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Análise Psicológica (2006), 1 (XXIV): 39-50

Aconselhamento psicológico a jovens do Ensino


Superior: Uma abordagem psicodinâmica e
desenvolvimentista

GRAÇA FIGUEIREDO DIAS (*)

INTRODUÇÃO fomos sendo confrontados com jovens que nos


procuravam em situação de grande sofrimento,
Quando iniciámos o trabalho de aconselha- frequentemente com histórias de vida com vi-
mento com estudantes do Ensino Superior a nossa cissitudes difíceis, mas que em algumas sessões
formação de base e a prática clínica anterior eram pareciam ter recuperado a energia e o bem-estar.
já no domínio da psicoterapia psicodinâmica. Por- Estes jovens contrastavam, na rapidez da sua
tanto foi neste quadro que continuámos a tra- recuperação, com o que nos tínhamos habituado
balhar, sem descurar a integração na prática de a verificar com uma população claramente já na
contributos valiosos de outras abordagens, nomea- idade adulta, que era a que geralmente nos pro-
damente as cognitivas, eles próprios contudo, fil- curava em clínica privada e que, contudo, fre-
trados por essa formação de base. quentemente não parecia ter uma história passa-
Para o que aqui interessa, refira-se apenas que da nem uma vulnerabilidade pessoal mais pro-
na terapia e no aconselhamento psicodinâmicos blemáticas do que as desses jovens. Admitíamos
se privilegia ajudar o cliente a ter maior compre- que esta maior facilidade de recuperação do bem-
ensão da relação consigo próprio, com os outros -estar se devesse, por um lado, ao facto de, como
e com o mundo, tendo em conta a sua história de se sabe, no fim da adolescência a personalidade
vida e as suas circunstâncias. Para esta compre- não estar ainda consolidada e, por outro, estarem
ensão é fundamental um certo tipo de relação te- ainda em aberto as escolhas psicossociais de vida
rapeuta-cliente, veículo e fonte dessa compreen- como sejam a carreira profissional, a constitui-
ção de uma família, a definição de um estilo de
são.
vida.
Ao longo da prática clínica com estudantes,
Os estudantes que pedem ajuda psicológica
apresentam-se geralmente deprimidos e/ou an-
siosos, com a auto-confiança e a auto-estima aba-
ladas, confusos quanto ao seu futuro. E o despo-
letar do pedido de ajuda é frequentemente: a quebra
(*) Investigadora Principal, Faculdade de Ciências e de um relacionamento amoroso, ou a dificuldade
Tecnologia, Universidade Nova de Lisboa.
Toda a correspondência relativa a este artigo deverá em o estabelecer; as reprovações nos exames e a
ser enviada para mgd@fct.unl.pt ansiedade face a estes; as dificuldades na concen-

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tração nos estudos e consequentes dúvidas sobre libertar a capacidade de competição. Os jovens
as suas capacidades e sobre o curso escolhido; terão ainda que lidar com aspectos precursores
problemas nas relações com os pais geralmente de dificuldades nas fases desenvolvimentais pos-
devido ao sobrecontrolo e às expectativas destes, teriores, como a capacidade de assumir responsa-
ou à sua falta de apoio, ao afastamento de casa, bilidades e o estabelecimento de um sistema de
etc. valores próprio.
Quando reflectíamos sobre as queixas destes No quadro desta teoria, as principais questões
jovens, apercebemo-nos quão frequentemente as que podem dificultar a construção da intimidade
suas dificuldades eram claramente compreendi- estão associadas a problemáticas no desenvolvi-
das à luz das tarefas psicológicas normativas de- mento da autonomia, ou a uma deficiente confi-
senvolvimentais da juventude, apenas ampliadas ança básica dos indivíduos neles próprios ou nos
por uma história de vida mais difícil, ambientes outros.
familiares mais disfuncionais, condições sócio-cul- É importante salientar que há necessidade de
turais mais desfavorecidas. um certo período de tempo para resolver as ta-
As tarefas normativas da juventude resultam refas do fim da adolescência, período que Erikson
do facto de haver certos critérios sociais que mar- chamou de moratória psicossocial.
cam a entrada dos jovens na vida adulta, como Também Sullivan (1953) analisou o desenvol-
sejam tornar-se economicamente independente, vimento da personalidade pondo em evidência
exercer uma ocupação profissional, estabelecer seis estádios. Na fase da adolescência, a tarefa
eventualmente uma família própria – trata-se de fundamental é a integração do desejo sensual
seguir um “relógio social”. E este relógio social com a intimidade e, na fase final da adolescên-
interactua com um relógio do desenvolvimento cia, o estabelecimento de uma relação heterosse-
pessoal (biológico, intelectual, emocional), criando xual íntima e estável. Para a resolução destas ta-
necessidades e expectativas de definição dos jo- refas os jovens terão que ultrapassar ansiedades
vens, quer do ponto de vista intrapsíquico, quer associadas ao desejo sensual, às situações desco-
interpessoal, quer social, na transição para a idade nhecidas, aos receios de crítica, rejeição, perda
adulta. de autonomia nas relações interpessoais.
Vários autores se debruçaram sobre as tarefas A teoria de Sullivan focaliza-se fundamental-
psicológicas que os jovens deverão resolver para mente nas relações interpessoais, no contexto
entrar com sucesso na vida adulta. Constata-se das quais se desenvolve o self, considerando que
que para vários deles algumas destas tarefas são a principal motivação do indivíduo é manter-se
comuns, apesar de terminologias diferentes, pondo livre da ansiedade que estas relações podem des-
contudo relevância diferente em aspectos diver- pertar. Mas a fase final da adolescência, com o de-
sos necessários para a sua resolução. senvolvimento cognitivo e as novas oportunida-
Assim, e começando pelo autor talvez mais des sociais que a acompanham, é especialmente
conhecido, Erikson (1972, 1980), este elaborou propícia para a reestruturação do sistema-do-self,
uma teoria psicossocial do desenvolvimento da através de uma reestruturação da informação sobre
personalidade compreendendo oito fases. O fim si próprio e os outros e o estabelecimento de de-
da adolescência e início da idade adulta corres- fesas mais amadurecidas contra a ansiedade.
ponde à quinta fase, definida pela polaridade iden- Enquanto Erikson enfatiza o desenvolvimento
tidade versus confusão de identidade, e ao início psicossocial, e Sullivan o interpessoal, Blos (1979)
da sexta fase, definida pela polaridade entre inti- focaliza-se mais no desenvolvimento intrapsí-
midade e isolamento. A consolidação da identi- quico. O seu interesse centrou-se no desenvolvi-
dade sexual assume por isso especial relevância mento ao longo da adolescência, tendo concep-
para entrar com sucesso na fase da intimidade. tualizado este período como um segundo pro-
Para consolidarem a sua identidade os jovens cesso de separação-individualização. Segundo pro-
terão que resolver as dificuldades associadas às cesso, por referência a um primeiro processo de
fases anteriores, que são reavivadas, sendo assim separação (conceptualizado por Mahler) que ocorre
capazes de (a) perspectivar o futuro, (b) conso- na infância, desde uma fase de relação simbió-
lidar a auto-estima, (c) libertar a iniciativa, (d) tica do bebé com a mãe até uma fase em que a

