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NITERÓI
2007
FLAVIO SAMPAIO BARTOLY
Niterói
2007
2
B292 Bartoly, Flavio Sampaio
Shopping Center: entre o Lugar e o Não-Lugar / Flavio Sampaio Bartoly. –
Niterói : [s.n.], 2007.
205 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal
Fluminense, 2007.
CDD 381.1
3
FLAVIO SAMPAIO BARTOLY
BANCA EXAMINADORA
Niterói
2007
4
Agradecimentos
perceber ou do modo mais singelo, me ajudaram a chegar até aqui. Em especial, gostaria de
agradecer:
5
Dedico este trabalho à querida tia e Professora
Fanny Sampaio Cocco, que sempre esteve
presente nos momentos mais importantes da
minha vida, e que em muito breve estará
restabelecida para acompanhar os que virão.
6
Resumo
7
Abstract
In the decade of 1940 in USA and in the years 60 in Brazil, probably, the
affirmative that the shopping centers were less representatives for the everyday life and that
the relation the public had with this spaces were very distant would not be contested. There
were very little to do in a shopping center, because the administrations didn’t get the
potential of the shoppings in being more than a center where people would just buy things
and with this, attract more people. Going to the mall was then unusual, quick and only for
shopping.
This first insertion of the shopping in the city, characterized as a place just for
shopping, homogeneous, objective and little communicative, made this urban equipment as
a possible example of what some authors would call “non-place”; a standardized landscape,
projected without take in consideration contexts or particular factors which could promote
an identification with the people who are there. A space without peculiarities, a landscape
without form, without soul, materialist (valuing spiritual and intellectual things too little)
which reduces the communication to the minimum necessarily required by objectivity. This
way one establishes a place, which by its own lack of authenticity, can’t be reputed as a
place.
In a number of years, many factors contributed for the considerable modification of
the shopping’s insertion inside the city, even if the homogenized form and the main goal of
the commerce are kept. The shopping became also a space of sociability, where people
meet everyday, have fun and go for a walk. Despite we can qualify the shopping’s
sociability as “instrumental” (because it is an strategy of the administration in order to
amplify the time people stay and buy), the sociability is an objective itself to the users.
So we took the challenge of establish a discussion about the valuation of calling the
shoppings of today as non–places, especially when facing the everyday more deep
relationship between the shopping and the users and with the city itself. Through its special
organization, the search for a “placed” dimension of the shopping can give important
contributions towards the comprehension of the aspects of the contemporary urban reality.
With this objective, we made a bibliographic search, which provided us with the
instruments to establish discussions about the conceptions of place, non-place and
sociability, well as the possibility of a better comprehension of the insertion of the shopping
in urban space. We collected also a number of data and used the participant observation in
BarraShopping and Iguatemi Rio, well as made interviews with the administrations and
users of these shoppings.
8
Sumário
Apresentação........................................................................................................................... 11
Objetivos e Metodologia.
9
2.4 O não-lugar
2.4.1. As raízes do conceito na abordagem de Edward Relph
2.4.2 Augé e o não-lugar da supermodernidade
2.4.3 Lugar, espaço e não-lugar
10
Apresentação
são itens por demais apreciados, tanto por aqueles que vendem, quanto por aqueles que
papel fundamental diante da possibilidade de êxito naquilo que diz respeito ao consumo do
lugar. Assim, ainda que a princípio sejam funções do Estado, quando falamos de setores
como segurança e transportes, de algum modo também estamos falando da maior ou menor
os espaços à sua maneira, estando normalmente em uma posição muito confortável diante
do poder público. Quando nos referimos a estas empresas, de maneira geral, estamos
tratando de grupos empresariais cujos negócios transcendem o espaço nacional, ou seja, vão
também no exterior.
em determinados espaços são moldados a partir de uma mesma lógica, a qual deve ser
11
própria arrumação do espaço passa a ser modificada dramaticamente a fim de atender às
em uma rede global, tem a cidade (“subjugada”) como um de seus principais nós que
para a rotação do capital, pode ser coletado no chamado setor terciário da economia, mais
shopping center. Este equipamento urbano tornou-se uma solução para vários “problemas”,
sendo aclamado pela grande maioria dos personagens envolvidos no varejo, inclusive e,
com o lugar ao qual nos referimos1. Seja para atender aos moradores motorizados e
abastados dos novos subúrbios americanos, em sua origem em fins da década de 1940, ou
para satisfazer aos anseios da elite paulistana na segunda metade da década de 1960, ou até
Toronto, o shopping reúne diversos tipos de mercadorias que estavam dispersos pela
1
Não se pode esquecer que o Brasil, os EUA e o Canadá são ótimos exemplos da aceitação do “modelo
shopping center”, o que não é necessariamente válido para a Europa, por exemplo.
12
cidade, com o “conforto e a comodidade” do descolamento, ainda que parcial com a
distância do centro (“original”), com os efeitos do clima, ou com a própria realidade social.
Os shoppings são construídos por grandes grupos empresariais que muitas vezes
escolha do local de instalação é apenas um dos inúmeros itens que constam da pauta de
estratégias com um pouco mais de detalhes. No momento, o que nos parece fundamental é
parâmetros que devem ser seguidos para que se tenha um futuro promissor no negócio.
Com mais de trinta anos de existência, pode-se dizer que a ABRASCE (Associação
Brasileira de Shopping Centers) coordena com competência essa padronização que vai
muito além das estratégias montadas para a implantação do shopping. A ABRASCE foi
criada nos moldes da ICSC (International Council of Shopping Centers), como parte da
organização do setor, que contava com aproximadamente oito unidades no ano de sua
300 shoppings no país, sendo que pouco mais da metade é filiado a ABRASCE.
Com isso, pode-se observar que quando nos referimos aos shoppings estamos nos
vender, mas em prover conforto aos consumidores. O “primeiro” “modelo shopping center”
seja, a composição de grifes que variam, principalmente de acordo com o tipo (a classe) de
13
consumidor que se quer atingir. Assim, em certa medida, pode-se observar que nos
acrescidos da própria característica da novidade, que impõe um certo tempo para que se
possa definir um espaço como parte do cotidiano. Visto por esse ângulo, e até este
vitrines em suas extremidades, entre as quais o caminho livre nos indica não mais do que a
possibilidade de uma nova compra. O objetivo da ida ao shopping se restringia tão somente
a compra de um ou mais objetos. Esse “primeiro modelo shopping center” vigorou nos
EUA até por volta do final da década de 1970, no Brasil até a segunda metade da década de
1990.
uma marca desses empreendimentos durante um longo período de tempo. A impressão que
se tem é que o comprador não se dava conta nem de qual shopping estava entrando, já que
foi diminuída ao máximo, já que através das placas indicativas acha-se a loja ou as lojas
que satisfazem suas necessidades e/ou desejos, o banheiro e a saída, nada mais. O shopping
cumpria o seu propósito inicial a risca, ampliou as vendas da maioria das lojas que lá se
praticamente nada além. Havia muito pouco para se fazer em um centro de compras. A
14
relação que o público mantinha com esses espaços era muito distante, até porque não havia
A ida ao shopping era esporádica, rápida e motivada pela compra. No caso dos
subúrbios americanos, por exemplo, talvez as visitas fossem mais freqüentes desde o início,
pela própria falta de outras alternativas próximas, mas o tempo de permanência e a relação
possui aqui um caráter de riqueza, especificamente projetado para pessoas de “alto nível”.
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Podemos comprovar a idéia de que os primeiros shoppings foram instalados em áreas nobres de cidades
brasileiras com quatro “antigos” shoppings do país. O primeiro shopping, reconhecido como tal, surge no
Brasil em 1966. O Iguatemi São Paulo está localizado em uma das áreas mais nobres da maior metrópole
brasileira, na Av.Brigadeiro Faria Lima 2232, Jardim Paulistano. Ainda na cidade de São Paulo, o Shopping
Ibirapuera, localizado na Zona Sul da cidade atende a uma clientela de bom poder aquisitivo. Em 1971 o
Shopping Conjunto Nacional foi inaugurado em Brasília-DF, no Setor de Diversões Norte, em frente ao
Teatro Nacional. O primeiro shopping de Belo Horizonte, o BH Shopping, inaugurado em 1979, localiza-se
no luxuoso bairro Belvedere.
3
Durante suas pesquisas sobre os centros comerciais de Buenos Aires, CAPRON (1998) entrevistando uma
senhora do luxuoso bairro Palermo ilustra a idéia do escapismo das elites urbanas, especialmente em países
subdesenvolvidos: “Les propos d’une dame du quartier chic de Palermo sont significatifs: ‘Si tu vas sur une
place publique et tu veux rester sur la pelouse, on te vole ton sac, ou il y a a quelqu’um qui te dérange (...)
Dans um centre commercial, c’est moins dangereux et tu regardes plus tranquillement” (CAPRON 1998,
pg.62).
4
“O escapismo das elites não se restringe aos condomínios exclusivos: os shopping centers, que, sobretudo a
partir da década de 80 se incorporam à paisagem das metrópoles e de outras grandes cidades brasileiras,
compõem, juntamente com os condomínios exclusivos, o quadro típico desse escapismo. É bem verdade que
os shoppings não são tão fechados quanto os condomínios...” (SOUZA, 1999, pg. 201).
15
credenciou este equipamento urbano como um possível exemplo daquilo que alguns autores
objetivos, projetada sem levar em conta contextos ou fatores particulares que pudessem
promover uma identificação com as pessoas que ali se encontram, vivem ou trabalham. Um
espaço desprovido de peculiaridades, uma paisagem amorfa, interesseira, “sem alma”, que
caracteriza-se um local que por sua própria inautenticidade não pode ser caracterizado
utilizados por autores como Augé e Relph, para ilustrarem o conceito de não-lugar.
foi que mais nos chamou a atenção. Os dois outros, já ultrapassaram o nível da repetição e
da falta de criatividade, ainda que de certo modo pareçam trazer uma idéia explicativa de
um componente fundamental (mas muito simples e óbvio) deste tipo de espaço. O caso da
de uma bibliografia que discuta o shopping como tal. O rótulo é atribuído como se
“templo do consumo”. Em geral, não se procede nem mesmo a uma discussão sobre o
conceito, além de não haver um esforço de reflexão sobre a aplicabilidade deste rótulo nas
qualquer outra razão, o fato de o lugar ser um conceito muito importante (pelo menos em
tese) para nós geógrafos, não pode deixar de ser mencionado como uma grande motivação
16
A discussão que envolve o não-lugar se insere no contexto que brevemente
formação de uma aldeia global, a qual promoveria, por exemplo, o fim das distâncias, o fim
eliminação das especificidades locais, culminando com o fim dos lugares, ou com a
possamos afirmar que no centro desta discussão encontra-se a própria geografia, ciência na
qual o lugar possui o status de conceito-chave, e para a qual esses “novos tempos” trazem o
mesmo tempo causa e conseqüência das novas relações sociais que se estabelecem.
A progressiva velocidade das informações, que por sua vez nos chegam em
número cada vez maior é denominada por Marc Augé de superabundância factual, através
da qual a multiplicação de acontecimentos cada vez menos prevista pelos cientistas sociais
é comum. Neste sentido a chamada “sociedade da informação” pode assim ser “...definida e
rotulada, por seus métodos de acessar, processar e distribuir informação” (KUMAR, pg 15).
Marc Augé exprime claramente sua preocupação com a questão da identidade diante desta
realidade incerta e efêmera que hoje impera no que ele próprio chama de
padronizadas, homogêneas, nas quais “...nem a identidade, nem a relação, nem a história
17
fazem realmente sentido...” (AUGÉ, 2003, pg.81). Com isso, Augé parece apontar para o
progressivo fim das identidades, ou no mínimo, para uma importante escassez em sua
identidades. “As identidades ganharam livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem
Bauman não acredita no fim das identidades, mas percebe que não conseguiremos
abrir caminho para um melhor entendimento da sociedade atual, se não aceitarmos que a
mudança nos últimos tempos. Neste sentido o autor se afasta dos discursos que ainda
Todavia, parece claro que o turbilhão de informações trazido pelo atual estágio da
verdadeiro “hiato de informação” (KUMAR, 1997 pg. 44), provocado em grande medida,
por um acesso por demais desigual a recursos e ferramentas, que nos leva, portanto, a
torna-se uma tarefa difícil para muitos. Esta conhecida falta de acesso por grandes massas
“meio-técnico científico e informacional”, é uma das principais razões para que Milton
Santos considere a chamada “aldeia global” uma das principais “fábulas” da globalização.
18
Não se pode esquecer de que se constrói uma verdadeira geometria do poder5, em relação
formação de complexas redes de atuação global, parece fundamental que nos coloquemos
local e o global.
Da mesma forma, repensar a cidade à luz das novas reflexões sobre a relação entre
o local e o global se apresenta como um desafio essencial. É como uma tentativa de uma
pequena contribuição para o cumprimento desta tarefa que nos propomos, a tarefa de
áreas do planeta.
diversos países em diferentes épocas, foi uma “completa” expansão dos shoppings. A
palavra “completa” tenta sublinhar que a expansão da qual falamos foi muito além de uma
5
(MASSEY, 2002).
19
simples ampliação do número de shoppings, tratando principalmente de uma mudança
sensível no tipo de inserção que o shopping passaria a ter na cidade. Não se pode deixar de
lembrar que diferentes razões compõem o leque de explicações para esta mudança,
bons resultados apresentados nos EUA, faziam do shopping center uma fórmula promissora
aumento do ritmo das inovações, o que seria fundamental para todas as cidades em que os
Reforçamos que a mudança a qual nos referimos não faz parte do conjunto de
diversas mudanças, seja através da saída e/ou entrada de lojas, ou mesmo da inclusão de um
Tocaremos em algum momento do trabalho nestes fatores, que são importantes para a
compreensão do momento que estamos propondo como recorte para o trabalho. Além disso,
principal do trabalho, a qual gira entorno desta mudança a qual nos referimos
6
Pequenas Empresas Grandes Negócios – Janeiro de 2007 – Pg.99.
20
anteriormente. Este questionamento trata da validade de mantermos o rótulo de não-lugar
atribuído ao shopping por pensadores de algumas áreas das ciências sociais, como
renovação que apontamos como foco da análise, a aplicação deste rótulo seria válida, mas
procedemos a este recorte como um momento propício a uma possível reavaliação de como
pensamos o shopping.
“parada continuada”, ou seja, fazer com que o comprador passasse mais tempo no
shopping, não só ampliando o número de lojas, como também inaugurando outros tipos de
shopping, transformar o comprador em freqüentador, operação que por sua vez é fruto de
uma equação que foi a chave para o sucesso incontestável dos shoppings: comprador +
atrativos (lazer, eventos, serviços, segurança, conforto) = Freqüentador. O que não se pode
desviando de seu objetivo principal, a venda. Na verdade o que ocorreu foi exatamente o
oposto, houve uma enorme ampliação das vendas através de uma verdadeira publicização
programa em que a compra é um dos afazeres do freqüentador, mas não é a única que
consome seu dinheiro e seu tempo nos centros de consumo. Através do marketing, os
7
O shopping agregou inclusive outras áreas do setor terciário, que passaram a perceber que também poderiam
ampliar seus negócios, participando da vida nos shoppings. Bancos, agências de viagens e instituições de
ensino são só alguns dos vários exemplos que podem ser citados. Apresenta-se, portanto, a possibilidade de
refletirmos sobre o shopping enquanto um gerador de centralidades. Transformado pelos diversos usos, os
shoppings passaram a ser, na maioria das vezes, uma referência para o bairro e até para a cidade, modificando
o trânsito, o volume de circulação de pessoas no entorno, o valor dos imóveis próximos, o comércio
“tradicional” de rua e a própria imagem da área urbana em que se instala.
21
shoppings passaram a fazer do comércio uma verdadeira festa e a embutir ainda mais nas
simples objetos. “...o aglomerado dos objetos nas lojas, vitrines, mostras, torna-se razão e
pretexto para a reunião das pessoas; elas vêem, olham, falam, falam-se. E é o lugar de
Atualmente, a compra não é mais somente uma razão, ela se tornou também um pretexto,
para um fim que às vezes torna-se mais decisivo para uma expressiva quantidade de
freqüentadores de shoppings, ou seja, o encontro. Este encontro pode ser com pessoas
conhecidas, ou mesmo com o movimento de ver e ser visto por desconhecidos, ou com
opções de lazer. Se quisermos ir além, pode-se dizer até que em alguns casos a compra não
faz parte do roteiro no shopping, caso muito comum entre os adolescentes. Este grupo, que
em grande medida tem o shopping, já há algum tempo, como uma espécie de “centro de
shopping.8 Neste mesmo sentido, ainda que “o aglomerado das coisas” mantenha sua
configurar em apenas um fim, para se tornar também um meio de atração para outras
8
Não se deve perder de vista que estamos nos referindo principalmente às visitas em que os adolescentes
encontram-se desacompanhados, já que os shoppings registram grandes vendas para esta faixa etária, às quais
obviamente são executadas mais comumente por seus responsáveis.
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próprias para essas outras funções seria fundamental para a manutenção e/ou ampliação dos
lucros do negócio.
uma grande diversidade de possibilidades de atividades, seja através dos serviços que
um shopping center, são algumas variáveis que são modificadas ou se modificam para se
Podemos mais uma vez tomar a cidade do Rio de Janeiro como exemplo. No
segundo semestre de 2006 foi inaugurado um shopping center em um dos bairros de maior
grande evento para a cidade, com uma enorme repercussão na mídia carioca, atraindo
com aquele. O caos que se instalou na Avenida Afrânio de Mello Franco no dia da
inauguração (5 de Dezembro de 2006) e nas semanas que se seguiram já não era tão
freqüente nas primeiras semanas de 2007, mesmo nos fins de semana. No entanto, não se
23
pode negar que o Shopping Leblon promoveu um aumento significativo do movimento de
empreendimento ser finalizado. É o caso do Barra Shopping Sul, o próximo shopping a ser
Objetivos e Metodologia
chegar este propósito fundamental através dos conceitos de lugar e não-lugar. Os shoppings
foram e ainda são tratados por diversos autores como exemplo eloqüente daquilo que
definem como não-lugar, fato este que já foi pontuado brevemente em linhas acima;
Todavia, nos parece que se observarmos a evolução desses equipamentos urbanos com
maior atenção, talvez possamos concluir que, no mínimo, pode-se perceber a produção de
uma certa “lugaridade”. Por isso, insisto em sublinhar esta renovação da imagem do
24
shopping perante a cidade, que já há algum tempo deixou de ser um ilustre novato, para se
Desta forma, esta dissertação está organizada da seguinte maneira: seguindo a esta
ampliação das funções e da representatividade dos shoppings na vida urbana. Como via de
nos shoppings foi um dos fatores primordiais para a renovação da dinâmica desses espaços.
“rotulação” do shopping como sendo um não-lugar. Ou seja, nossa pergunta gira em torno
da idéia de que, pelo menos, a partir da maior complexidade social que esses
empreendimentos passaram a ter, nos parece que a análise deve seguir o mesmo caminho.
(2006), o shopping é classificado como não-lugar, sem que haja qualquer reflexão sobre as
implicações desta afirmação e, muito menos uma preocupação com a precisão sobre o que
se define em termos teóricos como não-lugar. A partir disso, propomos no capítulo 3 uma
disso, foram coletados diversos dados e alguns mapas que nos ajudaram a compreender
25
melhor a evolução da indústria de shopping centers no Brasil e no mundo. Os números e os
não nos furtando de destacar exemplos e situações verificadas em outros países, fazendo
cidade do Rio de Janeiro, que pudessem ilustrar nossa tentativa de responder, através de
sociabilidade nos shoppings como o “fio condutor” de nosso trabalho, uma das grandes
preocupações foi eleger dois shoppings que fossem de épocas diferentes, para que
momentos. O fato do Barra Shopping ter sido aberto ao público bem no início da década de
empreendimento se deu de modo lento nos primeiros 15 anos. Por outro lado, o Iguatemi
construído exatamente 15 anos depois do Barra Shopping, já nasceu com a idéia de que a
inaugurado em 1996, localizado em Vila Isabel, um bairro bem mais modesto do que a
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Barra. Realizamos observações participativas9, entrevistas10 com freqüentadores e
grande valia como ilustração das idéias a que nos propusemos discutir, bem como geraram
novos questionamentos e lançaram luz sobre como os shoppings são vividos e analisados
sob diversos pontos de vista. No entanto, não utilizamos qualquer tipo de amostra, nem
formulamos dados estatísticos com as entrevistas que colhemos, sendo o produto do esforço
de utilizar este instrumento, uma forma de nos aproximarmos um pouco mais do dia-a-dia
dos shoppings, e não de colher dados estatísticos, os quais foram obtidos através de outras
fontes. Vale destacar também, que as administrações dos shoppings pesquisados procuram
dificultar ao máximo a pesquisa, seja através da abordagem dos seguranças que querem
responder aos contatos solicitados por nós. Assim, mesmo diante desses obstáculos, os
que ilustraram e nos levaram, nós e os freqüentadores, a refletir sobre questões que não
ampliando, de diversas formas, seu papel social, pode ser de grande interesse para a
geografia. Além disso, acreditamos que a relevância do tema para a geografia também
esteja presente na medida em que será exatamente a partir da lógica do espaço do shopping,
que partiremos para a compreensão desse empreendimento. “...esta ordem espacial das
9
Segundo (Costa, 1986), a observação participante proporciona os melhores resultados na obtenção de
informações sobre comportamentos, discursos e acontecimentos observáveis, mas que passam desapercebidos
à consciência explícita dos atores sociais. Essas observações foram sistemáticas, realizadas entre Novembro
de 2006 e Abril de 2007.
