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CLAUDIA DAYÉ

CARLOS CORNEJO ENGRACIA COSTA

Joalheria no Brasil
história, mercado e oficio

SENAC
LIV

01112273

PUtoRA
ADOS
HISTORIAI SÉCULOXIX E SÉCULO XX

história
OalheUOs, mArcas e mercados
Clandia Dayé

SÉCULO XIX E SÉCULOXX


Minas Gerais, o berço da joallheria brasileira
No fim do século XIXe inicio do século XX. a atividade mineradora e o cultivo do café impulsiona-
vam a vida em Minas Gerais, na qual a prosperidade econômica dava origem a diversas manites
tações de arte e cultura. Por lå surgiam movimentos literários e arquitetônicos intensos e impo-
nentes. Fazendeiros enriquecidos, a maioria vinda de São Paulo, propulsionavam um forte conér-
cio, e os jogos eram permitidos. Com tamanha riqueza, também o trajar com elegância e o uso de
joias eram estimulados.

Foi nesse contexto que, em Diamantina, cresceu a chamada escola portuguesa de joalheiros,
devido à concentração de artilicies imigrantes de Portugal que passavam a confeccionar joias como
as usadas em sua terra natal. Por essa infiuência, Antonio de Pádua Oliveira fundou, em 1888,
uma das primeiras casas oficialmente registrada como joalheria no Brasil: a Joalheria Pádua. que
permanece ate hoje no mesno enderego, sob o comando do neto Antônio de Pádua Oliveira Neto.

Na cidade de Sabará, também em Minas Gerais, o comércio se desenvolveu com a


chegada
de imigrantes italianos. Lá nasceu o descendente de portugueses e judeus Olegário dos Santos
Vianna, que se tornou comnerciante vendendo ouro no porto do Rio de Janeiro, onde era mais facil
conseguir compradores em razo do movimento de pessoas e mercadorias. O filho homónimo de
Olegario seguiu seus passos no comércio e, comn isso, deu inicio a uma tradicional famnília de
joa
Iheiros. O século XX estava só
começando.

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JOALHERIA NO BRASIL

Para vender ouro, Olegário Lima Vianna, o filho, transitava entre as fazendas por estreitos
caminhos de terra, aonde não chegavam veiculos, montado num burro. Viajava trajando chapéu,
gravata-borboleta e botas. Com parte do ouro de que dispunha, Olegario começou a montar joias
Passou a adquirir gemas, terceirizar o trabalho e vender as joias em Belo Horizonte e em cidades
balneárias como Caxambu. São Lourenço e Cambuquira, usando o lonbo do burro como vitrine
de seus produtos: un mostruário suspenso exibia caixinhas com joias. Enquanto isso, seu filho.
Raymundo Nonato dos Santos Vianna, então com 12 anos. começava a aprender a artesania joa-
Iheira com um ourives italiano.

Raymundo. que ficou conhecido como Mundinho, tornou-se um artifice que atendia encomen-
das principal1mente de igrejas. Aos 20 anos. já tinha sua oficina em Belo Horizonte. num velho
pre
dio da rua Carijós. Assim. quando a imagem da padroeira de Fatima peregrinava pelo mundo e
passou por Minas Gerais, em 1952, a ele foi encomendada uma rosa de ouro em tamanho natural
para homenageá-la.
Na época inexistiam recursos hoje comuns na joallheria. porem, mesmo sem oportunidade de
estudar, Raymundo pesquisou muito para fazer a joia. Adquiriu um livro de química, e com ele rea
lizou diversas experièncias até desenwolver a técnica do banho que conferia às lâminas de ouro
as tonalidades desejadas: as folhas emn verde e o centro da rosa em amarelo gema de ovo. A rosa
ficou impecável: tinha 40 pólen formado
cn e por treze brilhantes.

Raymundo teve sete filhos, e todos seguiram a atividade joalheira. Um deles. Raymundo, assim
COmo o pai, hoje próximo de seus 80 anos, conta um pouco dessa história:
Meu poi foi um artesão cuja escola era o
italiona. Um artisto, assim como o
leijadinho. Destacado no livro Ouro de Minas como un
grande ortifice. inttuen
ciado pelo Mestre Atoide, que era um notdvel
pintor e escultor. Ho peças produ-
zIdos pelo meu poi que sko extraordindrias,
algumas dos quois estõo exibidos no
fuseu do l'oticano.
01 Rosa em ouro e beilthantes.
CLg do de Ray inundo \ianna iAlundinhoi Era com pericio
e minucia
que ele trabalhova cada detalhe de suas peças.
1952 Aervo lamili. \anna.
Cortovo com um buril que mportoro do Alemonha e nos colocava
paro ajudur o
oior Ficava horus otiendo,
depois tozio um corte 'pUxado", um corte forte e fundo,
que trozia o brilho no netol. Ele mesmo fobricova os lerramentos necessórIos
puraproduzir determinados peças. O jateudo e o preporaçko do areio erom
cOm precisdo absoluto e a fetosS
finolizuçõo do peço, ele dizio. era o que dova vida 0 joja.
HISTORIAI SECULO XIXE SÉCUIO Xx

São Paulo, comércio e


imigração: as primeiras casas

São Poulo tronslormou-se nuna metrópole de fronco ocessoo truçõo de serviços,


bens. produtos e ideios...Eo comercia foi oconalpelo quol o processo vioblizo
se

Jacob Klintowitz. escritor e critico de orte

Em 1885, São Paulo era uma cidade pacata, o que hoje é difíicil de irnaginar. A Casa Hanau, um dos
nove estabelecimentos de joalheria e ourivesaria da cidade, estava sediada no "triängulo", area assim
chamada porque compreendia o triàngulo tormado pela interseção das ruas Quinze de Novembro,
Direita e São Bento. Era lá que se concentrava tudo o que havia de mais fino: as melhores lojas, os
escritórios de prestigio, as sedes dos partidos politicos, os bancos e os grandes jornais.

Na rua Quinze de Novembro, localizavam-se, em 1892, as joalherias e oficinas de Jacob Levy.


de B&J Abrate e de Mauricio Grumbach, além das lojas de lerramentas para ourives e relojociros,
as chamadas fornituras, Pêndula Suiça e Pêndula Internacional. As lojas do triàngulo espelhavam
as capitais europeias, especialmente Paris e Londres, de onde se importavam gostos e habitos. Era
costume que. por volta das quatro da tarde, as familias elegantes frequentassen as casas de cha
e passeassem pelas ruas do triangulo admirando as vitrines."
A Casa Hanau funcionava na rua São Bento desde 1862. lundada pelo alemão Edmond Hanau
para importação e comércio de joias. pedras preciosas e obras de arte. A principio atuou em Paris.
Rio de Janeiro e Bahia, mas logo se estabeleceu exclusivanente em São Paulo. Naquele temp0, as
lojas eram chamadas de "casas comerciais", assim como na Europaeram chamadas de "maisons",
geralmente levavam o nome do dono: Casa Bento Loeb. Casa Adamo, Casa Hanau. Em 1891. quando
02 Anuncio da lodihetia Parisiense,
Edmond voltou à Alemanha para casar-se, na sua passagem por Paris encontrou seu sobrunho
quando ja dirlgida pr lose levy.
sobinhodo Gletdro. Fonte Coso Rodholfo, a quen convidou para vir ao Brasil. junto com seu amigo e primo em terceiro grau José
ionou- femórias, de Alilo Luchin.
Levy. Os dois jovens chegaram ao Brasil em 21 de dezembro daquele mesino ano.

oalheria Parisiense José Levy tinha um tio em São Carlos do Pinhal, no estado de São Paulo. que era proprietario
da Joalheria Parisiense. Comerciante experiente numa região que prosperava com a produção

