Você está na página 1de 52

0# CAPA outubro 2021

SUPER
INTERESSANTE
EDIÇÃO 432 – OUTUBRO 2021

[descrição da imagem: fundo é uma parede, em escuro, e fixada nesta parede fios elétricos e
lâmpadas. Cada lâmpada está no formato de uma letra, formando a frase título da matéria –
CRISE ENERGÉTICA]

CRISE ENERGÉTICA

COMO EVITAR
A energia eólica já é a segunda maior fonte de eletricidade no país, e a solar tende a crescer a
passos largos. Essa revolução vai além de reduzir as emissões de CO2: também diminui o risco
de apagões no futuro. Entenda como.
POR LEONARDO PUJOL E BRUNO GARATTONI

[outro títulos]

TESTES DE PERSONALIDADE
INTP, ESTJ, ESFP... O Myers-Briggs define quem você é em 4 letras. Mas e aí, funciona?

DEMOCRACIA: CUIDADO, ELA É FRÁGIL.

O MIGUÉ DE BRANSON E DE BEZOS.

A 3ª BOMBA ATÔMICA DA 2ª GUERRA.

ISRAEL: O PAÍS QUE VIVE O FUTURO DA PANDEMIA.

______________________________

1# CARTA AO LEITOR - EDITORIAL


2# ESSENCIAL
3# SUPERNOVAS
4# REPORTAGENS
5# ORÁCULO
6# E SE...
7# ÚLTIMA PÁGINA
_________________________________

1# CARTA AO LEITOR – EDITORIAL outubro 2021

COMO AS ENERGIAS LIMPAS PODEM DAR À LUZ UMA ECONOMIA MAIS ESTÁVEL

O USO DE COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS não é ruim “só” para o clima. Também é traiçoeiro para a
economia. Uma alta de mais de 200% no preço do carvão causou apagões na China. A
matéria-prima cara fez com que várias termelétricas (responsáveis pelo grosso da eletricidade
chinesa) diminuíssem a produção de energia, deixando regiões do país no escuro ameaçando
cadeias produtivas globais — dado que a China é o chão de fábrica do planeta.
O petróleo também não tem ajudado. O preço do barril subiu 50% em 2021 — uma das razões
para a gasolina a R$ 7. Como tudo o que as economias produzem depende de transporte, e o
transporte ainda depende de petróleo, isso puxa a inflação para cima no mundo todo. Inflação
fora do controle precisa ser combatida com juros altos. Juros altos, porém, travam os
investimentos. Sem investimentos, o desemprego aumenta. No fim, a equação é clara: petróleo
caro aumenta a pobreza.
Não é a primeira vez. Um choque na oferta de petróleo nos anos 1970 criou uma onda global
de inflação e desemprego — que chegaria ao Brasil na forma de um tsunami.
Mas não estamos nos anos 1970. Temos a tecnologia necessária para substituir os
combustíveis fósseis. O fim do motor a combustão interna é uma questão de tempo. A
substituição das termelétricas a carvão por usinas solares e eólicas também.
Isso dará início a um mundo não apenas mais limpo, mas a uma economia global mais
segura, livre das flutuações abruptas no preço dos combustíveis fósseis.
Havendo uma boa estrutura de painéis fotovoltaicos e de turbinas de vento, a matéria-prima
sai de graça — o Sol, ao que parece, não pretende cobrar nada, e Eolo, o deus dos ventos da
mitologia grega, também é um cara generoso.
A confiabilidade do Sol e do vento também pode ajudar o Brasil. Sempre tivemos uma matriz
limpa, majoritariamente hidrelétrica. Mas as usinas dependem de chuvas. E a frequência delas
pode ser incerta, como vimos nesses últimos tempos, de seca histórica. Uma rede elétrica com
mais participação eólica e solar mitigaria esse risco.
E o Brasil tem tudo para seguir nessa direção a passos largos, como mostram o editor Bruno
Garattoni e o repórter Leonardo Pujol a partir da página 20.
Esta é a edição de despedida de um dos profissionais mais importantes da história recente
da Super, o editor Bruno Vaiano, especialista na arte de transformar conceitos de física,
astronomia e biologia em peças de literatura. Ele parte com o objetivo de iniciar uma carreira
acadêmica no mundo da ciência (o que é uma ótima notícia para a ciência), mas seguirá
escrevendo aqui sempre que possível. Eu e os leitores agradecemos por estes cinco anos de
dedicação exemplar.

Um abraço,

Alexandre Versignassi
DIRETOR DE REDAÇÃO
ALEXANDRE.VERSIGNASSI@ABRIL.COM – BR

2# ESSENCIAL outubro 2021

2#1 UMA IMAGEM... ...UMA OPINIÃO


2#2 O QUE OS NÚMEROS DE ISRAEL INDICAM SOBRE O FUTURO DA PANDEMIA

2#1 UMA IMAGEM... ...UMA OPINIÃO


NA PÁGINA ANTERIOR: Barcos navegam entre icebergs em Ilulissat, na Groenlândia. A região
sofreu forte derretimento nos últimos meses, e este ano, pela primeira vez, choveu sobre o
ponto mais alto da calota polar. Isso é um sinal das mudanças climáticas provocadas pelo
aquecimento global, que também têm afetado a formação de nuvens e correntes marítimas no
Ártico — por isso, a região está esquentando duas vezes mais rápido do que o resto do planeta.

2#2 O QUE OS NÚMEROS DE ISRAEL INDICAM SOBRE O FUTURO DA PANDEMIA


O país foi o primeiro a vacinar sua população e retomar a “vida normal”. Mas os casos de Covid
voltaram a disparar por lá. Por quê? As vacinas perderam a força? Isso pode se repetir em
outros lugares? Veja as respostas.
POR BRUNO GARATTONI

VOCÊ DEVE SE LEMBRAR. Em março, quando o Brasil patinava na escassez de vacinas e vivia
seu pior momento da pandemia, chegando a superar 3.700 mortes diárias pelo Sars-CoV-2, o
cenário em Israel era o completo oposto: líder mundial em vacinação, o país começava a
abandonar as restrições sanitárias e retomar o cotidiano normal. Outras nações invejavam e
tentavam copiar o êxito israelense — cujo trunfo era ter apostado na vacina da Pfizer, que viria a
demonstrar 94% de eficácia, quando ela ainda estava em desenvolvimento. Mas o tempo
passou, e as coisas mudaram. O Brasil finalmente conseguiu avançar na imunização, e nossos
números de casos e mortes caíram. Já em Israel, aconteceu algo diferente. A partir de julho, o
número de infectados pelo coronavírus voltou a subir e não parou mais: em meados de
setembro, chegou a superar 10 mil novos casos por dia, ultrapassando o pior momento da
pandemia no país (que havia sido janeiro, com média diária de 8 mil novos casos). O governo
divulgou dados alarmantes, indicando que a efetividade da vacina havia caído para apenas 39%,
e correu para começar a aplicar uma terceira dose — primeiro nos idosos, depois nas pessoas
acima de 50 anos, e por fim em toda a população. Puxa vida. Será que isso vai acabar
acontecendo aqui também?
A primeira coisa que você precisa saber é: mesmo antes de Israel decidir aplicar a dose de
reforço, as vacinas continuavam funcionando. Os dados israelenses de julho e agosto, meses
em que a nova onda de Covid explodiu no país, mostram o seguinte: entre as pessoas que
haviam tomado duas doses da vacina (nada de terceira dose), o número de casos graves quase
não subiu: ele se manteve no patamar de 20 doentes a cada 100 mil pessoas. Já entre os
israelenses que não tinham se vacinado, esse número mais do que sextuplicou, e chegou a 150
casos graves a cada 100 mil pessoas. O gráfico parece uma boca de jacaré se abrindo: a linha
de baixo (Covid entre os vacinados) fica na horizontal e não se mexe, enquanto a linha de cima
(Covid entre os não vacinados) sobe em ângulo agudo.
Ué, mas como assim “Covid entre os não vacinados”? Israel não foi o primeiro país a imunizar
toda a sua população? Não foi, não. No final de setembro, 83% dos israelenses haviam sido
vacinados. Mas esse número é enganoso, por várias razões. Primeiro, ele exclui as crianças de 0
a 12 anos, que ainda não estão sendo vacinadas (com exceção daquelas que possuem
comorbidades graves). Por motivos que a ciência ainda não explica, a Covid grave é mais rara
nessa faixa etária. As crianças não correm grande risco dela. Mas, mesmo assim, elas podem
pegar e transmitir o coronavírus, contribuindo para que continue circulando pela sociedade — e
causando casos graves em adultos.
Além disso, esse número de 83% inclui israelenses que só tomaram a primeira dose da
vacina, que não oferece um grau satisfatório de proteção. Se você pegar toda a população
israelense, de 9 milhões de pessoas, e só considerar as pessoas que já receberam duas doses
da Pfizer, o número de imunizados ® é muito menor: 62,1%. No cômputo geral, 3 milhões de
israelenses não tomaram nenhuma dose da vacina.
Segundo o governo israelense, esses não vacinados se concentram em dois grupos: árabes e
judeus ultraortodoxos. No primeiro caso, uma possível explicação está no menor acesso à
vacina, pois há menos postos de saúde nas regiões com população árabe. Também há
despreocupação com a Covid e desconfiança com a vacina — fatores preponderantes entre os
ultraortodoxos. Assim como o Brasil, Israel sofre com a desinformação: em fevereiro, o governo
do país chegou a fazer um alerta público contra Yuval Asherov, um rabino que vinha publicando
vídeos antivacina nas redes sociais. Não é o único caso, tanto que o Ministério da Saúde de
Israel acabou criando uma operação permanente de combate às fake news vacinais.
Mas a nova onda de Covid em Israel não é só uma questão sociológica; também há aspectos
virológicos envolvidos. O avanço da variante Delta, que é mais contagiosa e se tornou
dominante por lá, reduziu a eficácia da vacina contra a transmissão do vírus. Ela continua
oferecendo mais de 90% de proteção contra sintomas graves, mas não impede que as pessoas
contraiam o vírus — em julho, os dados oficiais mostraram que a efetividade contra isso caíra
para pífios 39%. Foi aí que, para tentar reverter essa tendência de queda, o governo decidiu
começar a aplicar a terceira dose (no final de setembro, 3 milhões de israelenses já haviam
tomado).
A proteção contra infecção cai com o tempo porque há uma diminuição progressiva na
quantidade de anticorpos circulando no organismo. Isso é esperado, e não significa que o
vacinado esteja em risco: o corpo constrói uma “memória imunológica” e volta a fabricar
anticorpos caso necessário. Mas essa menor proteção contra o contágio facilita a propagação
do vírus na sociedade, e também ajuda a explicar a nova onda de Covid em Israel.
Além disso, um estudo publicado em agosto pela Universidade de Oxford, que comparou os
efeitos de médio prazo das vacinas Pfizer e AstraZeneca no Reino Unido, onde as duas foram
usadas, indicou o seguinte: inicialmente, a da Pfizer parece proteger um pouco mais contra
infecção do que a AstraZeneca (que usa a tecnologia de vetor viral, totalmente diferente do RNA
mensageiro, adotado pela Pfizer). Mas sua proteção também declina um pouco mais rápido. Ao
contrário da maioria dos países, Israel só usou a Pfizer. E adotou um espaço curto, de apenas 21
dias, entre as duas doses (hoje é sabido que intervalos maiores, de até 90 dias, geram maior
resposta imunológica).
A terceira dose tem servido para remediar isso, pois está sendo aplicada com intervalo maior.
Os primeiros dados mostram que a dose de reforço da Pfizer reduziu em 11 vezes a taxa de
infecções pelo coronavírus em israelenses acima de 60 anos (e, para Covid grave, a redução é
de 19 vezes). Ou seja, o efeito é muito potente. Se ele persiste ou não, só o tempo dirá. O certo é
que a situação de Israel tem uma série de particularidades — e, por isso, não pode ser
diretamente transposta a outros países. No Brasil e no resto do mundo, talvez a vacinação
contra a Covid termine mesmo na segunda dose, com a terceira reservada só aos idosos (e a
pessoas muito expostas ao vírus, como profissionais de saúde). E fique nisso. Ou o Sars-CoV-2
ainda possa nos surpreender. Se acontecer, não terá sido a primeira vez.

3# SUPERNOVAS outubro 2021

3#1 FATOS
3#2 PLAYLIST
3#3 TECH

3#1 FATOS
EDIÇÃO: BRUNO GARATTONI

ARMA ACÚSTICA CORTA A FALA HUMANA


O DISPOSITIVO, que se chama AHAD (sigla em inglês para “emissão e disrupção acústica”) e
foi inventado pela Marinha dos EUA, supostamente consegue impedir as pessoas de falar. Ele
tem um microfone de alta sensibilidade para captar as vozes das vítimas — manifestantes em
um protesto, por exemplo. O som é gravado e retransmitido de volta para elas, duas vezes: uma
imediatamente e outra com atraso de 200 milissegundos. Isso gera uma sobreposição de sons
que atordoa as pessoas, impedindo que continuem falando.
O aparelho, que foi patenteado pelos militares, possui outra particularidade interessante: ele
também pode ser usado contra alvos individuais. Nesse cenário, a vítima seria a única a ouvir a
reflexão da própria voz — pois ela é retransmitida num feixe acústico estreito, que as pessoas
em volta não escutariam.
(Bruno Garattoni)

55
ANOS o tempo máximo que óvulos, espermatozoides e embriões humanos poderão ficar
congelados em clínicas de fertilidade no Reino Unido, que alterou seu limite para isso (antes era
dez anos). A medida pretende aumentar a flexibilidade dos tratamentos de reprodução assistida,
sobretudo para as mulheres — que poderão congelar seus óvulos no começo da vida adulta sem
se preocupar em perdê-los.
(BG)

CÉLULAS AGEM EM GRUPO CONTRA BACTÉRIA


CIENTISTAS DA Vanderbilt University, nos EUA, flagraram neutrófilos e macrófagos, dois tipos
de célula do sistema imunológico, trabalhando em conjunto para neutralizar bactérias da
espécie S. aureus, que infecta o nariz e a garganta. Ao encontrar as bactérias, os neutrófilos se
autodestruíam, formando uma barreira que as prendia até a chegada dos macrófagos — que
engoliam e matavam as invasoras. (BG)

FDA INTERROMPE TESTE DE REMÉDIO GENÉTICO


Droga gerou efeito catastrófico em ratos — que só foi descoberto após um ano.
TALVEZ VOCÊ JÁ TENHA VISTO, nas latas de refrigerante diet ou em embalagens de outros
alimentos com adoçante artificial, a seguinte frase: “Fenilcetonúricos: contém fenilalanina”. A
fenilcetonúria é uma doença hereditária que torna o organismo incapaz de digerir o aminoácido
fenilalanina — que se acumula no corpo e causa danos neurológicos. Por isso, a pessoa não
pode comer alimentos que o contenham, como carne, ovos e leite (além do adoçante). O
medicamento BMN 307, que foi criado pelo laboratório americano BioMarin Phanna, prometia
corrigir a mutação que provoca a doença: ele é feito com um vírus geneticamente modificado,
que carrega e distribui uma versão consertada do gene PAH no organismo do paciente. O
remédio já estava na primeira fase de testes em humanos quando o BioMarin decidiu fazer um
estudo de longo prazo em ratos, que tinham recebido o tratamento havia um ano. De sete
animais analisados, seis estavam com câncer de fígado — o vírus havia se fundido com o
genoma dos ratos, causando mutações e surgimento de tumores. Com isso, a Food & Drug
Administration (a Anvisa dos EUA) mandou parar imediatamente os testes em humanos. (BG)

“EM 100 ANOS, NINGUÉM VAI LEMBRAR MEU NOME”,


DISSI A HÚNGARA KATALIN KARIKÓ, inventora das vacinas de RNA mensageiro — como a
desenvolvida pela Pfizer e pela empresa alemã BioNTech, onde ela trabalha, contra o
coronavírus. Para Karikó, que recebeu um prêmio de US$3 milhões pela invenção, a vaidade
atrapalha a ciência; “Se as pessoas esquecessem seus egos e títulos, criariam soluções para
muitas coisas”. (BG)

Cristiano Ronaldo levou um golpe de R$ 1,8 milhão no cartão.


ENQUANTO
ISSO...
Texto Carolino Fiorotti
- Engenheiros criaram um robô que monta e cozinha uma refeição, usando lasers e uma
impressora 3D.
- Cientistas descobriram seis novas espécies marinhas a 4.800 metros de profundidade, no mar
da Nova Zelândia.
- Psicólogos criaram um app de realidade aumentada que ajuda a tratar a aracnofobia (medo de
aranhas).
- Um estudo revelou que uma combinação de dois medicamentos é altamente eficaz contra o
câncer de ovário.

COLUNA: CARBONO ZERO


Por Salvador Nogueira
AMAZÔNIA JÁ EMITE MAIS CARBONO DO QUE ABSORVE
Isso está acontecendo devido ao desmatamento e às mudanças climáticas. E pode piorar.

A MAIOR PARTE DO OXIGÊNIO da atmosfera, entre 50% e 80%, vem dos oceanos, onde ele é
produzido pelo plâncton marinho. Não da Amazônia. Mas a floresta absorvia uma quantidade
importante de CO2, ajudando a regular a temperatura global. Porém, recentemente veio a má
notícia: a Amazônia não cumpre mais esse papel e, em muitos lugares, sobretudo na borda
sudeste da floresta, ela já emite mais CO2 do que absorve.
Essa é a conclusão de um estudo liderado pela pesquisadora Luciana Gatti, do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais), e publicado na revista Nature. A equipe realizou 590
sobrevoos, medindo concentrações de CO2 e CO em quatro regiões da Amazônia, entre 2010 e
2018. E constatou que a floresta, ao menos em algumas regiões, já “virou o sinal” — de
sorvedouro passou a ser emissora de carbono.
Em parte, não é difícil entender como isso acontece. A Amazônia inteira tem cerca de 123
bilhões de toneladas de carbono fixado em sua biomassa, no solo e no subsolo. Um jeito rápido
de devolver tudo isso à atmosfera, de uma vez, é queimando. O desmatamento, portanto,
cumpre um papel de destaque. Quando as árvores são derrubadas, a preparação do terreno para
uso futuro (em geral para pasto ou agricultura) envolve queimar a área.
E o que deixa tudo mais preocupante é que as medições colhidas pelo grupo foram feitas
entre 2010 e 2018, período em que o desmatamento não estava tão descontrolado quanto agora
(naquela época, ele ficava ao redor de 7.000 km2 anuais, antes de explodir para mais de 10.000
km2 anuais em 2019 e 2020).
O clima também tem mudado, com alterações no regime de chuvas que estão tornando a
região mais seca. A redução da umidade aumenta o risco de incêndios e leva as árvores a
reduzir sua taxa de fotossíntese (isso quando sobrevivem). Ou seja, as mudanças climáticas
também já estão pressionando a Amazônia a diminuir sua ação como sorvedouro de CO2.
Imagine quando medirmos o impacto da recente explosão no desmatamento e nas queimadas.
A esta altura, não é descabido pensar que a floresta pode ter cruzado um “ponto de não
retorno”, em que mesmo sem intervenções adicionais ela siga encolhendo e se “savanizando”,
como há muitos anos os climatologistas suspeitavam que pudesse acontecer. Interromper o
ciclo de destruição será apenas o primeiro passo na proteção deste que é o bioma mais
biodiverso do país — e uma peça essencial no controle do clima terrestre.

AQUECIMENTO GLOBAL PODE MATAR 83 MILHÕES DE PESSOAS ATÉ 2100


Esse será, no cenário mais pessimista, o número de vidas perdidas devido a catástrofes
climáticas, crises agrícolas e doenças oriundas da poluição até o fim do século.

EMISSÕES GLOBAIS DE CO2 COMPARAADAS COM O AQUECIMENTO A CADA DÉCADA.


