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~iu~io-tec~ ~~Fie~

Downloads de hvros e matena1s de RPG !


Marcelo Cassara "Paladino"

Dicas de Mestre
Dragão Brasil Especial

TRAMA
//\'/<' livro, assim como boa parte de minha carreira,
é dedicado aos RPGistas de todo o Brasil.
Sucessos decisivos a todos vocês.
Agradecimentos a:
Rogério Saladino e J.M.Trevisan,
por também escreverem algumas
Dicas de Mestre e aliviarem minha barra.

Awano, Petra, Fran, Akemi, Megumi,


Edu, Vazzios, Riamonde, Reis e Jae,
pela realização de um sonho.

Joe, por acreditar (sei lá por que motivo)


que eu poderia desenhar um título do Mangaverse.

Gregorio, por Holy Avenger estilo Vertigo.

Del Debbio e Norson, por ocasionalmente


mandar notícias que alegram meu dia.

Fernanda Gomes, por todas


aquelas conversas sobre tijolos.

Fernanda Ribeiro, por ser a primeira a notar.

Sérgio Peixoto, pelo Animecon.

Douglas Reis, por tudo


que tem feito pelo RPG no Brasil.

Rafael o Grande, Roberto o Maior,


Chen, Zulu, Humberto e Gian,
por aturarem um Mestre sem tempo
para ler direito as aventuras antes de mestrar.

.Joyce, Marco Poli, Feu, Neto, Urso e Betão, por aturarem


Klunk o Bárbaro e outras de minhas excentricidades:
Sumário
Apresentação . . .. . . . .. . . . .. . . . ... . . . .. . . . .... . .. .. . .. . . . .. . . .. . . ... . . 11
1 - Como ser um Mestre . . . ... . . . .. . . . ... . . .. .. . ... . . ... .. .. .. . 15
II - A morte dos heróis ......... .......... . . .. ..... ...... .. . .... 18
III - Quebrando regras . ... .. .... .. .. ... .. .. ... .. .. ... ... . .. .. . .. 22
IV - Overpower .. .. .. .. .......... .. ... . ...... .. .. ... ... .. ... .... .. . 26
V - Aventuras e campanhas..... .......... ................... 30
VI - Matar-pilhar-destruir ................................... 34
VII - Regulamentos . ... . ... . . ... . . . .. . . ... . .. .. . .. .. . ... . . . . . ... . 3 8
VIII - O único monstro ............ ..................... ....... 42
IX - M emórias . . ... .. . ... .. .... ... .. . ..... ... .. .. . .. ... .. . . . .. . ... . 46
X-Arena .........................................:............. .. .. .. 49
XI-O Vilão ............. ........................................... . 52
XII - Inteligência .. .. ...... .. .......... ... .... . . ... . . ... . . .. ... .... 5 6
XIII - Sortudos .. . . . ... . . . .. . . . ... . . .. .. . .. .. . ... . . . .. . . . ... . . . . . . .. 60
XIV - Demóstenes ...... ...... ........ .. . ...... ... . .. ... .. . .. .... 64
XV - Carisma ............................................ .......... 68
XVI - Longevidade................ ........... .. ............ ..... 73
XVII- Sangue novo .......................................... :.. 78
XVIII- Trabalho de equipe............. ....... ..... ... ..... . 82
XIX - Coadjuvantes. ..... ................ ....... ................. 87
XX - Traidores ... .. ... ..... ... ................ .. .. . .. . .. .. ... . . ... . 92
XXT - Gênese .. .. .. .... ..... ... ... .. ..... ..... ... .. ... . .. ... .. . ... . . 97
XXII - Gênese II ................ ............. .. .................... 104
XXIII - Gênese ll 1..... ............. ............................... 112
XXIV - Quando os dados rolam........................... 122
XXV - Deixando sua marca ............................ ...... 127
XXVI-Background ............................................ 132
xxvn - By Night ........................................ ........ 139
Glossário ................. .......................................... ... 149
Apresentação

Ser editor da Dragão Brasil tem sido uma experiência única.


No início de meus tempos como jogador (fim dos anos 80,
p<.: lo que me lembro), o cenário dos jogos de RPG no Brasil era bem
diferente. Muito pouco se sabia sobre o hobby em nosso país. Quase
lodos os jogadores eram estudantes universitários, com acesso a li-
vros importados e domínio da língua inglesa. Eram poucas as livra-
' ias onde podíamos encontrar nossos jogos favoritos.
Títulos em língua portuguesa podiam ainda ser contados nos
d<'dos. Tínhamos Aventuras Fantásticas, série de livros-jogos que
apresentaram o RPG para muitos de minha geração. GURPS, primeiro
lftulo publicado pela Devir Livraria, que mais tarde se tornaria a
111aior editora brasileira especializada neste tipo de jogo. Tagmar, o
primeiro jogo deste tipo criado e publicado por bras ileiros. E
l>ungeons & Dragons, o primeiro e mais tradicional RPG do mundo,
l'111 uma versão publicada em Portugal - sendo justamente este o

primeiro Jogo de Interpretação com que tive contato.


Obviamente, o número de RPGistas (palavra que nem existia na
1'poca) no Brasil era pequeno demais - nada comparado ao número

11
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

de jogadores de videogame, por exemplo. Revistas especializadas


sobre videogames já existiam, mas não uma voltada para RPG. Joga-
dores veteranos talvez se lembrem da Dragão Dourado, uma revis-
ta em quadrinhos com histórias de fantasia medieval e um encarte
sobre jogos de RPG. Mas era tudo.
Parecia um cenário arriscado para se tentar uma publicação
mensal, mas valia a pena tenLar. A revista Dragão Brasil teve início
em 1994, com o nome Dragon emprestado de uma publicação im-
portada (e devolvido pouco depois). Na época era toda em preto e
branco, com ilustrações escassas (muitas minhas, no início) e
diagramação simples. Mais parecia um fanzine de luxo. Os "mem-
bros fundadores" eram eu mesmo, Roberto Moraes e Grahal Benatti,
dois antigos colegas de jogo. Destes, apenas eu não escolhi seguir
outros caminhos.
Parti para a empreitada já com alguma experiência como edi-
tor - em revistas de videogames - , mas não como editor de RPG.
Nenhum de nós tinha muita idéia sobre como prosseguir. Não havia
no Brasil nada parecido com esse tipo de publicação, nada que pu-
déssemos usar como base.
Conhecíamos a Dragon Magazine, a Pyramid e outras revistas
norte-americanas, mas o cenário do RPG eu seu país de origem era
muito diferente do nosso. Por lá, tínhamos a dominação total de
Advanced Dungeons & Dragons, enquanto no Brasil reinava GURPS,
e Vampiro: a Máscara começava uma ascensão que levaria este j ogo
ao topo da preferência nacional pelos anos seguintes.
Grande parte do desafio em manter nas bancas a Dragão Bra-
sil estava (ainda está) em descobrir aquilo que o público queria. Os
jogos mais populares, os temas e gêneros, o tipo de material, a lin-
guagem. Em certos períodos nossas páginas eram mais ligadas a
jogos eletrônicos; em outros, mais voltadas à literatura, com rese-
nhas e contos. A identidade da Dragão Brasil mudou muitas vezes,
nem sempre agradando a certa parcela do público - mas, felizmen-
te, sempre aprovada pela maioria.
Nos dias de hoje, a Dragão Brasil tem como meta principal ser
clara e acessível. Mostrar os jogos de RPG como algo simples, desfa-

12
DICAS DE MESTRE

zero mito de "jogo complicado" ou "jogo de maluco" que tem cau-


sado tantos problemas ao hobby. Leitores antigos queixam-se da
ausência de material avançado. Não os censuro, eles estão certos.
Mas é o preço a pagar para que todos compreendam melhor o RPG e
não tenham reservas quanto a ele.
Ao longo da história da Dragão Brasil, descobrimos desde o
infcio uma das seções favoritas dos leitores: as "Dicas de Mestre".
Sem oferecer personagens, aventuras, magias, artefatos ou monstros,
esta parte da DB tratava da resolução de problemas que surgem na
mesa de jogo. Começou discreta, com uma página. Cresceu para duas,
às vezes três ou quatro. E ganhou uma irmã, Troubleshooters - nome
emprestado do jogo futurista Paranóia, para designar seus agentes
especiais que resolvem os problemas do Complexo Alfa.
Dicas de Mestre tinha, no início, apenas textos meus - somen-
te muito mais tarde comecei a dividi-la com meus amigos Rogério
"Katabrok" Saladino, J. M. Trevisan e raros outros. Era uma de mi-
nhas partes favoritas da revista, quase um tipo de editorial onde eu
partilhava minhas opiniões, teorias e soluções com outros jogado-
res. Tratava de técnicas para jogar melhor, para tirar o máximo pro-
veito do RPG.
Hoje em dia não encontro tempo para me dedicar à Dragão
Brasil tf(nto quanto gostaria. A revista-mãe resultou em todo um
segmento, e outras publicações tomam minha atenção. Escrever as
Dicas de Mestre tem sido raro - e cada vez mais difícil. Talvez por-
que, após tanto tempo, eu já não tenha tanta coisa assim para dizer.
A sugestão para elaborar uma coletânea deste material partiu
de meu amigo Marcelo Dei Debbio, também autor e editor de RPG.
Não estou muito certo sobre seu sucesso. A maior parte dos artigos
tem ligação com jogos antigos, especialmente AD&D, que nem exis-
te mais no Brasil. Sei que apenas jogadores veteranos vão entender
a maior parte das referências.
No entanto, fiquei surpreso certa vez quando o desenhista Roger
Cruz declarou que também lia as Dicas de Mestre. Apesar da "ter-
minologia RPGista", ele encontrava ali conselhos úteis sobre criação
de personagens, cenários e histórias.

13
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Desnecessário dizer como fiquei lisonjeado.


Imagino, então, que deve existir alguma coisa positiva em reu-
nir os primeiros anos de Dicas de Mestre em um único livro. Não sei
exatamente o que é. Mas espero que vocês descubram, e então me
contem.

Marcelo Cassara "Paladino"

14
1
Como ser um Mestre
Ao Mestre de Jogo cabe uma grande
responsabilidade no RPC:
tornar a aventura emocionante

Artigo publicado na Dragão Brasil# 03

Game Master, Dungeon Master, Mestre de Jogo ou simples-


mente Mestre. Os nomes são muitos, mas o significado é o mesmo:
o Mestre é aquele que guia os jogadores em sua jornada através dos
mundos fantásticos do RPG. Se o jogo de RPG é considerado uma
aventura, o Mestre é o roteirista dessa aventura. Todo-poderoso em
seus domínios, ele cria os perigos a serem enfrentados pelos heróis.
Coloca armadilhas em seu caminho, espalha monstros pelas caver-
nas, concede grandes poderes aos vilões - mas também esconde
1csouros valiosos e artefatos mágicos para recompensar os aventu-
reiros por sua coragem.
Muitos mitos cercam os Mestres de Jogo: quem são? O que
fazem? Como conquistam esse título pomposo? Eles são mais inte-
ligentes ou experientes que os outros jogadores? Leva muito tempo
para se tornar um Mestre? Exige muito esforço? Qual nada! Qual-
quer jogador de RPG, experiente ou não, pode ser um Mestre. Até
mesmo alguém que NUNCA jogou RPG antes pode vir a se tornar
Mestre. As únicas exigências são um pouco de imaginação, sensa-
lcz e - principalmente - um bom conhecimento das regras do jogo.

15
DRAGÃO BRASlL E S PECIAL

Mestrando uma partida

Vamos imaginar que você é uma pessoa audaciosa que resolve


se tomar RPGista. Vá até sua loja ou livraria favorita, escolha o RPG
que mais lhe agradar e compre-o. Leve para casa e leia as regras
com atenção. Muito provavelmente, quando reunir seus amigos à
volta da mesa para a partida, VOCÊ será o Mestre. Viu como é fácil?
Comece explicando aos jogadores como funciona este jogo
tão diferente. Diga que, no RPG, cada jogador deve interpretar um
herói (só jogadores experientes podem jogar com mais de um per-
sonagem). Deixe então que os jogadores inventem seus persona-
gens favoritos , seguindo sua orientação. Ou, melhor ainda, prepa-
re alguns personagens com antecedência e depois deixe que eles
escolham.
Você já tem os heróis da história. Agora falta a própria história
- ou aventura, como chamamos no RPG. A aventura é o desafio que
será proposto aos heróis, e geralmente será entrar em uma catacumba
em busca de tesouros. Quase todos os RPGS vêm com uma aventura
pronta para auxiliar os Mestres iniciantes. Use-a. Será melhor que
você tenha lido toda a aventura com antecedência, para evitar cha-
teações no meio do jogo.
Agora vem a parte difícil do cargo de Mestre: apresentar a his-
tória aos jogadores. Se isso não for feito corretamente, eles não vão
pegar o espírito do jogo. Você precisa colocar o jogo na imaginação
deles - afinal, além de roteirista, você também é o narrador. Seja
dramático. Capriche no tom de voz. Se quiser, crie um clima tene-
broso com velas e uma música de fundo. Vale tudo!

Justiça do Mestre

A aventura começou! A euforia toma conta de todos, os joga-


dores exploram as possibilidades de seus personagens. Começam a
matar goblins, escutar atrás das portas e vasculhar paredes em busca
de passagens secretas. Deixe que fiquem à vontade. Você está con-
seguindo, está atingindo o objetivo do RPG: ninguém ganha e nin-

16
DICAS DE MESTRE

guém perde, todos se divertem. Mas tenha cautela! Se não souber


dosar os ingredientes agora, vai colocar tudo a perder!
Como Mestre de Jogo, você é um verdadeiro deus! Pode criar
um terremoto que faça desabar a caverna sobre os heróis, ou fazer
surgir um dragão que matará todos com um único sopro de fogo.
Isso é válido pelas regras, mas, se fizer isso, os jogadores vão se
chatear. Talvez não queiram jogar de novo. É preciso ser um deus
generoso e bondoso para evitar essa tragédia. Não exagere nos peri-
gos, não use monstros demais. Coloque alguns tesouros nos bolsos
dos inimigos derrotados, para que os jogadores sintam-se recom-
pensados. E guarde aquele dragão poderoso para o final da aventu-
ra, quando os heróis já tiverem encontrado algumas armas e arma-
duras mágicas para melhorar suas chances. Será um clímax perfeito.
Por outro lado, você não pode deixar as coisas fácei s DEMAIS.
Nenhuma partida de RPG tem graça se não houver perigo, emoção,
aventura. Dê aos heróis boas batalhas. Ao escolher os monstros, não
fiqu e restrito apenas aos kobolds, goblins e ores manjados. Use
monstros exóticos e desconhecidos. Incentive os jogadores a usa-
1cm o cérebro de vez em quando (é mais fácil vencer um gigante

mm uma boa mentira do que com uma espada). Se ficarem conven-


cidos demais, obrigue-os a fugir de uma luta pelo menos uma vez.
Tente não matar ninguém, a menos que o jogador faça uma burrice
ta o grande que isso seja inevitável. Mesmo assim, você pode
1cssuscitá-lo depois com alguma poção mágica.
Esse é o papel do Mestre de Jogo. Se fizer tudo corretamente,
os jogadores vão ficar satisfeitos com a brincadeira. E, se achar que
mlo se divertiu tanto quanto eles, espere só: pode estar certo de que
pe lo menos um dos jogadores pedirá para ser o Mestre na próxima
aventura ...

17
II
A morte dos heróis

Matar os personagens é uma opção arriscada.


Mas, quando bem empregada,
pode dar um sabor especial à aventura

Artigo publicado na Dragão Brasil# 05

A carta do leitor Maurício Salles Delayti, publicada na


seção Pergaminhos dos Leitores em Dragão Brasil # 03, le-
vantou uma polêmica interessante: os heróis devem morrer?
Alguns Mestres de Jogo são verdadeiros sádicos, que não pe-
gam o verdadeiro espírito do RPG e jogam "contra" os persona-
gens, matando-os indiscriminadamente - das maneiras mais
hediondas que as regras permitirem. Esses Mestres, contudo,
não conservam o cargo por muito tempo: fatalmente os joga-
dores vão se revoltar e abandonar o grupo, ou então eleger
outro Mestre para suas partidas.
Nem por isso, entretanto, a morte dos heróis deve ser to-
talmente descartada pelo Mestre. Afinal, uma aventura de RPG
sempre tem perigos - e perigos costumam matar. Se os heróis
nunca morressem, ninguém precisaria de Pontos de Vida. E as
partidas seriam um bocado chatas, pois não haveria riscos. Um
Mestre homicida provoca a revolta dos jogadores, mas, um
Mestre que nunca mata ninguém acaba criando verdadeiras

18
DICAS DE M ESTRE

aventuras "sedativas". Sem falar que os jogadores podem ficar


mal-acostumados e se acharem imortais: nunca recuam, nem
mesmo diante do maior dos dragões - e o Mestre não conse-
guirá mais detê-los, exceto com suas mortes.

Como e quando matar?

Em RPG, a morte É REALMENTE necessária. Mas você,


como Mestre, deve saber o momento certo de administrá-la.
Não tente bancar Deus e sair por ai matando heróis
indiscriminadamente - ou por motivos que apenas você co-
nhece. Isto aqui não é vida real, e nem se parece com vida real!
Uma aventura de RPG é como o roteiro de um filme: se o públi-
co (os jogadores, no caso) não gostar, não vai mais assistir fil-
mes dirigidos por você.
Aliás, você pode se inspirar nos filmes, livros e gibis para
aprender a explorar melhor a morte dos heróis. Quase sem-
pre, a morte de um personagem acontece no fim da história e
serve para salvar o mundo. Foi assim em O Exterminador do
Futuro 2, em que o ciborgue Arnie mergulhou em um tanque
de aço derretido para destruir os segredos de sua fabricação;
ou em Aliens 3, em que Rypley fez a mesma coisa para que o
embrião alienígena em seu corpo não caísse nas mãos dos
vilões.
O assassinato de um parceiro pode servir também como
tema para a aventura. Na história em quadrinhos A Morte de
Robin, o garoto-prodígio foi morto pelo Coringa-que, por sua
vez, foi perseguido por um Batman furioso e vingativo. Nesse
caso, o personagem morto não precisa ser necessariamente um
dos aventureiros: pode ser uma donzela que pede ajuda, um
cavaleiro que se une ao grupo, ou até um animal ferido. Esse
fi gurante participa da aventura por algum tempo, o suficiente
para conquistar a afeição ou respeito dos heróis, e depois é

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DRAGÃO B RASIL EsPECIAL

morto pelo vilão da hi stória - o que daria aos aventureiros a


motivação adicional da vingança.
Você pode também matar um herói para fazê-lo ressusci-
tar oportunamente, em uma volta triunfal. Certos seriados ja-
poneses adoram abusar desse recurso: Ultraman, UltraSeven,
Jiban e Black Kamen Rider são apenas alguns dos super-he-
róis nipônicos que mo1Teram nas mãos de seus inimigos - ape-
nas para retornarem no episódio seguinte, mais poderosos do
que antes e dispostos a dar o troco. E, claro, não podemos es-
quecer do que aconteceu em A Morte do Super-Homem (al-
guém achou que ele ia MESMO continuar morto?).
Por fim, a morte pode ser apenas um sustinho - um aviso
para que um jogador muito impetuoso tenha mais cautela. Você
pode matar o sujeito e fazê-lo ressuscitar pouco depois, com
alguma poção mágica, um aparelho miraculoso ou por simples
intervenção divina. Mas cuidado: não deixe os jogadores pen-
sarem que seus heróis serão ressuscitados sempre que morre-
rem, ou você terá nas mãos um bando kamikaze !

O papel do morto

Nem toda a responsabilidade de uma boa morte, sem trau-


mas para o jogador, recai sobre o Mestre. O jogador também
deve estar disposto a aceitar isso numa boa. Jogadores novatos
tendem a se apegar demais aos personagens, e ficam extrema-
mente deprimidos quando eles morrem. Eles colocam nos he-
róis parte do que são - e não é agradável ver essa parte morrer.
Está errado! Jogadores experientes não ligam a mínima se seu
personagem morre, principalmente se ele morreu salvando o
mundo ou cumprindo sua missão. Um herói de RPG é como
uma fantasia que você veste, um papel que você representa.
Ele não é real. Você o fabricou com imaginação, criatividade e
alguns minutos debruçado sobre uma planilha - e esses mate-

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DICAS DE M ESTRE

1 rai s você tem de sobra. Se o herói morre, NENHUM pedaço seu


va i com ele.
Aprenda a receber com naturalidade a morte de seu herói.
Nito use apenas um, tenha sempre vários personagens favori-
111s. Acostume-se a interpretar tipos diferentes. Seu persona-
ptm morreu? Então faça outro. Você gostava dele? Então faça
1111Lro parecido. Você ficou chateado? Não fique.

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III
Quebrando regras
Saiba como e quando mudar as regras de seu RPG

Artigo publicado na Dragão Brasil# 06

Como todos j á sabemos, RPG quer dizer Role Playing Game -


ou Jogo de Interpretação de Papéis.
Os jogadores participam como personagens de uma história fan-
tástica que se desenrola em sua imaginação. Os jogadores são prota-
gonistas de um filme interativo, atores de uma peça teatral improvi-
sada, heróis de uma história que vai sendo escrita à medida que acon-
tece. Uma espécie de "Realidade Virtual" sem computador.
O fundamento do RPG não é nada revolucionário. Já existia há
milhares de anos, antes mesmo da linguagem falada, quando ho-
mens das cavernas simulavam caçadas dançando à volta de suas
fog ueiras. Podemos recuar mais ainda no tempo, quando sequer exis-
tiam seres humanos...:. e os filhotes de cinodite, o ancestral pré-histó-
rico do cão doméstico, simulavam lutas de brincadeira para aperfei-
çoarem-se para as caçadas que viriam. E, ao contrário do que se
pode pensar, o costume perdura até os dias hoje: as brincadeiras de
"caubói-e-índio'', "polícia-e-ladrão", e até de "casinha" estão aí para
provar. Fazer-de-conta é parte integrante de nossa vida, de nosso
crescimento, de nossa preparação para as dificuldades do futuro.

22
DICAS DE MESTRE

Então, qual a diferença entre o sofisticado RPG e o simples faz-


cl1· conta? São as regras. Nas brincadeiras de polícia-e-ladrão são
1 11muns as discussões do tipo: "Eu acertei o tiro! Você tá morto,

111a!"; "Não acertou, seu verme! Eu estava atrás do poste!"; "Eu


ttlirei quando você espiou!"; "Mas eu estava usando colete à prova
d1· bala!", e por aí vai. Sem regras específicas, não há como evitar
1·..,sc tipo de confusão. Por isso precisamos dos sistemas de RPG e
dos regulamentos que eles trazem: para evitar apelações. Em um
lll'(J não haveria dúvidas sobre a existência de um colete à prova de
ludas - pois ele estaria registrado na Ficha ou Planilha de Persona-
1•1•m. E o tiro do ladrão seria resolvido com uma mera jogada de
dados, computando os eventuais modificadores do poste e do cole-
h' . Sem problemas!

As regras opcionais

As regras de um RPG, contudo, não são sagradas ou invioláveis.


11lns apenas servem como base de apoio, e podem ser mudadas. É aí
q11 0 e ntram as chamadas regras opcionais, aquelas que o grupo ado-
111 apenas se quiser. Elas não são absolutamente necessárias ao jogo,
,.,., vem somente para dar um sabor especial.
Para adotar uma regra opcional, o ideal é que os jogadores e o
Mt•stre concordem com ela. Claro que um Mestre pode impor uma
11•gra pela força, mas, geralmente, um sujeito desses não consegue
1111·sLrar por muito tempo: os jogadores ficam chateados e abando-
1111111 o grupo - ou, digamos, solicitam a renúncia do Mestre!
Alguns RPGs já vêm com regras opcionais. No AD&D, por exem-
plo, existe a regra opcional chamada Proficiences (Proficiências,
P1·rfcias) : sem Proficiências, um personagem sabe usar qualquer
tipo de arma e consegue executar qualquer ação comum - como
1111dar a cavalo, caçar, nadar, cozinhar, dar nós, se disfarçar, etc. Isso
11110 é muito realista, já que nem todo mundo saber fazer de tudo,
l1•1t o MacGyver. Contudo, usando Proficiências, cada personagem
,,,, sabe usar determinados tipos de armas -e deve escolher em uma
1t ... 1a as coisas "comuns" aqui lo que sabe fazer. Com isso, a constru-

23
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

ção de personagens torna-se mais difícil, mas o jogo fica mais con-
vincente.
Nem sempre, entretanto, uma regra opcional precisa vir pronta
nos livros. Elas podem ser inventadas à vontade. Entre os jogadores
de o&o, por exemplo, as regras opcionais mais comuns são referen-
tes aos Pontos de Vida. O regulamento oficial decreta que, quando
um personagem atinge O(zero) Pontos de Vida, ele está morto - mas
muitos Mestres, por sua própria conta, escolhem modificar essa re-
gra de várias maneiras:
• Um personagem com O Pontos de Vida ou menos não morre ime-
diatamente, mas morrerá logo se não receber tratamento dentro de
um prazo pré-estipulado (como um ou dois turnos);
• Um personagem com O Pontos de Vida não está morto, apenas
desacordado, e voltará à consciência quando recuperar pelo menos
1 Ponto de Vida;
•Um personagem com OPontos de Vida ou menos não morre ime-
diatamente, mas deve fazer constantes testes de Constituição para
continuar vivo.

Regras que atrapalham

Assim, as regras opcionais servem para enriquecer o jogo. Mas,


por vezes, também pode acontecer o contrário: uma regra excessi-
vamente complexa pode ser simplificada, ou então ignorada com-
pletamente - mesmo que não seja uma regra opcional.
Vamos tomar como exemplo o GURPS. Nesse sistema, cada tipo
de arma pode ter mais de dez informações referentes a ela. Veja o
caso de uma pistola laser, por exemplo: dano tipo perfurante; dano
de ld; parâmetro de tiro rápido 9; precisão 7; alcance médio de 400
metros; alcance mínimo de 500 metros; 1 quilo de peso; 4 tiros por
turno; 20 tiros por célula de energia; sem recuo; custo de U$ 1.000,00;
disponível em Nível Tecnológico 8. São informações completas que
tomam o jogo bem realista - e o realismo é coisa muito valorizada
no sistema GURPS. ·Mas as coisas podem complicar se cada persona-
gem do grupo tiver uma arma diferente, e se todas essas informa-

24
DICAS DE MESTRE

ções tiverem que ser checadas cada vez que alguém dá um tiro. Pelo
111enos três ou quatro desses dados podem ser ignorados, sacrifican-
do o realismo, mas tornando o jogo mais simples e rápido. O pró-
prio Módulo Básico do GURPS recomenda que algumas regras sejam
abandonadas para uma partida mais movimentada, ou quando jo-
gam muitas pessoas ao mesmo tempo. Isso, claro, vai depender de
1·uda grupo de jogo.
Outro exemplo: no sistema Storyteller (Vampiro, Lobisomem ... ),
para que um personagem dê um soco, as regras dizem que o jogador
deve fazer uma jogada de Destreza+ Briga (dificuldade 7) para des-
rnbrir se o soco atinge o alvo; e, depois, uma jogada de Força + 1
(dificuldade 6) para calcular o dano. Essa regra já é simples por si
sô, mas ainda assim pode ser alterada - resumindo as duas jogadas
de dados em uma única: basta jogar Força+ Briga (dificuldade 7),
st:ndo que o golpe atinge automaticamente - e o número de suces-
sos determina o dano. Este exemplo foi citado na matéria sobre o
jogo Wraith: The Oblivion, publicada em Dragão Brasil# 3, e al-
guns leitores pensaram tratar-se de uma falha. Não era! No inicio de
-.cu capitulo 9, o livro Lobisomem: O Apocalipse diz que as regras
t•xplicadas ali são apenas exemplos- e só devem ser usadas em caso
de real necessidade.
Portanto, agora você já sabe: os regulamentos de um RPG são
lao elásticos e variáveis quanto o próprio jogo. Se uma regra lhe
11grada, use-a. Se não lhe agrada, mude-a ou jogue fora. Não é proi-
bido.

25
IV
Overpower
Heróis poderosos demais
estragam as aventuras?
Nem sempre...

Artigo publicado na Dragão Brasil# 07

Overpower foi o interessante termo que encontrei na carta do


leitor Umberto L. Titânia, de São Paulo - SP. Entre outras coisas,
além de comentar sobre o Cavaleiro Jedi e Nanometal (ambos pu-
blicados em Dragão Brasil# 14), a carta tratava de um assunto im-
portante: os jogadores que sobrecarregam seus personagens de po-
der. Eis alguns trechos de sua carta, extensa demais para ser publicada
na íntegra:

"Há um tipo de jogador, muito comum, aliás, que costumo chamar de


Overpower. Infelizmente já conheci muitos desses, como jogador e
como Mestre. Tudo o que ele busca na criação e ' interpretação' de
seu personagem é tirar o máximo proveito das regras para que ele se
torne o centro do universo. Esse jogador não está interessado na his-
tória que seu personagem estaria vivendo, nem na interpretação dos
outros personagens ou do Mestre, nas di cas e pistas espalhadas pela
história, ou nos conflitos entre PCs e NPCs, subjacentes nas várias ce-
nas pelas quais passa como se fosse um furacão. Seus personagens
são sempre excessivamente musculosos, lindos, ' inteligentes' e ocos,

26
DICAS DE MESTRE

sem nenhum conflito de consciência, com histórias que são colagens


malfeitas de outros personagens supostamente heróicos."

"Esses jogadores egocêntricos passam o jogo acariciando os dados,


ansiosos por poder deslumbrar os demais com suas vantagens e bô-
!1US fantásticos, e não estão nem aí para o trabalho que o Mestre teve

para bolar uma trama cheia de idas e vindas. Invariavelmente ele per-
de o fio da meada e acaba fazendo trapalhadas que trazem danos para
ele e seus companheiros."

É verdade, existem os tais jogadores Overpower - também


rnnhecidos como "Big Bill", entre outros apelidos. Eles exploram
;1n máximo os regulamentos e sobrecarregam seus personagens, têm
11ma forma bem d iferente de ver o RPG. É a eterna divisão entre
•1< 1ueles que preferem o RolePlay, a riqueza da interpretação, e aqueles
que gostam muito mais de se embrenhar nas selvas de regras.
Qual a razão da intolerância contra os jogadores Overpower ? É
q11c muilus costumam pensar neles como "novatos que ainda não
111>renderam a jogar direito". Uma teoria válida na maioria dos casos,
11110 se pode negar; muitos RPGistas começam como Overpower e só
111ais tarde descobrem o prazer da interpretação, colocando as regras
11111 pouco de lado e passando a apreciar mais o RolePlay. Pode ser
1 onsiderado uma evolução, o abandono do matar-pilhar-destruir.

Mas nada ex iste de errado em trilhar o caminho do jogador


e >vcrpower. Ele pensa no RPG como um quebra-cabeça, enxerga a
' onstmção do personagem como um desafio estratégico. Não está
111· 111 um pouco preocupado com "conteúdo emocional" ou "confli-
h1s de consciência". Só tenta criar heróis tão poderosos quanto pos-
·•fvcl dentro do limite imposto pelas regras - diversão estimulante,
1kvcmos reconhecer. É de se esperar que no final do processo o
p1gador fique lambendo a cria, orgulhoso de sua obra, e ansioso
p11ra provar seu valor dentro do jogo.
E eu pergunto, o que pode haver de criminoso nisso? O que
1111pcde alguém de detestar personagens literários ou teatrais e ape-
11.1s divertir-se com os tais heróis musculosos, bonitos e até ocos?