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criança adquire uma independência em relação à outros que admiravam o indivíduo, de tal modo
presença física da mãe, porque a internalizou. Se- que a própria pessoa é capaz de absorver golpes
paração, por corresponder a uma desidealização na auto-estima sem a ajuda dos outros. Isto é, o
da imagem infantil dos pais, a uma maior inde- indivíduo sendo mais capaz de suportar experi-
pendência e diferenciação de si em relação aos ências de rejeição, frustração, falhanço, torna-se,
pais reais, a um abandono das fantasias e expecta- assim, relativamente independente dos objectos
tivas infantis sobre si próprio. Individualização externos.
porque, simultaneamente à separação, se vai pro- O processo de desenvolvimento do self sofre
cessando uma afirmação daquilo que aquele indi- várias vicissitudes ao longo da vida do indiví-
víduo separado é. Esta busca da individualidade duo, em particular nas fases de transição desen-
no fim da adolescência consubstancia-se na con- volvimental ou quando ocorrem situações trau-
solidação da auto-estima, na consolidação da iden- máticas ambientais. Kohut considera que as ex-
tidade sexual, na formação do ideal de ego e, final- periências do período de formação do self se tor-
mente, na formação do carácter. nam o protótipo de formas específicas da nossa
Neste quadro de referência, considera-se fun- vulnerabilidade durante períodos de transição pos-
damental a resolução com sucesso do processo teriores (os altos e baixos da nossa auto-estima, a
de separação-individualização, para que o jovem maior ou menor necessidade de louvor ou de fusão
seja capaz de estabelecer relações heterossexuais com figuras idealizadas, as experiências de maior
que não se limitem a réplicas ou contrapontos das ou menor coesão do self).
relações com os progenitores. A fase final da adolescência é uma dessas fases
Um outro autor que influenciou, e muito, o de transição. Trata-se de um período em que não
nosso olhar sobre algumas das dificuldades dos só o conceito sobre si próprio tem que ser revisto
estudantes foi Kohut. Apesar de o seu trabalho e consolidado, mas também tem que ser reor-
ser especialmente conhecido no que respeita à teo- ganizado todo um conjunto de valores corres-
rização e ao tratamento de um certo tipo de pato- pondentes a novas tarefas e ao estabelecimento
logia – a personalidade narcísica – Kohut (Elson, de um plano de vida futuro. Sob o impacto da
1987; Kohut, 1984) também se debruçou sobre o grande mudança da adolescência para a idade
desenvolvimento normal da personalidade e, adulta, as inseguranças antigas respeitantes a vul-
neste âmbito, a sua abordagem veio reabilitar o nerabilidades, quer na auto-estima, quer na for-
narcisismo como elemento importante deste de- mação dos ideais, são reavivadas. Por isso, esta
senvolvimento. De facto, existe um narcisismo fase de reorganização do self é também, segundo
que pertence ao domínio da boa saúde mental e Kohut, uma fase propícia a mudanças reparado-
que tem uma função adaptativa, nomeadamente ras de uma estruturação anterior deficitária do
manter a auto-estima do indivíduo. self. No caso particular dos estudantes universi-
Na origem do desenvolvimento do self está a tários, a mudança de ambiente, o enfrentar tare-
relação com a mãe que admira a criança e é sen- fas de uma dificuldade e natureza diferentes, a
tida por ela como completamente perfeita. Se- competição, o encontro com novas relações, vêm
gundo Kohut, um dos processos fundamentais do ampliar e confrontar o jovem directamente com
desenvolvimento do self consiste na internali- a fase de transição adolescente/adulto. Ou seja,
zação da admiração de outros significativos da in- no fim da adolescência, as solicitações a que o
fância, bem como na internalização da perfeição jovem se vê sujeito podem fazer frequentemente
e dos ideais vistos nestes outros, de modo a que vacilar a coesão do seu self e o seu bem-estar
a auto-estima do indivíduo não varie ao sabor da psicológico, desenhando-se mesmo, por vezes,
aprovação do exterior, nem os seus ideais e objec- um quadro de distúrbios com uma aparência mais
tivos estejam dependentes de figuras de autori- grave do que em geral é.
dade. O último autor psicodinâmico que referire-
Ao longo do desenvolvimento, o processo de mos, de entre os que mais influenciaram o quadro
internalização da auto-estima permite que o psi- teórico de perspectivação das dificuldades desen-
quismo tenha uma estrutura capaz de desempe- volvimentais dos jovens, é Bowlby. Segundo este
nhar as funções que antes eram realizadas pelos autor, os seres humanos têm uma propensão bá-