Emissão total de carbono (bilhões de toneladas por ano)
Ano: 2010 | 2100
Cenário pessimista: 40 | 70
Cenário otimista: 40 | 0

Aquecimento global (°C acima da era pré-industrial)


Ano: 2010 | 2100
Cenário pessimista: 0,5 °C | 4°C
Cenário otimista: 0,5 °C | 2,5 °C

MORTES PROVOCADAS PELO CO2 QUE CADA PESSOA EMITE DURANTE A VIDA
ARÁBIA SAUDITA: Cenário pessimista 0,33 | Cenário otimista 0,15
ESTADOS UNIDOS: Cenário pessimista 0,29 | Cenário otimista 0,14
RÚSSIA: Cenário pessimista 0,19 | Cenário otimista 0,09
ALEMANHA: Cenário pessimista 0,18 | Cenário otimista 0,08
CHINA: Cenário pessimista 0,12 | Cenário otimista 0,06
REINO UNIDO: Cenário pessimista 0,11 | Cenário otimista 0,05
MÉDIA MUNDIAL: Cenário pessimista 0,08 | Cenário otimista 0,04
MÉXICO: Cenário pessimista 0,06 | Cenário otimista 0,03
BRASIL: Cenário pessimista 0,04 | Cenário otimista 0,02
ÍNDIA: Cenário pessimista 0,03 | Cenário otimista 0,01
NIGÉRIA: Cenário pessimista 0,01 | Cenário otimista 0

5 MIL
DÓLARES POR MÊS o que a prefeitura de São Francisco, na Califórnia, gasta com cada morador
de suas “vilas seguras”: seis estacionamentos alugados pelo governo, a um custo total de
US$16 milhões por ano, onde 262 mendigos vivem em tendas. A cidade é conhecida por ter os
aluguéis mais caros dos EUA — pois ela é o centro do Vale do Silício, cujas empresas pagam
altos salários (e isso inflaciona o custo de vida). São Francisco vive uma crise habitacional
permanente. Mas o aluguel dos estacionamentos não parece uma forma inteligente de
resolvê-la. Sairia muito mais barato pagar apartamentos para os sem-teto: na cidade, um imóvel
de um quarto custa em média US$2 mil por mês. (BG)

3 NOTÍCIAS SOBRE
REATORES NUCLEARES
Eles estão evoluindo e chegando a novos lugares. Mas também têm falhado mais.
1. Aquecimento global reduz produção - Na década de 1990, eventos como tempestades,
furacões e enchentes causavam 0,2 interrupção de funcionamento por reator por ano (é como
se, na média, cada reator parasse uma vez a cada cinco anos). Mas, de 2010 para cá, esse
número aumentou 650%. Motivo: o aquecimento global e os fenômenos climáticos decorrentes
dele.
2. Modelo chinês funciona sem água - Ele foi construído Wuvei, no centro do país, e não é
refrigerado com água, mas com sódio derretido. Por isso, não precisa ser pressurizado, o que
supostamente o torna mais seguro. É um modelo experimental, de 2 megawatts. Se funcionar
bem, a China pretende ter versões comerciais, para gerar energia em grande escala, a partir de
2030.
3. Rússia constrói reator na Bolívia - A estatal Rosatom começou a instalar o primeiro reator
nuclear boliviano: ele fica na cidade de EL Alto, na periferia de La Paz, a 4.000 metros de altitude
— é o reator mais alto do mundo. Deve ficar pronto em 2024, e será usado em pesquisas e para
produzir radioisótopos (materiais usados em tratamentos anticâncer).
(BC)

AIRBNB AUMENTA NÚMERO DE CRIMES


Essa foi a conclusão de pesquisadores da Northeastern University, em Boston, que analisaram a
criminalidade em vários bairros da cidade ao longo de dez anos. Eles constataram que, quando
mais imóveis de uma região eram oferecidos no Airbnb, os crimes ali também aumentavam. O
efeito não era imediato; acontecia ao longo dos anos seguintes. Segundo o estudo, isso indica
que não é a presença dos turistas que atrai os bandidos, mas o enfraquecimento das relações
comunitárias causado pelo Airbnb (com a presença de mais gente de fora, e menos vizinhos que
se conhecem). (BC)

AMAZON ESTRAGOU O NOME “ALEXA”


Nos EUA, cada vez menos meninas são batizadas com ele.
A empresa lançou sua assistente virtual, a Alexa, em novembro de 2014. Isso pode explicar o
pico de popularidade do nome em 2015 — e, depois, sua queda.

RATO RECÉM-NASCIDO “ENXERGA” ANTES DE ABRIR OS OLHOS


Retina emite sinais elétricos, durante três dias, para preparar o cérebro do animal.
Os RATOS NASCEM DE OLHOS FECHADOS, e só os abrem 12 dias depois. Mas, mesmo antes
disso, suas retinas enviam impulsos elétricos para o cérebro — simulando o que o animal vai
enxergar quando estiver de olhos abertos. Foi o que descobriram pesquisadores da
Universidade Yale, que analisaram a atividade neuronal de cobaias recém-nascidas. Para fazer
isso, eles criaram ratos geneticamente modificados, cujos neurônios emitem luz na presença de
sinais elétricos (essa técnica se chama optogenética, e foi desenvolvida ao longo da última
década por várias equipes de cientistas). Assim que os bichinhos nasciam, eram anestesiados e
recebiam uma incisão muito pequena na cabeça — que permitia observar os neurônios, e a luz
que eles emitiam, com um microscópio. O interessante acontece entre o oitavo e o décimo
primeiro dia de vida, quando os sinais emitidos pelas retinas se tornam bem definidos: seguem o
mesmo padrão que animais adultos geram quando estão correndo de olhos abertos. (BG)

CICLONE MALA PÁSSAROS DE FOME NO ATLÂNTICO


TODOS OS ANOS, aparecem milhares de pássaros mortos nas praias do Atlântico Norte. Isso é
consequência da temporada de ciclones, que ocorre durante o inverno nessa região. Mas um
novo estudo descobriu que os animais não são diretamente atingidos pelos ciclones em si; eles
morrem de desnutrição, porque não conseguem voar nem mergulhar na água (devido aos fortes
ventos e ao mar revolto). Foi o que constatou uma equipe de cientistas de vários países, que
colocaram localizadores em mais de 1.500 pássaros de cinco espécies e acompanharam o
movimento deles durante o inverno, comparando seus deslocamentos com a trajetória dos
ciclones. (BG)

NÃO É BEM ASSIM...


Notícias que bombaram por aí - mas não são verdade

NOTÍCIA - Variante Delta vai se tornar resistente às vacinas, diz estudo

O QUE ELA DIZIA - Segundo cientistas da Universidade de Osaka, é inevitável que a variante
Delta do Sars-CoV-2 adquira “resistência completa”, às vacinas. Os cientistas inseriram quatro
mutações na Delta, que se tornou imune aos anticorpos gerados pela vacina Pfizer.

VERDADE - O estudo não usou Sars-coV-2, mas um “pseudovírus” (feito com um pedaço de DNA
colado na proteína spike do coronavírus). Foi feito in vitro, não in vivo. E usou células de rim, não
do sistema respiratório. Mas o principal é que não há nenhuma garantia de que o coronavírus vá
desenvolver essas quatro mutações — e que, mesmo se ele fizer isso, a nova variante
prevalecerá sobre as atuais (a variante Beta, por exemplo, é mais resistente ás vacinas do que a
Delta, mas se propaga menos). (BG)

3#2 PLAYLIST
EDIÇÃO BRUNO GARATTONI

A JORNADA DE DUNA
Entre adaptações malsucedidas (e um especial de TV), veja os caminhos que levaram à nova
versão deste clássico da ficção científica, que estreia nos cinemas em 21 de outubro.
Texto Rafael Battaglio

1965 - O LIVRO
Em Duna, a humanidade se organiza em um império espacial, e há uma disputa entre três
famílias peto controle do planeta Arrakis, única fonte de uma substância que permite viagens ao
espaço. Uma metáfora do autor Frank Herbert para a exploração de petróleo
1975 – PLANOS FRUSTRADOS
O primeiro que tentou adaptar Duna foi o chileno Alejandro Jodorowsky. Munido de milhares de
artes conceituais, ele queria que o filme durasse mais de 10 horas, tivesse parte da trilha
composta pelo Pink Floyd e mais Orson Welles, Mick Jagger e Salvador Dali no elenco. Um plano
ambicioso - que ninguém topou bancar.

1984 – DEBAIXO DO TAPETE


David Lynch foi chamado para dirigir Duna. Sem controle criativo, ele precisou regravar e cortar
várias cenas. O filme fracassou em crítica e bilheteria, e algumas versões foram creditadas a
Alan Smithee — pseudônimo usado quando cineastas renegam uma obra.

2000 – UNIVERSO EXPANDIDO


Duna já virou jogo de tabuleiro, RPG e videogame. Na virada do século, o filho mais velho de
Frank Herbert, Brian, iniciou uma série de livros que complementam a saga. Na mesma época, o
canal Sci-Fi investiu US$ 31,7 milhões para criar uma minissérie da história.

2021 – INVESTIMENTO PESADO


Em 2016, o estúdio Legendary adquiriu os direitos de adaptação de Duna, e o diretor Denis
Villeneuve logo entrou na jogada. O novo filme custou US$ 165 milhões — em parte, para ter
nomes como Timothée Chalamet, Zendaya e Javier Bardem no elenco.

PÉROLAS DO STREAMING

FILME
Cafarnaum (2018)
Amazon Prime
Zain mora num apartamento imundo, com os muitos irmãos pequenos e os pais, egoístas e
cruéis. Da porta para fora, há uma cidade indescritivelmente feia — e uma sociedade desumana.
Ele tenta sobreviver; mas as coisas só pioram, até alcançar graus lancinantes de dor. Filme
vencedor do Festival de Cannes. (BG)

FILME
Entre Facas e Segredos (2019)
Amazon Prime
Harlan Thrombey, de 85 anos, aparece morto após sua festa de aniversário. Quem o matou? Um
detetive excêntrico (Daniel Craig) tenta desvendar o que aconteceu. Tem a ajuda da enfermeira
de Harlan, portadora de uma condição curiosa; ela é fisiologicamente incapaz de mentir. (BG)

FILME
O Homem sem Gravidade (2019)
Netflix
Oscar é imune á lei da gravidade: começa a flutuara ssim que sai do útero da mãe. Ele e a
família primeiro escondem, mas depois exploram, essa habilidade extraordinária. Um exercício
emocionante de realismo fantástico, com metáforas geniais sobre a solidão, o trabalho e o amor
(BG)

DOCUMENTÁRIO
O Último Cruzeiro (2021)
HBO Max
Com 2.500 passageiros e mil tripulantes, o Diamond Princess estava quase terminando seu
trajeto pela Ásia. Até que, em janeiro de 2020, estourou uma epidemia de Sars-CoV-2 a bordo do
navio — que este documentário mostra com cenas reais e assustadoras, gravadas por quem
estava Lá. (BG)

A FÍSICA E A METAFÍSICA
COMO DEFINIR A REALIDADE? Qual é a função do tempo? Como partículas inanimadas criaram
vida — e consciência? Neste livro, o físico e escritor americano Brian Greene (autor do clássico O
Universo Elegante) parte de conceitos fundamentais da ciência, como gravidade e entropia, para
construir reflexões metafísicas e enfrentar a maior pergunta de todas: por que estamos aqui, e o
que vai acontecer quando tudo acabar? (BG)
Até o Fim do Tempo.
R$ 80.

14 ANOS EM GUANTÁNAMO
EM 2002, Mohamedou Salahi foi preso na Mauritânia, seu país de origem. Ele era acusado de
terrorismo, e foi levado para a temível prisão de Guantánamo, mantida pelos EUA no litoral de
Cuba. Escreveu um livro contando sua história e a vida na pior cadeia do mundo. Ele se tornou
um best-seller internacional — e, agora, virou filme. (BG)
O Mauritana Disponível no serviço Telecine (app e telecine.com.br)

A VOLTA DO SUPERVILÃO
SE VOCÊ VIU Breaking Bad, se lembra de Gus Fring: o traficante que antagoniza, e apavora, o
protagonista Walter White. Agora o ator Giancarlo Esposito volta ao papel de mau, só que num
game: o novo episódio da franquia Far Cry, conhecida pelos grandes vilões. Aqui ele é Antón
Castillo, ditador de uma ilha no Caribe — cujo governo você irá tentar derrubar. (BG)
Far Cry 6. Para PlayStation, Xbox e PC. R$ 280.

“COMECEI A FICAR MAIS CONFIANTE. AFINAL, UM JUIZ, UM MÉDICO E UM BOM NÚMERO DE


PESSOAS TINHAM ME DECLARADO LOUCA”,
ESCREVE A AMERICANA Nellie Bly neste livro, publicado nos EUA em 1887 — em que ela, uma
das primeiras jornalistas mulheres, conta como fingiu insanidade para ser internada num
manicômio e revelar as péssimas condições em que os internos eram mantidos. (BG)
Dez Dias em um Hospício R$ 50

O PODER DO ESTOICISMO
No SÉCULO 3 a.C., o filósofo grego Zenão criou uma escola de pensamento batizada de
estoicismo (o termo vem de stoa poikile: “varanda pintada”, um lugar de Atenas onde ele se
reunia com os discípulos). Zenão propunha a aceitação do destino e o fortalecimento interior
como único caminho para alcançar felicidade e paz. A técnica foi desenvolvida por pensadores
como Epíteto e Sêneca, e é explicada neste livro — que ensina a aplicá-la. (BG)
Ser Estoico: Eterno Aprendiz. R$ 55,90

3#3 TECH
EDIÇÃO BRUNO GARATTONI

A BATERIA DE HIDROGÊNIO
Ela fica instalada na garagem e armazena 40 kW (o triplo das baterias da Tesla). Serve para
guardar a eletricidade gerada por placas solares — e pode ajudar o mundo a migrar para
energias limpas.
Texto Bruno Garattoni

A MÁQUINA SE CHAMA LAVO Hydrogen System e foi criada por uma empresa australiana. Tem
o tamanho de um armário e deve ser conectada a uma torneira e às placas solares instaladas no
telhado da casa. Ela aproveita a sobra de eletricidade gerada pelas placas durante o dia e usa
essa energia para fazer eletrólise: decompor a água em oxigênio e hidrogênio, que é
armazenado em cilindros. À noite, depois que escurece, ela passa o H2 por uma "célula
combustível": peça que extrai os elétrons dele, gerando eletricidade. O sistema também tem
uma bateria de lítio, mas ela é usada apenas como "buffer" (para fornecer energia imediata
enquanto a célula combustível está sendo ligada). O aparelho está à venda na Austrália, pelo
equivalente a US$ 26.900.

OS CILINDROS
Armazenam o hidrogênio. Ele fica guardado na forma sólida (pois é absorvido por um metal,
formando um hidreto metálico), o que é mais seguro.

O SISTEMA
Capta eletricidade das placas solares e usa para fazer eletrólise da água, extraindo o hidrogênio.
À noite, ele é decomposto em uma "célula combustível", gerando energia.

EM 180, 360 E RV
ESSES SÃO OS TRÊS MODOS de operação da câmera Vuze XR. Quando está com as duas lentes
abertas, ela filma e fotografa em 180 graus — e também grava vídeo 3D compatível com óculos
de realidade virtual. Mas você também pode fechá-la, recolhendo as lentes, para tirar fotos e
filmar em 360 graus. Ela grava em resolução 5,7K, tira fotos de 18 megapixels e custa US$ 500.

GUITARRA MUTANTE
QUAL É A MELHOR: a Fender Stratocaster, usada por Jimi Hendrix, ou a Gibson Les Paul,
eternizada por Jimmy Page? A Reddick Voyager promete reproduzir o som das duas, e de mais
algumas outras, numa só guitarra modular — cujos captadores e controles podem ser trocados.
Ela custa US$ 1.500 e vem com dois captadores (o fabricante vende mais oito, cada um
inspirado numa guitarra clássica, a US$ 200 cada um).

NA MESINHA DE CABECEIRA
o NIGHTWATCH é um dock de US$50 que transforma o AppLe Watch em minidespertador.
Basta colocar o relógio no gadget, que não usa energia: ele é só uma peça de vidro que amplia o
visor do relógio, ajudando você a enxergar o horário quando está acordando. Também é sensível
ao toque (basta encostar nele para acender o visor do relógio ou dispensar o alarme) e recarrega
a bateria: tem um compartimento, na base, para você inserir o carregador da Apple. É compatível
com todos os modelos de Apple Watch.

A BIKE ELÉTRICA DE 10KG


AS BICICLETAS ELÉTRICAS têm de 20 a 40 kg. A Hummingbird Electric é feita de fibra de
carbono, e por isso pesa muito menos: é mais leve até do que a maioria das bikes comuns, não
elétricas. Seu motor de 250 watts, que fica dentro da roda traseira, foi projetado para ajudar nos
arranques e em subidas, mas não consegue empurrar a bicicleta sozinho: você também tem que
pedalar (não dá para andar sem fazer esforço nenhum, como em algumas bicicletas elétricas). A
bateria tem autonomia de 40 a 50 km, dependendo do uso, e sua recarga leva 3horas. A
Hummingbird é dobrável, o que a torna bem mais fácil de transportar (no metrô) e guardar
dentro de casa ou do escritório, e custa US$6 mil.

VOCÊ DECIDE
Os projetos mais interessantes (e surpreendentes) do mundo do crowdfunding

Óculos pela internet


kickstarter.com
Projeto: EyeQue Visioncheck 2
O que é: Um aparelho que permite fazer teste de visão em casa — e, graças a isso, comprar
óculos de grau pela internet, sem precisar ir a um oculista. Ele funciona acoplado ao seu
smartphone, e mede miopia, hipermetropia e astigmatismo. Basta seguir as instruções de um
app.
Meta US$ 30 mil
Chance de rolar: quatro em cinco

Nuvem particular
Indiegogo.com
Projeto: Amber X
O que é: Um gadget que faz backup automático do seu celular e computador. É mais ou menos
como o Time Machine, da Apple, mas com uma grande diferença: ele também funciona como
um minisservidor, ou seja, você pode acessar os arquivos de qualquer lugar, pela internet.
Meta: US$ 10 mil
Chance: três em cinco

4# REPORTAGENS outubro 2021

4#1 CAPA – CRISE ENERGÉTICA – COMO EVITAR A PRÓXIMA


4#2 SOCIEDADE – FRAGILIDADE DAS DEMOCRACIAS
4#3 ESPAÇO – FORTUNAS ASTRONÔMICAS
4#4 HISTÓRIA – A TERCEIRA BOMBA
4#5 PSICOLOGIA – A REAL SOBRE O TESTE MYERS-BRIGGS

4#1 CAPA – CRISE ENERGÉTICA – COMO EVITAR A PRÓXIMA


O Brasil atravessa uma seca brutal — e agora, como em 2001, corre sério risco de apagão. Não
há mais muito o que fazer; só economizar eletricidade e torcer para que chova mais. Mas existe
uma saída para impedir o próximo: as energias solar e eólica. Veja como elas podem garantir
nosso abastecimento no futuro — e ajudar a reduzir as emissões de CO2.
Texto Leonardo Pujol & Bruno Garottoni

