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CURSO DE FORMAÇÃO EM

PSICANÁLISE CLÍNICA

PSIQUIATRIA I

MÓDULO 02
I Psiquiatria I
II Psiquiatria II
III Causas do Comportamento
Anormal
IV Processo Psicanalítico I
V Processo Psicanalítico II
VI Fundamentos da Técnica
Psicanalítica I
CURSO DE FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE
CLÍNICA

PSIQUIATRIA I

Sumário

UNIDADE 01 ....................................................................................................................... 3
PSIQUIATRIA I .................................................................................................................... 3
INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 3
A Psiquiatria e suas Relações com a Psicanálise e a Neurologia ....................................... 3
Classificações, Definições e outras Controvérsias .............................................................. 4
ENTREVISTA E EXAMES PSIQUIÁTRICOS ...................................................................... 8
A Entrevista Psiquiátrica ...................................................................................................... 8
O Exame do Estado Mental ................................................................................................. 9
Transtornos Cognitivos ...................................................................................................... 10
Delirium.............................................................................................................................. 10
Demência........................................................................................................................... 11
Transtornos Amnésticos .................................................................................................... 12
Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos Esquizofrenia ........................................... 12
Esquizofrenia Tipo Paranóide ............................................................................................ 14
Esquizofrenia Tipo Desorganizado, ou Hebefrênico .......................................................... 14
Esquizofrenia Tipo Catatônico ........................................................................................... 14
Esquizofrenia Tipo Indiferenciado ...................................................................................... 15
Esquizofrenia Tipo Residual .............................................................................................. 15
Transtorno Esquizofreniforme ............................................................................................ 15
Transtorno Esquizoafetivo ................................................................................................. 16
Transtorno Delirante .......................................................................................................... 16
Transtorno Psicótico Breve ................................................................................................ 17
Outros Transtornos Psicóticos ........................................................................................... 17
Transtornos de Humor ....................................................................................................... 18
Transtornos Depressivos ................................................................................................... 19
Transtorno Depressivo Maior............................................................................................. 20
Transtorno Distímico .......................................................................................................... 21
Transtornos Bipolares ........................................................................................................ 22
Transtorno Bipolar I ........................................................................................................... 23
Transtorno Bipolar II .......................................................................................................... 25
Transtorno Ciclotímico ....................................................................................................... 25
Transtornos de Ansiedade ................................................................................................. 26
Pânico ................................................................................................................................ 27
Fobias ................................................................................................................................ 28
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PSIQUIATRIA I

INTRODUÇÃO

A Psiquiatria e suas Relações com a Psicanálise e a Neurologia

A Psiquiatria é a especialidade médica que lida com as antigamente chamadas


“doenças mentais”, ou seja, com todos os transtornos que podem afetar as funções da
“mente” humana. Como é difícil, se não impossível, definir claramente o que é a “mente”,
torna-se naturalmente complicado definir-se o que é e qual área de atuação da
Psiquiatria.
Historicamente, a Psiquiatria se “desdobrou” como especialidade da Neurologia,
tendo em Freud, com seus estudos e o desenvolvimento da Psicanálise, uma grande
“alavanca” para seu estabelecimento como especialidade individualizada. Freud não era
um Psicólogo ou Psiquiatra, mas sim um Neurologista, que acreditava serem os distúrbios
mentais, bem como a mente “em si”, decorrentes de funções físicas e químicas, normais
ou patológicas, do Sistema Nervoso Central, negando até o fim a possibilidade da
existência de fenômenos místicos, paranormais, etc. Era, portanto, uma visão materialista
do ser humano, bem condizente com o pensamento da época, e ainda hoje prevalecendo
no círculo medico, principalmente entre os Neurologistas.
Já os Psiquiatras, dependendo de suas escolas de formação, têm uma visão mais
ou menos materialista, admitindo ou não a existência de fenômenos “não-materiais”
(espirituais, místicos ou paranormais), mas sempre com uma abordagem da mente e do
pensamento muito mais direcionada ao conteúdo e à manifestação deste conteúdo, do
que à anatomia e à fisiologia dos órgãos do Sistema Nervoso, como é o caso da
Neurologia.
Como já seria de se esperar, existem muitas áreas “limítrofes” entre as duas
especialidades, e às vezes nem mesmo os médicos de outras especialidades sabem ao
certo para quem devem encaminhar um paciente que tenha distúrbios do sono, da fala, da
memória, ou até do humor, para citar alguns exemplos.
E o Psicanalista, aonde fica? Bem, segundo a opinião de muitos médicos, a
Psicanálise não deveria ser exercida por Psicanalistas ou Psicólogos, mas apenas por
Psiquiatras. Outros, talvez menos egocêntricos (ou com menos receio de “perder o
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mercado”), percebem a impossibilidade de uma pessoa se aprofundar em seus estudos
em tantas áreas distintas, e recebem até com alívio a formação de pessoas
especializadas em uma terapêutica “não biológica”, para quem possam encaminhar
seus pacientes que não tenham indicação de tratamento medicamentoso, ou mesmo
que possam ter um benefício do tratamento complementar, “biológico” e psicoterápico
(especificamente, em nosso caso, psicanalítico).
Certamente, a “polêmica” está longe de terminar, mas gradualmente vão se
estabelecendo e se reforçando as posições e funções de cada profissional, num mundo
onde o equilíbrio entre a “super-especialização” e a “hiper-generalização” torna-se cada
vez mais precário, deixando-nos, como profissionais em formação, muitas vezes um tanto
“perdidos” ... Será que ainda veremos o dia em que alguém será especialista na unha do
dedo mínimo da mão esquerda, ou o bom senso ainda prevalecerá?
Parafraseando um antigo professor de “pré-vestibular”: “O extremo da
especialização é o indivíduo que sabe tudo sobre absolutamente nada, enquanto que o da
generalização é aquele que sabe nada sobre absolutamente tudo!”
Classificações, Definições e outras Controvérsias

