros
segue, amplia e corrige os estudos inaugurados pelo Visconde du
cipalmente mos =vols. Carnaxide,
o) VERNEY il nasTe
A IL método de estudar edição organi-
Verdadeiro »

zada pelo Prof, Antonio Salgado “Júnior, Livraria “Sá da Costa (7) Através da Portugália Editóra, em Lisboa.
Editor, Lisboa, 1952, especialmente no V vol.
O Liberalismo vintista retomava as grandes cau- onde afirmavam: Estejam os povos certus e certíssimos,
446 "9

sas do passado, através da bandeira constitucionalista,


que as palavras vegencração, liberdade, constituição,
proclamando a soberania do povo, enquanto os absolutis-
igualdade da lei, Gespotismo, e outras repetidas pelos l-
tas repetiam à surrada tese do direito divino dos reis.
berais, são astuciosos laços, que eles armam para esbu-
Ao mesmo tempo que portuguêses e britânicos comba-
lhar os Reis do exercício da soberania, e sujeitar as na-
tiam as tropas napoleônicas, não podiam contudo evitar
ções ao ambicioso domínio da sua facção: estejam os
a infiltração final das idéias revolucionárias francesas.
povos certos e cerlíssimos, que lodas us vuzes encami-
No caos em que o país se viu submersa, abalada a
velha ordem tradicionalista e ainda não substituída pela
nhadas a desviá-los da Monarquia pura, são vozes dos
nova ordem liberal, recrudesceu o Sebastianismo abso- inimigos da legitimidade: estejam os povos certos e cer-
Jutista na figura de Dom Miguel. Enquanto o povo can-
tíssimos, que a Monarquia constitucional é a base esta-
tava, nas ruas: belecida pelos revolucionários para chegarem a destruir
com facilidade as monarquias absolutas”.
“Viva o Rei, e viva a Pátria Eis aí o objetivo final dos miguelistas: retórno,
Viva a Santa Religião puro e simples, ao Absolutismo, na melhor tradição con-
Vivam Lusos valerosos tra-reformista e anti-pombalina... E também anti-se-
Liberal Constituição. mita, poderíamos acrescentar, baseados ainda em pan-
fletos da época: “A facção liberal ou macônica foi pro-
Alerta, ó portuguêses duzida, segundo ela mesmo declara (sic), Delos Judeus,
Ouvi a voz da razão e propagada pelos obstinados que viram e não creram
Morrer ou conservar os milagres de Jesus Cristo! Esses desgraçados Judeus
Liberal Constituição” (8) foram os instrumentos de que se serviu o espirito das
trevas para pôr em dúvida os mistérios da Redenção;
espalhavam-se, embuçados, os propagandistas do Sebas- logo, a facção liberal é agente das maquinações de Lu-
tianismo absolutista-miguelista, escrevendo panfletos, cifer; e logo é inimiga imediata da obra de Deus na
Terra: portunto pertence ao mesmo Deus destrul-la,
/ (8) Vide O raro opúsculo Relação dos festejos due tiveram E baseados num silogismo, amda uma vez curiosis-
voar em nos memoráveis dias 81 de julho, 1, 2, cte., de
por POr ocusião do jurumento prestedo à Carta cona-
cimo Pei
sino: “Pessoa alguma tem sóbre as instituições, Nus
cuia, é dada, à Nação portuguêsa pelo seu legi- direitos do que aquêles transmitidos pelo
vs a O denhor D. Pedro IV, Imperador do Brasil, por Hum
Cody Comstuciwnal, Lisboa, na Typ. de J. F. M. de Campos “Ora, sendo, sem dúvida alema, a absoluta
anno no 1826, pág. 106. ““Tremulavão nos dois lugares mais ole.
vados as Bandeiras de Portugal, o do Brasil” (Pág. 76), Per. em Portugal uma Instituição dos portugueses; o recain-
deu-se assim uma ótima oportunidade nara criar uma nova urimo, do essa instituição no solo portugues, que de fato e di-
em pé de recíproca igualdade, além da etapa colo nislista, por fra-
queza do Liberalismo da época, reito é propriedade da Nação portuguesa; segue-se, que
os povos de Portugal não tem, nem podem ter, sobre
essa instituição mais direitos do que aqueles transmitidos “assumtm quáse sempre (ou sempre?) um caráter. soli-
pelos instituidores” (sic). (9) tário a que se não dá continuidade ou provocam ou dão
São os mesmos argumentos dos reacionários de to- origem à vermina dos comentadores escolásticos que tudo
dos os tempos, mitigados pelos fracassos do seu saudo- convertem em alíneas de decreto-lei e parágrafos de
sismo: da Contra-Retorma, pelo nienos, a PINA MANI- sebenta ou então estimulam os montadores de puz-
QUE, JOSEPH DE MAISTRE, DONOSO CORTES, ANTÔNIO SAR-
aLes". (10)
DINHA, e outros, em suas várias formas. Por outras palavras: foi quebrado o que havia de
Contudo, a grande tragédia do portu- revolucionário em GARRETT e converteu-se, O que sobrou,
guês é que ele se frustrou, pela incompreensão do meio
em medalhão para comemorações nos Gabinetes Portu-
e pelo surgimento, no horizonte histórico, de fórcas ain-
vuêses de Leitura, de cá e de lá...
da mais dinâmicas que as liberais, Daí não surpreender o desfecho do Liberalismo vin-
tm primeiro lugar, a incompreensão foi a responsá- Listas ,ameacado pelos movimentos socialistas que sur-
vel pela frustração; a respeito, o escritor português, AU-
ciam no horizonte, através dos fourienistas de 1850
GUSTO DA COSTA DIAS, apresentou um expressivo exem- (Sousa BRANDÃO e LOPES DE MENDONÇA) e, sobretudo,
pio: “Quando, neste jardim à beira-mar plantado, GAR- de JOSÉ FONTANA, AZEDO GNECO, ANTERO DE QUENTAL
RETT, em 1357, iniciou, vindo da Bélgica, uma varonil, e seus sucessores, (11)
rica, desassombrada polêmica de idéias — os diversos
Por isto, escrevia um cronista da época: “Continua-
adversários com quem têve de medir-se sózinho respor:- va a Curta. Predominava a fôrca conservadora, aquela
deram-lhe como bons lusitanos que se prezam: chama-
que quer que fique sempre o que é, o que estã, o que
ram-lhe mula flamenga, animal de muito sustento, acusa- existe — o presente. Contra a fôrça reacionária, que puxa
ram-no de ter vendido a mulher a um inglês e tiveram
para o passudo? Talvez... Mas também contra a fórça
carinhos devotos pelo chinó, pelo espartilho e outros con-
ceitos robustos e fecundos”. prorressiva, que impele para o futuro...
E mais: “O pensamento português sofre em excesso
déste mal. As obras mais fecundas dos nossos intelectuais (10) A crise da consciência pequeno-brrguesa (1 volt Ó
Nacionalismo literário e q geração de 90%, Portugália Editora,
Lisboa, 1964, 20 ed. págs. XNXIX e XNXVIIL Augusto da Costa
(4) Os povos e os reis opúsculo offerecido aos portugueges Dias já está condenado pela incompreensão dos bem pensantes,
por Faustino José, de, Madre de Decos, Lisboa: na Impressão Ré- após êle tentar aplicar à análise va realidade portuguesa a cate
gia. Anno 1825, págs. 123, 127, 82 e 83. O mesmo autor publico coria da alienação, “Isso levow João Gaspar Simões cv Jose ke
Too Lo 4 7 a a, amo
qo mesma editora c ano a Epístola à Nação franceza na qual sc vio a confundirem a catecoria fivsoticva com o feno:
trmonsirão 98 subversivos princípios das “Constituições “modernas meno mental da loucura (si) (Pago XNND. E o primeiro che-
porn
sia o Ss 4 Maçonaria tem sido q authora, e directora da
vou a dizer: “Assim os livros como o de da Costa Dias
P ro.
por um
tio re A OrIngeal, e, ainda
lado se tornam
no mesmo
perigosos: podem, com boas intenções, cul
Maigrense, À Constituição de 1822 comentada e desenvol. tivo odio e nu ano,
(Sic)porém na Tipo.
(IGem),
Rida qe prática. Nestas três raríssimas obras, temos a (11) CESAR NOGUEIRA cfctuou interessantissima pesquisa,
Ideologia miguelista. sob o tatulo Notas pare a do Seca so cur Portel
(CASTI-AVDIO), Portupalia Lasboa, 100.L
Perdendo seu impulso, o Liberalismo português apol- Raros os que persistiram, como AMORIM VIANA.
cava-se, mediocrizava-se, como sucede com qualquer cor- Sem uma renovação liberal, e sem uma contribui-
rente de idéias, em idêntica circunstância.
ção ideológica mais densa ao movimento socialista nas-
À geração de EÇA, RAMALHO, ANTERO e OLIVEIR.
MARTINS, rebelou-se. cente, Portugal marchava para uma crise maior, beiran-
do o caos, donde só os reacionários poderiam tirar pro-
| O-reahismo português começou mais social que lite- veito. Sucedeu tal e qual.
tá rio, e, mesmo quando refugiado finalmente num certo
Proclamada a República, por liberais maçonicos e
diletantismo, não deixou de trazer decisivas contribui.
pelos positivistas, incapazes de governar e apoiados no
ções para o conhecimento objetivo da vida portuguêsa,
descontentamento desordenado da população, o eixo rea-
Não é Por acaso que, na própria Educação sentimental.
le FLAUBERT, se encontra talvez à melhor. análise da cinário de gravidade foi aumentando sua força. De ini-
Franca de 48... cio apoiou SIDÔNIO PAES e, por fim, o Clero e as Forças
Os Jovens Eça, RAMALHO, OLIVEIRA MARTINS e AN- Armadas resolveram encampar o poder de uma vez por
começaram suas carreiras, enquanto realistas e so. tôdas: surgiu a simbiose Carmona-Salazar, que dura até
&

Clalistas, além de prôpriamente sociais, hoje, substituído apenas o. primeiro.


E bem verdade que se apoiavam mais em PROUDHON “Não morreu, evidentemente, a linha não-conformista
do que a MARX, o que aliás pode explicar boa parte das do pensamento lusitano, embora não predomine politi-
camente: porém continua o fio condutor, que vai das
e,
Suas vacilações e recuos.
ANTONIO JOSÉ SARAIVA escreve que, “Após o malô. mãos de Joaquim de Carvalho e Antônio Sérgio, as de
Bro das esperanças de 1870-1872, (Oliveira Martins) Antônio José Saraiva, V. de Magalhães-Vilhena, Victor
começa a afastar-se do movimento republicano-socialista de Sá, Augusto da Costa Dias, César Nogueira e as mãos
- Ê preparar-se para intervir na política partidária cor de tôda uma geração mais nova,
= Programa de Socialismo de Estado e de fomento era. Angola e Moçambique são a Indochina e a árgelia
nômico,
o procurando anoi
polar-se na near
pequena burguesia in- »e
do Portugal atual, Ou melhor: as duas “províncias ultra-
dustrial”, (12)
marinas” apresentam, para Lisboa, uma importância
Foi a atitude final m
As construtiva do seu grupo:
ANTERO acabaria suicid ando-se econômica ainda maior que aquéles “departamentos.
, e Eca nas iugas
UA Das f 24 deC Ja.
JA para Paris.
CINTO DE TORMES e do FRADIQUE MENDES
Slazar está velho, porenv o Neo-Sulazarismo come-
(1: E
cu a botar as mangas de fora, enquanto continuação da
A História
Lj qrda “Literatura Português
o

ropa-América, e Publicações Eu- linha que dura quatrocentos anos — da Contra-Retorma,


Cultura em Portugal! do Pág. 153. A monumental Fistória q
car Lora e outros, TU?trazer
Cd PURPTA SARAIVA,
nove em colaboração
o 225" com Os.
de Pina Manique e de Dom Miguel aos nossos dias —
CF Novas luzes sobr
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aspectos, porém «Sr ES SODPrPE LTortlou qu


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agora querendo até instttucionalizar-se, invocando o fan-


jumes. encontra in terrom pid: a aoOedi çãoVidedos vos estes
E CARA
asma
No caso das “províncias ultramarinas”, acenam in- primas agrícolas e minerais, estas derradeiras sob o con-
clusive contra o imperialismo norte-americano, quase do trôle de grandes trustes internacionais, sob predomínio
mesmo modo que protestaram contra a predominância anglo-saxão, dos quais o maior é a Diamang, que se es-
britânica no Brasil após 1822, como se ela não fôsse força em transformar certas regiões emnovas Hatangas.
menos nociva que a de Lisboa, pois ncs devolvia a mains- Além disto, as autoridades coloniuis embolsam enor-
tream dos acontecimentos mundiais, enquanto satélite mes lucros com o aluguel da mãvu-de-obra indigena, ex-
de uma metrópole, e não mais satélite de um satélite... portada para a Rodésia e a União Sul-Africana, potên-
De qualquer modo, a maior continua a cias ratistas, maiores aliadas da “democracia” racial zor-
anti-comunista, segundo se vê no “Colonialismo missio- tuguêsa no continente negro... Calcula-se que cêrca de
nário” de ADRIANO MOREIRA, por exemplo, (13) como se ão de angolanos e mocambiquenses são remetl-
o dominio colonial não fôsse o maior propiciador das olvidos em rotação anual, para .aquêles dois
crises violentas.
vásis brancos, o que idariedace salazarisla
Com efeito, apesar das Estatísticas salazaristas, sô- para com ambos, em sucessivas crises e bloqueios Inter-
bre as “províncias ultramarinas”, serem manipuladas ou nacionais. (14)
omissas, sabe-se muito bem, pelo testemunho de viajan- Se o comportamento colonialista de Lisboa não é
tes idôneos, que o número de nativos “civilizados” ou nada risunho hoje em dia, também não era agradáve! no
“assimilados” é muito abaixo da maioria, o que confere
passado brasileiro, por menos façanhuco que então se
ao estatuto do indigenato um nítido caráter discrimina-
upresíntasse.
tório, pois Os tais “civilizados” não atingem mais de 5%
De fato, as velhas Ordenações do Reino eram, de
do total da população negra e mestiça. Por outro lado, o início, muito severas contra cs portugiiêses que se
exodo imigratório português — que se repete em cada
geração e explica porque os problemas sociais interncs sassem com índias ou. negras e, só muito depois. foi que
se abrandaram, diante dos fatos consumados eri massa.
da metrópole ainda não explodiram — dirigiu-se, no pas- O outro Poriugal, heterodoxo e ieoncelasta. impunha-se
sado recente, de preferência para o Brasil, em seruida
para à Venezuela, e, nos últimos tempos, para Mercado
também nisto, enquanto faror doe progresso, diante do
comum europen. A proporção que imigra para à África
Portugal * ortodoxo tardiamente inquisitorial.
Este não vacilou em olerecer-nos à Holanda, como preço
prossegue relativamente baixa, o que dificulta a obru
assimiladora” lusitana. para deixado em paz, ovriganão Matias de Albuquerque
q “desobedecê-lo, para melhor servi-lo”, e recebendo a
provém das colônias a maior parte dos re.
masmerra como prêmio da sua dedicação.
cursos do balanço português de parsamentos: matérias.
E quando os brasileiros levantaram q cabeça, pe-
SP Vide, deste antigo ministro do Ultramar, o dindo autonomia, a violenta represália logo explodiu. É
+

Úpico O) Ocidente 4
neiro, 196. portugues,
e

Pongetti, Rio de Ju
(149) PERRY ANDERSON, OP. cito, págs. 48.50 0 TOSR
amarga e gloriosa a História das nossas grandes Incon- o nascimento da nossa então incipiente burguesia mer-
fidências: a mineira, de 1789, a baiana de 1798, e a per- cantil, semente da nossa futura burguesia industrial...
nambucana, com ramificações no Nordeste oriental, em
Portanto, não é de surpreender êste livro do Pro-
fessor Boxer. Trata-se de um antigo admirador do
1817. Em tôdas o poder colonial de Lisboa se comportou
de modo brutal e nada “compreensivo”, como é apresen- nosso país, autor de vários livros, entre os quais À Idade
de Ouro do Brasil e Os Holandeses no Brasil, ambos tra-
tado hoje pelos escribas a sôldo de Salazar e pelos ingê-
nuos saudosistas, não sabemos de quê. DO e
duzidos para o português.
Portugal só aceitou a nossa Independência em 1822, O nresente volume não deixa de ser um elogio indi-
quase sem reagir, porque estava minado internamente reto à nossa formação, a qua!, embora devendo muito a
pelo recente levante liberal vintista e por não dispor de Lisboa, é máis nossa que dela,
consideráveis meios militares ao seu alcance, além de " Não devemos, contudo, envergonhar-nos de Portugal,
enfrentar o apoio britânico ao Brasil, conforme se sabe isto é, do outro, aquêle do Infante Dom Henrique, de
noje. (15) E, mesmo assim, foram processados os mi- Vasco da Gama, Camões e Cabral, do Marquês de Pom-
jitares lusitanos que fracassaram na resistência à nossa bal, dos liberais vintistas, em especial de Garrett e Her-
Independência, (16) e foi incluído, em nossa primeira culano, de José Tontana, Amorim Viana, Ramalho, Eça,
Constituição, Antero, Oliveira Martins, e, em tempos mais recentes,
e 1 pro 0oTR
$ 4.º, do art. 6.º, onde se consagrou a
naturalização automática de todos os portuguêses então de Joaquim de Carvalho, Antônio Sergio, Antônio José
residentes em nosso país, o que se transformou num es- Saraiva, Magalhães-Vilhena, Costa Dias, Victor Sa, Oscar
pinho na garganta e todos os nacionalistas, até o “mata, Lopes, César Nogueira, e de muitos outros, mais novos €
mata hei e 8”, quando Inácio Bento de
a, TITE
mais velhos. Se hoje Portugal enfrenta tantas diticulda-
Loyola, e outros.
S nã
Nao se cansavam de denunciá-lo. Os des internas e externas, deve-se, principalmente, ao jato
portuguêses, e demais estrangeiros, controlavam o nosso dêles não comancdarem o seu país, não poi culpa propria,
comércio de exportação e-importação e, assim, sufocavar mas por circunstâncias históricas já demonstradas.
É a êste Portugal que o Brasil está ligado, e não 20
“outro”.
Brasil Um fla entre outras muitas obras, George Cunning e à
»e é To omde O Portugal
Cato do povo 4 diplomacia inglêsa na formaçio fiel à audácia dos descobrimentos e não
brasileira)
Q
DE vol. 298 da Brasiliana
nal, 2 vols. São Paulo, 1958,
daEICia. Edi. Nacio. à covardia de Pina Manique Decreto Portugal o Brastl
(16) Provasn A PR
gndeiro José Caroro também raríssimo opúsculo Allegação do representa uma continuacão, conforme Ariano Suassuna
PO TESTS
td to ICO, ,governador
err de PernambucoPor portaria de 10 de dezemb»
das qr
Lo UMAS dA/ DrOVIMA-
nd É
mostrou tão bem, em ensaio va revista Brasileiro
e

Cujo
o

mbro de 1821
ol, €e de
a e governo se damittio dos
s 55 de agóôsto de 1822 To (N.ºs 13/14), -eonr isto perder sua fisionomia “pró
4

Pre. Fomos mm
ii
AT MO LDA, QUO À
do pra de me unir ao Rio de Janciro, para The priá, provada no Nacionalismo de um Sílvio Romero c
reder nela portao 1 Táciho de Guerra a que se lhe mandou pro-
Made
daoutubro
secretaria
d Estado dos Negócios du Crer. de um Machado de Assis, no passado, e no de um Josó
on"
F

ru em data de 10 O di FEV

tônio Rodrigues. Galhardo, 1822 1822, Lisboa, na Tipogr. de An- Honório Rodrigues e de um Afranio Continho, no pre-
uma reunião, em hovos têrmos, de autêntica inter-de-
sente, todos tão diversos na vocação e nas tendências, pendência,
porém unidos pela exaltação comum. de brasilidade, au As “províncias ultramarinas' portuguesas viver
it,

distinguirem a contribuição lusa ca criação brasileira. hoje o seu 1817: um dia — sem dúvida próximo — terão
Nossa Cu:tura é brusilevra e universal, e não luso-
também o seu 1822. Lembremo-nos do nosso, e solida-
brasileira, como se quis contrapôó-la à teuto-brasileira, OU
rizemo-nos com os Labatuts e não ccm os Madeiras.
à francesismos e a anglicismos, De tôódas as demais fil-
ste livro do Professor Boxer é sereno e objetivo,
tramcs a iInsriração humanista, no que pudemos trans-
sem pretender servir qualquer ideologia. Nada nos Im-
fizurar em síntese universal própria, nossa contribuição
original a Historia. pede, contudo, que tiremos nossas conclusões; o leitor tive
VA
às suas.
O Brasil é criação dos brasileiros, até mesmo nu VAMIREH CHACON
idioma, que hoje experimenta maiores transformações da Universidade do Rocite
vitais entre nos, que na Europa, através da assimilação
de novas contribuições, em sínteses cada vez mais pe-
culiares, segundo o provam as pesquisas filolégicas de
Celso Cunha e outros.
Nossa solidariedade deve ir para os que querem li-
bertar as “províncias ultramarinas”, mesmo que depois
se reintegrem, em companhia do Brasil e de Portugal,
numa vasta comunidade internacional. Só assim se pode
falar em inter-dependência: por auto-determinação, em:
pe de recíproca igualdade, e não sob imposição de um
absorvedor eixo de gravidade, que negue um self-gove) -
nmant a periferia ainda dependente. Foi aliás nesta
linha de preocupação e de conduta que se desenvolveu o
trabalho fecundo do sempre ameacado Instituto Brasi-
de Estudos Afro-Asiáticos. Como é tanbém neste
sentido que se orientam algumas das mais ricas investi-
nações do grupo da revista Tempo Brasileiro...
à Comunidade Britânica das Nações, vw União Pran-
cesa, sem falar no Mercado Comum Europeu e nu
não foram construídos com uma me! vópole no
centro, cercada por “províncias”. A soberania política do
cada um esgotada nos seng limites, persuailiu lodos
PREFÁCIO

Agradeço à Comissão de Conferências Richard por


me ter convidado para fazer estas conferências na Uni-
versidade de Virgínia, em novembro de 1962:
anda de expressar minha gratidão aos membros desta
Universidade por terem tornado tão agradável minha es-
tada em Charlottesville.
As conferências, aqui publicadas na íntegra, foram
acrescentadas notas de pé de página vara documentar as
asserções contidas no texto.

CGC. R. BOXER
Londres
Maio de 196º
MARROCOS EF ÁFRICA ORIENTAL
Como todos devem saber, é questão de honra para
muitos portuguêses, o fato de seu país jamais ter tole-
rado barreiras raciais em suas possessões ultramarinas e
que seus compatriotas sempre tiveram afinidade natural
para contatos com gente de côr, Em entrevista recente
para a revista Life, o Dr. Salazar afirmou: “Estes con-
tatos jamais envolveram a menor idéia de superioridade
racial ou discriminação... Creio poder dizer que a ca-
racterística principal da África portuguêsa — apesar dos
esforços conjugados em muitos setores para atacâ-la com
palavras e ações — é a primazia que sempre demos e
continuaremos a dar à intensificação do valor e da digni-
dade do homem, sem distinção de côr ou credo, à luz de
princípios da civilização que nós levamos às populações
que em todos os sentidos estavam aquém de nos. (1)
Da mesma maneira, o preâmbulo de um recente de-
creto governamental abolindo o antigo “Estatutos dos
nativos portuguâses das províncias da Guine, Angola e
Moçambique, diz que “a composição heterogênea do povo

(1) Secretarindo Nacional da Informação, SALAZAR SAYS.


Problemas portupuêses na África. Versão completa da entrevista
concedida pelo primeiro ministro portugues à Life: A unica ver-
são aprovada para publicação (Lisboa, 1962), pug. 6.
português, sua tradicional comunidade c estrutura pa- série de bulas papais, doações e editos, concedidos Se
triarcal, e o ideal cristão de irmandade, que sempre foi reis de Portugal durante os precedentes oitenta
a base de nossa expansão ultramarina, cêdo definiu nossa três anos. O cronista português do século
relação com outras sociedades e culturas e marcou-a Toão de Barros, justificando ter O rei D. Manuel Assu
desde o início com definido respeito pelos costumes e ido seu título grandilogiente, explica que os papas são
maneiras de ser dos povos que encontramos”. (2) lústas senhores universaes pera destribuir pelos fieis da catho-
crenças são muito sinceras e profundas, o que quer dizer lica Igreja, as terras q estão em poder daquelles q não
que estejam sempre baseadas em fatos históricos. são subtidos ao jugo della”, Qualquer que seja a vali-
O objetivo destas conferências é mostrar que a ver- dade teológica desta asserção, realmente reflete a convie-
dade é mais complexa e que as relações raciais do velho cão portuguêsa de que eram, em princípio, cruzados
império colonial português não apresentavam, invaria- quistadores, com direito de conquistar ou dominar as
velmente, tal quadro de integração harmoniosa que estas terras dos mulçumanos e pagãos do Marrocos 20 Min-
citações poderiam fazer supor. O sucessor de João de Barros, o soldado-cronista
O velho império colonial português era essencial- Diogo do Couto, que passou a maior parte de sua longa
mente uma talassocracia, um império marítimo e comer- vida no Oriente, enfatizou, com sua experiência pessoal, a
cial, com interêsses quer nas especiarias do Oriente, nos inidade da Cruz e da Coroa, quando escreveu: “os reis
escravos da Africa, quer no acúcar, tabaco e ouro do de Portugal sempre tiveram em mente, naus suas concuis-
Brasil. Era, no entanto, um império muritimo moldado tas no Oriente, unir de tal modo os dois podêres, espiri-
em forma militar e eclesiástica. Por séculos a palavra tual e temporal, para que um nunca se exerça sem O
oticial mais comum para as possessões ultramarinas mor- outro”. (3)
tuguêsas era As Conquistas,* têrmo irrespectivo da aqui- Como a expansão ultramarina portuguêsa começol
Bição, Se por guerra ou pacificamente. Quando em 1501 com a captura do forte mouro em Ceuta, lálo, e como
seu posterior desenvolvimento foi muito influenciado
DSi DD Menus! assumiu o título eo estilo de vida de
Senhor da conquista, navegação e comércio da Etiópia, nelas lutas que vieram a seguir com os mouros, podemos
índia, Arábia e Pérsia”, os portuguêses não tinham ainda começar nossa pesquisa com um resumo das atividades
conquistado nenhum dêstes países; mas seu direito de portuguêsas em Marrocos. Quaisquer que tenham sido os
tazê-lo, total ou parcialmente, estava implícito numa motivos que induziram os portuguêses à conquista de
Ceuta, em 1415, e a subsequente tomada de uma cadeia
tio +) 43.893, de 6 de setembro de 1961, in Bo-
o. 10980 O qto
"“ su Lourenço
ecreto Marques,
foi assinado 1861),
velo Dr
DCeio Pr e porI sério
Salazar n.0os36
a por trios
todos no 3) João DE BARROS, Decada Primeira du Ásia, Livro vi,
CAD. 1 primeira edição em 15527 Dioco Do COUTO, Decada Vi,
é

membros de seu gabinete.


* “Todaso AS
as DdlaVI:
nalave: das de
do * gut”
estão cem portupgiios
A PR
no cap. 7, primeira edição em 1612 Para relevantes documentos pa-
o AS palavras >seguidas
ot MO Cc E A

pais do século KV ver CH.-MARTEL pe Wirrt, Les Bules


cules ct portuguisce um NVe. stécle (Louvain, 1993).
de fortes descendo a costa Atlântica marroquina, seus estavam cansados da matança é que capturamos oitenta
recursos humanos e “econômicos eram demasiado limita- almas”, (4)
dos para conquistar a mais fanática terra mulçumana. O A sorte dos “mouros de pazes , ou mouros que se
último esfôrço de ofensiva terminou em desastre total submetiam aos portuguêses, geralmente era muito dura.
nos campos de Alcácer-Kibir (4 de agôsto de 1578) Suas mesquitas e lugares santos eram profanados, suas
quando seu rei Sebastião foi massacrado e praticamente
preces interrompidas por assobios, escárnios e pedradas
todos os do seu exército que não foram mortos foram o ÀS vêzes suas mulheres eram também violadas. Algu-
aprisionados. No fim do século dezesseis, apenas Ceuta mas de suas reclamações eram, sem dúvida, exageradas,
Tânger eCenta
a dessas Mazagão continuaram
enntinman laal À Mananto em
sean mãos
sas, Ceuta, continuou leal à Espanha em 1640,
portuguêsas
mas era evidente, com muito poucas exceções, que OS por-
tuguêses não faziam realmente esforços para compreell-
Tanger fci rendida aos inglêses
=
i A"

em 1662
à e Mazagão
Mazaçã eva- der ou conciliar seus súditos mouros, e 08 olhavam como
cuada em 1769. Camões o fazia, como o torpe ismaelita”. Quando as fei-
A luta no Marrocos, que durou com pequenas tréguas torias portuguêsas no Marrocos ficaram reduzidas a
de 1415 a 1769, tomou caráter de guerra santa — uma Ceuta, Tânger e Mazagão, os mouros. não mais podiam
Vi cá de um lado e uma cruzada de out ro, o Am alor parte
viver nestes lugares, que eram povoadrs exclusivamente
por cristãos.
Como bo “Oi uma guerra de pequenas incursões e esca- A intermitente luta de incursões, cêrcos e represá-
ças, com destacamentos de cavalaria das guarnições
portuguêsas pilhando fregiientemente os arredores ri. lias no Marrocos, era ponteada de tréguas ocasionais, du-
rais, e os mouros tentando atraílos à armadilhas. A im.rante as quais um comércio de trocas era efetuado por
mercadores mouros e judeus. Nestas ocasiões grandes
tolerância, religiosa mútua exacerbava os SPA
O ânimos a entravam nas feitorias portugueê-
do interior
Ed

por vontade pisos mo DOS convertidos ao cristianismo


«as sob salvo-conduto ou acampavam nas vizinhanças da
capturados por seus eco o Pressão, se posteriormente muralha, enquantos cristãos, muçulmanos e judeus comer-
dos pelos mouros sop co Ei eram martiriza- ciavam em relativa concórdia. Havia também ocasiões
Por outro lado. 08 circunstâncias, em que chefes de ambos os lados trocavam cortesias, €
combatentes quando o o faziam distinção entre hospitalidade na melhor tradição da cavalaria medieval,
capitão de Satim er cao & melhor, Por exemplo, o nas tais ocasiões eram exceção o não regra. A influên-
de um ataque do car rio à Corôa sôbre o resultadocia ara discernível nos títulos árabes de Adail, Al-
Jrpresa teito pela guarnição a dois
acampamentos mouros em julhoO d
gamo-los completament 1 e 1941, escreveu — “Pc.
(4) D. Rodrigo de Castro ao roi D. João HT, Safim, 8 de
quatrocentas pessoas “ Surpresa e matamos cêrca de julho de 154 1 apud G n Ibenkiana , As Ga vrtas da To pre ua To mão,
Os soldados comuns pão vo mulheres e crianças, T (Lisbon, 1960), pág. 771. Para o martírio de um renegado nm.
poupavam ninguém e só quando culmano tornad o cristão e Alm ocadem de Arzila em 1516, ver
Lores, História. de Arzila durante o domínio portugués (Coim-
bra, 1924), págs. 197-204,
mocadem, Anadel, etc., que os portuguêses usavam para ência islâmica, apesar de que, a longo prazo, os resul-
seus comandantes de cavalaria, e as táticas de ataque à tados não chegaram ao que as expectativas otimistas orl-
maneira de incursões rápidas, eram muito similares em previram. Manuel Severim de Faria, cônego da
ambos os lados. Mas, se existia uma espécie de relação catedral de Évora, que sustentava zelosamente as mis-
amor-ódio entre portuguêses e mouros, era o ódio que sões ultramarinas escreveu o seguinte sôbre a situação
realmente predominava. Trezentos e cinquenta e quatro em 1655 “O primeiro lugar a ser colonizado pelos portu-
anos de lutas de fronteira, praticamente continuas na cuêses na costa da Guiné foi Mina (São Jorge da Mina,
costa atlântica do Marrocos sustentou o édio português Elmina) no ano de 1482 e a primeira pregação foi então
aos muçulmanos. (5) Também êle os predispôs a con- feita, como diz João de Barros em sua Década 1, livro 3,
siderar todos os seguidores do Profeta como inimigos cap. II. E embora tivessem passado mais de cento e cin-
mortais, fôssem mouros, árabes, swahik, persas, hindus gúenta anos até que aquela cidadela fôsse tomada (em
ou malaios. 1637), nunca houve maior número de cristãos nativos
Como invariávelmente tem sucedido sempre que se que os que viviam em três ou quatro vilas adjacentes aos
têm defrontado islamismo e eristianismo na Ásia e na fortes de São Jorge e Axim, apesar de sua Juris-
África, os esforços portuguêses para o proselitismo entre dicção ser tão grande que se estendia por mais de duzen-
os mouros praticamente não obtiveram resultados no tas léguas”. (0)
Marrocos. Às conversões ficavam limitadas a indivíduos O proselitismo português no Congo e Angola já
que foram capturados ou escravizados quando crianças, havia perdido nesta época quase todo o seu ímpeto, apesar
ou a adultos que buscavam a proteção dos fortes portu- de um comêco promissor no antigo reino do Congo no
guêses por razões pessoais e que não tinham esperancas 'nício do século dezesseis. Este fracasso na África ocl-
de voltar para os seus amigos e parentes. Quando as dental, relativo ou total, foi atribuído, por Severim de Fa-
viagens portuguêsas de descobrimento ou comércio os ria, a três causas principais, Primeiro, a falta ou o des-
levou a ter contato com as populações negras de Sene- preparo do pessoal missionário. Os bispos relutavam, em
gambia e Guiné, seus esforços missionários tiveram mais geral, em ir a tão insalubres dioceses tais como Cabo
sucesso junto aos que ainda não tinham sofrido a influ- Verde, São Tomé e Congo, e, quando iam, geralmente
morriam de alguma febre tropical antes que pudessem
fazer algo. Os clérigos brancos induzidos a servir na
(Lisboa, Lopo, | FRNANDO DE MENEZES, História de Tangere África Ocidental eram, em sua maioria, de má qual-
mimation vor. ba pluce de Mazagan sous la do- dade, e os poucos que sobreviviam às mortais doenças tro-
et nl (eds grid”, (Paris, 1917); CENIVAL, RICARD
(5 vols. Paio tro de Phistoire du Maroe. Portugal nicais, eram mais mais ativos ne comercio de escravos
bra SSD bite Pod, 17 LOPES, História de Argila (Coim-
vol. III + in de Portugal. Ledição Monumental
R. RICARD Pas, sur
ARO, dou, 44 c vol.daIV, págs. 78-129 (Bareclos, 1931-2) +
Ulostoireo (6) MANUEL SEVERIM DE TARIA, Noticias de Portugal (Lis-
des Portugais uu Maroc (Coim-
Oo