A REDE ELÉTRICA ESTAVA EM FRANGALHOS. Cortes de energia ocorriam em quase todas as


regiões do país, incluindo a capital. Além de deixar a população às escuras, as interrupções
frequentes — acompanhadas por oscilações repentinas de voltagem — danificavam
eletrodomésticos, estragavam comida na geladeira e desligavam aparelhos essenciais para
manter a vida de pessoas internadas nos hospitais. Também interrompiam o fornecimento de
água, afetavam as comunicações por telefone e internet e forçavam o fechamento do comércio.
Para economizar a pouca eletricidade que restava, o presidente da República reduziu a semana
de trabalho do setor público para quatro dias. Depois, encurtou para dois dias. Feriados foram
prolongados. Num ato de desespero, os relógios foram adiantados em meia hora — criando um
horário de verão de emergência (e um fuso horário que não coincidia com nenhum outro). No
centro da crise estavam a má gestão e um suposto ataque cibernético às redes de distribuição
de energia do país. Mas não só isso. Também havia seca. A falta de chuva havia exaurido os
reservatórios das hidrelétricas, que forneciam dois terços da energia venezuelana.
O Brasil não é a Venezuela. Mas, assim como ela — que viveu essas cenas de caos em 2016,
e depois novamente em 2019 nosso país é altamente dependente de usinas hidrelétricas, que
fornecem 62% da energia que consumimos. E, assim como aconteceu na Venezuela, estamos
numa seca sem precedentes: é a pior desde que as medições dos níveis de chuva começaram,
em 1931. O Brasil não corre o risco de apagões catastróficos, como dos nossos vizinhos — que
chegaram a ficar 72 horas contínuas sem luz, no país inteiro. E também estamos melhor do que
em 2001, quando enfrentamos nosso último apagão: hoje a capacidade de geração é maior, é
possível transferir mais energia de uma região do país para outra (as hidrelétricas do Nordeste,
que estão com mais água, podem mandar eletricidade para o Sul e o Sudeste), e há alternativas
que não existiam duas décadas atrás. Mas a situação é delicada.
Segundo a última projeção do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), órgão estatal
que coordena a geração e transmissão de energia no país, a produção de eletricidade deverá ser
insuficiente para atender a demanda já a partir de outubro. Na tentativa de evitar um colapso do
sistema, o governo brasileiro tem importado energia da Argentina e do Uruguai. Também
acionou mais usinas termelétricas, movidas a combustíveis fósseis. Mas elas emitem CO2, têm
capacidade de produção limitada (hoje geram 21% da energia no Brasil, ou seja, estão bem
abaixo das hidrelétricas) e são muito, mas muito caras. Enquanto um megawatt-hora (MWh) de
energia gerado em hidrelétrica custa em média R$ 183, as termelétricas são de três a cinco
vezes mais caras (veja quadro abaixo).
O resultado disso é inflação. Mais inflação. Mesmo se o Brasil conseguir evitar blecautes nos
próximos meses, vai entrar em 2022 com forte pressão de aumento de preços — afinal, o custo
da energia está embutido no valor de tudo o que consumimos. O objetivo, agora, é meramente
sobreviver a isso. Mas o momento também é oportuno para pensar no futuro, e no que pode ser
feito para evitar crises energéticas nas próximas décadas — inclusive porque, com o
aquecimento global, as secas devem piorar. “O déficit no atendimento da demanda elétrica no
país se torna praticamente inevitável em um cenário de clima extremo até 2040”, afirma um
estudo assinado por cientistas de várias universidades brasileiras e publicado pela embaixada
do Reino Unido no Brasil. As usinas hidrelétricas são uma ótima maneira de gerar energia; mas
não parece prudente deixar a responsabilidade por gerar 60% de toda a energia só nas costas
delas. “As licenças ambientais e autorizações para instalações de grande porte estão cada vez
mais restritas. O plano decenal nem menciona a possibilidade de uma nova hidrelétrica”, diz
Maurício Tolmasquim, professor de planejamento energético da UFRJ. Ele se refere ao estudo
da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), órgão do governo que mapeia a evolução do setor
elétrico.
Se as termelétricas não resolvem nossos problemas, e as hidrelétricas são altamente
vulneráveis a oscilações climáticas, então qual a saída? Talvez você já tenha ouvido falar da
biomassa, que consiste em gerar energia queimando matéria vegetal. Ela é considerada neutra
em carbono: a queima das plantas (no Brasil, a mais usada é o bagaço da cana-de-açúcar) emite
CO2, mas as lavouras reabsorvem esse gás quando são replantadas. O problema é que essa
fonte de energia requer muito, mas muito espaço: cada metro quadrado de biomassa gera dez
vezes menos energia do que se for preenchido com painéis solares. Que tal fazer mais usinas
nucleares, então? O Brasil tem muito urânio (nossa reserva é a sexta maior do planeta, e só 30%
do território nacional foi analisado). Mas é realista, do ponto de vista tecnológico e econômico,
imaginar a construção de mais 10 ou 15 reatores no país? Seria caro e complexo demais.
Principalmente porque temos à mão dois recursos muito mais fáceis de explorar: o sol e o
vento.
“Uma área equivalente ao município do Rio de Janeiro, preenchido com módulos
fotovoltaicos, supriria toda a necessidade de energia do Brasil”, diz Rodrigo Sauaia, presidente
da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). A conta é a seguinte. Durante o
ano de 2019, o país consumiu ao todo 650 terawatts/hora de eletricidade (em 2020 o consumo
caiu por causa da pandemia, mas voltará a crescer quando ela acabar). Para gerar toda essa
energia, sem depender de nenhuma outra fonte, seria necessário instalar 372,6 milhões de
placas solares — que juntas ocupariam 1.157 km2, o equivalente a 0,01% do território nacional e
um pouco menos que a cidade do Rio (1.255 km2).
Esse é um cenário exagerado, claro. Na prática, seria extremamente difícil, ou impossível,
colocar tantas placas solares num só lugar — a instalação e a manutenção de um parque desse
tamanho, e a distribuição de tanta energia de um só ponto para o resto do país, beiram o
impraticável. Mas a conta mostra que os painéis fotovoltaicos, se forem distribuídos por um
país, podem gerar uma quantidade surpreendente de eletricidade. Tanto é assim que, em
setembro, a Casa Branca apresentou um plano para mudar radicalmente a matriz energética dos
EUA, passando de 4% de energia solar, hoje, para 45% em 2050. O plano, que ainda precisa
passar pelo Congresso, prevê investimentos de US$ 562 bilhões, uma enormidade até para os
padrões americanos — mas estima que a mudança acabará gerando um retorno de US$ 1,7
trilhão, porque irá reduzir o aquecimento global e as mortes causadas pela poluição, bem como
os prejuízos decorrentes deles. E o investimento não precisa ser feito todo de uma só vez; seria
diluído ao longo das décadas, o que o torna bem mais exequível.
A energia solar passou por uma revolução silenciosa nos últimos dez anos. As placas
fotovoltaicas costumavam ter eficiência média de 12% (ou seja, pouco mais de um décimo da
energia captada do Sol era de fato convertida em eletricidade), mas hoje os melhores módulos
ficam entre 18% e 23%. E ainda há muito espaço para crescer: em 2019, cientistas dos EUA
construíram uma placa solar com 47% de eficiência. Esses equipamentos também estão ficando
mais baratos: na última década, os preços caíram mais de 80%. E devem cair muito mais — pois
a China, que fabrica a maioria das placas fotovoltaicas, anunciou que irá instalar mais 700
gigawatts de energia solar e eólica até 2030, para alcançar 1.200 GW de capacidade total (o
equivalente a 85 usinas de Itaipu). Isso certamente fará com que os preços das placas caiam.
No Brasil, atualmente 1,9% da eletricidade vem de usinas solares, que juntas têm 3.300
megawatts de potência. A maior de todas fica no interior do Piauí: é o parque solar São Gonçalo,
localizado no município de São Gonçalo do Gurgueia. Ele ocupa uma área de 1.200 hectares (o
equivalente a 12 km2, ou 1.200 campos de futebol), e está prestes a concluir sua terceira fase
de expansão. No total, serão 2,2 milhões de “módulos solares bifaciais”. Esses painéis possuem
um detalhe interessante: também têm placas fotovoltaicas na parte de baixo. Por isso,
conseguem aproveitar não só a radiação solar direta, mas também a refletida pelo solo. Além
disso, se movem ao longo do dia, mudando de inclinação para acompanhar o deslocamento do
Sol. Esses truques aumentam a geração de energia em até 18% se comparada a painéis
convencionais. Os 864 MW da usina podem abastecer 1,1 milhão de casas.
Cerca de cem funcionários trabalham na Usina São Gonçalo, que pertence à empresa italiana
Enel. Eles realizam a poda da vegetação, necessária para evitar a formação de sombra nos
painéis, bem como a lavagem das placas, que perdem a eficiência conforme vai havendo
acúmulo de poeira. São dois ciclos de lavagem por ano. Fora isso, ela meio que funciona
sozinha — aproveitando as condições climáticas da região. “Existe um cinturão que vai desde o
Rio Grande do Norte, passa por todo o sertão nordestino, pelo centro do país, terminando entre o
norte de Minas Gerais e o sul da Bahia. Essa faixa tem baixa umidade do ar e alto nível de
irradiação solar”, explica Jayme Barg, diretor de tecnologia da usina. Isso garante uma produção
mais ou menos constante. Enquanto as hidrelétricas geram mais energia no primeiro semestre
(quando chove mais), e as usinas eólicas no segundo (quando venta mais), os parques solares
do Nordeste distribuem a produção ao longo do ano. Outro ponto interessante é que a cidade de
São Gonçalo do Gurgueia tem solo desértico, com terra seca e de cor clara. Isso significa maior
“taxa de albedo” — a capacidade de o solo refletir os raios do Sol, ideal para o uso de placas
bifaciais.
Além de sol, o Nordeste também é rico em energia eólica. O motivo está nos ventos alísios,
que sopram do Atlântico em direção ao Equador. Eles são mais constantes, com velocidade
estável e não mudam de direção com frequência — ou seja, são ideais para gerar eletricidade. A
maior usina eólica do Brasil, e da América do Sul, também fica no Piauí (e também pertence à
Enel). É o complexo Lagoa dos Ventos, que se espalha pelas cidades de Queimada Nova, Lagoa
do Barro e Dom Inocêncio, a 632 quilômetros da capital Teresina. A usina é dividida em duas
unidades, com 230 aerogeradores (turbinas) instalados em torres de até 120 metros, altura
equivalente a um prédio de 44 andares. Uma terceira unidade da usina está em fase de
construção, o que elevará para 302 o número de aerogeradores. Com isso, a potência máxima
chegará a 1,1 GW.
Neste ano, o Brasil ultrapassou os 19 gigawatts em capacidade de gerar energia eólica, o que
dá quase 11% da nossa matriz energética. O Nordeste bateu o recorde de produção no dia 6 de
agosto, quando alcançou 11,6 GW de potência média. Isso corresponde a 104,4% do consumo,
ou seja, deu e sobrou para abastecer todos os Estados da região, só com o vento, naquele dia. O
restante foi enviado ao sistema integrado, abastecendo outras regiões do país.
A energia eólica deve continuar acelerando e superar os 30 GW de capacidade eólica em
2024. Isso é mais do que duas usinas de Itaipu (a segunda maior hidrelétrica do mundo, com
potência máxima de 14 GW). Cerca de 11,6 GW de parques eólicos já estão em construção ou
contratados. Serão 344 deles, a maioria no Nordeste, unindo-se aos atuais 726 — elevando de
8,5 mil para 11 mil o número total de aerogeradores em operação. Como cada gigawatt requer
R$ 7 bilhões de investimento, serão cerca de R$ 80 bilhões injetados no setor nos próximos três
anos.
Atualmente, o maior produtor é o Rio Grande do Norte, seguido por Bahia, Ceará, Piauí e Rio
Grande do Sul (veja quadro]. “Não é que São Paulo ou Rio de Janeiro não tenham potencial. Mas,
por terem os melhores ventos, o Sul e o Nordeste se impõem”, diz a economista Elbia Gannoum,
da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica). Ou seja: os Estados que mais produzem
energia eólica não são os que mais consomem, o que gera custos de distribuição.
Mas esse cenário pode mudar com o desenvolvimento da energia eólica offshore, que é
gerada por turbinas flutuantes instaladas em alto-mar, como as plataformas de petróleo. Ela
costumava ser cara, mas seu custo caiu 80% nas últimas décadas — e hoje seu megawatt/ hora
custa R$ 400 a R$ 500. Ainda é bem mais cara que as usinas eólicas convencionais, mas já
consegue competir com as termelétricas. Além disso, as turbinas offshore geram mais energia
do que as onshore, em terra firme, porque em alto-mar o vento é mais forte (lá não existem
obstáculos, como morros, árvores e edificações, para desacelerá-lo), e isso permite instalar
turbinas gigantes, com pás e dínamos bem maiores. A General Electric já produz um
aerogerador offshore, o Haliade-X, que é capaz de gerar 14 megawatts — mais que o dobro das
onshore. Tem 260 metros, seis vezes a altura do Cristo Redentor, e custa R$400 milhões. É
caríssimo; mas acaba se pagando, e dando lucro.
Tanto é assim que a energia eólica offshore tem atraído um número crescente de
investidores, especialmente nos últimos dois anos. A Europa já tem mil turbinas do tipo, e os
EUA pretendem instalar 2 mil ao longo dos próximos oito anos. A China também avança
velozmente no modelo. No Brasil, a despeito dos nossos mais de 7 mil quilômetros de litoral,
não há uma única torre offshore. Mas isso deve mudar. Estamos para concluir a elaboração do
normativo que vai regulamentar a eólica offshore no país”, diz Paulo Cesar Domingues,
secretário de planejamento do Ministério de Minas e Energia (MME). Segundo ele, o documento
será publicado ainda este ano, permitindo que as turbinas comecem a ser instaladas. E não
serão poucas: já existem 42 gigawatts de potência eólica em análise no Ibama (Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). São investimentos de
multinacionais como Equinor, Neoenergia, EDP e Engie, com projetos que se espalham pelo
Nordeste e pelo Sul — mas também pelo Sudeste, em Estados como Espírito Santo e Rio de
Janeiro.
O Ministério de Minas e Energia prevê que o Brasil irá alcançar, somando todas as fontes de
energia, 350 gigawatts de capacidade instalada em 2050. É o dobro da atual — e será necessária
para abastecer um futuro com carros elétricos, economia digitalizada, automação industrial e
uma sociedade mais próspera e desenvolvida. É possível chegar lá usando energia limpa.
Segundo uma projeção da consultoria BloombergNEF, o Brasil poderá alcançar 376 GW em
2050, com quase 80% vindo do sol e do vento.
Tudo isso é ótimo, mas também tem um problema. Assim como a energia hídrica, a solar e a
eólica estão sujeitas a variações climáticas muito difíceis de prever — e impossíveis de
controlar. E se houver uma sequência de dias nublados, ou ventar menos em determinado mês?
Num cenário em que as energias solar e eólica se tornam dominantes, isso pode criar
problemas graves de abastecimento. Por isso, a adoção maciça dessas fontes de energia
precisa vir acompanhada de outra tecnologia, que permita estocá-las.

Como estocar o vento


Do ponto de vista da preocupação ambiental, a Califórnia nem parece um Estado americano.
Ela começou a fazer sua transição energética nos anos 1990, fechando usinas termelétricas a
carvão e gás e inaugurando plantas eólicas e solares. Hoje, a Califórnia tem a matriz energética
mais limpa dos EUA — 36% da sua eletricidade vem de fontes renováveis (com o objetivo de
chegar a 100% em 2045). Elas não suprem toda a demanda, e por isso a Califórnia importa
energia de Estados vizinhos, como Oregon, Washington, Wyoming e Arizona.
Esse sistema funcionou bem até o ano passado. Em junho de 2020, quando o verão
despontou no Hemisfério Norte, os californianos foram alertados sobre iminentes ondas de
calor. A mais grave ocorreu dois meses depois, em agosto, quando as temperaturas marcaram
54 °C em algumas cidades. O clima sufocante provocou incêndios florestais, que afetaram
linhas de transmissão elétrica. E também aumentou o uso de ventiladores e aparelhos de
ar-condicionado, pressionando o sistema. Todas as usinas, fossem de energia limpa ou não,
chegaram ao limite de produção. Mas não era o bastante. Para piorar, a importação de energia
dos Estados vizinhos minguou — pois eles sofriam do mesmo calor, e não tinham tanta
eletricidade para vender. Sem escolha, os operadores do sistema elétrico californiano fizeram a
única coisa possível: implantaram uma série de apagões programados, que culminou numa
crise política.
Com sua riqueza de energias limpas, o Brasil tem todas as condições de liderar uma
transição energética mundial — como a Califórnia faz nos EUA. Mas, se não tivermos um jeito de
armazenar a energia solar e eólica, elas também poderão nos deixar na mão um dia. E mesmo
enquanto isso não acontece, elas estarão sendo subaproveitadas. A energia solar tem seu pico
de produção ao meio-dia, quando o Sol está mais forte; não no momento em que a demanda
elétrica é maior, entre 18h e 21h. A eólica produz o dia inteiro, mas também durante a
madrugada, quando o consumo é baixo (e a energia gerada nesse horário é jogada fora).
Também é preciso levar em conta o aquecimento global, com as mudanças previstas para as
próximas décadas: em cenários de clima extremo, pode haver impacto no padrão dos ventos,
afetando a geração eólica. A chuva pode estiar em algumas regiões — e aumentar em outras,
prejudicando a energia solar.
O único jeito de reduzir esses riscos é estocar a energia. Já existe um sistema doméstico que
faz isso gerando hidrogênio, mas a opção mais viável são as baterias. A fabricante de carros
elétricos Tesla está construindo duas de grande capacidade, uma no Texas e outra na Califórnia.
A maior delas é a segunda: ela será composta por módulos, cada um do tamanho de um
contêiner, e poderá armazenar até 1,2 gigawatt — o suficiente para alimentar toda a cidade de
São Francisco, com 870 mil habitantes, por seis horas. A ideia é que ela seja usada para estocar
o excedente solar e eólico e possa suprir eletricidade nos horários de pico, evitando que
termelétricas tenham de ser ligadas.
As superbaterias são caras (a da Califórnia vai custar US$ 300 milhões) e precisam ser
administradas com cuidado para reduzir o risco de incêndio — imagine centenas de toneladas
de baterias de lítio pegando fogo. No começo de agosto, houve um incêndio na Victorian Big
Battery, uma superbateria de 210 módulos instalada pela Tesla em Moorabool, na Austrália. Os
bombeiros levaram três dias para controlar o fogo.
Seria mais seguro, barato e eficaz ter uma rede de baterias pequenas instaladas nas casas
das pessoas. A Tesla já oferece uma, a Powerwall, que custa US$ 7.500. Mas a bateria também
pode ser o seu carro. A picape elétrica F-150 Lighting, que está sendo lançada pela Ford nos
EUA, tem 480 km de autonomia — e também pode ser usada como uma grande bateria, capaz de
alimentar uma residência por até uma semana. Os carros elétricos não vão só limpar o ar das
cidades; também farão com que muitas casas tenham o próprio meio de armazenar energia.
Metade das residências brasileiras possui um carro na garagem. Um dia esse carro será elétrico,
e isso criará um enorme sistema de armazenamento distribuído de energia.
Os veículos elétricos ainda vão demorar a se popularizar no Brasil. Mas outra tecnologia
revolucionária já é uma realidade, por aqui inclusive: a autogeração solar. Lembra quando
citamos, no começo deste texto, que as usinas solares brasileiras já somam 3.300 megawatts
de capacidade? A autogeração, ou seja, as placas solares instaladas nos telhados e nos jardins
de residências, fábricas e propriedades rurais espalhadas pelo Brasil, já ultrapassam 8.500
megawatts, segundo estimativa das entidades do setor. É mais do que o dobro. Isso acontece
porque, em muitos casos, a energia solar já é uma opção surpreendentemente viável.
Veja o exemplo, calculado pela Absolar, de uma família de quatro pessoas que mora em
Minas Gerais (o Estado com maior autogeração no Brasil). Ela consome em média 230 KWh por
mês, o que resulta em R$ 284 na conta de luz. Se essa família instalar 9 m2 de placas
fotovoltaicas de tamanho equivalente a três camas de casal, um investimento de R$ 11 mil, a
conta de luz cairia para R$ 54. Ou seja, o investimento se pagaria em apenas quatro anos (as
placas fotovoltaicas duram em média 25).
Nem toda casa é boa para a energia solar. Ela pode ficar na sombra de prédios e árvores, ter
um telhado pequeno ou muito inclinado, ou estar virada para o lado “errado”. Hoje, o único jeito
de saber essas coisas é chamar uma empresa especializada. Se existisse um jeito mais fácil de
estimar isso, por meio de um aplicativo, muito mais gente instalaria placas em casa. Em 2015, o
Google criou o Project Sunroof, um site que usa dados de satélite para fazer a conta. É só digitar
o endereço e a ferramenta diz quantas horas de sol batem na sua casa por ano, quantos metros
de placas você pode instalar, e qual seria a economia. Infelizmente, ele só cobre os EUA e a
Alemanha. No Brasil, o Paraná e o Rio de Janeiro têm ferramentas parecidas, mas com bem
menos informações. Seria muito importante ter uma como a do Google — e que cobrisse todo o
Brasil. Mas a prioridade parece ser outra.
Em agosto, a Câmara dos Deputados aprovou (por 476 votos a favor e apenas 3 contra) a
cobrança de uma nova taxa de quem tem placa solar em casa. É que essas residências também
estão conectadas à rede elétrica, e fazem uso dela em várias situações: durante a noite, quando
está nublado, quando a casa precisa de mais energia do que as placas geram — ou mesmo
quando elas produzem um excedente, que é transmitido para as empresas de energia elétrica e
vira créditos na conta de luz. Quem é contra a medida argumenta que essas despesas já são
pagas — o custo delas está embutido na energia que a residência compra da rede. Quem é a
favor do projeto, que aguarda votação no Senado, diz que os demais consumidores (que não
têm energia solar) é que acabam arcando com a despesa. Também cita o exemplo de grandes
propriedades rurais, como as fazendas de produção de soja, que usam energia solar e teriam
condições de pagar essa taxa, e que parte do dinheiro arrecadado poderia subsidiar a instalação
de placas fotovoltaicas em residências de baixa renda. Já o governo federal sinalizou que
poderá vetar a taxa, se ela passar no Senado. Um impasse político típico do nosso país.
Tão típico quanto o sol abundante e os ventos fortes. A crise energética atual já começou,
mas é possível evitar a próxima. “O fundamental é ter diversidade, de modo que uma fonte de
energia complemente a outra, criando um efeito sinérgico no sistema”, diz Maurício
Tolmasquim, da UFRJ. Isso significa avançar em várias frentes usinas de energia solar,
autogeração, eólica onshore, offshore, baterias. Luz no fim do túnel, para o Brasil, é o que não
falta.