A necessidade de se definirem e classificarem as coisas, pessoas, doenças, enfim


tudo o que se encontra à nossa volta, sempre existiu na Humanidade, desde os tempos
mais remotos. A própria estrutura da linguagem é baseada em um sistema de definições e
classificações, e a nossa linguagem molda de maneira importante a nossa visão do
mundo que nos cerca, possibilitando que o nosso entendimento do mesmo se estabeleça
e se amplie.
Por outro lado, os sistemas de classificação e as definições sempre se mostram
limitados, uma vez que restringem em “categorias” aquilo que, na verdade, é sempre um
“contínuo”! Como excelente exemplo, podemos citar as cores: Nossos cérebros têm a
capacidade de diferenciar milhões de cores diferentes, mas só temos nomes para umas
poucas delas (geralmente, dependendo da língua em questão, de algumas unidades e no
máximo poucas dezenas de nomes diferentes para as cores). Assim, agrupamos
mentalmente as experiências sensoriais em categorias, classificando várias tonalidades
diferentes como “verde” ou “azul”, e ocasionalmente especificando com adjetivos que
muitas vezes são de interpretação individual (como “verde-abacate” ou “azul-calcinha” ...).
E mesmo se conseguíssemos criar um nome diferente para cada uma das mais de 16
milhões de cores passíveis de diferenciação (para se ter uma idéia, o novo dicionário
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“Aurélio”, edição 2000, tem apenas 435.000 verbetes!!!), ainda assim estaríamos limitando
a “realidade” a partir de nossa percepção da realidade!!!
Aldous Huxley, em “As Portas da Percepção”, de 1954 (citado por Richard Bandler
e John Grinder em “A Estrutura da Magia”), explica que “... a função do cérebro, do
sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos é principalmente eliminativa e não produtiva.
Cada pessoa é a cada momento capaz de lembrar tudo o que já lhe aconteceu e de
perceber tudo o que está acontecendo em toda parte do universo. A função do cérebro e
do sistema nervoso é de proteger-nos de sermos engolfados e confundidos por esta
massa de conhecimento em grande escala inútil e irrelevante, pela interceptação da
maior parte do que, de outra forma, deveríamos perceber ou lembrar a qualquer
momento, e deixando somente essa seleção bem pequena e especial que
provavelmente é de uso prático”... “Para formular e expressar o conteúdo desta
consciência reduzida, o homem inventou e elaborou incessantemente estes sistemas de
símbolos e filosofias implícitas que chamamos línguas. Cada indivíduo é a um só tempo o
beneficiário e a vítima da tradição linguística na qual ele nasceu - beneficiário, na medida
em que a língua lhe dá acesso ao registro acumulado da experiência de outras pessoas,
vítima na medida em que a língua confirma nele a crença de que a consciência reduzida
é a única consciência, e ela confunde seu sentido de realidade, de modo que ele está
inteiramente apto a tomar seus conceitos por dados, suas palavras por coisas reais”.
Em Medicina, em Psicologia, e em Psicanálise, não é diferente: acabamos por
tomar os conceitos, definições e classificações por Realidade, e se não tivermos cuidado,
esses sistemas complicados, criados para nos orientarmos por entre a infinita gama de
variabilidade que existe entre os seres humanos, passam a ser considerados não mais
como simples guias, ou normas, mas como a expressão completa da realidade!
Os vários sistemas de classificação usados na Psiquiatria tiveram origem
juntamente com a Medicina “oficial”, com Hipócrates, que já no século V a.C. introduziu os
termos “mania” e “histeria” como formas de doença mental. Cada era, desde aí, criou seu
próprio sistema de classificação, e as disputas e dissidências desde o tempo de Freud
fizeram com que muitos sistemas de classificação e nomenclatura persistissem, até hoje,
concomitantemente, com seus adeptos segundo essa ou aquela escola de pensamento.
Para que pudesse haver um certo consenso na chamada “literatura científica”, além
de padronização em estatísticas de saúde (afetando desde os seguros de vida e de
saúde, até as decisões dos chefes das nações), as “doenças” foram classificadas pela
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Organização Mundial de Saúde, fazendo a Classificação Internacional de Doenças,
atualmente em sua 10ª revisão (o chamado CID-10). Já os Psiquiatras americanos, que
desde 1869 iniciaram uma classificação própria das patologias mentais (na época lançada
pela American Medico-Psychological Association, que mais tarde viria a se transformar na
American Psychiatric Association), publicaram separadamente um Manual de Diagnostico
e Estatística de Transtornos Mentais, em 1952, cuja mais recente revisão, de 1994, é
conhecida como o DSM-IV.
Atualmente, portanto, são essas as duas classificações mais amplamente
utilizadas, uma vez que os Estados Unidos, e em menor grau alguns países Europeus,
“dominam” a produção científica atual. Ambas são muito semelhantes, uma vez que as
comissões que prepararam cada uma delas trabalharam em estreita proximidade, na
tentativa de padronizar e reduzir as diferenças significativas de redação entre os dois
sistemas. No final desta apostila, incluímos uma tabela com a classificação dos
transtornos mentais do DSM-IV.
Uma das evoluções que se fizeram, nessa tentativa de definição e padronização,
foi o fato de não mais serem os problemas mentais classificados como “loucura”, ou
mesmo como “doença”, sendo preferida a palavra “transtorno”, implicando em não haver
necessariamente um distúrbio que caracterize a pessoa afetada como “diferente” (o que
sempre foi motivo de preconceito e segregação), mas apenas como acometida de uma
condição que, por si, prejudica a si mesma ou às pessoas que com ela convivam. Ainda
assim, está implícito um certo grau de segregação, principalmente quando se incluem os
transtornos sexuais, que para alguns são verdadeiras aberrações (e, portanto, devendo
ser consideradas doenças, requerendo um tratamento para serem eliminadas), enquanto
para outros são apenas questão de opção pessoal. O homossexualismo e o
bissexualismo, que já foram (por muito tempo) incluídos nessa categoria, hoje não são
mais considerados nem mesmo “transtornos”, sendo apenas “opção” ou “orientação” ...
Outro grande problema gerado pela aceitação “radical” dos sistemas de
classificação e que à primeira vista pode não ser tão aparente, é a aceitação implícita do
modo “americano” de pensar e de agrupar os distúrbios, que implica também em um
agrupamento tanto por semelhança clinica como por fisiopatologia, ou seja, pressupõe-se
que os grupos de transtornos descritos se originariam de causas semelhantes, devendo,
portanto, serem tratados de maneira semelhante. Em si, este é um raciocínio válido,
porém nunca é demais lembrar que existem enormes interesses econômicos norteando,
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direta ou indiretamente, os líderes e as comissões encarregadas de formularem tais
classificações.
Basta lembrar que uma única medicação, não por acaso um anti-depressivo, é
responsável por uma grande porcentagem do faturamento da indústria farmacêutica, não
só a americana, mas agora inclusive em quase todo o mundo!
Também seria oportuno lembrar que a filosofia típica americana é baseada num
conceito materialista do Universo, sendo muito recente, e ainda pouco difundida, a idéia
do “Homem Integral”, composto de inseparáveis corpo-mente-espirito, e a visão holística
do Ser Humano, que deve, portanto, ser incorporada a toda tentativa de abordagem
diagnóstica ou, principalmente, terapêutica, tanto mais quando se trata de transtornos da
mente, essa porção tão pouco compreendida de nosso Ser.
Para finalizar esta seção, fica um trecho de nosso escritor, Machado de Assis, que
com sua inteligência aguçada e sua crítica sagaz, nos premiou com o excelente conto “O
Alienista”, onde a personagem do ilustre Dr. Simão Bacamarte, após ter internado em sua
“casa de loucos” a maior parte da cidade, decide rever seus conceitos sobre a loucura, da
seguinte maneira:
“E agora prepare-se o leitor para o mesmo assombro em que ficou a vila ao saber
um dia que os loucos da Casa Verde iam todos ser postos na rua.
- Todos?
- Todos.
- É impossível; alguns sim, mas todos...
- Todos. Assim o disse ele no ofício que mandou hoje de manhã à Câmara.
De fato o alienista oficiara à Câmara expondo: primeiro: que verificara das
estatísticas da vila e da Casa Verde que quatro quintos da população estavam
aposentados naquele estabelecimento; segundo: que esta deslocação de população
levara-o a examinar os fundamentos da sua teoria das moléstias cerebrais, teoria que
excluía da razão todos os casos em que o equilíbrio das faculdades não fosse perfeito e
absoluto; terceiro: que, desse exame e do fato estatístico, resultara para ele a convicção
de que a verdadeira doutrina não era aquela, mas a oposta e, portanto, que se devia
admitir como normal e exemplar o desequilíbrio das faculdades e como hipóteses
patológicas todos os casos em que aquele equilíbrio fosse ininterrupto; quarto: que à vista
disso declarava à Câmara que ia dar liberdade aos reclusos da Casa Verde e agasalhar
nela as pessoas que se achassem nas condições agora expostas;...”
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ENTREVISTA E EXAMES PSIQUIÁTRICOS


