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BAKEWELL, Peter. A mineração na América Espanhola colonial.

In: BETHEL, Leslie


(org.). História da América Latina: A América Latina Colonial. Vol.II. São Paulo:
EDUSP, 2008.

“O ouro acumulado durante séculos foi saqueado nas duas décadas, 1520-1540, que
assistiram à conquista militar espanhola da América Central e da América do Sul.
Depois disso, embora o ouro fosse minerado em quantidades variáveis e
frequentemente substanciais, a prata predominou tanto em volume quanto em valor
produzido” (p. 100).
1. O ouro das Antilhas, apesar de ter se esgotado rápido, atraiu a atenção dos
colonizadores para o continente, e lá foram logo sendo descobertas as minas de prata,
que já funcionavam na década de 1530. A descoberta do ouro fez com que centros
urbanos e estradas se desenvolvessem rapidamente. (p. 102)
2. Os veios de prata estavam localizados em grandes altitudes, enquanto que o ouro era
explorado em terras mais baixas, nos aluviões. Enquanto que o ouro era encontrado
em seu estado natural, a prata, na maioria das vezes aparecia como o resultado da
reação com outros minérios.

AS TÉCNICAS DE EXTRAÇÃO
1. Para explorar um veio de prata, os mineiros abriam um poço e iam escavando cada
vez mais a fundo, o que levava a abertura de túneis estreitos e sinuosos conhecidos
como “sistema del rato”, atitude que foi responsável por muitos problemas na
mineração. Ao invés de cavar um poço reto e trazer o minério para cima com um
guindaste, era mais barato empregar operários indígenas para trazê-lo pelos
caminhos tortuosos. A partir de fins do século XVI, com a diminuição da mão de
obra indígena, a exploração tornou-se mais racionalizada.
2. Um dos primeiros sinais dessa racionalização foi a escavação de galerias de acesso,
os socavones: “túneis levemente ascendentes cavados desde a superfície para
intersectar galerias inferiores de uma mina”. Outro deles é o uso de bombas para
drenar a água para fora da mina, ao invés do uso de grandes bolsões de couro que
eram arrastados para fora. Os cabrestantes e a dinamitação são citados como outros
avanços.
3. Se extraído de veios, a descrição dessas técnicas é válida para a extração de ouro
também, contudo a maior parte do ouro era extraída em aluvião, no sistema de
lavagem.