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sica, a qual tem uma origem biológica, para esta- truindo modelos internos de relação com as fi-
belecerem relações afectivas cuja função prin- guras de vinculação, os quais correspondem à forma
cipal é a de protecção – são as relações de vin- como foram vividas as suas próprias relações de
culação. Nas suas primeiras interacções básicas vinculação. Por se formarem muito cedo, e se-
com os pais, e dependendo das atitudes destes, rem em grande parte inconscientes, eles tendem
estabelecem-se muito cedo padrões básicos de com- a perdurar ao longo da vida, dando origem aos
portamento de vinculação da criança em relação estilos relacionais seguro, ambivalente e evitante.
aos pais. Os padrões que têm sido mais consis- Estes estilos relacionais não se manifestam em
tentemente identificados são os padrões seguro, todas as relações interpessoais, mas tendem a
ambivalente e evitante, muito em particular na emergir quando as relações são muito próximas e
relação com a mãe (Bowlby, 1984, 1988). importantes. É o que acontece nas relações amo-
Na vinculação segura as crianças confiam na rosas, muito em particular nas suas primeiras fases,
disponibilidade e ajuda da mãe em situações de em que o outro é em grande parte desconhecido,
dificuldade. Com esta segurança, são mais dinâ- não podendo pois desconfirmar as expectativas
micas nas actividades de exploração e também iniciais.
mais competentes. Este padrão é promovido pelas A teoria da vinculação dá, portanto, um contri-
mães sensíveis aos sinais da criança e que lhe buto importante para a compreensão das dificul-
respondem com empatia e amor quando elas bus- dades que os jovens encontram, não só no esta-
cam protecção ou ajuda. belecimento das suas primeiras relações amoro-
No segundo padrão, ambivalente, as crianças sas, mas também no desenvolvimento de uma maior
estão inseguras quanto à disponibilidade das mães, autonomia em relação aos pais. Relativamente às
se precisarem delas. Devido a esta incerteza ten- relações amorosas, são as crenças negativas em
dem a sentir-se ansiosas face à separação, nas acti- relação a si próprio e/ou aos outros, o receio da
vidades de exploração, e a oscilar entre a busca rejeição ou da dependência, a idealização exces-
de proximidade possessiva da mãe e a resistência siva do outro, uma necessidade demasiadamente
ao contacto e à interacção com ela. Este padrão é grande de fusão com o outro, que podem dificul-
promovido por mães que uma vezes estão, outras tar o estabelecimento destas relações.
não estão disponíveis para as crianças.
No terceiro padrão encontrado, evitante, as
crianças também não se sentem seguras da res- MODELO DO DESENVOLVIMENTO
posta da mãe aos seus pedidos de ajuda e pro-
tecção, mas esperam, pelo contrário, ser rejei- Das teorias referidas, podemos concluir que há
tadas. Por isso, em situações de aflição, evitam a muitos pontos comuns, e outros complementares,
mãe. Este padrão é promovido por mães críticas que nos permitem uma compreensão de muitas das
e/ou rejeitantes. dificuldades que os jovens trazem para o acon-
Os padrões de vinculação evoluem no decorrer selhamento. Acresce que há um consenso entre os
do crescimento da criança, a qual vai construin- autores mencionados quando consideram que a
do modelos funcionais de como pode esperar que tensão desencadeada pela resolução das tarefas
o mundo, as pessoas significativas e ela própria desenvolvimentais pode por si só originar sinto-
se comportem. É no quadro de referência destes mas psicopatológicos, muito em particular o hu-
modelos que ela actua. Ao longo do seu cresci- mor depressivo. Além disso, a reorganização
mento, o padrão de vinculação da criança com a psíquica necessária na fase de transição da
mãe tem tendência a perdurar, possivelmente adolescência para a idade adulta pode fazer
porque é com ela que passa mais tempo. Mais reavivar vulnerabilidades psicológicas do
tarde, por exemplo com os professores, é o pró- desenvolvimento anterior que até aí tinham
prio comportamento seguro ou inseguro da cri- passado despercebidas.
ança (rejeitante ou possessiva) que tende a eli- A nossa síntese pessoal pode-se resumir da
citar comportamentos complementares nos adul- forma que se segue, esquematizada na Figura 1,
tos, criando-se assim um ciclo vicioso. e inclui os pontos de vista que consideramos mais
Em resumo, muito cedo as crianças vão cons- relevantes das várias teorias mencionadas. Assim,