27
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Como água e óleo

O único problema, apontado por Umberto em sua carta, é quan-


do esses jogadores radicalmente diferentes se misturam. Isso sim,
dá uma confusão dos diabos! Chega o jogador Overpower com sua
Abominação de 5ª geração, portando metralhadora e lança-grana-
das, e esculhamba a cuidadosa crônica do Narrador que gosta de
RolePlay. Ou então vem o jogador com seu diplomata elfo, ansioso
por um duelo de lógica e ética com o supostamente inteligente mago
maligno do Mestre Overpower... e é transformado em pudim de
ameixa antes de proferir um argumento.
Essa mistura simplesmente não funciona. Evite a mistura, e
evitamos os problemas. Ideal mesmo para um jogador é ser ambos,
aprender a jogar bem aventuras tipo Overpower e tipo RolePiay -
não pode existir RPGista mais completo.
Quando não é possível evitar a mistura, tudo vai depender da
habilidade do Mestre: ele deve equilibrar aquilo que acha certo e o
que os jogadores querem.
Um Mestre não precisa tolerar jogadores Overpower atrapa-
lhando sua história. Existe um freio capaz de detê-los, e chama-se
"não". Se um "advogado de regras" invocar de algum livro ou revis-
ta um regulamento qualquer, capaz de dar a seu personagem um
poder abismal, apenas proíba. Se achar que coisas como a Força e o
Nanometal são inadequadas à sua aventura, proíba. E se o jogador
pedir para participar da aventura com um Guerreiro/Mago/Ladrão
de 27º Nível, que tem todos os atributos em 18 (exceto Carisma, que
é 17), simplesmente diga não.
Por outro lado, Mestre RolePlay, cuidado com o abuso de poder!
Você pode até tentar ensinar seu estilo ao grupo, mas sem tirania. Se os
jogadores querem ser heróis e você impõe uma aventura difícil que faz
todos entrarem pelo cano, só vai conseguir aborrecê-los - e, portanto,
fracassar como Mestre. Lembre-se, você não é apenas um deus mol-
dando um mundo de aventuras; é um roteirista criando uma história
para agradar um público. Esse público são os jogadores. De que adian-
tará sua soberbamente planejada aventura, se ninguém gostar dela?

28
DICAS DE M ESTRE

É preciso dar fim ao preconceito. Nada mais tolo que acusar


11 lguém de "jogar ma]" ou "jogar errado" por ser Overpower. Não há
111étodos certos ou errados, melhores ou piores. Só estilos diferen-
ll!s. Escolha o seu, e deixe os outros em paz.

29
V
Aventuras e campanhas
A diferença entre as histórias isoladas
e as sagas intermináveis

Artigo publicado na Dragão Brasil# 1O

Em RPG uma "aventura" (ou "crônica", no sistema Storyteller)


é a história do desafio que os jogadores irão enfrentar. Não é o mes-
mo que uma partida ou sessão de jogo: uma partida geralmente tem
início quando o Mestre e os jogadores se reúnem, e termina quando
eles se levantam para ir embora (ou quando começam a contabilizar
os Pontos de Experiência). Uma aventura, contudo, pode se esten-
der durante várias sessões de jogo. Quando a aventura dura mais de
uma partida, é como se ela fosse separada em "capítulos", sendo
interrompida para que o grupo continue outro dia - no estilo "mes-
ma bat-hora, mesmo bat-canal ". Mas a aventura é uma história - e
toda história, por definição, tem começo, meio e fim. Um dia, quan-
do o objetivo dos heróis for alcançado, quando o dragão estiver morto
e a princesa salva, a aventura irá terminar.
E o que acontece quando a aventura termina? Os personagens
sobreviventes ficam mais poderosos: encontram tesouros, descolam
armas mágicas, ganham montes de XPs, Pontos de Personagem,
Freebie Points ou seja Já o que for. É natural que os jogadores dese-
jem usar os mesmos personagens em outra aventura. E outra. E mais

30
DICAS DE MESTRE

nulra. Assim, aos poucos, o mundo imaginário dos jogadores vai se


!ninando mais complexo. Os eventos se sucedem e tomam-se parte
•k uma história maior: o irmão do mago Jkwlxts (aquele que foi
111orlo pelos heróis durante a primeira aventura) aparece para se vin-
1:111'; a tribo de ores que os aventureiros expulsaram voltou com re-
f nrços ; a polícia finalmente descobre o cadáver daquela moça, cujo
•,1111gue alimentou um dos vampiros do grupo, em uma crônica já
r •1quecida; o demônio que fez aquele pacto com um dos persona-
w·ns, três aventuras atrás, aparece para exigir seu pagamento. Quando
··~sç tipo de coisa acontece, quando as aventuras se encaixam umas
1111s outras para formar uma grande odisséia, então temos uma "cam-
panha''.

Saga sem fim

Enquanto a aventura tem começo, meio e fim, a campanha pode


dmar indefinidamente. Uma campanha é a história completa da saga
dns heróis, desde a primeira aventura; alguns personagens podem
"' ' morrido, outros aparecido, mas quase sempre tudo gira em tomo
1lt 1 grupo. Muitos RPGistas jogam campanhas sem ao menos descon-
t tal' que estão fazendo isso. Eles terminam a primeira aventura e
111111eçam logo a segunda, no mesmo mundo, com os mesmos per-
11111iagens.
Por essa razão, quase todos os RPGs trazem descrições de gran-
1ks mundos-universos onde as campanhas podem se desenrolar.
\,/11anced Dungeons & Dragons é aquele que conta com mundos-
1111ivcrsos mais ricos - especialmente Forgotten Realms, o mais d~­
t11lhado deles: um grupo de jogadores poderia jogar uma campa·,ha
111' Forgotten durante toda a vida, sem conseguir explorar nem mr -

1111k do planeta Toril. Outros suplementos, em vez de cenários, tr 1-


/t' llt apenas dicas e regras para campanhas sobre um tema especfü-
111 como GURPS Cyberpunk, GURPS Supers e GURPS llluminati.
1111 rc os RPGistas é comum dizer que "nosso grupo e~tá jogando
1111111 campanha em Dark Sun", ou "vamos começar uma campanha
1k lurro.r com Call of Cthulhu".

31
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Jogar campanhas pode ser fascinante. É como ter uma outra


vida, transcorrendo em um mundo diferente deste - quase uma rea-
lidade vi1tual. Claro que isso pode ser problemático se o jogador é
"viciado": ele resolve assumir um compromisso com o RPG, fica
obcecado com seus problemas no mundo fictício, e desatento ao
mundo real. Estudar para a prova de química torna-se menos impor-
tante que organizar sua li sta de feitiços, e comprar o equipamento
do guerreiro é mais urgente do que fazer o trabalho de geografia.
Isso é errado! RPG tem hora e lugar e, como qualquer outra forma de
lazer, não deve tomar-se mais importante que nossos compromissos
reais. A realidade é sempre mais importante. Matar o mago que vai
destruir o mundo não justifica a perda de uma refeição no mundo
real, e nunca vale a pena perder a calma com um jogador porque o
ladrão dele esfaqueou seu clérigo pelas costas!

Jogando sem campanha

A campanha mais longa de que se tem notícia começou nos


Estados Unidos, na cidadezinha de Minnesota, por volta de 1974 -
ano em que surgiu Dungeons & Dragons, o primeiro RPG do mun-
do. Composto por Dave Arneson, um dos inventores do jogo, e al-
guns de seus amigos, o grupo continua dando andamento à campa-
nha até hoje!
Claro que jogar campanhas exige uma certa regularidade nas
sessões de jogo: geralmente os jogadores reúnem-se uma vez por
semana, nas tardes de sábado ou domingo, e jogam durante três,
quatro horas ou mais. Mas as coisas se complicam quando algu ns
jogadores faltam, quando aparecem jogadores novos, ou quando o
grupo não pode se reunir com freqüência. Assim fica difícil manter
o ritmo da campanha.
Isso não significa que o RPG esteja fora de alcance para essas
pessoas. Nesses casos, o negócio é partir para aventuras curtas, que
podem ser concluídas em uma única sessão de jogo. Aliás, alguns
sistemas são melhor indicados para as aventuras curtas do que gran-
des campanhas - especialmente os jogos satíricos, como Toon, Pa-

32
DICAS DE MESTRE

ranóia, Mulheres Machonas e Defensores de Tóquio. Também são


melhores os jogos em que a construção de personagens seja mai s
l':ícil , porque o tempo necessário para isso pode não ser suficiente:
construir um personagem de GURPS, AD&D ou Shadowrun para uma
aventura rápida pode ser demorado demais. Claro, contudo, que
nenhuma r~gra proíbe aventuras curtas com esses sistemas - espe-
l'ialmente para jogadores prevenidos, que sempre levam no bolso
11111 personagem pronto para essas eventualidades.
Mesmo sem esses problemas, há quem prefira as aventuras
nirtas em vez de campanhas. Elas são boas para jogadores que gos-
1:1111 de experimentar vários sistemas, sem se apegar a um ou outro
1ngo específico (eu sou um desses!). Aliás, as aventuras curtas são
11limas para desenvolver a interpretação: o jogador lida com mais
pL'rsonagens diferentes, não liga quando eles se dão mal, e aprende
n não se apegar demais ao jogo - o que é muito saudável, evitando
11quela fissura obsessiva que já mencionei. E falo por experiência
ptüpria quando digo que esses RPGistas se divertem muito mais!

33
VI
Matar-pilhar-destruir

Jogar RPG é muito mais que invadir templos,


debulhar dragões e retornar
com os bolsos cheios de tesouros

Artigo publicado na Dragão Brasil# 11

Esta é a "aventura-padrão" que qualquer RPGista já jogou ou


mestrou: na taverna local (SEMPRE a taverna!), os aventureiros des-
frutam de alguns momentos descontraídos em sua vida agitada. En-
tão, entre uma caneca de cerveja e outra, e les ouvem uma história
contada pelo velho da taverna (SEMPRE o velho da taverna!); ele fala
de um templo em ruínas onde haveria grandes tesouros escondidos.
Existem alguns probleminhas, como boatos sobre goblins e mortos-
vivos, bem como um dragão que habita as profundezas do templo.
Isso não irá deter os aventureiros, claro: na manhã seguinte eles
preparam suas armas, memorizam seus feitiços, fazem suas preces e
partem para o tal templo.
Chegando lá, a situação não podia ser mais previsível. Um tem-
plo abandonado, com uma ou mais criaturas e m cada aposento (COMO
essas criaturas conviviam pacificamente no templo até agora?), ape-
nas esperando pela chegada dos heróis. Cada sala, uma batalha.
Depois da batalha, vasculhar o lugar em busca de tesouros, objetos
mágicos e passagens secretas. Os feridos são curados com poções
ou pelos poderes dos clérigos. E assim por diante, até a batalha final

34
DICAS DE MESTRE

contra o dragão (quase sempre vermelho) que está no último apo-


sento.
É assim que quase todos entram em contato com o RPG: as
aventuras de um grupo de iniciantes jogando Aventuras Fantásti-
cas, D&D, AD&D ou GURPS freqüentemente se resumem a isso. Esse
é o ~stilo que, entre outros apelidos, é conhecido como matar-pi-
lhar-destruir ou hack & slash, em inglês .
Não há nada de errado em matar-pilhar-destruir. No começo,
quando os jogadores ainda estão se familiarizando com o RPG, esse
método de conduzir aventuras é o melhor. Várias aventuras publica-
das na Dragão Brasil foram baseadas nesse conceito, deixando as
chances de interpretação por conta do grupo.
Matar-pilhar-destruir, contudo, pode mostrar-se cansativo um
dia. Mesmo RPGs ricos como AD&D - com centenas de regras a
explorar, armas mágicas a experimentar e monstros a matar - não
poderão entreter um RPGista experiente para sempre. O RPGista pro-
cura algo mais que o simples domínio de regras, algo além de fazer
c:ílculos e criar personagens superpoderosos. Ele quer INTERPRE-
IAR. Quer tomar-se outra pessoa, criar e controlar um personagem,
11luar como escritor de histórias de aventuras.

Agindo diferente

Livrar-se do matar-pilhar-destruir e jogar RPG de verdade é um


passo importante, que deve ser feito com cuidado para evitar
r 'lwrregões. Alguns jogos são mais indicados do que outros para
111centivar a interpretação, especialmente Vampiro, Lobisomem e
\'/wdowrun, mas não é necessário mudar de sistema. Até agora você
j1,gou RPG para ganhar, certo? Tente mudar de atitude. Daqui por
diante, procure representar mais e competir menos. Não significa
q11 1,: você deva bancar o idiota, apenas pensar nas atitudes de seu
1w1·sonagem. Algo que pareceria estúpido para você seria muito na-
111rnl para seu herói.
• Você é um paladino? Ofereça uma chance de rendição aos ores, em
11•1. de atacá-los de surpresa. Esqueça a ambição por tesouros, a

35
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

menos que pretenda doá-los. Cure os feridos que encontrar pelo ca-
minho, mesmo que pareça desperdício de seus poderes divinos.
• Você é um clérigo? Defenda com fervor a sua religião, mesmo se
estiver cercado de sacerdotes do deus rival. Faça oferendas a seu
deus, jogando no rio parte de seu tesouro. Tente trazer outros segui-
dores para sua fé, mesmo correndo o risco de esgotar a paciência
daquele anão com o machado.
• Você é um samurai urbano? Seja paranóico, não confie em nin-
guém - nem mesmo em seus colegas. Revele a eles apenas as infor-
mações indispensáveis, e guarde para si segredos que possam ren-
der grana. Exija uma porcentagem maior na partilha do saque. Salve
um inocente em perigo apenas se o apartamento dele puder servir de
esconderijo mais tarde.
•Você é um vampiro? Esqueça os combates diretos, convença ou-
tros a lutarem em seu lugar. Se estiver sendo acusado, culpe o cole-
ga que estava com você na cena do crime. Mate pessoas e pareça
divertir-se com isso, ou poupe suas vidas e sofra com a fome de
sangue. E fuja de lobisomens!

Morreu? Legal!

Certa vez eu jogava RPG com outros colaboradores da Dragão


Brasil, usando um sistema experimental criado por nosso colega
Grahal. Meu personagem era o mago aprendiz MacGyver (inspira-
do em Profissão: Perigo), com a missão de recuperar um experi-
mento de seu mentor que havia saído errado. Coisa à toa, um coelho
carnívoro que voava e controlava lobos. Depois de muita persegui-
ção (e muitas brigas com lobos), o monstrinho foi encurralado.
MacGyver pretendia capturá-lo com vida, conforme as ordens de
seu mestre - mas veio um bárbaro burro e degolou o coelhinho.
Que fazer? O personagem que imaginei teria ficado arrasado,
pois levaria uma bronca de seu mestre. Com certeza ficaria furioso
com a estupidez e a covardia do bárbaro - que refugiou-se em uma
árvore durante a luta com os lobos, mas ficou todo valente quando o
adversário era um coelhinho. De modo que fiz MacGyver aplicar

36
D ICAS D E MESTRE

11111a chicotada capricháda no rosto do bárbaro, para dar-lhe uma


lrrnbrança de sua tolice.
Evidente que, com isso, assinei a sentença de morte de meu
p •rsonagem. O bárbaro era fortão, meus feitiços haviam acabado, e
1•11 nunca seria páreo para ele em Juta corr.oral. Mas, acreditem em
111i111 qu.ando digo, FOI DIVERTIDO. MacGyver recebeu um metro de
.1r;o no estômago, e ainda assim foi divertido. Não foi uma atitude
visando a sobrevivência, e sim a interpretação correta do persona-
p,l!m. Não foi matar-pilhar-destruir. O mago MacGyver? Posso criar
oulro quando quiser, quem sentirá falta dele?
E querem saber o que foi mais divertido? O bárbaro foi preso e
rnndenado à forca pelo assassinato de meu mago ...

37
VII
Regulamentos
As regras são mesmo necessárias
para jogar RPG?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 18

Não é fácil explicar o RPG em poucas palavras. Na verdade,


também não é fácil Úplicar em muitas palavras - está absolutamen-
te certo quem afirma que RPG se aprende jogando. Mas qual é a
definição de RPG? Role Playing Game, Jogo de Interpretação de
Papéis, não explica muita coisa. A mais clara e concisa definição de
RPG que já encontrei estava em um vídeo de demonstração do Ad-
vanced Dungeons & Dragons da Abril Jovem: "O RPG é um jogo de
imaginação ... mas existem regras".
Sabemos que o RPG é um jogo de faz-de-conta, um modo de
contar histórias e participar delas. Todos conhecemos esse tipo de
jogo desde a infância, quando fingíamos ser policiais, caubóis ou
super-heróis - e antes mesmo de existir a civilização humana, quan-
do homens das cavernas contavam sobre suas caçadas por meio de
representação teatral. A diferença entre esse faz-de-conta e o RPG é
uma só: a existência de regras.
Por que precisamos de regras? Porque a imaginação é terreno
pantanoso, instável e traiçoeiro. Uma pessoa sempre vai imaginar
de modo diferente de outra. Na maioria das vezes a função das re-

38
DICAS DE MESTRE

gras é evitar brigas, discussões como aquelas que aconteciam nas


brincadeiras de polícia e ladrão: "Bang, eu acertei você!", diz um
garoto, "Que nada, o tiro pegou de raspão!", alega o outro. Quem
1·stá certo? Não há como saber, e um dos garotos terá que dar o
braço a torcer para que a brincadeira continue. Se fosse uma partida
de RfG, teríamos números, tabelas e dados para descobrir quem tem
1:izão.
As regras são importantes no RPG ... mas elas são o mais impor-
tante? Ou ainda, são sempre necessárias?

O cenário

Qual o objetivo do RPG? Divertir-se, todos sabemos. E como


rnnseguimos essa diversão? Participando de aventuras, interpretan-
do personagens, contando histórias ... ou aprendendo regras?
Claro, há aqueles que apreciam a elegância e a complexibilidade
1l:is regras de um RPG. Esses jogadores, depois de aprender e explo-

1ar o regulamento básico do jogo, desejam mais e mais. Devoram


livros-suplementos, usam todas as regras opcionais, conhecem to-
das as tabelas e modificadores. Tornam-se verdadeiros catedráticos,
pl'Ofundos conhecedores do jogo. Nada existe de errado nisso, a teia
1k regulamentos de um RPG pode ser mesmo fascinante - mas nesse
' 11so o jogo fica reduzido a um simples jogo de estratégia, em que o
nlljctivo é explorar cada brecha das regras para construir persona-
1•1·ns melhores.
As regras não são tudo em um RPG. Nem são o mais importan-
ti·, e às vezes não passam de um mal necessário. O principal produto
ljlll' um RPG oferece é o cenário, a ambientação. Perceba que o su-
' 1·-;so de jogos como Vampiro e Lobisomem baseia-se nesse princi-
pio: abrir mão de regras complicadas e oferecer um cenário mais
1 l11borado, um Mundo das Trevas pleno de segredos, terrores e ma-

111vi lhas. Planescape e Birthright de AD&D também voltam-se nes-


'' direção. Até mesmo os livros-suplementos de GURPS, um sistema
lt1·111 conhecido por suas regras complexas e realistas, hoje tendem a
11111.,trar cenários mais interessantes em vez de montes de regula-

39
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

mentos opcionais. É o caso de GURPS Cthulhupunk, GURPS Goblins


e outros.

RPG sem sistema

Tenho por hábito me reunir com amigos aos sábados para jo-
gar RPG, principalmente AD&D e Vampiro. Raramente tenho chance
de ser Mestre: mestrar exige a criação antecipada de uma aventura,
personagens e tudo mais, e a Dragão Brasil raramente deixa-me
tempo para tais coisas . Senti.a falta disso, contudo. Certa vez resolvi
fazer uma experiência. Iria mestrar para o grupo uma aventura de
Paranóia, aquele que considero ser o melhor entre os RPGs de hu-
mor. Detalhe: eu NÃO CONHEÇO as regras de Paranóia.
Toda a minha experiência com Paranóia resume-se a uma ou
duas aventuras como jogador. Tenho algum conhecimento sobre o
cenário, o Complexo Alfa, uma cidade futurista governada por um
computador louco - mas nada sei sobre o sistema de regras. Não sei
fazer nem um teste de atributo. Nada, mesmo.
Acham que isso me deteve?
Ocupamos uma mesa e comecei a descrever aos jogadores o
Complexo Alfa. "Onde estão as fichas de personagem?", perguntou
alguém, ao que respondi: "Fichas? Elas não são para seu nível de
segurança, cidadão. Solicitar informação proibida é comportamen-
to traidor. Traição é punida com a morte".
Pode parecer estranho, mas em Paranóia é assim mesmo. É
muito fácil morrer no Complexo Alfa, praticamente qualquer coisa
pode ser considerada traição. Traição é punida com a morte. ZIOUF!
Lá se vai o personagem, fuzilado por canhões laser que saem das
paredes, e um clone surge para substituí-lo. Esse sistema de clones,
aliás, é ótimo: funciona como as "vidas" de um videogame, evitan-
do cálculos de dano, pontos de vida e coisas assim.
Paranóia TEM regras de dano, mas escolhi ignorá-las para um
melhor desenrolar da história. Se alguém era atingido, morria na
hora. Não houve uma única pausa para consultar tabelas, fazer cál-
culos, rolar dados ou sequer abrir o livro. E, a modéstia não me

40
DICAS DE MESTRE

impede de dizer, a aventura foi um sucesso. Todos gargalharam muito,


e terminaram interessando-se pelo Paranóia.
O autêntico RPG sem regras. Possível porque os jogadores eram
experientes, entre eles vários colaboradores da Dragão, como
Roberto Moraes, Gianpaolo Celli e J. M. Trevisan. Embora nunca
li vessem jogado Paranóia antes, todos já eram veteranos em Vam-
11iro e AD&D. Eles entendiam a verdadeira natureza do RPG. Esta-
vam di spostos a dar o braço a torcer. Sabiam que o importante não
era vencer nem competir, mas se divertir.
Sei que muitos vão discordar desse meu ponto de vista, pois
cada um tem sua própria visão do jogo. Bem, não estou pedindo a
ninguém que abandone as regras de seu RPG. Quero apenas provar
que uma boa aventura não depende de cálculos e estatísticas.
Você não precisa de regras e dados para jogar RPG, se puder
substituí-los por criatividade e bom senso.

41
VIII
O único monstro
Quem disse que masmorras precisam
se parecer com jardins zoológicos?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 13

Mestres inexperientes de D&D e demais sistemas de fantasia


medieval quase sempre cometem o mesmo erro: desenham o mapa
de sua masmorra, repleta de salas e aposentos, e colocam um mons-
tro diferente em cada uma - guardando o monstro mais poderoso
(dragão vermelho, claro) para o fim. Um cenário desses certamente
vai proporcionar uma aventura emocionante e cheia de surpresas,
mas basta pensar um pouco para notar os seguintes furos:
1) Como é que tantas criaturas ferozes e carnívoras, que atacam
qualquer coisa que se mova, conseguem viver harmoniosamente na
mesma masmorra até o momento da chegada dos heróis?
2) Como é que os monstros errantes conseguem circular pelos cor-
redores da masmorra sem entrar nas salas cheias de armadilhas e de
outros monstros hostis?
3) Como é que o poderoso dragão vermelho na última sala permite a
presença de tantos monstros repulsivos, mas fica todo nervosinho
quando os heróis aparecem?
Pelo menos para a terceira pergunta existe uma resposta: dra-
gões gostam de isolamento, e sempre vão escolher como covil lo-

42
DICAS DE M ESTRE

cais de difícil acesso. Uma masmorra infestada de criaturas perigo-


sas é uma boa escolha - afinal, as criaturas são perigosas para sim-
ples mortais, não para ele. O dragão utiliza-as como guardas para
dificultar o acesso a seu tesouro, deixando-as em paz; em contrapar-
tida, o instinto dos monstros faz com que mantenham distância de
uma fera tão terrível. Isso poderia explicar a existência de dragões e
outros monstros na mesma masmorra - mas a coexistência pacífica
entre um cubo gelatinoso e um cão do inferno, por exemplo, seria
mais difícil de explicar.
Existem basicamente duas maneiras de contornar esse proble-
ma. A mais difícil é bancar o biólogo e estabelecer todo um ecossistema
para a masmorra, detenninando quem se alimenta de quem - e evitan-
do tais combinações. Certos monstros podem viver juntos se não tive-
rem interesses alimentares um no outro, e alguns até se ajudam mu-
LUamente. Uma parceria clássica desse tipo é o monstro ferrugem vi-
vendo com o carniça rastejador (ou verme da podridão): eles não lu-
lam entre si - mas, quando aparecem os aventureiros, um fica com as
armaduras enquanto o outro devora-lhes a carne ...
A segunda maneira de evitar conflitos é povoar a masmorra
com um único monstro. Monótono? Chato? Nem pensar!

O convívio dos parentes

Ainda dentro desse conceito, temos três outras subdivisões de


aventuras: usar apenas um tipo de monstro, apenas uma espécie, ou
:1penas um indivíduo. No primeiro método, podemos classificar al-
J' Uns monstros em certas categorias e escolher uma delas para
empestear a masmorra. Entre os grupos principais estão os mortos-
vivos (zumbis, wraiths, wights, ghouls, múmias, vampiros ... ), per-
leitos para castelos mal-assombrados; humanóides malignos (goblins,
ores, ogres ...), que se odeiam e brigam muito, mas podem viver jun-
los - geralmente com os mais fortes dominando os mais fracos; e os
vegetais e invertebrados (besouro gigante, sanguessuga gigante, fu n-
1•0 amarelo, lodo negro), que nem sempre caçam uns ao~ outros,
111as compartilham grande apetite por carne de aventureiro!

43
DRAGÃO BRASlL ESPECIAL

O segundo método consiste em escolher apenas uma espécie


de monstro e suas subespécies ou raças aparentadas. É o caso da
aventura "Gan·as, Presas e Asas", publicada em Dragão Brasil#
12, em que havia um labirinto cheio de gigantes; exceto por dois
guerreiros fanáticos, a aventura inteira era baseada apenas em gi-
gantes da colina, da pedra, do gelo e do fogo- com suas respectivas
mascotes. O Livro dos Monstros AD&D é perfeito para fornecer idéias
nesse sentido, pois suas criaturas são descritas com muitos detalhes.
Se você tem uma história razoável , qualquer monstro serve para
estrelar um aventura sozinho: uma comunidade de lobisomens vi-
vendo disfarçados como camponeses comuns; o laboratório de um
mago louco povoado de golens inacabados; um templo abandonado
que está servindo de lar para um rebanho de minotauros ...

O vilão solitário

O terceiro método, enfim, é o "eu-sozinho-contra-os-heróis".


A masmorra é totalmente desabitada, exceto por uma única criatura
- muito provavelmente aquela que os aventureiros vieram caçar.
Esse adversário deve ser tremendamente poderoso, tremendamente
esperto, ou as duas coisas ao mesmo tempo. Em vez de lutar contra
os heróis diretamente, o monstro enche a masmorra de armadilhas:
alçapões no chão, guilhotinas nas passagens, agulhas envenenadas
nas fechaduras e outros brinquedinhos. Às vezes ele pode atacar de
surpresa e sumir antes do contra-ataque, minando devagar os Pon-
tos de Vida dos heróis - sem falar em seus nervos! Esse personagem
transcende a categoria de simples inimigo e se transforma em vilão
(outro dia falaremos sobre as enormes diferenças entre inimigo e
vilão). As criaturas ideais para esse fim são aquelas mais inteligen-
tes, como dragões, dopplegangers, medusas, mantícoras, vampiros,
magos ...
É verdade que o Mestre não precisa dar satisfações sobre a
convivência entre os monstros de sua masmorra: se ele quer que o
troll e a quimera sejam pacíficos vizinhos de covil, que seja. Afinal,
ELE é o Mestre. Mas alguns jogadores podem se sentir incomodados

44
DICAS DE MESTRE

se houver muita falta de lógica na masmorra que estão explorando


("Como é? A aranha-caranguejeira estava esperando no teto para
nos atacar de surpresa, nesta mesma sala, onde havia um batalhão
de quinze gnolls quando chegamos?").

45
IX
Memórias
Não confunda suas próprias lembranças
com as de seu personagem

Artigo publicado na Dragão Brasil# 14

Esta é uma das grandes dores de cabeça do Mestre: os jogado-


res que conhecem todos os truques de todos os monstros.
Imagine a cena: o Mestre conduz uma aventura de AD&o com
personagens iniciantes (1° ou 2º Nível de Experiência). Em certo momen-
to ele diz: "Pula diante de vocês uma grande pantera negra, com seis
patas e dois tentáculos espinhosos saindo de seus ombros". " Ah, uma
pantera deslocadora", diz um dos jogadores, sendo logo apoiado por
outro: "Tem um bônus de +2 na Categoria de Armadura e em todos os
testes de resistência. Tenham cuidado, ela projeta uma ilusão mágica;
na verdade está a um metro de sua posição real". E pronto, lá se vai a
surpresa, tudo porque os jogadores devoraram o Livro dos Monstros e
conhecem todos os truques de todas as criaturas. Existem poucas saídas
para o M estre: proibir o acesso ao livro (o que nem sempre é possível)
ou inventar novas criaturas, com poderes desconhecidos.
Mas ... será que isso está certo? Vamos raciocinar um pouco:
como é que esses aventureiros inexperie ntes, de baixo nível, têm
conhecimentos tão profundos sobre um animal raro (muito raro)
como a pantera deslocadora? A menos que tenham e nfrentado outra

46
DICAS DE MESTRE

uessas antes, isso não se1ia possível. Os jogadores conhecem o bi-


cho porque leram o Livro dos Monstros, mas não podemos dizer o
mesmo dos personagens. Em sociedades medievais não temos enci-
clopédia Barsa, revista Superinteressante ou documentários sobre
vida animal na TV. Claro, os jogadores podem alegar que ouviram
histórias sobre as criaturas - mas histórias desse tipo quase sempre
são exageradas, ou completamente erradas. Obter informações se-
guras sobre criaturas incomuns é muito difícil.
A atitude correta por parte dos jogadores, portanto, seria fingir
surpresa; fingir que não conhecem os poderes especiais da pantera
deslocadora - e de qualquer outra coisa que nunca tenham encon-
trado ou ouvido falar.

Você não sabe disso!

"Fingir?", perguntarão os jogadores. "Então, quando aquele


górgona furioso estiver se aproximando para o ataque devo FINGIR
que não sei sobre seu sopro de gás venenoso que transforma pessoas
l'Jn pedra?!"
Sim, deve. Se o personagem nunca viu ou ouviu falar de um
pórgona antes (o que é bem provável, pois são raros), naturalmente
d e não sabe sobre o gás. Com isso a aventura fica muito mais autên-
tica, pois os personagens aprendem com seus próprios erros e acer-
tos. Na verdade, nessas situações, o Mestre pode OBRJGAR o jogador
a agir de acordo ("Não, você NÃO pode usar seu pergaminho de pro-
ll'Ção contra gases antes que o górgona ataque. Por que faria isso?
< 'omo seu personagem poderia saber a respeito do gás?").
Outra saída é limitar o "conhecimento proibido" por meio das
r l·gras. O personagem só pode saber sobre certa criatura se antes
11 vcr sucesso em uma rolagem de dados adequada (como um teste
d~ Inteligência ou Conhecimento Místico, por exemplo). Muitos
1ngadores não enxergam com bons olhos essa "tirania" do Mestre,
111as desta vez ele está certo.
E verdade que fica mais difícil jogar tendo em mente todas
rssas preocupações. Cada jogador deve pensar nas aventuras ante-

47
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

riores de seu personagem, e tirar o máximo proveito de suas experi-


ências. Seria interessante, depois de cada sessão de jogo, manter um
registro do que aconteceu com o aventureiro - uma espécie de diá-
rio do herói, contendo tudo o que ele aprendeu. O resultado é
compensador: um personagem palpável, rico, com passado, e que
não vai cometer o mesmo erro duas vezes!

