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EDUCAÇÃO BÁSICA E NO
ENSINO SUPERIOR:
pesquisa, formação e atuação de
professores
Belo Horizonte
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Assessor Especial da
José Tarcísio Amorim
Reitoria:
Chefe de Gabinete do
Paulo Roberto de Souza
Reitor:
Secretário de
Mozahir Salomão Bruck
Comunicação:
Secretária de Cultura e
Maria Beatriz Rocha Cardoso
Assuntos Comunitários:
Secretário de Planejamento
e Desenvolvimento Carlos Barreto Ribas
Institucional:
Diretora do Instituto de
Carla Santiago Ferretti
Ciências Humanas:
Chefe do Departamento
Jane Quintiliano Guimarães Silva
de Letras:
Coordenadora do
Programa de Pós- Márcia Marques de Morais
-graduação em Letras:
Coordenadora do Centro
de Estudos Luso-afro- Raquel Beatriz Junqueira Guimarães
-brasileiros:
LEITURA E ESCRITA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA E NO
ENSINO SUPERIOR:
pesquisa, formação e atuação de
professores
Organizado por
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
ISBN: 978-85-8239-049-8
CDU: 371.13
Sumário
Não nos propomos, neste texto, realizar discussão sobre as relações entre universidade
e escola da educação básica de um ponto de vista histórico, embora saibamos seja impossível
apartar a dimensão sócio-histórica e ideológica da essência de toda e qualquer instituição e, por
isso mesmo, das relações que ela possa manter com outra(s).
O olhar por meio do qual se pretende abordar essas relações mistura e intercambia
experiências e referências distintas: a do professor formador de professores para a educação
básica, sobretudo tendo em vista as ações à frente do estágio de docência; a do pesquisador que
se dedica a investigar o processo de formação docente na universidade e as práticas de
ensino/aprendizagem no campo escolar, bem como que ambiciona fomentar mudanças nas
práticas pedagógicas (seja na universidade, seja na escola); por fim, a do professor da educação
básica, com atuação no ensino médio e, ao mesmo tempo, com forte inserção nas práticas
acadêmicas, por via da formação continuada.1
Ainda que as experiências aludidas pressuponham, como se pode depreender de sua
descrição, conhecimento e envolvimento com o universo escolar – o que, como sabemos, pode
ocorrer com maior ou menor grau –, interessa-nos tematizar, nestas palavras iniciais, e com
base nessas mesmas experiências, exatamente as representações (cf. MOSCOVICI, 1961 e
2003) sobre a distância (ou dificuldade de aproximação) entre universidade e escola, aqui
tomadas como fatores que têm, inclusive, ensejado o desenvolvimento de ações que visam à
articulação entre essas duas esferas.
Tais representações se denunciam fortemente, por exemplo, na etapa do estágio docente
para a formação inicial de professores, momento em que, invariavelmente, emerge, seja da parte
do estagiário, seja da parte dos profissionais da escola da educação básica com os quais este
tem contato nesse processo, a ideia da universidade como locus de conhecimentos
especializados, advindos de variadas teorias, mas com pouquíssimas contribuições sobre o que
e como ensinar e, principalmente, sobre os variados desafios envolvidos no exercício da
docência. Sobre isso, caberia também fazer menção a um conjunto de vozes – não raro presentes
nos expedientes de formação nos cursos de licenciatura –, que, com ou sem o apoio de pesquisas
in loco, desenham a escola como espaço de experiências malsucedidas, equivocadas do ponto
de vista teórico e metodológico, enfim indicativas de que à universidade competiria a resolução
dos problemas aí identificados e a “salvação” da educação brasileira. Emerge aí uma
contraposição perigosa entre teoria e prática (por sua vez, entre universidade e escola), entre
campo de formação e campo de atuação profissional, entre natureza de saberes (concebidos de
1
Referimo-nos às diferentes experiências profissionais, articuladas às ações de pesquisa, dos autores
deste texto.
Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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forma hierárquica), que em nada contribui para o enfrentamento dos desafios que
cotidianamente vivemos, seja na formação inicial e continuada de professores, seja na educação
básica.
Do ponto de vista aqui defendido, somente a parceria universidade/escola pode
possibilitar rupturas e deslocamentos nas representações aludidas, assim como potencializar
uma formação docente mais qualificada e engajada nas questões que interessam à sociedade
brasileira, considerada aqui sua pluralidade. E é sobre essa parceria que este e-book se debruça,
deixando à mostra não apenas os ganhos, mas também os conflitos e os dilemas que a
constituem, dada a experiência que vivemos.
Noutros termos, as reflexões com que abrimos este e-book tanto motivaram quanto
resultaram de uma experiência de pesquisa e extensão vivida, em cooperação, de maio de 2013
a maio de 2015, por equipes de trabalho oriundas de diferentes instituições de ensino de Minas
Gerais,2 visando tanto ao aprimoramento das práticas de formação docente, inicial e continuada,
quanto à contribuição para a solução de problemas e demandas da educação básica pública em
Minas Gerais, no que toca, especialmente, ao ensino médio.
Trata-se do projeto Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação e a
formação de professores, caminhos para novas práticas (LEEM), aprovado no âmbito do
Edital 13/2012, Pesquisa em Educação Básica, Acordo Capes/Fapemig. Suas ações deram
continuidade a percurso trilhado, desde 2001, por pesquisadores da PUC Minas, em diálogo
com outros pesquisadores do Brasil e do exterior, as quais visaram, sobretudo, contribuir com
o aperfeiçoamento das práticas formativas, repercutindo, também, na transformação de
determinadas representações acerca da língua e da linguagem, seja na própria universidade, em
suas ações de formação, seja em outros espaços sociais.
Em sua gênese, o projeto foi iluminado pelas discussões nacionais sobre a formação de
professores bem como os documentos normativos3 que as ensejam, os quais apontam a
necessidade de alteração significativa das práticas de formação de professores e, como efeito,
das práticas de ensino e de aprendizagem na educação básica, uma vez que se projetam novos
papéis para alunos e professores, os quais se fundamentam em uma visão de formação, nos
diferentes níveis de ensino, pautada na construção de autonomia dos professores formadores,
dos professores em formação e dos alunos da educação básica.
Desse ponto de vista, tal como defendemos no texto do projeto aprovado pelo edital
citado, cabe ao professor formador e ao professor em formação assumir a postura de aprender
a aprender, aprender a ensinar e ensinar a aprender. Para os estudantes da educação básica
ambiciona-se que estes sejam capazes tanto de aprender a aprender como de se constituírem
2
Além da PUC Minas, que coordenou o projeto, estiveram envolvidas as seguintes instituições de
ensino superior: IFMG/Ouro Preto, Unimontes e Universidade Federal de Viçosa. Em Belo Horizonte,
a Escola Estadual Bernardo Monteiro configurou-se como a escola em que se desenvolveu a maior
parte das ações do projeto.
3
Em se tratando de parâmetros legais, tomam-se como referência fundamental as orientações contidas
no texto Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, documento que
ensejou os Pareceres CNE/CP 9/2001, 27/2001, CNE/CP 28/2001 e as Resoluções CNE/CP 1/2002 e
2/2002, além da Resolução SEE nº 2.030, de 25/1/2012 (Projeto Reinventando o Ensino Médio).
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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como agentes produtores de saberes construídos na escola e fora dela, conscientes de seu papel
como cidadãos críticos de sua potencial contribuição social.
As ações que levamos a efeito no curso do projeto partiram do pressuposto de que a
construção de capacidades/saberes relativos ao saber o que, ao saber fazer e ao saber por que
deve orientar a proposta de formação no sistema educacional.
Em suas diversas frentes, o projeto orientou-se pela defesa de que o desenvolvimento e
o refinamento de saberes necessários à formação inicial (e continuada) do professor não se
efetivam apenas pelo domínio de conhecimentos de natureza teórica nem estritamente por
aqueles de natureza prática, experiencial; antes, formam-se através das ações de construção de
conhecimentos e de um “saber fazer” na prática profissional, fomentadas e estimuladas nas
diferentes atividades de ensino e de aprendizagem, que devem ser fundamentalmente
organizadas na articulação reflexiva e sistemática da teoria e da prática (cf. ASSIS;
MATENCIO; SILVA, 2001, p. 286-299).
Acreditamos que a construção de tais saberes não se faz, portanto, apartada do
conhecimento, ou melhor, da vivência, da realidade da educação básica nacional e, no caso da
proposta ora apresentada, das especificidades previstas para a formação do ensino médio nas
redes públicas mineiras, etapa que deve “garantir ao estudante a preparação básica para o
prosseguimento dos estudos, para a inserção no mundo do trabalho e para o exercício cotidiano
da cidadania, em sintonia com as necessidades político-sociais de seu tempo” (BRASIL, 2006,
p. 18).
Nesse sentido, reafirmamos a necessidade de investimentos em ações de pesquisa e de
intervenção pedagógica4 que, inscritas na área de conhecimento Linguagens – Língua
Portuguesa, possam propiciar ao professor em formação e ao professor formador, em parceria
com o professor do ensino médio, a vivência de estratégias diferenciadas de ensino e de
aprendizagem, considerado, ainda, o papel e as possibilidades de uso de tecnologias na prática
pedagógica.
Tendo em conta esse ponto de vista e consideradas as novas demandas e conhecimentos
para o ensino médio, cujas habilidades encontram-se contempladas em certa medida na matriz
de descritores do Enem (BRASIL, 2013), cabe indagar em que medida as instâncias formadoras,
como no caso das licenciaturas, mostram-se capacitadas para lidar com esses novos saberes e
os necessários deslocamentos que eles demandam, inclusive no que respeita ao uso de
tecnologias.
Enfim, para que a universidade – em especial, as licenciaturas, como no caso do curso
de Letras – assuma de fato o papel de formador do profissional da educação que irá atuar na
educação básica, tomamos como imperativo que ela se aproprie desse lugar de coadjuvante nas
ações de formação, para que a elas sejam atribuídos o mesmo peso e o mesmo valor que se
atribuem às ações de pesquisa e extensão. Certamente, ainda que se reconheça a necessidade
de defender objetivos comuns para instituir uma grade curricular para o ensino médio, essa
apropriação implica considerar a diversidade das práticas de uso da linguagem das comunidades
4
Não desconhecemos a contribuição de vários investimentos nessa direção (KLEIMAN; MATENCIO,
2001; GUIMARÃES; KERSCH, 2005, para mencionar alguns exemplos); apenas acentuamos a
necessidade de maiores investimentos em ações que se voltem para o “fazer”, e não apenas para os
discursos sobre o fazer.
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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a que pertencem os agentes envolvidos – no caso aqui previsto, alunos e educadores do ensino
médio.
Para concluir, as bases em que se assentaram as ações levadas a efeito no projeto cujos
resultados se apresentam defendem que o acesso às práticas de letramento equivale a inserir-se
em novas formas sociais de interação, mediadas e constituídas por novos objetos materiais,
simbólicos. Nesse processo mediado pela enunciação escrita, os professores em formação
experienciam (e vão se apropriando de) novos modos de agir, cognitiva, discursiva e
interacionalmente, isto é, aprendem modos de dizer, de significar/interpretar, sistematizar,
intervir, problematizar, se posicionar, enfim, de saber agir e saber como agir, etc., nas práticas
das quais participarem, nessa esfera social e naquela que se afigura como espaço da docência.
Ressalte-se, por fim, que a aprendizagem e a construção de conhecimento são, pois,
concebidas como aspectos integrantes da prática. A prática não fornece apenas o cenário para
essa construção, como se esta fosse um processo independente ou reificável, já que as diversas
práticas sociais, geradas por processos interativos, são também geradoras deles.
Nesse quadro, este volume congrega variados trabalhos que, articuladamente entre si e
aos propósitos aqui delineados, refletem algumas das ações que foram empreendidas ao longo
do desenvolvimento do projeto que resultou nesta coletânea. Trata-se de empreendimento que
visa, portanto, ao alcance do objetivo maior de fomentar uma aproximação entre universidade
e escola, no sentido de que essas duas instâncias formativas, em parceria produtiva, possam
contribuir, cada uma à sua maneira e no limite de suas atuações, mas sempre em atuação
dialógica e interacional, para o desejado desenvolvimento e melhoria da educação básica
brasileira.
Se, por um lado, os trabalhos organizados nesta coletânea apresentam esse viés
articulador e, por isso mesmo, um objetivo comum, por outro, não deixam de angariar, também,
suas particularidades, que são resultado, evidentemente, dos variados caminhos que as ações e
atividades do projeto foram delineando ao longo de sua execução. Da meta mais ampla do
projeto, alicerçada no desafio de implementação de ações, em rede colaborativa, voltadas (i)
para a formação inicial e continuada de professores da área de Letras e (ii), articuladamente,
para as demandas do ensino médio no que toca aos saberes implicados nas práticas de leitura e
de escrita, desdobraram ações de natureza mais específica que acabaram por dar origem aos
variados olhares que se lançaram ao propósito descrito há pouco.
Tais ações foram guiadas pelos objetivos de apoiar, do ponto de vista teórico-conceitual,
metodológico e didático, as práticas de leitura e de escrita no ensino médio – em consonância
com capacidades e saberes descritos na Matriz de Referência do Enem e com os documentos
normativos que orientam essa etapa de ensino (por exemplo, BRASIL, 2000, 2001, 2002, 2006,
2012, 2013),5 bem como o próprio processo de formação inicial e continuada de professores da
área de Letras das IES envolvidas no projeto, a partir dos resultados obtidos nas frentes de
trabalho postas em prática.
5
O novo currículo do ensino médio será definido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), atualmente em
discussão pelos órgãos competentes. Há, no entanto, aprovada em 2016, nova lei que já determina como a carga
horária do ensino médio será dividida, tendo em vista as diferentes áreas do conhecimento, que vão ensejar os
“itinerários formativos”.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Evidentemente, trata-se de desafio que não se vence de forma fácil, explícita e imediata.
No entanto, a despeito das vicissitudes envolvidas em projeto de tão larga abrangência,
acreditamos que as várias frentes a que os grupos de estudo, pesquisadores, professores,
estudantes envolveram-se na execução do projeto tiveram – na medida das possibilidades e da
natureza dos objetos investigados, das atividades propostas, das particularidades que cada uma
apresenta – resultados positivos e motivadores, o que torna essa coletânea um conjunto de
trabalhos que oferecem/instigam reflexões proveitosas e necessárias para aqueles que se
interessam pela melhoria do ensino nas escolas públicas de Minas Gerais.
Com essa tônica, os trabalhos organizados na coletânea, portanto, apresentam desde
reflexões sobre a própria experiência de trabalho em rede colaborativa que a execução do
projeto proporcionou – como é o caso do texto de Laura Scheiber, “Uma jornada de pesquisa
participativa: lições aprendidas”, em que se descreve como os integrantes do grupo lidaram com
a abordagem de pesquisa participativa e as “lições aprendidas” nesse processo – até outras mais
específicas, como é o caso do trabalho de Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela B. Rodrigues de
Barros, “A produção textual de alunos do ensino médio: revisitando aspectos ligados à
dimensão ortográfica”, em que se discutem aspectos relacionados a problemas de ortografia nas
produções escritas de alunos do ensino médio.
No intermeio desses vieses de abordagem, os capítulos da coletânea vão tecendo um
diálogo profícuo entre perspectivas teóricas e possibilidades de intervenção prática, entre os
conhecimentos produzidos na universidade e aqueles mais diretamente envolvidos nos
propósitos de ensino elencados para a educação básica, envolvendo aspectos relacionados à
leitura em geral, à leitura literária, à tecnologia, à escrita, bem como à formação – de alunos e
professores –, enfim.
No campo da produção textual no ensino médio, por exemplo, o capítulo de Sibely
Oliveira Silva e Rosângela M. Braga Trotta, “Escrever na escola, escrever na vida”, como o
próprio título sugere, a partir de uma experiência de pesquisa-ação, procura demonstrar a
necessidade de que os alunos escrevam na escola, para a vida, e que a escola reconheça
urgentemente a escrita como forma de empoderamento e inclusão social, conferindo-lhe o valor
que merece ser cultivado, de fato.
Articuladamente, o capítulo “A redação do Enem na escola: percurso e resultados de
oficinas de escrita”, de Ana Luísa R. Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro,
Leonardo Lopes Cunha, Luciana A. de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson S. Fonseca Júnior,
tendo em vista a proporção que a referida redação tomou na vida dos estudantes secundaristas
– razão natural pela qual se justifica o esforço de muitas escolas na tentativa de oportunizar aos
seus alunos a igualdade de condições de participação no Enem –, apresenta a descrição de uma
experiência com oficinas de redação preparatórias para o Enem. Trata-se de um capítulo que,
para além da descrição e análise da experiência, evidencia, também, o processo de formação
profissional de professores de Português, haja vista os autores serem graduandos em Letras e
aproveitarem a experiência para refletirem sobre sua própria formação.