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na transição da adolescência para a idade adulta confiança na sua capacidade de se esfor-
o jovem defronta-se com (1) a consolidação da çar e trabalhar para os atingir;
identidade, do seu sistema-do-self, do carácter, (2) com os outros, (i) tornar-se mais autóno-
do self, da personalidade, conforme os autores; mo em relação aos pais, assumindo com-
(2) a necessidade, o desejo, a expectativa de es- plementarmente a responsabilidade pelas
tabelecer os seus primeiros relacionamentos amo- dimensões da sua vida relativamente às
rosos (aquilo que poeticamente Coimbra de Matos quais se consubstancia essa autonomiza-
apelida de “encontrar o par amoroso”). ção; (ii) tomar consciência dos seus estilos
Estas duas tarefas são diferentes mas surgem de vinculação concomitantemente com uma
interligadas, na medida em que uma personalidade atitude activa que permita uma reorgani-
consolidada está mais capaz de encontrar o par zação interna das características desses es-
amoroso, e as primeiras relações amorosas con- tilos que se revelem mais desadequadas.
tribuem para o conhecimento de si próprio e por-
tanto para a consolidação da personalidade. Para Se são as teorias psicodinâmicas que nos for-
a resolução destas duas tarefas consideramos par- necem uma compreensão muito rica das dificul-
ticularmente importantes outras sub-tarefas que dades dos jovens, são as teorias cognitivas e sócio-
têm a ver com o modo como o jovem estrutura a -cognitivas que nos fornecem o melhor quadro
relação consigo próprio e com os outros: de compreensão para a grande capacidade de as
(1) consigo próprio, (i) a consolidação da sua ultrapassar que, nesta faixa etária, eles têm. De
identidade sexual que implica a integração facto, são estas teorias que enfatizam o desenvol-
da sexualidade na personalidade, o sentimento vimento cognitivo e sócio-cognitivo durante a ado-
que se pertence a um ou outro sexo e uma lescência, o qual vai permitir ao jovem reconhe-
dada escolha objectal; (ii) a consolidação cer progressivamente os outros como distintos,
de uma auto-aceitação e auto-estima rea- relativizar opiniões e valores, raciocinar abstracta-
listas, não dependente acriticamente dos ou- mente sobre possibilidades, ser capaz de nego-
tros para a sua manutenção; (iii) a capaci- ciar conflitos e estabelecer compromissos (e.g.,
dade de perspectivar o seu futuro, que in- Harter, 1983; Piaget & Inhelder, 1979; Selman,
clui a definição de objectivos a atingir e a 1980). Possibilitam assim: conhecer-se de forma

FIGURA 1
Tarefas do desenvolvimento: Modelo teórico

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mais abstracta, diferenciada e complexa, contri- tes estádios e tarefas: iniciar um curso, progredir,
buindo para a consolidação da auto-estima e para ser avaliado, finalizar e sair (Heyno, 1999).
a capacidade de imaginar futuros possíveis; conhe- Iniciar um curso exige do estudante um desin-
cer os outros de forma mais objectiva e realista, vestimento do passado e um investimento numa
facilitando a autonomização em relação aos pais nova vida com maior anonimato em relação aos
e o estabelecimento com eles de relações mais igua- colegas e professores. Esta fase pode ser origem
litárias; observar padrões de comportamento con- de dificuldades para aqueles estudantes cuja au-
sistentes em si e nos outros, o que permite uma tonomia não está adequadamente desenvolvida,
revisão de crenças irracionais sobre si próprio e autonomia necessária para uma adequada gestão
os outros, facilitando a alteração dos estilos rela- do tempo e capacidade de um estudo menos acom-
cionais. panhado. Pode também ser origem de dificulda-
Acresce que os jovens que prosseguem os seus des para aqueles estudantes para quem os pro-
estudos no Ensino Superior e não entram no mer- cessos de separação e de estabelecimento de no-
cado de trabalho imediatamente após o Ensino vas vinculações são experienciados com insegu-
Secundário, têm a seu favor, para a resolução das rança e ansiedade.
tarefas desenvolvimentais, o facto de, utilizando Progredir no curso requer motivação para o
a terminologia de Erikson, a sua moratória psi- estudo e o estabelecimento de relações com pro-
cossocial se realizar no quadro de uma moratória fessores e colegas. Esta fase pode, por um lado,
institucionalizada, ou seja, no contexto de estru- fazer emergir problemas de identidade (quem sou
turas sociais que lhes possibilitam abertura de eu?, é isto que quero?, o que é que eu vou fazer
novos horizontes, amplas oportunidades de expe- no futuro?); por outro lado, desencadear uma re-
rimentação e escolha, em que os erros cometidos
capitulação quer de temáticas familiares, nomea-
no decurso desta experimentação não têm, em ge-
damente as associadas à vivência da autoridade
ral, consequências graves, em que um grande le-
parental e da rivalidade fraterna, quer de temá-
que de opções de vida se mantém em aberto du-
ticas associadas a experiências educativas antigas.
rante vários anos.
Ser avaliado pode reavivar todas as questões
Note-se que o modo como se processa a reso-
que se prendem com a capacidade de lidar com a
lução das tarefas desenvolvimentais dos jovens
competição e com a consolidação de uma auto-es-
não pode ser dissociado do contexto de vida em
que ocorre esta resolução. Assim, há um outro tima que seja realista e esteja associada a um centro
aspecto ao qual é importante dar atenção ao pers- de valorização interno.
pectivar as dificuldades que levam o estudante a Finalizar e sair exige a capacidade de assumir
pedir ajuda e que é a questão do ciclo educativo. as responsabilidades da vida adulta, com investi-
Os jovens que procuram ajuda psicológica no con- mento numa dada carreira e num certo estilo de
texto académico fazem-no frequentemente por- vida. E pode reavivar novamente as dificuldades
que sentem que as suas dificuldades são, de algum de separação.
modo, relevantes para o seu processo educativo. Em resumo, o tipo de relação que o estudante
Além disso, as suas dificuldades, não só são mui- estabelece com os professores, o seu investimento
tas vezes desencadeadas pelo próprio processo no curso, o modo como encara o processo de apren-
educativo, como estão frequente e estreitamente dizagem, as situações de avaliação e de compe-
relacionadas com ele: desmotivação e dúvidas em tição, são expressão do seu funcionamento psí-
relação ao curso em que estão; ansiedade face à quico interno e também do modo como ele lida
aproximação de um teste ou exame e à pressão com as tarefas desenvolvimentais. Isto é, muitas
do estudo e dos trabalhos a entregar com datas das dificuldades associadas ao percurso acadé-
limite; dúvidas sobre o caminho profissional uma mico podem ser perspectivadas no quadro teó-
vez terminado o curso. Ou seja, as dificuldades, rico das questões desenvolvimentais próprias ou
quer desenvolvimentais quer académicas, são expe- que se reavivam nesta faixa etária, nomeadamente
rienciadas no contexto de um ciclo educativo, ele a consolidação da identidade, com a necessária
próprio com tarefas e estádios bem definidos. Po- capacidade de competição e de assumir respon-
demos referir, de forma simplificada, os seguin- sabilidades, a consolidação da auto-estima, a pers-