UMA REALIDADE ECONÔMICA


As energias eólica e solar já são as fontes mais baratas de eletricidade no Brasil.

PREÇO MÉDIO DO MEGAWATT/HORA


Energia eólica: R$ 113
Solar: R$ 115
Hidrelétrica: R$ 183
Usina termelétrica a carvão: R$ 348
Termelétrica a biomassa [queima de bagaço de cana e “licor negro” (resíduo da produção de
celulose)]: R$ 350
Termelétrica a gás natural: R$ 495
Termelétrica a diesel: R$ 600 a R$ 1.000
Importar energia do Uruguai ou da Argentina: Mais de R$ 1.100

Fontes: Engenho Consultoria, ONS Absolare Abeeólica. Alguns valores foram convertidos do
dólar pela cotação média de agosto/2021.

VENTOS FORTES
Energia eólica já é a segunda maior fonte de eletricidade no país, e deve ter forte crescimento
nos próximos anos.

FONTES DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL


Hidrelétrica 109.300 MW
Eólica 19.100 MW
Biomassa [queima de bagaço de cana e “licor negro” (resíduo da produção de celulose)] 15.300
MW
Gás natural 14.800 MW
Solar [usinas solares (não inclui autogeração. Com placas instaladas em residências)] 3.300 MW
Petróleo [usinas termelétricas alimentadas com diesel] 9.000 MW
Carvão 3.600 MW
Nuclear 2.00 MW
CAPACIDADE TOTAL 176.400 megawatts

ESTADOS QUE MAIS PRODUZEM ENERGIA EÓLICA

RN
Capacidade de geração: 5.574,8 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 2.444
Parques (usinas eólicas): 191

BA
Capacidade de geração: 5.268,8 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 2.261
Parques (usinas eólicas): 201

CE
Capacidade de geração: 2.385.1 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 1.115
Parques (usinas eólicas): 92
PI
Capacidade de geração: 2354,7 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 1.007
Parques (usinas eólicas): 81

RS
Capacidade de geração: 1.835,9 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 830
Parques (usinas eólicas): 80

PE
Capacidade de geração: 798,4 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 417
Parques (usinas eólicas): 34

MA
Capacidade de geração: 426 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 172
Parques (usinas eólicas): 15

SC
Capacidade de geração: 238,5 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 173
Parques (usinas eólicas): 14

PB
Capacidade de geração: 157,2 MW
Aerogeradores (turbinas eólicas): 121
Parques (usinas eólicas): 15

OS CAMINHOS DO SOL
Nordeste lidera produção de energia solar em usinas; Sudeste se destaca na autogeração, com
placas solares instaladas em fábricas e residências.

Capacidade das usinas solares em operação


Piauí 1.031 MW
Bahia 776,8 MW
Minas Gerais 603,1 MW
São Paulo 373,1 MW
Ceará 213 MW
Paraíba 135,4 MW
Rio Grande do Norte 120 MW
Pernambuco 102 MW

Capacidade das usinas solares em construção


Minas Gerais 662,5 MW
Bahia 572,1 MW
Ceará 413,4 MW
São Paulo 296,5 MW
Pernambuco 386 MW
Piauí 215,2 MW
Paraíba 135 MW

AUTOGERAÇÃO SOLAR POR ESTADO


RS 747,9 MW
SC 238,9 MW
PR 341,9 MW
SP 754,2 MW
RJ 256,4 MW
ES 108,9 MW
MG 1.074,5 MW
BA 202,2 MW
SE 36,3 MW
AL 48,8 MW
PE 174,5 MW
PB 109,1 MW
RN 118,5 MW
CE 206,3 MW
PI 130 MW
MA 123,3 MW
PA 144,1 MW
AP 8,8 MW
RR 3,7 MW
AM 31,7 MW
AC 11 MW
RO 60 MW
MT 450,7 MW
MS 172,2 MW
TO 77,7 MW
DF 73,2 MW
GO 319,2 MW
Fontes Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e Absolar (Associação Brasileira de Energia
Solar Fotovoltaica)

UM CENÁRIO MELHOR
Estudo da consultoria Bloomberg mostra que o Brasil pode dobrar sua produção de eletricidade
até 2050 — com o maior crescimento vindo de fontes solares e eólicas.

COMO É HOJE
Hidrelétrica 62%
Eólica 10,8%
Biomassa 8,7%
Gás natural 8,4%
Petróleo 5,1%
Carvão 2%
Solar 1,9%
Nuclear 1,1%
Geração total: 176.400 megawatts
Energia limpa 84,5%
Energia suja 15,5%

COMO PODE FICAR


Hidrelétrica 31,2%
Autogeração solar 23,2%
Gás natural 15,2%
Eólica 14,7%
Usinas solares 10,2%
Biomassa 4,5%
Carvão 0,5%
Nuclear 0,5%
Geração total: 362.000 megawatts
Energia limpa 84,3%
Energia suja 15,7%

Fonte New Energy Outlook 2020. BoombergNEF.

4#2 SOCIEDADE – FRAGILIDADE DAS DEMOCRACIAS


A maior parte dos brasileiros chegou à vida adulta num país e num mundo cada vez mais livres.
Após décadas de ascensão, porém, a democracia dá sinais de falta de ar. A forma mais justa e
sofisticada de governo seria delicada demais para durar?
Texto Bruno Vaiano
Edição Alexandre Versignassi

DEMOCRACIAS SÃO BOAS pelo mesmo motivo que são frágeis. Grupos de seres humanos
sempre discordaram de outros grupos. E faz milênios que a porrada tem se provado a maneira
mais popular de resolver essas divergências. Violência, na história da civilização, vem em
basicamente dois tipos. Um é a tirania, que é o excesso de controle dos cidadãos pelo governo.
O outro, o caos que se instala na situação oposta — a ausência de um governo.
Os imperadores da Antiguidade, na média, eram grandes entusiastas de escravidão,
xenofobia, haréns e códigos penais baseados em execuções, amputações e tortura. A
alternativa usual a essa pacificação ditatorial sob um Leviatã eram as rixas e retaliações entre
tribos (ou a guerra civil dentro dos próprios impérios já que dinastias não duram para sempre e o
poder não costuma trocar de mãos pacificamente).
A democracia segue o caminho do meio. O Estado (por definição) não mata nem oprime as
pessoas, e exerce controle suficiente para que elas não matem umas às outras. Os grupos de
seres humanos discordantes precisam compartilhar o poder e cedê-lo de bom grado à oposição
quando a maioria assim desejar.
“Um dos enigmas centrais da ciência política é explicar a persistência da democracia”,
escreve David Runciman — autor de Como a Democracia Chega ao Fim. “Trata-se
fundamentalmente de uma questão de confiança: as pessoas que têm algo a perder com o
resultado de uma eleição precisam acreditar que vale a pena perseverar até o pleito seguinte. Os
ricos precisam acreditar que os pobres não irão tomar seu dinheiro. Os militares precisam
acreditar que os civis não vão despojá-los de suas armas. Muitas vezes, essa confiança se
quebra. E então a democracia desmorona.
É um arranjo delicado. Mesmo assim, o fim do fascismo em Portugal, no ano de 1974,
marcou o início de uma onda de democratização sem precedentes pelo mundo. Grécia, Espanha,
Brasil, Argentina, Chile, Filipinas, Indonésia, Coreia do Sul, as ex-repúblicas soviéticas e outros
países da esfera de influência comunista no Leste Europeu se democratizaram dali até o início
dos anos 1990, numa corrente coroada pela queda do Muro de Berlim.
Nessa época, conforme os EUA assumiam de bom grado o posto de única superpotência do
planeta, o economista Francis Fukuyama argumentava que a humanidade havia chegado ao fim
da história. Em sua visão (que acabou virando alvo de alguma chacota entre acadêmicos), as
democracias do Ocidente, ricas e prósperas, se tornariam o padrão-ouro dos sistemas políticos.
Para ele, todos os países, mesmo os mais distantes culturalmente da Europa, acabariam
abraçando o sufrágio universal e o starter pack do ideário iluminista em algum momento.
Explicando: os filósofos iluministas delinearam uma tonelada de ideias que hoje são pilares
das constituições de países democráticos. Pense nas liberdades de expressão, de imprensa e
de associação — inclua aqui partidos políticos. No estado laico e na liberdade de religião. Em
garantias tão básicas quanto o direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei
etc. Na divisão entre Executivo, Legislativo e Judiciário, e na ideia de que esses três pilares das
repúblicas se fiscalizam mutuamente para coibir abusos de poder.
Essas ideias — combinadas com a realização periódica de eleições livres, assembleias
representativas em vez de voto direto e a alternância de partidos no poder — formam o que
muitos cientistas políticos chamam de democracia liberal. (O adjetivo “liberal”, aqui, não em o
sentido econômico, de livre-mercado, com que é empregado comumente no Brasil.)
Fukuyama errou, claro. Hoje, a onda democrática pós-Guerra Fria virou uma marolinha, e
recua cabisbaixa para o oceano. Mais ou menos a partir da crise econômica de 2008, um
conjunto de países com democracias antigas (como EUA, Reino Unido e França) ou jovens e
esperançosas (Hungria, Polônia, Brasil Filipinas) pouco a pouco testemunharam partidos e
políticos populistas profundamente avessos às regras do jogo ganharem projeção, cadeiras
numerosas no Congresso e, em casos mais graves, os cargos de presidente ou de
primeiro-ministro.
Dá para medir o impacto em números: todos os nos, a ONG americana Freedom House avalia
a situação dos processos eleitorais e das liberdades civis em todos os países do mundo, e já faz
15 anos (de 2005 a 2020) que a pontuação média da Terra nesses quesitos cai sem pausa.
Diante da ascensão de Bolsonaros e Trumps em dezenas de países, do Brexit, de uma crise de
confiança em partidos e políticos, das redes, sociais e sua enxurrada de fake news, fica a
pergunta: será que, após décadas de popularidade, a democracia agora dá sintomas de que é
frágil demais para durar? Essa é uma ideia alienígena para a maior parte dos brasileiros — que
chegaram à vida adulta num país e um mundo cada vez mais livres, e não menos. Mas a história,
claro, não parece a fim de acabar tão cedo.

Democracia sem direitos


O alemão Yascha Mounk, autor do livro O Povo Contra a Democracia começa a obra
explicando que nem toda democracia precisa ser liberal no sentido iluminista da coisa. E que o
oposto também é verdade: um país pode ter uma Constituição exemplar que garante direitos e
liberdades a sua população, mas ainda manter apolítica econômica e outras decisões críticas
longe do público, nas mãos de especialistas não eleitos de forma direta — os chamados
tecnocratas.
Como exemplo do primeiro caso, o próprio Mounk afirma que Bolsonaro não poderia se
encaixar melhor. Praticamente todas as suas falas e ações são um ataque calculado às
cláusulas pétreas da Constituição. Ele mistura poder e religião, ataca o Judiciário, defende
torturadores, coloca em descrédito o sistema eleitoral, humilha jornalistas e atropela a Anvisa ao
recomendar tratamentos pseudocientíficos. Por outro lado, ele faz isso com apoio enfático de
uma parcela da população — e só foi parar lá porque espelhava seus eleitores melhor que outros
candidatos. É um fenômeno democrático e representativo; só não é liberal.
É claro que, no longo prazo, essa linha direta ilusória dos populistas com o povo se prova uma
armadilha. Mounk explica que, de imediato, os eleitores ficam felizes com a corrosão do
Judiciário, da imprensa e das eleições porque não querem seu presidente de estimação sob
controle. Depois, quando a lua de mel acaba não existem mais Judiciário, imprensa e eleições
que possam tirá-lo de lá. Nos EUA, Trump é um exemplo populista que não conseguiu ser mais
forte que a democracia — ensaiou um golpe de Estado logo após perder a eleição e se viu
sozinho. Na Hungria, por outro lado, o primeiro-ministro Viktor Orbán já está há uma década no
poder, calou imprensa e ONGs, aparelhou o Judiciário e não tem data para sair.
Por que a promessa de linha direta dos populistas se tornou tão tentadora? A resposta é
complexa. E começa por um fato: embora os países do Ocidente abriguem os cidadãos mais
seguros, alimentados e felizes da história do mundo, essas pessoas governam pouco na prática.
O poder do povo acaba mediado por agências reguladoras, tecnocratas, Bancos Centrais,
acordos internacionais contra o aquecimento global e deputados de paletó sem vínculo com as
ruas.
A escola ensina que democracia nasceu em praça pública, com um voto por cabeça. A
eleição de representantes para a Câmara e o Senado seria um mal necessário, pois não há
cercadinho que comporte 200 milhões de brasileiros.
A verdade é que, no tempo do Iluminismo, congressistas existiam para manter o povo a uma
distância segura da elite e não para permitir que ele chegasse mais perto. As eleições eram
feitas “para cultivar e ampliar a visão popular, filtrando-a por meio de um corpo eleito de
cidadãos, cuja sabedoria está mais apta a discernir os reais interesses de seus pais”. As
palavras são de James Madison, um dos fundadores da democracia nos EUA, que serviu de
molde para tantas outras.
Isso mudou, mas nem anto, argumenta Mounk. É claro que, atualmente, qualquer democracia
funcional permite que representantes autênticos sejam eleitos para o Congresso — sejam
ativistas LGBTQIA +, sejam ex-soldados da PM. Mas ainda não é fácil navegar no mundo dos
partidos políticos e jogar conforme as regras em Brasília. A mensagem se perde ou se distorce
facilmente.
As redes sociais são o oposto: permitiram à democracia direta e à praça pública renascer
numa forma distorcida, desumanizada e mediada por algoritmos e bolhas de conteúdo. Agora,
as pessoas sabem exatamente o quanto sua relação com o poder é diluída. Convocar um
protesto via Whats é bem mais tentador do que votar uma vez a cada quatro anos e torcer pelo
melhor.
A pesquisa de opinião pública Gallup World Poll, entre 2007 e 2014, verificou queda na
confiança da população nos governos em 23 dos 40 países democráticos consultados. Entre
2001 e 2016, o número de cidadãos da União Europeia que declaravam não confiar nos
parlamentos de seus países subiu de 39% para 62%, com um pico de 69% em 2014. (Não sejam
necessários números para identificar o fenômeno: a mágoa não poderia ter ficado mais clara no
Brasil após a Lava-Jato, que teve por consequência os políticos que passaram a se vender como
outsiders, supostamente sem laços em Brasília, e venceram as eleições de 2018 em todas as
esferas de poder. Veja os dados do Brasil no gráfico)
Mounk cita a União Europeia como um exemplo de Leviatã burocrático, que tem dificuldade
em traduzir demandas populares em políticas públicas. Ainda que exista o Parlamento Europeu,
que equivale ao Legislativo da UE, um cidadão comum em um país europeu ainda tem poucas
formas de influenciar as decisões da Comissão Europeia (um gabinete de 27 membros não
eleitos que corresponde ao Executivo da UE) e passa longe do Banco Central, cuja
independência absoluta é um dos pilares do Euro. Isso explica em partes o Brexit, por exemplo:
os britânicos decidiram cortar laços com um parlamento que mal sabiam onde ficava.
Por outro lado, a condução desastrosa da pandemia no Brasil mostrou o que acontece
quando tecnocratas independentes como os da Anvisa são ignorados e as pessoas tomam
remédios perigosos ou negam vacinas por convicção política: elas morrem. Nas democracias
em crise, decisões e responsabilidades que o Estado deveria assumir passam para a esfera
individual.
“Há uma subordinação das políticas públicas à esfera privada”, explica o cientista político
Marcos Paulo Resende, pesquisador na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Por
exemplo, a política de combate às drogas. Quando você proíbe, você está enxergando o uso
como uma questão de moral privada, e não como um problema de saúde pública.”
Um exemplo é o combate à heroína na Suíça na década de 1980. De início, a população
majoritariamente conservadora se opôs à criação de clínicas que aplicariam a droga nos
dependentes gratuitamente (em vez de deixá-los nas ruas praticando crimes para comprar a
próxima dose). Depois, quando muitas dessas pessoas conseguiram reconstruir suas vidas,
mesmo os mais conservadores sentiram a melhora nas cidades e passaram a aprovar a ideia. A
democracia permite que os cidadãos cobrem do Estado a solução de um problema mas isso
não significa que esses cidadãos saibam como resolvê-lo.

De volta à aldeia
Além das redes sociais e da crise de representatividade Mounk aponta outras forças de longo
prazo por trás da crise democrática: a imigração e miscigenação em países que já foram mais
homogêneos do ponto de vista étnico (ou que nunca foram, mas não admitem isso) e a
estagnação da economia e dos padrões de vida - ilustrada pelo pessimismo endêmico dos
millennials em relação à prosperidade de seus pais baby boomers
É fácil observar isso no Edelman Trust Barometer, uma pesquisa internacional que determina
o grau de preocupação dos cidadãos com questões contemporâneas e sua confiança em
governos, jornalistas, ONGs líderes religiosos, empresários etc. Em 2017, por exemplo, 55%
disseram que a imigração prejudica a economia e a cultura locais; 62% concordaram que é
preciso proteger empregos da concorrência estrangeira; 56% afirmaram que os valores de suas
nações estavam desaparecendo, e 51% disseram que as inovações tecnológicas ocorrem muito
rápido e são prejudiciais.
Esses dados casam bem com a demografia da eleição de Trump, no final de 2016. Seus
eleitores estavam mais empregados que os de Hillary e tinham renda média anual de US$ 82 mil,
contra os US$ 77 mil dos democratas. Porém, eram pessoas em geral sem curso superior e
mais velhas, que hoje passariam por maus bocados atrás de um emprego, e ganharam a vida
como operários em indústrias hoje decadentes.
Elas vivem em cidades interioranas menores, com pouca infraestrutura, e sabem que os
jovens não vão pegar a mesma onda econômica benéfica que os boomers pegaram (é uma
geração que cresceu no momento mais próspero da humanidade vs. uma geração com a vida
pautada pela crise de 2008). O problema não é a renda no presente, mas o medo do futuro.
A reação é se fechar num casulo — e botar a culpa nos imigrantes, na globalização, na
concorrência desleal das fábricas chinesas e robôs: “Voltar à raça, como fronteira aparente do
direito ancestral da etnia majoritária”, escreve o sociólogo Manuel Castells no livro Ruptura.
“Voltar, também, à família patriarcal, como instituição primeira de proteção cotidiana diante de
um mundo em caos. Voltar a Deus como fundamento.”
É interessante notar, porém, que os lugares que mais votam em populistas são justamente
aqueles onde há menos imigrantes em números absolutos. A Hungria e a Polônia, exemplos
bem acabados da recessão democrática, são praticamente homogêneas do ponto de vista
étnico. O primeiro-ministro Orbán considera a Hungria uma fortaleza de integridade na Europa,
que escapo do que ele entende como degradação trazida por imigrantes da África e Oriente
Médio, enquanto França, Inglaterra e Alemanha deixaram suas nações se diluírem. Uma irônica
inversão dos anos 1990, em que o Leste Europeu era formado por países recém-libertados da
URSS, buscando aceitação pelo Ocidente.
Nos EUA, as cidades grandes votaram em Hillary — tanto os latinos de baixa renda quanto os
brancos que convivem diariamente com falantes de espanhol (e passaram a aceitá-los e
apoiá-los). Trump foi eleito por cidades onde o número absoluto de imigrantes ainda é
baixíssimo. É um sinal de que os votos se baseiam uma percepção anedótica da imigração. A
presença de uma única família mexicana na cidade é suficiente para achar que a América já não
é mais tão great assim.