Jesé Lery cafeeira, ele introduziu os rapazes no comércio e forneceu mulas e mercadorias para que percor-
ressem fazendas e vilas da região. Tempos depois. os amigos se separaram. José Levy permane
Rua 13 de Mato M. 36 ceu na cidade, trabalhando na Joalheria Parisiense. e Rodhollo seguiu para São Paulo para auxiliar
(Largo do Jardim)
Sdo Carloa do Pinhal seu tio Edmond. Passados dez anos, em 1901. os amigos se reencontraram Já maduros e experien
tes no ramo, lormaram a grande dupla que passou a dirigir a Casa Hanau até 1954. ano em que.
pelos acasos do destino, ambos vieram a lalecer no mesmo dia, aos 80 anos. Edmond, o lundador
desligou-se da empresa em 1925 e partiu para a Alemanha, onde permaneceu o resto de suA VIda.
JOALHERIA NO BRASIL

CASA 04| Um dos saldes

de exposicdo e venda
HANAU
da Casa Hanau,
na fud Ouinze de
Novembro Fonte:(os
Honay - femórnas,

de Atilio Luchin
03 da (asa tanau, (am
lustragao modelo
dos anos de 1920, Usada na capa do livro
COso tanou Afemórios, de Atilio Luchi A Casa Hanau destacou-se em São Paulo pelo luxo que sustentava. Alem das joias e obras de
arte
comercializava os relogios de bolso suiços da Patek Philippe, em ouro 18 quilates (k), usados
pela
maior parte dos homens de elevada posição social. Posteriormente, a loja mudou para um espaço
mais luxuoso e moderno, com entrada exclusiva por elevador e escadaria, da galeria California,
na rua Dom José de Barros. Todo o seu requinte se manteve até 1966, quandoo sucessor da farni-
lia decidiu não prosseguir com a loja e montou um escritório de compra e venda de pedras pre
ciosas, mantendo-o até 1980.2
Outra importante casa joalheira situada na rua Quinze de Novembro foi a Casa Michel, fundada em
1904 por J. Michel e Armand Worms, no mesmo estilo da Casa
Hanau. Foi lá que garoto António
o
Teixeira de Castro, português que veio o Brasil para com a familia, se ajudante.
empregou como
O menino, então com 14 anos, fazia
pacotes na loja, entregava correspondência, ia à oficina, relacio
nava-se
com as pessoas que prestavan serviços para o sr. Michele assim acabou se tornando ven
dedor. A clientela gostava dele e.
por isso, de repente, foi promovido a gerente de vendas da Casa
Michel. Mais tarde, quando decidiu casar-se, reuniu suas
economias e partiu em viagem de lua de mel
para o Rio de Janeiro, onde aproveitou para
comprar mercadorias, jà que os principais lornecedo-
res do ramo estavam na
capital carioca. Ao retornar. juntou-se a um sócio e abriu seu proprio nego
cio, estabelecendo-se na mesma rua Quinze
de Novembro, um pouco mais adiante da Casa Michel
A Casa Castro (Castro e
Puig como era sua razo social) começou em 1922 con uma "portinna
onde o ja "sr." Antônio Teixeira de Castro
vendia joias e presentes em seu proprio estabelecimento
A CasaCastro prosperou e ganhou
prestigio em razão da seriedade do trabalho realizadoe das
boasrelações que Antônio desenvolveu. Em 1930, mudou-se para o outro lado da rua.
ja njo fmals
numa portinha, mas num edificio. Com a
grande demanda de produtos industrializados gerada peu
Segunda Guerra Mundial, quando a importação da Europa se tornou inviavel. a industria ndclondi

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HISTORIAI SECULO XIX E SECULO X

passou a llorescer. Imigrantes abriran industrias em varios segnentos e comerci0 Se expandiu.


o que atraiu novos clientes á Casa Castro, já que se ganhava e se gastava muito dinheiro.

do Viaduto do Cha em 1892, o triangulo loi ligado ao outro lado do Vale do


Com a construção
Anhangabaú. A capital do café se enriquecia, a expansão da cidade e do comércio era vertiginosa
A população do estado havia passado de 1,4 milhão de habitantes, em 1890. para 7.2 milhões em
1940, 1,3 milhão de pessoas viviam na capital. Com essa expansão, as oficinas joalheras tarmbem
cresceram. chegando a 86 estabelecimentos em 1922. quando as casas importador as passasan a
criar lojas varejistas para distribuir seus produtos

A população aumentou aceleradamente e, até 1934, 2,3 milhoes de inigrantes se estabeleceram


no estado de São Paulo Leão Sayeg era um deles. Da terceira geração da familia Sayeg, oriqina
ria de Alepo, norte da Siria, Leão desembarcou no Brasil en 1912 e se estabeleceu em São Paulo,
onde já havia uma numerosa colònia sirio-libanesa fixada na região da Sé e de Santa Ifigenia Essa

CASA CASTRO
RASOLUTA SERIEDADE ROS PREE

i
G a a CaSTRO
0S Pimella loja da Casa Castro na lu
Quinze de Novermbio. Acervo Casa Castio U

061 Casa Castro em peedio de esquina na tu


Quinze de Novembio Acervo Casa Lastio

23
jOALILRIANOBRA
lurr le AbP malth.da
(Jsd Itin
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na
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uiite
111

Revolugo de 192 eotvllateuSye

n0DIAMANIES
região conformava tambem um Iriangul0, com as ruas 25 d
Je
Março. Cantareira e a avenida do E'stado. Como já traballhava rom
liamantes, ele abriu uma lapidação na rua Florêncio de Abreue
logo passou a montar as pedras ern jo1as, fundando a Casa Leðo
no mesmo ano de sua chegada
ton Tedo Syrq, Gnny
Em 1924, Leão Sayeg conheceu a jOven siria Genny, coma
,

qe i.inhu d mitl.
qual se casou, presenteando-a com un vestido de noiva coberto
Nele, botdrdos Tor.
Teitos co fiy tle tut, de pérolas e brilhantes, alén de un colar e um broche de dha
mantes. Porém, naquele ano, nas pritneiras horas de 5 de junho.
nO vestido (omn LaIiiem
São Paulo acordou entre trocas de tiroseo retumbar dos bon
ArervoIyli. I edo Slyej
bardeios, quando oficiais do exèrcito, antagonizando as trad
cionais oligarquias politicas, detonaram a segunda revolta do
Movimento Tenentista, a qual passou a história como Revolução
Paulista de 1924. Um terço da população paulistana viu-sefor-
çado a abandonar a cidade em busca de segurança. Ate o presi
dente do estado, Carlos de Campos, prOCurou retugio no interior
Trincheiras foram abertas na avenida Paulista e nos bairros do
Brás, Belenzinho. Vila Mariana, Perdizes e lpiranga Os comba
tes deixaram um rastro de desiruição: cerca de quinhentos mnor-
tos, cinco mil feridos, casas e prédios bombardeados, saqueados
e metralhados, entre eles a Casa Leão. A reconstrução da joalheria
só foi possivel graças à atitude de Genny. que devolveu ao marido
o vestido de noiva, para que cada peça tosse retirada e usada na
produção de solitarios de pérolas e diamantes.

Concomitantemente, nesse periodo, desembarcaram em portos


brasileiros muitos imigrantes que passariam a compor o cenario
da joalheria nacional. Em 1922, ano da Semana de Arte Moderna,
Alberto Daye, originário do Cairo, no Egito, chegou ao Recile com
1 ano de idade. Por volta de 1925, desembarcou a
primeira gera
ção dos Dryzun: Moisés Dryzun. vindo da Russia,e Rosa Dryzun.
da região na época chamada de Bessarábia, entre a Ucrånia ea
Roménia., hoje correspondente ao território da Moldávia. Os irnãos
Oscar e Israel Perlman chegaram da Polònia em 1929, ano da qu
bra da bolsa de valores de Nova lorque. Ambos eram
diamant
rios e montaram juntos uma lapidação.