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pectivação do futuro, a segurança na vinculação, O termo aconselhamento psicodinâmico pre-
as questões associadas à autoridade parental. tende ser a tradução de psychodynamic counsel-
Uma investigação empírica realizada utilizando ling que é utilizado geralmente no mesmo sentido
o referencial acima exposto, mas que não cabe no que short-term psychodynamic psychotherapy. A
escopo deste artigo relatar, permitiu consubstan- psicoterapia breve psicodinâmica destina-se a
ciar a pertinência do modelo teórico de leitura (Dias indivíduos com uma clara e forte motivação para a
& Fontaine, 2001). mudança, e em quem se pode identificar um con-
flito focal ou central, apesar de compreenderem
inúmeras abordagens (Dias, 1988). Contudo, dei-
MODELO DE INTERVENÇÃO xando de lado algumas das suas diferenças e no
contexto dos serviços inseridos no Ensino Supe-
A intervenção que aqui se propõe insere-se no rior, salientemos um dos aspectos comuns mais
quadro das abordagens psicodinâmicas. As esco- relevantes: pôr em evidência as ligações entre os
las psicodinâmicas de pensamento, que incluem elementos psicodinâmicos subjacentes às dificul-
a própria psicanálise, são inúmeras. Contudo, dades actuais do jovem e, por um lado padrões
muitas das diferenças entre elas são apenas ques- repetidos de comportamento e história pessoal,
tões de ênfases diferentes e de terminologias dife- por outro a própria atitude do jovem em relação
rentes. Têm em comum várias premissas. Algu- ao processo de aconselhamento e ao conselheiro.
mas das mais importantes são: Para compreender o processo é útil esquema-
(1) cada indivíduo é produto e autor da sua tizá-lo através de um triângulo, o triângulo de in-
história – o que ele é hoje é influenciado sight (Figura 2), em que se põem em evidência a
pelas suas experiências na infância e pelo situação de vida presente, a sua ligação à história
ambiente em que foi criado; experiências passada, e ao que se passa na relação terapêutica.
posteriores podem confirmar ou modificar Esta última ligação refere-se não apenas a atitu-
estas experiências precoces, e o indivíduo des transferenciais do estudante em relação ao tera-
pode contribuir activamente para moldar a peuta no sentido estrito do termo. Refere-se funda-
forma como vivencia essas experiências; mentalmente às atitudes transferenciais em rela-
(2) o indivíduo vive simultaneamente no mundo ção ao setting: ao modo como o estudante recebe
externo, e no mundo interno, este em grande ajuda no contexto institucional, aos sentimentos
parte inconsciente, mas que influencia o em relação ao processo terapêutico nestas con-
modo como ele sente e actua no mundo dições, à forma como procede quando falta a uma
externo. sessão ou uma sessão tem que ser cancelada, etc.

FIGURA 2 FIGURA 3
Triângulo de insight Modelo de intervenção

História passada Relações no passado

Relação Situação actual Atitude relativa Tarefas do

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A nossa experiência no aconselhamento de es- dos em França e regressaram a Portugal quando
tudantes tem vindo a consolidar a convicção so- ela tinha seis anos. Não tem recordações do pe-
bre a utilidade e vantagem de um modelo de in- ríodo de vida em França. Tem um irmão mais velho
tervenção que privilegia a perspectivação das di- cinco anos que está a tirar um Mestrado no Insti-
ficuldades actuais do estudante à luz das ques- tuto Superior Técnico e é um aluno brilhante, mas
tões associadas à resolução das tarefas desenvol- que é introvertido e não tem amigos. Pelo con-
vimentais, focalizando nelas o processo terapêu- trário, ela sempre foi sociável, no passado nunca
tico (Figura 3). O modelo teórico apresentado an- se preocupou muito com os estudos, mas eles corre-
teriormente indica as tarefas do desenvolvimento ram sempre razoavelmente, gostava muito de se
pessoal que consideramos mais relevantes. Além divertir. Desde que entrou para a Faculdade mu-
disso, as teorias do desenvolvimento dos autores dou radicalmente. Tem um namorado, mas não é
que se debruçaram sobre essas tarefas iluminam capaz de pensar em mais nada senão nos estudos.
as ligações entre as dificuldades no presente e a Associa isto ao facto de os pais terem posto muitas
história de vida e as relações no passado. reservas em relação a ela prosseguir os estudos
superiores porque eles têm dificuldades econó-
micas e acham que ela nunca foi uma aluna bri-
EXEMPLO DE UM CASO lhante, nem é inteligente como o irmão. Está deslo-
cada e vive numa casa alugada com colegas.
Um exemplo, simples dada a limitação de es- Numa perspectiva desenvolvimental, a tera-
paço, poderá ajudar a clarificar o que acabámos peuta considera que o foco da intervenção deve-
de expor (Figura 4). ria ser a consolidação da sua auto-estima, abalada
Ana é uma jovem franzina de cabelos louros e com a entrada para a Universidade. Pôs como hi-
olhos azuis. Procura o serviço pouco tempo antes pótese que haveria outros elementos mais pre-
das férias do Natal. Tem 19 anos, está no primeiro coces na sua história de vida que permitiriam com-
ano de uma licenciatura da Faculdade e a razão preender que esta fosse uma linha desenvolvimen-
para procurar ajuda é a sua extrema ansiedade tal vulnerável, apesar de na primeira sessão a
face aos exames que estão à porta. Acha que não Ana não os ter revelado, ou não estar consciente
vai passar e a ansiedade bloqueia-lhe a capaci- deles – até à entrada para a Faculdade a sua vida
dade de estudar. Durante a primeira sessão tenta- tinha sido feliz, dando-se bem com os pais, irmão,
mos sempre perspectivar as queixas actuais num tendo amigos, etc. Este foco foi reformulado à Ana
contexto da história de vida. A terapeuta fica assim utilizando os seus próprios termos: ultrapassar a
a saber que a Ana pertence a um meio sócio-eco- falta de confiança, perspectivar as comparações
nómico médio/baixo, os pais estiveram emigra- com o irmão. Na segunda sessão a Ana só falou