Disfarçando os monstros

Mas o que acontece se os jogadores não sabem ou não querem


jogar dessa maneira? Nesse caso, Mestre, você tem duas alternati-
vas: ou aceita essa condição, ou usa esse conhecimento para enganá-
los - fazendo com que sua bagagem de informações seja inútil.
Exemplo: o Mestre diz aos jogadores que estão diante de uma
mulher horrenda, com cabelos que se movem como serpentes. "Uma
medusa!'', deduzem os espertinhos, e apressam-se em pegar seus
espelhos ou fechar os olhos para que não sejam transformados em
pedra. Então, quando julgam-se preparados para a luta, a criatura
ataca - com dreno de energia! "Ei, medusas não fazem isso", pro-
testa o jogador cujo personagem acaba de perder um Nível de Expe-
riência. Ao que o Mestre tranqüilamente responde: "Eu não disse
que era uma medusa, disse?"
Trapaça do Mestre? De jeito nenhum. A mulher poderia ser
um vulto ou outro morto-vivo, com grandes vermes movendo-se
em sua cabeça; uma criatura totalmente nova, apenas semelhante a
uma medusa, mas com poderes diferentes; ou até mesmo uma me-
dusa legítima, em uma nova concepção. O mundo imaginário do
RPG não é determinado pelo que está nos livros: é aquilo que o Mes-
tre decidir. Se o Mestre determina que uma informação do Livro dos
Monstros (ou qualquer outro livro) está incorreta, então ela ESTÁ
incorreta. Não adianta reclamar.
Portanto, jogadores, pensem duas vezes antes de bancarem os
sabidões, pois o Mestre pode tirar proveito disso. Não é seu conhe-
cimento que conta, e sim o conhecimento do personagem.

48
X
Arena

Que monstros, que nada!


Divertido mesmo é jogar herói contra herói!

Artigo publicado na Dragão Brasil# 16

Nesta edição trazemos uma matéria inovadora para GURPS:


"Aliens vs. Predador'', com regras próprias para que os jogadores
usem personagens Aliens, Predadores ou ambos. Ambos? Mas em
que circunstâncias esses alienígenas sanguinários, inimigos mortais,
poderiam ser companheiros em uma aventura?
Fácil: eles NÃO seriam companheiros coisa nenhuma! Seu ob-
1ctivo é destruir uns aos outros, e vence quem sobreviver.
Jogador contra jogador? Mas isso está certo? Sim, não apenas é
c.:crto, como também muito divertido. É verdade que um dos grandes
pontos a favor do RPG é incentivar o trabalho de equipe, mas às vezes
ficamos cansados de enfrentar aqueles monstros imbecis que o Mes-
1re coloca no caminho. Um colega aventureiro poderia ser um adver-
sário bem mais difícil e inteligente.
A essa "modalidade" de RPG, em que os jogadores enfrentam
uns aos outros, chamamos Arena.

49
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Personagens equilibrados

Todos os RPGistas deveriam experimentar um jogo de Arena


pelo menos uma vez. Arena não é o mesmo que aventura: é como
um jogo qualquer, com vencedor e perdedor, no qual dois jogadores
- ou dois grupos de jogadores - comandam seus personagens um
contra o outro. Na maioria das vezes nem precisa de Mestre: todas
as jogadas de dados são feitas abertamente, sem o uso de escudo. A
presença de um Mestre atuando corno árbitro, todavia, é recomen-
dada para evitar discussões.
Não existem regulamentos especiais para jogar Arena. Não
importa qual o sistema de RPG utilizado, as mesmas regras que per-
mitem aos personagens atacar monstros - ou vice-versa - podem
ser usadas para combates entre aventureiros.
O único critério a ser obedecido é a construção de personagens.
Evidente que, para um duelo justo, os personagens (ou grupos de per-
sonagens) devem ser equilibrados. Cada lado vai usar exatamente a
mesma quantidade de Pontos de Experiência, Pontos de Personagem,
Pontos de Bônus ou seja lá o que for usado pelo sistema. Para carac-
terísticas que devam ser sorteadas, como os atributos básicos de o&o
e AD&D, o sorteio deve ser feito abertamente e da mesma forma para
ambos os lados. Coisas que possam ser escolhidas livremente, como
feitiços, devem ser deixadas para os jogadores decidirem.
No AD&D temos uma regra especial: em vez de usar todos os
Pontos de Experiência para ter um personagem de nível alto, o joga-
dor pode reservar alguns para "comprar" itens mágicos. Exemplo :
dois jogadores recebem 8.000 XPs cada um para criar seus persona-
gens. O primeiro resolve usar todos para ter um guerreiro de 4° Ní-
vel. O segundo prefere ter um guerreiro de 3º Nível, ficando assim
com 4.000 XPs sobrando. Ele gasta todos para dar a ele um M acha-
do do Retorno +2 (que vale 3.000 XPs) e um Anel de Proteção +1
(l .000 XPs). Sugerimos que seja estipulado um limite para a quanti-
dade de pontos gastos dessa maneira, algo como 6.000 XPs.
Detalhe: os personagens devem ser construídos e m segredo,
sem que o oponente perceba. Depois não vá reclamar que o perso-

50
DICAS DE MESTRE

nagem adversário memorizou justamente aquele feitiço que anula


os efeitos de seu melhor item mágico ...

Arena como aventura

Na verdade, levando ao pé da letra, uma partida de Arena é


pouco mais que um jogo de estratégia. Não há muito RolePlay en-
volvido. Mas isso pode ser resolvido se a Arena for jogada na forma
de uma aventura: o Mestre cria um cenário e uma hislória que expli-
ra as circunstâncias da inimizade entre os grupos, e os personagens
1ogam normalmente.
No decorrer da história eles podem preparar armadilhas, con-
quislar posições, descobrir os pontos fracos do inimigo, forjar alian-
ças com NPCs, descolar melhores armas e armaduras, e conseguir
outras vantagens até o instante da batalha decisiva.
Em uma aventura, ao contrário do que acontece na partida co-
111um de Arena, o RolePiay é obrigatório. Um jogador não pode
lazer algo que o personagem não faria, ou usar uma informação que
'cu personagem não possui. Se o grupo adversário fez amizade com
rato NPC, por exemplo, não vale cair em cima do infeliz assim que
l'lc surgir no caminho, sem nenhuma explicação. Jogar dessa ma-
neira pode provocar muitas discussões - é sempre difícil ignorar
11ma vantagem quando temos chance de usá-la. Sugerimos que cada
/'rupo de jogadores fique distante do outro, em mesas separadas (se
possível em salas separadas), enquanto o Mestre serve como elo de
ligação e diz a cada grupo o que o outro fez.
O uso de miniaturas também pode ajudar bastante: para isso
serão necessários dois conjuntos de miniaturas, um com cada gru-
po, mostrando as posições de cada personagem. Cada jogador move
~ ua miniatura enquanto o Mestre move as do grupo adversário.
Acima de tudo, Mestre, seja justo e imparcial. Se você torcer
para um dos lados - ou mesmo se mostrar sinais disso - o outro time
pode sentir-se trapaceado. Mantenha o comando da situação, mas
não seja tirano: ouça as queixas dos jogadores. E economize uma
boa dose de paciência: você vai precisar!

51
XI
O Vilão
Aquele que os jogadores adoram odiar

Artigo publicado na Dragão Brasil# 19

Inirrúgo. Do latim inimicu. Hostil, adverso, contrário.


Vilão. Do latim villanu. Abjeto, desprezível, sórdido.

Uma consulta ao Aurélio é suficiente para entender a diferença


entre essas duas palavras. Inimigos existem ao montes em aventuras
de RPG. São obstáculos momentâneos, esquecidos assim que seus
cadáveres são revistados e deixados para trás.
Mas um vilão não é apenas um inimigo. Seja em filmes, livros
ou aventuras de RPG, ele tem uma única função: ser odiado pelos
jogadores. Você pode até odiar um goblin que esfaqueou sua perna,
mas essa raiva vai passar rapidinho quando rolar a cabeça do imbe-
cil. O ódio pelo vilão é mais duradouro, e aumenta com o tempo ...
porque o vilão também é mais duradouro. Ele é a sarna que incomo-
da os aventureiros, o incômodo que persiste aventura após aventura,
até o ponto em que um jogador daria a vida (de sua personagem)
para livrar-se do desgraçado.
O vilão é ingrediente importante em uma aventura, mas inven-
tar um cara tão detestável não é tarefa fácil. Não adianta querer que

52
DICAS DE MESTRE

os jogadores odeiem alguém à prime ira vista. Nos filmes, o roteirista


emprega quase noventa minutos para exibir as atrocidades cometi-
das pelo vilão - e você provavelmente terá que fazer o mesmo, pla-
nejando diversas ocasiões em que os heróis são frustrados, ame-
drontados ou se revoltam com suas maldades. Depois de duas ou
três emboscadas covardes, donzelas mortas ou aldeias incendiadas,
os jogadores vão desejar muito a cabeça de alguém na ponta da
lança.

Tipos de vilania

Eis algumas boas razões para odiar um vilão:


• AMEAÇA: a razão mais comum. A existência do vilão ameaça os
aventureiros ou seu modo de vida. Dentro desta categoria estão o
clérigo maligno que envia tropas de mortos-vivos para saquear ci-
dades; o dragão vermelho que destrói vilas; o ladrão que rouba a
l'Spada sagrada do paladino; e a gárgula que passa voando e deixa
cair paralelepípedos na cabeça das personagens (grande vilão,
Katabrok!)
• ENTE QUERIDO: o vilão matou, feriu, escravizou, amaldiçoou ou
transformou em pudim de ameixa um ente querido de um ou mais
ilventureiros. Nem sempre funciona. O jogador preza seus entes que-
' idos, mas quem disse que ele precisa amar igualmente os entes que-
' idos de seu personagem? "Lorde Kalascar raptou, torturou e matou
~cu irmão'', diz o Mestre, esperando uma reação revoltada, e o joga-
dor indiferente apenas comenta: "Ahn, eu tinha um irmão?"
•TRAIDOR: poucos vilões serão mais detestados pelos personagens
do que aqueles que os traíram. Ser sacaneado é sempre motivo de
1cvolta. Pense na reação dos jogadores quando descobrem que aquela

doce camponesa, que implorou por ajuda para salvar seu pai, é na
verdade um doppleganger atraindo heróis incautos para uma arma-
dilha.
• C HANTAGISTA: o vilão tem algo que um ou mais aventureiros de-
~l·jam ou precisam muito, mas se recusa a abrir mão desse objeto de
n>biça. Talvez ele seja o único que conhece o paradeiro de uma

53
D RAGÃO BRAS IL ESPECIAL

pessoa desaparecida, ou a cura para uma maldição, ou tem a alma de


um personagem guardado em um vidrinho, no bolso do manto. Odia-
do é o vilão que você não pode matar, mesmo que el ; esteja bem
diante de seu nariz.
•QUASE INVENCÍVEL: muito irritante. O vilão é invulnerável a todas
as armas, magias e poderes de qualquer espécie. Ele apenas garga-
lha enquanto os aventureiros descobrem a inutilidade de seu poder
de fogo, talvez depois de desperdiçar magias, munições e cargas de
itens mágicos. Esse tipo de vilão tem uma fraqueza, mas ela é muito
difícil de ser explorada - pense nos apuros do Super-Homem para
convencer Mxzplyk a dizer seu nome ao contrário ...
• Ooroso: alguns vilões conseguem ser tão hotTendos, tão pavoro-
sos, que os jogadores vão desejar destruir o maldito apenas porque
ele existe. Ele nem precisa ser mau , mas apenas mexer com os me-
dos e repulsas dos jogadores. Uma larva de Alien entra pela boca de
um ser humano, incuba em seu estômago e arrebenta seu peito para
nascer. Não faz por maldade, mas isso não diminui nosso desejo de
matar u bicho assim que lhe colocamos os olhos em cima dele. Não
que seja uma motivação Já muito elogiável, claro ...
• GRANA: se tudo mais falhar, sempre existe a compensação mone-
tária. Talvez o vilão seja tão terrível que o rei ofereceu uma elevada
recompensa por sua cabeça, ou então o próprio vilão conserva um
grande tesouro em seu esconderijo.

Motivações do vilão

Como pensa um vilão? O que realmente acontece em sua men-


te distorcida? Por que ele pensa como pensa e age como age? Para
criar um vilão convincente é preci so responder estas e outras per-
guntas.
São poucos os v ilões que apenas "desejam ser" maus, matando
e saqueando só porque se amarram em fazer coisas malignas. O
vilão quase sempre é alguém com um ponto de vista diferente. Para
ele suas atitudes são corretas, ou necessárias - e os heróis não pas-
sam de tolos ingênuos, que atacam aquilo que não compreendem.

54
DICAS DE M ESTRE

"Que mal eu fiz?", irá perguntar-se o mago maligno, vendo sua tor-
re ser invadida pelos caras bons. "Por que me perseguem? É verda-
de que transformei pessoas em monstros de duas cabeças, mas fiz
isso apenas pelo avanço de meus estudos. Eles não percebem a magni-
tude de tal experimento? Como podem achar isso menos importante
que desprezíveis vidas humanas?"
Convencer alguém de sua vilania pode ser bem difícil. Imagi-
ne-se dizendo a um vampiro que ele é um monstro demoníaco, que
mata pessoas e bebe seu sangue, e deve ser exterminado. "Estou
apenas me alimentando", dirá ele, espantado com a acusação. "Vocês
também não consumem outros seres vivos para viver? Então, onde
~·stá a diferença entre nós?"
Mas questões morais sobre certo ou errado não importam aqui.
C'omo já foi dito, o vilão é alguém a ser odiado, mesmo que ele
tenha a lei e a ordem ao seu lado (não era assim com o Xerife de
Nottingham?). Alguém que os jogadores vão perseguir até o fim do
111undo, não importa quão perigosa essa perseguição seja. Crie um
vi lão assim, e sua aventura de RPG será um sucesso.

55
XII
Inteligência

Como representar
uma inteligência maior que a sua?

Artigo publicado na Dragão Brasil # 21

"É o Napoleão do crimt!, Watson. O organizador da metade do que é


mau e de quase tudo o que está encoberto nesta grande cidade. Ele é
um gênio, um filósofo, um pensador abstrato. Tem um cérebro de
primeira ordem. Senta-se imóvel como a aranha no centro de sua teia,
mas aquela teia tem milhares de radiações, e conhece muito bem o
ponto sensível de cada uma delas. Ele mesmo pouco faz. Apenas pla-
neja. Mas seus agentes são numerosos e esplendidamente organiza-
dos. Há um crime a ser feito, um documento a ser subtraído, diremos,
uma casa a ser pilhada, um homem a ser removido - passa-se a pala-
vra ao Professor Moriarty, a coisa se organiza e se realiza."
SHERLOCK HOLMES , em O Problema Final

Sherlock Holmes é conhecido como o maior detetive de ficção


de todos os tempos. Com seu poderoso raciocínio e incrível senso
de observação, era capaz de deduções assombrosas - como desven-
dar a história da vida de alguém apenas examinando seu rel ógio de
bolso. Holmes era o terror dos criminosos de Londres, até o dia em
que encontrou seu nêmesis: o Professor Moriarty, um gênio crimi-

56
DICAS DE MESTRE

11oso de mesmo nível intelectual. Depois de intermináveis lutas es-


lratégicas, golpes e contragolpes, os dois antagonistas encontraram
11 morte lutando e caindo em um penhasco.
Holmes e Moriarty eram gigantes intelectuais. Suas fichas mos-
f rndas em GURPS Horror dizem que ambos têm IQ 18 e a vantagem
Memória Eidética em 2º nível, uma memória fotográfica. Bem, não
t' lão difícil encontrar jogadores que tenham personagens com tais
valores de inteligência. Mas será que eles conseguem representá-la?
S<.:ria possível para nós, m01tais, simular uma inteligência sobre-
humana?
Fingir baixa inteligência é fácil. Muitos jogadores já se di verti-
1111n bancando o bárbaro burro, que chuta po1tas em masmorras e
lnz. outras besteiras. Quando o jogador tem um personagem de inte-
ligência baixa, mas não age como tal no jogo, o Mestre pode exigir
dde j ogadas de dados sempre que tentar algo inteligente - ou para
1•vitar uma burrice. Diante de um ore acuado que tenta o velho tru-
que do "olhe, atrás de você!", um personagem com inteligência abai-
xn da média deveria ter sucesso em um teste para resistir à tentação
de dar uma olhadinha sobre o ombro ...
Burrice é fácil de interpretar. O problema é quando o persona-
gem é muito mais inteligente que você.

Mais esperto que o Mestre

Para um jogador, o problema não chega a ser tão sério. Sem-


pre que ele estiver perto de fazer uma coisa tola, ou deixar de per-
ceber algo importante, basta que o Mestre exija um teste de lnteli-
iGncia, IQ ou seja lá o que o sistema use. Jogar os dados resolve a
questão.
O mais prejudicado por problemas de alta inteligência é o pró-
p1'io Mestre. Além de humanos e humanóides, ele precisa lidar com
1·1iaturas de intelecto sobre-humano - como dragões, supercompu-
lndores, avatares e até deuses. Ora, um Mestre de RPG tem poder
'< llpremo, mas não inteligência suprema! Como ele pode simular a
1111eJigência de um deus?

57
DRAGÃO BRASTL ESPECIAL

E isso não é tudo. O Mestre não apenas é menos inteligente


que um deus, dragão ou beholder, como também pode ser menos
inteligente que os jogadores. Não, não estamos chamando o Mestre
de burro; acontece que várias cabeças pensam melhor do que uma, e
juntos os jogadores podem planejar e ter idéias melhores. Isso leva a
situações meio estranhas, em que um paladino de Inteligência 11
consegue enganar um beholder de Inteligência 22.

Fingindo inteligência

Uma maneira de fazer a balança pender para seu lado, Mestre,


é usar o conhecimento a seu favor. Você sabe tudo sobre a aventura,
mas o jogadores não.
Se você está usando um NPC muito inteligente, ele poderia de-
duzir coisas que os jogadores não podem, mesmo que isso seja qua-
se impossível - assim fazia Sherlock Holmes, baseando suas dedu-
ções em detalhes tão sutis que aos olhos de muitos ele parecia um
bruxo! Em jogo, ficaria mais ou menos assim: "Como você sabia
que os goblins estavam de tocaia atrás das rochas?", perguntam os
aventureiros ao espertíssimo mago NPC que acompanha o grupo. E
ele responde: "Ora, isso era óbvio! Goblins têm mentes ridículas,
não sabem planejar. Vocês não perceberam?"
O mesmo truque vale para vilões. Um vilão superinteligente
poderia prever todos os passos de seus inimigos, não importa quão
perfeitos ou sutis sejam seus planos. Enquanto esperam que o dra-
gão vermelho apareça na entrada do covil para devorar o cabrito
que deixaram como isca, os heróis são atacados pelas costas pelo
mesmo dragão, que diz apenas: "Esperavam mesmo me enganar com
um truque tão primário?"
Esse é um velho truque de escritor, o "vilão onisciente". O
monstro ou vilão conhece cada movimento dos heróis, e já tem uma
armadilha ou contra-ataque planejado. Pode parecer injusto para os
jogadores, mas os maiores vilões da ficção são assim. Em todos os
filmes da série Guerra nas Estrelas, você se recorda de ter visto
Druth Vader ser surpreendido uma única vez?

58
DICAS DE MESTRE

De qualquer forma, Mestre, tenha cuidado. Não deixe que seu


NPC de inteligência divina seja enganado facilmente. Sherlock
1Colmes ou Moriarty nunca cairiam em truques baratos.

59
XIII
Sortudos

Você não fica irritado com aqueles NPCS


que parecem ser protegidos por Deus?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 22

Jogador: "Ei ! Onde está meu machado?


Mestre: "Em seu lugar você encontra um bilhete que lhe diz 'obriga-
do, trouxa!"'
Jogador: "Quê?! Quem fez isso?"
Mestre: "Você não sabe, mas suspeita de Hernest Goldenhand, o la-
drão que acompanhava o grupo na estrada."
Jogador: "Espere aí, como ele conseguiu?! O machado estava junto a
mim, em minha cintura, sob um manto pesado que cobre meu corpo
todo."
Mestre: "Por falar nisso, tem um corte feito com faca no seu manto,
na altura da cintura."
Jogador: "Ele cortou meu manto, enfiou a mão pelo corte, removeu
um imenso machado de duas mãos e 'colocou um bilhete em seu lu-
gar, tudo isso SEM QUE EU NOTASSE?! Aliás, por que meu amuleto
mágico contra ladrões não funcionou?"
Mestre: "Ahn, você tinha um amuleto? Foi roubado também."
Jogador: "QUEM era aquele cara? Avatar do Deus dos Ladrões?"

60
DrcAs DE M ESTRE

Certo dia eu e Katabrok especulávamos sobre como seria o


personagem MacGyver no sistema Storyteller. Chegamos à conclu-
'ªº de que ele teria um ponto em TODAS as Habilidades existentes, e
~cria um NPC - porque ele NUNCA falha em uma jogada de dados!
Personagens infalíveis como o MacGyver, Conan, James Bond
1· outros são interessantes (mas nem sempre) em filmes e quadri-

nhos, mas em RPG eles podem ser muito, MUITO chatos! Em jogo,
~t·mpre que os jogadores tentam alguma manobra complicada - coi-
"ªs "rotineiras" em histórias de aventuras, como arremessar espa-
das, balançar em cordas e esquivar-se de flechas - , na maioria das
vezes terminam traídos pelos dados e falham. Mas com um NPC isso
nunca acontece, notaram? Ele SEMPRE consegue o que quer!

Personagem do Mestre

NPC significa NonPlayer Character, Personagem Não-Jogador.


Na versão traduzida do AD&D da Abril Jovem, o NPC é adequada-
111cnte chamado de PdM -Personagem do Mestre. Como tal, ele goza
ele certos privilégios.
Criar NPCs é um prazer sem igual para qualquer Mestre. Ao
1 ontrário dos outros jogadores, ele não está preso às regras costu-

111ciras de constmção de personagens - pode torcê-las ou ignorá-las


rnmo quiser. Não precisa rolar dados para conseguir atributos altos
1· nem economizar pontos para comprar grandes poderes. Além dis-

'º· como ele está sob o controle do Mestre, todas as jogadas de


dados do NPC podem ser feitas em segredo atrás do escudo (ou
1aeen); isso significa que um NPC só falha quando o Mestre quer.
Um problema surge, contudo. Os jogadores costumam sentir-
't' apegados a seus personagens, e o Mestre não é imune a esta mes-
111a fraqueza. Ele pode gostar tanto do personagem que nunca per-
111itirá sua morte, derrota ou humilhação, muitas vezes forçando a
hnrra para salvar seu "protegido" . O NPC torna-se então um sujeito
111falível e imortal, de sorte sobre-humana, incapaz de errar em suas
jogadas de dados - e que sempre conseguirá uma vitória fantástica
ou uma fuga espetacular quando os PCs resolverem atacá-lo.

61
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

O Mestre pode alegar que o NPC é muito habilidoso, sortudo,


ou algo assim, e não cabe aos personagens contestar. Ele não
deixa de ter razão, pois nestes casos a decisão do Mestre será
sempre soberana. Mas isso faz com que os jogadores sintam-se
injustiçados .

A fuga espetacular do ninja

Certa vez fiz uma coisa muito feia. No passado distante, quan-
do não era editor de RPG e tinha algum tempo livre, estava eu
mestrando uma aventura de AD&o. Entre os jogadores estava Grahal,
usando seu personagem Kaneda Shimaru, o elfo samurai, que vocês
conheceram em Dragão Brasil# 18 (normalmente elfos não podem
ser samurais, um tipo especial de guerreiro encontrado no Complete
Fighter s Handbook, mas durante a campanha abri uma exceção a
esta regra). No decorrer da aventura Kaneda encontrou seu arquiini-
migo, um ninja. Eles duelaram. Eu queria que o ninja fosse derrota-
do, mas não que morresse, pois planejava usá-lo de novo no futuro.
Quando ele estava bastante ferido, usou uma nuvem de fumaça para
fugir - mas o samurai possuía a perícia Lutar no Escuro, e mesmo
sem enxergar acertou um golpe que com certeza teria matado o ninja.
Teria, porque ele desapareceu sem deixar rastro. Escapou quando
não havia chance de escapar, uma tremenda "forçação de barra".
Hoje reconheço que não foi uma decisão justa; deixei que meu ape-
go pelo ninja NPC prejudicasse a aventura, roubando do jogador o
merecido prazer de ver seu inimigo morto. Isso não deveria aconte-
cer. Perdão, Grahal.
Não faz a menor diferença se um NPC é poderoso ou fraco,
grandioso ou medíocre; ele é um COADJUVANTE. Os verdadeiros as-
tros da aventura são os PCs, os personagens jogadores. Não digo que
todos os NPCs devam cair fulminados apenas para agradar os joga-
dores - se eles resolvem atacar Tiamat ou coisa assim, devem pagar
pelo erro. Às vezes também é necessário mostrar os NPCs como se-
res poderosos ou astutos, para inspirar respeito ou temor. Não há
nada errado nisso. O Mestre deve apenas tomar cuidado para não

62
DICAS DE MESTRE

lorcer muito as coisas em favor dos NPCs, criando situações do tipo


"as lanças amortecem a queda dele?".
Alguns Mestres pensam em si mesmos como deuses, livres para
lu7-er tudo que desejam. Erro. Na verdade, o Mestre é ESCRAVO dos
1ngadores. Ele deve servir e agradar, criar aventuras emocionantes e
divertidas, ou pelo menos justas - sem NPCs milagrosos para encher
,, paciência. Se falhar nisso, os jogadores simplesmente se chateiam
1• vão embora. Restará então um Mestre onipotente, soberano, abso-

luto ... e sem jogadores. Grande porcaria.

63
XIV
Demóstenes
Sem armas e feitiços detonadores,
os jogadores vão precisar de mais criatividade
e estratégia para vencer

Artigo publicado na Dragão Brasil# 23

"Era uma vez, no século IV a.C., um jovem e tímido grego chamado


Demóstenes. Ele queria tomar-se orador-o advogado da antiga Grécia,
igualmente engalfinhado em disputas j udiciais.
Uma vez que não havia microfones e alto-falantes na época, era
vital para o bom orador possuir voz clara e potente, e este não era o
caso de Demóstenes. Para superar o problema, ele impôs a si mes-
mo um treinamento rigoroso: ia à praia, enchia a boca de pedras e
falava para o mar. Ele precisou melhorar a pronúncia, porque era
difícil falar com as pedras na boca; ao mesmo tempo, foi forçado a
aumentar o volume de sua voz para superar o barulho das ondas.
Resultado: quando venceu os obstáculos do treino duro, discursar
para simples seres humanos (sem pedras e sem ondas) tornou-se a
coisa mais fáci l do mundo".

Assim funciona o chamado Método Demóstenes: colocar a si


mesmo em uma situação difícil para que, mais tarde, as condições
normais pareçam fáceis. Muito provavelmente você já imitou
Demóstenes, mesmo sem saber. Depois de jogar um pouco no modo

64
DICAS DE MESTRE

"Very Hard" ou "Nighmare" em seu videogame favorito, terminar o


jogo no modo "Normal" torna-se brincadeira.

Criatividade como arma

Em RPG, o Método Demóstenes consiste em aumentar os peri-


11os e/ou reduzir o poder dos jogadores, tornando a aventura mais
dura do que em condições normais. É uma excelente maneira de
Incentivar o grupo a usar mais a cabeça e menos o machado, fazen-
do-os abandonar o velho hack & slash, ou matar-pilhar-destruir. Sem
111'mas ou feitiços detonadores, eles vão precisar de mais criativida-
de e estratégia para vencer os inimigos.
Para o jogador, colocar-se em situação difícil também é lucro.
/\ té mesmo o mais fervoroso Overpower - o famigerado "advogado
11l· regras", que suga o máximo dos regulamentos para tomar seu
pl'rsonagem poderoso - vai descobrir como a interpretação pode ser
l:ln eficiente quanto um punhado de bônus nos dados: uma atuação
1 onvincente às vezes mostra-se melhor que um ilusão mágica ("Atre-

va-se a mover sua lança, ore estúpido, e será alvo das setas de trinta
111queiros que estão escondidos na mata à nossa volta!"); e um la-
1h :1o de 1º Nível pode derrotar um guerreiro de 20º Nível apenas
111111 uma boa idéia ("Que tal se eu envenenar a cerveja dele?"). Se
dt•pois disso você ainda preferir o estilo Overpower, nesse caso já é
q11estão de preferencia pessoal - uma preferência que muitos RPGistas
1 ' perientes cultivam, sem preconceito algum.

Os favoritos de Demóstenes

Muito provavelmente, um dos RPGs que Demóstenes mais te-


1111 apreciado é Call of Cthulhu . Nada de magos incinerando os ini-
111lgos com bolas de fogo, ou guerreiros incríveis bocejando de té-
1lln diante do exército de zumbis. Aqui os jogadores são pessoas
111111uns de 1910 (sem metralhadoras e lança-granadas, portanto),
Ih l1111do com monstruosidades cósmicas ancestrais. Lutar fisicamente
• 11111 elas não resulta em morte provável - é morte certa! Aquele

65
DRAGÃO B RASlL EsPEClAL

zumbi cadavérico, que em AD&D você faria em mil pedacinhos sem


pensar duas vezes, em Cthulhu vai simplesmente ignorar seus so-
cos, tiros e facadas. O único meio de detê-lo (se é que existe um)
envolve algum pergaminho perdido, um ídolo atlante ou um livro
profano de magia negra, disponível apenas depois de muita investi-
gação.
Outro jogo difícil é Paranóia, com sua burocracia tirânica e
impossível de evitar. Sobreviver no Complexo Alfa já é desafiador
o bastante, sem que os personagens desejem meter-se em "aventu-
ras" . Basta um cadarço desamarrado, um gesto suspeito, uma frase
errada, e você pode ser acusado de traição. Traição é punida com a
morte. ZTOUF! Você foi desintegrado. Nosso orador grego teria ado-
rado jogar este RPG l

Dificultando a vida

Call of Cthulhu e Paranóia são títulos que aprecio e recomen-


do enormemente. Existem outros jogos tão desafiadores quanto eles,
mas é simples tornar os RPGs que você já conhece bem mais difíceis.
Existem várias maneiras de colocar pedras na boca de seus jogado-
res e fazer com que falem diante do mar:
• o&D E AD&D: Permita apenas personagens de baixo nível (algo
entre 1ºe 3°), com atributos básicos sorteados da maneira mais cruel
(3d6, sem chiar). Se seu personagem ficou com Força 8 e Destreza
6, vire-se com o que tem. Itens mágicos são raríssimos - um tesouro
de dragão terá, na melhor das hipóteses, uma espada + 1. Os magos
nem sempre terão acesso aos feitiços que gostariam (quem disse
que todos os magos de 3º nível precisam ter Bola de Fogo ou Re-
lâmpago no livro de magias?). Experimente colocar um grupo des-
tes contra 3d4 esqueletos, e verifique se eles correm ansiosos para o
combate ou se pensam em uma estratégia melhor...
• GURPS: Um "herói inciante" é construído com 100 pontos, o que é
considerado pouco em te1mos de GURPS - mas certos jogadores sa-
bem usar esses pontos para produzir PCs realmente apelões, com
altíssimos Níveis de Habilidade em suas Perícias. A vantagem An-

66
DICAS DE MESTRE

Lccedente Incomum é ótima para limitar esses personagens. Um pi-


loto de caça com Artilharia 25, por exemplo, será com certeza um
dos melhores artilheiros do mundo - e isto deveria custar uns 10
pontinhos de Antecedente Incomum. Pronto! Não vale mais a pena
l er um NH exageradamente alto em uma Perícia!
• VAMPIRO: Em um mundo de monstros com poderes sobrenaturais,
que desafio seria maior que viver como um simples mortal? O su-
plemento Os Caçadores Caçados apresenta esta opção estimulante;
no papel de um mortal que descobre a existência dos vampiros (nem
sempre da melhor maneira ... ), um jogador vai precisar de boa dose
Jc astúcia para destruir seus inimigos - ou pelo menos sobreviver à
perseguição. Outras criaturas do Mundo das Trevas podem interagir
com os mortais jogadores; diante de um lobisomem ou fantasma,
pode ter certeza de que os jogadores vão preferir uma conversa ami-
gável...