Paralelamente, apresentando uma experiência no ensino superior, Ada Magaly Matias
Brasileiro, no capítulo “Oficina de escrita: um circuito de interação e produção de textos”, relata
uma experiência exitosa com oficina de escrita, cuja metodologia a autora vem desenvolvendo
há algum tempo. O objetivo do relato centra-se na descrição crítica do método, ultrapassando o
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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passo a passo que constitui o processo e sinalizando ao professor-leitor algumas ações pontuais,
características desafiadoras, ganhos e possibilidades do trabalho.
No bojo das discussões a respeito dos avanços tecnológicos e das possibilidades
pedagógicas que eles proporcionam, alguns capítulos inserem-se em perspectivas que procuram
aliar as intervenções didáticas no ensino de língua portuguesa a propostas intervencionistas que
proporcionem aos estudantes a utilização de recursos das tecnologias digitais de comunicação
e informação para o aprendizado.
Nesse viés, no capítulo “Alunos e professora conectados: o Twitter como possibilidade
de recurso de ensino”, Alice Botelho Duarte, descrevendo e analisando um estudo de caso de
uso do Twitter como recurso de ensino na disciplina de Língua Portuguesa, procura mostrar as
interações entre professora/pesquisadora e aluno e, com isso, as ações didático-discursivas dos
alunos e da professora, bem como as estratégias discursivas que focalizam seus papéis sociais
nessa atividade.
Seguindo proposta semelhante, Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela R. Dias e Hércules
Tolêdo Corrêa, no capítulo “Multiletramentos e competências em língua portuguesa: uma
experiência com a pedagogia de projetos e o uso das TDIC”, oportunizam uma incursão em
projeto de ensino e aprendizagem de língua portuguesa que procurou articular atividades
de pesquisa, seleção, leitura, compreensão e capacidade de exposição oral, utilizando-se as
tecnologias digitais de informação e comunicação na sala de aula.
Assim também, o trabalho desenvolvido por Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes
Guimarães Carvalho, “Ensino e aprendizagem de literatura no ensino médio via internet”, ao
relatar uma experiência vivida, no âmbito do estágio docente, em uma escola da educação
básica da cidade de Montes Claros, permite-nos refletir sobre possibilidades do uso da internet
no trabalho com a literatura em sala de aula, em práticas de leitura e escrita.
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniela D. Lopes Ignácio Rodrigues procuram
problematizar o acesso às (e a utilização das) ditas Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação, no capítulo “A cultura digital na escola: o lugar do contraditório”. Trata-se de
estudo em que as autoras apresentam uma discussão sobre como diferentes experiências
socioculturais, subjacentes ao uso das Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação
(TDIC), vêm sendo incorporadas e/ou confrontadas com a (na) realidade da escola de nível
médio brasileira.
Já no texto de Márcia Marques de Moraes e Raquel Beatriz Guimarães, “Ler ou não ser
– eis a questão da literatura na educação básica”, ao narrarem uma experiência de pesquisa
realizada em uma escola pública participante do projeto que resultou nesta coletânea, as autoras
procuram evidenciar o lugar e o papel que a leitura literária ocupa no ensino básico brasileiro.
Revisitando os documentos oficiais norteadores e as práticas de ensino cristalizadas nesse nível
de ensino e exemplificando com uma experiência com um grupo de alunos de escola pública
participante do projeto que deu origem ao estudo, as pesquisadoras provocam o leitor ao mesmo
tempo em que instigam a reflexão acerca do espaço que ocupa a leitura literária em sala de aula,
tendo como fundamento a convicção de que a Literatura, como a arte, em geral, tem papel
formador importante na inscrição identitária, seja da ordem do sujeito, seja da ordem da
sociedade.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Finalmente, mas não menos importante do que as demais discussões, reflexões, análises
e conclusões apresentadas nos demais capítulos, inclusive porque trazem as vozes dos
estudantes de forma explícita, Robson Figueiredo de Brito, Isabela Camargos Ribeiro e
Wemerson Guedes, no capítulo “Oficinas educativas na educação básica: os dizeres de alunos
do ensino médio sobre direitos iguais”, apresentam um estudo que ambiciona estimular o
diálogo necessário para a organização do processo político-pedagógico de convivência
democrática na escola, possibilitando o respeito às diferenças, a promoção da igualdade de
gênero no cotidiano escolar, podendo intervir, por exemplo, no problema da (in)disciplina.
Esperamos que este material, também por seu caráter multifacetado, como se pode notar
pela descrição sumária dos capítulos que compõem o volume, seja pertinente ao enfrentamento
de vários desafios a que professores universitários, professores da educação básica, estudantes
de licenciatura estão submetidos em seu pensar e em seu fazer diário relativamente ao ensino
de língua portuguesa. Como se pode notar, também, não se trata de um compêndio que possa
demonstrar, como num passe de mágica, a resolução dos problemas que enfrentamos
cotidianamente em relação ao ensino e à aprendizagem. Mas esperamos, de fato, seja um
trabalho que incite a reflexão, instigue o debate e proponha caminhos, certos de que estes, para
serem trilhados, pressupõem a ação parceira, colaborativa e engajada dos diferentes atores neles
implicados.
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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Referências
ASSIS, Juliana Alves; MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles; SILVA, Jane Quintiliano
Guimarães. Formação inicial e letramento do professor: uma proposta em implantação. In:
KLEIMAN, Angela B. (Org.). A formação do professor: perspectivas da Linguística
Aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. p. 281-309.
BRASIL. A redação no Enem 2012 – Guia do participante. Brasília, DF: 2012. Disponível
em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/guia_participante_
redacao_enem2012.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2012.
BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002.
BRASIL. Matriz de Referência do Enem. Brasília, DF: SEB/MEC, 2013.
BRASIL. Matrizes de referência do Saeb. 2001. Disponível em: <http://www.inep.
gov.br/basica/saeb/>0. Acesso em: 8 jul. 2012.
BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas
tecnologias Brasília, DF: 2006.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Ensino Médio).
Brasília, DF: SEB/MEC, 2000.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 01/2002. Diário Oficial da
União, Brasília, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 8. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/cne/arquivos/pdf/ CP012002.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.
GUIMARÃES, Ana Maria M.; KERSCH, Dorotea F. Projetos didáticos de gênero na sala de
língua portuguesa. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012.
KLEIMAN, Angela B.; MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles (Org.). Letramento e
formação do professor: práticas discursivas, representações e construção do saber. Campinas,
SP: Mercado das Letras, 2005.
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Uma jornada de pesquisa participativa: lições aprendidas
Laura Scheiber
INTRODUÇÃO
1
Trata-se de projeto de pesquisa contemplado pelo Edital 13/2012 – Pesquisa em Educação Básica –
Acordo Capes/Fapemig.
Laura Scheiber
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VANTAGENS
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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DESAFIOS
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Laura Scheiber
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Uma história
2
O Núcleo reúne pesquisadores de diferentes instituições e articula vários grupos de pesquisa
(http://nellf.net). Vincula-se, ainda, a pesquisas que vêm sendo desenvolvidas por membros do Grupo
Letramento do Professor, coordenado pela professora doutora Angela Kleiman (IEL/UNICAMP). Seu
embrião foi o Grupo de Pesquisa Leitura, Produção de Textos e Construção de Conhecimentos
(LePTeCCo), criado em 2001 pela professora Maria de Lourdes Meirelles Matencio. Em sua história,
obteve vários financiamentos de agências nacionais.
3
A primeira vivência de pesquisa-ação participativa de membros do NELLF (à época LePTeCCo) deu-se
no desenvolvimento do projeto temático Processos de retextualização e práticas de letramento,
coordenado pela professora doutora Angela B. Kleiman (IEL/UNICAMP), com financiamento da
FAPESP (02/09775-0). Foi dessa rica experiência, segundo as três pesquisadoras mais antigas do grupo,
que nasceu o desejo de continuar investindo nesse tipo de abordagem.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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4
A equipe de pesquisadores, ao longo de 2013 até 2015, foi composta por: Adilson Ribeiro de Oliveira
(docente, IFMG/Ouro Preto), Adriana da Silva (docente, UFV), Alice Botelho Duarte (discente,
doutoranda, PUC Minas), Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana (discente, bolsista de iniciação
científica, PUC Minas), Ananda Silva Leite (discente, bolsista de iniciação científica, Unimontes), Arabie
Berzi Hermont (docente, PUC Minas), Daniela de Faria Prado (doutoranda, PUC Minas), Daniella Lopes
Dias Ignácio Rodrigues (docente, PUC Minas), Ev’Ângela Barros (docente, PUC Minas), Fernanda
Aparecida do Amaral (discente, bolsista de iniciação científica júnior, Ouro Preto), Isabela Camargos
Ribeiro (discente, bolsista de iniciação científica, PUC Minas), Janaína Zaidan Bicalho Fonseca (discente,
doutoranda PUC Minas), Jane Quintiliano Guimarães Silva (docente, PUC Minas), Josiane Andrade
Militão (docente, PUC Minas), Juliana Alves Assis (docente, PUC Minas, Coordenadora do projeto),
Karine Correia dos Santos (discente, doutoranda PUC Minas), Laura Scheiber (pós-doutoranda da
Columbia University na PUC Minas), Leonardo Lopes Cunha (discente, bolsista de iniciação científica,
PUC Minas), Luciana Aparecida de Oliveira (discente, graduação PUC Minas), Márcia Marques de
Morais (docente, PUC Minas), Maria Angela Paulino Teixeira Lopes (docente, PUC Minas), Maria de
Lourdes G. Carvalho (docente, UNIMONTES), Raquel Beatriz Junqueira Guimarães (docente PUC
Minas), Robson Figueiredo Brito (discente, mestrado PUC Minas), Rosângela Maria Braga Trotta Soares
(docente, bolsista, Escola E. Bernardo Monteiro – BH), Sandra Carvalho do Nascimento Lessa (Escola
Estadual de Ouro Preto – Ouro Preto), Sandra Maria Silva Cavalcante (docente, PUC Minas), Sibely
Oliveira Silva (discente, bolsista, mestrado PUC Minas), Wemerson Guedes de Souza (discente,
graduação PUC Minas), Wilson Silva Fonseca Júnior (discente, graduação PUC Minas). O projeto incluiu
como instituições parceiras o IFMG/Ouro Preto, a Universidade Federal de Viçosa e a Unimontes.
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Trata-se de Rosângela Maria Braga Trotta Soares.
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Laura Scheiber
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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6
MITCHELL, Sidney M.; REILLY, Rosemary C.; LOGUE, Mary Ellin. Benefits of collaborative action
research for the beginning teacher. Teaching and Teacher Education, v. 25, n. 2, p. 344-349, 2009.
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Laura Scheiber
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Ao final do projeto, os pesquisadores foram inquiridos sobre o que deu certo para
eles em relação aos processos colaborativos e democráticos durante o projeto de
pesquisa-ação vivenciado. Foram obtidos cinco resultados principais a partir do exame
de suas respostas.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Laura Scheiber
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mergulharam em debates sobre assuntos relevantes aos seus cotidianos.7 Embora muitos
dos membros da equipe estivessem felizes com a aproximação entre as instituições, outros
participantes da pesquisa julgaram que tinham potencial para melhorar a colaboração
entre as escolas, o que será discutido com mais detalhe a seguir.
ENFRENTANDO DESAFIOS
7
Os processos e resultados das oficinas estão descritos, neste livro, nos capítulos de Sant’Ana et al. e de
Brito, Ribeiro e Guedes.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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pesquisadores e colaboradores.
Nosso grupo achou que um dos desafios constantes para todo e qualquer grupo de
pesquisa-ação é implementar mudanças com base nos resultados alcançados. Talvez seja
o maior desafio. Por outro lado, nossa equipe sentiu que há uma mudança cotidiana por
parte de cada membro do grupo. Isso foi especificamente relevante ao nosso grupo, o qual
incluiu, como sabido, alunos universitários, que são parte da nova geração de futuros
docentes. Uma das pesquisadoras explicou que o processo de trabalhar com professores
e alunos de ensino médio no campo a ajudou a entender as realidades, experiências e
desafios que eles enfrentam, e consequentemente a incentivou a pensar nas estratégias
que ela pode usar no futuro, quando for uma docente, para cobrir as necessidades dos
alunos. Ela também revelou que as reuniões fizeram os participantes do grupo pensar
mais profundamente sobre o que significam os resultados da pesquisa em relação às
práticas de formação docente.
27
Laura Scheiber
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Alguns dos membros pensaram que a equipe poderia empenhar-se em mais ações
na escola em que se desenvolveu a pesquisa; noutros termos, que atividades e oficinas
deveriam ter começado mais cedo. Na mesma direção, outros membros sugeriram que o
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Laura Scheiber
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Nossa equipe sugere que se crie o registro de uma memória coletiva dos encontros
do grupo para que os objetivos, reflexões e ações sejam resguardados. Nosso grupo fez
isso principalmente por e-mails (uma espécie de ata eletrônica) que resumiram o que
aconteceu durante as reuniões e que esquematizaram anotações dos encontros. Os
membros dos grupos também tiraram fotos e gravaram vídeos para documentar as
atividades que aconteceram no campo de pesquisa. Atualmente, dentro do mundo de rede
de conhecimento, há muitas ferramentas digitais que servem para facilitar redes de
conhecimentos, mediar colaboração e funcionar como um banco para compartilhar dados.
Hackpad, Google docs, Dropbox, One drive e Wikipages são só alguns dos recursos
disponíveis.
Com base em nossas experiências, os membros de nossa equipe sentiram que foi
importante investir constantemente e encorajar a interação entre pesquisadores de vários
campos de formação e atuação, com níveis diferentes. Claro que o centro dessa interação
inclui a população-chave ou os beneficiários do projeto. Nosso grupo não poderia
enfatizar suficientemente a importância do diálogo com os beneficiários, que é o mais
importante para fazer com que se sintam parte fundamental do projeto. Nossa equipe
defendeu a inclusão do máximo de participação de indivíduos que poderiam representar
o contexto e a população principais na pesquisa. Uma forma para estimular a participação
de beneficiários é fazer algumas reuniões de pesquisa no campo. Em nosso caso, como já
exposto, foi em uma escola estadual em Belo Horizonte e em outras três cidades do Estado
de Minas. Incluir beneficiários ou a população-chave nas reuniões de pesquisa aprofunda
a possibilidade de incorporar seus conhecimentos e experiências no processo de pesquisa.
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Laura Scheiber
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CONCLUSÃO
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Referências
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Escrever na escola, escrever na vida
Este capítulo visa a apresentar uma reflexão sobre parte das cenas de uma
experiência de pesquisa-ação1 realizada no âmbito do curso de Mestrado em Língua
Portuguesa e Linguística do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas. A
pesquisa mencionada centra-se nas práticas de ensino da produção escrita, nos anos finais
da educação básica, e foi desenvolvida em uma escola da rede pública estadual, localizada
na cidade de Belo Horizonte, no ano de 2014, por meio de uma parceria entre
pesquisadora e professora colaboradora, ambas integrantes do Projeto “Leitura e Escrita
no Ensino Médio: demandas para a ação e formação de professores; caminhos para novas
práticas” (Edital CAPES/FAPEMIG 13/2012).2 A reflexão, a seguir, afigura-se sob a
lente dos novos papéis projetados para o professor de língua materna e para os alunos,
frente a situações de ensino/aprendizagem da escrita, no cenário da escola, para além da
escola.
1
Este artigo está articulado à pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de mestrado em Língua Portuguesa
e Linguística do Programa de Pós-graduação e Letras da PUC Minas, intitulada “Escrever na escola e
para a vida: a experiência de pesquisa-ação e seus efeitos na aprendizagem da escrita”.
2
Esse projeto é coordenado pela PUC Minas, em articulação com algumas escolas da rede pública estadual
da educação básica e com outras universidades do Estado de Minas Gerais. Volta-se para a formação
tanto inicial quanto continuada de professores e, também, para as questões inerentes à leitura e à escrita
no ensino médio e para a resolução de demandas que se afiguram no cenário escolar da educação básica.
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3
No Brasil, existem várias possibilidades de leitura sobre o tema Letramento, em publicações de autores
como: Angela Kleiman (1995, 2006, 2007, 2010), Roxane Rojo (2003); Inês Signorini (2007); Magda
Soares (2002, 2004), entre outros.
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Sibely Oliveira Silva e Rosângela Maria Braga Trotta
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Para saber mais sobre o assunto, uma boa dica é a leitura do texto “Letramento e suas implicações para o
ensino de língua materna”, de Angela Kleiman. Disponível em: <http://online.unisc.br/seer/
index.php/signo/article/vie/242.w/>.