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09 Morila Ataru, navio que entre 1925
e 1935 troune linigtantes japoneses do

Brasil Dele desembartou d milla Okubo,


em 1926 Acervo do Museu Histórico
A onda imigratória. que trouxe a São Paulo principalmente italianos, portugueses, espanhóis,
da Imigraçdo Japonesa no Biasi árabes e eslavos, também atraiu imigrantes japoneses, recrutados para a lavoura do café. A familia
Okubo desembarcou do Manila Maru em Santos, em 1926. 0 patriarca Tamigoro Okubo, corn sua
10 Julio Okubo, sentado no pald-
cloque de Caminlhão utilizado na esposa Rosa, ela então con 31 anos, e o seu filho Julio, de 1 ano de idade, seguiram para Piratininga.
lavoma Aceivo tamilia Okulbo
no interior do estado, e lá se dedicaram à irrigação nas plantações e ao transporte e escoanento
da produção durante anos. Em 1933, Rosa Okubo tinha mais três filhas e garantir estudo a elas foi
um dos motivos que levaram a familia a mudar-se para a capital paulista. Instalaram-se na rua dos
Estudantes, no bairro da Liberdade, reduto até hoje dos orientais em São Paulo. Já mais adaptado
aos costunes brasileiros, Tamigoro Okubo abriu uma casa de penhor e càmbio, porém, em seis
meses viu suas economias, obtidas após longos e penosos anos de trabalho. se perderem irreme-
diavelmente. Em consequência., Tamigoro retornou à lavoura, com seu filho Julio, enquanto Rosa
permaneceu em São Paulo, vendendo quimonos de porta emn porta.

Com um dicionário em uma mão e os produtos na outra, Rosa recebeu por quatro dias cente
nas de negativas, até que, numa casa da rua Treze de Maio. obteve permissão para entrar, conse
guindo vender dois quimonos. Por conta das dificuldades financeiras, ela decidiu vender uma das
joias que trouxe do Japão, um anel com pérolas e um brilhante. Foi quando percebeu que as pérolas
ainda eram novidade no Brasil, e teve a ideia de trazê-las por intermédio de um contato que tinha
com Kokichi Mikimoto. precursor do cultivo de pérolas no Japão e oriundo de Mie-ken, a mesma
provincia de Rosa. Stella Okubo, nora de Rosa. conta sobre esse periodo:

A dono Roso vendha quumonos, e todos queriom experimentor. Depois que as


chientes experimentovam, tinha que dobrar um por vm e olém disso. eram
peso
dos de carregor: e ela ficova muito consoda. Joios. por outro iodo, erom peços
peqenninhos para se corregar e ela tinha clientes. jú que, ndo de coso em casa,
lo! odquirindo a conlionçu deles Noquela epoco, 0s pessoos nõo tinhom acesso

Osperolos eos joolherius pouco trobolhavam com esse mercodo.


Na decada de 1930, a mulher de classe media fumava, lia jornais e pegava ónibus e bonde: várias
inham formação universitaria e atuavam no mercado de trabalho. Rosa Okubo, ainda que estran-
geira, viveu essa época e interagiu com essas inulheres, que eram independentes e publico-alvo
das então jà existentes lojas de departamentos Mappin e Sears Com o valor recebido pela vend.a
JOALHERIANO BRASIL

de seu anel, Rosa Okubo abriu, em 1934, seu "Atelier de Joias


Finas" e tornou-se a
primeira mulher proprietária de uma joa-
Iheria no Brasil.

A vitória de Rosa deu-se por p0stura de sociabilização


sua

com pessoas de cultura e formação distintas, revelando a capaci-


dade humana de se defender. persistir e se interessar pelo outro.
Quando vivia nas fazendas, alem de plantar verduras e algodão.
ROsa ajudava a fazer partos e ensinava japonës para os brasilei-
ros. pois entendia que aquela eraa sua comunidade. Na
cidade
O convivio também foi intenso, o que resultou na assimilação de
expressões linguisticas, diferentes culinárias, hábitos e proces
SOs de consumo. A cidade de São Paulo desenvolveu-se com o
talento de muitos imigrantes e suas manifestações culturais. Nas
palavras de Jacob Klintowitz, "comerciar é o ato de ver o ouro
e it ao encontro de seus interesses. A liderança no comércio foi

11 Rosa Okubo.
um fator altanente positivo na integração de tantas correntes
Acervo lamilia Okubo. migratórias e imigratórias

Naquele periodo, um novo conflito marcou a história da cidade: a Revolução Constitucionalista


de 1952. A elite paulista, insatisfeita com o presidente Getulio Vargas, que havia acabado coma
"politica do café com leite", passou a ser representada pelo Partido Republicano Paulista (PRP) e
12 Bureau de recolhimento e pesageimn
de ouro da tampanha "Dei ouro deu inicio a um movimento armado contra o governo. 0 conflito se alastrou e o estado se viu sitiado
para o ben de Sdo Paulo. durante a
Revoluçdo de 1952. António Teixeira
pelas forças federais. Numa reaço de apoi0, o povo paulista se mobilizou para ajudar o exercito na
de1ado
Castro encontra-se sentado ao aquisição de armamentos, por meio da arrecadação de ouro. Fundaram então a campanha "Ouro
direito, Acervo Casa Lastro.
para o bem de São Paulo", lançada pela Associação Comercial. Inspirada numa iniciativa similar
OCorrida na Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial sob o lema Gold gob ich tür Eisen ('Dei
Ouro por terro"), os doadores de ouro recebiam anéis de ferro, cunhados pela Casa Castro, com
Os dizeres "Dei ouro para o bem de São Paulo". Além disso. podiam ser adquiridos anéis da cam
panha comno simbolo de cada profissão. Quem não inha o que aportar doava a própria aliança de
casamento. A revolução foi derrotada, mas a campanha foi um sucesso. Tanto que foi retomada
bem mais tarde, em 1964, em outro contexto politico.
Embora Sào Paulo não tenha sido bem-sucedido no confito. politicamente se tor taleceu e seguiu
como a "locomotiva do pais". Na capital surgiram arranha-céus como o edificio Martinelli. e o novo
Viaduto do Chá favoreceu a transferência do grande comércio do triàngulo para a praça Ramos de
Azevedo. A casa joalheira Bento Loeb se mudou para a rua Barão de Itapetininga e outras joalhe
rlas se estlabeleceram nas ruas adjacentes. Diversos palacetes foram derrubados para a construçad

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HISTÓRIA I SEcULO XIX E SÉCcULO XX

de edilicios com salas para consultórios e escritórios. A vida noturna passou a se concentrar em

bares cono o Hungaria, na rua Xavier de Toledo, ou em restaurantes cono o Palhaço, na avenida
São João, região que se tornou conhecida como "centro nOvo", alavancando o comércio da cidade

ao final dos anos 1930.


Na década seguinte, em 1940, a população de São Paulo atingiu 6,3 milhões de habitantes e houve

grande ascensão do comércio. Profissionais liberais instalaram-se nos novos edificios elite inte-
e a

lectual tambem optou por trabalhar e morar neles. Esses grupos. junto com proprietórios de terras,
politicos, industriais e comerciantes, formaram a dinánica elite paulistana, num cenário que se per-
petuou nas duas décadas seguintes, quando muitas joalherias e oficinas cormeçaram a despontar.

No Rio e na Amazónia: a Belle Epoque brasileira


O Rio de Janeiro era a capital do Brasil, mas em suas ruas mais frequentadas, como a rua do Ouvidor
a língua que mais se ouvia era o frances. Nas últimas décadas do século XIX. lojas trancesas que
traziam a ültima moda de Paris se multiplicaram, ofertando roupas, joias, acessórios, Iivros e revis-
tas, alem dos serviços de barbeirose cabeleireiros. Vinham de lå os artigos mais encantadores.
A vida social e cultural se expandia em bailes, concertos e espetáculos teatrais, dando o tom da
Belle Epoque brasileira. Em 1904, foi inaugurada a avenida Central, atual avenida Rio Branco, e
essa reestruturação urbana fez o centro de comércio da rua do Ouvidor migrar para a avenida mais
moderna, em torno da qual se aglomeravam novas lojas, como nas ruas do Rosário e Gonçalves
Dias, com seu famoso Mercado das Flores. a
Esse esplendor da Belle Epoque brasileira atingiu não somente a zona cafeeira - Minas Gerais,

São Paulo e Rio de Janeiro -. como também a região de produção seringueira: Amazonas, Rondônia
e Pará, que passou à história devido ao ciclo da borracha, cujas extração e exportaç o geraram
muita riqueza. Manaus e Belém usufruiam de novidades tecnológicas, como a iluminação elétrica e o
bonde elerico, que transitava por avenidas construidas sobre os påntanos aterrados. Lá inaugura-
ram importantes edificios, como o luxuoso Theatro da Paz, de Belém, en 1878, o Palácio Municipal
(atual Palácio Antônio Lemos), em 1883, e o Mercado de Ferro, en 1899. Em Manaus, foram cons
truidos o Mercado Público Adolpho Lisboa, inaugurado em 1883, o imponente Teatro Amazonas
em 1896, eo Palácio Rio Negro, sede do governo, em 1903.