A Entrevista Psiquiátrica

A entrevista inicial, para o Psiquiatra, é fundamental para todo o processo de


tratamento do paciente. É aqui que se definem os objetivos, se estabelecem os
diagnósticos ou hipóteses diagnósticas, e se obtêm a maior parte dos recursos para
iniciar a terapêutica, seja ela “biológica” ou “psicoterápica”.
Dentro da entrevista, o item de maior importância na determinação do sucesso
diagnóstico e terapêutico é o estabelecimento de um rapport adequado. Quanto menor for
o rapport, mas difícil será a obtenção de dados fidedignos, o estabelecimento de uma
comunicação adequada, e a obtenção de uma adesão adequada ao tratamento.
Durante a entrevista, deve-se, ainda, dentro dos limites específicos de cada caso,
procurar determinar a queixa principal do paciente, e a partir desta, estabelecendo
inicialmente um diagnóstico diferencial provisório, aprofundar-se em questões mais ou
menos especificas, procurando caracterizar ou afastar cada um dos diagnósticos
possíveis. Muitas vezes, são obtidas respostas vagas ou obscuras, e dependerá da
habilidade do psiquiatra ser persistente, na tentativa de esclarecer esses pontos, sem
deixar que se quebre o rapport obtido.
É importante, também, deixar que o paciente fale livremente, por algum tempo,
para que se possa observar o grau de conexão de seus pensamentos, usando para isto
uma mistura de questões abertas e fechadas. Assuntos possivelmente difíceis ou
constrangedores não devem deixar de ser abordados, embora com bastante delicadeza,
inclusive, e especialmente, a questão dos pensamentos suicidas, e de possíveis
tentativas prévias de suicídio.
A entrevista incluirá indagações sobre o histórico pessoal e familiar do paciente,
devendo sempre serem detalhados dados a respeito de doenças prévias ou subjacentes,
tratamentos previamente utilizados, incluindo a duração dos mesmos, os resultados
obtidos, e possíveis efeitos colaterais. É importante tentar estabelecer uma “linha do
tempo”, mesmo que a ordem dos dados não seja obtida de maneira sequencial, e também
o modo de instalação dos sintomas.
Muitas vezes, será necessário obterem-se dados de familiares, os quais poderão
ser obtidos na presença do paciente ou não. Em algumas ocasiões, pode ser necessário
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marcar-se uma entrevista em separado com um ou mais dos familiares ou contatos
sociais do paciente, porém sempre respeitando a necessidade absoluta de sigilo, o que
por vezes pode ser difícil, uma vez que os familiares geralmente estão emocionalmente
envolvidos, gerando ansiedade e co-morbidade. É imperativo que se tenha sempre em
mente que nunca devemos trair a confiança do paciente, sob pena de vermos o
tratamento absolutamente impossibilitado.
Situações específicas, como nos casos de pacientes deprimidos com potencial
suicida, dos pacientes delirantes, dos pacientes violentos, e também dos pacientes
catatônicos, exigem uma habilidade especial por parte do examinador, que só com a
prática vai se refinando, mas recomendações e “dicas” a respeito podem ser encontradas
em diversas fontes na literatura.
Ao final da entrevista, deve-se dar ao paciente (e, se for o caso, aos seus
acompanhantes) uma chance de fazer perguntas, respondendo-as de maneira sucinta,
porém direta, já em busca do estabelecimento de um “contrato terapêutico”. É de
fundamental importância procurar transmitir um senso de confiança e, se possível, de
esperança, ao final da entrevista inicial, facilitando a manutenção da rapport para os
futuros encontros.

O Exame do Estado Mental

O exame psiquiátrico, diferentemente do exame físico de outras especialidades, é


realizado concomitantemente à obtenção dos dados de história clínica, dependendo
fundamentalmente da capacidade de observação do psiquiatra. É possível introduzirem-
se alguns testes “formais” específicos, como testes de memória, atenção, capacidade
para cálculo, orientação têmporo-espacial, orientação visuo-espacial, leitura, escrita, entre
outros.
Basicamente, a descrição do estado mental (que pode variar muito de uma
consulta a outra) envolve a descrição da aparência, do comportamento, da fala, das
ações e dos pensamentos do paciente.
É de extrema importância o registro do humor e do afeto, bem como da adequação
das respostas emocionais do paciente. O humor pode ser definido como uma emoção
abrangente que colore a percepção que a pessoa tem do mundo, sendo importantes a
profundidade, a intensidade, a duração e também as flutuações do humor. Já o afeto é a
expressão externa da resposta emocional, podendo ser observado também nas
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expressões faciais e atitude corporal, incluindo-se a quantidade e amplitude do
comportamento expressivo. O afeto pode ser congruente ou incongruente com o humor, e
tal congruência deve ser anotada. Além disso, deve ser observada a adequação das
respostas emocionais do paciente ao contexto tanto da situação da consulta quanto ao
assunto que está sendo discutido.
O registro da fala deve incluir a quantidade, a velocidade de produção, e a
qualidade da produção verbal, anotando-se os possíveis distúrbios, como a gagueira
(tartamudez), o sotaque, os distúrbios do ritmo, e as afasias.
Devem-se observar possíveis distúrbios de percepção, como alucinações e ilusões,
notando-se não só o sistema sensorial afetado, mas também o seu conteúdo. Também o
pensamento deve ser analisado, tanto em seu processo, ou forma, referindo-se ao modo
como o paciente reúne suas idéias e as associa, quanto em seu conteúdo, ou seja, suas
idéias, crenças, preocupações, etc.
É importante avaliar a capacidade para o pensamento abstrato, o nível de
inteligência (ou capacidade intelectual), o controle de impulsos, e por fim, a sua
capacidade de julgamento e insight sobre si mesmo e seus problemas.
Ainda dentro do exame do estado mental, deve-se incluir a avaliação do psiquiatra
sobre a confiabilidade das informações prestadas pelo paciente.

Transtornos Cognitivos

Cognição, em medicina e em Psicologia, é definido como “o conjunto dos


processos mentais usados no pensamento, na percepção, na classificação,
reconhecimento, etc.”, ou seja, a capacidade de conhecer, de perceber o mundo à nossa
volta. Os distúrbios cognitivos, portanto, são aqueles em que esses processos, essa
capacidade, encontram-se diminuídos.
Os transtornos cognitivos são subdivididos em três síndromes principais, o delirium,
a demência e os transtornos amnésticos.

Delirium

O delirium é uma síndrome, não devendo ser confundido com o sintoma delírio.
Enquanto este é um sintoma, caracterizado por um distúrbio do julgamento da realidade,
que não se modifica em face a um raciocínio correto e lógico, aquele é um conjunto de
sinais e sintomas, comuns a várias afecções, e que se caracteriza por uma
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comprometimento de início agudo da consciência, geralmente acompanhado de
comprometimento global das funções cognitivas, e de curso breve e flutuante, podendo
melhorar rapidamente, se a causa for identificada e eliminada.
Comumente encontram-se associados alterações do humor, da percepção, e do
comportamento, muitas vezes com agitação psicomotora e reações violentas, outras com
diminuição global da atividade psicomotora. Também podem ser encontrados tremores,
nistagmo, asterixis, incoordenação motora, incontinência urinária, e disartria.
Suas causas são variadas, estando entre as principais as doenças do SNS
(epilepsia, traumatismo craniano, encefalites, doenças vasculares cerebrais), doenças
sistêmicas (insuficiência cardíaca, insuficiência renal aguda, insuficiência hepática), e
intoxicação ou abstinência de agentes farmacológicos ou tóxicos. A abstinência do álcool
é talvez a causa mais conhecida pela população em geral de delirium, sendo
classicamente denominada delirium tremens.

Demência

A demência, em contraste com o delirium, é uma síndrome caracterizada por


múltiplos comprometimentos nas funções cognitivas, mas sem comprometimento da
consciência. Podem ser afetadas na demência a inteligência geral, a aprendizagem, a
memória, a linguagem, a orientação, a percepção, a atenção e concentração, o
julgamento, e as habilidades sociais, além da solução de problemas, e até a própria
personalidade. Isto acarreta um comprometimento significativo no funcionamento social
ou ocupacional, geralmente causando situações de desconforto importante, em geral mais
aos familiares do que ao próprio paciente.
Sendo uma síndrome, também pode ter diversas causas, e o seu curso depende
dessa etiologia, podendo ser progressivo ou estático, permanente ou reversível, mas
quase sempre de início insidioso. Estima-se que aproximadamente 15% dos indivíduos
com demência tenham causas reversíveis, caso o tratamento seja instituído a tempo,
antes da ocorrência de um dano irreversível, o que acentua a necessidade de
encaminhamento e investigação etiológica tão logo quanto possível.
A maioria dos casos de demência é devida a doença de Alzheimer (50 a 60% dos
casos), e uma boa porcentagem dos casos restantes (10 a 20% do total) é devida a
distúrbios vasculares (demência por múltiplos infartos, doença de Binswanger), podendo
ainda ser causada por outros processos neurodegenerativos (como as doenças de
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Parkinson e de Pick), traumatismo craniano, tumores cerebrais, distúrbios metabólicos,
doenças inflamatórias sistêmicas, e até infecções, inclusive a AIDS, entre outras.
Na maior parte dos casos, o comprometimento da memória é importante,
aparecendo precocemente no desenvolvimento da doença, e tipicamente acometendo em
primeiro lugar a memória recente, para só nos estágios mais avançados prejudicar a
memória remota.
Transtornos Amnésticos

