Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Diálogo Freiriano
Veranópolis - RS
2020
CONSELHO EDITORIAL
EXPEDIENTE
FICHA CATALOGRÁFICA
ISBN 978-65-87199-11-5
APRESENTAÇÃO
Nilson Macêdo Mendes Junior .................................................................................................. 7
5
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
6
APRESENTAÇÃO
A presente obra coletiva que vocês têm em suas mãos nesse exato mo-
mento é fruto de um sonho que toda pessoa acalenta desde a sua entrada na gra-
duação. Todo aluno de graduação e todo pesquisador que produz conhecimento
deseja que suas ideias saiam de suas gavetas e venham a público, e esse desejo de
partilhar é intrínseco a todos nós.
E foi pensando nisso que comecei a idealizar o presente projeto, e ele só
foi possível por causa da oportunidade que tive para publicar três artigos na Edi-
tora Diálogo Freiriano ano passado, um foi publicado na obra DNA da Educação e
os outros dois na obra Rumos da Educação. Com isso, a proximidade com a editora
e com meus calorosos interlocutores, Ivanio e Cida, cresceu e percebi a informali-
dade democrática da empresa.
E graças a todas essas condições favoráveis, uma ideia nasceu dentro de
mim, a de coletar artigos que abordassem as três diferentes áreas do conheci-
mento, mas que se complementam, e essa foi nossa intenção metodológica ao con-
siderar produções textuais nas grandes áreas da Literatura, Linguística e Educa-
ção e suas interdisciplinares.
Então, a vontade de publicar e a filosofia da editora de ampliar as possi-
bilidades de publicação a qualquer pessoa dentro do mundo acadêmico se encon-
traram, e partir delas se tornou possível convidar pesquisadores e pesquisadoras
de diversas titulações e das mais diferentes partes do país.
E esta chamada resultou em 22 artigos de temas e objetos de pesquisa
diferentes, mas que dialogam entre si. É chegada a hora de agradecer a confiança
depositada em mim pela Editora Diálogo Freiriano, e meus amigos pesquisadores
e minhas amigas pesquisadoras.
Aproveitem a leitura, ele é todo nosso agora!
Introdução
1
Graduanda do último ano do curso de Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa. Atu-
almente atua na educação infantil. Interessa-se por estudos literários com ênfase nos estudos compa-
rados de literatura.
2
Graduanda em Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa e suas respectivas literaturas.
Atua na área de estudos literários, com ênfase em Literatura Comparada.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Mesmo porque, num entardecer, pisei a rua; se voltei antes da noite, foi pelo te-
mor que me infundiram os rostos da plebe, rostos descoloridos e iguais, como a
mão aberta. Já se tinha posto o sol, mas o desvalido pranto de um menino e as
rudes preces da grei disseram que me haviam reconhecido. O povo orava, fugia,
se prosternava. (BORGES, 2001, p. 52)
10
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Encaminhamentos
11
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A invenção do vilão
12
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Todas as partes da casa existem muitas vezes, qualquer lugar é outro lugar. Não
há uma cisterna, um pátio, um bebedouro, uma manjedoura; são quatorze [são
infinitos] as manjedouras, bebedouros, pátios, cisternas. A casa é do tamanho do
mundo; ou melhor, é o mundo. (BORGES, 1972, p. 53)
É natural que a reclusão do Minotauro faça com que ele acredite que
só aquilo que vê constantemente se resuma a seu mundo já que, na prática, é só
a isso que ele tem acesso. Tal situação pode ocorrer, também, as pessoas de ori-
gem periférica, que ao crescerem em um contexto de escassez e injustiça social
13
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Contudo, por força de esgotar pátios com uma cisterna e poeirentas galerias de
pedra cinza, alcancei a rua e vi o templo das Tochas e o mar. Não entendi isso
até que uma visão da noite me revelou que também são quatorze [são infinitos]
os mares e os templos. (BORGES, 1972, p. 53).
14
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
15
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Como diz Florestan em seu estudo, “os valores vinculados à ordem social
tradicionalista são antes condenados no plano ideal que repelidos no plano da
ação concreta e direta” (FERNANDES, 2013) ou seja, a um repúdio do preconceito
racial no plano imaginário da comunidade branca, que não se aplica na realidade,
pois o preconceito é parte integrante do processo de colonização brasileiro.
16
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Considerações finais
17
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
surge o ponto mais significativo da análise: a compreensão de que eles são con-
siderados vilões simplesmente por serem diferentes do esperado socialmente e
por, além de não terem suas identidades definidas para si mesmos, não as terem
compreendidas por todos os outros.
18
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
BACO EXÚ DO BLUES. Minotauro de Borges. Bluesman. São Paulo. Selo EAEO
Records, 2018.
BORGES, Jorge. L. O Aleph. Trad. De Flávio José Cardoso. Porto Alegre, Globo.
Brasília. Instituto Nacional do Livro – MEC. 1972.
CARVALHAL, Tania Franco. Literatura comparada. Vol. 58. Editora Atica, 1986.
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global. 2013.
Disponível em: https://docero.com.br/doc/1ns8. Acesso em 22 de setembro de
2019.
RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala? Belo Horizonte: Grupo Editorial Letra-
mento: Justificando, 2017.
SARLO, Beatriz. Jorge Luis Borges: um escritor na periferia. Tradução por Samuel
Titan Júnior. São Paulo: Editora Iluminuras Ltda, 2008.
19
NA RODA: EDUCAÇÃO, CORPO E DANÇA
OLHAR O CORPO COMO ELEMENTO ESSENCIAL PARA A
PRÁTICA DA DANÇA E PARA A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS
A PARTIR DO CONGEAFRO – NÚCLEO RODA GRIÔ/UFPI
INTRODUÇÃO
1
Licenciada em Educação Artística e Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Piauí
(UFPI).
2
Ph.D. Educação Internacional e Comparada, University of the Incarnate Word, San Antonio, Texas, Es-
tados Unidos.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
22
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Partindo deste foco o qual não prioriza o que realmente importa, mas
apenas ao que nos interessa como sociedade ainda com resquícios colonialista,
nos propomos pensar sobre conhecimento-saber-educação como marcas, apên-
dice ou anexo, ou seja: considerando marca como registros visíveis ou invisí-
veis, apêndices como os saberes elaborados pela própria pessoa e anexos como
os saberes apreendidos de outras/os, mas que incorporamos como nossos tam-
bém. Esta referencia nos ajudará a compreender este contexto, que segundo Bo-
akari (2019) todas estas invenções estão ligadas aos processos colonizatórios,
23
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
por isso partiremos das velhas interpretações sobre o território das práticas
educacionais e educativas, o corpo, pois o que:
Diante desta citação, percebemos mais uma vez que os velhos constru-
tos referentes às caracterizações dos saberes orais, potencializados na fala, que
podemos definir como “sentido ou o sem-sentido” representado pelo o modo
“como nos colocamos diante de nós mesmos, diante dos outros e diante do
mundo em que vivemos”. (LARROSA, 2002, p. 21), através das palavras ele-
mento comum ao corpo, o que pode ser chamado de experiências, como apren-
dizagem, segue sendo desconsideradas. Desta forma faz-se:
24
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Por isso que o que nos apresenta Freitas (2008, p. 76) como o [...] “to-
mar consciência de si é se sujeitar a uma norma social, a um julgamento de valor;
é tentar, num certo sentido, ver-se com os olhos de um outro representante de
seu grupo social, de sua classe” e aqui acrescento: de uma classe/grupo total-
mente alheio aos seus saberes, pois participa de um outro meio social, muitas
vezes autoafirmado como superior ao seu. E os elementos que alimentarão estes
posicionamentos epistêmicos são acessados por sua linguagem corporal e au-
dível em palavras. Afinal são:
As palavras com que nomeamos o que somos, o que fazemos, o que pensamos, o
que percebemos ou o que sentimos são mais do que simplesmente palavras. E,
por isso, as lutas pelas palavras, pelo significado e pelo controle das palavras,
pela imposição de certas palavras e pelo silenciamento ou desativação de outras
palavras são lutas em que se joga algo mais do que simplesmente palavras [...].
(LARROSA, 2002, p. 21).
25
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
[...] em qualquer caso, seja como território de passagem, seja como lugar de che-
gada ou como espaço do acontecer, o sujeito da experiência se define não por sua
atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibili-
dade, por sua abertura. (LARROSA 2002, p, 24).
Assim a Roda Griô oferece experiências diferentes, por este motivo de-
sejamos que sejamos capazes de não querer que a/o outra/o faça as mesmas i n-
terpretações, as mesmas escolhas e as mesmas falas que nós, e que possua o
mesmo saber/aprender que nós, pois:
26
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ria das vezes reduz-se ao saber de coisas e saber opinar sobre elas. Aqui chega-
mos à teoria/prática da dança, que traz para quem a vivencia/pratica, a incons-
tância do saber, pois se relaciona ao fazer, se assim for considerada como a ação
de transportar a ideia (teoria) para a elaboração de imagens comunicativas/lin-
guagens, isto pode ser definido como uma práxis política.
Deste modo, mais uma vez, trago Rousseau sobre o que ele chama de
amor-de-si, nos dizendo que nós devemos dar-nos “[...] a si mesmo uma lei e
esta lei não pode cair do céu, nem, muito menos, brotar unicamente da expres-
são de seu próprio interesse; mas, deve forjá-la no encontro conflitivo com o
outro” (SOËTARD, 2010, p. 19). Ou seja, o corpo/dança nos encaminha ao en-
contro com nossas possibilidades e impossibilidades e ao encontro com a di-
versidade do fazer junto a outras/os e a ser visto pelas/os outras/os, espaços de
conflito, de negação e/ou aceitação.
Assim preciso dizer de qual dança estou falando. Porque o termo dança
não basta em si. Posso dizer em um primeiro momento que a necessidade em
definir e especificar esta prática/conhecimento deve-se aos conflitos culturais
anteriormente mencionados, vivenciados ao longo da história humana. Pois
possuímos a mania de caracterizar a cultura como dominante e/ou subordi-
nada. Ficando assim, este discurso visual, chamado dança, dentro/parte desta
relação de conflito. Como estamos buscando entender à presença da educação,
corpo e dança dentro da Roda Griô, este local de desenvolvimento de pesquisa
em Gênero, Educação e Afrodescendência, a dança a qual nos referimos é a
dança afro-brasileira, a qual pode ser descrita como, linguagem ou conceito,
aqui tratamos da linguagem dança afrodescendente mas em outros momentos
aparecerá como conceito, pois estes dançares:
Instituídas por uma poética política elas agregam diferentes gêneros, constru-
indo um panorama múltiplo capaz de conectar suas expressões com as expecta-
tivas de lutas histórico-sociais e políticas em torno da negritude de seus prota-
gonistas. (FERRAZ, 2017, p. 115).
27
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
28
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
29
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
30
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
31
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
32
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
33
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
OUTRAS MÍDIAS
Hall do PPGED/CCE/UFPI
RT4 Vicente de Paula Nasci-
Tarde da esperança mento Leite Filho; Sarah
Fontenelle Santos e Ro-
RT4 nald Moura
Como aprender a estar
morto? Val Souza Coordenação:
Kácio dos Santos Silva
MINICURSOS
Maria Dolores dos Santos
SALA 04
Vieira; Samara Layse da
RT4 Rocha Costa e Ilanna
Corpos dissidentes: descolo- Brenda Mendes Batista
nizando cosmovisões e epis-
Vicelma Maria de Paula
temologias;
Barbosa Sousa; Maria Da-
SALA 03 yane Pereira e Lourdes
“Tem mulheres na roda de ca- Angélica Pacheco Cer-
poeira? Quem vê as mulheres meño
na roda?”
COMUNICAÇÕES ORAIS
SALA 01
RT1
Relatos e experiências com Elizandra Dias Brandão;
tambor de crioulo e caracte- Iranilda Pereira da Silva;
rísticas regionais de afrodes- Rejane da Silva Dorne.
cendentes no município de
pinheiro em São Luiz do Ma-
ranhão
OUTRAS MÍDIAS
Hall do PPGED/CCE/UFPI
RT4
DIA:
10/11/2017 A oficina de dança afro-brasi- Artenide Soares da Silva
leira “Dança de Raiz- a ances- e Francisco Elismar da
tralidade em nós” Silva Junior
RT4
Brasil Gueto Brasil RT4
Mercado Negro: Kácio dos Santos Silva;
Corpo/dança/sobrevivência Carlos Mateus Santos
Veras e Daniel Wesley
Costa de Brito
Luzia Amélia Silva Mar-
ques e Kácio dos Santos
Silva
Coord. Luzia Amélia
Silva Marques
34
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
CONCLUSÕES
35
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
36
O ABSURDO E O MUNDO
A FILOSOFIA DO ABSURDO CONTIDA NAS DISTOPIAS POLÍTICAS
E EXISTENCIAIS DE 1984, DE GEORGE ORWELL
E MISTO-QUENTE, DE CHARLES BUKOWSKI.
INTRODUÇÃO
1
Professor de inglês formado pela Universidade Aberta do Brasil, pós-graduando em ensino de língua
portuguesa pela Universidade Cândido Mendes.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Em seu enorme coração, Beauvoir deve ter concordado com ele, mas quando a
briga final ocorreu, em razão do livro de Camus O homem revoltado, em 1951-
1952, ela obviamente ficou do lado de Sartre.” (JHONSON, 1990, p. 263.)
A FILOSOFIA DO ABSURDO
38
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Se me pergunto em que julgar se uma questão é mais urgente do que outra, res-
pondo que é com ações a que ela induz. Eu nunca vi ninguém morrer pelo argu-
mento ontológico. Galileu, que detinha uma verdade científica importante, ab-
jurou-a com a maior facilidade desse mundo quando ela lhe pôs a vida em perigo.
Em certo sentido, ele fez bem. Essa verdade não valia a fogueira. Se é a Terra ou
o Sol quem gira em torno um do outro é algo profundamente irrelevante. [...] vejo
que muitas pessoas morrem por achar que a vida não vale à pena ser vivida. Vejo
outras que paradoxalmente se fazem matar pelas ideias ou as ilusões que lhes
proporcionam uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é, parado-
xalmente, uma excelente razão para morrer). (Camus, 2010, p. 8 e 9.)
“Um mundo em que se pode explicar mesmo com parcas razões é um mundo
familiar. Ao contrário, porém, num universo subitamente privado de luzes ou
ilusões, o homem se sente um estrangeiro. Esse exílio não tem saída, pois é des-
tituído das lembranças de uma pátria distante ou da esperança de uma terra pro-
metida. Esse divórcio entre o homem e sua vida, entre ator e seu cenário, é que é
propriamente o sentimento da absurdidade (CAMUS, 2010, p. 9).”
39
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A revolta é, assim, o que motiva a criação do valor, por sua vez a “pas-
sagem do fato ao direito” (CAMUS, 2017, p.25). Ao vislumbrar uma condição
positiva em si ao qual o outro nega, o revoltado inicia um conflito, físico ou
psicológico com aquele que o contrapõe, exigindo ser reconhecida sua condi-
ção, o direito que já enxerga em si. Assim, corresponde à resistência da razão
humana contra a desmedida cega do mundo.
Sabendo, pois, da vacuidade das ilusões deste mundo e dos recursos
limitados a que dispõe, o homem revoltado prefere ater-se ao presente. O sofri-
mento lhe é uma condição fatual, para o qual não cabem soluções que venham
a utilizá-lo como ferramenta ou etapa. Nada de esperanças em parúsias ou a
abdicação de fruir a vida em prol de promessas ou maquinações distantes, ape-
nas as ações diretas e o máximo gozo do presente.
Um paralelo muito pertinente poderia ser traçado entre essa compre-
ensão e um período bem singular do século XX. No entre guerras, uma geração
de americanos vislumbrou o sofrimento da guerra e, ao escandalizar-se, parece
ter atravessado um liame em que a inocência e as esperanças baldias foram des-
prezadas. A explosão da vida urbana e dos prazeres efêmeros denota uma trans-
formação psicológica de um homem agora dedicado ao presente e ao terreno.
Estes homens e mulheres dos chamados “loucos anos XX”, abraçaram o bem-
estar imediato ao rejeitaram alguma significação no sofrimento. Bukowski é um
rebento destas épocas.
40
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
O absurdo e a literatura:
“Não é de modo algum por falta de amor que Don Juan vai de mulher em mulher.
É ridículo apresentá-lo como um iluminado em busca do amor total. Mas é até
porque eles as ama com igual arrebatamento e a cada vez com total inteireza,
que lhe é preciso repetir esse dom e esse aprofundamento [...] “Enfim,” exclama
uma delas, “eu lhe dei o amor”. Vamos nos espantar com Don Juan rindo disso:
“Enfim? Não,” diz ele, “apenas uma vez mais”. Por que seria preciso amar rara-
mente para amar muito?” (CAMUS, 2010, p. 46).
41
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
42
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A análise da obra
2
Orwell cunhou o termo Pensamento-crime como a nomenclatura que dava o partido não só para pen-
samentos adversos, mas para qualquer forma de pensamento aleatório, independente e não relacionado
à cartilha política.
43
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Desde esse trecho a distopia fica clara, não apenas por fatores huma-
nos, como a corrupção e descaso de um governo, que reverberam na vida coti-
diana de cada um, mas no próprio modus operandi do mundo, assolado por doen-
ças, pela corrupção natural do corpo em decorrência do tempo.
Passemos agora a outros retalhos do romance para perceber o trajeto
de Winston em seu mundo:
44
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Como um raio, passou pela cabeça de Winston a ideia de que talvez fosse fácil
alugar aquele quarto por alguns dólares por semana – se ousasse assumir o risco.
Era uma maluquice, um despropósito, uma ideia a ser descartada tão logo con-
cebida; porém o quarto despertara nele uma espécie de nostalgia, uma espécie
de lembrança ancestral. Winston tinha a impressão de saber exatamente como
seria a sensação de estar sentado num lugar como aquele, numa poltrona ao lado
da cadeira, com os pés apoiados no guarda-fogo e uma chaleira sobre a chapa
lateral... (Orwell, 2009, p.118)
3
Em certo sentido é o homem absurdo um hedonista moderado. Ele não se detém do prazer por razões
morais ou conceitos eternos, apenas os olha com cautela, pois está a par do liame que os ultrapassa e,
ao destruí-los, compele a um caos bem maior. Dar-se por completo aos instintos é também uma forma
de escravidão. Mantém-se, portanto, no desvão do dissoluto e o sacro.
45
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
O estranho, porém, era que embora Goldstein fosse odiado e desprezado por to-
dos, embora todos os dias, e mil vezes por dia, nos palanques, nas teletelas, nos
jornais, nos livros, suas teorias fossem refutadas, esmagadas, ridicularizadas, ex-
postas ao escárnio geral como lixo lamentável que eram, apesar disso tudo, o
ritmo de crescimento de sua influência parecia nunca arrefecer. Sempre havia
novos trouxas à espera de ser seduzidos por ele. Não se passava um dia em que
espiões e sabotadores agindo a seu serviço fossem desmascarados pela polícia
das ideias. (ORWELL, 2009, p. 24)
Júlia encarna no pleno sentido o absurdo. Mais que Winston, ela co-
nhece a impotência da noção de revolta da Confraria. Não que tenha ela se re-
signado, muito pelo contrário, ela mesma é uma revoltada. O que se nega a crer
é no conjunto de ideais e princípios que devem vir embutidos nestas tais “re-
voltas coletivas”, que são o que um dia fora o partido a refestelar-se no conti-
nente inteiro em que habitam. Prefere ela os próprios meios, a revolta como
instinto a uma revolução abstrata. Mas por influência de Winston deixa-se per-
der no campo das ilusões ao aceitar confiar em O´Brien e na confraria.
46
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
47
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
lê-las é como estar diante de uma biografia, onde os paralelos psicológicos po-
dem ser realizados quase que diretamente.
Como ocorre com qualquer autor de certa projeção literária, a obra de
Bukowski ensejou um bocado de interpretações. Num artigo de Mariscal
(2017), figura-se a interpretação de dois autores, Harrison (1994) e Sounes
(2008), que à margem de suas ideologias quiseram interpretá-lo como um re-
volucionário comunista, através de observações insensatas relacionadas a al-
guns dos vários aspectos que a metralhadora datilográfica de Bukowski atacou,
especificamente a frivolidade do trabalho e do consumo. Mas como bem trans-
posto numa rica introdução de David Calonne (2008), por mais que ostentasse
ideias caras à esquerda e à direita, Bukowski era apolítico e anarquista. Se aten-
tarmos a leitura convencional que se faz de sua obra, encontraremos um car-
rancudo, pessimista, à beira do niilismo: “Por adotar temas desagradáveis e ser
praticante do anticlímax, ele por vezes pode ser classificado como niilista ”
(MARISCAL, 2017). Mas ao olhar profundamente a fortuna literária de Bu-
kowski, especialmente seu trabalho mais significativo: Misto-quente (2011),
onde sua infância e adolescência são narradas, encontraremos uma cosmologia
muito distante da negação absoluta. Trechos como:
Eu não tinha interesses. Eu não tinha interesse por nada. Não fazia a mínima
ideia de como iria escapar. Os outros, ao menos, tinham algum gosto pela
vida. Pareciam entender algo que me era inacessível. Talvez eu fosse retar-
dado. Era possível. Frequentemente me sentia inferior. Queria apenas encon-
trar um jeito de me afastar de todo mundo. Mas não havia lugar para ir. (BU-
KOWSKI, 2011, p. 118).
A Cafeteria Clifton era bacana. Se você não tivesse dinheiro, deixavam você pa-
gar com o que tivesse [...] Lá dentro era quieto, agradável e limpo. Havia uma
enorme fonte d’água e você podia sentar junto a ela e imaginar que tudo estava
bem. Lugares como esse davam a você um pouco de esperança quando não havia
nenhuma ao seu redor. (BUKOWSKI, 2011, p.149).
48
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
sem, contudo, a elas negar, o seu gosto pela vida, por sua existência, (como pre-
tende-se demonstrar na seção seguinte da pesquisa) e sua revolta perante o es-
cândalo da desmedida existencial, compreende-se ser possível situá-lo na cate-
goria do homem absurdo, longe de onde a crítica convencionou fazer.
A análise da obra
49
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
50
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
“Sentia-me normal ali parado, ainda de camisa, mas quando eu me despisse fica-
ria exposto. Odiava os outros banhistas e seus corpos imaculados. Odiava todas
aquelas malditas pessoas que estavam tomando sol ou que estavam na água ou
comendo ou dormindo ou conversando ou brincando com bolas de praia” (BU-
KOWSKI, 2011, p. 112)
E:
51
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
52
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
BIBLIOGRAFIA
53
A ESCRITA DRAMATÚRGICA NO TEATRO CONTEMPORÂNEO:
DO ESCRITÓRIO À SALA DE ENSAIO
Introdução
1
Pesquisadora e professora de teatro e literatura. Doutora em Literatura, Cultura e Contemporanei-
dade, pela PUC-Rio. Autora de diversos artigos acadêmicos e de capítulos nos livros Rio Circular: a ci-
dade em pauta (2016) e Estudos de encenação e atuação (v. 3, 2019).
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
do país, como em Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes. Assim, ainda naque-
las décadas também surgiam os dramaturgos de seus próprios grupos, como era
o caso de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri e o Teatro de Arena.
Já na década de 80, com o teatro do encenador, este concentrava a con-
cepção da peça sob seus auspícios, transformando totalmente o texto teatral
em algo novo e alinhado a sua estética, como fizera, por exemplo, Gerald Tho-
mas. Contudo, a figura do dramaturgo de escritório2 não desapareceu, haja vista
escritores como Dias Gomes, Plínio Marcos, Vianinha, Naum Alves de Souza;
trata-se, desse modo, do advento de novas formas de escrita teatral que convi-
vem com a do escritor que produz em isolamento.
A partir de fins dos anos 90, surgem as companhias teatrais que pautam
seus trabalhos no processo colaborativo. Nesse caso, os procedimentos de escrita
dramatúrgica são variados, vão desde o diretor da companhia encenando um texto
preexistente – que pode ser uma peça, uma adaptação de romance ou até mesmo
colagem de textos de gêneros diferentes - mas retrabalhado coletivamente, a dra-
maturgos que escrevem para suas companhias, alguns que escrevem também para
outros grupos, até diretores e atores que escrevem suas próprias peças.
Hoje, o texto pode ser concebido na sala de ensaio como criação cole-
tiva, através de improvisações e discussões do grupo, mas muitas vezes com a
escrita unificadora do dramaturgo, a convite de um artista, além da permanên-
cia do escritor que escreve de forma isolada e individual. Considerando essa
natureza e procedimentos diversos da recente escrita dramatúrgica, este estudo
tem por objetivo analisar as diferentes formas de escrita teatral contemporânea:
quem escreve?, para quem escreve?, sobre o quê escreve?, de que forma escreve?
Desse modo, embora uma variedade de dramaturgos contemporâneos seja men-
cionada no texto para fins de contextualização, será examinada de forma mais
aprofundada a escrita dramatúrgica de Pedro Kosovski, Jô Bilac e Renata Miz-
rahi, todos publicados por editoras.
Dada a variedade e número de dramaturgos contemporâneos brasilei-
ros, optei, para fins de recorte, analisar aqueles mais familiares a mim por uma
questão geográfica, por ter participado de conversas públicas por eles conferi-
das e por ter assistido às encenações de seus textos. Portanto, após tecer algu-
mas considerações sobre o estatuto do texto teatral de outras épocas, assim
como na contemporaneidade, serão examinados alguns dramaturgos cariocas
dos dias de hoje.
2
Refiro-me aqui ao dramaturgo que escreve de forma isolada e individualmente, sem que sua escrita
seja realizada de forma colaborativa com atores ou companhias teatrais.
56
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
O teórico do teatro Jean-Pierre Ryngaert abre seu célebre livro Ler o te-
atro contemporâneo afirmando que “O teatro contemporâneo ainda é identificado
à vanguarda dos anos 50, de tanto que o movimento foi radical e nosso gosto por
rótulos amplamente satisfeito por essa denominação” (RYNGAERT, 1998, p.
XI). Dessa forma, as ideias e práticas artísticas de Meyerhold, Bertolt Brecht,
Tadeusz Kantor, Antonin Artaud, Heiner Müller e do Teatro do Absurdo pro-
punham uma nova forma de experiência estética, acenando com mudanças rela-
tivas ao chamado “teatro clássico burguês” e que levaram a um novo olhar sobre
o estado do texto e do autor e sobre a figura do encenador e do teatro de grupo,
categorias estas que foram relidas no fazer teatral contemporâneo.
Ryngaert assinala que na cena contemporânea “tudo é representável”
(RYNGAERT, 1998, p. 31), uma vez que todos os textos seriam dotados de tea-
tralidade sendo, portanto, passíveis de interpretação cênica. No entanto, essa
cena contemporânea não está preocupada em explicar o texto ou servir como
ilustração dele, mas mostrar a leitura e a interpretação de uma encenação a par-
tir desse texto que não é somente o texto escrito, mas trata-se, muitas vezes, de
uma variedade de textos que formam um mosaico ou um caleidoscópio.
Ryngaert acredita que o teatro ainda narra, embora ressalte que “os
pontos de vista sobre a narrativa se multiplicam ou se dissolvem em enredos
ambíguos” (RYNGAERT, 1998, p. 85). Para ilustrar o papel da narrativa con-
temporânea, o teórico recorre a Esperando Godot, de Samuel Beckett, onde dois
mendigos se encontram perdidos em uma paisagem indeterminada, esperando
um Godot indefinível e que nunca aparece. Dessa forma, o teórico nos mostra
que os autores contemporâneos “narram por quadros sucessivos, desconecta-
dos um do outro e às vezes dotados de títulos”3 (RYNGAERT, 1998, p. 85).
Para Ryngaert, a fragmentação no texto teatral contemporâneo não
tem cunho modernista, mas é a expressão de um questionamento ou uma an-
gústia sobre a verdade dos fatos recentes. O presente é constantemente convo-
cado, revivido, questionado e julgado:
3
Embora a escrita por quadros dotados de títulos seja uma influência brechtiana, é importante consi-
derar que a intenção do dramaturgo alemão era decompor para recompor, ou seja, provocar o efeito de
distanciamento para fazer com que o público não tivesse a impressão, ou a ilusão, de que o que estava
vendo era o real e sim uma representação do real, passível de reflexão. Essa categoria do teatro épico
brechtiano com fins de reflexão política não necessariamente diz mais respeito à toda escrita cênica
descontínua por fragmentos da contemporaneidade.
57
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
58
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
59
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Ao longo do século XX, alegou-se que a escrita teatral não pertence à literatura,
mas ao palco, através do seu potencial para ‘mise en scène’, e que suas ferramen-
tas críticas não devem proceder dos estudos literários. Essa visão palco-centrada
ocluiu a análise textual e enfraqueceu a autonomia do texto teatral 5 (MOUN-
SEF; FÉRAL, 2007, p. 1).