10
Os questionamentos direcionados aos freqüentadores e às administrações estão em anexo. Tratam-se de
questionários “abertos”, sem itens objetivos.
27
coisas quer dizer que sua distribuição tem uma lógica, uma coerência. É esta lógica do
Neste sentido, não estará envolvida neste trabalho somente a organização espacial
28
Capítulo 1
relação com o papel que a sociabilidade passou a exercer nesses espaços. Neste sentido, a
própria existência dos shoppings pode ser dividida, a partir da expressiva participação da
número e a variedade das lojas concentradas em uma mesma área climatizada (protegida
29
espaço, fazia do shopping, tão somente uma área de passagem, em que comprar era a única
atividade que fazia sentido naquele ambiente pouco flexível a outras atividades.
tão vantajosas e os atrativos dos shoppings não se ampliavam. Um ponto que ficou claro
permanência no shopping. Como isso poderia ser feito? No Brasil, por exemplo, este
“esgotamento” se verificou no início dos anos 90, uma época em que os casos de violência
urbana saltavam a novos patamares, e o “medo da rua“ se insinuava como uma possível
regra do espaço “público” das grandes cidades brasileiras. Este fator também foi tomado
papel que esses empreendimentos desempenhavam na cidade até então. Mais uma vez, a
reflexão voltava para a mesma pergunta: Como atrair este público ansioso por comprar,
na ampliação dos conteúdos do shopping. Deixar de ser um espaço de compras, para ser um
de um modelo para outro, pode ser vista como um verdadeiro marco de uma mudança mais
geral, que salta aos olhos quando refletimos, entre outros fatores, sobre o próprio papel que
o shopping desempenha no contexto urbano. Esta mudança não ocorre de modo simultâneo
30
Neste trabalho, estamos procurando seguir este momento de mudança na
concepção dos shoppings, que ao nosso ver teve na introdução da sociabilidade como um
paralelo, propomos ao longo deste caminho uma observação cuidadosa quanto à pertinência
que nos referimos anteriormente. Com isso, este capítulo pretende desenvolver uma
sociabilidade é quase sempre tratada de forma simplista, como um termo que indica co-
sociabilidade. Simmel nos lembra que a sociabilidade pode ser entendida como uma forma
que ganha vida própria quando “se poupa dos atritos com a realidade, por meio de uma
relação meramente formal com esta” (SIMMEL, 1983, pg 169). Aquilo que Simmel chama
de “impulso da sociabilidade”, extrai dos fenômenos da vida social sua mera forma, a qual
será adaptada dentro de estruturas específicas. Isto não quer dizer que sociabilidade seja
31
uma forma vazia, já que o conteúdo que lhe deu o primeiro sentido, que foi extraído da
A idéia do jogo, como uma forma de sociabilidade, é muito cara a Norbert Elias,
quando este autor trata dos fenômenos de interdependência que estruturam a socialização.
Assim, através de elementos formadores da própria natureza do jogo, como a disputa por
via de acesso à compreensão do todo social de que faz parte. Desta forma, não é demais
mas pode representar momentos de conflitos e disputas, inclusive por territórios. No caso
de (ELIAS apud WAIZBORT, 1999), é através do conceito de figuração que nos tornamos
...não é nem uma abstração das peculiaridades dos indivíduos que existem
como que sem sociedade, nem um “sistema” ou uma “totalidade” que está
para além dos indivíduos, mas sim que, justamente, a sociedade é o
próprio entrelaçamento das interdependências formadas pelos indivíduos
(WAIZBORT, 1999, pg 102).
Neste sentido, tanto para Elias como para Simmel, a socialização constitui-se em
um todo relacional, formado pelas interações entre seus elementos. Essas relações estão em
sociedade acabada. Para Simmel, é o conceito de interação que expressa de modo mais
através de relações mútuas, as interações, abre-se caminho para desvendarmos a teia social.
32
“A partir de cada interação singular é possível adentrar na teia do todo” (WAIZBORT,
1999, pg 97). Com isso, a sociabilidade parece ser um dos elementos que estão
ao mesmo tempo em que avaliam, são avaliados, interpretam símbolos e são também
Simmel define que “o olhar pelo qual procuramos perceber o outro é em si mesmo
expressivo. Pelo olhar que desvenda o outro, desvendamos a nós mesmos” (JOSEPH, 2000,
p.19).
interações, no qual a regra principal consiste em aceitarmos que o outro também nos
observe. George Mead lembra que “o eu é o organismo que pode tomar a si próprio como
objeto, ele pode se ouvir falar. Como tal é uma estrutura social que se desenvolve
a Bruno Latour, em sua afirmação de que “os seres em presença se defrontam ao mesmo
Isaac Joseph deixa claro que a dimensão espacial tem importância fundamental no
33
1.2 A (quase) ausência da sociabilidade nos primeiros shoppings
mais precisamente através da ocupação dos subúrbios de diversas cidades dos EUA,
movimento este que ganhou mais expressão a partir do término da Segunda Guerra
necessidade da nova população que se instalava nos subúrbios, sendo que posteriormente,
movimento de populações com no mínimo, um bom poder aquisitivo, para áreas mais
urbano, o que aconteceria de modo efetivo novos subúrbios. Assim, o nascimento dos
ambiente urbano que se pautava em uma dinâmica diferente das áreas centrais tradicionais.
a articulação desses espaços a cargo das vias expressas. Muitos shoppings foram erguidos
11
Assim, vencendo as dificuldades da cidade supercongestionada e demasiado extensa, o subúrbio se revelou
a um tempo uma solução (…) o resultado foi uma ampla dispersão de subúrbios de classe superior…
(MUMFORD, 1965, pg. 530&535).
34
ao longo dessas vias, em que a acessibilidade era total, e a área disponível para a construção
nos EUA, além do aumento do número de carros. Para o arquiteto Victor Gruen, este era
um momento propício para resolver alguns problemas comuns nos centros urbanos
dos veículos, a falta de espaços com acessibilidade adequada para atividades culturais e
recreativas, eram alguns dos principais desafios a serem superados. Não se pode esquecer
que este projeto estava inserido no contexto do consumo, ou seja, não se pensava em
35
projetar um equipamento para “simplesmente” resolver problemas urbanos, mas sim para
Desse modo, a solução seria obtida através de espaços projetados, que promovessem um
organizado nos moldes conhecidos hoje, o Southdale Center, em Minesota, EUA, foi
Uma das novidades do Southdale, que foi inaugurado com 150 mil metros
quadrados, foi oferecer em suas áreas de circulação, que eram internas, aquecimento no
Assim surge o mall, uma alameda coberta, com lojas em ambos os lados,
assumindo vários formatos, ainda que as linhas retas e curvas tenham sido os principais
36
Source: Tutt, P. & Adler, D. 1981, 'The New Source: Tutt, P. & Adler, D. 1981, 'The New
AJ Metric Handbook', Architechtural Press, AJ Metric Handbook', Architechtural Press,
London. London
composto por uma alameda coberta com lojas de diferentes ramos em ambos os lados, as
mas também com sua área de influência, além de possuir uniformidade arquitetônica.
Neste sentido, o shopping surge como uma novidade dos anos de 1950, pela
arranjos que, de modo geral, não incentivavam a sociabilidade. Neste modelo de shopping,
secundários.
12
O adendo é nosso.
37
Este modelo de shopping perdurou nos EUA, desde sua criação após a Segunda
Guerra Mundial até aproximadamente o final da década de 1970. Foi exatamente nesta
“fase” que a idéia de não-lugar ganhou força como um conceito possível para a definição
também em sua organização interna. A “indústria dos shoppings” passou a não atuar
somente nos subúrbios, ampliando grandemente seu mercado potencial nos centros
urbanos. Além disso, a inclusão de áreas de lazer, prestação de serviços e espaços afeitos à
sociabilidade, direcionaram as mudanças no espaço interno. algo que não estava previsto
originalmente. “To differentiate themselves from the competition, some developers have
Considerado o maior shopping do mundo até 2005, quando foi superado pelo
South China Mall13, o West Edmonton, em Alberta, no Canadá, possui 500mil m2 de área,
13
O South China Mall foi inaugurado em 2005 e conta com cerca de 600mil m2 de área.
38
no espaço interno, e a verdadeira renovação nas atividades e na própria imagem do
shopping também é um espaço a ser apropriado pelo lazer, pelos serviços e pela
cidade, mas também um local turístico. “...leasable, retail and service space. It (West
Edmonton Mall) contains more than 600 shops, plus a hotel and leisure and recreational
facilities that are unmatched in any previous shopping center” (JACKSON & JOHNSON,
possuindo, por exemplo, o maior parque aquático coberto da América do Norte, com 20mil
Além disso, essas atividades ampliam sobremaneira a atração de pessoas para fazer
compras.
39
acessibilidade e principalmente, sobre o perfil econômico do público da área que se
estão muito atentas para a geografia da área em que o shopping se assentará. A correta
leitura da organização dos espaços adjacentes, ou seja, o modo como as ruas, os prédios, as
de um jogo determinante para os lucros futuros. Assim, ainda que de modo geral, pode-se
aquele ponto exato do espaço, aquele nó fundamental que trará ao shopping a visibilidade e
a inserção necessária para o sucesso na rede do consumo urbano. Por sua vez, os fatores a
serem levados em consideração são tantos e, especialmente, de naturezas tão diversas, que
este grupo de “estrategistas” deve ser composto de profissionais de várias áreas, já que há
em um número cada vez maior de países, com diferentes questões a serem observadas. “Os
espaço como base para um processo de acumulação nos espaços de consumo, por outro
lado nos parece oportuno lembrar que a importância da lógica que dá sentido a esse
delegadas às diferentes áreas, aquilo que talvez possamos chamar de produção do espaço do
40
shopping, ainda que possua claras e importantes inovações, traz consigo de algum modo,
diferentes momentos históricos, podem ser observados como contínuos sob o ponto de vista
geográfico, ainda que haja um abismo temporal entre eles. Evidentemente, não se está aqui
Ebenezer Howard, em Garden Cities of To-morrow. Escrevendo esta obra nos últimos anos
do século XIX, Howard traça uma cidade imaginária que pudesse reunir o que de melhor o
campo e a cidade podem oferecer. “Howard had seen the miseries of crowded Victorian
cities and the backwardness of the rural areas” (CRESSWELL, 2004, pg.97). Nesta cidade,
haveria, então, um “Palácio de Cristal”, que seria uma galeria envidraçada virada para um
parque. Seria um dos locais mais freqüentados em dias chuvosos, devido à sua cobertura
luminosa. O espaço fechado do “Palácio Cristal” seria grande o suficiente para que
inúmeros artigos fossem expostos para venda, e para que as pessoas pudessem comprar e
passear. Haveria também um jardim de inverno. O conjunto, forma um círculo, o que faz
“Palácio Cristal” é total, já que todos os caminhos da cidade levam ao palácio. Observa-se,
portanto, uma preocupação especial com a acessibilidade, além de uma cobertura, que
41
permite o acesso em dias chuvosos, sem falar na disposição de mercadorias em um espaço
amplo, em que as pessoas escolhem, compram e passeiam. Ressaltamos ainda, que se trata
de uma galeria envidraçada que expõe mercadorias, voltada para um parque, ou seja,
através desse modo de arrumar o espaço, denota-se uma preocupação em aliar a compra, ao
passeio. Howard parece ter tirado o nome “Palácio de Cristal” da construção que
efetivamente foi levantada em Londres, em 1851, pelo arquiteto inglês Joseph Paxton. O
“Palácio” feito de ferro e vidro foi construído para abrigar uma grande exposição de artigos
nesta mesma época, na metade do século XIX, as grandes galerias comerciais surgiam na
Londres (1818). Outros nomes importantes seriam a Bon Marché, em Paris (1852), e a
Victor Emmanuel em Milão (1867). Fora do contexto europeu, podemos citar a Stewart e
significativamente nos centros das cidades, formando ruas e pátios internos, que permitiam
o acesso às lojas. O Cristal Way em Londres (1855) era uma edificação com inúmeros
42
Tanto na descrição acima quanto nas idéias de Ebenezer Howard sobre a “Cidade
Paris no século XIX. Como parte fundamental do mesmo processo de mudanças que se
XVIII começava também, a introduzir uma nova forma de consumo, novos gostos,
consumo, não mais como um meio de satisfazer necessidades físicas, mas como uma
atividade de recreação, social, em que a saciar gostos e caprichos, admitir a compra como
uma forma de alçar status, é fundamental. A propósito, esse tipo de idéia permanece até
hoje, sendo cada vez mais difundida, pelo marketing dos shoppings.
43
Nas ilustrações, a galeria Victor Emmanuel com o teto envidraçado e suas grandes
torna-se um ponto fundamental para o sucesso das galerias e das lojas de departamento e,
Segundo Max Weber, foi na Idade Média, com o renascimento do comércio e das
A concepção dos shoppings atuais agrega alguns elementos que, como vimos, já
observamos que a idéia de um espaço fechado que aliasse o comércio com a sociabilidade,
44
muito comum nas galerias do século XIX, e até em épocas mais distantes, é ampliada em
grande medida nos shoppings dos séculos XX e XXI. Neste sentido, o processo de
construção daquilo que no século de XIX se efetiva como uma “cultura do consumo”
parece fazer nascer não só uma nova perspectiva econômica, como também um novo
sucedido não é mais aquele que detém o dom da oratória, da palavra, como fora na
vimos, esse processo que segundo Max Weber se inicia na Idade Média, toma um novo
Jacques Rousseau:
pelos administradores dos shopping centers, não podem ser considerados exatamente como
45
comércio através da história, e dos sentidos que lhes foram atribuídos, de fato, encontramos
Escolher o que se convencionou chamar de “Tennant Mix”, que nada mais é do que a
internos. Os números são de grandes shoppings cariocas, entre os quais não poderiam faltar
aqueles que mantivemos uma maior proximidade durante nossa pesquisa, ou seja, o
Iguatemi Rio e o Barra Shopping, das mais variadas partes da cidade e do mais tradicional
segundo maior shoppings da cidade do Rio de Janeiro. O Rio Sul foi o primeiro shopping
cidade. O Iguatemi Rio atende a uma área importante da Zona Norte, especialmente os
bairros de Vila Isabel e Tijuca. O Iguatemi São Paulo além de ter sido o primeiro shopping
14
Neste momento, tomaremos como referência básica desta organização do espaço, os shopping centers
localizados preferencialmente na cidade do Rio de Janeiro.
46
implantado no país, encontra-se em uma das áreas mais nobres da cidade mais rica do
Brasil.
correspondem às grandes lojas, que têm clientes cativos, que por si só atraem público. O
Barra Shopping é ancorado pelas lojas C&A, Fast Shop, Fnac, Lojas Americanas, Renner,
Ponto Frio mega store e Zara. O Norte Shopping possui 9 Lojas Âncora, que são: Lojas
Americanas, Casas Bahia, C&A, C&C, Carrefour, Casa & Vídeo, Leader Magazine, Ponto
Frio e Renner. No Rio Sul, por exemplo, correspondem às lojas Zara, Casas Bahia, Renner
e Lojas Americanas. O Iguatemi Rio tem como âncoras a C&A, Casa e Vídeo, Casas
Bahia, Renner, Ponto Frio, Marisa e Lojas Americanas. O Iguatemi São Paulo possui 4
lojas Âncora: C & A, Lojas Americanas, Pão De Açucar e Zara. Por outro lado, há as lojas-
satélite, que são lojas de sucesso em menor escala. Há 450 lojas deste tipo no Rio Sul, 220
no Iguatemi Rio, 322 no Iguatemi São Paulo, 281 no Norte Shopping e 574 no Barra
fluxos de pessoas.
nos mapas em anexo15. Fica claro que a lógica da arrumação do espaço interno do shopping
é concebida a partir do posicionamento dessas lojas. Nos mapas do Iguatemi Rio e do Norte
Shopping, por exemplo, podemos perceber com clareza, o grande espaço que as lojas-
âncora têm no shopping, ocupando até, mais de um andar, como a Loja Americana do
interessante, é que nos mapas do Iguatemi, além das lojas-âncora, recebem destaque os
15
Ver mapas em Anexo: Barra Shopping, Norte Shopping, Iguatemi São Paulo, Rio Sul e Iguatemi Rio.
47
cinemas, as “praças de eventos” e o restaurante Petisco da Vila. Os cinemas e as “praças de
shopping, também devem estar “de acordo” com esse “público-alvo”. Durante nossas
“se quisermos atingir todos, não atingiremos ninguém”, frase que resume o pensamento dos
determinada faixa de renda. Isso não quer dizer, que não haja uma freqüência expressiva
em inúmeros shoppings, de pessoas que estariam fora do público-alvo, ou por não morarem
nas imediações, ou por terem nível de renda maior ou menor do que o público-alvo.
espaços ou em áreas extensas marginais a grandes avenidas, havendo apenas duas exceções.
Nos dois casos, o acesso ao shopping se dava, em esmagadora maioria, por carro ou por
ônibus. O Barra Shopping (1981) e o Casa Shopping (1984) foram construídos em grandes
áreas abertas da Barra da Tijuca, bairro que começava a ampliar sua importância na cidade.
O São Conrado Fashion Mall (1982) e o Norte Shopping (1986) foram construídos em
16
As atividades e shows das “praças de eventos” são gratuitos.
48
inaugurado bem no final da década (abril de 1989), e ao Rio Sul, o primeiro shopping da
cidade, construído em 1980. No entanto, o Rio Sul nasceu em prédio empresarial, que não
porque os novos foram projetados para serem, em geral, menores, já que algumas áreas
escolhidas para as construções são “apertadas” como Tijuca, Vila Isabel e Leblon, além do
caso da recente inauguração do Shopping Leblon, que rapidamente causou danos ao São
Conrado Fashion Mall. Os dois shoppings têm como alvo principal um cliente requintado, e
nessa briga pelo topo da elite econômica carioca, o irmão mais novo está desbancando
17
Atualmente o maior shopping do Rio de Janeiro é o Barra Shopping, com 90mil m2 de ABL17. Ao final das
obras de expansão no Norte Shopping, o empreendimento deve chegar aos 95mil m2 de ABL, tornando-se
assim, pela primeira vez, o maior shopping da cidade.
18
O grifo é nosso.
19
Revista Veja – São Paulo – 23 de Agosto de 2006 - Reportagem de Sandra Soares.
49
Daniel Brett, diretor comercial da grife italiana Ermenegildo Zegna no
Brasil, conta que a decisão de migrar do São Conrado para o Leblon foi
motivada pela clientela: 80% dos clientes da loja do Fashion Mall moram
na região. A expectativa é de que a mudança aumente em 30% o
faturamento da nova loja...20
voltados para as chamadas classes A e B. Ainda que em inúmeros shoppings, inclusive por
sociais e de renda considerados baixos. Na cidade do Rio de Janeiro, temos como exemplo
mais tradicional, o Norte Shopping, que fica no bairro do Caxambi, Zona Norte, inaugurado
em 1986, além do Madureira Shopping, inaugurado em 1989. Além deste, podemos citar O
West Shopping, em Campo Grande, Zona Oeste, inaugurado em setembro de 1997, o Nova
América23 em Del Castilho, Zona Norte, inaugurado em 1995, o qual inclusive possui uma
integração direta com a estação do metrô do bairro. O Carioca Shopping na Vila da Penha,
20
Valor Econômico – 04 de Dezembro de 2006.
21
Vemos como relevante uma menção ao fato de que o significado do “subúrbio” neste momento difere
completamente do contexto dos EUA, citado anteriormente.
22
Filiados a ABRASCE.