bra, 1955). bon, 1655), págs. 22-40, “Sobre a propagaçam do Evangetho


mus Procmeias de Gunce,
prio no fato de que estabelecimentos eclesiásticos em São
que no exercício dos ofícios sagrados. Segundo, apesar Tomé, Congo e Angola fôssem mantidos quase inteira-
de haver alguns cristãos exemplares entre os leigos por-
mente pelos lucros do comércio de escravos.
tuguêses e mulatos, a maioria era formada de crimino-
A partir das primeiras viagens portuguêsas de des-
sos exilados ou aventureiros inescrupulosos. O único ob-
cobrimento e comércio ao longo da costa da Guiné, es-
jetivo dêstes últimos era ganhar dinheiro o mais rápido
cravos, ouro e marfim eram as principais fontes de lucro
possível, e suas vidas dissolutas e a participação ativa
no comércio de escravos eram um grande entrave ao tra-
procuradas pelos homens brancos. Na Alta Guiné, que
balho de conversão. Terceiro, a malignidade do clima e a em linhas gerais pode ser definida como a região situada
entre o rio Senegal e o cabo Palmas, comerciantes por-
grande mortandade entre brancos na costa ocidental tor-
tuguêses e criminosos exilados percorriam rios e riachos,
nou-se um obstáculo insuperável a qualquer trabalho
muitas vêzes penetrando distâncias consideráveis no 1n-
missionário contínuo e expansivo.
terior. Muitos dêles estabeleceram-se nos vilarejos ne-
À, exatidão essencial das observações de Severim de
oros, onde êles e seus descendentes mulatos funcionaram
Faria é trazida à luz pela história das missões portu-
guêesas na costa da Gulné. Só no reino de Itsekeri de como principais comerciantes ou intermediários no co-
mércio de trocas entre africanos e europeus. Os que ss
Warri conseguiram estabelecer uma tradição cristã que
perduraria até c século dezenove. E mesmo lá o eristia- tornavam completamente nativos, despindo suas roupas,
nismo era apenas superficialmente aceito como uma re- tatuando seus corpos e falando os dialetos locais, e até
ligião da côrte na capital, e êsse sucesso limitado não mesmo associando-se a ritos e cerimônias fetichistas,
chegou ao resto do país. (7) Interêsses comerciais e mis- eram chamados targo-maos ou lançados. Os reis de Por-
stonários raramente conciliavam-se, e onde havia con- tugal não faziam objeções a esta miscigenação como O
íflito, como no caso do comércio de escravos, era geral- faziam ao fato dêstes lancados não pagarem os Impostos
mente o primeiro que prevalecia, “Eu pessoalmente que a Coroa impunha a todo o comércio ultramarino.
Por esta razão a pena de morte foi decretada contra
penso”, escreveu um jesuíta português em 1604, “que as
preocupações que afligem Portugal são causadas pelos Gles em 1518, mas, embora esta lei continuasse em vigor
escravos que injustamente capturamos nas nossas con- no livro de estatutos por muitos anos, raramente ou
quistas e nas terras em que comerciamos”, (8) Este no nunca foi aplicada, pois a Coroa portuguêsa não exercia
entanto, era um ponto de vista minoritário, e a maioria um poder jurisdicional efetivo nesta região. Atraves
de seus contemporâneos nada via de imoral ou impró- dêstes lançados e tangos-maos, o idioma português tor-
nou-se, e permaneceu durante séculos, a lngua-franca
(7) A, F.C. RyDER,
o

CET)
“Missiona ry activity in the kined
» 4 E”
f da região costeira da Alta Guine,
Warri to the early nineteenth century” (Journal of the Histori.
a

cat society of Nigeria, vol. II, págs. 1-26).


t.
As relações com os diferentes povos desta parte da
(8)
Carta de João Alvarez S.J., de 24-VII-1604, apud Pran- África Ocidental naturalmente variava entre uma tribo
cisco Rodrigues S.J., História du Companhia de Jesus na assis- ou área e outra: mas conflitos armados eram relativa-
tencia de Portugal, vol. III (2) (Porto, 1944), pág. 458
4%
Na Costa do Ouro da Baixa Guiné os portuguêses
mente poucos e os contatos em geral amistosos. Talvez
fiavam-se não apenas em contatos pacíficos, mas também
essa descrição de um missionário jesuíta a respeito das
em demonstrações de tôrça e poder, como bem mostra a
relações portuguêsas com os Joloffs de Senegâmbia em
1616 possa ser aceita como muito típica. “Ver um ho- construção dos castelos em São Jorge da Mina (1482) e
mem Jjoloff”, escreveu êle, “é ver o verdadeiro retrato Axim (1503). Aqui, não havia tangos-niaos ou lançados
da ociosidade. As mulheres joloff são de boa natureza € que penetrassem no interior, mas os portuguêses perma-
apreciam muito a nação portuguesa, o que não acontece neciam em seus fortes costeiros, trocando vasilhas de la-
com os homens”. Ele acrescenta que, muitas vêzes, as tão, pulseiras, contas, fazendas e outras mercadorias por
mulheres revelavam secretamente aos portuguêses cons- ouro, marfim e escravos trazidos do interior por comer-
pirações preparadas pelos seus homens, possibilitando, ciantes africanos. À comunicação entre os fortes era
assim, que os brancos se safassem ilesos. (9) Os tango- feita por mar e não por terra. Havia, é claro, muita mis-
maos e lançados sofriam críticas severas tanto dos ofi- cigenação com as mulheres negras nas vizinharças do
ciais da Coroa portuguêsa, missionários jesuítas, quanto forte, mas as negras de Mina, engravidadas por homens
dos comerciantes holandeses, franceses e inglêses, que brancos, provavelmente recorriam à prática do abôrto ou
lutavam por suplantar a hegemonia comercial portuguêsa ao infanticídio, pois os mulatos eram muito menos nNu-
na Africa Ocidental. Mas, apesar de seus pecados terem merosos que na Alta Guinê. (10) No entanto, os negros
sido grandes, êles adquiriram um prestígio especial junto superficialmente cristianizados da cidade de Nina per-
a muitos chefes negros e seus povos. Alguns casavam-se maneceram leais aos portuguêses quando intrusos ingle-
com membros das famílias reinantes, enquanto outros so: é franceses estabeleceram-se no século dezesseis, e os
faziam acôrdos vantajosos com chefes locais nara si mes- holandeses em 1625 e 1637. Mesmo nas vizinhanças mais
mos ou em benefício de patrões europeus para quem es- próximas do castelo de São Jorge da Mina somente cerca
tivessem trabalhando. Sua influência foi, por muito da metade dos 800 habitantes negros era cristã, de acôórdo
tempo, causa de inveja e assombro para outros comer- com relatórios oficiais de 1631-2. Não é certamente um
ciantes europeus que freqientavam a Alta Guiné.
(10) “... porque então amancebados niuitos (brancos)
(9) MANUEL ALVAREZ S.)., “Etiopia Menor e descrição gco- com negras gentias, as quais se tem averiguado que esperdiçao
grafica” da Província de Serra Lcoa”, não publicado até meado: os partos, ou matandoos depois de nacidos ou fazendoos aborti-
de | 1616, citado por Luís É DE MATOS. no “Bole tim Intern neional d A
Vos, 2 qual se prova, porque estando amancebados, e crecendo os
ibhografia Luso-Brasileiva, vol. 1 (Lisboa, 1960), págs, “697.8 ventres, não há nenhum so mulato em todo a aldeia, havendo
Para outras “descrições contemporâneas dos. tangos-maos e lan.
çados ver. Relação amu das cousas “que f izerum os Padres da tantos, donde as negras parem a seu salvo” (“Informação da
Companhia de Jesus nas partes da India Oriental, e no Brasil Mina”) de 29 de setembro de 1572, apud ANTÓNIO BRÁsIO C.S.
dy fo a Cab 9 Vero o G nn é nos «nos 16023 (Lisboa 1605) de SP. Monumenta Missionaria Africana. Africa Ocidental, volume
E too VI Sd, fôlha 130; Ordenações manuetinas livro LIT, 1570-1699, Lisboa, 1953, pág. 90). Para a discussão da pe
tio Lid,an
fol.West
XCV da edição netração portuguêsa e sua influência na Baixa Guiné nesie pe-
prana f Africa 49 deLondres,
(2 vols,
1565; J. W. BLAKE, Euro.
1942), voli, riodo, ver J. W. BLAKE, Europcans in West Africa, 1450-1560,
pags. 28.99. vol, II, págs. 40-57,
»
Relações sexuais livres entre negros e brancos fize-
Lotal muito significativo após 150 anos de ocupação por-
luguêsa e atividade ou (inatividade) missionária.
ram surgir uma população mulata inteiramente portu-
A influência portuguêsa no continente na Baixa vuêsa, nas ilhas de Cabo Verde e nas de São Tomé e
Príncipe, no Gôlfo da Guiné. Considerando que no conti-
Guiné, desde o rio Volta ao cabo de Santa Catarina foi,
por muito tempo, exercida principalmente através dos nente os comerciantes e aventureiros portuguêses soíre-
comerciantes da ilha de São Tomé, após sua colonização
ram mais influência africana que os negros influência
em fins do século dezesseis, Vez por outra os portuguê- curopéia, a fusão racial nas ilhas resultou na predomi-
ses voltavam a nutrir grandes esperanças de converter o nância dos traços culturais europeus. Ambas as ilhas
Oba de Benin e seus súditos, mas os esforços dos missio- eram desabitadas na época de seu descobrimento e foram
nários do século dezesseis não tiveram, afinal, maior gu- colonizades principalmente por uma mistura de brancos
cesso que os dos capuchinhos espanhóis e italianos, que
vindos de Portugal, Espanha, Itália e escravos importa-
tentaram a mesma emprêsa, a intervalos, entre 1648 e dos de uma larga variedade de tribos do continente,
Contudo, se os esforços para a evangelização do muitos dos quais asseguraram posteriormente sua liber-
Benin, despertavam, muitas vêzes, mais uma profunda dade. No princípio, a ilha de Santiago, do arquipélago
suspeita do cristianismo do que algum interêsse em suas de Cabo Verde, e depois São Tomé transformaram-se em
crenças, os missionários e traficantes de escravos de São depósitos de escravos vindos da Baixa e Alta Guiné que
Tomé difundiram largamente a língua portuguêsa neste ali eram reunidos e despachados para as plantações e
reino, onde o conhecimento do português falado e eserito minas da América Espanhola e Brasil, Portuguêses bran-
durou séculos. Se pudermos confiar em William Bosrnan, cos e mulatos navegavam para a Baixa e Alta Guine, res-
que escreveu no fim do século dezessete, as relações dos pectivamente, para comerciar escravos, ouro e mariim.
portuguêses com o povo de Benin ofereciam um curioso Com o correr dos séculos, o amálgama racial comple-
contraste com as que mantinham com os joloffs no outro tou-se, predominando o elemento negro na constituição
física e o português no aspecto cultural,
ololandes
fas mulheres
portam-se dede Benin”,
modo escreveu
cortês com t o m
= A prosperidade das ilhas de Cabo Verde foi etemera
tudo com os europeus, excetuando os porturêios do
o o tráfico de escravos transferiu-se para outros centros,
quais clas não gostam muito; mas nossa nação é muito
le seu agrado”. (11)
II, Missiones al reino de Zin Benin, Arda, Guinea Y Sierra Leone,
(Madrid, 1957), e frei FRANCISCO LEITE DE FARIA, O.F.M,, Ca-
pítulos. da grande revisão deste trabalho em Studia Revista Se-
of Guinea (od De Vet amd Accurato description of the mestral, WI (Lisboa, 1959), púgs. 2892-303, e seus próprios arti-
vos sôbre missões capuchinhas na África Ocidental publicados na
coletânea Portugal em África, 1950-00, À cifra para o numero de
ia edição original holandesa do 1704, Pará um estudo bem do
nativos eristãos de Mina em 1081 foi extraida de um relatório
M.S. datado de Lisboa, 17 de janeiro de lt652 pelo ex-gover-
nador, Manuel da Cunha, da coleção do escritor.
NIATEO
AGUIANO Cap, Chade acrescentado
durante o século dezessete. Em 1627 o governador des- mas um observador em 1506 assinalou que “poucas mu-
creveu Santiago como o “jazigo e esterqueira”” do im- lheres tinham filhos de homens brancos; a maioria ti-
pério português, e seus habitantes mulatos eram tidos nha filhos de negros, enquanto as negras tinham filhos
como os mais viciosos e imorais habitantes da terra. Os
de brancos.” (183) Todos os homens solteiros dispunham
numerosos marinheiros estrangeiros que ali faziam es-
de uma negra, concedido pela Coroa, claramente para
cala julgavam com extrema severidade seus habitantes, e
por esta razão é alentador achar-lhes ardente defesa nas
fins de procriação, e a cerimônia de casamento parece
ter sido optativa. Um pilôto português, que conhecia bem
palavras de célebre jesuíta padre Antônio Vieira. “São
a ilha, no segundo quarto do século dezesseis nos diz que
todos pretos, escreveu êle de Santiago no dia de Natal
naquela época gente de qualquer nacionalidade européia
em 1652, “mas Sômente neste pormenor se distinguem
era benvinda ali. “Todos têm espôsas e filhos, e algu-
dos europeus. Têm grande inteligência e habilidade e
mas crianças ali nascidas são brancas como as nossas.
tôda a prudência dos povos sem religião e sem grandes
Acontece, às vêzes, que, quando a espôsa de um comer-
riquezas, que vem a ser o que importa à luz da Natu-
reza. Há aqui clérigos e cônegos tão negros como azevi-
ciante morre, êle toma uma negra, e isso é uma prática
che, mas tão educados, tão autorizados, tão doutos, tão
aceita, pois a população negra é rica e inteligente, e
suas filhas são educadas à nossa maneira, tanto no que
grandes músicos, tão discretos e morigerados, que po-
concerne aos costumes como no vestir. Às crianças nas-
dem fazer inveja aos lá vemos em nossas catedrais”
cidas destas uniões são de compleição escura e são cha-
Evidentemente, VIEIRA foi arrebatado por sua pena exu-
berante, mas seu elogio aos habitantes de Cabo Verde madas mulatas, e são maliciosas e difíceis de levar”. (14)
não era, provavelriente, mais exagerado que a denúncia
Os marinheiros que tripulavam os navios que tra-
amarga de seus defeitos, descritos por seus predecesso- fevavam de São Tomé à Baixa Guiné, ao Congo e An-
res de vinte e cinco anos antes, (12) rola em busca do “marfim negro”, eram quase todos
A ilha de São Tomé foi originâriamente colonizada
mulatos e, portanto, relacionados por consangiiinidade
na última década do século quinze por levas de famílias aos escravos que êles exportavam. Como em Cabo Verde,
brancas mandadas de Portugal, por crianças judias de a maior parte do clero em São Tomé logo constitulu-se
de mulatos e negros livres, pois a sua mistura de sangue
ambos 08 sexos, batizadas à fôrça, e, especialmente por
e presos expatriados, As crianças judias de- dava-lhes maior resistência às doenças tropicais, e O
portadas que sobreviviam, casavam-se quando cresciam.
clero branco relutava em deixar Portugal por um local
notôriamente insalubre, As autoridades locais, diferindo
(12) Relatórios*jesuítas
OCS: Jesuitas«cê
sôbre as ilhas de Cabo Verde «
e

sas! 1627, apud FRANCISCO RopriGUES S.J., História da Com- (13) Apud, A. F, C. RYDER “An early Portuguese tradirg
(Pôrto, 1944)
Pãgs. A de Portugal,
448-70: Tomo HI, vol. 2
Carta de Antôn: ) a
vovage to the Forcados River” (Jowmnal of the Historical Sc-
ntonio Vicira, S.J,, de cicty of Nigeria), vol. I, pág. 298 n.
» BF

Cabo Verde,
“| ma25 de dezembro
ro de 1652, apud J Lp

º

a" |
(14) S. F. DE MENDO Tricgoso (ed) Viegem de Lisboa à
Cartas de Pudre António Vieira, SJ, vol L pá por EO (ed) de São Toné csenta por hum piloto Portugues (Lisboa, n.d.) pa-
pinas
dos colonizadores, davam mostras de preconceito de côr. tabelecer-se em Whydau, em 1721. Depois da conquista
Um decreto real de 1528 repreendeu o governador por dêste local por Daomé, sete anos mais tarde, uma mê-
opor-se à eleição de mulatos para o Conselho Municipal, dia de seis mil escravos foram exportados anualmente
declarando que eram perfeitamente elegíveis desde que para o Brasil dêste pôrto. À demanda brasileira de es-
fôssem homens casados, de responsabilidade. Dois anos cravos de origem sudanesa era contrabalançada pela pre-
antes, a Coroa deferira a petição de um negro livre lo- ferência dos daomeanos pelo tabaco, rum e especialmente
cal para fundar um ramo da irmandade de Nossa Senho-
acúcar brasileiros. Portanto, apesar das disputas perio-
ra dc Rosário. Receberam privilégios que, em alguns as- dicas entre as duas facções que resultavam em anter-
pectos, eram superiores aos que gozava a mesma con-
rupções ocasionais no tráfico, êste continuou a ilorescer
fraria em Lisboa. (15) até bem tarde no século dezenove. Os mercadores luso-
Cingienta anos depois que os holandeses tomaram hrasileiros de escravos desfrutavam, não raro, «e uma
Axim em 1642, os contatos dos portuguêses com a Baixa melhor posição em Daomé que qualquer outro riva. eu-
Guiné eram poucos, superficiais e tênues. O tráfico de
ropeu. (16)
escravos estava concentrado em Angola, Benguela e. em
Inspecionando as relações dos portuguêses com Os
escala bem menor, na área da Alta Guiné, em volta de africanos da Costa da Guiné, no sentido mais amplo do
Cacheu e Bissau. Com a descoberta de (frio em Minas têrmo, pode-se dizer que fora da vizinhança mais pró-
Gerais, na última década do século dezessete. “tornou-se
xima dos fortes em Mina e Áxim, estus relações eram
urgentemente necessário encontrar escravos negros que caracterizadas pela pacífica penetração comercial e peio
tôssem mais fortes e preparados para o trabalho nas mútuo interêsse no tráfico de escravos. Atividades mils-
minas que os Bantus de Angola e Congo. Isto conduziu sionárias tinham lugar secundário, e em parte alguma
a reabertura do tráfico de escravos entre os portos bra.
tiveram sucesso significativo ou duradouro no conti-
Sileiros — Rio de Janeiro, Bahia e Recife — ea “Cost
de Mina”, como os portuguêses chamavam à Baixa Gui. nente. Enquanto o prestígio dos comerciantes portugue-
né. Apesar da intensa oposição dos holandeses em FI.
ses era maior que o de seus rivais europeus em algu-
mas regiões e em certas épocas, o contrário sucedeu nou-
mina, que Teclamaram o direito de oobrigar todos os tras ocasiões, Um francês que assistiu à coroação do rei
navios luso-brasileiros que comerciavam na costa aa +

tarem lá e pagarem uma taxa de “dez por cento réapre de Whydah em 1725 contou que enquanto os diretores
suas cargas de tabaco, ws portuguêses consegui franceses, inglêses e holandeses e seus respectivos séqui-
yulram ces-
tos tinham permissão de permanecer sentados com os
(15) A, chapéus postos, o diretor português e seus subordinados
Africa Reid tal TO, S. CSp., Monumenta Missionaria Africa
500-1. CF. também q voa,
+ É. 4 1952), Págs.
IXYDER citado n 881, 376, 301, 472.4,
TEIXEIR sé
(16) A. F. CC. RYDER, “The ve-establishment of Portuguese
Africa ADA Mora,
Negra”,
» in “Notasdoa
IANDoleti
Doletim sôbre
Cano a história dos Portuga Lu
Mas factorios on the Costa da Mina to the mid. cirhteenth centuryo,
Jan-Março, 1959, págs, 97 Sociedade Geográfica de Lisbon, in Journal of the Historica) Society of Nigeria, vol | (Dez.
1958), pags. 1597-898.
contrôle político dêste reino, tampouco procuraram cof
eram forçados a ficar dê Pé, à cabeça Coco dera,quistá-lo
airás pela fôrça das armas. Contentavam-Se em Te
dos outros europeus. tentou que Por os reis do Congo como seus irmãos de armas ;
ousava Dar TUM Negro que O mais PO am tratá-los
o SED como aliados
a po PSA MI e não como vassalos ; e rd
méio
antodê
um receber O Ce pancacas, é 280 DIO à vertê-los é à seus súditos ao cristianismo, enviando mis-
rançês, nas mesmas circunstâncias, pode-
ia até maiar um neovr
+

VON NO aro dA nos (17:


q

sionários ao Congo e educando jovens congoleses selecio-


cd matar mm NeBro, sem na ira do rob (1) nados no mosteiro de Santo Eloi e noutros lugares, ou
cm OS monaicas da + domo não hosita Lisboa, “Seus esforços não se limitavam à propagação do
DA PO APIS ONA? Ou deporfãr Dara O ragi cristianismo. As primeiras embaixadas e missões portu-
T aptista da Ajudá (Whydah)
que os desagradasse cuêsas incluíam não só padres e frades, mas hábeis ar
do Lisos Co Babes ion Podiam as autoridades
aritud. E Sm A A as
Lesãos e trabalhadores tais como pedreiros,
+

as terreiros,
o . 2“

“atitudes de represália pol


Ú
a

tratamento tão despótico, pois isto envolveria


ae ”* 141 &

carpinteiros e agricultores. Até dois gráficos alemães


ema

do lucrativo comércio de escravos,


) (18)
as SeMas se os vor. emigraram voluntariamente com suas máquinas impres-
OS por-
tuguêeses eram tratad | presumivelmente
has

ratados pelos africanos melhor ou pior


soras para a ilha de São Tomé em 1


vo?
a

que outros europeus comerciantes de visando trabalhar no ou para o reino A!do Congo; e dl-
marfim ao longo da costa a língua nortusuêa es
o oa =
ct À IlilZUa DOrLUuguesa era versas mulheres brancas foram enviadas para ensinar
mais difundida, tornando-se
-5€ «à MASC a base de diversos
UC UIVersos Glaietos ,ditos
da É
. “. o + *

às senhoras locais as artes da economia doméstica, ta


ê

crioulos, alguns dos quais sobrevivem até hoje É


como era praticada em Portugal. Um dos principes A
Us portuguêses descobriram o antigo reino do Con- rOleses mandado
A à Europa para
|) c ser educado, foi depois 3
Ú

o On
O mesmo ano em que construiram São Jorge da Mina
md

consagrado bispo titular de Utica, por um Papa relu-


na Costa do Ouro (1482). O centro dêste reino bantn
tante, a instâncias do rei de Portugal, em 1518 |
nO que é agora o norte deD.Angola, entre os rios O mais ardente advogado da religião e civilização
ande e Zaire (Congo). O rei João II de Portugal ocidentais no Congo do século dezesseis foi o rei D. Aíon-
em cujo reinado o grande vio toi descoberto) e seus so I, que reinou de 1506 a jodS3. Este monarca era tum
sucessores da Casa de Aviz não tentar am assar Na
purar oO renuino, fervoroso e inteligente convertido ao cristianis-
mo, que fêz o máximo para implantar a nova religião,
(17) Voyage d chevalier
ge du 29 DessMuarchai
Murchais en Cu
renais ema Guine (17300), ” À.
A 38, VU: Lc
citado por CLADO
serito velo P RIBEIRO
o DE
di RE iaLESSA, Viagem
em o Treo de África vo
WISS1OLALIO:
E es dl lorosamente re
1800 (São Paulo1957),
1957,págs,
(Mire Vicente
189-90. ParFerreira Pires no ano de cebidos e. av menos por algum tempo os congoleses mes»
va um exemplo de onde
Ma

outros curopeus na Gui-


| Os
Ver portuguêses eram melhor
Villante de Bellefond apud A. tratados que «
TEIXEIRA DA Mora, Notas
travam um entusitástico desejo de adotar os costumes
sobre
Sabre««história
hstória do:
dos Portuguêses ne Africa Cura 1950
02” >

(18 DO RIBEIRO LESSA 4 Jt


RAÇA TA A RR SIMPATIA RP
onto canos
O ecinaquell
a

TE
4 mais turde, O o JtIS j

eo, Oba paps, 200-2:


Z200-2A, e
À
ves, . Voy NA dA Ansa DANA me NO)
ublishement”.
ML, OD.on.
Citot
docIncacil,
Joc.
)
(o.
Congo modelaram sua Córte em Mbanza Congo — hoje
replicou r ademente que não moraria com o monarca con-
São Salvador — pela de Lisboa; os prinei- goles, nem nenhum outro negro, por tôdas as rique-
marques é condi am (Os títulos europeus de duque,as de Portugal. Fernão de Melo, governador de São
lingua do ros para o ensino da Tomé “durante grande parte do reinado de ni Afonso,
experienciaoa o Ca religião Cristã, Infelizmente esta sabotava sistematicamente todos os estorços
D. Afonso Ler core maogron — com a morte delos reis de Portugal e do Congo para atingir os resul
vez maior o pi o Dor causa dos compromissos cada tados EmA ambos desejavam. Não. hesitou em incitar OS
ores de Portugal com a Ásia e América do Sul
574,
missionários e mercadores portuguêses no Congo a ne-
ação do
mas principalmente pela extensão e intensificaçã
oligenciar seu trabalho de conversão e educação, em
Ce escravos, (19) favor da intensificação do tráfico de escrav os, e deve-se
à Ins-
todo o comeco do “é Veto esteve de maré baixa admitirdurante
que muitos dêles não precisavam de muit
dos missionário rico dezesseis na Europa, c diversos tigação. Uma considerável comunidade mulata crescetl
nada edificante co tros o Alca levavam uma vida em São Salvador, e foi neste elemento que se recrutou
e outras doenças . 4 am a sorte de escapar à malária o clero local. Com o correr do tempo tornaram-se “io
seus companheirod Aves do matavam dentemente anti-portuguêses, conforme verificaram mis-
LM
nidade Portuguêsa pesar de a maior parte da comu- sionários jesuítas e capuchinhos que os visitaram,
algumas décadas or o quer leiga, durante 1641-48, o Cabido da catedral de São Salvador e o rel
congoleses em geral o cosa do amigâvelmente com osdo Congo, embora continuassem católicos leais em CO”
res em po do livremente com as mulho- munhão com Roma, apoinvam entusiastivanente OS cais
preconceit o racial de alguns mr pressão deixad É Pelo cinistas holandeses invasores de Angola o aie mesmo CO-
Juiz português res: Ividuos, Uma ocasião o
locavam imagens de her eres holandeses em sets altures.
convidado por D. Afonso bo Eos
ara residir emirseu
congolesa,
palácio. quando No fim do século dezesseis, os principais mercados
(10)
podAhistoria das valaps Portuguêsas de escravos da Africa Ocidental, que originariamente E
Conto afseculosq das relações portuguê dis com e remo
ra: do
COres
Nes CSESOS e dezes
COM O NA Guiné e depois no Congo, estavam tório
te
lizados em Angola e Bengue o A atitude dos portugueses
e

Além re. dos dez volumes da mente bem


Ra

vo mts da WO)
t
Vo

Ocidental, do Padre A, BRÁSIO CS.Sp, que am relação aos povos ao sul do rio Bendo torma
Paco bol e continua progredindo, ver História dl
1 4evento
ess trPitrrutos
E Am(Lisbon,
ls 18TT) àdoo Visconde” DE PAIVA
» FAIVA MANSO: MAN, contraste com os persistentes esforços toitos para com
Rd ro o Conles9 mqyeho oa
center € europeizar os consolesos por meios pacíficos,
Ve pelve de Congo (Bruxelas, 1946)do To Coy o
dd ca Fº

ASIRAGÃO (Bruxelas ro q SAD Os Habitantos das terras do sul deste rio oram, mio
dia Antonina fre 1954); JADIN, Le Congo est la sort;
Antoine
raro SE,corar BASSratio du royanme
(Bruxelassons
“v DIV ecttla Corrs
19f Pedro LV ot la “sai
10901:
as,
o (17 tamos, menos U que os do antigo reino do Con-
investigações em
o em sp primelros Con-
o

a TVA

emo TÃO posar ef. DavinSoN,


ondres dog Iiluolk Mothes
ntner, Atfy:- AS ro, quando Os portugueses tiveram Rets
mas isto não explica intel-
NA

DUFFY Ps
Petit, Porluguege A fri
UH
Pdres, 1961), pág o
fatos duradouros cont eles!
ido Portao ao Africa (Cambridge, Mass, 1959), pátio q maneira sumntia pel qual eram geralmente
Africa (Londres, 1962), pág, 74 Sem
do ADO),
+
tratados. À desilusão com os parcos resultados obtidos menos, uma parte de Angola por familias camponesas
no Congo, após um início promissoy, era a raiz da ques- de Portugal, que seriam ;providas “com tôdas as semen-
tão. Logo em 1563, um missionário jesuíta pioneiro em tes e plantas que pudessem levar dêste reino e da una
Angola advogava o que um de seus colegas, no Brasil, de São Tomé”. Mas quando a expedição de Paulo Dias
chamava de “pregação com a espada e a vara de fer- chegou a Luanda, em feveiro de 1575, o tráfico de es-
ro. (20) Padre Francisco de Gouveia S. J., que foi de- cravos já estava em franco progresso; a malária e ou-
tido por muitos anos pelo“krual de Neola,; o chefe do tras doenças tropicais seriam obstáculos insuperáveis à
qual derivou o nome Angola, e que então prestava obe- colonização branca nos três séculos seguintes; e os ideais
diência fingida ao rei do Congo, explicou que êsses ban- elevados do privilégio real logo foram abandonados pela
tus eram selvagens e bárbaros, que não podiam ser con- lrrefreada procura de peças, como os escravos negros
vertidos pelos métodos da persuasão pacífica que eram eram chamados.
empregados em nações cultas da Ásia como aos japo- Esta procura de escravos intensificou e perpetuou
nêses e chineses. O cristianismo em Angola, escreveu êle, as guerras intertribais que grassavam no interior, e em
devia ser imposto à fôrça, que os bantus, uma vez con- que os canibasi jagas — ancestrais des mocernos baya-
vertidos, tornavam-se excelentes cristãos. Esta foi, e con- kas — tinham papel proeminente. Em anos anteriores,
tinuou sendo por muito tempo, a opinião geral entre os os portuguêses haviam ajudado os reis do Congo contra
leigos e missionários portuguêses. êsses invasores bárbaros, que certa vez saquearam a
A opinião da Igreja militante ajustou-se ao que pro- própria capital e só foram expulsos por uma providen-
punha Paulo Dias de Novais, um neto do descobridor cial assistência de São Tomé. Em Angola e Bonguela, nº
do Cabo da Boa Esperança, que queria impor seu plano entanto, os jagas mantinham-se geralmente em paz con
de conquista e colonização de Angola a uma côrte um os brancos. Formavam a espinha dorsal da “guerra ne-
tanto hesitante. O privilégio que finalmente lhe foi con- gra” ou auxiliares nativos (também conhecidos como
cedido pela Coroa, em 1571, previa a colonização de, Br empacasseiros, de uma palavra que significa caçadores
de búfalos), e foi com a sua ajuda que os portugueses
tod) “ev. para este género de gente não ha melhor pre- dominaram as outras tribos. “Seus chefes orgulham-se
gação do que espada e vara de ferro” (carta. de frei JOSÉ DE de ser bastante fiéis a nós, escreveu um cronista por-
ANCHIETA S.J o de 16 de abril de 1563). “Padre GARCIA SIM Es
a . escreveu de Luanda ao Provincial Jesuíta, em 20 de out. tuguês em Luanda em 1681, “e é esta à razão pela qual
oro a 7 5, qu e, x ra se todos que tiveram. exp eriêr c ja no Congo são ocdiados pelos selvagens déstes reinos, e êste grupo
“angola, concordavam que a subjugação dos negros devesse pro-
ceder sua conversão “quasi todos tem por averiguado que a con. guerreiro aterroriza tóda esta parte da Etiópia”. (21)
versão destes Barbaros não se alcançará. por amor, “senão derois
die por armas forem sogeitos e vassalos del Rei Nosso Senhor”
«Ara esta é opinião de conversões forcadas ef A BRÁSIC (21) ANTÔNIO DE OLIVEIRA CADORNEGA, Historia Geral das
De Do Momento Missionaria Africana. Africa Ocidental vol
ani PES. Sb; dido op. cit, vol. II E págs. dO5 Mar Ra Guerras Angolanas ted. à vols, Lisboa, vol. UI, pag. 105.
At, e para uma opinião solitária do contrário, pipe, DIM)
»
Para os japas cf. M, PLANCQUAERT, Les Jaga ct les du
Contribution Historico-Ethnonrunhkigue (Bruxelas, 1032):
|
“o