4
No original: “the status of the theatrical text and of playwriting remains unstable”. Tradução nossa.
5
No original: “Throughout the twentieth century it was agued that theatrical writing does not belong
to literature but to the stage through its potential to “mise en scène”, and that its critical tools should
not proceed from literary studies. This stage-centric view has occluded textual analysis and under-
mined the autonomy of the theatrical text”. Tradução nossa.
6
No original: “Fallen from grace since the mid-twentieth century, the theatrical text, maligned by the
various avant-gardes, lost its function as the valiant regulator of representation, to become one of the
many discourses that construct stage meaning”. Tradução nossa.
7
No original: “the suspicion of theater’s capacity to express the real, the impossibility of representing
the subject, and the fundamental distrust in language’s ability to convey meaning”. Tradução nossa.
60
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
61
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Pedro Kosovski
62
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
mesmo escrever um texto; dessa vez foi Lobo n. 1 – a estepe, baseado no romance
de Herman Hesse. Logo em seguida o agora dramaturgo escreveu Do artista
quando jovem, inspirado no universo literário de James Joyce.
Após pausa por alguns anos, Kosovski e Nunes entenderam que esta-
vam “fazendo há cinco anos trabalhos sobre cânones literários da Europa” (KO-
SOVSKI In: DIEGUES, ABREU, 2019, p. 218), o que interpretaram como uma
formação deles enquanto artistas. Desse modo, em 2011, os dois decidiram pes-
quisar e experimentar a relação entre teatro e música e, assim, Kosovski escreveu
Outside, um musical noir, elaborado a partir do encarte do álbum homônimo de Da-
vid Bowie, e, em seguida, Edypop, inspirado no mito de Édipo e em John Lennon.
O universo da música e de personalidades persiste nos trabalhos de
Pedro Kosovski, mas a partir da peça Cara de cavalo, a música continua intrín-
seca à montagem, no entanto, as personalidades em foco são o criminoso Ma-
noel Moreira, de alcunha Cara de cavalo, executado por policiais quando fora-
gido na cidade de Cabo Frio, e do artista Helio Oiticica, que lhe rendeu uma
homenagem com o Bólide caixa 18. Cara de cavalo faz parte do que Kosovski cha-
mou de “Trilogia carioca”, sendo seguida de Caranguejo overdrive, sobre um man-
gue carioca aterrado no final do século XIX, onde atualmente se situa a Praça
Onze, e de Guanabara canibal, escrita sobre o encontro do índio com o coloniza-
dor a partir de estudos da Batalha de Uçumirim e de relatos dos cronistas fran-
ceses Jean de Lery e André Thevet. Destarte, o dramaturgo revela que a partir
do início da trilogia carioca com Cara de cavalo, a companhia “deu um passo no
sentido de politização, foi uma chegada a questões do Brasil, e radicalização do
trabalho” (KOSOVSKI In: DIEGUES, ABREU, 2019, p. 219).
Embora Pedro Kosovski há alguns anos assine os textos da companhia,
ele também escreve por convite, ou encomenda de outros artistas. Também um
de seus mais importantes trabalhos foi a peça Tripas, que escreveu para seu pai,
o também ator e diretor Ricardo Kosovski, a partir de um problema gravíssimo
de saúde – rompimento do intestino e septicemia. Curado, Ricardo atuou na
peça que Pedro escreveu e dirigiu.
Jô Bilac
63
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
64
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Renata Mizrahi
65
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Considerações finais
Os textos teatrais considerados ilegíveis ou herméticos são textos que não sabe-
mos ler, ou seja, para os quais não achamos nenhuma chave satisfatória. Com
frequência, trata-se de textos que não obedecem às regras da dramaturgia clás-
sica, aos quais o leitor se refere com maior ou menor consciência. Todo texto é
legível se dedicamos tempo a ele e se nos damos os meios para isso. O critério de
legibilidade, de qualquer maneira muito discutível mesmo que seja difundido,
não deveria ser acompanhado de um julgamento de valor sobre a “qualidade” do
texto, ou seja, sobre nosso prazer de leitor que entra em relação com o autor
durante o ato de leitura” (RYNGAERT, 1998, p. 27).
66
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIEGUES, Isabel; AZEVEDO; José Fernando Peixoto de; ABREU, Kil (orgs.). Ma-
ratona de dramaturgia. Rio de Janeiro: Cobogó; Edições SESC: São Paulo, 2019.
MOUNSEF, Donia; FÉRAL, Josette. Editor’s preface: the transparency of the text.
In: MOUNSEF, Donia; FÉRAL, Josette (eds). The transparency of the text: con-
temporary writing for the stage. Yale French Studies, New Haven, n.112, p. 1 – 4,
2007.
ROTA CULT. Entrevista com Renata Mizrahi. 14 jan 2020. Disponível em:
<https://rotacult.com.br/2020/01/autora-de-sucesso-renata-mizrahi-fala-sobre-
sua-trajetoria-no-teatro/>. Acesso em: 16 mar 2020.
ROUBINE, Jean-Jacques. A linguagem da encenação teatral. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1998.
67
VIAGEM, MOVIMENTO E REPRESENTAÇÃO NO LOCUS
LITERÁRIO DE RIVERÃO SUSSUARANA, GLAUBER ROCHA
Prólogo
Introdução
1
Mestre em Letras (UFPI), Doutoranda em Literatura (UnB). Email: deniseverasletras@gmail.com
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
[...] o livro é como o sertão e o sertão é cheio de galhos, cheio de histórias. É como
uma galharia literária. Quem gostar do sertão, que entre. Quem não gostar, vá ler
um livro que se passa na praia. (ROCHA apud REZENDE, 1986, p. 144)
2
Neste texto valemo-nos do Imperialismo no conceito de Edward Said (1995, p. 177-178), o imperia-
lismo, desde as práticas desenvolvidas pelos europeus no final do século XIX, funciona em formas cul-
turais mais específicas, ainda que sempre baseadas na ideia geral da necessidade de subordinação e
vitimização do nativo ou do “outro”.
70
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
pertam do ideal estético adolescente. Assim, vemos centenas de quadros nas ga-
lerias, empoeirados e esquecidos; livros de contos e poemas; peças teatrais, fil-
mes [...] A histeria: um capítulo mais complexo. A indignação social provoca dis-
cursos flamejantes. O primeiro sintoma é o anarquismo que marca a poesia jovem
até hoje (e a pintura). O segundo é uma redução política da arte que faz má po-
lítica por excesso de sectarismo. O terceiro, e mais eficaz, é a procura de uma
sistematização para a arte popular. (ROCHA,1981, p. 29)
3
(ROCHA, 1986, p. 144).
4
Tradução italiana do original em português Estética da fome.
71
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
72
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
corrompidos pela cultura estrangeira. Tais elementos também podem ser iden-
tificados em seu romance Riverão Sussuarana de modo a deixar clara a proposta
do autor em expor sua versão para constituir o que deveria ser o cerne da naci-
onalidade original do povo do Brasil.
Aos nos depararmos com a obra de Glauber Rocha o que identificamos
é um artista indignado com os rumos que a nação vinha tomando, em cuja obra
transparece sua crença nas possibilidades de retorno à própria origem. Nessa
tentativa a literatura de cordel também pode ser identificada em Riverão Sussu-
arana, mas é no longa-metragem Deus e Diabo na Terra do Sol que ela se mostra
mais evidente. Num alegorismo da luta de bem versus mal esse filme cumpre o
papel de apresentar o imperialismo predatório norte-americano contra o ideal
popular da sociedade brasileira, que considera o sertanejo seu representante
mais fiel:
73
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
O cronotopo [grifo meu] foi concebido como uma forma arquitetônica da narra-
tiva que configura modos de vida em contextos particulares de temporalidades.
O tempo, para Bakhtin, torna-se pluralidade de visões de mundo: tanto na expe-
riência como na criação, manifesta-se como um conjunto de simultaneidades que
não são instantes, mas acontecimentos no complexo de seus desdobramentos A
pluralidade de que fala Bakhtin só pode ser apreendida no grande tempo das
culturas e civilizações, quer dizer, no espaço (MACHADO, 2010, p. 215).
74
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
75
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
representa uma possibilidade do que poderia ter sido a realidade descrita deta-
lhadamente. Ao narrar trechos e descrever elementos o autor utiliza-se de fra-
gmentos de sua memória e mistura-os ao seu próprio imaginário. Ao apresentar
tais características da obra, o texto de Glauber Rocha se apresenta como uma
mescla de fusão espaço-temporal e fictício-biográfico, em uma desafiadora de-
sarmonia de estilos.
Em Riverão Sussuarana está presente uma técnica que também foi utili-
zada em A Idade da Terra (1981): o autor representa a multiplicidade territorial
brasileira através da inserção dos personagens que são oriundos dos mais di-
versos estados. A pluralidade identificada nas personagens de Riverão Sussua-
rana garante uma espécie de carnavalização 5 no texto de Glauber Rocha, ex-
pandindo seu sentido antropofágico e remodelando a perspectiva das culturas
nas releituras possíveis das paisagens – incluídos aqui as unidades federativas
mencionadas no romance.
Tanto nesse longa-metragem como no romance, o cineasta mostra a
diversidade da população e a multiplicidade de tradições presentes nos estados
brasileiros, denunciando a decadência da periferia nacional abusada pelo impe-
rialismo norte-americano. Nos fragmentos seguintes encontramos demonstra-
ções de como as representações territoriais e culturais aparecem no texto:
O jagunço Riverão Sussuarana cruzava a Fronteyra Bahia Mynaz pra pedir pro-
teção na fazenda do Coronel Dermeraveldo de Olyveyra. Fervia escaldado fari-
nha de mandioca com leite por cima da carne de sol frita na pimenta acebolada
e café quente todos dentro das capas coloniais beira fogão friozim sertanejo
baixo Tropyko Cancer. (ROCHA, 1978, p. 14)
Fui de Jacaracy para Montes Claros no Estado de Minas a pé, eu e o Lidio. De
Montes Claros comprei passagem na Central do Brasil acompanhado de Lidio,
ele sempre comigo, comprei passagem para São Paulo. (ROCHA, 1978, p. 49)
Queria comecar rodage que fosse reta Amazona Xuy Pyauy Bolyvya. Jaca, pegou
seriema pelo pe nas bandas de Oieras e viu caboclinho com pexera no cinto cu-
mento farinha incostado nas preda. (ROCHA, 1978, p. 46)
5
“A teoria da carnavalização amplia o sentido do temo [paródia]. A paródia carnavalesca seria um tipo
de percepção vasta e popular, caracterizada por uma visão às avessas: uma oposição ao sério, ao tradi-
cional, ao dogmático, ao oficial, numa atitude de dessacralização, recusando o absoluto da ordem ofi-
cial” (MAIA, 1985, p. 12).
76
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Prestes, que atravessou o país no sentido sul-norte-sul. Essa marcha foi tomada
por Glauber Rocha como espinha dorsal do romance.
A Coluna Miguel Costa-Prestes constituiu uma viagem que iniciou no sul
do país e percorreu cerca de 25 mil quilômetros, atravessando estados brasilei-
ros com o objetivo de incentivar o povo a se rebelar contra o governo e as elites
agrárias. O objetivo do grupo era o de mobilizar a população das periferias bra-
sileiras com o intuito de conscientizá-las da necessidade de mudança na polí-
tica do país para derrocar o modelo político de República Velha. A Coluna pro-
punha uma revolução em favor dos oprimidos, e sua trajetória terminou em
1927, após se dissolver na Bolívia.
A metaforização do evento Coluna Miguel-Costa Prestes no romance
cumpre a proposta de Glauber Rocha de salientar o Brasil político na literatura
(Cf. ROCHA, 2012, p. 103). A Coluna tinha como propósito denunciar que a
República oprimia a população e, portanto, a institucionalização da democra-
cia popular era urgente. No romance a proposta de Glauber Rocha é apresentar
seu entendimento estético e político-cultural, através das histórias do texto.
Seus personagens percorrem o país fazendo parte de sua literatura, esta que
estava recheada de elementos dos dois manifestos estéticos (Estética da Fome e
Estética do Sonho), introduzindo no enredo tanto aspectos culturais, populares
como biográficos:
77
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
em questão, além da forma como ele optou por escrever, tem na Coluna o eixo
central do livro, especificando um labirinto que percorre caminhos traçados
desde que ele se fez como artista.
A Coluna Miguel Costa-Prestes desenrola-se como um novelo que con-
tém as principais ideias do autor, e da narrativa desses acontecimentos, nos
quais se mesclam elementos de ficção e realidade, infere-se uma afronta aos po-
derosos da literatura, do cinema, da cultura em geral, os que ele chamava de
“donos da cultura” (ROCHA, 1986).
Os indivíduos ou entidades que teimam em imperar a forma certa de
criar uma estética artística literária são enfrentados dialeticamente pelo cine-
asta em seu romance. O que o escritor propôs de inovador, de crítica política e
social foi moldado com os movimentos revolucionários defendidos por ele, bem
como com as temáticas de seus filmes.
Considerações Finais
78
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
79
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
CUNHA, Euclides da. Os sertões. [s.l.]: Mogul Edições Clássicas, 2015. 366 p.
eBook Kindle.
ROCHA, Glauber. Revolução do cinema novo. Rio de Janeiro: Cosac Naify, 2004.
568 p.
80
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ROCHA, Glauber. Riverão Sussuarana. Rio de Janeiro: Record, 1978. 288 p. Dis-
ponível em: https://pt.scribd.com/doc/111300513/Rocha-Glauber-Riverao-Sussua-
rana. Acesso em: 20 nov. 2014.
SAID, Edward. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
XAVIER, Ismail. Sertão Mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosac
Naify, 2007. 232 p.
FILMOGRAFIA
BARRAVENTO. Direção de Glauber Rocha. Produção de Rex Schindler, Braga
Neto. Roteiro: Glauber Rocha, José Telles de Magalhães. Música: Washington
Bruno (canjiquinha), Batatinha. Itapoan: Iglu Filmes, 1962. (80 min.), 35 mm, son.,
P&B. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=sy60bm2Cn04>.
Acesso em: 20 maio 2014.
DEUS e o Diabo na terra do sol. Direção de Glauber Rocha. Produção de Luiz Au-
gusto Mendes. Roteiro: Glauber Rocha, Walter Lima Jr. Música: Heitor Vila-lo-
bos. Monte Santo: Copacabana Filmes, 1964. (125 min.), 35 mm, son., P&B. Dis-
ponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mS81fFWbJCY>. Acesso em: 25
maio 2014.
81
FANTASIA E REAL NA LITERATURA INFANTIL:
UM EXCURSO TEÓRICO PARA EMANCIPAÇÃO
DO LEITOR CRIANÇA
1
Mestre em Letras, pela Universidade Estadual do Piauí. Professor Provisório da Universidade Federal
do Piauí, atuando no curso de Graduação Licenciatura em Letras – Língua Portuguesa e Literatura de
Língua Portuguesa, com experiência e interesse acadêmico em Teoria Literária, principalmente nos
temas crítica literária, literatura brasileira contemporânea, literatura infantil e juvenil, leitura literária
e formação de leitores.
2
Doutora em Linguística e Letras, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Profes-
sora Adjunta IV da Universidade Estadual do Piauí, atuando no curso de Graduação Licenciatura em
Letras Português, com experiência e interesse acadêmico em Teoria Literária, principalmente nos te-
mas crítica literária, literatura infantil e juvenil, literatura piauiense e história da literatura.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
84
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
3
O referido artigo foi apresentado por Antonio Candido na XXIV Reunião Anual da SBPC, em São
Paulo, julho de 1972, e publicado no mesmo ano pela Ciência e Cultura (n. 9, vol. 24, São Paulo, set. 1972)
(Cf. CANDIDO, 2002, p. 77).
85
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
86
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Assim, na literatura infantil, ainda que esta possa transmitir algum co-
nhecimento aos leitores, o que prepondera é o valor formativo e não o valor di-
dático. A obra infantil deve trazer ao leitor discussões, novos conceitos, abrir
um diálogo permanente com o seu destinatário. O texto deve provocar também
o pensamento crítico-reflexivo, validando mudanças existenciais no leitor mi-
rim. O caráter emancipatório da literatura para crianças, que se realiza, por
meio de novas perspectivas de interpretação, reflete nas experiências e conse-
quentes ações desse mesmo leitor (MAGALHÃES, In: ZILBERMAN; MAGA-
LHÃES, 1984). As representações possíveis na esfera literária assumem valor
relevante para o leitor quando a experiência com o texto repercute na compre-
ensão de mundo e num posicionamento ativo e consciente perante o real.
O reconhecimento da criança como um ser diferente do adulto se deu
no século XVIII, quando a burguesia ascendeu socialmente e a família unicelu-
lar foi considerada como projeto ideal para a organização de uma sociedade.
Isso teve reflexos na nova forma de educar a criança, passando a escola a aten-
der às propostas da estrutura social burguesa. Com a nova ordem social, em que
às crianças eram repassados valores morais que as tornariam aptas a viver o
ideário burguês, a psicologia une-se à pedagogia, ligando a família à escola, daí
surgindo a literatura infantil. Dessa forma, se explica a relação da literatura in-
fantil com fatores pedagógicos na sua gênese, conforme Martha (2011).
Contudo, o valor conferido à criança não é igualitário nas distintas cama-
das sociais. Na classe da burguesia, a criança tinha maior valorização, enquanto
que, na classe operária, era menor. A criança advinda da burguesia foi isolada da
4
Segundo Zilberman (1989), o termo “emancipação” designa “uma obra renovadora, [que], ao desafiar
um código vigente, oferece ao leitor novas dimensões existenciais. Nesta medida, libera-os dos limites
cotidianos e da dominação dos aparelhos institucionais” (ZILBERMAN, 1989, p. 112).
87
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
5
“Toda a complexidade da vida foi modificada pelas diferenças do tratamento escolar da criança bur-
guesa e da criança do povo” (ARIÈS, 1981, p. 194).
6
“A coletânea dos irmãos Grimm, constituída de contos folclóricos, mais conhecidos como contos de
fadas, tornou-se a primeira literatura das crianças burguesas. A publicação desses contos marca o início
da adaptação na literatura infantil, pois a passagem da oralidade à escrita implicou não apenas a mu-
dança de destinatário, mas também as alterações quanto à função exercida pelos contos em relação ao
público” (MAGALHÃES, 2001, p. 26, grifo da autora).
88
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
89
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ação com muita seriedade. O mundo da brincadeira, que tem na fantasia seu
elemento fundamental, é percebido pela criança como distinto da realidade. A
criança faz uma ligação dos objetos e eventos imaginados com a materialidade
visível e que pode ser tocada no mundo real. De acordo com Freud,
90
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
no seu próprio ato de lhe dar com o real e o imaginário, a partir da ficção que o
adulto propõe a ela. O contato da criança com narrativas fantásticas pode ace-
lerar o desenvolvimento da relação entre real e imaginário.
7
“A assimilação e a acomodação são, portanto, os dois polos de uma interação entre o organismo e o
meio que é a condição para qualquer funcionamento biológico e intelectual e uma tal interação supõe,
já de início, um equilíbrio entre as duas tendências dos polos contrários” (PIAGET, 2003, p. 360).
8
Sobre as fases de desenvolvimento cognitivo elaboradas por Jean Piaget, ver: PIAGET, Jean. Seis estudos
de psicologia. 25. ed. Tradução: Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. Rio de Ja-
neiro: Forense Universitária, 2012; e também PIAGET, Jean. A construção do real na criança. 3. ed. Tradu-
ção: Ramon Américo Vasques. São Paulo: Ática, 2003. (Série Fundamentos).
91
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
92
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
93
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
9
Horizonte de expectativas pode ser entendido como um “saber prévio” do leitor com base no sistema
de normas vigentes na sociedade, “com base no qual o novo de que tomamos conhecimento faz-se ex-
perienciável, ou seja, legível por assim dizer, num contexto experiencial”. (Ver: JAUSS, 1994, p. 28).
10
Segundo Jauss, o sistema de normas em que se baseia o horizonte de expectativas não é somente
estético, mas também social. “A relação entre literatura e leitor pode atualizar-se tanto na esfera sen-
sorial, como pressão para a percepção estética, quanto também na esfera ética, como desafio à reflexão
moral”. (Ver: JAUSS, 1994, p. 53).
94
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
95
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
96
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
criança penetra nas coisas durante o contemplar [...]”. Esse movimento ficcio-
nal entre o leitor e a obra, que, a priori, tem uma função de entreter, pode ainda
assumir a função de propiciar conhecimento, atendendo a uma das necessida-
des das crianças.
Desde os contos folclóricos que a fantasia se faz presente nas narrati-
vas populares, sejam elas orais ou escritas, repercutindo entre ouvintes e leito-
res infantis dos mais diversos países. Nesse inventário, os mais conhecidos são
os contos de fadas, que povoam de forma destacada a imaginação das crianças
em todo o Ocidente. Na trajetória das produções literárias destinadas às crian-
ças, a fantasia é um elemento constante em muitas narrativas, das mais antigas,
de tempos primordiais, às contemporâneas. Parece que o fantasioso é um as-
pecto que atrai um maior número de leitores para o mundo ficcional.
A partir do reconhecimento mundial das adaptações de narrativas fol-
clóricas realizadas por Charles Perrault, passando pela adaptação desse mesmo
tipo de narrativas, feitas pelos irmãos Grimm e, expressivamente, pelas criações
literárias para crianças, de Monteiro Lobato, é que, na década de 1970, muitos
escritores e escritoras do Brasil, na esteira do conto de fadas, começam a pro-
duzir uma nova literatura infantil11, preservando a fantasia como elemento com-
posicional de suas narrativas12.
O escritor Monteiro Lobato promoveu a fusão entre o real e o imaginá-
rio, nas suas narrativas infantis, elegendo o território do sítio do Picapau Ama-
relo como lugar mágico em que seres e fatos fantásticos se misturam ao cotidi-
ano das personagens (COELHO, 2010). Em toda a sua produção literária desti-
nada ao público infantil, o elemento fantasia é ingrediente imprescindível, sem,
contudo, perder a referência ao real. Quanto a isso, destacamos algumas obras
do autor, como Memórias da Emília (1994), Viagem ao céu (1995), O picapau amarelo
(2005), A reforma da natureza (2010), entre tantas outras. As narrativas infantis
de Lobato tornaram-se modelo de criação literária para muitos escritores que o
sucederam. Assim, a fantasia reina em quase todo o inventário da literatura in-
fantil brasileira. A esse respeito, na produção literária destinada às crianças,
situamos o tema literatura infantil com Coelho que afirma que a literatura
“funde os sonhos e a vida prática, o imaginário e o real, os ideais e sua possí-
vel/impossível realização...” (2000, p. 27).
11
No Brasil, ocorre uma explosão de criatividade nos anos de 1970 na literatura infantil, denominada
“boom da literatura infantil”, em que passa a vigorar na produção uma nova linguagem para seduzir o
público do gênero, provocando, neste, muitos questionamentos e reflexões, diante da vida social que o
cerca e, consequentemente, preparando-o para um porvir de novo mundo (Cf. COELHO, 2006, p. 52).
12
A tendência a uma literatura infantil fantástica é predominante entre autores brasileiros, não obs-
tante a existência de um programa realista adotado por autores em torno do editor André Carvalho,
que, através da Coleção do Pinto, da editora Comunicação, de Belo Horizonte, publicou, nas décadas
de 1970 e 1980, várias narrativas realistas (Cf. ZILBERMAN, 2003, p. 195-203).
97
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
13
Ver a esse respeito: COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo:
Moderna, 2000; JESUALDO. A literatura infantil. Tradução James Amado. São Paulo: Cultrix, 1993; ZIL-
BERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo: Global, 2003; ZILBERMAN, Regina;
MAGALHÃES, Ligia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo e emancipação. 2. ed. São Paulo:
Ática, 1984. (Ensaios, 82).
98
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
veis situações ficcionais que, de alguma forma, trarão equilíbrio interior e maturi-
dade psicológica. Assim, ajudará o seu público a assimilar os valores socioculturais
do meio e também a construir conhecimentos para a sua vida futura. Nessa pers-
pectiva, o texto literário infantil deve apresentar assuntos, forma narrativa, perso-
nagem e estilo, em que privilegiem a capacidade de compreensão e interesses da
criança, ou seja, devem estar relacionados com a condição infantil.
Zilberman (2003), fundamentada em Dieter Richter e Johannes Mer-
kel, lembra que o leitor infantil busca na literatura a emancipação, e não se sa-
tisfaz apenas com o seu caráter compensatório. Não podemos focar o entendi-
mento sobre uma literatura infantil que somente demonstre exemplaridade ao
leitor, mas é importante que essa literatura transfira visões de mundo que pos-
sam formar a sua personalidade.
Seguindo o que podem preconizar os contos de fadas, na narrativa in-
fantil do século XX e XXI, a fantasia promove esse mesmo desenvolvimento no
leitor. Esse mundo ficcional apresentado ao público infantil traz à tona assun-
tos que têm relação ao mundo real, desde a manutenção da estrutura familiar à
denúncia do desmatamento das florestas.
A fantasia imbricada com a realidade, por exemplo, propicia uma pro-
ximidade maior às temáticas que podem ser vivenciadas por qualquer leitor em
processo de amadurecimento da sua psiquê. Carvalho (2011, p. 38) nos alerta
sobre o aspecto da temática que:
99
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
14
Os estudos formalistas e estruturalistas foram pioneiros nos estudos das narrativas folclóricas, des-
cobrindo nas suas sequências ações ou funções que determinam a ruptura do equilíbrio e o processo
de restauração do mesmo. Ver a esse respeito, PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1984 e BREMOND, Claude. A mensagem narrativa. In: BARTHES, Ro-
land et al. Literatura e semiologia: seleção de ensaios da revista Communications. Trad. Célia Neves Dou-
rado. Petrópolis: Vozes, 1972.
100
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
101
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
funde ao elemento maravilhoso. Coelho (op. cit.) ainda esclarece que a lingua-
gem narrativa simbólica torna-se explítica na história para o público infantil
através dos seguintes processos: “utilização de animais que ‘representam’
ideias, intenções, conceitos e ‘vivem’ situações exemplares (fábulas)”; “utiliza-
ção de seres inanimados (elementos dos reinos vegetal ou mineral, fenômenos
atmosféricos ou objetos fabricados pelo homem) que adquirem vida e falam ou
agem como humanos, em situações também exemplares (apólogos)”; “alusão ou
analogia que permite que uma situação comum, cotidiana, vivida por homens ou
mulheres, seja compreendida de imediato em um ou outro nível de significação
mais alta, que amplia aquele ‘cotidiano’ particular e precário [...]”; e “transpo-
sição de sentido de um todo completo, do nível narrativo para o nível ideoló-
gico, no qual aquele todo completo adquire uma significação diferente daquela
que o nível narrativo aparenta (alegoria)” (COELHO, 2000, p. 82).
De um ponto de vista acerca da atração exercida pela obra literária
junto ao leitor infantil, um dos critérios de valorização das obras deve ser o
estilo levando-se em conta, naturalmente, a utilização da linguagem no pro-
cesso comunicativo com o leitor criança. Dessa forma, Aguiar (1985, p. 89)
aponta que:
102
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
15
As fábulas são narrativas que têm a finalidade de transmitir uma instrução, conselho ou lição, nota-
damente, de forma sintética, com a presença de animais, agindo como humanos, com seus vícios e vir-
tudes. Essa forma expressiva, que remonta tempos antigos, origina-se da necessidade natural do ho-
mem de exprimir seus pensamentos através do simbólico, assim como foi o conto e o mito. Ver a esse
respeito: JESUALDO. A literatura infantil. Tradução James Amado. São Paulo: Cultrix, 1993. p. 144.
103
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
104
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
105
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Considerações finais
106
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Vera Teixeira de. O contador de histórias para crianças e jovens. O Eixo
e a Roda, Belo Horizonte, v. 11, p. 43-52, 2005. Disponível em: http://www.letras.
ufmg.br/poslit/08_publicacoes_txt/er_11/er11_vta.pdf. Acesso em: 10 fev. 2020.
ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guana-
bara Koogan, 1981.
ARROYO, Leonardo. Literatura infantil brasileira. 3. ed. São Paulo: UNESP, 2011.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. 21. ed. Tradução de Arlene
Caetano. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
CECCANTINI, João Luís. Outra vez era uma vez: contos de fadas e literatura in-
fantil brasileira. In: MARTHA, Alice Áurea Penteado (Org.). Tópicos de literatura
infantil e juvenil. Maringá: Eduem, 2011. (Formação de professores em Letras – EAD;
n. 16).
______. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira. 5. ed. São Paulo: Com-
panhia Editora Nacional, 2006.
______. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000.
107
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
FREUD, Sigmund. Escritores criativos e devaneio (1908). In: Gradiva de Jensen e ou-
tros trabalhos. Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard
brasileira. Vol. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
GÓES, Lúcia Pimentel. Introdução à literatura para crianças e jovens. São Paulo: Pauli-
nas, 2010. (Coleção literatura & ensino).
JAUSS, Hans Robert. A história da literatura como provocação à teoria literária. Tradu-
ção: Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994. (Série Temas; vol. 36).
MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 1984.
PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. 25. ed. Tradução: Maria Alice Magalhães
D’Amorim e Paulo Sérgio Lima Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2012.
______. Psicologia e pedagogia. 10. ed. Tradução: Dirceu Accioly Lindoso e Rosa Maria
Ribeiro da Silva. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
______. A construção do real na criança. 3. ed. Tradução: Ramon Américo Vasques. São
Paulo: Ática, 2003. (Série Fundamentos).
108
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo: Global, 2003.
______. Estética da recepção e história da literatura. São Paulo: Ática, 1989. (Série Funda-
mentos; 41).
109
A MULHER NA POLÍTICA:
DE “ASSUJEITAMENTO” A EMPODERAMENTO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Graduado em Pedagogia (UNIFSA) e Letras – Português/Inglês (IESM). Mestre em Letras – Estudos
da Linguagem (UFPI). Professor substituto da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Coor-
denador de disciplinas do Centro de Educação Aberta e a Distância (CEAD/UFPI).
E-mail: fcorenatolima@hotmail.com
2
Graduada em Letras - Português (UFPI). Especialista em Docência do Ensino Superior (ISEPRO).
Mestre em Letras – Estudos da Linguagem (UFPI). Professora efetiva da educação básica da Secretaria
Estadual de Educação do Maranhão (SEDUC-MA). E-mail: saffira01@hotmail.com
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
112
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Não se reduz ao objeto da Linguística, nem se deixa absorver pela teoria Mar-
xista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanálise. Interroga a Linguís-
tica pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo pergun-
tando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise, pelo modo como, conside-
rando a historicidade, trabalha a ideologia.
113
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
114
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
115
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
116
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
117
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
118
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
119
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Entrevista:
. Como é dividido o trabalho doméstico em sua casa?
. Você exerce alguma profissão fora de casa?
. Pode-se dizer que para as mulheres ainda é mais difícil subir na carreira do que
para os homens? Por que você credita isso?
. Você já votou em alguma mulher para ocupar um cargo político?
. Para você, qual o principal motivo que leva uma mulher a não se candidatar
para um cargo político?
. Você prefere votar em homens ou mulheres?
. E você é a favor ou contra a determinação de que pelo menos um terço dos car-
gos políticos do Senado seja, obrigatoriamente, ocupado por mulheres?
120
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
121
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
122
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
123
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
124
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Trad. Maria Betânia
Ávila. 20. ed. Porto Alegre: Nova Fronteira, 1995.
125
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Introdução
1
Graduada em Letras (Português/Inglês) pela UERJ. Mestra em Letras pela UERJ. Doutoranda em
Estudos de Linguagem pela UFF.
127
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Por muito tempo se opôs oral e escrita, embora o livro e a voz sejam companhei-
ros, e a biblioteca, em particular seja um ambiente “natural” para a oralidade: é o
lugar de milhares de vozes escondidas nos livros que foram escritos a partir da
voz interior de um autor. Quando lê, cada leitor faz reviver essa voz, que provém
às vezes de muitos séculos atrás. Mas para as pessoas que cresceram longe dos
suportes impressos, alguém tem que emprestar sua voz para que entendam
aquela que o livro carrega.
128
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
129
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
As fontes latinas (greco-romanas) vão ser descobertas e fundidas com outras du-
rante o longo período da Idade Média – os mil anos que mediaram desde a Queda
do Império Romano (século V) até o Renascimento (século XV), início dos Tem-
pos Modernos. (...) Como em um cadinho de alquimia, foram se fundindo, aque-
cidos pelo fogo espiritualista cristão: a vitalidade rude, a violência instintiva e a
força-trabalho dos bárbaros com os valores civilizadores da Antiguidade Greco-
Romana, cuja cultura havia permanecido nos numerosos escritos, escondidos
nos conventos, que resistiram às invasões bárbaras e foram preservados pelos
primitivos padres da Igreja.
130
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
partes distintas do mundo. Desse modo, considero que ambas são essenciais
para uma apreensão mais satisfatória do fenômeno.
De acordo com Coelho (2012, p.98), existem diversas possibilidades de
definição do que vem a ser os arquétipos, matéria-prima dos contos, e por se
vincularem ao psiquismo humano, fica difícil estipular um conceito único e
simplificado. Mas, na esfera literária podemos defini-los como “representações
das grandes forças ou impulsos da alma humana”, isto é, são modelos dos com-
portamentos, ideias ou impulsos humanos. Daí a identificação que sentimos
com os temas dos contos.
Também é fundamental sublinhar que a linguagem empregada nos
contos é simbólica, em virtude de indicar uma mediação entre os espaços ima-
ginário e real (COELHO, 2012). Soma-se a isso, em concordância com Bette-
lheim (2017), que o uso desse tipo de linguagem explica-se pelo fato de nunca
haver um conflito direto; é sempre sugestivo.
Antes de prosseguir, é conveniente pôr em relevo o contexto histórico
no qual a literatura infantil ganhou relevância, e dentro dela, os contos. Até o
século XVII, predominava o modelo patriarcal. Era o homem, tido como o chefe
da família, que decidia tudo mediante seus próprios interesses. Não havia a von-
tade individual de um dos membros da família; todos estavam sujeitos aos in-
teresses do patriarca. Ainda assim, já podemos perceber o início do olhar para
a criança, através do surgimento dos primeiros tratados de pedagogia, postula-
dos pelos protestantes, que acreditavam que com uma educação rígida a criança
seria domada (ZILBERMAN, 2003, p.37).
No século XVIII, as mulheres e as crianças possuíam um pouco mais
de liberdade, e valorizou-se a parceria e a união no seio familiar, ao invés de
uma submissão cega devido à hierarquia. Nesse período, a infância passa a ser
vista como uma fase especial.
Desse modo, o conceito de família que temos atualmente é recente.
Data de cerca de 1750, quando houve um declínio das linhagens e iniciou uma
preocupação com as questões afetivas. Surgiu uma valorização da infância e a
preparação da criança burguesa para as suas responsabilidades no futuro. Por
outro lado, o mesmo não ocorria com a criança de família humilde, que tinha
que trabalhar desde cedo.
Soma-se a isso que com a ascensão da burguesia, a leitura passou a ser
sinônimo de civilidade e prestígio. Portanto, a literatura infantil tinha uma fun-
ção pedagógica e normativa: instruir o pequeno leitor os valores e comporta-
mentos esperados naquela sociedade.
No século XIX, isso fica mais evidente ainda com o ensino obrigatório
na Europa e um número maior de crianças tendo acesso à escolarização. No
Brasil, a edição de livros ocorre a partir da implantação da Imprensa Régia, em
131
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
132
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Autores
Perrault
2
Charles Perrault, por Penault. Disponível em:< https://www.independent.co.uk/news/people/char-
les-perrault-5-things-you-didnt-know-about-the-french-author-as-google-doodle-marks-his-388th-
a6806986.html>. Acesso em 05/03/2019.
133
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
134
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Grimm
3
Imagem por Hermann Blow. Disponível em: <https://davidarioch.com/2016/05/26/o-mundo-sombrio-
dos-irmaos-grimm/https://davidarioch.com/2016/05/26/o-mundo-sombrio-dos-irmaos-grimm/>.
Acesso em 05/03/2019.
135
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Andersen
Figura 3 - Hans Christian Andersen 4
Nascido em 1805, em Odense, na
Dinamarca, Hans Christian Andersen é re-
putado como o pai da literatura infantil.
Tal reconhecimento advém do fato dele
não se restringir à coleta dos contos, mas
por lançar um novo olhar sobre o gênero,
criando suas próprias histórias e também
pela sensibilidade ao seu leitor, a criança.
Andersen procedeu de uma famí-
lia bastante humilde – pai sapateiro e mãe
lavadeira. Mesmo assim, seu pai valori-
zava a leitura e sempre o contava histórias
de Holberg, La Fontaine e As mil e uma noi-
tes, estimulando a sua imaginação desde pequeno. Em contrapartida, sua mãe lhe
ensinou os princípios religiosos e o temor a Deus, que o escritor infantil levou con-
sigo por toda a sua vida e, inclusive, repercute em sua escrita (OLIVEIRA, 2009).
Devido à extrema pobreza, sua escolarização foi bastante precária.
Quando tinha quatorze anos, o dinamarquês se encaminhou à Copenhagen no in-
tuito de se tornar cantor de ópera ou bailarino, porém sem resultados, levando em
4
Imagem disponível em: < https://www.biography.com/people/hans-christian-andersen-9184146>.
Acesso em 05/03/2019.
136
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
conta que não tinha nem a voz nem a estatura necessária (VAGULA; SOUZA,
2015, p. 321).
No entanto, um cidadão importante, Jonas Colin, um dos membros da
comissão do teatro, decidiu adotá-lo e auxiliar nos seus estudos. A partir de
então, Andersen teve a oportunidade de estudar na escola de gramática em
Slagelse, em 1822.
Não obstante, não conseguiu se adequar às duras pressões, especial-
mente pelo professor Simon Meisling, em razão de dominar a matéria menos
que os outros rapazes, sendo motivo de escárnio entre os colegas e também por-
que o seu interesse era a literatura e a produção de poesias.
Hans terminou seus estudos em Copenhagen em 1827 e no ano seguinte
conseguiu permissão para cursar a universidade, porém não desejou frequentá-la,
uma vez que sua paixão era escrever e optou por se dedicar à carreira de escritor.
Todavia, sua primeira obra, Viagem a pé do canal de Holmen à Ponta Leste de
Amager, não foi bem recepcionada pela crítica da época. Argumentaram que o
escritor não dominava “a norma culta dinamarquesa nem (...) os padrões literá-
rios da época” (VAGULA; SOUZA, 2015, p.322), apresentando uma linguagem
coloquial.
Sua obra O improvisador, um romance publicado em 1835, foi a responsável
por torná-lo reconhecido no cenário europeu. Ainda no mesmo ano compôs seu
primeiro conto destinado ao público infantil, Companheiro de Viagem, e fez uma
compilação de contos denominada Contos de fadas para crianças.
É relevante destacar que a infância desafortunada tornou Hans sensível
ao sofrimento alheio. Por isso, em sua produção literária aqueles que geralmente
são esquecidos pela sociedade tem voz, através da crítica à sociedade, mas tudo
isso é feito de uma maneira sutil.
Merece atenção também a não ocorrência de finais felizes em todas as
histórias. Em várias ocasiões, a morte se faz presente em sua narrativa, em razão
de o autor trazer consigo uma tradição religiosa e crer na soberania divina, como
se a morte fosse o início de uma nova vida. Ademais, a sua experiência triste com
a vida também reflete em sua escrita. Morreu em 1875 e a data de seu nascimento
foi escolhida como o dia internacional da literatura infantil.
Considerações finais
137
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
138
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAJOUR, Cecilia. Ouvir nas entrelinhas: O valor da escuta nas práticas de leitura.
São Paulo: Editora Pulo do Gato,2012. Tradução de Alexandre Morales.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: _______. Vários escritos. Rio de Ja-
neiro/ São Paulo: Ouro sobre Azul/ Duas Cidades, 2004.
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo:
Moderna, 2000.
HUECK, Karin. O lado sombrio dos contos de fadas. São Paulo: Abril, 2016.
OLIVEIRA, Véra Beatriz Medeiros Bertol de. Representação da criança nos con-
tos de Hans Christian Andersen: o desvelar de um paradigma. 150 f. Disserta-
ção (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual de Maringá, Maringá, 2009.
Disponível em: <http://www.ple.uem.br/defesas/pdf/vbmboliveira.pdf> .Acesso
em 02/03/2019.
PETIT, Michèle. Os jovens e a leitura: uma nova perspectiva. São Paulo: Editora
34, 2009. 2ª edição.
____________. A arte de ler ou como resistir à adversidade. São Paulo: Editora 34,
2010. 2ª edição. Tradução de Arthur Bueno e Camila Boldrini.
139
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
SOUZA, Bruna Cardozo Brasil de. Charles Perrault e os contos da mamãe gansa.
2014. 1 CD-ROM. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado - Letras) - Uni-
versidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Le-
tras (Campus de Araraquara), 2014. Disponível em: <http://hdl.han-
dle.net/11449/124153>. Acesso em 02/03/2019.
VAGULA, Vania Kelen Belão; SOUZA, Renata Junqueira de. A morte na literatura
infantil de Hans Christian Andersen. Caderno Seminal Digital, ano 21, nº23, v.1,
p.320-343. Disponível em: < https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cader-
noseminal/article/viewFile/17368/12975>. Acesso em 02/03/2019.
140
A ESPERA DO NUNCA MAIS, UMA SAGA AMAZÔNICA:
UM LUGAR DE PULSÃO E DE CÁLCULO NA
CONSTRUÇÃO LITERÁRIA DE NICODEMOS SENA
INTRODUÇÃO
Intitular uma obra é algo bastante complexo, pois será a primeira infor-
mação dada ao leitor. Será a primeira construção e interpretação oferecida, pri-
meiramente, à editora para uma possível publicação, e ao leitor, o terceiro ele-
mento da tríade: produção, publicação e recepção. Umberto Eco no livro Pós-Es-
crito a O nome da Rosa – as origens e o processo de criação do livro mais vendido em
1984, afirma que não se deve oferecer interpretações de sua obra, mas um dos prin-
cipais obstáculos à realização dessa não oferta é de que um romance deve ter um
título. E o título, sendo uma chave interpretativa, segundo Eco, precisa ser muito
bem trabalhado para não oferecer interpretações errôneas ou dizer demais.
Nicodemos Sena lançou A espera do nunca mais – uma saga amazônica, em
1999, o primeiro livro do escritor. Foi publicado pela Editora Cejup que é sedi-
ada em Belém, Estado do Pará. Em 2020, segundo o escritor, será lançada a ter-
ceira edição da obra. Sena ainda não é conhecido no meio acadêmico. A primeira
leitura de A espera do nunca mais leva o leitor a um mundo amazônico perpassado
por questões locais e globais. A linguagem utilizada no romance tece uma rede
de criação entre a tradição cabocla e o desenvolvimento amazônico na década
de 1960. O contexto histórico da narrativa é a ditadura militar em Belém do
Pará. Os personagens se revezam em históricos e imaginários. Dois espaços bem
1
Doutora em Sociedade e Cultura na Amazônia pela UFAM; Mestre em Letras: Linguagem e Identi-
dade pela UFAC; Professora de Língua Portuguesa e Literatura do IFRO; Professora credenciada do
Programa de Mestrado em Estudos Literários da UNIR; Coordenadora Local do DINTER em Educação
UNESP/IFRO; Coordenadora do Grupo de pesquisa ‘Processos de criação na/da Amazônia’.
E-mail: iza.reis@ifro.edu.br
2
Mestranda em Estudos Literários da UNIR; Professora de Língua Portuguesa do Estado de Rondônia;
Especialista em Revisão de Textos pela Fundação Grande Fortaleza.
E-mail: izabepoesia1978@gmail.com
3
Mestranda em Estudos Literários da UNIR; Professora de Língua Portuguesa do Estado de Rondônia;
E-mail: scsigjc@gmail.com
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Um narrador não deve oferecer interpretações de sua obra, caso contrário não
teria escrito um romance, que é uma máquina para gerar interpretações. Mas um
dos principais obstáculos à realização desse virtuoso propósito é justamente o
fato de que um romance deve ter um título. Um título infelizmente é uma chave
interpretativa. Ninguém pode furtar-se às sugestões geradas por O vermelho e o
negro ou por Guerra e paz. Os títulos mais respeitosos para com o leitor são os que
se reduzem ao nome do herói epônimo, como David Copperfield ou Robinson
Crusoé, mas até mesmo essa referência ao epônimo pode constituir ingerência
indevida por parte do autor. O Père Goriot centraliza a atenção do leitor sobre a
figura do velho pai, ao passo que o romance é também a epopeia de Rastignac,
ou de Vautrin, vulgo Collin. Talvez fosse preciso ser honestamente desonesto
como Dumas, porque é claro que Os Três Mosqueteiros, na verdade, é a história
do quarto. Mas esses são luxos raros, que o autor talvez possa conceder-se ape-
nas por engano (ECO, 1985, p. 8)
Neste trecho, Eco coloca alguns pontos que, segundo o próprio, preci-
sam ser pensados para a elaboração de um título.
1º. Há uma sugestão de trabalho, de elaboração, de lapidar um título,
de pensar nas consequências, nas possíveis interpretações, mais fáceis ou mais
difíceis;
142
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
2º. Afirma que não se deve oferecer interpretações, ou seja, não pode
induzir o leitor a uma possível visualização da narrativa;
3º O título é uma chave interpretativa;
4º Os títulos mais sugestivos são os que se reduzem ao nome do herói,
mas há um perigo, com o título sendo o nome do herói, poderá ocorrer a cen-
tralização em um personagem e minimizar os outros;
5º Ou ser “desonesto como Dumas”, escrever um título que não seja o
que representa realmente a narrativa.
Por meio destas observações, o teórico afirma que a escolha do título
de um romance requer muito trabalho e reflexões sobre o impacto no leitor. Um
título pode enganar, criar uma expectativa falsa, fazer referências a outras nar-
rativas. Dessa forma, considera-se o título uma chave interpretativa, um ele-
mento essencial no processo de criação e escrita de um romance. E o romancista
justifica esse trabalho de cálculo e de subjetividade:
Meu romance tinha outro título de trabalho, que era A abadia do crime. Aban-
donei-o porque fixaria a atenção do leitor apenas sobre a intriga policial e pode-
ria, injustamente, induzir alguns leitores sem sorte, à cata de histórias cheias de
ação, a lançar-se sobre um livro que os teria enganado. Meu sonho era intitulá-
lo Adso de Melk. Título bastante neutro, já que Adso, afinal de contas, era a voz
narrativa. Mas aqui na Itália os editores não apreciam os nomes próprios, até
mesmo Fermo e Lucia foi reciclado de outra forma e, de resto, existem poucos
exemplos, como Lemmonio Boreo, Rubé ou Metello... Pouquíssimos em relação
às legiões de primas Bete, Barry Lindon, Armance e Tom Jones, que povoam ou-
tras literaturas. (ECO, 1985, p. 8 – 9)
A ideia de O nome da rosa veio-me quase por acaso e agradou-me porque a rosa é
uma figura simbólica, tão densa de significados que quase não tem mais nenhum:
rosa mística, e rosa ela viveu o que vivem as rosas, a guerra das duas rosas, uma
rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa, os rosa-cruzes, grato pelas magníficas
rosas, rosa fresca cheia de olor. Isso acabaria despistando o leitor, que não pode-
ria realmente escolher uma interpretação; e ainda que tivesse percebido as pos-
síveis leituras nominalistas do verso final, já teria chegado justamente ao final,
após ter feito as mais variadas escolhas. Um título deve confundir as ideias,
nunca discipliná-las (ECO, 1985, p. 9).
143
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
título de Nicodemos Sena. Será que o título final A espera do nunca mais – uma saga
amazônica é uma chave interpretativa? Vamos à análise proposta pelo artigo.
144
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
145
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
146
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
147
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
148
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Gedeão acostumou-se a pensar que um dia Dora voltaria. Então ele a protegeria
no colo e velaria o seu sono, afugentando os espíritos malignos que rondam os
tapiris nas tardes de chuva. Nas noites sem Lua, ficaria até tarde apreciando as
estrelas e, de manhã, ainda impregnado do seu perfume, pescaria o tucunaré mais
bonito, depois assaria, fazendo questão de colocar ele mesmo a comida em sua
boca. No trabalho da roça, sob um sol a pino, protegeria sua cabecinha com um
chapéu que ele mesmo teceria; e, se um dia naufragassem, não hesitaria em mor-
rer por ela. Embora estivesse triste, Gedeão não desesperava, pois a esperança é
como o ar para esses caboclos esquecidos há séculos no grande vale e que se
acostumaram a viver uma longa espera. (SENA, 2002, p. 260-261)
149
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
contigo, se tu me quisesse. Mas podes não querer; eu não me zango. Podes tam-
bém ir para Santa Irene. Bem que eu queria ir contigo, mas se nunca mais voltares
também não vou chorar. Sabe, a gente aqui nasce e cresce esperando uma coisa
que a gente nem sabe o que é. A gente espera, espera, espera, tanto espera que
acaba morrendo sem sabe que passou a vida esperando. (SENA, 2002, p. 807-808)
Aqui, Diana parece mais realista que Gedeão, pois sabe que a espera pode
não ser boa, ficar esperando algo acontecer pode ser destruído pelo tempo. Temos
respostas opostas a essa espera: a idealista de Gedeão e a fatalista de Diana. Duas
visões de uma espera longa demais. E para finalizar, Sena propõe uma resposta
social a essa espera por intermédio da personagem Dora, uma professora:
Agora entendia o que ele queria dizer. Enquanto mastigava o delicioso beiju que
Matilde fizera para ela, Dora pensou que Tainacã, a estrela grande, dera aos ca-
rajás a semente da mandioca, do milho e de outras plantas que eles não conhe-
ciam. Mas de quê adiantou? Os brancos vieram e roubaram o futuro dos índios.
Ela faria diferente; daria aos tapuios algo que ninguém ia poder tomar. Ensinaria
as crianças tapuias a lerem e escreverem, a se defenderem no mundo hostil que
estava por vir, mas também contaria as histórias antigas que os velhos gostariam
de esquecer, plantando, assim, na mente das crianças, a semente dos sonhos,
para que elas, ao crescerem, não ficassem como seus pais: À ESPERA DO NUNCA
MAIS. (SENA, 2002, p. 870).
150
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
151
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
BERGEZ... [et al.] Métodos críticos para a análise literária. Tradução: Olinda Ma-
ria Rodrigues Prata; Revisão da tradução: Maria Ermantina de Almeida Prado Gal-
vão. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
GRÉSILLON, A.; WERNER, Michel. Leçons d’ecriture: Ce que dissent les manu-
scripts. Paris, Lettres Modernes, 1985.
152
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
LOUREIRO, João de Jesus Paes. Meditação devaneante entre o rio e a floresta. In:
Arteriais – revista do PPGARTES / ICA / UFPA / Nº 03 / Agosto de 2016.
SENA, Nicodemos. A espera do nunca mais: uma saga amazônica. 2ª ed. Belém:
Cejup, 2002.
SENA, Nicodemos. A mulher, o Homem e o Cão. Taubaté, São Paulo: Letras Sel-
vagem, 2009.
SENA, Nicodemos. Choro por ti, Belterra. Taubaté, São Paulo: LetraSelvagem,
2017.
153
TRANSGRESSÃO POÉTICA VERBO-VISUAL EM
OS CAÇADORES DE PROSÓDIAS (1994),
DE DURVALINO COUTO
1
Doutorando em Letras/Literatura pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) sob orientação do Prof.
Dr. Luizir de Oliveira. Tem interesse na relação entre Literatura, Semiótica e Filosofia. É bolsista CA-
PES e SEDUC-PI liberado para cursar pós-graduação. E-mail: josivnascimento@outlook.com
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ideais impostos pelo governo militar. Dessa forma, os homens deixavam os ca-
belos crescerem e as respectivas namoradas usavam os pelos das axilas grandes.
Qualquer ato contra os padrões da época era considerado uma forma de trans-
gressão: “saíamos de casa, íamos morar em comunidades, as meninas começa-
ram a fazer sexo, a tomar pílula anticoncepcional” (MONTEIRO, 2012, p. 10).
O corpo assumia, nesse aspecto, uma atitude política. Conforme esclarece
Laura Brandão (2013, p. 14) em seu artigo sobre a literatura alternativa na dé-
cada de 1970 no Piauí, essa postura não se alinhava a relações partidárias, mas
“[...] de micropolíticas de resistência cotidianas e fragmentadas, em que o corpo
e a palavra foram as principais armas. Houve, por meio do uso do corpo e das
ações desviantes, uma politização intensa do cotidiano”. Essa luta constante
por liberdade de expressão através do corpo e de atividades rotineiras da vida
privada dos jovens que confrontavam as ideologias do governo possibilitou a
projeção dessa visão ativista sociopolítica em diversas formas de expressão ar-
tística. As obras passaram a assumir a mesma força compulsiva do corpo em
ação nas ruas, nos bares e locais onde havia encontro de artistas com expressões
ideológicas afins.
Esse modo radical de comportamento implica que viver era expressar-
se artisticamente. A vida protagonizava a beleza poética ou cinematográfica
que se podia desfrutar do mundo em ação. Os filmes em super-8 retratam essa
sede de filmar as coisas em fluxo e as pessoas na rua. Na literatura, a poética de
Durvalino Couto expressa esse sentimento de revolta quando elabora poemas
usando símbolos, imagens, manchetes de jornal e espaços vazios a serem pre-
enchidos pelo leitor. Isso pode ser caracterizado como modo de transgressão
poética por possuir traços estéticos que confrontam com os valores tradicionais
da academia naquela época. O autor-metafórico que se cria na obra elimina o
empírico e renasce a cada corpo-experiência e mente-experiência do leitor-em-
pírico e metafórico.2 Entre outros modos de transgressão verbo-visual em poe-
mas diversos em toda a obra, o poema a seguir retrata essa característica na
poética de Durvalino Couto:
2
Em minha tese em andamento desde 2019 sobre epigênse poética em H. Dobal no Programa de Pós-
Graduação em Letras/PPGEL da Universidade Federal do Piauí (UFPI), sob orientação do Prof. Dr.
Luizir de Oliveira, discuto o empírico e o metafórico no âmbito da autoria e do leitor como processo de
corpo- e mente-experiência (e vice-versa) desse modo de epigênese. Uso autor-metafórico no mesmo
sentido de eu poético e autor-empírico para me referir ao autor do texto, mesmo sentido empregado por
Umberto Eco (2005). A mesma regra equivale ao universo do leitor.
156
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
3
Os conceitos técnicos que uso neste estudo são de origem da semiótica desenvolvida por Charles
Peirce. Para uma leitura básica desses conceitos sugiro a obra Semiótica (2010), de Charles Peirce, lan-
çada pela Editora Perspectiva.
157
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
158
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
159
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
jovens que faziam poesia e cinema. Anderson Silva pontua acertadamente o fato
de a produção desses artistas marginais terem necessitado criar estratégias pró-
prias para divulgação dessas obras influenciadas por movimentos de contracul-
tura, o que era censurado pelo governo. Os jornais nanicos — como o próprio Dur-
valino Couto chama — e outros de mais relevância foram as ferramentas que faci-
litaram a publicação e circulação das obras. Além disso, as reuniões entre os mem-
bros dos grupos em praças, ruas, bares, festas e até casa de amigos também com-
plementavam esse cenário de publicação e divulgação dos materiais de cunho crí-
tico. No caso dos filmes em super-8, Durvalino Couto revela que, devido à fragili-
dade do material e dificuldade em fazer cópias, a exibição acontecia mesmo na
casa de amigos e em festas. Não se podia contar com a exibição em cinemas
(MONTEIRO, 2012).
Nessa obsistência da arte de contracultura frente aos valores tradicionais
impostos tanto pelo governo, quanto pelo intelectualismo da academia, os poetas
marginais criaram um cenário social, crítico e artístico singular dentro desse mo-
mento histórico no Brasil. Laura Brandão (2013, p. 136) descreve que “para essa
juventude, o lugar da cultura e da poesia não deveria ser os salões nobres da capi-
tal, mas as praças, as ruas e os bares”. O confronto do lugar da poesia entre a rua e
os salões atribui à poesia marginal a vantagem de um horizonte que a poesia en-
clausurada em paredes não consegue abarcar. É essa liberdade que o poeta da
elipse supera frente ao poeta da academia, embora este também contenha certo
ato transgressor mesmo não estando ciente disso. Com a poesia marginal são va-
lorizados os versos livres, a poesia concreta, visual, semiótica e construções poéti-
cas afins. Na poesia tradicional como o soneto, por exemplo, é mais sutil perceber
uma transgressão poética. Ela ocorre quando um poema considerado soneto não
apresenta os mesmos aspectos qualiquantitativos de outro, tais como iconicidade
métrica, rítmica, estrutural, semântica, material, espaço-temporal e assim por di-
ante. Logo, qualquer ruptura desse aspecto qualitativo e quantitativo do poema-
soneto é um modo de transgressão poética. A diferença entre o poeta da academia
e o poeta da elipse é que o primeiro transgride sem engajamento no ato transgre-
dido e não faz a materialidade do verbo dialogar com o próprio verbo manifestado
e contido nela, ao passo que o segundo supera isso. Essa intersemiose enobrece a
poesia marginal e o poeta da elipse, tal como acontece nessas composições de Dur-
valino Couto:
160
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
4
Cf. Os caçadores de prosódias (1994): uma análise semiótica da poesia de Durvalino Couto (2018, disser-
tação), de Josivan Nascimento, para mais detalhes sobre esse tipo de construção verbal em Durvalino
Couto.