O PROCESSAMENTO
1. Depois de triturar o minério e retirar o material inútil, o concentrado resultante era
mandado a uma casa de fundição (hacienda de minas nos Andes e ingenio na Nova
Espanha), um complexo que abrigava o proprietário da mina, os trabalhadores, os
depósitos de minério, estábulos, uma capela, tanques para amalgamação, tinas para
lavagem e o maquinário. Em 1600, havia cerca de 65 delas em Potosí e 370 na Nova
Espanha.
2. O processo de amalgamação era simples:
- o minério concentrado era triturado até adquirir uma consistência fina como a
areia (no “triturador”, movido à água (Potosí e N.E.) ou mulas (Nova Espanha)
vg. Figura 1) a fim de “assegurar o máximo de contato entre os minérios de
prata e o mercúrio durante a amalgamação, e por conseguinte o máximo de
produção de prata”(p.106).
- Depois de triturado, era enviado para a amalgamação. Colocava-se o minério
triturado (harina) num pátio (superfície plana, grande e pavimentada) em pilhas
de 900 a 1.600 kg, adicionava-se sal ou outro reagente (como as piritas de cobre
ustuladas), em seguida comprimia-se o mercúrio através da trama de um saco de
algodão, e por fim acrescentava-se água e espalhava-se a pilha para formar uma
torta de até 27 m de largura: “processava-se então a combinação da prata e do
mercúrio por afinidade química, ajudada por muita agitação. Durante a época
colonial esse trabalho era realizado pelos índios que amassavam com as pernas
nuas aquela mistura barrenta; somente na década de 1780 é que foram
substituídos por cavalos ou mulas” (p. 110)
- depois de seis a oito semanas, o Azoguero ou beneficiador, supervisor da casa
de fundição, fazia uma análise do material para ver se ocorrera a máxima fusão
da prata e do mercúrio. A mistura era empurrada para as tinas para ser lavada, e
nelas, se concentrava o amálgama no fundo, que depois era colocado num saco e
torcido para expelir o mercúrio e em seguida colocado debaixo de uma chaminé
para que o restante do mercúrio fosse evaporado, restando só a prata.
3. O processo com o pátio foi utilizado na Nova Espanha para amalgamar ouro a partir
de meados do XVII, e nos centros andinos raramente. Lá, utilizavam-se tanques de
pedra (cajones) para amalgamação. Em todo o caso, o processo foi fruto de
experimentações dos próprios fundidores, sendo aprimorado ao longo do tempo.
4. No final do século XVIII, a coroa espanhola enviou técnicos alemães à América
para ensinar o procedimento do Barão Von Bron, tido como mais eficiente, e
constataram que para as condições da América o método do pátio, atribuído ao
refinador de Charcas, Alvaro Alonso Barba, era mais eficiente para o caso
americano.
5. Outra técnica, secundária a partir de fins do XVI, era a fundição, utilizada por
mineiros indígenas. Era bem mais simples: triturava-se o metal em um maray
(“seixo grande com uma base curva que era preparado para balançar de um lado
para o outro), que em seguida era fundido num forno de um metro de altura. Essa
técnica foi utilizada em Potosí até 1571.
6. Contudo, as principais técnicas de fundição chegaram à América (primeiro nas
Antilhas [1528] depois ao continente) por meio de técnicos alemães enviados pela
companhia dos famosos banqueiros Fugger. Triturava-se o metal à mão ou numa
engenhoca para ser fundido em um “forno castelhano” “que consistia de uma coluna
vertical oca com cerca de 3m² de largura e entre 1,8 e 1,7 metros de altura,
construída de pedra ou tijolo”, com furos nas laterais, ligados a foles. A prata
fundida ainda apresentava um teor de chumbo elevado, realizando-se um refino
adicional por “Copelação”.
7. “A fundição persistiu mais intensamente no período colonial do que se imaginou.
Era a técnica preferida do mineiro pobre ou do operário índio que recebia parte de
seu salário em minério. Um pequeno forno com fole manuais (parada de fuelles) era
de fabricação barata; havia centenas deles espalhados pelas vilas mineiras.
8. O processamento do ouro era bem simples: separar o metal puro de qualquer
material encontrado junto a ele. Se esse material fosse somente areia, bastava lavar
ou batear o ouro em calha. Se houvesse algum tipo de rocha nos veios, triturava-se o
ouro e se procedia à amalgamação com ácido nítrico.

AS MATÉRIAS-PRIMAS

1. Algumas matérias primas como o sal, as piritas, o ferro e o chumbo, utilizados no


processamento do minério, não eram tão difíceis de serem achadas. Por outro lado, a
madeira (combustível e construção) e a água eram menos abundantes em regiões de
mineração. As árvores eram rapidamente varridas dos arredores dos centros
mineiros e a madeira de construção tinha de ser trazida de longas distancias. A água
era fundamental enquanto força motriz e para lavar os minérios.
2. O mercúrio era imprescindível para a amalgamação e só havia três fontes
significativas do minério: Huancavelica (q abastecia o Peru), Almadén (a Nova
Espanha) e Idrija, na Eslovênia. Sua extração era monopólio da coroa, que exercia
um controle estrito sobre sua produção, distribuição e preços (que era avaliado
segundo uma estimativa dos custos de produção e transporte).