Nesta época, muitos dos jagas ainda eram canibais, de escravos continuou no interior de Angola, com poucas
comendo carne humana não apenas como sacrifício ri- interrupções durante dois séculos. MANUEL SEVERIM DE
tual, mas como hábito, conveniência e convicção. Origl- FARIA anotou em 1625: “Não houve nada mais além
nariamente matavam seus próprios rebentos e retinham de lutas em Angola no comêço da conquista ate agora,
os melhores jovens e donozelas que capturavam nas e muito pouco se fêz para a conversão dos habitantes
guerras, educando-os na “lei dos jagas”. Diferentes de desta grande província, cuja maioria se encontra no
outras tribos bantus, êles não tinham rebanhos nem cul- mesmo estado de quando aqui chegamos pela primeira
tivavam o solo. Eram primordialmente ladrões nômades, vez, e mais escandalizada por nossas armas do que edifi-
e, portanto, mais um bando de hordas errantes que um cados por nossa religião”. Noutra ocasião, depois de re.
grupo étnico. Durante a segunda metade do século de- ceber notícias da devastação empreendida por uma co-
zessete, foram gradualmente se acostumando a uma exis- luna punitiva portuguêsa no interior, comentou êle tris-
tência mais estável, e permitiram que suas mulheres temente : “não se pode ver nenhum efeito produtivo
dessem à luz fora do quilombo ou campo de guerra e
criassem seus filhos, ao invés de matá-los. Ao morrer que resulte de tanta carnificina; pois esta não é a ma
neira pela qual o comércio pode florescer e progredirem
um chefe jaga, havia um interregno, durante o qual tô- os ensinamentos dos evangelhos, que é o que necessita
das as trilhas eram fechadas, as mercadorias arrebata- Estado”, A Coroa de Portugal tentava por vêzes
das aos comerciantes ambulantes, assim como também contornar as propensões belicosas dos governadores e
seriam mortos aquêles que tentassem viajar. Um costu- colonizadores, como exemplificou o rei Dom João IY em
me semelhante prevalecia no assim chamado império do
1649, quando modificou drâsticamente os têrmos do one-
YMonomotapa ou conferência tribal de Ma-Karanga (Wa- roso tratado impôsto pelo governador de Angola ao rel
Karanga), onde é hoje a Rodésia do Sul e Moçambique: do Congo. Observou que os portuguêses haviam provoca-
era tambêm uma prática dos Ovimbundu de Benguela ão inútilmente o rei bantu por seu próprio mal compor-
que existem até hoje.
tamento, dizendo ainda que, no futuro, o governador de-
Existiam indubitâvelmente guerras inter-tribais veria “tratar aquêles pagãos e o rei do Congo com maior
nesta parte da África antes da chegada dos portuguêses clemência”. (22)
e dos Jagas; mas não há dúvidas de que tais guerras e Estas considerações não eram compartilhadas “pela
expedições para captura de escravos foram intensifica- maioria dos brancos locais, cuja opinião sóbre os aífri-
às visando
e minas à aquisição de escravos para as plantações
do Brasil ” “q

cáreulo de lutas, ataques eàescravos


gran ste terrível
e trafico (22) MANUEL SEVERIM DE FARIA, Notícias ele Portugal (Evo-
ra, 1655), págs. 095.7, 285-6; ef . RaLPIL DELGADO, História o Ro
gola (4 vols. Benguela e Lobito, 1948-55), vol. II, págs. 58.95 04
CGLADWYN MURRAY CHILDS. “Th ce peoples of Anpola in DORNEGA. História Geral (od. de 1940) vol. 1, pág. dO Fara O
twenth century according free do 1649 com o vo do Congo vos comentários do ver D,
págs 271-9.to Cadornega”, in Journal of A) vio Toão IV. C. R. RoxeRr, Salvador de Se nor the str nante for
14 ás o

bio ttf
stery, vol. É (1060),
and Angola, feos-toso (Londres, pags.
canos está refletida nas páginas da História Geral das .
negro levante a mão contra um branco, “porque a pre
servação do reino depende desta obediência e mêdo”. (45).
Guerras Angolanas compiladas por Antônio de Oliveira
o Por mais de 250 anos Angola foi tida como o prin-
Cadornega em '1681-3, depois de residir cérca de qua- ““cinal mercado de escravos para o império português No
renta anos em Angola. Cadornega não cansou de frisar
que “todos êstes povos pagãos não são governados nem Atlântico Sul, além de fornecer também muitos escra-
obedecem por amor, mas sômente por meio da vos para à América espanhola durante quase todo esse
bruta”. Eram necessárias medidas drásticas para fazer tempo. Um funcionário eufórico, escrevendo a respeito
com que bantus ficassem em seus lugares, assegurava do que parecia ser possibilidade ilimitada dêste mercado
êle. “Pois êstes pagãos, mais do que qualquer outra na- de “marfim negro” em 1591, assegurava à Coroa que O
cão, agem sob o princípio que “o vencedor tenha vida “interior de Luanda era tão densamente povoado, que
longa”, e como negros, êles nada temem além do castigo forneceria copioso sortimento de escravos “até o fim do
corporal e do chicote: como era o caso dos romanos e mundo”. Bento Cardozo, um dos conquistadores de An-
dos libertinos, quando estes não queriam submeter-se cola, concluia” seu relatório acêrca das reservas natu-
aqueles pela fôrça das armas, mas apenas com o látego, rais daquele reino em 1622 com as palavras: “muito pou-
com o qual os castigavam e chicoteavam. Esta foi a ca atenção é dada a estas coisas, pois, estando a malo-
única maneira pela qual os primeiros governadores e ria das pessoas ocupada no comércio de escravos, negli-
conquistadores conseguiam mantê-los submissos e é à senciam tudo o mais”. No fim do século dezessete, Cl1-
única maneira de conservar o que conseguimos pelas versas autoridades deploravam o sério declínio da popu-
armas nestes reinos”. Depois de relatar a execução em lação de Angola, devido às guerras exterminadoras, ex-
massa de numerosos chefes suspeitos de conspirar con- cessivo trabalho forçado e ao flagelo da varíola. Num
ra 0 regime português em 1624, êle acrescenta que relatório, o confessor jesuita do príncipe Pedro decia-
este exemplo “tornou-se inesquecível para as gerações rava que enquanto na antiga Angola “não tinha um pal-
iuturas, e deixou todos os pagãos dêstes reinos ame- mo de terra que não fôsse habitado, hoje em dia os co-
droptados e temerosos, pois é apenas pela fôrça e pelo merciantes de escravos tinham que viajar três meses
mêdo que podemos manter nossa posição sôbre êstes in-
pagãos”. Esta opinião está também refletida,
em grande parte, na correspondência oficial vinda de (23) “,.. do gentio da terra a quem por costume antigo
ce aprovado se lhe nega authoridade para poder ofender (nem
Luanda por mais de dois séculos. Por exemplo: JOÃO ainda levemente) a homens brancos, porque nesta obediencia e
FERNANDES VIEIRA, paladino mulato das campanhas em temor consiste a conservação do Reino” (JOÃO FERNANDS VIEIRA
à Coroa, Luanda, 15 de setembro de 1659, in drquivo Histórico U.-
Pernambuco contra os holandeses em 1645-54 e Lisboa, “Angola, Papéis Avulsos de 1609). Para a
nador de Angola em 1658-61, lembrou à Coroa que era opinião de CADORNEGA acêrea do que seria hoje chamado “castigo

do negro”, cf. Fistórmiu Geral dus Guerras Anyolunes, vol. 1, pass.
um velho e aprovado costume” nunca permitir quC um 91-2, 260-1: vol. III, pags. dO, 165.
para o interior antes de alcançar os mercados (pumbos)
à diminuir-lhes o valor neste particular não
onde os escravos eram vendidos”. (24) seria nem será nunca compartilhada por êles”. (26)
A maioria dos comerciantes que fazia estas longas A necessidade de afirmar a superioridade branca
viagens era composta por mulatos ou negros, e alguns por meios pacíficos cu pela fôrça foi esboçada por Ca-
dornega em 1681; “Como para este Gentio todos appa-
brancos que se aventuravam além dos postos portuguê-
rato e imperio he necessario, e isto he o que respeitao ;
ses mais avançados naturalmente deviam mostrar res-
peito e deferência para com os chefes africanos inde- em à terra e Senhorio de qualquer Sova destes, hum
pendentes das terras por onde passavam, Mas isto não
Portuguez nobre que não leve muitos Negros e Negras
Impediu que a maioria dos comerciantes de escravos opri- do serviço da Gaza a que chamão mocamcas e outras du
missem os sovas (chefes) que mantinham aliança com a. serviço de portas fora, como são cozinheiras, lavandeiras,
Coroa portuguêsa, exigindo carregadores (gratuitos) e outras que vão buscar agoa ao Rio e lenha ao mato,
apesar de fregiientes leis contra tais abusos, A opinião con muitos instrumentos daterra, como marimbas, c«hnu-
do português branco médio de Angola sôbre os negros calhos, pandeiros, violas da terra, se não levao esta
escravizavam reiletiu-se num memorial por volta de nompa ainda que seja hum grande fidalgo, como temos
1694, escrito por todos os que se ocupavam dêste comér- dito não fazem delle nenhum caso, dizendo que he, pos
cio em Luanda, descrevendo os escravos como “brutos bre, que a nobreza entre elles he vituperio, e hendo qual.
sem Juizo discursivo. -- para quem he bruto e quasi (se quer homem por baixo que seja con dito apparato e dem
assim Se Pode dizer) irracional... (25) Esta atitud vestido aquelle he o que tem por Senhor e Macota Amin.
dele senhor principsl dos Brancos Macote Aminde-
persistiu durante séculos, baseada na firme convicção de
que o negro servia apenas para ser escravo ou colono le”, (27)
Um inglês com longa experiência de África Tmbora Cadornega, como a maioria de seus com-
natriotas, fôsse de opinião de que devia ser mantida em
votou
o com calorosa
'O SENdo aprovação
de maneira nmránri que
E E os portuguêses seu
nãelugar, no fim da escala social, êle falava bem qu
eles são apenas “mão de obra”, é qualque, procede«omunidade
do mulata mestiça, cuja origem e desenvolvi-
mento é por êle assim descrita : “Os soldados da guar-
FELNER, Um inquérito à vid E BRITO apud. A. ALBUQUERQUE nição e outros europeus são pais de muitas crianças =
gola e do Brasil oem fimo IJ as administrativa e economica de An senhoras pretas, por causa da falta de senhoras oran-
Srasil em fins do século XVI (Coimbra, 1931), pág, 35
NO CORDEIRO Vinnono cmo!
ruçoes e conqui | cas, com o resultado de que há muitos mulatos e pardos.
MANUEL Femina
105 neproes do rd?asCongo
Rr Voto sôbre e que
vexaçoins Angola (Lisboa, 1881), pág. 18.
se fazem
(26) R. CC F. MAUGUAM, Portuguese Fast lírica, The his
aconcry and great gume of Manica ara Sofeta d Londres,
Ton oD)y,(“Coni
do c.2 4, fis 401, O º ro in BAL, Cod. 50-V-39
a
“4
1906) pis 301-3. Apesar de escrita sóbre Moçambique esta ob-
» do Senado
forasteiros fizerãoda Camara”
ao Sera sdo maca
e viFam que o moradorvs
povo e mais servação é igualmente aplicável ao angola, Angolanas
arquivos do. Conselho Municipal de Luanda). mas ce, 1694, nos (97) CADORNEGA, História Geral das Guerras
o
(ed. de 1940), vol 1, pág. CIO,
Os filhos destas uniões dão grandes soldados, especial-
os cidadãos que pudessem ocupar um cargo municipal e
mente nas guerras do interior contra nabitantes pagãos.
Podem resistir a trabalhos pesados, condições as mais
seus descendentes — em outras palavras, presumivel-
mente de brancos e quase brancos. (29)
desfavoráveis e andam sem sapatos. Muitos se tornam
grandes homens. Quando esta conquista começou, quase
Não me foi possível verificar o resultado desta pe-
todos os conquistadores importantes, com exceção de al- tição, mas de qualquer maneira o preconceito contra mt-
latos e mestiços realmente existia em Angola nesta épo-
guns que trouxera mas famílias, acomoedaram-se com mu-
latas filhas de respeitáveis colonos e conquistadores, com
ca e existiu ainda por muito tempo. Um frade capuchil-
nho italiano residente lá, frei Girolano Merolla, escreveu,
suas escravas ou concubinas livres”. Cadornega afirmava
que muitos dos descendentes dêstes casamentos inter-ra- em 1691, a respeito desta raça misturada: “Odelam os
ciais tornavam-se homens importantes podendo ser com- negros mortalmente, até mesmo suas mães que os tive-
parados com os que resultavam de casamentos mistos na ram, e fazem tudo o que podem para igualar-se aos bran-
Índia portuguêsa e Brasil. (28) cos, o que não lhes é permitido, não tendo éles nem per-
Cadornega não diz se aos mulatos ou oltavões era missão para sentar-se em presença déles”, (30) Esta
pemitido ser membros dos Conselhos Municipais em declaração pareceria exagerada principalmente se Te-
cordarmos o testemunho contemporâneo de Cadornega de
Luanda e outras municipalidades angolanas, como o eram
que muitos mulatos distinguiram-se nas guerras do 1n-
em Cabo Verde e São Tomé — o que não era permitido terior tornando-se “grandes homens”. Talvez Cacdornega
ho século dezoito no Brasil, Em vista da extrema pe- pensasse mais especialmente no angolano Luis Lopes cie
núria de mulheres brancas em Angola e Benguela e q
grande número de mulatos, seria muito possível que Sequeira, cuja mãe era evidentemente uma mulher de
côr, e que comandou as fórças portuguêsas que derrota-
tóssem admitidos na prática, se não na teoria. Isto é
um e mataram o rei D, Antonio I do Congo na batalha
mais provável, pois em 1684 a Coroa portuguêsa fêz re-
quando o ao de dar atenção à côr do (29) “Senhor, o terço da ordenaça desta Cidade consta de
designações na guarnição do Anos o rates 4 companhias sômente por não haver gente que se possão iormar
mais: nellas não ha distinção de pessoas, porque todas servem dl-
res. Uma petição do ConselhO Cro O unidades milita- tuzamente Nobres e Plebeus, de que se seguen bastantes incon-
Coroa em Y 12 declarava que Ounicipal de Luanda
regimento à
militar de venientes que se poderão atalhar ordenando Vossa Magestade que
se observa neste Reino o mesmo que no Estado do Brazil que
Luanda era então organizado em base de total eqiidade lhe servirem em huma dellas os homens cidadoins que costumaão
servir na Republica e seos filhos somente” (Conselho Municipal
coma E de due os
.
requerentes pediam que
por diante recrutada apenas entre
Ak
uma de Luanda à Coroa, 2-8-1713, in Arquivos do Conselho Municipal,
das
Luando Codex 483, fls. 100). Para a carta-régia de 24 de março
do 1684, abolindo a barreira racial nas promoções e colocações
militares, ver RALPH DELGADO, História. de Angola, vol. LV (1955),
(28) CAbORNEGA, História Geral das Querras Angolanas, páp. 58.
(ed. de 1942), vol. III, pág. 30. (30) O autor morreu em Luanda em 1097, e a citação €
da primeira edição inplésa de seu Viggo em Churchill, Collection
of Voyuges, vol DL (1404), pág. 39,
dezoito eram especialmente severos em suas denúncias
de Ambuila (29 de outubro de 1665). De qualquer ma do clero secular nativo, ordenados por sucessivos bispos
neira, nos últimos vinte e cinco anos do século dezoito,
de Luanda, tachando-os de concupiscentes, simoniacos €
os oficiais da milícia mulata tinham permissão para fre-
muito comprometidos com o tráfico de escravos. Sua
quentar as recepções oficiais do Governador Geral em maneira. de viver escandalosa anulava em muito o nro
pé de igualdade com os brancos, prática que foi com-
de conversão dos capuchinhos no interior e condu-
parada por um oficial luso-brasileiro com a usada no sil q um relaxamento da disciplina eclesiástica. (96)
Rio de Janeiro onde o vice-rei apenas permitia que a Por outro lado, o bispo de Luanda declarou em 1689
milícia de oficiais de côr fizesse curvatura da porta de- que era impossível treinar negros sem miscigenação para
pois que seus colegas brancos lhe beijavam a mão. (81)
À atitude ambivalente dos portuguêses brancos em à vida sacerdotal, apesar de Cadornega nos dizer que =
relação a seus parentes mulatos vem à tona claramente jesuítas treinaram alguns em seus colégios. Mais adiante
nas discussões que duraram interminavelmente durante o bispo alegava que não havia suficiente clero branco
a maior parte de três séculos na formação de um clero
vara as missões no interior e que a mortandade anua
nativo. Vimos que o papa, a instâncias portuguêsas, con- entre OS poucos existentes era bastante alta. Isto que-
sagrou um congolês bispo titular de Utica em 1518. ria dizer que o recurso era utilizar mulatos e mestiços,
Este precedente particular não foi continuado nos séculos que tinham a vantagem de se aclimatarem e facilidade
de aprender as línguas indígenas. (314) De pes em qual
gana Due Papa! do mesmo ano autorizava
os portuguêse CCL] am 7º E

do sugeria-se, tanto em Lisboa como em Luanda, que


nos” que pudessem, atendoasmis é africae
educacionais «eria melhor educar negros e mulatos destinados ao são
»
na Europa ao invés de fazê-lo no meio desmora-
O Eos necessários ao exercício do sacerdócio. (32) Já
disse antes que isto era feito desde o comêço do século de Cabo Verde, São Tomé e Angola. Nenhum
dezesseis nas ilhas de Cabo Verde e São Tomé e que y Jôsses nlanos chegou a se concretizar, excetuando-se à
também era praticado em Angola,, mas
Mas 0 clero ne
nesto, Mus
lato e mestiço era sujeito a conti
nuas torrentes de críti
cas. Os missionários capuchinhos italianos que trabalha- (33) Para alguns exempios típicos das continuas €
eríti eis dos b van cos o clero secu la ' nes ro º o m ostt ç 1 E a) e BRA:
ram no Congo e Angola durante os séculos dezesseto e
4

Did. op. cito vol. V, págs. 512, 50, 285, 288, BIZ=l8, vt bios
vo VI páos. 2135, 342, 415 vol VIT, págs. doa o
7 360, 522, 562, vol. VIL ques, 054 into dO
(31) E. »eq

2 vols Lisboa.” 1987) VA CORRÊA, História de Angola, 1792 (ed


vol 1X, págs.
Angola, vol. IV.14, 106,54d,
págs Bater to de
AS
Lopes Semci vol. |, pág, 84. Para a carreira de Luís O DE SoUSA Dias. Os 1 Pontas MUS es " » 4 ' En t Lisboa, 1 vos o
Ve te Avctorens, hesn-
DÁS. 173-64 Le JADIN, Le Cos e
Angola, vols. II, TV ver RALPH DELGADO, História de
(32) Bula de Leão X dutad
tio lu eia sus Pedra IV. e Ps Dto toi cor
A. BRÁsIO, C.S.Sp., puta ve lê de junho de 1518 «piu golaise, 1693 págs. ABO-L ABTO STO ONES DEL
4

págs. 421.9 Missionaria Africana, vol. 1 ,


(34) Lo JARDIN. OD. cit, pág. 48 resumindo a carta do bispo
do Luanda IN congregação de Propaganda, de Luanda, 25-20-1659.
e
experiência preliminar com os jovens congoleses no con-
ofícios que ensinaram e a veneração que os bantus ti-
vento de Santo Eloi, no comêço do século dezesseis. A
nham por sua memória “em tôda Angola”. (36)
situação continuou a deteriorar-se por todo o século de-
Uma região profundamente afetada pelas influên-
cias culturais portuguêsas foi a área entre os rios Bengo
zoito, e Dom Francisco Inocêncio de Sousa Coutinho, no
e Loge, habitada pelos Dembos. Muitos dos chefes eram
consenso geral um dos melhores governadores que An-
cristãos batizados, usavam o título de Dom, enquanto
gola téve, falava por muitos e por si mesmo, quando di-
que alguns dêles tinham seus capelães em casa. No tempo
famou o clero negro, baseando-se no fato de que a “bran-
cura da pele e a pureza d'alma” eram geralmente inter-
de Cadornega, havia muitos comerciantes portuguêses
dependentes. (35) Pode-se acrescentar que o clero se-
morando em sua jurisdição e outros portuguêses eram
empregados por êles em diversos ofícios. Estes homens
cular mulato e mestiço de Angola, apesar de muito cri-
ticado por seus contemporâneos brancos, jamais se tor-
acompanhavam o chefe Dembo, em cujas terras mora-
vam, quando êste ia assistir à missa ou deixava sua
nara anti-português, como aconteceu com o clero negro
do reino do Congo. banza (aldeia) em ocasiões especiais. O uso do portu-
Contrastando com as contínuas críticas feitas ao vuês era comum e muitos dos homens importantes po-
clero negro e outras, bastante fregiientes, feitas aos je- diam lê-lo e escrevê-lo. Tendo sido por um tempo gran-
suitas e carmelitas que trabalhavam em Angola, grandes des aliados dos portuguêses, deixaram-nos mais tarde e
eram os elogios feitos pelos sucessivos governadores e tornaram-se praticamente independentes. (37) A região
bispos, como também pelos leigos portuguêses e africa- dos Dembos estêve em revolta durante a maior parte do
nos, aos trabalhos abnegados dos missionários capuchi- século dezenove e foi palco dos eventos mais sanguinaá-
nhos italianos. Desde que se estabeleceram em Luanda rios ocorridos em solo angolano em 1961. E curioso que
em 1649, foi esta a ordem religiosa mais exemplar, os
as duas regiões onde a influência portuguêsa foi mais
únicos missionários que trabalharam anos a fio no inte. duradoura — o antigo reino do Congo e dos Dembos —
Hor Ilagelado de febres. Cadornega testemunha a alta
estima em que eram tidos e o Conseiho Municipal de (36) Carta do Conselho Municipal de Luanda aus Cardea:s
da Propaganda Fide, de 11 de novembro de 1670, nos arquivos
do Conselho Municipal de Luanda, Codez 482, fls, 18-19: Arquivos
Propaganda puro »208 Cardeais
que prestaram do Sagrado Colégio de
incontáveis de Angolu, 2.º série, vol. VII (Jan-Junho 1950), dedicados à ação
missionária dos capuchinhos no Congo e Angola, principalmente
“erviços tanto a brancos como a pretos. Tampouco isso pães. 59-64: CADORNEGA, História Geral das Guerras Angolanus,
dra exagero. Muito depois de desaparecerem de cena, um vol. II (cd, 1940), pags. 49-52, 485-03: PAIVA MANSO, História do
Viajante inglês, por volta de 1860, comentava sôbre us Congo. Documentos (Lisboa, 1877), pãgs. “10-64: 28584-309: J.
MONTEIRO, Angola and the River Congo (2 vols. Londres, 1875),
frutas, legumes e plantas que introduziram, as artes e vol. II, pãps, 96-8,
(97) CADORNEGA, História Gcral das Guerras Angolanas,
vol. III (ed. de 1942), págs. 200-7. O trabalho moderno stan-
(35) ANTONIO DA SILVA RECO. Curse dard” sobre os dembos é de HENRIQUE GALVÃO, Dembos (2 vols,
Curso de Missionologia (Lis-
p

boa, 1956), pág.. 9297,


a nd). À região dos dembos foi efetivamente ocupada em
1907.
A mortalidade anual entre os brancos em Angola e Ben-
se tenham transformado nas que maior oposição fizeram
ao domínio português e formaram centros de revolta em guela era muito mais alta que no Brasil. Muito poucas
nossos dias. mulheres brancas foram para Angola e nenhuma para
Benguela na maior parte dos dois séculos. Realmente
Os conselheiros ultramarinos em Lisboa, discutindo
havia muito poucas mulheres brancas no Brasil colonial,
sôbre a conveniência da introdução de cunhagem de co-
mas muitas mais foram para o Brasil que para a África
bre em' Angola em 1688, lembravam ao rei D. Pedro II
Ocidental — ou para a África Oriental ou Índia. Evi-.
que a preservação do Brasil dependia do contínuo supri-
mento de escravos de Angola, que estava então por volta dentemente a miscigenação era a regra geral nos dois
de Seis ou sete mil ao ano, Acrescentavam ainda que os
lados do Atlântico, mas deve-se levar em conta que a
negros “aborreciam o nosso domínio e desejavam com África Ocidental era então, literal e figurativamente, o
“túmulo do homem branco”: um número muito menor de
excesso lançar-nos daquela conquista e só pelo temor e
respeito das nossas armas permitiam a pregação do evan- mulatos nasceu e cresceu em Angola que no Brasil. Um
gelho e admitiam o nosso comércio”. (38) De um modo frade capuchinho que visitou tanto Luanda quanto a
geral este estado de coisas perdurou pelo resto do período Bahia no final do século dezessete estimou que a popu-
de que estamos tratando; e ajuda a explicar porque An- lação da primeira cidade compreendia quarenta mil ne-
gola nunca se tornou um segundo Brasil — e talvez por- gros, quatro mil brancos e seis mil mulatos; e que na
que seja bastante difícil tornar-se um agora. Bahia viviam vinte mil brancos, cinquenta mil negros e
É evidente que havia outras razões para o fracasso oito ou dez mil mulatos. Estas cifras são apenas cal-
português em desenvolver no Congo e Angola um tipo culos estimativos, mas provavelmente refletem com bas-
de sociedade multiracial dominada pelos brancos, como, tante precisão a proporção relativa entre brancos e pre-
em última análise, aconteceu no Brasil. As sociedades tos de um para três na Bahia e um para dez em Luanca.
tribais africanas que encontraram, por mais primitivas Quanto ao mais, mesmo nos dias de Cadornega, Luanda
transformava-se em uma cidade africanizada, e em pro-
que pudessem ser em alguns aspectos, eram muito mais
porção maior um século depois, como podemos ver atra-
dr à penetração melhor preparadas para vés do relato de Elias da Silva Correia. (39)
ríndia do Brasil, vivendo aindo
*”
co a da
1 na idade popedra.
Ação amo
A O resultado da concentração de todos os esforços To
tráfico de escravos em Angola por mais de dois séculos,
co geopráfica
riscos sulamericana
tropicais eram obstá com todos seus
q
foi a formação de uma poderosa classe de brancos co-
vales flagelados de febres dosuanza
pics minto menores que os
e Bengo. )

(39) ANTONIO ZUCCHELLI, O.F.M. Cap. Relaztoni del viaggio


(Consulta- do
» missione di Congo Inferiore Occidentate (Veneza,
doCons
Conselho Ultramarino. do 21 de 1712), págs. 70-1, 102. Zucchelli vistou a Bahia e Luanda em
março
golanas,devol.
1688, apud
II, náps, CADORNEGA, História Geral das A
526. 1698-1703: CADORNEGA, op. cit., vol. III, págs. 28-81, 381-6; ELIAS
pags. 381-2, | PBS. 996-7). Cf. CADORNEGA, op. cit., vol. III,
A
ALEXANDRE DA SILVA CORREIA, História de Angola, (ed. em &
vols. Lisboa, 1937), vol, 1, pãgs. TT-Sd4.
snrierado é a de
merciantes e donos de escravos, o crescimento de uma
classe de negros destribalizada que cooperavan: nêste geral que prevalecia (e prevalece) na é Sd
uma consciente superioridade branca,
is de quarenta
comércio com os brancos, e o surgimento da classe des
mulatos e mestiços, algunas dos quais conseguiram impor-
io de Oliveira Ls vi o a o DE An:
tantes cargos na milícia, no comércio de escravos e na
anos em Angola é um gula MOS Dl a ma África,
tonio de Oliveira Salazar, que nunca pos os PD
Igreja. (40) Estas três classes estavam limitadas às ei-
dades costeiras, das quais Luanda era a de tamanho
mais considerável e vizinha de algumas fortalezas (pre-
sidios) no interior, nenhuma das quais estava a mais de
200 milhas da costa. No resto do país, a organização
tribal e a maneira de viver não foi alterada nem foi in.
fluenciada pelos portuguêses, com exceção dos Dembos
e dos Ambaquistas ou comerciantes ambulantes de
Ambaca.