161
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
IV
Quando nasci,
os boêmios e letrados de academia
ainda chamavam poeta de “príncipe”.
Poeta-príncipe é como garçom que além de servir
puxa uma cadeira e conta piadas. O poeta da elipse
se assusta no país das belas letras,
findas cascatas e gozosas putas.
Ainda bem que as academias enrijecem
e os boêmios padecem da falta de tetas.
(DURVALINO COUTO, 1994, p. 70, grifos do autor).
162
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
VIVA A VIDA!
O Brasil há tempos sofre de necrofilia cultural. ELES querem a morte do autor e
da obra, em troca da mercantilização do mito.
VIVA A VIDA! Abaixo a necrofilia cultural. Questão de ordem e de avanço. Ma-
nifesto Pau Baçu (DURVALINO COUTO, 1994, p. 25, grifos do autor).
163
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
obra de Durvalino Couto. São freqüentes poemas que enfatizam o prazer do corpo,
o uso de drogas e outras questões críticas com palavras obscenas, principalmente
na parte intitulada Fesceninas com poemas de cunho sexual, tal como o soneto a
seguir:
BOCAGE
164
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
avaliam que nesse clamor pelas bases da cultura do Piauí, o manifesto Pau Baçu
também “[...] denuncia o trabalho parasitário da imprensa piauiense e as perdas
comerciais do Estado no campo da agroindústria, teimando em lutar pela retirada
do Piauí de seu estado clássico de atraso [...]” O trecho a seguir sobre o Heliotro-
pismo Positivo de 1981 retrata essa exaltação da cultura piauiense:
Pela valorização imediata do artista piauiense, enfim libertado dos inúteis Olim-
pus do saber e do rebolar das teses. Mais livre ainda do conservadorismo camu-
flado nas RAÍZES, que pinta para amaciar a audácia criadora.
[...]
Pela estética do aqui e agora – A CRUZADA NACIONAL CONTRA A MORTE.
A ação ordinária contra as artimanhas do Direito. A estética do AQUI E AGORA
repercutindo também lá fora.
[...]
Pela tomada imediata do Theatro 4 de Setembro.
Ação e trovoada. Chapada do Corisco. Manifesto Pau Baçu.
(DURVALINO COUTO, 1994, p. 27, grifo do autor).
Diante desse conflito teórico, será possível pensar que a poesia marginal
tenha criado uma estética própria para fins específicos a partir da ruptura com o
elitismo ou terá sido apenas um despedaçamento de formas já existentes? Con-
cebo que o resultado seja heterogêneo e foi capaz de deslocar as projeções do olhar
165
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
sobre um determinado objeto e modo de fazer poesia. São nessas rupturas que se
percebe o vazamento e a força do transbordamento do que parece está enclausu-
rado. A poesia de Durvalino Couto não resolve esse embate teórico, mas configura
uma pretensão estética que desloca as projeções do olhar sobre um determinado
objeto poético a partir de um eu-metafórico que deseja superar a linguagem para
assim dominar a si mesmo. Daí surgem poemas com uma incessante iconização do
movimento, da fluidez e transbordamento de subjetividade através do domínio da
linguagem com disposição verbo-visual intrigante. Uma poética da inquietude do
eu à deriva de si remando contra a própria foz.
A ideia de movimento, fluidez e desejo de ação muito se deve à grande
influência de Torquato Neto sobre a obra de Durvalino Couto, especialmente
no que tange ao cinema super-8. Torquato Neto foi tão importante para o grupo
Gramma que após o suicídio do poeta, todo o grupo se dispersou e cada membro
foi cuidar da própria vida (MONTEIRO, 2012). Frederico Lima e Francisco
Castro (2014, p. 3) mostram que a partir da figura de Torquato Neto, Durvalino
Couto e o grupo do qual fazia parte mantinham o ideal de “[...] amplificar sua
noção de quebra dos padrões do que se entende por cultura, ao mesmo tempo
em que busca evidenciar modos de vida que não sejam conectados com certo
modelo ideal de comportamento”. A poesia de Durvalino Couto referencia Tor-
quato Neto em diversas passagens da obra. Os poemas tanto parodiam como
também criticam a vida intensa e insana do poeta torto. Desse modo, Durvalino
Couto parte de Torquato Neto para desenvolver uma estética própria para con-
finar na ideia de anjo envergado uma identidade para o verbo. Neste sentido,
paralelo à presença e profecia do anjo torto, “o movimento, a mudança de com-
portamento e a busca pelo destino se fazem necessários para a procura do pró-
prio eu poético” (NASCIMENTO, 2018, p. 144). O desejo de ação contribuiu
para Durvalino Couto o desenvolvimento de poemas usando estratégias anti-
convencionais para afirmar uma estética de contracultura. Desse modo, estão
presentes na obra de Durvalino Couto características que mostram a liberdade
do poeta ao usar poemas ilustrados com imagens, manchetes, texto de prosa-
poética sem pontuação e sem divisão de parágrafos, estrofes emparelhadas e
sobrepostas, números, símbolos e situações correlatas. Além das composições
já citadas nas figuras de 1 a 4, destaco aqui o poema Decálogo do maldito por ter
uma intenção pedagógica de formação literária. O poema consiste em 10 breves
descrições biográficas estereotipadas de 10 autores para serem associadas às 10
imagens de rosto dos respectivos autores na página que segue o decálogo. Por
economia de espaço deixo aqui de seguir as normas da NBR 10520 (2002) e faço
a digitalização das 10 estrofes em duas colunas sem recuo de citação, mas no
livro todas as 10 estrofes aparecem de forma contínua ocupando três páginas:
166
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
6
Sobreviver o coração
ao fuzilamento simulado.
Perceber O SOL entre os matutinos,
167
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
168
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
fixa como crítica desta. É nessa conjuntura que nasce o poeta da elipse, aquele
que fareja o osso raspado pelo mito da academia. A condição de ser e estar apre-
senta uma poesia que se espraia em versos como resultado de uma tortura sin-
tática e estética. A afirmação e defesa da cultura local é também uma afirmação
de si. Quiçá o poeta consiga fugir do contexto, do modelo pronto ou circuns-
tâncias que o angustia, mas não consegue despender-se de si mesmo frente ao
verbo que o possui e despedaça em sílabas sem sentido. Embora desconjugado,
o verbo continua sendo linguagem e o eu não consegue transbordar o limite do
verbo, por ser também verbo:
169
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
170
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
LIMA, Wanderson. A virada cultural e a crise dos estudos literários. In: A cor das
letras: revista do departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Feira
de Santana. Imagens da cultura: linguagens e mediações. ISSNe 2594-9675, ISSN-
L 1415-8973, Feira de Santana: UEFS, p. 121-131, v. 9, n. 1, anual, 2008. Disponível
em: <http://periodicos.uefs.br/index.php/acordasletras/article/view/1544> Acesso
em: 14 mar. 2020.
MOISÉS, Carlos Felipe. Poesia & Utopia: sobre a função social da poesia e do poeta.
São Paulo: Escrituras, 2007. (coleção Ensaios Transversais; 35)
MOURA, Francisco Miguel de. Literatura do Piauí. Teresina, PI: EDUFPI, 2013.
PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução José Teixeira Coelho Neto; 4 ed. São
Paulo: Perspectiva, 2010. (Estudos; 46; dirigida por J. Guinsburg)
PIGNATARI, Décio. Semiótica & Literatura. 6 ed. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2004.
171
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
172
FORMAÇÃO LEITORA COM BEBÊS:
A LITERATURA NA CRECHE
Introdução
1
Graduanda em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Email:
slarissa2016@gmail.com
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
174
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
175
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
características dos bebês (alimentação, sono, higiene) não deve ser encarado de
forma mecânica, e tampouco a ênfase em rotinas que promovam a educação
despreze as especificidades dos bebês. Em consonância com estas duas verten-
tes, muitas atividades sociais e culturais são possíveis aos bebês na Educação
Infantil. Portanto, as práticas de formação leitora em creches também são parte
destas iniciais e significativas vivências infantis, afinal “O bebê adora, obvia-
mente, tomar contato com uma nova experiência” (WINNICOTT, 1979, p.93).
176
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Agora sabemos que as crianças pequenas se interessam pelos livros e pelas his-
tórias de seus nascimentos e que os adultos presentes se encantam com isso. Sa-
bemos, também, que os livros de imagens não são reservados nem às crianças
pequenas, nem às crianças, nem àqueles que não sabem ler... Sabemos, também,
que alguns livros resistem a nós e que é a voz de alguém que, por sua leitura, dele
nos dá o sentido. Sabemos que crianças pequenas nos possibilitam ler, em certas
177
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
imagens, coisas que não havíamos lido. Sabemos, porque lemos, que certos ál-
buns publicados por editores para a infância fazem parte da grande literatura:
obras de artistas que, como todas as obras de arte, alimentam nossos imaginá-
rios, ampliam nosso olhar sobre o mundo, suscitam nossas dúvidas, enriquecem
nossas línguas e falam, com sensibilidade e poesia, da vida, da complexidade do
mundo e das relações humanas. Como toda obra literária, eles não nos dizem o
que devemos pensar, mas nos ajudam a pensar (RATEAU, 2014, p.24).
178
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
179
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
180
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
2
Imagens, textos, e/ou capas tridimensionais são características marcantes dos livros pop-up (livros
projetados para ter suas partes ou sua totalidade em 3 (três) dimensões.
3
Altamirano (2014, p. 43) deixa muito claro em seu texto que não expõe categorias universais para a
classificação do livro infantil. De acordo com ela: “La calidad es un concepto complejo y polisémico de
modo que no me comprometeré con una definición única, propongo, en cambio, describir algunos ras-
gos a partir de intentar caracterizar tres amplios géneros de libros que deben conformar estas biblio-
tecas infantil diversas: informativos, literarios y álbum”.
181
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Los buenos libros cuentan, explican, narran, proponen, buscan la mejor manera
de comunicarse con sus lectores. El contenido del texto y la forma de organizarlo
son centrales en un buen libro. Un buen libro para niños es un libro bien escrito,
inteligentemente planeado y desarrollado; bellamente diseñado, sensiblemente
ilustrado. Los buenos libros para los más pequeños son literarios pero también
son libros informativos.
182
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
4
A interação da Palavra do Cotidiano com a Palavra Literária foi objeto de estudo de Nivea Escouto
(2013) em sua dissertação de mestrado: ESCOUTO, Nivea Barros. A formação do leitor- literário na
Educação Infantil: A Interação da Palavra da Vida Cotidiana com a Palavra Literária. 2013. 196 p. Dis-
sertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal
de Santa Catarina, Florianópolis, 2013
183
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Ramos, Pinto e Girotto (2018) em sua pesquisa sobre mediação com li-
vros e bebês, ressaltam a composição material (Que livro usar, quantos exempla-
res levar para as crianças), metodológica (Quais etapas serão desenvolvidas com
os bebês durante a mediação literária) e espacial (Que parte da creche servirá com
ambiente para as atividades) necessárias em uma das etapas do projeto para a for-
mação leitora no berçário. Desse modo, a Literatura manifesta-se no currículo, e
na prática pedagógica, a partir da articulação proposta pelo professor.
Quanto aos ajustes de tempo na rotina das crianças, Colomer (2016)
afirma a importância da organização das atividades, e do espaço. Segundo ela,
o tempo e o espaço representam eminentes categorias na mediação com livros.
A duração, e frequência das práticas leitoras influenciam a construção e auto-
percepção do bebê leitor. Assim como, o espaço reforça ou ameniza a imersão
nos encantos da Literatura.
Portanto, o livro infantil na Educação de bebês, reúne narrativas escri-
tas, orais, visuais, e táteis, além de congregar a observação, o planejamento, o
currículo, os materiais, metodologias, e espaços, a fim de compor ambientes,
práticas, e experiências nas quais a criança coletiva e autonomamente explore
sua vida de leitora.
Considerações Finais
184
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
185
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
ÀRIES, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC Edi-
tora, 1984.
BEE, Helen; BOYD, Denise. A criança em desenvolvimento. 12. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2011.
186
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo :
Atlas, 2008.
HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil . São Paulo: Cosac Naify, 2015.
MATTOS, Maria Nazareth de Souza Salutto de. Leitura Literária na creche: o livro
entre olhar, corpo e voz. 2013. 199 p. Dissertação (Mestrado em Educação) – Pro-
grama de Pós- Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro.
MACIEL, Francisca Izabel Pereira. O PNBE e o Ceale: de como semear leituras. In:
PAIVA, Aparecida; SOARES, Magda. Literatura Infantil: Políticas e Concepções.
São Paulo: Autêntica, 2010.
OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos de.(Org.). Creches: Crianças, faz de conta &
cia. 14. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.
187
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
RATEAU, Dominique. Ler com as crianças pequenas. In: BRASIL. Seminário In-
ternacional Literatura na Educação Infantil: acervos, espaços e mediações. Belo
Horizonte, maio, 2014.
SOUZA, Renata Junqueira de; FEBA, Berta Lúcia Tagliari (Org.). Ações para a for-
mação do leitor literário: da teoria à prática. Assis, São Paulo: Storbem Gráfica e
Editora, 2013. p.19-42.
TEIXEIRA, Clarissa Gondim (Org.). Impacto da leitura feita pelo adulto para o
desenvolvimento da criança na primeira infância. São Paulo : Fundação Itaú Social,
2017.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 11. ed. São Paulo: Global,
2003
188
A POESIA NA SALA DE AULA:
ENTRE VERSOS E RITMOS COM PAULO LEMINSKI
Introdução
1
Doutora em Educação e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Espírito
Santo.Professora efetiva do Instituto Federal do Espírito santo – Campus Vitória. Orienta dissertações
na área de Literatura e Educação.
2
A esse respeito a professora Marisa Lajolo discutiu algumas concepções relativas ao “uso” dos textos
literários de forma pedagogizante ou formalista.em seu texto LAJOLO, Marisa. “O texto não é pre-
texto. Será que não é mesmo?” In: ZILBERMAN, Regina; RÕSING, Tania (Org.). Escola e leitura: velha
crise, novas alternativas. São Paulo: Global, 2009. p. 99-112.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
um texto morcego se
guia por ecos
um texto texto cego um eco
anti anti anti antigo
um grito na parede rede rede volta
verde verde verde
com mim com com consigo ouvir é
3
Toninho Vaz, jornalista e amigo do poeta, escreveu a biografia O bandido que sabia latim, lançado em
2001, pela editora Record, no qual resgata a multifacetada estrada literária do poeta, bem como situa-
ções inusitadas da sua biografia. Vale a leitura.
190
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ver se se se se se
ou se se me lhe te sigo?
191
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
existe um planeta
perdido numa dobra
do sistema solar
dificil é distinguir
esse planeta de sonhar
192
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
quando chove,
eu chovo,
faz sol,
eu faço,
de noite,
anoiteço,
tem deus,
eu rezo,
não tem,
esqueço(...)
193
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Poesia te escrevia:
flor! conhecendo
que és fezes. Fezes
como qualquer,
gerando cogumelos
194
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Delicado, escrevia:
flor! (Cogumelos
serão flor? Espécie
estranha, espécie
Delicado, evitava
o estrume do poema,
seu caule, seu ovário,
suas intestinações.
Esperava as puras,
transparentes florações,
nascidas do ar, no ar,
como as brisas(...).
195
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Nenhum a página
Jamais foi limpa.
Mesmo a mais Saara,
Ártica, significa.
Nunca houve isso,
Uma página em branco.
No fundo, todas gritam,
pálidas de tanto.
196
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
197
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
tuiu, é reconhecer na sua poesia sua memória de leitor, suas afinídades com au-
tores e textos, a sua paradoxal relação de angústia e reverência em direção aos
poetas anteriores.
No universo da sala de aula, essas interlocuções entre a produção de
Paulo Leminski e outros poetas representativos da nossa cena literária poderão
provocar múltiplas possibilidades de leitura de poesia, se compreendermos o
texto poético como a manifestação da linguagem em sua carga expressiva alta-
mente significativa e conectada à nossa cultura e à vida social.
Ler poesia, pois, é provocar encontros entre tempos, histórias e cenários
inscritos socialmente e materializados em alta voltagem de expressividade que
é apresentada a nós, leitores, pela habilidade do poeta ao lidar com os recursos
da linguagem lírica. Pinheiro (2018) destaca que a desvalorização da poesia na
escola é um dos fatores que desencadeia a crise na leitura, uma vez que o gênero
lírico não é compreendido em sua essência, com a valorização que merece.
A resistência à leitura da poesia em sala de aula, ocorra, talvez, pelo tom
pragmático com que os textos poéticos são apresentados aos alunos em meio a
metodologias também impróprias no contexto do lirismo. Por isso mesmo, a me-
diação das práticas leitoras de poesia na escola precisa considerar vozes poéticas
que também emergem em gêneros literários híbridos, nas letras das canções, nas
narrativas cuja linguagem transborda lirismo tal qual nos poemas.
Um percurso de leitura entre os versos, ritmos e sons de Paulo Le-
minski poderá ser um caminho possível e instigante para novos encontros com
o texto ficcional e com as potencialidades do signo poético na formação de no-
vos leitores em todo e qualquer espaço potencialmente educativo, principal-
mente por trazer em seus versos, ritmos e sons uma predisposição ao diálogo
com outros autores, outros projetos poéticas e outras linguagens.
198
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
RE FERÊNCIAS
BANDEIRA, Manuel. “Vou-me embora pra Pasàrgada”. In:. Melhores poemas: seleção
de Francisco de Assis Barbosa.São Paulo: Global, 2000. p.88.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000
MELO NETO, João Cabral de. Antiode. In: Poemas reunidos. Rio de Janeiro: Orfeu,
1954. P.334
PINHEIRO, Hélder. Poesia na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2018.
199
CRENÇAS SOBRE ENSINAR-APRENDER A SER
PROFESSOR DE LÍNGUA ESTRANGEIRA:
REPRESENTAÇÕES DE GRADUANDOS E FORMADORES
Luciana Kinoshita1
PRIMEIRAS PALAVRAS
1
Professora do curso de Letras Inglês da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) e
doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP).
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
2
Estariam aqui incluídas questões como estereótipos, contexto social, cultura etc.
202
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
cesso contínuo de mudança que vai desde a assunção do que somos e acredita-
mos (o que alguns chamam de consciência ou contemplação) até a mudança efe-
tiva da prática, em que a reflexão na ação é importante.
3
Texto original: “One discourse is used for recollecting foreign language teaching and learning as experienced in the
past, the other for foreign language teaching as envisioned in the near future [...]”. (KALAJA, 2015, p. 142)
203
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
competência4 ainda durante a sua formação docente inicial, ou como poderia en-
sinar aquilo que não sabe? Chomsky foi um dos pioneiros a discutir o que é ser
linguístico-comunicativamente competente em um idioma. Ele propôs a dicoto-
mia competência e desempenho, onde o último seria o uso real da língua e a pri-
meira, “[...] a gramática que representa a competência do falante”5 (idem, 1964, p.
37, tradução nossa). Ele, por sua vez, apoiava-se na dicotomia de Saussure de lín-
gua vs fala.
De acordo com Hymes (1972), o sujeito comunicativamente competente
é aquele que sabe quando falar, quando não, além de sobre o que falar, com quem,
onde, de qual maneira, integrando tudo isso a atitudes, valores e motivações em
relação à língua, seus aspectos e usos.
Hoje sabemos que a concepção que temos de língua é determinante para
definir o que entendemos como ser competente no uso de uma. Em nosso estudo,
concordamos com a visão de que as “[…] línguas dos sujeitos são constituídas pelo
conhecimento permanente que eles carregam de uma situação de fala para outra”6
(SMITH, 2006, p. 941, tradução nossa).
Nos cursos de formação inicial de professores de inglês, “[...] espera-se
dos alunos que se matriculam no bacharelado ou na licenciatura em Inglês uma
certa proficiência nessa língua, tomando-se por pressuposto que eles deveriam já
ter alcançado o nível básico no ensino básico” (PAIVA, 2009, p. 7). Contudo, o que
vemos na realidade do cenário brasileiro é bastante diferente:
4
Sem desmerecer ou diminuir a importância das demais competências. A ênfase cabe aqui no sentido
de não fugir do tema proposto para a seção.
5
Texto original: “[...] the grammar that represents the speaker’s competence”. (CHOMSKY, 1964, p. 37)
6
Texto original: “[…] individuals’ languages are constituted by the standing knowledge they carry from one speech
situation to another”. (SMITH, 2006, p. 941)
7
Texto original: “[...] most students are admitted onto a language teaching degree in Brazil without knowing the lan-
guage very well; they therefore identify themselves more as language learners than as prospective language teachers”.
(BARCELOS, 2015, p. 74)
204
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
O domínio de uma língua estrangeira não é uma competência que possa ser dis-
farçada. Podemos fingir sentimentos que não temos e até fazer de conta que com-
preendemos o que nos dizem, mas ninguém pode fingir que fala inglês ou espa-
nhol. A expressão natural do enunciado na língua estrangeira pressupõe anos de
estudo e dedicação, resultado de um conhecimento autêntico que não se adquire
de um dia para outro. (LEFFA, 2011, p. 16)
8
Texto original: “Beliefs are thought to have two functions in learning to teach. The first relates to the constructivist
theories of learning that suggest that students bring beliefs to a teacher education program that strongly influence what
and how they learn. The second function relates to beliefs as the focus of change in the process of education.” (RI-
CHARDSON, 1996, p. 107)
205
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
durante a produção e análise das crenças. De acordo com Pajares (1992), crenças
não podem ser observadas ou medidas de forma direta, mas apenas inferidas a
partir do que as pessoas dizem, pretendem e fazem. Elas são aspectos da realidade
que não podem ser quantificados, exatamente aqueles dos quais a pesquisa
qualitativa se ocupa, em geral. Acreditamos ainda que alguns dados produzidos
em nossa investigação9 precisaram igualmente de tratamento quantitativo, na
forma de quantificação de argumentos que nos ajuda a trabalhar com dados
numéricos e percentuais de características pessoais para a construção do perfil
dos sujeitos e contextos em análise que, por sua vez, servem para melhor
compreender crenças de cada grupo e indivíduo.
Nossa proposta é fazer uma investigação de natureza básica e aplicada,
pois construímos e geramos conhecimentos para aplicação prática, voltados à
solução de problemas específicos que envolvem interesses locais, como os do
contexto investigado em pesquisas anteriores (SILVA, 2013a e 2013b; PAVAN,
2012; LIMA, 2011, BARCELOS, 1995; ALMEIDA FILHO, 2010) apontam que o
EA de LE não está acontecendo de forma suficientemente adequada na rede pú-
blica de ensino.
A partir do objetivo traçado para a investigação em questão, podemos
dizer que desenvolvemos uma pesquisa exploratória e descritiva. Assim, explo-
ramos nossos dados para “proporcionar visão geral, de tipo aproximativo”
(GIL, 2008, p. 27) e descrevemo-los visando à “obtenção de informações sobre
um fenômeno ou sobre determinada população e à descrição de suas caracte-
rísticas; também se referem ao estabelecimento de relações entre variáveis ”
(LEAL, 2011, p. 32), como uma maneira de interpretá-los. Segundo Barcelos
(2001, p. 86), “estudos interpretativos podem levar a uma compreensão mais
aprofundada sobre as crenças”. Dessa forma, interpretamos qualitativa e quan-
titativamente os dados para tentar melhor compreender a inter-relação entre
as representações dos sujeitos e sua influência no desenvolvimento da compe-
tência linguístico-comunicativa em LE durante a formação profissional inicial.
A respeito dos procedimentos, qualquer trabalho científico precisa co-
meçar com uma pesquisa bibliográfica para que o pesquisador possa conhecer
estudos anteriores sobre o assunto e saber a respeito das diversas posições
acerca do seu problema de investigação. Logo, iniciamos um levantamento bi-
bliográfico, que também perpassa todo o processo de construção do estudo,
para então desenvolver uma pesquisa de campo com os sujeitos participantes.
Já os dados produzidos em campo, por meio de questionários, grupos focais e
entrevistas, foram analisados utilizando a análise de conteúdo.
9
Por exemplo, dados demográficos dos sujeitos.
206
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
207
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Crenças passadas
Crenças presentes
A seguir trazemos o quadro que expõe algumas das crenças presentes dos
investigados. Aquelas que durante os momentos de produção de dados eles ti-
nham como verdade:
208
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
- Insatisfação com aspectos - Aulas de inglês no curso exis- - Aulas de inglês no curso exis-
do curso de Letras Inglês da tem, mas não são ofertadas de tem, mas elas são um problema;
Unifesspa; maneira apropriada;
- Aulas de inglês no curso são
- Satisfação com aspectos - Aulas de inglês no curso são insuficientes;
do curso de Letras Inglês da insuficientes;
Unifesspa; - Bom professor de LE tem qua-
- Bom professor de LE tem duas tro competências;
- Parte da formação de pro- competências;
fessores de inglês pela Uni- - Bons e maus professores são
fesspa é deficiente; - Parte da formação de profes- formados na Unifesspa;
sores de inglês pela Unifesspa é
- Diversos aspectos do curso deficiente; - Diversos aspectos do curso de
de Letras Inglês da Uni- Letras Inglês da Unifesspa po-
fesspa podem melhorar. - Diversos aspectos do curso de dem melhorar.
Letras Inglês da Unifesspa po-
dem melhorar.
209
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
- (Não) Cremos que inter- - Trabalharia como profes- - Teremos mais disciplinas de en-
venção divina determina a sor de inglês dadas algumas sino/aprendizagem;
qualidade da atuação pro- condições;
fissional no futuro; - Queremos que os alunos aprendam
- Acredito que fatores ex- inglês para ensinar inglês;
- Quero que meus alunos se ternos podem desmotivar o
apaixonem pelo idioma; professor; - Ministraremos mais disciplinas to-
talmente em inglês.
- Temos professores na fa- - Tenho professores na fa-
mília que nos motivam a ser mília que me motivam a ser - Queremos (continuar a) ser pro-
professores; professora. fessores universitários;
- Não desejamos ser profes- - Queremos ser também - Pretendemos continuar estu-
sores da Educação Básica; professores; dando;
- Não vou desistir, porque - Pretendemos fazer mes- - Buscaremos melhorar nosso inglês
muitos esperam que eu de- trado (e doutorado); não apenas como aprendizes não
sista; nativos;
- Buscaremos melhorar
- Queremos ser professores nosso inglês; - Desejamos que a Unifesspa faça
e muito mais; mais pela nossa formação no futuro.
- Desejamos que a Uni-
- Pretendemos continuar fesspa faça mais pela forma- - Não teremos mais disciplinas blo-
estudando (no Ensino Su- ção dos próximos alunos; cadas;
perior);
- Precisamos continuar - Formaremos professores melhores
- Buscaremos melhorar aprendendo depois da gra- nas próximas turmas;
nosso inglês de várias ma- duação;
neiras; - (Como formadores) podemos e de-
- Vamos ser professores de vemos contribuir para melhorar a
- Desejamos que a Uni- escola pública em último Educação Básica;
fesspa faça mais pela nossa caso.
formação no futuro. - Precisamos contratar mais profes-
sores.
210
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ÚLTIMAS PALAVRAS
211
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
212
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
BARCELOS, A.M.F. Student teachers’ beliefs and motivation, and the shaping of
their professional identities. In: KALAJA, P. et al. Beliefs, agency and identity in foreign
language learning and teaching. Macmillan; Palgrave, 2015. p. 71-96.
______. A cultura de aprender língua estrangeira (inglês) de alunos de Letras. 1995. 199 f. Dis-
sertação (Mestrado em Linguística Aplicada) – Instituto de Estudos da Lingua-
gem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP. 1995.
GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6ª ed. São Paulo; Atlas, 2008
213
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
LIMA, D. C. Inglês na escola pública não funciona? Uma questão de múltiplos olhares.
São Paulo; Parábola Editorial, 2011.
PAVAN, C.A.G. Por inteiro e por extenso: o processo real de formação inicial de pro-
fessores de línguas. 2012. 163 f. Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada) –
Instituto de Letras, Universidade de Brasília – UnB, Brasília, 2012.
214
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
PLANO DCE. O ensino de inglês na educação pública brasileira: elaborado com exclusi-
vidade para o British Council pelo Instituto de Pesquisas Plano CDE. 1ª ed. São
Paulo; British Council, 2015.
SILVA, L.K. Ensinar/Aprender a ser professor de ILE: (mudanças de) crenças de profes-
sores e alunos sobre o processo. 2013. Relatório final de projeto de pesquisa – Fa-
culdade de Estudos da Linguagem – FAEL, Universidade Federal do Pará – UFPA,
Campus de Marabá – CAMAR, Marabá, 2013a.
