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Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

Maria Gabriela Balina do Amaral

Antropologia da morte
Questões sobre os textos “O homem e a morte” e “Os ritos de
passagem”

Rio de Janeiro
2017
Questão I: Explicar e discutir o conceito de persona liminar formulado por Victor
Turner. Por que segundo esse autor a liminaridade é recorrentemente identificada à
morte e o morto é uma persona liminar?

Segundo o texto de Victor Turner, “O processo ritual”, é possível se definir uma


persona liminar como um alguém que não pode ser inserido em um grupo de
classificação convencionada pela sociedade da qual pertence. Estas classificações
são criadas com o intuito de determinar os estados e posições dos indivíduos dentro
da cultura em que vivem. Portanto, na prática, que pessoas podem ser
consideradas liminares? Dois exemplos muito ilustrativos dessa situação são o
“estar no útero” e o “estar morto”.
O feto, como se sabe, é um ser em desenvolvimento que ainda não nasceu, e o fato
de este não possuir uma forma física definida e palpável ou um papel dentro da
sociedade que, em um futuro próximo, irá acolhe-lo faz com que este “quase
indivíduo” não possa se encaixar em nenhuma das classificações que distinguem
seus companheiros. Ser liminar é um “não existir”. O bebe que ainda não nasceu já
possui, antes mesmo de vir ao mundo, um nome, uma família e outros elementos
que caracterizam o pertencimento a um grupo social, contudo, ele não exerce
nenhuma função específica, nem possui direitos ou deveres.
O moribundo também pode ser identificado como sujeito liminar por motivos
completamente opostos ao do feto, mas que os colocam em uma posição
semelhante de marginalidade, como um “limbo social, em relação ao grupo que se
relaciona a eles. O morto nada mais possui e nada mais pode fazer. Seu nome pode
ser evocado e seus feitos relembrados, mas jamais será possível devolver-lhe o
papel que deixou de efetuar dentro da coletividade em que se encontrava enquanto
estava vivo.
Tendo como foco principal a liminaridade de um indivíduo que faleceu, podem ser
feitas incontáveis análises e observações pertinentes, assim como feito por Turner
no texto anteriormente citado. Como consequência direta e imediata da morte há um
movimento brusco de separação quase que instantânea entre o indivíduo e o grupo
social do qual este fazia parte. Este movimento acaba pondo o falecido em uma
posição de respeito e medo, pois seu afastamento leva os que aqui ficaram a fazer
indagações sobre para onde iria esta pessoa depois da morte.
A partir do momento em que há a quebra do contato físico interpessoal causado por
uma morte, os vivos passam a crer que o moribundo deve ser transferido de onde
vive para outro lugar. Assim, cada cultura e cada sociedade acredita de sua própria
forma que existe algo que transcende a vida, sendo aberto somente para os
indivíduos liminares que passam pelo rito de passagem da morte.
Portanto, baseando-se nas discussões feitas em sala de aula e no texto de Turner,
é possível afirmar que a liminaridade é uma posição não classificável dentro de um
grupo social fechado de pessoas vivas e atuantes na coletividade. A morte é uma
das maiores causas da existência de personas liminares, pois causa uma ruptura
repentina entre a um indivíduo e o grupo que com o qual este conviveu até seu
falecimento, tornando-o inclassificável e marginal à sociedade a qual pertence.
Questão II:  Discorra sobre a morte como um ritual de passagem no filme A Partida
utilizando as formulações de Van Gennep
No filme “A partida”, a personagem principal se chama Daigo, um violinista frustrado
que se vê obrigado a trabalhar na preparação de cadáveres para rituais fúnebres,
pois a orquestra da qual fazia parte foi dissolvida. O filme é relativamente recente,
lançado em 2009, e deixa muito claro que, mesmo atualmente, o manejo de corpos
ou o contato próximo com morte ainda são extremamente mal vistos. Existe um
certo desconforto dos vivos quando estes passam a pensar no que pode acontecer
depois do fim da vida, o que agrega, de certa forma, uma impressão de
anormalidade em relação ao contato constante com a morte. Daigo, por exemplo,
precisa lidar com o julgamento da família e de amigos por causa de seu novo
emprego. A morte é vista como uma grandiosa incerteza para os homens desde
sempre, por isso o contato de um vivo com este tipo de rito de passagem é visto
com preconceito e certo desprezo.
Entretanto, pode-se decidir encará-la como uma passagem natural para outra
realidade, sendo assim, o ritual deve ser carregado de respeito e solenidade, como
é mostrado pelo patrão de Daigo ao longo das cenas em que o jovem aprendia
como lidar com seu novo emprego. A situação de separação vivida pelo falecido não
tira dele, de forma alguma, sua dignidade, por isso a mensagem que tenta ser
passada durante o filme é que as formalidades adotadas depois da morte devem
começar no exato momento em que ela acontece, tornando o corpo, apesar de sem
vida e utilidade, uma espécie de objeto que representa toda a vivencia da pessoa
que partira para um novo mundo, impenetrável e longínquo para os que aqui
permanecem. A morte é uma situação complexa para os vivos, pois, além das
indagações que constantemente a acompanham, existe, também, a impossibilidade
de reverte-la. Ela é a única certeza que se tem. Então, por que não a encarar com
naturalidade e resignação? Esta é uma das grandes questões do filme dirigido por
Yojiro Takita. Depois que está concretizada, a única forma de lidar com a morte é
homenagear e evocar o moribundo por meio de orações, cantos, histórias e
cerimonias, dependendo da cultura que a ele pertencia.
Existe um tabu constante em inúmeras culturas que remete a morte como o fim,
como algo poluído e preocupante. Esta crença pejorativa foi ilustrada no filme “A
partida” de forma pertinente e profunda pela série de situações que passaram a
acontecer como consequência do que todos em volta do personagem principal
passam a trata-lo quando descobrem que passam a conviver com alguém que
mantinha contato diário com corpos falecidos. O preconceito sofrido por Daigo é tão
grande que até mesmo sua esposa se decepciona com sua escolha, compondo
mais um dos elementos de tensão desta trama dramática que tece o enredo do
filme.
De forma intensa, inquietante e interessante, “A partida” põe em pauta um tema
pouco discutido na sociedade durante toda a história: como deve-se ver e lidar com
a morte e suas consequências? O inconsciente coletivo de dúvida e preocupação
em relação a esta situação parece forte o bastante para permanecer no imagético
popular durante muito tempo, contudo, se houver uma análise um pouco mais
profunda sobre este tema, pode-se chegar à conclusão de que a morte é apenas a
mudança de um estágio para outro, que deve ser respeitada como qualquer outro
rito de passagem.

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