Outro resultado da concentração portuguêsa no trá-


tico de escravos era estar baseado na convicção de que O
negro podia ser legitimamente escravizado, donde ser in.
dubitâvelmente inferior ao homem branco. O. homem
português podia, e realmente o fazia, acasalar-se livre.
mente com negras, Permanente ou ocasionalmente: e
dada a extrema escassez de mulheres brancas em Angola
ele quase que era impelido a se unir ou “casar com mu.
atas Ou (mais Taramente) com negras. Mas esta pres.
teza “de acasalamento com mulheres de côr, não ocasio.
O a Ausência de preconceito racial no homem português
como e muitas vêzes, asseverado por apoloxistas moder.
nos. Havia, evidentemente, algumas exceções, mas a regra

| Internacional de Estudos Luso-Brasileiros


1928, VOL E (Lisboa, 1959), pág. 188, CÊ. ibid, páge VETO
or oo Ara opiniões diferentes acêrea da razão de NEN)
Tosé da mesma mancira que o Brasil, Cr ÇA PAS
) 0Janciro,
de a o a1961).
Ro DRIGU ES, . B ra eil e África: E no ) ) Sem po na jo
MOÇAMBIQUE E ÍNDIA
Estado da Índia era o nome dado pelos portuguêses
a tôdas suas possessões e postos de comércio entre Sofala
e Macau, ou, em sentido mais amplo, tôda a costa leste
da África e da Ásia, do cabo de Boa Esperança ao Japão.
As relações portuguêsas com os mais variados povos que
vivian, na costa do Oceano Índico e nas margens onde
sopra a monção asiática, naturalmente variavam bas-
tante, mas terei que as restringir à pesquisa de alguns
aspectos das relações em Moçambique e Índia própria-
mente dita.
Vasco da Gama e seus sucessores encontraram a
costa leste africana de Sofala à Somália ocupada por uma
cadeia de aldeias de árabes swahilis fortemente africani-
zados pelo contato secular e concubinagem com os bantus,
mas orgulhosamente conscientes de sua origem islâmica.
Os swahilis trocavam com os negros do interior couro,
marfim e em grau menor, escravos, por contas e pecas de
algodão, ambas de origem indiana. Os portuguêses quase
que imediatamente identificaram Sofala com a Ofir bi-
blica ec dispuseram-se a monopolizar o comércio de ouro
do lugar, construindo aí um forte em 1505. As instru-
ções do rei Dom Manuel para Dom Francisco de Almeida,
primeiro vice-rei da Índia portuguêsa, incitava-o a “ o8
os ditos mouros catyvares e aos naturaes da terra nam os “mouros respeitáveis” da costa abaixo deste lugar,
fares dano asy em suas pesoas como em suas fazendas pois eram perigosos concorrentes comerciais. Aos
porque todo queremos que seja gardado, dezendolhe que swahilis da classe baixa foi permitido permanecer em
os ditos mouros que mandamos catyuar e tomar todo ho Mocambique “...porque os daquj da terra de Moçam-
seu o mandamos asy fazer por serem imiguos da nosa bique sam bystiaes, e comtemtamse com guanharem hum
samta fee catholica e com eles teermos contynuadamente alquere de milho, e nam podem danar em maijs, e servem
guerra”. (1) Em outras palavras, a cruzada portu- nestas obras e em tudo, como escravos”. (2)
guêsa contra os muçulmanos de Marrocos deveria ser Pela fôrca ou por meiovs pacíficos os portuguêses es-
continuada contra seus correligionários no Oceano Índico, tabeleceram seu contrôle na costa leste da África, ao sul
e esta foi a tônica da política portuguêsa naquela região da Somália logo na primeira década que chegaram ao
nos cem anos seguintes, Oceano Índico. Seu sucesso foi muito facilitado pela ri
Pelos mais diversos meios os portuguêses primeiro validade existente entre várias cidades-estados swanhilis
tentaram expulsar os comerciantes swanhilis do longo da ao norte do cabo Delgado e que nunca poderiam aliar-se
costa e comerciar com os negros que traziam o ouro do contra os portuguêses, e Malindi continuou seu fiel Es-
interior, mas seus esforços tiveram sucesso apenas par- tado vassalo ou satélite por mais de cem anos. Onde
cial, Os. swahilis estavam estabelecidos na costa leste quer que os portuguêses encontrassem oposição às suas
africana há muitos séculos, haviam se casado com os pretensões de dominar o comércio marítimo da costa
bantus e consegientemente estavam muito melhor inte-
agiam deliberadamente de maneira a inspirar o terror,
grados que os recém-chegados da Europa. Os traficantes rei João dos Santos, O.P., que foi padre da paróquia
swahilis nômades estavam familiarizados com as picadas das ilhas Querimba no final do século dezesseis, conta-
e caminhos aquáticos dos rios centenas de milhas a inte- nos em sua clássica Ethiópia Oriental: “Inda no tempo
rior; e além disso tudo eram excessivamente numerosos que eu ahi estive auia Mouros, que se lembravão dos pris
para serem expulsos pelas parcas fôrças reunidas pelos moiens Portuguêses, que passarão por esta costa e da
portuguêses. Os mercadores swanhilis das ilhas costeiras crueldade de que viarão com os naturaes da terra, que
intercâmbio secular com a Arábia, Gólfo não querião paz e amizace com elles: nos quaes executa-
tetos pa Apesar
vendodos esforços
da ilha portuguêses
de Moçambique em 1508, para su.TO) tão grande castigo, que a nenhu perdoarão a morte,
n ainda a molheres, e mininos”. (3)
um oficial
oticial aconselhou o rei a matar ou expulsar todos
(2) (DUARTE DE LEMOS à Coroa, Moçambique, S0 de seten
bro de 1508, “apud Arquiro Português Oriental, Nova Edição, L1
marco do 1506 Cento para D. Francisco de Almeida, de 5 do vols., Bastorá-boa, 1936-40, Tomo IV, vol. 1, Parte 1.4, pág. 287).
Lisboa, 1884-1935, vol TIL 4, ousoade
Cf.Albuquerque, 7 vols,
tambény ALEXANDRE (3) Frei João “Dos SANTOS, O.P, E thiopia Oriental vara
LOBATO, À Expansão nistória ela coustis notaveis do Oriente (Evora, 1009), t. 1, Livro
3 vols, Lisboa, 1954-60, vol L pães qe ay Tue de 1488 q 1580, 3 cap. 5. Uma observação quase idêntica foi feita pelo embai-
xador espanhol na Pérsia, D. GARCIA DE SILVA U FIGUEROA, em
4
existente das mulheres muçulmanas visitarem suas ami-
Apesar da crueldade com que agiam em relação aos vas cristãs aos domingos e dias santos, “quando todas
muçulmanos em muitas vcaslões, e apesar de sistemáti- -antavam, dançavam e festejavam juntas, tão amigável.
camente privar os swahilis de seu tráfico de ouro, mar- monte como Se fossem tôdas muçulmanas”, Continua
fim e escravos, os portuguêses conseguiram manter rela- ale afirmando que aboliu esta “prática perniciosa apesar
do todo ressentimento local e oposição de ambas as
q

ções mais ou menos amistosas com os que permaneceram


ao sul do cabo Delgado. Ao norte dêste ponto a posição partes. (4)
portuguesa nunca foi muito segura e acabaram sendo Prei “João dos Santos O.P. estava convencido de
expulsos pelos árabes omauis no fim do século dezessete, que acabara com esta livre mescla de práticas cristas,
Na Zambésia e nas ilhas costeiras de Moçambique os muculmanas e pagãs entre a população das ilhas Que-
portugueses toleraram os swahilis, mais ou menos da ma- rimba, mas na verdade, a mistura continuou como antes,
neira previstu por Duarte de Lemos em 1508. Seus xe- assim como na Zambésia. Além de tudo havia relativa
ques, chetes e mercadores eram mantidos em posições mente “poucos missionários e padres disponíveis para
subalternas e impedidos de formar grandes fortunas, trabalhar na África Ocidental e a maicria dos que all se
mas eram empregados como intermediários no comércio achavam eram de pouco mérito. Um edito promulgado
com os bantus. Os muçulmanos mais humildes eram nela Inquisição de Goa em 1771 denunciou muitos mtos,
marinheiros, biscateiros ou tinham diversas ocupações cerimônias e abusos supersticiosos”, bastante comuns
servis. As relações sociais entre cristãos e muculmanos entre os cristãos de Moçambique. Ineluíam o costume 13-
tornaram-se bastante amigáveis em algumas regiões mais lâmico da exibição pública a amigos, parentes e vizinhos
do pedaço de fazenda ou lençol manchado com a evidén-
ds Va quiero católico romano mais cia do primeiro coito entre um par de recém-casados.
entre os dois grupos, Frei João
o dos ds apro
Santos Abro
O.P. relata Outros abusos denunciados pela Inquisição incluía a cele-
com orgulho, como impediu pela fôrça o chefe bracão festiva da primeira menstruação das meninas 1n-
swahili
do vocando “o santo nome de Jesus”; ritos supersticiosos
relacionados com o batismo de recém-nascidos e a saúde
déle durante uma doenca o cnc que cuidou de mulheres grávidas; costumes fúnebres como o de fazer
homem ter oferecido cem ermida” q, Pesar do pobre uma escrava dormir com um escravo da mesma casa no
igreja cristã a fim de obter am 08 de esmolas para à leito do senhor que acabara de morrer; e o uso difundido
rito. O frade dominicano tampe cod àiaprática
pôs têrmo Este do muave, o método indígena de justiça rápida, pelo qual
a pessoa acusada que tomando a infusão da casca de certa
1621. Cf. C. R. BOXER
sh. Med. DOXER e CARLOS DE AZEVE
q

A P
ê

Portuguese in Mumbusa, 1592-172) (Londres, 1059). per so a (4) Frei JOÃO DOS SANTOS, O.P, Ethiopia Oriental (Lvora,
papedição punitiva
Ida Ni. Portuguêsa contra as ilhas Querimba acon-
À AXELSON,
em

1609), Pt. II, livro 2, cap. 18,


(Londres, 1940), págs. ISLA? Africa, 1488-1530,
árvore sem efeitos nocivos era julgada inocente com 0 seja português e chaimam de Mafutos todos os estrangei-
direito de dispor da vida e da propriedade de seu acusa- OS “Esta antipatia é derivada do mêdo supersticioso
dor (ou acusadora). Éstes e outros ritos não se limita- que os portuguêses espalharam entre êles, dizendo-ihes
vam aos recém-convertidos negros e hindus, mas eram
que todos os mafutos comem os negros e outras histórias
praticados também pelos brancos e mulatos, (5) absurdas em que acreditam sem duvidar e esta é a razão
Apesar do nível do clero em Moçambique nunca ter
orincipal de serem tão amistosos conosco, pois dizem aque
sido muito alto, e o dos frades dominicanos durante o sé- só OS MUZONGOS são bons e todos os outros são maus.
culo dezoito ter sido deplorâvelmente baixo, os padres Esperamos que esta convicção perdure nas mentes dos
exerciam contudo, grande influência através do seu
cafres pois assim poderemos sempre dominá-los e vive-
status sacerdotal. Alexandre Hamilton escrevendo sôbre emos tranqúilos. São muito obedientes e submissos a
os bantus do litoral da Zambésia e de Moçambique em seus senhores e a todos os muzongos em geral. Depois de
LIDO observou — “Têm fortes e grandes corpos e mem- dar um exemplo de lealdade aos negros opondo-se à uma
bros e são muito corajosos na guerra. Farão comércio
tentativa holandesa de estabelecer-se em Quelimane,
apenas com os portuguêses que conservam alguns padres
Toão Batista de Mataury ameaçou: “Nesta ocasião este
ao longo da costa, que espantam os tolos nativos e ficam
affecto dos cafres salvou aquelle Estado, porque não t-
com seus dentes (i. e. prêsas de elefantes) e ouro, dando
nha (como ainda hoje) nenhuma defeza de arte o porto
em troca bugigangas, e mandam o que apuram para Mo- de Qichiuau: porém quem nos segura que esta amizade
(6) Cêrca de vinte anos mais tarde um por- lurará sempre, e que não poderá mudar-se, tanto mais,
apo o dub conhecia muito bem a Zambésia, observou: que estes mesmos cafres são tratados com demasiada Pu
colonizadores ou estãocributários
voo Sena que são deza melos seus senhores? Não poderá trocar oste aítecto
o as. e q ff +
do Estado (da escravos dos em ódio, pelo mal tratado que são? Não poderão lazer os
India), são dóceis e gentis com os portuguêse Mesmos o que então fizerão aos matfutas, Isto
chamam Muzungos. Não gostam de ni “Des e quem
ninguem que nao he digno de reflecção, e por isso, não he muito bom que
somente descancemos na boa feh destes cattres. (14)
(D O + mé
Dois frades dominicanos que se sobressualram, exer-
o ritos da da Inquisição de Goa contra certos costumes
CUNHA Riva O chora» 21 de Janeiro de 1771, in J. H cendo grande influência às vêzes duradoura, nas regiões
1866-9), vol. IL, págo Draco de Tissuary (4 vols, Nova Goa,
Quadros do sp PÃES: 278-5. CE. Cônego ALCANTARA GUERREIRO
“que controlavam durante quarenta anos toram João de
1994), vol. 11,
| VOL. II, pá e Moçambique (2 vols. Lourenço Marques
pags. 301-12, 3925. Menezes, nas ilhas de Querimba e Pedro de Trindade no
Evolução udministrativa à econômica
dr SS» 842-5; ALEXANDRE LOBATO,
de Mocumbi distrito de Zumbo além de Tete. O primetro, que morrel
(Lisboa, 1 6)» 1

(Lisboa, 1957), págs. 129-54; ANTONIO LIBRO BANHA DI


10 5 , 5 as a de q u o Setentita (Lisb 0a, 19 55), D ip s 67
missionários
(5) A. HAMILTON, À New Account OPe clero de Moçambique,
th» Wok Pos: (7) João BAPTISTA DE MONTAURY apud AR. DE ANDRADE,
(ed. W. Foster, 2 vols., Londres, 1980),
f
vol 1 pair 1727
Às Days Relações de Moçambique Setegentista, pags. 305-7, O relato de
Montuury é do e lis.
ctam, algumas vêzes, grandes barbaridades; mas não
em 1749, era prâticamente governador do norte das ilhas riam, respeitados como deveriam ser, por seus vassalos,
Querimba e ignorou tôdas as ordens de seus superiores so não tivessem o mesmo poder que os cheies a oi
eclesiásticos e leigos para deixar seu feudo e voltar a “Padre Barreto acrescenta que êstes aventur
Goa. Fazia grandes contrabandos com os franceses e in- ciros Não se limitavam a inspirar mêdo e terror, era
glêses e morreu cercado de numerosa prole de filhos e conhecidos por sua pródiga hospitalidade e se
netos. Seu colega de Zumbo, que morreu em 1751, apa- mosidade principesca. Deu como exemplo Manuel Pais
rentemente levou vida celibatária, mas cera dono de vastas e Pinho cuja “conduta de sua casa e pessoa era a de
propriedades e comerciava ouro, marfim e escravos com um príncipe”. Mantinha seu prestígio e reputação sendo
os chefes nativos atuais estados de Matabele e Masho- «generoso nos presentes e feroz, até cruel, ao castigar,
nalândia.
E
Sua memória
la. Sua memória foi
fo! longamente reverenciada pe- luas qualidades que fazem qualquer homem ser idola-
Jos bantus a quem êle ensinou diversas habiliãades e ofí- trado pelos cafres”. (8)
cios, inclusive alguns implementos agrícolas europeus. +. — Originâriamente, como os descreveu Barreto, 08
Ambos os frades mantinham exércitos particulares de Crazos am principalmente reinados | particulares, tun-
negros cativos e livres que moravam em suas terras, — dados por aventureiros brancos, mulatos ou goanos, dif
uma característica dos célebres donos de prazos da Zam- .
se integraram bastante no sistema tribal bantu € toma:
besia, aos quais se deve dedicar algumas palavras. cam os direitos e deveres dos chefes indígenas que
| Os prazos eram propriedades sujeitas a tributação Muitas vêzes faziam intrigas e às vêzes luta-
ori ginários da. penetração portuguêsa no vale Zambese,
vam uns com os outros, com seus exércitos particulares
no período 1575-1640, quando indivíduos isolados pare: lo negros escravos ou livres, constando de dez, OU
cem ter penetrado até a garganta do Kariba. Os aven- cinta mil homens. As frequentes guerras dos senhores
tureiros portuguêses e mais tarde os poanos — tiraram de prazos com tribcs hostis ou revoltadas lizeram com!
vantagem do “poder enfraquecido “do Monomotava ou que estes estados mudassem de mãos constantemente e 08
chefe maior da confederação tribal de Makalanga (Wa. seus donos tinham a tendência de atricanizar-se por Cof
Karnaga, Vakaranga), para ocupar pela fôrça ou por Com o objetivo de evitar que isto acontecesse €
nara trazer as terras ao contrôle da Coroa, Os prasos
oo Zan. O. padre jesuíta Manuel Barresto, oram transformados em propriedades sujeitas a tributo,
º em 1667, descreveu a situação: “Os senhores doados pela Coroa a três gerações sob. pagamento anual
da Duro em pô. Foram doados a mulheres brancas nas-
em ds nha que os chefes cafres (Fumos) de
eram feito conquistado, pois os têrmos do tributo (8) MANUEL BARRETO, S.d., “Informação do Estado e Con
motentados ass cor bes. Por esta razão são como quista dos Rios da Cuama”, Goa, 1 de dezembro de texto
Nos cos aemies pois podiam legislar à vontade, con- om A tradução para o inglês in MUCALL PuEAL, Necords of
« morte, declarar guerra, impôr taxas. Palvez co- South Bust Africa, vol. MI, pags. +OL-008.
cidas de pais portuguêses, com a condição de que se ca- prisioneiros deportados de Portugal e da Índia, flagela,
Ssassem com portuguêses brancos. Os filhos destas uniões dos por febres. (9)
estavam excluídos da sucessão, herdando os prazos ape- O sistema de prazos como se desenvolveu no século
nas a linha feminina, com a mesma ressalva : da her- dezoito não conseguiu aumentar substancialmente à po-
deira casar com um homem branco. Um prazo era doado nulação hranca da Zambésia) ou fixar europeus recêm-
chegados ao solo. oencas tropicais mortais e a vida de-
a uma família, nestas condições, apenas por três gera-
ções, depois do que deveria reverter à Coroa. O não cul- senfreada originária pela posse de centenas de escravos,
tivo da terra, o casamento da dona com um homem de combinaram-se para fazer da Zambésia, assim como da
côr ou deixar de morar na propriedade, também eram Africa Ocidental, um túmulo de homens brancos. Nas
causas para que o prazo revertesse à Coroa. Diligências rimeiras duas ou três décadas do século dezess
foram feitas para limitar seu tamanho.
o Com o tempo, tôdas essas condições foram desres-
Aos
nfarentemente; de a
que passavam a vida no interior de Sofala e Manica, co-
merciando ouro O nTatiii COI US Med
Peitadas. Os Prazos atingiram proporções enormes, riva-
muito marecida à dos lançados e tangos maos da Guiné e
lizando-se cor às maiores fazendas do Brasil colonial, À
Senerâmbia.--Mas-as febres tropicais ea competição dos
obrigação de cultivar devidamente a terra era em geral comerciantes nômades swahilis suplantaram a maioria
ignorada pois não havia mercado mara grandes exceden-
tes exportáveis e os donos dos prazos conteitavam-se em dêles, apesar de um, Antonio Fernandes, ter penetrado
ter colheitas suficientes para o seu sustento e de seus bastante no território hoje conhecido como Rodésia do
escravos. ErAm tão poucos og homens brancos no vale .do Sul, e das tribos guerreiras bantu considerarem-no UM
semi-deus. No final do século dezessete quando o poder
rio Zambesi e sua vida média era tão curta que as h
dos senhores dos prazos ainda era grande e o Monomo-
leiras dos ghaz0s geralmente casavam-se com os mulatos tapa era um fantoche dos portuguêses, alguns comercian-
tes (portuguêses) frequentavam as feiras comerciais Nº
tempo é contam-se as muitas histérica
acerca da riqueza caro durante
interior algum
da Zambésia e Manica, onde faziam trocas por
dit di
ouro e marfim com os bantu. Nesta época a
maioria das feiras foram destruídas pelas guerras inces-
em ouro, mariim e escravos que alguns dêl
acumularam. O sistema també udou a manter 4 ir. antes que precederam a ascenção dos Changamira e
Pam

luência portuguêsa em Zambésia mesmo de forma tênue


” “q

A Coroa dependia dos exércitos (9) A melhor discussão da evolução e desenvolvimento do


sistema de prazo é de A. LoBato, Evolução administrativa e eco
º Para-suas guerras
TR e melocais puis as guarnições”. de Mocambique, 1752-1768, págs. 209-33. Cf. também SE-
regulares:
con ares CS Sena, Teto, Sofala e Quelimane raras vêzes XAVIER. BOTELIO, M e mória Est tatist iea sôbre os dominios
Cc

mails que cinquenta” ou"sessenta-soldados == ex Portuguêses na África Oriental (Lisboa, 1835), págs. 262-71.
= um estudo resumido em inglês cf. J. Durry, Portuguese Africa
(1959), págs. 82-9; ibid. Portugal in Africa, 1962), págs. 92d.
Rozvi (Wa. Rozvi, va-rozvi) e os mercadores brancos fo- esteio econômico da colônia e formavam uma comunidade
ram substituídos por mulatos, baneses e indo-portu- trabalhadora e inofensiva. (11). a]

guêses. (10) Entre 08 oficiais que mais criticaram os hindus Dr.


es
Antes de deixarmos Moçambique algumas palavras
| Kva um suiz “português que | visitou | M oçambique,
devem scr ditas sôbre o problema dos comerciantes ba-
Duarte Salter de Mendonça que viajou durante os id
neses ce hindus que já viviam na região no final do século
1799.96, Achava êle que nem os portuguêses nem os
dezessete. Então, como agora, os europeus estavam di- nindus eram boHs colonos. Os primeiros êle descreveu
«cmo sendo orgulhosos e indolentes, “pois logo que do-
vididos em suas opiniões sôbre esta gente que se reve-
lava como competidores mais ubiquitários e pertinazes hravam o cabo de Boa Esperança todos queriam tornar-
que os swahilis. A majoxia dos portuguêses denunci se capitães e comandantes”. Quanto aos últimos, Eram Ea
eretamente hostis aos portuguêses, instigando Os negros
os baneses como monopolistas inescrupulosos acambar-
cadores, ou como intermediários contra êles e contrabandeavam como os swanhilis de An-
aro o

veitavam dos colonos eur goche e Mobasa. Sua sugestão para solucionar º proble-
Pe TÊricano——
ma foi o encoraj amento da, imigração em grande escala
Alguns dos jesuítas no entanto, tinham opinião muito di-
jerente e ciziam que os hindus eram frugais e trabalha- de famílias irlandesas católicas romanas, para cojonizar
dores, sendo muito melhores colonizadores e comerecian- as terras , altas e sadias entre Moçambique “Angola o
tes que 03 portuguêses. À comunidade mercantil indígena (atual Rodésia do Sul). Apontou que se poderia confiar
de Diu na ilha, Moçambique ficou sob a protê 5 entr sua lealdade e suas filhas poderiam casar com Ni por
Jesuita local. Alguns dos governantes eriticavam E tuyuêses brancos “que ocupariam os postos de adminis-
mente aos baneses mas outros diziam que formavam o tração de comandos militares'e que não mais seriam obri-
rados a unir-se a negras por falta de mulheres brancas.
AS duas nações brancas poderiam fundir-se, ca mesma
10 +

motapa, 1519. Antonio Fernandes, descobridor do Mono- maneira que os romanos e sabinos, ou Os colonizadores 1n-
ques, 1940). WA Sar & trad. Caetano Montez, Lourenço Mar- glêses e alemães na Pensilvânia, ou os huguenotes holan-
nandes. tho firsi Lo COPLONTON, “The journeys of Antonio Fer- doses e franceses no Cabo de Boa Esperança. Esta Inte-
enter Southern Rr odesia”,
io o uropean to find the Monomotapa and ta
in Transactions of the Rhodesia Seien.
tific Association, vol +

elínio do Mononiotana o aC 1945), págs. 7-108, Para o de-


de ALEXANDRE LoBAtO e AP Cangamire, cf. as palavras (11) Os baneses eram comerciantes hindus de Gujerat mas
dois artigos excolentos do do fis BANHA DE ANDRADE, pússim, c 0 têrmo. era ampliado e incluia mercadores muçulmanos da mes-
orais bantu asso os de D. P. ABRAHAM que usa as tradições na região, e portanto usei o têrmo neste sentido. Para criticismo
Dysnaty” in Nada pro às tontes portuguêas “The Monomotapa típico dos comerciantes hindus e indo-portuguêses, de Gujerat, e
Dart Net: The Southern hodesiun Native Affoirs Des Goa, cf. A. A. BANHA DE ANDRADE, Reluções de Moçambique se-
ramuca: an exorcio 1959), págs, 59-84, e “Ma. párs. 93-105, e A. LoBaTO, Evolução Administrativa
and “oral + Ea e ! the co m bi nod Use ot b or tu Gg u es e rec oras
In Journal
drces 1961 ), pags. 2111-925, of African History voldl (Loi:-
Vol. é counômica de Moçambique, págs. 255-6, UNO é por sua defesa pelo
p

padre ANTONIO GOMES em 16148, Studia, vol. IIL, págs. 240-5.


Índia bom currevaniento deles e ambos os sexos são muito
ressante sugestão não foi posta em prática e os hindus
estimados pelos incdo-portuguêses onde servicos adequa-
permaneceram na África Oriental portuguêsa, tão indis- mama

dos ao seu sexo lhes são atribuídos”. (13) O tráfico de


pensáveis — quanto impopulares — junto a alguns mem-
exportação da escravos aúumenitou bastante na segunda
bros da comunidade — quanto foram os chineses nas Fi-
metade do século e no comêço do século dezenove e em
lininas e nas (então) Índias Orientais Holandesas. (12) 1812 o têrmo comum em todo o Oriente para um escravo
Em contraste com o que acontecia na costa ocidental
africano era Mocçambicano. Escritores portuguêses mo-
da África, os portuguêses estavam origináriamente inte-
dernos que afirmam que seus compatriotas jamais tive-
ressados no tráfico de escravos na costa leste até o sê-
ram qualquer ;preconceito racial ow discriminação contra
culo dezoito quando êste ramo do comércio tornou-se o negro africano evidentemente ignoram que uma raça
mais importante que o de ouro e marfim. É certo que não pode escravisar outra por mais de três séculos siste-
sempre haviam feito tráfico de escravos assim como os
maticamente sem adquirir um sentimento, consciente cu
swahilis árabes o tinham feito antes dêles, mas êstes cs-
não, de superioridade racial. Isto era verdadeiro tanto
cravos da África Oriental eram desejados apenas mara
Oriental quanto na Ocidentale sos palavras
serventes domésticos ou guarda-costas, As exportações
negro e uma implica-
não eram portanto tão grandes quanto as feitas da Gui-
ção pejorativa, na realidade a tinham muitas vêzes, como
néa e Angola que supriam as exigências vorazes das plan- te tem) em inglês.
tações e minas da América. Alexandre Hamilton escre- A relativa frequência com que negros e mulatos
veu em 1727: “os habitantes de Moçambique, assim eram ordenados sacerdotes na África Ocidental portié
como os do continente, são todos negros grandalhões, bo- guêsa desde tempos remotos, contrasta curiosamente
nitos e com membros bem feitos dando ótimos escravos. com a extrema relutância das autoridades eclesiásticas en
Os navios reais e comerciantes particulares trazem à agir da mesma maneira na costa oriental. Vimos que
fundaram seminários para a educação do clero indigena
(12) Cf. o resumo do projeto Dr. DUARTE SALTER DE MEN- durante os séculos dezesseis é dezessete nasiliras de Cabo
DONÇA apud A. LOBATO, Evolução administrativa e econômica de Verde, São Tomé e Ângola: mas só e VitLo govêrno
Moçambique, págs. 297-301. Provâvelmente foi SALTER DE MEN- de Lisboa ordenou a construção de um seminário na ilha
DONÇA que inspirou o jornalista lisboeta, José Freire Monterroio
Mascarenhas, a fazer uma sugestão idêntica a seu “amigo o vice- de Moçambique. Os têrmos dêste decreto tinham por
rei da Índia, D. Pedro de Almeida, Marquês de Castello-Novo,
em 1744 (apud Arquivo das Colônias, vol. I, Lisboa, 1917, páps.
Curiosamente, um plano semelhante “de colonização do brancos, citando o precedente do “reino de Anvola e as
distrito “de Lourenço Marques por dez mil irlandeses foi sugerido has de São Tomé e Principe onde os padres paroquiais,
pelo Almirante Augusto de “Castilho em 1883, mas êste foi feito
sem o conhecimento dos projetos anteriores de Salter do Mendon-
ça e Monterroio Mascarenhas (J. ANDRADA Corvo, Estudos. sôbre
48 províncias ultramarinas, 4 vols., Lisboa, 1883-7, vol. II, pá- (13) À. HAMILTON, À New Aceorut of the Dust Julien,
gina 267). ,
(ed. 1930), vol. 1, páp, 17.
“diáconos e outros dignatários são geraimente negros, na- ieitos ao serviço militar até a morte, casâmento, deser-
turais da região”. Apesar desta medida ter sido tomada cão ou incapacidade por ferimentos ou doença. “Pois he
pelo temível ditador de Portugal que é melhor conhecido terra de conquista e fronteira” escreveu um frade mis-
nor seu título de mirquos de Pombal, ela nunca foi apli- sionário franciscano de Goa em 1587, e êste é o tema que
cada na África Oriental. couego Alcântara Guerreiro, voltará a aparecer repetidamente nos duzentos anos se-
historiador de Moçambique sorvou tristemente em
vuintes. “Digam acs senhores; existe hoje neste mundo,
apesar de se terem passado dois séculos desde
0,0 primeiro-padre-nativo outra terra “que seja mais selvagem e em que seja mais
nocostário Sm armas nas mãcs que na Índia!
ainda nãeo-£er urdtenado-em -Moçambique”. (14) E ver- Diogo do Couto em
videntemente que nã Tá
dade que alguns negros de origem leste africana foram sou Soldado Prático. Mais de um século depois o vice-rei
ordenados em Goa durante os séculos dezessete e dezoito, D Pedro de Almeida lembrou ao rei D. João V. “Este
nelusive um filho do Monomotapa que morreu como vil-
Estado é una república militar e sua conservação de-
rário do monastério de Santa Bárbara em 167?, mas
pende inteiramente das nossas armas em terra e No
êstes padres permaneciam na Índia portuguêsa e não vol-
mar”, Muito poucas mulheres brancas ioram para a
tavam a sua terra de orizem. Se isto era utilizado deli-
Índia em comparação com os homens devido a êste meio
beradamente como política, não posso dizer; mas o tato
e o e frades de côr de Mocambique, alvo de de guerras contínuas, que duraram com pe-
icuenos intervalos até o fim do século dezoito. Rara-
PP”

tantas críticas pelos governantes e oficiais da (Coroa,


era constituído exclusivamente de goanas ou indo-por- mente havia mais de uma dúzia de mulheres num navio
tugueses. que carregasse seiscentos ou oitocentos homens. Além
Mencionei anteriormente que o Estado du Índia era lisso, se aceitarmos o testemunho de diversos cronistas
um império marítimo e comercial moldado em fôrma contemporâneos, poucas dessas mulheres que chegavam
militar e eclesiástica. Todo português que la para O vivas à Índia eram fecundas”. (15)
Oriente fazia-c a servico da Coroa ou da Igreja. Os leigos
que casassem depois de chegar à Índia tinham permis- (Jo) à. O GERMANO DA Silva CORREIA, História da colo-
são de deixar o servico real e estabelecer-se como cida- nigução portuguesa ma Índia (O vols, Lisboa, 1143-58), mostra que
tãos ou comerciantes e eram chamados de casados. Os mator número de mulheres brancas ceixavam Portugal na de-
manda de Goa, do que se acredita geralmente, mas êle confunde
cutros eram classificados como soldados e estavam su- algumas de suus fontes, fazendo portanto, deduções erradas. Por
exemplo, quando narra a captura do galeão Santa Catarina pelos
(14) Cônego ALCÂNTARA GUERRERO, Quadros da História
holandeses em 1603 assume êle que cra “não da carreira da In-
de vol. II, pães. 331-2. O texto do decreto abortado dia” que deixara Lisboa con, mais de cem mulheres portuguêsas
para o estabelecimento de um seminário para o troinaniento de a bordo (Op. cit. vol. III, pág. 50). Na verdade ela vinha de
clero secular na ha de Moçambique é de Lisboa, 29-b-1761, e Macau para Málaga, e as mulheres eram curasianas c de Cor,
esta impresso por A. A. DE ASDRADE, Pelacões de Socembique Se- a. maoria escravas. Mas, baseado nesta dedução erronea de que
tecentista, pars, 599-G01.
é

As mulheres cram brancas, Dr. Silva calcula que o


número total do mulheres portuguêsas que emigraram para a fn-
dia entre 1500 e 1700 chegava quase a 80 mil (1). Realmente oitu
tizaram e eu lhe pergunto porque se querem fazer cris-
Nas circunstâncias, a miscigenação era a regra geral tos? Dizem que, porque ho senhor da terra hos tiraniza
para os homens portuguêses na Índia, África 1
e agrava, outros dizem que se fazem cristãos por mante-
com os resultados descritos por um escandalizado missio- reram que comer; he entam lhe faço huria pratique, di-
nário jesuíta em 1550: “Saberá V.R. que há cin- zendo brevemente que cousa he ser cristam e porque se
quoenta anos que hos portugueses comesam a habitar am de fazer cristos (sic) e asi que venham 15 ou 20 dias
nestas partes da India. Como quer que na mhamdavam
à igreja aprender as cousas dos cristãos e que despois
qua senam soldados, os quais andavam tomando terras e
hos bautizarei; he o que me respondem que se eu os quero
cativando gentes, comesaram eles mesmos soldados a bau-
fazer logo e se nam que se querem hir, e vam”.
Lizar as mesmas gentios que cativavam asi sen nenhum
O padre Lanciloto assim como outros observadores
cataquismo e doutrina; e porque as gentes destas teras
contemporâneos deploravam a licenciosidade sexual que
sem multo misquinhas pobres e puzilamines, alguns por era característica da colonização portuguêsa: “Saberá
medo, outros or interesse temporal, he outros causas V.R. que tam geral nestas partes, q nenhum íreo se tem
suxas e fesas, que nam sam pera nomear, Sé bautizaram, a iso, por onde se seguem grandes desacatos aos sacra-
he nam somente do prencipio se comeson isto, a meu mentos. Digo isto polos portugueses, os quais se lançam
pauser, grande abuzo, mas puseran, sendo a Índia chea aos vícios e ccstumes da tera muy desengreadamnente,
de peçoas icliasticas he se husa oje em dia entre nós.
por ser este mao costume de comprar manadas de escra-
lambém eu tenho mutas vezes reclamado diante daquel-
les, dos quais eu- sem hobrigado a tomar represam e dou- vos e escravas, así como d'ovelhas, grandes e piquenas;
acham-se muitos e muitos-que compranr mmamidas de mo-
torna; alguns me repreenderam, dizendo quem matia a
sas e dormem com todas elas e depois a (s) vendem;
mim falar niso; outros diziam se sam Thomas e os outros
Santos, que escreveram de sacramentos e de doutrina sam muitos e muitos casados que tem quatro, outo e dez
escravas e dormem com todas, e se sábe isto pubiyca-
christiana, estiveram nestas partes e conheceram estas
mente. Há tanto isto, que se achou hum em Malaque que
gentes, fizeram o mesmo que nós fizemos perventura es-
tinha vinte e quatro mulheres de varias castas, todas
creveram doutra maneira: Eu confeso q bautizei ya al- suas cativas e de todas husava. Nomeei esta sidade por-
guns asi, e porem á há muito tempo que eu nam bautizo
que há cousa que o sabem todos. Os outros omen geral-
nenhum seriam mininos, ou alguns que tenho yá cata- rente que tem tanto de seu que posam ter huma escrava,
quizados tres ou quatro meses; e muitos vem nara se bau-
quase todos ha tem por amiga, alem das outras disones-
tidades, segundo o meu fraco saber”. (16)
estimativa
Sa treta Jomais
E VC (4 dsbem
CroTeia. generoso,
4 “o ara
es dacitações
as edo800
GO espiri toseria provavelmente à
dedl fronteira
espírito 0