Não forçais a barra!

Um último aviso: o Mestre deverá ter extremo cuidado para


não transformar sua "aventura Demóstenes" em castigo dos deuses
para os jogadores - nem todos aceitam a idéia de ter alguém enfian-
do pedras em sua boca! Você corre um imenso risco de ser mal-
11Herpretado por eles, que podem se abotTecer com tanta dureza e
p~clir sua renúncia - um direito sagrado dos jogadores quando acham
que a aventura não está divertida. Seja muito, MUITO cauteloso.

67
XV
Carisma
O que é? Como interpretar?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 25

"Carisma. [Do grego chárisma, "dom", pelo latim charisma] S. m. 1.


Força divina conferida a uma pessoa, mas em vista da necessidade ou
utilidade da comunidade religiosa; 'Entorna sobre mim as soberanas/
Inspirações que brotam dos Altares, /O carisma do amor que tudo
irmanas, / Serva de Deus, Esposa dos Cantares.' (Alphonsus de
Guimaraens, Obra Completa, p. 167.) 2. Epilepsia. 3. Atribuição a
outrem de qualidades especiais de liderança, deri vadas de sanção di-
vina, mágica, diabólica, o u apenas de individualidade excepcional. 4.
O conjunto dessas qualidades especiais de liderança".

No mundo ficcional do RPG, não há palavra mais controversa


e sujeita a interpretações tão diversas. Praticamente cada grupo de
jogo tem suas próprias idéias a respeito do carisma. Existe, contu-
do, um erro supremo que quase todo RPGista já cometeu ou ainda
comete: achar que grande carisma e grande beleza são a mesma
coisa.
De acordo com o bom e velho Aurélio, e também com a maio-
ria dos RPGs, carisma pouco tem a ver com aparência. Ele pode ser

68
DICAS DE MESTRE

resumido como " poder de liderança": determina a influência do per-


sonagem sobre outras pessoas, sua capacidade de fazer com que
gostem dele e/ou sigam suas ordens. Não depende tanto de beleza
ou feiúra físicas. Uma supermodelo que tenha baixo carisma seria
uma chata insuportável; um baixinho feio e mirrado, mas charmoso,
poderia reunir montes de amigos à sua volta.
Mas carisma também não significa amabilidade ou simpatia -
pelo menos, nem sempre. Pode ser a simples capacidade de impres-
sionar ou intimidar, sem gentilezas. Esse tipo de carisma é possuído
por aventureiros rústicos, magos sisudos, cavaleiros das trevas, vi-
loes e personagens sombrios em geral.
Carisma também não está diretamente ligado a bondade ou
111aldade. Não, você não precisa ser justo, bonzinho, simpático e
gente fina para receber os benefícios de um alto carisma. Doutor
1>cstino, um dos maiores e mais impiedosos vilões dos quadrinhos,
1· um excelente exemplo: mesmo com sua crueldade notória e seu

1osto arruinado, ele governa o reino da Latvéria e é amado por cada


cidadão - prova incontestável de carisma elevado.
Também gosto de pensar que o carisma tem alguma ligação
1·om a sorte do personagem. Até onde posso observar, pessoas oti-
111istas e confiantes são mais afortunadas que os chatos rabugentos.
Em Arkanun, Invasão e Trevas, o atributo Sorte é um derivado dire-
1t1 do Carisma.

D&D e AD&D: antipáticos?

Em certos jogos, especialmente D&D e AD&D, é imensamente


'111num pensar no atributo Carisma como se fosse aparência fís ica.
Muitos jogadores imaginam que alguém com Carisma 17 ou 18 é
honito ou atraente, enquanto um Carisma 3 ou 4 significa grande
k1úra. As próprias regras do AD&D são um tanto contraditórias: nada
r dito sobre aparência na descrição do atributo Carisma no livro do
l11gador, mas regras citadas em outros livros relacionam carisma e
npnrência - se um goblyn de Ravenloft morde seu rosto, por exem-
t•lo, provoca cicatrizes que tiram pontos de Carisma.

69
DRAGÃO BRASIL EsPECl AL

Entre jogadores de D&D/AD&D, o Carisma costuma ser muito


desprezado. Exceto no caso de classes que necessitam de um valor
mínimo, como paladinos e bardos, poucos dão importância o este
atributo - vamos encontrar nas mesas de jogo "trocentos" persona-
gens que têm no Carisma seu valor mais baixo. Para evitar essa
atitude, o Mestre deveria tornar mais freqüente o uso do Carisma
em suas aventuras; apresentar mais situações que não possam ser
resolvidas com luta, e sim com conversa. Um bando de aventureiros
ágeis e poderosos mata um dragão mais facilmente, é verdade. Mas,
se tiverem baixo Carisma, será mais difícil conseguir um bom preço
ao vender a pele do bicho no mercado.

GURPS: sem carisma

Não existe no sistema universal GURPS um atributo Carisma (o


que, diga-se de passagem, faz bastante falta). A reação de outras
pessoas é determinada através do chamado Teste de Reação. Esse
teste recebe ajustes de acordo com uma coleção de vantagens e des-
vantagens, escolhidas durante a construção do personagem: Apa-
rência, Reputação, Estigma Social, Voz Melodiosa, Obesidade, Gi-
gantismo, Gagueira, Fanfarronice, Covardia, Paranóia, Teimosia e
muitas outras, quase sempre ligadas à aparência física ou ao com-
portamento social.
Esse método pode ser mais realista, mas pouco prático. Nem
todos os bônus e redutores podem ser usados em todas as situações.
Se o personagem está sendo observado de longe, por exemplo, lá
vai o Mestre fazer contas para cancelar os ajustes de vantagens como
Voz Melodiosa e desvantagens como Gagueira.

A sedução dos vampiros

O sistema Storyteller (Vampiro, Lobisomem ... ) merece um tro-


féu nesta categoria. Aqui, carisma e aparência física são separados
de forma muito clara e elegante. Temos três Atributos Sociais dis-
Lintos, todos utilizados para testar a reação de outras pessoas diante

70
DICAS DE MESTRE

do personagem: Carisma, Manipulação e Aparência. Nesse caso,


não devem restar dúvidas, sempre podemos saber com certeza se
ulguém é bonito, carismático ou ambos.
A diferença entre Carisma e Manipulação pode mostrar-se um
tanto difícil de notar à primeira vista. O Carisma é passivo, sempre
vai funcionar, a menos que exista algum esforço do personagem em
contrário. Manipulação, por outro lado, é um poder ativo - uma
capacidade de influenciar e manipular diretamente, de forma inten-
cional. Em jogos que não estabelecem essa diferença sutil, como
1>& 0 e AD&D, seria adequado dizer que o Carisma é uma combina-
ção de ambos.

Interpretação do Carisma

Já sabemos que carisma é influência, não aparência. Então ele


pode ser interpretado. Mas como podemos fazê-lo ?
Nada difícil. Carisma abaixo da média, por exemplo, é muito
simples e divertido de interpretar. O personagem simplesmente não
ronsegue ser respeitado, e ninguém segue suas ordens ou dá valor
:\s suas palavras. Ele é desagradável de alguma forma. Existem mi-
lhões de motivos para que isso aconteça: ele pode ser ranzinza e
mal-humorado (o típico anão rabugento), convencido e arrogante,
selvagem e truculento, perverso e egoísta. Também não precisa ter
nenhum defeito de caráter, apenas algo incômodo ou irritante - que
fal um guerreiro musculoso, amaldiçoado com uma voz de mulher?
Quem irá respeitá-lo?
Alto carisma é mais fácil de interpretar que alta inteligência.
Para representar carisma superior, basta pensar nele como uma es-
pécie de mágica, um charme irresistível que irá enfeitiçar as pes-
soas.
Um RPGista é um simples mortal (alguns acreditam ser o pró-
ximo passo na evolução humana, mas falaremos deles outro dia):
assim como você não pode levantar mais peso do que sua força
permite, o jogador não pode mostrar mais carisma do que realmente
possui. Com ce1teza ele não será capaz de formular as mesmas pala-

71
DRAGÃO BRASrL ESPECIAL

vras inspiradoras que seu paladino de Carisma 18 usaria - e o Mes-


tre não tem o direito de exigir isso dele.
Penso que todo Mestre precisa ser extremamente complacente
nesse sentido. Se um clérigo de altíssimo carisma insultar a mãe do
rei bárbaro, por exemplo, o Mestre deveria pensar duas vezes antes
de iniciar o massacre; pode parecer estranho, mas um personagem
de AD&D com um altíssimo Carisma 18 poderia REALMENTE insul-
tar um bárbaro e ainda se sair bem! Alto carisma permite fazer al-
guém de idiota sem que ele perceba. Por outro lado, se o anão com
Carisma 3 resolve elogiar a aparência daquele mesmo rei bárbaro,
ainda que com as melhores e mais sinceras intenções, muito prova-
velmente será servido no jantar. Claro que mesmo um personagem
de grande carisma sempre pode ofender alguém se deseja fazê-lo de
forma INTENCIONAL.
Carisma é um poder sempre em funcionamento, para o bem ou
para o mal, não importando o que o jogador diga ou faça .

72
XVI
Longevidade
Problemas com personagens que vivem demais

Artigo publicado na Dragão Brasil# 27

Dragões, elfos, anões, vampiros ... os mundos do RPG estão re-


pletos de criaturas longevas. Seres que vivem várias vezes mais que
um humano normal, atingindo idades de vários séculos, ou até milê-
nios.
O problemas com personagens muito velhos é que, seguindo
as regras da maioria dos RPGs, eles podem ser bem poderosos. Co-
nhecimento é poder - isso é verdade na vida real , e mais ainda no
RPG. Acumulando treinamento e experiência durante muito mais tem-
po do que um humano normal poderia, eles vão atingir cifras
altíssimas em suas perícias e encher muitas bolinhas em suas fichas
de personagem.

Memória: não confie

Se conhecimento é poder, como evitar que um personagem com


centenas ou milhares de anos seja poderoso demais? A solução é
bem simples: o personagem não consegue RETER todo esse conheci-
mento.

73
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

A capacidade da memória humana está longe de ser infinita.


Você consegue se lembrar com exatidão de coisas que viveu há cin-
co anos? Dez? Vinte? Então, como acreditar que alguém pode re-
cordar acontecimentos ocorridos séculos atrás?
Sherlock Holmes, em sua aventura de estréia, Um Estudo em
Vermelho , já falava sobre os limites da memória humana. Diante de
um espantado Dr. Watson, confessou que não conhecia as teorias de
Copérnico sobre a composição do sistema solar - ele simplesmente
não sabia que a Terra gira".:a em volta do Sol. Holmes era rigoroso
com tudo que acumulava na mente, aprendendo apenas o necessário
para seu ofício de de tetive.
"Considero o cérebro de um homem como sendo inicialmente
um sótão vazio, que você deve mobiliar conforme tenha resolvido",
diz Holmes. " É um erro pensar que o dito quartinho tem paredes
elásticas e que pode ser distendido à vontade. Segundo as suas di-
mensões, há sempre um momento em que para cada nova entrada de
um conhecimento a gente esquece alguma coisa que sabia antes."
Holmes estava certo. A mente, assim como um computador,
tem um limite de armazenagem de dados. Não pode registrar lem-
branças indefinidamente, e nisso reside a maior fraqueza dos perso-
nagens muito longevos. Fatos, pessoas, lugares, idiomas, treinamen-
tos - TUDO pode ser esquecido com a passagem do tempo. Sim, o
personagem pode PERDER tudo aquilo que aprendeu, e que poderia
tomá-lo poderoso demais para a campanha.
Até mesmo pessoas que ele tenha amado ou que tenham tenta-
do matá-lo podem se perder na sua memória; estamos falando de
SÉCULOS, e não sabemos se a mente humana pode reter qualquer
informação por tanto tempo, por mais importante que seja.
Esse recurso precioso foi empregado de forma magistral em
Mummy, um suplemento importado da linha Storyteller - que vol-
tou ao mercado recentemente em Mummy Second Edition. As mú-
mias são os únicos personagens realmente imortais no Mundo das
Trevas. Nunca podem morrer. Quando destruídas, simplesmente va-
gam durante algum tempo pelo Underworld - o mundo dos mortos
conhecido de quem joga Wraith: The Oblivion -, coletando energias

74
DICAS DE M ESTRE

para retomar a este mundo. A maioria das múmias tem milhares de


anos de idade, mas não consegue se lembrar de tudo que viveram.
Personagens de Mummy têm um atributo extra chamado Memória,
que deve ser testado sempre que o personagem deseja se lembrar de
algo ocorrido há muitos séculos.

Como funciona um imortal?

O astronauta Neil Arrnstrong disse: "Acredito que cada ser


humano tem um número finito de batimentos cardíacos, e não pre-
tendo desperdiçar os meus fazendo exercícios por aí". Ele tinha cer-
ta razão. De acordo com estudos, todos os mamíferos têm uma mes-
ma média de batimentos cardíacos ao longo da vida. Mamíferos de
vida curta, como a maioria dos roedores, têm corações que batem
mais depressa; baleias, elefantes e humanos vivem mais, mas seus
corações batem mais devagar. Na média, todos têm corações que
batem um igual número de vezes.
Seguindo esse raciocínio, imagine um elfo de AD&D - que, de
acordo com a sua descrição, pode atingir até seiscentos anos de idade.
Ele vive sete ou oito vezes mais que um humano. Portanto, seu cora-
ção deveria bater sete ou oito vezes mais devagar. Seu metabolismo
seria mais vagaroso, seus movimentos mais lentos. Verdadeira tarta-
ruga (animal que, aliás, está entre os mais longevos do mundo). Su-
pondo que elfos existissem e pudessem atingir idades tão avançadas,
eles seriam lerdos demais para acompanhar os outros aventureiros!
Claro, estamos falando do ponto de vista puramente científico
(eu e minha mania de Dana Scully!). Elfos, anões, dragões, vampi-
ros e outros são ficção, criaturas sobrenaturais. Assume-se que têm
o mesmo ritmo de vida dos seres humanos - para eles, o tempo
passa com a mesma velocidade.
Se têm o mesmo ritmo de vida, então eles aprendem com a
mesma velocidade que nós. Não parece, mas isso complica bastante
as coisas.
Um ser humano com sessenta anos é considerado um idoso,
mas um elfo com a mesma idade mal atingiu a adolescência. As

75
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

duas criaturas viram o sol nascer um mesmo número de vezes, têm a


mesma experiência de vida. Será correto então que o humano idoso
seja sábio, ponderado e precavido, enquanto o elfo ainda se com-
porta com "adolescente"?
Se criaturas têm o mesmo ritmo de vida, se seus corações ba-
tem na mesma velocidade, então deveriam aprender e ganhar expe-
riência da mesma forma. Um elfo, dragão ou vampiro com oitenta
anos deveria ter a mesma experiência e sabedoria de um humano
com essa idade - o que não é pouca coisa! Assim fica difícil imagi-
nar um elfo adulto impetuoso, impaciente, rebelde e com demais
traços de "juventude".

Imortalidade é CHATO!

A coisa fica ainda pior quando atingimos a casa dos séculos de


idade. Muito foi especulado sobre a imortalidade em livros, filmes e
quadrinhos, mas NINGUÉM tem a menor idéia de como alguém pode
se sentir após viver tanto. O que realmente acontece?
Pessoas muito idosas costumam se mostrar cansadas de viver,
apenas esperando a chegada da morte - seja com amargura, seja com
alegria pelo descanso que virá. Seria esse sentimento multiplicado
pela passagem dos séculos? Seria o imortal atacado por uma depres-
são tão profunda, ou uma ansiedade tão intensa, que desejaria buscar
a morte? Por quanto tempo alguém pode tolerar o fardo da vida?
Com o tempo, virá também o tédio. A mente humana exige
estímulos, e sem eles nós enlouquecemos. Imagine alguém tranca-
do para sempre em uma sala vazia, tendo consigo apenas um gibi do
Hulk; o gibi pode proporcionar distração durante vinte ou trinta
minutos, mas não pelos próximos anos.
O mesmo acontece com o imortal, que não supo1taria estar sem-
pre no mesmo lugar, fazendo sempre as mesmas coisas - é inconce-
bível acreditar que um vampiro possa viver duzentos anos na mes-
ma cidade sem morrer de chateação! Ele buscaria novas experiênci-
as. Poderia procurar aventura, emoção, conhecimento místico ... qual-
quer coisa para quebrar sua rotina.

76
DICAS DE MESTRE

Talvez os séculos também tragam a arrogância e a prepotência.


O personagem pode acreditar que é superior aos "simples mortais".
Ele experimenta a solidão dos gênios, sente-se vivendo entre sim-
ples crianças. Os humanos não representam mais mistério para ele -
depois de conhecê-los por tanto tempo, é capaz de prever suas rea-
ções e até adivinhar seus pensamentos. Não é nenhum exagero: quan-
do você joga um mesmo videogame durante muito tempo, em ce1to
momento não consegue antecipar os movimentos dos inimigos?

O tempo passa, o tempo voa ...

Existem ainda as mudanças. O tempo muda tudo - TUDO mes-


mo! Não apenas o mundo à volta das pessoas, mas também as pes-
soas. Heróis podem cair, descobrindo que lutaram por bobagens.
Vilões entendem que é errado oprimir inocentes e colocam seu po-
der a serviço do bem. E os papéis podem se inverter sucessivamen-
te, várias vezes ao longo dos anos.
Pense em como você é hoje, e em como era há dez anos. Pode
ter mudado muito ou pouco, mas com certeza mudou - talvez para
melhor, talvez para pior. Bem, se apenas uma década pode gerar tais
mudanças, quanta coisa pode acontecer em dois ou três séculos?
Como alguém pode continuar o mesmo durante tanto tempo?
É muito estranho notar que na série Highlander os imortais
continuam sempre os mesmos. Heróis são sempre heróis, vilões são
sempre vilões. Será que funciona mesmo assim? Será que Kurgan, o
vilão do primeiro Highlander, conseguiria mesmo atravessar meio
milênio sem uma única pontada de remorso pelo mal que causou? E
quanto a Connor McCloud? Poderia sua nobreza realmente resistir
a quinhentos anos de provação? Não poderia ele se tomar maligno?
Pense nisso quando seu personagem reencontrar um velho
amigo ou inimigo séculos depois; essa pessoa pode ser qualquer
coisa, mas com certeza não é mais aquela que você conheceu.

77
XVII
Sangue novo
Como mestrar para novatos
e formar novos grupos de RPG

Artigo publicado na Dragão Brasil# 28

As centenas de cartas que chegam todos as meses à Barraquinha


do Ore mostram um problema sério para muitos RPGistas: eles estão
isolados.
No Brasil, como no resto do mundo, o RPG é ainda praticado
apenas por uma minoria. Não mais de cem mil em todo o país, su-
põe-se. Dentro de uma população de 130 milhões, significa que existe
no máximo um RPGista para cada 1.300 brasile iros, na melhor das
hipóteses. Levando em conta ainda que uma generosa maioria está
concentrada em grandes centros - principalmente Rio de Janeiro e
São Paulo-, pode ser muito difícil para um RPGista isolado achar
um colega. Podemos encontrar no Brasil cidades inleiras onde nun-
ca ninguém ouviu falar de RPG.
Sim, isso mesmo. Depois de muito procurar, talvez você des-
cubra ser único RPGista em sua rua, bairro, ou mesmo em toda a
cidade! Em vez de procurar outros RPGistas, fica muito mais sim-
ples formar seu próprio grupo.
Nem todos conseguem, contudo. Muitos Mestres falham na
tentativa de iniciar seus amigos no jogo de interpretar, ao apresen-

78
DICAS DE MESTRE

tar as três letrinhas mágicas. Talvez alguns erros estejam sendo


cometidos.

A primeira a gente nunca esquece

Quase todos os RPGs trazem pelo menos uma aventura pronta,


preparada para grupos que estão jogando pela primeira vez. E acon-
selhável que você a use, mesmo que acredite ser capaz de criar uma
história muito melhor; essa aventura geralmente é planejada para
incluir situações simples, problemas que não necessitam de solu-
ções complicadas.
Nunca se esqueça: os iniciantes ainda estão descobrindo como
as coisas funcionam neste mundo de imaginação. Eles precisam
começar com coisas comuns, como saltar muros, atravessar rios,
forçar portas ...
Os primeiros combates devem envolver seres ou criaturas nor-
mais, sem habilidades especiais. Pelo que me lembro, a primeira
criatura que matei em minha primeira aventura de o&o foi uma
simples pantera - e asseguro que isso não tornou menor a satisfação
de derrotar o inimigo. Pelo menos por enquanto, esqueça monstros
com poderes complicados de ilusão, petrificação, infravisão ...
Não espere que os jogadores consigam enganar o ancião vam-
piro logo na primeira aventura! Não exija interpretação ou jogos
mentais. Pelo menos não neste estágio tão inicial. Faça a coisa fun-
cionar como um jogo qualquer, com dados e regras. Isso torna mais
fácil para os jogadores entender como a coisa funciona. A interpre-
tação virá depois, com o tempo.

Não imponha regras!

Diante de jogadores estreantes, um conselho pode ser decisi-


vo: pelo amor dos deuses, não tente enfiar um monte de regras na
cabeça deles logo na primeira sessão de jogo!
Você é o Mestre. As regras são responsabilidade sua, apenas
você tem obrigação de conhecê-las. Quando um jogador precisa fa-

79
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

zer um teste de Destreza, por exemplo, não tente explicar a ele todos
os mecanismos do teste - apenas diga algo como "jogue este dado:
você precisa tirar 15 ou menos para conseguir".
Mais tarde, deixe que os jogadores procurem pelas regras por
sua própria iniciativa. Eles farão isso, quando entenderem que co-
nhecendo as regras podem jogar melhor. Aquele "monte de livros
chatos" será visto de forma bem diferente daí em diante, pois então
o conhecimento ali contido interessa aos jogadores. Eles vão querer
saber que armas causam mais dano, que monstros são mais perigo-
sos, que tesouros valem mais. Magos e clérigos vão querer conhecer
outros feitiços. Shadowrunners mostrarão interesse por novas ar-
mas e equipamentos. Faça a coisa direito, e logo os jogadores farão
fila para pedir emprestado seus livros de regras e aprender o jogo.

Quem precisa de números?

Um erro cometido com freqüência espantosa pelos Mestres é


tentar fazer com que um jogador estreante tente criar seu persona-
gem. Construir um personagem costuma ser muito prazeroso para o
RPGista experiente, mas o iniciante pode encarar a tarefa como al-
gum tipo de "lição de Aritmética". De uma hora para outra ele se vê
cercado de números estranhos e terminologias exóticas: precisa
aprender o que significam coisas como Classe de Armadura, Joga-
das de Proteção, Pontos de Vida, Pontos de Sangue, Disciplinas,
Vantagens, Desvantagens, Perícias ... um vocabulário inteiro enfia-
do goela baixo! Obrigando o jogador a aprender tudo isso antes do
jogo começar, você corre um imenso risco de perder seu interesse.
Ele vai desistir daquele "jogo chato, cheio de regras e números".
Entregar a ele um personagem pronto ajuda a evitar essa tragé-
dia. Antes da aventura, tenha uma boa quantidade de personagens
prontos à disposição. Explique cada um deles de forma bem básica
("este aqui é um guerreiro, este outro é um mago ... ") e deixe que
cada jogador escolha o seu. Mencione que não existem personagens
melhores ou piores - apenas diferentes. Diga também que, em ou-
tras aventuras, ele poderão usar outros personagens, se quiserem.

80
DICAS DE MESTRE

Quando começar a chuva de perguntas sobre o que significam


todos aqueles números, não perca tempo tentando responder todas
de uma vez. É melhor esperar até que as respostas sejam necessá-
rias, durante a aventura.
Não se iluda acreditando que o jogador precisa conhecer toda a
ficha para jogar: muitas vezes ele não vai utilizar nem metade dos
números que estão ali. Em AD&D, não fique explicando minúcias como
Carga Permitida, Abrir Portas, Colapso, Fator de Lealdade ... são coi-
sas muito pouco usadas na maioria das aventuras. Se esses números
forem necessários mais tarde, simplesmente consulte o livro.

Eu posso MESMO ser o Batman?

O uso de personagens já conhecidos pelos jogadores é também


um poderoso atrativo. É difícil sentir-se atraído por coisas abstratas,
que não conhecemos bem - não tente empurrar personagens exóti-
cos como paladinos, druidas, samurais urbanos, Brujahs, Garous ...
leva tempo para que um jogador se acostume com coisas assim.
Tempo que você talvez não tenha, se está tentando garantir o inte-
resse de seus amigos no RPG.
Se os jogadores são fãs de filmes, desenhos e quadrinhos, a
coisa fica simples. Permita que joguem com os X-Men, Conan, Ca-
valeiros do Zodíaco ... quem eles quiserem. Todos nós desejamos,
um dia, entrar na pele de nossos ídolos ou heróis favoritos - e este é
o momento de mostrar ao jogador que sua chance chegou.
Sim, eu sei que você poderia construir personagens novos e
inéditos, mas não é sua criatividade que está em jogo aqui. Não se
sinta culpado por sacrificar sua originalidade - lembre-se, você ain-
da está tentando atrair público. Pelo menos nesta primeira etapa você
precisa conquistar a preferência dos jogadores, oferecer algo que
eles apreciem. Mais tarde, já com um grupo de jogo estável, então
você pode assombrá-los com suas próprias criações. Facilite a vida
do novato. Não permita que regras e números embaralhem sua ca-
beça. Torne o jogo atraente. Estes são os conselhos mais preciosos
para quem pretende iniciar seu próprio grupo RPGista.

81
XVIII
Trabalho de equipe
Como ele é importante,
e como sua falta pode arruinar a aventura

Artigo publicado na Dragão Brasil# 29

"- Quem é você, ancião? Como se atreve a invadir meus domínios?


- Venho pedir sua ajuda, poderoso mago. Uma monstruosa ameaça
paira sobre nosso reino. É imperativo que ouça minhas instruções ...
- Ousa me dar ordens, velho tolo? Desconhece meu poder? Veja
como invoco uma nuvem de gás venenoso para matá-lo, desprezível
criatura!
- Ah, que ótimo! - reclama o Mestre, depois de rolar os dados. -
Parabéns. Você acaba de matar o NPC que ia convocar todos os outros
personagens para a aventura. Espero que esteja satisfeito.
- Eu só estava interpretando o personagem, ora!"

Acreditem, isso REALMENTE ocorreu durante uma partida de


AD&D, da qual fi z parte em tempos recentes. Era uma aventura com
personagens de alto nível (15°, se bem me lembro). Aconteceu que
un. dos jogadores, de tão preocupado com o RolePlay do mago tei-
moso e arrogante que interpretava, terminou matando um persona-
gem vital para a aventura - assim como todos os empregados da sua
torre, vítimas de uma Névoa Mortal.

82
DICAS DE MEsTRE

Não foi essa a única vez em que presenciei uma atuação exa-
gerada acabar com uma sessão de jogo. Tal tipo de acidente acon-
tece com freqüência muito maior do que se imagina. Nestes temos
de "tendência Storyteller", o jogador se preocupa demais com seu
RolePlay. Em seu empenho para interpretar de forma dramática ou
marcante, ele termina se esquecendo da meta real da aventura: tra-
balhar em equipe com outros jogadores para resolver um proble-
ma.
Muitos acreditam que o mais importante é vestir a pele do per-
sonagem, agir como ele agiria e pensar como ele pensaria. Estes
RPGistas não estão errados. O problema surge quando essa interpre-
tação exagerada prejudica o grupo, roubando a diversão dos outros
jogadores.

RolePlayer e Historiador

Quando veio ao Brasil para o IV Encontro Internacional de RPG,


Greg Costikyan (autor dos RPGs Toon c Paranóia, entre outros) clas-
sificou os RPGistas em quatro tipos: o Overpower, o Estrategista, o
RoleP!ayer e o Historiador. De modo geral, os veteranos acreditam
que o jogador "ideal" é uma combinação dos dois últimos.
O problema é que o RolePlayer (aquele que aprecia o teatro)
nem sempre dá lugar ao Historiador (aquele que se importa mais
com o cenário e a campanha). Quando o jogador se esforça demais
em interpretar, obcecado em "ser astro" e atrair atenção, é muito
fácil fazer a aventura sair dos trilhos. Assim acontece com o paladi-
no que abandona o grupo para perseguir o vilão que foi na direção
oposta, ou com o Malkaviano que resolve aprontar alguma loucura
e termina colocando os companheiros em situações difíceis.
Perdão pelo clichê, mas deve-se cortar o mal pela raiz; o grupo
e a aventura precisam ser levados em conta ainda durante a criação
do personagem. Em vez de apenas olhar para o próprio umbigo, é
preciso pensar em suas ligações com o cenário e com o resto do
grupo.

83
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Aventureiros, uni-vos!

D&D e AD&D são os jogos que mostram mais empenho em


conservar o trabalho de equipe. Cada personagem tem seu papel,
sua própria especialidade: guerreiros empregam a força, magos lan-
çam magias e decifram pergaminhos, ladrões forçam fechaduras e
pulam muros, clérigos invocam proteção e curam os feridos. Temos
ainda as subdi visões paladino, ranger, druida, bardo e magos espe-
cialistas, cada qual com suas vantagens próprias. Tudo funciona di-
reitinho, o grupo age como uma máquina em que cada peça exerce
sua função.
Nestes jogos não existe tanto lugar para estrelismos. Um per-
sonagem sozinho (ou um grupo composto apenas por personagens
de mesmo tipo) terá muito pouca chance de sobrevivência. Cedo ou
tarde vai enfrentar um problema com o qual não pode lidar - o que
fará o guerreiro musculoso diante de um fantasma intangível ou uma
porta trancada, contra os quais sua espada é inútil?
Um grupo variado tem chances maiores de sobreviver, espe-
cialmente quando são personagens de baixo nível. Aqueles podero-
sos demais, de alto nível, podem superar suas deficiências e causar
problemas - um mago de 20º nível não precisa da ajuda de guerrei-
ros para empunhar espadas, ou de ladrões para arrombar portas!

Desunião entre vampiros

Assim como D&D e AD&D tornam mais fácil trabalhar em equi -


pe, com Vampiro ocorre justamente o contrário.
Vampiro valoriza imensamente (eu diria exageradamente) a
importância de criar e esculpir um personagem quase em nível tea-
tral, e o ato de trabalhar seu conteúdo com devoção, adoração e até
paixão, mas sem salientar a impo1tância do grupo como um todo.
Certo, o personagem torna-se vibrante, fascinante, repleto de senti-
mento ... bom para um romance literário, mas irá funcionar bem na
aventura? A interpretação sofisticada e os Backgrounds rebuscados
acabam se fechando sobre o jogador como uma armadilha.