23
Tanto o Nova América quanto o Carioca Shopping foram o resultado da adaptaçào de antigas plantas fabris,
cujas fábricas já haviam sido desativadas. No local em que funcionara a “América Fabril” de fiação e
tecelagem, está atualmente o Nova América. Já a “Standard Eletric” de telefones e equipamentos elétricos
encontrava-se onde hoje está o Carioca Shopping.
50
inaugurado em 1996, o Shopping Grande Rio em São João de Meriti, inaugurado em 1995
administração, em outras épocas houve mais classe C, mas a saída de lojas como a C&A e
as Lojas Brasileiras, demonstravam que essa faixa de renda não estava mais sendo
São Paulo, mais da metade dos freqüentadores mora nos bairros Pinheiros, Itaim Bibi e
Morumbi, havendo assim um perfil que abrange em grande medida a classe A. Já no Barra
ação do shopping é muito amplo. Este pode ser demonstrado a partir do fato de que o site
destaque para as linhas de ônibus que fazem os trajetos. A área de influência do Norte
52 bairros vizinhos. Como já foi dito, pela própria localização, o Norte Shopping atende a
D.
Abordando essa relação entre o mix de lojas e o público alvo, Don Mitchel
afirma que: “When the malls opens, the owner-developers need to carefully manage the
51
Com o grande número de pessoas que passam pelos shopping centers24, estes
Fazenda. Há lavagem de carro, curso de inglês, posto telefônico, engraxate, entre outros.
No Iguatemi Rio, podemos citar o fraldário, duas agências de bancos, agência dos Correios,
lotérica, dois cabeleireiros, lavagem de carro, além de empréstimo de carrinhos para bebê.
de beleza, fisioterapia e clínicas de diagnósticos, chamado Vida Center Saúde & Estética. O
Barra Shopping conta com uma academia de ginástica, três agências bancárias, seis
cabeleireiros, uma agência dos Correios, uma casa lotérica, uma corretora de imóveis, uma
Empresarial com onze edifícios comerciais. No Iguatemi São Paulo há duas agências
se refere ao estabelecimento dos primeiros shoppings nos EUA, comenta a importância dos
havia um espaço bastante vasto para instalar o mercado, 10 a 12 há para um mercado capaz
(GEORGE,1983,pg. 197).
24
Mensalmente, o Iguatemi Rio recebe cerca de 1 milhão de pessoas, o Rio Sul, cerca de 2 milhões de
freqüentadores, o Iguatemi São Paulo cerca de 1,5 milhão de pessoas, o Norte Shopping cerca de 2,4 milhões
de pessoas e o Barra Shopping cerca de 1,4 milhão de pessoas. Fontes: Sítios dos referidos shoppings – 2006.
52
Os estacionamentos devem ser compatíveis com o tamanho do shopping e com o
centavos para ficar no máximo quatro horas em uma das 3 mil vagas do Rio Sul. O
estacionamento do Iguatemi Rio possui capacidade para 1500 carros, e desde a inauguração
operação dos estacionamentos, o que levou à cobrança de taxa. No Barra Shopping há 4500
vagas, no Iguatemi São Paulo há 1824 vagas e no Norte Shopping, há 4500 vagas.
Um outro fator que não pode ser negligenciado em relação ao espaço do shopping,
afirmar que o shopping é o “lugar mais seguro do mundo”. Entretanto, a idéia de que o
Muito mais do que a segurança efetiva (sem dúvida mais eficiente que a da “rua”),
25
“O shopping é um local muito procurado pelo público por oferecer segurança e conforto” (Administração
do Iguatemi).
53
câmeras, a “sensação de segurança” é o mais importante. As pessoas parecem sentir que
está tudo sob controle naquele espaço vigiado, filmado e com boa iluminação. Da mesma
forma, o fato de ser um local, em princípio, de livre acesso e de uso comum, faz com que os
agentes de segurança dos shoppings atuem de modo “sutil” para desencorajar a presença de
“indesejáveis”. “...sei lá, no shopping é como se você tivesse a atenção que você não tem na
rua. Você não tem ninguém para pedir informações, você tem até medo de chegar perto de
contato visual com o exterior, como era feito nos EUA em 1940/50, as administrações
shopping.
diferentes mediações, que são decisivas para que o modo como a sociabilidade se desenrola
consigo também uma nova perspectiva para a questão da sociabilidade nesses espaços.
26
Entrevista realizada pelo autor.
54
A rua é o espaço público por excelência, regido por normas de civilidade, sob às
quais somos chamados a estar de fronte ao que nos é estranho, diferente. O geógrafo
francês Jacques Lévy ensina que o percurso no espaço público exige uma suspensão do
íntimo, que se manifesta de modo que se garanta ao indivíduo que não haverá sobre ele,
uma projeção da intimidade de outrem. O espaço público constitui o lugar do encontro dos
com essas regras. Assim, o espaço público possui uma dimensão abstrata, sendo regido por
princípios e normas, e uma dimensão concreta, demonstrada pela co-presença, por seus
espaço, e de que o espaço do cidadão, ou seja, o espaço público é o local por excelência da
própria produção e reprodução da sociedade civil, fazem com que a sociabilidade ganhe
importante, a lembrança de que ela ganha uma nova dimensão no espaço público, o que fica
claro especialmente em (MOREL, 2005). Analisando a vida pública carioca entre 1820 e
1840, o autor atribui aos espaços públicos um papel fundamental no cenário de mudanças
políticas e sociais. A difusão das novas idéias através das “vozes públicas” e da linguagem
visual (cartazes, caricaturas) foi possível em grande medida pela acessibilidade e pela
visibilidade dos espaços públicos. “Os gritos e vozes nas ruas constituem uma forma de
55
ocupação dos espaços públicos, ainda que simbólica e efêmera, mas muitas vezes eficaz e
espaço público. Em geral, estas modificações associavam-se entre outras razões, além de
da imigração. Lousada (2004) observa as melhorias dos espaços públicos através de nova
iluminação, calçamento e policiamento. Ora, essas medidas foram tomadas a partir de uma
necessidade de maior normatização dos usos que se fazia da rua, de novos limites para os
comportamentos que seriam aceitáveis em público. Pois bem, com a concretização dessas
medidas, em especial pela atuação enérgica da polícia, os usos dos espaços públicos foram
modificados. Aí, podemos notar que o espaço deixa de ser somente um reflexo, objeto da
inclusive as mulheres, que ficavam afastadas especialmente por causa da sujeira que
reinava na rua e apresentou novos lugares de passeio. “...as formas são tanto um resultado
quanto uma condição para os processos. A estrutura espacial não é passiva mas ativa ,
embora sua autonomia seja relativa, como acontece às demais estruturas sociais”
Não nos parece uma simples coincidência, o fato de que as transformações das
momento em que novas regulamentações seriam estabelecidas nos espaço públicos das
principais capitais européias. Dessa forma, a própria autora toma inúmeros exemplos de
56
sociabilidades vividas no cotidiano lisboeta para demonstrar como os espaços públicos
foram rearrumados a partir de uma renovação do pacto que o fundara. Na verdade, as novas
utilizações sociais, inclusive uma “apropriação política” da rua, demandavam novas regras
Todavia, as classes populares não eram as únicas que através de seus arraiais, de
suas festas religiosas, ou mesmo em simples encontros, que faziam com que a rua fosse um
1780, além da criação da rede de vigilância policial, indivíduos de diversos grupos sociais
passaram a praticar o passeio urbano. Comprovando as alterações das regras de uso da rua,
bem como a questão já mencionada de que o espaço público muitas vezes não é tão livre
quanto parece, Lousada nos descreve uma medida tomada em 1787, que visava facilitar e
ampliar as práticas de sociabilidade urbana. Foi dada uma “ordem para que as prostitutas
não estejam na beira mar, passeio público, praça da Alegria, e outros sítios por onde há
determinadas áreas que estivessem, agora, voltadas para outros tipos de atividades. Com a
XVIII representavam uma valorização do espaço público. Nos dias atuais, Richard Sennett
aponta que o processo inverso está prevalecendo nas relações sociais urbanas. Através de
57
uma constante extrapolação das intimidades, a vivência dos espaços públicos está se
perdendo de tal forma, que presenciamos hoje, segundo Sennett, um verdadeiro “declínio
“recuo da cidadania” são recorrentes quando se pensa o espaço público nos dias de hoje. O
próprio sentido da palavra público parece ter sofrido uma séria distorção. Em vez de ser
espaço uma idéia de que tudo é permitido, de que não existe um “dono”, e que, portanto,
podemos despejar nosso lixo na praia, colocar nossa barraca no meio da praça, ou mesmo
erguer as grades do condomínio bem avançadas sobre a calçada, sem que ninguém possa se
proliferação de espaços fechados de sociabilidade parece guardar uma relação próxima com
esse declínio do espaço público. Os setores sociais mais privilegiados buscam refúgio
através da criação de espaços privados que sejam afeitos ao lazer e à sociabilidade, ainda
que muito restrita, entre os quais o melhor exemplo é o do condomínio fechado. Neste
contexto, não se pode ignorar a difusão e a ampliação da importância dos shoppings para a
vida de muitos que vivem nas grandes cidades. “...novos arranjos físicos resultam em novas
formas de se construir a vida coletiva, novas imagens físicas e sociais da cidade” (GOMES,
2002, pg 174).
caráter de sua propriedade. Ainda que seja propriedade de grandes empresas, portanto um
equipamento urbano privado, o espaço do shopping pode nos apresentar sua dimensão
pública quando pensamos em seus usos. Assim, ainda que tenha horários para a circulação,
58
vigilância e restrições de diferentes tipos ao acesso, esses fatores não nos impedem de
continuar em busca da dimensão pública do shopping. Vimos que muitos desses fatores, ou
talvez sua totalidade possam ser verificados também na rua, a qual não se apresenta tão
livre quanto se imaginaria. Sendo que esta idéia de que na rua pode-se fazer qualquer coisa,
ou ter acesso a tudo, nos parece resultar da mudança radical do sentido daquilo que é
For example, at the end of the last century, the boulevards and the streets
in Latin-American city centres were strictly controlled by the authorities.
The habits and clothing of the public were severely policed, and in certain
fashionable Buenos Aires streets, it was compulsory to wear a hat and a
suit! (CAPRON, 2003, p.218).
visibilidade que o espaço do shopping vem alcançando nos dias de hoje pode ser
demonstrada através das diversas manifestações que passaram a ocorrer nesses espaços,
como a dos estudantes das universidades públicas, de um grupo de “sem teto”, ambas no
Rio Sul, ou o protesto do movimento gay de São Paulo no shopping Frei Caneca em 2003,
que atraiu 3 mil pessoas e ficou conhecido no país e no exterior. Da mesma forma, verificar
tarefa difícil. Esses grupos promovem uma verdadeira disputa territorial, produzindo uma
não se está apenas comprando, mas se divertindo. Passear no shopping transforma-se assim,
século XIX era conhecido como “fazer o chiado” se aproxima bastante deste tipo de
59
...admiravam-se as fachadas, as luzes e o movimento dos cafés e teatros,
as montras das lojas com as suas mercadorias(...) estabelecimentos onde
se vêm expostas as alfaias e jóias mais preciosas, obras de ouro e prata de
toda espécie, em armários envidraçados, suspensos dos dois lados da
porta. Em frente desses estabelecimentos há sempre muita gente
pasmada”, especialmente senhoras que tinham como uma de suas
principais distrações, “passear de carro parando às portas das lojas para
ver tecidos e jóias (...) Este tipo de passeio dará origem, na segunda
metade do século XIX, à expressão “fazer o Chiado”, em que ver e ser
visto em público se torna um dos ritos de sociabilidade (LOUSADA,
2004, pg(s).104 e 105).
semi-públicos, já que a acessibilidade desses locais pode ser tão livre quanto a da rua, ainda
que o dono possa promover restrições a este acesso. Todavia, nada impede que na rua
também ocorram restrições ao acesso de determinados espaços, que já vimos sob a forma
de novas regulamentações do espaço urbano de Lisboa, como no caso das prostitutas que
maiores cais de Lisboa, a posição estratégica garantia o grande afluxo de pessoas a esses
estabelecimentos. Entre a casa (espaço privado por excelência) e a rua (espaço público por
alimentação das classes populares. Os cafés eram espaços mais requintados, oferecendo
O jogo era uma das principais atividades praticadas nos cafés e tabernas, ainda
que o regimento dos taberneiros lisboetas de 1797 estabelecesse que era proibido este tipo
60
de divertimento nas casas de bebida. Entretanto, mesmo assim o jogo continuou tendo
papel fundamental na sociabilidade desses espaços, desde os cafés mais aristocráticos, até
as tabernas mais populares. Os jogos eram diferenciados através dos grupos sociais, o que
se apresentava claramente nos locais em que eram praticados. Nos cafés das áreas mais
tabernas da periferia. A sociabilidade nos cafés se tornou tão importante para a aristocracia,
que os manuais de civilidade passaram a incluir situações de conduta para esses espaços
públicos comerciais.
também centros de discussão política, de conspiração, que mereceram até atos de vigilância
pública. Assim, podemos concluir que os cafés e as tabernas fizeram parte ativa não só das
também de uma cultura política que se desenrolava através das discussões travadas nesses
espaços.
A proliferação dos cafés, e sua tomada como locus de sociabilidade também fez
Lisboa, entre os Cafés e as tabernas, aparece no Rio de Janeiro entre os Cafés, reservados à
61
“elite”, e os botequins, evidentemente mais populares. Referindo-se ao Café do Rio,
Ernesto de Senna descreve um pouco da importância que a sociabilidade trazia aos cafés
cariocas.
27
O Café do Rio
28
O autor refere-se ao português João Inácio de Brito, proprietário do estabelecimento em questão.
62
Desses exemplos tão distante temporalmente, podemos ilustrar a complexidade
cada um desses espaços. Se por um lado há que se considerar que o shopping não tem
públicos relevantes, como os cafés e as tabernas citados, por outro lado podemos concluir
que sua presença cada vez mais comum e funcional na vida urbana nos impõe a
In the first of these visions, public space is taken and remade by political
actors; it is politicized at its very core; and it tolerates the risks of disorder
(including recidivist political moviments) as central to its functioning. In
the second vision, public space is planned, orderly, and safe. Users of this
space must be made to feel comfortable, and they should not be driven
away by unsightly homeless people or unsolicited political activity
(MITCHELL, 1995, pg.115).
Ainda que os shoppings não possam mais ser tomados como exemplos de espaços
discussão afirmando que: “Um passo adiante na direção do espaço “público” e tem–se algo
63
Nem tão intimistas quanto os condomínios residenciais fechados nem tão
olhares para os “novos” movimentos que vêm tornando a análise do urbano cada vez mais
como a consagração do modelo do shopping center. Não somente pelo tamanho29, como
também pela importância que o shopping passou a ter para a economia da cidade e para a
vida dos seus habitantes. O West Edmonton superou de longe os centros comerciais
tradicionais, não só pela diversidade de lojas, ou pela amplitude de seus corredores, de suas
alamedas e praças, como também pelos serviços e atrações que oferece. Com suas ruas
sua prestação de serviços de um modo até então nunca visto. Um outro fator importante
Muitos jovens, alguns até de outras cidades próximas a Edmonton, viajam grandes
distâncias para se socializar e passear. Neste sentido, o West Edmonton tornou-se, também,
especialmente para os jovens, um local para se divertir, encontrar amigos, conhecer outros
“…tend to have more leisure time and less money than most other segments of society,
29
O West Edmonton atravessou duas décadas com o título de maior shopping do mundo.
64
their presence in shopping malls is probably oriented more toward social activities than
toward purely economic ones” (SIJPKES et al. 1983, pg 17 in: HOPKINS 1991, pg 274).
inclusive potencial para ampliar, ainda que indiretamente, os lucros das lojas e do shopping
como um todo.
em lojas dispostas lado a lado, para ter também uma função em si mesmo, a de participar de
um espaço propício ao encontro, em que ver e ser visto torna-se um ritual de sociabilidade.
expansão nos grandes centros urbanos, inclusive para áreas tradicionalmente menos
favorecidas, é um fato que hoje assistimos nos subúrbios e nas Regiões Metropolitanas de
Rio e São Paulo, por exemplo. Em bairros como Campo Grande e Del Castilho, ou em
municípios como Duque de Caxias, os shoppings assumem uma função que a princípio não
se imaginaria, viabilizando uma das parcas possibilidades de lazer nessas áreas. Da mesma
65
forma, acabam revitalizando determinadas áreas e promovendo a valorização de algumas
Avenida Dom Helder Câmara, encontra-se o segundo maior shopping da cidade, o Norte
Shopping. Tendo completado 20 anos em 2006, o shopping passa pela maior reforma desde
sua construção. A valorização do bairro de Cachambi foi tanta, que prédios residenciais
com ampla infra-estrutura estão sendo construídos próximos ao shopping. Até o nome da
região com aquelas já presentes em áreas mais abastadas como a Barra da Tijuca e a Zona
Sul são recorrentes. Uma das novas áreas do Norte Shopping será ocupada por uma
que investimos na da Barra (16 milhões de reais). Termos esteiras com TV de plasma e
tudo o mais que há nas academias da Zona Sul”, diz um dos empresários da rede.31
Assim, além da grande ampliação dos usos dos shoppings outro fator marcante é a
Com a disseminação destes equipamentos pelos centros urbanos, originada pela renovação
importância que os shoppings adquiriram no que diz respeito à produção do espaço urbano.
30
Veja Rio – 6 de Dezembro de 2006.
31
Veja Rio – 6 de Dezembro de 2006.
66
O shopping é hoje um grande representante da histórica união entre sociabilidade
e consumo, aliás, foi assumindo essa união publicamente, que os shoppings chegaram a ter
a importância que têm hoje nas mais diferentes cidades do mundo. Cada vez mais, o espaço
freqüentador. Este personagem, que também consome, tem o espaço do shopping como um
ponto de referência para o seu cotidiano, para seus afazeres, para o lazer e para a
exercem na cidade, seu espaço, suas representações se modificaram. Nos parece que as
na cidade
shoppings que são reconhecidos pela ABRASCE. Além de preencher os requisitos mínimos
que a ABRASCE estabelece, o shopping associado paga uma taxa de admissão, uma
desde então a ABRASCE regula os empreendimentos que podem obter o título oficial de
32
ABRASCE – Associação Brasileira de Shopping Center.
67
Shopping Center. Os requisitos para receber o título são determinados pelo Selo
ABRASCE:
Nos primeiros dez anos, entre 1966 e 1976, foram construídos 8 shoppings. Em
apenas cinco anos, entre 1976 e 1981, foram construídos mais 8 shoppings, aferindo-se
Rio Sul.) Dez anos depois, em 1991, havia 90 empreendimentos. Nos cinco anos seguintes,
o aumento foi de 57. Entre 1996 e 2001, houve o maior crescimento da história da indústria
gráfico abaixo:
68
Núm ero de Shoppings no Brasil
2006 263
2002 252
2001 240
1996 147
1991 90
1986 34
1981 16
1976 8
1971 2
1966 1
espalhados pelo país, e que se intitulam shopping centers. Na Região Sudeste, localizam-se
mais de 60% dos shoppings brasileiros, enquanto que na Região Norte, estão apenas 2%
dos shoppings. Somente o estado de São Paulo, possui 61 shoppings. Exatamente o mesmo
número que as regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul somadas. Desta forma, deve-se
urbano por demais utilizado e conhecido, esta situação não se repete com a mesma
intensidade no restante do país. Na verdade, a distribuição dos shoppings pelo país, segue
Sudeste33. A partir dos números que foram apresentados, temos então, uma visão mais clara
33
Ver Mapa em anexo sobre a distribuição de shoppings pelo país.
69
acreditarmos na grande importância dos shoppings para as cidades brasileiras, reiteramos
que essa importância pode ser considerada relativa, já que apesar de estarem concentrados
nos estados mais populosos e relevantes, há 6 estados (MT, TO, RO ,AC, AP e RR) que
Além disso, podemos concluir (através dos mapas em anexo) que mesmo no Rio
de Janeiro, que aparece com um dos maiores números de shoppings (reconhecidos pela
ABRASCE), tanto no estado como na cidade do Rio, ainda existem inúmeros “vazios de
pelo estado do Rio de Janeiro (assim como por quase todos os outros estados), que se
intitulam como tal, mas que não são reconhecidos pela ABRASCE.