OS SISTEMAS DE TRABALHO

1. “A mineração apoiava-se no trabalho indígena. Os negros, escravos e livres tinham


uma participação pequena, exceto na mineração de ouro, onde constituíam a
grande maioria da força de trabalho. O mais próximo que os homens brancos
chegaram do trabalho físico da mineração foi na prospecção; em geral eram
supervisores e proprietários. No século XVIII, era possível encontrar mestiços
empregados em tarefas físicas de mineração, mas, quanto mais se pareciam com os
espanhóis mais raramente eram empregados nesses trabalhos”
2. Os sistemas de trabalho padronizados foram, na ordem: as encomiendas, a
escravidão, o recrutamento forçado e os contratos contra salário.
3. A mão de obra utilizada na mineração do ouro das Antilhas foi, a princípio, dos
índios das encomiendas e quando a população começou a declinar, foram
substituídos por cativos das ilhas caribenhas. O mesmo se passa com as minas do
México até fins do século XVI.
4. Em finais do século, tendo as encomiendas entrado em declínio e vertido à Coroa,
os indígenas passaram a ser recrutados forçadamente pelo sistema de repartimiento
(baseado no antigo coatequitl Nova Espanha) e mita1 (Peru).
5. Cita o exemplo da mita de Potosí. Implantada pelo Vice-Rei do Peru, em 1572,
baseada no antigo sistema inca, as autoridades locais (os curacas) eram coagidos a
mandar a população para esse serviço. As províncias que não estavam no altiplano
andino foram excluídas desse sistema, pois temia-se que os indígenas não
sobrevivessem às altitudes. Foram relacionadas 16 províncias, que, anualmente,
deveriam remeter 14% do total de sua população para trabalhar durante um ano em
Potosí, era a mita gruesa, esses trabalhadores, quando chegavam na mina, eram
divididos em grupos de trabalho semanais, de maneira que 4500 estavariam sempre
trabalhando. Os mytayos recebiam um salário pelos serviços prestados, que na
realidade mal dava para cobrir os custos da viagem das aldeias até lá. Os ritmos de
trabalho, a princípio, eram definidos por tempo, mas depois passaram a ser por cota,
o que levava a privações de alimentação e descanso. As consequências da mita
foram desastrosas para a população indígena, cuja mortalidade foi acelerada,
principalmente pela desagregação das estruturas familiares e produtivas.
6. A mita de Huancavelica enviava anualmente mais de 2200 índios para as minas de
mercúrio, onde a mortalidade era muito maior, devido aos gases tóxicos e ao
deslocamento de rochas.
7. A coroa não ignorava as consequências dos recrutamentos forçados, afinal, era uma
questão que passava pela liberdade dos índios, contudo, ela foi mantida por ser
considerada essencial para o bem público e para a manutenção do próprio império
na América. Sendo abolida somente em 1812.

1
Que significa “rodízio” em quíchua.
8. Naborías e yanaconas (pessoas diretamente dependentes dos favores de uma pessoa
nobre ou rica) também trabalharam nas minas em meio aos mitayos. Seu emprego
cresceu com o tempo, pois adquiram especialidades em certos estágios do processo
de refinamento dos minérios. Sua importância era tamanha que, em alguns lugares
como numa mina do norte da Nova Espanha chegaram a representar 68,5% da força
de trabalho, enquanto que os índios recrutados correspondiam a 17,7% e os escravos
negros a 13,8%, em 1597. Já em Potosí, enquanto a força de trabalho correspondia a
quase 11 ou 12 mil pessoas e 4500 eram mitayos, grande parte dos trabalhadores
eram “mingas”, ou pessoas assalariadas (mesmo que a grande maioria deles fosse de
mitayos estabelecidos ou de folga no rodízio)
9. “A partir de finais do século XVI, a forma predominante de emprego nos grandes
distritos mineiros era claramente o trabalho assalariado” (p. 126). No XVII, o
recrutamento especializado cresceu bastante e no final do XVIII já representava ¾
do total de gastos das empresas de mineração. Ainda assim, o recrutamento forçado
e mesmo a escravidão persistiram em algumas áreas.
10. Os escravos negros correspondiam a parte expressiva da mão de obra empregada na
mineração de ouro da Nova Espanha, contudo, não eram empregados nas minas
localizadas em grandes altitudes por uma provável inaptidão ao ar frio e rarefeito.
Nas minas, poderiam ser empregados, mas como auxiliares, criados, carpinteiros
etc, não chegando a trabalhar diretamente nas minas.
11. Enquanto que os negros não resistiriam ao trabalho das minas nos altiplanos, a
mortalidade indígena era muito elevada na mineração de ouro das planícies.