84
DICAS DE MESTRE

Exagero? Apenas imagine um Ventrue executivo de empresa-


arquétipo comum para este clã; junte a ele um Gangrel ecoguerri-
lheiro, um Toreador estrela de cinema e um Nosferatu sem-teto. São
todos estereótipos bastante típicos. Bem, que tipo de coisa faria tal
grupo trabalhar em equipe, por um objetivo comum? (Não vale aquele
clichê manjado em que "o Príncipe obriga vocês todos a fazer um
servicinho ...")
Para resolver este problema em Vampiro, o jogador precisa tor-
nar seu personagem mais flexível. O grupo funciona bem apenas
quando o Brujah sai do beco e o Ventrue desce do arranha-céu para
trabalharem juntos.
Isso não significa sacrificar o RolePlay, de jeito nenhum! Seu
Ventrue ou Toreador mauricinho jamais entraria em esgotos? Não é
preciso ser tão radical. Basta ir até o shopping e descolar umas botas
bem transadas (foi assim mesmo, Katabrok?). Pronto, ele agora pode
acompanhar o grupo na perseguição ao Nosferatu foragido.

Vilania, egoísmo e crueldade

Outra ameaça ao trabalho de equipe são os personagens ma-


lignos. Não é sem motivo o esforço dos livros AD&D em desestimular
(e até proibir) aventureiros malignos como jogadores.
Por que um personagem mau atrapalha a aventura? Simples-
mente porque ele não liga para o grupo, quer apenas salvar o pró-
prio traseiro. Diante de uma ameaça maior, vai se esconder na árvo-
re mais próxima enquanto os outros enfrentam o perigo. Guarda
para si a poção de cura que encontrou enquanto os outros não olha-
vam. Prefere vender no mercado a espada mágica, em vez de cedê-
la ao guerreiro.
Quando o jogador insiste em ter um personagem maligno, uma
solução provisória é fazer com que seus objetivos coincidam com
os do grupo. Se ele agir de forma inteligente, não vai sacanear os
companheiros a cada cinco minutos. "Mas ele não é maligno?", você
pergunta. Ser vil, egoísta ou cruel não significa necessariamente
praticar o mal - apenas assegurar a própria sobrevivência. Mesmo

85
DRAGÃO BRASIL E sPEClAL

os maiores vilões sabem trabalhar em equipe quando entendem que,


sozinhos, são impotentes contra determinada ameaça (quantas ve-
zes não vimos vilões pedindo ajuda aos heróis quando a co _sa fica
feia?).
Assim sendo, o clérigo maligno que acompanha o grupo pode
perfeitamente usar sua magia para curar o guen-eiro. Esse aparente
ato de "bondade" é apenas uma garantia, uma medida inteligente;
afinal, será bem melhor que o guerreiro esteja ali para proteger o
clérigo quando o próximo monstro surgir.
Mas que fique claro: ter um personagem maligno "funcional"
pode dar certo em uma aventura ou duas, mas dificilmente durante
uma campanha inteira. Cedo ou tarde ele vai trair, abandonar ou
decepcionar os companheiros quando não precisar mais deles. E lá
se vai o trabalhg.,de equipe.

86
XIX
Coadjuvantes
O uso correto de NPCS por jogadores

Artigo publicado na Dragão Brasil# 30

PC: Player Character, Personagem Jogador


NPC: NonPlayer Character, Personagem Não-Jogador

Parece simples, mas não é. Especialmente quando um jogador


controla, além de seu próprio personagem , um ou mais NPCs.
Praticamente todos os RPGs têm regras para o uso de compa-
nheiros NPCs por jogadores - eles podem ser comprados como quais-
quer vantagens ou poderes especiais. Em AD&D, guerreiros, rangers
e ladrões atraem seguidores em quantidade que varia dependendo
do Carisma. Em GURPS, Aliados custam pontos de personagem. Em
Vampiro e Lobisomem, Aliados também estão disponíveis por pon-
tos de Antecedentes ou ce11as Qualidades. Pombas, até meu Defen -
sores de Tóquio tem vantagenJ próprias para o uso de NPCs por jo-
gadores - Irmão Salvador, Gata Apaixonada, Robô Gigante e tudo o
mais.
Tudo muito simples, tudo muito fácil. O problema começa quan-
do o jogador resolve usar seu NPC como simples recurso de comba-
te. Ele manda o pobre coitado na frente para distrair o dragão, testar

87
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

a armadilha na porta ou dar más notícias ao Príncipe vampiro. O


Aliado acaba servindo apenas como um tipo de "vida extra" em um
videogame.
Um limite deve ser traçado aqui. Aliados SÃO vantajosos em
combate ou fora dele, é verdade. Mas o Aliado não é alguém que vai
sacrificar a vida alegremente a um estalar de dedos do jogador, e o
Mestre tem toda a liberdade para interferir nisso. Afinal, ele ainda é
um NPC - ou PdM, Personagem do Mestre, como é chamado no AD&D
traduzido pela Abril Jovem. A palavra final sobre as atitudes de um
NPC pertence sempre ao Mestre. ("Está sugerindo que eu distraia o
gigante enquanto seus amigos entram na caverna e ele limpa meus
ossos? EU ME D~ITO!")
O RPGista experiente sabe usar seus NPCs sem apelação. Quan-
do um jogador descobre todo o potencial de drama e diversão que
um Aliado proporciona, raramente repete esse erro.

Eu posso ter um Aliado?

Qualquer Aliado NPC deve ser autorizado pelo Mestre. Mesmo


quando as regras estão a favor do jogador, às vezes a presença de
um personagem extra pode atrapalhar a aventura - ou o Mestre pode
simplesmente decidir que o jogador não merece um NPC.
Antes de mais nada, evite NPCs "soltos" no ar. A melhor ma-
neira de garantir que o Mestre permita a presença do NPC é amarrar
sua história com o personagem. Ele deve fazer parte de seu Back-
ground, seu passado. Em vez de um simples colega de batalha, ele
pode ser algo muito mais profundo - um parente, uma amante, um
grande amigo ou algo mais complicado.
A boa construção dessa ligação vai depender da criatividade
de cada um. Isso também ajuda o jogador a valorizar mais seu NPC;
quanto mais tempo e dedicação ele devotar à criação do NPC, maior
será seu valor - e menos chance ele terá de ser colocado em perigo.

88
D ICAS DE MESTRE

Fraquinho? Nem sempre

De modo bastante geral, o típico companheiro NPC é inofensi-


vo e pouco eficiente em combate - como o escudeiro do guerreiro, o
assistente do mago ou a namorada andróide do Defensor de Tóquio.
Ele não existe para lutar, e sim para dar mais colorido ao persona-
gem. Para jogadores que só sabem resolver as coisas na base da
porrada, estes deveriam ser os únicos NPCs permitidos.
Mas um RPGista de bom senso não precisa ficar restrito a NPCs
fraquinhos - ele até pode possuir um Aliado mais habilidoso em
combate, se não abusar dele para sair de todas as encrencas. Uma
boa saída é equilibrar um personagem fraco e inofensivo com um
NPC poderoso. Os livros, quadrinhos e desenhos animados estão re-
pletos de duplas assim, geralmente garotinhos ou belas jovens que
conquistam a amizade de animais, monstros ou robôs gigantes (acre-
dito que Rick fones e o Incrível Hulk sejam o exemplo mais clássi-
co). Este é um dos poucos casos em que um NPC poderia lutar em
lugar de um PC.

Aliado animal

Nem todos os NPCs precisam ser personagens - podem ser tam-


bém monstros ou criaturas, como ocorre com o ranger, cercado de
animais da floresta. Os magos de AD&D têm o "familiar", um ani-
mal invocado por meio de magia (um de meus personagens favori-
tos de AD&D é o mago Beakman, acompanhado por seu ratinho
Lester). Um mago necromante pode criar mortos-vivos (um esque-
leto mordomo seria bem interessante). Dentro de certos limites, qual-
quer animal ou criatura fantástica funcionaria como companheiro
NPC.
Assim como acontece com personagens comuns, animais Alia-
dos são pequenos e quase inofensivos - poucos são capazes de cau-
sar mais dano que um rato. Mas, como dito no caso de NPCs podero-
sos, animais maiores não ficam totalmente descartados. Em Vampi-
ro um PC pode ter animais selvagens como carniçais, e a revista Só

89
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

A venturas # 8 apresentou uma regra opcional para o uso de criaturas


poderosas em GURPS.

"Seu mala!"

Existe ainda a questão: quem disse que o Aliado precisa ser


sempre uma presença agradável?
O parceiro NPC pode ser útil apenas em certos aspectos práti-
cos, mas intolerável como pessoa - algo parecido com Fox Mulder
e Dana Scully, da série Arquivo X: são parceiros que várias vezes
salvaram a vida um do outro, mas que vivem brigando e discutindo
sobre seus pontos de vista ("Isso é absurdo, Mulder!").
Como outros exemplos simples temos aquele mordomo chato
e arrogante, mas que ninguém manda embora porque "está na famí-
lia há anos" (Alfred pode ser eficiente, mas suas observações irôn i-
cas às vezes torram a paciência de seu patrão Batman); o mecânico
que sabe consertar a nave como ninguém, mas que adora cantarolar
música sertaneja (desafinada) enquanto trabalha; e não podemos
esquecer Tasloi, escudeiro de Katabrok, o Bárbaro - que em mo-
mentos de emergência acaba trocando a espada +5 contra gigantes
pela panela +l para esquentar o grude! Ter um NPC detestável ajuda
a equilibrar os benefícios que ele oferece.
Existem muitas formas de tomar um NPC algo mais que um
trunfo de combate. Ele é uma chance preciosa de controlar mais de
um personagem ao mesmo tempo - um desafio digno de RPGistas
experientes. Faça a coisa direito, e o Mestre nunca vai precisar in-
terferir com seu "personagem extra".

90
DICAS DE M ESTRE

Estatuto dos Direitos dos Seguidores


Elaborado pelo Sindicato dos Seguidores, NPCs e PDMS

por Rogério Saladino

•Seguidor não é "bucha de canhão" e nem "boi de piranha".


• Seguidor não tem a obrigação de testar todas as armadilhas en-
contradas pelo grupo.
•Seguidor tem o direito de ser alimentado (de preferência com co-
mida).
•Seguidor tem direito a uma parte na divisão dos tesouros do grupo.
• Seguidor tem o direito de não ser usado como cobaia para as
experiências mirabolantes do mago biruta do grupo.
• Seguidor não é verificador-de-itens-mágicos-que-ninguém-sabe-
o-que-faz.
• Seguidor tem direito a um quarto na estalagem, não no estábulo.
•Não deve haver diferença no tratamento de seguidores de um mes-
mo aventureiro. O goblin feioso deverá ter os mesmos privilégios
que a elfa gostosa de Carisma i 8.
• O aventureiro deve fornecer meios para que o seguidor possa se
comunicar com sua família pelo menos uma vez por mês, não im-
portando onde esteja (Ravenloft, Planescape, Spelljammer. .. ), e li-
berar o seguidor para visitar sua cidade natal pelo menos cinco ve-
zes por ano.
• O seguidor não deve ser chamado de nomes pejorativos, indepen-
dentemente de suas ações.
• O aventureiro deve assumir inteira responsabilidade por atos co-
metidos pelo seguidor no cumprimento de sua função, tais como
multas, prisões, julgamentos, despesas, duelos, execuções ...

91
XX
Traidores

O que fazer com esses chatos?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 31

"Eu preciso comentar a resposta à carta do "verdadeiro paladino" Lone


Ranger (Dragão Brasil# 27). COMO o jogador cujo personagem traiu
seus companheiros estava "apenas interpretando um papel?". Então
um jogador de futebol que comete uma falta desleal está "apenas jo-
gando bola?". Não, ele recebe um cartão vermelho e é expulso para
aprender a não fazer mais isso. Se há alguma lei fundamental a todos
os RPGs é que ninguém escapa às conseqüências dos próprios atos,
ainda mais com uma desculpa fajuta dessas. Jogadores que só criam
personagens "traíras" devem ser EXPULSOS da sessão de jogo (seu
personagem vira um PdM até o fim da aventura) e, se insistirem, do
grupo de jogo. Não fosse por gente assim, haveriam mais RPGistas
(meu primeiro grupo de jogo tinha um "traíra" inveterado, e muita
gente parou de jogar por cauda dele e de seus discípulos). Não acho
que pode haver acordo ou meio-termo nesta questão: ninguém gosta
de ser traído por uma pessoa a quem salvou mais de uma vez, faz-de-
conta ou não. Nenhum jogador deve deixar sua própria diversão es-
tragar a dos outros".

92
DICAS DE MESTRE

Este é um trecho de uma carta enviada a mim pelo leitor e


colaborador Eric Mune, de Alumínio - SP. O restante da carta foi
publicado nos Pergaminhos dos Leitores desta edição, mas tomei a
liberdade de separar este parágrafo; ele destaca um problema que
também tem sido motivo de queixa em cartas de outros leitores.
O problema? Jogadores que estragam a aventura e a diversão
dos colegas porque seus personagens são traidores. Lutam apenas
quando sabem que podem vencer, fogem das lutas difíceis sem se
importar com as vidas dos parceiros, escondem segredos, roubam
tesouros, sacaneiam os colegas de todas as formas.
Por que eles fazem isso? As razões são várias. Alguns esco-
lhem personagens malignos e acabam exagerando no RolePlay.
Outros alegam interpretar uma "personalidade forte", encontrando
aí uma desculpa para abusar de violência e trapaças desenfreadas. E
existem, claro, aqueles que só querem saber de chutar o pau da bar-
raca. (Estes últimos foram apontados a mim pelo leitor Sérgio B.
Citroni , São Paulo - SP, a quem agradeço muito.)
Já que nem sempre é fácil saber a diferença entre esses tipos
(falaremos disso outro dia), o que fazer com os traidores? Como
impedir que quebrem a regra s uprema do RPG, a busca do grupo
pela diversão? A traição deve ser punida? Sim, mas não da forma
que muitos pensam.
Não acredito no descarte imediato de personagens traidores.
Eles são um recurso interessante e precioso (uma das melhores aven-
turas de Invasão que mestrei tinha um traidor), mas APENAS quando
os jogadores são maduros e sabem manter as diferenças dentro do
jogo. Nada de levar inimizades para vida real, expulsando jogado-
res da mesa e coisas assim: personagens devem ser punidos, não
jogadores.
Algum espertinho criou um personagem "traíra" e está sendo
difícil aturá-lo? Então o personagem (ELE, não o jogador) vai mes-
mo sofrer as conseqüências. Se o Mestre funciona como um "deus"
em seu mundo de fantasia, cabe a ele seguir seu senso de justiça e
resolver como vai castigar atitudes desleais - assim como um deus
verdadeiro faria.

93
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Como deve ocorrer esse castigo? Além da revolta e descon-


fiança dos próprios colegas de grupo, existem "trocentas" outras
formas de puni-lo. A mais comum é trazer do passado alguns NPCs
que tenham sido sacaneados pelo traidor, agora ansiosos por vin-
gança.

Bobbaphet, o caçador de recompensas

Pelo que me lembro, apenas uma vez joguei com um persona-


gem traidor - ou seja, que ia totalmente contra os interesses do resto
do grupo.
Era a primeira aventura de uma campanha de D&D, só com
personagens ladrões, em uma cidade tipo Lankhmar (um mundo de
ladrões, comentado na Dragão Brasil# 26). Tenho a peculi aridade
de jogar com personagens que são adaptações de outros gêneros (o
que costuma dar nos nervos de certos Mestres ... ), e naquela vezes-
colhi um caçador de recompensas. Ele usava elmo para esconder
um rosto deformado e perseguia o pirata Hansollo, comandante do
navio Millenium Falcon, atrás de uma recompensa oferecida por
sua captura. Seu nome era Bobbaphet. Soa familiar?
Bobbaphet foi meu primeiro personagem de tendência cruel
(Caótico e Maligno). Engajado com um grupo de aventureiros con-
tra sua vontade, aos poucos desenvolveu pelos colegas um ódio
mortal. Começou a tramar planos e sabotagens para destruí-los - e
ele era mesmo MAU! Assustou crianças, matou um mendigo, quase
matou um campestri (um tipo de bicho-cogumelo engraçadinho),
incendiou um circo e tentou colocar a culpa nos outros aventureiros.
(Heim? A cham que isso é pouca coisa, que não é ser mau de verda-
de? Então desculpem, não tenho tanto talento assim para a vilania!)
Como era uma aventura do tipo "o crime não compensa", os
planos de Bobbaphet sempre davam errado (ou seja, o Mestre punia
o personagem por seus atos malignos). Entre outras coisas, ele foi
paralisado por esporos do campestri, pentelhado por uma coruja fa.
lante e várias vezes "gongado" por PCs e NPCs; estes insistiam e
aplicar petelecos no elmo de Bobbaphet, produzindo estrondos quo

94
DICAS DE MESTRE

o deixavam surdo ou desmaiado. Ele terminou a aventura adquirin-


do um terrível pavor de cogumelos, e desejando muito um elmo
tratado com a magia Silêncio ...
Bobbaphet acabava sempre tão desgraçado que provocava ri-
sos em todos. Não planejei nada disso durante a criação do persona-
gem. No início ele foi feito "apenas para jogar", para enfrentar peri-
gos, como qualquer outro. Ele até que se saiu bem jogando pôquer
de marinheiro (aquele com adaga) em uma taverna barra pesada,
buscando informações sobre Hansollo.
O verdadeiro potencial do personagem foi revelado quando
começaram suas maldades e os castigos que vieram com elas.
Bobbaphet era o famigerado "vilão que todos adoram odiar". Pou-
cas vezes joguei uma aventura tão divertida! Espero que aquela cam-
panha continue, espero ter novas chances de praticar o mal com
Bobbaphet e assisti-lo entrar pelo cano! (Como é, Katabrok? Tem
jeito?)

Crime e castigo

Assim provamos que um personagem traidor nem sempre é


um tormento. Bem utilizado, ele pode ser divertido para quem o usa
e TAMBÉM para os demais.
Acredito que seja esta a melhor solução para o problema dos
''lraíras" - castigar o personagem, não o jogador. Esse recurso quase
sempre funciona, pouco importando a intenção escondida sob a trai-
\'ão. Se o jogador queria bancar o esperto ou sabotar a aventura, a
punição do personagem será um castigo indireto (afinal, seus pla-
nos fracassaram). Se estava mesmo interpretando, vai aceitar a pu-
nição como conseqüência natural dos atos do personagem.
Eu disse que esse recurso QUASE sempre funciona. Existe uma
1111portante exceção- grupos e aventuras que não adotam o estilo "o
1·rime não compensa". Em RPGs sombrios com Vampiro, Shadowrun
1• Call of Cthulhu , não faz muito sentido que os maus sejam sempre

rnstigados por algum benevolente e arbitrário poder divino. Neste


lipo de jogo vence o mais esperto, é salve-se quem puder. Uma trai-

95
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

ção bem planejada VAI funcionar. Quando o Mestre muda isso os


jogadores podem se sentir trapaceados. (Não é mesmo engraçado?
Dizer que promover a justiça é injustiça?)
Manter traidores na aventura é possível, mas exige razoável
habilidade do Mestre. Talvez você consiga isso ... ou talvez sua pa-
ciência chegue ao fim e o jogador acabe mesmo chutado para longe
da mesa de jogo.

96
XXI
Gênese
A invenção de um mundo para aventuras de RPG

Artigo publicado na Dragão Brasil# 32

A palavra "mundo" tem significado especial para RPGistas. Um


mundo de RPG é um cenário de campanha, o reino imaginário onde
vivem os heróis e onde acontecem as aventuras. Não é simplesmen-
te um planeta - pode ser também uma cidade, um continente ou uma
dimensão. Talvez seja nosso próprio mundo, com poucas diferen-
ças, tal como o Mundo das Trevas de Vampiro; ou algo completa-
mente diferente e alienígena, como o Complexo Alfa de Paranóia.
Felizmente para o Mestre inexperiente, o Brasil já tem nume-
rosos jogos e suplementos trazendo descrições de cenários de cam-
panha: Titan -O Mundo de Aventuras Fantásticas, GURPS Fantasy,
Forgotten_ Realms, Karameikos, Shadowrun, Tagmar e outros. Mes-
mo que estes não existissem, adaptar um mundo já existente para
uma campanha de RPG não é tarefa das mais complicadas -pratica-
mente qualquer Mestre pode adaptar regras e fazer rolar uma aven-
tura em um ambiente que tenha visto em filmes, livros, quadrinhos
ou videogames.
Usar mundos já existentes é fácil e confortável... mas o Mestre
t•m evolução logo entende a verdadeira extensão de seus poderes.

97
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

Ele descobre que não depende daquilo que está no papel, que não
está preso aos grilhões do material publicado. O Mestre pode não
apenas mudar tudo que quiser em um mundo, mas também CRIAR
seu próprio mundo.
Criar um mundo. Poucas tarefas são mais gratificantes para o
Mestre - ou trabalhosas. Você pode fazer a coisa aos poucos, deva-
gar, à medida que sua campanha se desenvolve; ou então se armar
de imaginação e coragem para arquitetar o mundo todo. De qual-
quer forma, esteja preparado para um bocado de trabaJho; com cer-
teza você vai precisar descansar no sétimo dia!

"' Earthlike"

Você pretende que seu mundo seja muito parecido com a Ter-
ra? Com os mesmo tipos de cenários - mares, montanhas, selvas,
cidades ... - e apenas alguns elementos diferentes, como monstros,
dragões, magia ou tecnologia avançada? Isso é bem fácil. Coloque
aJguns continentes sobre oceanos e pronto. São assim a Era Hiboriana
de Conan, Toril de Forgotten Realms, Yrth de GURPS Fantasy, a
Terra-Média de O Senhor dos Anéis e centenas de outros.
Mas o desafio maior é criar mundos baseados em traços exóti-
cos. Veja, por exemplo, a Terra inundada de Waterworld, o tórrido
Arrakis de Duna e o gélido Hoth de Star Wars. Esses mundos "dife-
rentes" são sempre interessantes, especialmente em campanhas de
ficção científica- embora a fantasia também seja plena deles, como
provam certos mundos exóticos de AD&D: a anelada Sigil de
Planescape, o mundo-dimensão de Ravenloft e o destroçado Krynn
de Dragonlance.
Então, primeiro responda a pergunta: você quer um mundo ri·
gorosamente "Earthlike" (tipo-Terra) ou ele terá elementos exóti·
cos? Se terá, como você pretende explicar a presença desses ele·
mentos? Dizer que são conseqüência de magia é a forma mais fácil,
mas não a única (pessoaJmente, eu acredito que explicar fenômenos
estranhos apenas por meio de "mágica" é pura preguiça de pens
ou consultar alguns livros).

98
DICAS DE MESTRE

Seja como for seu mundo, para defini-lo você deve responder
a uma série de perguntas:
• POSIÇÃO: o que existe à volta desse mundo? Ele fica no vácuo
cósmico como os demais, ou está imerso em algum ambiente fan-
tástico - talvez no centro de um ciclone fantástico, uma tempestade
energética ou uma dimensão paralela. Já se acreditou que a Terra era
sustentada por quatro elefantes, que ficavam em pé sobre uma co-
lossal tartaruga, que navegava através do universo. Interessante, não?
Seu mundo tem luas? Quantas? Em Dragonlance, o mundo de
Krynn tem três luas, uma branca, uma negra e uma vermelha, cada
uma representando uma divindade do bem, do mal e da neutralida-
de. Talvez o próprio mundo seja o satélite de um planeta maior:
algumas luas, como aquelas que existem em volta de Júpiter e de
Saturno, são muito grandes - e alguns cientistas acreditam que elas
podem conter vida.
O mundo tem um único sol? Nenhum? Mais de um? O Cair da
Noite , famoso conto de Isaac Asimov, fala de um mundo com qua-
tro sóis onde só anoitecia a cada dois mil anos! Como resultado,
toda a população tinha um terrível e descontrolado medo do escuro;
quando chegava a noite fatídica, todos enlouqueciam de pânico e
destruíam a civilização - que levava mais dois mil anos para se
reerguer das ruínas ...
•FORMA: qual será a forma do seu mundo? A massa planetária ten-
de a se aglomerar em forma de esfera - o sólido geométrico que
oferece maior superfície com menor volume. Não chega a ser uma
esfera perfeita: ao girar sobre si mesmo, a força centrífuga faz com
que o planeta seja um pouco mais largo na linha do equador e acha-
tado nos pólos.
Claro que seu mundo não precisa ser necessariamente esféri-
co. Pode ser achatado - como acreditava-se que a Terra era antes de
Colombo -, cilíndrico, cúbico ou até multifacetado (que tal um
mundo com a forma de um d20?). Ele pode ser oco, habitado no
lado de dentro; ou então um universo compacto, sem nada existindo
além de seus limites, como o semiplano de Ravenloft. Tais formas
não podem ser explicadas pela ciência - mas, em campanhas de

99
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

fa ntasia, os deuses podem ser bem criativos quando modelam seus


mundos ...

• TAMANHO: se você pensa em ser científico, existem certos limites


para o tamanho de um planeta. Mundos muito pequenos têm baixa
gravidade (veja no próximo tópico), e não podem segurar atmosfe-
ra, como acontece com a Lua. Mundos maiores que Júpiter ou Saturno
(trinta vezes maiores que a Terra, ou mais) podem entrar colapso e
virar estrelas.

•GRAVIDADE: a gravidade de um planeta depende de seu tamanho e


de sua densidade em relação à água. O cálculo é simples: diâmetro
(em quilômetros) x densidade (em relação à água; veja mais adian-
te) x 0.0000143 =gravidade aproximada (em as). A Terra tem diâ-
metro de 12.735 km, densidade de 5.5 e 1 G. Metalian tem 22.654
km, densidade 7 .5 e 2.4 Os. Um humano comum resiste por curtos
períodos sob até 3 G, mas só pode levar uma vida normal entre 0.75
e 1.25 G.
Mundos de baixa gravidade vão gerar criaturas mais fracas,
enquanto a gravidade pesada faz seres mais fortes. Os vulcanos de
Star Trek são o exemplo mais conhecido: como seu planeta Vulcano
tem gravidade pesada, eles são muito mais fortes (em GURPS, pos-
suem ST média 18 em vez de 10). GURPS Viagem Espacial explica
quais são os modificadores de força para diferentes gravidades.

•DENSIDADE: indica de que material o planeta é feito. A densidade é


medida em relação à água. Mundos como Júpiter e Saturno têm baixa
densidade (entre 0.6 e 2.5), pois são feitos apenas de pó e hidrogênio;
mundos metálicos como meu Metalian, de Espada da Galáxia, têm
densidade acima de 7.1. Um mundo equilibrado como a Terra, com
mais rocha e menos metal, normalmente fica entre 3 e 7 .

•ATMOSFERA: a atmosfera da Terra é do tipo oxigênio-nitrogênio,


formada por 78% de nitrogênio, 21 % de oxigênio, 1 % de argônio e
traços de outros gases. O mais importante, óbvio, é o oxigênio - ele

100
DICAS DE MESTRE

só existe em mundos que tenham vida, pois é liberado pelas plantas.


Por outro lado, oxigênio em excesso (acima de 30%) é inflamável e
corrosivo.
Quanto à densidade, alguns mundos podem ter pouco ar (ter-
restres poderiam viver nele apenas com trajes pressurizados) ou uma
atmosfera muito densa (a pressão esmagaria um terrestre). A pres-
são atmosférica varia com a altitude: uma interessante sugestão con-
tida no World Builder s Guidebook é sobre um mundo onde a pres-
são seja forte demais ao nível do mar, e os habitantes sejam obriga-
dos a viver apenas em montanhas.

• ÁGUA: uma regrinha sobre planetas capazes de sustentar vida:


exceto no caso de alguma intervenção mágica, eles têm (ou um dia
tiveram) água líquida em sua superfície. Até onde sabemos, o surgi-
mento da vida como conhecemos não é possível sem a presença de
água, amônia ou ácido sulfídrico em estado líquido. Isso depende
de um equilíbrio delicado: a distância do planeta até seu sol (porque
calor excessivo faria evaporar toda a água) e sua gravidade (para
impedir que o vapor d'água escape todo para o espaço), entre outros
fatores. Em geral, cada sistema planetário tem apenas um (no máxi-
mo dois) mundos assim.
Mundos sem água e com vida são possíveis, mas exigem ex-
plicações. Talvez a água tenha sumido com o passar dos séculos, e
hoje cada gota é imensamente preciosa - é assim com Arrakis, de
Duna; o tórrido Athas, de Dark Sun; e provavelmente Marte. Um
mundo sem água também poderia ostentar formas de vida diferen-
tes de todas que conhecemos, como Metalian.
Pelo menos para humanos, a vida também seria difícil em mun-
dos com água demais - veja o exemplo de Waterworld. Impérios
poderiam existir apenas em arquipélagos, ou a bordo de embarca-
ções gigantescas. Terreno seco seria o tesouro mais precioso de um
mundo assim.

• RELEVO: por falar em oceanos, que tipo de terreno predomina em


seu mundo? Montanhoso, pantanoso, desértico, florestal, vulcâni-

101
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

co? Tem árvores com quilômetros de altura, ou cavernas que atra-


vessam o globo? Algum desses terrenos existe em maior quantida-
de, ou estão uniformemente espalhados pelo planeta? Como cenário
de campanha, seria interessante uma variedade generosa de ambientes
- tal como o "mundo-colcha-de-retalhos" de Yrth, de GURPS Fantasy.
Também não precisamos ficar restritos a te1Tenos "conheci-
dos" - afinal, boas aventuras de ficção e fantasia exigem lugares
perigosos, inóspitos e impressionantes. No centro do continente de
Tatadas (novamente Dragonlance), a queda de um meteoro criou
um vasto oceano de lava. Cybertron, lar dos robôs da série Trans-
formers , era feito de peças e mecanis mos. Na história A Linda Filha
do Caçador de Escamas, de Lucius Shepard, humanos habitavam o
gigantesco corpo de um dragão adormecido. A ficção científica e a
fantasia estão repletas de idéias para mundos incríveis.

•CLIMA: o mundo é congelante, frio, normal, quente ou um infer-


no? A temperatura é constante durante o ano todo, ou varia com as
estações? As mudanças climáticas são suaves ou extremas? Quanto
mais amplos os limites de temperatura, mais rigorosa e desafiadora
será a vida sobre esse mundo.
Um truque interessante para conseguir extremos climáticos é
fazer com que o mundo tenha uma face sempre voltada para seu sol,
sem movimento de rotação. É assim com Mercúrio, que atinge 350°C
em sua face ilumjnada e -180°C no lado escuro. Nunca haveria dias
e noites, e apenas ceitas áreas intermediárias seriam habitáveis por
humanos.
Temperatura é apenas parte do clima. Ternos também umida-
de, ventos, chuvas, tempestades, neblina, ciclones, emanações ra-
dioativas e todo tipo de fenômeno para tornar a vida "interessante".
No filme Inimigo Meu, dois náufragos precisavam se virar para vi-
ver em um planeta onde choviam meteoros todos os dias ...