Norte
Centro-Oeste
2%
7%
Nordeste
9%
Norte
Centro-Oeste
Nordeste
Sul
18% Sul
Sudeste
Sudeste
64%
70
Para além das quantificações que nos permitem verificar a dimensão dos
shoppings no Brasil, pretende-se destacar o fato de que esses espaços obtiveram não só uma
considerável ampliação de suas funções, como também ganharam novos sentidos, novos
arranjos, os quais parecem apontar para a necessidade de uma ampliação das possibilidades
condições de estabelecer-se no país” (BIENENSTEIN, 2002, pg. 75). Não se pode esquecer
no sudeste brasileiro, além da constituição efetiva daquilo que Milton Santos chamou de
característico deste momento da história brasileira, levou o país a uma maior inserção no
34
“O meio técnico científico e informacional é marcado pela técnica, ciência nos processos de modelação do
território, essenciais às produções hegemônicas, que necessitam desse novo meio geográfico para sua
realização. A informação em todas as suas formas, é o motor fundamental do processo social e o território é,
também, equipado para facilitar sua circulação” (SANTOS, 1993, p.56).
71
Pode-se entender a inauguração do Shopping Iguatemi, em 196635, na cidade de
São Paulo, como representativa não apenas de um novo modo de fazer compras, ou de uma
sociabilidade.
no Brasil. Eram apenas alguns poucos centros de compras, elegantes, convenientes para os
automóveis e para os indivíduos mais abastados. A discrição dos shoppings àquela época
pode ser exemplificada não só pelo parco número de unidades, bem como por sua ausência
na segunda cidade mais importante do país. Somente em 1980, o Rio de Janeiro entrou na
rota da indústria dos shopping centers. Estava em curso o processo de maturação da idéia
35
O Shopping do Méier, inaugurado em 1963 na rua Dias da Cruz, principal área commercial do Méier,
bairro da Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, se intitula como “o primeiro shopping do Brasil”. Na época
de sua implantação o “Shopping” do Méier apresentava as características típicas de uma galeria, não tendo,
por exemplo uma administração única. Até hoje, este centro commercial não é reconhecido como um
shopping center. Alguns dos motivos a serem considerados podem ser o pequeníssimo estacionamento para
apenas 250 carros, e as diversas lojas que possuem uma de suas portas voltada diretamente para a rua. Além
disso, só há duas lojas âncora (Lojas Americanas e C&A), o que é consideredo como bem abaixo do padrão.
O Shopping Center Lapa, localizado na cidade de São Paulo, apesar de ter sido inaugurado em 1968, só foi
reconhecido pela ABRASCE como tal em 1994, não aparecendo nos registros, portanto, como um dos
primeiros shoppings da cidade (e do Brasil). O Shopping Gilberto Salomão se intitula “o primeiro de
Brasília”, título que oficialmente pretence ao Shopping Conjunto Nacional de Brasília, por motivos
semelhantes aos que justificam o caso do Shopping do Méier.
72
no país. Nos anos 80, houve o primeiro momento de grande expansão dos shoppings pelo
Brasil. Avaliamos que esta expansão possuía muito mais um caráter quantitativo e de
ampliação das áreas cobertas pelos shoppings. Queremos dizer, que a composição do
ainda, de apenas um centro de compras. “Foi, entretanto, somente a partir dos anos 90, que
o modelo shopping center ganhou tamanha visibilidade, sem falar que, nesta mesma
novos gostos e hábitos passaram a ser apresentados e saciados nos shoppings. Todavia, não
se pode esquecer que a degradação dos espaços públicos é um fator fundamental para a
Retomando esta discussão, que lançamos aqui no item 2.5, a degradação dos
espaços públicos passa, em diversos países, entre eles o Brasil, de modo inevitável, pelo
definhamento da civilidade e com esta do “declínio do espaço público”. Grande parte dos
73
cidadãos de metrópoles como o Rio de Janeiro e São Paulo se vêem amedrontados pelo
descontrole da violência urbana, que também expõe a incompetência e outras mazelas que
mancham as “autoridades”. Coloco entre aspas, pois no Rio de Janeiro, por exemplo,
muitas vezes (e cada vez mais) as autorizações ou proibições parecem não ter origem nos
portanto, em tese, são as autoridades legais. Ao andar pelas ruas das metrópoles nacionais
obrigadas a fazer no espaço público tudo aquilo que talvez gostassem de fazer
privadamente. Mais do que uma degradação dos espaços públicos, ou do que uma cena
público”, já que para estes até espaço privado foi negado) ou porque foram assassinados
pelo crime que se tornou um item cativo nas ruas. A descaracterização das bases
fundadoras do espaço público e a escassez cada vez maior de cidadãos fazem com que
Por outro lado, a idéia de violência urbana aparece como uma ferramenta importante na
74
“urbanos” (a pobreza e a criminalidade são, evidentemente, fenômenos
tanto rurais quanto urbanos) e sejam alimentados por fatores que emergem
e operam em diversas escalas, da local à internacional. Vista a partir desse
ângulo, podem ser tomados como típicos exemplares da violência
propriamente urbana a violência no trânsito, os “quebra-quebras”, os
assassinatos debitáveis na conta de grupos de extermínio e os atos
violentos perpetrados por quadrilhas de traficantes de drogas ou gangues
de rua (SOUZA, 1999, pg.52).
realidade violenta e urbana nos fornece, no mínimo, boa parte da explicação dos motivos
que levam até as camadas menos endinheiradas da população das maiores cidades do
Brasil, a tentarem fugir dos espaços públicos. Faço este destaque porque é mais comum, e
numericamente mais expressivo, pela própria situação econômica, que as classes mais
contemporâneas”, nos fornece uma visão diferenciada da realidade dos shoppings nas
grandes cidades de um país como o Brasil. Imaginar que os shoppings estão absolutamente
livres do contato com as mazelas de cidades em que se verifica uma séria “Fragmentação
36
O autor está se referindo aos shoppings.
37
Expressão introduzida pelo Professor Marcelo Lopes de Souza, a qual incorpora a dimensão espacial na
análise e engloba “...um corolário de problemas...” (SOUZA, 1999, pg.180).
75
portanto não andando em grupos, para não chamar a atenção dos seguranças do shopping, e
realizam uma abordagem “sutil”, como se fosse uma pessoa fazendo uma pergunta a outra,
ou mesmo sentando para conversar. Os assaltos em shoppings vêm aumentando, até por
“Uma colega minha disse outro dia que estava na fila do Mcdonald’s e
havia garotos pedindo dinheiro para comprar sanduíches. Ela se sentiu
incomodada e não concordou em dar dinheiro para os garotos, que
começaram a ameaçá-la. Uma outra moça que estava na fila, vendo a
situação, resolveu chamar um segurança que estava próximo, e questioná-
lo sobre sua omissão em afastar os garotos. O segurança explicou que não
estão mais fazendo nada, pois senão ficam “jurados” de morte pelos
bandidos que comandam uma favela por aqui” (Freqüentadora do
Iguatemi)38.
Assim, ainda que acreditemos que os fatores que levaram o shopping a se tornar
mais do que um centro de compras, se estendam muito além das questões relativas à
violência urbana e, de modo geral, à degradação dos espaços públicos, não deixamos de
considerar que estes, são aspectos que mantém uma estreita relação com o sucesso dos
shoppings, o que é ampliado em cidades “mais do que violentas”, como o Rio de Janeiro e
complementam o quadro do “caos” urbano das grandes metrópoles, e que também mantém
uma ligação importante com a proliferação e o aprofundamento das funções dos shoppings.
“O GLOBO teve acesso a escutas telefônicas feitas pela polícia com autorização judicial,
mostrando a ação de uma dessas quadrilhas. Em uma das ligações, o bandido vai entregar a
38
Entrevista realizada pelo autor.
76
1.6.1.2 – O abrigo e a festa no shopping
Como vimos anteriormente, entre 1991 e 2001 foram construídos cerca de 200
shoppings no país, sem contarmos aqueles que não são reconhecidos pela ABRASCE. Os
50 shoppings que existiam no país em 1991, já eram 147 em 1996 e chegaram a 240 em
metade da década de 1990, vem ocorrendo uma enorme ampliação das opções de lazer e
serviços nos shoppings brasileiros. Esta geração de “novos” shoppings já nasceu sob a
As lojas-âncora correspondem às grandes lojas, que têm clientes cativos, que por
sociabilidade para os shoppings é tão grande, que estes componentes já são considerados
“âncoras” dos shoppings. Por outro lado, os shoppings criados nas décadas anteriores,
Janeiro, o Barra Shopping introduziu opções de lazer como rinque de patinação e três
não ocupavam uma posição expressiva no espaço do shopping. Nada comparável ao Barra
Shopping de hoje, que além de ser o maior shopping da cidade, possui diversos espaços
77
permanente de eventos. Outro ponto a ser destacado em relação ao Barra Shopping, refere-
se à sua recente “união” com o New York City Center, um verdadeiro complexo de lazer
Durante nossas idas ao Barra Shopping, pudemos testemunhar uma ocasião que
nos parece ser bastante ilustrativa no que se refere à presença marcante da sociabilidade no
shopping. Mais precisamente no New York City Center, que se uniu (foi acoplado) ao
78
Evidentemente, como estávamos em plena segunda-feira de carnaval, as lojas
aproveitaram para faturar alto. Havia uma multidão de pessoas dançando, cantando e
brincando, especialmente próximo ao palco montado para o show de uma banda que tocava
Nas fotos acima, exemplos de lojas fechadas enquanto a festa de carnaval ocorria
como o Rio de Janeiro, seria no mínimo um evento com possibilidades duvidosas de lograr
êxito. O New York e o Barra Shopping registraram 4 dias grandes públicos para as festas
infantis de carnaval.
79
O caráter infantil da festa, ainda que jovens e adolescentes também tenham
participado, foi bem destacado no cartaz, ficando claro que os excessos comuns dos bailes
não seria alterado por conta da festa. Assim, registramos também a presença de seguranças
80
Com essas fotos, pudemos registrar um evento que exemplifica a diversidade de
público que compareceu única e exclusivamente por conta deste evento, já que, como
vimos, as lojas estavam fechadas. A foto 5 é muito ilustrativa no que se refere à realização
de uma festa que é, a grosso modo, tipicamente brasileira39, e que possui referências mais
exatamente o fato dos shoppings se apresentarem cada vez mais como espaços de compras
afeitos à sociabilidade que trazem modificações expressivas nas principais razões que
levam as pessoas ao shopping, e fazem com que o perfil dos freqüentadores esteja se
39
É verdade que o “carnaval de shopping” não possui a menor representatividade como festa típica,
folclórica. Entretanto, guardando as devidas proporções, também não se pode esquecer que os desfiles na
Marquês de Sapucaí, cada vez mais industrializados e ricos e por demais afastados da cultura popular e do
folclore, já se acoplaram ao mesmo mercado global no qual o shopping exerce uma outra função.
81
Em pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de Mercado
das grandes cidades brasileiras. Em comparação com uma pesquisa semelhante realizada
em 1998, percebe-se que os freqüentadores visitam menos lojas e são mais objetivos
lojas visitadas vem caindo, exatamente porque a intenção de ir ao shopping para comprar
vem perdendo pontos para outras motivações, como lazer, passeio e alimentação.
Freqüentar os cinemas dos shoppings faz parte da rotina de 69% dos entrevistados, um
Todavia, este tempo mais do que dobra (2 horas e 45 minutos) quando nos referimos
40
A pesquisa acima referida foi encomendada pela ABRASCE ao Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de
Mercado – IPDM. Foram realizadas 1100 entrevistas com freqüentadores de 31 shoppings do Rio de Janeiro e
de São Paulo. Revista ABRASCE, setembro de 2003.
82
Principal Motivo de Visita a um Shopping Center -1998/2003- Fonte IPDM - 2003
16
Outros
23
11
Alimentação
10
2003
1998
31
Passeio Serviços Lazer
21
42
Compras
46
0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50
que o item “compras” supera o item “lazer, passeio e serviços” por uma diferença de apenas
11%. Na tabela abaixo, observa-se que diferentemente do que se poderia pensar, os cariocas
estão na frente dos paulistas no que se refere à freqüência semanal ao shopping. Além
disso, 64% dos cariocas são favoráveis a que os shoppings fiquem abertos todos os
domingos. Outra idéia, a princípio consolidada, e que cada vez mais perde força, é a de que
anos, o índice de freqüência semanal é igual ao dos grupos de até 19 anos e de 20 a 29 anos.
83
A comuníssima máxima de que os shoppings são “locais de ricos” também sofre
realçar o fato de que as classes C, D e E, que a princípio poderíamos pensar que estariam
quase que excluídas da dinâmica dos shoppings, respondem por quase 40% da freqüência
discussões o conceito de sociabilidade, o qual pode ser muito útil na análise desses
lugar e de não-lugar, com o objetivo de preparar o caminho para uma análise deste
84
Capítulo 2
quase um consenso nos trabalhos sobre esses centros de consumo nas ciências sociais. A
idênticos em qualquer parte do mundo, muitas vezes serve como a única justificativa para a
adequação do rótulo. O perigo desta rápida associação se assenta ao nosso ver, em dois
85
aspectos principais: Primeiramente, o fato parecerem idênticos, não quer dizer que esses
espaços sejam exatamente idênticos. Aliás, nos parece quase impossível afirmarmos que
espaço como “ ...um conjunto indissociável de que participam, de um lado, certo arranjo de
objetos geográficos, objetos naturais e objetos sociais, e, de outro, a vida que os preenche e
podemos lançar um olhar prospectivo para a discussão do não-lugar, que nos leva a
entender que mesmo aqueles ambiente regidos pela ordem de um modelo comum, com fins
à funcionalização, não podem ser tomados como a mesma “coisa”. A semelhança da forma
em prol de um reconhecimento visual e objetivo, que por sua vez condiciona determinados
aspecto do perigo de associarmos determinados espaços, os quais muitas vezes nem nos
ocupamos em estudar, como o não-lugar, conceito que muitas vezes é aplicado sem
poderia nos conduzir a reflexões que possam clarear a discussão ultrapassando essas
acima. Especialmente sobre este “novo shopping”, que foi abordado no capítulo anterior
deste trabalho, que agrega a sociabilidade como fator preponderante de sua “vida”,
86
engendrados nestes espaços. Como já dissemos, a aparente clareza da pasteurização da
serviços, estes espaços tornaram-se mais complexos. Assim, este capítulo pretende
shopping como um não-lugar. Para isso, faremos uma breve revisão deste conceito, a qual
território, região e paisagem, o lugar foi e de certa forma continua sendo por demais
esquecido no trabalho dos geógrafos. É interessante lembrar que local e lugar são tratados
muitas vezes como sinônimos. Na linguagem do senso comum isto talvez possa aparecer
como livre de causar qualquer tipo de confusão no entendimento do que se quer apontar.
fundamentais que se podem estabelecer entre o lugar e o local.41 A idéia do local relaciona-
se a uma noção cartográfica, ao sentido exato de apontar onde está alguém ou algo. O lugar
possui uma localização no espaço, contém o local, mas vai muito além dele. Para Susanne
41
“Para apreender essa nova realidade do lugar, não basta adotar um tratamento localista, já que o mundo
encontra-se em toda parte” (SANTOS, 2002, pg.314).
87
Langer, o lugar é culturalmente definido, já o local é uma qualidade incidental do lugar,
definida pela cartografia (in RELPH, 1976). LUKERMANN acredita que um lugar não é só
o onde de alguma coisa, mas é o local mais tudo que está implícito como o aspecto
dimensão do lugar que vai muito além do local, que se pretende explorar não somente como
base teórica, mas também como fomentadora de discussões próprias para este trabalho.
Apesar disso, o conceito de lugar não vem recebendo reflexões mais atentas no
campo das ciências sociais. Nos parece que ou há uma dificuldade prévia em trabalhar com
o conceito, por parte dos cientistas sociais, ou há um quase consenso de que o lugar não
a lógica do espaço geográfico. Alain Bourdin parece acreditar na “...dificuldade que têm os
“paradigma do local” (BOURDIN, 2001, pg 25). Relph é mais enfático e específico quando
demonstra espanto não só com o desinteresse dos arquitetos, mas principalmente com o
fracasso dos geógrafos em explorar o conceito de lugar. Este fracasso, estaria relacionado
com o fato de que os geógrafos muitas vezes acreditam que sendo o lugar um conceito
88
2.2 Considerações a respeito do conceito de lugar na perspectiva da
Geografia Humanista
2002b, pg. 67) impunham aos pesquisadores, que se perguntassem sobre qual deveria ser o
encaminhamento do trabalho; seria “medir para refletir ou refletir para medir?” (SANTOS,
2002b, pg. 69). Assim, uma das principais críticas à corrente quantitativa, advém do fato de
que em muitos casos, pode-se descrever padrões espaciais muito complexos, sem ao menos
compreender os processos que lhes deram origem, ou que são fundamentais para a
compreensão do espaço. Com isso, parece ter ocorrido um esquecimento em relação ao fato
geografia, mas o que permanece como fundamental é a teoria. Nesta época, dominada pela
quantificação, a ausência de reflexões mais profundas sobre o lugar também era sentida em
outras áreas das ciências sociais. “Indeed the phenomenon of place has been the subject of
geographers have made brief comments about it” (RELPH, 1976, pg.1).
89
O sucesso da chamada Geografia Teorético-Quantitativa foi o grande estímulo
para que uma geração de geógrafos procurasse privilegiar a reflexão de questões que
encaminharam pra questões relacionadas à percepção ambiental, o que fez com que fossem
“...período de relativa perda de prestígio, entre 1940 e 1970...” (CLAVAL, 1995. in:
CORRÊA, 1999, pg.51). Assim, a década de 1970 representou uma grande renovação para
isto, uma renovação também na abordagem” (CORRÊA, 1999, pg.51). Nesta renovação, a
geografia cultural foi influenciada pela geografia cultural tradicional, pelo materialismo
geógrafos culturais por uma base filosófica que os afastasse claramente de qualquer
que esse grupo de geógrafos procurava.“... RELPH (1970) foi o primeiro a colocar em um
geógrafos ocupados com aspectos subjetivos da espacialidade...” (HOLZER, 1996, pg. 11).
humanista, como também uma fonte para que os geógrafos que trabalhassem com a
subjetividade e suas relações com os espaços pudessem se distinguir claramente não só dos
90
Todavia, os primeiros trabalhos produzidos com a intenção de destacar os
não havia uma separação clara entre as duas perspectivas. Esses trabalhos, por sinal, não
utilização do conceito de paisagem como chave principal para suas reflexões. “...qualquer
paisagem é composta não apenas por aquilo que está à frente de nossos olhos, mas também
por aquilo que se esconde dentro de nossas cabeças” (MEINIG, 1979 A, 33, in: HOLZER,
1992, pg.208).
1970. Todavia, apesar de provocarem discussões, os dois primeiros não obtiveram grande
repercussão para as bases teóricas da corrente humanista. Por outro lado, o existencialismo
passou a ganhar importância, especialmente através de Anne Buttimer, que acreditava que o
estudo da subjetividade na geografia seria mais completo, se tomasse como base filosófica
42
Para maiores esclarecimentos sobre as distinções e até divergências de concepções entre os primeiros
trabalhos que buscavam consolidar a corrente humanista na geografia, ver HOLZER (1992).
43
A idéia fenomenológica de intersubjetividade se refere à experiência que um determinado grupo tem com o
meio.
91
A fenomenologia e o existencialismo não separam os valores dos fatos, ou
os valores da ação dos agentes dessas ações. No entanto, a fenomenologia
enfatiza os problemas do conhecimento e do significado, enquanto que o
existencialismo enfatiza a conduta de vida (BUTTIMER, 1974, pg.37, in:
HOLZER, 1992, pgs.191,192).
que o ambiente estava sendo tratado como mero receptáculo e cenário de eventos. Com
para que ficasse mais clara a importância do meio em que as atividades se desenrolam.
Perseguia-se a idéia de que “o homem faz parte desta cadeia (que une as coisas e os seres)
e, em suas relações com o que o cerca, ele é ao mesmo tempo ativo e passivo, sem que seja
fácil determinar na maioria dos casos até que ponto ele é um ou outro” (VIDAL DE LA
com o “gênero de vida” não foram encampadas. Na verdade esta construção teórica de
Buttimer, significaria não só uma aproximação com o conceito de gênero de vida, como
(HOLZER, 1992).
Assim, geógrafos como Edward Relph, Anne Buttimer e Yi-fu Tuan, entre outros,
92
matemáticas e sistemas de análises propostos pelos geógrafos quantitativos44.
de pesquisa para a geografia cultural. Com isso, essa renovação também pode ser tomada
analíticos e objetivos, que produziam uma visão de mundo restrita e simplificada. Esses
modelos serviram (e ainda servem) como base teórica para a construção de espaços “mais
dos usos no espaço. Este discurso foi, em geral, muito bem aceito, por seu tom de
indivíduo no espaço geográfico. Dessa forma, o lugar passou a ser pensado como o
espaço. Todavia, não foi somente o contexto acadêmico da geografia que propiciou o
esquecer do clima de mudança que se anunciava ao final dos anos 60, da busca por uma
44
“No entanto, RELPH (1970) foi o primeiro a colocar em um artigo as possibilidades da fenomenologia ser
o suporte filosófico capaz de unir todos os geógrafos ocupados com aspectos subjetivos da espacialidade...”