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capacidades de escrita dos alunos, como possibilita ao professor flagrar mais facilmente
as variações do desempenho da turma em relação às capacidades mencionadas, o que, por
sua vez, viabiliza uma assistência pedagógica mais pontual, inclusive.
Na esteira do que aqui se assume, o esforço em promover a dinâmica de interação
em sala de aula, de formas variadas, é um passo caro às situações de ensino/aprendizagem
da escrita, pois, como sabemos, o sujeito se constitui ser de linguagem socialmente.
Schneuwly e Dolz (2004), a propósito, alertam-nos para a possibilidade de a escola ser
reconhecida como um legítimo lugar de comunicação, e as diversas
circunstâncias/eventos que se afiguram no seu interior, oportunidade para a produção e
recepção de textos.
Em nossa relação de interação com o outro, produzimos textos orais e escritos que
se materializam nos inúmeros gêneros do discurso. E, aí, chegamos a um ponto também
muito especial de nossa discussão: os gêneros do discurso a serem ensinados/apropriados
na escola. Nesse sentido, Bakhtin é categórico ao dizer que “a vontade discursiva do
falante se realiza antes de tudo na escolha de um gênero” (BAKHTIN, 2003, p. 282).
Quando articulamos uma conversa, quer na modalidade escrita, quer na oral,
ajustamos nosso projeto de dizer à imagem do outro, instaurada em uma determinada
situação comunicativa e a partir de um determinado gênero. É justamente essa imagem,
associada a essa situação (condições de produção), que nos possibilita rebuscar mais ou
menos uma fala, por exemplo, escolher uma orientação discursiva particular, ou seja, é
nessa relação dialógica, moderada na/pela interação verbal e nos/pelos gêneros do
discurso que mobilizamos nossas capacidades de linguagem.
Significa dizer que, nas situações de ensino/aprendizagem da escrita, é
interessante que o professor invista no ensino de gêneros do discurso, a partir de práticas
significadas de produção textual, as quais se aproximem5 de situações reais de
interação/comunicação que pressuponham a operação de diferentes capacidades de
linguagem, a depender do gênero discursivo agenciado, o qual poderá exigir operações
menos ou mais complexas.
Considerando-se o sujeito-aluno, que tem uma identidade e uma cultura,
imanentes a um contexto social, é importante que o professor tenha a sensibilidade e a
perspicácia para escolher os gêneros do discurso a serem ensinados/trabalhados,
valorando a possibilidade daqueles que sejam mais significativos para a turma. Dito de
outro modo, é conveniente pensar quais gêneros possibilitarão as práticas de letramento
possivelmente necessárias ou indispensáveis àquele grupo, em especial.
Decerto, o divórcio que sempre reinou entre o que se ensina na escola e as
demandas das práticas de linguagem requeridas na sociedade precisa ser resolvido, ou
melhor, anulado.
Não é novidade que, para muitos alunos, a produção de texto é vista como algo
“difícil ” de se fazer. Como já mencionado, sabemos que grande parte dos estudantes
5
Diz-se “aproximem”, porque o fato de o gênero circular na escola, mesmo que a partir de situações reais
de interação, por si só, confere a ele uma “escolarização”, o que não é problema. O que está em jogo são
as condições de produção e as práticas de letramento que podem emergir ou subsidiar o processo de
produção textual.
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O tema do Projeto nasceu do interesse real dos alunos em pesquisar a qualidade da saúde pública na
cidade de Belo Horizonte, no ano de 2014, momento, inclusive, em que o país vivenciava o período de
eleição presidencial e de governadores estaduais. Acreditamos que o tema foi bastante propício à
problematização de algumas questões político-sociais, em sala de aula, bem como à reflexão acerca do
papel social que os estudantes deveriam assumir frente às questões discutidas.
7
Importa esclarecer que, anteriormente à visita dos alunos ao centro de saúde pesquisado, o grupo teve a
iniciativa de agendar a visita, um dia antes da data de sua realização. Segundo os alunos, havia a
preocupação de se evitarem sobressaltos por parte dos funcionários dos centros de saúde e possíveis
imprevistos que pudessem comprometer a realização do trabalho.
8
Anteriormente à execução da etapa aludida, os alunos produziram instrumentos para a coleta de dados e
informações da pesquisa de campo. Esses instrumentos (questionários para profissionais que trabalhavam
nas unidades de saúde pesquisadas e, também, para os pacientes que utilizavam os serviços do SUS)
foram elaborados em pequenos grupos, sendo estes orientados pela professora e pela pesquisadora a
avaliarem o teor das perguntas produzidas, a fim de que estas permitissem, com maior precisão, a
construção de um quadro de visualização da qualidade da saúde pública na cidade de BH. Nessa etapa do
projeto, os alunos, também, realizaram pesquisa bibliográfica sobre as responsabilidades dos governos
nas esferas federal, estadual e municipal, em relação à saúde pública e fizeram um mapeamento dos
recursos financeiros destinados à prefeitura municipal de Belo Horizonte para as diversas áreas da saúde.
Após a realização da pesquisa de campo, os dados foram tabulados e analisados, coletivamente, em sala
de aula, e, posteriormente, divulgados por meio de um painel temático, denominado
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“CURIOSUSDADES”, para toda a comunidade escolar. O painel contou com a produção de vários
gêneros textuais, tais como: placas de conscientização; gráficos contendo a avaliação dos pacientes
entrevistados sobre a saúde pública em BH; síntese dos resultados das pesquisas de campo e bibliográfica.
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pode ser apreendida no trecho “ela falou assim que a gerente não estaria lá nem quArta
nem quInta nem sExta na parte da tarde... eu falei assim ÓTIMO (( tom de ironia)) pode
ser a enfermeira chefe ou uma médica... aí ela falou assim que ela não tInha autorização
pra fazer aqUela pesquIsa... pra contribuir... aí eu deixei o papel com Ela quarta-feira...
falei assim OLHA... a senhOra deixa na mesa da gerente então porque eu sei que na parte
da manhã ela vai tá aqui e ela... ela vai respondEr pra MIM ((tom de ordem))”, já que a
aluna, incisivamente, encontra meios de mostrar seu poder de persuasão, apropriando-se
da imagem de uma pessoa questionadora e crítica, para obter a adesão de seu interlocutor
e instaurar o diálogo, que culminaria na resolução do impasse levantado, posto que ela
propõe uma negociação com seu interlocutor. Há que se considerar positivamente a
atitude da aluna, que não se esquivou em contra-argumentar o discurso aparentemente
posto.
Em observância do contexto de interação previsto − alunos/locutores que
precisam investir-se da capacidade de convencimento/persuasão do interlocutor para
obtenção do sucesso da tarefa −, não escapa à nossa análise que a atitude destacada,
certamente, contou com uma preparação anterior à situação real de interação, isto é, os
alunos, como todo e qualquer sujeito que vive a tensão de uma interlocução prevista,
incomum à sua rotina, muito provavelmente, ensaiaram ou projetaram um modo de se
enunciar e de se posicionar diante de imprevistos imaginados, o qual, constitutivamente,
passa pela escolha de um discurso que requer, por exemplo, a construção de uma
identidade perante o interlocutor. Essa identidade, construída a partir do lugar social de
onde se fala (alunos de uma escola) e do papel social assumido (pesquisadores/cidadãos
que buscam entender com maior precisão a situação da saúde pública na cidade), exige o
deslocamento do papel exclusivo de aluno para o de pesquisador/cidadão atuante. Por si
só, essa, ao nosso ver, seria uma razão para justificar um dos efeitos positivos da prática
de ensino mobilizada, uma vez que a atitude aludida requer uma elaboração cognitiva
articulada às capacidades de linguagem.
A segunda questão que merece relevo incide na significação atribuída pelos alunos
à prática de escrita com que foram confrontados.
O fato de os estudantes construírem seus próprios instrumentos de coleta de dados
(questionários), com interlocutores definidos, com objetivos preestabelecidos e,
sobretudo, com a função social de realizar uma pesquisa de natureza real, foi determinante
para o envolvimento e engajamento da turma no desenvolvimento da atividade.
Diante do relato exposto pela aluna, deparamo-nos, com efeito, com uma
verdadeira saga da estudante e de seu grupo no cumprimento da tarefa de realizar a
pesquisa, a qual, aliás, prescinde de toda uma preparação anterior (pesquisa bibliográfica,
produção de instrumento de coleta de dados − questionários) e de um planejamento
posterior, qual seja: a tabulação e divulgação, na escola, dos dados obtidos, além da
culminância do projeto, que seria a escrita de uma carta de reivindicação de melhorias na
saúde pública de BH, endereçada ao Secretário Municipal de Saúde.
O exemplo analisado espelha a concepção aqui defendida sobre a necessidade de
que as práticas de escrita ganhem significado na escola.
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A temática discutida neste texto, sem dúvida, requer, ainda, ampla reflexão e
discussão, em seus múltiplos aspectos, no cenário educacional.
A escrita é assunto que não pode mais continuar ocupando papel secundário na
escola, já que se trata de uma prática recorrentemente requerida e valorada nas várias
instituições sociais alheias ao universo escolar, mas que, de alguma forma, estão
articuladas a ele, posto que o sujeito que se encontra na escola é o mesmo sujeito que
assume vários papéis fora dela. Em outros termos, qual seria a validade do que se ensina
na escola, se não fosse para que esse conhecimento fosse aplicado na vida?
Diante da gama de aspectos que carecem de atenção em torno da temática
levantada, nosso olhar se voltou para a necessidade de se problematizarem as práticas de
ensino da língua escrita na educação básica, tanto no que concerne à sua opacidade no
âmbito escolar quanto às concepções assumidas.
Nesse sentido, portanto, cabe ser dito que as práticas de escrita a serem
desenvolvidas na escola necessitam ser pautadas e vinculadas às práticas de letramento
indispensáveis ao pleno exercício da cidadania e inclusão social dos alunos.
É importante se ter presente que o trabalho com a escrita precisa ser ampliado e
(re)dimensionado, com vistas à inserção dos alunos em diferenciados “mundos de
letramento”, oportunizando, desse modo, diferentes formas de agir e de vivenciar práticas
sociais de fato significativas para sua vida escolar e também social.
Decerto, dedicar momento especial para as práticas de escrita na escola é
assegurar aos alunos a oportunidade de construírem competências indispensáveis à sua
formação ideológica, política e social.
Por tudo isso, urge escrever na escola, para a vida!
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Referências
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A produção textual de alunos do ensino médio: revisitando aspectos
ligados à dimensão ortográfica
Para Antunes (2007), a escola básica tem pecado enormemente no que se refere
ao ensino e à avaliação da escrita, à medida que, tacitamente, seus agentes assumiram o
contrato de se fixarem no erro: o aluno espera que o professor corrija seu texto, isto é, já
se pressupõe o erro, e o professor faz exatamente isso, sem, muitas vezes, entrar com
medidas mais preventivas, como as de promover reflexões sobre o sistema da língua e
sobre as possíveis regras daí decorrentes. Nessa dimensão, segundo a autora, perdem
ambos: o docente, que não tem clareza do que foi ensinado de fato, e o aprendiz, que não
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1
As duas produções a serem apresentadas nesta seção fazem parte do corpus usado na pesquisa que
apresentamos neste capítulo. O tema solicitado aos alunos versava sobre a adolescência. O aluno foi
convidado a fazer uma carta para algum parente ou amigo relatando os seus sentimentos sobre a
adolescência.
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Texto 1
Para YYYY2
De XXXX
Mãe; Bom dia mãe! Só estou aqui para me justificar... Sei que por hora, sou difícil
de entender, mas gostaria de lhe explicar que não gosto de ser o tempo todo assim.
Sei que dentro de mim, há um vulcão em erupção, mas também existe um coração,
que de fato é sombrio e morbido. As vezes dói, e nem sempre passa; é uma
dorzinha como se alguém estivesse te espetando com um alfinete, incomoda e nem
sempre consigo disfarçar. Ora estou revoltada com a vida, ora estou triste, e as
vezes estou sem iniciativa. Mãe, aproveito hoje para lhe escrever em meias linhas
tortas, para explicar que eu não sou assim porque eu quero.
É crise de lagrimas sem motivos, é tempo de refletir o que tem vivido. A unica coisa
que gostaria mesmo era sonhar; sonhar com que eu deixei em meio estrada, sei
que a senhora sabe do que estou falando. Olho pra traz, e me dá uma vontade de
largar tudo e sair correndo sem rumo, só pra ver se encontro com meu antigo ser;
é saudade acumulada, que chega e não vai embora. Só queria levar uma vidinha
tranquila, sem anseios e nem receios. É isso eu sei onde conseguir.
Mãe, não quero ser assim, essa mulher menina que é revoltada! Mãe, eu quero
crescer, entender a razão de viver, - se é que existe uma razão – mas não consigo
com tantos “não”. Querida mãe tomo a liberdade de explicar-lhe que sou
adolescente, e ainda sendo nova, presciso tirar minhas provas.
Nesse texto, verificamos algumas grafias desviantes no que diz respeito à falta de
acento, como em “morbido”, “lagrimas”, “unica”, “dialogo”; em relação à marcação da
crase, como em “as vezes”; no que tange ao uso de acento de forma equivocada, temos
“É” para “E”, e no tocante ao uso inadequado de letras como em “traz (para “trás”),
“presciso” (para “preciso”), “sensurando” (para “censurando”) e “cumplisse” (para
“cúmplice”). Entretanto, podemos verificar que, a despeito de tais desvios formais, o texto
da aluna é dotado de informatividade, à medida que apresenta dados sobre a vida e as
2
Nos textos ou fragmentos transcritos, optamos por retirar os nomes de autores e destinatários, como forma
de preservar a identidade dos alunos.
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emoções de uma adolescente, além de uma argumentação para aproximar-se da mãe, sua
interlocutora na carta.
O mesmo não ocorre no texto seguinte:
Texto 2
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aprendizes do ciclo inicial), quando deles se esperaria maior autonomia e uma produção
textual mais calcada nas regras formais da escrita. Assim sendo, em muitos textos,
encontramos erros que são frutos da não memorização da forma correta e inadequada
transposição da oralidade para a modalidade escrita, ao lado de erros devidos à ausência
de internalização de regras, ao desconhecimento de regras de flexões da língua, entre
outros.
A seguir, traremos abordagens que visam a explicar a natureza das grafias
desviantes em relação à norma padrão.
3 Denominaremos “erros”, seguindo a tradição, os desvios gráficos, semânticos, estruturais (sintáticos) que,
no ambiente em foco, constituem inadequações do ponto de vista da norma padrão. Não há, de nossa
parte, nenhuma conotação pejorativa ou estigmatizadora em relação a tais ocorrências.
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“g” em “ga”, “go” e “gu”. Podemos inferir desse raciocínio outros exemplos, tais como
“m” antes de “p” e “b”; “ão” em sílaba tônica e “am” em sílaba átona, “q” em qua, que,
qui, quo, “rr” entre vogais com som de “erre” forte.
Pode haver, ainda, violações da relação entre os sons e os grafemas por
interferência das características estruturais do dialeto do aprendiz – grafias tais como
“mais” (para a palavra “mas”), isto é, o indivíduo fala “mais” e, como transcreve da
oralidade para a escrita, escreve “mais”.
A violação de formas dicionarizadas está relacionada às palavras que apresentam
idiossincrasias, para as quais não há qualquer regra que guie a grafia. Por exemplo: é
“gelo” ou “jelo”? Neste caso, uma das grafias não existe no dicionário. Então, o aprendiz
terá que memorizar a forma correta. Também nessa categoria, Oliveira (2006) inclui
aquelas grafias que existem e que são definidas pelo contexto, como, por exemplo: “cesta”
ou “sexta”?, “cinto” ou “sinto”?.
Outro tipo de problema detectado em textos de pessoas que estão adquirindo a
escrita está relacionado à segmentação de palavras. Oliveira (2006) denomina de violação
na escrita de sequências de palavras escritas, tais como “nolago” para “no lago”,
“casamarela” para “casa amarela”, em que encontramos uma junção entre duas palavras.
Já em “Pro fessora”, temos um caso de cisão, pois uma palavra é segmentada em duas.
Por fim, na classificação “outros erros”, o autor, ao tratar especificamente da
hipercorreção, observa que o aprendiz já reflete sobre algumas regras da língua, mas,
mesmo assim, comete equívocos na escrita de palavras. O autor, naquele texto não dá
maiores explicações, mas podemos trazê-las aqui. Por exemplo: em muitos casos em que
o aprendiz coloca o “u” em final de sílaba, ele é corrigido. Por exemplo, o aprendiz
escreve “sau”, e a professora o corrige, mostrando-lhe a grafia correta com “l”: sal. Há
uma internalização da possibilidade de usar-se o l em final de sílaba com som de “u”.