Assim como no Rio de Janeiro e em São Paulo, a elite do Norte do pais circulava nos espaços
culturais e comerciais sob a infAuència da moda parisiense. A Belle Epoque marcou um periodo de
eclosão da vida social em várias cidades brasileiras. gerando o desejo do uso da joia, diferente-
mente do que ocorria no passado, quando a ourivesaria colonial servia mais a aparatos de igrejas
e imagens religiosas do que ao adorno eà ostentação das fanilias ricas.

1
Na Belle Epoque brasileira, eram Irequentes os bailes e banqueles, e coino
lembranca holo
olerta de joias aos convidados. Ana Maria Daou, em seu livro A bele bpoqur omozónico, conta ou
a esposa do militar coronel Benevenuto de Souza Nlagalnaes Vajou rom a lamilla ao Amazonas,

emre suas rerord.açdes de vingem. levava fotogralias do banquete do qual inha participado e dois

berloques de ouro que recebeu como lembrança do baile.

casas joalheiras do Sul do Brasil


Na região Sul do pais ha interessantes histórias sobre o desenvolvimento joalheiro. No Rio Grande
do Sul. por exemplo, a historia da tradicional Casa Masson remonta a 1826, quando o pequeno
Valenun Geyer foi trazdo da Alsacia para a cidade de São Leopoltdo, na época clhamada de "Feitoria".
e aprendeuo olicio de ourives. Valentin. jå adulto, abriu uma joalheria na qual niais tarde seu filho.
Revnaldo Geyer. 1rabalhou de aprendiz e tornou-se relojoeiro. Nesse interim, em 1871, foi fundacda
em Porto legre a Pêndula Misteriosa, uma pequena loja de conserto e venda de relógios, que loi
PEVLA MOS:IRIOSI
assim nomeada por ter na vitrine. a lim de chamar atenção, um relogio grande e transparente, no
gual os ponteros marcavam as horas como se lossem movidos por uma lorça misteriosa, mas que,
na verdade. tunham apenas omecanismo embutido em si. 0 proprietario da Pêndula Misteriosa era
Leopoldo Masson, um joalheiro carioca.

Reynaldo ainda jovem veio a trabalhar com Leopoldo Masson como auxiliar e, posteriormente,
consertando e vendendo jolas. Tornou-se amigo e söcio de Leopoldo Masson, e durante nuitos anos

15 RiVjn r 1et2isnn
trabalharam juntos. Em 1905, a sociedade entre os dois incorporou mais um membro à Pêndula.

Aos 14 anos, Leopoldo Geyer. filho de Reynaldo, inconlormado com uma nota baixa recebida
injustanente na escola, abandonou os estudos e se apresentou ao pai para trabalhar na Pêndula
MIsteriosa. tornando-se aprendiz de relojoeiro. Os garotos no início do século XX começovam a tra
balhar cedo, ajudando em tarelas simples, como oficina
são
varrera e entregar mercadorias. A
expres
varrer a oficina"é usada ate hoje para aqueles que começam a trabalhar numa olicina de joias.
Como aprEndiz, o jovem cresceu e, em 1916. tornou-se sócio do lundador
Leopoldo Masson no
pequeno negocio. A Iaz3o social passou a ser
Leopoldo Geyer e Cia, e, para homenagear o amigo
que retornava ao Rio de Janeiro. Imudou o nome da Péndula Misteriosa para Casa Masson. O neto
de Valenun lormou a
companhia. que substituiu a Pèndula Misteriosa, com uma cota de 10% nUm
capital total fixado enm 100 contos. Entre 1922 1923,
Leopoldo Geyer enfrentou uma séria crise cam
e
Dlalque aletou a importaç ão de joias
relógios, superada. porém, por meio do crediário ou sislema
e
de vendas a credito. com
pagamento a prestações. Anos mais tarde, mediante a
obtenção de diver
sas 3cilidades dos labrirantes europeus, impulsionouo volumme de negócios e abriu Uma loja nO
de Janeiro. Seguida de novas hiliais e
postos de vendas, auxílio de
com o seu filho Jorge Leopoldo.
? > i CU' : yXSE

SF
Geyer em uma rntrevista para arevistu
A história do crediirio loi
cortada pelo prop1 io L.eopoldo
1O A 30 MEZLS uma crise ameaçadora para aqureles que con
A alta do câmbio em 1920 gerou
Relógios & Joios' crédito so o c o r r i a no lrasil por reio
A vendd a
ivam com estoques de mercadorlas importadas. valor que ele ita

antijos cadernos de armazem, e I qUe o dono anotava o nome


do cliente r o
do' tambem pelo terino "fiado. Fabricas como a Singer.
o que era conherido
payar posteriornente, prålica t e
as vendas, mas a
de coslura, diante da alta concorrência, já parcelavam
de maquinas
no crédito como forma de liquidar Sey

então nio era comun entre lojas. Leopoldo Geyer pensavJ


era: "Vendas a pres
no entanto, quando consultava alguem a respelto da ideia, a resposta
estoque,
Ora, Leopoldo, ninguén da alta sociedade comprará
mais na sua loja!
ação?
dessa lorma poderla vender
Fra rir
Foi esse justamente o pulo do gato. Leopoldo Geyer percebeu que
outras camadas sociais e, em 25 de maio de 1922. a Casa Masson criou um depar
CASA MASSON seu produto a

ainda que confidencial e para clientes selecionados, avaliando os riscos e não


lanento de crédito,
NDRADAR D AL. NORLANG

mais conliando no "fio do bigode", ou seja, apenas na palavraempenhada. 0 desatio era abrir
14 n i o jutilirdo no jornal Conrio ho
P'ov) de P o t n A i r j , noy di.Is 20 e 25 tde
UIma linha de cadastro sem constranger o cliente, que Jamais iria querer responder a perguntas
de/mbro d 1931 Repiodu0 e malPtn
bancaria, na época considerado um proc edimento
como local de trabalho, valor do salário e conta
a isso e n prol de satisfazer um
muito inquisidor. poucos as pessoas se acostumaram
Porém, aos
Em u n ano, a Casa Masson jáá
desejo e adquirir algo que de outra forma não poderiam comprar.
contava com 250 clientes cadastrados em seu departanento
Os negócios se multiplicaram, uns
1 Atigo pivdlo d (Jsl Mass
lilial loi aberta e em poucos anos a clientela cadastracda era de nilhares. A "compra a presiaçao
se popularizou. Quem não pagava suas parcelas ficava conhecido como caloteiro ou "rei do calote
f d irchallori.ano, em Poito

Aleg evislt R) A ervo IBG1 na praçae no comércio. Bem mais tarde, na década de 1950, foi criado o Serviço de Proteção an

SPC ideia de permitir ao comerciante consullar se


Crédito (SPC). Existente até hoje, o surgiu com a

o cliente ten ficha limpa, ou seja, se não deve em nenhum outro comércio, o que ers teito no pra

prio estabelecimento antes de leclhar a venda.