(HOLZER, 1996, pg. 11).
93
movimento hippie, da revolta estudantil, e do questionamento feroz dos
padrões culturais e políticos instituídos(...)Uma geografia que fosse ao
encontro desses novos valores deveria basear-se em uma “aproximação
humanística... (HOLZER, 1996, pgs.10 e 11).
psicológicas entre as pessoas e os lugares em que vivem, e que os lugares podem ser
meaning which are distinguished by their quality of insideness. These are places” (RELPH,
1976, pg.21). A principal tarefa seria desvendar a alma dos lugares, suas identidades, seus
sentidos e significados.
anteriores.
determinada porção do espaço, já fazia parte das relações sociais antes mesmos dos
Desse modo, Hartshorne remete-se a Vidal de La Blache que em 1913 propõe que
geografia, que seria justamente satisfazer esse interesse pelo caráter individual das áreas.
94
Pierre Birot, em seu estudo de geografia regional sobre Portugal, afirma que “...a geografia
1996, p.318). Para La Blache, a França seria formada por um mosaico de identidades
região, Hettner parte do singular para o geral, para em seguida voltar ao singular. Neste
sentido, cada porção do espaço é fruto de uma combinação única e a conexão dinâmica
entre essas áreas constitui-se na articulação do mundo. Ainda, Hartshorne afirma que o
Assim, se por um lado foi a geografia humanista levou a questão das identidades
geografia, por outro lado, as raízes desta questão e da própria influência do humanismo,
95
Para a fenomenologia, o objeto é um ato da consciência, a qual é uma
sentido. Não há um sujeito separado do objeto, nem vice-versa, pois não há uma
seus atributos relacionados a Husserl, ainda que possamos nos remeter às influências de
este processo não nos leva ao conhecimento da “coisa em si” (do real), mas ao
visto que se conhecêssemos as coisas em si, já estariam em nós, afetadas por nossa
subjetividade.
como originária. Para Hegel a consciência das coisas é o próprio processo dialético que
consciência” (MARCONDES, 1997, pg. 219) o qual não é, portanto, inacessível. Todavia,
a verdade só é atingida quando a essência (o ser em si) coincide com a sua manifestação (o
96
consciência. Esta, por sua vez, é a única via possível de apreensão do a priori das coisas, do
Psicologia Clássica, que falavam de uma consciência passiva, como um simples depositário
das representações da realidade e dos objetos sob a forma de imagens. Em oposição, através
consciência é ter consciência de algo, é estar intencionalmente voltado para um objeto, este,
portanto, uma busca em chegar à consciência “pura”, o que não seria possível através dos
relação com o real. Desse modo, é possível chegar ao fenômeno em si mesmo, através de
45
“Os objetos ideais se distinguem dos reais por um aspecto essencial. O ser ideal é intemporal, e o ser real
está submetido ao tempo...” (MARÍAS, 2004, pg.452).
97
Quando Husserl foi lecionar em Freiburg, por volta da metade da década de 1910,
passou a ter como assistente um profundo conhecedor de sua obra, chamado Martin
sua filosofia às questões que envolviam a própria existência humana; “ser” não era tão
simples quanto a sociedade moderna pensava. “Toda ontologia – diz Heidegger - é cega se
não explicar primeiro suficientemente o sentido do ser e compreender esta explicação como
Para chamar a atenção para a importância das questões relativas à vida cotidiana e
aos próprios significados que envolvem a experiência de existir, que estão tão próximos de
nós, e que por isso mesmo muitas vezes passam desapercebidos, Heidegger desenvolveu o
conceito de Dasein. Este conceito pode ser tomado como a idéia de “ser-no-mundo”, “...a
2002, pg.36). A partir daí, pode-se perceber uma distinção importante entre esta formulação
fenomenológica conduz à contemplação das essências, e estas são algo absolutamente dado,
mas como ser essencial (Wesenssein), nunca como existência (Dasein)” (MARÍAS, 2004,
pg.459).
objetos não empíricos, através de uma consciência “pura” (não empírica), não tem,
portanto, compromisso com a existência propriamente dita. Todavia, não se pode perder de
vista que Heidegger introduz o tema do existir (no mundo) através do método
98
A idéia do “ser-no-mundo” desenvolvida por Heidegger é completada na
faz sentido se levarmos em conta a influência do tempo. Não por isso, a principal obra de
filosófica, mas também trazia consigo um certo desprezo e confronto à moral vigente. Os
existencialistas eram acusados de diversas infrações à “moral e aos bons costumes”, o que
nas maneiras; mal asseado...” (PENHA, 1982, pg.8). Para além desse tipo de impacto
gerado à época de seu surgimento, pode-se dizer que alguns dos mais importantes preceitos
Este pensador se opunha duramente às idéias defendidas por Hegel, no que diz respeito à
realidade de cada ser, a partir da qual pode-se chegar às abstrações que regem a totalidade.
Kierkegaard foi um severo defensor da singularidade e não acreditava que algum sistema
99
O indivíduo, por isso mesmo, jamais pode ser dissolvido no anonimato,
no impessoal. Todo conhecimento deve ligar-se inapelavelmente à
existência, à subjetividade, nunca ao abstrato, ao racional, pois se assim
proceder fracassará no intento de penetrar no sentido profundo das coisas,
logo, de atingir a verdade (PENHA, 1982, pg.17).
objetividade, sob pena de deixar escapar as diversas formas pelas quais o espaço é
apropriado pelos grupos sociais que lhe conferem símbolos, estéticas, valores, imagens, ou
servir de suporte para que a geografia ampliasse sua capacidade de compreender, através da
homem com a natureza. Neste sentido, a fenomenologia desviaria o foco das preocupações
manifestada no espaço através da percepção, dos símbolos e das ações, não permitiria uma
separação entre sujeito e objeto. Com isso, mais uma vez os geógrafos humanistas
obtinham sucesso em se afastar das perspectivas analíticas, já que propunham uma reflexão
sujeitos, que vivem este lugar. Assim, a compreensão do espaço vivido não se pauta na
46
GOMES (1996) faz uso da explicação de A.Frémont, segundo a qual “o espaço vivido visa a substituir a
noção de um espaço alienador, definido ao mesmo tempo por uma atitude de nostalgia do passado e por uma
febre futurista de planificação. Desta maneira, o espaço vivido torna-se uma categoria que acentua a
100
procura de eventos regulares, ou de uma pretensa homogeneidade de práticas ou paisagens,
mas na busca por fatores singulares que dêem sentidos a cada realidade vivida, que
interpretem o lugar.
Neste sentido, uma correta leitura dos códigos, dos símbolos, dos significados, das
fatores identitários singulares. Desse modo, para a geografia humanista, o lugar, que evoca
apenas uma parte do espaço, em que se relaciona um número restrito de pessoas, promove
as relações basilares da dinâmica espacial. Com isso, fica cada vez mais distante a
com uma determinada porção do espaço, as pessoas tomam as identidades de seus lugares
como suas, ou seja, particularidades impregnadas em um local que passam a fazer parte dos
indivíduos. “…people are their place and a place its people, and however readily these may
be separated in conceptual terms, in experience they are not easily differentiated” (RELPH,
1976, pg.34).
que vivia no meio do que se tinha tornado um campo de batalha; perguntada sobre o motivo
de sua permanência em tal área de insegurança respondeu que aquela era a terra de seus
ancestrais, e que, portanto, ela não poderia sair (RELPH, 1976). A identidade do lugar não
constituição atual dos lugares, dedicando uma atenção especial às redes de valores e de significações
materiais e afetivas” (GOMES 1996, p.317).
101
seria simplesmente uma abstração, mas interpretações intencionais que levam a
sentimental com um lugar. Na verdade, cada pessoa tem suas próprias lembranças e
histórias, é essa individualidade que faz com que a experiência no lugar seja única. Além
disso, uma pessoa pode atribuir mais de uma identidade a um mesmo lugar. Portanto, a
indivíduos.
parece haver um consenso de que estamos falando necessariamente de uma pequena porção
do espaço. Assim, podemos admitir que há uma tentação em definir, ou a iniciar uma
“quando o espaço nos é inteiramente familiar, torna-se lugar” (TUAN, 1983, pg.83).
tem a capacidade de estruturar uma determinada porção do espaço, com seus referenciais,
102
sua vivência, e torná-lo parte integrante de sua experiência. O desconhecido é um desafio,
referências que nos permitam identifica-lo, causa em geral uma sensação de desconforto.
Quando se constrói conhecimento sobre grandes áreas, estas podem deixar de ser
entre o lugar e o seu tamanho (pequeno) são os relatos de ilhéus do Pacífico, que exploram
aparelhos que nos permitirão cruzar grandes distâncias sem maiores problemas. Todavia, o
fato de estarmos referenciados em termos locacionais, não nos permite dizer que
construímos os caminhos que nos levam ao lugar. O espaço nos é familiar do modo mais
47
“Experienciar é aprender; significa atuar sobre o dado e criar a partir dele(...) A experiência é constituída de
sentimento e pensamento” (TUAN, 1983, pgs.10 e 11).
103
privar mais rapidamente do desconforto e da ansiedade que a sensação de “estar perdido”
pode nos trazer. Mas, a partir do momento em que os instrumentos de localização passam a
experiência pessoal, eles nos afastam do lugar à medida que nos aproximam do local.
uma relação “autêntica” com o lugar. Neste sentido, a contemporaneidade nos apresentaria
um planeta no qual o enraizamento é cada vez menor, e que, por conseguinte ameaça a
produção do lugar humanista. Por ironia, quando estamos viajando, por exemplo, a
com um desses espaços pasteurizados, que são adjetivados desta forma justamente por se
“inautêntica”, artificial, não serve como base para a construção do lugar, pois foi
promoveria a construção de não lugares, monumentos artificiais cada vez mais comuns.
uma dada porção do espaço, um conceito que não tem como parte de sua construção uma
métrica que nos ajude a desvenda-lo. Sobre uma possível determinação de uma escala para
104
They can be at almost any scale, depending on the manner in which our
intentions are directed and focused, as a nationalist my place is the nation,
but in other situations my place is the province or region in which i live,
or the city or the street or the house that is my home (RELPH, 1976,
pg.43).
essência do lugar está mais diretamente ligada a uma associação profunda da consciência
do indivíduo com o local em que nasceu, ou com o local em que vive, em que possui uma
determinado espaço, que lhe permite atribuir valores e significados a este local,
transformando-o assim, em lugar. Segundo Relph, este processo faz parte da base de nossa
vital source of both individual and cultural identitiy and security, a point of departure form
produto de uma profunda associação entre o indivíduo, ou até mesmo, entre um grupo de
parece ter sido aquela que melhor conseguiu expressar a noção de essência do lugar. Sob
esta idéia o autor se refere à profunda associação que mencionamos anteriormente, à qual
105
carrega consigo um grau acentuado de identificação do indivíduo com determinado local, a
ponto de como já dissemos, o indivíduo ser confundido com o “seu” lugar e vice-versa.
Com isso, podemos dizer que é através da sua identidade, e da identidade que os indivíduos
espaço, que gera a identidade desse lugar, ou a identidade que a coletividade estabelece
com este lugar. A confecção desta identidade do lugar, ou com o lugar, seja de modo
à produção do lugar. Isto pode ser observado à medida que nos damos conta de como se
espaço, tivemos que previamente distinguir características que estão presentes em um lugar
e que não se encontram em outros, estabelece uma fronteira entre aquilo que está fora e
aquilo que está no interior do lugar. Ou seja, a identificação de uma combinação própria de
106
Há diferentes graus de identificação com o lugar, os quais são definidos por
fronteiras, sejam elas físicas ou culturais. Há também, estágios de afastamento afetivo com
afastamento, que nos permite compreender essas diferentes formas de se relacionar com os
lugares, as quais são elementos fundamentais para o próprio entendimento da produção dos
lugares e dos não-lugares. Para efeito de organização deste trabalho, abordaremos neste
O que Relph chamou de “Vicarious insideness”, fala de locais que apesar de não
termos estado presentes de fato, mantemos algum tipo de envolvimento (muitas vezes
profundo). Esse tipo de relação com determinado lugar ocorre de modo ilustrativo quando
nos envolvemos com determinada narrativa que parece ter o poder de não só nos
“transportar” para o local descrito, como nos conduz a um considerável grau de percepção
das identidades e dos sentidos desse lugar. Todavia não se pode deixar de lembrar que o
fato de não haver a presença física carrega em si uma série de implicações que talvez nos
permitam questionar até que ponto essa relação é comprometida por uma idealização do
lugar, ou por relatos “filtrados”. Não nos propomos neste trabalho a avançar nesta questão,
mas acreditamos que estas perguntas podem ser objetos de análise no que concerne ao
entendimento desta classificação estabelecida por Relph, no sentido de que estamos falando
que há uma atenção especial com a morfologia da paisagem, com o ambiente, o qual torna-
107
deste tipo de relação é exatamente chamar a atenção para a importância dos aspectos
visuais na definição da identidade do lugar. O próprio Relph admite que é uma tarefa árdua
neste último, há uma menor preocupação com os aspectos visuais, em direção a uma
atenção especial com o envolvimento emocional com o lugar. Deve-se estar preparado para
valores e significados que nos fazem sentir totalmente pertencentes à nossa casa, ou à nossa
cidade ou à nossa região. Neste caso, a identificação do indivíduo com o local é total,
direção a uma maior precisão na análise, os “fatores” aos quais já fizemos referência
segundo Relph (1976), através de pelo menos três dimensões: A dimensão física, as
atividades que ocorrem no lugar e por fim os significados e símbolos produzidos pela
história dos acontecimentos e das antigas ligações afetivas dos indivíduos com determinado
Thus identity is founded both in the individual person or object and in the
culture to which they belong. It is not static and unchangeable, but varies
as circumstances and attitudes change; and it is not uniform and
undifferentiated, but has several components and forms (RELPH, 1976,
pg.45).
108
Além desses fatores que atuam dialeticamente na produção da identidade do lugar,
lugar será contemplado no item seguinte. “Different places on the face of the earth have
different vital influence, different vibration, different chemical exhalation, different polarity
with different stars: call it what you like. But the spirit of place is a great reality” (D.H.
poderia chamar de sentido do lugar. Talvez seja a categoria mais difícil para ser explicada
mas trata mais detidamente do “espírito” do lugar, de suas características mais psicológicas
lugar como sua personalidade, como o fator que é a base da individualidade e do caráter
estética, e também pela audição, olfato, paladar e tato, que exigem um contato próximo e
Para Edward Relph, pode-se definir o sentido do lugar, ainda que de modo bem
109
diferentes identidades de um lugar”48 (RELPH 1976, pg.63). Trata-se, portanto, de uma
idéia que varia de acordo com determinadas características dos lugares. Evidentemente,
nem produz o mesmo resultado. De acordo com a teoria formulada por Relph em Place and
existencialista para explicar essas noções. A base dessas noções, que serão aplicadas por
Relph na diferenciação dos lugares, aparece claramente nas idéias de Martin Heidegger, nas
através dos novos caminhos que a evolução tecnológica e a vida moderna proporcionavam.
chamou de “analítica existencial”, girava em torno do fato de que a questão do ser, que fora
estudada a fundo pelos pré-socráticos, teria sido deixada para trás e levado “a humanidade a
perder sua experiência primitiva de si mesma” (STRATHERN, 2002, pg. 27). A partir daí,
surge um mundo dominado pela ciência, em que a discussão fundamental sobre o ser é
48
“...ability to recognize different places and different identities of a place”.
49
“Relph foi um pioneiro em propor a incorporação da fenomenologia pela geografia como alternativa aos
métodos quantitativos...” (HOLZER, 2005, pg.6).
110
artificial, o homem se confunde com a máquina, bestializado através da repetição imposta
alguma levam em consideração a condição do ser. Esta seria uma das duas dimensões
possíveis para aquilo que Heidegger reconhece como um homem inautêntico, ou seja, o
indivíduo que perde não só o domínio de sua consciência, como também as raízes de sua
os atos, que produzem a existência do ser, tornam-se influenciados e até dominados por
sua vez, levam o “sujeito” a não mais articular, ou mesmo enxergar seus princípios, sua
observada em exemplos simplórios, mas alusivos, como o fato de que o filósofo ministrava
suas aulas vestido com um traje típico alemão, um modo de demonstrar enfaticamente sua
111
propriedade no interior da Floresta Negra, marcavam uma época em que Heidegger podia
porção do planeta ainda (ou supostamente) inalcançada pelos estereótipos da vida moderna.
“Sua (do homem) individualidade estava sendo perdida – a tal ponto que estava se
tornando, num sentido muito real, um não-ser, um ninguém” (STRATHERN, 2002, pg. 48).
moral, como um modo de ser, fatores a partir dos quais constrói-se o sentido autêntico do
lugar. Quando isto ocorre, temos então concluída uma profunda associação com o lugar, um
forte sentimento de pertencimento, que faz com que o indivíduo não consiga se dissociar do
contato direto com valores e significados que expressem efetivamente uma história de
convivência, de momentos vividos que ficam marcados com sendo características inerentes
a uma sala, a uma casa, a um bairro, a uma cidade, e que passam a construir a personalidade
perfeitamente conhecido, concluímos que não precisamos exatamente ter tido experiências
pretéritas em determinado lugar, para que consigamos enxergar e sentir claramente seu
espírito. Neste caso, o sentido de lugar foi construído de forma tão autêntica ao longo dos
anos, ou em alguns casos, de forma tão genuinamente trágica, que mesmo para o indivíduo
que de algum modo não fez parte dessa “construção”, apenas o conhecimento basta para
poder reconhecer o espírito do lugar. “Não é interessante como este castelo muda tão logo a
gente imagina que Hamlet viveu aqui?(...) ...um canto escuro nos lembra a escuridão da
alma humana, e escutamos Hamlet: “Ser ou não ser” (TUAN, 1983. pg.4).
112
Apesar de ter grande capacidade de resistir ao tempo e a modificações de variadas
espécies, o sentido do lugar pode sofrer uma brusca alteração para determinado indivíduo,
ou grupo social. Em muitos casos, estabelecer uma profunda ligação sentimental com
quando não estão mais presentes, podem alterar dramaticamente a personalidade do lugar
rapidamente perdem significado, de maneira que sua permanência é uma irritação mais do
Na verdade, nos parece que neste caso o lugar perde o significado que possuía
anteriormente, já que um fator fundamental da formação de seu sentido já não se faz mais
presente. No entanto, o lugar ganha novo significado, há uma reformulação quanto a seu
sentido, mesmo que isto aponte para uma relação de repulsa entre o indivíduo e o “novo”
lugar. A partir deste exemplo, percebe-se como a partir da perspectiva humanista, o lugar
indivíduo e o espaço em que define sua morada, e até, mais especificamente, com
na arrumação do espaço. Assim, a profunda ligação afetiva dos moradores com a casa, um
reflexo óbvio, mas fundamental, da história de vida que este lugar guarda, constroem o
“espírito” da casa, que se torna um espaço único, diferenciado pelos valores que lhe são
atribuídos.
113
O lar é um lugar íntimo(...)não tanto pela totalidade do prédio, que
somente pode ser visto, como pelos seus elementos e mobiliário, que
podem ser tocados e também cheirados: o sótão e a adega, a lareira e a
janela do terraço, os cantos escondidos, uma banqueta, um espelho
domado, uma concha lascada (TUAN, 1983, pg.160).
Assim, pode-se dizer que para Relph (1976), o sentido do lugar deve ser pensado
discussões sobre o lugar, este conceito também foi discutido (e vem sendo discutido
atualmente) sob outros aspectos dentro da geografia. David Harvey50, por exemplo,
apresentou severa crítica ao modo como a corrente humanista teorizou o lugar, traçando
reflexões que nos fazem enxergar um lugar menos psicológico e mais relacionado com os
uma perspectiva mais integradora do lugar, reconhecendo seus sentidos e significados, mas
Cresswell, Andrew Merriefield e Tim Oakes, podem ser citados como geógrafos que
desenvolveram uma abordagem do lugar que fosse mais objetiva do que a proposta
50
Harvey questiona, por exemplo, a validade para a compreensão do mundo atual, das noções de
enraizamento, ou mesmo de uma relação autêntica com determinados lugares (HARVEY 1996 in FERREIRA
2000).