FIGURA 4
Ana

Pais inferiorizadores (irmão) – não estudava

Dúvida/evitamento Consolidação da auto-estima


(foco da terapia)

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dos trabalhos, dos exames, da sua ansiedade. A Dois anos depois a terapeuta encontrou a Ana
intervenção foi interrompida pelas férias do Natal no corredor, “Então como vão as coisas?”, pergun-
e na sessão marcada para Janeiro, já em plena tou. “Este é o meu último semestre. E sabe, como
época de exames, a Ana faltou – telefonou a di- tenho tido muito boas notas deixaram-me ins-
zer que tinha tanto trabalho que não tinha tempo crever ao mesmo tempo no Mestrado de X”.
para mais nada e que depois marcaria nova sessão.
Mas não marcou.
No ano lectivo seguinte, sensivelmente na mes- METODOLOGIA E TÉCNICAS DE
ma altura, a Ana voltou a marcar uma sessão. INTERVENÇÃO
Afinal fizera oito cadeiras no passado ano lectivo,
mas apesar disso, agora sentia-se exactamente na A metodologia e as técnicas utilizadas no nosso
mesma, em grande sofrimento, ansiedade, os exa- aconselhamento têm como base a abordagem an-
mes iam correr mal e dizia “eu assim nem con- tropoanalítica desenvolvida por Caldeira (1979).
sigo viver”. Na segunda sessão falou obsessiva- Nesta abordagem considera-se fundamental dis-
mente dos trabalhos que tinha para fazer, nas ava- tinguir dois momentos na intervenção: o momento
liações à porta. Chorou convulsivamente. E nova- do encontro e um segundo momento, o da refle-
mente depois do Natal não voltou a aparecer. xão sobre o cliente. No momento do encontro, a
No terceiro ano lectivo, também antes do Natal, pessoa surge-nos como uma significação, um para
Ana voltou a marcar uma entrevista. A terapeuta si, a forma como subjectivamente sente a sua
sentia-se frustrada com o padrão de comporta- realidade interior, vive o seu estar no mundo e
mento da Ana e com o sentimento de que não tinha estabelece o seu sistema de relações sociopesso-
estabelecido uma aliança terapêutica suficiente- ais. Neste momento, o terapeuta adopta o ponto
mente forte que permitisse à Ana continuar o de vista interno do cliente como base para o com-
trabalho terapêutico para além de um alívio da preender. Para captar este mundo fenomenológico
ansiedade antecipatória imediatamente antes do da pessoa o terapeuta utiliza uma abordagem não
início dos exames. Decidiu explicitar este seu sen- directiva, que se caracteriza por uma série de ati-
timento e acrescentou que a Ana dissera não se tudes básicas sistematizadas por Rogers (e.g., 1972,
permitir viver a vida, e que também não se per- 1974): a compreensão empática, a escuta incon-
mitia viver com ela no processo terapêutico, dar-se dicional positiva e a congruência. Estas atitudes,
tempo para olhar para dentro de si, tentar ultra- por si só, vão permitir um aumento da auto-esti-
passar as suas dificuldades e confiar que seria ca- ma e da auto-aceitação, tornando-se o self mais
paz disso. Desta vez a Ana não desapareceu… coeso e originando como consequência uma me-
Continuou as sessões durante a época dos exa- lhor organização das actividades do ego, o que
mes e início do segundo semestre. Foi possível permite aprender, estudar, pensar melhor.
verbalizar que desde sempre os pais tinham sido Num segundo momento, posterior, de reflexão
críticos com ela e falar de muitos incidentes neste sobre o caso, o cliente é uma coisa a conhecer, um
contexto. Numa sessão disse “nunca falei de uma em si, é a instância do objecto por contraposição
coisa e eu própria acho que já não me lembrava, à instância imaginária do primeiro momento. Neste
mas já na primária quando eu disse que gostava segundo momento, e para o caso da população a
era de brincar e ter amigos penso que não era bem que nos estamos a referir, jovens estudantes sem
assim. O que eu tinha já nessa altura era medo, psicopatologia grave, utilizamos, para a compre-
medo de que eu, mesmo que estudasse mais, não ensão das dificuldades actuais, as teorias psico-
tivesse os resultados do meu irmão”. A partir dinâmicas desenvolvimentistas que mencionei an-
desta sessão a Ana começou claramente a mos- teriormente. Assim, por exemplo, para a compre-
trar-se mais confiante, tanto nas suas atitudes du- ensão das dificuldades de autonomização em rela-
rante as sessões e no modo como se referia aos ção aos pais, a teoria de Blos sobre o processo de
pais e ao irmão, como na sua atitude em relação separação-individualização na adolescência re-
ao estudo, que passou a encarar com menos ansie- vela-se particularmente útil; para as dificuldades
dade conseguindo compatibilizá-lo com sair com nas relações interpessoais próximas, evitadas ou
o namorado, estar com os amigos. vividas com grande ansiedade e o receio de rejei-