(16) NIiCOLAS LANCILOTTO, SJ. a Santa Inácio de Loyola,


Prático vor no vol. X, pág, 106; Diogo DO Coto, Soldado datado de Cantão, 5 de dezembro de 1550, apl A. DA SILVA REGO
do vice-rei D. Pod q Lisboa, 1937), pág. 144; despacho (ed), Documentação para a historia do qestroado portugues do
TAG : 4 Fedro de A Imeida, datado de G oa, 25 deGo | Oriente. Índia (12 vols, Lisboa, 1947-58, propredo, vol. VII,
(46, in Arquivo das Colônias, vol. V, pág. 109) paps. Sos,
Pode haver exagêro na descrição escandalizada do lhados. Terceira: os nascidos de pai europeu e mãe eu-
padre Lancilotto d excessos do libido lusitano n
SIA rasiana, chamados castiços. Quarta: os de meio sangue
ou mestiços. Quinta e última: os indígenas puros ou
do sés
ráveis lo dezesseis,
famílias mas
indo-portuguêsas nãoera
casadas muito. O número (6aquêles
sem dúvida ida que tinham apenas uma gôta de sangue europeu
em suas veias. Considerava todos êstes elementos como
maior que se poderia imaginar partindo dêste relato ;
mas é evidente que o sistema de escravidão doméstica candidatos que não convinha admitir na Sociedade de
usado na Goa Dourada não conduzi a vida familiar Jesus. Os portuguêses nascidos na Europa eram pagens
ou soldados iletrados a quem se teria que ensinar a ler
Camões tratasse a escrava Bárbara, que o Ífascinara, e escrever durante o noviciado. Os nascidos na Índia
mais como amiga que como cativa; mas O tratamento eram viciados, fracos e indolentes, criados por escravas
cruel, recebido pelos escravos de ambos os sexus na Ásia com tôdas as espécies de vícios. Quanto aos próprios
portuguêsa é bem atestado por numerosas testemunhas, hindus, jamais deveria algum dêles ser admitido na So-
ciedade: “Assiporque toda gente morena es de poca ca-
(17)as É
com também
mães óbvio que
escravas raramente os filhos
a op tinham desta
a oportumiá ade ee pacidad y mal inclinada y de baixísimos espiritus, como
de criação Ou educação, e eram desprezados pelos rêcém- porque tiene entre los portugueses muy baxo y vil con-
chegados da Europa, fossem sábios jesuítas ou soldados cepto y num entre los mismos de la tierra son poco esti-
adolescentes vindos das(fave as de Lisboá e” do Pôrto. mados en comparacion de los portugueses, De los mesti-
Êste era < ulítecia, mas não invaria- cos y castiços se han de recibir muy pocos o nengunos
velmente. Trinta anos depois do padre Lancilotto ter es- especialmente de los mestiços, porque quanto mas tomam
crito seu relatório citado, outro jesuíta italiano, padre dellos y tanto son de menor reputacion entre los por-
Alexandre Valignano famoso reorganizador das missões tugueses”. (18)
jesuítas na Ásia, dividiu a população da Índia portuguê- Poucos anos depois desta severa denúncia de Valg-
sa (no sentido mais restrito do têrmo) nas seguintes nano acêrca das melas castas e da gente de côr (apesar
categorias. Primeira: o português nascido na Europa de ter tido o cuidado de excetuar os japonêses e chineses
ou feinol. Segunda: o português nascido na India de
pais portuguêses puros que eram muito poucos e espa-
(18) ALEXANDRE VALIGNANO, “Sumario de las cosas que
pertenençen a la provincia de la Índia Oriental y al govierno
(14%) Luis DE CAMÕES, Redondilha “Endechas a Barbara es- della”, dad, de agosto de 1580 (apud A, DA SILVA REGO, Documen-
crava”, começando, “Aquela cativa que me tem cativo”, que tem tução, Índia, vol. XII, págs. 577-81. Cf. também C. R. BOXER, The
sido tema de grandes discussões de parte dos comentaristas de Christian Century in Japan, 1549-1650 (University of California
Camões. Para o cruel tratamento dado aos escravos na Ásia por- Press, 1951), págs. 8041, No século dezessete o têrmo castiço foi
tuguesa ci. J. H. CUNHA RIVARA (ed.) Archivo Portuguez Orien- aplicado aos portuguêses nascidos na Índia sem qualquer infusão
tal (8 vols. Nova-Goa, 1857-715), vol. IV (1862), págs. te sangue asiático, e o têrmo mestiço a qualquer pessoa que ti-
186-7, 267-70, e os relatos de LINSCHOTEN (1596), MocQuUET vesse ancestral europeu por mais remoto ou diluído que fósse. Cf.
(1616), PYrarD DE LAVAL (1619), e muitos outros viajantes que RALPH DELGADO, Glossário Luso-Asiático (2 vols. Coimbra. "5 1919-
foram à Índia portuguêsa, cl), Mm voce aastiço e mestiço,
y
dos seus rigores) um frade franciscano português em outras palavras, as mulheres de pele escura de origem
Goa fêz uma apreciação muito mais benigna da situação dravídica, muitas vêzes denominadas “negras” pelos por-
racial em seu relatório a superiores na “aqui tuguêses. (20) Muitos de seus homens não compartilha-
informo a Voss Paternidade”, escreveu êle em dezembro vam de seu preconceito racial, mas outros sim. Sua poli-
de 1585, “que há muitas gerações de gentios (= hindus) tica de criar uma raça cristã legitima porém mista, atra-
que com o correr do tempo adotaram a seita dos mouros vés do casamento com mulheres hindus selecionadas, foi
(= Ismaelitas) de cujas gerações descendem do lado ma-
muito criticada naquele tempo e por muito ttepois— Mas
terno muitos filhos da Índia aqui nascidos, e cujos pais, os críticos dêstes casamentos inter-raciuis que eram
apesar de honrados portuguêses casaram-se nestas partes
muito mais numerosos e mais ativos do que geralmente
com mulheres cristãs da terra, cujos avós e tetravós eram
se tem notícia hoje, ignoravam o fato de não haver nú-
destas gerações, ou seja, eram originãriamente gentios
mero suficiente- de mulheres brancas que fóssem-para a
que se haviam tornados mouros. E isto é tão comum
nestas partes que não se pode reprovar êstes filhos da
Índia,. tornando possível a colonização branca, Inevitã-
velmente, o homem médio português, se é que se casava,
Índia nem seus pais portuguêses, por mais honrados que
sejam, nem deve êste fato ser encarado como barreira a o fazia com uma eurasiana, asiática ou africana; apesar
qualquer honra ou dignidade humana, como não foi até da concubinagem com escravas ser mais popular entre os
agora perigoso para a fé”. (19) jovens e viris solteiros que o sagrado matrimônio com
O frade franciscano evidentemente pensava na polí- mulheres de qualquer côr, a não ser que ela fôsse uma
tica de casamento misto iniciada por Affonso de Albu- herdeira.
querque, que encorajou seus homens a desposar as “bran- A maioria dos portuguêses nascidos na Europa es-
cas e lindas” viúvas e filhas de defensores muçulmanos tava convencida da superioridade branca e isto pode ser
de Goa que mataram em batalha ou que subseqgiiente- demonstrado na história das Ordens Reliviosas e das
mente queimaram vivos (alguas mouras, mulheres alvas fôrças armadas da Coroa na Índia. Depois de alguma he-
e de bom parecer). O próprio Albuquerque demonstrou sitação preliminar, e a admissão de alguns hindus e mes-
claramente que desejava que êstes casamentos se limita s- tiços em suas fileiras com resultados desalentadores, tô-
sem às mulheres de origem ariana convertidas ao cris- das as ordens reliciosas recusaram-se à adnitir estas ca-
tianismo e enfatizou que não queria que seus homens tegorias já no final do século dezesseis, Mantiveram essa
casassem com as “mulheres negras” de Malabar — em recusa por mais de um seculo, e mesmo quando conmeça-
ram a admitir alguns poucos Juponeses e chineses, conti-
(19) Frei GASPAR DE LISBOA, O.F.M., carta de 14 de de-
zembro de 1585 in Studia, vol. IX, pág. 83. Frei Gaspar está (20) tm 1524 os homens brancos casados do Goa ecran “tos
errado quando afirma que os convertidos ao hinduismo e isto.
mismo Nunca foram | suspeitos “em sua nova fé. Os reristros “dos dos ou a mor parte casados com Negras que levam à igreja com
Jesuitas o da Inquisição de Goa contém ampla prova do con. cabelto muy humantado” (carta de D, Henrique de Menezes, de
rario Goa, 27 de cutubro, apud A. DA SILVA CARVALHO, Gurcia
COrtu, Coimbra 1984, páp. 52 09).
Não nego que exista alguma exceção que seja bem com-
nuaram a barrar hindus e mestiços. Com esta atitude portado e de boa familia, mas êstes são poucos e não
seguiram o precedente das mesmas Ordens Religiosas precisamos dos dedos de uma só mão para contá-los. Os
que trabalhavam na América espanhola e nas J'ilipinas nascidos”nã Índia de pais portuguêses são reconhecida-
que seguiam a mesma linha mas que na Índia foi man- mente ainda piores. Os da terra, os negros, são conside-
tida por mais tempo. Como os espanhóis nas Filipinas, ados inadmissíveis ou desqualificados para oficiarem
os portuguêses na Índia estavam preparados para trei- nas santas ordens”. (21)
nar candidatos hindus e mestiços para o sacerdócio se-
A primeira brecha na teoria e prática da superioril-
cular, mas os mantinham em posições estritamente su- dade branca na hierarquia eclesiástica da Índia portu-
balternas como política colonial e eclesiástica, e recusa-
vam, sem apelação, deixá-los tornarem-se jesuítas (ou guêsa foi aberta quando 0. brâmane cristão, Matheus de
Castro foi consagra O ispo de Chrisópolis in purtibus
padres), dominicanos, franeiscanos ou agostinianos. Um
infidelium, em Roma em 1635 e mandado para a india
frade franciscano Pp ortuguês nascido (segundo. êle) de como vipáriv-apostólico de Bijapur três anos depois. Não
pais brancos na índia queixou-se em 1640 que mesmo êle e tinha êle permissão para exercer suas funções no terri-
outros no mesmo caso, eram chamados “negros” por seus
colegas nascidos na Europa. Estes últimos argumenta-
de Bijapur e à calvinista Cormpanhia” Holan desa-das-In-
vam que apesar de alguns frades crioulos O e mem
dias Orientais a atacar Goa. Os portuguêses pagaram
esta antipatia com juros, o venerável Patriarca jesuita
(1
hindus, o que era suficiente para contaminar seu
sangue e caráter para 0 rosto da vida. padre da Etiópia, D. Affonso Mendes, chamou o bispo bra-
o ea DO E vem

1650: recomendado
os padres” Todai (21) Carta do frei Pietro Avitabile, dat, de Goa, Sl de de-
ramim -à boas graças dos cardeais de 16045, upud CARLOS MERCES DE MELO, S.J., O reeruia-
mento « formução do clero nativo na Índia, séculos AVIALIA. Um
estudo histórico-cunônico (Lisboa, 1955), pags. 241-8, MIGUEL DA
“nenhuma Ordem. Religiosa aqui permite êsse tipo de PURIPICAÇÃO, O.F.M,, Relação Defensiva dos jilhos da Íraeia Orien-
genté-tomar seu santo hábito. No comêço pensei que isto tul ce da Província do Apóstolo E. Thome dos frades menores ar
tosse muito errado; mas a experiência me fêz ver que regular obscrvanciu de mesma Írciiu, (Barcelona, 10640) livro cuja
raridade é provaveimente causada por unia vdição limitada em
sua recusa é totalmente justificável”. Barcelona no ano das revoluções catalã e portuguesa, Para a dura
Pode-se acrescentar que o frei Avitabile criticou os recusa do clero regular espanhol nas Filipinas em admitir Zratos
c Mestiços em suas fileiras e sua determinação ve manter o clero
portugueses locais, mestiços e hindus como Lanecilotto e secular nativo em posição estritamente subalterra, cf. d. L. PHLE-
Valignano o haviam feito no século anterior. “TE para dar LAN, Theo Hispumzations of the Philippines. Spanish cms qnd
Plipiro responses (Madison, 1959), págs. So-9; DOMINGO ABELLA,
uma noção exata do tipo de gente que para aqui veio de The Sec of Nueva Cáceres (Manila, 1950, pães. 56-8, 69, 75-9,
Portugal”, escreveu em 1654, “são à escória do Polo 104, 142 sopa d68, 20040 abido “Eighteenth century do-
os mais desregrados e que não potemá ficar, Se aleuns cuments on Bishop Miguel Lino de Espeleta of Cobu", reedição
de olto pápinas do The Historical IPowletin, vol. IV,
deles são fidalgos mesmo êstes são quase todos ilogítimos. Nro os (Manila, 1960),
mane de “negro de fundilhos de fora”. A ação apostólica vão Sá e Lisboa (1620-2) e Inácio de Santa Tereza
de um grupo de membros da congregação da Oratória de (1721-40), ambos defensores convictos da superioridade
Goa têve maior efeito que as intrigas desta ave de arri- branca. Apenas na segunda metade do século dezoito as
bação no sentido de acabar com a regra de superioridade Ordens Religiosas deixaram de opor-se à admissão de
branca; era ela chefiada pelo frei José Vaz cujos traba- hindus em suas fileiras. O resultado deve-se parcial-
lhos devotados no Ceilão salvou o catolicismo romano da mente à pressão que Roma exerceu atraves da Propa-
extinção nesta ilha no fim do século dezessete. (22)
ganda Fide; e parcialmente à excassez de vocações SA
Apesar do sucesso conseguido por êsses frades hin- “ecerdotais ra Europa: mas a causa principal foi a insis-
dus, muito tempo passou antes que outras ordens seguis- tência do ditador português Sebastião José de Carvalho,
sem o exemplo da congregação da Oratória admitindo conde de Ociras, e marquês de Pombal, que pelo menos
hindus em suas fileiras. Em 1736 o vice-rei conde de neste aspecto mostrou ser um déspota esclarecido. Na
Sandomil informou seu real senhor: “A diferença que época em que as Ordens Religiosas estavam abolidas em
existe entre os nativos dêste país e os vassalos de V.M. Portugal e em seus. domínios ultramarinos, em 1855,
que vem de Portugal e que portanto tornaram-se nativos havia por volta de trezentos frades regulares em Goa, dos
é óbvia; e ela é tão conhecida que quando para a Inqui- quais apenas. dezessete eram europeus, todos os outros
sição desta cidade foi nomeado um padre secular hindu eram filhos da terra, (24)
chamado Lucas de Lima, homem de grande reputação de “A política da Coroa portuguêsa em relação à bDar-
saber e comportamento, os ministros da Inquisição re- reira de côr no Estado da Índia nem sempre foi clara e
cusaram-se admiti-lo ; e parece que por causa da justi- consistente, mas no conjunto os x j tuguêses seguiam
ficativa apresentada ao Conselho Geral, esta nomeação à linha de que a religião e não a côr deveria ser o crité-
foi suspensa e a vaga nunca foi preenchida”, (23) . Di- rio, para à cidadania portuguêsa e todos os asiáticos con-
versos arcebispos de Goa mostraram-se bastante conta certidos ao cristianiamo deveriam ser tratados da mesma
conceder cua funcão s ão ser as mais subalternas maneira que seus correligionários portuguêses. Leis
no clero rativo hindu, particularmente os freis Cristo. neste sentido forem premulgadas em 1562 e 1512, mas,
vimos. nunca foram totalmente cumpridas. Os vice-
(2.2) Para
ACD. Matheus de Cast)
Lastro, ver D, THEODORE GHES- reis mais esclarecidos viram que o caráter servil dos na-
no

QUIERE, Mathieu de Cnstro, premier vicaire apostolique aux Indes tivos era causado em grande parte pela maneira despre-
provas Dual): CARLO CAVALLERA, Matteo de Castro, 1594-1677
conseoo zível com que eram tratados pelos portuguêses. Antonio
os Pr postollico dell India (Roma, 1986), Para FreiÁ,Jo- OP TIS

trabalhos da Oratoria de Goa no


nO Ceilão
Êo

eulao, ver ROVER de Mello de Castro escreveu em 1644: “nosso fracasso


BOBDENS, The Catholie Church 5mn Ceylon under Dutch Rule (Re-
Da, door DÃES. 89-15, aqui é devido inteiramente ao fato de tratarmos os natl-
3) Vice-rei conde de Sandomil
pandomil :à Coron, Goa, 24 de da.
a
TOTO A

vos como se fôssem escravos e pior que se fossemos mou-


neiro de 1736, apud
Oriental, Tomo VI. ná J. H. CUNHA RIVARA, Archivo Portug
455, 474.
| Pãgs. 440-2. Cf, também ibid., op. cit., páps.
f. e. vv

(24) Cf. Cantos Merces DE MELO, S. Jo, O recrutamento é


formação do elero nativo nu Índia, págs. Lid-d
ros”. Quase um século depois o vice-rei conde de Ega de-
dárias. ftavia, é evidente, algumas exceções como Gas-
plorava a maneira com que os hindus eram tratados pe- par Ferreira da Serpa no Ceilão. Este fidalgo era filho
los portuguêses europeus, “Que muitas vêzes os insultam de pai português e mãe ceilandesa e suas proezas milita-
com palavras indignas e os castigam com crueldade”. res excepcionais levaram-no com o tempo a ser nomeado
Por outro lado, no comêço do século dezesseis os mem- comandante-cm-chefe da batalha entre hulandeses e cel-
bros do Conselho da Índia em Lisboa aconselharam à Co- em 1655-8. Mas tais casos eram exceções. Mes-
roa que — “a Índia e outros territórios ultramarinos mo Os fidalgos nascidos na Europa que s2 casavam com
cujo govêrno é preocupação dêste conselho, não são dife- mulheres eurasianas e faziam do Oriente seu lar queixa-
rentes nem separados dêste reino, tal qual o reino de Al- vam-se que eram substituídos nas promoções, mesmo de-
varve e qualquer das províncias de Além Tejo, Minho e pois de anos de serviço árduo, por rapazolas imberbes re-
Douro, etc. ... e portanto qualquer um que nasça em Goa, cém-chegados de Portugal e com tôda a intenção Ge para
Brasil ou Angola, é tão português quantc os que nascem 14 voltar mais tarde. A maioria dos vice-reis e gover-
e crescem em Lisboa.” (25) nadores eram ainda menos generosos quanto a “logios
Nao ficou bem claro se a Coroa aceitou êste parecer em relação aos habitantes indígenas da Índia Portuguesa,
ou se os Conselheiros que o emitiram pensaram apenas tachando-os frequentemente de covardes, vis e indignos
nos portugueêses brancos nascidos nos territórios ultrama- de confiança. (26)
rimos ou incluíam também os asiáticos, africanos e ame-
também convertidos ao cristianismo. O que é (26) Para a carreira de Gaspar. Figueira da serpa, que
certo é que a discriminação racial em favor dos portu--— morreu em Goa “em miséria e ingratidão”, de acôrdo com o cro-
gueses nascidos n nista jesuíta Fernão de Queiros, ver dêste último, Conquista temo
opa, se nem sempre foi aceita em poral e espiritual do Ceilão (3 vols., ed. e trad. S. G. Pereira, Sud,
teoria | era praticada pela | maioria dos governadores e Colombo 1930), index, págs. 1229-30, invoce “Figueira. ae Ser-
vice-reis ultramarinos. A correspondência de vice-reis pe”. Para uma típica reclamação de um fidalgo português casaão
na Índia acêrca da maneira que êle e outros foram passados para
sucessivos de Goa é cheia de queixas contra a inferiori- trás pelos que voltavam para Portugal com o dinheiro que ha-
viam acumulado no Oriente, ver comentários de Antonio de Sou-
dade física e moral, real ou alegada, dos mesticos com- sa Coutinho ao Conselho do Estado em Goa em 1603 apuc P. PIS-
parados aos portuguêses nascidos e criados na Europa. SURLENCAR (ed.) Assentos do Conselho co Estucio da Íncia, 16T8-
1750 (5 vols. Goa-Bastorá, 1953-7), vol. III, pãg. IS4. Para a
Sempre que possível, portuguêses brancos eram destaca- descrição de um mestiço por um reino! ef. a violenta denuncia EC
dos para os máis altos p tos postos do govêrno e comandos mi- vice-rei D. Pedro de Almeida do caráter de D, Luis Caetano e
tares, assim como altos ca + estásticos;-os mestiços Almeida Pimentel (O primeiro mestiço a ter o posto de governa-
dor-geral da fndia-Portuçuêsa) em in Arquivo das Celio.
e os de sangue misturado ficavam com as posições secun- nias, vol. V (Lisboa, 1930), pães. 110, 118-19. O mesmo vice-rei
foi ainda mais severo em relação nos súditos hindus da Coroa,
que êle descreveu assim em 1750: “a experiência demonstrou que
(25) Consulte. do Conselho da Índia, que funcionou em Lis- qualquer pessoa com coração aberto e sincero que tenha a ver com
k
oa como um “conselho consultivo para assuntos coloniais “unto ; ventios de qualquer casta, especialmente brâmanes, pode ser da-
Coroa de 1604 a 1614, apud FRANCISCO PAULO MENDES DA LUZ
UA, do por perdido. Estará inevitavelmente enganado se não resist'r
O Conselho da fndia (Lisboa, 1952), págs. 1IS-ANA. à doçura ,submissão e as boas manciras aparentes que usam. Não
O abismo entre a teoria e a prática no tocante à preferência e promoção aos portuguêses nascidos na Eu-
igualdade racial diminuiu na primeira metade do século ropa, sôbre todos os outros.
dezoito, quando a Coroa aceitou a opinião dos vice-reis
“A primeira tentativa séria (desde 1572) para abolir
a barreira de côr na Ásia portuguêsa e Africa Oriental
que o princípio da supremacia branca devia ser mantido
na Igréja-e- Estad do. A teoria de que OS cristãos hindus
foi feita por Pombal através do célebre decreto de 2 de
eram tratados no mesmo pé de igualdade que os morado- abril de 1761. fÉste edito informava ao vice-rei da India
res de Goa foi admitida por uma comissão que relatou o e ao governador Geral de Moçambique que daí por diante
problema em (Goa em 1715, mas que nunca foi total- os súditos asiáticos da Coroa portuguesa que fóssem cris-
mente seguida na prática. No mesmo ano a Coroa iInfor- tãos batizados deviam ter o mesmo status, social e legal,
que os brancos nascidos em Portugal, pois “Sua Majes-
mou ao vice-rei conde de E riceriaNque ao preencher pos- tade não distingue seus vassalos pela cor mas por seus
tos militares e governamentais deveria “atendendo muito
a que os Canarins não sejão antepostos, nem igualados méritos”. Além disso foi transformado em otensa penal
por algum modo aos Portuguezes, porque assim convem a o ato dos portuguêses chamando seus concidadãos de “ne-
meu serviço, e authoridade e respeito da Nação, e do gros, mestiços e outros tórmios e ignominio-
sos” «como tinham o hábito de fazer. Este decre OT Te-
contrário me darei por muito mal servido; e que estes
tães Canarins não possão habilitarem-se para os officios, petido em têrmos ainda mais categóricos dois ancs mais
que couberem nelles, menos que com doze annos, porque tarde, mas só Toi promulgado pelas autoridades de Goa
he resão haja differença dos Portuguezes a elles, que só em 1774. O temível ditador de Portugal não era homem
necessitão de oito annos para serem despachados”, (27) de brincadeiras como o provou o tratamento selvagem
O
conde de Ericeria não precisava ser instruído neste que infligiu aos jesuítas e Távoras: e o fato dêste decreto
assunto
o AM.

agiu dentro do princípio de dar não ter sido pôsto em prática por treze anos demonstra
claramente quão profundo o sentimento de superioridade
racial estuva enraizado nas autoridades coloniais portu-
hã ninguém que confie ou seja leal em seus negócios com qual- guêsas. À obediência cega com que os atos mais INJus-
quer Outra pessoa, e são mentirosos e fraudulentos” (Instrucção
do Exmo. Vice-Rei Marquez de Alorna co “seu sucessor o “Exmo. tos de Pombal eram acatados em outras ocasiões Con-
vice-lter Marquez de. Tavora, ed. Filippe Nery Xavier, Nova. Goa. trasta forteinente com a conspiração silenciosa com que
1896, págs. 101, 108-9). Nada seria mais fácil que multiplicar tais
a tações derrogatórias da correspondência do vice-rei “é governado- o alvará de Zde abril de 1761 foi sorrateiramente enga-
res através dos séculos. Cf. J, H. CUNHA RIVARA, Archivo Orien- vetado pelos responsáveis por sua implantação, assim
(o eo Nise»VI (1878), págs. 4778,
ANOVA ty0a, 1923) vol. II, nág.e A Índia Portu.
to - como também o decreto complêmentar (29 de maio de
ções de Antonio 1761)
de Mello de Castro e do Condo doseminário
Ega para
simao

ordenando o estabelecimento de um
oroa ao Vice-rei, 19 de fevereiro de “718 in 0
Portuguez Oriental, VI (1876), pág. 102, Para constatação de dus treinar o clerc de côr en: Moçambique. (28) Esta ati-
+

os hindus cristãos
de ipualdade co nunca ou quase nunca roforam
sgh.
tratados em pó
e com os portuguéses brancos ver ibid,, págs. 85, 195,
*”

445.9, (28) Para os alvarás de It de julho do 17990 € 2 de abel


de 17061, a carta-répia de 10 de abril de I7o3, e seu engaveta-
tude é bastante significativa, já que o vice-rei conde de suês, mas que também eram camponêses e artesãos. Os
Ega (1756-65) promulgara um edito em Goa, julho de corumbins que na sua maioria eram trabalhadores sem
1759. denunciando “o desprêzo com que os nativos déste terra e camponêses. Os farazes que faziam os trabalhos
são tratados pelos europeus que os chamam de mais grosseiros (varredores, empregados, coveiros, etc.)
negros, cães degenerados e outros nomes insultuosos, por e que mais ou menos correspondiam aos hindus párias ou
nenhuma outra razão que a diferença de côr”. intocáveis. listas cinco castas cristas não casavam entre
Em primeiro lugar os portuguêses tentaram abolir si e os brâmanes (brahmane, bragmane, etc., em indo-
a distinção de castas entre os hindus convertidos mas
português) gozavam de algum do seu antigo prestígio
logo viram ser isto impossível e foram forçados, apesar
apesar dos chardos tentarem igualar-se a êles. (29)
de relutantemente, “a concordar com êste sistema social
Afirma-se multas vêzes que os portuguêses casavam
e religioso, bastante enraizado e poderoso. Não há ne-
cessidade de entrar em detalhes das castas e subcastas da em larga escala com mulheres de castas altas que haviam
Índia hinduista, mas lembra-lhes que estavam tradicio- se convertido ao cristianismo, desde que Albuquerque co-
nalmente agrupados em quatro categorias principais: os meçou sua política de casamentos inter-raciais com mu-
brâámanes ou a casta dos sacerdotes que podiam, e muitas lheres de pele clara e origem ariana em 1510. Tais ca-
vêzes usavam de sua prerrogativa de ter outras ocupa- samentos realmente aconteceram, mas eram mais exce-
cões: os Kshatriyas ou a casta dos soldados: e os Vaysias cão que regra pois os brámanes e chardos convertidos ao
(Vanis) composta de comerciantes e camponêses: e os cristianismo mantinham seu orgulho de casta e de raca
Sudrds ou classe inferior. Na sociedade hindu o sacer-
dócio era reservado aos brâmanes, e og portuguêses ti- (29) Ver em Aureola dos Índios e Nobitiarcihia Bracmana,
de ANTONIO JOÃO DE FRIAS (Lisboa, 1702), um curioso trabalho
nham que continuar esta prática com seus convertidos, de um padre secular brâmane afirmando a superioridade de sua
apenas os de casta brâmane eram admitidos ao sacerdó- casta sobre tôdas as outras raças asiáticas e seu direito inerente
cio cristão — com raras 8) S — antes do século de- de serem tratados no mesmo pé de igualdade que os portuguê-
ses. Um autor cirado, LEONARDO PAES, um dos poucos padres doe
zenove. Os de outras castas que se convertiam eram di- origem charua em seu das Indicus de-
vididos nos quatro grupos seguintes: os chardos (charo- tuzulas «de varios chronistas da Índia, graves authores e dus his-
toras gentiticas (Lisboa, 1713), reciama êste privilégio para sua
dos), que se diziam de origem guerreira dos quais alguns casta que êle iguala à dos Rajpuis, mas muitos escritores moder-
conseguiram ser ordenados, mesmo sendo elassificados nos colocam os charcdos abaixo dos Ahsatrias e com os P.
PISSURLENCAR argumenta que êies eram ce origem Vani ou Ma-
como vaysiis pelas autoridades, Os sudras, que não só ratha em “Contribuição ao estudo etnciogico da casta indo-por-
faziam os serviços mais inferiores no território portu- tuguésa denominada chrado, à luz de documentos iréditos encon-
trados no Arquivo Histórico da India”, uma reedição de sete pá-
pinas de do 1 Congresso Nacional de Antropologia Coloniul
mento até IT74, ver Archivo Portuguez Oriental, VI (1876) (Porto, 1934). Para as castas cristãs da Índia Portuguêsa ver q
registro sob as respectivas categorias em S, R. DELGADO, Gloa-
Lele net O cumprimento
estabeiecimento do alvará
de um seminário vara
eli
de
o tiro
tt LIlit)
29-5-1761
clero
COPd Ver Dae.
00 sôbre xc
ver pap. Di S(tro, Luso-Asiático, e ANTONIO EMILIO D'ALMEIDA AZEVEDO, As
acima e nota lá, comunitades de Coa — História. das instituições antigas (Lisboa,
1890); A, B. DE BRAGANÇA PEREIRA, Etnografia da Índia Portu-
guesa (e vols. Goa-Bastora, 1940), vol, II, págs. 25-D8.
c não desejavam que suas filhas se casassem com homens ele, consideravam o maior suporte do poder português
curopeus ou mestiços, As autoridades portuguêsas, por na Ásia. Tm 1561"a Coroa chegou ao ponto de proibir
os mestiços de entrar para o serviço real, mas esta me-
nd

outro lado, não encorajavam o casamento de portuguêses


com mulheres das castas mais baixas, sudra é curumbin dida não toi realmente mantida por muito tempo. (31)
e seus esforços esporádicos de casar viúvas brâmanes Mesmo na melhor época raramente havia por ano mais
com soldados brancos transferidos de Portugal para o de duzentos ou trezentos homens aptos que emigrassem
sotviço na Índia — a maioria dos UAls de Portugal para a Índia e o desgaste era muito grande
ou exilados no século dezoito e dezenove encontraram entre OS
que sobreviviam à viagem, às doe n ças t ropicais,
muito pouca receptividade por parte dos brâmanes as batalhas 'e deserções, Os mestiços necessáriamente ti.
conscientes de casta e raça. De qualquer maneira, como nham que ser utilizados em escala cada vez maior, prin-
vimos, muitos homens portuguêses preferiam associar-se cipalmente quando o Brasil atraiu a maioria dos emi-
t suas escravas a prender-se pelos laços do sagrado ma- grantes de Portugal nos séculos dezessete e dezoito. Já
trimônio. No decorrer do século dezoito as ligações du- em 1610 o soldado-cronista Diogo do Couto queixava-se
radouras de fidalgos portuguêses e soldados com baila- que a maioria dós portuguêses na Índia “tinham mais pa-
(eras hindus (bailarinas profissionais), causavam cons- rentes em Gujerat que em Mas apesar
tante preocupação aos vice-reis e arcebispos. Muitas leis dos mestiços, com maior ou menor grau de sangue curas
foram feitas, inútilmente, com o objetivo de diminuir a Siano, serem mais numerosos que os reinols de Portugal,
paixão dos fidalgos pelas bailadeirass mas de qualquer tendiam a transformar-se numa espécie de casta, sem a
am E h r a, estas uniões ilícits era Ta tas vêze s es sm oia
menor Intenção de casar com os brâmanes cristãos, tanto
Is as mulheres praticavam alguma espécie de contrôle quanto êstes em relação a êles, A maior ambição da-
lidade ou abortavam para evitar ter filhos de maioria dos pais mestiços era casar suas filhas com por-
Selis adm ores europeus, (30) 3?