114
Agnew ratifica a importância de que os diferentes aspectos do lugar sejam tratados de modo
perspectivas como parte de uma linha teórica, nos lançamos aqui ao esforço de sistematizar
algumas abordagens da geografia que tratam o lugar a partir de uma perspectiva marxista.
através de críticas severas dirigidas não só à geografia quantitativa, como também aos
lógico, a crítica girava em torno da idéia de que o total comprometimento com modelos
51
Sobre a questão da diferenciação no modo de incorporação do arcabouço teórico marxista na geografia
francesa e na geografia anglo-saxônica, ver GOMES, 1996, páginas 284 e 285.
115
matemáticos e estatísticos afastava a análise do espaço de questões fundamentais,
espaço pela sociedade, o que, portanto, caracterizaria uma geografia que estava servindo a
seguiam, em um certo sentido, uma linha parecida com as que foram dirigidas aos
quantitativos. A geografia tradicional também era acusada de desviar o foco das reflexões
“ciência de síntese”, que seria capaz de desvendar diversos aspectos da relação do homem
vagos, que não ultrapassavam um empirismo, que reduzia os estudos em geografia a uma
estabeleciam uma perspectiva de análise que se pretendia mais precisa do que aquelas dos
116
matemáticos ou sistemas explicativos, os quais ganharam enorme importância na corrente
quantitativa.
apontada pelos “radicais” como mais uma forma de descolar a análise da dinâmica espacial,
capitalismo na produção do espaço. David Harvey foi um dos mais severos críticos das
compreensão do lugar na geografia. “David Harvey argued that the idea of significance to
man was “empty of any meaning…” (ENTRIKIN, 1991, pg.89). Na verdade, Harvey
quais devem ser preservados das possíveis influências exteriores, é oportuna para a
manutenção de privilégios de uma classe social sobre determinada área. Assim, Harvey
formação de “guetos” de luxo. De outra forma, o lugar é visto por Harvey como em
117
Há momentos, cada vez mais freqüentes, em que a lógica através da qual o lugar é
aplicação de um novo conjunto de diretrizes para a arrumação das pessoas e dos objetos no
lugar. Alguns locais desaparecem, enquanto outros são criados, os que permanecem têm
seu conteúdo e/ou sua forma modificados, tudo para que a relação dos fluxos (econômicos,
de pessoas, etc.) com o lugar se estabeleça de modo cada vez mais coordenado. É evidente
que as técnicas desempenham um importante papel nesta renovação dos lugares, ou seja, os
lugar é o fato de presenciarmos hoje, uma verdadeira guerra entre os mais diversos lugares,
que investem cada vez mais alto para se apresentarem como adequados às “novas”
exigências das grandes empresas, o que significa lutar por uma participação cada vez maior
no desenvolvimento econômico mundial. Neste sentido, Harvey, por exemplo, acredita que
essa competição entre os lugares pelo recebimento de fluxos econômicos, é um dos motivos
que fazem com que em vez de perderem sua importância no mundo contemporâneo, os
globalização. “...the qualitative aspects of place – the quality of life – have increased in
Milton Santos lembra que o lugar não nos dá somente a oportunidade de conhecer
o mundo como ele é, através das reminiscências ou das “rugosidades”, como prefere o
autor, que nos falam do passado, mas, principalmente, o lugar nos possibilita vislumbrar o
118
...de construir uma história das ações que seja diferente do projeto dos
atores hegemônicos. É esse o grande papel do lugar na produção da
história, e aponta-lo é a grande tarefa dos geógrafos neste fim de século
(SANTOS, 2002a, pg.163).
chamada geografia radical tenha sido Yves Lacoste. Este autor pretendia alçar a geografia a
uma posição epistemológica que pudesse superar as limitações das teorias e métodos
organizar o espaço. O autor nos lembra que o Estado e as grandes empresas possuem “uma
lugares, o que não ocorre com a população, que vive uma idéia de um espaço restrito sob à
vista de um bairro, uma cidade, “pois só concebe os lugares abarcados por sua vivência
cotidiana”53. Assim, Lacoste defende que este conhecimento sobre a lógica que rege a
organização do espaço deve ser compartilhado com a massa da população, o que poderia
parece, que para Lacoste o lugar relaciona-se com uma localização que possui dinâmicas
com a totalidade.
desfrute de uma longevidade para que seja relevante, mas que desempenhe uma função
52
(LACOSTE, In: MORAES, 2005, pg.122).
53
Id.
119
importante que o diferencie dos demais. Com isso, um lugar se destaca, e, por conseguinte,
torna-se singular, a partir de sua maior ou menor capacidade técnica e de comunicação, por
exemplo. À medida que o lugar apresenta uma estrutura funcional adequada, tem-se a
impressão de que o mundo necessariamente passa pelo lugar, de que os fluxos globais não
só atravessam-no, como estabelecem uma relação dialética com o lugar. Neste sentido, é
exatamente essa relação dos fluxos globais com as condições locais, que produzem o lugar
na geografia crítica. Assim, o lugar é definido a partir das relações que mantém com a
totalidade, a qual seria manobrada pelo movimento histórico do capitalismo. Desse modo, a
especificidade do lugar mantém, então, uma ligação indissociável com o tempo histórico,
transforma.
O lugar, aliás, define-se como funcionalização do mundo e é por ele (lugar) que o
mundo é percebido empiricamente (...) Assim, cada lugar se define tanto por sua
existência corpórea, quanto por sua existência relacional (SANTOS, 2002a,
pg.158 & 159).
pelo autor como uma categoria de análise, portador de uma ação do presente, possuindo
conteúdo e significação. O evento pode ser o vetor das possibilidades existentes num lugar,
(SANTOS, 2002).
54
“O lugar é o quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas
de ações condicionadas, mas é também o teatro insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da
ação comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da criatividade” (SANTOS, 2002,
pg.322).
120
Vemos aí, que o lugar é tomado como a área de ocorrência dessa ação do
Ana Fani Carlos identifica essa mudança sócio-espacial indicada por Milton
Santos como o processo de globalização, que avança em ritmo mais acelerado nas últimas
décadas, e nos impõe a necessidade de redefinir o lugar. A autora acrescenta ao debate, que
cada lugar tem uma história particular, que se realiza em função de cultura, hábitos, que lhe
são próprios, somados ao que vem se impondo de fora, “como conseqüência do processo de
relações e práticas sociais produzindo uma identidade complexa que diz respeito ao mesmo
tempo ao local e ao global” (CARLOS, 1996, p.68). A constituição do lugar, então, ocorre
a partir de usos que os sujeitos fazem daquela porção do espaço, que por sua vez expressam
55
O fato de não haver um evento sem um sujeito faz com que Milton Santos afirme que, de fato toda teoria da
ação é também uma teoria do evento.
121
Avançando na reflexão sobre o lugar, Doreen Massey56 faz uma crítica clara à
A crítica é feita com base na contraposição à idéia de que houve um tempo em que
qualquer outra. Assim, Massey acredita que nunca houve uma relação em tal grau de
esta concepção reaparece como uma possibilidade de refúgio das incertezas, da insegurança
então, como uma válvula de escape, como uma chance de parada e de reencontro com uma
identidade mais estável que nos promoveria (ou simplesmente nos passaria a idéia de)
maior segurança. Com isso, a concepção de um lugar fechado em seu próprio sentido
particular e em suas fronteiras nada porosas, como uma instância separada do restante da
realidade, nos passa a sensação de imobilidade em relação a uma porção do espaço que
organização espacial.
56
Em MASSEY (2002) a autora não atribui em nenhum momento, diretamente, ou nominalmente, as
referidas críticas à corrente conhecida como geografia humanista.
122
compartilhado por todos, mas que se reconheça que cada indivíduo possui suas impressões,
nossa escala de análise quanto ao lugar, podemos perceber que esses sentidos e significados
não são unicamente produtos de uma história “fechada”, construída no interior do lugar,
mas que são conseqüência também, de diversas influências que brotam, cada vez mais, das
mais variadas áreas do planeta, e que são determinantes para se compreender o lugar.
Então, longe de haver uma identidade coesa, estável e que tenha suas origens circunscritas a
fronteiras pré-estabelecidas, o lugar pode ser entendido a partir de um sentido global, que
não despreza as especificidades, mas que “mistura” a história do lugar às relações que este
mantém com o resto do planeta (MASSEY, 2002). É justamente o modo particular como
pode-se esperar que o lugar sofra freqüentes mutações, já que seu sentido está
subjetividade reflete sobre um lugar que está além do tempo histórico, e que se encontra
descolado do restante entorno. Neste sentido, Entrikin lembra que refletir sobre o lugar
através de apenas uma dessas visões, não nos levará a uma compreensão mais clara do
123
conceito de lugar, e nem de sua importância para o entendimento do mundo atual. Desta
forma, o autor sugere uma apreensão do lugar que combine as duas perspectivas, como um
caminho mais promissor para um entendimento menos subjetivo ou objetivo do lugar. “To
understand place requires that we have access to both, an objective and a subjective
Assim, Entrikin busca uma abordagem que seja capaz de teorizar sobre um lugar
subjetividade e a objetividade, que nasce o lugar composto pela dimensão material, aquela
que nos fala da localização dos objetos, de sua distribuição objetiva no espaço e da relação
do lugar com a totalidade; e pela dimensão abstrata, aquela que trata dos símbolos e dos
significados que são atribuídos pelos indivíduos ao lugar, e que dão sentido à própria
arrumação dos objetos e das pessoas nesta porção do espaço geográfico. Privilegiar apenas
uma dessas dimensões nos conduzirá, ou a uma perspectiva em que a importância do lugar
como componente fundamental da identidade do indivíduo seja por demais diminuída, ou,
por outro lado, a tratarmos o lugar como um fenômeno apenas abstrato, desprovido de
materialidade.
We live our lives in place and have a sense of being part of place, but we
also view place as something separate, something external. Our
neighborhood is both an area centered57 on ourselves and our home, as
well as an area containing houses, streets and people that we may view
from a decentered58 or an outsider’s perspective. Thus place is both a
center of meaning and the external context of our actions (ENTRIKIN,
1991, pg.7).
Na verdade, Entrikin trabalha uma idéia de lugar que é tributária de uma mediação
entre as perspectivas dos neomarxistas, que estão muito atentas às relações mantidas entre a
124
perspectiva dos humanistas, com seus significados e valores atribuídos ao espaço, que então
se torna lugar. As análises que trabalham somente com os aspectos subjetivos do lugar são
classificadas pelo autor como uma perspectiva “centrada”, em oposição a uma abordagem
mais objetiva.
do que nos estudos teóricos. Com isso, a carência de uma visão que também levasse em
consideração uma dimensão mais objetiva da realidade, foi vista como um problema, tanto
tomaram essa via de afastamento de qualquer tipo de objetividade na análise, vendo-a não
como um problema, mas como um aspecto positivo de uma verdadeira ciência humana
voltado obrigatoriamente para um passado estável, que muitas vezes pode ser reconhecido
como significativo não só pelo indivíduo, como também por uma “comunidade”. Com isso,
necessário um prévio envolvimento conjunto (de longa duração), que permita a todos,
construídos, os quais não podem ser afetados pelo mundo exterior. O lugar torna-se assim
uma redoma, que deve permanecer imunizada das “contaminações” externas, já que estas
125
“intersubjetividade”. O “lugar humanista” acaba trazendo certas dificuldades para uma
análise dos movimentos do dias atuais, que em geral estão cada vez mais distantes do que
510).
The rekindling of interest among social scientists in the study of place has
been connected to an effort to divorce place from ideas of traditional
community (…) discourages the romanticism that has prevented a proper
understanding of the role of place in modern life (ENTRIKIN, pg.60).
Entretanto, as críticas dos geógrafos que pretendem abordar o lugar de forma mais
integradora atingem também a perspectiva crítica do lugar. Nicholas Entrikin e Nigel Thrift
fazem duras críticas à visão de David Harvey, a qual partilha da idéia de que a
especificidade dos lugares advém do fato de que o desenvolvimento não ocorre da mesma
forma e ao mesmo tempo nas diferentes áreas do planeta. Entrikin define esta abordagem
de Harvey como uma “ortodoxia marxista”, e Thrift, como uma estratégia reducionista, que
seria desafiada pelos chamados “contextualistas”, os quais vão procurar manter uma
conexão com a teoria marxista, mas atribuindo uma atenção especial e necessária à
lembra que “there is more to subjectification than the logic of the economy – a lot more”
126
Apesar de receber numerosos comentários e apontamentos em trabalhos de
geografia, são poucos os trabalhos que se detém a uma análise um pouco mais
pormenorizada sobre a idéia do não lugar. Esta constatação pode dar a impressão de ser
idéia daquilo que se vem apontando como não lugar parece resolver muitos problemas e
sobre seus alcances e limites. Inclusive, talvez fosse este, o momento para que a geografia
promovesse novas reflexões sobre o próprio lugar, que pudessem avançar para além das
idéias da chamada corrente humanista, que ainda domina este conceito na geografia. De
certa forma, isto parece ter acontecido, e como dissemos anteriormente, autores como
geografia brasileira. No entanto, os debates que incluem o não lugar como um desafio
para a geografia, ainda são escassos. O único autor da geografia que promoveu uma
reflexão mais atenta sobre o não lugar, foi Edward Relph59, há exatamente trinta anos
59
“Place and Placelessness”
60
“Não Lugares: Uma Antropologia da supermodernidade”
127
obras encerraram completamente a questão, ou constata-se um certo descompasso entre o
produzida a respeito, já que essas três obras formam a base das formulações sobre o não
lugar nas ciências sociais. Assim, distante da pretensão de querer desfazer esta impressão
resgatar certas idéias, e quem sabe contribuir para esclarecer algumas noções que fazem
nos quais os modismos, o consumismo e o pragmatismo, valores cada vez mais difundidos
memórias, vivência. Neste sentido, pode-se considerar o não-lugar como uma experiência,
que segundo alguns autores, torna-se cada vez mais comum nos dias atuais. Aquilo que
Henri Lefébvre chama de “Espaço Abstrato”, parece guardar uma grande proximidade com
a conceituação do não-lugar:
Pode-se considerar a idéia do não lugar como tributária das concepções que tratam
identidade dos lugares ao ponto em que fica sensível, o fato de que oferecem o mesmo
128
existencial de uma cultura de aborígines, por exemplo, como um espaço sagrado, permeado
pode manter com uma porção do espaço. Além disso, o próprio sentido do lugar é
desvirtuado, tornado inautêntico, permeado por modismos e valores que afastam o homem
de sua condição de organizador de um espaço que seja uma representação genuína de seus
uniqueness of places becomes more and more threatened by the homogenizing veneer of
A atribuição destes adjetivos aos espaços mais “modernos” traduz uma idéia de
crítica e desilusão por parte dos autores da geografia humanista. Este discurso nos traz
novamente a impressão de que o lugar como “...espaço dotado de valor” (TUAN, 1983, pg.
129
Relph não menciona exemplos de não lugares em sua definição, ainda que em sua
obra Place and Placelessness, redija uma lista daqueles espaços que devem, segundo ele,
ser enquadrados naquele conceito. Por outro lado, Marc Augé acredita que:
tomava uma posição importante nos debates a cerca da organização do espaço do homem.
No livro Place and Placelessness de Edward Relph, demonstrava uma clara inquietação
não só com a objetividade e a sistematização dos geógrafos quantitativos, o que foi regra
entre a corrente humanista da qual faz parte, como também em relação a importantes
espaciais.
mesmo do país. Este processo torna-se cada vez mais claro, na medida em que até a própria
61
Podemos identificar este processo mais geral de modificações nas relações sócio-espacial, como um
momento de avanço daquilo que se entende por globalização.
130
casa passa a ser um produto feito em série, com o propósito objetivo de servir à moradia e
nada mais. Abandonara-se o tempo em que a construção do lar seria concebida a partir das
do estilo e dos valores dos proprietários. “...the home, the central reference point of human
essas mudanças visíveis na paisagem urbana, que chegam a ponto de afetar de algum modo
o significado do espaço do lar, não são resultado de motivações geradas pela própria
lugares. Essas modificações foram impostas por planejadores, arquitetos, que não trazem
pertencimento por parte de determinado grupo social a uma determinada porção do espaço.
Com isso, pela falta de envolvimento com as especificidades de cada área, as construções
funcionalidade a determinados espaços, que por sua vez tornam-se então atrativos a
Dessa forma, quanto à disposição dos objetos no espaço, impera a lógica de satisfação de
interesses econômicos de escalas cada vez maiores, em detrimento dos valores produzidos
individuais, os quais têm uma representatividade cada vez menor na paisagem. “The space
131
of city planning, however, is not based on experiences of space, but is concerned primarily
possibilidade de que cada experiência seja única, em uma vizinhança do subúrbio dos EUA,
de estarmos vigilantes para não cairmos em análises obsoletas frente à realidade mutante.
Acrescente-se a isso, portanto, o fato de que se os trabalhos das ciências sociais pretendem
acompanhar (ou pelo menos tentar) as rápidas mudanças da realidade, é fundamental que
estejam prontos a teorizar sobre novos objetos, situações, espaços e relações. “O próprio
mundo contemporâneo que, por causa de suas transformações aceleradas, chama o olhar
tantas variáveis e tantas mudanças acontecendo (rapidamente) de tal modo, que somos
levados a repensar nossas referências de tempo e espaço. Essa é uma imposição drástica da
132
supermodernidade, ela nos impele a revermos nossas bases mais primárias, ela mexe com o
íntimo de nossa reflexão e com o modo pelo qual encaramos a individualidade e a vida em
sociedade.
verdadeiro entupimento dos canais de compreensão da vida, da história e dos sentidos que
atribuímos a essas referências básicas. Assim, concordando com Bauman, o autor francês
entende que a progressiva sensação de ausência de sentido para a vida, para a história e o
mal estar decorrente dessas percepções, nos trazem uma necessidade constante de
reafirmação e/ou busca por significados e valores que diminuam nosso incômodo. Tornam-
se recorrentes os momentos em que lançamos mão de idéias e conceitos que nos ajudem
idéias que parecem confortar, que nos dão a impressão de que procedemos a uma pausa, ao
desconhecido que teima em prevalecer. Essa preponderância (da “velocidade” que é motor
“acesso instantâneo ao mundo inteiro” (através dos meios de comunicação) e de que nossos
atos podem ganhar uma escala jamais imaginada, traz aos ombros um peso proporcional,
que faz com que o indivíduo tente, pelo menos em alguns momentos, se afastar desse
mundo que se constitui com base no desconhecido. A busca por aquilo que nos é familiar (à
133
espaço físico. Muitos entendem que o lugar é o conceito mais adequado para nos fazer
Todavia, esse espaço enraizado na memória, essa “terra natal”, não é o espaço que
por conseguinte, um outro espaço. Para Augé, estamos falando, nesse caso, do não-lugar,
vistas à ampliação da realização do lucro. Aí, mais uma vez, pode-se fazer menção a uma
estamos diante de um determinado momento que nos impõe, inclusive, “novos” arranjos
espaciais.“...vivemos num mundo que ainda não aprendemos a olhar. Temos que reaprender
a pensar o espaço” (AUGÉ, 1994, p.37). Nesse “novo” espaço de que fala Augé, não há
tempo para enraizamentos, memórias e construções que sejam a expressão de uma cultura,
De certo modo, essa busca por aquilo que nos é familiar, pode também promover,
por outro lado, o desenvolvimento de um olhar fantasioso sobre o passado. A idéia de uma
sociedade tão transparente, da produção de lugares legitimados pela cultura e pelos rituais
inteiramente genuíno das origens e dos valores do grupo social, “prolonga a fantasia e
saudosos momentos e lugares pretéritos com cores que parecem realçar nossa insatisfação
com o presente, mas que nem por isso retratam a realidade desses tempos passados. Neste
134
sentido, ao mesmo tempo em que se afasta das “fantasias”, Marc Augé relembra que o
fundamentado por uma dimensão concreta e por uma dimensão simbólica, sendo
inteligibilidade para quem o observa” (AUGÉ, 1994, pg.51). O lugar mantém uma relação
dialética com a identidade (individual e/ou de um grupo social). Assim, se por um lado o
indivíduo pode, por exemplo, receber um nome que faça referência ao local em que nasceu,
o que poderíamos tomar como a inscrição (“influência”) do lugar no indivíduo, por outro
progressivamente atribuir ao lugar uma série de valores e memórias particulares. Augé nos
lembra que o habitante do lugar “não faz história, vive na história” (AUGÉ, 1994, pg.53).
