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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO
31ª Câmara

Registro: 2018.0000861527

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 1001721-

96.2016.8.26.0102, da Comarca de Cachoeira Paulista, em que é apelante/apelada

TANIA CAMPISTA DE ABREU (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado/apelante SANCHES E

MARTINS SUPERMERCADO LTDA - ME.

ACORDAM, em 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de

São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso da ré e deram

provimento ao apelo da autora, com observação. V.U.", de conformidade com o voto do

Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores PAULO

AYROSA (Presidente sem voto), ADILSON DE ARAUJO E CARLOS NUNES.

São Paulo, 30 de outubro de 2018.

ANTONIO RIGOLIN
RELATOR
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO
31ª Câmara

APELAÇÃO Nº 1001721-96.2016.8.26.0102
Comarca:CACHOEIRA PAULISTA 1ª Vara
Juiz: Luciene Belan Ferreira Allemand
Apelante/Apelado: Tania Campista de Abreu
Apelado/Apelante: Sanches e Martins Supermercado Ltda - Me

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
AFIRMAÇÃO DA PRÁTICA DE CONDUTA
OFENSIVA, POR PARTE DE EMPREGADOS DA
RÉ, NO ESTABELECIMENTO COMERCIAL. DANO
MORAL CONFIGURADO. ARBITRAMENTO QUE
DEVE GUARDAR RAZOABILIDADE. NOVA
FIXAÇÃO EFETUADA. RECURSO DA AUTORA
PROVIDO, IMPROVIDO O DO RÉU. 1. A conduta
indevida dos prepostos do supermercado réu acabou
por gerar dano moral à consumidora, relacionado ao
constrangimento que a abordagem por seguranças,
exigindo verificar o conteúdo de sua bolsa após ter
deixado o estabelecimento, acarreta. 2. Procurando
estabelecer montante razoável para a indenização por
dano moral, adota-se o valor de R$ 3.000,00, por
identificar a situação de melhor equilíbrio, de modo a
guardar relação com o grau da culpa e influenciar no
ânimo do ofensor.

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PARCIAL
PROCEDÊNCIA MANTIDA. ELEVAÇÃO DO VALOR
DA CONDENAÇÃO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REPARTIÇÃO E
ELEVAÇÃO DO MONTANTE EM RAZÃO DO DA
ATUAÇÃO RECURSAL. OBSERVAÇÃO
EFETUADA. O Código de Processo Civil de 2015
passou a impor, de forma expressa, seja indicado o
valor pretendido, inclusive, na ação indenizatória por
dano moral (artigo 292, V). Sendo assim, tratando-se de
pedido certo e determinado, o acolhimento em
montante inferior ao postulado influi na distribuição da
sucumbência. Considerando que ambas as partes
decaíram de seus posicionamentos, impõe-se repartir os
encargos, na forma do artigo 86 do Código de Processo
Civil, cabendo a cada uma das partes o pagamento de
metade das despesas processuais. Além disso, impõe-se
arbitrar a verba honorária sucumbencial em 15% sobre
o valor da condenação, valor a ser rateado na
proporção de 20% para os patronos da autora e 80%
aos advogados do réu Fica ressalvada a inexigibilidade

Apelação Nº 1001721-96.2016.8.26.0102 – Cachoeira Paulista – VOTO Nº 41704 -2-


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das verbas sucumbenciais em relação à demandante,


em razão da gratuidade judicial.

Voto nº 41.704

Visto.

1. Trata-se de ação de indenização por danos morais


proposta por TANIA CAMPISTA DE ABREU em face de SANCHES
E MARTINS SUPERMERCADO LTDA. ME.

A r. sentença, cujo relatório se adota, julgou


parcialmente procedente o pedido para, assim, condenar a ré ao
pagamento da quantia de R$ 1.000,00, a título de indenização por
danos morais, com atualização monetária pela Tabela Prática do
TJSP a partir da data da sentença e juros de mora de 1% ao mês a
contar da citação. Diante da sucumbência mínima da ré, condenou a
autora ao pagamento das despesas processuais e dos honorários
advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Inconformadas, apelam as partes.

A autora, de um lado, pleiteia seja majorado o valor


indenizatório fixado a título de dano moral.

A ré, na forma adesiva, pleiteia a inversão do julgado,


sob o fundamento de que a situação não configura dano moral,
apontando que o fato não foi presenciado por terceiros e a autora

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continua a efetuar compras no estabelecimento. Além disso, a


autora desobedeceu à orientação de utilização de guarda volumes e
não houve revista em seus pertences.

Recursos tempestivos e bem processados,


oportunamente respondidos. O réu recolheu preparo; há isenção à
autora.

É o relatório.