Os transtornos amnésticos são caracterizados pelo único sintoma de transtorno de


memória, causando um comprometimento significativo no funcionamento social ou
ocupacional. Diferentemente da demência não existem quaisquer outros sinais ou sintoma
de comprometimento cognitivo além da memória, e nem a atenção nem a consciência
encontram-se prejudicadas, como no delirium.
A amnésia pode ser anterógrada (comprometimento da capacidade de aprender e
reter novas informações), ou retrógrada (distúrbio da capacidade para recordar um
conhecimento anteriormente aprendido).
As principais causas de transtornos amnésticos são condições médicas sistêmicas,
como a deficiência de tiamina, a vitamina B1 (denominada Síndrome de Korsakoff), a
hipoglicemia e a hipóxia, condições primariamente cerebrais, como convulsões,
tumores e infecções (por exemplo a encefalite herpética), e substâncias químicas,
sejam medicamentos, sejam drogas ou substâncias de abuso, incluindo o álcool.
Esquizofrenia e outros Transtornos Psicóticos Esquizofrenia

A Esquizofrenia é a “psicose por excelência”, desafiando neurologistas e


psiquiatras
através da história da Medicina, e cuja fisiopatologia ainda está longe de ser
compreendida. Diferentemente das neuroses, onde processos psicológicos muitas vezes
podem ser desvendados, como processos causadores dos sintomas, e dos distúrbios do
humor, que têm em si uma “lógica intrínseca”, e que apresentam episódios de remissão
completa e funcionamento normal entre os “surtos”, os pacientes esquizofrênicos
fogem às tentativas de compreensão, e mesmo nos períodos de “remissão”, apresentam
pensamento muitas vezes incongruente e desafiador.
O paciente “típico” com esquizofrenia poderia ser aquilo que está no imaginário
popular como o “louco varrido”, com delírios e alucinações em profusão, e objeto de
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tantas piadas e preconceitos. Talvez isto denote o muito comum medo do desconhecido,
e a incapacidade das pessoas para lidar com aquilo que é muito diferente de si. De fato, é
uma das opiniões difundidas entre os médicos o fato de ser necessário, de certo modo,
“entrar no mundo do esquizofrênico”, para poder abordá-lo de modo terapêutico.
A etiologia da esquizofrenia está ainda longe de ser definida, e dados de pesquisas
são absolutamente desnorteantes, como por exemplo o fato de as pessoas que
futuramente apresentam esquizofrenia têm uma maior probabilidade de terem nascido
no inverno e início da primavera, e menor probabilidade de terem nascido no final da
primavera e no verão. Assim no hemisfério Sul, os esquizofrênicos nascem mais nos
meses de Julho a Setembro, enquanto que no hemisfério Norte, de Janeiro a Abril.
Também a distribuição geográfica da esquizofrenia é incompreensível, com algumas
regiões apresentando uma prevalência desproporcionalmente alta da doença. Além
disso, os estudos com gêmeos monozigóticos apresentam uma taxa de concordância
de 50%, o que significa que existe uma interação entre fatores biológicos genéticos e
ambientais, além de fatores psicológicos não compreendidos, embora o achado de que
gêmeos monozigóticos criados por pais adotivos têm esquizofrenia na mesma razão que
seus irmãos gêmeos criados pelos pais biológicos sugira que a influência genética supera
a influência ambiental (psicológica ou biológica). Apesar de tantas incertezas, o estudo
dessa patologia é extremamente intrigante e apaixonante, qualquer que seja a óptica pela
qual se aborda a questão!
Os sintomas que caracterizam a esquizofrenia em todos os seus subtipos são os
delírios, as alucinações, o discurso desorganizado, o comportamento amplamente
desorganizado ou catatônico, e sintomas negativos, ou seja, embotamento afetivo,
mutismo ou avolição. Bastam dois destes sintomas (ou mesmo apenas um, quando são
delírios bizarros, ou as alucinações consistam de vozes que comentam o comportamento
ou os pensamentos da pessoa, ou duas ou mais vozes conversando entre si), presentes
por uma porção significativa de tempo durante o período de um mês (ou menos, se
tratados com sucesso), para caracterizar a esquizofrenia, desde que os sintomas levem a
uma disfunção social ou ocupacional, e que persistam sinais contínuos da perturbação
(incluindo sintomas prodrômicos ou residuais) por pelo menos 6 meses. Devem ser
excluídos, para o diagnóstico, os transtornos do humor, a existência de uma condição
médica geral ou uso de substâncias que possam levar aos sintomas.
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Caracteristicamente, os períodos de “remissão” são incompletos, apresentando
muito frequentemente sintomas negativos, principalmente o embotamento afetivo, ou até
os mesmos sintomas descritos, embora de forma atenuada, sendo este estado conhecido
muitas vezes como “defeito” esquizofrênico.
Além das características gerais, descritas acima, dividimos a esquizofrenia em
alguns “subtipos”, o Paranóide, o Desorganizado (ou Hebefrênico), e o Catatônico,
havendo também a caracterização dos tipos Indiferenciado e Residual.

Esquizofrenia Tipo Paranóide

Na esquizofrenia paranóide existe uma preocupação significativa com um ou mais


delírios ou alucinações auditivas frequentes, e não se encontram proeminentes nem o
discurso nem o pensamento desorganizado, nem tampouco o comportamento catatônico
ou o afeto embotado ou inadequado. Em geral os delírios são de perseguição ou de
grandeza, sendo os pacientes tipicamente tensos, desconfiados, e frequentemente hostis
e agressivos, mas às vezes podem se comportar bastante bem, socialmente, tendo a
inteligência intacta nas áreas não invadidas pelos delírios.

Esquizofrenia Tipo Desorganizado, ou Hebefrênico

Na esquizofrenia hebefrênica, ou desorganizada, são proeminentes o discurso


desorganizado, o comportamento desorganizado, e o afeto embotado ou inadequado,
sem, no entanto, serem satisfeitos os critérios para o tipo catatônico (vide a seguir). Os
pacientes são geralmente ativos, porém de uma maneira desprovida de propósito, com o
pensamento extremamente desagregado, e um contato pobre com a realidade.
Geralmente há um grande prejuízo na aparência e no comportamento social, e as
respostas emocionais são inadequadas, sendo comum o paciente gargalhar sem qualquer
razão aparente.

Esquizofrenia Tipo Catatônico

A forma catatônica da esquizofrenia caracteriza-se principalmente pelas alterações


na atividade psicomotora, com imobilidade motora (com estupor ou flexibilidade cérea),
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atividade motora excessiva, aparentemente desprovida de propósito, e não influenciada
por estímulos externos, às vezes com uma rápida alternância entre os extremos de
estupor e excitação. São comuns extremos negativismo, caracterizado por uma
resistência aparentemente despropositada a toda e qualquer instrução, ou manutenção de
uma postura rígida contra tentativas de imobilização, mutismo, peculiaridades do
movimento voluntários, evidenciadas por posturas inadequadas ou bizarras, movimentos
estereotipados, maneirismo proeminentes, trejeitos faciais proeminentes, ecolalia
(repetição de palavras ou sons) e ecopraxia (imitação de gestos e atitudes). Muitas vezes
acabam ferindo a si mesmo ou a outrem, durante o estupor ou a excitação, e às vezes
chegam à desnutrição ou à exaustão, o que pode exigir cuidados clínicos.

Esquizofrenia Tipo Indiferenciado

Quando não se pode caracterizar nenhum dos tipos acima, o paciente


esquizofrênico é classificado como sendo de tipo indiferenciado. Em geral observa-se
características mistas, com delírios de temas diferentes, agitação e pensamento
desorganizado, porém sem critérios completos para caracterizar um dos subtipos.