Assim, ele escreve muitas formas verbais da seguinte forma: pegol, sail, etc. Isso é uma
hipercorreção.
Em síntese, a abordagem das violações, durante a aprendizagem da escrita, na
passagem de uma produção calcada na fala para outra centrada nas regras da língua
seriam:
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Classificação Exemplos
Escrita pré-alfabética mviaemba (= minha vizinha é muito boa)
amnaeboa (= a minha mãe é boa)
Escrita alfabética com m e n, p e q, b e d
correspondência trocada por
semelhança de traçado
Escrita alfabética com s/z/, p/b, t/d, k/g, f/v
correspondência trocada pela
mudança de sons
Violações das regras invariantes “g” antes de “e” e de “i” gue e gui
que controlam a representação de “rr” entre vogais com som de “erre” forte
alguns sons
Violações da relação entre os sons e “bunito” no lugar de “bonito”
os grafemas por interferência das
características estruturais do
dialeto do aprendiz
Violação de formas dicionarizadas jelo ou gelo
cesta ou sexta
Violação na escrita de sequências opatu (o pato); mileva (me leva); javai (já vai)
de palavras
Fonte: Oliveira, 2006. Elaborado pelas autoras.
Morais (2009) traz em seu livro Ortografia: ensinar e aprender uma organização
para explicar os equívocos de grafia apresentados nos textos de alfabetizandos. Para ele,
há “erros” que podem ser explicados por regularidades diretas, contextuais,
morfológico-gramaticais presentes em substantivos e adjetivos, morfológico-gramaticais
presentes em verbos e, por fim, por irregularidades. Apresentaremos cada uma, de forma
breve, no quadro sinótico a seguir:
Regularidades
diretas: não há
letra Exemplos: P, B, T, D, F, V.
“competindo”
para grafar sons.
Exemplos:
O uso do R ou RR.
O uso do G ou GU.
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Bagno (2007), em prefácio da obra Nada na língua é por acaso, afirma que uma
das tarefas cruciais do ensino de língua materna, na escola, seria
Para que a escola possa cumprir o papel que dela se espera, é imprescindível que
os docentes enfrentem tal questão, saibam identificar os fenômenos linguísticos que se
fazem presentes na sua sala de aula, que reconheçam e compreendam o perfil
sociolinguístico de seus alunos para que, de forma respeitosa em relação aos saberes e às
variações linguísticas que esse grupo de alunos apresenta em suas produções orais e
escritas, possibilitem-lhes alcançar novo patamar em termos de aumento do repertório
verbal, de desenvolvimento de sua competência linguístico-discursiva.
Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2005), tratando do significado das variações
linguísticas que se inscrevem em sala de aula, afirma que, em vez de serem consideradas
simplesmente como rupturas à unidade do sistema, elas, atualmente, são concebidas como
recursos que permitem ao falante cumprir duas finalidades: a) aprimorar a eficácia
comunicativa de seus textos e b) marcar sua identidade social, por meio de aspectos
reveladores de influências ligadas a sexo, idade, antecedentes regionais, inserção (ou
marginalidade) no sistema de produção, relação de pertença a determinado grupo étnico,
profissional, religioso, de rede de relacionamentos, enfim, de inscrição desse sujeito em
um “espaço sociolinguístico multidimensional” (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 176).
Para tanto, os falantes selecionam, dentre os recursos de seu repertório, aqueles que o
vinculam a seu grupo de referência. Citando Le Page (1980), a autora reitera que todo ato
de fala é basicamente um ato de identidade:
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No caso dos adolescentes do ensino médio, cujos textos analisamos neste trabalho,
fica nítida a influência dos comportamentos (sócio)linguísticos de seus pares como forma
de autoafirmação e de reiteração de uma relação de pertença a um grupo. Portanto,
focando na questão da produção escrita e, em especial, dos problemas ortográficos nela
verificados, mais do que simplesmente marcar erros gráficos, é preciso que o professor
problematize a questão da escrita. Mais do que simplesmente se constituírem em desvios
frente à forma padronizada, os alunos devem perceber que seus comportamentos
linguísticos (orais e escritos) são continuamente avaliados pelos interlocutores; que
dominar novas formas de escrita se relaciona a apre(e)nder novas formas de percepção da
realidade social e novas expectativas de participação e de intervenção nessa realidade;
que os conflitos que se reproduzem na língua (oral e escrita) refletem “motivações
conflitantes” que têm dimensões políticas, socioeconômicas, etc. Enfim, seria fazer um
trabalho de escrita/revisão/refeitura textuais nos moldes da práxis freiriana – da ação
seguida de reflexão crítica sobre o próprio ato linguageiro.
Quando se analisam textos de determinado grupo de falantes, como agora o
fazemos, é preciso considerar a frequência e a qualidade do acesso que estes têm a textos
(orais e escritos) construídos na norma culta em seu ambiente, por pessoas distantes e
também por integrantes de sua rede de relacionamentos. Nos erros gráficos que cometem,
a interferência das regras fonológicas e morfossintáticas de seu dialeto de origem é
perceptível, mas também se fazem notar ocorrências que indicam aspirações que os
autores/enunciadores demonstram ter (ou não) de utilizarem a norma padrão, o que pode
evidenciar o desejo de acederem a outros estratos socioeconômicos, ou seja, evidenciam
se têm ou não em vista outros grupos de referência, cujo padrão linguístico servirá como
meta. A grande quantidade de hipercorreções encontradas nos textos nos parece remeter
a esse desejo de alçar a uma nova forma de registro, mais próxima do padrão.
Bortoni-Ricardo (2005, p. 54-58) postula algumas categorias de natureza
sociolinguística para análise dos “erros”, considerando-se variáveis morfofonêmicas,
visando ao ensino da escrita em estilos monitorados:
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4
O trabalho que esboçamos, adaptando o diagrama de Bortoni-Ricardo (2005, p. 59), considera a
metodologia de sequência didática – conforme Schneuwly e Dolz, 2004 e outros autores – e se opõe à
estratégia usualmente utilizada, denominada ironicamente por alguns autores como “pedagogia de
folhinhas”, em que se dão atividades fragmentárias e desconexas, sem avaliar e retroalimentar o processo
de ensino de qualquer tópico gramatical.
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Responsabilidda (para
“responsabilidade”),
Falta de sílabas ou Conher (para
2,9%
letras “conhecer”)
idenpentemente (para
“independentemente”)
Dificuldade de desmostra (para
marcar, na escrita, “demonstrar”)
a vogal nasal pessar (para “pensar”) 2,7%
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Anadurecer (para
“amadurecer”, em que
houve dificuldade na
distinção do traçado
de “m”)
Dificuldade de Vários (para “várias”,
desenhar a letra em que o aluno teve
0,6%
correta dificuldade de
escrever “o” cursivo e
desenhou a letra “a”
cursiva.)
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O que é preocupante, entretanto, é que, nos casos das formas que devem ser
memorizadas e que os alunos escreveram de modo não prescrito, as palavras são bastante
comuns em textos, fato que deveria ser uma forte causa para a memorização de tais
formas.
Acreditamos que, nesses casos, a intimidade com tais grafias depende de contato
significativo, frequente, com tais itens, o que pode decorrer de leituras (escolhidas pelo
aluno ou pelo professor, caso se trate de um conjunto de itens a ser trabalhado de forma
sistemática), de utilização de dicionários (físicos ou eletrônicos, posto que a maioria dos
estudantes do ensino médio tem acesso à internet, seja no celular, no computador – em
casa ou na escola –, seja em outra mídia qualquer).
Há ainda outra categoria de escritas desviantes que denominamos hipercorreção:
a pessoa, refletindo acerca de uma regra existente na língua, escreve de forma equivocada
a palavra. Por exemplo, nos dados analisados para fins desta pesquisa, verificamos:
“emportantes” e “empresionada”, em que o aprendiz, em algum momento da vida escolar,
colocou uma letra “i” para um som de [i], foi corrigido e, ao escrever as palavras
apontadas, erra por colocar a letra “e” no lugar de “i”. Para essa categoria, os alunos do
ensino médio apresentaram 6,6% das grafias desviantes.
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Cisão:
a onde (no lugar de “aonde”)
em fim (no lugar de “enfim”)
lhe dar (no lugar de “lidar”)
Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelas autoras.
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Alçamento da
vogal [e] (que “saber intender as 6%
passa a [i]) coisa”
Queda da
primeira ou da “Des da adolescência” 5,3%
última sílaba (desde)
átona
Equívocos na “Amigos que você
concordância pode confiar e te faz 8,5%
verbal alegre e te ajuda em
horas difíceis”
Equívocos na “Você aprende na
concordância escola e com os 6%
nominal ensinamento dos
pais.” (os
ensinamentos)
“Para vim” (para vir)
Nasalização “comtidiano” 1%
(cotidiano)
Uso de “pra mim não poder”
estruturas (para eu não poder) 1%
sintáticas não “por causa que”
padrão (porque)
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ter a habilidade de proceder a um diagnóstico eficaz e fiel à realidade dos seus alunos,
das turmas com que trabalha, considerando-se traços não padrão que constituam marcas
específicas daquele grupo e que estejam se infiltrando na escrita.
Diante da constatação dos problemas de escrita dos alunos, de que estratégias pode
lançar mão o professor? Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reiteram que, na
educação básica, embora não se possam eliminar todas as atividades metalinguísticas (por
meio da tão conhecida tríade: de conceituação de certas categorias, exemplificação por
meio de casos prototípicos e exercitação), visto que há efetivamente algumas
terminologias fundamentais ao prosseguimento dos estudos linguísticos, é crucial que se
priorizem situações que levem a uma reflexão sobre o fenômeno linguístico,
desencadeando, portanto, as denominadas atividades epilinguísticas. Se isso é válido com
relação aos conhecimentos linguísticos a cujo ensino os professores de língua materna
mais tempo dedicam (morfossintaxe), também o é com relação ao trabalho com
ortografia.
Assim, não basta ao professor corrigir os textos de forma indicativa (sublinhar
erros gráficos) ou resolutiva (ele próprio apresentar a forma esperada, sugerir alterações
no texto que o tornem mais eficaz), nem mesmo proceder a uma avaliação classificatória
(indicar os problemas por meio de um código previamente apresentado à turma – cf.
RUIZ, 2001). O mais produtivo seria propor uma forma textual-interativa, isto é, apontar
os problemas ao final do texto, por meio de bilhetinhos em que se questionam os pontos
obscuros ou desviantes em relação à norma padrão e promover um momento de
interlocução com o aluno para tratamento destes.
Costa Val et al. (2009) afirmam que os tipos de correção feitos nos textos
produzidos pelos aprendizes certamente influenciarão na relação destes com a escrita a
partir da educação básica:
um aluno que sempre recebe de volta suas redações apenas com os erros
gramaticais marcados, certamente vai se preocupar com um maior
aprimoramento formal, enquanto que outro aluno que recebe comentários
sobre o conteúdo irá se preocupar com o sentido de seus textos (COSTA VAL
et al., 2009, p. 69).
Se não podemos descuidar tanto do ensino dos aspectos formais quanto dos
relativos ao conteúdo, entendemos que o professor de língua materna não pode parar por
aí: deve-se colocar como leitor preponderante dos textos e como aquele que deve dar um
retorno ao aluno por meio dos bilhetinhos, desencadeando, então, a interlocução
mediatizada pela escrita.
Chamado a reescrever seus textos, a transpô-los para uma versão mais monitorada,
o aluno do ensino médio poderá perceber os impactos dessa retextualização, pois se cria
um novo texto, projetando um novo público leitor, bem como a intencionalidade da
produção, em que é possível identificar aspectos pragmáticos fundamentais, decorrentes
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Quadro 10: Dados retirados dos textos dos alunos que podem ser usados na
elaboração/implementação de jogos
A adolecência é um período da
vida muito bom!
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aluno-juiz, além de ler a resposta correta, deve verificar o encadeamento das jogadas,
organizando o jogo.
3) Jogo de damas ou xadrez: Providenciado o tabuleiro usual desses jogos, será proposta
a seguinte regra: cada aluno só poderá fazer o movimento se, diante de um desafio
ortográfico (mostra-se a cartinha da esquerda), souber a resposta correta (para isso, um
aluno-juiz ficará com a cartela contendo as respostas – coluna da direita – e fará a
conferência). Se o jogador errar, transfere-se a jogada ao “adversário”. Esse jogo,
inclusive, pode ser jogado de forma colaborativa – numa mesinha, com o tabuleiro, ficam
dois (ou três) jogadores de cada lado, que poderão discutir e decidir conjuntamente a
resposta correta a ser apresentada, a fim de não perderem a jogada. Pode-se, inclusive,
marcar o tempo – por exemplo: 1 minuto – e permitir a consulta ao dicionário para
encontrar a resposta, em caso de dúvida.
Entendemos que esses momentos lúdicos favorecerão a aprendizagem, o gosto
pelo estudo da disciplina, bem como o desenvolvimento de atitudes solidárias entre os
alunos.
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Acertando, após ter jogado os dados, o aluno avançará o número de casas. Se perder,
passa a vez ao oponente.
6) Criando jogos eletrônicos: como os alunos do ensino médio são geralmente curiosos
e normalmente sabem utilizar mídias sociais para seu entretenimento, o(a) professor(a)
poderá utilizar a tecnologia a favor da aprendizagem da ortografia. Diante da tabela de
erros construída a partir dos problemas detectados – impressa e distribuída para cada
grupo (com 4 ou 5 alunos), pode-se propor que eles desenvolvam um jogo eletrônico que
envolva, por exemplo, 10 daquelas dificuldades encontradas nos textos. A vantagem
desse expediente é que os alunos têm a oportunidade de não se fixarem nos erros (coluna
da esquerda), mas nas explicações apresentadas, otimizando sua aprendizagem.
As possibilidades são inúmeras. Com essas sugestões, porém, pretendemos
mostrar que o trabalho com a ortografia, embora feito de forma sistemática, também pode
contar com a ludicidade e deve buscar a adesão dos alunos para a construção de sua
autonomia na escrita. Para isso, são essenciais os momentos em que, a partir de estudo
em materiais de consulta (dicionários e gramáticas), eles próprios poderão construir os
jogos, em parceria com o(a) professor(a).
7) Jogo de dominós: O professor pode eleger uma dada dificuldade encontrada nos textos
dos alunos. A título de exemplo, selecionamos a dificuldade de grafar o som /S/ e criamos
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as peças do dominó. Nas peças abaixo, podemos verificar que a parte de cima de cada
peça encaixa-se na parte de baixo da peça anterior.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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revisar, buscando aperfeiçoar sua escrita, através das descobertas feitas sobre as
convenções ortográficas (e outras, como estilo, configuração dos gêneros textuais, etc.).
Torna-se, portanto, urgente a focalização, por parte dos educadores, da sistematização das
regras ortográficas para os alunos da educação básica não como forma de apresentar texto
“higienizado”, mas como um dos aspectos importantes para a consecução de fatores
relevantes da textualidade – como a clareza, a coesão, a coerência.
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Referências
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Alunos e professora conectados: o Twitter como possibilidade de
recurso de ensino
1
É importante destacar que esses conflitos, embora marquem a escola foco deste estudo, também se estende
a diversas instituições de ensino do país.
2
A Lei n° 14.486, de 9 de dezembro de 2002, do Estado de Minas Gerais, determina: “fica proibida a
conversação em telefone celular e o uso de dispositivo sonoro do aparelho em salas de aula, teatros,
cinemas e igrejas.” (MINAS GERAIS, 2002). Vale dizer que, no momento da matrícula do aluno na
escola foco deste estudo, os pais e/ou responsáveis assinam um termo de responsabilidade e
acompanhamento escolar em que se comprometem a zelar pelo cumprimento das normas da escola, sendo
responsáveis por acompanhar a conduta e o desempenho escolar dos filhos. Uma dessas normas diz
respeito ao uso do celular em sala de aula e estabelece que o aluno que a descumprir receberá sanções
previstas no Regimento Escolar. No termo, consta ainda que a escola não se responsabiliza por qualquer
dano causado aos celulares dos alunos.
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3
Originariamente, o estudo etnográfico desenvolveu-se na Antropologia e expandiu-se para a área da
educação, especialmente com os estudos de Erickson (1984; 1986) e sua etnografia escolar, cujo objetivo
era descrever a cultura escolar. Lüdke e André (1986) explicam que, desde então, a aplicação de métodos
de origem etnográfica tem permitido que muitos pesquisadores e educadores compreendam a dinâmica
das relações sociais existentes no ambiente escolar.
