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LAVAGEM DE OURO, RUGENDAS

A mineração no Brasil Colonial concentrou-se em As pinturas dos viajantes devem ser entendidas
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso na primeira como uma representação, é o olhar do estrangeiro
metade do século XVIII, alcançando seu ponto sobre o Brasil e sua gente. Elas estão impregnadas
máximo entre 1755 e 1765. Nessa época, o Brasil pelos valores de sua época, pelo modo de viver e
era o país que mais ouro produzia no mundo. A pensar do artista que as produziu.
quase totalidade desse ouro vinha de Minas Gerais
e uma boa parte de Vila Rica (atual Ouro Preto). Por isso é importante o trabalho do historiador que
pesquisa outras fontes documentais e as confronta
O ouro provocou grandes transformações na com as pinturas, avaliando a representação que elas
colônia contribuindo para o povoamento do interior fazem da sociedade.
e o crescimento demográfico do Brasil. Levou à
fundação de numerosas vilas e cidades e, com elas, A aquarela de Rugenda é rica em detalhes relativos
a proliferação de mercadores, artesãos, às técnicas e ao trabalho de mineração, às relações
taberneiros, boticários, cirurgiões-barbeiros, sociais estabelecidas nesses locais e do ambiente
tropeiros etc. natural. Os historiadores trazem outras
informações como veremos a seguir.
A partir de 1770 e, em especial, 1780, a produção
de ouro e diamantes sofreu forte declínio causado, O trabalho de mineração
em parte, pelo esgotamento das minas ou pela falta
de técnicas e equipamentos mais apurados. A Grande parte dos escravizados da mineração era de
atividade mineradora reduziu, mas não origem mina: africanos embarcados no Castelo de
desapareceu. São Jorge da Mina, um estabelecimento português
no Golfo da Guiné, costa leste da África. Muitos
Por volta de 1822-1825, o artista alemão Rugendas vieram do reino Ashanti, atual Gana.
em viagem pelo interior do Brasil registrou em
desenho a exploração de uma lavra de ouro. Seu Os negros e negras daquela região tinham um
trabalho, publicado em 1835, é uma das cenas mais conhecimento técnico apurado, desenvolvido
conhecidas da mineração aurífera nas Minas Gerais. durante centenas de anos. Dominavam técnicas de
mineração do ouro e do ferro, e também a fundição
O artista desses metais, desde muito antes de qualquer
contato com os europeus na era moderna. Eles
Johann Moritz Rugendas (1802-1858) chegou ao conheciam muito mais sobre a matéria do que os
Brasil em março de 1822 integrando a expedição do portugueses.
naturalista e diplomata russo-alemão Georg
Heinrich von Langsdorff. O objetivo dos viajantes Na África negra, a mineração de ouro era feita
era percorrer o interior do Brasil. Rugendas havia também pelas mulheres que participavam de todas
sido contratado para documentar, em desenhos e etapas: prospecção, faiscação do ouro, peneiração
pinturas, a fauna, flora, paisagens e costumes do da lama aurífera, lavagem das pepitas e transporte
povo brasileiro. do metal.

Depois de alguns meses, Rugendas deixou a Além disso, as mulheres Ashanti dedicavam-se ao
expedição e passou a viajar por conta própria comércio local: montavam suas vendas nas ruas das
percorrendo. Ao retornar à Europa, publicou sua cidades onde vendiam alimentos e objetos
obra Viagem Pitoresca através do Brasil (1827- variados, pagos com ouro em pó. As crianças não
1835) reunindo cerca de 100 litografias das imagens eram empecilho ao trabalho feminino: as pequenas
produzidas em sua expedição. eram carregadas às costas amarradas com pano, e
as maiorzinhas seguiam ao lado da mãe.
A imagem como fonte histórica
O conhecimento africano foi transferido para o
Rugendas, assim como Debret e outros artistas Brasil para a exploração de ouro e diamantes.
estrangeiros que estiveram no Brasil no século XIX, Foram os negros que introduziram instrumentos
deixaram numerosas imagens sobre negros, como bateias, carumbés e gamelas de madeira; o
indígenas e brancos em cenas diversas. Apesar da uso do couro de boi para reter o ouro; a construção
riqueza de detalhes e de seu valor documental, dos mundéus (tanques para decantação do ouro de
essas imagens não são fotografias do passado. aluvião); a técnica da canoa (condutor de água,
aberto e inclinado) etc.
LAVAGEM DE OURO, RUGENDAS

Leia a descrição da aquarela de Rugendas e Os mundéus são constantemente remexidos com


marque, na imagem, os números correspondentes bateias e carumbés (6) para recolher o ouro.
aos detalhes mencionados.
Usa-se também couros de bois (7) sobre os quais o
Há três locais de exploração do ouro: no canal minério fica depositado pelas águas vindas da
escavado (1), na área alagada pela cachoeira (2) e montanha. Batendo-se no couro o ouro se solta e
na encosta da montanha, onde foi aberta uma cai em um prato chato.
galeria (3) cujo acesso é feito por tábuas
equilibradas nas pedras. Finalmente todo ouro extraído é colocado em uma
gamela (8) para uma última lavagem.
O ouro é de aluvião, encontrado em meio ao
cascalho, areia e argila. Os faiscadores entram na O ouro extraído é pesado e se for de bom peso, a
água até a cintura e recolhem a areia do rio numa descoberta é comemorada e recompensada com
bateia (4). Remexendo a bateia deixa-se sair a terra comida, cachaça e roupas novas (9). Em
e o cascalho, ficando o ouro, mais pesado, no fundo contrapartida, o escravo indolente e pouco
cônico da bateia. produtivo era punido com açoites (10).

Um longo canal condutor foi escavado para trazer a Algumas escravizadas trabalhavam na mineração
água até o lugar que se deseja explorar. O canal tem (11) fazendo o mesmo trabalho dos homens. Eram
gradis para reter as pedras mais grossas e forma comuns, também, as “negras de tabuleiro” ou
reservatórios, chamados mundéus, para “quitandeiras” que iam às minas vender alimentos,
decantação do ouro de aluvião (5). fumo e outras mercadorias recebendo em
pagamento ouro em pó.

“Lavagem do minério de ouro perta da montanha de Itacolomi”, Rugendas, 30 cm x 26 cm, 1835.


LAVAGEM DE OURO, RUGENDAS

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