Esquizofrenia Tipo Residual

Se o paciente não apresenta delírios ou alucinações proeminentes, nem discurso


desorganizado ou comportamento amplamente desorganizado, nem comportamento
catatônico, mas existem evidências contínuas de perturbação caracterizada por sintomas
negativos, ou os sintomas acima de forma atenuada, como crenças estranhas ou
experiências perceptuais incomuns, caracteriza-se a esquizofrenia como sendo do tipo
residual. São evidentes o embotamento emocional, o retraimento social, o comportamento
excêntrico, além de pensamento ilógico e afrouxamento das associações. Se existem
delírios ou alucinações, elas não são proeminentes, nem acompanhadas por forte afeto.

Transtorno Esquizofreniforme

O transtorno esquizofreniforme é idêntico à esquizofrenia, exceto pela duração de


seus sintomas, que é de pelos menos um mês, porém menos de seis meses, com retorno
à normalidade após a resolução do quadro. A grande diferença se faz em relação ao
prognostico, uma vez que o transtorno esquizofreniforme pode ter um bom prognóstico,
que é evidenciado por alguns aspectos “preditivos”, principalmente o aparecimento de
16
confusão ou perplexidade, no auge do episódio psicótico! Também a ausência de
embotamento afetivo, o bom funcionamento social e ocupacional antes da doença, e a
rápida instalação dos sintomas psicóticos proeminentes (ou seja, um período prodrômico
curto, menor que 4 semanas), são indicadores de provável bom prognóstico. Outro
aspecto é que, quanto mais breve for a doença, melhor tende a ser o prognóstico.
Os pacientes com transtorno esquizofreniforme têm uma tendência significativa de
entrar em um período de depressão após o período psicótico, melhorando se
acompanhados psicoterapicamente.

Transtorno Esquizoafetivo

O transtorno esquizoafetivo tem características tanto da esquizofrenia quanto dos


transtornos do humor (vide abaixo), incluindo todos os sinais e sintomas da esquizofrenia,
acompanhados de episódios de mania e transtornos depressivos, podendo os sintomas
da esquizofrenia serem concomitantes ou alternados com os transtornos de humor. A
evolução tanto pode ser na forma de exacerbações e remissões, como nos transtornos de
humor, como um curso deteriorante a longo prazo.

Transtorno Delirante

O transtorno delirante é um transtorno psiquiátrico onde os sintomas proeminentes


são os delírios. Foi chamado, anteriormente, de “paranóia”, ou “transtorno paranóide”,
porém os delírios não são necessariamente sempre de natureza persecutória, tornando
tais termos inadequados. Os delírios no transtorno delirante podem ser de grandeza,
eróticos, de ciúmes, somáticos ou mistos, além de persecutórios.
A diferenciação com a esquizofrenia se faz pela ausência de outros sintomas vistos
nesta última, como alucinações proeminentes, embotamento afetivo, transtornos do
pensamento, catatonia, além da natureza de seus delírios não ser tão bizarra quanto nos
esquizofrênicos. Em geral, são coisas até plausíveis, ainda que improváveis. Também o
comprometimento funcional é mais leve, quando comparado à esquizofrenia.
Já a diferenciação com os transtornos do humor se faz pelo fato de que os
pacientes com transtorno delirante não apresentam toda a gama de sintomas afetivos
vistos nos transtornos do humor, embora tenham um humor consistente com o conteúdo
de seus delírios.
17
Os delírios podem ser de vários tipos, classificados em erotomaníacos (uma outra
pessoa, geralmente de posição mais elevada, estaria apaixonada pelo indivíduo),
grandiosos (delírios de valor, poder, conhecimento, identidade ou de relação especial
com uma pessoa famosa ou divindade), ciumento (delírios de que o parceiro sexual é
infiel), persecutório (o indivíduo ou alguém próximo a ele está sendo, de algum modo,
maldosamente tratado), somático (algum defeito físico ou condição médica geral
específica), ou misto (mais de um dos tipos acima, sem predomínio de um deles).

Transtorno Psicótico Breve

Transtornos psicóticos breves são episódios de curta duração (de um dia até um
mês), em que pelo menos um sintoma importante de psicose aparece, em geral com
início súbito. Nem sempre incluem todo o padrão sintomático apresentado na
esquizofrenia, sendo também mais comuns os sintomas afetivos, confusão, e
comprometimento da atenção, do que na esquizofrenia. Sempre deve ser afastada uma
causa médica geral, ou o uso de alguma substância, seja medicamentosa ou de abuso.
Os transtornos psicóticos breves podem ser desencadeados ou não por fatores
estressantes acentuados (como numa situação de guerra, por exemplo), ou por uma série
de fatores estressantes menos importantes, que em conjunto se tornassem
demasiadamente intensos. São incluídos aqui os episódios iniciados dentro das primeiras
4 semanas do puerpério, que caracteriza uma síndrome específica, de psicose puerperal
(que é mais específica, incluindo delírios, depressão, e pensamentos da mãe sobre ferir o
bebê ou a si mesmo, com risco considerável de se cometerem o infanticídio ou o suicídio).

Outros Transtornos Psicóticos

Outros transtornos psicóticos incluem os transtornos devidos a condições médicas


gerais (muito comumente distúrbios neurológicos e distúrbios metabólicos), e os
transtornos psicóticos induzidos por substâncias (seja por intoxicação, seja por
abstinência).
Também existem transtornos raros, atípicos, como o transtorno psicótico
compartilhado (aparecendo em uma pessoas que tem um relacionamento de longo prazo
com outra pessoas com síndrome psicótica similar), a psicose autoscópica (alucinações
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nas quais um “fantasma” do próprio corpo da pessoas é visto, como em um espelho), a
síndrome de Capgras (delírio de que todas as pessoas relacionadas ao paciente foram
substituídas por cópias exatas, impostores, que se comportam de maneira idêntica), e
síndromes especificas ligadas a certas culturas, como o koro (delírio de que o pênis do
paciente está encolhendo, e desaparecerá em seu abdômen, causando a morte), em
populações do sudeste asiático e algumas áreas da China, e o wihtigo (delírio de ter sido
transformado em um monstro gigante, que se alimenta de carne humana, o wihtigo, ou
windigo), em índios Cree, Okibway e Salteaux, na América do Norte, entre outras.

Transtornos de Humor

O humor, estado emocional interno de uma pessoa, varia normalmente em uma


pessoa, segundo suas experiências de vida, seus sucessos e fracassos em seus projetos,
seus relacionamentos, suas ambições. Dessa maneira, o humor pode estar elevado,
deprimido, ou neutro, em uma ampla faixa da variação, e as pessoas apresentam um
repertório igualmente variado de expressões afetivas. Geralmente, as pessoas estão mais
ou menos no controle de seus humores e afetos, levadas em consideração,
evidentemente, as alterações surpreendentes da própria existência (como a perda súbita
de um ente querido, ou ganhar um grande prêmio em um sorteio, por exemplo).
Os transtornos do humor constituem um grupo de condições clínicas
caracterizadas pela perda deste senso de controle, e uma experiência subjetiva de grande
sofrimento, geralmente sendo relatada uma qualidade inefável, porém distinta, do estado
patológico pelos pacientes. É importante frisar-se uma certa dissociação entre o humor do
paciente e seu estado psicossocial “real”, embora nos casos de depressão maior, muitas
vezes, a funcionalidade social e pessoal acabem por ser comprometidas, levando a uma
congruência do humor e do seu estado “real”.
Os transtornos do humor são divididos em transtornos depressivos e transtornos
bipolares, sendo os pacientes com episódios unicamente de mania (humor elevado,
patologicamente) classificados como tendo transtorno bipolar I, sendo raros os casos em
que não se manifestem também episódios depressivos, no curso da doença destes
pacientes.
Infelizmente, com a opressão sócio-econômica cada vez maior, imposta pelos
modelos e padrões ocidentais de vida, voltada principalmente para a valorização da
19
posição econômica e social, em detrimento dos valores morais, interpessoais, e
religiosos, observar-se uma tendência indiscutível dos indivíduos permanecerem a maior
parte do tempo nas faixas deprimidas do continuum do humor, facilitando a tendência,
também influenciada pelos interesses econômicos, de se diagnosticarem e tratarem em
excesso os transtornos do humor, em especial a depressão leve e a distimia. Outro fator
que contribui para esse excesso diagnóstico e terapêutico são as consultas cada vez mais
breves, ditadas pelas pressões dos sistemas de saúde pública e privada (planos de
saúde), e pela má formação dos médicos, em geral, quanto à visão holística do Ser
Humano.