SMITH, B.C. What I know when I know a language. In: LEPORE, E.; SMITH, B.C.
(eds.). The Oxford handbook of philosophy of language. Oxford; Oxford University Press,
2006, p. 941–82.
215
O MUNDO DO SÉCULO XIX NA NARRATIVA DE JÚLIO VERNE:
REFLEXÕES SOBRE MODERNIDADE E ALTERIDADE1
Considerações Iniciais
O que é a História? Quais seus métodos? Quais seus objetivos? Será que é
possível inferir como esta deve ser trabalhada? A partir destes questionamentos
pode-se pensar como a escrita da História sofreu transformações ao longo dos sé-
culos, configurando-se de acordo com o seu tempo e lugar social de produção, ou
seja, o contexto histórico terá uma influência preponderante na construção histo-
riográfica de uma determinada sociedade. Sobre isso Certeau (2011, p. 57) afirma
o seguinte diz:
1
Texto desenvolvido enquanto componente do processo avaliativo da disciplina História Contempo-
rânea I do Curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI), 2015.1
e publicado originalmente nos anais do II Encontro Nacional de Ficção, Discurso e Memória em Tere-
sina em 2015 pela EDUFPI, tendo sofrido algumas alterações para a publicação nesta obra.
2
Graduado em História pela Universidade Estadual do Piauí em 2016, Especialista em História Sócio-
Cultural pela Faculdade do Médio Parnaíba em 2017, Mestre em História do Brasil pela Universidade
Federal do Piauí em 2019. Atualmente é professor substituto na Universidade Estadual do Maranhão
no campus de Caxias – CESC/UEMA.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
com uma busca pela imparcialidade do historiador, ao longo do século XX, per-
cebe-se uma transformação nesta escrita, novos métodos e perspectivas surgem,
permitindo ao historiador diferentes possibilidades de estudo.
Essas modificações que surgem dentro do conhecimento histórico no sé-
culo XX possibilitam uma nova perspectiva historiográfica, a chamada História
Cultural. Em seu olhar, tudo passa a ser História, tudo se torna passível de ser
estudado pela ciência histórica, aspectos das sociedades antes ignorados pelos
historiadores tornam-se objetos de estudo. A História Cultural, na perspectiva
trabalhada aqui se refere, então, a toda “historiografia que se tem voltado para o
estudo da dimensão cultural de uma determinada sociedade historicamente loca-
lizada” (BARROS, 2009, p.56). O texto literário sendo um, entre tantos elementos
produzidos culturalmente e historicamente, passível, então, de tornar-se objeto
de estudo da História.
De acordo com Pesavento (2005), há o destaque para o encontro entre a
História e a Literatura, ou seja, os textos literários transformam-se em fontes para
o historiador, que passa a percebê-los enquanto uma representação da sociedade
de seu tempo acerca de um determinado tema.
Nesta perspectiva, “o que conta para o historiador não é o tempo da
narrativa, mas sim o da escrita” (PESAVENTO, 2005, p.83), ou seja, a análise
produzida pelo historiador deve ser feita a partir do tempo no qual o lit erato e
a obra encontram-se inseridos e do lugar social o qual este escreve. Assim, “a
literatura permite o acesso à sintonia fina ou ao clima de uma época, ao modo
pelo qual as pessoas pensavam o mundo, a si próprias, quais os valores que gui-
avam seus passos, quais os preconceitos, medos e sonhos” (PESAVENTO, 2005,
p.82) e é papel do historiador analisar estes elementos para uma possível com-
preensão, dentre muitas, de um fragmento de uma referida sociedade em um
determinado tempo e espaço.
É a partir deste olhar que o objetivo deste capítulo consistiu na análise
da perspectiva europeia sobre o mundo no século XIX a partir da narrativa de Júlio
Verne3 através das obras “A Volta ao Mundo em 80 Dias”4 e “Vinte Mil Léguas
3
Nascido no ano de 1828 na França e falecido em 1905, segundo Mourão (2005) Júlio Verne foi um dos
romancistas franceses mais traduzidos nos últimos séculos. Sua imaginação, capacidade de pensar um
mundo novo, de expor os sonhos e desejos do momento em que viveu, aliado a pesquisa científica,
preocupação com a ciência e exatidão desta marcou sua escrita e a produção de suas obras consa-
grando-o enquanto um visionário. Escreveu dezenas de obras, nas quais tratou de temas diversos rela-
cionados a conjuntura que o atravessou na época, ou seja, a vida moderna e as transformações decor-
rentes como: Exploração, Urbanismo, Geologia, Paleontologia, Construção Naval, Marinha, Astronáu-
tica, Mundo submarino, Eletricidade, Geografia, Transportes, Astronomia, dentre outros, além de tra-
tar também sobre diferentes paisagens ao redor do mundo.
4
Publicado originalmente na França em 1872 a história gira em torno de Phileas Fogg e seu recém-
contratado empregado Passepartout buscando circular o globo em apenas 80 dias em função de uma
aposta feita entre Phileas Fogg e os membros do Reform Club na Inglaterra acerca desta possibilidade.
218
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Enquanto isso, um detetive da Scotland Yard segue ambos, tendo em vista que na mesma época um
ladrão havia roubado o banco da Inglaterra e Phileas Fogg se enquadrava na vaga descrição do ladrão.
O itinerário original da viagem seria de Londres até o canal de Suez no Egito, de lá para Mumbai e
depois Calcutá na Índia, após isso iriam para Hong Kong e de lá para Yokohama no Japão, depois disso
atravessariam o Oceano Pacífico para São Francisco nos Estados Unidos e iriam da Costa Oeste até a
Costa Leste norte-americana chegando em Nova Iorque, por fim, iriam de Nova Iorque até Londres. Ao
longo da história e, em função de diversos percalços, o itinerário termina não sendo seguido a risca,
mas, no geral, a viagem seria e foi realizada na narrativa literária a partir das malhas ferroviárias exis-
tentes e da possibilidade de viagens por mar através de embarcações movidas a vapor, isto é, através
dos aparatos modernos e, no caso em questão, da redução das distâncias e facilidade no transporte de
cargas e pessoas neste mundo moderno. Ao término da viagem Fogg acreditava ter perdido a aposta e,
portanto, viveria na pobreza, visto que havia gasto sua fortuna pessoal para empreender a viagem. No
entanto, Passepartout o alerta que o dia em que estavam em Londres não era 22 de dezembro, mas sim
21 de dezembro, visto que como haviam viajado rumo ao Leste passaram-se 80 dias para ambos, mas
para as pessoas que viviam em Londres apenas 79 dias. Segundo Mourão (2005) percebe-se nesta obra
a preocupação de Verne com a Geografia, reflexo de sua participação da Sociedade de Geografia de
Paris, “[...]além de chamar atenção para a questão do paradoxo dos circunavegadores, assumiu indire-
tamente uma posição a favor de Greenwich como o futuro Meridiano Zero, como seria adotado, em
1884, na cidade de Washington.” (MOURÃO, 2005, p. 10-11)
5
Publicado originalmente na França em 1869 (MOURÃO, 2005) a história trata, especialmente, sobre
as aventuras do submarino Nautilus e seu capitão, Nemo, através do olhar do professor Pierre Aronnax,
capturado após uma expedição para destruir um monstro marinho que havia sido visto por embarca-
ções de diversas nacionalidades e considerado enquanto uma baleia gigante. Ao encontrar o suposto
monstro alguns dos tripulantes enviados para destruí-lo, entre eles Aronnax e Ned Land, terminam
caindo no oceano pacífico e sendo capturados pelo “monstro” que, na realidade, tratava-se do Nautilus,
um submarino moderno movido a eletricidade e comandado pelo capitão Nemo, personagem que pos-
suía desejos ambíguos visto que, ao mesmo tempo em que desejava adquirir mais conhecimentos cien-
tíficos almejava se vingar da civilização terrestre. A obra não deixa claro a nacionalidade de Nemo in-
dicando apenas que trata-se de alguém que viria de alguma das localidades conquistadas por alguma
nação imperialista. Além disso, a narrativa traz diversas aventuras vividas através do olhar de Aronnax
em várias partes do mundo, algumas reais, como a Antártida, e outras fictícias, como o Reino Perdido
de Atlantis, além do encontro com o Outro, no caso, povos nativos de regiões que aparentavam não
manter contato com outras sociedades, bem como momentos de mergulho pelas profundidades do oce-
ano. Ao término da obra Aronnax e Ned Land conseguem fugir do Nautilus e o paradeiro final do sub-
marino do Capitão Nemo termina desconhecido.
6
Compreendemos a modernidade tendo em vista a perspectiva de Berman (1986) o qual aponta esta
enquanto uma experiência que toma forma a partir do momento em que o sujeito começa a refletir
sobre as maneiras como o processo de modernização provoca modificações no espaço que este encon-
tra-se inserido, bem como em sua percepção de tempo. Segundo o autor, podemos dividir a moderni-
dade em três momentos históricos: do começo do século XVI até o final do século XVIII, quando os
sujeitos começando a vivenciar o ser moderno e a vida moderna, sem, no entanto, entender com exati-
dão o significado disto; do fim do século XVIII até o final do século XIX, assinalado pelas grandes re-
voluções, tem-se a perspectiva de estar vivendo em uma conjuntura de mudanças político-sociais, bem
como pessoais, além de ainda se ter a percepção do significado de viver em um mundo que ainda não
se configura enquanto moderno. Esse sentimento de estar vivendo em dois mundos distintos e opostos
é o que provoca a geração das ideias do modernismo e da modernização; o terceiro momento, por sua
vez, tem como marco inicial a virada para o século XX quando o mundo, quase em sua totalidade, é
afetado pelo processo de modernização e, enquanto isso, o modernismo, percebido enquanto uma nova
onda cultural, influencia significativamente a arte e o imaginário social. A modernidade, desta forma,
remete-se, ao aglomerado de experiências compartilhadas nas diferentes temporalidades e espaços por
um sujeito e por outros. Ser moderno neste momento significa viver em um espaço contraditório, que
219
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ao mesmo tempo pode ser o responsável por alegrias, inovações, crescimento, transformação dos ele-
mentos ao redor dos indivíduos, e também por trazer a destruição ou levar ao fim tudo que o sujeito
conhece, sabe, possui e é. A modernidade, então, pode ser percebida enquanto um elemento que pro-
moveria a unificação dos seres humanos, pondo fim as diferenças, como questões religiosas, fronteiras,
nacionalidades, mas similarmente provocando a desunião e fragmentação. É uma unificação contradi-
tória que coloca todos em um espaço de conflitos e constantes transformações. Não obstante isso, mui-
tos elementos influenciam e simbolizam a experiência da modernidade, como: as inovações tecnológi-
cas, a transformação e produção de novos espaços em decorrência destas; novas formas de poder, além
de mudanças nas maneiras de se viver; crescimento demográfico; urbanização; aparecimento meios de
comunicação massificados que possibilitam uma aproximação maior entre os diferentes sujeitos e so-
ciedades; Estados-Nação mais poderosos; movimentos sociais organizados; um capitalismo internaci-
onal que detém mais influência. Deve-se ter considerar também que essa ampliação da experiência
moderna a nível um nível mundial é acompanhado de um fracionamento dos sujeitos que vivenciam
esse “ser moderno”, tendo em vista que as experiências são distintas, com cada um utilizando de uma
linguagem e codificações diferentes. No período oitocentista, a modernidade pode ser definida por ele-
mentos que indicarão o compasso no qual esta experiência encontra-se possibilitando sua identifica-
ção. Elementos como a transformação e o surgimento de novas paisagens decorrentes deste moderno
a exemplo das ferrovias, fábricas, engenhos a vapor, zonas industriais, ampliação da urbanização, dos
novos mecanismos de comunicação, como o telégrafo, telefone, movimentos sociais que criticam esse
processo de modernização enquanto uma coerção das classes abastadas perante as classes menos fa-
vorecidas e uma interdependência cada vez maior entre o mercado internacional. Os sujeitos que vivem
neste momento, isto é, os modernistas, sentem-se atormentados, ao tempo que esta experiência tam-
bém os deixa fascinados.
220
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Phileas Fogg, deixando Londres, nem fazia idéia, sem dúvida, da grande reper-
cussão que sua partida iria provocar. A notícia da aposta espalhou-se a princípio
no Reform Club, e produziu uma verdadeira comoção entre os membros do res-
peitável círculo. Depois, do club, esta comoção passou para os jornais, por inter-
médio dos reporters, e dos jornais ao público de Londres e de todo o Reino Unido
(VERNE, 2006, p. 83).
221
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
E é isto o que, no caso de que nos ocupamos, tornará as buscas mais rápidas. [...]
(VERNE, 2006, p. 58 – 59)
[...] – É preciso confessar, senhor Ralph, retomou, que achou um modo engra-
çado de dizer que a terra diminuiu. Porque atualmente se faz sua volta em três
meses...
– Em oitenta dias apenas, disse Phileas Fogg.
– Com efeito, senhores, acrescentou John Sullivan, oitenta dias, desde que a se-
ção entre Rothal e Alaabad foi aberta sobre o “Great-Indian peninsular railway”[...]
(VERNE, 2006, p. 60)
7
No entanto, deve-se apontar que de acordo com Baptista (2019) esta “transformação” ocorreu de ma-
neira diferente levando em conta os contextos particulares de cada localidade influenciada por esta
experiência da modernidade, com alguns espaços sofrendo mais influência deste processo de moder-
nização, sendo estes, geralmente, aqueles próximos a portos e ferrovias, a exemplo dos ambientes per-
corridos por Phileas Fogg no decorrer de “Volta ao Mundo em 80 dias”.
222
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
223
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
com o “Escócia”, que não bateu, mas foi atingido por um objeto cortante, que
provocou entrada de água e muito pânico entre os passageiros. O navio chegou
ao seu destino três dias atrasado. Os engenheiros que fizeram a inspeção no
rombo encontraram um corte na chapa metálica, em formato de triângulo isós-
celes. Todos esses acontecimentos e mais o último episódio tornaram as comu-
nicações entre os continentes muito perigosas e levaram o público a exigir o fim
do terrível monstro, que habitava as profundezas dos oceanos e passara a ser o
suposto responsável por todos os acidentes marítimos. (VERNE, 2013, p. 7-8)
[...] é um herói feito de paradoxo, onde coabita um egoísmo cego com a rejeição
total do interesse pessoal. Como Hatteras, sua obra constitui um sonho apaixo-
nado, preocupado em conquistar um conhecimento útil ao bem coletivo. Na rea-
lidade, é a imagem do autor: Nemo é introvertido e um grande pensador. Homem
de ação, Nemo constitui por seu imenso ideal pouco comum um aventureiro dife-
rente de todos. Esses dois heróis de Jules Verne se parecem por sua audácia, te-
meridade, convicção racional e obstinada. Enquanto o capitão conduziu a sua
energia súperhumana para a loucura, o capitão Nemo permaneceu prudente-
mente como se houvesse conservado a lição do predecessor. Procurou livremente
o universo que lhe é permitido descobrir – um território infinito que ele insere nos
seus conhecimentos – para uma epopéia inédita, estimulada por uma razão dire-
cionada para o combate entre o bem e o mal. É, na realidade, um terrorista paci-
fista. Esse personagem é uma síntese do homem do seu tempo, cujas novas formas
morais estavam em construção. É um homem que aspira a uma sociedade de cida-
dãos responsáveis pela razão, mas cuja razão é ainda precária e frágil.
224
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
225
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
essas questões inseridas dentro dos grandes impérios ocidentais. Sobre isso
Said (2011, p. 43) diz que:
– Como! retomou Mr. Fogg, sem que sua voz traísse a menor emoção, estes cos-
tumes bárbaros subsistem na Índia e os ingleses não puderam destruí-los?
– Na maior parte da Índia, respondeu Sir Francis Cromarty, esses sacrifícios já
não acontecem mais, mas não temos nenhuma influência nas regiões selvagens,
e principalmente aqui no território do Bundelkund. Toda a vertente setentrional
dos Víndias é teatro de assassinatos e pilhagens incessantes (VERNE, 2006, p.
225 – 226).
226
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Nesse sentido, a partir do momento que Phileas Fogg e Sir Francis Cromarty to-
mam a cultura nativa como “bárbara” e “selvagem” estão contrapondo-a a sua pró-
pria cultura, ou seja, à medida que o Outro é visto desta maneira significa dizer
que o europeu é o civilizado.
Não é apenas em “Volta ao mundo em 80 dias” que percebemos essa rela-
ção estabelecida entre o europeu oitocentista com o Outro. Em certo momento
durante a obra “20 mil léguas submarinas” o Professor Aronnax pede permissão
ao Capitão Nemo para ir à terra firme e caçar com seus companheiros. Nemo con-
cede a vontade de Aronnax e atraca o Nautilus em uma ilha próximo à Papua-Nova
Guiné conforme se verifica no trecho:
227
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
tão, a percepção de Júlio Verne acerca não apenas dos benefícios trazidos pela ex-
periência da modernidade, mas também dos problemas que esta pode causar,
tendo em vista que ao tempo que possibilita o desenvolvimento científico do
mundo, a exemplo da construção do Nautilus, é responsável também pela morte
da família de Nemo e conquista de sua terra natal por uma potência estrangeira.
Essa questão presente na figura de Nemo abre possibilidades para diver-
sos debates ou questionamentos ao longo da obra. Temos como exemplo o trecho
a seguir que retrata a reação de Nemo quando o Professor Aronnax o informa dos
“selvagens” que estariam atacando-os após a sua caçada e de seu grupo. Nemo diz
o seguinte:
– Ah! É o professor – falou, voltando-se para mim. – Então fez boa caçada? – Sim,
capitão, mas infelizmente trouxemos um bando de bípedes cuja presença me pa-
rece muito inquietante.
– Selvagens – adivinhou ele e comentou num tom irônico. – O senhor admira-se
de ter encontrado selvagens nesta região? Onde é que não há selvagens, profes-
sor? Aliás, os daqui serão piores do que aqueles que o senhor não considera como
tais? (VERNE, 2013, p. 73)
– Sr. Aronnax – replicou ele com vivacidade. – Não sou aquilo a que chama um
homem civilizado! Rompi com toda a sociedade por motivos que só eu posso
apreciar. Portanto, não obedeço as suas regras e convido-o a que nunca as evoque
em minha presença! Estas palavras foram ditas pausadamente. Um raio de cólera
e de desprezo iluminou os seus olhos e eu adivinhei em sua vida um passado
extraordinário. Não só se tinha colocado à margem das leis humanas, como se
tornara independente, livre na mais rigorosa acepção da palavra, fora de qual-
quer ataque (VERNE, 2013, p. 32 – 33).
228
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ficação. O momento que isso fica realmente claro se dá num trecho o qual o Nauti-
lus é atacado por uma embarcação moderna dos Impérios Ocidentais. Neste mo-
mento temos a seguinte fala de Nemo: “– Eu sou o direito, eu sou a justiça! Sou o
oprimido e ali está o opressor! Foi por causa dele que vi morrer tudo que eu amava
e venerava: pátria, mulher, filhos, pai e mãe! Tudo o que odeio está ali. Cale-se e
desça!” (VERNE, 2013, p.209). Nemo confirma, mesmo sem dizer a nação a qual
pertencia, sua origem, é a consequência, de fato, da opressão e do imperialismo das
Nações Ocidentais sobre o resto do mundo.
A Alteridade e, principalmente, a experiência da modernidade, seus as-
pectos positivos e negativos, então, estão representados na figura de Nemo a partir
do momento em que ao mesmo tempo em que este é um reflexo deste imperialismo
europeu é também aquele que dá seguimento ao projeto de modernidade que levou
a legitimação destes impérios ocidentais8. Nautilus, afinal de contas, muito prova-
velmente foi construído a partir do conhecimento adquirido por Nemo em sua na-
ção de origem e naquelas que a conquistaram e simboliza o imaginário do homem
moderno nesta época marcada por esta modernidade. Representa, então, o imagi-
nário do europeu acerca dos avanços tecnológicos, fruto da influência da Revolu-
ção Industrial no mundo ao longo do século XIX, bem como o seu medo acerca das
transformações decorrentes a partir desta.
Considerações Finais
8
É preciso ressaltar que a Identidade, de acordo com Woodward (2014) e Hall (2015), é construída a
partir da Diferença, ou seja, o sujeito só reconhece a si na medida em que percebe a existência de um
“Outro” que não é igual ao “Eu”, o que implica que as afirmações de Identidade só são capazes de pro-
duzir sentidos na medida em que também se tornam afirmações de Diferença. Estas Identidades, por
sua vez, são marcadas e transformadas pelo “Outro”, no sentido de que ao se constituir uma relação
com a Alteridade, tem-se o surgimento de novas identidades, o que é o caso do Capitão Nemo, fruto
desta nova identidade produzida pelo imperialismo ocidental.
229
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
9
Um exemplo destas questões na contemporaneidade refere-se à situação posta na Europa frente aos
imigrantes do Oriente Médio decorrentes, principalmente, da crise de refugiados da Síria que teve iní-
cio em 2011. Cria-se a “[...] ideia de uma identidade europeia, por exemplo, defendida por partidos po-
líticos de extrema-direita [...] como uma reação à suposta ameaça do “Outro”. Esse “Outro” muito fre-
quentemente se refere a trabalhadores da África do Norte (Marrocos, Tunísia e Argélia), os quais são
representados como uma ameaça cuja origem estaria no seu suposto fundamentalismo islâmico.”
(WOODWARD, 2014, p.24-25).
230
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
BURKE, Peter. Abertura: a nova história, seu passado e seu futuro. In: ______ (org.).
A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 2011. p. 7-38.
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
HOBSBAWM, Eric John Ernest. A Era das revoluções: Europa 1789 – 1848. 3. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
MOURÃO, Ronaldo Rogério de Freitas. Cem anos da morte de Júlio Verne. Porto
Alegre: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, 2005. Disponível
em: https://www.ihgrgs.org.br/artigos/contibuicoes/Ro-
naldo%20R.%20de%20F.%20Mour%C3%A3o%20-
%20Cem%20Anos%20da%20Morte%20de%20Julio%20Verne.pdf. Acesso em:
SAID, Edward Wadie. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras,
2011.
231
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
232
A MEMÓRIA AFRO-AMERICANA EM
NARRATIVE OF THE LIFE OF FREDERICK DOUGLASS,
DE FREDERICK DOUGLASS
INTRODUÇÃO
1
Professor Assistente Externo da Universidade Federal do Piauí – UFPI lotado no Centro de Educação
Aberta e à Distância – CEAD. Professor EBTT Efetivo do Instituto Federal do Piauí – IFPI lotado no
Campus Campo Maior. Mestre em Letras/UFPI e Doutorando em Letras/UFPE. E-mail: nilsonmen-
des@ufpi.edu.br.
2
Chamar-se-á a obra de Narrative of the life of Frederick Douglass a partir deste ponto do artigo.
3
Sociedade Abolicionista de Massachusetts (tradução livre nossa)
4
A Estrela do Norte (tradução livre nossa)
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
234
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
DESENVOLVIMENTO
Evoco, comparo minhas lembranças; lembro que por toda parte, no mundo or-
ganizado, julguei ver essa mesma sensibilidade surgir no momento preciso em
que a natureza [...] indica a espécie, através da sensação, os perigos gerais [...]
235
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
I was born in Tuckahoe, near Hillsborough, and about twelve miles from Easton,
in Talbot county, Maryland. I have no accurate knowledge of my age, never hav-
ing seen any authentic record containing it. By far the larger part of the slaves
know as little of their ages as horses know of theirs, and it is the wish of most
masters within my knowledge to keep their slaves thus ignorant. I do not re-
member to have ever met a slave who could tell of his birthday. They seldom
come nearer to it than planting-time, harvest-time, cherry-time, spring-time, or
fall-time. (DOUGLASS, 1973, p. 19) 5
5
Nasci em Tuckahoe, perto de Hillsborough, cerca de 10 milhas de distância de Easton, no município
de Talbot, Maryland. Eu não sei a minha idade precisa, nunca tendo visto qualquer registro autêntico
que a contenha. De longe, a maior parte dos escravos sabe tão pouco de suas idades assim como os
cavalos não sabem as deles, e é o desejo da maioria dos senhores que conheço manter seus escravos
ignorantes. Eu não me recordo de jamais ter conhecido um escravo que soubesse quando era seu ani-
versário. (tradução livre nossa)
236
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
que nos separa dos animais, o autor nos coloca a par da sua primeira memória, ou
falta dela, que será seguida de muitas outras.
Essa subtração de memórias irá gerar no seu sujeito uma crise de identi-
dades, causando assim uma ruptura na sua condição psicológica humana. Pois,
apesar de sofrer ataques físicos, na maioria das vezes, o negro era coagido psicolo-
gicamente a barrar seu inconsciente de tal forma que parecia que só existia aquilo
que o seu senhor desejava. O seu desejo não gera demanda, pois, ele vive quase que
totalmente para satisfazer os desejos de seu senhor branco (LACAN, 2002).
Os laços familiares eram intencionalmente borrados nas psiques dos ne-
gros, eles eram apartados das mães antes de completarem um ano de vida. O que
servia na opinião de Douglass para prejudicar qualquer desenvolvimento de afei-
ção e sentimentos da criança para com sua mãe (DOUGLASS, 1973).
Ele descreve sua relação com sua mãe como algo frio e sem sentimentos.
E era sempre uma situação incômoda as horas que eles tinham para ficar juntos.
Sua mãe viajava por uma longa distância sem a autorização do seu senhor branco,
e visto que viajava a pé durante a noite para vê-lo, ele escreve que só a encontrou
umas quatro vezes e que durante tais encontros a comunicação foi mínima. E que
ao acordar ela já tinha partido, já que o trabalho no eito começava muito cedo e a
viagem de volta era longa. Ela temia que dessem por sua falta na chamada matinal
da fazenda em que trabalhava e cuja a pena seria o açoite (DOUGLASS, 1973).
237
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
com as crianças negras. Esse embotamento, pode-se assim chamar, causa no indi-
viduo uma crise de identidade. Para Walter (2009, p. 147) “a identidade cultural,
individual e coletiva, reflete e refrata esta fragmentação e alienação de diversas
formas. Sendo a cultura um efeito mnemônico produzido por relações hierárqui-
cas entre espaços e grupos/comunidades, [...]”.
Eu tinha que olhar o homem branco nos olhos. Um peso desconhecido me opri-
mia. No mundo branco o homem de cor encontra dificuldades no desenvolvi-
mento de seu esquema corporal... Eu era atacado por tantãs, canibalismo, defici-
ência intelectual, fetichismo, deficiências raciais [...] O que mais me restava se-
não uma amputação, uma excisão, uma hemorragia que me manchava todo o
corpo de sangue negro. (FANON, 1967, p. 110-112)
A memória de não ser considerado digno, de não poder possuir uma iden-
tidade cultural civilizada, e por assim dizer humana, era o resultado da rasura, do
apagamento de sua cultura e da alteridade do sujeito negro. Tudo que parte dele,
de seu corpo à sua espiritualidade, é considerado inferior em relação ao homem
branco.
Douglass parte deste pressuposto para evocar a memória individual do
Outro e da violência as quais ele relaciona a sua infância, e partir da qual ele co-
meça a construir sua nova identidade dentro da narrativa, e que ele prefere expan-
dir para toda a comunidade da plantation, ela é a do dia em que as provisões men-
sais eram entregues aos escravizados de ambos os sexos, ele escreve,
Here, too, the slaves of all the other farms received their monthly allowance of
food, and their yearly clothing. The men and women slaves received, as their
monthly allowance of food, eight pounds of pork, or its equivalent in fish, and
238
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
one bushel of corn meal. Their yearly clothing consisted of two coarse linen
shirts, one pair of linen trousers, like the shirts, one jacket, one pair of trousers
for winter, made of coarse negro cloth, one pair of stockings, and one pair of
shoes; the whole of which could not have cost more than seven dollars.
(DOUGLASS, 1973, p. 10) 6
6
Aqui, também, os escravos de todas as outras fazendas recebiam a sua provisão mensal de alimentos, e
as suas roupas anuais. Os homens e as mulheres escravizadas recebiam, como provisão mensal de ali-
mentos oito libras de carne de porco, ou seu equivalente em peixe, e um alqueire de farinha de milho.
Suas roupas anuais consistiam em duas camisas de linho grosseiro, um par de calças de linho, como as
camisas, uma jaqueta, um par de calças para o inverno, feitas de pano negro grosso, um par de meias e
um par de sapatos; O conjunto ao todo não devia ter custado mais que sete dólares. (tradução livre nossa)
239
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
This establishment was under the care of two slaves—old Barney and young
Barney—father and son. To attend to this establishment was their sole work.