tuguêses nascidos na Europa, e na falta déstes, com outro


em

Vimos que tanto-os portuguêses naseidós na Europa de sua espécie — € quanto mais claro melhor aceito, (32)
os FKeinols) quanto os brâmanes. cristãos costumavam Assim como os reinols estavam prontos a despreza-
desprezar os mestiços ou verdadeiros indo-portuguêses de rem os mestiços, êstes desprezavam os hindus locais de
sangue misturado, apesar desta ser à verdadeira classe
que Attonso de, Albuquerque e os que pensavam como (31) “O capítulo 81, em que Vossa Alteza manda que se
nao assentem os mistiços, asi o guardo, mas parece que devia
“Vossa Alteza despemsar “com alguns que o merecem” (Vicerei
(20) Cf. C R. Boxer, “Fidalgos Portugueses e Bailade; ras Conde de Redondo à “Coroa, Goa, 20. de dezembro “de 1561, apud
Studi, vol. II, pág. 59).
>
q”

Indianas, Séculos XVII e XVIII” in Revista de História NO 56


to 1961), págs. 83-105, Para os inúteis esforcos feitos (34) - Diogo DO Couro, Dicilogo do soldado pratico portugues
vim 194%, 1684 e 1745 no sentido de impedir o casamento do sol. (Lisboa, 1790), págs. 36, 109, Para o desejo de pais ricos em
Portuguéses brancos com mulheres cristãs brâmanes e char. casar suas. filhas com portuguêses brancos, mesmo pobres a de
o do
508 ver , do DP ISSURLENCAR, A. ssentos do “Conselho d da classe baixa, cf, Cc. R. BoxER e CARLOS DE AZEVEDO, “Fort Jesus,
Índiu, 1618-1750, vol. V, (1957), págs. 293.6. und the Portuguese in Mombasa, 1593-1729 (Londres, 1960), pá.
ginas 39-d0, e as fontes ali mencionadas.
qualquer casta, a quem chamavam “Canarins”/ Os mesti- sivo da primeira classe e o aumento de importância da
cos eram imensamente orgulhosos de sua origem portu- última no poder burocrático e influência no século de-
ruêsa e achavam-se até superiores aos fidalgos nascidos zenove. ste sentimento foi expressado recentemente
em Portugal, vangloriando-se de sua aristocracia que su- por um descendente, o Dr. Germano da Silva Correia,
plantava a de Portugal. (33) À perda de Baçaim e da historiador e herói de sua classe, que endussou as seguin-
eórtil “Província do Norie” para os Marathas nas de- tes observações do marechal Gomes da Costa, fundador
sastrosas guerras de 1757-40 foi um golpe do qual nunca da ditadura militar que culminou na inauguração do re-
se recuperaram pois suas famíiias mais ricas dependiam gime de Salazar: “A debandada do exército hindu em
da renda advinda das propriedades que possuíam nestas 1871 marca uma vitória gloriosa para os canarins, por-
regiões. A emancipação dos hindus locais no comêço do que o exército era o refúgio dos descendentes dos euro-
século dezenove e a debandada do exército regular indo- peus e ocupavam todos os postos graduados, e sistemati-
“português, composto em sua maioria de oficiais mestiços camente excluiam seus rivais para conservar o dominio.
ou descendentes, como são chamados hoje em dia, comple- Enquanto o exército existisse os descendentes tinham
tou-se-lhes a ruína, e realmente formam uma parte muito uma fonte de fôórca e os canarins não podiam dominar.
pequena da população de Goa hoje em dia. Ainda havia À grande barreira que os impedia de atingir seu objetivo
dois mil e quinhentos déles em 1871, mas em 1956 eram caiu então por terra. E os canarins triunfaram, enchen-
apenas pouco mais de mil numa população de quinhentos do-se de orgulho, vendo-se senhores do destino da Índia,
mil. Seu declínio em número corresponde ao seu declínio
Um dêles, Bernardo da Costa, em seu jornal O Ultramar
em importância social. De duzentos e vinte e seis postos
profetizou aos descendentes dos heróis da conquista, cue
Oficiais mais graduados na Índia portuguêsa há seis anos, suas filhas seriam as amas de leite de seus netos. Éle
cento e trinta e quatro eram ocupados por hindus eris-
tãos (goanos), quarenta e nove por portuguêses nascidos
um canarim!” (35)
em Portugal ou em qualquer outro lugar que não a Índia, Se a tensão racial e social entre o mestiço e o cana-
c apenas nove por descendentes. (34) rim (cristão ou hindu) durou até os dias de hoje, po-
à rivalidade entre mestiços e canarins, que sempre
de-se facilmente imaginar que um sentinento seme-
lhante existia entre a classe dominante voriuguêsa e os
,

= esteve latente aumentou com o empobrecimento progres-


habitantes originais da terra, mesmo depois dêstes con-
verterem-se ao cristianismo. Albuquerque havia captu-
(33) Cf. a reclamação do arcebispo D. Frei Inácio de Santa
rado Goa do sultão muçulmano de Bijapur, mas a grande
Teresa “dos fidalgos da India que dizem à boca cheya, que Fi-
dalguia só a da India... à que o do Reino he sombra a vistn maioria da população era hindu e vor muitas décadas os
della (Estado do peezento Estado da Judo M, S. de 1725 dn
coleção do escritor, fl, 48 verso).
CA) ORLANDO “Oripinalidade de Gon" in Actas do
HT Colóquio de Estudos Luso-Prugileiros, Lisbon pb, Marechal GOMES DA Costa, 4 Rerocta de Gou e a Cam-
1957, vol. DL (Lisboa 1950), págs. 170-9, principalmente págs. 176-7. nn O nro, 1980), págs, 13-47 GERMANO DA SILVA
ORRETA, História da colonização portuguesa na frdiu, vol. VI
papa, GIJ0-d47,
a
portuguêses não fizeram qualquer esfôrço real para Ini- meio ao vazio espiritual que criaram banindo o exercício
fluir em sua crença religiosa ou maneira de viver. O público das religiões nativas. Em lugares onde seu poder
foral para os chefes da comunidade da vila, elaborado em era mais forte, como nas imediações de Goa c Baçaim,
Goa pelo Controlador da Renda, Affonso Mexia, em 1520, conseguiram bastante sucesso no correr dos unos. O dis-
é um exemplo desta tulerância com o devido respeito pelas trito de Bardeiz que compreende Goa Lo nurto, Cc dal
instituições sociais hindus existentes. Mas na segunda cete ao sul, foram duas regiões onde u uçuo du Igreja
metade do século dezesseis com o estabelecimento dos je- militante foi melhor sucedida, a primeira tendo siúc con-
suítas E da Inquisição e como reflexo do aumento do fa- fiada aos franciscanos e a última aos Jesuitas. "==".

natismo religioso na Europa, o ódio voltou-se contra os Mesmo assim a aceitação compicia e voluniaria da
hindus e budistas na Ásia portuguêsa, como o fêra ante- nova religião pelos hindus às vezes levava «cinpo
riormente contra os muçulmanos. Com a notável ex- que se pensa hoje em dia. Um cronista iraliciscano em
ceção de Diu, onde quer que os portuguêses exerceram Goa em 1722 lembrou que durante o atuque du suiiãoc de
moder real na Índia e Ceilão, destruíram os templos hin- Beijapur a Bardeiz em 1654, alguns crisiivs locals tinham
dus e budistas, suprimiram o exercício público de tôdas conspirado para matar os frades fralciscanos de suu pa-
as religiões além do cristianismo católico romano, tal róquia, e como em outras ocasiões haviam ajuduco
como havia sido definido no Conselho de Trento, expul- lias hindus escondendo crianças Órias à quem Os páúrles
saram ou desterraram sacerdotes, monges logues, faqui- desejavam educar como cristãs. O cronista comentou:
res e homens santos asiáticos; destruíram seus livros sa- “Todos estes trabalhos padecerão os lruces de >. tran-
grados, diminuíram drâsticamente, quando não proibi- cisco nestes tempos em ódio da Ley e ainda «o rey, por-
ram de todo, as observâncias rituais pagãs relacionadas que como os Portugueses fossem os conquistadores elles
a nascimento, casamento e morte. Depois do ano de 1684 os conquistados, não pocião deixar de lnes ter odio, ca-
as autoridades portuguêsas seculares e eclesiásticas ten- bendo a mayor parte aos nossos frades por terem sido os
taram esporâdicamente suprimir o uso da forma concani primeiros que derão principio à estas santas operações
da língua maratha e substituí-la pelo português. (36) evangelicas e não sey se diga que ainda hoje, amda que
Com essas medidas repressivas, que às vêzes envol- não em odio da fee estão pela mizericoruia divina feitos
viam o uso da fôórça, tentavam assegurar conversões ao mais bons christão contudo nos tem certa antipatia,
cristianismo por um misto de ameaças e adulações em como se tem visto muitas vêzes, e querendosse averigoar
não lhes achamos fundamento mus que o originarsse do
(36) Ctf. C. R. Boxer, “Anote on Portuguese missionaryv me- principio das nossas missocens . (9d)
thods in the East, 16th-18th centuries”, in The Ceylon Historical
Jornal, cas fontes. ali citadas, a maioria das quais foram re-
tiradas no Archivo Portuguez Oriental, dos Assentos do Conselho (37) ANoON, “Noticia do que obravão vs frades do São Fran.
to Estado da Índia, e da Documentação para u história dus mis- cisco no serviço de Decos e de Sua Magestade”, Goa, 22, apud
do pieroado português no Oriente. Cf. também J. 1. CUNHA A, DA SILVA RECO (ed) Doconrentação pera a historid Us NUS-
Rivara, Ensaio Histórico da Lingua Concani (Nova Goa, 1858). sõces do prlrocdo portugues do Oriente, India, vol. V (1051), pags.
Durante as invasões marathas de Bardez c Salcete racial e (relativa) ausência de barreira de côr que os
portuguêses de hoje vangloriam-se orgulhosamente, da-
em 1739-40, alegações semelhantes foram feitas, que os
cristãos nativos simpatizavam secretamente com os tam do tempo daquele médico-e-monstro, Sebastião José
de Carvalho, marquês de Pombal. O que não é feito sem
vasores; mas na verdade continuaram leais aos portu-
guêses e o grosso do linheiro de resgate que foi pago importância; mas o fato histórico não se coaduna com
aos marathas vitoriosos para impedí-los de ocupar a a reinvindicação tantas vêzes feita pelos portuguêses, ou
própria Goa foi dado pelos cristãos e vassalos hindus da a seu favor, de que nunca se sentiram superiores quanto
Coroa portuguêsa. (38) A ditadura de Pombal, que de à raça ou discriminaram os povos subjugados.
nenhuma maneira foi pura bênção tanto para Portugal
quanto para suas possessões ultramarinas, ao menos APÉNDICE
trouxe um grau bem maior de tolerância para os hindus
de Goa. Os habitantes das “novas conquistas”, adquiri- Uma nota sóbre o têrmo “Canarim”
das entre 1763 e 1788 e que formaram a maior parte do
Estado da Índia, extinto por Krishna Menon em dezem- Como apontaram Yule e Delgado em seus respecti-
bro de 1961, tiveram explícita garantia de completa li- vos glossários, o têrmo Canarim deveria ser aplicado, no
berdade de credo a respeito por sua religião. Total tole-
sentido restrito, aos habitantes de Canara, antiga região
rancia teve que esperar pelo advento do constitucionalis- Carnática do Deccan. Mas os portuguêses desde seus
mo em Portugal em 1820 ou 30, ou para questões meno- tempos de pioneirismo, errôneamente aplicaram o têrmo
res, até a implantação da república em 1910, (39) Mas aos habitantes de Goa, que geograticamente são Concanil-
para objetivos práticos pode-se dizer que a tolerância Marati, etnograficamente indo-arianos, e glotológica-
mente incdo-europeus. O têrmo canarins foi usado algu-
440-1. Como foi observado. antes, (págs. 67-82) a invasão de mas vêzes para designar os que se tornaram cristãos e
Sardez por Bijapur em 1654 foi instigada pelo bispo brâmanc
de D. Mattheus de Castro, que disse aos “cristãos outras para os que se mantiveram hindus e outras para
locais que nada tinham a temer da conquista muçulmana, Dois os ambas as categorias indisecriminadamente. Durante o sé-
cristãos eram tolerados em terras fanàticamente muculmanas Roe
mo al urquia ea Pérsia (P. PISSURLENCAR, Assentos do Conse- culo dezoito e talvez mais cêdo, a palavra canarim ad-
lh n do Estado, vol. III, págs. 296, 374). quiriu uma conotação pejorativa, presumivelmente por-
A maior parte do dinheiro foi conseguida através de eni-
préstimos compulsórios tomados das seções hindus da comunidade que os portuguêses desprezavam os habitantes nativos de
co p o parece não ter afetado sua Icaldade à Coroa portuguêsa.
E. PISSURLENCAR, Assentos do Conselho. do Es tado da Índio Goa. Discutindo a maneira de como conseguir tropas
psi págs. 530-2; ibid, “Portugueses e Maratas”, em para a expedição anglo-portuguêsa contra Kanhoji An-
POBO. instituto Vasco du Gama, nr. XI, Nova Goa. 1932, gra e 1421-2, D. Cristóvão de Mello observou: “Não se
(39) ANTONIO DE NORONHA ir 14
pode confim nos canarins pois são totalmente inúteis
blica Portuguêsa, em A Índin | Os hindus de Gon e a Repi. |“

2 4. fo

1923), vol. II, págs. 211-2C8. Portuguêéga (2 vols, Nova Gon, (infelizmente ou felizmente para nós, conforme o caso)
e não podem nem defender suas próprias casas e muito
menos serão capazes de atacar e conquistar fortalezas”
(Cf. P Pissurlencar Assentos do Conselho do Estado da
Índia, v. 1696-1750, pp. 340, 482). Este é típico entre
outros comentários maliciosos.

BRASIL E MARANHÃO
Miguel de Cervantes descreveu a América espanhola
de seus dias e geração como sendo “O refúgio y amparo
de los desesperados de Espafia, iglesia de los alzados, sal-
voconducto de los homicidas, pala y cublerta de los Juga-
dores a quen, llaman ciertos los peritos en el artes ana-
faza general de mujeres libres, engano común de muchos
y remedio particular de pocos para pocos”. Quase a mes-
ma coisa se pode dizer da América portuguêsa daquela
época e de muito tempo depois, como notou em têrmos
semelhantes o judeu português Gaspar Dias Ferreira,
uns trinta anos depois da morte de Cervantes: “o portu-
guez a quem acontece decahir de fortuna, é para o Brazil
que se dirige”. (1) Proponho considerar brevemente al-
guns aspectos da reação dos portuguêses que se instala-
ram no Brasil e no Maranhão, os povos que all encontra-
ram e aos quais tiveram que se adaptar da melhor ma-
neira possível. Esses povos podem ser divididos em três
grupos principais: os aborígenes, ameríndios habitantes

(1) MIGUEL DE CERVANTES nas linhas de abertura de “Ge-


loso extremeno” (1613), uma das Novelas ejemplares, Cf. HAHR,
vol. XXXV (1955), pág. 5ldf. GASPAR DIAS FERREIRA à Coroa,
Amsterdam, 20 de julho de 1645, Revista do Instituto Arqueulo
giro e Geográfico Pernambuco, vol. XXXII (Recife), ISST,
páp. 78,
da terra; os negros escravos de origem' africana ocidental, tuguêses, que como a maioria dos pioneiros europeus nos
que os portuguêses introduziram como fôrça de trabalho, trópicos, baseavam-se na teoria de que não existiam Dez
quando verificam não ser possível obter resultados satis-
Mandamentos ao sul do Equador. Com o tempo e o cres-
fatórios do trabalho ameríndio escravizado ou livre; e os
cimento das cidades do Brasil, as últimas duas funções
sangues misturados, mamelucos, mulatos, mesttços e ca- vieram a ter uma crescente importância no trabalho dos
boclos, que descenderam da mistura destas três raças em
jesuítas; mas nunca se esqueceram que a razão original
graus variados. (2)
e principal de sua estada no Brasil era a conversão e
À caracterização da América que citei de Cervantes,
cuidado dos ameríndios. (3)
omitiu um importante aspecto do interêsse europeu pelo
Não é necessário dizer que esta tarefa era excessi-
Nôóvo Mundo. A América não apenas era a terra prome-
vamente difícil e muitas vêzes não recompensada” “O ideal
tida para senhoras de pouca virtude, como também para
dos missionários era transformar os selvagens em ho-
os padres e frades missionários, entre os quais os Je- mens, os homens em cristãos, e os cristãos. perseveran-
suítas tinham o primeiro lugar na América portuguêsa.
tes em sua fé”, Esta última fzse era inevitâvelmente à
“Esta terra é o nosso empreendimento”, escreveu Tanuel
da Nóbrega, líder dos jesuítas pioneiros que desembarca-
mais difícil de se conseguir com tribos rô es Sem
ram na Bahia em agôsto de 1549. Isto não era mera em busca de comida nas floresta”, e cujo nível cultural
presunção, as palavras proféticas escritas três anos de- era equivalente à idade da pedra. Os jesuítas logo viram
pois confirmaram: “Trabalhamos para lançar as funda- que sua melhor — alguns diriam a única — esperança
ções de casas que durarão tanto quanto o mundo”. | Não estava com as crianças cêdo”) educando-as
da maneira devida; mas diversas vezes os missionários
ná certeza nos “poderiam-ter-sido” da história, mas é
muito prová ao Tosse o tr | viram seus mais ardorosos esforços chegarem a nenhum
nos di loniais não haveria nação brasileira tal como resultado. Tinham que lutar por um lado contra o poder
a conhecemos hoje. Nóbrega e seus companheiros de
c]
atavismo de milhares de anos de vida selvagem e por
1949 começaram a tripla tarefa continuada por seus su- OU RO;--2O o mau exemplo dado por muitos moradores,
cessores até a supressão do ramo português da Compa- ou colonizadores. Na verdade, os últimos tentaram sa-
nhia de Jesus por Pombal em 1759: a domesticação e botar o trabalho feito pelos jesuítas entre os ameríndios
conversão do meríndios ; educação dos meninos brancos À quem viam tão só como mão-de-obra exrlorável e con-
e de côr; reforma nos costumes e moral dos colonos ore sumivel.
- te

(2). Mameluco, cruzamento de mãe ameríndia com pai bran-


Co; mestiço (a) produto masculino de união de branco com preto 43) Para o que se leu acima e o que se segue, cf. a história
(b) às vêzes usado para homem resultante de união de amerín- básica dos jesuítas no Brasil por SERAFIM LEITE, SJ. História di
dio com branco; eaboclo, usado (a) para cruzamento entre bran- Companhia de Jesus no Brasil (10 vols. Lisboa e Rio de Janeiro
co e índio, (b) ameríndio domesticado, (c) qualquer pessoa de 1908-50), e os trabalhos do mesmo autor sóbro Nóbrega revistos
classe baixa geralmente de côr.
em À retivum
paes, 16.1], Historic Socictatis Jesi, vol. XXVI (Roma, 1957).
Nóbrega escreveu ao rei D. João III em setembro cias foram relutantemente obrigados a deixar que os in-
de 1551: “Converter êstes pagãos é muito fácil, mas ternos das aldeias fizessem trabalho braçal para os co-
mantê-los na trilha estreita e reta é muito diferente e só lonos portuguêses, sob certas condições e garantias. Mas
pode ser feito com muitos missionários; pois não acredi- os jesuítas lutaram para limitar ao máximo sua cofíces-
tam em nada, sendo portanto como fôlhas de papel em são e para resguardar seus neófitos de contatos desmo-
que se pode escrever o que se quiser, contanto que eles ralizantes com os brancos e mestiços. Por esta razão
sejam sustentados por exemplos e preceitos contínuos”. proibiram em algumas áreas o ensino do português aos
Diversas vêzes vemos os primeiros missionários expe- seus convertidos e êles próprios só usavam o tupi, a lín-
dindo relatórios ardentes e otimistas acêrca do progresso qua-geral nas suas missões.
encorajador que faziam seus neófitos apenas para ver Apesar da maioria dos jesuítas ter advogado a per-
suas esperanças esmagadas pelo retôrno de tantos dos suação pacífica em lugar de métodos de fôrça para civil-
que tinham a seu cargo, para a selvageria,y No Brasil lizar e converter os ameríndios, não se deve pensar que
assim como na África e Índia, um dos maiore ”

era sempre assim. Comecavam às vêzes a desesperar na


era a prática indígena de poligamia. Seus esforços para
sua árdua tarefa tornando-se prontos para Tutar pela
desarraigar esta prática não eram facilitados porque os. Igreja militante como uma vingança. Logo após o assas-
moradores pioneiros, na ausência de mulheres de sua
própria raça tendiam a adotar êste costume nativo na sinato do primeiro bispo da Bahia, D. Pedro Fernandes
Sardinha, que havia sido morto e comido com a maioria
prática se não na teoria./ Os jesuítas queixavam-se que de seus companheiros pelos índios canibais caetés quan-
muitos membros do clero secular eram estranhamente in-
do seu navio naufragou. Nóbrega têve opinião muito di-
dulgentes quanto a essas uniões irregulares e entregpa-
versa da que geralmente demonstrara. Enquanto que prê-
vam-se à concubinagem êles próprios.
viamente atribuira o lento processo de conversão ao Inau
No entanto os jesuítas perseveraram, Tentaram do-
comportamento e imoralidade dos colonizadores brancos
mesticar e cristianizar os ameríndios nômades arreba-
e mestiços, nesta ocasião pôs a culpa maior na natureza
nhando-os em missões (aldeias) como o faziam seus cole-
selvagem e irracional dos índios americanos. Não negou
gas espanhóis com bastante sucesso nas mais conhecidas
êle que os moradores rôssem culpados de excessos censu-
luções do Paraguai. (4) Seguiam também a linha que
ráveis em tempos e lugares diferentes, e afirmou que
determinava-que-os ÍNdiOs deviam -ser tratados Tomo ado- mesmo onde os moradores não haviam provocado de modo
lescentes e não como adultos. Por fôrca das eircunstân-
algum, os ameríndios demonstraram ser selvagens com-
(4) PABLO HERNANDEZ, S.J., Organización social de las pletamente bestiais, e indignos de confiarça. Insistiu que
doctrinas guaraniticas de la Compaíia, “de Jesus (2 vols. Bar- o uso da fôrça era a única maneira satisfatória para
celona, 1913); Macnus MÓRNER, The Political and economic ne- compelí-los a se estabelecer em missões e fazê-los viver
LA of the Jesuitas in the La. Photo region. (Estocolmo, 1953).
São dois dos melhores livros entre og que se dedicaram. às Ro. como “criaturas racionais”, À fôrca era “o único argu-
duções Jesuítas no Paraguai.
mento que entendiam, e os moradores portuguêses eram
até muito bons e complacentes com êles. Deviam seguir “Parece-iios, agori, que estão as portas abertas nestas
o exemplo dos conquistadores espanhóis penetrando no Canitanias para a conversão dos gentios, se Deus Nosso
interior, distribuindo os ameríndios conquistados como Senhor quiser dar mancira, com que sejam postos de-
servos entre os que abriam caminho e exploravam à baixo do jugo, porque para êste género de gente não hã
terra. “Não entendo”, escreveu êle, “como a raça portu- melhor pregação do que espada e vara de ferro, na qual,
guêsa, a mais temida e respeitada em todo mundo, ao mais que em nenhuma outra, é necessário que se cum
longo desta região costeira tem suportado pacientemente, pra o compelle eos Intrare”, (6)
quase submetendo-se aos mais baixos e miseráveis pa- Anresar desta e de inúmeras passagens semelhantes
cãos de tôóda a humanidade”. (9) que poderiam ser citadas para provar que os missionã-
Como disse, êste desabafo foi escrito em momento de rios jesuítas no Brasil — como cutros lugares pelo
Ata compreensível com a notícia da trágica perda de tan- mesmo motivo — não se opunham ac uso de nm
Kas vidas. Deve ser comparado às opiniões mais ponde- fôórca em certas ocasiões, devo reiterar que geralmente
radas e conciliatórias de Nóbrega expressas em seu fa- usavam a fôrca apenas como última instância em suas
moso “Diálogo sobre a conversão de pagãos”, que escre- relações com os ameríndios. Acreditavam que os amerín-
veu era 1556. É verdade que em seu Diálogo êje também possuíam algumas virtudes naturais que procura-
considera o uso da fôrça, mas apenas em grau moderado. ram cultivar e opunham-se firmemente à escravização
Enfatizando que resultados mais promissores e perma- dos ameríndios pelos moradores ou ao uso irrestrito dos
nentes seriam possíveis com filhos e netos dós próprios primeiros como empregados sem contrato dos ultimos.
convertidos do que com é ultimos, êle mostra d exem- O mais famoso paladino vela liberdade dos índios fol o
plo de alguns adultos modelares entre os ameríndios de célebre padre Antoni leir ssou grande
São Paulo, Além disso voltou A sua anterior dá parte de sua longa vida batalhando e discutindo em seu
que a atitude hostil indiscriminada dos moradores para favor. quer como missionário no Brasil e no Maranhão
com os ameríndios era a razão principal das dificuldades ou como advogado de sua causa em Lisboa e Roma. (1)
dos missionários com os últimos: e argumentou contra a Os colonizadores viam os ameríndios de modo dl-
introdução do sistema espanhol de encomicada verso, resolvidos a usar os homens para « trabalho servil
amiento que advogara depoi ] ispo da
3ahia. À opinião de Nóbrega a favor do uso da fôrca (0) Carta de Anchieta de 16 de abril de 1358, and S, LEITE,
em certas circunstâncias foi levada ainda mais longe por Fhistória da Compenlia de no Brest vol. | pág. 291, Para
a defesa dos n.esmos métodos em Angola por aleuns dos colegas
sen sucessor contemporâneo, o Santo Anchieta. Escre- de Anchieta no outro lado do Atlântico, ver pár. 2º acima
vendo sôbre os resultados da guerra local com os ame- nota (20). “Compeli-los a entrarem” é de Lucas, XIV,
(7) ANTONIO SERGIO € ITRRNANT CIDADE (eds Prcre Antonio
ríndios de Piratininga em 1561-2, Anchieta observou: Obras escolhidas (1º vols. Lisbor, 105143, vol. V, En,
defesa dos (Lisboa, 1951): MaAtTiiaS KIEMEN, O.F.M,, The
(9) SERAFIM LEITE, SJ. Monumenta Brasiline, II, 1559. Policy of Portugal wm the Amazon region, 1614-1603
1558 (Roma, 1957), págs. 448-4, (Washington, D.C. 1951): CC. R. Boxer,
figure: Padre Antonio Vieira, Sd. 1608-109), (Londres, 1957).

1277
» as mulheres como espôsas, concubinas ou empregadas menos favorável da capacidade dos índios que os missio-
domésticas. Mesnio dep la experiência ter mostrado nários jesuítas. Afirmavam mesmo que seuobjetivo-a
a superioridade do negro tanto como empregade longo prazo era o mesmo dos padres, ou seja, domesticar;
TO como o camponês, a escravização de ameríndios conti- converter e eventualmente civilizar os selvagens-gue. cap-
OT Has Teriões onde os colonizadores não podiam im- tuíavam. Um de Seus chefes, é primeiro caçador de ín-
Orar ESCrAVOS NCETOS ou sua maneira de viver era mais dios, Domingos Jorge Velho, explicou seu ponto de vista
su TT TT Ambos da anli eo ça q

à Coroa em 1694 nos seguintes têrmos:


oropícia ao homem vermelho. Ambas as condições apli-
man CCC 4 4 ND
cavam-se à q tininga e ao
oe
y “Primeiramente nossas tropas com aq-êmos à con-
orte do Estado do Maranhão-Pará. (8) as terras quista do gentio brabo desse ves issimo sertão, não he de
altas
um Oo do Plana
a e de
e cia
van au gente matriculada nos livros de V. Mag. de nem obri-
gado por soldo, nem por pão de munição; são huas agre-
e ualquer outro lugar e aprenderam com os selvagens gacoens a-fazemos algús de nos, entrando cada hu com
= conhecer a fauna. O paulista ou bandei- os servos de armas q-tem e juntos ao sertão desta canti-
rante, como o batizou o historiador brasileiro Launay, era nente não a cativar como algus hypocondriacos preten-
o equivalente sul-americano do canadense francês métis dem fazer crer a V. Mag., de senão adqueriu o Tapúia
ou conreur-du-dois. Mab à vontade nos atalhos das flo- gentio barbo e comedor de carne humana para o deduzir
restas e nas trilhas dos ques o remoto interior que ao conhecimento da urbana humanidade e humana sôcie-
em-suas casas, os paulistas penetraram- cente-
1

dade à associação Racional trato pa por esse meio chéga-


nas de milhas terra a den O Geco sr de suas expedl- rem a ter aquella lus de Deos e vão trabalha quem os
cões, em busea-de-eseravos—amerindios-e-metais...precio- quer fazer anjos, antes de fazer homens e desses asse ad-
sos, e chegaram a atingir-es-Andes.a oeste e o Amazonas quiridos, e reduzidos, engrossamos nossas tropas, e com
ao norte. (9) elles guerrêamos a obstinados e renitentes, a se-reduzi-
O fato dos paulistas terem grande parcela de sangue rem: e ao dezpoiz nos servirmos deiles para as nossas la-
índio e de por muitas gerações Ta T upi, vouras: nenhuma injustiça lhes fazemos, pois tanto he DP
preferindo-o ao portugues, não os impedia de ter vpintão às sustentarmos a elles e a seus filhos como a nos e aos
nossos: e isto bem longe de os cativar, antes se lhes Taz
hu irremuneravel servico em os ensinar a saberem la-
48) O Estado do Maranhão, compreendendo Ceará, Mara- brar, prantar, colher, e trabalhar p seu sustento, couza
nhão e Grão-Pará separou-se do Estado do Brasil, em 1621-6.
Ceará uniu-se novamente ao Brasil em 1656, mas Maranhão e q-antes q-os brancos lho ensinem, elles não sabem fazer”.
Asrao-Para foram administrados separadamente até 1774.
(9) 6. KR. BOXER, The Golden Age of Brazil, 1685-1750 (Ca-
Domingo Jorge explicou mais tarde que a maioria dos
lifornia University Press, 1962), pág. 21. O trabalho básico sô- grupos paulistas (dignificados pelo têrmo terço ou regr-
o]