2. Segundo a petição inicial, em 25 de setembro de


2016, a autora se dirigiu ao supermercado da empresa ré e adquiriu
mercadorias de seu interesse. Ocorre que, após deixar o
estabelecimento foi abordada por dois funcionários da segurança
que solicitaram a revista em sua bolsa. Diante da humilhação sofrida
em via pública, perante diversas pessoas, ingressou com a presente
ação, objetivando a condenação do réu ao pagamento de
indenização por danos morais.

A ré, ao se defender, sustentou que a autora


desobedeceu à orientação de utilização de guarda volumes,
ostensivamente fixada no local, pois a entrada de sacolas, bolsas e
mochilas é proibida no interior da loja. Ademais, a autora foi
abordada discretamente, após ter deixado o estabelecimento,
apenas para que fosse cientificada de referida proibição, e seus
funcionários jamais exigiram revistar os seus pertences; na verdade,
a própria demandante fez questão de abrir a bolsa que carregava.
Também alegou que o fato não foi presenciado por nenhuma
testemunha, inexistindo constrangimento ou humilhação.

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A r. sentença concluiu que a autora sofreu danos


morais, arbitrando a indenização devida no montante de R$
1.000,00.

A prova produzida consistiu em documentos (fls. 12/15;

18/20), fotografias (fls. 48/57 e 61/62) e oitiva de testemunhas (fls. 82/83).

A autora, em seu depoimento pessoal, disse que


entrou no supermercado e fez compras normalmente, tendo sido
auxiliada pelo funcionário Gilberto a pegar um sorvete, pois estava
com dificuldade para enxergar. Pagou pelos produtos e saiu do
estabelecimento; quando já estava na avenida, Gilberto e um outro
funcionário se aproximaram e lhe ordenaram que abrisse a sua
bolsa, de forma ríspida. Então, abriu a bolsa e lhes mostrou o
conteúdo, que ambos olharam e logo a seguir foram embora.
Imediatamente se dirigiu à Delegacia para fazer lavrar um Boletim
de Ocorrência. Afirmou ser cliente do supermercado desde a
inauguração e continua frequentando o local por ser mais barato e
de fácil acesso, apesar do constrangimento que sentiu no momento
dos fatos. Também disse que não viu a placa de orientações aos
clientes, mas já viu guarda volumes no local e tem conhecimento de
haver clientes que deixam bolsas no caixa. Apesar disso, afirmou já
ter entrado no estabelecimento diversas vezes com a bolsa e ter
visto vários dos clientes também portando bolsas ou mochilas.
Afirmou se assustou com a abordagem, pois Gilberto foi grosseiro, e
nem conseguiu trabalhar naquele dia.

A testemunha Ana Paula dos Santos não presenciou


o fato. Afirmou ser cliente do supermercado e já entrou com bolsa no

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estabelecimento, porém jamais foi abordada por qualquer


funcionário. Disse ter visto guarda volumes e uma placa proibindo a
entrada com bolsas na loja.

Gilberto da Silva Bueno disse que em um domingo


estava trabalhando na loja e um dos caixas informou que a autora
estava com a bolsa na loja. Em companhia de um dos seguranças,
aguardou a autora terminar de pagar pelos produtos adquiridos e
sair da loja para orientá-la a utilizar o guarda volumes. A autora
então lhe mostrou a bolsa para revista, o que foi recusado, até
porque não está autorizado a fazer revistas ou tocar objetos
pessoais dos clientes. Disse que no momento dos fatos a
demandante estava no estacionamento do supermercado, em frente
à saída dos caixas. Afirmou que os funcionários recebem a
orientação de avisar todos os clientes para que utilizem guarda
volumes ou deixem bolsas embaixo dos caixas, porém, devido ao
grande movimento, não conseguem explicar as regras a todos os
frequentadores. Não desconfiou da autora e não revistou a sua
bolsa.

Maria Amélia Gomes também não estava presente no


momento dos fatos. É cliente assídua do supermercado e sempre
entra com sua bolsa no local, mas enquanto permanece no
estabelecimento evita abrir sua bolsa. Nunca prestou atenção a
placas de guarda volumes.

Já Maria Rosilda dos Santos disse que não


presenciou o fato, mas a patroa da autora lhe disse que ela chegou
bastante abalada ao trabalho, em virtude do ocorrido, e não

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conseguiu exercer suas funções adequadamente naquele dia.


Também é cliente do supermercado e nunca utilizou guarda volumes
ou foi abordada por seguranças. Não se recorda de haver placa
alertando quanto à proibição de ingresso no local portando sacolas,
bolsas ou mochilas. A demandante tem fama de ser pessoa de
confiança em seu local de trabalho. Já utilizou o guarda volumes
para colocar volumes grandes, mas não a bolsa que carrega no dia
a dia.