Além de Porto Alegre. reduto da Casa Masson, a comercio joalheira tamben estava presente em
ouras cidades gauchas. Na pequena Guapore, a 200 km de Porto Alegre, a historia nos leva a João
Pasquali. que lá se instalou em 1907. Sua familia havia imigrado do Tirol. na Itália, em 1878, quando
ele tinha 6 anos de idade. e se instalou em Bento Gonçalves, depois de uma breve permanencia na capi
lal. Com 2 1 anos. João retornou à Itölia, onde aprendeu o olicio de ourives e especialmente a técnir a
de produção de chapeado. Na sua volta ao Brasil, escolheu ixar residência em Guaporé. tornando-se
o prineiro ourives radicado na região, onde passou a produzir artesanalmente allanças de noivado
e de casamento em ouro. A0 ensinar o oficio aos seus ajudantes, Começoua lormar mão de obra
especializada em joias e, em 1909, instalou a sua joalheria e uma pequena industria de [olheados, a

gd antua da jial.ivia dta IN Al

29
jOALHERIA NO BRASIL

seus dois lilhos.


qual incorporou

Lourenço e Albino, os quaisS,

tarde, criaram a Irmãos


mais

Pasquali e Companhia Limitada.


Aquela empresa precursora do
ramo joalheiro tornou-se a tra-

dicional marca Pasli. que hoje.


centenaria e com escala indus
urial, é comandada pela quarta
ri
geração da lamilia.

lo Feta em pata tmm atalrus Cia, 3oD


L a d lS0n Aeto
(ad Lrstio

17 lustiagao de um baete, biotlie nuit


Usdu nJs idéadas de 1940e 1950. Deealo
43

C
O41IERIA NO BRASIL

DECADIS DE 1940 E 1950: NOVOS COMIEÇOS

A Segunda Guerra Mundial e a nova onda imigratória


As multas ocorréncias de refügio movimentaram a historia da joalheria no pais, como íoi a sucedida
pela Segunda Guerra Mundlal, que provocou o ülumo grande êxodo judeu. No Brasil, estima-se que
20 mil judeus tenham chegado a São Paulo entre 1950 e 1940, 9uando o estouro da guerra impos-
sibilitou cruzar os mares. Ainda que em 1937 tenha sido criada uma legislação baseada em cotas
de imigração para controlar o número de estrangeiros que entravam no pais, diante do impacto,
as comunidades judaicas passaram a se organizar para receber e encaminhar aqueles que chega-
vam, tornando essa onda migratória particularmente planejada.
Na Alemanha, na noite de 9 de novembro de 1958. propriedades de judeus foram saqueadas,
7 500 lojas judaicas e 267 sinagogas foram destruidas, e perto de trinta mil homens foram presos e
levados a campos de concentração. O episódio ficou conhecido como "noite dos cristais" por causa
da grande quantidade de vidros quebradoas no chão, numa revanche nazista ao assassinato de Ernst
vom Rath. secretário da embauxada alem em Paris, pelo estudante judeu polonès deportado Herschel
Grynszpan. gue assim vingava a expulsão de sua lamilia da Alemanha, num dos mais dramáticos
incidentes ocorridos antes da declaração da Segunda Guerra Mundial, em 1° de setembro de 1939.

Na noite dos cristais, Roll Fred Simon.


jovesm de 17 anos de Uma lamilia de vinicultores, conse
guiv escapar dessa explosão de violência. Foi com o atraso de um trem que ele conseguiu embarcar
para o Brasil, onde já moravan dois irmos. Nesse romper do terror, deu-se inicio à expatriação de
judeus da Alemanha e de diversos paises europeus. A meta de muitos deles era chegar aos Estados
Unidos, mas, devido às restrições de imigração por parte das autoridades estadunidenses, o Brasil
tornou-se uma boa opção. Vale lembrar que desde o século XIX judeus alemes chegavam
país, ao
principalmente com destino a São Paulo, cosmo o caso de Edmond Hanau, fundador da Casa Hanau.
No ano seguinte,
em 1940, e com a mesma idade de Rolf
Fred Simon, Hans Stern chegou ao
Brasil famílla, em busca de um destino melhor
com a
que aquele que prometia a Alemanha, assim
como Rudoll Herrinann. que
fugia da Gestapo. Na Bélgica, a invasão das tropas de Hitler ocorreu
quando Jules Sauer, então com 18 anos, assistia a uma aula na Escola
professo- Politécnica. Seus
res pediram que ele fosse para casa, porem o jovem, atento ao que ocorria,
compreendeu que a
situação era mais grave. Pegou sua bicicleta e, em vez
de ir para casa,
lando por 1500 km. Lä, burlando a dirigiu-se à Espanha, peda-
vigiláncia, conseguiu chegar a Portugal e, em Lisboa,
coU nun transatlántico com
destino ao Brasil. embar
David Kaufman, ourives na Roménia. permaneceu em sua terra natal por mais tempo. Como
os nazistas precisavam do seu oficio na coleta de ouro e joias dos que eram aprisionados, muitas

32
HISTORIA | DiCADAS DL I940 195o NOVOS cOMEÇOS

vezes poupavam os ourives. Assim, David resistiu até


quase o linal do conflito, quand0, ao
perce
ber que a situação havia licado insustentável, veio para o Brasil com a mulher.

Outros permaneceram na Europa e lutaram durante toda a guerra, mas, ao fim dela,
precisa-
ram migrar para recomeçar. E o caso de Natan Kimelblat, que tinha 16 anos
quando a aldeia de
Legist. na Ucrânía, foi invadida, em julho de 1942. por tropas da SS. Por instinto, correu para uma
fHoresta onde havia outros fugitivos e se escondeu. Sua aldeia foi
devastada. Seus pais e irmos
mais novos foran1 luzilados. Na floresta, encontrou outros
judeus se juntou aos guerrilheiros da
e
divisão Kovpak. que reunia mais de dois mil resistentes
ligados
ao exército soviético. Lá, Natan
encontrou seu irmão mais velho, Izac Kimelblat, e ambos lutaram juntos no decorrer da guerra.
Quando o conflito acabou, os irm os seguiram para a Itália. inicialmente como
desejo de migrar
para a Palestina. Porém, como tinham dois tios no Brasil, dirigiram-se à embaixada brasileira, onde
Ihes forneceram uma lista telefonica para que os localizassem. Foi nela que encontraram o cami-
nho para o resto de suas vidas: o nome de um dos tios.

Assim conta Natan Kimelblat

Uim dio, eu estovo no ilo do Joint forgonizoção internocional de apoio aos


migrontes judeus), e na minhio Irente estovo um ropoz folondo pora outro que ia
poro o Rio de Janeiro. jo que um t1o Ihe havio enviodo uma passogem. Eu lembrei
que o minha mõe tintha dois irmãos no Rio de Joneiro e nessas horas você tem
Tome de parente, de um conlhecido. Porque, quondo se fico sozinho no mundo, a
tristeza é MUito gronde Entõo perguntei paro o ropoz como eu poderio descobrir
meus tios no Brosil. Ele me orientou a ir à embouxodo broasileira e dor o nome, que
eles unhom umo usta telelönica e poderiom descobrir na hora. Eu e meu irmão
saimos iguol o dous loucos rumo o emboixoda do Brosil. Nõo lolóvamos inglés e
nos oteadeu loi um doqueles brosileiros bem
italbono muito pouco. Ouem more
nos.Noo eutendi nodo do que ele disse e cle nûo entendeu noda do que eu fole,
mos pegou una hsta telefonica e me deu. Estova chero de geute li. E eu nunca
uha visto wno listo na minho vida. Al. perquntei: "Como, como é isso?" E un
Mahono que estava oo lodo disse: "Nosme, nome!". Al eu esrrevi o nome do meu
tto, David Roitenberg Num seguada ele obru. tal, tol, tal: "Tó aquit". Me pore-
ceu ter achodo o Messios. Vi o nome do meu tio: Dovid Roitenberg, Loranjeiros
558.Lembro oré hoje
Natan Kimelblat. Hans Stern, Rolf Simon, Jules Sauer, David Kaulman e Rudoll Herrmann são
alguns dos tantos nomes que marcaram a historia da joalheria brasileisa e que vieram ao pais

33
JOALHERIA NO BRASIL

fugindo da guerra. Eles fundaram, respecivamente, as joalherias Natan Joias, H.Stern. R.Simon
Joalheiros, Amsterdam Sauer. Vivara e a fornitura Cronómetro Federal.