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4
O Twitter é uma rede social baseada no conceito de microblog, ou seja, é uma forma de blog que permite
aos usuários fazer atualizações breves de imagens e textos e publicá-las para que sejam vistas pelos
demais usuários em sua timeline.
5
Mais informações sobre o questionário poderão ser obtidas na referida tese de doutorado.
6
TIC – Tecnologias da Informação e da Comunicação.
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7
PRLP: Professora regente de língua portuguesa.
8
É sabido que a perspectiva sociointeracionista atua guiando diversos estudos para integrar a análise da
conversação ao contexto da interação social voltado ao contexto das situações de fala em sala de aula
presencial. Justifico isso para mostrar que essa perspectiva pode ser estendida para a comunicação virtual
e, no caso desta pesquisa, para o Twitter.
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Recorte 1 – Pergunta
A1-T1
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As letras utilizadas na primeira coluna do quadro dos referidos recortes foram uma forma que utilizei
para simplificar as palavras. Elas significam: “A” = aluno, “P” = professora-pesquisadora, “T” = tuíte.
O número na frente da letra “A” foi colocado para organizar os envolvidos na interação, ou seja, aluno
1, aluno 2; e o número na frente da letra “T” refere-se à ordem do tuíte disposto nas postagens.
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P-T2
A1-T3
A2-T4
P-T5
A2-T6
A1-T7
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como sua iniciativa de ajudar o colega no esclarecimento de sua dúvida. Há, portanto,
como denuncia o exemplo, a preocupação do aluno em registrar uma participação que
extrapola o comando da atividade, atuando de forma colaborativa no processo de
aprendizagem do colega. Observa-se ainda que essa intervenção do aluno do tuíte 4
também suscita, da parte da professora-pesquisadora e do aluno do tuíte 1, uma solicitação
de resposta, já que o tuíte 4 foi direcionado a eles.
Na sequência, no tuíte 5, a professora, por meio de uma ação de ratificação (“muito
bom!”), responde ao aluno quanto à sua indicação do site. Veja que a
professora-pesquisadora elogia o site sugerido pelo aluno, deixando-o mais confortável e
confiante para postar e interagir, o que é confirmado através da própria contribuição do
aluno no tuíte 4.
No tuíte 7, a contribuição do aluno do tuíte 4 é reconhecida como algo que
provavelmente foi importante para o aluno do tuíte 1, que lançou inicialmente a questão,
uma vez que este fez um agradecimento e/ou deu um feedback ao aluno que contribuiu
com a indicação do site, compartilhando-a com os colegas em rede: “super indico,
gente!”.
Outro aspecto a ser observado nesse recorte (1) e que, é claro, está ligado à
tecnologia em uso, é que o aluno não precisa esperar as regras de tomada e entrega de
turno, como nas conversações tradicionais de sala de aula, para fazer uma pergunta. Com
isso, os alunos têm um papel mais ativo na condução da interação, o que acredito estar
relacionado ao redimensionamento da posição da professora-pesquisadora, uma vez que
ela não parece ser tomada como eixo central de condução do evento interacional e único
detentor do conhecimento.
O recorte 2, abaixo, também nos permite perceber esse papel mais ativo e mais
autônomo do aluno ao conduzir sua interação, assim como o recorte 3, a seguir, que, do
mesmo modo, busca validar essa maior autonomia e também a coconstrução de
conhecimentos e a colaboração. Veja-se o recorte 2:
A1-T1
A1-T2
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A1-
T3
P-
T4
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T5
P-
T6
A1-
T7
Pode-se inferir por esse recorte que os sites selecionados por ele (tuítes 4 e 5) são
uma forma de complementar sua compreensão sobre outros sites indicados (tuítes 1 e 2),
os quais teriam sido mais teóricos (exemplificativos e explicativos). Nota-se que o próprio
aluno demonstrou confundir o assunto: “já q mtosconfudem assim cm eu!” (tuíte 2).
Assim, a escolha por dois sites que lhe possibilitem aprender gêneros e tipologias
resolvendo questões do Enem coloca em prática aquilo que possivelmente ele aprendeu
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nos sites selecionados nos tuítes 1 e 2. O aluno, então, avalia o site (tuíte 3) como uma
possibilidade de “estimular o raciocínio”. Percebe-se que esse aluno tem autonomia para
dirigir sua própria aprendizagem; ele consegue definir e selecionar sites que possibilitam
sua compreensão sobre gêneros e tipologias. Ele primeiramente seleciona sites com
conteúdos mais teóricos e, depois, sites de natureza mais prática, com “questões q já
caíram no ENEM”, o que lhe permite colocar em prática o que aprendeu teoricamente.
Dessa forma, ele concilia a atividade de pesquisa (proposta pela professora-pesquisadora)
com sua aprendizagem, e mais, com seu próprio “gosto”.
A seleção do outro site pelo aluno (tuíte 5) é disponibilizada após o uso do
marcador de direcionamento “@” para a professora-pesquisadora. Observe-se que ele
apenas disponibilizou um link que direciona seus seguidores para o site proposto, sem, no
entanto, escrever qualquer comentário, ou seja, o leitor precisa estar a par da situação
enunciativa para compreender que esse site é uma exemplificação e uma reiteração do
que o aluno propôs no tuíte 5, uma forma que utilizou para reiterar seu tuíte 3.
No Twitter, há uma necessidade de acompanhamento gradual e constante por parte
dos envolvidos nas interações. Se os alunos 10 (principalmente) não acompanhassem
diariamente os tuítes em suas timelines, ou se não tivessem conhecimento sobre alguma
atividade demandada para o Twitter, a compreensão de cada tuíte poderia ficar
comprometida, pois a ação pela linguagem manifestada nos tuítes é sempre situada em
um contexto sócio-histórico e cultural. Sem o acompanhamento gradual dos tuítes pela
timeline do Twitter, a compreensão pode ficar subjugada a diferentes conteúdos.
Considero relevante enfatizar também nesse recorte (3) que o aluno utiliza o
espaço do Twitter não somente para copiar e colar sites que abordam a temática proposta
pela pesquisa sobre gêneros e tipologias, mas também para avaliar o conteúdo desses sites
e ainda compartilhar com seus seguidores suas estratégias de aprendizagem. Essa posição
do aluno revela um sujeito social produtor de opiniões, construtor e responsável pela
própria aprendizagem.
É interessante perceber também que a postagem de links demonstra que o aluno é
consciente de que pode deslocar-se para outros ambientes, além de fazer uso de outros
gêneros. Como se pode perceber no recorte acima, o link permitiu que o aluno tivesse
acesso a diferentes sites. A esse respeito, cabe lembrar Xavier (2002, p. 163), para quem
o hiperlink “funciona, originalmente, como um apontador enunciativo, e, por essa razão,
é também um focalizador de atenção [...]” (grifos do autor).
Notam-se, a partir daí, as diversas possibilidades que o aluno tem para ampliar seu
papel na interação, sendo responsável pela própria aprendizagem, afinal, pode selecionar
sites, blogs, entre outros recursos, e ainda avaliar criticamente aquilo que considera
melhor, ou seja, ele não só se informa, mas avalia, amplia e compartilha aquilo que lê
com outros colegas da mesma esfera de atividade, que podem, cada um a seu tempo,
visitar esses sites e blogs, numa compreensão responsiva ativa. Disso resulta a
10
A professora-pesquisadora geralmente recuperava os tuítes através das menções, tendo em vista que os
alunos estabeleciam com ela uma comunicação direta através do marcador de direcionamento “@”.
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T2
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-T3
Esse recorte demonstra a necessidade por parte do aluno de obter uma avaliação
ou feedback da professora-pesquisadora com relação a uma atividade em que se pedia a
produção de uma manchete sobre um vídeo assistido em sala de aula presencial. Esse tuíte
(1) do aluno revela ainda uma visão tradicional de que, na interação entre professor e
aluno, é papel do professor avaliar, corrigir e responder ao aluno. Assim, era importante
para o aluno receber a avaliação e/ou feedback da professora-pesquisadora. Percebo que
esse retorno aos alunos dava aos tuítes um caráter pedagógico, o que é natural, se se
considera a natureza da atividade.
Neste momento, passo a discutir as ações, papéis e estratégias da
professora-pesquisadora que marcaram essas interações. Sendo assim, mostrarei quais
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A1
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P-
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Fonte: Dados da pesquisa.
No tuíte 1, o aluno, através de uma ação explicativa, antecipa ao leitor o que ele
provavelmente vai encontrar no link apresentado em seu tuíte (“Intertextualidade com a
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Alice Botelho Duarte
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Referências
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BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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MOITA LOPES, Luiz Paulo da. O novo ethos dos letramentos digitais. In: SIGNORINI,
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Belo Horizonte: Editora UFMG, 2012. p. 204-229.
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A utilização das tecnologias digitais da informação e comunicação na
educação básica: meio ambiente e sustentabilidade em foco
Viviane Raposo Pimenta
APRESENTAÇÃO
Um dedo de prosa
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Viviane Raposo Pimenta
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Conversando
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Discutindo
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Viviane Raposo Pimenta
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É preciso, de fato, ter um olhar atento para as TDICs, pois a velocidade dos
meios de comunicação e de produção, a volatilidade do capital e o acesso aos estoques
mundiais de informação, possibilitados pela inserção das TDICs, veem exercendo,
conforme apontam Cope e Kalantzis (2006), grandes mudanças nas mais variadas
instâncias da vida social. Dentre essas TDICs, um destaque especial deve ser dado à
internet, que tem se tornado um elemento cada vez mais marcante na vida cotidiana de
milhões e milhões de pessoas, mormente dos adolescentes. Isso porque muitos desses
adolescentes já estão imersos na “era digital” e, por isso, não conseguem simplesmente
conceber o mundo sem a existência da internet; preferem “a informação imediata,
gráficos, animações, áudio e vídeo ao texto simples, linear, e interagem naturalmente
com outros enquanto realizam multitarefas. Para eles, fazer é mais importante do que
saber, e aprender tem que ser algo divertido e imediatamente relevante”
(FIELDHOUSE; NICHOLAS, 2008, p. 60 – itálico no original).
Com efeito, a internet tem sido usada por um número cada vez maior de
usuários, sobretudo por adolescentes, que, em geral, são os que mais dominam – e se
sentem atraídos por – essa tecnologia. No entanto, ainda existe uma enorme defasagem
entre a escola pública e o dia a dia de muitos alunos, decorrente do “fato de que a
primeira parou no tempo e não tem conseguido acompanhar as constantes modificações
impostas pelo desenvolvimento científico e tecnológico” (AMARAL et al., 2009, p. 7).
Isso, por si só, já seria um motivo bastante razoável para a inclusão da internet nas
escolas brasileiras, que, em geral, ainda se encontram na era “pré-virtual”.
Temos hoje, por um lado, milhares de escolas equipadas com laboratórios de
informática, com computadores ligados à internet banda larga, todavia, por outro lado,
muitos professores que sequer conseguem ver a internet como algo que possa ser, de
fato, integrado às suas aulas. Isso, é claro, está relacionado à formação e capacitação
docente, mas passa também por outras questões, como o receio, e até o preconceito, de
lidar com o novo – no caso, a internet. Essa postura dos docentes mostra que, para que
se possa contemplar um ensino a partir de práticas multiletradas, é preciso considerar,
portanto, que a pura e simples inserção das TDICs na escola, por si só, não é capaz de
responder às necessidades e exigências de um trabalho bem-sucedido que articule o uso
da internet e as práticas de escrita escolares.
Nota-se que a escola, com suas práticas tradicionais de letramento, ainda se
encontra muito distante das múltiplas experiências de leitura e escrita que proliferam
cada vez mais em ambientes da Web 2.0, como em blogs e redes sociais da internet.
Mas há uma outra questão importante que se antepõe aqui: por que a leitura e a escrita,
antes tidas como algo pouco atraente – e, por isso, distante dos alunos –, passaram a se
tornar algo a que a maioria deles mais dedica seu tempo na internet?
Nesse caso, dois pontos centrais, a nosso ver, conspiram a favor da internet. O
primeiro está relacionado a algo que é muito anterior ao surgimento das novas TICs,
mas que se potencializou e tomou proporções nunca experimentadas na história da
humanidade com o advento da internet. Estamos nos referindo ao fato de cada vez mais
blogs, sites de relacionamento e o Youtube se tornarem um lócus de autopromoção, em
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que milhões de adolescentes (e também adultos) no mundo inteiro exibem seus “perfis”
para os outros na tentativa de se tornar celebridades.
A Web 2.0 democratizou a fama na internet com a cultura do broadcast yourself,
através de milhares de vídeos que são diariamente postados no Youtube por pessoas que
desejam se tornar famosas ou pelo menos reconhecidas.
O segundo ponto diz respeito ao caráter, em geral, libertário do espaço virtual. A
internet, sobretudo com o advento da Web 2.0, tornou-se, em grande parte, aberta e com
muito pouca regulação, possibilitando a publicação sem que seja preciso sofrer alguma
sanção organizacional, institucional ou editorial. Assim, qualquer pessoa é
potencialmente um famoso autor de um bestseller virtual. Isso, por conseguinte, altera
as relações tradicionalmente hierárquicas entre autor e editor e entre autor e leitor.
Essa transformação das relações entre autor e leitor significa que qualquer
pessoa no ciberespaço pode ser, ao mesmo tempo, produtor, difusor e consumidor de
textos, levando à inexistência de centros exclusivos de difusão textual, uma vez que
qualquer um pode ter hoje o seu blog ou a sua página na internet. O ciberespaço, nesse
caso, é, antes de tudo, um espaço democrático, que oferece lugar a todos, a todas as
culturas e a todas as singularidades (LÉVY, 2003). Destarte, pode-se dizer que essa
possibilidade de atuação direta dos usuários na rede cria novos espaços de atuação na
esfera pública.
Se a internet potencializa esses dois pontos – a possibilidade de ser um “autor”,
atuando, inclusive, na esfera pública de forma democrática, e de ser (re)conhecido por
muita gente –, então, por que não explorar esse potencial na escola para a promoção dos
letramentos crítico-cidadãos?
Se nossos alunos já transitam, inadvertidamente, por textos multimodais
enquanto navegam fora da sala de aula, é preciso que a escola insira em seu currículo
práticas pedagógicas que possam sistematizar o que o aluno já faz, pois assim ela
promove a abordagem colaborativa dos discursos, fortalecendo o posicionamento crítico
dos alunos para que possam “explorar e analisar, pensar e refletir, propor e agir”.
Nessa perspectiva, podemos utilizar as tecnologias para promover os letramentos
para a cidadania e, assim, desenvolver estratégias que possibilitem ao alunado
interpretar o que é visto e ir além: saber perceber o valor do que foi omitido ou
silenciado, apontar motivos, avaliar e perceber intenções, enfim, atingir o estágio de
letramento crítico, que, para Morrell (2002), é a habilidade não somente de ler e
escrever, mas também de avaliar textos a fim de entender a relação entre poder e
dominação que subjaz a esses textos e os inspira. Ora, o aluno criticamente letrado pode
entender o significado socialmente construído embutido nos textos, como também os
contextos político e econômico nos quais os textos estão inseridos. Em última instância,
os letramentos para o exercício da cidadania podem levar a uma visão de mundo
emancipadora e até a uma ação social transformadora.
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uso do aparelho celular na escola, principalmente nos momentos em que o aparelho não
estiver sendo utilizado para as atividades da aula. Assim, as regras de uso do celular
devem ser claramente estabelecidas, tal como as estabelecemos quando utilizamos
outros recursos didáticos como o baralho, os jogos de tabuleiro, os recortes de papel
como aviõezinhos, etc.
Para Rojo (2012), antes de nos perguntarmos sobre como disciplinar os usos das
TDICs, é preciso pensar um pouco sobre como essas TDICs podem transformar nossos
hábitos institucionais de ensinar e aprender. Para Lemke (1994),
Diante desse cenário, podemos discutir nossas práticas, lançar mão dessas
interfaces presentes nas mídias digitais e assim desenvolver nesses adolescentes o gosto
pelas atividades escolares por meio da motivação e de uma abordagem significativa dos
gêneros textuais digitais que, se bem utilizados pela escola, podem promover os
letramentos requeridos para o trato ético dos discursos, pois, embora as TDICs possam
fazer circular a informação, não garantem a formação desse alunado. Com o
reconhecimento do aspecto motivacional, podem-se evidenciar questões inerentes ao
leitor como: interesse pelo processamento da memória, objetivos, crença na própria
eficácia, as próprias regulações e participações ativas na leitura, dentre outras.