Por sua vez, esses valores e memórias que passam a dar sentido ao lugar, que vão
construindo o seu “espírito”, são compartilhados entre aqueles que mantém relações
lugares e os nomes que lhes são atribuídos. Estamos falando daquilo que poderia ser
chamado de Toponímia, ou seja, a possibilidade que os nomes dos lugares têm de externar
Augé, com base em Michel de Certeau, lembra que uma prática muito comum na
produto fácil de ser “vendido”. “Muitos prospectos turísticos sugerem um tal desvio, um
135
tal giro do olhar...” (AUGÉ, 1994, pg.81). Desse modo, o prospecto de turismo parece ter a
função de nos informar quais as experiências que serão vividas em determinado lugar, além
da maneira como devem ser experimentadas. Assim, é como se o próprio nome do lugar,
agora, nos revelasse de imediato, como por associação, aquilo que iremos viver se
contornos do caminho que já está programado. O “giro do olhar” ao qual Augé se refere,
trata-se exatamente dessa associação do nome dos lugares com noções e idéias direcionadas
pelo “criador de itinerários”, que selecionam aquilo que julgam como “importante” para ser
Todavia, se entendemos o não lugar como uma experiência, que tem como seu
produto final a distorção dos significados mais “humanos” e “autênticos” do lugar, nos
parece que não podemos classificar como não lugar, aqueles locais que estão distantes do
nosso cotidiano, já que um país, uma cidade, ou uma localidade qualquer muito distante de
nós, pode ser apenas mais um ponto no mapa, uma informação abstrata com a qual não
temos nenhum vínculo afetivo, psicológico ou físico. Neste caso, estamos diante do espaço
indiferenciado, cuja identidade podemos ter uma vaga idéia e com o qual não mantemos
que simplesmente não há qualquer tipo de experiência em relação àqueles locais que não
136
fazem parte de nosso cotidiano, e com o qual, além disso, não mantemos envolvimento de
qualquer espécie. Desse modo, enxergamos uma certa dificuldade de enquadrarmos esta
questão aos contornos da discussão lugar / não lugar, já que não há nenhuma uma relação,
autêntica ou não, com esta determinada porção do espaço. Esta impossibilidade não está
diretamente relacionada ao fato de que o local em questão não faz parte de nosso cotidiano,
mas como dissemos anteriormente, é indissociável do fato de que se trata de uma porção do
espaço com a qual não temos nenhum tipo de vínculo. Se não estabelcemos nenhum
vínculo, estamos falando do espaço, e não do lugar ou mesmo do não lugar. A estes dois
pela inautenticidade com que são produzidos. Assim, nos parece que dentro da perspectiva
humanista, mais detidamente nas idéias de Edward Relph, o primeiro a teorizar sobre o
não-lugar na geografia, aquele local com o qual não mantemos vínculo de nenhuma
espécie, mesmo que cheguemos a estar nele em algum momento, seria conceituado como
espaço, e não como não-lugar. “Além das fronteiras afetivas / “físicas” e/ou intelectuais
Por outro lado, se mantemos algum tipo de relação com um local muito distante
de nós, se ele tem algum significado para nós, se ele “nos diz alguma coisa”, mesmo que
não faça parte de nosso cotidiano, pode ser considerado um lugar, ou até mesmo um não-
lugar, pois há uma relação mediada por símbolos e pelo conhecimento da visão de mundo
que o local projeta, bem como da experiência que proporciona. Desse modo, “uma pessoa
pode conhecer um lugar tanto de modo íntimo como conceitual” (TUAN, 1983, pg.7), já
137
não lugar (também) é uma experiência, “uma atitude e uma expressão dessa atitude”
(RELPH, 1976, pg.80), a qual não está relacionada ao fato de fazer ou não, parte do
cotidiano, mas ao tipo de relação através da qual nos envolvemos com o lugar.
Neste sentido, o não lugar não pode ser tratado como a simples antítese do que é o
lugar. Ou seja, aquilo que não se configura como lugar para a geografia humanista, não
pode ser “rebatido” diretamente e definido, portanto, como não lugar. Apesar do prefixo de
negação, não nos parece que a idéia se encerre com este tipo de simplificação.
“Poderíamos, então, ser tentados a opor o espaço simbólico do lugar ao espaço não-
simbólico do não lugar. Mas isso seria ater-nos a uma definição negativa dos não-
Assim, nem sempre aquilo que não identificamos como lugar, poderá ser
classificado como não lugar. Reafirmamos com isso, que os locais com os quais não
mantemos nenhum tipo de vínculo, os quais não necessariamente devem fazer parte de
adequadamente no conceito de espaço, daquilo que não conhecemos, que é mais abstrato,
Augé divergem, entre outras questões, sobre a origem temporal dos não lugares. Segundo
seja, vivemos uma época de proliferação dos não-lugares. A cada vez maior rapidez dos
fluxos, que por sinal parece estar sendo o grande diferencial deste estágio avançado da
globalização, além do planejamento dos espaços em prol dessa “eficiência” têm sido dois
138
elementos fundamentais para a homogeneização dos espaços. “In all societies of all times
there has been some placelessness and insofar as lack of care for places provides a context
Por outro lado, Marc Augé acredita que os não lugares são um fenômeno típico
rapidez das trocas e ao ego do indivíduo que pretende interpretar por e para si mesmo as
informações. Na verdade, discordamos de Augé, com base em SANTOS (2000), que como
Com isso, parece que em vez de se extinguirem, os lugares parecem ter ganho
uma grande importância no que diz respeito à compreensão do mundo atual. Neste sentido,
(AGNEW & DUNCAN, 1989) acreditam que a emergência de uma comunicação de massa,
sociológica na qual diferentes espaços de referência operam, o mesmo estímulo não leva à
mesma resposta.
que a priori, procedem a simples apontamentos daqueles espaços que são ou que não são
lugares. As realidades dos lugares são cada vez mais complexas, e neste sentido, são
139
acreditamos que a tendência é de proliferação dos lugares, pois a possibilidade de diferentes
vez de desaparecerem, os lugares estão mudando de sentido. Milton Santos acredita que o
acima, nos parece que no shopping permeado pela sociabilidade, se há uma dimensão da
psicológica do espaço do shopping por seus freqüentadores. A partir daí, abre-se, portanto,
sobre o lugar, uma abordagem, que como vimos, acima, procura integrar a dimensão física,
história de cada um dos “insiders” , que vêem naquela materialidade muito mais do que um
...vista de dentro, seria uma outra cidade; Irene é o nome de uma cidade
distante que muda à medida que se se aproxima dela. A cidade de quem
passa sem entrar é uma; é outra para quem é aprisionado e não sai mais
dali (CALVINO, 1990, pg.115).
140
Capítulo 3
privilegiando a abordagem de Nicholas Entrikin. Este autor, que enquadramos naqueles que
buscam uma visão “integrada” do lugar, é sem dúvida, o que dentre esses, mais aprofundou
as discussões sob esta perspectiva. Entrikin resgata as noções erigidas por Edward Relph,
Através da diferenciação entre o que ele chama de uma perspectiva centrada (subjetiva) e
descentrada (objetiva) do lugar, Entrikin procura uma abordagem na qual o lugar seja fruto
sem dispensar muita importância à dimensão física como fator fundamental da produção do
lugar.
141
Podemos admitir que existam ainda espaços geográficos cujas
características são o resultado de uma interação íntima entre grupo
humano e base geográfica. Mas estes casos são cada vez menos
numerosos; eles parecem ser o resultado de uma falta de dinamismo social
freqüentemente denominado na linguagem corrente, dinamismo
geográfico. Estes não são mais que o resultado da ausência de resposta às
condições do mundo moderno ou de uma inadaptação local às influências
dos progressos econômicos, sociais. Os progressos realizados no domínio
dos transportes e das comunicações, a expansão de uma economia
internacional que se tornou “mundializada” etc. (...) Se ainda quisermos
conservar a denominação, somos obrigados a dar uma nova definição à
palavra (SANTOS, 2002b, pg.40).
do entroncamento de redes capitalistas que se expandem ao redor do mundo, tendo que “lhe
Em sua abordagem, Entrikin deixa muito clara a importância que dispensa aos
análise, ainda que a dimensão material, física, objetiva do lugar, essencial para a análise
autenticidade, é substituída por um lugar “dinâmico”, que não deixa de possuir sentido
próprio, mas que está “aberto” o suficiente para enxergarmos os significados que são
Entrikin acredita que o grande desafio dos cientistas sociais que demonstram um
renovado interesse pelo estudo do lugar é conseguir separar o lugar das idéias de uma
142
sociedade tradicional, coerente e homogênea. Na verdade, este romantismo mantém o
indivíduo ou grupo social pode estabelecer com uma porção do espaço, mas que também
pode ser um dos instrumentos mais valiosos para a compreensão de diversos aspectos da
lugar. Sua própria lógica se assenta em valores, conceitos e apelos superficiais, que
transformam tudo em mercadoria, até o ser humano. Este se torna alienado de si mesmo,
próprio indivíduo acabam vivendo uma experiência artificial, que não inclui as mazelas da
realidade urbana e nem mesmo o clima, o qual também não escapa dessa racionalização
capitalismo...”(PADILHA, 2006).
62
O grifo é nosso.
143
Por outro lado não se pode perder de vista que, quando nos referimos ao shopping
busca por uma reprodução ampliada do capital, que seria possível a partir de uma
que diferentes gêneros comerciais poderiam ser encontrados em um único local, com
apresentações das lojas e dos funcionários, para que o dia-a-dia do “negócio” pudesse
Dessa forma, observamos que o shopping center (como o próprio nome denuncia),
comerciantes e grandes empresas. Por outro lado, o fato de o shopping ter expandido seu
grau de atuação e diversificado os serviços que oferece, não pode nos desviar da idéia de
cada vez mais lucros. A progressiva ampliação da complexidade da vida urbana, suas
sociais nos impõem novas situações, novas representações, novos valores e novos
equipamentos urbanos. Seguindo esta mesma lógica, atualmente o shopping center não
pode ser considerado, de modo geral, como somente um centro de compras, justamente pela
diversos países. Atividades de lazer de diversos tipos e a prestação de serviços podem ser
144
permanece vivo em seu próprio nome, concluímos que evidentemente, essas “novas”
atividades e comodidades não têm um fim em si mesmas, mas são estratégias para ampliar
da sociabilidade, pretendemos chamar a atenção para esse “novo” espectro de relações que
proliferam nos shoppings, o que não nos faz esquecer de que essas atividades são
nos séculos XVIII e XIX, com seus cafés, bares, galeria e lojas de departamentos, a
teria para contribuir com o objetivo comercial desses espaços, os proprietários passaram a
incentivar essas atividades. Este incentivo veio especialmente com a efetivação de sensíveis
disso, diversos tipos de jogos passaram a ocorrer, com espaços próprios e contando com
uma grande divulgação por parte dos proprietários. Este movimento verificava-se também,
por exemplo, no Rio de Janeiro do final do século XIX. O processo que faz hoje do
que se refere ao fato de que tomá-lo como um espaço de sociabilidade constituiu-se como
Não podíamos mesmo esperar de um equipamento urbano que atende pelo nome
145
Como um espaço privado que se traveste de público para dar a ilusão aos
consumidores que se trata de uma “nova cidade”, mais bonita, mais
limpa e mais segura que a cidade real, que pertence ao mundo de
fora...(PADILHA, 2006, pg. 23).
capitalismo, por conseguinte a cidade que advém da colocação em prática desse sistema é,
capitalista, a qual é extremamente desigual. Com isso, esses equipamentos têm sua parcela
perfil esperado pelos administradores e lojistas. O que estamos querendo colocar em pauta
é que não faz sentido proceder a uma verdadeira demonização do shopping, provocada por
uma mistura de revolta e repugnância para com esta postura excludente que esses
empreendimentos apresentam. Este tipo de postura, tão comum na vida das cidades
capitalistas, pode até certo ponto ser considerada como previsível para um empreendimento
que na lógica urbana tem o papel de ampliar cada vez mais os seus ganhos e de seus
associados.
cenário urbano, este é o espaço público, a “rua” propriamente dita. O espaço da lei, da
cultura pública, fundamento da cidadania e isonômico por definição, se apresenta cada vez
isonômico ou público, parece que descarregamos nossas frustrações com o espaço público
146
capitalista. Ainda, nesta verdadeira crucificação do shopping, ele é também descrito como
responsável por esse contínuo declínio do espaço público. É como se o shopping fosse o
grande vilão da cidade, aquele “espaço do mal”, em que aquilo que os pobres não podem
comprar é oferecido com ares de glamour e celebração, em que o lucro é motor para tudo, e
no qual o cidadão vira um mero usuário, consumidor. A cidade capitalista não se oferece,
ou não é alcançada pelos pobres, e mesmo assim o espaço urbano ostenta o luxo e a
naqueles que destoam pela pobreza, será que podemos dizer que isso é uma novidade ou
uma particularidade do shopping? Será que a cidade, a “rua” é tão isonômica, justa,
defesa, o que estamos apresentando aqui é a dúvida de que talvez estejamos atribuindo ao
urbana capitalista, especialmente se pensarmos em países como o Brasil. Com isso, não
estamos discordando das inúmeras observações feitas, repetidas vezes, que nos chamam a
atenção para o fato de que o shopping procura espantar as mazelas do cotidiano, tornando-
pela figura do consumidor, e que isto não contribui para uma vivência ampliada da
cidadania e dos valores sociais em geral. Não se pretende aqui, também, justificar ou
mesmo passar uma idéia de acomodação e concordância quanto à exclusão social que se
realiza no espaço urbano. Por outro lado, não acreditamos que este seja o único prisma
possível para uma análise do shopping ou mesmo da cidade. Até certo ponto, ainda que a
147
atribuição de rótulos ao shopping, como “templo do consumo”, “catedral das mercadorias”
sejam “frases de efeito” que nos trazem uma idéia correta do que os shoppings realmente
são, a constante, repetitiva e inevitável “demonização” que se segue, parece que mais do
que nos trazer uma boa compreensão de como esses empreendimentos realizam seus lucros,
acabam de uma certa forma reduzindo as possibilidades de enxergarmos este mesmo objeto
longo da pesquisa e que, esperamos, possam demonstrar a variedade cada vez maior de
relações sociais que se verificam nos shoppings, bem como prover-nos com elementos de
shopping center. Estamos propondo um “passeio” pelo shopping, em que munidos das
center guarda uma vocação à sociabilidade, especialmente pelo arranjo espacial que possui.
148
De forma geral, é um local em que variados restaurantes, lanchonetes, bares se concentram,
os quais, em sua maioria, utilizam os espaços frontais aos seus estabelecimentos para a
disposição de suas mesas e cadeiras. Forma-se então, um território que não se condiciona à
shopping por si só pode ser pensado como um local do encontro, a praça de alimentação
pode ser analisada como o “território do encontro” por excelência nesse empreendimento,
eventos nesse “território”. Esses eventos são mais comumente shows de música, nos quais
“Palco Iguatemi”, no “Sabor e Som” do Norte Shopping ou no “Happy Hour” do Rio Sul,
entre outros. Ao longo de nosso trabalho, pudemos perceber que a existência de uma
programação fixa de eventos é mais comum em shoppings localizados fora da Zona Sul e
da Barra da Tijuca. No caso do Barra Shopping, por exemplo, a proximidade com a maior
casa de shows da cidade, o Citibank Hall, no Via Parque, possivelmente é um forte motivo
para que não haja uma grade fixa de shows e eventos. Os casos63 do Iguatemi e do Norte
Shopping, que possuem, já há algum tempo, uma programação fixa de eventos de diversos
tipos, são ilustrativos de outro papel que esses shoppings desempenham na Zona Norte:
63
Ver anexos – Panfletos das programações do Iguatemi e do Norte Shopping.
149
“And as spaces of sociability such landscapes allow for the staging of all kinds of activities,
many of which find expression in a way that has nothing to do with the dictates of the
tornar o “ambiente mais agradável”, atraindo assim, de forma indireta, mais consumidores
amplia.
pessoas que vão estritamente ver e ouvir o cantor ou a banda. Além disso, o comportamento
das pessoas que estão na praça de alimentação se modifica: o enorme barulho das conversas
tendo a música como “pano de fundo”, desaparece; as atenções voltam-se então, quase que
totalmente para o artista. Essa nova dinâmica faz com que, por algumas horas, a praça de
150
"Manter uma programação de shows de artistas consagrados
pode ser boa estratégia, mas requer espaço adequado. O público acaba se
tornando consumidor do shopping. É importante, no entanto, manter
regularidade nas apresentações". Luis Antônio Lopes, superintendente do
Bay Market64 (WWW.ABRASCE.COM.BR).
moldada por um evento musical ou teatral, que acaba por dissuadir, por pelo menos
algumas horas, o indivíduo de seu papel de comprador. Dessa forma, a produção de eventos
para o público, como para os artistas. A impressão que obtivemos ao longo de nossas
observações no Barra Shopping e no Iguatemi, nos faz concluir que este tipo de situação se
concretiza com maior clareza nos casos em que artistas famosos atraem espectadores, que
muitas vezes talvez nem fossem ao shopping se não houvesse a motivação do show. Por
64
Shopping localizado na cidade de Niterói - RJ
151
Todavia, se lembrarmos que a cotidianidade está cada vez mais se desenrolando
no shopping, podemos pensar até que ponto, mesmo sem os shows dos artistas famosos na
quase que diariamente, pode ser definida (ou rotulada) como estandardizada. Ou seja,
estamos questionando o fato de que se há quem tenha passado a viver partes consideráveis
de suas semanas no shopping, será que mesmo estando em um ambiente que repete sua
“fórmula de paisagem” nas mais diversas localizações ao redor do mundo, o que temos no
final das contas é uma indiferença em relação ao ambiente? Parece-nos que a resposta para
The term “placelessness”, which has been used in reference to the creation
of standardized landscapes that diminish the differences among places,
signifies one aspect of the loss of meaning in the modern world. But
“loss” may be too strong a term. Meaning is both “lost” and “gained” in
such landscapes (ENTRIKIN, 1991, pg.57).
Assim, se por um lado há uma perda considerável para a experiência por conta da
paisagem estandardizada, há que se lembrar que o shopping tornou-se parte daquilo que
Milton Santos chama de “espaço banal”, um espaço do dia-a-dia, em que aqueles que
própria gênese do ambiente, que para eles, deixa de ser indiferenciado. O que parece ficar
claro é que diante da expressiva modificação no próprio papel que o shopping exerce na
cidade, à qual dedicamos o capítulo 2, a discussão do lugar e do não-lugar não pode ficar
restrita a rótulos rascunhados como conclusão de uma análise literalmente superficial, uma
análise de aparências, que até se encaixa no movimento das pessoas no shopping, em que
ver e ser visto torna-se um roteiro para estar na moda, mas que não serve para entendermos
152
Ainda a partir desta perspectiva do lugar, o mesmo raciocínio é válido para as
exposições culturais, para a recreação e esportes, para os cinemas, para as casas de shows e
para os teatros em shoppings. Ou seja, esses espaços e eventos promovem uma alteração
que nos impõe mais ainda a necessidade de repensar a discussão do lugar no (do) shopping.
3.2.2 Os desfiles.
ao vestuário são maioria em grande parte dos shoppings. A intenção do próprio sistema
consumo em geral, estabelece para muitos uma necessidade contínua de estar sempre “na
moda” para se sentir vivo. De uma outra forma, ir ao shopping está cada vez mais na moda,
ainda que este tipo de empreendimento esteja completando apenas sua quarta década no
Brasil. Prova disso foi a disseminação dos shoppings pelo país, especialmente na segunda
A partir dessas semelhanças, que possivelmente não são as únicas, a moda chegou
153
como o Shopping Tijuca, o Norte Shopping65, o Rio Sul, o Barra Shopping e o Morumbi
refletirmos sobre o que cerca um passeio no shopping. Neste sentido, não há evento que
Assim, a inautenticidade ganha largas dimensões nos desfiles, que na verdade ampliam a
virarmos o foco da análise para as meninas que fazem seus primeiros desfiles nos
shoppings, para os pais que assistem, ou mesmo para os fãs de moda que fotografam os
atribuir a condição de indiferenciado ao espaço que foi palco dessa memória. Visitas
Fazendo eco com as reflexões de Nicholas Entrikin, o significado pode se perder, como
65
Ver anexo 12.
154
pode reaparecer, se considerarmos outros aspectos, ou outros atores que vivenciam esses
Shopping Via Parque, no qual as exposições, cada vez mais freqüentes, possuem um espaço
culturais, como à época dos 500 anos do descobrimento do Brasil. Inúmeros shoppings não
deixaram esse período “passar em branco” e promoveram diversas exposições sobre o tema
No entanto, salvo datas como essa, em que o descobrimento estava “na moda”, as
exposições têm em geral, ainda, uma importância diminuta para os shoppings, com pouca
divulgação. Uma grande exceção foi a exposição intitulada “W.C”, lançada no Norte
O sucesso da exposição foi tão grande, que ela seguiu para outros três shoppings;
155
Durante nossas observações no Iguatemi, a exposição sobre a banda inglesa “The
Beatles” atraiu grande público para o shopping. A chamada para o evento pode ser
observada no cartaz abaixo, no qual também podemos notar que os bordões de “compre
aqui” ou o “melhor lugar para suas compras” caíram, de certo modo, em desuso, abrindo
fica muito movimentado nos finais de semana, oferecendo variadas opções de diversão.