Os judeus possuem uma longa tradição na joalheria. Na Europa, durante a ldade Mèdia, já tinham
uma posição de destaque na manulatura e no comércio de joias: o principal centro diamantário
de Ansterd, no século XVI. ja lormado
era maioria por
judeus. Por outro lado, as perse-
na sua
guições que sofreram ao longo da História os lizeram aprender que joias e pedras preciosas eram
bens que podiam ser lacilmente carregados de um lugar a outro, e talvez isso tenha contribuído
para a
formação de um grande número de joalheiros.0
Por isso, Alberto Dayé dizia: "Se você tem uma pedra, vocë pode se virar em qualquer lugar
do mundo!".

Rio de Janciro, Belo Horizonte e São Paulo


Natan Kimelblat chegou ao Rio de
Janeiro em 1947. aos 24 anos. Seu tio, dono de uma casa
modas, o levou para tirar de
de licença ambulante e o apresentou a um amigo fabricante
de bolsas,
com o qual firmou o seguinte acordo: Natan levaria doze bolsas, consignadas sob a
palavra do tio. para serem vendidas em um més. Com as bolsas garantia da
no ombro, o
porto em direção aos bairros da cidade, escolheu jovem saiu do cais do
inicialmente Ipanema. Natan não lalava uma
vra de
portugués, porém, depois de varias tentativas, conseguiu se comunicar com uma
pala
em alemão, e ela o senhora
apresentou a outras damas. Ipanema foi o bairro certo.
tou å fabrica com No final do dia, ele vol
apenas duas bolsas. Ninguém acreditava,
Entretanto, Natan entregou-lhes o dinlieiro achavam que tivesse sido assaltado.
recebido e ganhou una nova
A história dos homens
oportunidade.
de sucesso, na maioria das vezes,
desprendimento nato que laz arriscar tudo que tém, quandomostra
os
um certo
o arrojamento, um
tão pouco tém, com vma
lidade
singular. Para comemorar, o tio de Natan
levou-o para numa
natura-
jantar
casa. La havia um unico
quarto vago, o mais caro, e, contra pensão ao lado de sua
com ele, usando para a vontade do tio, Natan resolveu ficar
pagar o
primeiro més de
aluguel t10do
e
bem-sucedido dia de trabalho.
o dinheiro arrecadado no seu
primeiro
As
pensões erain locais que, embora muito
pois proplciavam um intenso simples, abriam caminhos para multas
convivio
Sauer, alem de muitos ovtros,
moraram esm
compartilhado. Joallheiros como Natanpessoas,
no
espaço
e Jules
pegava carona com Um ourives que morava pensões. joallheria para Natan coneçou
A
ali lunha uma e quando ele
lojinha em Copacabana. Tomavam
juntos num bar vizinho e, com a convivencia e café
e
modificações para as jo1as do amigo. Um dia contalo, logo Natan começou a sugerir desenlhos
encomendou a ele suas e próprias joias saiu para
34
HISTORIA | Di CADAS Dt 19,10 1950: NOVOs COMLÇOS

vendé-las relazendo o
percurso das bolsas.
Conseguiu repetiro
sUcesso das vendas. contudo,produto desenhado por ele
com um
mesmo. Nove anos depois, ja casado com
Anny Klang, abriu seu
primeiro escritório na avenida Copacabana, em agosto de 1956.
O rapaz que vivera numa
pequena aldeia entre cavalos e vacas
dava inicio a uma trajetória de sucesso em
joias e luxo no fres-
cor da aumosfera de Copacabana.
m São Paulo, chegava ao Brasil o italiano
Luciano Tadini,
também apos um intenso periodo de
guerra. Ein 1943. com 17
anos, teve de fugir de Milão e
juntar-se a Resisténcia italiana, os
portigioni. porque ele e seu pai eram membros do parido esquer
dista e estavam sendo procurados pelos órgãos de inteligéncia
fascista. Quando a guerra acabou no final de 1945, voltou a Roma
para trabalhar para a Bulgari. Sua história na joalheria começou
na intancia: o tio tinha uma oficina de joias e o levava para ver
Os ourives trabalharem. Ele conta: 19| Deseaha de jola
de Luclino Tacdini
Acervo lali.s Lacdinni
Foi ossum que comecei. me dovom um
pedacinho de prata poro brincor e eu
pegUel o gosto, desenhondo a propria peço no banca. Eu tinha 8 anos, estudova
de monhð e à tarde me divertto trabalhando no ohcno do meu tio. a Depois vei0
yurrro Mais torde, em 1945, me mude poro Milõo porque hovia perdido minho
mãe, lui lozer Belos Artes ó noite e de dio trabalhava numa gronde oficino
joa-
lheuo chomada Cuzzi, que lornecia joias poru a Casa Real italiona.
No
pos-guerra, Luciano Tadini quis emigrar para os Estados Unidos. por influéncia de uma tia
que morava na Califórnia, porém a cota de vistos para aquele país era muito pequena. Seu pai era
amigo do cônsul brasileiro em Milão e por intermedio dele soube que estavan à procura de um
designer e cravador de pedras em São Paulo.

Mas uma vez. para sair da Europa. o destino mais oportuno foi o Brasil. Tadini embarcou num
av0 da rerém-fundada Alitalia para uma
viagem de 36 horas, cujo percurso, a
partir de Milão,
Icluia escalas em Roma. Madri, Lisboa, Ilha do Sal (en Cabo Verde) e Natal, base aérea estaduni-
derse durantr lá,
a guerra: o
apareiha teve um pneu furado e precisou ser reparado antes de con- 201 Cla rlucdano 1.idint
unar o tajeto para o kio de Janciro, de onde seguiu linalmeate para São Paulo, em 1 de janeiro
de 1951 Tinha 24 anos e estava rerem-casado. Carla, sua
esposa, chegarla p0Ucas senanas depois.
d n der epcionoU-se com seu emprego, qve consisia apenas de cravar rubis sintelUcos no pro-
Cso de montagem de relogios. Nesse interim. porém, um companhelro de viagem 0
apresentou ao

35
OALHERIA NO BRASIL

principe Giovanni Alliata di Montereale, cuja esposa era Olga Matarazzo, filha do magnata indus-
trial Francisco Matarazzo. Assinm, entre jantares e lestas, Tadini foi introduzido à colônia italiana.
Passados três neses, saiu de seu emprego, alugou um apartamento e lá mesmo montou uma
oli-
cina. As pessoas da comunidade começaram a Ihe encomendar traballhos, sobretudo senhoras
que queriam reformar seus colares e
pulseiras. Desenhando na Irente de suas prineiras clientes,
Luciano licou logo conhecido: "Clhegou umn italianinho, um artista, ele lazo que vocè quiser, como
vOcé quiser: ele desenha um. dois
esquetes que são uma beleza: um artista!". Uma cliente indi-
cava assim não Ihe Ilaltou trabalho. Teve de contratar
outra e
um
primeiro ourives e outros em
21| Bolsa de ouro com lecho de
seguida. ja que eram muitas as encomendas.
esmeraldus. CtiagJo da Casa1elo,
Na mesma
nos
1950, Ateivo CJsa led0 JoJllieii
época, o filho de Leão Sayeg. Ivan Sayeg. ingressou na Casa Leão em 1947, aos 18
anos, e passou a ajudar na
criação de solitários de diamantes e pérolas. Póde acompanhar de
perto
as
inspirações criativas do pai, que era lascinado por Coco Chanel desde 1932.
com seu estilo, acompanhando
quando ela despontou
evolução do comportamento da mulher noderna e sua entrada no
a
inercado de trabalho. Com uma
percepção certeira e ågil. Leão Sayeg acompanhava as mudanças de
habitos e costumes, identilicava e seguia tendências.
adaptava seu estilo e mirava a modernidade.
moda de Coco Chanel não
A
apenas influenciava Leão como também
perolas, que já eram o principal produto na joalheria de Rosa Okubo. impulsionava o uso das
Rosa começava a ser
cida comoa rainha das
perolas. Seu lilho Julio a conhe
nas dos renomados
no ajudava urabalho: ele foi aprendiz nas ofici-
joalheiros Helbo Lucchesi, Alberto Oxman e Oscar Rizzi e
trabalhou em diver
sas
empresas joalheiras que lorneciam para grandes lojas, como a Casa
Castro e a Bento Loeb.
Os Okubo
adquiriram um imóvel numa ravessa da avenida
Brigadeiro Luis Antònio; instalaram na Irente o escritório de
das e, nos lundos, a oficina e a ven
residéncia da familia. Lá, Julio
Okubo desenvolveu estilo, criando fechos para os lios de
seu
perolas que dona Rosa montava para as clientes. Foi o
homem a lurar
primeiro
uma pérola no Brasil