bre Paulistas é o de A, DE E. TAUNAY, História Geral das Bun- mentos — nesta época) era constituídos de índios, “os
deiras Paulistas (10 vols., São Paulo 1942-8) do qual uma edi-
ção resumida em dois volumes foi editada em São Paulo, em 1951. brancos adicionados eram apenas para comandar e diril-
gir os soldados”, (10) Deu exemplo de seu próprio regi- Sem se decidir entre estas duas teorias rivais, o re-
mento que era composto naquela época de mais de oito- presentante dos moradores do Maranhão-Paráã declarou
centos índios e cento e cingienta brancos, e a maioria que de qualquer maneira, concordava com as autoridades
dos “brancos provavelmente tinham grande porcentagem que consideravam os índios “verdadeiros sêres inuma-
de sanviep-tadios nos, bestas das florestas incapazes de compreender a fé
Tinta anos depois de Domingos Jorge Velho ter ex- católica”. Adiante êle os chamou de “esquálidos selva-
plicado o ponto de vista paulista à Coroa, Paulo da Sil- gens, ferozes e vis, paracendo-se animais selvagens em
va Nunes, um português nascido na Europa, que viveu tudo menos na forma humana”. Perguntou então, reto-
sessenta anos no Maranhão-Pará e que representava os ricamente: “se os negros africanos podem ser escraviza-
colonizadores daquele estado em Lisboa, submeteu à Co- dos, porque não os índios do maranhão?” Discutindo os
roa uma denúncia mais severa dos ameríndios e uma Jus- diversos sistemas de escravidão que prevaleciam no mun-
tificativa para sua escravização. Dizia, como o Íizera seu do, argumentou que o trabalho forçado a que eram sub-
predecessor paulista, que os colonos brancos da região metidos os índios era pouca coisa comparado com a des-
Maranhão-Pará não queriam escravizar os ameríndios no graça sofrida pelos curopeus condenados a trabalhar nas
sentido restrito do têrmo mas apenas emprega-los como minas e nas galés. Finalizando, asseverou que o estado
servidores domésticos e trabalhadores no campo, pagan-
do Maranhão-Pará não poderia subsistir sem o trabalho
do-lhes, alimentando-os, vestindo-os e ensinando-lhes a
servil dos ameríndios, mesmo que muitos dêsses miserá-
religião cristã e a moral sã. Para atingir seus fins afir- veis “se sulcidassem de raiva, como barbaros' |! (Il)
mou que era necessário forçá-los a trabalhar; e citou Resumi as opiniões de Domingos Jorge Velho e Pau-
muitas autoridades bíblicas e clássicas para sustentar
lo da Silva Nunes detalhadamente porque são caracteris-
sua opirião, inclusive os patriarcas da Igreja, PLATÃO,
VIRGÍLIO, PLÍNIO e o grande jurista espanhol JUAN So- ticas das que muitos de seus contemporâneos emitiram,
LORZANO Y PEREIRA (1575-1054), autor da Política In-
tanto os nascidos e criados no Brasil, como o primeiro,
tian e De Induarun Jure, PAULO DA SILVA NUNES da mes-
ou os nascidos é na Europa como o último.
Mostram também as dificuldades com que se defronta-
ma maneira discutiu as teorias contemporâneas referen-
tes à origem dos ameríndios, se descendiam dos judeus
ram os jesuítas em sua luta pela liberdade dos amerin-
dios e a fôrca da epinião pública contra eêles neste se-
capturados e deportados pelos assírios no tempo do rei
Hosea, ou se descendiam de Caim, acarretando consigo tor que levou-os à ex São em várias epocas: de Sao
a maldição lançada sôbre êle,
(11) “Proposta da Câmara do Para a SAM apresentada
(10) DOMINGOS JorcE VELHO à Coroa, 15 de julho de 1694,
pelo Procurador do Estado, Paulo da Silva em c
outros documentos que sustentam Este (Biblioteca Pública de Evo-
apre ANTONIO ENNES, As guerras nos Palmares, Subsídio para ra, Codez, CXV), resumido por JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO, Os de-
u sua história. Domingos Jorge Velho e a “Troiu Negra”, 1687- suitas no Grão-Pard.o Suds nmissves Cd (Combra,
1700 (Sus Paulo, 1938), págs. 205-17.
1930), pags. 204-8.
estavam ameaçados de deportação de seu local de resit-
Paulo (1640-53) Santos (1640-2), e do Maranhão-Pará dência. (12)
(1661-3), apesar dos jesuítas poderem contar com o au- Por uma série de decretos reais promulgados em
xílio da Coroa. É significativo que depois de quase dois 1775-8, Pombal decretou a secularização de tôdas as al-
séculos de editos reais e esforços jesuítas a favor dos deias e ordenou que elas fôssem dadas aos ameríndios que
ameríndios, que muitos — talvez a maloria — dos mMmo- as habitassem. Ao mesmo tempo os soldados brancos das
radores ainda os tinham na conta de pouco mais que diversas guarnições do Brasil e do Maranhão-Para eram
bestas sob forma humana, desmerecedores de qualquer induzidos a casar-se com mulheres índias, mas os resul-
consideração a não ser como fôrça de trabalho utilizável. tados devem ter desapontado o imperioso ditador que es-
Em meados do século dezoito a maioria dos ame- tava tão ansioso pela fusão das duas raças. Privados de
úíndios que tinham contato direto com os homens bran- seus mentores jesuítas e outros missionários os amerín-
cos do Brasil e do Maranhão-Pará ou estavam arreba- dios das aldeias, agora pomposamente chamadas cidades,
nhados nas aldeias missionárias ou estavam sendo absor- em muitos casos voltaram rapidamente 4 selvageria. Go-
vidos através de concubinagem, mais que por casamento, mes Freire de Andrada governador da maior parte do
como moradores. Sua emancipação definitiva foi devi- sul do Brasil nesta época, relatou em fevereiro de 1761,
da em grande parte à inteligência ditatorial de Pombal que os índios emancipados vendiam seus rebanhos, ne-
que nêste aspecto continuava o trabalho dos jesuítas en- gligenciavam a agricultura, deixando arruinar tudo que
quanto que suprimia a Sociedade dos domínios portuguê- existia no campo e na fazenda. As únicas coisas que pa-
ses e acusav Ss padres de deliberadamente retardar” reciam interessá-lo eram bebedeiras e orgias; “por esta
sua assimilação pela sociedade luso-brasileira. Pombal razão”, concluiu melancólicamente, “ainda não há nin-
nunca estivera no Brasil mas foi bastante influenciado guém que queira casar-se com qualquer um dêles”. Na
pelas teorias francesas contemporâneas de Le bon sail- verdade, muitos dos índios cue obtiveram sua liberdade
vage, que talvez tenha absorvido durante sua estaca foram incapazes de ajustar-se às novas responsabilidades
como emissário em Londres. De qualquer maneira, êle para as quais estavam totalmente despreparados, tampou-
instigou a promulgação de um decreto real am sbril de co seus vizinhos brancos e concidadãos cessaram logo de
7 > > querdeciarava que os colonizadores de qualquer tentar explorá-los. Mesmo assim, se muitas comunidades
Sexo “que se « casassem com os Índios br
deriam seu status ias sino son OS não per- decairam e desapareceram da face da terra, outras so-
+ ER SUBSAlém
babilidades de preferência oficial e promoção, PrO-
(12) O atuar de ley de 4 de abril de 1755, junto com uma
disso”, rezava o decreto “nroibo que meus vassalos que
versão inglês está reproduzido na integra em Miitas raças -—
e casem com mulheres índias vu seus descendentes ae. uma Nação, O tradicional anti-racismo dos métodos civilizadores
jam chamados de caboucolos ou qu quer outro nome que te Portugul, de ANTONIO ÁLBERTO DE ANDRADE (Lisboa, 1954),
pães. 23-29,
Possa parecer insultuoso” OS que transgredisssem a lei
breviveram com sucesso às circunstâncias modificadas e Estados Unidos não pensavam em seus escravos negros
foram absorvidos pela população luso-brasileira. (13) quando enunciaram o direito inalienável de todo o ho-
A abolição ditatorial de Pombal da barreira de côr mem à “vida, liberdade e procura da felicidade”, tam-
contra os índios brasileiros e vassalos asiáticos cristãos pouco Pombal estava pensando nos do Brasil quando
da Coroa portuguêsa e ; ireitos civis to- condenou em têrmos taxativos qualquer forma de discri-
tais “que lhes foi simultâ torgada não foram minação contra os índios.
extensivos aos de sangue negro.JÉ verdade que, como vi- À posição do escravo negro no Brasil, como em ou-'
nos, um decreto de 29 de maio de 1761 considerava a tros lugares, não precisa ser ressaltada aqui. E uficiente
fundação de um seminário para o clero nativo da ilha dizer que sua existência era geralmente “da Brutal
de Moçambique, onde negros puros, desde que “liberta- e curta”: a média de vida de um escravo nas planta-:
dos, instruidos nas artes e ciências e com bom relatório ções ou nas minas era estimada de sete a dez anos. Os
e caráter”, podiam ser educados para o sacerdócio como escravos de serviços domésticos estavam quase semryre
o eram em São Tomé e Angola, Mas vimos também que em melhor situação que os outros Ás negras que eram
este seminário nunca foi fundado; e Pombal realmente favorecidas com a atenção de seus senhores poderiam as-
não tinha intenção de abolir a escravatura nas posses- pirar a vidas Invejáveis — a não ser que houvesse uma
'sões ultramarinas da Coroa portuguêsa. Quando qholiu- senhora branca que as arruinassem com uma vingança
a escravatura negra em Portugal no ano-de:1761,/0 fêz e— O —— raio

sádica e clumenta, Os escravos livres e seus descenden-


mais por razões econiômicas-que on iguali- tes, cujo número era grande e sempre crescente, tinham
tárias, como estava bem claro no têxto do decreto. (14) melhor situação que os outros, mas ainda sofriam a dis-
Em resumo, assim como os patriarcas fundadores dos criminação da lei, Gozavam êles de menores regalias que
seus concidadãos brancos e a punição que lhes era im-
(13) JoÃAo Lucio DE AZEVEDO, Novas Epanáforas. Estudos pingida era geralmente mais severa por idêntica ofensa.
ve história e literatura (Lisboa, 1932), págs. 50-62, nara o des- Uma das curiosidades —e tragédias — da história
pacho ce Gomes Freire de Andrada de 9 de fevereiro de 1761, colonial é a ilógica distinção que houve durante muitos
&s relevantes leis ec decretos relacionados à emancipação for-
mal dos ameríndios, que foram impressos integralmente na Col- séculos de escravização entre o negro e o vermelho. À es-
ineção dos Breves Pontificios e leys regias que forão expedidas
ro publicadas desde o anno de 1741 sobre a liberdade das Pessoas, cravização dos índios foi proibida pela Igreja e pelo SG -

Pens e Comercio dos Indios do Brasil publicado junto com um tado relativamente cêdo, tanto, na América espanhola
csupirmento em Lisboa, .em 1760.
(14). “,. . fazendo nos meus Dominios Ultramarinos huma quanto na. portuguêsa; mas Frei Bartolomeu de Las Ca-
sensivel falta para a cultura das terras e das minas, só vem a sas, O. P, depois de contemporizar com a escravi-
este continente occupar os lugares dos moços de servir, que fi- dão negra condenou-a enfaticamente mais tarde; ele teve
cando sem commodo se. entrega à ociosidade”, ete., preâmbulo ao
alvará de 19 de setembro de 1761, abolindo a escravidão negra noucos seguidores nesta questão entre seus próprios com-
em Portugal para todos os negros e negras que chegassem aos
portos portuguéses depois de seis mêses da publicação do decreto patriotas inclusive, e ainda menos entre os portuguêses.
no Brasil e na África e um ano na Ásia. A atitude do padre Antonio Vieira S., J., pode ser tida

1585
«como das mais típicas entre seus compatriotas mais hu-
O Brasil colonial foi caracterizado algumas vezes
manos; e Vieira enquanto lutava com unhas e dentes como sendo “o inferno para os negros, o purgatório park
pela libertação dos ameríndios, limitou-se a denunciar o
os brancos e o paraiso para os mulatos”; e o tratamento
dos escravos africanos no Brasil, se bem que não Íôssce
tratamefito sádico infligido aos escravos negros, sem su-
gerir- que sue favização estivesse igualmente errada. pior que o recebido por seus irmãos nas colônias espa-
Em um de seus sermões, Vielra comparou o sotrimento nholas, francesas, inglêsas e holandesas, no Hemisfério
dos negros nos engenhos de açúcar na época da colheita ocidental, não era também algo dé que se pudesse sen-
aos de Cristo na cruz: mas êle instava aos escravos “Sor- tir orgulho. No final do século dezessete a Coroa portu-
rir e agiientar”, ou pelo menos aguentar rezando, asse- guêsa começou a se interessar tardiamente em melhorar
gurando-lhes que tal resignação cristã seria recompensa- a dureza comnquê vs escravos eram tratados, mas a le-
da no paraiso. gislação promulgada para êste fim não parece ter atin-
A atitude de Vieira é ainda mais paradoxal porque gido qualquer resultado duradouro. Os apêlcs de Antonil,
de modo diferente de seus contemporâneos, não acre- Benci e outros jesuítas por um melhor tratamento aos
ditava na superioridade inata do homem branco sôbre escravos no Brasil também parecem não ter tido eco,
o negro. “Poderá haver”, pergu à em seu célebre ser- talvez em parte porque seus trabalhos tinham circulação
mão da Epifania em 1662, “maior falta de compreensão extremamente limitada. (16) Na segunda metade do
e malor êrro de julgamento entre os homens que pensar século dezolto pouco a pouco um número crescente de
que devo ser seu senhor porque nasci mais longe do sol, pessoas em Portugal e no Brasil começou a sentir escru-
e você deve ser meu escravo porque nasceu mais perto pulos acêrca da validade moral do tráfico de escravos
dêle?” E ainda: “Um etíope se fôr banhado nas águas e preocupavam-se com a crueldade de tratamento que
do Zaire, (Congo) é limpo mas não é branco: mas se os escravos recebiam. Este aperfeicoamento do sentimen-
banhado nas águas do ba Oêa sas”, Esta to humanitário presume-se ser o reflexo das idéias cul-
insistência de que a religião e não a raca era a marca tivadas pelo movimento conhecido como o Iluminismo
do homem civilizado, não impediu Vieira de argumentar Mas êstes críticos ainda formavam uma pequena minoria
até o fim de seus dias, que a melhor maneira de assegu-
rar a liberdade dos índios seria incrementar a impor- (16) ANDRÉ JOÃO ANTONIL (pseudônimo de Giovanni An-
tação de negros da África Ocidental. Só assim os ame- tonio Andreoni ,8.J.), Cultura e opulencia do Brasil por suas dro-
ríndios ficariam livres do trabalho servil, doméstico e das gas e minas (Lisboa, 1711), foi confiscado pelo govêrno portu-
gues semanas depois de sua publicação, e menos de dez cópias
plantações, sem prejudicar os interêsses econômicos dos desta, edição de século dezoito são registrados pelos bibliógrafos:
colonizadores. (15) JORGE BENCI, S.J., Economia Christã dos Senhores no governo de
escravos (Roma, 1705), é ainda mais raro. A única cópia de
que se tem notícia parece ser a da Biblioteca Nacional em Roma,
utilizada por SERAFIM LEITE, SJ. para a segunda edição pu-
(19) CC Ro Boxer, A great Luso-Braziliun figure: Padre blicada em Porto, 1954. Editos reais contra o mau tratamento
Antonio Vicira, S.dJ., págs. 22-93, e as fontes ali citadas. dado aos escravos negros foram promulgados em 1688, 1698 «
1/14, mas não tiveram efeito duradouro.
1386
1387
e os preconceitos bastante enraizados com que tinham que reu no grande dilúvio com exceção de Noé e sua família,
nenhum dos quais era negro, de acôrdo com a Bíblia.
lutar foram surpreendentemente revelados num paníleto
anônimo publicado em Lisboa três anos após a abolição O mineiro volta ao ataque perguntando como os ne-
da escravidão negra em Portugal por Pombal. (11) gros adquiriram sua côr, a que o advogado responde que
Este panfleto foi expedido em forma de diálogo en- não existe ainda explicação satisfatória para isto ape-
tire um advogado lisboeta e um “dono de mina de ouro sar de muitos homens sábios terem investigado o pro-
e escravos no Brasil que viera procurar seu conselho sô- blema, Não aceita a sugestão do mineiro de terem nas-
bre um escravo teimoso. O advogado abre a discussão cido mais perto do sol, lembrando que muitos brancos
dizendo que quem quer que lide com jovens ou negros são nascidos de pais brancos nos trópicos, enquanto que
precisa de paciência, a que retruca o mineiro : “Mais de- pais negros em países de clima temperado sempre têm
vagar, senhor! Concordo que a paciência seja necessá- filhos negros. Não convencido por êstes argumentos 0
ria com os jovens: pois afinal de contas são filhos de mineiro revida que seja qual fôr a origem de sua côr,
alguém, e brancos como nós. Mas não posso tolerar ou- o fato é que os negros são pretos e “portanto não são
vir dizer que é necessário paciência também com escra- gente como nós”. O advogado retruca: “Senhor, o homem
vos: pois afinal de contas são negros e seu dono os com- mais preto da África porque é um homem, o é tanto
pra por dinheiro e pode fazer o que quizer com êles”. quanto o alemão mais branco de tôda a Alemanha”. Con-
O mineiro continua, dizendo que nada conhece que possa tinua citando muitos etíopes famosos na história bíblica
ser dito em favor dos negros ou dos escravos e caso se incluindo a rainha de Sabá e um dos três reis magos
deva utilizar de paciência para lidar com os filhos de que adoraram Cristo menino na mangedoura em Belém.
outros homens brancos, isto não se aplica aos negros. Conclui esta argumentação exclamando com mais senti-
“Pois nós os brancos somos descendentes de Adão e os mento que exatidão: “O que não deve Portugal aos ne-
negros de Caim, que era negro e que morreu amaldicoade gros na conquista do Brasil! Foram êles que expulsaram
pelo proprio Deus, conforme relata a Escritura”, A isto os holandeses de Pernambuco e do Rio de Janeiro: e nosso
o advogado responde que mesmo que os negros fôssem senhor o rei D, Pedro II concedeu o hábito da Ordem
descendentes de Caim, o próprio Caim era filho de Adão de Cristo a um negro que nesta ocasião conduziu os ou-
c portanto os negros têm a mesma origem dos brancos. tros com sucesso; pois êste grande rei não desejou que
Continua ainda que não há prova nas escrituras que Cain a côr o privasse da honraria que seus méritos lhe con-
fôsse preto e mesmo que fôsse, tôda a humanidade mor- quistaram. (18)

(17) Nova e curiosa relação de hum abuzo emandado, os (18) Os holandeses nunca ccuparam o Rio de Janeiro, e
runtencias da razão; eepostas a favor dos honens pretos em hun
lilogo entre hum letrado e hum mineiro (Lisboa, 1764), Éste esta é uma voferência feita ao lider negvo Henrique Dias, que
pequeno trabalho não está incluído em nenhuma bibliografia bá- têve um papel proeminente na guerra de 1045-54, que resultou na
sica, e não conheço outra cópia além da existente em minha bi- expulsão dos holandeses do nordeste do Brasil. A Dias foi con.
bniioteca. ferida a Ordem de Cristo pelo Rei D. João IV, pai do rei D. Po.
dro II, Cf. Jos ANTONIO GONSALVES DE Metro, Henrique Dias
1398
O mineiro permanece incrédulo a êste argumento e
pergunta ao advogado porque “se os negros são tão bons Esta atitude cínica é deplorada pelo advogado qué
quanto nós, são nossos escravos e nós brancos não o ser- acusa os donos de escravos de pecado mortal ao come-
mos dêles?” O advogado diz que a escravidão não é uma ter estas atrocidades. E se não foram punidos por seus
questão de côr, pois os muçulmanos, hindus, chineses e crimes, continua, é por que as autoridades locais não ti-
outros povos também foram escravizados em diversas épo- veram conhecimento delas. “Ah, senhor” diz êle ao mi-
cas e lugares, enguanto que os muçulmanos da Barbária neiro, “como tratam mal os escravos no Brasil! Mas quem
ainda escravizam seus cativos cristãos brancos. Aponta age assim? Gente avarenta! Gente sem deuses! Gente
que houve um tempo em que os romanos escravizavam com coração de bestas selvagens!” O dono da mina re-
todos seus prisioneiros de guerra e que êste costume era calcitrante responde: “Como gostaria, senhor, de vê-lo
praticado por algumas nações européias, apesar de atual- tentando lidar com cem ou duzentos escravos desobedien-
mente extinto; concluindo que a escravidão era uma tes, preguiçosos, desleais e desonestos”. O advogado tem
instituição anacrônica fadada ao desaparecimento. O mi- a honestidade de responder: “Trata-los-ia provavelmente
neiro replica enfaticamente: “Estou surprêso que V. Ex, pior que qualquer um lá. Mas, “acrescenta francamente”
me conte estas colsas; mas sempre observei que no Bra- o que todos deveriam fazer era tratar seus serventes com
sil os negros são tratados plor que animais, sendo cas- caridade, cuidado, e por amor a Deus. Quem não tiver
severamente e chamados por nomes insultuosos paciência para lidar com escravos deveria ter outro tipo
e no entanto os negros suportam tudo isto”. Quando o de vida. Pois é mais importante não ofender a Deus que
advogado lembra-lhe que o castigo por um crime não deve
ter lucro com qualquer ocupação mundana”. O mineiro
ultrapassar os limites da severidade necessária, o minei- observa que o advogado tornou-se “um missionário a fa-
ro diz: “V. Ex. está brincando! Em certa plantação na vor dos negros” mas é porque não tem nenhuma expe-
Bahia vi dois escravos serem mortos num mesmo dia,
riência com êles e como são. Um tanto ilôgicamente, o
seu senhor ao pé dêles ordenando que fôssem surrados
ate a morte: e numa fazenda no Rio de Janeiro vi um mineiro pergunta: “Que faria V. Ex. se visse os negros
nos Brasis trabalhando quase continuamente, dia e noi-
senhor matar um escravo com as próprias mãos. E ain-
da mais, êstes homens não foram punidos por matarem
te, andando nus todo o tempo? Como regra geral lhes é
seus escravos, tão pouco alguéra tomou conhecimento do dado um punhado de farinha de mandioca para comer:
fato. Pois afinal, se mataram os negros, êles é que per-
e têm os domingos e alguns dias santos de folga para
ganhar algo e não morrer de fome”.
diam dinheiro com isto, e um homem pode fazer o que
quiser com o que é seu”. O advogado comenta que apesar de nunca ter estado
no Brasil ouviu falar sôbre a maneira brutal com que os
escravos são tratados e pede então ao mineiro que fôsse
Governador. dos Pretos Crioulos e Mulatos do Estado do Brasil
(Recife, 1954); C. R. Boxer ,The Dutch in Brazil, 1624-165) (Ox- tiretamente ao assunto e explicasse a razão de sua vi-
ford, 1957).
sita. O último declara que tem um escravo negro, que
140 comprou há dez ou doze anos atrás. No comêço o negro
à serviu tão bem e fielmente que o dono da mina, pata À maneira com que muitos senhores tratam seus esera.-
vos é injusta, Istes devem ser punidos quando erram,
encorajá-lo, prometeu libertá-lo em dez anos; mas vendo mas o castigo deve ser em proporção ao êrro. Também
que o negro daí por diante trabalhou mais ainda que an-
as crianças são punidas por seus pais, mas com mode-
tes, resolveu secretamente que não cumpriria à palavraração. Isto não quer dizer que cu esteja argumentando
Com o tempo o escravo começou a suspeitar da verda-
contra o castigo; apenas afirmo que o castigo não deve
deira intenção de seu senhor e seu zêlo
que o mineiro decidiu vendê-lo como escravo no Brasi
arrofeceu “arts degenerar em crueldade. Uma promessa condicional tem
“com o único objetivo de vê-lo morto pelos maus dada a fôrça de lei. V. Ex. prometeu libertar seu escravo se
em voga ali”, O escravo para contrapor-se a êste piano, ele continuasse a servi-lo bem; êle não apenas continuou
aconselhado por outros negros, tornou-se membro da Ir- a servi-lo bem mas ainda melhor. V. Ex. tem que liber-
mandade do Santíssimo Rosário dos Homens Negros, tá-lo evidentemente, Tem também que respeitar o pri-
sendo um dos privilégios concedidos que nenhum dos Ir- vilégio que êle goza como membro de sua irmandade.
mãos poderia ser vendido como escravo no mercado ul- Portanto, minha opinião é que ou V,. Ex. concede uma
tramarino. (19) O mineiro o castigou severamente por Carta de alforria ou deve tratá-lo benêvolamente para que
esta iniciativa e resolveu mandá-lo secretamente para 9 ele não leve uma vida de cachorro, Destarte V Ex não
Brasil, mas ao ir à igreja e confessar-se no último do- pecará diante de Deus e fará o que deve ser feito”.
mingo, seu confessor lhe disse que não podia, em sã cons-
O mineiro responde sugerindo aque será suficiente
ciência fazer tal coisa. Éle agora vinha ao advogado pe-
dir um conselho legal sôbre o assunto, conceder a liberdade do escravo em quinze ou vinte anos.
Nem é preciso dizer que o advogado corrobora a “Antes tarde do que nunca”, responde o advogado, “mas
opinião do confessor dizendo ser tanto moral quanto le- que idade tem êle agora?” Seu interlocutor confessa en-
tão que havia comprado o escravo há uns quatorze ou
galmente correta. E continua: “O que V. lix. deve Lazer
é cumprir a promessa; ou pelo menos não lhe infligir quinze anos quando o negro tinha já uns vinte e oito
qualquer outro castigo que já é bastante infeliz sendo anos, O advogado o repreende por sua insensibilidade.
escravo, É êrro comum acreditar que os negros nasce- planejando desfazer-se do seu escravo somente quando
ram apenas para servir como escravos mas a própria ele alcança uma idade em que êle não pode mis fazer
natureza ama os homens de tôdas as raças sem distinção. Serviço pesado, e começa a tornar-se numa bóca mais ou
menos inútil a ser alimentada. O mineiro continua bas-
(19) Para os privilégios. espirituais dados a esta. irmandade tante impenitente em face desta reprimenda e chama q
nas mesmas condições que a membros brancos de confrarias, ver advogado de intelectual negrótilo, que Por aleuma razão
Patente «dns indulgencias, graças, privilégios, e prerogativas, com Inconfessável prefere o negro ao branco. Tendo fracas-
que 08, Summos Pontifices, Legados “Apostolicos, Bispos e Arcebis-
pos enriquecirio, c dotárião a confraria, c irmundade
do sauntiasmo Rosirio de Nossa Senhora dos Homens Pretos de
Sado (le convencer um ao outro seus respectivos pontos
São Sulvador du Matta de Lisboa (Lisboa, 1757), to vista, o mineiro despode-se colocando na mesa O pa-
Lica com a experiência de dez anos de convivência com
donos de escravos brasileiros. (20) |q

vamento legal de oito tostões, “que possam servir para


comprar uma melancia de sobremesa”.
df

Em 1758 um curioso livro foi publicado em Lisboa.


Resumi a Nova e Curiosa Relação com detalhes por- intitulado Ethtope resgatado, empenhado, sustentado, cor-
reguo, instruido, e libertado. O autor, MANUEL RIBEIRU
que assim como a correspondência previamente citada
ROCHA, era padre secular lisboeta que há muito morava
de Domingos Jorge Velho e Paulo da Silva Nunes, re-
Flete bem o elima de opinião no tempo em que foi na Bahia. Seu livro pede a substituição da escravidão
escrita. Mostra que havia inúmeras pessoas que eram negra no Brasil por um sistema de trabalho soh contrato
bastante críticas dos males inerentes a qualquer sistema que permitiria aos escravos trazidos da África tornarem.
de escravidão: mas mostra também que estas opiniões se automaticamente livres depois de trabalhar para seu
esclarecidas não eram compartilhadas pela grande maio- dono Por um período estipulado. Devotou todo um capí
ria de seus coontemporâneos para quem a escravidão era tulo (o quinto), à discussão do castigo aplicado em cê.
santificada e que o negro havia nascido para servir aos cravos recalcitrantes é a extensão do abuso dêste direito
brancos e que éêstes podiam dispor de sua propriedade por seus donos'no Brasil: Diz-nos entre outras coisas
como lhes aprouvesse. As alegações feitas pelo autor que apesar da surra de chicote estar limitada a um má-
anônimo referentes aos maus tratos sofridos pelos es- ximo de quarenta chicotadas, de acôrdo com a lei portu.
cravos no Brasil colonial são trazidos à luz por inúme- guêsa, os donos de escravos brasileiros achavam uma ba.
ros testemunhos contemporâneos. Só tenho espaco para gatela inflingir duzentas, trezentas ou quatrocentas.
citar dois destes aqui, mas que serão suficientes, O autor declara também" que certos donos “de sora vn
Em o Conselho da cidade de Mariana, Minas Sempre que compravam um nôvo escravo mandavam dar.
Gerais, sugeriu que os escravos fujões recapturados ti- lhe uma surra de mestre, apenas com a determinação
vessem o tendão de Aquiles de um dos pés cortado, im- sádica de mostrar que não tolerariam desobediências
pedindo-os assim de fugirem novamente mas que não Ele advoga a abolição de tratamentos tão bárbaros com
os faria claudicar no trabalho, D. Marcos de Noronha, surrar com chicote e picar os fundilhos das vítimas com
conde dos Arcos e vice-rei da Bahia, condenou totalmente faca de Ponta, cauterizar asferidas com gôtas de cêra
esta infame sugestão quando a ouviu. Informou à Coroa quente, etc., e pede que ds castigos corporais sé limitem
que a maioria dêsses escravos foge porque seus donos ão Uso do açoite, da bengala; da palmatória é aprisiona.
não os alimentam, nem vestem, nem os tratam com com- mento. Denuncia ainda" o hábito comum de ofender as
paixão e caridade devida, tanto na saúde quanto na doen- vítimas com ag maiores imprecações, maldicões e nomes
ça. É além de maltratá-los no que diz respeito à comida e
vestimenta, infligem também mil crueldades e castigos
(20) Petição do Senado de Mariana, MaioO 1705, a

inimagináveis. O testemunho de D. Marcos de Noronha a

aro AO Conde -dos, Arcos, Bahia, 10 de agôsto de 1758. ava


tem mais péso pois êle foi governador de Pernambuco PO Memórias Históricas é poNbicis da provincia” de
(1740-9) e de Goiás (1749-55) portanto escreveu sua cri Palha - (6 vols, Salvador, 1919, 40), vol. IF, pág ATO.