But it was by no means an easy employment; for in nothing was Colonel Lloyd
more particular than in the management of his horses. The slightest inattention
to these was unpardonable, and was visited upon those, under whose care they
were placed, with the severest punishment; no excuse could shield them, if the
colonel only suspected any want of attention to his horses—a supposition
which he frequently indulged, and one which, of course, made the office of old
and young Barney a very trying one. They never knew when they were safe from
punishment. They were frequently whipped when least deserving,[…] (DOU-
GLASS, 1973, p. 18)7
7
O estabelecimento estava sob os cuidados de dois escravos, o jovem e o velho Barney - pai e filho.
Atender a este estabelecimento era o seu único trabalho. Mas não era de modo algum um emprego fácil,
pois em nada era o coronel Lloyd mais atento do que na gestão de seus cavalos. A menor desatenção a
estes era imperdoável, e visitas eram feitas àqueles, sob cujos cuidados eles eram colocados, com puni-
ções muito severas, e nenhuma desculpa poderia protegê-los, se o coronel apenas suspeitasse que havia
qualquer falta de atenção para com os seus cavalos - a suposição de que ele frequentemente acarinhava,
e uma que é claro fazia do ofício do jovem e velho Barney muito difícil. Eles nunca sabiam quando
estavam a salvo da punição. Eles eram frequentemente chicoteados quando menos mereciam, [...] (tra-
dução livre nossa)
240
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
We were all ranked together at the valuation. Men and women, old and young,
married and single, were ranked with horses, sheep, and swine. There were
horses and men, cattle and women, pigs and children, all holding the same rank
in the scale of being, and were all subjected to the same narrow examination.
Silvery-headed age and sprightly youth, maids and matrons, had to undergo the
same indelicate inspection. At this moment, I saw more clearly than ever the
brutalizing effects of slavery upon both slave and slaveholder. (DOUGLASS,
1973, p. 47-48)8
8
Estávamos todos juntos na classificação da avaliação. Homens e mulheres, velhos e jovens, solteiros e
casados, éramos classificadas na mesma categoria dos cavalos, ovelhas e porcos. Havia cavalos e ho-
mens, gado e mulheres, porcos e crianças, todos possuíam o mesmo grau na escala dos seres, e todos
eram submetidos ao mesmo rigoroso exame. Pessoas de cabeça branca e jovens alegres, empregadas
domésticas e mães de família, tinham que se submeter a mesma inspeção indelicada. Neste momento,
eu vi mais claramente do que nunca os efeitos brutais que a escravidão exerce sobre ambos escraviza-
dos e senhor de escravizados. (tradução livre nossa)
241
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Ao dar voz ao autor até essa parte do trabalho, a intenção foi a de poder
deixar o subalterno falar, narrar suas angústias e a sua falta de poder para se fazer
ouvir com tanta gente falando por ele, essa ideia é defendida pela socióloga Gayatri
Spivak (2014) no seu texto Pode o subalterno falar? Deixar a memória e a voz da-
queles que foram explorados economicamente, vilipendiados física e psicologica-
mente, coisificados pela ideologia hegemônica do colonizador eurocêntrico ser ou-
vida, e assim visibilizar a nova identidade cultural assumida por eles.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
9
Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor em português.
242
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
243
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o es-
pírito. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Marins Fontes, 1999.
FANON, Frantz. Black skin, white masks. New York: Grove Press, 1967.
244
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
In: DE SOUSA, Ivan Vale (org.). Laços e desenlaces na literatura. Ponta Grossa:
Atena, 2019.
WALTER, Roland. Toni Morrison: dupla escrita e memória negra. In: FERREIRA,
Elio & BEZERRA FILHO, F. J. (org). Literatura, história e cultura afro-brasileira
e africana: memória, identidade, ensino e construções literárias, vol 1. Teresina:
EdUFPI/FUESPI, 2013.
245
UMA GEOGRAFIA DAS “TERRAS DO SEM FIM”: A NATUREZA DO SUL
DA BAHIA, A FORMAÇÃO DE SUA REGIÃO CACAUEIRA E AS
CRÍTICAS DE JORGE AMADO À SOCIEDADE DO CACAU
Introdução
1
Geógrafo. Professor Adjunto da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Licenciado,
Bacharel, Mestre e Doutor em Geografia. E-mail: paulomeliani@gmail.com
2
A partir da documentação que consultou, Silva Campos (1981) apresentou números da população e
informações sobre as atividades agrícolas, identificou a origem de vilas e aldeias (e sua evolução ou
desaparecimento) e apontou os caminhos fluviais, marítimos e terrestres por onde seguiam as popula-
ções e os produtos de seu trabalho, notadamente do período anterior à formação regional cacaueira.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
3
A localização dos rios e das baías foi o objeto que mais recebeu atenção de Ferreira da Câmara, que
revelou-se assim como um naturalista pragmático em sua procura por boas enseadas e portos para a
entrada e saída de embarcações. Câmara argumentou que os habitantes de Ilhéus só cultivavam e co-
mercializavam a mandioca e o arroz, e que não empreendiam em novas lavouras, mesmo as de espécies
já cultivadas na Comarca, como a do cacau. Apesar dos incentivos concedidos, a grande maioria dos
lavradores locais continuou direcionada para o tradicional cultivo do açúcar e de produtos de subsis-
tência, como o arroz e a mandioca, à exceção do Engenho do Acarahy, cujo proprietário, quatro anos
após a chegada daquelas primeiras sementes, já estava com uma roça de cacau bem formada com mais
de seiscentos pés vingados (CÂMARA, 1789, p. 13 citado por GUIMARÃES, 2001, p. 1061).
248
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
4
Em seu diário de viagem, segundo Guimarães (2001), Maximiliano descreveu aspectos da Vila de São
Jorge dos Ilhéus e assinalou que comércio de Ilhéus com a cidade de Salvador era muito incipiente, a base
de exportações de arroz e madeira, e que a produção de açúcar, ao contrário do que vira no Recôncavo, era
feita em pequenos estabelecimentos, por meio de “engenhocas”. Já Spix e Martius, diz a autora, enfatiza-
ram um certo contraste entre a exuberância da natureza, cuja riqueza lhes parecera incalculável, com a
debilidade dos recursos humanos existentes, considerados por eles indolentes em função de sua proce-
dência indígena. Por sua vez, conta Guimarães, o botânico Riedel mostrou-se “deslumbrado” com a flo-
resta (onde andou, coletou e descreveu espécies vegetais), “surpreso” com a nudez dos índios “camacãs”
que trabalhavam nas roças e no corte de madeiras seculares, como o jacarandá, bem como “estranhamento”
com a cultura afro-brasileira, ao presenciar o canto e a dança em uma festa de Pentecostes.
5
Dedicado à D. João VI, que trouxe consigo a Imprensa Régia quando da transferência da Corte por-
tuguesa para o Brasil, Corografia Brazilica foi publicado em dois volumes que trazem à relação de cada
Província brasileira de então e, para cada uma, referências às vilas nela existentes, com breves descri-
ções de elementos geográficos (naturais, da formação espacial, das “gentes” e das produções).
249
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
6
Nascido na região em 1912, provavelmente na fazenda “Auricídia”, à época pertencente ao município
de Ilhéus, Jorge Amado foi registrado em Ferradas, um distrito do atual município de Itabuna. Filho
mais velho do “coronel” João Amado de Faria e de Eulália Leal, o menino Jorge Amado cresceu exata-
mente no período de formação da região que se tornou, na primeira metade do século 20, a maior pro-
dutora e exportadora mundial de cacau, situação que se estendeu até meados dos anos 1980, quando a
lavoura cacaueira do Sul da Bahia iniciou seu processo de decadência econômica.
250
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
existe um cenário de fundo que é o espaço vivido pelos personagens. Algo que, no
caso das obras de Jorge Amado, é o espaço de vida de todos nós mesmos, dos bra-
sileiros. Uma interpretação das representações geográficas de “Terras do Sem
Fim”, nos ajuda a conhecer a natureza do Sul da Bahia e, sobretudo, compreender
como ocorreu a formação histórico-geográfica da região cacaueira baiana.
Por meio de uma análise textual, buscamos conhecer, nas linhas do ro-
mance, um pouco do espaço geográfico regional de então, justamente a época
na qual a região se formou. Dispersas por toda a obra, representações geográfi-
cas são notáveis, desde as que se referem à natureza, ao meio natural propria-
mente dito do Sul da Bahia, até às econômicas e culturais de uma sociedade que
se formava em torno da lavoura e do pujante comércio do cacau. Naqueles tem-
pos, conta Ribeiro (2001, p. 11), a expansão da lavoura cacaueira produziu a
acumulação de um relevante excedente econômico, que permitiu a formação e
a manutenção de partidos políticos, entre os quais dividia-se o eleitorado em
facções até certo ponto inconciliáveis. Nas primeiras décadas do século 20,
conta Ribeiro (2001), o município de Ilhéus era um “reduto por excelência dos co-
ronéis”, cujo poder privado ocupava os espaços deixados pelo Estado 7.
A percepção que as elites cacaueiras de então tinham de si mesmas, e
os argumentos políticos desenvolvidos para sua fundamentação, dominaram o
discurso sobre como ocorreu o processo de formação regional. Para Ribeiro
(2001, p. 109), a difusão do discurso das elites cacaueiras deu origem a uma ver-
são mítica da história da região, de exaltação de um grupo de fazendeiros de
origem humilde, proprietários de vastas plantações, que tornaram-se na época
nos novos ricos da sociedade baiana 8. Este discurso enfatizava que estes fazen-
deiros, considerados camponeses bem-sucedidos, fruto do próprio esforço, fo-
ram os responsáveis pelo progresso advindo da expansão da fronteira agrícola
regional de então. A partir do momento em que acumulou capital suficiente,
7
“Como maior produtor de cacau do Brasil, o município [de Ilhéus], enriquecido, teve a luta por seu domínio político
e econômico intensificada, dividindo a classe dominante em um profundo facciosismo. A luta entre as facções da burgue-
sia local fez com que grupos antagônicos de cunho familiar se aglutinassem nos partidos políticos existentes: conserva-
dores e liberais, no Império, e, depois, federalistas e constitucionalistas, na República Velha” (RIBEIRO, 2001, p. 15).
8
“Esse grupo era formado pelos descendentes dos colonos europeus chegados nas primeiras décadas do século XIX e os
mais prósperos migrantes nordestinos, em sua maioria sergipanos, vindos a partir da segunda metade do século XIX.
Esses homens eram, ao final do século XIX, proprietários de prósperas fazendas de médio porte e de casas comerciais na
zona rural. Apesar de não terem sido escravos, a maior parte desses fazendeiros tinha origem humilde e não possuía edu-
cação formal nem o refinamento social da elite açucareira do Recôncavo” (RIBEIRO, 2001, p. 109).
251
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
9
“A maioria [dos fazendeiros deste grupo] passa a deixar de residir nas fazendas e a construir palacetes na cidade que,
ao lado dos túmulos monumentais, eram um dos símbolos urbanos mais visíveis do poder dos antigos coronéis do cacau.
O mobiliário das casas e as vestimentas da família eram importados diretamente do Rio de Janeiro e da Europa. Suas
filhas são matriculadas no convento das ursulinas francesas, no alto da Piedade, e os filhos são enviados para as mais famosas
escolas e faculdades de Salvador e do Rio de Janeiro” (RIBEIRO, 2001, p. 110).
252
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A mata dormia o seu sono jamais interrompido. Sobre elas passavam os dias e as noites, bri-
lhava o sol do verão, caíam as chuvas de inverno. Os troncos eram centenários, um eterno verde
se sucedia pelo monte afora, invadindo a planície, se perdendo no infinito. Era como um mar
nunca explorado, cerrado no seu mistério. A mata era como uma virgem cuja carne nunca ti-
vesse sentido a chama do desejo. E como uma virgem era linda, radiosa e moça apesar das ár-
vores centenárias. Misteriosa como a carne de mulher ainda não possuída. E agora era dese-
jada também (AMADO, 2008, p. 37).
253
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
de endemismo, tendo sido encontradas nesta região mais de 450 espécies de árvo-
res e cipós lenhosos em um hectare de floresta amostrado, uma das maiores diver-
sidades de espécies arbóreas por área do mundo.
A Mata Atlântica do sul da Bahia permaneceu como uma das mais con-
servadas do Brasil até a primeira metade do século 20, quando um rápido e in-
tenso processo de desmatamento ocorreu devido à expansão do cultivo do ca-
cau. Segundo Dean (1996, p. 263), no sul da Bahia foi aberta uma nova frente do
sistema de plantation, quando o cacau, transferido da região amazônica, encontrou so-
los adequados e os produtores locais conquistaram uma cota considerável do mercado
norte-americano. “Na metade da década de 30, cerca de mil km2 devem ter sido convertidos na zona
do piemonte centrada em Ilhéus” (DEAN, 1996, p. 263).
Grande parte das roças foi implantada no sistema conhecido como “ca-
bruca”, no qual a floresta é raleada, ou seja, tem seu sub-bosque retirado para que
o cacau possa ser plantado por debaixo das árvores maiores, que lhes sombreiam.
Esta forma de derrubada foi um pouco mais benigna que a praticada na zona do café [no Su-
deste do Brasil]. Em muitas fazendas [do sul da Bahia], deixava-se de pé certo número de
árvores da floresta primária que propiciavam condições de crescimento semelhantes às de seu
hábitat nativo [do cacau], de patamar inferior. Esse sistema, chamado cabroca, aumentava
a vida produtiva dos pés de cacau e pode ter reduzido o perigo de pestes e parasitas (DEAN,
1996, p. 263) 10.
Voavam sobre as árvores as andorinhas de verão. E os bandos de macacos numa doida corrida
de galho em galho, morro abaixo, morro acima. Piavam os corujões para a lua amarela nas
noites calmas. (...) Cobras de inúmeras espécies deslizavam entre as folhas secas sem fazer ru-
ído, onças miavam seu espantoso miado nas noites de cio. (...) A mata dormia. As grandes ár-
vores seculares, os cipós que se emaranhavam, a lama e os espinhos defendiam seu sono
(AMADO, 2008, p. 37).
10
Contudo, afirma Dean (1996, p. 263), este processo não foi acompanhado de um regime de trabalho mais
brando do que o da zona do café implantada no Sudeste do país. Embora houvesse muitas propriedades de
pequeno e médio porte, a maior parte da safra era produzida em grandes fazendas, onde quase todos os tra-
balhadores eram imigrantes sazonais, porque o cacau não exigia trato durante o ano inteiro. Recrutados de
um Nordeste empobrecido, estes imigrantes eram submetidos à condições de vida miseráveis, raramente vol-
tavam para a mesma fazenda e era escassa a poupança que levavam de volta à suas terras natais.
254
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A noite vinha chegando e trazia nuvens negras com ela, chuvas pesadas de junho. (AMADO,
2008, p. 37)
A chuva de junho cai sobre eles [os trabalhadores contratados para derrubar a mata
para o plantio das roças de cacau], encharcando as roupas, fazendo-os tremer”
(AMADO, 2008, p. 40).
“As chuvas longas do inverno eram pesadas, a água cantava nos telhados, escorria pelos vidros
da janela. O vento do mar sacudia as árvores do quintal derrubando as folhas e os frutos verdes
(AMADO, 2008, p. 213).
E passaram as chuvas de inverno e chegaram os dias quentes de verão (...) E terminaram os dias
cálidos do verão e voltaram as chuvas longas do inverno, amadurecendo os frutos dos cacauei-
ros, iluminando de ouro as roças fechadas de sombra (AMADO, 2008, p. 234).
255
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
[Jeremias, um dos personagens] Viu os homens brancos chegarem para perto da mata,
assistiu a outras matas serem derrubadas, viu os índios fugirem para mais longe, assistiu ao
nascimento dos primeiros pés de cacau, viu como se formavam as primeiras fazendas”
(AMADO, 2008, p. 105).
Os machados e os facões começaram a cair num ruído monótono sobre a mata, perturbando
seu sono” (...). Derrubaram a mata, queimaram-na, plantaram cacau e, entre o cacau, a man-
dioca, o milho de que iam viver os três anos de espera até que os cacaueiros crescessem
(AMADO, 2008, p. 42).
256
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
(Ilhéus) e, por volta de 1799, segundo Campos (apud MELLO e SILVA et al,
1987), sua difusão já alcançara a vila da Barra do Rio de Contas, a atual cidade
de Itacaré, que é o distrito-sede do município de mesmo nome, localizado no
norte da região cacaueira.
Foi a partir das vilas coloniais litorâneas, como Ilhéus e Barra do Rio
de Contas que, ao longo do século 19, se interiorizou a lavoura cacaueira e, por
conseguinte, o povoamento que deu origem a outras vilas, como Tabocas (atual
cidade de Itabuna), situada às margens do rio Cachoeira, numa posição de en-
cruzilhada que tornou Itabuna o entreposto comercial cacaueiro mais impor-
tante do interior da região. Em “Terras do Sem Fim”, Jorge Amado conta origem
de Tabocas, o núcleo original de Itabuna, como também do povoado de Ferra-
das, que ainda mantém esse nome como sede de um distrito do município de
Itabuna e, de quebra, de outros tantos povoados que, surgidos nessa época, tor-
naram-se em cidades da região.
Mas o cacau não só liquidou os alambiques, os pequenos engenhos e as roças de café, como an-
dou mata adentro. E no seu caminho nasceram as casas do povoado de Tabocas e mais longe as
casas do povoado de Ferradas, quando os homens de Horácio haviam conquistado a mata da
margem esquerda do rio [Cachoeira]. Ferradas foi durante algum tempo o povoado mais dis-
tante de Ilhéus. Dali partiam os conquistadores de novas terras. Por vezes, rompendo a mata,
chegavam viajantes de Itapira, da Barra do Rio de Contas [atual Itacaré], que era o outro lado
das terras do cacau (AMADO, 2008, p. 118).
Ferradas nascera em torno do armazém de cacau que Horácio fizera construir ali. Ele preci-
sava de um depósito onde juntar o cacau já seco das suas diversas fazendas. Ao lado do arma-
zém foram surgindo casas, em pouco tempo se abriu uma rua na lama, dois ou três becos a cor-
taram, chegaram as primeiras prostitutas e os primeiros comerciantes. Um sírio abriu uma
venda, dois barbeiros se estabeleceram vindos de Tabocas, passou a haver feira aos sábados.
Horácio mandava abater dois bois para vender a carne. Tropeiros, que vinham conduzindo
tropa de cacau seco das fazendas mais distantes, pernoitavam em Ferradas, os burros vigiados por
causa dos ladrões de cacau (AMADO, 2008, p. 119).
Ferradas foi um centro de comércio, pequeno e movimentado. Iria parar seu crescimento com
a conquista da mata de Sequeiro Grande, nos limites da qual nasceria o povoado de Pirangi
[atual Itajuípe], uma cidade feita em dois anos. E ano depois, com o andar rápido da lavoura
do cacau, nasceria Baforé, já no caminho do sertão, que logo trocaria seu nome pelo mais eufô-
nico de Guaraci [atual Coaraci] (AMADO, 1943, p. 135).
257
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Com seus longos chicotes que estalavam ao tocar o solo, os tropeiros atravessavam as ruas
enlameadas de Tabocas. Gritavam para os burros não entrarem pelos becos e pelas ruas que se
abriam (AMADO, 2008, p. 123).
Primeiro não teve nome, quatro ou cinco casas apenas à margem do rio. Depois foi o povoado
de Tabocas, as casas se construindo uma atrás das outras, as ruas se abrindo sem simetria ao
passo das tropas de burros que traziam cacau seco (AMADO, 2008, p. 124).
Em Tabocas se levantavam casas de tijolos e também casas de pedra e cal, com telhados, ver-
melhos, com janelas de vidro. Uma parte da rua central tinha sido calçada de pedras. É verdade
que as outras ruas eram um puro lamaçal, revolvido diariamente pelas patas dos burros que
chegavam de toda a zona do cacau, carregados com sacos de quatro arrobas (AMADO,
2008, p. 124).
Ilhéus nascera sobre ilhas, o corpo maior da cidade numa ponta de terra, apertado entre dois
morros. Ilhéus subira por esses dois morros – o do Unhão e o da Conquista – e invadira tam-
bém as ilhas vizinhas. Numa delas ficava o arrabalde do Pontal onde a gente rica da cidade
tinha suas casas de veraneio (AMADO, 2008, p. 171).
258
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A estrada de ferro avançou de Ilhéus até ali [até Tabocas] e, em torno dela, nasceram novas
casas. E eis que não eram só casas de barro batido, sem pintura, de janelas de tábuas, casas
levantadas às pressas, casas mais para pousos que mesmo para moradia como as de Ferradas,
Palestina e Mutuns (AMADO, 2008, p. 124).
As ruas se abriam em armazéns onde o cacau era depositado. Algumas casas exportadoras já
tinham filial em Tabocas e ali compravam o cacau aos fazendeiros. E, se bem não tivesse sido
ainda instalada uma filial do Banco do Brasil, havia um representante bancário que evitava a
muitos coronéis fazerem a viagem de trem a Ilhéus para depositar e retirar dinheiro (...). Do outro
lado do rio já se levantavam várias casas e começava-se a falar em construir uma ponte que ligasse
os dois pedaços da cidade. Os habitantes de Tabocas tinham uma grande reivindicação: que o po-
voado fosse elevado à categoria de cidade e fosse sede de governo e de justiça, com seu prefeito, seu
juiz, seu promotor, seu delegado de polícia. Alguém já propusera até o nome que devia ter o novo
município e a cidade: Itabuna, que em língua guarani quer dizer ‘pedra preta’. Era uma homena-
gem às grandes pedras que surgiam nas margens e no meio do rio e sobre as quais as lavadeiras
passavam o dia no seu trabalho (AMADO, 2008, p. 142).
259
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
11
Segundo Dias (2017, p. 17), havia um desprezo pelo período precedente ao cacau, que tinha a função
de apagar da memória coletiva o violento processo de tomada de terras, muitas delas consideradas de-
volutas, apesar de se constituírem em antigas posses ou áreas correspondentes aos muitos aldeamentos
indígenas que se formaram desde o século 16 na então Capitania de Ilhéus.
260
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Ali por aquele trabalho todo eram dois mil e quinhentos réis por dia, empregados inteiramente
no armazém da fazenda, um saldo miserável no fim do mês, quando havia saldo (AMADO,
2008, p. 78).
— Amanhã cedo o empregado do armazém chama por tu para fazer o “saco” da semana. Tu
não tem instrumento pro trabalho, tem que comprar. Tu compra uma foice e machado, tu com-
pra um facão, tu compra uma enxada… E isso tudo vai ficar por uns cem mil-réis. Depois tu
compra farinha, carne, cachaça, café pra semana toda. Tu vai gastar uns dez mil-réis pra co-
mida. No fim da semana tu tem quinze mil-réis ganho do trabalho.
— O cearense fez as contas, seis dias a dois e quinhentos, e concordou. — Teu saldo é de cinco
mil-réis, mas tu não recebe, fica lá pra ir descontando a dívida dos instrumentos… Tu leva um
ano pra pagar os cem mil-réis sem ver nunca um tostão.
(...) O cearense tinha ficado emudecido, olhava o morto. Falou, por fim: — Cem mil-réis por
um facão, uma foice e uma enxada? Foi o velho quem explicou:
— Em Ilhéus tu tira um facão Jacaré por doze mil-réis. No armazém das fazendas tu não tira
por menos de vinte e cinco… (AMADO, 2008, p. 88).
261
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
quem era o pai de Raimunda, contudo, como era mulata de cabelo quase liso,
havia o boato de que seria filha de Marcelino Badaró, o pai de Sinhô Badaró, ou
seja, Raimunda seria irmã mais nova, mas não assumida, de Sinhô. As meninas
cresceram juntas e foram batizadas no mesmo dia, contudo, Don’Ana foi cer-
cada de carinho e atenção enquanto “Raimunda ganhava as sobras desse carinho”
(AMADO, 2008, p. 80).
Dona Filomena tirou Raimunda da cozinha, a trouxe em definitivo para dentro da casa-
grande. E protegeu sempre a mulatinha enquanto viveu. Depois, quando a esposa de Sinhô mor-
reu tísica, ficaram os padrinhos, Sinhô e Don’Ana, mas aos poucos Raimunda foi tendo uma
vida igual às das demais crias da casa: lavar, remendar roupa, buscar água no rio, fazer os
doces. Só que nas festas Don’Ana lhe regalava um corte de fazenda para um vestido melhor e
Sinhô lhe dava um par de sapatos e um pouco de dinheiro. Ela não tinha ordenado, para que pre-
cisava ela de dinheiro se tinha de um tudo na casa dos Badarós? (AMADO, 2008, p. 81).
Aclamado pela crítica como nenhum outro romance do autor fora an-
tes, “Terras do sem-fim” foi o nono livro publicado por Jorge Amado e, segundo
Rayol (2012, p. 12), marca a evolução da narrativa do autor até aquele momento,
como também delineia seu aprimoramento futuro. Em “Terras do sem-fim”, e
em “São Jorge dos Ilhéus” publicado no ano seguinte (1944), há uma mudança
na composição narrativa usada por Jorge Amado: da composição do herói, como
em “Jubiabá” (1935), para a composição da sociedade, notadamente a que se
estruturou em torno do cacau no sul da Bahia.
Rayol (2012) cita alguns críticos que enalteceram “Terras do sem fim”,
como Oswald de Andrade, para quem o romance, fundado na história econô-
mica, é ajustado à natureza poética de Jorge Amado:
... [com] aquele desfilar heroico de capangas e sicários, de advogados e coronéis, de senhoras
românticas e mulheres de má vida, no drama da conquista da mata pelos primeiros latifundi-
ários baianos. (...) Toda essa gente realiza, no Brasil do cacau, o primeiro avanço da civilização
e da economia. E na economia, na história econômica da terra, é que se prende a ficção para lhe
dar peso, estrutura e verdade (ANDRADE, 1961, p. 166 citado por RAYOL, 2012, p. 12).
262
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
263
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, Jorge. Terras do Sem Fim. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2008.
AMADO, Jorge. São Jorge dos Ilhéus. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 2010.
CAMPOS, João da Silva. Crônicas da Capitania de São Jorge dos Ilhéus. Rio de
Janeiro, RJ: Conselho Federal de Cultura, 1981.
FREITAS, Hingryd Inácio de. A questão (da reforma) agrária e a política de de-
senvolvimento territorial rural no litoral sul da Bahia. Dissertação de Mestrado em
Geografia. Salvador, BA: Universidade Federal da Bahia, 2009. 227 p.
264
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
MORINAKA, Eliza Mitiyo. Terras do sem fim e The violent land: uma história de aventura
e crítica social. Caderno Letras UFF. Volume 29, n. 57. Niterói: Universidade Federal
Fluminense, 2018. pp.415-435
NIMER, Edmon. Climatologia do Brasil. Rio de Janeiro, RJ: IBGE, 1979. 421 p.
RAYOL, Luciana de Moraes. Don’Ana Badaró, mulher de terra e chuva. Revista do Ins-
tituto de Ciências Humanas. Volume 7, número 7. Belo Horizonte, MG: PUC Mi-
nas, jan-jul de 2012. pp. 11-22.
RIBEIRO, André Luís Rosa. Família, poder e mito: o município de São Jorge de
Ilhéus (1880 - 1912). Ilhéus: Editus, 2001. 168p.:il.
SAMBUICHI, Helena Rosa. Ecologia das árvores nativas. In: Nossas árvores: conser-
vação, uso e manejo de árvores nativas no sul da Bahia. SAMBUICHI, Regina He-
lena Rosa; MIELKE, Marcelo Schramm; PEREIRA Carlos Eduardo (Org.). Ilhéus,
BA: Editus, 2009a.
265
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
VARELA, Alex Gonçalves. A trajetória do ilustrado Manuel Ferreira da Câmara em sua “fase
europeia” (1783-1800). Revista Tempo. Número 23. Niterói, RJ: Universidade Federal
Fluminense, 2007. pp. 150-175.
266
LITERATURA E SOCIEDADE:
O TEXTO LITERÁRIO E O ENSINO.
1
Mestranda em Letras pela UNIFESSPA (Universidade do Sul e Sudeste do Pará).
2
Doutor em Literatura e Práticas Sociais pela UNB (Universidade de Brasília).
3
Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Ceará.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
268
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
269
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
270
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Essa noção é aprofundada quando Candido (2010) traz, para o âmbito das dis-
cussões acerca da relação sociedade e arte, os três elementos fundamentais no
ato comunicativo – autor, obra e público – com vista ao aprofundamento e me-
lhor compreensão da influência que o meio exerce sobre a obra.