Transtornos Depressivos

Os transtornos depressivos são caracterizados basicamente pelo humor deprimido,


onde a perda de interesse ou prazer acompanham a sensação de tristeza, a
desesperança, a sensação de inutilidade. O suicídio é uma preocupação constante
quando se trata de pacientes deprimidos, uma vez que cerca de dois terços deles pensa
em se matar, e de 10 a 15% efetivamente cometem o suicídio.
Praticamente todos os pacientes deprimidos queixam-se de uma diminuição de
energia, com dificuldade para terminar tarefas, comprometimento do desempenho na
escola ou no trabalho, e motivação diminuída para assumir novos projetos e tarefas.
A insônia também é frequente, especialmente e caracteristicamente despertando
de madrugada, com múltiplos despertares durante a noite, quando geralmente ficam
pensando sobre seus problemas.
A maioria dos pacientes tem perda de apetite, com correspondente perda de peso,
porém alguns tem a reação contrária. Também o aumento de sono, principalmente a
sonolência diurna, pode ser relatado. Quase sempre os pacientes deprimidos têm,
concomitantemente, queixa de ansiedade, e é comum encontrarem-se já em uso de
medicamentos ansiolíticos.
Basicamente, existem duas entidades clínicas relacionadas apenas à depressão, o
transtorno depressivo maior, e o transtorno distímico, estando a depressão presente
também nos distúrbios bipolares.
Várias condições médicas não-psiquiátricas podem levar a episódios de depressão,
como também algumas substancias químicas, com uma lista bastante extensa de
20
condições e substâncias potencialmente envolvidas, que devem ser afastadas antes de
se diagnosticar um transtorno depressivo.

Transtorno Depressivo Maior

Para se diagnosticar o transtorno depressivo maior, é necessário que haja pelo


menos um episódio depressivo maior, que necessita de um período mínimo de duas
semanas de duração, para ser caracterizado, havendo pelo menos 5 dos sintomas
descritos, concomitantemente, havendo pelo menos o humor deprimido ou a perda de
prazer ou interesse. Com esses critérios mais “rígidos”, espera-se padronizar um pouco
melhor o diagnóstico da depressão, embora em nosso meio nem sempre os critérios
sejam utilizados corretamente.
Os episódios depressivos maiores podem ainda ser classificados segundo sua
gravidade, desde o episódio leve, passando pelo moderado, até os severos, com ou sem
aspectos psicóticos, que por sua vez podem ser congruentes com o humor ou não. Os
transtornos depressivos maiores também são divididos em episódios únicos, os
recorrentes, quando há na história pelo menos dois episódios depressivos maiores, com
pelo menos 2 meses de intervalo, durante os quais não são satisfeitos os critérios para
episódio depressivo maior.
O luto, ou seja, a situação de perda de um ente querido, também pode levar uma
pessoa a reunir os critérios diagnósticos para um episódio depressivo maior, porém não
deve ser considerado como tal, a menos que uma resolução do quadro não ocorra, ou
que os sintomas se tornem especialmente severos, com ideação suicida, sentimento de
culpa (não apenas por omissão), mumificação, ou seja, manter os pertences do falecido
exatamente como estavam antes do óbito, ou uma reação de aniversário particularmente
severa, ocasionalmente incluindo uma tentativa do suicídio.
O curso dos transtornos depressivos maiores é de início agudo, embora sintomas
depressivos significativos possam ser vistos em cerca de metade dos pacientes, mas sem
um transtorno de personalidade definido pré-mórbido, e em geral o primeiro episódio
depressivo maior ocorre antes dos 40 anos de idade. Um episódio depressivo maior não
tratado dura aproximadamente de 6 a 13 meses, sendo que a duração dos episódios
tratados é em média de 3 meses, sendo este o tempo mínimo para o tratamento com
antidepressivos, uma vez que sua suspensão precoce quase sempre resulta no retorno
dos sintomas. Com a progressão do transtorno, a tendência dos episódios é de ficarem
21
mais frequentes, e de maior duração, com uma média de 5 ou 6 episódios ao longo de 20
anos. De 5 a 10% dos pacientes com um diagnóstico inicial acabam por ter episódios
maníacos, num período de 6 a 10 anos do primeiro episódio depressivo, após uma média
de 2 a 4 episódios depressivos maiores.
O prognóstico do transtorno depressivo maior não é tão benigno como acreditam
alguns, comparando com a esquizofrenia. Se é verdade que a maioria dos pacientes
recupera-se completamente após um primeiro episódio, a taxa de recorrência dos
episódios é extremamente alta, chegando a 75% nos 5 primeiros anos. Isso faz deste um
transtorno crônico, com recaídas, e com tendência ao intervalo entre as recaídas de
diminuir, e a gravidade de cada episódio de aumentar, o que pode ser melhorado com o
tratamento psicofarmacológico profilático.

Transtorno Distímico

O transtorno distímico se diferencia do transtorno depressivo maior principalmente


pelo fato de que os sintomas são crônicos, e não-episódios. Caracteriza-se por um humor
deprimido (ou irritável, no caso de crianças e adolescente) durante a maior parte do dia,
na maioria dos dias, cronicamente.
O termo “distimia” significa, literalmente, mal-humor, mas foi alterado na última
revisão do DSM para “transtorno distímico” (provavelmente pra uniformizar a
nomenclatura). Antes de 1980, várias denominações haviam sido dadas para a mesma
situação clínica, como “neurose depressiva”, “personalidade ciclotímica”, “personalidade
melancólica”, “depressão caracterológica”, etc.
Os sintomas clínicos são similares aos do transtorno depressivo maior, porém sua
presença é constante, e em geral de menor severidade, podendo variar em gravidade ao
longo do tempo. Apesar desta severidade menos intensa, o que pesa realmente para o
diagnostico diferencial é a falta de episódios delimitados. Por definição, também, os
pacientes distímicos não têm quaisquer sintomas psicóticos. Deve-se estar atento, no
entanto, para sintomas comuns no transtorno distímico, como a preocupação obsessiva
com questões relacionadas à saúde, e queixas frequentes de tratamento injusto por
parentes, e pessoas de convívio próximo, que podem ser erroneamente interpretadas
como delírios persecutórios ou somáticos, sendo mesmo difícil, por vezes, a
diferenciação.
22
São comuns o divórcio, o desemprego, e os problemas sociais, em decorrências do
transtorno distímico, além de dificuldades de concentração, levando a baixo desempenho
escolar ou profissional, e as queixas físicas e sua investigação (às vezes prolongada)
podem fazer com que o paciente perca muitos dias de trabalho, e até compromissos
sociais.
A estimativa entre os pacientes com transtorno depressivo maior é de que 40%
satisfaçam também os critérios para transtorno distímico, uma situação conhecida como
depressão dupla. Estes pacientes têm prognóstico pior do que aqueles com transtorno
depressivo maior “puro”, devendo ser tratados com direção para ambos os transtornos. O
abuso de álcool e outras substâncias, como estimulantes, maconha, etc., também é
extremamente frequente em co-morbidade com os transtornos distímicos, muitas vezes
sendo difícil determinar se o transtorno distímico levou ao abuso da substancia, ou foi um
efeito do mesmo.
O tratamento dos pacientes com transtorno distímico, classicamente, sempre foi
apenas com psicoterapias, das mais diversas modalidades, sendo muito frequente a
indicação do tratamento psicanalítico, porém os resultados das terapias de longo prazo,
como a psicanálise, deixam muito a desejar, sendo muito mais eficazes as terapias
breves, sendo nos EUA dado ênfase às terapias comportamentais e cognitivas, bem de
acordo com a sua maneira de ver o mundo, voltada para objetivos imediatos e de
“funcionalidade”. Talvez por isso, também, têm-se dado ênfase à terapêuticas
farmacológica, que obviamente melhora os sintomas apresentados, bem como o
desempenho profissional e social, porém não pode ser suspensa, trazendo, de certo
modo, uma nova dependência farmacológica, muitas vezes rejeitada em nosso meio.
Talvez a melhor abordagem seria uma terapêutica combinada, com os antidepressivos
sendo indicados numa fase inicial, concomitantemente com a psicoterapia, até que esta
possa trazer resultados suficientes para que o paciente possa prescindir dos
medicamentos.