BRASIL
75% dos brasileiros afirmam ser favoráveis à democracia, segundo o Datafolha, e é difícil
mesmo imaginar uma pessoa em sã consciência que deseje ser privada de liberdade. Mesmo
quem prefere a ditadura não gostaria de viver sob a ditadura da oposição.
Bolsonaro propõe um dilema às instituições quando realiza algo como os atos abertamente
golpistas do último 7 de setembro. Se os jornais noticiam os protestos, ajudam o presidente a
se pintar como um herói perseguido. Por outro lado, se ignoram os protestos contribuem para
normalizar um discurso antidemocrático que deveria ser escandalizante.
Nos dois casos, Bolsonaro se fortalece e a democracia perde. Tem solução? O cientista
político Miguel Lago compara essas provocações ao enigma da Esfinge: “decifra-me ou
devoro-te”. Por enquanto, a onda populista permanece enigmática, e a democracia virou presa.
Não tenhamos ilusões: a República Romana caiu após cinco séculos, a República de Veneza
durou mil anos e mesmo assim se foi. Nada na história é para sempre; democracias não são um
destino inevitável do trem da humanidade. Elas exigem esforço e manutenção.
Populistas chegam ao poder porque o povo quer mais voz, e não menos. Logo, eles são, e
sempre serão uma armadilha tentadora. A democracia é a única ferramenta capaz de
desarmá-la, já que exige alternância de poder e respeito a instituições criadas para salvaguardar
a racionalidade. Cabe a cada um de nós cuidar essa ferramenta. Porque de fato: se ela cai,
quebra.

NÃO NOS REPRESENTAM


A confiança nos partidos políticos brasileiros caiu nos últimos 20 anos.

2006
CONFIA MUITO: 2,1
CONFIA MAIS OU MENOS: 16,9
CONFIA POUCO: 43,9
NÃO CONFIA: 36,7
NÃO SABEM: 0,4

2014
CONFIA MUITO: 2,4
CONFIA MAIS OU MENOS: 11,7
CONFIA POUCO: 39,2
NÃO CONFIA: 46,4
NÃO SABEM: 0,4

2018
CONFIA MUITO: 1,1
CONFIA MAIS OU MENOS: 7,4
CONFIA POUCO: 11,5
NÃO CONFIA: 77,8
NÃO SABEM: 2,2

Fonte Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação, INTC

MEDO E DEMOCRACIA
Abaixo, a porcentagem de entrevistados em 28 países que se dizem preocupados com as
seguintes afirmações

CORRUPÇÃO – A corrupção está generalizada e compromete nossa segurança.


PREOCUPADO: 69%
MUITO PREOCUPADO: 40%

GLOBALIZAÇÃO
Empresas e influências estrangeiras são prejudiciais para nossa economia e cultura.
PREOCUPADO: 62%
MUITO PREOCUPADO: 27%

IMIGRAÇÃO
O fluxo de pessoas de outros países é ruim para nossa economia e cultura.
PREOCUPADO: 55%
MUITO PREOCUPADO: 28%

RITMO DA INOVAÇÃO
Inovações tecnológicas ocorrem rápido e geram mudanças ruins para pessoas como eu.
PREOCUPADO: 51%
MUITO PREOCUPADO: 22%

4#3 ESPAÇO – FORTUNAS ASTRONÔMICAS


Entre 2001 e 2009, o espaço recebeu um bilionário por ano — número que deve quintuplicar em
2021. Fomos ao lançamento da Inspiration 4 no Kennedy Space Center para entender o que é
real, o que é utopia e o que é marketing na corrida pelo turismo espacial privado.
Texto Maria Clara Rossini, de Cabo Canaveral
Edição Bruno Vaiano

PRIMEIRO, VEM A LUZ. Estamos acostumados a ver o céu clareando ao longo de algumas
horas, conforme o Sol nasce. Mas o lançamento de um foguete torna esse processo
instantâneo. Quase bíblico. O fogo faz a noite virar dia em meio a um silêncio absoluto.
Sim: silêncio. Depois de acompanhar tantos foguetes subirem no YouTube, é chocante
assistir presencialmente a um lançamento em Cabo Canaveral, na Flórida — e descobrir que ele
começa mudo. Por questões óbvias de segurança, a área reservada ao público fica a exatos 6,27
km do Falcon 9 da SpaceX, o primeiro veículo reutilizável capaz de pôr pessoas na órbita da
Terra. Dessa distância, o som dos motores chega após 18 segundos.
Com o ruído, vem o tremor. Ele balança a arquibancada, faz o peito vibrar e dá uma leve dor
de cabeça — que também é culpa da ansiedade de ver quatro humanos acelerando até 28 mil
km/h. São passageiros diferentes: turistas, sem associação com agências espaciais ou Forças
Armadas de qualquer país. O dia 15 de setembro de 2021 marca a primeira vez na história que
uma tripulação sem nenhum astronauta profissional entrou na órbita da Terra.
Nenhum deles precisou pilotar. Tudo foi controlado a distância. A medida que o foguete
subia, parecia se transformar em uma estrela cadente. Essa era a aparência quando o primeiro
estágio se separou, a 80 km de altitude. Ele é reaproveitável: voltou para a superfície e aterrissou
suavemente, na vertical, em uma plataforma no mar. O segundo estágio continuou até 200 km
de altitude. Depois de fazer sua parte, soltou-se e caiu na água mesmo — esse é descartável.
Restou apenas a cápsula cônica que abriga os turistas, chamada Crew Dragon.
Nesse momento, ela já tem velocidade para chegar e se estabilizar em sua órbita a 575 km de
altitude. Lá, passou três dias dando uma volta na Terra a cada 90 minutos, com seus ocupantes
fazendo lives e alguns experimentos. Depois, reentrou na atmosfera e pousou no Atlântico com
auxílio de um paraquedas, old style.
Embora o equipamento seja projetado e fabricado pela empresa de Elon Musk, quem pagou a
conta foi um outro bilionário: Jared Isaacman, fundador da empresa de pagamentos Shift4
Payments. Além dele, outros três convidados simbólicos estavam a bordo. Daí veio o nome da
missão: Inspiration 4.
Essa foi a terceira missão de turismo espacial em 2021. Richard Branson, fundador da Virgin
Galactic, e Jeff Bezos, fundador da Amazon e da Blue Origin, fizeram suas estreias dois meses
antes da Inspiration , mas com foguetes que não entram em órbita: “apenas” sobem a mais ou
menos 100 km de altitude (dez vezes mais que um avião). E tem mais até o fim do ano. A Blue
Origin planeja levar outros quatro turistas em outubro. Em dezembro, o bilionário Yusaku
Maezawa passará 12 dias na Estação Espacial Internacional (ISS), que orbita 400 km acima das
nossas cabeças. Entre 2001 e 2009, o espaço recebeu uma média humilde de um bilionário por
ano — número que deve quintuplicar em 2021.
O boom recente do turismo espacial, obra do setor privado, é o passo mais relevante já dado
no sentido de tornar viagens espaciais mais baratas, seguras e viáveis para não especialistas —
uma história que começou, aos trancos e barrancos, ainda nos anos 1980.

A pré-história
Os primeiros astronautas (ou cosmonautas, na Rússia, ou taikonautas, na China) eram
militares, geralmente pilotos de caça, que treinavam por décadas. Astronautas de profissão.
Civis, começando por um político e um figurão do complexo militar-industrial americano, só
subiram nos anos 1980, a bordo dos ônibus espaciais da Nasa — veja a linha do tempo na
página 42. Esses veículos parcialmente reaproveitáveis decolavam na vertical, acoplados a dois
foguetes, e aterrissavam como um avião — os foguetes ficavam pelo caminho.
Mas eles carregam um trauma. Em 1986, o ônibus espacial Challenger explodiu com sete
pessoas a bordo, 3 segundos após a decolagem. Um dos passageiros era a professora Christa
McAuliffe, que daria aulas para crianças diretamente da órbita da Terra.
O acidente freou o envio de civis ao espaço. Foi só na virada do milênio que começou o
turismo espacial de fato, na forma de uma diversão para bilionários. A Space Adventures envia
turistas ao espaço desde 2001. O primeiro foi Dennis Tito, que desembolsou US$ 20 milhões
para ser o primeiro curioso na ISS. A maior parte da grana vai para o governo russo, que opera
os lançamentos a partir de sua base, no Cazaquistão.
Tito e os demais clientes subiram na cápsula Soyuz, o grande trunfo da URSS que restou da
Guerra Fria. Esse modelo não sofre acidentes fatais desde 1967, e foi o único meio de
transportar astronautas até a ISS entre 2011 e 2020 — até a Nasa usava tecnologia russa para
mandar os americanos. Ao longo de dez anos, a Space Adventures transportou sete ricaços até
a órbita.

ESPAÇO, PERO NO MUCHO


O Centro Nacional de Pesquisa e Treinamento Aeroespacial (Nastar, na sigla em inglês)
oferece pacotes de treinamento para futuros viajantes espaciais. O curso inclui um simulador de
força G — que expõe o indivíduo à aceleração brutal do foguete. Um astronauta de verdade
passa por dois anos de treinamento; um turista, dois dias. Não há muito o que fazer além de
relaxar e aguentar as forças de lançamento”, disse Glenn King, diretor da Nastar, em entrevista à
agência de notícias France-Presse. Ele diz já ter treinado cerca de 400 pessoas com passagens
reservadas nos voos da Virgin Galactic. Da última vez em que abriram as vendas, um ticket
custava US$ 450 mil.
É bom lembrar que essas passagens, na verdade, não são exatamente para o espaço.
Branson atingiu 85km de altitude no rolê inaugural da Virgin. É o suficiente para comprovar com
os próprios olhos que a Terra é redonda, mas a Federação Internacional de Aeronáutica (FIA)
considera que o espaço começa a 100 km. Os EUA são um dos poucos países que reconhecem
80 km como fronteira. Onze dias depois, a Blue Origin deixou a concorrente para trás. Com
Bezos a bordo, a cápsula atingiu 107 km.
Essas convenções são artificiais, claro: a atmosfera se rarefaz aos poucos no vácuo; daria
para traçar a linha em qualquer altitude razoável. A questão é outra: nem Bezos, nem Branson
entraram em órbita. Ao contrário da Inspiration 4, que deu quase 50 voltas no planeta ao longo
dos três dias de missão, eles dois subiram e caíram. Branson passou uma hora embarcado;
Bezos, dez minutos.
Vale meio milhão de Bidens? Para muita gente, o chamariz (além da vista pela janelinha) é
sentir a ausência de peso ou imponderabilidade — popularmente chamada de “gravidade zero”,
ainda que este termo seja impreciso, pois a gravidade não vai realmente embora.
Uma distância de 80 km, 100 km ou 500 km não elimina a atração exercida pela Terra. “Se
você medisse seu peso no topo de uma torre de 400 km, só estaria 10% mais leve do que na
superfície”, diz Marcelo Zanetti, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). No caso dos
voos suborbitais, o segredo é que, após chegar ao ápice da trajetória, eles entram em queda
livre.
Os passageiros não sentem o próprio peso dentro da nave do mesmo jeito que você não
sentiria se pudesse pular de um prédio sem se machucar. Com uma diferença: ao cair do prédio,
seu corpo pressiona o ar que está embaixo, e esse vento lembra você da real situação. A
cápsula, por outro lado, é lacrada. Tudo lá dentro — inclusive o ar — está caindo na mesma
velocidade que os tripulantes. E coisas que estão na mesma velocidade ficam paradas uma em
relação à outra.
Você talvez esteja se perguntando: “Então, se um avião normal subir bem alto e depois cair,
todo mundo lá dentro vai flutuar?” A resposta é sim. De fato, é assim que astronautas
profissionais treinam, a bordo de aeronaves modificadas para aguentar o tranco de uma queda
livre momentânea. A empresa ZeroG oferece uma passagem para turistas flutuantes por US$ 7,
mil — mais pagável que um voo da Virgin Galactic.
Que fique claro: no voo orbital, também não há ausência de gravidade. Coisas em órbita,
como os passageiros da SpaceX, a ISS ou a Lua, estão em queda livre. Para entender o que
acontece, imagine que você jogou uma bolinha para frente. Ela vai percorrer alguns metros antes
de cair. Agora imagine que você jogou a bolinha com tanta força que ela sumiu atrás do
horizonte antes de bater no chão. Ela começou a dar uma volta na Terra. As coisas em órbita
são como uma bolinha que acaba nunca batendo no chão. Giram em torno do planeta porque
estão rápidas demais para cair, mas lentas demais para escapar da atração.
Subir num avião, além de mais barato, é mais seguro. “A pressão na câmara de combustão do
motor pode chegar a valores 200 vezes maiores que a atmosfera e temperaturas de 3.330°C [um
avião a jato alcança no máximo 1.700 °C]”, diz Artur Bertoldi, professor da Universidade de
Brasília (UnB). “Ainda entram variáveis como os sistemas de comunicação, navegação, suporte
à vida, proteção térmica para a reentrada e paraquedas.” Tudo isso é sujeito a falhas.
Seja como for, não falta gente interessada nas viagens. A menos que ocorra algum acidente
traumático, o turismo suborbital deve se tornar frequente num futuro próximo (a Virgin diz ter
600 reservas pagas e planeja fazer 400 viagens por ano). E mais importante: embora esses
lançamentos tenham ares de vaidade e luxo desnecessário, eles podem servir de trampolim
para objetivos mais nobres na exploração espacial.

Próxima parada: Marte


Tanto o SpaceShipTwo, da Virgin Galactic, quanto o New Shepard, da Blue Origin, são
reaproveitáveis. O New Shepard foi o primeiro foguete capaz de fazer um pouso controlado na
vertical, em 2015 (pouco antes do Falcon 9 de Musk). Depois, ele pode ser reutilizado em outra
missão suborbital. Independentemente de quem chegou primeiro, o feito de Bezos fica à sombra
do de Musk — simplesmente porque um foguete suborbital não é tão útil quanto um foguete
orbital.
O Falcon 9 mudou o jogo por conseguir enviar satélites e pessoas para órbitas baixas por
uma fração dos preços antigos. Com os ônibus espaciais, cada quilo carregado custava US$
54,5 mil à Nasa. O Falcon 9 faz isso por US$ 2,7 mil. O Falcon Heavy, capaz de transportar mais
carga, alcança a barganha de US$ 1,4 mil por quilo. Não é à toa que a Nasa agora contrata os
serviços da SpaceX.
Apesar do sucesso astronômico, esse não é o objetivo final da empresa. Fazer pousos
controlados de foguete é essencial caso a humanidade queira estabelecer uma colônia em
Marte. E essa é a ambição declarada de Elon Musk desde a fundação da SpaceX, em 2003.
O busão que fará a linha para o Planeta Vermelho é a espaçonave Starship. Ela começou a ser
testada em 2021, e o que há até agora são protótipos. Esse será o primeiro veículo totalmente
reutilizável — o equivalente cósmico de um Boeing (a Falcon 9 é “só” 80% reciclável, já que o
segundo estágio do foguete não pode ser salvo). A meta de Elon Musk é que, no futuro, cada
lançamento da Starship saia a US$ 2 milhões, contra uns bons bilhões daqueles do Programa
Apollo, o primeiro e último a usar foguetes de porte similar ao da Starship. Isso faria com que
cada assento custasse US$ 20 mil. Há passagens de primeira classe mais caras na aviação
terráquea.
Não faltam polêmicas em torno do turismo espacial e da colonização de Marte. Vale investir
milhões em passeios de dez minutos? E por que ocupar um mundo inóspito, se temos a Terra
para salvar antes? Nem os bilionários concordam entre si: Bill Gates se diz obcecado demais em
erradicar doenças como malária e o HIV para pensar em ir ao espaço. Musk, por outro lado,
concorda que 99% dos recursos terrestres devem ser gastos para resolver problemas do
planeta, “mas que talvez 1%, ou menos, poderia ser aplicado para estender a vida além da Terra”.
No que depender de seus sucessos até agora, talvez ele consiga mesmo: a SpaceX já não é
mais uma promessa megalomaníaca. Entregou o suficiente para levarmos a Starship a sério.

CLUBE SELETO
Menos de 600 pessoas já foram ao espaço. Conheça personalidades que conseguiram sem
escrever “astronauta” no Imposto de Renda.

1984 - CHARLES WALKER. Engenheiro, participou do projeto dos ônibus espaciais. Não era da
Nasa; trabalhava na McDonnell Douglas, uma indústria aeroespacial. Pegou carona em sua
criação.

1985 - JAKE GARN. Senador republicano, participava do subcomitê que aprovava o orçamento
da Nasa. Mas não era um civil completo. Fez carreira militar e foi piloto de aviões de guerra.

1990 - TOYOHIRO AKIVAMA. Repórter, foi o primeiro cidadão japonês a ir ao espaço. Ele viajou
no foguete Soyuz, da Rússia, e transmitiu a rotina da Estação Espacial Internacional (ISS) para o
canal TBS.

2001 - DENNIS TITO. Investidor, considerado o primeiro turista espacial de fato — já que, além de
não ser astronauta, bancou o rolê (US$20 milhões à Space Adventures para conhecer a ISS).

2007 e 2009 - CHARLES SIMONYI. Uma não bastou; o bilionário foi o primeiro turista a ir duas
vezes à ISS. A brincadeira saiu por US$ 60 milhões. Simonyi foi um dos primeiros
programadores da Microsoft.

2009 - GUY LALIBERTÉ. O fundador do Cirque du Soleil foi o último turista privado da Space
Adventures. US$35 milhões por 11 dias na ISS. É o único engolidor de fogo que já foi ao espaço.

JULHO DE 2021 - RICHARD BRANSON. Viajou com três funcionários da Virgin Galactic, sua
empresa de turismo espacial. Para a FIA, porém, não chegou ao espaço — 85 Km de altitude não
seriam e bastante.

JULHO DE 2021 - JEFF BEZOS. Inaugurou seu foguete levando o irmão e as pessoas mais velha
e mais jovem (18 anos e 82 anos) que já foram ao vácuo; 107 Km de altitude, o que a FIA já
considera espaço.

SETEMBRO DE 2021 - INSPIRATION 4. O bilionário Jared Isaacman bancou seu assento (valor
não divulgado) e mais três. Um foi sorteado entre pessoas que doaram ao hospital pediátrico St.
Jude, no Tennessee.

MANOBRA DAS GALÁXIAS


Os foguetes reutilizáveis baratearam as viagens espaciais e são parte essencial da exploração
do Sistema Solar no século 21. Entenda como funciona a Falcon 9.

1- O Falcon 9 deixa a plataforma de lançamento. O foguete é composto por dois estágios e


contém uma cápsula na ponta para levar carga — ou, no caso da Inspiration 4, os passageiros.
2- A 80 km de altitude, o primeiro estágio se separa do segundo. Apenas esse estágio (que é o
maior) pode ser reaproveitado.
3- O primeiro estágio libera jatos de gases frios para girar o foguete e posicioná-lo de volta na
vertical.
4- Já com a parte de baixo virada para o chão, o motor realiza duas queimas: uma para alinhar o
foguete na trajetória desejada; outra para desacelerar a reentrada na atmosfera terrestre.
5- O Falcon 9 estende três “pernas”, desacelera e pousa em um barco robô, que se desloca pelo
mar atrás do foguete. Ele foi batizado de “Apenas Leia as instruções” — e leram, porque deu
tudo certo.
6- O segundo estágio do foguete continua viajando ate atingir 200 km de altitude, quando se
desprende da cápsula. Ele não é reciclável, queima ao reentrar na atmosfera.
7- A cápsula Crew Dragon atingiu uma altura de 575 Km. A tripulação orbitou a Terra durante
três dias, a uma velocidade de 28.000 km/h.
8- A equipe aterrissou no Oceano Atlântico, com o auxílio de um paraquedas, no dia 18 de
setembro. A cápsula é resgatada por uma embarcação.

4#4 HISTÓRIA – A TERCEIRA BOMBA


Texto Bruno Garattoni

As bombas atômicas que arrasaram Hiroshima e Nagasaki fizeram o Japão se render. Mas os
EUA já tinham pronta mais uma, para jogar em Tóquio. Ela não chegou a ser usada e foi
mandada de volta para testes em laboratório — onde causaria dois acidentes fatais.