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Para a o trabalho com os alunos dos anos finais da educação básica, o ensino
médio, a proposta é trabalhar com o gênero “documentário”, pois este envolverá o
trabalho com textos orais, escritos, imagéticos e sonoros, ou seja, os alunos devem
produzir um texto multissemiótico, que será publicado na rede social da escola.
O objetivo é auxiliar os alunos para que eles possam se familiarizar com os
temas transversais relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável por
meio da elaboração e produção de um vídeo de, no máximo, 90 segundos. Acredita-se
que, quando os alunos produzem “pequenos filmes” para documentar questões
relacionadas ao meio ambiente sustentável, eles podem demonstrar sua compreensão
dos conceitos estudados, e se conscientizam do processo de criação e produção de textos
multimodais.
Os alunos também terão a oportunidade de lidar com as atribuições relacionadas
à composição de textos multimídia, como, por exemplo, o porquê de um projeto de
vídeo incluir tanto estruturas fixas quanto a liberdade de criação. É importante que o
professor fique atento a todas as fases da criação de um vídeo, pois assim ele pode
despertar nos alunos sua curiosidade intelectual. Outro aspecto interessante no momento
da criação de um videodocumentário é o fato de que o professor pode ter que trabalhar
com possibilidades de ensino não previstas inicialmente. Podem surgir, por exemplo,
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Nesse momento, uma questão ética pode surgir. Sabe-se que o gênero
documentário sempre foi apreciado pela veracidade dos seus dados e por ser
compreendido como um gênero que é capaz de capturar e representar de forma apurada
a realidade. Assim, é importante que os alunos sejam alertados sobre as questões éticas
envolvidas quando se simula uma situação. Sabemos que nossos jovens alunos
cresceram assistindo a todo tipo de documentários e que a internet permite que sejam
divulgados documentários falsos, assim como todo tipo de textos, há até programas que
ensinam como um documentário pode ser facilmente simulado. Esse fato pode levar à
subversão do status especial conferido aos documentários enquanto gêneros que
procuram retratar a realidade. Afinal, até mesmo documentaristas do núcleo duro podem
manipular muitos aspectos da realidade (através da edição, por exemplo) para atender às
necessidades de sua ideia principal ou argumento central. Nesse caso, diante de uma
situação como essa ou se perguntado sobre a possibilidade de simulação de uma
situação, a melhor solução, se queremos formar cidadãos comprometidos com as
questões éticas que envolvem todo e qualquer trabalho – toda e qualquer escolha, é
levar a questão para discussão em sala de aula. A simulação em um vídeo instrucional
pode prestar um desserviço para a sociedade em geral, mesmo que os fins sejam bons.
Nesse sentido, como estão aprendendo sobre o gênero documentário, os alunos
podem ser encorajados a pesquisar o tema no Google. Nesse caso, basta que eles
digitem as palavras “falsas imagens” e “documentário” para verem o que encontrarão.
Provavelmente, vão descobrir que vários documentários sobre a natureza utilizam-se de
edição criativa e outros artifícios para transformar o vídeo em uma apresentação mais
interessante e informativa. Muitos documentários usam técnicas como reencenação de
testemunhos orais para representar visualmente cenas que não conseguem filmar. No
entanto, é muito importante que fique claro que tais práticas podem estender o vínculo
entre a representação e a realidade de maneira a enganar e desinformar os
telespectadores.
Assim, os alunos devem estar em constante estado de vigilância para perceberem
a diferença entre ficção científica, ciência no senso comum e pesquisa científica
envolvendo o gênero documentário. Ao separar um determinado tempo da aula para a
realização da discussão sobre a ética no gênero documentário, o professor poderá
observar a estreita relação entre o desenvolvimento sustentável, a ‘falsa’ ideia de
sustentabilidade e a conscientização sobre os pequenos gestos e atitudes positivas que
podemos tomar em relação ao meio ambiente sustentável, como por exemplo, a
utilização de garrafas de água em vez dos copos descartáveis, tanto na escola quanto em
outros locais públicos, chegamos à Prática Transformada.
Para que o estudo ganhe espaço e os alunos assumam seu papel de protagonistas,
a culminância do trabalho poderá ser a realização de um festival de vídeos. Os alunos
podem ser encorajados a enviar seus vídeos pelo WhatsApp para todos os seus contatos,
e convidá-los para o evento na escola. Assim, promove-se o necessário enfrentamento
entre os conteúdos escolares e a comunidade.
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Referências
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Web-referências
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Oficina de escrita: um circuito de interação e produção de textos
Ada Magaly Matias Brasileiro
A formação da competência textual-discursiva dos alunos tem sido uma das grandes
preocupações dos educadores e estudiosos da linguagem, especialmente nas últimas décadas,
quando constatamos que o domínio da escrita alfabética não garante ao nosso aluno a
competência de produzir textos em linguagem escrita. Tal averiguação pôs em xeque os
modelos de aulas puramente metalinguísticas e nos convocou a desenvolver um trabalho mais
funcional, que privilegiasse a leitura e a produção de textos.
Diante disso, muitos foram (e são) os esforços para que sejam desenvolvidas estratégias
tanto convincentes ao público nativo digital, quanto eficientes no tocante ao resultado esperado:
o domínio de uma variedade de gêneros discursivos que circulem socialmente.1 Essa
inquietação provocou a difusão dos saberes, antes restritos ao meio acadêmico-científico, para
os ambientes escolares, alcançando os professores da educação básica e conferindo-lhes
segurança no processo de ensino/aprendizagem da língua materna.
Sustentando tais estudos e práticas, destaca-se a abordagem sociointeracionista
discursiva, cujas correntes se disseminaram, alcançando eco no Brasil, dentre os que concebem
a língua como uma atividade de interação entre sujeitos sociais, visando à realização de
determinado fim. Isso gerou uma mudança radical na prática escolar, antes calcada apenas no
discurso como produto, e encontrou dificuldades e um grande mal-estar entre muitos
profissionais, especialmente, aqueles cuja formação previa uma ação tradicionalista. Havia a
expectativa de uma fórmula de ação, pois se o que fazíamos não estava alcançando o resultado
pedagógico esperado, como proceder então?
Concomitantemente com isso, os avanços tecnológicos e todas as suas peculiaridades
trazem para o cenário escolar, com uma rapidez incomum, a geração de alunos digitais, com
novas demandas de letramento na hipermídia, com linguagens, estilos e artefatos específicos,
os quais não podem ficar ausentes da aula de língua materna.
1 Koch (2008, 2003), Marcuschi (2002, 2011, 2012), Ribeiro et al. (2010a, 2010b), Rojo (2013), Schneuwly e
Dolz (2004) e Bronckart (2006), dentre outros, são estudos de referência para o trabalho de ensino da leitura e
da escrita pelo professor.
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Ada Magaly Matias Brasileiro
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A oficina de escrita é uma proposta vivida por mim, desde 1996, quando me foi
apresentada pela instituição na qual atuava. Na época, trabalhei com a disciplina da 5ª série do
ensino fundamental (atualmente, 6º ano) até o 3º ano do ensino médio, alcançando uma adesão
acima das expectativas, o que rendeu, naquele período, a publicação de dois livros dos alunos,
várias exposições, premiações em concursos locais e nacionais, resultados favoráveis nos
vestibulares, encontros de autores com convidados externos à sala de aula e efetiva circulação
dos textos produzidos.
De 2001 a 2003, realizei o mestrado e tomei as produções dissertativo-argumentativas
de alunos de 3º ano do ensino médio como meu objeto de estudo. Naquela oportunidade,
comparei as produções de um grupo preparado para a escrita nos modelos convencionais com
outro que vivenciou o processo de oficina de escrita desde o 7º ano do ensino fundamental, e
pude constatar uma superioridade no desempenho linguístico-textual dos alunos da oficina de
escrita, pois, apesar de não terem sido treinados especificamente para o texto dissertativo, eles
se sobressaíram em relação aos demais.
Os ganhos observados, na ocasião, referiram-se, principalmente, aos aspectos da
Linguística Textual, relativos à organização tópica linear e hierárquica do texto, ao domínio da
norma culta, articuladores discursivos, pontuação e vocabulário, utilizados em favor da
estrutura argumentativa, além do domínio do gênero.
Em 2002, iniciei minha trajetória no ensino superior, para onde tenho levado a proposta
sempre que percebo a necessidade e condições de produção propícias. Os resultados na
melhoria da produção escrita dos alunos e da consciência que tomam sobre o ato de escrever
são muito favoráveis, motivando-os a prosseguirem no desenvolvimento da competência
comunicativa escrita. Tendo situado você, leitor, no caminho percorrido por mim com a
proposta da oficina de escrita, é tempo de apresentá-la mais objetivamente.
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O PLANEJAMENTO
Nesta primeira etapa, o aluno decide o assunto, o gênero e o modo de veiculação do seu
texto; define os objetivos que pretende alcançar, o material que irá utilizar e as datas das
produções, registrando suas decisões em folha específica, fornecida pelo professor. Trata-se de
um momento difícil, especialmente, se se tratar da primeira experiência da turma, pois é comum
que os alunos não confiem que terão condições de prever o que irão escrever no futuro. E se
eles mudarem de ideia? E se não derem conta de produzir o que pretendiam?
Essas questões e angústias demandarão muito empenho e tranquilidade do professor,
pois é ele quem poderá transmitir a segurança da qual o aluno carece. Ele deve circular pela
sala, opinando, questionando, orientando... Alcançar o engajamento da turma talvez seja o
principal desafio do professor com a oficina, mas os primeiros resultados já são suficientes para
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Ada Magaly Matias Brasileiro
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A PRODUÇÃO
Concluído o planejamento, o aluno passa a produzir aquilo que planejou. Nos primeiros
textos, é comum que ele se sinta mais inseguro quanto à linguagem, o gênero escolhido, o
conteúdo, as estratégias para chamar a atenção do leitor em seus manuscritos, fatores inerentes
ao desenvolvimento da competência comunicativa (BORTONI-RICARDO, 2004). Nessa
etapa, é importante que o professor oriente sobre a necessidade de o aluno pesquisar acerca das
características dos gêneros discursivos que serão desenvolvidos. Se houver demanda sobre
pesquisa, é importante liberar os alunos para tal atividade. É um momento, também, em que o
professor poderá ir com a turma para o pátio ou outro ambiente mais inspirador e favorável à
produção escrita.
Ao final da produção, o aluno apresenta o rascunho ao professor, que visará o texto e
fará constar essa produção em seus instrumentos de registro avaliativo. O texto vai para a pasta
do aluno, que o entregará ao colega responsável pela guarda desta.
Após ter escrito, no mínimo, dois textos, os alunos revisarão as suas produções e,
posteriormente, trocarão os textos com os colegas, a fim de ouvir deles uma opinião de leitor.
Um dos colegas deverá registrar no campo “observações” um comentário sobre o trabalho lido.
Este é um momento especial da oficina, em que o aluno internaliza o sentido de autoria, uma
vez que o contexto é totalmente interacional, de leitura, diálogos, retornos. Quebra-se, com isso,
uma prática comum das aulas convencionais de redação, em que apenas um leitor (o professor)
lê o texto do aluno, com o fim específico de avaliá-lo. Tal prática tem sido veementemente
criticada por linguistas, tais como Geraldi (1996), que a consideram uma violência contra a
linguagem e a pessoa do aluno.
A partir desse momento, o professor iniciará um círculo de conferências individuais e
também registrará seus comentários no campo “observações”. Tais comentários devem permear
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entre o incentivo e os pontos que podem ser melhorados no texto. Ele deve fazer, também,
anotações, em seus documentos de registros, para identificar as principais dificuldades comuns
à turma no domínio da norma culta e demais aspectos da competência comunicativa. Na medida
em que achar necessário, o professor oferecerá pequenas lições para toda a turma, esclarecendo
dúvidas comuns.
Nesse momento da interação individual, o professor encontra oportunidades
privilegiadas de se aproximar de cada aluno e de conhecer suas limitações e potencialidades. É
comum, por exemplo, que eles comentem que sabem o que querem escrever, mas não
conseguem passar para o papel, assim como explorou Assis (2015) em estudo realizado sobre
o desenvolvimento da escrita acadêmica. A esse respeito, as recomendações que a autora deixa
ao final do seu artigo são bem aplicadas na proposta da oficina de escrita. Defende a autora a
necessidade de se “buscar compreender as condições de emergência [do discurso], tendo em
vista o que isso permite informar sobre o processo de ensino/aprendizagem em foco e os déficits
e conflitos vividos pelos estudantes” (ASSIS, 2015, p. 447).
Além disso, detectados os textos mais comentados pelos colegas, alguns deles podem
ser lidos em voz alta, estimulando, ainda mais, o processo de produção. Diante dos retornos dos
leitores, os autores deverão fazer os ajustes que acharem convenientes, reforçando, assim, o
aspecto de oficina.
Nessa fase, a sala de aula se evidencia como um ambiente genuinamente interativo, e
aquela disciplina convencional (alunos sentados, calados, produzindo) não deve ser perseguida
pelo professor. Ele deve se esforçar para construir uma relação de confiança e produtividade
com a turma, já que todos sabem dos seus objetivos, e tentar não se inquietar com a aparente
“bagunça”.
Com base nos objetivos que o aluno/autor pretendia alcançar, bem como em todos os
outros aspectos do planejamento, ao final da elaboração de todos os textos, ele deverá reler suas
produções, dessa vez, com um olhar mais rigoroso, a fim de fazer os ajustes que ele achar
cabíveis. Esse é um momento especial para o processo de ensino/aprendizagem da escrita, pois
o aluno, já com maior domínio de suas produções, exercita uma perspectiva mais crítica em
relação ao que fez, tendo em vista os fins globais e específicos pretendidos.
O professor deve estimular a realização dessa tarefa e orientar os alunos para os aspectos
que, normalmente, carecem de alterações, como: a adequação da linguagem ao público
pretendido; as estratégias para alcançar o leitor; os objetivos pessoais registrados para a oficina
etc. Nessa fase, começam as discussões sobre as possibilidades de elaboração da arte final.
A quantidade de textos a serem produzidos pelos alunos é variável! Depende do tempo
disponível para isso. A quantidade não é o mais importante, mas o trabalho dispensado pelo
autor em cada texto. Normalmente, a rodada de dois circuitos de produção, círculo de autores
e releitura, cada um com dois textos, já é suficiente para a vivência do processo.
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ARTE FINAL
É uma fase lúdica em que o aluno põe a serviço da oficina outras habilidades que ele
tem desenvolvidas. Além de passar o trabalho a limpo e dar a ele o formato que havia sido
planejado, ele poderá exercitar a criatividade e/ou desafiar-se ao desenvolvimento de outras
habilidades. Por exemplo, se o que se pretende é fazer uma revista, nesta etapa, irá produzir a
capa, o índice, as manchetes etc. e inserir os textos que produziu. Se ele planejou um
jornalzinho, ele pode trabalhar com folhas de tamanhos maiores e passar os textos a limpo,
obedecendo ao formato próprio de um jornal. Se planejou criar um blog, é momento de criar a
sua página com todas as características inerentes a ela. Se vai produzir um livro, deve pensar
nas capas, ilustrações, formatos, dedicatória, enfim, todos os aspectos que configuram esse
portador. Se pretendeu criar uma campanha publicitária do negócio da sua família, é momento
de pensar em todas as nuanças dessa arte final (cores, formas, materiais etc.).
A construção dessa etapa é muito instigante para a turma. Muitas vezes, outros
personagens, alheios à sala de aula, são envolvidos para fazer um prefácio, auxiliar em
ferramentas tecnológicas, montar determinada estrutura que foge ao domínio do aluno/autor.
Essas propostas devem ser encaradas com naturalidade pelo professor, afinal, na vida fora da
escola, não fazemos nada sozinhos, estamos sempre em busca dessas parcerias.
AUTOAVALIAÇÃO
Antes de considerar o trabalho pronto, o aluno deve confrontar tanto o processo que
percorreu, quanto o produto final e registrar, no campo específico do projeto, a avaliação do
seu trabalho. É importante que o professor estimule os alunos a fazerem o registro com
honestidade, independentemente, de terem ou não alcançado os objetivos pretendidos com a
plenitude desejada. Lembro, ainda, que os rascunhos e a folha com o planejamento devem ser
entregues ao professor, juntamente com a versão final do trabalho, pois são a materialidade do
processo vivido. As avaliações finais perpassam desde a melhoria na habilidade de escrita, até
as questões de relacionamento interpessoal, como exemplifico com alguns fragmentos
transcritos a seguir, retirados das autoavaliações de alunos da educação fundamental, ensino
médio e ensino superior:
F1- Gostei muito da Oficina, pois descobri que gosto de criar histórias e que posso
melhorar cada vez mais. (Fragmento de autoavaliação – aluno ensino fundamental)
F2- Na oficina, pude conhecer melhor os meus colegas, a partir dos seus trabalhos.