Transtornos Bipolares

O que caracteriza os transtornos bipolares, diferenciando-os dos transtornos


depressivos, são os episódios de humor anormalmente elevado, chamados de episódios
maníacos, ou de mania. Estes são caracterizados por humor expansivo anormal, e
persistentemente elevado, ou irritável, com auto-estima inflada, ou sentimentos de
23
grandiosidade, necessidade diminuída de sono, “fuga de idéias”, com fala acelerada,
estando o paciente mais falante que o normal, ou relatando certa “pressão” para
continuar falando, ou com a experiência subjetiva de que os pensamentos estão
“correndo”, distração, aumento na atividade dirigida a um ou outro objetivos, agitação
psicomotora, e engajamento excessivo com atividades agradáveis com alto potencial para
conseqüências dolorosas.
Se os sintomas são suficientemente graves para causar comprometimento
acentuado no funcionamento social ou ocupacional, ou nos relacionamentos costumeiros
com os outros, ou para exigir hospitalização, como um meio de evitar danos a si mesmo e
a outros, ou ainda se existem aspectos psicóticos, o episódio é caracterizado como
maníaco. Do contrário, o episódio é chamado de hipomaníaco, mas para caracterizar a
hipomania, é necessário que haja uma mudança inequívoca no funcionamento, que não é
característica da pessoa, quando assintomática, e também que as perturbações no humor
e a mudança no funcionamento sejam observáveis por outros.
Para caracterizar episódios maníacos ou hipomaníacos, é ainda fundamental que
se afaste a possibilidade de serem decorrentes do uso, abuso ou abstinência de
substâncias, incluindo os tratamentos antidepressivos, e também outras terapias
somáticas antidepressivas, como a eletroconvulsoterapia (ECT), terapia com luzes, etc.
Também a existência de uma condição médica geral, como o hipertireoidismo, impede o
diagnóstico de episódios maníacos ou hipomaníacos, devendo ser abordadas como
episódios devidos à condição em questão.
Os transtornos bipolares se dividem em transtorno bipolar I, transtorno bipolar II,
transtorno ciclotímico.

Transtorno Bipolar I

Antigamente chamado apenas de transtorno bipolar, o transtorno bipolar I é


caracterizado pela presença de um conjunto completo de sintomas de mania durante o
curso do transtorno. Pode haver um episódio maníaco único ou recorrente, sendo
possível um ou mais episódios depressivos entre os episódios recorrentes de mania. Para
caracterizar o transtorno bipolar I, episódio maníaco único, é necessária a ausência de
qualquer episódio depressivo maior no passado. Caso seja o primeiro episódio maníaco,
mas com episódio(s) depressivo(s) no passado, já se pode caracterizar o transtorno
bipolar I com episódios recorrentes.
24
Existem também os episódios mistos, em que tanto os critérios para um episódio
depressivo maior quanto os critérios para um episódio maníaco se encontram presentes
ao mesmo tempo.
No curso do transtorno bipolar I podem haver também episódios hipomaníacos,
porém é necessário, para o seu diagnóstico, pelo menos um episódio maníaco ou misto.
Um paciente em episódio maníaco é geralmente expansivo, e frequentemente
contagia as pessoas com quem se relaciona, podendo às vezes ser difícil o diagnóstico,
por uma relação contra-transferencial. Muitas vezes elabora histórias complexas, de difícil
verificação quanto à sua veracidade, dando a impressão, à primeira vista, de seus relatos.
Geralmente as pessoas não envolvidas com o paciente não reconhecem o humor
inusitado do paciente, mas os familiares e pessoas de convívio próximo percebem
nitidamente a sua mudança. Muitas vezes, por verem frustrados seus “planos
mirabolantes”, os pacientes passam gradualmente de um estado de euforia para outro de
irritabilidade, e podem tornar-se agressivos.
No hospital, tendem a testar insistentemente os limites das regras, transferir
responsabilidades por seus atos para outrem, promover a discórdia entre as equipes de
tratamento, por vezes seduzindo, por vezes agredindo o pessoal direta ou indiretamente
envolvido em seus cuidados. Fora do hospital, têm tendência a abusar de álcool, e às
vezes de outras drogas, engajar-se em jogo patológico, chamar muito a atenção sobre si,
com roupas de cores berrantes, maneiras espalhafatosas, e tom de voz elevado. Têm
geralmente senso de convicção e propósito elevados, preocupando- se frequentemente
com idéia religiosas, políticas, financeiras, etc., muitas vezes evoluindo para sistemas
delirantes complexos, tão mais difíceis de se diferenciar de sistemas filosóficos “normais”
quanto maior for a bagagem cultural prévia do indivíduo.
O curso do transtorno bipolar I é quase sempre um de recorrências, sendo raro que
permaneçam com episódios maníacos únicos. Apenas 7% dos pacientes não tem uma
recorrência dos sintomas, e a grande maioria, na verdade, inicia pela depressão (75% das
vezes nas mulheres, e 67% nos homens). A grande maioria tem tantos episódios
maníacos quanto depressivos, porém de 10 a 20% permanecem tendo apenas episódios
maníacos. Os episódios maníacos, sem tratamento, duram por volta de três meses, não
devendo a terapêutica ser interrompida antes de decorrido este período. O tempo entre os
episódios costuma diminuir com a progressão do transtorno, mas costuma estabilizar-se
após 5 ou 6 episódios, em cerca de 6 a 9 meses de intervalo. Alguns pacientes,
25
entretanto, têm episódios com ciclagem rápida, trazendo maior angústia a seus familiares,
amigos e colegas.
O prognóstico é pior do que o do transtorno depressivo maior, com apenas 50 a
60% dos pacientes adquirindo um controle significativo de seus sintomas com a terapia
profilática das recorrências com medicação, e com uma alta frequência de sintomas
crônicos, com delírio social significativo em cerca de um terço dos pacientes. Apenas 15%
dos pacientes com transtorno bipolar I permanecem bem, a longo prazo, a despeito do
tratamento medicamentoso e psicoterápico.

Transtorno Bipolar II

O transtorno bipolar II é caracterizado por episódios depressivos maiores,


associados a episódios de hipomania, sem episódios de mania, nem episódios mistos. Na
verdade, pode ser difícil distinguir episódios de hipomania de uma certa euforia natural,
nos pacientes que se recuperam de um episódio depressivo maior. Também os episódios
de hipomania podem ser desencadeados pelo uso de antidepressivos, caso em que não
se pode fazer o diagnóstico de transtorno bipolar II.
Esta categoria diagnóstica só foi introduzida na 4ª revisão do DSM, portanto é uma
categoria “nova”, sobre a qual não dispomos, ainda de estudos suficientes.
Aparentemente, trata-se de um diagnóstico estável, permanecendo os pacientes com o
mesmo diagnóstico numa revisão após 5 anos do primeiro diagnóstico. Parece ser uma
doença crônica, exigindo tratamento a longo prazo, sendo ainda incerto se o tratamento
indicado para o transtorno bipolar I tem a mesma eficácia no transtorno bipolar II, mas
sendo certo que o tratamento isolado com antidepressivos deve ser visto no mínimo com
cautela, pela alta frequência de precipitação de um episódio maníaco.