Muitas vezes, os pais também permanecem nesses locais, “tomando conta” do filho,
156
Shopping localiza-se o maior centro de jogos eletrônicos em shoppings do Rio de Janeiro: o
“Hot Zone” agrega mais de 150 equipamentos com os mais variados estilos de jogos.
Uma atração que é difícil de ser encontrada nos shoppings, mas que,
Barra Shopping foi o primeiro a lançar um espaço destinado ao boliche, o “Barra Bowling”.
No início foi um grande sucesso, todavia o alto preço da diversão começou a ser sentido na
atualmente está passando por reformas. No Norte Shopping, o preço popular e a condição
de atração inusitada fazem com que a pista de kart fique lotada nos finais de semana. Da
Um outro exemplo desse grande alcance do shopping são seus teatros, boates e
casas de shows. Inaugurado em 1994, o Metropolitan, atual Citibank Hall, surgiu como a
maior casa de espetáculos da América Latina, com capacidade para 10 mil pessoas,
157
Depois de dois meses fechado para o público, o ATL Hall, maior casa de
espetáculos carioca, reabre suas portas reservando uma boa surpresa para
a cidade: uma reforma de R$ 9 milhões transformou o local, que passa a
ser um dos mais modernos palcos para shows do país, similar às grandes
casas de espetáculos das principais capitais do mundo. A nova era, sob o
signo da modernidade e do conforto, tem início no próximo dia 23 de
abril...66
teatro Miguel Falabella. Além de peças nos fins de semanas e em alguns dias da semana, há
de teatro. No Shopping da Gávea são nada menos do que 4 teatros, o Teatro Vanucci, o
Teatro Clara Nunes, o Teatro dos Quatro e o Teatro das Artes são destinos consagrados das
peças no circuito carioca. “Fiquei um ano e meio em cartaz com o espetáculo “Cócegas”.
vivenciando determinada situação em um local, esta relação pode ganhar proporções que
imediata com o local, tanto a partir do fato de que sabemos por onde andar, ou seja,
enxergamos a dimensão física, a materialidade, como algo conhecido, como a partir das
dinâmica social que dá vida ao local, se enquadram naquilo que o indivíduo deseja ver e
66
(http://www.mediamania.com.br/secundarias/atl/pag.htm).
67
O grifo é nosso.
68
Depoimento da atriz Ingrid Guimarães ao jornal O GLOBO, 4 de Dezembro de 2005 – “Tribos de
Shopping” pg.30.
158
conviver, o que, por conseguinte, promove ao longo do tempo uma ligação afetiva, que
transforma o espaço em lugar. “The desestabilization of meaning in modern life has meant
that the individual must create a “place” for himself or herself in the world. No “natural”
3.2.6 Os Cinemas
Uma forma de lazer cada vez menos encontrada nas ruas do Rio de Janeiro e que
cinemas de rua deram lugar, em sua maioria, a templos religiosos. Essa escolha das antigas
salas de cinema pelas religiões não nos parece ocorrer ao acaso. Na verdade, o arranjo
espacial dos cinemas é perfeito para o propósito desses grupos que, da mesma forma,
querem uma grande platéia para suas encenações, seus shows e pregações.
Seria impensável que os shoppings, que passam a ser cada vez mais não só um
centro de compras, mas uma referência em termos de lazer e serviços, não dispusessem de
uma diversão como o cinema. Tanto que muito antes da saída dos cinemas das ruas, o Barra
Shopping, o Rio Sul, o Fashion Mall, entre outros, já possuíam seus próprios cinemas. A
nos shoppings. Foi nesse período que ocorreu uma nova e significativa expansão no
cinemas para os shoppings pode ser constatado no New York City Center, agregado ao
Barra Shopping, em que há 18 salas. Como pudemos observar ao longo de nossas pesquisas
159
pessoas, tanto que duas praças de alimentação ficam bem próximas dos cinemas. Nos finais
compra de ingresso antecipada, inclusive pela Internet. O fato dos cinemas atraírem um
grande contingente de pessoas e ampliarem (e muito) os ganhos dos shoppings, faz com
em que, no caso, o posicionamento dos cinemas respeita uma determinada lógica comum,
paisagem é fabricada de modo tão semelhante, que para muitos, até identificar com clareza
em qual shopping estamos, pode se tornar uma difícil tarefa. “Perception naturally depends
on the “subject”: a peasant does not perceive “his” landscape in the same way as a town-
A atração pela compra, mas principalmente pelos cinemas e pela sociabilidade faz
com que a presença de inúmeros grupos de jovens seja, em geral, marcante nos shoppings.
As administrações dos shoppings estão quase sempre muito atentas a este tipo de
aglomeração, identificando facilmente onde se localizam e em que horários e dias são mais
expressivos. Esses grupos de jovens são tratados com cautela pela administração dos
69
Ver Mapas do Iguatemi em anexo.
160
Em geral, esses jovens concentram-se próximos aos cinemas, nos locais
aparecem nos shoppings. A preocupação das administrações dos shoppings quanto aos
intensidades com esses jovens. Heitor Frúgoli Jr descreve um pouco dessa convivência nos
shoppings:
horários, atitudes, pensamentos, músicas, ídolos, times de futebol, entre outros) que forma
territorial”. É o que acontece nos shoppings. Os grupos de jovens procuram medir forças
uns com os outros, na busca de demonstrar ou muitas vezes impor, seus valores e
identidades aos demais, gerando assim, ocasionais conflitos. A forma de concretizar essas
demonstrações de força ocorre pela “invasão” do território de outro grupo, o qual procura
defender o espaço sobre o qual vigoram suas identidades, valores e regras. Com isso,
um agente titular no ato de presidir a lógica da distribuição de objetos sobre uma dada
161
superfície e de, simultaneamente, controlar as dinâmicas que afetam as práticas sociais que
específicas e rivais.
3.2.8 As Manifestações
identidades das tribos de jovens, o que de certa forma colocaria em cheque o caminho que
traçamos no parágrafo acima, por outro lado não se pode negar a autenticidade revelada nas
caso da citação anterior. No Rio de Janeiro, os “sem teto” fizeram manifestações no Rio Sul
70
O Globo – 4 de Agosto de 2003 – “Protesto Gay atrai 3 mil pessoas em São Paulo”
162
Na verdade, como em qualquer local onde ocorra uma manifestação, há uma certa
apreensão por parte daqueles que não estão participando, ocorrendo, portanto, alterações na
movimentos parecem ter percebido que a cena da vida pública ocorre também nos
gays, de estudantes e dos sem-teto, por exemplo, revelam que durante as manifestações o
próprio sentido do espaço do shopping foi subvertido, o que evidentemente não agradou
nem aos lojistas, nem aos administradores. O caráter evidentemente apolítico do espaço do
shopping, em que normalmente não se instauram debates públicos, foi, nessas ocasiões,
estava tentando comunicar. Neste sentido, a própria visibilidade que o espaço do shopping
vem ganhando nesses últimos anos no Brasil, especialmente por conta da ampliação das
áreas de lazer e sociabilidade nesses empreendimentos, foi um fator decisivo para que os
teto e dos estudantes apresentaram um caráter simbólico interessante pelo fato de ocorrer
71
“o espaço público é simultaneamente o lugar onde os problemas se apresentam, tomam forma, ganham uma
dimensão pública...” (GOMES, 2002, pg.160).
163
Desta forma, pode-se dizer que as manifestações imprimiram ainda que
contestador da ordem cotidianamente ali estabelecida. Com isso, estes protestos obtiveram
diversos debates.
piso, a iluminação. Além disso, muitas redes de lojas dispõem suas filiais nos mais diversos
diferentes cidades, estados e até países, as mesmas lojas. Da mesma forma, a disposição
quase que obrigatórios nos shoppings do mundo inteiro. Olhado por este prisma, os
functional efficiency, economics, and the whims of planners and developers” (RELPH.
1976, pg.23).
164
No entanto, o fato de ser perfeitamente possível encontrarmos as mesmas lojas em
diferentes cidades e até países, nos leva também a entendermos que o shopping se inscreve
como um dos espaços utilizados por capitais que mantêm uma vasta gama de possibilidades
muitos outros exemplos, encontram-se nos shoppings pelo mundo afora. Todavia, esta
reflexão nos traz à lembrança o fato de que, apesar de encontrarem-se dispersas pelo
planeta, essas lojas se inscrevem em diferentes contextos, convivendo com lojas “locais”,
gostos e culturas particulares e até com a própria diferenciação do poder de compra. Assim,
nos referimos a shoppings que ficam na mesma cidade. Acrescentamos que essa
“quem pretende atender a todos, não atenderá a ninguém”. Nesse sentido, a identidade é
que residem no “raio de ação” do shopping, ou seja, em suas adjacências. A partir daí, são
165
localiza. Com isso, percebemos que o shopping não só influencia, como também é
dessa identificação, através das campanhas publicitárias dos shoppings. O Rio Sul, por
justamente o principal fator de identificação da área da cidade em que está situado. Por
Petisco da Vila. “Assim, podemos entender, que os shoppings usam uma mistura peculiar
de público e privado para criar um tipo diferente de palco, um palco não só para a produção
Tijuca, “Shopping Iguatemi, um lugar com tudo o que você gosta” resume bem essa idéia.
É interessante percebermos que a chamada para que a pessoa vá ao shopping não parte da
propaganda das lojas que figuram em seu interior, mas de um apelo à própria montagem do
espaço do shopping. O Iguatemi, por exemplo, abre mais cedo que a maioria dos shoppings,
Uma turma de bons vivants que passaram dos 60 já marcou sua festa de
confraternização. Na praça. De alimentação. De um shopping onde eles
religiosamente se encontram todas as tardes. O hábito dos amigos de seu
Antonio Salma é marca de uma das muitas tribos, de diferentes gerações,
categorias profissionais e classes sociais que modificam os templos do
consumo e por eles são modificados 72.
No Barra Shopping, por exemplo, pelo fato de ser um shopping com 26 anos de
perfil do shopping, sem perder a identificação com o público mais antigo. Portanto, o Barra
72
O GLOBO, 4 de Dezembro de 2005 – “Tribos de Shopping” pg.28.
73
“O Barra Shopping esteve presente na própria evolução da Barra” (Entrevista feita pelo autor com a
Administração do Barra Shopping).
166
Shopping vem ao longo dos anos procurando um meio termo entre as modernizações,
inevitáveis para continuar competindo com outros shoppings74 e atrair o público jovem, e a
identificada pelo o público mais jovem, que freqüenta o shopping há cinco anos, por
exemplo, quanto pelos adolescentes da década de 80, que hoje continuam freqüentando o
Barra Shopping, sem que as mais de duas décadas tenham consumido totalmente suas
desenvolver uma certa história com seus freqüentadores mais antigos, o shopping seria,
neste caso, considerado como um lugar pela perspectiva da geografia humanista. “Os
74
(SIMMEL,1983) afirma que “A tensão antagônica com seu concorrente afia a sensibilidade do comerciante
para as tendências do público até o ponto da clarividência, em relação a futuras mudanças no gosto, no estilo,
nos interesses do público...” (SIMMEL, Georg apud MORAES FILHO, 1983).
167
o shopping de estar assentado sobre a inautenticidade, o que inviabilizaria a atribuição do
mais antigo. Ao contrário, por ainda permanecer como um espaço produzido basicamente
como um não-lugar.
se refazendo, e com isso podem tornar-se bem diferentes daqueles mais “tradicionais”.
Assim, uma vivência de mais de 20 anos, ainda que em um “espaço globalizado”, faz com
mundial, o que através da combinação daquilo que Entrikin chama de “visão centrada” e
significados, lembranças, que foi parte fundamental da vida de uma pessoa e que ficou para
trás. Mais importante ainda é o fato de que essas lembranças, esses significados e a
168
identidade que se constituiu entre o shopping e o indivíduo não foram mediadas pelo
contato com os símbolos artificiais agregados pelas mercadorias, mas através de relações
o papel de um local que fez (e ainda faz) parte de um profundo envolvimento, no qual a
vivência do cotidiano impregnou este espaço de uma história que o transformou em lugar.
Assim, como lembra Relph, aquilo que para um observador de fora, um outsider, é um
espaço indiferenciado, pode ser para outros um espaço dotado de valor, um lugar que tenha
indivíduo.
Dessa forma, conclui-se que a atribuição dos conceitos de lugar e/ou de não-lugar
aos “novos” espaços do capitalismo, como por exemplo, o shopping center, nos abre uma
série de possibilidades para a compreensão de situações, eventos e épocas que podem nos
para deixar claro os perigos que uma rotulação simplista como esta traz às possibilidades de
conceitual do lugar e a tentação de seguir a maré que nos leva a “demonizar” espaços como
os shoppings, nos faz apontar a priori, através daquilo que há de mais superficial,
simplesmente o que é ou o que não é lugar. Este tipo de “rotulação”, que vem diminuindo,
ou até mesmo, pode-se dizer, fechando novas perspectivas de análise de espaços como o
shopping, torna-se um grande desafio e nos estimula em um certo sentido, a “remar contra a
169
maré”. E caminhar no “sentido contrário” não significa simplesmente contestar o que já foi
trabalho que chame a atenção para a necessidade de termos um olhar mais cuidadoso e uma
das ciências sociais, os quais acabam servindo para traduzir nossas preferências pessoais;
aquilo que gostamos deve existir, deve ter lugar; aquilo de que não gostamos ou que “não
fica bem” dizermos que gostamos deve ser extinto, não deve ter lugar...
que, de acordo com o modo como as diferentes experiências vividas influenciam e são
pode ser aquilo que mais sobressaia para uma pessoa que pouco freqüente o shopping e se
encontre ali simplesmente para fazer uma rápida compra. Esta rápida compra poderia ser
feita no Rio, em São Paulo, em Madri ou em Nova York, sem que houvesse grandes
mesmas”75. Por outro lado, nem todas as pessoas mantêm este tipo de relação “anônima”
com o shopping center. Aliás, procuramos demonstrar neste trabalho que cada vez mais o
75
Neste capítulo 4, assim como na maior parte deste trabalho, demos maior atenção às possibilidades de
“lugarização” do shopping, pois queríamos exatamente desconstruir a “sentença definitiva” e largamente
difundida do não-lugar como modo de definir os shoppings. Assim, a sociabilidade foi um condutor
fundamental para que conseguíssemos chegar até aqui. Todavia, como no exemplo da “rápida compra”
formulado linhas acima, não negamos que mesmo fazendo parte do cotidiano de milhões de indivíduos
mundo afora, os shoppings apresentem, também, situações que se encaixem nas teorias do não-lugar.
170
shopping faz parte dos espaços do cotidiano das pessoas, seja como centro de compras,
lazer e sociabilidade, seja como local de trabalho. Por ter se impregnado à vida urbana, este
experiências distintas.
171
Considerações Finais
aplicação ainda carecem de maiores reflexões. Neste trabalho, tentamos proporcionar uma
contribuição para o aprofundamento dessa discussão teórica, que por sua vez possui uma
estreita ligação com o conceito lugar, um dos conceitos-chave da geografia, e que também
está longe (ainda que em proporção muito menor) de ocupar, na prática, uma posição de
destaque nas reflexões dos geógrafos. Neste sentido, concluímos que há correntemente uma
que são e quais os que não se enquadram como não-lugar, e promover assim uma rotulação
de certos espaços, deixa escapar a complexidade que envolve produção desses ambientes.
de espaço, e aos fatores que compõem a produção do ambiente social, tais como as noções
de forma e de conteúdo, idéias tão valiosas explicadas magistralmente por autores como
com suas formas homogêneas, podem nos chamar a atenção, em princípio, para a
de modo geral, ou seja, no conteúdo, não se pode esquecer da importância, não só, das
172
pessoas que vivem, ou simplesmente passam, “vêem” esses espaços. Ou seja, a objetividade
da forma, e mesmo as mudanças que a princípio ela promove nos conteúdos, influenciam,
mas não determinam o modo como um ambiente é vivido e pensado pelos indivíduos.
Neste caso, as noções de “insider” e “outsider” que vimos em outro momento deste
afetivas e históricas que mesmo os “ambientes pasteurizados” podem gerar. Quem vai dizer
a um funcionário de um aeroporto com mais de trinta anos de “casa”, que este espaço é
igual no mundo inteiro e que essa impossibilidade de diferenciação nos leva a afirmar que
estamos diante de um local sem memória, com o qual não conseguimos estabelecer nenhum
consiga, realmente, despertar sua atenção, ou sua afetividade, tanto pela própria
característica da experiência que é apenas de passagem, como pelo fato de ser um espaço
clara a diferença que não podemos deixar de considerar, quando nos remetemos à
experiência do funcionário.
“inautenticidade” de um local apenas por sua forma, o não-lugar pode nos ajudar a
experiências. Todavia, o não-lugar não abrange todas as perspectivas que esses espaços
173
com um shopping específico. Assim, há que se ter cuidado na aplicação do conceito de não-
lugar, para que possamos ampliar a análise de ambientes planejados (que proliferam em
ritmo acelerado), e não aprisionar a reflexão em um rótulo que transforma a análise em uma
forma e conteúdo, e de objetividade e subjetividade, que nos fez optar pela utilização, de
modo mais amplo, da abordagem do conceito de lugar trazida por Nicholas Entrikin. Com
esta perspectiva do lugar pudemos enxergar de modo mais claro as ambigüidades dos
processos que têm se verificado nos shoppings, e que, portanto, nos impelem a necessidade
registramos aqui a importância para este trabalho de nossa pesquisa sobre o conceito de
que através de suas bases filosóficas abriu caminho para discussões como a do não-lugar e
para que estudiosos como Nicholas Entrikin pudessem avançar em termos teóricos.
discutimos, catalisada de modo assustador através da sociabilidade, que nos faz entender o
mesma forma, nossa proposta não foi estudar o shopping como um exemplo interessante
(que é) das “novas” tendências e contradições do espaço urbano, mas sim estudar o próprio
parecem estar em desacordo com a vida urbana e os shoppings de hoje. Foi neste sentido,
que o não-lugar se apresentou como uma via interessante para tentarmos demonstrar a
174
complexos em diversos sentidos, principalmente enquanto espaços sociais. Por outro lado,
não deixamos de lembrar que apesar de sua crescente publicização e até popularização, os
shoppings não primam pela “igualdade” na apropriação de seus espaços, e que a segregação
experiências e situações vividas nesses espaços, nem muito menos nos fornece o
instrumental necessário para classificarmos o shopping como lugar ou não lugar, por
exemplo.
…among the kinds of place we occupy most in the modern world are
those of consumption; and these pose a fundamental geographical
problem, because consumption creates places that have the appearance of
being unconnected by anything else in space. This spatial dissociation or
disorientation allows us to think we are both in place and in no place
(SACK, 1992, pg.84).
consumo, compõe uma parte cada vez mais importante do cotidiano de milhões de pessoas,
76
Basta observarmos as semelhanças na lógica de sua montagem nos mapas em anexo, que apresentam
espaços de diversos shoppings.
77
Ainda que possamos qualificar a sociabilidade nos shoppings de “instrumental”, pelo fato de em grande
medida constituir-se em uma estratégia da administração para ampliar o tempo de permanência e o consumo,
para os freqüentadores a sociabilidade é dotada de um fim em si mesma.
175
produzidas e estabelecidas nos shoppings. Com certeza, para uma parcela importante dos
experiências diferenciadas. Assim, nem todos conseguem “...entender por que sentar num
banco no shopping possa ser mais artificial do que sentar num banco no parque”
traduz em grande medida processos e vivências cada vez mais comum em diversas
sociedade mundial atual e sua relação cada vez mais estreita com (a “espetacularização”
do) o consumo. Como foi possível observar em alguns momentos deste trabalho, o
lugar e do não-lugar e, portanto, nos convida a refletir sobre diversas inquietudes muito
consideramos que este trabalho atingiu seus objetivos na medida em que a quase ausência
de discussões que tratem destes temas na geografia, paralelamente à importância que eles
foram os motivos que instigaram o autor a tentar promover um trabalho que conseguisse
176
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Anexo 17 - Mapa da distribuição dos shoppings na cidade do Rio de Janeiro
Anexo 17 - Mapa da
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Anexo 18 – Mapa da distribuição dos shoppings no estado do Rio de Janeiro
202
Anexo 19 - Entrevista com Freqüentadores
203
Anexo 20 - Questionário para a Administração do Barra Shopping
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Anexo 21 - Questionário para a Administração do Shopping Iguatemi
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