E preciso fer uma VIsta muitO boo


poro ver
g
dilerença entre o5
perolas. Groços a Deus,
sempre tive boa vista. Paro
montar um color
por cxrmplo. pretisOvO Selecionar pérolas do
iesno coi. Eiu seletionova os
p:rolas pos50v0 e
a
ntiodora. que montovo o color As perolus
psa brucos e oneis linhom que 22| Julin Okubo
d

e
ser furadus dieila, On demai
Uno ICPira
que escondessem os detestos Areno lainilia Okubn.
HISTORIA | DEcADAS DE I940 L 1950: NOVOS COMEÇOS

Gerolmente, perolas opresentavon umo morquinlia no local onde erom colo-


as
dos enmõo, procurÓvomos lurar ló. para esconder o deleito. Paro
ds ostros,
que
olguns lechos licossem no própria pérolo. alorgóvomos o luro da pérola e inse-
riamos um tubinho, e nele uma linguetinho prender color. Furor
pora o pérolo
pora ojeitor era comigo

Não só na capital o panorama da joalheria se ampliava nas mãos dos imigrantes. Foi no inte-
rior de São Paulo, na pequena mas pujante cidade de São José do Rio Preto. que o italiano Pascoal
Carrazzone, vendedor de joias na Itália e na Espanha, se instalou quando chegou ao Brasil no final
do século XIX, com una parte de sua familia. Com seu primogênito Orestes. Pascoal montou uma
pequena joallheria e posteriormente seus oUtros filhos, que tinham licado na Italia, vieram tam
bem para São José do Rio Preto e abriram. cada um deles, as próprias joalherias ao todo, são
quatro lojas da lamilia Carrazzone. A única lilha de Pascoal, Tereza, casou-se em 1939 com Marco
Costantini, também italiano, que era necánico de prolissão, mas que, depois de alguns anos de 23| Man0el Beinardes examinando
casado, vendeu sua oficina mnecânica para tornar-se sócio do sogro e do cunhado. Os negócios meradoras na Allanodega
ACCINO NManoel Bernardes
prosperaram, Marco Costantini saiu da sociedade e, no ano 1946, abriu uma loja própria de joias e
artigos de cristal, a Casa Costantini. O casamento de Marco e Tereza marcou a união das lamilias
Carrazone e Costantini, assim como o inicio do nome Costantini na história joalheira. José Pascoal
Costantini. Ilho do casal. nascido em 1945, vivenciou então desde muito cedo o mundo das joias
e, anda menino, atrás dos balcões, ajudava no atendimento aos clientes que entravam na loja de
seu pai. Sobre essa época, Jose Pascoal Costantini conta:

São Jose do Rio Preto era umn centro regional. ossim como Cotonduvoe Aroçotubo.

Una cidade de interior pequeno, mos onde o setor de joios ero dinónico. Nessa

os comerciontes esperavom o trem chegor para trozer os clientes. Hovio


epoco,
era de um tio meU, depois hovio outra
UIna ruaprincipol e, nelo, o primeiro lojo
Outra e outro, eo lumo icavo sempre prejudicodo. Alé o meio-dio podio-se
mas depo:s o clientelo escopovo. Os comprodores
Vinliom de
pegar um cliente.
úrios pontos do sertão, erom sitiontes ou donos de olgum outro comercio que

vinhom o São José do Rio Preto pora lozer suos Compros regulores.

Ja no centro de Belo llorizonte, no inicio dos anos 1940, havia uin bar na avenida Alonso Pena
chamado Polo Norte, onde um grupo de pedristas., os vendedores de pedras, se reunia para "jogar
Là estava Manoel
ronversa lora" e trocar informações sobre o mercado das pedras preciosas.
Bernardes. Manoel montou m modelo de comércio semelhante a Uma bolsa de pedras: a
comuni
d.do lapidár ia Ihe olerecia sua produção semanal, e ele canalizava boa parte da produção de Belo
de diversas procedèncias e tor-
Hori/oito Aos poucos, Manoel formou lotes comgrandes pedr as
ou-se ui grande atacadista. já que manejava uma parcela considerável do estoque de um dos

37
JOALHER'ANO BRASIL

day miterdam na

mstedam She

AMSTERDAM TD
principais centros de produção do Brasil e atraia jovens empreen
dedores como Hans Stern. que ia a Belo Horizonte para comprar
pedras brutas e lapidadas. e Jules Sauer. que ja estava na cidade.

Logo que chegou ao Brasil, o Lrancés Jules Sauer apaixonou-se


pelas pedras preciosas e decidiu estabelecer-se na capital mineira
Em 1941. fundou a Lapidação Amsterdam Limitada. em referên-
Ci à cldade de Amsterd, na Holanda, centro de exceléncia na
lapidaça0 e no comercio de diamantes. Em poucOs anos, a lapi
daão abrangia o comercio de pedras preciosas da mineração a
venda por
atacado. Foi quando Jules contratou como secretä
ria 7lda VWaks, a
quem anos mais tarde propôs
sociedade e. em
1950, casanmento O casal mudoU-se para o Rio de Janeiro e mon
tou escritório na rua Mexico, no centro
da cidade e em frente à
embaixada dos Estados Unidos. Jules falava oito
linguas, o que
lacilitou relacionanento com embaixadores e cónsules e 0
seu

acesso aos
estrangeiros que visitavam o Brasil. A evolução do
ransporte aereo propiciou essa lase de seu negocio. Os
denses eram grandes
estaduni
compradores. pois ja tinham uma tradição
de consumo de
produtos contemporáneos e gostavam de cores.
O Brasil tinha se tornado
desüno para eles e as gemas eram
um
o
comprar.
que queriam Na
Méxiro. lembra Daniel Sauer,
rua
"a
pessoas laziam fila para serem atendidas por ele:
não vé mais hla em nenhum
hoje em dia vocé
de ipo joalheria".
Sauer
25 Jules Sauer
Jules Sauer
trabalhou durante uma decada sobretudo no validido und gema

cado, vendendo para ata Aeno Ansterdam Sluer


pessoas indicadas por meio da propaganda
bora a bora. Originalmente, as gemas brasileiras não eram lapi
dadas, eram levadas brutas,
especialmente pelos alemes, que
as benehciavam em suas
lapidações
cado untetno, joias
mais
avançadas. No mner
Como anéis de grau eram feitas
con
sinteticas e
imitaçõrs importadas de outros paises. Porem,gemas
Jules
Sauer apostou nas gemas de cor brasileiras e
7ir suas começou a
produ
joi35 com elas. Em 19S6,
Inaugurou a
piimieira joalheria
Pm Irente à praia de
Copacabana e estrategicamente ao lado do
itoiel Copacabana Palate
26 eluta d.a L0ja Sourr, em
190,. tio Editu i0
(lopin, fm (opetatbmnd AtIG
AMstPtd>m 53ie
PRE-1IISTORLA" D\JOALUERI NO BR1SIL
A arte de ornamentar o corpo desenvolveu-se desde tempos pretéritos. Os
indigenas do Brasil a
praticavam há milhares de anos e no há como ignorar esse valioso antecedente
cultural na evo-
lução da joalheria nacional.
A vontade de se enfeitar e exibir
junto ao corpo artefatos ornamentais de beleza natural acom
panha a humanidade desde os primórdios. A necessidade do adorno
obedece a um instinto primi-
tivo e a uma vocação estética inerente ao ser lhumano.