“ALGUMAS PESSOAS RIRAM, algumas pessoas choraram, a maioria ficou em silêncio. Eu me


lembrei de uma passagem das escrituras hindus, o Bhagavad Gita. Vishnu está tentando
convencer o Príncipe de que ele deveria assumir suas funções. Para impressioná-lo, assume sua
forma com vários braços e diz: ‘Agora eu me tornei a Morte, a destruidora de mundos’. Acho que
todos nós pensamos isso, de uma forma ou de outra.”
Foi com essas palavras, e semblante pesado e melancólico, que o físico J. Robert
Oppenheimer descreveu, 20 anos depois, o momento da explosão da primeira bomba atômica: o
teste Trinity, que aconteceu às 5ha9 da manhã de 16 de julho de 1945. Nele, a equipe liderada
por Oppenheimer acionou uma bomba contendo 6,2 kg de plutônio — material que eles haviam
aprendido a produzir irradiando urânio num acelerador de partículas. Dentro da bomba havia
uma série de explosivos convencionais, cuja detonação comprimiu a esfera de plutônio. Com
isso, ele entrou em estado “supercrítico”, iniciando uma reação em cadeia que liberou energia
equivalente a 22 kilotons (22 mil toneladas de dinamite) no deserto do Novo México. Tudo
correu como previsto — e, menos de um mês depois, no dia 6 de agosto, os americanos jogaram
a primeira bomba atômica sobre o Japão, em Hiroshima. Três dias mais tarde, veio a segunda,
em Nagasaki.
O resultado disso foi tão apavorante, com mortes numa escala tão gigantesca e de formas
tão novas e sinistras (dezenas de milhares de pessoas foram envenenadas pela radiação,
queimadas vivas pela onda de calor ou simplesmente vaporizados pela onda de choque), que o
Japão se rendeu uma semana mais tarde, no dia 15 de agosto. Mas por muito pouco a coisa não
foi além: na véspera, dia 14, o presidente americano Harry Truman informou o embaixador
britânico que os EUA iriam lançar uma terceira bomba atômica, sobre Tóquio.
Os militares se referiam a ela como “Rufus”. Era só um apelido, como o “Little Boy” da bomba
de Hiroshima e o “Fat Man” do artefato lançado em Nagasaki. A bomba Rufus era
essencialmente idêntica à Trinity e à Fat Man, com um núcleo de plutônio de 6 kg (a Little Boy
era diferente, pois usava urânio e por isso era um pouco menos potente, com apenas” 15
kilotons).
Com a rendição incondicional do Japão, a Rufus foi desmontada e seu núcleo de plutônio foi
mandado de volta para o Los Alamos National Laboratory o enorme complexo de pesquisas em
Washington DC que havia desenvolvido a bomba atômica. Ela estava voltando para casa. E,
assim que chegou, cientistas nucleares começaram a usá-la em testes. Eles queriam entender
melhor como o plutônio se torna “crítico” ou “supercrítico”. Os materiais radioativos, como o
urânio e o plutônio, emitem radiação eletromagnética (formada por ondas de energia pura, como
os raios gama) e também partículas altamente energizadas: alfa, beta e nêutrons.
Para iniciar uma reação nuclear, você precisa de duas coisas: uma determinada quantidade
de combustível nuclear (a chamada “massa crítica”) e alguma maneira de confinar os nêutrons.
Se você fizer isso, impedindo que essas partículas se dispersem, acontece uma coisa
interessante: os nêutrons quebram os átomos de plutônio (ou de urânio), e isso libera mais
nêutrons, que por sua vez quebram mais átomos, e por aí vai. É uma reação em cadeia,
autossustentável, na qual o combustível nuclear alcança o estado “crítico” — em que ele vai
quebrando os próprios átomos sozinho, sem precisar de ajuda externa.
Além de nêutrons, a reação também libera muito calor. É assim que os reatores nucleares
funcionam: eles usam esse calor para ferver água e movimentar uma turbina, gerando
eletricidade (quando um reator alcança o estado autossustentável pela primeira vez, diz-se que
ele alcançou a “criticalidade”).
Nas bombas atômicas, o princípio é o mesmo, mas o objetivo é diferente. Nelas, você quer
provocar o estado “supercrítico”, em que a reação nuclear não apenas se mantém: ela vai
aumentando de intensidade. A ideia é fazer isso de forma violenta, para causar uma liberação
súbita de energia: a explosão (ou “supercriticalidade imediata”). Na Little Boy, dois pedaços de
urânio eram arremessados um contra o outro, dentro da bomba - quando se chocavam, eles
alcançavam massa crítica e a reação começava. Já a Trinity, a Fat Man e a Rufus usavam o
princípio da implosão, em que a esfera de plutônio é comprimida por uma onda de choque (isso
aumenta a densidade dele, que entra em estado supercrítico).
No laboratório de Los Alamos, os cientistas decidiram usar o núcleo da bomba Rufus para
fazer um teste de criticalidade. Ele não envolvia nenhuma explosão: a ideia era só confinar os
nêutrons até que o plutônio entrasse em estado crítico (e, assim, determinar qual era o nível
mínimo de nêutrons para que ele fizesse isso). No dia 21 de agosto de 1945, menos de uma
semana após a rendição do Japão — e com a Segunda Guerra Mundial ainda acontecendo —,
Harry Daghlian, um físico americano recém-formado, de 24 anos, começou a experiência.
Ele cercou a bola de plutônio com uma pilha de blocos de tungstênio: um material que reflete
os nêutrons, fazendo com que se concentrem em torno da esfera. Daghlian foi empilhando mais
tijolinhos com cuidado e observando a reação. Quando ia colocar o último, os instrumentos do
laboratório emitiram um alerta, avisando que o nível de nêutrons estava ficando perigoso. Então
ele puxou a mão direita, afastando o tijolo. Só que o bloco escapou — e caiu sobre a esfera.
Quando isso aconteceu, o plutônio imediatamente entrou em estado “supercrítico”, liberando
calor e vários tipos de radiação.
Harry conseguiu tirar o tijolo de tungstênio, interrompendo a reação nuclear e evitando que
acontecesse algo pior. Mas recebeu 3,1 graus de radiação — o equivalente a tirar 4 mil
radiografias de raio X, ou fazer 400 exames de tomografia computadorizada, de uma só vez. Nos
dias seguintes, a mão dele foi ficando queimada e desfigurada. Mas o sofrimento não ficou
nisso. Doses altas de radiação, como a que Daghlian recebeu, conseguem arrancar os elétrons
dos átomos do corpo, que ficam ionizados (eletricamente instáveis) e podem se combinar de
maneiras anormais. Isso causa a deterioração imediata dos tecidos — a exposição a mais de 0,7
gray provoca danos em todos os órgãos vitais. O físico entrou em coma e morreu alguns dias
depois, em 15 de setembro.
Você deve estar pensando: mas como assim o sujeito mexeu com um pedaço de plutônio
desse jeito, sem barreiras de proteção contra radiação, e colocando os blocos de tungstênio
diretamente com a mão? Naquela época, em que a energia nuclear era novidade, o pessoal do
Los Alamos não levava os riscos muito a sério mesmo — eles faziam os testes de criticalidade
num galpão comum, sem qualquer isolamento.
Com a morte de Daghlian, a primeira causada num acidente nuclear, a diretoria do Los
Alamos até tomou uma medida de precaução: a partir dali, as experiências de criticalidade só
poderiam ser feitas na presença de dois cientistas. A ideia era que um fiscalizasse o outro, e
com isso evitar condutas perigosas durante os testes.
Não foi o suficiente para frear o físico canadense Louis Slotin, de 34 anos, um veterano do
Projeto Manhattan (que deu origem à bomba atômica). Slotin era conhecido por ser um expert —
foi ele o responsável por montar a bomba Trinity — e pelo estilo bad boy: lutava boxe, gostava de
usar botas de caubói e não era muito de seguir regras. Inclusive envolvendo testes nucleares.
Os cientistas do Los Alamos haviam construído duas peças de berílio, um metal que reflete
nêutrons, para colocar a esfera de plutônio dentro. Era mais preciso e seguro do que empilhar
tijolinhos de tungstênio sobre a mesa, como fizera Daghlian. Mas havia um detalhe crucial: o
recipiente (que parecia uma sopeira) precisava ficar entreaberto, para que parte dos nêutrons
conseguisse escapar. Isso era feito colocando calços entre as peças.
Só que Slotin preferia outro método: ele punha uma chave de fenda entre as duas metades.
Era uma tremenda irresponsabilidade, e todo mundo ali sabia disso. O italiano Enrico Fermi, que
também trabalhava no Los Alamos (ele criou o primeiro reator nuclear e ganhou o Prêmio Nobel
de Física em 1938) chegou a dizer que Slotin estaria morto em um ano” se continuasse
trabalhando daquele jeito. O físico Richard Feynmann, outro expoente do Projeto Manhattan,
comparava aquilo a “cutucar o rabo de um dragão”
Slotin já havia feito o teste daquele jeito algumas vezes. Até que, no dia 21 de maio de 1946,
na presença de outras sete pessoas (quatro físicos, um engenheiro, um fotógrafo e um
segurança), o dragão finalmente acordou. A bendita chave de fenda escorregou, caiu, e as duas
peças de berílio se fecharam sobre a esfera de plutônio — sem deixar nenhum espaço para que
os nêutrons escapassem.
Em frações de segundo, o plutônio entrou em estado supercrítico. E foi pior do que da outra
vez: como o recipiente de berílio prendia melhor os nêutrons, a reação de fissão nuclear acelerou
de forma ainda mais violenta. Ela liberou calor e uma onda de radiação tão forte que chegou a
ionizar (arrancar os elétrons) das moléculas de ar, provocando um flash de luz azul. Slotin reagiu
rápido e conseguiu reabrir a cúpula de berílio, interrompendo o estado supercrítico. Mas recebeu
incríveis 11 grays de radiação — o equivalente a fazer 1.400 exames de tomografia
computadorizada ou tirar 14 mil chapas de raio X.
Ele imediatamente começou a passar mal e foi internado num hospital. Nos dias seguintes,
começaram a aparecer queimaduras internas em seu corpo — que os médicos compararam a
“queimaduras de sol tridimensionais”. Eram lesões provocadas pela radiação. No sétimo dia,
com o quadro se agravando, Slotin começou a ter confusão mental e dificuldade respiratória,
que evoluiu para coma. Morreu dois dias depois.
O corpo dele acabou absorvendo a maior parte da radiação, evitando que as outras
testemunhas da experiência recebessem doses igualmente altas. O mais exposto foi o físico
Alvin Graves, de 34 anos, que absorveu 1,9 gray. Ele viveu mais 19 anos até morrer de infarto,
agravado por um hipotireoidismo severo (a glândula tireoide é um dos pontos do corpo mais
afetados pela radiação). O físico Marion Cieslicki, que tinha 23 anos na época do acidente,
recebeu 0,15 gray — e morreu de leucemia aos 42 anos de idade.
Dwight Young, o fotógrafo de 54 anos, foi exposto a 0,62 gray; mas viveu até os 83 anos,
quando morreu de infecção e anemia grave. Três dos presentes (os físicos Samuel Kline e
Raemer Schreiber, e o engenheiro Theo Perlman) absorveram doses relativamente baixas e
levaram vidas normais. O segurança, o soldado Patrick Joseph Cleary de 21 anos, recebeu 0,41
gray. Mas não teve tempo de desenvolver problemas de saúde relacionados à radiação: morreu
quatro anos depois, na Guerra da Coreia.
A esfera de plutônio, que então foi apelidada de demon core (núcleo do demônio), também
encontrou seu fim. Ela foi derretida, e seu material reprocessado para uso em outras bombas
atômicas — que foram detonadas em testes nucleares nos anos seguintes.
Os acidentes de criticalidade continuaram, mas não só em laboratório: com a energia nuclear
se tornando cada vez mais presente, eles passaram a ocorrer também em usinas, submarinos e
centros de reciclagem de material radioativo. Ao todo, houve 60 incidentes do tipo, com 21
mortes (a lista não inclui os casos de Chernobyl e Fukushima, que tiveram outras causas). O
último de todos aconteceu em Tokai, uma cidade japonesa de 37 mil habitantes onde
funcionavam uma usina nuclear e um centro de reciclagem de urânio. No dia 30 de setembro de
1999, os técnicos misturaram óxido de urânio com ácido nítrico, para transformá-lo em nitrato
de urânio — que seria processado e reutilizado em outras usinas nucleares. Eles estavam com
pressa e despejaram óxido demais, rápido demais, até que o urânio entrou em estado crítico.
667 pessoas, entre funcionários, paramédicos e moradores da região, foram expostas â
radiação. Os técnicos Hisahi Ouchi, de 3 anos, e Masato Shinohara, de 40, receberam as maiores
doses — e morreram alguns meses depois.

UM BLOQUINHO A MAIS
Daghlian percebeu o perigo que estava correndo. Mas não teve coordenação motora suficiente
para evitar o pior.
1. O PLUTÔNIO - Era uma esfera de 6,2 kg, que havia sido fabricada para servir como a terceira
bomba atômica dos EUA - mas, agora, estava sendo usada numa experiência de laboratório.
Radioativa, ela liberava partículas subatômicas chamadas nêutrons.
2. OS NUTRONS - Quando um nêutron acerta outro átomo de plutônio, esse átomo se quebra em
dois: é a fissão nuclear. Ela libera calor e mais nêutrons, que quebram outros átomos. Ou seja, a
reação se torna autossustentável, alcançando o chamado “estado crítico”.
3. A EXPERIÊNCIA - Para que a reação aconteça, os nêutrons precisam ser confinados. Daghlian
fez isso colocando tijolinhos de tungstênio, um material que reflete nêutrons, em volta da esfera.
O objetivo era determinar o ponto exato em que o plutônio se tornaria “crítico”.
4. O ALERTA - Conforme ia colocando os blocos, o físico monitorava o nível de nêutrons em
torno do plutônio. Quando ele ia colocar o último, completando a pilha, o equipamento de
medição indicou um nível perigoso de nêutrons. Daghlian recuou, puxando a mão direita para
trás.
5. O ACIDENTE - Mas o tijolinho escapou e caiu sobre a esfera, com isso, formou-se um excesso
de nêutrons em volta do plutônio, que entrou em estado “supercrítico”, com fissão acelerada e
forte liberação de radioatividade. Daghlian foi irradiado e morreu um mês depois.

TRAÍDO PELA CHAVE DE FENDA


Oito meses mais tarde, em março de 1946, a esfera de plutônio foi usada em outra experiência
— que também não acabou bem.
1. O TESTE - Em vez de usar tijolos de tungstênio, os cientistas construíram uma peça de berílio
(metal que reflete nêutrons) para acondicionar a esfera. Era mais seguro e preciso. O objetivo da
experiência, como antes, era determinar o ponto “crítico” do plutônio.
2. A PRECAUÇÃO - A peça de berílio deveria ficar sempre entreaberta, para que os nêutrons
tivessem como escapar, evitando a super-concentração deles. Para isso, os cientistas usavam
dois calços — que haviam sido especialmente projetados para aquela experiência.
3. O PROBLEMA - O físico Louis Slotin, de 34 anos, que estava comandando o teste, era
conhecido por ser irresponsável: ele costumava dispensar os calços e usar uma chave de fenda
para evitar que as duas metades se tocassem. Mas, naquele dia, a chave escapou — e a peça se
fechou.
4. O RESULTADO - Com isso, a concentração de nêutrons excedeu o nível seguro e a fissão
nuclear se tornou “supercrítica”, ou seja, aumentou de forma descontrolada. Houve forte
Liberação de radiação, chegando a ionizar (arrancar elétrons) do ar — que brilhou na cor azul.
5. AS CONSEQUÊNCIAS – Esse estado durou apenas 0,5 segundo: Slotin conseguiu reabrir a
peça. Mas ele recebeu muita radiação, e morreu nove dias depois. Quatro das sete outras
pessoas presentes também foram irradiadas, o que lhes causou problemas de saúde ao longo
da vida.

4#5 PSICOLOGIA – A REAL SOBRE O TESTE MYERS-BRIGGS


INTP, ESTJ, ESFP... O teste de personalidade que classifica pessoas em categorias demarcadas
por quatro letrinhas é tratado como algo sacrossanto por departamentos de recursos humanos
e parte dos psicólogos. Mas, afinal: ele funciona mesmo?
Texto Rafael Battaglia
Edição Alexandre Versignassi

CARL GUSTAV JUNG e Sigmund Freud eram grandes amigos no começo do


século 20. Os pesos-pesados da psicologia moderna se conheceram pessoalmente em 1907,
em Viena. O austríaco Freud, 19 anos mais velho, encantou-se com a genialidade do suíço Jung,
que. aos 32, trabalhava como psiquiatra e professor universitário.
Eles continuaram a se encontrar e a trocar centenas de cartas. Pelo trabalho de Jung, Freud o
considerava seu sucessor na recém-criada psicanálise: ele seria o jedi; Jung, o padawan.
Mas não foi bem assim. Jung não concordava que as motivações da mente partiam da
sexualidade, enquanto Freud (ateu convicto) se opôs completamente ao misticismo que há na
psicologia de Jung. Essas divergências teóricas levaram, em 1912, a um rompimento digno de
música sertaneja. O suíço passou os três anos seguintes na sofrência: recluso, sem ler, escrever
ou dar aulas.
Nesse período dark, Jung refletiu sobre a sua relação com Freud. E chegou a uma conclusão:
as divergências rolaram porque os dois tinham personalidades diferentes. Concluiu que Freud
era um extrovertido — alguém que se sente à vontade em uma multidão, e que prefere
compartilhar com outras pessoas os seus problemas para resolvê-los; e que ele, Jung, seria
introvertido — alguém que opta pelo mundo interior, que usa a solidão como combustível para
recarregar as energias.
A relação extroversão versus introversão foi a base para o livro Tipos Psicológicos (1921). Ali,
Jung destrincha essa e outras duas supostas duplinhas de tipos funcionais da nossa
personalidade: sensação x intuição (relacionadas à maneira como percebemos e buscamos
informações); sentimento x pensamento (a base para as tomadas de decisão).
Do outro lado do Atlântico, a americana Katharine Briggs se encantou pelo livro de Jung e
passou anos estudando formas de aperfeiçoar a teoria do suíço, e de torná-la mais acessível.
Mesmo sem formação em psicologia, ela criou (com a ajuda da filha, Isabel Briggs Myers) um
questionário de personalidade para ajudar as pessoas no trabalho e na vida de modo geral.
Nascia ali o Myers-Briggs Type Indicator (MBTI). Registrado em 1943, ele fornece 16 tipos de
personalidade. Cada uma mistura quatro letrinhas, com base em quatro eixos: introversão (I) e
extroversão (E), sensação (S) e intuição (N), pensamento (T) e sentimento (F), julgamento (J) e
percepção (P). Este último par foi uma adição de Myers e Briggs à teoria junguiana e tem a ver
com o modo que levamos a vida (se é num estilo mais regrado ou mais espontâneo,
respectivamente).
No fim, você ganha um conjunto de quatro letras que supostamente descreve sua
personalidade. Você pode terminar “diagnosticado” como ESFJ (extrovertido, sensorial,
sentimental, regrado), INTP (introvertido, intuitivo, racional, espontâneo) ou qualquer outra das
16 combinações possíveis.
No final da Segunda Guerra, a família Briggs conseguiu que o MBTI fosse aplicado em
agentes do Escritório de Serviços Estratégicos dos EUA, que antecedeu a CIA. Em 1975, Mary
McCaulley, professora de psicologia da Universidade da Flórida, juntou-se a Isabel (Katharine
morreu em 1968) e ajudou a popularizar o teste em empresas e instituições.
Hoje, existem mais de 2 mil testes de personalidade — uma indústria que pode valer US$500
milhões (há quem estime US$ 2 bilhões). Motivo não falta. “Os seres humanos gostam de obter
informações sobre si mesmos”, diz Gabriel Gaudencio Rego, membro do Laboratório de
Neurociência Cognitiva e Social do Mackenzie. “Quando um teste nos coloca um rótulo de algum
jeito, sentimos que nos conhecemos um pouco melhor.”
O MBTI segue como um dos testes mais populares: traduzido para 29 idiomas, cerca de 2
milhões de pessoas realizam, todos os anos, a versão oficial do questionário — é preciso pagar
por isso. Ele é usado, sobretudo, por departamentos de recursos humanos, inclusive em 88% das
empresas do S&P 500, o clube das companhias mais valiosas dos EUA.
Tudo isso sem que dê para saber ao certo se funciona mesmo. Mas, calma, já discutiremos
isso. Primeiro, vamos entender como ele funciona.