1hs4
insultuosos. Isto, diz êle, é algo que os negros mais res. totalmente inadequadas que recebiam — quando rece-
sentem “e êles reclamam ter também almas como os bran- biam alguma — e tinham apenas um dia na semana (fora
cos. E que Cristo, Nosso Senhor, também sofreu e mor- um ocasional dia santo) em que pudessem cultivar seus
reu por êles; e que nas Igrejas, sennores'e escravos re- próprios lotes. Inevitâvelmente a mortandade era alta
cebem comunhão à mesma mesa”. (21). devido ao excesso de trabalho, fome e castigos; mas seus
Com a comparação dos fatos feita por Antonil e donos ineficientes e insensíveis pareciam indiferentes à
Benci no fim do século dezessete e a de Vilhena, cem perda financeira que êles próprios sofriam por ter que
anos depois, ficou provado que o tratamento aos escra- substituir escravos tão a miúde. O tratamento aos es-
vos no Brasil não melhorou muito durante o século de- cravos empregados na agricultura e mineração era em
zoito, apesar da propagação gradativa das idéias huma- geral plor que o infligido aos escravos domésticos, que
uitárias por um círculo evidentemente restrito. Muitos tinham melhores condições de vida. Mas com a devida
dos abusos e atrocidades denunciadas pelos dois jesuítas permissão, no cômputo geral o Brasil era mesmo um “in-
também foram condenados nas páginas das Notícias So ferno para os negros”, (23)
teropolitanas e Brasílicas, que o professor português de: O corolário que o Brasil era um “paraíso para mu-
grego compilou durante a residência de doze anos latos” requer considerável modificação. É verdade que a
99). na Bahia. (22) Como seus predecessores, Vilhena atração sexual da mulata pelo homem médio luso-brasi-
pensava que se devia fazer algo para pôr têrmo à “'ma-
leiro está bem comprovada com os relatos de visitantes
neira cruel, bárbara e inacreditável com que a maioria
estrangeiros, queixas dos governadores coloniais e bispos
dos donos de escravos tratam seus infelizes trabalhado-
e histórias e canções populares. O navegador francês, Le
res escravos”. Denunciou também as surras sádicas a
Gentil de la Barbinais, que estêve alguns meses na Bahia
que eram submetidos frequentemente; as rações e roupas em 1718-19 ficou escandalizado pela preferência dos ci-
dadãos locais por mulheres de côr, mesmo quando havia
(21) MANUEL RIBEIRO ROCHA, Ethiope Resgatado, empenha- mulheres brancas disponíveis. “Diversas vêzes pergun-
to, sustentado, corregido, instruido, e libertado (Lisboa, 1758),
principalmente págs, 1388-223, para o mal tratamento dado aos tei-lhes”, escreveu êle, “a razão de gôsto tão extraordiná-
escravos no Brasil colonial. O chicote foi assim descrito pelo ca-
pitão W. F. OWEN, R.N., em 1825: “o chicote era formado de
rio mas nunca puderam me responder. Por mim, creio
Jiversas correias de couro de boi-sêca e dura, cobertas de rós
» ligado a um pau de três pés de comprimento, como cabo”, (Na.
rative of Voyages, Londres, 1833, vol. I, pág. 124). A mtmatória (23) Mesmo o serviço de casa era muitas vézos foito “ao
era uma argoia de madeira com feitio de mão, cravado de bura- som do chicote e da palmatória” como se pode deprreender do re:
cus, usada para golpear a mão do infrator, muitas “vêzes provo- lato de SANTOS MARROCOS acêrca da casa de sua nociva carioca
cando bôlhas e inchaços que a tornava inútil por algum tempo. en 1814: “pois apesar de em casa sua mae haver uma imen.
(22) Luis DO3 SANTOS VILHENA, Recopilação de Notícias sidade de escravas para o seu serviço, eram as filhas obrigadas
Soteropalitanas e Brasílicas, contidas em cartas que da Cidade do por semanas a regeren esse mesmo serviço, e a tartaruga velha
Salvador Bahia dy Todos os Santos escreve hum a, outro amino. o fazia executar sem a menor falha, ao som do chicote e palma-
em, Insõoa (ed. Braz do Aniaral, 2 vols., Salvador, 1922), vol. 1, toria que sempre lhe servirão ao seu lado de Camaristas” (apud
nics. 187-9, 191, 2165. PEDRO CALMON, História Social do Brasil .Aspectos da Sociedade
Colonial, 3% ed. São Paulo, 1941), pág. 286.
era mais discriminatória com pessoas que tinham uma
que esta inclinação êles adquirem ao mamar e ser criados
parcela de sangue negro, mais que com mamelucos, cabo-
por escravas”. (24) As autoridades coloniais tizeram clos e outros exemplos de cruzamento entre brancos e
muitas leis, mas tôdas em vão, contra o dinheiro, vesti-
índios. Os mulatos livres eram muitas vêzes reunidos a
dos e jóias gastos com as mulheres de côr de vida fácil
por seus admiradores, muitas vêzes para O empobreci-
escravos negros nos têrmos das leis que lhes proiblam
mento de suas espôsas brancas legais. “Antonil, no co- carregar armas e usar roupas caras ou então que res-
mêco do século dezoito e Vilhena no tim dêste, deptora- tringiam severamente o uso das marcas que os colocassem
“Am a licenciosidade e liberdade concedidas por seus do- ao nível dos brancos. Durante grande parte do periodo
nos ou pais a mulatos de ambos os sexos quer cativos ou colonial êles não tiveram permissão de ocupar altas po-
livres, — relações essas quase sempre combinadas nos sições na Igreja e no Estado, apesar de ser uma barreira
mesmos indivíduos. “É a mulata que é a mulher”, como mais teórica que prática em diversos lugares e épocas.
diz o ditado brasileiro e a mesma idéia tem eco nos dois Além de tudo, a relativa escassez — ou falta total — de
últimos versos de uma velha música de carnaval de Be- mulheres brancas em muitas regiões do Brasil fêz com
lém do Pará: que esta barreira oficial de côr fôsse totalmente ignorada.
Em 1725 por exemplo, a nobreza branca de Minas
El-Rei, El-Rei, El-Rei Embaixador,
Ora viva q mulata que tem o seu amor! (25) Gerais protestou contra o fato de qualquer homem sem
pura ascendência branca ser considerado elegível para
Esta tolerância, ou favoritismo, extendida a muitos cargos municipais ou judiciários. Estas imagens foram
mulatos de várias maneiras, era no entanto paralelo a recebidas em Lisboa com bastante simpatia, pois os Con-
muita discriminação social e legal. A legislação colonial selheiros de Assuntos Ultramarinos aconselharam A
Coroa que uma legislação neste sentido encorajaria cs
(24) LE GENTIL DE LA BARBINAIS, Nouveau Voyage autour
du monde (3 vols., Paris, 1728), vol. III, pág. 204. O Conde de nomens brancos a casarem-se com mulheres de sua pró-
Assumar, governador de Minas Gerais, em 1717-21, externou a pria côr em vez de viver em pecado com negras ou mu-
mesma quando escreveu sôbre os mineiros hrancos, “mes-
mo os considerados ricos foram eriados com o leite da servidão”. latas, como a maioria fazia. Por isto, em janeiro de 1726
Um argumento semelhante foi feito na Ásia portuguêsa um sé: a. Coroa promulgou um decreto exigindo que todos os can-
culo antes, quando os frades curopeus argumentaram que seus co- didatos a cargos municipais em Minas Gerais deveriam:
legas nascidos de pais brancos na Índia eram amamentados e
criados por indianas, Cf, pág.s 50-51 anterior, citada da (a) ser de pura ascendência branca ou (b) marido ou
Relação Defensiva dos filhos dy India Oriental ed da Provinciu
do Apostolo S. Thome dos frades menores da regular observan- viúvo de mulher branca. Isto provâvelmente têve algum
cur ta mesma Íodia, de frei MIGUEL DA PURIFICAÇÃO, O.F.M,, eteito temporário, mas vinte e sete anos mais tarde o go-
(Barcelona, 1640). Para o problema da criança branca e ama de
leito de côr, ver GILBERTO FREYRE, The Master and the Slave vernador de Minas Gerais observou que desde que os as-
(New York, 1946), págs. 278-9, pirantes a cargos não fôssem de côr muito escura seriam
(25) Para outros versos populares sôbre mulatas e a inveja
das mulheres brancas ver PEDRO CALMON, História Social do Bra- tolerados pois a riqueza era mais importante que a côr, e
ml. Espinto da Sociedade Colonial, págs. 164-9. este critério foi mantido naquela capitania. O governa-
era mais discriminatória com pessoas que tinham uma
que esta inclinação êles adquirem ao mamar e ser criados
parcela de sangue negro, mais que com mamelucos, cabo-
por escravas”. (24) As autoridades coloniais fizeram
muitas leis, mas tôdas em vão, contra o dinheiro, vesti-
clos e outros exemplos de cruzamento entre brancos e
índios. Os mulatos livres eram muitas vêzes reunidos a
dos e jóias gastos com as mulheres de côr de vida fácil
por seus admiradores, muitas vêzes para o empobreci- escravos negros nos têrmos das leis que lhes proibiam
mento de suas espôsas brancas legais. ; Antonil, no co- carregar armas e usar roupas caras ou então que res-
mêço do século dezoito e Vilhena no fim dêste, depivra- tringiam severamente o uso das marcas que os colocassem
ram a licenciosidade e liberdade concedidas por seus do- ao nível dos brancos. Durante grande parte do período
nos ou pais a mulatos de ambos os sexos quer cativos ou colonial êles não tiveram permissão de ocupar altas po-
livres, — relações essas quase sempre combinadas nos sições na Igreja e no Estado, apesar de ser uma barreira
mesmos indivíduos. “É a mulata que é a mulher”, como mais teórica que prática em diversos lugares e épocas.
diz o ditado brasileiro e a mesma idéia tem eco nos dois Além de tudo, a relativa escassez — ou falta total — de
últimos versos de uma velha música de carnaval de Be- mulheres brancas em muitas regiões do Brasil fêz com
lém do Para: que esta barreira oficial de côr fôsse totalmente ignorada.
El-Rei, El-Rei, El-Rei Embaixador, Em 1725 por exemplo, a nobreza branca de Minas
Ora viva q mulata que tem o seu amor! (25) Gerais protestou contra o fato de qualquer homem sem
pura ascendência branca ser considerado elegível para
Esta tolerância, ou favoritismo, extendida a muitos cargos municipais ou judiciários. Estas imagens foram
mulatos de várias maneiras, era no entanto paralelo a recebidas em Lisboa com bastante simpatia, pois os Con-
muita discriminação social e legal. A legislação colonial selheiros de ÃÀAssuntos Ultramarinos aconselharam à
(24) Le GENTIL DE LA BARBINAIS, Nouveau Voyage autour
Coroa que uma legislação neste sentido encorajaria os
du monde (3 vols. Paris, 1728), vol. III, pág. 204. O Conde de homens brancos a casarem-se com mulheres de sua pró-
Assumar, governador de Minas Gerais, em 1717-21, externou a pria côr em vez de viver em pecado con: negras ou mu-
mesma opinião quando escreveu sôbre os mineiros brancos, “mes-
mo os considerados ricos foram criados com o leite da servidão”. latas, como a maioria fazia. Por isto, em janeiro de 1726
Um argumento semelhante foi feito na Ásia portuguêsa um sé- a. Coroa promulgou um decreto exigindo que todos os can-
culo antes, quando os frades europeus argumentaram. que seus co-
legas nascidos de pais brancos na Índia “eram amamentados e didatos a cargos municipais em Minas Gerais deveriam:
criados por ayas indianas. Cf. pág.s 50-51 anterior, citada “da (a) ser de pura ascendência branca ou (b) marido ou
Relação Defensiva dos filhos dy India Oriental ed da Provinoiu
do Apostolo S. “Thome dos frades menores da regular observan- viúvo de mulher branca. Isto provâvelmente têve algum
cia da mesma India, de frei MIGUEL DA PURIFICAÇÃO, O.F.M., efeito temporário, mas vinte e sete anos mais tarde o EO
(Barcelona, 1640). Para 0 problema da “criança branca e amo de
leite de côr, ver. GILBERTO “FREYRE, The Master and the “Slaves vernador de Minas Gerais observou que desde que os as-
(New York, 1946), páps. 278-9,
(25) pirantes a cargos não fôssem de côr muito ESCUTA seriam
Para outros versos populares sôbre mulatas e a inveja
das mulheres brancas ver PEDRO CALMON, História Social do “Pra. tolerados pois a riqueza era mais importante que a côr, e
su. Espirito da Sociedade Colonial, páps. 164-9,
este critério foi mantido naquela capitania. O Soverna-
sileiro a quem tinham rejeitado por causa da côr. Tamni-
dor também apoiou o requerimento dos mulatos mais bém o rei D. João V ordenou ao governador de Fernam-
bem educados de Minas, para que lhes fôsse permitido o hbuco em 1731 que aceitasse um advogauo mulato com
uso da espada como os nobres brancos, privilégio que até qualificações para a procuradoria da Coroa, depois de
então lhes fôra negado mas concedido pela Coroa por su- ter sido êle recusado pelo governador sómente devido à
gestao de Gomes Freire de Andrada em 1759. (26) sua côr. (27)
N ão Só os mulatos mineiros encontraram obstáculos O que foi dito acima sôbre os jesuítas é aplicável
legais à sua ascenção social. Em (1680 os pardos como mutatis mutundis às outras Ordens Religiosas que traba-
também eram chamados, da Bahia protestaram à Coroa lharam no Brasil. Algumas vêzes elas admitiam noviços
e ao Superior Geral dos jesuítas de Roma contra sua ex- de côr, mas às vêzes não, como a ordem dos Carmelitas
clusão das escolas dirigidas pelos jesuítas. Quando o Descalços Teresianos, estabelecida em Olinda em 16806
assunto voltou a ser considerado pelas autoridades da que era a mais rigorosa e persistente, mantendo sempre
Bahia, o padre Antonio Vieira que era na época o visi- a barreira de côr. Éste ramo da Ordem não apenas se
tador geral da Sociedade no Brasil e que tinha êle pró- recusava terminantemente a admitir indivíduos de côr
prio sangue negro nas veias, explicou que os verdos fo- de qualquer tonalidade como também rejeitavam qual-
ram banidos porque os cidadãos brancos das classes su-
quer aspirante brasileiro, mesmo os de pura origem bran-
periores não toleravam ver seus filhos sentar-se ao fado ca. Apesar de aceitarem o dinheiro e a caridade dos ha-
Crocs mela-castas, “a maioria dos quais são de origem
adia
e ua?
hitantes de Pernambuco, êstes frades recrutavam seus
cados, como já User si irao sempre
o cicero mel edu “noviços exclusivamente entre os portuguêses nascidos e
e a nobreza
locais. P alega”

criados na Europa durante os cento e quarenta e cinco


or esta razão, nesta costa do Brasil estão proi
anos de existência dêste monastério. (28)
a

bidos de entrar no sacerdócio e Ordens Religiosa te


ocupar qualquer cargo no Govêrno”. Declaro que cs Acontecia coisa semelhante nas fórcas armadas da
Coroa. Talvez devido aos poucos recrutas europeus exis-
próprios jesuítas nunca foram a favor de discriminação tentes e que êstes estivessem sempre em falta e a de-
avesar de qua
qualquer nãehonesto
“Jovem Dn reeAS de boas manei 7>

serção fôsse comum, os soldados das guarnições regula-


côr caso lhos ond Tendmitiriam os estudantesresdeno Brasil serviam lado a lado, sem distinção de côr
conforme realmente aconteceu,
Interferiu dezesseis a
Oa Foi
que também | a Coroa qu
o. f

ri da Universidade de Coimbrs (27) Carta de Vieira de 27 de julho de Pes o Mmuicr qu


mitiràum
voc a Reito-
pardo bra- cumentação. em SERAFIM LEITE, Sid. Mistória ee Companhia de
Jesus no Brasil, val. V, págs. T5-80, ibid. págs. 200-77 vol. HI,
(26) CC. R. E págs, 201-4; JT, A, PEREIRA DA COSTA, dus Li
págs. 165-8, 402. é o vor! Golden Age of Brazil, 1695-1750; vols., Recife, 1951-8), vol. V, pags. 50-0L. Areas Pes
mencionadas, às quais deve er (28) FRANCISCO AUGUSTO PEREIRA DA COSTA,
acrescentada a ordem de 175 ( 141 +

nambucanos (7 vols, Recife, 1951-8), vol IN, pars, NUA,


O ed

espadas, BANJR, vol. VII, pá pritindo aos mulatos o uso do


cz apesar dos nascidos na Europa serem mais favorecidos tuto q continham uma cláusula que rezava que qualquer
abaixo da sua teria
a

em questões de promoções ou de dispensa. Os regimen- irmão que se casasse em classe ou cô


tos de milícia por outro lado, eram algumas vêzes orga- sua inscrição automâticamente cancelada. (30)
nizados em bases de côr e classe: e já aludi à distinção Do que vimos espero que tenha ficado suficiente-
feita pelo vice-rei marquês do Lavradio entre oficiais mente claro que existia preconceito e tensão racial no
brancos e de côr da milícia do Rio de Janeiro no último Brasil colonial em grau muito maior que algumas auto-
quarto do século dezoito. (29) idades modernas — sem citar nomes nu fazer alusões
Finalmente uma palavra sôbre as Irmandades leigas o admitem. No Brasil, como na Ásia e na África por
do Brasil colonial e sua atitude quanto às relações raciais. tuguêsas, negro, prêto e cafre são todos termos pejorá-
Tenha pena
Não havia uma uniformidade, algumas baseavam-se em tivos, muitas vêzes sinônimos de escravo.
rígidas distinções de classe e côr enquanto que outras de um homem que vive entre cafres” escreveu 0 conde de
eram abertas a tudos. Como exemplo da primeira cate- Assumar de Minas Gerais a um amigo aristocrático ce
goria, posso citar a Ordem Terceira de São Francisco, Lisboa em 1718, e no ano seguinte aconselhou seu corTes-
que se recusava a admitir indivíduos de côr de qualquer pondente a rejeitar o vice-reinado do Brasil, caso êste
categoria e barrava homens brancos casados com mula- oferecido pela Coroa, “pois a América não é lugar
tas. Outro exemplo é a Irmandade negra de Nossa Se- para homem branco”. Apesar dessas amargas observa-
nhora do Rosário fundada em Ouro Prêto em 1715. ções, os negros livres e mulatos escuros tinham pouca ou
Apesar de originariamente destinar-se à negros cativos nenhuma esperança de subir na escala social, quaisquer
ou livres, esta confraria veio a admitir gente de tôdas as que fôssem suas aptidões e qualificações.
Uma ou duas exceções apenas confirmam esta regra
côres e de ambos os sexos, de acôrdo com os têrmos do
Sem compromisso ou estatuto. No início do século dezoito geral. Apesar de mulatos e mulatas claras passando por
à Bahia tinha não menos que trinta e uma irmandades brancos alcançarem algumas vêzes proeminência social,
aprovadas, dedicadas sômente a Virgem Maria. Estas o preconceito contra o sangue negro era muito forte, e
eram divididas em bases raciais: sels reservadas aos tanto, que em 1771 o vice-rei ordenou a degradação de
negros e cinco aos mulatos, as outra Ss eram confrarias ex- um chefe índio que “desconsiderando as honrarias rece-
clusivamente de brancos constitu idas de acôrdo com bidas da Coroa, caia tão baixo casando-se com uma
Idade ou posição social. negra, manchando seu sangue com esta aliança”. Se O
Como indicamos acima, algumas
das irmandades brancas eram tão fechadas que seus esta-

(30) M. S. CARDOZO, “The lay brotherhoods of colonial Ba-


do) CR. BOXER, The Golden Aie of Brazil, 1685-1750, hia”, em The Catolic Historical Revicw, vol. XXNTII (Washington,
Das. 142.5, 398, e as fontes ali mcncionadas às quais deve ser D.C., 1947), págs. 12-30; FRANCISCO ANTONIO LoPEs, Os Palacios
acrescentado VILHENA, Notícias de Vila Rica. Ouro Preto no ciclo de ouro (Belo Horizonte, 1005),
|, págs. 250-7%0. doteropolitanas e Brasílicas, vol. págs. 194-7; Caio PRADO JUNIOR, Formação do Brasil Contempo-
ranco, É, Coloma (São Paulo, 1999), pág. 202 mn,
Brasil colonial era, em alguns aspectos, um Paraíso para cão, apesar de feita de boa fé, não é a verdade, sómente
Mulatos, o era bastante irregular. (81) a verdade e nada além da verdade.
Não precisamos de psiquiatras ou psicólogos para A verdade era e é mais complexa, como declarei no
dizer que todo ser humano é um feixe de contradições, início dessas conferências. Os portuguêses não eram
tampouco precisamos de historiadores que nos digam que anjos nem diabos; eram sêres humanos e agiam como
Isto era verdade no passado como o é no presente. Ape- tais: sua conduta variava muito de acôrdo com 0 tempo,
nas temos que nos recordar do autor do salmo 157 e dos lugar "e circunstâncias. Os plantadores brasileiros que
milhões que o cantaram através dos tempos sem nenhum surravam seus escravos até a morte por ofensas triviais
sentimento de vergonha ou incongruência. Tampouco eram quase que invariavelmente generosos e benévolos
presumo, precisamos lembrar que cristãos e budistas. anfitriões, e podiam ser capazes de afeição sincera por
ambos partidários de credos essencialmente “pacifistas. um negro ou mulato individualmente. Se alguns donos
que abominam o derramamento de sangue, enfrentaram. de escravos só davam alforria a seus escravos quando
se em guerras sanguinárias e intermitentes com gritos de estavam muito velhos e doentes para viver por Si
batalha como os dos calvinistas escocêses em Dumba» mesmos, outros os libertavam na juventude — apesar de
1650 e “Jesus, sem tréguas!” Os portuguêses não eram e poucos terem agido com a bizarria do visconde Ponte de
ao Sao exceção a regra; e se nestas conferências insisti Lima, que apareceu na praça de touros trazendo “mais
as no lado ruim que no bom da colonização portuguêsa vinte negros vestidos à mourisca com asseyo, e custo, €
nos seculos passados, não foi com o objetivo de sugerir todos com as suas cartas de alforria atadas nos braços,
que se comportaram pior que outras nações européias O porque o dito despois de os comprar por muy bom al-
teriam feito em tais circunstâncias. Quero apenas de- nheiro, lhes deu liberdade a todos, e os vestidos, como
monstrar que generalizações levianas como o recente ro também a todos os mais criados”. (35)
nu nciamento do Dr. Armando Cortesão devem ser ouvi Além disso, se os escravos no Brasil eram tratados
das com um pouco de ironia: “Os portuguêses | tão rudemente como o eram nas colônias das índias Ocil-
tiveram preconceitos de raças ou de côres. A todos. tra- dentais inglêsa, francêsa e holandesa, é verdade que tI-
porém S com fraternidade, cristã, quer sejam nham maiores possibilidades de se libertar; e as Irman-
rancos, pretos, baços ou amarelos”, (32) Esta declara dades pretas de Nossa Senhora do Rosário proporciona-
(31) Cartas de D. Pedro de Almei
eida a D. Ribeirã
1
va-lhes ajuda e confôrto, coisa que faltava nas colonias
tons, abril de 1718 e junho de 1719 (da coleção do autor).dePais
a

açúcar dos podêres norte europeus. Se os portugueses


uma análiso do preconceito de côr e sua conecção com a escravi- no Brasil agiam segundo o princípio anglo-saxônico que
bém Pr ver CAIO PRADO JUNIOR, Op. cit., págs. 267-76. Cf. tam.
em Puno CALMON, História Sociul do Brasil, passim, o único bom ínclio era o que estava morto, houve outras
— 454) ARMANDO CORTESÃO, Realidades p doammmio
Disenrao proferido na Sociedaio do Goran ria ovários Africanos ocasiões em que compartilharam das alegri's e tristezas
junho de 1962, Lisboa, 1962, págs,
obra lemos ''sempre tr atámos os indie
e
Ci
30-31. Na página pa q?
>» Ud Mesma de
do. civilizados, de igual para TAS humanamente e, quan- (33) José Soares DA SILVA, Gazctr cm Forma de carta,
170141716, cd. Lisboa, 1933, pág. 179).
do homem vermelho. Um missionário capuchinho fran- De 1540 em diante as autoridades portuguêsas em
A que criticou muito a maneira como os portuguêses Goa realmente decretaram grande número de leis opres-
maltratavam algumas tribos no interior da Bahia no fim sivas e cruéis com o objetivo de impedir a prática pu-
do século dezessete, admitiu também que cs casamentos blica do hinduismo, budismo e islamismo no território
na Igreja de índios convertidos eram assistidos por gra controlado por portuguêses — com a exceção parcial de
de número de portuguêses do lugar, os quais davam uma Amuz, Diu e Macau — mas a aplicação dessas leis Va-
nota alegre à solenidade tocando árias ligeiras em suas iara TT do extremo rigor à pura formalidade. De modo
guitarras e dando tiros em homenagem ao par feliz. (34) semelhante as leis decretadas com o objetivo de iavore-
Acontecia o mesmo em outras conquistas portuguê- cer convertidos ao cristianismo às custas dos que recusa-
cas. Um decreto do vice-rei publicado em Goa em 1567, vam converter-se, e com o objetivo declarado de levar as
por vcaslão da abertura do primeiro conselho eclesiástico crianças órfãs hindus para serem catequisadas e criadas
celebrado na Índia portuguêsa proibia tôdas as relações como cristãs, eram às vêzes aplicadas ao pé da letra,
sociais entre famílias portuguêsas e indianas ou muçul- mas nem sempre. Se alguns vice-reis como Francisco
manas, mas sabemos que esta ordem, hoje chamada de Barreto (1555-8) e D. Constantino de Bragança (1058-
“apartheid”, não foi obedecida. Sucessivos Conselhos 61) foram beatos dominados pelos padres que lutaram
Eclesiásticos em Goa denunciaram não apenas a contínua por reforçar as leis o máximo possível, outros vice-reis
tolerância das procissões religiosas “pagãs”, mas a prá- como D. Luís de Ataíde (1569-71, 1678-81) e o conde do
tica dos cristãos emprestarem suas jóias, coisas finas e Lavradio (1671-7) foram relativamente tolerantes e as
escravos aos seus participantes. Concluímos também por aplicavam de má vontade ou não as aplicavam de Jeito
estas explosões eclesiásticas que os portuguêses forne- algum. Era queixa comum das autoridades eclesiásticas
ceram armas para dar salvas durante o jejum mucul- em Goa no século dezoito, que o braço secular não apolava
mano de Ramadhan! Longe de reforçar a monogamia a Igreja adequadamente em tôdas as circunstâncias e
para todos, como decretaram prelados puritanos nos Con- que oficiais e mercadores hindus e muçulmanos eram
selhos de 1567 e posteriores, muitos dos próprios portu- “ceralmente muito mais favorecidos que os cristãos na-
gueses mantinham haréns sempre que nodiam, e já citei tivos. (36) Em resumo, é perigoso generalizar quanto
anteriormente algumas das queixas de missionários sôbre
a conscuiscência lusitana em escala desconcertante. (35) cão contra todos os não cristãos (ou melhor, católicos não ronia-
nos) no periodo 1562-1848, ver P. PISSURLENCAR, Roteiro dos dr-
quivos da Índia Portuguêsa (Goa-Bastorá, 1955), págs. 62-£ô5. Os
documentos publicados por CUNHA RIVARA em Fase. VI (1876) do
[o]

cinto to MARTIN DE NANTES, O.F.M., Cap. Relation suc- citado Archivo Portuguez Oriental dão uma boa idéia da maneira
ineo Lo),pág.
48-1150, amul CG. R. Boxer, The Golden A ge of Brazil,
238. que as autoridades oscilavam entre repressão e tolerância durante
o (35) Para o decreto de 1567 e « q
o século dezoito quanto a assuntos como cerimônias de casamento
ciásticos reunidos periôdicamente em Goa very Jr elo hindu, conversão obrigatória de crianças órfãos, reserva de car-
DAVA RA A reh ivo Por tar 4 n ez Orien tel Fa: se. IV 4 862) Pp aa um ros oficiais para os convertidos, etc. etc.
(36) “Onde está o lar de Goa, mesmo o mais respeitável, em
“udo sobre a legislação em favor dos “convertidos e discrimina. que hindus não entrem abertamente sem hesitação? Um pobre ca-
ao zêlo religioso e a tolerância na Índia portuguêsa;
apesar de se poder dizer a grosso modo que o zêlo estêve agradável branco e rosado de nossa raça mais favore-
mais em evidência que a tolerância em grande parte dos
cida”. Isto pareceria comprovar que a igualdade racial
dois séculos, entre 1561 e 1761. na África Oriental portuguêsa existiu na sua forma mais
O que era por zêlo religioso o era por preconceito absoluta. No entanto, cinquenta anos depois, um ex-go-
racial e por motivos óbvios os dois muitas vêzes marcha- vernador de Sofala pôde protestar por escrito contra a
vam lado a lado. O muçulmano, o hindu e o negro que lei praticada mas não impressa pela qual um nativo da
eram alijados social e legalmente por sua religião, viam- Índia portuguêsa não poderia aspirar promoção acima
se de:rrezados também pela côr. Realmente o precon- do pôsto de capitão aposentado no serviço médico militar,
ceito de côr sobreviveu aos editos draconianos do mar- quaisquer que fôssem seus méritos ou tempo de serviço.
ques de Pombal em 1763-174 e à legislação igualitária do (37) Outro exemplo mostrará a dificuldade da genera-
voverno constitucional no comêço do século dezenove. lização neste campo. Por longo tempo os escravos em
Mas aqui novamente, é perigoso generalizar. Em maio Angola foram tratados tão mal ou pior que os do Brasil;
de 1825 o capitão W.F. Owen, M.R,, assistiu a um baile mas em fins do século dezoito a escravidão em muitas
na casa do governador em Moçambique” a que estava propriedades rurais angolanas tornara-se pouco mais que
presente toda a alma que pudesse declarar ter origem eu- uma farsa. Uma viúva, dona de uma dessas proprieda-
ropéia mesmo longínqua e diluída pela mistura com san- des (arimo) só poderia casar-se de nôvo se seus escravos
gue negro. Coleção tão extraordinária como esta quase aprovassem sua escolha! (38)
nunca foi vista. Incluía quase todos os graus, desde a mais Gostaria de demonstrar mais um ponto como con-
elevada civilização ao selvagem recém-saído da selva, clusão. Os portuguêses muitas vêzes têm sido os criticos
cujos membros nunca foram antes confinados em qualquer mais severos de seus próprios desmandos, mas mesmo O
roupa; da vestimenta de boa caída e elegante da Europa
à roupa larga e desajeitada dos ignorantes: enquanto (87) “No districto de Sofalla ha hum facultativo de 2.
classe, chamado Gonçalves. E natural da Índia, e por consequeên-
que as epidermes variavam do mais brilhante negro até o cia condeninado á lei inexoravel que lhe não dã acesso alem de
capitão, a esse posto só lhe é concedido pela reforma... é real-
mente bárbaro não os deixarem subir na escala hierarchica ate
marim pode ficar esperando à porta durante horas a fio, sem que aos postos que attingem os outros seus collegas” (ALFREDO BRAN-
ninguem lhe dê a menor atenção, se êle fôr eristão. Vem um hindn
DÃO CRÓ DE CASTRO FERRERI, Apontamentos de um ex-governader
É vai subindo as escadas com tôda a confiança...” (Frei MA- de Sofala, Lisboa, 1886, pág. 65). Para o baile pluriracial na casa
de 1315). (or O.P., escrevendo de Goa em 9 de dezembro do governador, Moçambique, em 13 de maio de 1825, ver W. F.
bana e professar o hi cos Nossas terras, enquanto usar ca- W. OWEN ,R.N., Narrative of voyages to explore the shores of Afri-
er lug e rn to ulSmo tem lberdade de entrar em qual- cu, Arabia e Madagascar (2 vols. Londres, 1833), vol. II, págs
pool de qualquer casa, mesmo o mais privado; mas logo que 191-2.
não encanto ve quem nada é segrêdo converte-se em cristão, êle (38) “Se cazão, a escolha do marido hé sua; com tanto que
como19 antes. (Viee-Rri
pro Cr Caetano
» Melo do
de Meio
Castro do
à io tampouco
Corona CC é seja
olhada aprovado por esta occioza escravatura: do contrario a dezer-
JO de janeiro de 1707). Cf. J. H. DA CUNHA Riva, Archivo Porcão hêé o seu recurço ordinario, por não experimentar a severidade
do novo senhor, que a sua voluntária opinião detesta” (ELIAS
mental, vol. VI (1876), págs. 65, 93, 193, 445-7,
ALEXANDRE DA SILVA CORREA, História de Angola, 179º, 2 vols.,
1548 ed. Lisboa, 1837, vol. II, págs. 112-1d,
mais severo dêstes críticos raramente sugeriu que as con- da chegada dos holandeses e inglêses nos mares orientais.
quistas, colônias ou províncias — como eram chamadas Entre diversas obras não publicadas que deixou quando
— deveriam ser abandonadas devido a isto. Tres exem- morreu em 1616, havia uma chamada Diálogo do Soidado
plos típicos serão suficientes para revelar esta atitude. Prático. Éste é talvez o ataque mais virulento à má ad-
D. João de Castro “Cavaleiro da Renascença”, como o ministração portuguêsa jamais escrito, e a seguinte pas-
chama seu último biógrafo inglês, que governou a Ásia sagem pode ser tomada como típica de sua critica mor-
portuguêsa com evidente sucesso de 1545 a 1548 escreveu dente: “Na Índia os mais puros, excelentes ares do
acerca dos hobitantes hindus no território português: mundo fructar, águas de fontes e rios, as melhores e
“poderiam melhor ser chamados nossos escravos que mais salutíferas de tôda a terra, pão, cevada, todos os
nossos súditos” e novamente “posso asseverar a V.M. legumes, tôdas as hortaliças, gado grosso e miúdo, que
que mais almas são perdidas entre os portuguêses que pode sustentar o mundo, tudo o mais maravilhoso; o pior
vem para a Índia que salvas entre os pagãos convertidos que lá há, fomos nós, que fômos aanar terra tão mara-
à nossa santa fé pelos pregadores e religiosos”. Em outra vilhosa com nossas mentiras, falsidades, burlas, trapaças,
ocasião, escrevendo sôbre a maneira como os portuguê- cobicas, injustiças, e outros vícios que calo. No entanto,
ses maltratavam seus aliados hindus, êle comentou: “na Couto era um patriota português e um ardente imperia-
verdade é fato concreto que perseguimos os hindus a tal lista, Devotou sua velhice à glorificação dos feitos guer-
ponto que raramente lhes deixamos onde ou como viver. reiros no Oriente, nas Decadas que êle compilou tão labo-
Já lhes tiramos o mar e lentamente lhes usurpamos a riosamente em face de consideráveis dificuldades, (40)
terra aos pedacinhos através de litígio, protestando títu- Se existe um trabalho português moderno que possa
los e doações. Só nos resta privá-los do ar, uma vez que competir com o Soldado Prático de Diogo do Couto em
não usam o fogo, pois sua comida limita-se a ervas e sua denúncia amarga da incompetência, real ou alegada,
Trutas”; conclui irônicamente: “a natureza mostrou sua e desmandos na administração portuguêsa êste é o de
grande antevisão”. No entanto, D. João de Castro era João de Andrade Côrvo, Estudos sóbre as províncias UlL-
de alguma forma um conquistador da velha escola. Proi- tramarinas, uma obra em quatro volumes encomendada
manos pela Academia de Ciências de Lisboa e publicada entre
manos pordor de darem
ocasiao trégua
da rendicean da Ti aos inimigos muçul,
128883 e 1887. O leitor dêsses volumes ficam com a im-
=

desobedecida para grando piorar um ordem que foi


lhosamente agradece D O SEU — € OFBU- pressão que se a colonização portuguêsa era tão retro-
cada e ineficiente como está apresentada nestas páginas,
Diogo do Couto o so Português. (39)
referi diversas vêzes, passou a maior nto o dé me
(40) Diogo DO Couro, Diálogo do suldado pratico (ed. Cae-
na Goa Dourada que viu declinar de cer crdepois
seu esplendor o ua vida tano do Amaral, Lisboa, 1790); O soldado prático (ed. M. Xo-
drigues Lapa, Lisboa, 1987), págs. 344-5 para a citação acima.
(39) ELAINE SANCFAU (ed.). Cartas Somente quatro das doze Decadeas (IV-VID de Diogo foram pu-
blicadas durante sua vida, as restantes apareceram postumamente
(Lisboa. 1954), págs. 22, 39, 45, 270. 998. D. João de Castro cm várias datas entre 10145 ec 1588.
quanto mais cêdo os portuguêses deixarem suas posses-
«ões ultramarinas melhor será para todos. No entanto
não é esta, de forma alguma, a intenção de Andrade
Côrvo nem o quê êle pensava. Serviu mais de uma vez
como ministro da Marinha e Possessões Ultramarinas e
era um colonialista entusiasta que encorajou Serpa Pinto
e outros exploradores portuguêses da África nos anos de
1870-90. A situação no tempo de D. João de Castro,
Diogo do Couto e Andrade Côrvo continua a mesma hoje.
Mesmo os eternos opositores do Dr. Salazar como Dr.
Armando Cortesão, ficam ao seu lado quando o assunto (ÍNDICE
é permanência na África. O que quer que pensem os
trabalhadores e camponêses portuguêses quanto ao pas- Prologo para brasileiros, de Vamireh Chacon ..............
sado, presente ou futuro de Portugal como poder colonial
1 Marrocos e África Oriental Cells,
a grande maioria das classes educadas têm orgulho de
sua história passada e facanhas presente e está resolvida HI. Mocambique e Índia re
a não abdicar voluntariamente no futuro previsível. [T. Brasil o o Maranhão cc.

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