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ção e crítica, o quadro de referência da teoria de do discurso do cliente, tanto do ponto de vista
vinculação de Bowlby é fundamental; para as di- lógico como afectivo, a apresentação de hipóte-
ficuldades de auto-aceitação e consolidação de uma ses que correspondem à inversão ou a uma mu-
estima de si próprio realista consideramos o quadro dança de visão daquilo que o cliente comunica.
de referência da psicologia do self de Kohut como Pretende-se aqui convidar o cliente a aprofundar
o mais rico. um dado tema. Finalmente, algumas explicações
A compreensão que o terapeuta vai tendo do sobre questões desenvolvimentais com que natu-
estudante resulta de um vaivém dialéctico entre ralmente os jovens se defrontam são úteis porque
os dois momentos referidos, o para si e o em si. despatologiza o que se passa com eles, aumenta
Salientamos este aspecto porque pensamos não a esperança e promove o insight.
ser possível uma prática clínica com base apenas É utilizando estas técnicas que se analisa tam-
nos aspectos técnicos (por exemplo as técnicas bém os aspectos transferenciais da relação, as
da terapia centrada), sem um referencial teórico defesas e as resistências ao processo terapêutico.
que configure o que o terapeuta “vê” e “ouve”
nos encontros terapêuticos. Este referencial re-
sulta não apenas das teorias em que ele se baseia, DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
mas também da sua experiência clínica e da sua
experiência de vida, sendo importante que ele o Em resumo e segundo a nossa experiência, pa-
consciencialize. E só se o terapeuta não é capaz rece-nos vantajoso focalizar o aconselhamento,
de admitir que uma dada expectativa que lhe advém sempre que possível, nas dificuldades actuais na
da análise do cliente no segundo momento não é resolução das tarefas desenvolvimentais, estabe-
satisfeita, só se não fica nunca surpreendido, es- lecendo as ligações possíveis e continuidade exis-
tará em risco de confundir teoria e observação, tentes relativamente à história de vida e às rela-
estará em risco de não compreender as caracte- ções no passado, o que permite ao estudante uma
rísticas únicas do seu cliente.
melhor compreensão do seu funcionamento psí-
Quanto às técnicas podemos considerar as técni-
quico interno. Estar-se-á assim a desbloquear o
cas não-verbais, nomeadamente o silêncio atento e a
desenvolvimento numa dada dimensão da perso-
capacidade para criar uma atmosfera calorosa e
nalidade, a contribuir para a consolidação do self
compreensiva, e as técnicas verbais (Dias, 1987). A
e para a construção de uma personalidade sau-
reformulação constitui o modo de intervenção ver-
dável e a potenciar também as capacidades aca-
bal mais importante, mas que só tem sentido quando
démicas do jovem. Tal focalização contribui para
o terapeuta atingiu uma relação terapêutica com o
seu cliente. A reformulação deve ser centrada na a possibilidade de fazer intervenções breves, ques-
pessoa e não no seu problema. A reformulação per- tão importante para os serviços universitários de
mite reenviar ao cliente a síntese, ou uma parte par- consulta psicológica que lutam geralmente com
ticularmente relevante, do seu discurso e dos sen- o problema das listas de espera.
timentos que o acompanham, clarificar este dis- Mas, a possibilidade de fazer intervenções bre-
curso, elucidar o conteúdo nele implícito, confrontar ves advém também de outros factores: o facto de
o cliente com paradoxos presentes naquilo que ver- nos jovens a personalidade não estar ainda conso-
baliza, ou entre aquilo que verbaliza e o sentimento lidada e estar presente um processo maturativo na-
que exprime, estabelecer ligações, e ainda fazer tural em direcção à independência; a capacidade
interpretações a quente. Na interpretação a quente o cognitiva dos estudantes universitários; as oportu-
terapeuta chama a atenção para relações ainda não nidades sociais que estão em aberto; o próprio ca-
reconhecidas (como seja entre acontecimentos, ca- lendário escolar com os seus intervalos. Assim,
racterísticas de personalidade, sintomas), padrões de uma pequena melhoria no seu funcionamento
sentimentos, pensamentos, acções, dando sentido ao psíquico pode ter um impacto imediato no
aparentemente incompreensível. Mas isto com base rendimento académico, nas relações com os co-
no material já veiculado pelo cliente e sempre trans- legas, na possibilidade de novas explorações no
mitido como uma hipótese de compreensão. contexto da moratória institucionalizada que a
Outras técnicas importantes são a exploração Universidade propicia. Impacto que dá um reforço