O provão
Desde a sua primeira versão, o MBTI já passou por várias atualizações, nomeadas por letras.
A mais usada hoje é a M, que tem 93 questões. Mas há outras mais extensas (como a Q, com
144 perguntas). Quanto mais longo o questionário, mais detalhado será o resultado final.
Há dois tipos de questões no MBTI — sempre com apenas duas alternativas de resposta. O
primeiro tipo pergunta como você normalmente agiria ou se sentiria em determinada situação
(uma festa com muita gente, um prazo apertado no trabalho, um fim de semana todo planejado).
Já o segundo é mais direto: entre duas palavras (“abstrato” ou “concreto”, “fazer” ou “criar”),
você deve escolher apenas uma.
Devo confessar que é um tanto cansativo completar o teste (fiz o de 144 questões). Certas
perguntas soam parecidas, e várias palavras se repetem. E às vezes fica difícil se ater às
alternativas que o teste dá. Na questão “O que te dá mais energia? Ficar sozinho ou em grupo?”,
parece faltar a terceira via: um sonoro “depende”.
Mas há uma razão para essa estrutura polarizada. “Em testes do tipo, nós temos o impulso de
tentar controlar o resultado, então algumas questões são placebo — estão ali só para confundir”,
explica a psicóloga Tania Casado, diretora do Escritório de Desenvolvimento de Carreiras da
USP (ECar). Nos anos 1980, ela foi uma das primeiras a estudar o Myers-Briggs no Brasil. “A
versão F do MBTI, por exemplo, tem 166 perguntas, mas só 90 são levadas em conta.”
Ao final do teste, eu recebo o meu resultado (deu ESFJ), além de uma extensa explicação
sobre os quatro elementos (e seus opostos). O MBTI é cuidadoso: ele diz que essas não são
características definitivas, mas sim as que, provavelmente, aparecem com mais frequência na
sua vida.
Há outros cuidados, como reforçar o tempo todo que não há personalidades “certas” e
“erradas” — todos os elementos seriam igualmente valiosos. Durante a explicação, o MBTI se
preocupa também em esclarecer algumas concepções equivocadas, como dizer que pessoas
espontâneas não podem ser organizadas, ou que introvertidos não conseguem assumir cargos
de liderança.
Toda essa experiência tem um preço: US$ 50 — mais de R$ 270. Salgado. Não à toa, a versão
mais famosa do MBTI, na verdade, não é o MBTI, mas sim o 16Personalities, um teste rápido,
disponível na internet — e gratuito.
O 16Personalities tem 60 questões e leva poucos minutos para ser feito. Ao contrário do
MBTI, as respostas para perguntas de situação estão em uma escala (de “concordo totalmente”
a discordo totalmente”). E, sim, dá para ficar no meio do muro - um alívio para os indecisos.
Depois da experiência com o MBTI oficial, você percebe que o 16Personalities talvez seja
menos completo — e preciso. Mas é divertido: cada personalidade possui a sua respectiva cor e
personagem (ENFJs são “Protagonistas”, ISFJs são “Defensores”, ENTPs são “Inovadores”).
Junto ao relatório final, o teste mostra celebridades e figuras históricas que, de acordo com os
organizadores do teste, carregariam uma sigla igual à sua. Puro chute, claro. Meu teste deu que
estou no mesmo clube da Beyoncé, da Rainha Elizabeth e do Vin Diesel.
Em suma, não passa de diversão. Para evitar processos, o 16Personalities não menciona em
nenhum momento o MBTI nem a família Briggs.
Quem quiser aplicar o MBTI para valer não pode colocar o teste na internet, já que é preciso
pagar direitos autorais à família Briggs. No Brasil, o único autorizado a traduzir e vender o teste
é a consultoria Fellipelli, que começou a aplicá-lo por aqui em 1996.
“Foi feita toda uma validação, sobretudo com a tradução, para ver se o conteúdo estava de
acordo com a realidade sociocultural brasileira”, conta a psicóloga Adriana Felipelli. É como um
trabalho de dublagem: às vezes, é mais negócio mudar a piada (em vez de traduzi-la ao pé da
letra) para preservar o sentido original. A Fellipelli também capacita consultores, que podem
aplicar e explicar os resultados do MBTI em empresas, escolas e consultórios. Não é preciso ser
psicólogo para obter essa certificação.
Testando os testes
Um hemograma não tem erro. A agulha entra, o sangue sai e, em poucos dias, você descobre
e se o seu colesterol está alto ou baixo. Avaliações psicológicas, contudo, são mais
complicadas. Afinal, como medir precisamente conceitos abstratos como felicidade, criatividade
— ou nesse caso, personalidade?
O campo que se encarrega disso é a psicometria, que usa a estatística para tentar
compreender o nosso funcionamento psicológico. E pode acreditar: construir um teste leva
bastante tempo.
Primeiro, deve-se partir de alguma teoria relativamente consagrada; no caso do MBTI, a
junguiana. Depois, é preciso aplicá-lo em diversas pessoas, para criar uma base de dados
consistente. Isso será vital para a fase de validação, que acontece em duas etapas. A primeira é
a de conteúdo: avaliar se o teste mede, de fato, o que ele se propõe a medir; por exemplo: se um
paciente que diversos - profissionais descrevem como “extrovertido” obtém de forma
consistente “introvertido” como resultado do teste, talvez seja preciso recalibrá-lo.
A segunda parte analisa se é possível fazer alguma inferência ao resultado do teste — no
caso do MBTI, contextualizar as quatro letrinhas que você recebeu. “Essa é uma etapa
importante. Imagine receber uma pontuação em um questionário que mede ansiedade, mas não
saber se você está acima ou abaixo da média”, esclarece Josemberg Andrade, membro da
Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica (CCAP), grupo criado em 2003 pelo Conselho
Federal de Psicologia (CFP).
O CCAP é o órgão responsável por aprovar testes do tipo no Brasil. Uma equipe de
especialistas, escolhida por edital público, analisa se eles atendem aos critérios científicos
mínimos de precisão. A aprovação vale por 20 anos.
Tudo fica registrado no site do Satepsi (Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos), que
mantém duas listas: testes favoráveis e não favoráveis para o uso de psicólogos. Em 2008, ele
foi reprovado por falta de dados estatísticos suficientes. Em 2013, a Fellipelli realizou uma nova
submissão — e o teste foi aprovado.
Mas e aí? O MBTI funciona mesmo?

Pontos fracos
Faz décadas que se questiona a eficácia do MBTI. Entre os anos 1970 e 1980, estudos
analisaram voluntários que se submeteram ao teste. Cinco semanas depois, eles refizeram o
questionário — o resultado foi diferente em 50% dos casos (em seu site oficial, o MBTI
argumenta que essas pesquisas dizem respeito a uma versão antiga do teste, que não é mais
usada). Por essas, a Associação Americana de Psicologia destaca que o MBTI tem pouca
credibilidade entre psicólogos e pesquisadores.
Eu mesmo fiz dois testes MBTI, a versão em português e a em inglês. E obtive duas
personalidades diferentes (ENFJ e ESFJ). Normal. Como dissemos aqui, há diferenças entre os
dois, e o em português seria mais adequado para quem vive no Brasil. Mas a coisa complica
quando leio a descrição dos dois tipos e, bingo, me identifico (em algum nível) com ambos. Isso
também aconteceu com o meu resultado no 16Personalities (ISFJ).
Uma possível explicação para isso está no Efeito Forer, que acontece quando nos
identificamos com descrições vagas e gerais, que poderiam ser aplicadas a qualquer pessoa —
o segredo do sucesso do horóscopo.
Isso não quer dizer que o MBTI seja pseudociência. Significa que a psicologia não é uma
ciência exata. “Nenhum instrumento psicológico é capaz de descrever o todo de uma pessoa”,
ressalta Andrés Antúnez, professor do departamento de psicologia clínica da USP. “Cada teste
se baseia em uma das diversas teorias da psicologia — e nenhuma delas é dona da verdade.”

Conhece-te a ti mesmo
Em 2017, a Universidade de Oklahoma revisou uma série de estudos sobre o MBTI (a maioria
conduzida em estudantes de idade universitária) e concluiu que os resultados referentes às
duplas introversão/extroversão, sensação/intuição e pensamento/sentimento apresentaram
75% de confiabilidade (considerado satisfatório). Já o eixo julgamento/percepção, justamente o
criado pela família Briggs, alcançou só 61%.
Décadas de discussão sobre a sua eficácia tornaram o MBTI cauteloso. Hoje, o teste é
apresentado, sobretudo, como uma ferramenta de desenvolvimento pessoal — a Myers-Briggs
Company, empresa que administra o teste, desaconselha que ele seja usado como um funil para
selecionar, contratar (e demitir) funcionários.
Ao descrever os tipos psicológicos, Carl Jung defendeu que a plenitude da vida não se
resumia a simples dicotomias, mas sim em balancear os traços. Extrovertidos podem tirar
proveito de momentos de introversão e vice-versa. Para Jung, é indispensável aprender a
dominar a sombra — o lado reprimido da nossa personalidade.
Ou seja: o MBTI, aplicado sob orientação de um bom profissional, pode ser um bom ponto de
partida para o autoconhecimento. Só não pode ser a linha de chegada.

AS LETRAS DO TESTE
Os nomes enganam. Entenda melhor o que cada uma quer dizer.

EXTROVERSÃO (E)
Quem fica à vontade em uma multidão (e que tira a sua energia do contato com as pessoas).
Prefere compartilhar um problema para resolvê-lo.

INTROVERSÃO (I)
Não confunda com timidez ou reclusão. Refere-se a quem recarrega melhor as energias quando
está sozinha ou com poucas pessoas.

INTUIÇÃO (N)
Está relacionado com atribuir sentidos e interpretações mais profundas aos fatos. Intuitivos são
mais fascinados por novidades.

SENSAÇÃO (S)
Tem a ver com o modo como processamos informações. Aqui, é a preferência pelos fatos e pelo
pragmatismo — a prática ante a teoria.

PENSAMENTO (T)
É o uso da lógica e da impessoalidade na hora de tomar decisões. O "T" vem do inglês, thinking.
Não é sinônimo de "inteligência".

SENTIMENTO
O "F" vem de feeling, mas não diz respeito a ser emotivo. Tem a ver com considerar as pessoas
(e pontos de vista) ao resolver problemas.

PERCEPÇÃO (P)
Quem opta por um estilo de vida mais flexível e espontâneo. Deixa "a vida o levar", como diria
Zeca Pagodinho.

JULGAMENTO
Não tem a ver com julgar pessoas. Descreve, na verdade, a preferência por um modo de vida
mais regrado e planejado

SOPA DE LETRINHAS

INTJ - Criativos, são experts em reconhecer padrões. Têm elevados critérios de qualidade (para
os outros e consigo mesmo).
INTP - Pessoas céticas e, por vezes, críticas. Conseguem se concentrar mais do que o normal
para resolver problemas.
INFP - Idealistas e curiosos. São flexíveis a novas ideias e gostam de ajudar as pessoas a
alcançar os seus objetivos.
ENFJ – Sociáveis e empáticos, cuidam das emoções e motivações do grupo. Agem como
catalisadores da equipe.
ESTJ - Pessoas práticas que se organizam a partir de uma rotina. São rápidos na hora de
implementar os seus planos.
ESFJ - Prezam por cooperação e harmonia no trabalho. Estão sempre de olho na necessidade
dos outros.
ISFP - Amigáveis e sensíveis. Gostam de ter o próprio espaço e trabalhar no seu tempo.
Detestam desentendimentos.
ESTP – São espontâneos, pragmáticos e tolerantes. Gostam que os problemas sejam resolvidos
na hora.
ENTJ - Gostam de definir metas a longo prazo e, geralmente, assumem a liderança. São firmes
na hora de expressar suas ideias.
ENTP – Rápidos, engenhosos e francos são ótimos em ler pessoas. Entediam-se facilmente
com uma rotina.
INFJ - Têm facilidade em expressar suas ideias e visões de forma clara. É o tipo mais raro
(apenas 1,5% da população).
ENFP - São pessoas entusiasmadas e imaginativas. Têm boa fluência verbal e são feras em
improvisar.
ISTJ - São pessoas calmas, sérias e organizadas. No trabalho, não se distraem facilmente.
Valorizam tradições e lealdade.
ISFJ - Amigáveis e responsáveis. Lembram-se de pequenos detalhes das pessoas, e se
esforçam para criar um ambiente de trabalho harmonioso.
ISTP - Baseiam-se puramente na lógica para resolver problemas. São quietos, observadores e
falam apenas quando necessário.
ESFP - Amigáveis e receptivos, adaptam-se facilmente, a novos locais ou pessoas - por isso
gostam de trabalharem equipe.

5# ORÁCULO outubro 2021

5#1 PERGUNTAS E RESPOSTAS


5#2 PENSANDO BEM... — DEVEMOS TAXAR HERANÇAS?
5#3 MANUAL – COMO MONTAR UM COMPUTADOR DO ZERO?
5#1 PERGUNTAS E RESPOSTAS
EDIÇÃO BRUNO VAIANO

Dá mesmo para abrir fechaduras com um grampo de cabelo? - @martin_jeffe, via Instagram
DÁ. Vale também clipe de papel, agulha ou qualquer outro objeto fino o suficiente para entrar no
buraco. No interior de uma fechadura ou cadeado, há uma sequência de pinos. Esses pinos têm
alturas diferentes, e a parte serrilhada da chave serve para alinhá-los. Os pinos menores se
encaixam nos dentinhos mais altos para subir. Os pinos maiores se encaixam nos dentinhos
mais baixos e acabam descendo. Quando essas peças formam uma linha reta, abre-te sésamo.
Mãos de larápio talentosas alinham os pinos na marra usando a ferramenta improvisada de
preferência. Demétrius Rafael — um analista de segurança digital que também é instrutor de
lockpicking (o nome da prática) — explicou a este Oráculo que fechaduras tetra são
particularmente desafiadoras, e que existem cadeados transparentes para quem quer se
aperfeiçoar no hobby. Ficou interessado? A Super só pede uma coisa: que os talentos de
MacGyver dos leitores permaneçam só no campo do passatempo.

20 SEGUNDOS. É o tempo que o alemão Arthur Bühl, Pelé dos lockpickers, demorou para abrir
um cadeado Lips 8362C, considerado extremam difícil pelos hobbistas.

Coma sabemos a cor dos dinos? - Maria Clara Rossin repórter da Super
UMA FORMA É ANALISAR as células que costumavam formar a pele ou penas do animal, nas
raras ocasiões em que essas partes moles são preservadas no fóssil (normalmente, só os
ossos contam a história). Como tais células têm equivalentes nas aves e répteis
contemporâneos, a semelhança permite inferir a cor com razoável precisão. Às vezes, um trecho
de pele fossilizada indica até se o animal era liso ou manchado — ou se era mais claro ou mais
escuro. Na ausência de fósseis, há muitos métodos indiretos. Pode-se procurar animais
contemporâneos que tenham porte, hábitos ou habitat parecidos com os do dinossauro que
está sendo estudado, e ver que cores eles têm. A dieta também é capaz de influenciar a cor, em
alguns casos. Outra boa pista são as relações filogenéticas entre as espécies pré-históricas e as
contemporâneas. Quanto mais aparentadas, maior é a chance de que elas usem os mesmos
métodos de pigmentação.

PÁ PUM

Quantos litros existem em 1 barril de petróleo? - Joscelino Codignole. Campinas. SP


158,98 litros, o que dá 42 galões no sistema imperial.

NÚMERO INCRÍVEL
1.000 KG. É a massa aproximada de tudo que você ingere em um ano. 3 kg por dia entre sólidos
e líquidos.

OUTRO DADO RELEVANTE SEM NENHUMA LIGAÇÃO


1.000%
FOI QUANTO Bolsonaro queria pagar a mais por dose da indiana Covaxin (US$ 15 vs. preço
anunciado de US$1,34).

Por que nosso estômago ronca quando estamos com fome? - @danielvianna_ via Instagram
MUITO PRAZER, este é o seu complexo mioelétrico migratório (CMM). Quando você está em
jejum, os músculos do seu sistema digestório passam por ciclos breves de contração em
intervalos de 90 a 120 minutos. Esses pulsos são os faxineiros da barriga: servem para levar
embora pequenos detritos, restos de comida, enzimas digestivas e outras sopras da digestão
anterior, limpado o salão para receber a nova leva de alimento. O fato é que todo movimento
peristáltico pode fazer barulho (e o seu sistema digestório se mexe mais depois que você
comeu do que antes). Mas o CMM fica mais audível porque ocorre repentinamente após um
longo período de silêncio — e não há comida aí dentro para abafar o som.

Se um meteoro estivesse em rota de colisão com a Terra, nós conseguiríamos fragmentá-lo? -


@xanthopaula. via Instagram
NÃO. MAS RELAXA: o plano é desviar a rota do rochedo, o que é bem mais seguro e prático do
que explodir o dito-cujo. O único pré-requisito é saber da aproximação do objeto com
antecedência suficiente — anos ou, idealmente, décadas. Não é fácil, considerando que esses
pedregulhos são minúsculos em relação à imensidão do espaço e refletem pouca luz. Em 2017,
Lindley Johnson, chefe de defesa planetária da Nasa, explicou à Super que mais ou menos 1.800
asteroides são monitorados como potencialmente perigosos. Caso um deles resolva apontar
para a Terra, o plano A é passar uma nave não tripulada pertinho dele, sem colisão, para tirá-lo
da rota com uma ligeira influência gravitacional. O plano B é manter a nave perto por mais
tempo, para que a mudança de rota seja mais enfática. O plano C é usar uma bomba atômica
para realmente chutar o bicho para o outro lado.

Existem outros animais, além do ser humano, que podem ser destros ou canhotos? - Gustavo
Zombon. Piracicaba. SP
SIM. Muitos animais preferem uma ou outra pata, e você pode testar seu gato ou cachorro
observando qual membro eles usam para cutucar aqueles brinquedinhos que escondem um
pedaço de ração. Ao contrário da maioria destra de humanos e chimpanzés, cães e bichanos
parecem ser canhotos e destros com a mesma frequência — e cangurus, ao que tudo indica, são
quase todos canhotos. Esse fenômeno, chamado de lateralização, provavelmente é um
subproduto da divisão de tarefas entre os dois hemisférios do cérebro, mas os biólogos ainda
não sabem o que exatamente explica as preferências observadas em cada espécie.

A NAVEGAÇÃO DE UM AVIÃO PRECISA CONSIDERAR A ROTAÇÃO DA TERRA? - Joscelino


Codignole, Campinas. SP
NÃO, porque a atmosfera se move junto com a Terra. Quando o planeta gira, ele carrega a
massa de ar que está em seu entorno. E como é o ar que sustenta o avião, ele é carregado junto.
O piloto não precisa se preocupar se está indo contra ou a favor da rotação terrestre. Caso
contrário, uma viagem para o Oeste seria mais rápida que uma para o Leste. Dá para fazer o
experimento sozinho: você pula para cima e cai no mesmo lugar. Se o ar não estivesse se
movendo com a Terra, bastaria pular por tempo suficiente e esperar que o Chile chegasse até
você. Acada segundo no ar, seu corpo avançaria 465 m. Um avião comercial atinge algo entre 11
e 12 mil m do solo, mas ainda é como se ele estivesse dando um longo pulinho. Segundo Jorge
Bidinotto, professor de engenharia aeronáutica da USP, esse problema só começa a aparecer
em altitudes muito elevadas, superiores a 15 mil m, em que o ar é bem mais rarefeito. A única
parte do avião que se preocupa com a rotação da Terra é o chamado Sistema de Navegação
Inercial, um conjunto de instrumentos que indicam a direção da aeronave com auxílio de um
giroscópio — um dispositivo que é imune até ao movimento do planeta, e por isso precisa ser
reajustado para compensá-lo.