(Fragmento de autoavaliação – aluno do ensino médio)
F3- Cresci muito com a Oficina, melhorei a minha escrita, as minhas ideias se
desenvolveram mais. (Fragmento de autoavaliação – aluno do ensino superior)
F4- É bom ter um roteiro a seguir, isso nos incentiva a ter mais responsabilidade.
(Fragmento de autoavaliação – aluno do ensino médio)
F5- Ao mesmo tempo esse trabalho é prazeroso e educativo. (Fragmento
autoavaliação – aluno do ensino superior)
F6- É trabalhoso, mas é mais prazeroso do que antes. (Fragmento de autoavaliação –
aluno do ensino médio)
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F7- Achava que era ótimo na escrita, mas vi que posso melhorar muito. (Fragmento
de autoavaliação – aluno do ensino superior)
Dentre as observações que podem ser destacadas desses fragmentos, é possível realçar
o prazer pela escrita, enfatizado nos fragmentos F1, F5 e F6; a tomada de consciência da escrita
e a confiança no autodesenvolvimento processual, presentes em F1, F3 e F7; a interação e a
aproximação dos colegas, a partir do que escrevem, em F2; bem como, de um modo geral, o
engajamento e compromisso com o que foi planejado.
Ao longo de todos esses anos trabalhando com a oficina de escrita, tenho entrado em
contato com os meus alunos de maneira mais próxima e testemunhado o prazer que sentem ao
verificar que são capazes de escrever, de ter leitores e de melhorar sempre. Que escrever não é
fácil, como diz F5, mas pode ser uma tarefa prazerosa, até mesmo na escola. Revela-se, nesse
processo, a consciência da autoria.
ENCONTRO DE AUTORES
Essa última etapa do processo consiste na reunião de todos os alunos, para a exposição,
uma breve apresentação e circulação dos trabalhos produzidos. O encontro pode ser planejado
pela turma como um evento festivo ou uma confraternização. Oportunamente, e respeitando as
regras institucionais, o professor e os alunos podem trazer convidados para fazerem alguma
apresentação adequada às propostas desenvolvidas pela turma ou apenas apreciarem as
produções dos alunos.
Após esse momento, o professor recolhe os trabalhos para avaliação final. A esta,
pode-se seguir uma exposição para toda a escola, por exemplo, na biblioteca. Isso amplia o
horizonte de circulação dos textos, cujos autores têm a tendência de se sentirem
mais valorizados. Na próxima oficina, com certeza, os alunos iniciarão com maior autonomia
e mais bem preparados do que estavam na primeira experiência.
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ele participar da oficina, pois isso é processual e leva mais tempo. Esse olhar demandará maior
flexibilidade do professor na ferramenta de avaliação.
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Multiletramentos e desenvolvimento de competências em língua
portuguesa: uma experiência com a pedagogia de projetos
e os usos das TDIC
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1
Construindo competências – Entrevista com Philippe Perrenoud, Universidade de Genebra – Paola
Gentile e Roberta Bencini. Disponível em: <http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud>.
Acesso em: 1. dez. 2014.
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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Por sua vez, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) lida com cinco
competências gerais:
a) dominar diferentes linguagens, desde idiomas até representações matemáticas e
artísticas;
b) compreender processos, sejam sociais, naturais, culturais ou tecnológicos;
c) diagnosticar e enfrentar problemas reais;
d) construir argumentações; e
e) elaborar proposições solidárias.
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conscientes. Isso significa que, seja qual for o tema e o objetivo do projeto, ele
necessariamente será analisado e avaliado pelo professor conforme o seu potencial para
mobilizar conhecimentos, experiências, capacidades, estratégias, recursos, materiais e
tecnologias de uso da língua escrita, oral, digital e impressa.
Nesse sentido, o professor, em meio a tantas tecnologias e conhecimentos, não
pode se esquecer da especificidade humana presente no ato de educar, como destaca
Paulo Freire: “Educar não é só transferir conhecimentos, mas levar bom senso,
humildade, alegria, esperança e curiosidade aos educandos” (FREIRE, 1996, p. 47-86).
Segundo Soares (2002), letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever
dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do
aluno. Afinal, a autora defende que, para a adaptação adequada ao ato de ler e escrever,
é preciso compreender, avaliar e apreciar a leitura e a escrita. Para a pesquisadora,
existem modalidades diferentes de letramento, o que sugere que a palavra seja
pluralizada: há letramentos, e não letramento, isto é, diferentes espaços de escritas e
diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita, o que resulta em
diferentes letramentos.
Dos letramentos múltiplos, chega-se aos “multiletramentos”. Para Rojo (2012),
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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comunica por meio de textos multissemióticos, que podem ser impressos ou digitais, e
que se constituem por meio de uma multiplicidade de linguagens (fotos, vídeos e
gráficos, linguagem verbal oral ou escrita, sonoridades) e que fazem significar esses
textos (ROJO, 2012).
2
À época da elaboração do projeto, os alunos foram consultados e elegeram como tema de interesse os
critérios de avaliação da redação do Enem. Na mesma direção, o professor de Língua Portuguesa vinha
já se debruçando sobre estratégias que permitissem aos alunos um conhecimento amplo sobre a
temática, já que percebia a necessidade de que os alunos lessem os documentos oficiais que delineiam o
exame para, então, sentirem-se mais preparados.
3
Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/
2013/guia_participante_ redacao_ enem_2013.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2014.
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4
Convém lembrar que todo esse estudo sobre a Matriz de Referência para Avaliação das Redações Enem
sucedeu os estudos sobre o tipo textual exigido na Redação Enem: dissertativo-argumentativo.
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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5
A redação utilizada foi cedida por um ex-aluno da escola, colega dos estudantes, que já se encontra na
universidade.
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apresentaram uma montagem com a entrevista, realizada por eles utilizando o celular,
com uma professora que leciona aula particular em casa. O vídeo foi uma remixagem
com imagens, sons e textos.
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eles, utilizando o celular, com uma estudante, constando nas imagens a legenda do
roteiro de entrevista elaborado e preservando a identidade da entrevistada.
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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vários aspectos comportamentais dos alunos tais como: iniciativa, persistência, busca de
informações, dinamismo e perspectivas positivas em relação ao exame.
Acreditamos, não sem uma visão crítica, que as tecnologias digitais da
informação e comunicação podem criar oportunidades de estabelecer relações
diferenciadas entre professores, alunos e sociedade, diversificando os espaços de
compartilhamento do conhecimento, ao reconsiderar certas metodologias de
ensino/aprendizagem mais tradicionais e ao proporcionar a todos os envolvidos um
diálogo integrado, colaborativo e interativo de forma local, digital e global.
Nesse contexto, consideramos que o objetivo do Projeto LET foi atingido, pois
proporcionou desenvolver algumas habilidades de produção multissemiótica dos alunos,
levando-os à elaboração de textos em diferentes linguagens e a se tornarem usuários
funcionais, criadores de sentidos, analistas críticos e transformadores.
Tal prática proporcionou ao professor a efetividade de se trabalhar um conteúdo
importante da Língua Portuguesa e aos alunos a autonomia e a criatividade,
desenvolvendo-se por meio de trabalhos em equipe, pesquisando, selecionando e
filtrando as informações. Esperamos que essa experiência seja uma referência para
futuros trabalhos com as tecnologias digitais de informação e comunicação, adaptadas
para o uso na educação.
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Referências
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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A redação do Enem na escola: percurso e resultados de oficinas de escrita
PALAVRAS INICIAIS: LUZES SOBRE O EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO E SEU IMPACTO NA
ESCOLA
Com ampla notoriedade, nos dias de hoje, o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem), sem dúvida, passou a fazer parte do sonho da grande maioria dos estudantes e tem
ganhado, por isso, cada vez mais espaço nas escolas da educação básica e nas universidades
do país.
Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio foi a primeira iniciativa ampla
de avaliação do sistema de ensino implantada no Brasil. Inicialmente, a prova do Enem era
aplicada aos alunos do ensino médio em todo o país para auxiliar o Ministério da Educação na
elaboração de políticas pontuais e estruturais de melhoria do ensino brasileiro.
Entre 1998 e 2008, o Enem era constituído de 63 questões aplicadas em apenas um dia
de prova. Até então, o Exame não se caracterizava, necessariamente, como um mecanismo
para o ingresso em cursos superiores, e apenas algumas poucas universidades utilizavam
porcentagem da nota obtida neste em alguma das etapas do vestibular. Em 2009, um novo
modelo de prova para o Enem foi lançado, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), com 180 questões objetivas e uma questão de redação,
e, com ele, a proposta de unificar o vestibular das universidades federais brasileiras,
respeitando, é claro, a autonomia destas para aderirem ao novo Enem, conforme julgassem
melhor.
Na realidade, tamanho foi o seu alcance que o Enem foi se constituindo, ao longo dos
anos, em mais do que um aporte à avaliação do desempenho escolar e acadêmico ao final do
ensino médio, mas, também, numa espécie de “passaporte” para o acesso do participante à
seleção de importantes programas governamentais, a exemplo do Programa Universidade para
Todos (PROUNI), do Sistema de Seleção Unificada (SISU), do Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES), tendo passado também a ser utilizado como certificação de conclusão do
ensino médio para pessoas maiores de 18 anos de idade e como um dos critérios para a
participação do Programa Ciência sem Fronteiras.
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Com ampla projeção e impacto nacional, pode-se dizer que o Exame, de certa forma,
tem afetado algumas das concepções que orientam as práticas de ensino de muitos
professores, na contemporaneidade, ou, pelo menos, acendido um alerta.
É importante lembrar, aqui, dentre outros, dois aspectos que iluminam a asserção
precedente: (i) em tese, historicamente, a escola sempre valorizou o ensino dos conteúdos
(cada um em sua “caixinha”) em detrimento do estímulo ao desenvolvimento de competências
e habilidades − preocupação esta central para o Exame, o qual avalia, sobretudo, a capacidade
de leitura e de interpretação do aluno/participante, em vez de analisar, pontualmente, um
conteúdo específico; (ii) à escola não é recomendável o distanciamento ou “estrangulamento”
das demandas de seus alunos, e, não se pode negar, o Exame Nacional do Ensino Médio
ganhou essa tônica no quadro das expectativas dos estudantes.
O Enem também avalia a competência escrita do aluno − que, aliás, é o foco da
discussão deste capítulo −, por meio da prova de redação, parte fundamental do Exame, por
interferir diretamente na nota final ou mesmo por poder determinar a desclassificação do
candidato, no processo seletivo. A redação do Enem tem o valor de mil pontos, atribuídos a
partir dos parâmetros definidos por uma matriz de competências.
Nessa medida, é exigida do participante a produção de um texto em prosa do tipo
dissertativo-argumentativo a partir de textos-base acerca de um tema de ordem social,
científica ou política.
Importa mencionar que o Exame Nacional do Ensino Médio está estribado em
documentos parametrizadores, a exemplo dos PCNEM (2006), e, nessa perspectiva, orienta-se
pela concepção de que
há uma estreita e interdependente relação entre formas linguísticas, seus usos
e funções, o que resulta de se admitir que a atividade de compreensão e
produção de textos envolve processos amplos e múltiplos, os quais
aglutinam conhecimentos de diferentes ordens (BRASIL, 2006).
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Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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orientada pelas concepções que engendram a perspectiva dos gêneros do discurso, entendidos,
inclusive, como ‘relativamente estáveis’ ”.
Sobre a questão discutida vale ressaltar que
“a avaliação dos textos, no ENEM, tem por objetivo verificar competências
linguísticas na dimensão textual. Isso implica considerar o desempenho
linguístico do participante quanto às habilidades de demonstrar
conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para seleção,
organização e interpretação de informações, estruturando-as em um texto
dissertativo-argumentativo” (BRASIL, 2013).
Como já sinalizado, o Enem está para a escola, como a escola está para os alunos.
Noutros termos, a relação que se menciona, ao nosso ver, é natural e legítima, claro, desde
que a escola saiba dosar e refletir de forma consciente sobre o nível de influência do Exame
nas concepções e propósitos que devem nortear, de fato, a formação integral dos seus alunos.
Pode-se inferir, inclusive, que a prova de redação do Enem está fortemente ancorada
em uma concepção de letramento autônomo, isto é, o que se avalia são habilidades cognitivas
dos alunos em relação às expectativas do domínio da escrita do texto
dissertativo-argumentativo. E, na verdade, o investimento da escola, nesse sentido, deve ser
sempre maior, ou seja, o letramento escolar/autônomo deve ser apenas um dos muitos e
múltiplos letramentos a serem mobilizados na ambiência da escola. O ideal é que, na sala de
aula, por exemplo, as práticas de escrita estejam associadas aos vários papéis sociais que os
alunos irão assumir em sua vida cotidiana.
Apesar da existência de críticas como as anteriormente aqui levantadas, não se pode
negar que o Exame Nacional do Ensino Médio se consolidou como uma iniciativa
bem-sucedida do Governo Federal, o qual, de fato, é hoje o maior exame seletivo do Brasil.
Razão natural que justifica o esforço de muitas escolas na tentativa de oportunizar aos seus
alunos a igualdade de condições de participação do Enem.
Nessa direção, destacamos nosso interesse em apresentar, neste capítulo, aspectos
relevantes que nortearam o planejamento, a realização e a avaliação de uma Ação1 (oficinas
de preparação para redação do Enem/2014), vinculada ao Projeto “Leitura e Escrita no Ensino
Médio: demandas para a ação e formação de professores; caminhos para novas práticas”,
desenvolvida em uma escola da rede pública estadual de ensino, em Belo Horizonte, com a
participação de alunos dos 2º e 3º anos do ensino médio, por meio de parceria firmada entre
estudantes de graduação do Curso de Letras da PUC Minas, e a escola contemplada no
referido projeto, a Escola Estadual Bernardo Monteiro (EEBM).
1
A ação mencionada foi planejada e executada pelos autores, à época graduandos do Curso de Letras da PUC
Minas, a partir de uma demanda da própria escola, que, por meio de sua representante, professora de Língua
Portuguesa, também, integrante do Projeto, formalizou o pedido para que as oficinas de preparação para o
Enem acontecessem na escola, coordenadas pela equipe do projeto. O desejo era o de que tais oficinas
auxiliassem os alunos para a preparação para a prova de redação do Enem 2014, e, de igual modo, servissem à
formação continuada dos docentes da escola, os quais, uma vez interessados, poderiam também participar do
processo.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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2
Dois desses momentos, por exemplo, aconteceram com a coordenação de dois integrantes da equipe do projeto,
os quais promoveram i) uma capacitação, na própria EEBM (com a participação, inclusive, de professores de
várias áreas, que se interessaram pela temática), onde houve um estudo criterioso da Matriz de
Referência/Competências que orienta a atribuição de valores e critérios para a (des)classificação do candidato
ao Enem; ii) como complemento desse treinamento, em um outro momento, contou-se com um estudo
minucioso do Guia do participante do Enem.
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Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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3
Convidamos um grupo de alunos da própria escola e registramos uma fotografia destes, a qual foi utilizada na
produção do cartaz-convite que anunciava o “Evento”. Consideramos que a ação foi positiva, já que os alunos
mencionados demonstraram uma alegria contagiante quando se viram nos vários cartazes espalhados pela
escola, o que acabou, também, despertando o interesse e a curiosidade dos demais colegas em participarem das
oficinas.
4
A direção da escola, juntamente com os professores de todas as disciplinas, organizou-se de modo a
disponibilizar os dois últimos horários das aulas para a realização das oficinas, as quais aconteceram nas
próprias salas de aula das turmas dos 2º e 3º anos do ensino médio. Cumpre destacar, desse modo, o caráter
colaborativo em que se deu a ação.
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5
Esses esquemas eram registrados no quadro, por nós, à medida que os alunos iam expondo seus pontos de vista
a respeito das temáticas debatidas. Considerávamos importante a reflexão, junto aos alunos, sobre quais
argumentos, por exemplo, eram mais consistentes para a defesa da tese dos textos, e, também, víamos, nestes
momentos, a oportunidade de discutir e refletir sobre a estrutura composicional do texto
dissertativo-argumentativo. Além do registro de esquemas no quadro, a primeira atividade de escrita das
oficinas também contribuiu para a formulação, por parte dos alunos, do que nomeamos pré-texto. Trata-se de
uma estratégia para demonstrar, de forma clara e objetiva, aspectos composicionais que tocam a estrutura do
texto dissertativo-argumentativo: introdução, desenvolvimento e conclusão.