• MAPA: naturalmente você vai querer desenhar um mapa de seu


mundo. Não é preciso ser nenhum cartógrafo profissional para pro-
duzir o mapa de um mundo imaginário - especialmente um mundo

102
DICAS DE MESTRE

medieval, no qual não há satélites ou fotos aéreas para mapear com


precisão. Mapas medievais podem ser repletos de desenhos sugesti-
vos, com monstros marcando áreas inexploradas.
No mercado americano existem muitos programas de compu-
tador para traçar mapas de RPG - incluindo o próprio AD&D Core
Rules, que vem com um ótimo editor de mapas. Tanto GURPS Via-
gem Espacial quanto o World Builder's Guidebook também ensi-
nam com traçar mapas realistas.
Entre os livros indicados para o criador de mundos existem
pelo menos três títulos interessantes. Dois deles são suplementos de
RPG: GURPS Viagem Espacial, deliciosamente obediente aos padrões
da astronomia; e o importado World Builder 's Guidebook, mais re-
cente - embora seja de AD&D, não usa nenhuma regra desse sistema
e pode gerar mundos para qualquer jogo. O terceiro é Mundos da
Federação, um tipo de catálogo com os mundos e raças de Jornada
nas Estrelas. Não ensina a gerar mundos, mas é bom para descolar
umas idéias.
Acredito que estes sejam o primeiros passos para a invenção
de um novo mundo. Como você dever ter notado, o assunto é vasto
demais para estas poucas páginas. Hoje tratamos apenas de geogra-
fia e aspectos físicos - nada falamos sobre vida animal, história,
cultura, mitologia ou civilização. Vamos deixar tudo isso para uma
outra vez.

103
XXI
Gênese II
Concluindo a criação de seu mundo de aventuras

Artigo publicado na Dragão Brasil# 35

Em Dragão Brasil# 32, Dicas de Mestre abordou os primeiros


passos para criação de mundos para RPG. O assunto é extenso de-
mais para um único artigo, como deve ser óbvio. Na primeira parte
falamos apenas de geografia: forma, tamanho, composição, atmos-
fera e outros aspectos puramente físicos. Aprendemos a construir
mundos ainda desabitados, com paisagens perigosas e ameaças am-
bientais (abismos, tempestades, chuva de meteoros ...). Tais lugares
podem ser bons para uma visita dos PCs durante uma aventura ou
duas - mas pouco interessantes para longas campanhas.
Bem, chegou o momento de povoar nosso mundo. Que a vida
apareça!

Flora e fauna

Já discutimos antes as condições para que um planeta possa


suslcntar vida como nós conhecemos (você pode tentar criar vida
como nós NÃO conhecemos, mas isso fica por sua conta). Além de
água, o pia nela precisa ter vegetação - sem ela não existe oxigênio

104
DICAS DE MESTRE

no ar. Não falamos necessariamente de selvas e florestas: talvez a


vida vegetal já tenha desaparecido, ou esteja escondida, fora de vis-
ta. A maior parte do oxigênio da Terra é liberada pelo fitoplâncton,
algas microscópicos em suspensão na água do mar (chamar a Ama-
zônia de "pulmão do planeta" não é uma verdade total). Você pode
ainda determinar que o oxigênio do ar foi liberado por meio de al-
gum outro processo, como a eletrólise do água.
Planejar uma biosfera completa para um mundo não é fácil. Na
verdade, duvido que isso seja possível para qualquer um (exceto
Ele, que já tem alguma experiência). Mas, como ponto de partida,
você pode começar escolhendo uma espécie dominante e alguns
animais - não muitos, a princípio. Arrakis, o mundo desértico da
série Duna, é habitado principalmente por humanos nativos (os
Fremen) e sandworms, os monstruosos vermes-da-areia. Um cená-
rio formidável, com apenas duas formas de vida!
Comece decidindo qual será a espécie dominante em seu mun-
do. Digamos que sejam humanos (depois, se quiser, você pode acres-
centar outras raças). Eles podem ter surgido ali mesmo, ou são parte
de uma colônia ou posto avançado - não importa.
Além deles, vamos criar dois tipos de animais. Um deles pode
ser herbívoro, quase inofensivo. Talvez um animal de pasto - pro-
vavelmente domesticado pela espécie dominante, como gado ou
montaria. A outra espécie poderia ser um perigoso predador, que
se alimenta dos herbívoros e causa problemas ocasionais aos hu-
manos. Pode parecer muito pouco, mas você vai notar que o mun-
do de Hoth, de O Império contra-ataca, é exatamente assim: hu-
manos, tauntauns (herbívoros, provavelmente) e wampas (preda-
dores).
Mais tarde você pode acrescentar outras criaturas a seu mun-
do. Caso seja um mundo de fantasia medieval, povoá-lo será bem
fácil - AD&D e outros RPGs trazem centenas de criaturas mitológi-
cas. Na verdade, um mundo de fantasia medieval ficaria estranho
sem coisas como dragões, grifos, gárgulas e mortos-vivos.

105
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

Sociedade

Já temos bichos. Quem vai dominá-los? Qual será a espécie


dominante?
A maior parte dos mundos de RPG é dominada por humanos,
pelo menos em suas regiões principais. Você pode decidir que será
assim (acredite, vai facilitar MUITO a sua vida) ou resolver que seu
mundo é dominado por outras criaturas. Podem ser elfos, anões,
minotauros, gigantes, insetos, plantas inteligentes ... qualquer coisa!
Se pretende criar uma espécie completamente nova, vá em frente.
Talvez eu resolva dedicar um Dicas de Mestre ao assunto. (Hmm ...
puxa, preciso tomar nota disso.)
Humana ou não, a espécie dominante deverá viver em socie-
dade. Uma sociedade é um agrupamento de seres (não necessaria-
mente seres inteligentes) que vivem em estado gregário. Em RPG,
podemos resumir dizendo que sociedade é uma porção de criaturas
vivendo em aldeias, cidades, países ou mundos.
Na Terra, a sociedade humana começou juntamente com a ci-
vilização, há cerca de dez mil anos. O mais importante alimento da
época era o pão, feito com sementes de trigo moídas em farinha e
assado em fomos rudimentares. Quando acabava o trigo de uma
região, a tribo era obrigada a mudar-se para outro lugar- até alguém
perceber que sementes de trigo caídas no chão resultavam em novas
plantas. Com isso surgiu a agricultura, invenção que marca o surgi-
mento da civilização humana: a partir de então o homem abandonou
sua vida nômade, e pela primeira vez teve oportunidade de viver em
um só lugar, em sociedade. (E atenção, feministas de plantão: muito
provavelmente, essa descoberta foi feita por uma MULHER. Mais uma
que devemos a vocês.)

Governo

Pessoas vivendo juntas necessitam de governo. Os suplemen-


tos GURPS Viagem Espacial e GURPS Compendium li explicam nu-
merosas formas de governo. Entre as principais temos:

106
DICAS DE MESTRE

•ANARQUIA: não há leis ou governantes. A ordem é mantida pelo


povo, pela consciência social ou pelo domínio do mais forte.
• DEMOCRACIA: representantes eleitos pelos cidadãos formam um
congresso ou parlamento que decide as ações da sociedade. Uma
variação, a democracia ateniense, estabelece que cada ato deve ser
votado por TODOS os cidadãos.
• CLÃffRIBAL: a sociedade funciona como uma grande família, com-
posta de clãs e tribos, normalmente governados por anciões ou líderes
religiosos. Costumes e tradições são muito importantes nesta sociedade.
•CASTAS: como a anterior, mas cada clã ou tribo tem uma profissão.
Teríamos famílias ou clãs guerreiros, religiosos, estudio sos,
tecnológicos e outros. Em geral existe uma hierarquia - castas mais
importantes têm autoridade sobre as demais.
• DITADURA: o governo fica nas mãos de um único líder - um rei,
ditador ou lorde guerreiro. Sucessores são escolhidos por herança,
combate, eleição ou outras maneiras. Se o governante é um rei, en-
tão trata-se de uma monarquia.
Temos ainda numerosas outras formas de governo: Tecnocracia
(engenheiros e programadores de computadores governam);
Cibercracia (computadores governam); Teocracia (governo por lí-
deres religiosas); Patriarquia (os homens são autoridade; ou as mu-
lheres, em uma Matriarquia), etc.

Ciência e tecnologia

Quando dizemos "tecnologia", não estamos falando apenas de


computadores, naves espaciais ou armas de raio. A tecnologia de
um povo é sua capacidade técnica - e isso inclui até mesmo macha-
dos de pedra. Em GURPS, cada cenário tem um Nível Tecnológico,
ou NT. Começa em O (Idade da Pedra: fogo, alavanca, linguagem),
passando por NT 3 (Medieval: armas de aço, matemática com zero ... ),
NT 7 (Idade Moderna); NT 8 (futuro cyberpunk) até NT 16 ou mais,
quando TUDO é possível para a tecnologia.
A tecnologia de um povo não precisa ser equilibrada - ela pode
ser muito avançada em certas áreas e muito atrasada em outras. Sob

107
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

as condições certas, uma raça poderia descobrir a clonagem e o


tl!lctransporte antes da pólvora! Talvez exista em seu mundo uma
planta, animal, mineral ou outra condição capaz de facilitar o avan-
c;o de certa ciência. Em Deadlands, um RPG de "faroeste fantástico"
um minério misterioso chamado "rocha fantasma" permite que cien-
ti stas loucos construam engenhos incríveis (incluindo lança-chamas,
raios congelantes e até máquinas do tempo!). Em GURPS Espada da
Galáxia, a tecnologia da Terra avançou muito em armas e naves,
porque os terrestres puderam analisar peças alienígenas; mas não
~ houve avanço em medicina, pois o organismo dos alienígenas é muito
diferente do nosso.
Tecnologia avançada são significa necessariamente cultura
avançada. Um povo pode possuir baixa tecnologia, mas imensa
sabedoria e conhecimento - obtidos por meios mágicos ou psíqui-
cos, talvez. E como exemplo de situação contrária teríamos, diga-
mos, um povo de bárbaros com acesso a naves espaciais e armas
de raio (quem sabe deixadas por antigas raças avançadas, hoje
extintas).

Cultura

A cultura de um povo abrange sua história, conhecimento, mi-


tologia. Estes costumam ser os aspectos mais ricos e fascinantes de
um cenário de RPG - especialmente mundos de fantasia medieval.
Um Mestre pode empregar longos e prazerosos momentos lapidan-
do tais detalhes em seu mundo.
A cultura de uma sociedade é o complexo dos padrões de com-
portamento, crenças, instituições e outros valores espirituais e ma-
te riais. Complicado demais? Vamos simplificar dizendo que "cultu-
ra é aquilo em que um povo acredita".
A cultura é aquilo que está registrado em livros, pergaminhos
ou memórias raciais. Não é necessariamente a verdade - mas sim
nquilo que a sociedade acredita ser verdade. Hoje sabemos que a
Terra é redonda, não achatada, mas nossa sociedade já acreditou
ni s~o um dia.

108
DICAS DE M ESTRE

A cultura também reflete a personalidade de um povo. Como


eles são, de forma geral? Guerreiros corajosos? Agricultores paca-
tos? Pensadores solenes? Bárbaros sanguinários? Claro que cada
indivíduo é único, mas você precisa estipular um "padrão" para sua
sociedade. Pessoas que se comportem de forma muito diferente so-
frerão estigma social.
Você decide quais aspectos culturais são reais, e quais não são.
Seu mundo terá magia? Difícil abrir mão dela, especialmente quan-
do você não tem respostas científicas para tudo ("Você quer saber
como aquelas montanhas podem flutuar no céu? Hmm... mágica!").

Magia não serve apenas como munição para as bolas da fogo dos
magos. Ela poda ser usada como explicação para qualquer fenôme-
no sobrenatural, como dragões gigantescos, navios voadores, reinos
submarinos e outras maravilhas.
A cultura de seu povo tem deuses? Deuses falsos, inexistentes,
que servem apenas para dar esperança às massas? Ou deuses verda-
deiros, que concedam poderes sobrenaturais a sacerdotes, enviam
avatares para executar missões e até caminham pelo mundo vez por
outra? Exceções existem (Athas, o mundo seco da Dark Sun, não
tem deuses), mas um mundo de fantasia não está completo sem um
bom panteão de divindades - com certeza elas tiveram papel vital
na história e criação do mundo. Seus deuses podem ser onipotentes
entidades cósmicas, ou então criaturas com fraquezas humanas, ca-
pazes de morrer (sim, isso PODERIA acontecer).
Criar uma cultura a partir do nada será sempre muito difícil.
Você pode simplificar as coisas baseando a cultura de sua sociedade
em alguma civilização real, ainda existente ou não - o Império Ro-
mano, o antigo Egito e o Japão feudal estão aí, nos livros de Histó-
ria. Além disso, buscar inspiração em povos lendários ou ficcionais
(olimpianos, atlantes, vulcanos...) também não é nenhum crime.

Esforço hercúleo

Para povoar mundos imaginários, além de quaisquer cenários


de RPG, recomendo os mesmos livros que citei na primeira parte

109
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Jcstc artigo e alguns outros: Civilizações Extraterrestres, de Isaac


Asimov; GURPS Compedium II ou GURPS Viagem Espacial, ambos
com regras para criar sociedades; e World Builder's Guidebook, de
AD&D, especialmente voltado para mundos medievais.
Povoar um mundo será sempre muito mais difícil que criá-lo
- as variantes de criaturas, raças e culturas são infinitas. Leia,
pesquise, busque inspíração à sua volta. Construa seu reino da fan-
tasia. No futuro, com um pouco de sorte e muito trabalho, talvez
você veja outros RPGistas vivendo aventuras no mundo que você
modelou e publicou. Não acredito existir recompensa maior para
tal esforço.

Um mundo como exemplo

Como exemplo simples de criação de um mundo, vamos apre-


sentar o planetóide Keyla, cenário da minissérie Lua dos Dragões.
Este mundo foi escolhido porque tem aspectos simples, fáceis de
resumir em poucos tópicos.

• Keyla é uma lua de grande porte em órbita de Calidori-4, um mun-


do gasoso (como Júpiter). Por ser uma lua, tem uma de suas faces
sempre voltada para Calidori-4. Os dias duram 22 horas, com 20hs
de claridade e curtas noites de 2 hs. Keyla possui oceanos, monta-
nhas e grandes florestas, que exalam muito oxigênio.
• Em relação à Terra, Keyla tem gravidad~ um pouco mais baixa,
atmosfera um pouco mais densa e taxa de oxigênio ligeiramente
maior. Essa combinação de fatores permite o crescimento de árvo-
res mais altas e o surgimento de criaturas muito maiores - incluindo
insetos imensos.
• Como a maioria dos mundos, Keylajá foi habitado por dinossauros
(hoje extintos). Hoje sua fauna é composta quase exclusivamente
por insetos, moluscos e outros invertebrados, quase sempre de gran-
de tamanho. Não existem aves ou mamíferos: exceto pelos
antropossauros e alguns tipos de peixe, não há outros grandes verte-
brados.

110
DICAS DE MESTRE

• A forma de vida dominante são os antropossauros: um tipo de


povo-lagarto, descendente de dinossauros. Eles têm anatomia
humanóide básica (cabeça, tronco, dois braços e duas pernas). São
quase idênticos aos mamíferos da Terra: têm diafragma, glândulas
mamárias, dentes especializados, lábios e laringe.
• Os antropossauros dividem-se em várias espécies, geralmente agru-
padas em tribos. Sua tecnologia é quase nenhuma: muitas tribos não
conhecem o fogo, e apenas algumas sabem fabricar máquinas sim-
ples, como alavancas e roldanas. Não possuem matemática, escrita
ou qualquer forma de registro de informação - a maior parte de seus
conhecimentos vem de memória genética. Em quase todas as espé-
cies a proporção entre os sexos é desigual: até sete fêmeas para cada
macho.
•No topo da cadeia alimentar de Keyla estão as dragoas-caçadoras
- antropossauras predadoras, arborícolas, com traços lupinos e
felinos. Vivem em aldeias construídas no topo de árvores gigantes,
a centenas de metros de altura.
• As caçadoras são lideradas por uma chefe, escolhida em combate
direto. A líder deve demonstrar força e confiança permanentes; a
qualquer sinal de fraqueza, outras serão impelidas (por instinto) a
fazer desafios pela liderança.
•A mitologia das caçadoras é simples: acreditam na Divina Serpen-
te, uma imensa deusa-sereia-serpente que habita uma gigantesca
caverna em chamas, dentro de seu coração. Essa crença reforça sua
coragem e confiança em si mesmas: as caçadoras não se submetem
a onipotentes habitantes dos céus - elas carregam sua deusa DEN-
TRO de si mesmas!
• As caçadoras são temidas por seu hábito de caçar e capturar mu-
lheres de outras espécies. Mantidas como escravas, elas são tortura-
das como oferenda à Divina Serpente.

111
XXIII.
Gênese III
Você criou o mundo. Você povoou o mundo.
Agora, em sua missão divina, chega o momento
de criar novas raças para personagens jogadores.

Artigo publicado na Dragão Brasil# 38

Homens-lagarto, elfos-do-mar, kenders, kobolds, thri-


kreen, imortais, tartarugas-ninja, anjos demônios, múmias, me-
talianos ... ao longo de seus três anos de existência, a Dragão
Brasil apresentou muitas novas raças para personagens de RPG.
Por que as raças diferentes do gênero humano exercem
tanto fascínio sobre o RPGista? Basta lembrar que no RPG temos
chance de ser aquilo que não somos na realidade: guerreiros,
magos, ladrões, agentes secretos, super-heróis ... bem, já que é
assim, por que restringir nossa escolha apenas à profissão?
A maioria dos RPGs apresenta, além do onipresente Homo
sapiens, numerosas outras escolhas. O s mundos de AD&D são
habitados por elfos, meio-elfos, anões, gnomos e halflings.
Também temos novas raças em GURPS Fantasy, Supers, Conan,
Aliens, Fantasy Folk e outros. E os cinco títulos que formam o
Mundo das Trevas de Storyteller são totalmente baseados em
raças não humanas - Vampiro, Lobisomem, Mago, Wraith e
Changeling; humanos são secundários.

112
DICAS DE MESTRE

Mas então, existindo tantas raças nos mundos de RPG, por


que criar mais? Uma das razões é surpreender os jogadores,
colocando em seu caminho criaturas com as quais eles não es-
tão familiarizados. A maioria dos jogadores de AD&D sabe
como reagir diante de kobolds e ores, mas o que acontece quan-
do eles encontram, digamos, humanóides de pele azulada, olhos
amarelos e pequenos cifres? QUEM, diabos, são esses caras? O
que querem? São hostis ou pacíficos?
Por outro lado, os próprios jogadores também gostam de
raças exóticas. Após algum tempo de campanha eles logo se
cansam dos humanos, elfos, anões e outras opções "comuns";
o RPGista típico tem grande apetite por novas experiências, e
encarnar novas espécies é urna das melhores opções no cardá-
p10.
Então, se você deseja criar uma nova raça, existem alguns
conselhos que pode seguir...

Evolução paralela: o fator humano

Sua raça pode ser desde urna simples variante dos elfos a
um ofídeo nictolófico base-petróleo Classe Psi (sim, isso exis-
te: é uma das raças de Aliens Recognition Guide, suplemento
do RPG Men in Black). Mas, se você é um criador iniciante,
siga o exemplo Dele e comece com algo "à sua imagem e se-
melhança" - ou seja, humanóide.
Chamamos de "humanóide" seres com cabeça, tronco, dois
braços e duas pernas, todos nos lugares usuais - e talvez algu-
mas mudanças cosméticas, como orelhas pontudas, pele cinza,
olhos de inseto, cauda e coisas assim. Estão dentro dessa cate-
goria os humanos, elfos, anões, gnomos, halflings, ores, goblins,
ogres e seres do tipo.
Como explicar que tantas raças, oriundas de espécies di-
ferentes - ou mesmo de planetas diferentes -, tenham todas a

113
DRAGÃO BRASIL EsrEClAL

mesma estrutura humanóide básica? Por que os habitantes dos


planetas visitados pela nave Enterprise parecem gente da Terra
com maquiagem e roupa engraçada? Por que as metalianas têm
. ?
se10s.
Para economizar a grana dos efeitos especiais? Também,
mas existe uma razão mais lógica e cientificamente aceitável.
As palavras mágicas são "evolução paralela".
Os bichos evoluem, todos sabemos. Mudam ao longo das
eras, adotam formas mais adequadas à sobrevivência. Girafas
ganham pescoços maiores para alcançar galhos mais altos. Ri-
nocerontes ganham chifres para se defender dos predadores.
Zebras e tigres ganham listras como camuflagem no capim alto.
Evolução paralela é quando duas criaturas completamente di-
ferentes tomam-se iguais - ou ganham características iguais -
ao longo de milhões de anos.
Em biologia, o exemplo mais conhecido de evolução pa-
ralela é o polvo. É um invertebrado, mas seus olhos têm estru-
tura de máquina fotográfica - uma câmara que recebe a luz
ambiente, com uma retina fotossensível e uma íris que regula
a entrada de luz no globo ocular. Além dos cefalópodes, ne-
nhum outro invertebrado tem olhos desse tipo; eles existem
apenas em animais superiores (peixes, anfíbios, aves, répteis,
mamíferos ... ). Polvos e vertebrados não possuem nenhum an-
cestral comum que tenha olhos assim. Nesse caso, como essa
estrutura ocular apareceu em criaturas tão diferentes? Coinci-
dência?
Outro famoso exemplo de evolução paralela é a fauna da
Austrália. Há milhões de anos, quando o continente australia-
no se afastou dos demais, todos os mamíferos do mundo ainda
eram marsupiais - após nascer, os filhotes completavam seu
desenvolvimento em uma bolsa no ventre da mãe. Os mamífe-
ros prosseguiram em sua evolução, tronaram-se placentários,
capazes de prolongar a gravidez sem a necessidade do marsú-

114
DICAS DE M ESTRE

pio ... exceto na Austrália. Ali todos continuaram marsupiais,


mas ainda evoluindo, ganhando formas semelhantes àquelas
encontradas no resto do mundo. Existem ratos marsupiais, ga-
tos marsupiais, lobos marsupiais (o lobo-da-tasmânia, hoje
extinto), ursos marsupiais (o koala) e até um tipo de macaco-
marsupial, a cuíca-manchada. Se os humanos vieram dos ma-
cacos, talvez a cuíca pudesse originar um homem-marsupial,
quem sabe?
Como os marsupiais australianos ficaram tão parecidos
com seus parentes placentários, se não houve qualquer contato
entre eles? Houve evolução paralela. Criaturas diferentes evo-
luindo em ambientes iguais e condições iguais atingem solu-
ções anatômicas iguais. Quando precisam voar, ganham asas -
sejam pássaros, insetos, morcegos ou peixes-voadores. Quan-
do precisam nadar, ganham nadadeiras - sejam peixes, golfi-
nhos, pingüins ou tartarugas marinhas.
Isso significa que humanóides PODEM surgir em outros
planetas, ou a partir de outras criaturas, ou ambos. Significa
que dinossauros PODEM originar homens-lagarto, e insetos
PODEM originar metalianos.
Mas se você não se importa com nada disso e quer uma
raça "muuuito" diferente do convencional (invisível, de quatro
braços, de quatro patas, blindada, feita de energia...), vá em
frente. Consulte em seu RPG as regras usadas por outras criatu-
ras para aquele tipo de poder. Em geral, cada RPG tem regras
adaptadas para humanóides: se você mudar isso, vai enfrentar
problemas .. . mas os resultados podem compensar.

Com o poder, a responsa

Sua raça terá poderes especiais? Sim, é grande a tentação


de dar montes de poderes e habilidades para sua raça - mas, se
ela é destinada a jogadores, você precisa balancear seus pode-

115
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

res com fraquezas; um -1 para cada +1. Se não o fizer, o jogo


ficará desequilibrado.
Nos títulos de Storyteller, todo Narrador experiente sabe
o que acontece em grupos mistos de vampiros, lobisomens e
magos: estes últimos são muitos mais poderosos que os de-
mais. Na verdade, por esse mesmo motivo a editora White Wolf
criou o suplemento Sorcerer - trazendo um mago alternativo,
menos poderoso, para participar de campanhas ao lado devam-
piros e lobisomens.
Criar novas raças em AD&D também é complicado, por-
que não há regras próprias para equilibrar poderes e fraquezas.
O resultado disso é que em AD&D existem raças melhores que
outras - e isso não deveria acontecer, não para personagens
jogadores. Veja o exemplo dos elfos: têm Destreza +1, enxer-
gam no escuro, vivem centenas de anos, têm bônus de +1 nos
ataques com espadas e arcos, 90% de resistência contra ma-
gias de encantamento e sono, bônus em testes de surpresa, po-
dem encontrar portas secretas e escondidas, têm acesso a qua-
se todas as classes (exceto druida e paladino)... e sua única
grande desvantagem é ter-1 em Constituição. Um enorme de-
sequilfürio. É espantoso que jogadores de AD&D ainda se inte-
ressem em personagens de outras raças.
No outro extremo temos os halflings, a raça menos
favorecida pelos deuses em AD&D. São resistentes a venenos,
varinhas de condão, bastões, cajados e magias, mas apenas
quando têm alta Constituição; têm bônus de +1 nos ataques
com fundas e armas de arremesso (ooh, mas que armas terrí-
veis!); bônus de surpresa (mas apenas sozinhos ou em compa-
nhia de halflings e elfos); 15% de chance de ter infravisão e
outros poderes menores. O pior é que eles têm Destreza + 1 e
Força -1, e podem ser apenas guerreiros, clérigos e ladrões.
Guerreiros e cJérigos com Força -1? l Sobram apenas os la-
drões!

116
DICAS DE MESTRE

Entre os grandes sistemas, GURPS é aquele que melhor re-


solve esse problema, porque todas a vantagens e desvantagens
têm um custo em pontos. Se você quer que tenham destreza um
pouco acima da média humana e que enxerguem no escuro,
basta dar-lhes DX+l (10 pontos) e Visão Umbrosa (25 pontos).
O custo para uma raça assim seria de 35 pontos, e pronto. Mas
cautela, Mestre de GURPS, pois existe aí um truque: um perso-
nagem normal de 100 pontos tem um limite de -40 pontos para
comprar desvantagens - mas desvantagens raciais NÃO contam
nesse limite. Assim, um jogador apelão pode criar uma raça
lotada de desvantagens apenas para agarrar os pontos.

Civilização e tecnologia

Você pretende que sua raça seja social? Claro que existem
raças de criaturas solitárias, que provavelmente encontram um
semelhante apenas na época do acasalamento (talvez para matá-
lo depois, como ocorre com aranhas e escorpiões). Mas será
melhor que sua raça seja mais social, especialmente se é desti-
nada a jogadores.
Uma raça social pode viver em cidades, aldeias, tribos ou
mesmo em pequenos grupos errantes. Criar urna raça que vive
em grupos menores é mais simples, porque você não precisa
se preocupar tanto com sua origens, dialetos, reinos, etc.
Como? Você quer cidades? Gigantescas civilizações, do-
minando vastas áreas do mundo, guerreando umas com as ou-
tras por territórios, recursos ou crenças? Então eis aqui a notí-
cia: civilização e tecnologia andam de mãos dadas. Uma não
poderia existir sem a outra. Assim, quando falamos de civili-
zação, na verdade queremos dizer "civilização tecnológica".
Como pode se formar uma civilização tecnológica? Como
uma espécie pode evoluir e dominar o mundo? Para isso são
exigidos dois elementos: inteligência e habilidade manual.

117
DRAGÃO BRASIL E SPECIAL

Inteligência é a capacidade de resolver problemas. Nem


mai s, nem menos. Quanto maior essa capacidade, maior será a
inteligência de uma criatura. Chimpanzés são considerados
inteligentes porque conseguem encaixar varetas e empilhar blo-
cos para alcançar bananas no alto da jaula - prova incontestá-
vel de inteligência.
Habilidade manual? Sim, senhoras e senhores. Sem isso,
não temos civilização- pelo menos, não uma civilização tecno-
lógica. O homem ergueu sua cidades não apenas porque pen-
sou em como fazê-lo, mas porque tinha mãos para fabricar e
segurar ferramentas. Muitos pesquisadores acreditam que ba-
leias e golfinhos têm tanta inteligência quanto os seres huma-
nos - mas eles nunca poderiam construir casas ou cidades, pois
não têm mãos. Se bem que habilidade manual não precisa vir
necessariamente de "mãos": coisas como pinças, tentáculos e
o poder psíquico de telecinésia também servem.
Outro ingrediente importante para uma civilização é o fogo,
a primeira e mais importante fonte de energia utilizada pelo
homem. O fogo permitiu ao homem-das-cavernas sobreviver a
invernos mais rigorosos, afastar predadores, preparar uma va-
riedade maior de alimentos e defumar a carne para conservá-la
por mais tempo. Mais tarde, ele permitiria forjar metais e mo-
vimentar motores a vapor, entre incontáveis outras aplicações.
Imaginar raças avançadas surgindo sem fogo é MUITO difícil, e
ex ige explicações. Os elfos-do-mar de AD&D, por exemplo,
não podem forjar metais; eles conseguem armas e ferramentas
metálicas pelo comércio com habitantes da superfície.

Vida longa e próspera

Uma raça não é feita só de orelhas pontudas, pele cinzenta


e olhos de inseto. Ela tem um conteúdo. Ela tem psicologia e
cultura, quase sempre diferentes dos humanos. Sem isso, in-

118
DICAS DE MESTRE

terpretar personagens de outras raças perde metade da diver-


são!
Quando planejar a psicologia de uma raça, primeiro pen-
se se ela é igual, diferente ou muito distante da psicologia hu-
mana. Isso coloca as diferenças raciais apenas em característi-
cas físicas, mantendo o interior intocado. Veja o Super-Ho-
mem dos quadrinhos: um alienígena fisicamente diferente, re-
pleto de poderes e fraquezas especiais - mas humano por den-
tro. Exceto pelas diferenças culturais, os nativos do planeta
Krypton são psicologicamente idênticos aos terrestres, com os
mesmos temores, ambições, qualidades e defeitos. Claro, você
poderia acrescentar apenas uma ou duas diferenças sem im-
portância, para dar sabor (os kryptonianos parecem, em geral,
mais frios e arrogantes que os terrestres; o Super é uma exce-
ção).
Os elfos da fantasia medieval são o exemplo mais conhe-
cido de raça com psicologia diferente da humana. O grande
diferencial está em sua longevidade, sua capacidade de viver
por muitos séculos. Talvez por permanecer mais tempo no
mundo, eles aprendem a amar a natureza, fazem amigos mais
raramente, não comem ou bebem demais - ou seja, preferem
apreciar lentamente os prazeres da vida. Apesar disso, as se-
melhanças entre elfos e humanos são suficientes para que um
RPGista (humano) possa interpretar corretamente um persona-
gem elfo.
Algumas raças podem ter uma psicologia tão diferente que
mal podem ser compreendida por hnmanos, ou vice-versa. Os
thri-kreen de Dark Sun (AD&D) eE tão entre as raças mais com-
pJicadas para jogadores: eles nunca dormem, e não conseguem
entender essa necessidade em outras criaturas ("Ei, acorde! Você
está imóvel há vinte minutos! Tem certeza que está bem?");
nunca precisam de água, e sentem-se desconfortáveis em sua
presença; e acham a carne de elfo muito saborosa, sendo capa-

119
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

zes de atacar os companheiros de grupo em caso de escassez


("Por que esse cara-de-formiga fica me olhando desse jeito?").
Meus rnetalianos, com sua psicologia baseada em insetos so-
ciais, também não ficam muito atrás.
Interpretar seres que pensam de forma muito diferente é
difícil, mesmo para RPGistas experientes; raças assim funcio-
nam melhor corno NPCs.