Homens e mulheres indigenas não eram alheios à


vaidade e chegaram a produzir
mentais de grande beleza. Serviram-se dos peças orna-
materiais que achavam no seu entorn0: coloridas
de aves tropicais, sementes como a penas
jarina, tucum, açai e olho-de-cabra; dentes de macacos, de
nos e de diversos animais, além de
fibras vegetais naturais, como o
feli
capim dourado, ou outras bela
mente tingidas e trançadas, materiais que eram utilizados para
a confecção de
cocares, diademas, capas, braçadeiras, pulseiras.
cintos, tornozeleiras, colares, brincos e
pingentes.
Quanto ao uso dos nácares de conchas marinthas e moluscos
terrestres, destaca-se a confecção do colar denominado "urJpei
pelos indios do Xingu, joia de alta estima com que o noivo presen
teava o pai da sua noiva na cerimônia de casamento, conleccio-
nada a partir de caramujos selecionados, dos quais eram extra
das, com ferramentas de pedra, làminas aparadas de aproxima
dlanente um por dois centimetros que, agrupadas como contas.
A formavam um belissimo colar.
Os nossos indigenas tambéu confeccionaram enleites enta
Ihados em madeiras nobres, ossos, resina tóssil e pedras pre
T57 ir
ciosas, que utilizavam para inserir em perturaçðes que pratied
bochechas e
Vam no tabique nasal, nos lbulos das orelhas, nas
0s dis
Sob o labio inferior: orelheiras e tembetás, assim como
. i COs bucais que até hoje utilizam os indios Caiapos da \na70nld.
simboli~ando
eças com um significado que vai além da estética,
tt
status, proezas e práticas rituais
Na Sua exuberància ornamental de cores vivazes, s iu
1.t . to Brane r actichi
nao discriminavam homens de mulheres, nein velhos de CTLIt
. 2 cores C 10r
Sas. todos se enfeitavam, emulando a riqueza de

59
que apreciavani na natureza, nasrequintadds ofquiea>, nas nulicoloridas borboletas e irisados
anunais.
insetos, assim como nos padroes, com extr aordinarias combinações de cor, da pele dos

Modernamente, entende-se por joia um artelato de matéria preciosa que se Usa cOIno adorno
na nossa cultura envolve, sobretudo, metais nobres e pedrarias. Assim, passare-
corporal, o que
mos a nos centrar nesse aspecto da ancestral arte de ornamentar o corpo.

O desenvolvimento histórico da Brasil foi marcado a partir da Descoberta, em 1500,


joalheria no

índios da Terro Popagalli, diferentemente


pela procura de pedras e metais preciosos. Entre os
acharam objetos de cobre ou de prata, e
daqueles da região andina e da América Central, não se
há alguns relatos da época da
muito raro foi o uso do ouro, limitado a raros pingentes dos quais
confecção de obje-
pedras preciosas, porém, foram do agrado dos indígenas para
a
Descoberla. As
adornos faciais tembetá.
tos ornamentais, pequenos idolos, amuletos rituais, muiraquits,
como
como pontas de flecha, machadinhas
pedras de mando" e até na produção de artefatos utilitários,
vezes o único testemunho de
comunidades inteiras há
e rodelas de fuso. Esses objetos são muitas
rotas de migração. práticas rituais e orna-
muito extintas e aportam dados sobre seu nível cultural,
mentais, além da destreza individual do artesão que
os produziu.
centrava-se naquelas mais abundantes e
No Brasil pré-cabralino, o uso das pedras preciosas
e beleza natural, se tornavam aptas
achadas à fHor da terra, que, por suas propriedades fisicas
Entre as que hoje consideramos gemas ou pedras
para a confecção de objetos de ornamentação.
nefrita, amazonita, ágata, ametista,
preciosas, contavam-se diversas variedades de turmalina, jade
foram utilizadas em colares e penduricalhos,
quartzo hialino, calcedönia e silex. Gemas também
existindo rarissimos exemplares de turmalinas elbaitas
verdes e azuis, roladas naturalmente, nas
furo para servirem como contas.
quais se praticava um

Pedras de mando" e lembetás


de Arqueologia Etnologia e da Universidade
Entre as peças notáveis, expostas em museus como o
de São Paulo (MAE-USP), contam-se as "pedras de mando", em quartzito alaranjado ou quartzo lei

1OSo, ornamentos masculinos consistentes num cilindro perfeitamente polido, de atê quinze cen
tirnetros de comprinento por uns três de largura, com um orilicio transversal na parte superior.

por onde eram suspensos ao pescoço, destinados a denotar a nobreza do portador e que os che-
es Usavam em ocasiðes solenes.

01embetá loi oulro dos extraordinários objetos da ornamentação indigena, utilizado pordiver-
ss etnas da reyião Nordeste e Amazônica. Consistia num enfeite de formato cilindrico, achatado
0U rompr ido, tendo num dos extremos um alargamento, o que era introduzido em incisões sob o
I
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158 On.Jealo 1Jualle
21:1

labio inferior e tambem nas bochechas. Para sua conlerção, utilizavam-se pedras como o quartzo
hialino, quartzo aventurino, berilo, amazonita e nefrila, além de uma resina assenelhada ao ámbar
Os mais apreciados eram da cor verde e foi seu Uso por parte dos nativos que despertoU nos por-

ambição por descobrir esmeraldas no Brasil.


lugueses a

O sertanista Gabriel Soares de Sousa (1540-1591) testemunhou o uso dos tembetás: "Para 0s
Tupinambas lazerem-se bizarros usam de muitas bestialidades estranhas, como é fazerem. depois
de homens, Irès ou quatro buracos nos beiços de baixo, onde metem pedras redondas. verdes e
pardas, que ficam inseridas nas laces, semelhando demónios, e sofrem estas dores para infundir
terror aos seus contrários"

O muiraquil , a joia indigena brasilcira por exeelencia


Pela originalidade, significado ritualistico, material empregado no entalhe e requinte do acaba-
mento, o nuiraquit é o suprassumo da arte litica e a peça mais emblemática da joalheria dos anti-
gos habitantes do Brasil. Extremamente antigo e raro. procedente da região habitada pelos indios
Tapajós e Cunuris, era um amuleto que se levava como pingente, pendurado no pescoço. Os exem
plares mais apreciados daquele misterioso talism foram confeccionados em jade nefrita de cor
verde-esmeralda, material de origem ainda misteriosa no nosso território, provavelmente origi
nário de contatos ancestrais com os povos da América Central, onde aquela pedra preciosa era
abundante. O certo é que as peças sempre aparecem já confeccionadas e até o dia de hoje não se

acharam pedras da mesma qualidade em estado bruto.

Trata-se de estilizadasliguras antropomoríase mais comumente zoomorfas, tais como lagdtur


xas. peixes e tartarugas, sendo mais irequentes as figuras de rãs com as patas encolhidas.mos
registros mais antigos loi o do naturalista francês Charles Marie de La Condamine (1701-177,
que observou esse tipo de ornamentos no Baixo Amazonas. Segundo a lenda. teriam sudo prod
Z1dos pelas amazonas ou "mulheres sem homens", vistas pelo explorador espanhol Francisco 0e

ao descer o rio pela primeira vez, em 1542. Os relatos afirmam que as amazonas
Orellana
ds peças de uin lago no seu territórioe as trocavam com os homens que as visitavam anualiie
ext
tambem a denoinind-
AS expressoes pedra-verde e
pedra das amazonas lhe são sinónimas, e
aO anva ito-tuxouo ou "pedra do chele", já que eram distintivas dos caciques e lideres yueti
Os lapajJOs, constituindo moeda de troca em neqociações de paz e alianças, dssm cond itd ran

sações vinculadas a casamentos.


de 1950: "SJo r
yundo Raymundo Moraes, na sua obra Amphiteatro Amazonico. Je
luner:t,
noje, ainda assin, de longe em longe, encontra-se unm, perdido numa urna

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