Transtorno Ciclotímico

Em termos sintomáticos, o transtorno ciclotímico é uma forma leve do transtorno


bipolar I, caracterizando-se por episódios de hipomania e de depressão leve, jamais
satisfazendo os critérios para episódios depressivos maiores, nem para episódio
maníacos, com presença mais ou menos constante dos sintomas por dois anos (ou um
ano, no caso de crianças e adolescentes).
Os sintomas são idênticos aos do transtorno bipolar I, exceto por serem menos
severos, ou de menor duração. Os pacientes que têm os sintomas depressivos como
26
proeminentes tendem a procurar auxílio psiquiátrico com muito maior frequência do que
aqueles em que são mais evidentes os sintomas hipomaníacos. Quase todos os
pacientes têm também períodos de sintomas mistos, com irritabilidade acentuada.
As pessoas com transtorno ciclotímico têm uma tendência ao insucesso
profissional e social, devido à sua condição, mas alguns pacientes podem chegar a
resultados consideráveis no trabalho, por haverem trabalhado muitas horas por dia, em
decorrência da falta de necessidade de sono.
Os ciclos do transtorno tendem a ser muito mais curtos que os do transtorno bipolar
I, com alterações irregulares e súbitas de humor, às vezes ocorrendo em questão de
horas. Frequentemente os pacientes sentem que seu humor está fora de controle,
levando a stress e irritabilidade. O abuso de álcool e de outras substâncias é comum, com
cerca de 5 a 10% dos pacientes apresentando dependência de uma ou mais substâncias.
O início dos sintomas é geralmente insidioso, na adolescência e início da idade
adulta, por vezes comprometendo o desempenho escolar, e sua capacidade de
socialização. O prognóstico é variável, com cerca de um terço dos pacientes evoluindo
para um transtorno de humor maior, mais comumente o transtorno bipolar II. Os demais
tendem a ter um curso crônico, necessitando de tratamento medicamentoso e
psicoterápico de longo prazo, muitas vezes por toda a vida.

Transtornos de Ansiedade

A ansiedade é uma resposta bio-psicológica normal, comum não apenas a todos os


seres humanos, como também à maior parte da escala biológica animal, e tem a função
biológica de promover um estado de alerta mais aguçado, levando o indivíduo a se
preparar antecipadamente para enfrentar uma possível ameaça à sua integridade física.
Um sinal similar de alerta é o medo, distinguindo-se da ansiedade pelo fato de ser
especificamente direcionando, a uma ameaça conhecida, externa, definida, enquanto a
ansiedade é dirigida a ameaças desconhecidas, vagas, internas, ou de origem conflituosa.
Toda pessoa que já viu em um ambiente obscuro, com probabilidade de ocorrência
de eventos surpreendentes, sabe como são as sensações da ansiedade, marcadas pela
ação do Sistema Nervoso Autônomo Simpático, com transpiração, taquicardia,
desconforto abdominal, inquietação, midríase (dilatação das pupilas), etc. Tal reação tem
a intenção de preparar o indivíduo para fugir ou lutar, e em tempos remotos deve ter
27
servido para a preservação da nossa espécie (e de outras), na constante luta pela
sobrevivência.
No entanto, em dias atuais, tal reação raramente se justifica, uma vez que ficamos
ansiosos geralmente por “perigos” que não trazem riscos reais à nossa existência, como
contas por pagar, empregos por manter, relacionamentos pessoais por estabelecer ou
romper... Quem pode dizer que nunca ficou ansioso por um primeiro encontro com uma
pessoa amada?
OBS.: O próprio nome “Simpático” para o sistema adrenérgico, que comando esta
reação, é devido ao fato de que nos tornamos mais atraentes aos termos nossas pupilas
dilatadas, nossas faces ruborizadas, nossa respiração acelerada... Talvez por isso se diga
que o Amor e o Perigo andem sempre de mãos dadas!
O estudo e entendimento da ansiedade está na verdade no cerne da própria
psicanálise, e as diversas formas de manifestação da ansiedade e o seu tratamento, na
linha psicanalítica, serão estudadas em todo o decorrer do curso. Cabe aqui citarmos
apenas algumas entidades clínicas especificas, em que o tratamento psicanalítico,
embora indicado, deve ser acompanhado de pelo menos uma avaliação quanto a
adequação de uma terapêutica biológica.

Pânico

Desde 1980, na publicação do DSM-III, foi oficialmente definido o conceito do


transtorno de pânico, e evidências importantes foram se acumulando a seu respeito. Hoje
não há dúvida de que o tratamento deve incluir terapêutica medicamentosa associada à
psicoterapia.
O transtorno de pânico, também chamado de Síndrome do Pânico, é caracterizado
pela ocorrência espontânea e inesperada de ataques de pânico. Estes têm duração
relativamente breve, geralmente de alguns minutos a menos de uma hora, e são
caracterizados por intensa ansiedade ou medo, acompanhados de sensações somáticas
como palpitações, taquipnéia e sudorese. Muitas vezes os pacientes com pânico
procuram inicialmente os clínicos e cardiologistas, suspeitando eles mesmos de algum
distúrbio em seus corações, pulmões ou estômagos, muitas vezes submetendo- se a uma
série de exames complementares, e após resultarem negativos os exames, são
encaminhados diretamente ao psicanalista, com rótulo de “histéricos”.
28
A frequência dos ataques de pânico é variável, desde apenas alguns ataques
durante o ano até várias vezes por dia. Frequentemente, o distúrbio é acompanhado por
agorafobia (do grego agorá = assembleia, praça pública + phobia = medo), ou medo de
estar sozinho em lugares públicos ou abertos e amplos, especialmente se a saída deste
lugar se torne difícil, no caso de ocorrer uma crise de pânico. Isto pode levar a uma séria
disfunção pessoal e social, prejudicando o indivíduo em situações não diretamente
relacionadas, como o trabalho e coisas simples, como fazer compras em um
supermercado, por exemplo. Aparentemente, a agorafobia é uma consequência
dos ataques de pânico, desenvolvendo-se à medida em que os pacientes se
tornam receosos de seus ataques e de suas conseqüências.
Durante um ataque de pânico, o paciente geralmente tem uma sensação de medo
extremo, de morte e catástrofe iminentes, mas não consegue identificar a fonte destes
temores. Isto pode levar a uma certa confusão, que se associa a uma dificuldade de
concentração, agravados pelos sintomas físicos. Mesmo contra qualquer raciocínio
“lógico”, o paciente interrompe e procura abandonar qualquer situação em que se
encontre, para buscar ajuda. Esses sintomas desaparecem, rapidamente ou
gradualmente, após em média 20 a 30 minutos (raramente durando mais de uma hora).
Às vezes os pacientes chegam a ter episódios de síncope (desmaios) durante os ataques
(cerca de 20% dos pacientes).
O transtorno de pânico tem seu início geralmente no final da adolescência e início
da idade adulta, e tem em geral um curso crônico, porém muitas vezes benigno, com
cerca de 30 a 40% estando livres de sintomas a longo prazo, 50% com sintomas leves,
que não afetam significativamente suas vidas, e apenas 10 a 20% com sintomas
importantes. O tratamento farmacológico, associado à psicoterapia, tem alto índice de
eficácia, embora muitas vezes haja uma elevada taxa de recaída, mesmo quando o
tratamento medicamentoso se estende por períodos de um ano ou mais.

Fobias

Uma fobia é um medo irracional que provoca o constante esquivar-se do objeto,


atividade ou situação temidos, com importante sofrimento do indivíduo, que reconhece
sua reação como sendo excessiva. Além da já citada agorafobia (vide acima),
caracterizam-se também as fobias específicas (em relação a um objeto, animal, sangue,
29
elevador, etc.) e as fobias sociais, com medo de humilhação em vários contextos sociais,
como falar em público, ou até urinar em um toilete público.
Geralmente as fobias levam o indivíduo a evitar (ou tentar evitar) o estímulo
específico, por vezes levando a situações extremamente embaraçosas, como por
exemplo ter de viajar grandes distâncias de carro ou ônibus, enquanto todo o resto de
uma equipe profissional ou de um grupo social viaja em um avião, ou ter que subir vários
andares em escadas, por medo de elevadores.
Não existem drogas específicas para o tratamento das fobias, e a psicanálise deve
ser um pouco mais “agressiva”, pela tendência destes pacientes a se esquivarem dos
objetos de suas fobias. As várias técnicas de terapia breve, principalmente a hipnoterapia
e a terapia de dessensibilização têm se mostrado mais eficazes na resolução destes
transtornos.

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