Como os ancestrais

O RPGista sabe corno é duro criar um personagem mar-


cante, com um passado e conteúdo; então, imagine fazer o
mesmo para urna raça inteira!
É difícil criar urna forma diferente de pensar. Lembrar-se
de sua espécie ancestral ajuda um pouco - basta ver corno a
vida de nossos antepassados (macacos, segundo Darwin) in-
fluiu na personalidade que ternos hoje. As fobias mais comuns
na espécie humana são o medo de altura (para quem vive em
árvores, cair é a forma mais fácil de morrer), de cobras (o pre-
dador mais comum e mortal nas copas das árvores) e da escu-
ridão (os tigres dente-de-sabre e outros carnívoros do Pleisto-
ceno atacavam principalmente à noite). Humanos também não
gostam de viver sozinhos, porque são fisicamente fracos - e
juntos, na pré-história, tinham maior chance de sobrevivência
contra animais mais fortes.
Digamos que urna raça tenha evoluído de touros, rinoce-
rontes, triceratops ou criaturas do tipo. Como os Ceratops, um
dos povos-dinossauro mostrados em Dragão Brasil # 30 - ou
os dragões-sete-chifres de Luas dos Dragões. Os machos da
espécie, apesar de herbívoros, são encarregados da proteção
do rebanho e seriam extremamente agressivos, rabugentos e
até paranóicos. As fêmeas, sempre protegidas, seriam muito
dóceis e pacíficas. A espécie em geral teria imenso e indiscutí-

120
DICAS DE MESTRE

vel medo de lugares altos, porque um animal bovino NUNCA


deixa o solo durante toda a sua vida (poucos sabem, mas se
você afasta um cavalo do chão durante alguns segundos, ele
tem grandes chances de enlouquecer). Para eles, mesmo a mais
simples escalada seria façanha impossível.
Bem, é tudo por enquanto. Esperamos ter ajudado o Mes-
tre que deseja inventar novas criaturas para sua campanha - e
também o jogador que tenta experimentá-las.

121
XXIV
Quando os dados rolam 1
Decidir por si mesmo
ou deixar que os dados o façam?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 33

"Deus não joga dados com o Universo."


A lbert Einstein

"Deus não apenas joga dados, como às vezes


os joga onde não podem ser vistos."
Stephen W. Hawking

É bem provável que Einstein e Hawking não estivessem pen-


sando especificamente em RPG quando enunciaram suas famosas
frases. Contudo, mesmo sem saber, estes gênios definiram os prin-
cipais estilos de mestrar: o uso da mente e o uso dos dados.
Podemos assumir que o Mestre de RPG é como um "deus" em
seu mundo de aventuras: ele cria e modela o mundo onde o história
acontece, controla a realidade. Não há limite para sua onipotência -
aquilo que ele diz é lei, mesmo as coisas mais impossíveis. Se o

1. "Quando os dados rolam" era o nome de uma saudosa seção presente nas anti-
gas revistas Dragão Dourado e RolePlay, com episódios curiosos e engraçados envia-
dos pelos leitores - precursora de nossa atual "Lendas Lendárias".

122
DICAS DE M ESTRE

Mestre decreta que um bárbaro armado com uma espada comum foi
capaz de decapitar um dragão-deus de cinco cabeças, então assim
será. Afinal, é o SEU universo.
Se o Mestre é um deus, como ele toma suas deci sões? Pondera
sobre elas, como disse Einstein? Ou deixa tudo nas mãos do acaso e
joga os dados, como acredita Hawking?

O método Einstein

Dispensar os dados e decidir sem eles tem uma óbvia vanta-


gem paro o Mestre: as coisas sempre vão acontecer exatamente como
ele planejou. Sem imprevistos.
Este Mestre pensa em tudo. Ele realmente PENSA sem deixar
nada ao acaso. Nunca faz testes de reação para verificar como a
rapariga da taverna reage à paquera do elfo: apenas consulta o
Carisma do elfo, a Inteligência ou Sabedoria da rapariga, e toma
sua decisão. Torce o nariz enojado diante de tabelas de monstros
aleatórios - cada monstro será escolhido com cuidado, levando em
conta suas chances e motivos para estar ali naquele instante. De
acordo com Einstein, dados e tabelas não servem para substituir o
bom senso.
O Mestre que segue este método pode até rolar os dados de vez
em quando, para disfarçar - mas no final tudo é decidido pelo cére-
bro . Este Mestre muitas vezes também obriga os jogadores a decidir
as coisas por si mesmos: em vez de j ogar os dados e testar Inteligên-
cia para resolver um enigma, o jogador deve PENSAR.
A grande desvantagem do modo E instein é que ele pode tornar
a aventura meio sem graça, especialmente para iniciantes. Estes se
sentem nas mãos de um deus arbitrário, vítimas de seus caprichos.
Nem adianta jogar os dados: se o guerreiro tenta arrombar uma por-
ta que o Mestre NÃO deseja ver arrombada, então ele NÃO vai conse-
guir - nem mesmo com um acerto crítico.
Dispensar completamente o uso dos dados transforma a aven-
tura quase em uma peça teatral improvisada. Muitos grupos do tipo
"interpretativo" (ou RolePlayer) até gostam de jogar assim - eles

123
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

preferem confiar mais na própria inteligência do que em números e


estatísticas. Mas esse tipo de jogo é um tanto sofisticado demais,
próprio para RPGistas mais avançados: iniciantes vão encontrar pouca
satisfação neste método.

O método Hawking 1

Se Deus joga dados, então tudo é acaso e probabilidade. Se-


guindo este método, o Mestre desiste de pensar no assunto e joga os
dados para tudo - desde a reação da rapariga à paquera de bordo, até
a quantidade de moedas no tesouro do dragão. Esse costuma ser o
método adotado por Mestres iniciantes ou inseguros: ainda sem con-
fiança para usar o seu próprio julgamento, eles preferem deixar as
decisões por conta dos dados. Mestres do tipo "Estrategista", aman-
tes das estatísticas, também apreciam usar os dados sempre que pos-
sível.
A maior vantagem de usar os dados o tempo todo é que isso
torna o jogo mais vibrante. A satisfação do jogador é maior quando
ele vê com os próprios olhos que o monstro não resistiu a seu feitiço
ou errou seu ataque. Gritos de emoção são lançados à volta da mesa
onde o Mestre joga os dados abertamente.
A desvantagem óbvia é que, jogando em aberto, o Mestre não
pode mentir. Fica muito mais difícil proteger os jogadores e manter
a aventura no rumo. Quando o ogre consegue um acerto crítico e
dano máximo com sua clava, o Mestre não pode fazer nada para
salvar da morte o infeliz personagem - e o jogador acaba saindo da
aventura mais cedo. Da mesma forma, quando o mago do grupo
consegue dano máximo com sua bola de fogo e o vilão falha em seu
teste de resistência, aquilo que deveria ser urna épica batalha final
termina de forma brusca e sem graça: a aventura saiu prejudicada,
porque o Mestre não podia proteger o vilão.
Assim, deixar tudo nas mãos do acaso é um jogo arriscado:
pode levar a grandes e moções, mas também a grandes decepções.

124
DICAS DE MESTRE

O método Hawking II

Vamos examinar melhor a frase de Hawking: eles diz que, às


vezes, Deus joga os dados onde eles não podem ser vistos. Então, se
Deus é um Mestre de RPG , nesse caso ele usa um escudo!
Ferramenta Básica do Mestre, o escudo (também conhecido
como biombo ou screen) não passa de uma folha de papel cortado,
dobrada três ou quatro vezes e colocada de pé sobre a mesa, diante
do Mestre. Uma de suas faces, aquela que fica voltada para os joga-
dores, geralmente traz ilustrações ligadas ao jogo, como castelos,
dragões, mapas e outros temas, ajudando a colocar os jogadores no
clima. A outra face tem tabelas de consulta rápida para o Mestre,
evitando que ele perca tempo folheando livros para encontrá-las.
A terceira utilidade do escudo é a mais importante: evitar que
os jogadores observem as anotações do Mestre e o resultado de seus
dados.
Quando o Mestre joga os dados atrás do biombo, ele tem a
chance de mentir. Se aquele ogre consegue um acerto critico que vai
matar o ladrão, o Mestre simplesmente ignora os dados e diz que o
ogre errou. Se o vilão falhou em seu teste de resistência contra a
bola de fogo , o Mestre diz o contrário e a batalha dura mais um
pouco. Impossibilitados de ver os dados, os jogadores podem ape-
nas aceitar isso - pouco importa se o Mestre está mentindo ou não:
aquilo que ele diz é sempre verdade, independente do resultado dos
dados. No fim, isso não passa de uma combinação dos métodos
Einstein e Hawking I: o Mestre usa os dados, mas também usa o
bom senso e não permite que resultados indesejados atrapalhem a
aventura.
Impossível evitar a pergunta: se os jogadores não podem ver
os dados, então por que jogá-los? Por que o Mestre não decide isto
ou aquilo simplesmente, como Einstein faria?
Na verdade, existe uma grande diferença entre a decisão arbi-
trária e a jogada atrás do escudo - mas essa diferença só funciona
dependendo da habilidade do Mestre. O segredo ~ fazer com que os
jogadores acreditem que o Mestre SEMPRE segue os dados. Assim

125
DRAGÃO BRASIL EsPEC!AL

conseguimos a mesma emoção dos dados jogados em aberto, mas


sem os riscos de que estraguem a aventura.
Isso só funciona quando os jogadores acreditam no Mestre. A
conquista dessa confiança é trabalhosa e demorada, exigindo muito
habilidade. Para ajudar nisso, o Mestre inteligente costuma ocasio-
nalmente levantar o escudo e mostrar aos jogadores o resultado dos
dados - assim eles podem confirmar com os próprios olhos que o
monstro realmente resistiu aos efeitos do feitiço, sem trapaça. Mos-
trar os dados de vez em quando concede certa segurança aos joga-
dores. Eles vão acreditar que, pelo menos na maior parte das vezes,
o Mestre está realmente sendo imparcial.

Quem tem razão?

Então, como ficamos? Einstein ou Hawking? Decidir e ponde-


rar, ou deixar rolar?
Não existe fórmula infalível, disso sabemos. Tudo depende
daquilo que o Mestre procura. Imaginação e bom senso resultam em
boas histórias. Jogar os dados desperta emoção e agito. É a dosagem
correta de cada ingrediente que resulta em aventuras mais saboro-
sas.

126
xxv
Deixando sua marca
O que fazer para criar tipos
marcantes e inesquecíveis

Artigo publicado na Dragão Brasil# 34

Então você anda jogando os dados há algum tempo, certo? Já


se divertiu debulhando goblins, decapitando bestas da Wyrm e de-
tonando no ciberespaço, certo? Começou com kobolds palermas e
agora já tem poder suficiente para peitar avatares, certo?
Então, um belo dia, você achou que isso já não bastava. Bater,
bater e bater perdeu a graça. Atingido por uma inesperada inspira-
ção, você descobriu que o RPG podia ser muito mais que jogar dados
e acumular números na planilha. Desde então, uma nova satisfação
domina seu ser quando você embarca em seu mundo de campanha:
agora você não está apenas disposto à matar-pilhar-destruir, corno
uma máquina de guerra sem mente. Agora você quer MAIS! V'X ê
quer VIVER a aventura.
Será que você ficou louco? Muitos diriam que sim ("Pois~.
agora ele só pensa naquele jogo estranho ... "), mas não se surpree11-
da.
O RPGista mediano, após algum tempo de campanha, atravessa
esse tipo peculiar de metamorfose: entediado com simples comba-
tes, magias e espadas com bônus, você agora usa o mundo de aven-

127
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

lura para fazer-de-conta. Para fazer coisas impossíveis. Melhor ain-


da, SER pessoas impossíveis.
Essa etapa na vida do RPGista costuma ser vista por muitos
com um "avanço de nível", um tipo de "evolução". Mas não é bem
assim que funciona: pensar dessa forma é pura arrogância e pre-
conceito (eu realmente ODEIO esses tipinhos !). Muitos jogadores
avançados ainda preferem o estilo antigo, mas de forma mais inte-
ligente e sofisticada: tramando novas táticas, explorando novas re-
gras, descobrindo novas magias e criaturas, mergulhando fundo nos
segredos de seu RPG favorito. A estes costumamos chamar de Es-
trategistas.

Fome de emoção

Mas, para outros tipos de RPGista avançado, Pontos de Expe-


riência já não servem mais de alimento. Então, por que ele joga? O
que ele busca na aventura, além de apenas colecionar vitórias, te-
souros e objetos mágicos? A resposta pode ser única para cada um.
Razões pessoais demais, que apenas o próprio jogador conhece - ou
talvez nem ele. Mesmo assim, podemos classificá-los em dois tipos
principai s....
Primeiro temos o RPGista que deseja criar. Ele gosta de contar
histó rias, erguer sagas épicas, fazer girar o mundo de fantasia onde
vivem seus personagens . A centelha criadora arde em seu peito -
descontente com o mundo real, ele busca construir em suas aven-
turas um mundo mais interessante e emocionante. Seu desempe-
nho em jogo dá solidez à sua fantasia, faz com que seja preserva-
da. Este tipo de jogador costuma ser tratado aqui como Historia-
dor.
O segundo tipo é o RPGista que é menos autor e mais ator -
também conhecido como RolePlayer, palavra inglesa para "inter-
pretador de papéis". Ele gosta do teatro envolvido no RPG, gosta de
fingir e interpretar. Em verdade, "interpretar" pode ser uma palavra
vazia demais para definir o que ele busca. Enquanto o Historiador
quer escapar do mundo onde vive, o RolePlayer quer escapar de si

128
DICAS DE MESTRE

mesmo! Como o verdadeiro ator de teatro ou TV, ele busca ser outra
pessoa, estar em sua pele... e deslumbrar a platéia com sua grandio-
sa arte.
(Dramático demais? Eu? OK, perdão ... )
Perceber a diferença entre um Historiador e um RolePlayer le-
gítimos pode se mostrar um tanto difícil. Poucos se apegam em de-
masia a um único estilo - o mais comum é encontrar jogadores que
sejam um amálgama destes dois tipos. E isso faz alguma diferença?
No fundo, não. Quando criam um personagem, ambos perseguem
um mesmo objetivo: querem que seu personagem seja marcante,
dife~ente dos demais. Por que eles desejam isso? Para que a existên-
cia do personagem seja lembrada e preservada (para o Historiador)
e porque vivê-lo será prazeroso (para o RolePlayer).

Seja lembrado

O que é, exatamente, um personagem "marcante"? Literalmen-


te, é aquele que deixa sua marca- na memória de quem o conheceu.
Pense em todas as campanhas de RPG que já jogou: entre os perso-
nagens de outros jogadores (não os seus), quais conseguiram cha-
mar mais sua atenção? De quais você se lembra melhor? Pronto! Aí
estão os personagens marcantes.
Ciiar um personagem marcante não é fácil - se fosse, teríamos
montes de Batman, Darth Vader, Capitão Kirk e Fox Mulder por aí.
Sim, a indústria do entretenimento nos bombardeia com milhares de
novos personagens todos os anos, mas quantos conseguem realmente
se destacar? Poucos, muito poucos. Pense bem: dentre todos os fil-
mes do Jean-Claude Van Damme que assistiu, você consegue lem-
brar o nome de UM personagem sequer? Não o ator, mas um perso-
nagem. Frank Dux, de O Grande Dragão Branco, é o único que me
ocorre no momento.
Claro que você também pode ser marcante com sua ATUAÇÃO.
Isso é bem diferente: você é um RPGista tão talentoso que, em suas
mãos, qualquer personagem sem graça ganha luz própria. Você pode
salvar da mesmice até mesmo aquele manjado e estereotipado anão

129
D RAGÃO BRASIL E SPECIAL

rabugento. Se assim for, parabéns. Se ainda não é o caso, o jeito é se


empenhar mais na criação do próprio personagem.

Simples, profundo ou novo

Você pode tornar seu aventureiro marcante buscando três me-


tas principais: simplicidade, profundidade ou originalidade.
A simplicidade é o caminho mais garantido. Desse modo você
tenta tornar o personagem marcante apenas porque é fácil lembrar
dele. Para começar, pelo amor dos deuses, esqueça aqueles nomes
estrambólicos que à s vezes surgem na fantasia medieval -
Ghatterialn, Dintokvslay, Rhanflogarth e outras bobagens impro-
nunciáveis (sim, Katabrok, estou falando com você!). Também não
caia na armadilha dos nomes já desgastados pela cultura pop-John,
Steve, Bruce, David, McCoy e outros. Se é algum super-herói, es-
queça também palavras gastas como Power, Force, Shadow, Warrior...
O melhor é usar nomes simples, fáceis de lembrar e pronunciar, mas
também inéditos. Quer ver? Han Solo, Rambo, Fox Mulder, Spock,
Nikita, Lestat...
Também ajuda dar ao personagem um traço marcante, algo que
sempre chame a atenção dos demais. Pode ser algo na aparência
(tapa-olho, tatuagem, cabelo verde ... ), na personalidade (resmungão,
delicado, nojento ... ), nos man.eirismos (sotaque, tique nervoso,
gagueira ... ) ou alguma outra coisa. As regras de GURPS são ótimas
para criar traços peculiares. Vampiro também.
Ainda tentando a simplicidade: se você pode explicar seu per-
sonagem em poucas palavras, então ele está ótimo. Será lembrado
mais facilmente. Quer ver? James Bond: um super-espião frio e so-
fisticado. Han Solo: um pirata e contrabandista espacial. Wolverine:
um mutante selvagem com garras. Alguns personagens são tão sim-
ples que seus nomes chegam a ser auto-explicativos: Homem-Ara-
nha, Mulher-Gato, Tocha Humana, Magneto, Aquaman, Capitão
Ninja ...
A seguir temos o método da profundidade, que consiste em
detalhar o personagem ao máximo. Responder todas as perguntas

130
DICAS DE MESTRE

sobre ele - onde nasceu, como eram seus pais, o que come no café
da manhã ... Assim o personagem fica tão completo que praticamen-
te ganha vida própria. Jogadores de Vampiro, em especial, parecem
cultivar este estilo: consomem páginas e mais páginas descrevendo
a história de seu personagem, pincelando seu passado e personali-
dade (conheci alguns que chegam quase a escrever romances intei-
ros sobre seus vampiros!). Este é o modo mais difícil: o personagem
criado assim pode ser fascinante e apaixonante para o próprio cria-
dor, por seu envolvimento íntimo - mas será diferente fazer com
que outros se envolvam da mesma forma. Só vai funcionar durante
uma longa campanha, durante a qual os demais jogadores terão tempo
de conhecer bem sua obra: para eles, será como ler um romance (na
verdade, participar dele) e mergulhar na vida do companheiro.
E, finalmente, a originalidade. Consiga uma idéia nova, e terá
seu personagem marcante. O que tomou MacGyver tão conhecido,
entre tantos outros tipos que surgiram na TV desde 1988? Ele vence
com criatividade e porcarias que traz nos bolsos, e não com socos e
tiros. Como explicar o atual sucesso de A rquivo X? Mulder e Scully
seguem a velha receita da dupla de tiras que vive brigando, mas
com ingredientes sobrenaturais - coisa que nunca havia sido tenta-
da antes. Por que a arqueóloga Lara Croft tomou-se a mais aclama-
da heroína dos videogames? Porque poucos pensaram em usar uma
linda garota como protagonista de um jogo eletrônico, em vez dos
atiradores truculentos de Doom e similares.
Não acredite que todas as boas idéias já foram usadas. Idéias
novas estão flutuando por aí, esperando quem as agarre. Eu, pes-
soalmente, penso que seres humanos não são capazes de criar coisa
alguma - tal poder está reservado a apenas UM ser no universo. O
melhor que podemos fazer é aguçar nossa sensibilidade para captar
as idéias que navegam pelo ar. Elas existem, eu lhes asseguro. Não
imagino de onde venham, mas elas existem e estão aí!
Fazer com que alguém seja lembrado é só o primeiro passo.
Fazer com que seja amado, apreciado ou odiado ... bem, isso é as-
sunto para outro dia.

131
XXVI
Background
Que nome feio é esse?
O que tem a ver com RPG?

Artigo publicado na Dragão Brasil# 43

Background. Essa palavra aparece com certa regularidade quan-


do a conversa é entre RPGistas experientes, e também em matérias
da Dragão Brasil. Alguns preferem dizer "ambientação", outros
falam apenas em "história" ou "histórico" - mas Background é muito
mais abrangente. Procurando Background no dicionário inglês-por-
tuguês (a pronúncia é /bék-gráund/), você deve encontrar vários signi-
ficados. Entre eles temos ambiente, cenário, antecedentes, forma-
ção, experiência. Todos valem em RPG, porque Background é justa-
mente isso - aquilo que enriquece e "recheia" o personagem. Sua
história. Seu ~assado, personalidade e tudo que o torna uma pessoa
única. Indo direto ao ponto, Background é aquela "hi storinha" que
o Mestre pede para você escrever atrás do ficha de personagem -
mas você disfarça, finge que não ouviu e deixa Pl\fª depois.
Se o personagem de RPG fosse um computador, a planilha com
números seria seu hardware - a parte física, aquela que podemos
ver e tocar. E o Background seria o programa, o software. Algo mais
subjetivo, algo que não podemos ver imediatamente quando exami-
namos a planilha - mas SABEMOS que está ali.

132
DICAS DE MESTRE

Background não é indispensável para jogar RPG. Você pode


preencher uma planilha, lançar os dados e esquecer qualquer outra
preocupação. A diferença é que, jogando assim, muito em breve
você pode acabar perdendo o interesse pelo personagem - e tam-
bém pelo próprio jogo. Empregue algum tempo elaborando o Back-
ground para seu personagem, e com certeza ele será mais valioso
para você.
Sim, verdade. Você deve ter notado que, quanto mais tempo
joga com um mesmo personagem, mas você fica apegado a ele. Isso
não acontece apenas porque vocês debulharam monstros juntos (OK,
isso TAMBÉM é divertido). Acontece porque agora seu personagem
tem um passado. Você não o inventou durante a criação, antes de
jogar - mas o Background surgiu naturalmente, aos poucos, durante
a campanha.
Sendo assim, não seria mais interessante construir personagens
com passado e conteúdo, em vez de apenas uma planilha com espa-
ços e bolinhas preenchidos?

GURPS não é só números!

De ntre os grandes sistemas, GURPS é aquele em que podemos


esquecer mais facilmente o valor de um Background. Talvez por
isso este jogo seja tão detestado pela "elite" RPGista.
Digamos que você resolve construir um personagem de GURPS.
O Mestre anuncia uma aventura de fantasia medieval. OK. Você logo
pensa naquele "combo" para ter alta Esquiva', e resolve comprar DX
14 (45 pts), HT 14 (45 pts), Reflexos em Combate (15 pts) e a perícia
Corrida com NH 16 (16 pts). Pegamos também Ultraflexibilidade
das Juntas, pois é baratinho (5 pts). Para compensar o custo elevado,
vamos ter ST 10 (O pts), IQ 10 (O pts) e as desvantagens Cleptoma-
nia (-15 pts), Covardia (-10 pts), Sadismo (-15 pts) e -5 pontos em
Peculiaridades variadas (tem mau hálito, usa roupa escura, gosta de
tirar meleca do nariz ...).
Esse personagem terá Escalada 12 sem nenhum custo, graças à
Ultraflexibilidade das Juntas. Temos ainda 19 pontos para Perícias.

133
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

/\1~ 111do Corrida 16 e Escalada 12 que já temos, vamos pegar os


sempre populares Furtividade 14 (2 pts), Arrombamento 10 (4 pts)
ç Rastreamento 10 (4 pts). Uma arma? Tem aquele truque: você usa
o NH em Lança para atacar e o nível pré-definido em Bastão para
aparar. Então pegamos Lança 16 (8 pts) e temos Aparar 9. Aprovei-
te o ponto que sobrou e pegue Arremesso de Lança 14 (1 pt). Pron-
to, já temos nosso personagem.
Temos mesmo? Vejamos ... o sujeito não tem passado, não tem
personalidade, não tem nem mesmo um nome. Pensando bem, o
que temos é apenas um amontoado de números e cálculos espertos -
um personagem feito com mentalidade puramente estrategista .. Até
que está bom se você está jogando suas primeiras aventuras e ainda
não pegou o espírito do coisa, mas ... pode estar certo, você logo vai
se cansar.
Como transformar esta planilha cheia de números em um per-
sonagem? A resposta: dê a ele um Background.
Para começar, temos que chamar esse cara de alguma coisa.
Um nome medieval, rápido! Usando o método popular, vou fechar
os olhos, teclar algumas letras ao acaso e acrescentar vogais. Deixa
ver, deu "knvsdlkn". Kanvisdalkin. Até que não ficou ruim.
O que esse Kanvisdalkin faz da vida? Ele tem Reflexos em
Combate, uma alta Esquiva e alto NH em Corrida e Lança. Será um
soldado de infantaria? Talvez parte das tropas do reino?
Ei, um momento! Kanvisdalkin tem Covardia, Cleptomania e·
Sadismo! Dão muitos pontos, mas quando tentamos conciliar tudo
em uma só pessoa, o que temos? Ele é sádico, gosta de ver o sofri-
mento alheio - mas também é covarde, evitando situações em que
possa se ferir. Nosso amigo é um ti pinho bem desprezível, que ataca
gente pelas costas e espeta inimigos caídos com a lança. E ainda um
cleptomaníaco, que rouba coisas sem precisar delas. Como Kanvis-
dalk:in não tem a perícia Punga, seus roubos serão descobertos re-
gularmente. Ainda bem que tem Corrida com NH alto - vai precisar
disso paro fugir das encrencas em que se mete ...
Já temos muita coisa para trabalhar. Kanvisdalkin alistou-se
nas tropas do reino acreditando que seria prazeroso chacinar inimi-

134
DICAS DE M ESTRE

gos e pilhar cidades, mas sua covardia e seus furtos provocaram sua
expulsão do exército - ou talvez ele mesmo seja um desertor, fugin-
do durante uma batalha perigosa. Agora ele vive como ladrão, as-
saltando casas (isso explica suas perícias Escalada, Furtividade e
Arrombamento), mas também freqüenta tavernas e oferece seus ser-
viços como "lanceiro" a grupos de aventureiros desavisados.
ISTO é Background. Criar uma história, um passado e persona-
lidade, compatíveis com os estatísticas de jogo. O ideal mesmo é
pensar no Background antes de construir o personagem - e não o
contrário, como acabei de fazer. Kanvisdalkin teria uma vida mais
fácil se, digamos, tivesse a perícia Punga em vez de Rastreamento.

Masmorras com personalidade

Como funciona o Background em AD&D? Com seu sistema de


raças, classes e tendências, muitas vezes o personagem já vem com
um conceito e uma personalidade razoáveis. Se você escolheu ser
um elfo ranger Honrado ou um anão guerreiro Vil, isso já diz muito
sobre seu passado, comportamento e modo de vida. Não é preciso
inventar mais nada; você já tem um personagem com Background
suficiente.
Suficiente, apenas. Raro é o adepto experiente de AD&D que
fica satisfeito seguindo apenas as orientações do Livro do Jogador.
Aqueles que têm acesso a livros importados Jogo agarram algum kit
da série Complete Handbooks - os famigerados Livros Vermelhos,
cada um se aprofundando em urna classe ou raça de personagem.
Quando adota um kit, o jogador está p~rsonalizando seu aven-
tureiro. The Complete Fighter's Handbook, por exemplo, ensina
como transformar um simples guerreiro em um samurai, gladiador,
mosqueteiro, pirata, bárbaro e numerosos outros tipos - eles são
mais ou menos como os arquétipos que aparecem nos Livros dos
Clãs de Vampiro ~ Cada kit apresenta pequenas vantagens e desvan-
tagens para diferenciar ainda mais o personagem. Uma guerreira
amazona recebe +3 em seu primeiro ataque, porque em geral o opo-
nente não espera ser atacado por uma mulher; em compensação, ela

135
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

sofn.: redutor de -3 em testes de reação, porque mulheres guerreiras


não são bem vistas em sociedades medievais.
OK, os Livros Vermelhos não existem em português ainda
(exceto Livro do Guerreiro). Mas quem disse que precisamos deles?
Basta uma boa idéia, uma ligeira mudança nas regras, e você tam-
bém pode inventar seu personagem exclusivo.
Lembro-me de um amigo que, em uma aventura de AD&D, es-
co1heu jogar com um jovem guerreiro. Sua história era interessante:
filho de um dos maiores ladrões do reino, ele queria seguir essa
mesma carreira - mas o pai, arrependido, não desejava para o filho
a mesma vida de crimes. Como resultado tínhamos um guerreiro
que passava o tempo todo tentando destrancar fechaduras, mover-se
em silêncio e escalar muros - mas NUNCA conseguia, porque não
tinha habilidades de ladrão.
Perceba que, em termos de jogo, isso não trouxe nenhuma van-
tagem ao personagem - só problemas. Mas, por seu Background
bem bolado, o Mestre decidiu que aquele guerreiro poderia comprar
Pericias Comuns de Ladino pelo custo normal, como se fosse mes-
mo um ladrão.
Sim, seria muito mais simples para o jogador construir um per-
sonagem ladrão ou guerreiro/ladrão e evitar tanta complicação ... mas,
nesse caso, que graça teria?

J Horror MUITO pessoal


De modo geral, quanto menos regras um RPG tem, mais neces-
sário será um bom Background. Talvez por isso, para quem prefere
personagens intensos e ricos, Vampiro: a Máscara é o que temos de
melhor.
Mais do que ensinar a preencher planilhas, Vampiro obriga o
pensar profundamente sobre o personagem, explorando seu íntimo
até o osso, tratando-o como coisa viva. O slogan "jogo de horror
pessoal" não está ali à toa: quando decide mergulhar fundo na alma
do personagem, o jogador muitas vezes é confrontado com questões
incômodas sobre preconceito, moralidade, humanidade, bondade e

136
D ICAS DE MESTRE

maldade. Deve haver muitos escritores e atores profissionais que,


com certeza, não nutrem tanto respeito, carinho e dedicação por sua
obra quanto certos jogadores de Vampiro.
Em tempos ancestrais, durante a dominação total de AD&D, o
RPG era pouco além de um jogo de estratégia com falas. Quase tudo
era só hack & slash - "matar-pilhar-destrnir". Com sua nova pro-
posta, além de trazer um público diferente (garotas!), o jogo de Mark
Rein•Hagen também trouxe uma nova tendência: mais Background
e menos regras. Do início ao fim o livro básico enaltece a importân-
cia de criar um personagem com conteúdo, respondendo todas as
perguntas, pensando em sua história, seu passado e interior a nível
literário. Pela primeira vez, criar e interpretar era mais importante
que detonar monstros.
Sim, é verdade que havia outros RPGs mais "interpretativos"
antes de Vampiro - mas foi o jogo da White Wolf que conseguiu
firmar de vez a tendência. Seu sucesso provocou uma onda de no-
vos títulos, em que os números importavam menos que a
ambientação. Até mesmo os jogadores de AD&D e outros títulos
passaram a ver o RPG de forma diferente, mudando seu estilo de
jogo.
Pena que, em tempos recentes, Vampiro tenha se desviado de
sua proposta original - a exploração íntima do personagem. Hoje,
quase tudo é política e guerrinha de Clãs. Vejamos se Rein•Hagen
consegue resgatar o bom e velho drama no iminente Vampiro 3ª
Edição. Hoje sabemos que não.

Falkenste in: Background total

Com a onda de Vampiro, surgiram muitos RPGs no estilo "quem


liga para regras"? Jogos que não têm muita graça quando vistos
estrategicamente, mas que trazem boa carga de drama e diversão.
Castelo Falkenstein, em certos aspectos, talvez seja até melhor
que Vampiro. Escrito como um romance épico, esta obra-prima de
Mike Pondsmith não tem planilhas: o jogador deve escrever um
pequeno diário sobre seu personagem, usando certas palavras-cha-

137
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

vc que mais tarde se traduzem em regras. Simplesmente genial!