No tocante ao primeiro elemento, o autor, tem-se a sociedade defi-
nindo a sua posição e o seu papel de artista, ou seja, este vai sendo constituindo
a partir das necessidades do meio; o segundo elemento, a obra, é moldada pelas
mãos do artista, materializada em conteúdo e forma, é constituída a partir dos
valores sociais e ideologias e formas de comunicação disponibilizadas pela so-
ciedade; e por último o terceiro elemento, o público, que sofre, muitas vezes de
maneira inconsciente, influência de valores, gostos, tendências já definidos pela
sociedade na qual está inserido, pois como afirma Candido (2010, p. 46)
“mesmo quando pensamos ser nós mesmos, somos público, pertencemos a uma
massa cujas reações obedecem a condicionantes do momento e do meio”.
Com base no exposto, à medida que se explica cada um dos elementos
do ato comunicativo, as influências da sociedade sobre a obra de arte vão sendo
desveladas, reforçando também a ideia de que tais influências são recíprocas,
ou seja, que a arte também exerce influência sobre o meio social. Trata-se, por-
tanto, da compreensão da existência de uma movimentação dialética entre li-
teratura e sociedade, que relacionada ao ensino nas escolas pode fornecer im-
portantes contribuições para o uso do texto literário em sala de aula.
LITERATURA E ENSINO
271
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Moral e arte são termos que se interligam, uma vez que o texto literá-
rio, como por exemplo, as fábulas, geralmente apresenta caráter moral e de ins-
trução a quem lê, no entanto, quando se trata de literatura e ensino, o olhar
sobre a obra de arte deve superar e não se restringir apenas à compreensão de
uma “moral da história”.Infeliz e erroneamente, ao longo da história da huma-
nidade e da educação, criou-se a ideia de que os textos literários, especialmente
aqueles voltados para o público infantil, deveriam instigar o leitor a identificar
uma moral na história e a refletir sobre ela. Tal ideia, portanto, precisa ser ana-
lisada e modificada dentro dos ambientes educacionais.
Em geral, supõe-se que uma obra de arte possui um efeito moral, bom ou ruim,
porém direto e, quando as impressões estéticas são avaliadas, sobretudo na in-
fância e na juventude, tende-se a valorizar esse impulso moral que emerge de
todas as coisas. As bibliotecas infantis são formadas para que as crianças ex-
traiam dos livros exemplos morais que lhes sirvam de lição; assim, a tediosa mo-
ral convencional e as falsas lições se transformam no estilo essencial da insincera
literatura infantil. (VIGOTSKI, 2003, p. 225)
Na fabula [de Krilov] A cigarra e a formiga, a simpatia das crianças foi provocada
pela despreocupada e poética cigarra que cantava durante todo o verão, e a res-
ponsável e tediosa formiga lhes pareceu odiosa; na opinião delas, toda a fábula
tinha a ver com a obtusa e arrogante avareza da formiga. Os resultados esperados
não foram alcançados de novo e, em vez de inspirar nas crianças respeito pela
272
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
diligência e pelo trabalho, a fábula lhes inculcou a alegria e a beleza de uma vida
fácil e despreocupada. (VIGOTSKI, 2003, p. 226)
Por último, têm-se nas escolas a utilização do texto literário para des-
contração e divertimento, sendo então tais momentos definidos como momen-
tos de leitura-deleite. Trata-se de uma atividade que não valoriza as especifici-
dades do texto literário e que remete o ensino da literatura à função de arte
como brincadeira. Nesse contexto, as leituras são rápidas, de textos curtos, haja
273
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Entre esses dois pontos extremos situa-se uma série de critérios moderados so-
bre o papel da estética na vida infantil, a maioria dos quais tende a reduzir o
significado da estética ao entretenimento e ao gozo. Embora alguns valorizem o
sentido sério e profundo da vivência estética, quase nunca se fala da educação
estética como um fim em si mesmo, mas apenas como um meio para obter resul-
tados pedagógicos, alheios a estética. Essa estética a serviço da pedagogia sem-
pre realiza funções alheias e, de acordo com a ideia de alguns pedagogos, deve
servir de meio para a educação do conhecimento, do sentimento ou da vontade
moral. (VIGOTSKI, 2003, p. 225)
274
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
275
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Quando são lidas histórias ou notícias de jornal para crianças que ainda não sa-
bem ler e escrever convencionalmente, ensina-se a elas como são organizados,
na escrita, estes dois gêneros: desde o vocabulário adequado a cada um, até os
recursos coesivos que lhes são característicos. Um aluno que produz um texto,
ditando-o para que outro escreva, produz um texto escrito, isto é, um texto cuja
forma é escrita ainda que a via seja oral. Como o autor grego, o produtor do texto
é aquele que cria o discurso, independentemente de grafá-lo ou não. Essa dife-
renciação é que torna possível uma pedagogia de transmissão oral para ensinar
a linguagem que se usa para escrever. (BRASIL, 1997, p. 28)
276
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
277
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Luzia Anália de. O texto literário como ferramenta para a aprendizagem da es-
crita. 2016. 148f. Dissertação (Mestrado Profissional em Letras – Profletras/CN) –
Centro de Ensino Superior do Seridó, Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, 2016.
CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010.
CHARAUDEAU, Patrick. Uma teoria dos sujeitos da linguagem. In.: MARI, H. et alii.
Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Núcleo de Análise
do Discursos – FALE/UFMG, 2001. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/
padrao_cms/documentos/nucleos/nad/CHARAUDEAU%20-%20Uma%20Teo-
ria%20dos%20sujeitos%20da%20Linguagem.pdf> Acesso em 01 de maio de 2019.
WELLEK, René; WARREN, Austin. Teoria da literatura e metodologia dos estudos lite-
rários. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
278
PERCURSO HISTÓRICO DOS CURSOS DE LETRAS NO BRASIL
E OS MODELOS DE UNIVERSIDADES
Introdução
Para Fonseca (2013) “as políticas públicas são ações voltadas ao bem-
estar social, não são neutras nem consensuais, mas arenas de disputas” (p. 39).
Não são estáticas, são conjunturais, descontínuas, sendo que sempre haverá
uma estreita relação entre a política pública desenvolvida no Brasil e seu res-
pectivo subsistema político. Pensando nesta estreita relação, as políticas públi-
cas para o ensino de Letras no Brasil, têm seguido o bojo do subsistema político
vigente como se discorrerá durante este trabalho. Ainda é preciso repensar fi-
nanciamentos e projetos sociais que atendam às condições reais de acesso e
permanência dos estudantes nas IES públicas, a fim de se alcançar uma educa-
ção e uma sociedade mais inclusiva para todos. Os órgãos de fomento às pes-
quisas (Bancos, Fundações, ONGs) recomendam em seus projetos que o mo-
delo de “universidade de pesquisa” não é viável para países em desenvolvimento
como o Brasil e sugerem em seu lugar a criação das chamadas “universidades de
ensino”. Ademais, neste novo formato, a demanda deveria, majoritariamente,
ser suprimida por instituições particulares (modelo profissional de gestão),
privatizando o sonho de toda uma geração que não dispõem de recursos para
custear as mensalidades de uma educação superior pública.
A seguir, abordar-se-á o histórico de criação dos cursos de Letras no Brasil e o
surgimento dos modelos de universidades, articulando-se os contextos históricos
que orientam as concepções de universidades existentes no Brasil, para que se
possa caracterizar o tipo de gestão universitária que predomina no nosso país e na
UESPI, atualmente, com base em Souza e Soares (2013), dentre outro/as auto-
res/as. Para tanto, serão desenvolvidos os seguintes tópicos: i) caracterização do
modelo centralizador e patrimonialista de gestão: da Colônia à República; ii) re-
lato da criação dos primeiros Cursos de Letras no Brasil: as FFCL nos moldes na-
1
Mestra em Ciências da Educação do Instituto Pedagógico Latino-Americano Y Caribeño de Havana
– Cuba; Doutora em Ciências da Educação da Universidad Internacional Tres Fronteras – Asunción -
PY; Doutoranda da Universidad Internacional Iberoamericana do México.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
280
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
281
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
282
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
283
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
284
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Fonte: Sousa e Soares 2013, p. 223. In: Revista GUAL, Florianópolis, v. 6, n. 4, UFSC.
285
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
1ª POSIÇÃO - MODELO
23,53% FRANCO NAPOLEÔNICO
47,06%
2ª POSIÇÃO - MODELO
29,41% NEOHUMBOLDTIANO
3ª POSIÇÃO MODELO
NEOPROFISSIONAL
286
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
287
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Conclusões
288
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
1991, através de Decreto Federal nº 042 assinado pelo então Presidente Itamar
Franco passou à instituição multicampi e de acordo também com seu atual Es-
tatuto (2005, artigo 16). Com o reconhecimento da maior parte das Licenciatu-
ras e com a criação de Cursos em outras áreas adquiriu status de Universidade
com as Pró-Reitorias de Ensino, Pesquisa, Extensão, Planejamento e Adminis-
tração na Sede e com os Centros e Núcleos instalados no interior do Estado.
Passou por um processo de interiorização e ampliação dos cursos junto ao Mi-
nistério da Educação e Cultura, à sombra do modelo francês, com respingos do
modelo alemão e neoproffisional.
Os atuais gestores maiores devem envidar esforços no sentido de recrutar
recursos humanos altamente qualificados e captar recursos financeiros tanto
nas esferas federal e estadual como das empresas privadas e de doações de pes-
soas jurídicas (Estatuto da UESPI, 2005, artigo V, incisos de I a VII), para co-
locar a UESPI nos patamares de ensino-pesquisa-extensão desejáveis, a fim de
se atender às demandas de seu entorno, em âmbito nacional e internacional,
visando à superação de seus reptos.
Neste contexto, a educação superior pública deve continuar posicionando-se
com maior pertinência social, de maneira que mediante a produção de conheci-
mentos possa articular melhores projetos sociais para o contexto ao qual se deve
como IES e por sua vez merece refletir de maneira propositiva sobre as condições
reais de acesso e permanência para as camadas populares que ocupam um deter-
minado espaço educativo, com o propósito de alcançar uma educação e uma soci-
edade mais inclusiva para todos.
289
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
290
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
291
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
292
A CONSTRUÇÃO DO HERÓI MALANDRO EM
MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE MILÍCIAS (1854)
SOB A ÓTICA DE ROBERTO DAMATTA (1997)
Introdução
1
Professora Adjunta do Centro de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal do Piauí –
UFPI, doutoranda em Letras Estudos de Literatura do Programa de Pós – Graduação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Quadriênio 2019-2023
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
294
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ganha relevo no século XVII, a partir de Dom Quixote. Miguel de Cervantes constrói
seu personagem do tipo anti-cavalheiro, sujeito errante e, evidencia na literatura
espanhola, a relação entre malandragem e picaresca. A tônica da patifaria social
mostra-se na ficção através de um patife, isto é, personagem malandro. Nesse sen-
tido, a representação da sociedade ocorre num jogo astuto de revelação e emenda-
mento da realidade, considerando que o enredo revela as pessoas de bem e des-
mascara os patifes.
Por volta do século XVIII no Brasil, na mesma pauta da liberdade de mui-
tos escravos está o surgimento de malandragem. No início do século XIX, mais pre-
cisamente, entre 1880 e 1930, a malandragem já era associada à música popular bra-
sileira e ao samba com muita força. Entre 1930 e 1945 esse tipo musical chega a ser,
conforme Tiago de Melo Gomes (2007), “extirpado devido à ação do governo Var-
gas e seu potencial subversivo (p. 181)”. Porém, a literatura, justamente com a pu-
blicação das Memórias de um Sargento de Milícias em 1854, dá sinais marcantes de
representação do malandro brasileiro ou carioca, ponderando-se que Manuel An-
tônio de Almeida tenha representado a realidade urbana do Rio de Janeiro dos tem-
pos do Rei. Pondera-se ainda que, quanto à nacionalidade, o atributo brasileiro
neste estudo é usado mais pela repercussão da representação histórico-social da
obra, pois, bem observado como fez o professor Dr. Guto Leite2 em palestra reali-
zada na UFRGS dia 09/12/2019 no evento Formação da Literatura Brasileira promo-
vida pelo PPGLetras, o brasileiro mais provável é mesmo o próprio autor, já que há
controvérsias envolvendo a terra mátria dos demais personagens das Memórias.
Posto isso, pode-se relativar a conduta do malandro na literatura almedi-
ana à luz da crítica. Antonio Candido (1970), por exemplo, suscita duas dinâmicas
ideológicas intrigantes: primeiro a de tomar o sujeito social lusobrasileiro como
brasileiro, segundo, por tomar a parte pelo todo social, ou seja, considerando a
possibilidade do malandro carioca representar o malandro brasileiro, criando uma
genealogia do malandro.
O sentido de malandro que circula na crítica brasileira do século XX, não
recusa as investigações acerca do caráter de um povo e nação, enfim, reflexões que
envolvem a dinâmica de organização histórica e antropológica da sociedade. E,
como não vejo uma dissociação entre Literatura, História e Sociedade, convém
confrontar as contribuições de alguns críticos, começando pela dialética da ma-
landragem de Antonio Candido (1970). O crítico analisa as Memórias à luz da or-
dem e da desordem social, destacando o movimento dos personagens os quais se
apresentam como tradução do lícito e ilícito da sociedade
2
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e do Programa de Pós-Graduação
em Letras – PPGLetras.
295
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
sem que possamos afinal dizer o que é um e o que é o outro, porque todos acabam
circulando de um para o outro com uma naturalidade que lembra o modo de for-
mação das famílias, dos prestígios, das fortunas, das reputações, no Brasil ur-
bano da primeira metade do século 19 (CANDIDO, 1970, p. 82).
296
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ele, esse é um “atributo das classes dominantes que transmitiu às classes domina-
das (p. 3)”. Nas Memórias, resta recuperar com cautela a representação de classe
dominante/dominada entre o dito e o não dito3 na tessitura do romance.
A questão é que, para traçar com rigor o perfil do herói – o malandro,
talvez não se possa fazê-lo, tão simploriamente, identificando as duas representa-
ções de classes sociais, a saber: da ordem (basta identificar o personagem Major
Vidigal e seu núcleo, dando o seu jeitão, como defende Francisco de Oliveira, para
disfarçar ou deslocar os problemas sociais?) e da desordem (basta identificar Leo-
nardinho e seu núcleo, dando o seu jeitinho para driblar as dificuldades que a vida
lhe reserva?). Para além disso, retomo a partir desse ponto, as contribuições de
DaMatta numa tentativa de ensaiar a possibilidade de caracterização do malandro
na perspectiva do triângulo equilátero de ritos ou dramas que o antropólogo cons-
trói como fórmula válida para a definição de figuras paradigmáticas (heróis) re-
presentativas de grupos sociais.
Para entender a proposta de caracterização do personagem sob a lente de
DaMatta (1997), importa pontuar o que o antropólogo considerou antes de validá-
la para o propósito de identificação da referida figura. Para ele, convém partir do
drama social por ser este um modo de expressão coletiva e nele se mostram com
regularidade os papeis sociais e os atores. A trajetória de um personagem (o caso
do herói) “segue a mesma curvatura da sociedade que engendra a dramatização (p.
258)”. E, ainda, o drama é representativo da sociedade, obviamente do caráter de
um povo e, nele encontramos “nossos heróis e nossos mitos”. Outra verdade para
DaMatta (1997, p. 260) é que “Brasil, país do futuro e da esperança porque, tal
como seus heróis, é uma sociedade profundamente atada ao passado”. Diante
disso, tem-se que, para o antropólogo, as nossas formas rituais básicas ou de dra-
mas ajustam-se numa fórmula triangular eqüilátera representativa da ideologia
das três raças “o branco colonizador e civilizador, o preto escravo e o índio. Para o
crítico:
Além disso, somos - além da ideologia das três raças que acabamos de apresentar
e que surgem também no triângulo - soldados, fiéis e foliões, nessa equação tri-
angular, complexa e surpreendemente consistente, qual seja: Carnavais = Foliões
= Inversões = Índios (ou marginais) Paradas = Soldados = Brancos (ou superiores)
Profissões = Fiéis = Negros (ou inferiores) (DAMATTA, 1997, p. 262).
3
Refiro-me ao que está subtendido nos enunciados ou pode ser referenciado pelo contexto da obra.
Grifo meu.
297
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
4
De acordo com DaMatta (1997), comporta o campo das evitações a figura do tipo renunciador “aquele
que, por meio de instrumentos diversos e em níveis diferentes, rejeita o mundo social como ele se apre-
senta (p. 265)”
298
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
fatura da obra. Como se ver em Almeida (2012, p. 45), “O navio a que o marujo
pertencia viajava para a Costa e ocupava-se do comércio de negros; era um dos
comboios que traziam fornecimentos para o Valongo, e estava pronto a largar”.
Nessa passagem do romance, o narrador conta que o padrinho de Leonardinho –
o barbeiro conseguiu estranhamente arranjar-se, ou seja, acumular fortuna a partir
de recursos advindo, muito provavelmente, do tráfico de escravos. Por detrás do
“Arranjei-me do compadre (p.44)” há toda uma vida de escravos brutalmente ex-
plorados, que ocupariam o plano da recusa à sociedade, desejando outro plano so-
cial e que na concepção de DaMatta, lutariam para criar outra realidade para si.
No polo/vértice do Caxias e, somente para efeito de ilustração de nossa
fotografia da realidade, conforme representada por Almeida pode-se encontrar,
dentre outros atores o próprio Major Vidigal, reforçando a ordem social (domi-
nância) numa tentativa de mantê-la como ela é como se observa em Almeida (2012,
p. 30), “O Major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia
respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena
[...]”. Nessa passagem da narrativa, há clara representação da ordem social ou da
Lei, porém cabe ajuizar que, o personagem representativo dessa categoria, em al-
gum momento, movimenta-se para outro vértice pelas curvas que a sociedade lhe
permite fazer, sobretudo pelo papel social que ocupa. Percebe-se isso nas Memórias
quando Vidigal usa seu posto e negocia a seu favor com Maria Arregalada em “As
três em comissão (p.187-191)”. Nesse caso, o Major deixa de trilhar pelos ditames da
Lei e passa para o polo da desordem, lançando mão de artimanha própria do ma-
landro, para conseguir a atenção de sua amada. Vê-se em Almeida (2012, p.193),
“[...] e não só ele aparecia solto e livre, como até elevado ao posto de sargento”.
Vidigal usa seu poder para burlar a Lei e, consequentemente, o que é posto como
ordem social, abonando as ações ilícitas de Leonardinho e conferindo-lhe o título
de Sargento de Milícias.
Do polo/vértice do Renunciador e do Caxias passo, de forma mais demo-
rada, ao que compreende o malandro – o dos Carnavais e, no caso, a recuperação
do personagem Leonardinho das Memórias. Definindo melhor esse vértice do triân-
gulo, DaMatta escreve
Assim, sabemos que os heróis do carnaval, isto é, os tipos que denunciam aquele
período como ‘carnavalesco’ são os marginais de todos os tipos. Seja porque es-
tão situados nos limites do tempo histórico, como os gregos, os romanos e aris-
tocratas de samba, Iamê e cetim; seja porque situados nos pontos extremos das
nossas fronteiras, como as havaianas, as baianas, os chineses e os legionários; seja
porque estão escondidos pelas prisões, pela polícia e por nossa ingenuidade, pois
aqui temos todos os marginais, como se no carnaval a sociedade brasileira
abrisse suas partes internas, seus porões sociais (cf. DaMatta, 1973). Se quiser-
mos reunir todos esses tipos numa só categoria social, sabemos que todos eles
são malandros (DAMATTA, 1997, p. 263).
299
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
DaMatta estende uma longa lista de malandros incluindo grupos que são
tomados, do ponto de vista de um Brasil festivo, carnavalizado ou Brasil do samba,
como sujeitos deslocados das formalidades. Sujeitos fadados à exclusão do mer-
cado de trabalho, pertencente a camadas sociais diferenciadas e estigmatizadas
como avesso ao trabalho inclusive do tipo curioso pelos aspectos físicos (jeito de
andar, falar ou vertir-se). Trata-se de uma figura social heroica oposta à ordem,
justamente porque cria o seu universo a partir das leis do coração e do improviso
- sujeito regido pelos sentimentos. Porém, mesmo não concordando com as con-
venções legais ou como a sociedade está posta em seu desfavor, não se dispõe a
promover mudanças. Ademais, o sujeito da mudança é o do papel de renunciador
que está mesmo disposto a criar outra realidade e não do malandro que se presta
ao drible dos infortúnios sociais para melhor passar a vida.
O problema do malandro, nem é de manter a ordem – o soldado, nem de
criar um mundo melhor para si – o fiel, mas, tão somente sobreviver como é o caso
de Leonardinho. Para compreendermos o determinado apontamento deste perso-
nagem no grupo dos carnavais, precisamos, ainda que breve, entender suas origens
e trajetória no entrecho do romance. A obra de Almeida, como já dito, teve sua
primeira publicação em 1852 e, conforme Taís Gasparetti no texto de apresentação
do romance
5
Uso esse termo com o sentido figurado próximo ao sentido de “jeitinho brasileiro” ou de favor. Grifo
Meu.
300
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
seu segundo nome (Pataca) lhe foi conferido pelo hábito de contar o mísero di-
nheirinho no final de um mês de serviço como meirinho. Ao que se percebe a tra-
jetória de Leonardinho traz ranços da trajetória do pai
Sua história tem pouca coisa de notável. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua
pátria; aborrecera-se, porém, do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se
sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o vemos empossado, e
que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo
navio, não sei fazer o que, uma certa Maria da Hortaliça, quitandeira das praças
de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona (ALMEIDA, 2012, p. 14-15).
301
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Ser valentão foi algum tempo ofício no Rio de Janeiro [...]. Entre os honestos ci-
dadãos que nisso se ocupavam, havia, na época dessa história, um certo Chico-
Juca, afamadíssimo e temível. Seu verdadeiro nome era Francisco e por isso cha-
mam-no a princípio Chico; porém tendo acontecido que conseguisse ele pelo seu
braço lançar por terra do trono da valentia a um companheiro que era no seu
gênero a maior reputação do tempo, e a quem chamavam Juca, juntaram este
apelido ao seu, como honra pela vitória, e chamaram-no daí em diante Chico-
Juca (ALMEIDA, 2012, p. 69).
302
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Considerações Finais
6
Refiro-me assim para não adentrarmos numa análise maios profundos nos mais diversos campos que
a ciência pode propor até que se esgote a discussão.
303
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
304
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
FRAGOSO, João & FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto. Rio de Ja-
neiro: Civilização Brasileira, 2001.
305
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
306
PERCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE USO DE METODOLOGIAS
ATIVAS PARA A APRENDIZAGEM DE INGLÊS NOS ANOS FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Introdução
1
Formado em Letras- Inglês com ênfase nas literaturas americanas e inglesas pela Universidade Esta-
dual do Piauí (2001). Possui Especialização em Gestão Pública e Mestrado em Educação pela Univer-
sidade Federal do Piauí (2010 e 2012, respectivamente) e Certificado Internacional em TEFL (Teaching
English as a Foreign Language) pela University of Central Florida, Orlando, USA (2013).
E-mail: nonattosousa@yahoo.com.br
2
Professor da rede pública estadual do Maranhão, do Piauí (Centro Cultural de Línguas Padre Rai-
mundo José) e da faculdade FACID em Teresina. Graduado em letras inglês pela Universidade Esta-
dual do Piauí – UESPI – e especialista em Língua Inglesa pela mesma instituição.
E-mail: - profalex8@gmail.com
3
Professora da rede pública estadual do Maranhão e Piauí e, em Teresina, trabalha atualmente no Cen-
tro Cultural de Línguas Padre Raimundo José. Graduada em letras inglês pela Universidade Estadual
do Piauí – UESPI - e especialista em Língua Inglesa pela Faculdade Internacional Signorelli, participou
de duas edições do Programa de Desenvolvimento para Professores de Inglês (PDPI) nos Estados Uni-
dos promovido pela Fulbright Brasil.
E-mail: alexandramury@hotmail.com
4
Tem formação em Conselheiro em Saúde Ocupacional (2016-2018), Diretor de Desenvolvimento de
Aprendizado (2007-2008) Professor assistente de língua inglesa (2019- presente). Tem certificado de
TEFL e experiência em escolas de idioma (Escola de Idiomas PLB Teresina/PI; Centro de Treinamento
CEFAF). E-mail: kristophpianco@gmail.com
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
308
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
309
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
310
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Da aplicação
(1) O professor divide a turma em grupos. (2) cada grupo escolhe um re-
presentante (e um nome do grupo) (3) O professor explica as regras da atividade.
(4) O professor escreve os nomes dos grupos no quadro. (5) sorteia-se o primeiro
grupo a jogar. (6) O representante do primeiro grupo escolhe uma categoria de
perguntas e o valor da pontuação. (7) O professor faz a pergunta (previamente
elaborada). (8) O grupo tem 15 segundos (tempo sugerido) para discutir e (o re-
presentante) responder à pergunta escolhida. (9) caso a resposta esteja certa, o
professor anota a pontuação no quadro (embaixo do nome do grupo). (10) caso o
grupo responda errado ou não responda, o grupo perde a pontuação (que também
deve ser anotado no quadro). (11) seguem os demais grupos respondendo até não
haverem mais perguntas. (12) o grupo com maior pontuação vence o jogo.
O Super Challenge é uma atividade que não necessita de grande aparato tec-
nológico. Entretanto, ela fomenta a interação do aluno com o conteúdo de forma
dinâmica e com um perfil motivacional relevante. Além disso, o professor tem a
possibilidade de adequar o grau de dificuldade e a variedade de conteúdos às de-
mandas de suas turmas. Essa atividade pode ser utilizada como sondagem ou
como revisão de assuntos ministrados.
Pode-se, ainda, utilizar de forma democrática os conteúdos apresentados.
Ou seja, muitas das atividades que são aplicadas em sala levam em conta o conte-
údo mais acadêmico do conhecimento. Quando o professor tem a oportunidade de
311
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
levar questões que envolvem música, esportes e filmes ele está dando voz a um
grupo significativo de alunos que, não necessariamente, conhece conteúdos lin-
guísticos com profundidade mas tem a possibilidade de responder questões como
“Name 3 teams of the NBA / Premier League”, “Name 3 English speaking Rock
bands “ ou “What is the name of the show in which the police officer Rick Grimes
is the protagonist? “.
Temos nesses exemplos conteúdos que não estão diretamente ligados ao
currículo mas remetem ao contato com diferentes manifestações artístico-cultu-
rais de países de língua inglesa, algo previsto nas competências específicas de área
(língua inglesa) da BNCC. Essas atividades contemplam demandas suscitadas
pelo ensino contemporâneo de língua estrangeira. Além de proporcionar ao aluno
a possibilidade de praticar habilidades como speaking, listening, reading, writing e o
desenvolvimento do vocabulário, elas favorecem o aprimoramento do trabalho co-
laborativo em equipe, fomentam um ambiente de aprendizagem criativo, possibi-
litam ao aluno variedade e a oportunidade de ter acesso a diferentes formas de
aprendizagem de forma organizada e desafiadora.
Há, entretanto, aspectos que devem ser levados em consideração no mo-
mento da aplicação de tais atividades como, por exemplo, o controle da disciplina
e do tempo, a participação ativa de cada membro das equipes e a inclusão ou es-
colha dos conteúdos de acordo com os objetivos do planejamento. É importante
ressaltar que qualquer um desses aspectos deve ser encarado como fator inerente
aos desafios cotidianos da prática docente e da construção do papel mediador do
professor, nunca como um impeditivo para a adoção e aplicação de novas práticas.
Cabe destacar também que integrar o novo nem sempre é algo fácil. Alguns pro-
fessores podem resistir à chegada do novo, especialmente naquilo que se refere às
crenças que estes têm sobre a eficácia ou não dessas ferramentas.
312
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
crenças sobre o uso das metodologias ativas como ferramentas capazes de provo-
car a aprendizagem e como estas percepções afetam as práticas pedagógicas, visto
serem as crenças do professor capazes de guiar suas atitudes e expectativas sobre
como os alunos aprendem e obter algum nível de alfabetização (DUFVA, 2003,
ELLIS, 2001, KRAMSCH, 2003).
Essas percepções também contribuem para o desenvolvimento de um
conjunto de abordagens e metodologias que o professor utiliza e que geram algum
impacto sobre o desenvolvimento do docente como um profissional e sobre
mudanças substanciais na sua pratica pedagogica (ERTMER, 2005, JUDSON,
2006). As percepções ainda intervêm em processos variados como a difusão e
assimilação do conhecimento, a construção de identidades pessoais e sociais,
comportamento intra e intergrupal, ações de resistência e de mudança social
(ERTMER, 2005, JUDSON, 2006).
Foi investigado um grupo de professores de escolas públicas da capital
do Piaui que vem recebendo formação continuada no centro de Formação
Antonino Freire nas classes de BNCC e Linguagens, classe de TEFL and Cultural
Studies e workshops para utilização de metodologias ativas. O perfil dos
professores varia de 2 a 10 anos de experiencia em sala de aula com cursos de
aprimoramento nos Estados Unidos, e especializações na area de língua inglesa.