Fixados esses pontos, verifica-se que é incontroversa


a afirmativa da ocorrência da abordagem da autora por prepostos do
supermercado, após ter realizado compras no estabelecimento.

No caso em exame, afirma-se a ocorrência de um


comportamento ofensivo em relação a uma cliente, adotado por
funcionários de um estabelecimento comercial.

Como bem observou a sentença, “a abordagem foi


indevida, expondo a autora em via pública à situação
constrangedora e sem comprovação de justo motivo” (fls. 92).

Não é verossímil a alegação de que dois funcionários


do supermercado tenham saído do estabelecimento apenas para
alertar acerca da necessidade de utilização do guarda volumes da
loja e, de qualquer modo, ainda que se considerasse que não
tenham exigido que a demandante abrisse sua bolsa, a forma como
a abordagem foi conduzida já seria suficientemente apta a provocar
constrangimento.

Além disso, não é razoável exigir que clientes deixem


bolsas de mão em guarda volumes ou sob a responsabilidade de

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funcionários, considerando que são utilizadas para guardar itens de


valor, como carteiras e telefones celulares, além de documentos
pessoais, necessários inclusive ao pagamento da compra
eventualmente realizada.

E o fato de a autora continuar frequentando o


supermercado é irrelevante, pois em nada se relaciona com os fatos
apontados na petição inicial.

De igual modo, a ausência de testemunhas que


tenham presenciado a abordagem em nada interfere no sentimento
de constrangimento e humilhação que a demandada sentiu, até
porque o fato ocorreu em via pública.

Assim, inegável se apresenta a responsabilidade da


ré pela reparação dos danos, restando apenas discutir o seu
montante.

Na fixação do dano moral, recomenda a doutrina que


o juiz atente para as condições das partes, de modo a possibilitar,
de forma equilibrada, uma compensação razoável pelo sofrimento
havido e, ao mesmo tempo, também traduzir uma sanção ao
ofensor, tendo em vista especialmente o grau da culpa, de modo a
influenciá-lo a não mais repetir o comportamento.

Vale lembrar, segundo a lição de Carlos Roberto


Gonçalves que “em geral, mede-se a indenização pela extensão do
dano e não pelo grau da culpa. No caso do dano moral, entretanto, o
grau da culpa também é levado em consideração, juntamente com a

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gravidade, extensão e repercussão da ofensa, bem como a


intensidade do sofrimento acarretado à vítima” 1.

Além disso, observa Carlos Alberto Bittar:

“A indenização por danos morais deve traduzir-se


em montante que represente advertência ao lesante e à
sociedade de que se não se aceita o comportamento
assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se,
portanto, em importância compatível com o vulto dos
interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no
patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a
resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo
produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente
significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do
lesante.” 2

A partir dessas considerações e diante do contexto


dos autos, reputa-se mais razoável a adoção do valor de R$
3.000,00, que melhor atende à finalidade de servir de compensação
pelo mal propiciado à demandante e, ao mesmo tempo, de incentivo
à não reiteração do comportamento.

Enfim, não merece acolhimento o inconformismo da


ré e comporta acolhimento o apelo da autora, para a finalidade de se
elevar o montante da indenização por dano moral, fixando-o em R$
3.000,00, devendo prevalecer, quanto ao mais, a r. sentença tal
como lançada.

1 - "Responsabilidade Civil", nº 94.5, pág. 414, 6ª ed., Saraiva.


2 - "Reparação Civil por Danos Morais", pág. 220, 2ª ed., RT.

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No concernente à responsabilidade sucumbencial,


observa-se que a Súmula nº 326 do Superior Tribunal de Justiça é
de 2006, quando vigente o Código de Processo Civil de 1973, que
não exigia quantificação da verba indenizatória por dano moral. O
Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, passou a impor, de
forma expressa, o valor pretendido, inclusive, na ação indenizatória
por dano moral (artigo 292, V). Sendo assim, tratando-se de pedido
certo e determinado, o acolhimento em montante inferior ao
postulado influi na distribuição da sucumbência, tal como concluiu o
r. Juízo a quo.

Entretanto, diante do resultado desse julgamento,


considerando os termos dos artigos 85, § 11 e 86, do CPC, impõe-
se repartir entre as litigantes a responsabilidade pelas despesas
processuais, na proporção de metade cada um. Além disso, impõe-
se arbitrar a verba honorária sucumbencial em 15% sobre o valor da
condenação, montante a ser rateado na proporção de 20% para os
patronos da autora e 80% aos advogados da ré. Fica ressalvada a
inexigibilidade das verbas sucumbenciais em relação à autora, em
razão da gratuidade judicial.

3. Ante o exposto, e nesses termos, nego provimento


ao recurso da ré e dou provimento ao apelo da autora, com
observação.

ANTONIO RIGOLIN
Relator

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