Falkenstein chegou ao Brasil há poucos meses, e merece ser confe-
rido.
Arkanun, de Marcelo Dei Debbio, tem regras enxutas e obriga
os jogadores a enriquecer seus personagens pensando mais em sua
história. Em Paranóia, de Greg Costikyan, os Agentes Atiradores
não têm Backgrounds muito ricos (claro, pois não vivem o bastante
para isso!), mas o cenário é tão rico que torna possível jogar sem
nenhuma regra! Os recentes Dragonlance Fifth Age e Marvel Super
Heroes abandonaram o poderoso sistema AD&D em favor de novas
regras, mais dramáticas.
Então ficamos combinados: quando preencher sua próxima
planilha, dê ao personagem algo mais que números e bônus.

138
XXVII
By Night
Erguendo sua própria cidade de vampiros

Artigo publicado na Dragão Brasil# 46

By Night. Duas palavrinhas que podem parecer não familiares


para quem não tem acesso a livros importados de Vampiro: a Más-
cara. Os veteranos, no entanto, conhecem bem seu significado. Para
melhor ou pior.
No jargão "vampiresco'', um By Night é a descrição de um
cenário para uso em crônicas de Vampiro. Cada livro fala de uma
cidade do mundo real, mas mostrando como ela seria se existissem
vampiros. A editora White Wolf (responsável pela publicação de
Vampiro nos Estados Unidos) já colocou no mercado diversos By
Night - desde Chicago a Berlim, passando por New Orleans, Los
Angeles e Washington D.e. Também tivemos, sob o selo Black Dog
(uma divisão de White Wolf com produtos mais adultos), o
pesadíssimo Vancouver by Night; e, mais recentemente, Hong Kong
by Night - para Kindred of the East, a nova linha da White Wolf
sobre vampiros orientais. Existe também a série Rage Across para
Lobisomem, que já teve Nova York, Rússia, Austrália, Appalachia e
o lendário Rage Across the Amazon ("lendário" por suas toneladas
de bobagens... ).

139
DRAGÃO BRASLL ESPECIAL

Rumores dizem que a linha By Night foi cancelada nos Estados


Unidos porque gerava muitas discussões e reclamações - especial-
mente entre os moradores de tais cidades, que nunca concordam
sobre como ela deveria ser. Na verdade, a maioria dos jogadores de
Vampiro que teve contato com estes livros simplesmente odiou o
material. A Devir Livraria já descartou qualquer possibilidade de
trazer os By Night para o Brasil, preferindo títulos de mais qualida-
de - notícia que tem provocado suspiros de alívio entre aqueles que
sabem o tamanho da encrenca.
Contudo, mesmo que os livros By Night originais tenham fra-
cassado, a idéia básica não é ruim. Na verdade, é amplamente utili-
zada pela maioria dos Narradores brasileiros - pensar em como se-
ria a história de uma cidade qualquer no Mundo das Trevas, com
forças sobrenaturais agindo nos bastidores. A cidade escolhida cos-
tuma ser aquela onde os jogadores vivem, ou então grandes capitais
com Sampa e Rio. O que o Narrador faz, então, é tranformá-la em
cenário para Vampiro, colocando seus jogadores ali.
Também já tivemos nossos " mini By Nighf' aqui na Dragão Bra-
sil. Pequenas matérias sobre como usar São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador, Curitiba e Brasília (nas edições# 15, # 18, # 20, # 22 e# 27,
respectivamente). Até hoje são numerosos os pedidos de leitores para
criar versões By Night de outras cidades brasileiras - pedidos um tanto
difíceis de atender, \levando em conta quantas centenas ainda restam!
O que podemos fazer, então, é ajudar você a criar seu próprio
By Night.

Real ou ficcional?

A primeira coisa que você deve decidir: sua cidade será feita a
partir de um lugar real ou será totalmente imaginária?
Todos os cenários By Night publicados até agora são baseados
em lugares reais, mas você pode optar por inventar sua própria cida-
de. Como comparação, pense nos quadrinhos de super-heróis: o
un iverso Marvel usa cidades reais como Nova York e Washington,
enquanto a oc prefere suas Metrópolis e Gothan City.

140
DICAS DE MESTRE

As vantagens de usar uma cidade fictícia são óbvias: você não


precisa fazer muita pesquisa (afinaJ, a cidade será como você qui-
ser) e tem liberdade para incluir qualquer elemento. Fica um pouco
difícil colocar uma usina nuclear na aventura se você está rolando
uma crônica em Sampa, certo?
Por outro lado, usar uma cidade real também traz vantagens,
seja em Vampiro ou qualquer outro jogo. Isso economiza muito tra-
balho para o Narrador - a cidade já está ali, ele não precisa inventar
quase nada. Além disso, os jogadores JÁ CONHECEM o cenário: o
Narrador não precisa perder tempo explicando ao grupo como se
parece o lugar. É bem mais prático que ler "trocentas" páginas em
um GURPS Fantasy para saber e explicar como funciona a complica-
da cidade de Mégalos, por exemplo.
Depois de resolver este ponto crucial, começa uma série de
perguntas que precisam ser respondidas durante a criação:

1. Q UAL A HISTÓRIA DA CIDADE?


Se você está usando uma cidade real para seu By Night, então esta
parte do trabalho merece uma visita à prefeitura, à biblioteca muni-
cipal ou ao site da cidade na Internet. Você precisa conhecer a histó-
ria local, desde a fundação aos dias de hoje. Descubra os persona-
gens e fatos históricos mais importantes, e pense em como pode-
riam influenciar a situação atual. Na prefeitura você pode, inclusi-
ve, conseguir mapas de lugares que poderá usar mai s tarde nas crô-
nicas.
Feito isso, vem a parte divertida - a influência dos vampiros.
Aponte exatamente em que época os primeiros vampiros chegaram,
e como afetaram a história local. Talvez algum vulto histórico tenha
sido na verdade um vampiro, ou um carniçal. Qualquer grande evento
ou mudança na história da cidade (seja algo positivo como a chega-
da de uma indústria, ou negativo como um desastre natural) pode-
riam ter sido provocados por vampiros. Os jornais dizem uma coisa,
mas a verdade é outra. A explosão de um paiol de munições da
Marinha na Ilha do Boqueirão, em 1995, bem poderia ter sido cau-
sada por uma batalha entre Camarilla e Sabá.

14 1
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

Preste atenção também às lendas e fatos estranhos ocorridos


na cidade - nesse ponto, uma conversa com o vovô pode ser mais
informativa do que pesquisar em livros. Qualquer cidade brasileira
tem ou teve suas histórias de vampiros e lobisomens, além de outras
coisas inexplicáveis: a aparição de um OVNI, uma série de crimes
macabros, uma seita satânica, uma casa assombrada ... Você pode
pegar essas coisas e bolar para elas uma explicação compatível com
o Mundo das Trevas. (Quem disse que o ET de Varginha precisa ser
mesmo um ET? Que tal se ele fosse um Nosferatu?)

2. QUANTOS VAMPIROS HÁ?


O erro mais freqüente em muitos cenários e crônicas (incluindo a
maioria dos By Night oficiais da White Wolf) é a superpopulação de
vampiros.
Para uma cidade vampírica bem planejada, você deveria cata-
logar TODOS o~ vampiros que vivem nela - ou pelo menos a maio-
ria. Calma, não é assim tão difícil quanto parece! Em sua página 31 ,
o módulo básico de Vampiro sugere um Cainita para cada cem mil
mortais. É um número bem razoável, levando em conta que eles se
esforçam para manter a Máscara e portanto limitam a criação de
novos membros. Sampa, a cidade mais populosa do Brasil, tem pouco
mais de 10 milhões de habitantes-o que significaria cem vampiros.
Dividindo esse valor entre os sete clãs da Camarilla (ou Sabá, su-
pondo que a cidade seja dominada por apenas uma das facções),
temos no máximo QUINZE vampiros de cada clã! E o Rio de Janeiro,
tão infestado de Cainitas em tantas crônicas, tem pouco mais de
METADE dessa população!
Portanto, mesmo que você viva em uma grande cidade com 1
milhão ou 2 milhões de habitantes (apenas Belém, Belo Horizonte,
Brasília, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Recife e Salva-
dor estão dentro desta faixa), não terá que lidar com mais de vinte
vampiros. Pode parecer muito pouco à primeira vista, mas lembre-
se: usar menos personagens permite que você dê mais atenção a
cada um deles individualmente- e também evita aquelas aventuras
tipo chacina, com vampiros morrendo aos montes toda semana! A

142
DICAS DE M ESTRE

destruição de cada vampiro precisa ser pensada com muito cuidado,


pois sempre vai trazer conseqüências ...
Claro que estes números são apenas uma sugestão, não uma
regra. Cada Narrador pode aumentá-los (mais provavelmente) ou
reduzi-los (mais raramente) como quiser. Você vai precisar de uma
quantidade maior especialmente se pretende usar seu By Night em
tive actions - às vezes, um único tive reúne duas ou três vezes mais
vampiros que o máximo permitido na cidade !
Apenas evite aumentar DEMAIS a população vampírica. Quan-
to mais vampiros houver, mais ameaçada a Máscara estará. Já vi
crônicas com tantos vampiros que você podia esbarrar com um de-
les na rua a qualquer momento!

3. ONDE ELES FICAM?


Se você vai seguir nossa recomendação e criar uma cidade com pou-
cos vampiros, é hora de posicioná-los. Onde eles ficam na cidade?
O mais comum é dividir o lugar em territórios, cada um domi-
nado por um clã - ou um vampiro. O tamanho do território depende
do poder daquele clã e seu interesse no lugar. Você pode seguir a
receita tradicional (os Gangrel ficam com as matas, os Nosferatu
com os esgotos, os Ventrue com o centro empresarial...) ou mudar
tudo. Que tal os Tremere controlando as matas, tal vez porque exista
ali uma caverna ou templo místico? Ou talvez os Nosferatu habitan-
do o museu de arte, lar tradicional dos Toreador.
Além de territórios, os vampiros também controlam pessoas e
indústrias - no Mundo das Trevas, quase tudo é dominado pelos
vampiros . Descubra quais são os recursos principais de sua cidade
(construção civil, rede hospitalar, departamento de polícia, jornais,
TV, crime organizado ...) e determine que clãs ou vampiros coman-
dam esses seguimentos.

4. QUE CLÃS?
Uma coisa importante: você não precisa ter vampiros de TODOS os
clãs na cidade - nem mesmo a maioria. De acordo com alguns su-
plementos importados sobre o Mundo das Trevas, apenas três ou

143

...
DRAGÃO BRASIL EsPECIAL

qualro cidades no mundo inteiro são habitadas pelos sete clãs. Chi-
cago é uma delas. No Brasil, a única opção aceitável seria Sampa
(talvez o Rio também, forçando um pouco a barra).
Três ou quatro clãs nativos são mais que suficientes, e também
ajudam a definir a "cara" da cidade. Uma que seja habitada apenas
por Yentrue, Tremere, Toreador e Nosferatu seria bem pacata, sem
grandes explosões de violência - mas com muita intriga e jqgos de
poder rolando por baixo dos panos. Vampiros "encrenqueiros" como
os Gangrel, Ventrue e Malkavianos não seriam muito bem recebi-
dos.
Não esqueça que também poderia haver apenas UM represen-
tante do clã. É uma situação bem interessante, e obriga a repensar
muita coisa. Sendo o único Brujah da cidade você provavelmente
será o líder de uma gangue de humanos e/ou carniçais. Como o úni-
co Gangrel, você comanda uma matilha de lobos (ou talvez lobiso-
mens). O mais engraçado é que você passa a ser o Ancião local, o
vampiro mais velho da cidade - uma posição que, neste caso, difi-
cilmente vai lhe trazer qualquer vantagem. É mais provável que você
receba instruções ou conselhos do Ancião de uma cidade vizinha.
E quando um jogador quer ser um vampiro de um clã que não
existe na cidade, você sempre pode dizer que ele veio de fora ... e
terá que arcar com as conseqüências d isso.

5. COMO ELES CHEGARAM?


Como, quando e por que os vampiros chegaram à sua cidade? De
onde eles vieram? Estavam ali desde sua fundação? Ou surgiram
depois, atraídos por alguma coisa?
Assim como os mortais erguem cidades em lugares com recur-
sos naturais (água, comida, fontes de energia ... ), vampiros também
vivem perto de fontes de alimento (os mortais). Isso já é motivo
definitivo para atrair qualquer vampiro, mas pode haver outros. Tal-
vez a cidade tenha grande valor político ou estratégico - controlar
uma região produtora de prata seria decisivo na luta contra os lobi-
somens, por exemplo. Ou talvez o motivo seja místico: a cidade tem
ll·ndas sobre um artefato mágico, uma pista para atingir a Golconda,

144
ÜJCAS DE MESTRE

ou emana alguma energia mística especial (talvez seja umNode, um


lugar onde a magia é mais poderosa; esses pontos são muito cobiça-
dos por magos). Colocar na cidade esse tipo de "chamariz" também
ajudaria a explicar uma população vampírica acima da média.

6. Só VAMPIROS?
Além de vampiros, sua cidade tem alguma outra criatura sobrenatu-
ral? Será interessante que exista pelo menos um grupo de outras
criaturas (lobisomens, muito provavelmente), talvez como inimigos
ou rivais.
Outro bom atrativo é instalar na cidade uma criatura sobrena-
tural única, exótica - de um tipo que não existe na maioria das ou-
tras cidades. Você vai encontrar dúzias de sugestões em livros e
suplementos Storyteller (ou em antigas edições da Dragão Brasil):
uma Múmia, uma Abominação, um Mokolé, um Mago, um demô-
nio, ou mesmo algum tipo mais raro de vampiro (Gárgula, Samedi,
Salubri ... ). Mas tenha cuidado. Evite encher sua cidade de criaturas
estranhas, ou ela vai ficar parecida com um circo de aberrações ...

7. QUEM É QUEM?
Um By Night não está completo sem uma relação dos NPCs mais
importantes. Mesmo que você não esteja disposto a preencher
planilhas para todos os vampiros do lugar, terá que fazê-lo pelo menos
para alguns.
Comece, é claro, pelo Príncipe. Ele é o vampiro mais conheci-
do da cidade, e sua autoridade máxi ma ... pelo menos na aparência.
Lembre-se, a posição de Príncipe nem sempre é ocupada pelo vam-
piro mais poderoso - ele pode ser apenas um fantoche, um chamariz
para correr riscos enquanto os verdadeiros regentes ficam ocultos,
em segurança. O clã ao qual pertence o Príncipe terá mais prestígio
na cidade.
Depois do Príncipe, escolha alguns vampiros importantes e/ou
influentes. Comece com os Anciões, os vampiros mais antigos de
cada clã. O que eles fazem com seu poder? Como pretendem mantê-
lo? Sua posição está ameaçada? Um clã com poucos vampiros (ou

145
DRAGÃO BRASIL ESPEC IAL

com um Ancião de pulso fraco) poderia estar subordinado ao An-


cião de uma cidade vizinha.
Mas espere! Quem disse que Vampiro é apenas disputa de po-
der?! Faça o favor de incluir também alguns personagens interes-
santes - não necessariamente poderosos ou influentes, apenas inte-
ressantes. O Malkaviano que comanda o circo ou parque de diver-
sões não tem qualquer poder, mas sempre será uma aparição exótica
na crônica. O mesmo vale para aquela Gangrel solitária que dorme
com os lobos no jardim zoológico, o Nosferatu paranóico escondi-
do no porão abandonado, a Gárgula taciturna no alto da velha cate-
dral...
E mais uma coisa: pelo amor dos deuses, NÃO SE ESQUEÇA DOS
MORTAIS! Só porque os vampiros controlam tudo, não quer dizer
que não existem mortais (ou carniçais, ou parentes ... ) com papéis
importantes na cidade. O uso de mortais como personagens de des-
taque também evita a superpopulação de vampiros. Eles são apenas
marionetes na maioria dos casos, mas também podem ser Aliados,
amantes ou até inimigos. E quanto aos caçadores de vampiros? Há
algum deles? Mais de um?

8. QUEM SÃO OS JOGADORES?


A última e, talvez, mais importante pergunta. Você não pode sim-
plesmente criar sua cidade, apontar habitantes ilustres, elaborar
intrincadas relações entre eles - e depois fazer com que os jogado-
res caiam de pára-quedas no meio disso tudo.
É crucial que você não tente fazer tudo sozinho só porque é o
"poderoso e absoluto Narrador". Converse com os jogadores en-
quanto elabora sua cidade - afinal, eles vão fazer parte dela. Per-
gunte que tipo de personagens pretendem fazer e pense em como
encaixá-los. Ouça suas idéias. Seja flexível também: sua cidade não
deveria ter nenhum Brujah, mas tem aquele cara que adora jogar
com personagens desse clã? Arrume um jeitinho.
Dê aos personagens jogadores ligações fortes com a cidade.
Isso vai evitar aqueles terríveis grupinhos encrenqueiros que che-
gam, destroem, matam, arrebentam a Máscara e depois fogem para

146
DICAS OE MESTRE

a próxima cidade. Cuide para que os Recursos, Contatos, Aliados,


Rebanho e outras vantagens dos jogadores sejam todas perdidas caso
saiam dali. Eles devem formar uma teia complexa, obrigando um
jogador a pensar mil vezes antes de fazer bobagem - afinal, nin-
guém sobrevive muito tempo no Mundo das Trevas sem um míni-
mo de cautela.
Uma idéia interessante é que cada jogador poderia ter mais de
um personagem na cidade. Não precisa ser outro vampiro: talvez
um lobisomem, mago, carniçal, parente, caçador ou mesmo um
mortal comum. Assim, além de ver outra face da mesma moeda, os
jogadores poderiam ter crônicas diferentes no mesmo cenário - tal-
vez até mesmo encontrando seus antigos personagens, agora NPCs.

Mas o que faço com isso?

Legal. Você ergueu sua cidade By Night. Criou um cenário in-


teressante e amarrou os personagens dos jogadores direitinho. Mas
e agora, o que acontece?
Trate de ambientar o pessoal. Comece com algumas situações
de rotina, pequenos problemas que a cidade já conheceu antes -
talvez a violação de alguma Tradição, que agora deve ser corrigida
e/ou punida. Durante estes primeiros conflitos os jogadores vão co-
nhecer e explorar seu pedaço. Deixe que percebam as vantagens de
dominar uma cidade, os recursos de que dispõem ... e as desvanta-
gens de perder tudo isso. Ensine-os a gostar da cidade.
Como sugestão, o Narrador poderia rolar uma aventura de es-
tréia com os personagens tentando proteger a cidade de algum pro-
blema. O problema? Que tal um grupo de vampiros recém-chega-
dos, descuidados e encrenqueiros, desafiando a autoridade local e
colocando a Máscara em risco? Seria uma experiência disciplinadora
- uma pequena lição para jogadores que costumam eles próprios
devastar as cidades por onde passam. Agora é a vez deles ficarem
do outro lado da encrenca ...
Construir uma cidade By Night é trabalhoso e complicado. Exige
do Narrador muita pesquisa, imaginação e interação com os jogado-

147
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

rcs. Mas, no final, o resultado é um ambiente rico, fascinante e atraen-


te para seu grupo. Vamos apenas esperar que eles não destruam esta
cidade como fizeram com as últimas ...

148
Glossário

Este glossário deve familiarizar o não-jogador de RPG com os


títulos dos jogos mais conhecidos no mercado (muitos deles citados
ao longo deste livro) e também com muitos termos de jogo empre-
gados pelos RPGistas.

3D&T: Defensores de Tóquio 3ª Edição; RPG em que os jogadores


fazem o papel de heróis poderosos, baseados em mangá, anime e
videogames; para jogá-lo é preciso possuir o Manual 3D&T ou as
revistas Dragão Brasil Especial 3D&T.

AD&D: Advanced Dungeons & Dragons; jogo de RPG em que os


jogadores fazem o papel de guerreiros, magos, clérigos, ladrões e
outros aventureiros, combatendo monstros e conquistando tesouros
em mundos medievais. Atualmente o jogo está extinto, substituído
por uma nova versão, o D&D 3ª Edição.

ANJOS - A CIDADE DE PRATA: RPG de horror; regras para persona-


gens anjos e seu mundo, a Cidade de Prata; compatível com Trevas.

149
DRAGÃO BRASlL ESPECIAL

ARKANUN: RPG de horror medieval; os jogadores fazem o papel de


magos e guerreiros na Europa medieval, em plena Idade das Trevas,
às voltas com a Santa Inquisição, anjos, demônios, bn.xas e outros
inimigos; compatível com Trevas.

A VENTURA: uma história; um desafio apresentado pelo Mestre, a


ser vencido pelos jogadores .

A VENTURAS FANTÁSTICAS: o primeiro RPG publicado no Brasil,


consiste de uma coleção de livros-jogos, um módulo básico (Aven-
turas Fantásticas - Uma Introdução aos RolePlaying Games) e
numerosos suplementos (Dungeoneer, Blacksand, Out of the Pit e
Titan - O Mundo de Aventuras Fantásticas).

A VENTURA-SOLO: uma aventura envolvendo apenas um jogador e o


Mestre; também pode ser um livro-jogo.

BACKGROUND: o passado, a história de um personagem, criatura,


objeto ou lugar.

BIRTHRIGHT: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre gover-


nantes e seus problemas para administrar seus reinos .

CAMPANHA: uma sucessão de aventuras envolvendo os mesmos per-


sonagens.

CENÁRIO DE CAMPANHA: veja Mundo de Campanha.

COMPATÍVEL: significa que um jogo ou suplemento usa regras iguais


ou similares a outro(s) jogo(s) de RPG.

CONAN: suplemento para GURPS sobre a Era Hiboriana, cenário das


aventuras de Conan, o Bárbaro.

CRÔNICA: o mesmo que campanha, em jogos da linha Storyteller.

150
DICAS DE M ESTRE

D&D: Dungeons & Dragons; o primeiro jogo de RPG do mundo.


Mais tarde este jogo se tornou AD&D, Advanced Dungeons &
Dragons, e recentemente recebeu uma terceira edição, voltando a
ser D&D, ou D&D 3E.

DARK SUN: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre um mundo


desértico que teve sua energia vital sugada por praticantes de magia.

DESAFIO DOS BANDEIRANTES: RPG de fantasia histórica; os jogado-


res fazem o papel de aventureiros na Terra de Santa Cruz, um reino
de fantasia baseado no Brasil colonial e suas lendas.

DESCOBRIMENTO DO BRASIL: RPG histórico sobre a chegada da es-


quadra de Cabral; compatível com Mini GURPS.

DEVIR: a mais importante editora brasileira em publicação de jogos


de RPG, responsável pelos títulos Vampiro, Lobisomem, Mago, GURPS,
D&D, Shadowrun e outros.

DRAGONLANCE: antigo cenário de campanha para AD&D, baseado


em uma série de romances sobre a Guerra da Lança.

ENTRADAS E BANDEIRAS: RPG histórico sobre as expedições


exploratórias dos bandeirantes; compatível com Mini GURPS.

FANTASY: suplemento para GURPS sobre Yrth, um mundo de fanta-


sia medieval.

FICHA DE PERSONAGEM: tipo de formulário usado pelos jogadores


para anotar informações sobre um p~rsonagem.

FlRST QUEST: versão para iniciantes do jogo AD&D.

FORGOTTEN REALMS: o maior e mais rico cen ário de campa-


nha para AD&D, atualmente também di sponível em D&D 3E,

151
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

sobre o vasto mundo mágico de Toril e seus muito s perigos e


m aravilhas.

GURPS CYBERPUNK: suplemento para GURPS sobre aventuras futu-


ristas envolvendo megacorporações, ciberespaço, aventureiros com
partes biônicas e armas de alta tecnologia.

GURPS FANTASY: suplemento para GURPS sobre de Yrth, um mundo


de campanha baseado em fantasia medieval.

GURPS HORROR: suplemento para GURPS sobre aventuras de horror,


mortos-vivos, demônios e outros monstros sobrenaturais.

GURPS ILLUMINATI: suplemento para GURPS sobre os Uluminati, lí-


deres secretos que comandam a humanidade através d e lavagem ce-
rebral, mensagens subliminares, satélites espiões e outros métodos
temidos pelos "teóricos da conspiração".

GURPS IMPÉRIO ROMANO: suplemento para GURPS sobre a Roma


Imperial.

GURPS MAGIA: suplemento para GURPS sobre várias formas para o uso
de mágica; uma "magia" também pode ser qualquer feitiço ou mágica.

GURPS MÓDULO BÁSICO: livro básico do jogo GURPS.

GURPS SUPERS: suple me nto para GURPS sobre super-he róis; um


"Super" também pode ser qualquer personagem com superpoderes.

GURPS ULTRATECH: suplemento para GURPS sobre equipamento de


alta tecnologia.

GURPS VIAGEM ESPACIAL: suplemento para GURPS sobre aventuras


em outros planetas, naves espaciais, raças alienígenas e equipamen-
to de alta tecnologia.

152
DICAS DE MESTRE

GURPS: Generic Universal RolePLaying System; jogo em que os per-


sonagens e aventuras podem pertencer a qualquer gênero (fantasia,
horror, ficção, super-heróis... ); para jogá-lo é preciso o livro GURPS
Módulo Básico.

INVASÃO: RPG de suspense; os jogadores fazem o papel de agentes


especiais, ligados a agências e entidades que combatem os
metalianos e traktorianos, extraterrestres infiltrados na Terra; com-
patível com Trevas.

LNRO BÁSICO: o manual principal de um jogo de RPG; o livro com


as regras principais, e o único realmente necessário parra jogar.

LNRO DO JOGADOR: um dos três livros básicos do jogo AD&D.

LIVRO DO MESTRE: um dos três livros básicos do jogo AD&D.

LNRO DOS MONSTROS: um dos três livros básicos do jogo AD&D.

LIVRO-JOGO: uma história de aventura (tipicamente baseada em fan-


tasia medieval) dividida em capítulos numerados. Os capítulos não
fazem sentido quando lidos em ordem numérica; ao final de cada
capítulo, o leitor deve fazer uma escolha que levará a história para
um rumo diferente. Os mais famosos livros deste tipo publicados no
Brasil pertencem à série Aventuras Fantásticas.

LIVROS DAS TRIBOS: suplementos para o jogo Lobisomem, sobre


cada uma das facções de lobisomens do Mundo das Trevas.

LIVROS DOS CLÃS: suplementos para o jogo Vampiro , sobre cada


uma das facções de vampiros do Mundo das Trevas.

LIVROS VERMELHOS: apelido da série The Complete Handbooks,


suplementos para o jogo Ao&o.

153
D RAGÃO BRASIL ESPECIAL

LOBISOMEM: o Apocalipse: RPG em que os jogadores fazem opa-


pel de lobisomens, uma raça de guerreiros transmorfos em guerra
contra uma entidade maligna chamada Wyrm; compatível com
Storyteller.

MAGO: a Ascensão: RPG em que os jogadores fazem o papel de ma-


gos, seres com o poder de alterar a realidade com sua mágica; juntos
eles tentam libertar o mundo do controle da Tecnocracia; compatí-
vel com Storyteller.

MANUAL 3D&T: livro básico do jogo 3D&T.

MESTRE: um tipo especial de jogador, que comanda a aventura e


coordena as ações dos outros jogadores. Ele atua como roteirista,
árbitro e diretor de teatro.

MLNI GURPS: versão para iniciantes do jogo GURPS.

MUNDO DAS TREVAS: cenário de campanha para a maioria dos j o-


gos da linha Storyteller; um mundo igual ao nosso, mas mais som-
brio, e habitado por todo tipo de criaturas sobrenaturais.

MUNDO DE CAMPANHA: um cenário ficcional, geralmente um pla-


neta ou continente, usado para sediar as aventuras. Livros contendo
a descrição desses mundos, voltados para j ogos de RPG, estão entre
os suplementos mais populares.

NARRADOR: o mesmo que Mestre, em jogos da linha Storyteller.

NPC: NonPlayer Character, Personagem Não-Jogador; um perso-


nagem coadjuvante, controlado pelo Mestre.

PC: Player Character, Personagem Jogador; cada um dos persona-


gens controlados pelos jogadores.

154
DICAS DE MESTRE

PLANESCAPE: antigo cenário de campanha para AD&D, sobre a ci-


dade planar de Sigil, situada em uma encruzilhada de dimensões.

PLANILHA DE PERSONAGEM: veja Ficha de Personagem.

QUILOMBO DOS PALMARES: RPG histórico sobre a fuga de escravos


em busca de liberdade; compatível com Mini GURPS.

RAYENLOFT: antigo cená1io de campanha para AD&D, sobre uma


dimensão maligna de onde é impossível escapar, e governada por
monstros sobrenaturais.

ROLEPLAY: o ato de interpretar um personagem; falar e gesticular


como se fosse seu personagem falando, e não você.

RPG: RolePlaying Game, Jogo de Interpretação de Personagens (ou


Papéis); tipo de jogo-teatro em que cada jogador assume o papel de
um personagem, geralmente um herói aventureiro desafiando peri-
gos em mundos de fantasia.

RPGISTA: relativo a RPG; jogador ou Mestre de RPG.

SPELLJAMMER: antigo cenário de campanha para AD&D, misturan-


do fantasia medieval e ficção científica, com navios mágicos voa-
dores que viajam pelo espaço.

STORYTELLER: sistema de regras adotado pelos jogos Vampiro , Lo-


bisomem, Mago , Street Fighter e outros; Storyteller também quer
dizer Narrador, como é chamado o Mestre nos jogos desta linha.

STREET FIGHTER: o Jogo de RPG: RPG de ação; os jogadores fazem o


papel de Street Fighters, lutadores com poderes especiais, envolvi-
dos no combate à organização maligna Shadaloo; compatível com
Storyteller.

155
DRAGÃO BRASIL ESPECIAL

SUPLEMENTO: livro de referência que complementa o livro básico,


trazendo mais regras, informações, personagens e aventuras para
enriquecer o jogo. Em geral um suplemento trata de um aspecto
mais específico do jogo, de forma mais detalhada e profunda que no
livro básico.

TAGMAR: RPG de fantasia medieval; o primeiro RPG criado por bra-


sileiros.

TORMENTA: mundo de fantasia medieval para jogos de RPG.

TREVAS: RPG de horror moderno; os jogadores fazem o papel de


investigadores do oculto, envolvidos com ordens de magos, anjos,
demônios, vampiros e outras ameaças.

TRINITY: jogo de ficção científica em que os jogadores fazem opa-


pel de seres poderosos em defesa a Terra. Compatível com Storyteller.

TSR: editora norte-americana responsável pelos jogos o&o, AD&D,


Alternity e outros. Atualmente é uma subdivisão da Wizards of the
Coast.

VAMPIRO: a Máscara: RPG de horror gótico; os jogadores fazem o


papel de vampiros, transformados em poderosos predadores da noi-
te, mas amaldiçoados com a sede de sangue e perda de sua humani-
dade; compatível com Storyteller.

VAMPIROS MITOLÓGICOS: RPG de horror; regras para personagens


vampiros, baseados em lendas; compatível com Trevas.

WHITE WOLF: editora norte-americana responsável pelos jogos da


linha Storyteller.

WJZARDS OF THE COAST: editora norte-americana que inclui a TSR,


e atual responsável pelos jogos o&o, Star Wars RPG e outros.

156
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Ilustração de capa
Evandro Gregorio
Editoração eletrônica
Fernanda Gomes
Impressão
Parma
Distribuição exclusiva
para todo o Brasil
Fernando Chinaglia S/A
Copyright <O 2002 by Dragão Brasil, uma
publicação da Trama Editorial Ltda.
ISSN 14!3-599X

D icas de Mestre foi -impresso na cidade de


São Paulo em o utubro de 2002 pela Gráfica
Panna para a Trama Editorial Ltda. A tiragem
foi de 10.000 exemplares. O texto foi com-
posto em T imes New R o m an n o corpo
11 / l 3,5. Os fotolitos da capa e miolo foram
executados pela própria Editora.

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