Por que a palavra “presente” significa tanto “agora” como “coisa que se dá para alguém”? -
Alexandre Carvalha, revisor da Super
TODO VERBO TEM uma forma chamada presente particípio, que pode ser usada como
substantivo ou adjetivo. “Correr” vira “corrente”, ”amar” vira “amante”, “estar” vira “ente” — o da
expressão “ente querido”. A palavra “presente” nasce da junção de “ente” (ens, em Latim) com o
prefixo “pré-” (prae, em latim). Essa partícula, hoje, se refere a uma coisa que vem antes de
outra: “pré-história”, “pré-escoLa” ou “preconceito’ Mas ela pode ter um significado sutilmente
diferente: referir-se a uma coisa que está na frente de outra. Em um sentido espacial, e não
temporal. Assim, o presente (praesens) é literalmente algo que está na sua frente. Como se a
vida fosse um filme, e o momento atual, o frame que está diante dos seus olhos neste exato
instante. Agora fica fácil entender o segundo significado: o presente de aniversário é algo que se
apresenta para alguém — que se põe diante de um ente querido.

É preciso ser judeu para ter cidadania israelense? - @diego.zanchetta, via Instagram
NÃO. Mas o contrário é verdade: se você for judeu, pode ganhar cidadania, graças à Lei do
Retorno de 1950 — que visa reunir a diáspora judaica espalhada por todo o mundo. Além dos
judeus — que são 74,2% da população, segundo dados de 2019 —, Israel tem 17,8% de islâmicos
(palestinos, principalmente) e 2% de católicos e cristãos ortodoxos. Isso não significa que
cidadãos de outras etnias tenham direitos iguais. O Pew Research Center classifica Israel como
um país de alta restrição à liberdade religiosa. Uma lei polêmica aprovada em 2018 afirma que
“Israel é a pátria histórica do povo judeu e eles têm direito exclusivo à autodeterminação”.

LISTA
Quais são os países mais felizes do mundo?
O ranking World Happiness Report junta dados socioeconômicos (como IDH) e avaliações
subjetivas dos cidadãos.
1- FINLÂNDIA
PIB per capita: US$ 48,7 mil
Expectativa de vida: 81 anos
Percepção da corrupção: 86% não acham corrupto

2- ISLÂNDIA
US$ 66,9 mil
82,3 anos
78%

3- DINAMARCA
US$ 60,1 mil
80,9 anos
87%

4- SUÍÇA
US$ 81,9 mil
83,7 anos
85%
SÓ ACREDITO VENDO
Qual é a cédula de maior valor no mundo?
A campeã, considerando a cotação atual do real, é a nota de 10 mil dólares de Brunei, um
pequeno país asiático: ela equivale a R$ 39.200. Até existem notas maiores, com muitos zeros,
em países que sofrem com inflação. Mas elas valem pouco na prática. Conheça os dois
rankings (notas boas de câmbio e notas com muitos zeros) no gráfico abaixo:

Cédulas de maior valor nominal


VENEZUELA
Valor da moeda local: VES 1.000.000
Valor em reais: R$1,30

IRÃ
Valor da moeda local: 1.000.000
Valor em reais: R$ 125

VENEZUELA
Valor da moeda local: VES 500.000
Valor em reais: R$ 0,65

VIETNÃ
Valor da moeda local: 500.000
Valor em reais: R$ 115,58

IRÃ
Valor da moeda local: 500.000
Valor em reais: R$ 62,68

Cédulas de maior valor monetário


BRUNEI
Valor da moeda local: BND 10.000
Valor em reais: R$ 39.184,32

SINGAPURA
Valor da moeda local: SGD 10.000
Valor em reais: R$ 39.113,52

SUÍÇA
Valor da moeda local: CHF 1.000
Valor em reais: R$ 5.671,32

SINGAPURA
Valor da moeda local: SGD 1.000
Valor em reais: R$ 3.911,39

EMIRADOS ÁRABES
Valor da moeda local: AED 1.000
Valor em reais: R$ 1.432,28

O que os procuradores procuram? - @alveslaerciocardoso, via Instagram


“PROCURAR” vem do latim curare — “cuidar” ou “vigiar”; dai vem a palavra “curador”. O “pró-” do
começo é um sufixo que significa ser a favor (como em “pró-vacina” vs. “antivacina”). Ou seja:
“procurar” é cuidar de algo para alguém. Todo advogado é um procurador que zela pelos
interesses do cliente, mas no Brasil é comum chamar assim um tipo de advogado que é
funcionário público e defende os interesses do município, o Estado ou a União. No fim, o xis da
questão é que o significado “procurar” foi de “cuidar de algo para alguém” para “ir atrás de
alguma coisa” — uma mudança gradual de significado que não é explicada nos dicionários
etimológicos que consultamos.

O QUE SÃO...
Desembargadores são juízes de segunda instância — que podem rever e modificar decisões dos
juízes de primeira instância, caso necessário.

Data venia significa “com o devido consentimento”. Expressão usada para começar
respeitosamente uma fala em que você vai discordar de alguém.

Peculato é o crime em que um funcionário público rouba ou desvia uma quantidade de dinheiro
que está em sua posse por razões de trabalho.

TODO ANIMAL DORME? - @pamsantos. via Instagram


QUASE. A maioria dos animais exibe estados de baixa atividade que podem ser comparados ao
sono humano — por mais que seja difícil identificar esses estados em espécies muito diferentes
de nós, como vermes. Mamíferos, pássaros, répteis, peixes e até insetos dormem todos, ainda
que alguns façam isso de maneira peculiar (os tubarões, por exemplo, não param de nadar para
manter as brânquias oxigenadas, e os golfinhos descansam um hemisfério do cérebro de cada
vez — um dos olhos fica aberto em caso de emergência). Até águas-vivas, que sequer têm
sistema nervoso centralizado num cérebro, ficam mais paradinhas às vezes. Só mesmo as
esponjas, que sequer têm neurônios, ficam de fora do clube de Morfeu. Mas elas seguem ciclos
circadianos: regulam suas atividades de acordo com um relógio biológico.

Qual foi a primeira religião da humanidade? - @pamsantos , via Instagram


É IMPOSSÍVEL RESPONDER, pois a fé no sobrenatural é mais antiga do que a escrita. Há 100 mil
anos os seres humanos já enterravam seus mortos. Os enterros têm funções práticas, é claro:
evitam doenças, escondem o corpo de carniceiros e evitam o cheiro pútrido. Mas isso não torna
impossível que o ato já tivesse alguma dimensão simbólica, associada à ideia de vida após a
morte. Nessa época, o sapiens vivia em tribos, cada uma com suas próprias crenças. Elas
provavelmente não eram monoteístas nem politeístas — a figura de deus surgiria só depois, em
civilizações mais populosas. Tinham mais a ver com o fascínio pelos fenômenos naturais, a
crença em objetos mágicos e o contato com espíritos por intermédio de um xamã.

Os artistas são pagos para cantar em programas de auditório? - @brunaperiodista. via Instagram
NÃO. As assessorias da Globo e do SBT contaram a este Oráculo que os convidados não
recebem cachê. Mas a grana que entra após uma aparição em rede nacional justifica a
passadinha no estúdio — e justificava ainda mais quando discos físicos dominavam o mercado:
“Zezé di Camargo & Luciano lançaram o primeiro álbum no Faustão”, conta o jornalista Marcos
Barrero, que dirigiu o Domingão entre 1996 e 2001. “Na segunda-feira, só as Lojas Americanas
venderam uns 100 mil CDs.” Quando atores da própria Globo são entrevistados pela emissora,
ganham um cachê modesto — tão modesto que Antonio Fagundes liderou, em 2013, um
protesto contra a remuneração.

LOST IN TRANSLATION
Hogis durs evav
“Até minha alma saiu.” Equivale a “eu tô morto”. Para quem está tão exausto quanto a equipe da
Super após concluir uma edição.

PERGUNTE AO ORÁCULO
Escreva para oraculo@abril.com.br mencionando sua cidade e Estado — ou mande a pergunta
via direct no Instagram.

5#2 PENSANDO BEM... — DEVEMOS TAXAR HERANÇAS?


Filósofos de ontem opinam em assuntos de hoje.
Por Bruni Vaiano

ADAM SMITH 1723 – 1790


Sim. “Nada é mais difícil de explicar do que o direito que concedemos aos homens de dispor de
seus bens após a morte”, ele escreve em A Riqueza das Nações. Ideia que inspirou Thomas
Jefferson a abolir certos direitos sobre herança nos EUA recém-fundados. Em geral, Smith
defendia impostos proporcionais, de pagamento simples e valores previsíveis.

KARL MARX 1818 – 1883


Sim. Marx se opunha à propriedade privada dos meios de produção e era favorável à
distribuição de renda. De modo que não consideraria justo um imóvel comercial, as ações de
uma empresa ou mesmo a fortuna obtida com um negócio passarem às mãos de um herdeiro
que não trabalhou por eles. (Objetos de valor sentimental, claro, não entram na conta.)

MILTON FRIEDMAN 1912 – 2006


Não. Sendo um economista liberal, Friedman acredita que todo cidadão deve decidir o destino
de seus bens após sua morte. Além disso, a maior parte das pessoas trabalha com o objetivo de
sustentar suas famílias e dar uma vida melhor aos filhos — tire a herança da equação e a
economia desaceleraria por falta de incentivo.

5#3 MANUAL – COMO MONTAR UM COMPUTADOR DO ZERO?

DO QUE VOCÊ PRECISA?


Decida quanto você pode investir e o seu objetivo: animação 3D exige muito mais potência que
Excel. Assim você define o processador (os mais comuns são Intel e AMD). A Linha Core da Intel
vai do i3 ao i9 — se você não usa programas pesados, um i3 de última geração já resolve.
A PLACA-MÃE
Interliga quase tudo em um PC. É importante verificar se as suas entradas (soquetes e chipsets)
são compatíveis com o processador e os demais componentes que você escolher. Há quatro
tamanhos: mini-ITX, micro ATX, ATX (o padrão para desktops comuns) e EATX — compre um
gabinete compatível.

MEMÓRIA DE ELEFANTE
Para armazenamento, uma SSD é mais rápida, compacta e resistente que um HD. A
desvantagem: sai mais caro e cabe menos coisa (para arquivos grandes, use um HD externo ou
espaço na nuvem). Na memória de processamento (RAM), 8 Gb bastam para tarefas de rotina;
para programas pesados, considere 16 Gb.

HORA DE MONTAR
Use chave Phillips e um estilete. Disponha as peças em uma superfície que não conduza
eletricidade. Comece pela fonte de alimentação de energia. Depois, encaixe o processador na
placa-mãe (a etapa mais delicada). Ventoinhas na frente e atrás do gabinete: a da frente puxa o
ar frio, a de trás elimina o quente.

PARA SABER MAIS - Hardware você chuta, software você xinga


Um processador de vários núcleos permite realizar mais tarefas simultâneas. Um importante
indicador de agilidade é a velocidade de clock: para gamers, o ideal é que ela fique próxima de
4GHz.
Placas de vídeo dedicadas são caras, mas oferecem gráficos de primeira a usuários de alta
performance. Pense, antes, em comprar um gabinete espaçoso — elas são grandes.
Compre um adaptador USB para internet wi-fi e não se esqueça do sistema operacional
(Windows ou Linux, para os diferentões. Mas, se você usa Linux, não precisa ser lembrado desse
detalhe).
Precisa de ajuda? Sites como o PC Part Picker (em inglês) e meupc.net (português) possuem
guias de construção, além de permitirem comparar preços e modelos dos componentes.

6# E SE... outubro 2021

REALIDADES PARALELAS

Texto Fábio Marton

E SE TODOS OS PAÍSES ADOTASSEM BITCOIN?

No DIA 7 DE SETEMBRO DE 2021, El Salvador se tornou o primeiro país a reconhecer o bitcoin


como moeda oficial (junto com o dólar americano — eles não têm moeda própria). No mesmo
dia, a cotação da criptomoeda caiu 9%.
Um dia antes, o governo de El Salvador havia comprado 400 bitcoins por US$ 20 milhões,
preparando-se para a mudança. Isso ajudou o valor da cripto saltar para US$ 52 mil. Porém,
bastaram algumas horas e a cotação já havia caído para US$ 47 mil. Duas semanas depois, a
cripto baixou outros 14%, para US$ 40 mil.
Nada disso teve relação com a atitude de El Salvador. Mas deixou clara uma obviedade
acerca da cripto: sua flutuação de preço no mercado ainda é instável demais para que ela faça a
contento o papel de uma moeda de verdade. Pessoas comuns dificilmente aceitariam usar
como meio universal de troca algo cujo poder de compra é imprevisível.
Mas vamos jogar com a hipótese de que dê a louca nos Bancos Centrais e eles decidam que
não existem mais moedas nacionais. Só bitcoin.
Na ausência de dólares (e de qualquer outra moeda), o bitcoin estabilizaria, pois não haveria
com o que compará-lo. A cripto serviria para comprar coisas. E coisas (alimentos, bens de
consumo, imóveis) não flutuam 10% para cima ou para baixo de um dia para o outro.
Estabilizada a moeda virtual, a segunda consequência de sua adoção seria o fim de algo que
é considerado uma premissa de qualquer governo hoje: política monetária. Países tentam
manter sua economia sob controle mexendo no valor de sua moeda em relação às outras. Se a
moeda é desvalorizada, as exportações se tornam mais baratas e as importações, mais caras.
Nessa situação, os produtores nacionais são beneficiados no curto prazo, e a economia se
aquece. Para desvalorizar a moeda artificialmente, é necessário imprimir dinheiro: quanto mais
cédulas há em circulação, menos elas valem.
O dinheiro, naturalmente, não é lançado de helicóptero na rua. Os Bancos Centrais produzem
moeda nova e emprestam para os bancos a juros de pai para filho. Dos bancos a moeda flui
para o mercado de crédito, e daí para a rua propriamente dita.
No longo prazo, porém, esse jorro de moeda nova faz com que o dinheiro vá perdendo valor
(qualquer coisa produzida em quantidades enormes vira arroz de festa, afinal). Passa a haver
mais grana em circulação do que coisas para comprar com essa grana — e então vem a bola de
neve da inflação.
Nota: o dinheiro não precisa chegar a toda a população para que os preços subam. Basta que
o topo da pirâmide esteja de bolsos cheios e passe a gastar mais. Por isso inflação é algo tão
penoso para os mais pobres: eles não veem a quantidade de moeda aumentar nos seus bolsos.
Só observam as altas nos preços e a destruição de seu poder de compra.
Quando a sirene da inflação começa a apitar, o Banco Central decide que é hora de tirar
moeda de circulação. Ele faz isso pegando dinheiro emprestado dos bancos comuns, como se
concorresse com os clientes. Para fazer essa concorrência, ele passa a oferecer juros cada vez
maiores. Você fica sabendo desse movimento quando vê no noticiário que “a Selic subiu”. Cada
alta na Selic é, na prática, uma elevação nos juros que o BC está oferecendo aos bancos. Ao tirar
dinheiro de circulação, o BC fortalece a moeda. Por outro lado, enfraquece a economia. Pois é.
Com menos dinheiro na praça, menos negócios são feitos, o consumo diminui, o desemprego
cresce. Mas não tem outro jeito. Só juro alto funciona contra a inflação.
E é assim que todas as economias do mundo operam: produz-se dinheiro para combater
crises, depois ligam o aspirador para drenar o dinheiro e combater a inflação. Quando a inflação
fica baixinha de novo, toca produzir moeda loucamente. Pode confiar: quando os Bancos
Centrais fazem esse trabalho direitinho, dá certo. A maior prova disso é a seguinte: antes desse
sistema existir, a economia global crescia muito menos. Os economistas chamam o dinheiro
que usamos hoje de fiat currency — moeda que os Bancos Centrais produzem por “mágica”, do
nada (de fato: é só imprimir papel; ou, mais recentemente, digitar números num computador).
E fiat currency é algo relativamente recente. Ao longo da história da humanidade, dinheiro era
ouro e prata. Ponto. As notas surgiriam no século 17. Mas só valiam alguma coisa porque
davam direito a sacar uma certa quantidade de ouro ou prata na boca do caixa. Uma “libra
esterlina”, por exemplo, significa “meio quilo de prata pura”. Uma nota de libra era só um
“vale-prata” portátil.
No século 18, a Inglaterra refinou o sistema, definindo que uma libra significava 6,6 gramas de
ouro. Nascia ali o padrão-ouro. As notas de dinheiro emitidas por qualquer país precisariam
corresponder a uma quantidade parecida do metal amarelo para ter valor no mercado
internacional.
Malandramente, os governos do mundo todo foram diminuindo a quantidade de ouro a que
cada nota dava direito, com o intuito óbvio de poder colocar mais dinheiro em circulação (a
própria Inglaterra foi pioneira dessa prática). Era o início da fiat currency.
O padrão-ouro sobreviveu aos trancos até 1971, quando o dólar deixou de ser conversível em
ouro. Mas, àquela altura, a fiat currency já reinava, inclusive nos EUA. E foi graças a ela que o
mundo viveu o maior crescimento econômico de sua história, justamente da metade do século
20 em diante. O dinheiro “de mentira” criou riqueza de verdade. Ele financiou os automóveis, os
aviões, os iPhones, e alimento para os 7,9 bilhões de pessoas vivas hoje, contra 2 bilhões no ano
de 1900. Com o bitcoin no lugar das fiat currencies, teríamos uma volta ao padrão-ouro. Porque
bitcoin é igual ouro: algo que os Bancos Centrais não produzem. Existem 18,7 milhões de
unidades da cripto em circulação. E há outros 2,3 milhões esperando para serem “minerados”
das profundezas do sistema do bitcoin. Acaba aí. Não dá para aumentar artificialmente a
quantidade de bitcoin que circula no mundo.
Não haveria mais inflação. Fato. Mas... se a economia travar, danou-se. Os governos não
terão como injetar dinheiro novo na economia. 1929 está de prova. Uma quebra da bolsa
seguida de uma cascata de falências bancárias secou o crédito no mercado. O dinheiro deixou
de circular, basicamente. O governo americano, porém, decidiu que era hora de levar o
padrão-ouro a sério e não imprimir dinheiro novo. O resultado foi a Grande Depressão, que traria
de reboque uma guerra mundial. Adote-se o bitcoin como moeda única e teremos um colapso
parecido em mãos.

7# ÚLTIMA PÁGINA outubro 2021

DESCULPA QUALQUER COISA E ATÉ LOGO

AO INFINITO...
Tamanho às vezes é documento. Os foguetes espaciais que chegam mais longe precisam de
mais volume para combustível, afinal. Compare o tamanho dos foguetes mais importantes da
história.
Infográfico Carlos Eduardo Hora. Maria Clara Rossini e Rafael Battaglia Popp

1944 foi o ano em que o primeiro foguete atingiu o espaço.


575 pessoas foram ao espaço ao longo da história.
400.171 km é a maior distância que um humano esteve da Terra.

V-2 Alemanha
Ativ.: 1942 - 1952
Altura: 14 m
O primeiro foguete a chegar ao espaço foi um míssil desenvolvido na 2ª Guerra.

NEW SHEPARD Estado Unidos da América


Ativ.: 2015 –
Altura: 18 m
Criado pela Blue Origin, foi o primeiro foguete suborbital retornável.

VLS-1 Brasil
Ativ.: 1997 - 2003
Altura: 19,5 m
Nenhum voo foi bem-sucedido. A 3ª tentativa de lançamento matou 21 pessoas.

VOSTOK Rússia
Ativ.: 1958 – 1991
Altura: 38,3 m
Transportou Iuri Gagarin, primeira pessoa no espaço, e outros cosmonautas.

SOYUZ Rússia
Ativ.: 1965-
Altura: 45,6 m
Modelo mais antigo em atividade. Principal transportador de humanos para a ISS.

STS Estados Unidos da América


Ativ.: 1981 -2011
Altura: 56,1 m
Lançava os ônibus espaciais. O veículo e parte do foguete eram reutilizáveis.

FALCON 9 Estados Unidos da América


Ativ.: 2013
Altura: 71 m
Primeiro foguete orbital reutilizável — 80% da estrutura retorna à base.

SATURNO V Estados Unidos da América


Ativ.: 1967-1973
Altura: 110,6 m
Foi o foguete que levou o homem à Lua em todas as missões do programa Apollo.

STARSHIP Estados Unidos da América


Ativ.: 2021-
Altura: 120 m
Monstro da SpaceX levará gente à Lua — e a Marte. Será 100% reutilizável.

Você também pode gostar