Utilizamos uma metodologia de coleta de dados através de questionário aberto
sobre a utilização de 5 metodologias ativas que integram tecnologias baseadas na
web e outras com uso de low technology, papel e caneta. De posse dos dados quali-
tativos, fez-se análise de conteúdos utilizando a técnica de analise categorial de
Bardin (1997).
A seguir são apresentados os resultados acerca do uso das referidas me-
todologias, Como as percepções e crenças impactam diretamente nas práticas de
sala de aula, a partir da interpretação dos dados é ainda apresentada a relação que
há entre essas percepções acerca do uso das metodologias ativas e a forma como o
professor traduz isso em sua sala de aula.
Metodologia
313
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Participantes
314
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Resultados e Discussões
315
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
CATEGORIAS (%)
Uso de internet/data show 30,3
Quantidade de alunos 17,6
Escolha das temáticas 15,3
As dificuldades de aplicação desta atividade em sala de aula, passa pela mediação com um nú-
mero de alunos muito grande, que chega a 45 por turma; mas com o auxílio de outro professor,
dar para aplicar. Por outro lado, o planejamento deve ser feito minuciosamente, levando-se em
consideração tudo isso. A outra dificuldade, são as escolhas das temáticas, pois o nível de imer-
são aos temas são muitos heterogêneos; mas é possível de adotar e aplicar a atividade. (PLI01).
CATEGORIAS (%)
Aumento de vocabulário 40,0
Interação em sala de aula 35,0
Entretenimento/ludicidade 25,0
Fonte: Questionário aplicado aos professores que frequentaram os cursos do CEFAF/UESPI 2018-
2019
316
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Análise das categorias que emergiram a partir das metodologias ativas Four
Corners, Balloon Game, QR Code e Super Challenge
TABELA 3 – Quais seriam os benefícios do uso destas atividades para seus alunos?
CATEGORIAS (%)
Trabalho em equipe 55,7
Concentração 30,3
Trabalha leitura e escrita 17,0
317
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Considerações
318
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
319
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
BELLANCA, James. 200+ active learning strategies and projects for engaging stu-
dents’ multiple intelligences. 2nd ed. Cornwin Press, 2009. A SAGE Company
NUNAN, D. Second language teaching and learning. Boston: Heinle & Heinle.
1999.
CONKLIN,Wendy, STIX, Andi. Active Learning Across the Content Areas. Shell
education. Cornwin Press, 2009. A SAGE Company
DUKES, C. Best practices for integrating technology into English language in-
struction. 2005. Acessado em 11 de outubro de 2014. Disponível em
http://www.seirtec.org/publications/newswire/vol7.1.pdf
320
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
STERN, D., HUBER, G.L. Active Learning for Students and Teachers: Reports
from Eight Countries, OECD and Peter Lang, 1997.
321
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
322
A INFLUÊNCIA DO DESLOCAMENTO DE MIGRAÇÃO SOBRE
A PERFORMATIVIDADE MATERNAL DAS DUAS MULHERES-MÃES
NAS OBRAS DE VIDAS SECAS DE GRACILIANO RAMOS
E AS VINHAS DA IRA DE JOHN STEINBECK
INTRODUÇÃO
1
Graduado em Letras Português-Inglês pela Universidade de Pernambuco (UPE), Pós-Graduado em
Língua e Literatura Inglesa pela Faculdade Frassinetti do Recife (Fafire) e Mestrando em Teoria da Li-
teratura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E-mail: raphaandradelima@outlook.com.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
324
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
325
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
326
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A maternidade não pode, pois, ser encarada como uma carga exclusiva das mu-
lheres. Estando a sociedade interessada no nascimento e socialização de novas
gerações como uma condição de sua própria sobrevivência, é ela que deve pagar
pelo menos parte do da maternidade, ou seja, encontrar soluções satisfatórias
para problemas de natureza profissional que a maternidade cria para as mulhe-
res. (SAFFIOTI, 1976, p. 50).
327
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A Questão da imigração passa a ser relacionada, cada vez mais, às crises econô-
micas e conturbações sociais internas de países periféricos, resultantes, em
grande medida, da política externa das nações hegemônicas, e do fenômeno do
pós- colonialismo. A imigração – sua dinâmica, suas causas e consequências eco-
nômicas, políticas e culturais – é, portanto, um dos temas mais discutidos e es-
tudados na contemporaneidades. (PORTO; TORRES, 2010, 225).
328
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
No início da obra, a senhora Joad não pode expor seus pensamentos li-
vremente, ela tem que esperar para poder falar, mas esse comportamento começa
a mudar, mesmo porque ela é o tipo de mulher que sempre teve sua própria inde-
pendência, embora ela esteja sob um sistema patriarcal e precise se acomodar a
ele. A primeira vez que a mãe Joad é apresentada ao leitor, ela é descrita como:
329
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
A velha era corpulenta, mas não gorda; engrossada devido aos muitos filhos e ao
muito trabalho que teve na vida. Trajava um vestido cinzento em que outrora
havia flores estampadas, flores já desbotadas, de modo que as flores eram cin-
zentas. O vestido ia até o tornozelo e os pés fortes, largos, descalços moviam-se
rápida, vivamente no chão. Os cabelos ralos, cor de aço, estavam amarrados à
altura do pescoço, formando um nó largo e bojudo. Os braços grossos, sardentos,
estavam nus até os cotovelos, e as mãos eram polpudas, mas delicadas, como das
meninazinhas gorduchas. (STEINBECK, 2008, p. 91).
Ela está ciente de seu poder sobre a família; no entanto, seu senso de
tradição e respeito pela hierarquia impedem sua expressão aberta, exceto
quando necessário. A senhora Joad é simples e complexa, uma líder e uma se-
guidora. Nós temos duas mulheres, tanto a senhora Joad quanto Sinhá Vitoria
cuja ignorância não interfere em sua sabedoria.
O comportamento da Senhora Joad pode parecer contraditório, porque
ela é humilde e segue a hierarquia patriarcal, mas ao mesmo tempo seu discurso
e atitude são de revolta. Na verdade, ela não quebra com a ideia de tradição e
hierarquia, porque esses elementos mantêm o valor da sociedade patriarcal que
valoriza a família. E também porque a tradição patriarcal coloca a mãe em um
pedestal, fazendo da mãe um elemento de união na família, ‘parecia saber que
dependia dela o edifício de sua família; que se ela se mostrasse perturbada ou
tomada pelo desespero, todo esse edifício desmoronaria ao menor sopro de ven-
tos adversos’ (STEINBECK, 2008, p. 92).
No começo da história, a senhora Joad vive em acomodação em ação,
pois obedece às regras patriarcais, embora seu discurso seja sempre forte e deci-
sivo. Suas primeiras palavras refletem sua hospitalidade. Sem saber quem eram
330
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
os companheiros de cerimônia - para seu filho, o jovem Tom Joad estava de volta
da prisão, junto com o ex- pregador Casy - ela está pronta para compartilhar a
pouca comida que restou e pede que eles entrem em sua casa. Os Joads acabaram
de perder suas casas e um pedaço de terra, mas ela é responsável por um senso
de comunidade que refletirá sobre seu comportamento em relação às pessoas.
As palavras da senhora Joad refletem que, na trama, o livre arbítrio tem
um papel importante e, mais tarde, os Joads farão várias escolhas livres para ga-
rantir a sobrevivência do grupo. Foi ela quem fez o grupo decidir levar o ex-prega-
dor com a família para a Califórnia, e sua atitude foi baseada em um senso de com-
partilhamento e comunidade. Sem perceber, o velho Tom Joad consultou a esposa
e deu a ela a oportunidade de falar e decidir o que representa uma evolução em seu
comportamento. No entanto, ele não esperava o tom poderoso de sua opinião. Os
homens da família parecem perceber a importância da mãe.
Na narrativa brasileira, percebe-se de antemão quão bem calculado foi a
escolha do nome Sinhá Vitoria pelo autor, principalmente ao combiná-lo com o
pronome de tratamento Sinhá, usado, normalmente, para nomear mulheres, casa-
das, das classes menos abastadas no sertão nordestino. O pronome consistia numa
forma respeitosa de tratamento, e na variação de Sinhá, termo inicialmente empre-
gado na sociedade escravagista para se referir mulheres da classe dominante.
Sendo assim, através do nome, sinhá Vitória evoca, ao mesmo tempo, a condição
social da personagem como também o poder por ela exercido naquele contexto.
Sinhá Vitória permite que o sertão seja apresentado pelo olhar de uma
mulher. A personagem feminina poderia configurar um ser frágil, entregue as
contingências daquele contexto, pois Sinhá Vitória vivia em más condições com
a família. Essas duas Mulheres/Mães eram retirantes de destino incerto que pe-
regrinavam nas terras, acompanhando suas famílias. No entanto, observamos
mulheres persistentes, movidas por sonhos: “Sinhá Vitoria desejava uma cama
real, de couro e sucupira, igual à de seu Tomás da Bolandeira” (RAMOS, 2015,
p. 46) já a Senhora Joad queria “uma casinha branca rodeada de pés de laran-
jeira. Ela viu um quadro assim numa folhinha” (STEINBECK, 2008, p. 186).
A capacidade de sonhar, oportunizava lhes adentrar no universo do ima-
ginável, além disso, tornava possível vislumbrar mecanismos para a realização dos
seus desejos. Os sonhos alagavam-lhes os espaços fazendo-a movesse no sentido
da superar as limitações em que vivia e das convenções que lhes eram impostas.
As personagens acreditavam em poder encontrar meios para transformar a vida de
suas famílias. Para Vitória literalmente o sonho era o limite. Possuidora de uma
lucidez incomum, especialmente no que se referia a julgar o mundo e as pessoas.
Sempre dizia a coisa certa. Mas, por vezes, abandonava-se a imaginar outras for-
mas de viver.
331
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Para a vida ser boa, só faltava Sinhá Vitória uma cama igual de seu To-
más da bolandeira. “Suspirou, pensando na cama de varas em que dormia” (RA-
MOS, 2008, p. 81). Este sonho possuía uma dimensão muito maior na vida de
sinhá Vitória. Ao mesmo tempo em que era um pretexto para a personagem não
perder de vista os seus objetivos, consistia também, numa metáfora de todas as
mudanças que ela pensava em realizar.
A personagem situada no início do século XX, na região Nordeste do Bra-
sil, e consequentemente não possuía uma consciência de luta, mostra-se uma mu-
lher valente e altera a ordem dominante. Consequentemente, ao se posicionar
questionando a sua realidade, anuncia o seu lugar de fala contra toda a trajetória
de silenciamento imposto às mulheres. Segundo Zinani:
332
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
333
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
334
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
335
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. – 29. Ed. Ver.
Ampl. – São Paulo: Cutrix, 2012.
RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. – Ed. Revista. Rio de Janeiro: Record, 2015.
SAFFIOTI, Heleith Iara Bongiovani. A mulher na sociedade de classes: mito e
realidade. Petrópolis, Vozes, 1976.
STEINBECK, John. As Vinhas da Ira. Tradução de Herbert Caro e Ernesto Vi-
nhais. Rio De Janeiro: Record, 2008.
VANSPANCKEREN, Kathryn. Perfil da Literatura Americana: Edição Revi-
sada. Estados Unidos da America: Publicado pelo Departamento de Estado dos
Estados Unidos da América, 1994.
ZINANI, Cecil Jeanine Albert. 2015. Feminismo e Literatura: apontamentos
sobre crítica feminista. In: João Sedycias (Org.). Repesando a teoria literária
contemporânea. Recife: Editora UFPE, p. 407-434.
336
A MUDEZ DO SUJEITO COLONIZADO EM FOE, DE J M COETZEE:
A METÁFORA DA SUBORDINAÇÃO E DA RESISTÊNCIA
INTRODUÇÃO
1
Graduada em Letras Português pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI); Especialista em Estu-
dos Literários pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI); Mestre em Letras pela Universidade Fe-
deral do Piauí (UFPI); Professora de Língua Portuguesa da SEDUC-MA.
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
tempestade, entende-se a estreita ligação entre esta peça e o romance Foe. Con-
forme Bonicci (1998) a reescrita constitui-se como uma das estratégias usadas
pelo escritor pós-colonial para subverter o discurso dominante da colonização.
Com uma narrativa que diverge das outras de viagens, tendo em vista que estas
são narradas basicamente por narradores masculinos, Foe transcende estes li-
mites introduzindo na narrativa uma voz feminina questionadora, a da náu-
fraga Susan Barton. Esta, saindo da Bahia e navegando em busca de sua filha
perdida, é vítima de um amotinado, juntamente com o capitão do navio, de
quem é amante. Susan é colocada em um barco com o capitão já morto, rema
com bravura até chegar em terra firme. Já sem forças, a narradora é salva por
Sexta-Feira, que a leva ao encontro do náufrago Cruso, um inglês que habita a
ilha há 15 (quinze) anos.
Através da narrativa e reflexões feitas por Susan Barton, o autor em-
preende questionamentos sobre as narrativas de viagens produzidas por auto-
res canônicos, assim como as questões relativas à ideia de verdade, o que para
Alfredo Bosi é algo que singulariza a literatura. Para o teórico “A literatura, com
ser ficção, resiste à mentira. É nesse horizonte que o espaço da literatura, con-
siderado em geral como o lugar da fantasia, pode ser o lugar da verdade mais
exigente” (BOSI, 1996, p. 27).
Embora não seja esse o foco do trabalho, é importante frisar que estas
reflexões são importantes no sentido de visibilizar as possibilidades de leitura da
obra, que apesar de dar maior ênfase à questão do silenciamento da fala dos escra-
vizados africanos, através do personagem Sexta-Feira, também se apresenta com
um universo possível de entendimento no entrecruzamento de vozes que se espa-
lham para além das páginas ficcionais.
Além de disso, o questionamento do cânone europeu faz pensar sobre
uma postura crítica do escritor, o que torna Foe um romance lido sob uma ótica
pós-colonial ao denunciar a opressão do sujeito colonizado, contrariando as for-
mas eurocêntricas de visões “privilegiadas”, o que Inocência Mata debate no texto
Para uma geocrítica do eurocentrismo, quando reflete sobre a condição das literaturas
ditas “periféricas” e o seu consumo, o que para a estudiosa “apenas o ensino de
outras literaturas e a sua inscrição no mapa das ‘literaturas consumidas’ podem re-
verter a dimensão eurocêntrica da instituição canônica [...]” (MATA, 2012, p. 135)
De cunho metaficcional, a narrativa de Foe visualiza a figura do persona-
gem Sr. Foe, uma alusão ao autor de Robinson Crusoé, Daniel Defoe. Aquele é des-
crito na narrativa como um eficiente escritor que reescreve histórias de várias pes-
soas que o procuram para relatar suas aventuras.
338
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
339
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
maior do que a que eu teria dado a qualquer escravo doméstico no Brasil” (COET-
ZEE, 2016, p. 24). Apesar dos questionamentos positivos sobre as atrocidades co-
metidas contra Sexta-Feria, que percorrem a narrativa por meio de Susan Barton,
esta assume, de certa forma, o caráter conferido ao colonizador, que vê o coloni-
zado de forma diferente, não civilizado.
As metáforas da castração do colonizado são entendidas como uma forma
de calar a voz do negro africano, a fim de sujeitá-lo aos mandos e desmandos da
colonização. Apesar disso, compreende-se também que o autor visibiliza algumas
formas de subversão empreendidas pelos povos colonizados. Na narrativa, isso é
percebido nas características do personagem Sexta-Feira, quando este se recusa a
aprender os costumes e a linguagem escrita do colonizador. É nesse sentido que
se discutirá, na próxima seção, as metáforas da castração e mudez do colonizado,
bem como algumas formas de resistência à colonização.
340
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Caliban: Está na hora do meu jantar. Esta ilha é minha; herdei-a de Sicorax, a
minha mãe. Roubaste-ma; adulavas-me, quando aqui chegaste; fazias-me carí-
cias e me davas água com bagas, como me ensinaste o nome da luz grande e da
pequena, que de dia e de noite sempre queimam. Naquele tempo, tinha-te ami-
zade, mostrei-te as fontes frescas e as salgadas, onde era a terra fértil, onde esté-
ril... (SHAKESPEARE, 2000, p. 28).
341
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Digo a mim mesma que converso com Sexta-Feira para educá-lo, para que saia
do escuro e do silêncio. Mas será verdade? Há momentos em que a benevolência
me abandona e uso palavras apenas como meio mais curto para sujeitá-lo à mi-
nha vontade. Nestes momentos, entendo por que Cruso preferiu não perturbar
a sua mudez (COETZEE, 2016, p. 56).
Ora, quando Cruso me disse que os traficantes de escravos tinham por hábito
cortar a língua de seus prisioneiros para torná-los mais tratáveis, confesso que
me perguntei se ele não estaria usando uma imagem, por delicadeza: se a língua
342
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
perdida poderia significar não apenas ela mesma, mas uma mutilação mais atroz;
se por escravo mudo eu devia entender um escravo emasculado (COETZEE,
2016, p. 107).
Ou seja, não apenas um escravo mudo no sentido literal do termo por lhe
faltar a capacidade de articular palavras de qualquer língua, causada pela desti-
tuição do membro que confere aos seres humanos a prerrogativa para tal ato. An-
tes disso, é um ser destituído da possibilidade de reinvindicação, materializada
por meio do discurso. Nesse sentido, o termo emasculado o destitui do privilégio
de ser considerado um homem, o que o transforma em um “não humano”.
A tradição linguística que pontua a superioridade de algumas línguas tem
sido alvo de intensos debates no campo das literaturas pós-coloniais. Segundo
Mariani (2008, p. 74) “um processo colonizador, enquanto acontecimento, não
existe sem línguas”, o que a estudiosa pontua como colonização linguística, que se
desencadeia no bojo do acontecimento linguístico.
Mariani afirma ainda que:
343
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
esta capacidade por meio da castração da língua. Assim, configura-se como uma
resistência do sujeito colonizado o fato de não querer aprender a língua inglesa.
O senhor fala como se a língua fosse uma das perdições da vida, como o dinheiro
ou a varíola, eu disse. No entanto, não teria aliviado sua solidão se Sexta-Feira
dominasse o inglês? O senhor e ele poderiam ter experimentado, todos esses
anos, os prazeres da conversação; o senhor poderia ter passado a ele algumas das
bênçãos da civilização e feito dele um homem melhor. Que benefício existe numa
vida de silêncio? (COETZEE, 2016, p. 22).
344
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Desenhei um navio com as velas enfunadas e fiz com que escrevesse ship, e em
seguida comecei a lhe ensinar África. A África eu representei como uma fileira de
palmeiras e um leão vagando entre elas. Será que minha África era a África cuja
lembrança Sexta-Feira trazia dentro de si? Eu duvidava. Mesmo assim, escrevi
Á-f-r-i-c-a e o guiei para formar letras (COETZEE, 2016, p. 131).
345
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
se apresenta como uma vontade de fugir àquilo que lhe oprime, transformando-se
em uma força transgressora que o conduz à tentativa de superação a toda e quais-
quer formas de opressão.
Analisando a respeito da caça às bruxas do novo mundo, Federici (2004)
afirma que este acontecimento não foi suficiente para barrar a resistência dos co-
lonizados. Conforme a autora, o que movimentou os povos colonizados a reagirem
conta a dominação foi exatamente o fato de suas aldeias e nações terem sido to-
mados à força pelo colonizador. A reação do colonizado apresentou-se em forma
de revolta que, segundo ela, “permitiu a estes últimos subverter este plano, e con-
tra a destruição de seu universo social e físico, criar uma nova realidade histórica”
(SILVA, 2004, p. 399).
Várias foram as formas de resistência dos homens e mulheres coloniza-
dos, que partiram de um simples gesto de revolta até as guerras por libertação.
Boahen (2010) assinala que, depois de muitas derrotas e enfrentamentos, em me-
ados do século XX, iniciou-se um processo de reação dos africanos contra a colo-
nização. Segundo Boahen: “Em resumo, praticamente todos os tipos de sociedade
africana resistiram, e a resistência manifestou‑se em quase todas as regiões de pe-
netração europeia” (BOAHEN, 2010 p. 54).
Porém, antes das lutas armadas que se notabilizaram como uma resistên-
cia feroz ao colonialismo europeu, o colonizado resistia e reagia a sua maneira con-
tra os abusos do colonizador. Em Foe, Sexta-Feira, personagem emblemático, re-
cusa-se veementemente a aprender a língua inglesa que Susan Barton e o Sr. Foe
tentam lhe ensinar. Sobre as atitudes do personagem Silva (2000) assinala que
“Quando requisitado a entregar a lousa Barton, Sexta-Feira leva três dedos à boca,
umedece-os e apaga a lousa em clara evidência da vontade própria do eu que Bar-
ton considera inexistente” (SILVA, 2000, p. 244).
A recusa do personagem se faz, primeiramente através do silêncio que
oferece às empreitadas de tais tentativas, o que confere ao personagem uma capa-
cidade de subversão muito forte. A identidade de negro africano se apresenta
muito resistente no personagem, o que caracteriza uma presença marcante de sua
personalidade apreendida desde os primeiros anos de vida, evidenciando a forte
presença da cultura negra africana em sua memória.
Nesse sentido, a resistência do personagem é marcada pela evocação de
outras formas de linguagem. Dentre estas, Sexta-Feira se utiliza do silêncio como
uma forma de resistência, como argumenta Silva: “Silencioso ou silenciado, Sexta-
Feira é sem dúvida o guardião de um silêncio significante...” (SILVA, 2000, p. 245).
Esta forma de apresentação, assinalada na narrativa pelos momentos em que o per-
sonagem recua e se conserva “amuado” pelos cantos, confere a Sexta-Feira um ca-
ráter insubmisso.
346
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
Nas garras da dança, ele não é ele mesmo. Fica além do alcance humano. Chamo
seu nome e sou ignorada. Estendo a mão e sou afastada. O tempo todo enquanto
dança ele produz um som cantarolante na garganta, mais grave que sua voz
usual; às vezes, parece estar cantando (COETZEE, 2016, p. 84).
347
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
assinala Souza e Santos (2016), o corpo negro cria estratégias de resistência diante
de um cenário que lhe oprime.
Depois que Sexta-Feira encontrou seus mantos e peruca e as tomou como sua
vestimenta, passava dias inteiros girando, dançando, cantando, à maneira dele.
O que não contei foi que ao dançar ele não usava nada além dos mantos e da
peruca. Quando parado, ficava coberto até os tornozelos; mas, quando girava os
se erguiam em volta dele, de tal forma que se poderia supor que o propósito da
dança era mostrar a sua nudez por baixo (COETZEE, 2016, p. 107).
Seria possível alguém, por mais embrutecido que fosse por uma vida inteira de
muda servidão, ser estúpido como Sexta-Feira parecia ser? Poderia ser que em
algum lugar lá dentro dele ele estivesse rindo de meus esforços para levá-lo mais
perto de um estado de fala? Estendi a mão e peguei seu queixo, virei seu rosto
para mim. Os olhos se abriram. Em algum lugar nos recessos mais profundos da-
quelas pupilas pretas havia uma faísca de zombaria? (COETZEE, 2016, p. 131).
348
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
349
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
REFERÊNCIAS
BOAHEN, Albert Adu. História geral da África, VII: África sob dominação colo-
nial, 1880, 2.ed. rev. Brasília: UNESCO, 2010.
BOSI. Alfredo. Dialética da colonização. 3 ed. São Paulo: Companhia das letras,
1992.
COETZEE, J. M. Foe. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das
letras, 2016.
350
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
SILVA, José Carlos Gomes da. Culturas africanas e culturas afro-brasileiras: uma
abordagem antropológica através da música. UNIFESP. São Paulo, jul de 2013.
Disponível em: <http://www2.unifesp.br/proex/novo/santoamaro/docs/cul-
tura_afro_brasileira/culturas_africanas_e_afro-brasileira.pdf>. Acesso em: 05 de jul.
de 2019.
351
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
352
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
ÍNDICE REMISSIVO
Análise de Discurso, 120, 122, 133 Leminski, 203, 204, 205, 206, 208,
Borges, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 209, 210, 211, 212, 213
20, 36, 181 língua estrangeira, 216, 218, 220,
Bukowski, 43, 46, 53, 54, 55, 56, 57, 229, 230, 304, 329
58, 59 linguagem, 22, 25, 28, 32, 33, 38, 40,
Camus, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 55, 57 53, 71, 74, 80, 90, 93, 98, 99, 101,
cenário político, 119, 127, 128 103, 104, 105, 106, 109, 110, 118,
colonialismo, 76, 241, 297, 345, 362, 119, 120, 121, 122, 123, 125, 138,
365 140, 147, 151, 170, 171, 173, 174,
contos, 9, 31, 77, 89, 95, 102, 104, 177, 178, 181, 182, 186, 189, 190,
107, 108, 109, 111, 116, 138, 139, 191, 194, 197, 199, 200, 201, 204,
140, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 207, 210, 213,235, 274, 275, 283,
148, 149, 150, 188, 196 284, 288, 291, 292, 293, 294, 295,
cultura estrangeira, 76, 79 305, 331, 349, 359, 360, 361, 363,
dança, 21, 22, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 364, 366, 367, 368
32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 40, 68, linguagens, 21, 22, 24, 25, 27, 30, 33,
79, 251, 366, 367, 368, 369, 371 167, 184, 186, 198, 204, 208, 214,
Educação Básica, 201, 216, 219, 222, 284
226, 227, 228, 282, 295 Linguística, 7, 89, 120, 121, 122, 217,
ensino-aprendizagem, 216, 252, 292 229, 230, 231, 282
estética, 31, 40, 61, 63, 76, 77, 84, 86, literatura, 9, 10, 11, 14, 19, 32, 43, 46,
87, 101, 114, 171, 177, 178, 179, 182, 53, 60, 66, 79, 80, 83, 84, 86, 89,
183, 194, 195, 197, 212, 282, 283, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98,
285, 289, 290, 291, 292, 293 99, 100, 101, 102, 103, 104, 105,
experiências educacionais, 186 106, 107, 108, 109, 110, 111, 112, 113,
ficção, 75, 81, 82, 84, 92, 97, 99, 115, 114, 116, 117, 118, 140, 141, 143,
135, 164, 246, 264, 271, 312, 341, 144, 146, 147, 148, 149, 150, 163,
357 167, 170, 175, 177, 183, 185, 189,
filosofia, 7, 43, 44, 200, 232, 280 191, 192, 194, 197, 200, 201, 202,
formação leitora, 186, 190, 191, 192, 204, 208, 211, 212, 213, 215, 233,
193, 194, 195, 197, 198, 199 236, 248, 265, 278, 280, 281, 283,
função formativa, 92 284, 286, 287, 288, 289, 290, 291,
gênero literário, 90, 91, 188, 212 292, 293, 294, 295, 298, 310, 311,
Glauber Rocha, 75, 76, 77, 78, 79, 81, 312, 320, 321, 326, 331, 332, 340,
82, 83, 84, 85, 86, 87, 181 341, 342, 351, 352, 354, 357, 371
Inglês, 119, 135, 216, 219, 225, 230, literatura infantil, 89, 90, 91, 92, 93,
302, 324, 339 94, 95, 99, 100, 102, 103, 104, 105,
106, 107, 108, 111, 112, 116, 117, 118,
353
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
140, 141, 143, 146, 148, 150, 189, práxis, 21, 22, 27, 28, 100
194, 201, 202, 288 preconceito, 10, 12, 14, 15, 16, 17, 33,
Literatura Infantil, 113, 186, 188, 191, 130, 356
192, 193, 196, 202 público infantil, 95, 104, 105, 107,
mitologia, 9, 13, 44 110, 139, 144, 146, 147, 188, 288
mulher, 9, 46, 68, 119, 120, 124, 125, regime político-militar, 166
126, 127, 128, 129, 130, 131, 133, relações intertextuais, 9, 207
164, 241, 244, 255, 264, 267, 339, Riverão Sussuarana, 75, 76, 79, 82, 83,
340, 342, 343, 344, 345, 346, 85, 87
348, 350, 354, 355, 358, 363 Roda Griô, 21, 22, 26, 27, 29, 30, 38
Nelson Rodrigues, 60, 71 sala de ensaio, 60, 61
Orwell, 42, 43, 48, 49, 50, 51, 53 Sartre, 42, 43, 47
poema, 167, 169, 172, 173, 179, 181, teatro, 60, 61, 63, 64, 65, 66, 67, 68,
182, 191, 203, 205, 207, 208, 209, 69, 71, 72, 73, 74, 123, 147, 176,
210, 211, 290 242
Poesia, 166, 184, 210, 215, 299 vilanização, 9, 12, 15
prática política, 119
354
LITERATURA, LINGUÍSTICA E EDUCAÇÃO
355