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positivo ao natural movimento maturativo destes Neste artigo referiu-se uma abordagem no âm-
jovens. bito do lado “invisível” da intervenção psicoló-
Claro que os resultados de uma intervenção gica, frequentemente pouco compreendido e va-
breve não podem deixar de ser modestos. No en- lorizado pela instituição. E, no entanto, é neste
tanto, é expectável que ao longo do processo te- âmbito que para muitos jovens se joga toda a
rapêutico o estudante se sinta menos confuso e diferença: poderem ou não viver criativamente e
ansioso, experiencie uma flexibilização do seu sis- com todas as suas potencialidades a sua passa-
tema defensivo, tenha maior compreensão e acei- gem pela Academia e consolidar uma personali-
tação relativamente a si próprio e aos outros, se dade saudável.
sinta mais livre e autónomo, tenha mais espe-
rança no futuro, se sinta com maior capacidade
para utilizar criativamente as suas potencialida- REFERÊNCIAS
des, interiorize o processo terapêutico de modo
que as mudanças continuem para além dos en- Blos, P. (1979). The adolescent passage: Developmen-
contros terapêuticos. tal issues. New York: International Universities Press.
Bowlby, J. (1984). Apego e perda: Vol. I. Apego: A na-
Além disso, considera-se que nestas interven- tureza do vínculo. S. Paulo: Martins e Fontes. (Ori-
ções se põe em marcha um processo que pode ginal publicado em 1969.)
continuar para além do encontro efectivo com o Bowlby, J. (1988). Developmental psychiatry comes of
conselheiro. E o facto de os estudantes saberem age. The American Journal of Psychiatry, 145, 1-10.
que podem recorrer novamente ao aconselhamento Caldeira, C. (1979). Análise sociopsiquiátrica de uma
ao longo do percurso académico é uma variável comunidade terapêutica. Dissertação de Doutora-
mento, Faculdade de Medicina da Universidade
que favorece este processo de mudança e o des-
Clássica de Lisboa.
bloquear do desenvolvimento. Dias, G. F. (1987). Psicoterapia antropoanalítica. Psico-
Para alguns estudantes, contudo, intervenções logia, 3, 381-390.
breves não são suficientes e surge o dilema de de- Dias, G. F. (1988). Psicoterapia breve a estudantes
cidir quantos estudantes nestas condições podem universitários. Psicologia, 1, 29-44.
ser acompanhados e por quanto tempo, sem pre- Dias, G. F., & Fontaine, A. M. (2001). Tarefas desen-
volvimentais e bem-estar de jovens universitários.
judicar aqueles para quem uma intervenção breve,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação
agora, pode fazer toda a diferença para prevenir para a Ciência e a Tecnologia.
situações psicopatológicas no futuro. De facto, o Elson, M. (Ed.) (1987). The Kohut seminars on self
modelo de intervenção que se propõe não é apli- psychology and psychotherapy with adolescents and
cável a todos os jovens, nomeadamente àqueles young adults. New York: W. W. Norton & Com-
que apresentam quadros psicopatológicos com pany.
uma sintomatologia já rigidificada (como sejam Erikson, E. H. (1972). Adolescence et crise. Paris: Flam-
marion. (Original publicado em 1968.)
as perturbações obsessivo-compulsivas), jovens Erikson, E. H. (1980). Identity and the life cycle. New
gravemente deprimidos, ou àqueles com pertur- York: W. W. Norton & Company. (Original publi-
bações graves de personalidade. Apesar de con- cado em 1959.)
siderarmos que a personalidade não está ainda Harter, S. (1983). Developmental perspectives on the
consolidada nesta faixa etária, e termos esta ex- self-system. In P. H. Mussen (Ed.), Handbook of
pectativa optimista do desenvolvimento juvenil, child psychology (4th ed., Vol. IV, pp. 275-385).
New York: John Wiley & Sons.
o que é um facto é que somos confrontados por Heyno, A. E. (1999). Cycles in the mind: Clinical techni-
vezes com jovens que claramente apresentam si- que and the educational cycle. In J. Lees, & A.
nais de uma estruturação perturbada da persona- Vaspe (Eds.), Clinical counselling in further and
lidade (narcísica, paranóide, borderline). higher education. London: Routledge.
A terminar, os serviços de aconselhamento Kohut, H. (1984). Self e narcisismo. Rio de Janeiro:
psicológico no Ensino Superior têm várias ver- Zahar. (Original publicado em 1978.)
Piaget, J., & Inhelder, B. (1979). A psicologia da cri-
tentes de intervenção. Umas são as “visíveis” para
ança do nascimento à adolescência. Lisboa: Mo-
a instituição, como sejam a organização de work- raes. (Original publicado em 1966.)
shops sobre a entrada no mercado de emprego, Rogers, C. (1972). Tornar-se pessoa. Lisboa: Moraes.
as estratégias de estudo, a ansiedade aos exames. (Original publicado em 1961.)

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Rogers, C. (1974). Terapia centrada no paciente. Lis- surgiu ele próprio de um vaivém dialéctico entre a prá-
boa: Moraes. (Original publicado em 1951.) tica clínica e a reflexão sobre essa prática, à luz dos
Selman, R. L. (1980). The growth of interpersonal un- modelos do desenvolvimento de vários autores psico-
derstanding: Developmental and clinical analysis.
dinâmicos. Reflexão que nos permitiu encontrar co-
New York: Academic Press.
Sullivan, H. S. (1953). The interpersonal theory of psy- munalidades e complementaridades entre esses mode-
chiatry. New York: Norton. los, apesar da utilização de terminologias diferentes pe-
los seus autores. O modelo teórico elaborado serviu de
quadro de leitura a uma investigação empírica que per-
mitiu consubstanciar a sua pertinência. A partir deste
RESUMO modelo propõe-se um modelo de intervenção que se
inscreve num quadro de terapia breve psicodinâmica, o
Neste artigo propomo-nos explanar um modelo teó- qual será explanado resumidamente e ilustrado com um
rico do desenvolvimento psicológico, que considera-
caso clínico. São discutidas as vantagens e os limites
mos permitir compreender a maioria das dificuldades
que os jovens do Ensino Superior trazem para o acon- deste modelo de intervenção.
selhamento, e um modelo de intervenção no aconse- Palavras-chave: Aconselhamento psicológico, de-
lhamento individual dele resultante. O modelo teórico senvolvimento, Ensino Superior.

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