AS CONDIÇÕES DE TRABALHO

1. Eram péssimas. A tarefa menos desagradável era a dos barreteros que cavavam o
minério nos veios.
2. A pior era a dos tenateros, carregadores, que utilizavam qualquer coisa para carregar
os pesados minérios à superfície por caminhos apertados, sinuosos e cheios de
perigo.
3. “As quedas e a doença [normalmente respiratória] eram um risco maior que os
desmoronamentos das galerias, os quais aconteciam, mas, segundo parece, não
eram comuns”. (p. 127).
4. Já a mineração do ouro expunha os homens aos descômodos de trabalhar muito
tempo dentro da água e, consequentemente, às doenças tropicais.
5. O trabalho em Huancavelica e na amalgamação expunham os trabalhadores ao
contato direto com o mercúrio, seja líquido ou gasoso.
6. A trituração produzia muito pó,o que poderia causar silicose.

AS REPERCUSSÕES SOCIAIS

1. Para um imigrante espanhol ou um colono pobre, as minas representavam um


caminho rápido para a distinção social e, consequentemente, para o acesso ao poder
político.
2. Para os índios, a mudança mais radical advinda com as minas foi a mudança da zona
rural para a urbana, adotando hábitos espanhóis e se especializando em profissões.
“foram, assim, perdendo pouco a pouco a sua identidade indígena e passando à
categoria de mestizo, na cultura, quando não no tipo genético.
3. A mortalidade causada pelos trabalhos forçados e os deslocamentos também é
extremamente relevante. Contudo, os danos causados pela destruição da agricultura
aldeã são incomensuráveis.
A MINERAÇÃO E O ESTADO

1. “A mineração pagava direitos substanciais à coroa; ao estimular o comércio,


produzia indiretamente impostos sobre as vendas e taxas alfandegárias; os tributos
indígenas logo passaram a ser pagos em espécie; e ela certamente deu dinamismo a
muitos setores da economia colonial. Por isso não surpreende que os reis
demonstrassem ávido interesse pelo crescimento da indústria.
2. A Coroa administrava o monopólio sobre as minas de mercúrio de Huancavelica e
Almadén, podendo, entretanto, arrendar um contrato a um particular. Além disso,
ela controlava algumas casas de fundição.
3. Contudo as minas de ouro e prata estava fora do “propósito da administração real
direta. Em vez disso, a coroa, invocando seu antigo direito de proprietária
universal das jazidas de metais preciosos exigia um direito sobre a produção,
outorgando ao mesmo tempo aos súditos espanhóis liberdade de prospecção e
usufruto dos minérios. Esse procedimento aliviou o governo dos custos de produção
e ao mesmo tempo estimulou a prospecção ativa” (p. 130).
4. A princípio, esses direitos correspondiam a até 2/3 da produção, sendo fixados,
entretanto, no Quinto em 1504. Em épocas difíceis nas quais a coroa queria
estimular a produção, esses direitos foram reduzidos para o vigésimo e o diezmo,
especialmente na Nova Espanha. Contudo, os quintos reales eram cobrados como
taxa-padrão nas minas andinas, principalmente nas grandes, até 1736, quando se
estipulou o diezmo-padrão.
5. A coroa, contudo, detinha o controle sobre: os direitos, a distribuição e o preço do
mercúrio, e o poder de atribuir ou remover a mão de obra recrutada, o que para
Bakeweell “confere à indústria algo da aparência de uma indústria estatal”.

O CAPITAL

Falta fichar 17 pp...

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