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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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Além dos debates mencionados, cada uma das oficinas foi dedicada à exploração de
aspectos importantes relacionados às cinco competências descritas na Matriz de Referência da
Redação do Enem. A quarta oficina, por exemplo, tratou dos articuladores textuais e
demonstrativos, e distribuímos um material com o intuito de elucidar tal conteúdo e mostrar
aos alunos a finalidade que tais elementos cumprem nos textos.
Após a realização das oficinas, organizávamos encontros,6 entre nós, com o propósito
do estudo e da discussão do redirecionamento de ações de natureza pedagógica, a partir da
análise diagnóstica do nível de proficiência dos alunos em relação às competências avaliadas,
segundo a Matriz de Referência do Enem. Dessa forma, a cada nova oficina, retomávamos,
em sala de aula, de modo geral, as observações levantadas, no momento da correção das
produções dos alunos, na tentativa de reforçar e esclarecer a eles, pontos passíveis de
aprimoramento nelas detectados.
Além disso, os alunos recebiam a correção dos seus textos, nos quais havia o registro
das observações feitas e orientação para a reescrita de uma nova versão.
Para maior compreensão do nível de proficiência dos alunos participantes das oficinas,
e do impacto da dinâmica metodológica adotada, no processo de escrita/reescrita dos alunos,
apresentamos, em breve seção, a seguir, algumas considerações, tomando-se, como ponto de
partida, comentários gerais acerca de um texto produzido por um dos alunos, o qual será
analisado em sua primeira e segunda versões.
6
Após a execução de cada oficina, eram realizadas reuniões internas de partilha das experiências entre os
monitores e a coordenadora do projeto, professora Juliana Alves Assis, para a discussão dos aspectos positivos,
ou seja, daquilo que foi previamente programado e que funcionou conforme o previsto e daquilo que exigia
uma reformulação para que a eficácia fosse conseguida, como, por exemplo, propor soluções para problemas
detectados no processo de mapeamento das produções dos alunos, o qual indicava, dentre outras, dificuldades
relacionadas aos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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inclusive no que toca à utilização do espaço da folha7 entregue aos estudantes para a escrita.
Destaque-se que a correção dos textos produzidos nas oficinas guiou-se pelas competências
descritas acima.
Texto 1 (Primeira versão)
FOLHA DE REDAÇÃO
1 Quando um humorista como Rafinha Bastos vai para a frente das câmeras, o esperado
é que
2 aja um belo processo judicial contra ele por que suas piadinhas são muito bestas
3
4 Ele se acha no direito de invadir a vida das pessoas e acaba arrumando polêmicas com
5 pessoas famosas
6
7 O público não presta atenção nas coisas que ele fala, mas o que está em jogo e a
integridade
8 das pessoas.
9
10 Uma boa solução para esse problema è acabar com esse tipo de programa de vez
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7
Na folha de redação utilizada nas oficinas, havia, abaixo das linhas destinadas à escrita do texto, as seguintes
instruções:
1. Preencha o cabeçalho corretamente;
2. Transcreva sua redação com caneta esferográfica de tinta azul ou preta;
3. Escreva a sua redação com letra legível, risque, com um traço simples, a palavra, a frase, o trecho ou sinal
gráfico e escreva, em seguida, o respectivo substituto;
4. Não será avaliado texto escrito em local indevido. Respeite rigorosamente as margens;
5. Utilize os textos motivadores como material de apoio, mas não os copie.
Bom Trabalho!
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Fonte: Dados das oficinas.
A respeito do texto 1, importa dizer, a princípio, que se trata de uma primeira versão
produzida pelo aluno, a partir do tema “Os limites do humor”, conforme proposta anexa.
De saída, embora o expediente em cena (folha de redação) não estipule o número
mínimo de linhas para a produção do texto, uma vez que essa orientação já havia sido
discutida quando do estudo das diretrizes da proposta original do Enem − “Guia do
participante” − e retomada oralmente, no momento de execução da oficina em destaque,
observa-se que o aluno, autor do texto 1, não atentou para essa questão, inclusive, saltou
linhas ao longo da escritura do texto, atitude passível de desclassificação, fosse na prova de
redação do exame. Além disso, o texto também não apresenta um título. Ainda que essa não
seja uma exigência obrigatória, no exame, pode-se dizer que a ausência do título, no texto, em
certa medida, nos dá pistas sobre a dificuldade do aluno de construir interpretações sobre
aquilo que ele mesmo escreve, ou seja, a produção do texto não lhe possibilitou ter uma visão
geral de um título que pudesse remeter ao assunto abordado.
Ainda sobre o número de linhas preenchido, vale dizer que este denuncia a ausência de
argumentos e informações, por parte do escrevente, para fundamentar, em linhas gerais, a sua
tese de que “quando um humorista como o Rafinha Bastos vai para a frente das câmeras, o
esperado é que aja um belo processo judicial contra ele por que suas piadinhas são muito
bestas”. É bastante evidente que a capacidade de selecionar, relacionar, organizar e interpretar
informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, aparenta
comprometimento, na produção em exame.
Como se pode ver, o texto não apresenta estratégias argumentativas, a título de
exemplificações ou citações, por exemplo, para defesa do ponto de vista. O que se flagra são
asserções de natureza “subjetiva” a respeito da tese posta. Observa-se que o aluno
compreende a proposta do tema, mas demonstra dificuldade em instituir um nível de
informatividade ao texto.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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2 é que, no dia seguinte, haja um processo contra ele, porque suas piadas provocam
3 muito mais polêmicas do que risos.
4 Ele se acha no direito de falar o que quiser e de invadir a vida das pessoas por que tem a
5 proteção do canal de televisão. Ele se esqueci de que as críticas não serão bem aceitas, e
que
6 muitos se sentirão ofendidos e por esse motiva, é que acaba arrumando polêmicas com
pessoas
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Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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7 famosas.
8 O público que assite a esses programas também não presta atenção na gravidade das
coisas
9 que ele fala e, na maioria das vezes, não intende que o que está em jogo é a integridade
moral
10 das pessoas. Isso nos leva a pensar em até que ponto esse humor que usa a vida particular
das
11 pessoas para fazerem outras rirem deve ser considerado engraçado ou criminoso.
12 Defender a censura não é a melhor solução, entre tanto, deixar de punir também não é.
13 Não estamos mais vivendo a época da ditadura, por isso, a liberdade de expressão deve ser
14 garantida do mesmo jeito que deve ser respeitado o direito de qualquer cidadão.
15 Uma solução para esse problema é a punição para o humorista e para o canal de
televisão
16 que aceita que essas piadas continuem acontecendo e permindo que o desrespeito aumente.
17 Isso poderia impedir que tudo fosse transformado em piada e contribuir para uma reflexão
sobre
18 o que deve e o que não deve virar motivo de riso.
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Fonte: Dados das oficinas.
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transformado em piada e contribuir para uma reflexão sobre o que deve e o que não deve
virar motivo de riso”.
Observe-se que, na versão 1, o aluno sugeriu a proibição de programas de humor que
adotem a conduta já mencionada. Em contrapartida, na segunda versão do mesmo texto,
demonstra repensar tal sugestão, já que sugere apenas a punição do humorista e do canal de
televisão. Esse posicionamento é bastante coerente com as ideias defendidas no parágrafo
precedente, no qual o escrevente remete à questão da liberdade de expressão do cidadão.
Cumpre dizer que, embora a segunda versão do texto seja, ainda, passível de
aprimoramentos no que se refere aos aspectos do domínio da norma culta e aos mecanismos
linguísticos necessários à construção e fundamentação da argumentação, como estratégias
argumentativas e outros, é visível que a atividade de reescrita do texto foi bem-sucedida.
E, mais, consideramos que essa prática foi significativa tanto para os alunos, que
tiveram a oportunidade de repensarem/refletirem sobre as suas produções textuais, por meio
de uma ação epilinguística necessária à apropriação da escrita, quanto para nós, que fomos
formadores e mediadores do processo e, como tais, pudemos flagrar os impactos da prática da
reescrita nos avanços demonstrados pelos alunos.
texto produzido, o que lhes possibilitou flagrar suas dificuldades e potencialidades, para, a
partir da consciência destas, atuarem como protagonistas de seus aprendizados, na prática de
reescrita − ação constitutiva da escrita, a qual, nem sempre, é validada no trabalho com a
escrita na escola.
Noutros termos, preservamos a inserção dos sujeitos-alunos no processo de produção,
correção e refacção textual. E, nesse sentido, há que se ressaltar que a interação entre os
alunos e nós, oficineiros, foi construída, de modo que os estudantes tivessem sempre o
feedback sobre a correção das suas produções e se sentissem à vontade e provocados a nos
questionarem sobre quaisquer aspectos dessa correção. Esse “retorno/feedback” tomou forma,
inclusive, a partir da projeção de uma resposta/correção discursiva em que não privilegiamos
as “chamadas notas”, mas investimos na projeção de uma conversa orientadora, apontando
aspectos positivos e passíveis de melhoria, para a escrita de uma segunda versão dos textos.
Sem dúvida, tal ação se delineou para os alunos como motivação para as práticas de
escrita e reescrita. Essa ideia pode ser fortalecida, por exemplo, ao se pensar nos avanços
flagrados nos textos analisados, na seção anterior, os quais demonstram o esforço do aluno no
investimento da ação de reescrita. Ao nosso ver, trata-se de um dado bastante significativo,
que nos dá pistas sobre os impactos das oficinas na/para a formação de alunos-sujeitos
escritores.
Outra questão que consideramos importante evocar foi o fato de que, nas oficinas, os
alunos tiveram a oportunidade de discutirem e se posicionarem sobre fatos e assuntos da
atualidade − ação necessária e significativa à construção de sujeitos conscientes, e, portanto,
capazes de se posicionarem tanto na enunciação oral quanto na escrita. A escola, com efeito,
não deve ser uma instituição à parte da sociedade e /ou dos acontecimentos da sociedade;
estes devem, sim, constituir pauta na agenda escolar.
De outro lado, ao julgar que as oficinas de preparação para a redação do Enem 2014
foram projetadas, executadas e refletidas por pessoas de diferentes níveis de formação e que,
também, permitiram vivenciar a experiência ensino/pesquisa e extensão, cabe salientar o
quanto todas as partes integrantes do projeto, inclusive, nós, formaram e foram formadas em
diferentes situações de interações interpessoais. Essa formação escapa aos livros didáticos,
teóricos por se materializar, indiscutivelmente, na/pela prática.
Como professores em formação inicial, portanto, fomos provocados a repensar e
(re)direcionar práticas face à realidade plástica e sensível a que os alunos, com suas demandas
singulares, foram nos desafiando ao longo do processo. Sem dúvida, para que os resultados
sejam efetivamente alcançados é preciso um olhar atento para o aluno e para as respostas que
ele oferece a cada nova metodologia aplicada.
É preciso dizer, nessa medida, que o planejamento, preparação e execução das oficinas
nos fez atentar para o fato de que muito mais que uma necessidade, há que se ter uma
exigência e/ou ação maior e mais consistente, nos cursos superiores de licenciatura, no sentido
de que a formação de profissionais da educação seja orientada para o contato cada vez mais
próximo com o ambiente escolar, de forma a permitir que tais profissionais possam,
efetivamente, assumir, pela prática, a identidade de professor.
Para nós, o exercício da atividade docente, tal qual como buscamos viver nas oficinas,
implica reconhecer e respeitar a diversidade dos alunos, entender que os tempos de
aprendizagem não são os mesmos, construir o conhecimento coletivamente, trabalhar
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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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Referências
BRASIL. Manual de capacitação para avaliação das redações do Enem 2013. Disponível
em: <http://oglobo.globo.com/arquivos/manual-avaliadorENEM2013.pdf>. Acesso em: abr.
2016.
BRASIL. Matriz de Referência para o Enem. Brasília, DF: SEB/MEC, 2013. Disponível
em: <http://download.inep.gov.br/download/enem/2009/Enem2009_matriz.pdf>. Acesso em:
abr. 2016.
VICENTINI, Monica Panigasse. O efeito retroativo da redação do Enem: uma análise das
práticas de duas professoras do terceiro ano do Ensino Médio. Disponível em:
<http://www.ileel.ufu.br/anaisdosielp/wp-content/uploads/2014/11/208.pdf>. Acesso em: abr.
2016.
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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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ANEXO A
PUC Minas
Escola Estadual Bernardo Monteiro
Até onde o humor pode ir? Vale gozar da religião dos outros? E quanto a piadas
francamente racistas, sexistas e homofóbicas? Sou da opinião de que, enquanto o alvo das
pilhérias são instituições e mesmo grupos, vale tudo. Balanço um pouco quando a vítima é
uma pessoa física específica, hipótese em que talvez discutir alguma forma de indenização.
(Limites do humor, Hélio Schwartsman, em 22/1/2014.)
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2014/01/1400716-
limites-do-humor.shtml>. Acesso em: 2 set. 2014.
Sobre o episódio envolvendo o ex-apresentador do CQC, Ziraldo disse que não deve
haver censura. A liberdade de expressão é garantida na Constituição. Para ele, cada um deve
fazer o que quiser, mas terá que pagar pelo que disse. O chargista classificou Rafinha Bastos
de “doente” porque o comentário sobre Wanessa Camargo era ofensivo – e nem foi
engraçado. Ziraldo considera que a emissora deveria, sim, ter punido Rafinha pelo “nível da
grosseria”. No entanto, o canal poderia ter oferecido direito de defesa ao apresentador.
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_________________________________
(O caso Rafinha Bastos e os limites do humor, por Lilia Diniz em 20/10/2011, na edição 664.)
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_caso_rafinha_
bastos_e_os_limites_do_humor>. Acesso em: 2 set. 2014.
Figura 1
Figura
Mãos à obra!
1º) Introdução (o que você defende): [É a ideia que será defendida no texto; ela deve estar
relacionada ao tema e apoiada em argumentos ao longo da redação.]
174
Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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Na introdução você deverá escrever, de forma sintética, a tese principal do texto que irá
escrever, com base nos textos motivadores que são apresentados na prova. Escreva então uma
frase que resuma a tese que você defenderá:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
2º) Desenvolvimento (por que você defende): [É a justificativa para convencer o leitor a
concordar com a tese defendida. Cada argumento deve responder à pergunta “Por quê?” em
relação à tese defendida.]
No desenvolvimento temos que convencer o leitor a concordar com a tese defendida. O
desenvolvimento deve responder à pergunta “por quê?”. Escreva, a seguir, dois ou três
argumentos que serão usados no seu texto:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
[Lembrar os alunos que, na hora da escrita do texto, os argumentos serão desenvolvidos por
meio de exemplos, dados estatísticos, pesquisas, fatos comprováveis, citações ou depoimentos
de pessoas especializadas no assunto, alusões histórias, comparações entre fatos, situações,
épocas ou lugares distintos.]
175
Ensino e aprendizagem de literatura no ensino médio via internet
APRESENTAÇÃO
a informática adentra cada vez mais na sala de aula. Alunos e professores não
são indiferentes ao seu uso nas atividades da e para a escola. A ampliação do
uso dessa ferramenta na mediação do conhecimento pode contribuir para o
processo de ensino e da aprendizagem, principalmente em se tratando do
computador e da internet, tendo em vista as vantagens que oferece (ALTOÉ;
SILVA, 2008, p. 25).
pode, assim, planejar atividades em que o aluno faça uso dela em busca de
conhecimentos, atividades, enfim, como fonte de estudo.
Quanto à Literatura, objeto caro a este capítulo, percebe-se que a midiatização de
textos literários tornou o acesso a eles mais democrático. Há alguns anos, a produção
literária era destinada apenas à nobreza. Hoje, vemos que mesmo pessoas que têm mínimo
acesso a bibliotecas podem ler, pesquisar e até baixar obras, desde as mais recentes até as
canônicas, já que há sites e blogs que fornecem links de pesquisa e downloads gratuitos
de obras literárias. Sobre isso, assim se pronuncia Correia (2008):
É importante salientar que há, ainda, a publicação em sites e blogs com resultados
de pesquisas e textos informativos que, se não substituem, pelo menos reforçam e/ou
complementam as informações sobre os diferentes assuntos relativos à literatura, dentre
eles estudos sobre a História da Literatura, como é propósito deste trabalho evidenciar.
Um dos entraves que pode se interpor entre a possibilidade de estudo via internet
e o acesso, de fato, a ela, é que nem todas as escolas da rede pública disponibilizam
laboratório com computadores conectados, suficientes para uso dos alunos.
A EXPERIÊNCIA NA ESCOLA
Na escola em que se deu a prática interventiva cujos dados trazemos a este texto,
há um laboratório com 21 computadores novos e modernos. Os alunos têm aulas da
disciplina optativa “Tecnologia”, na qual sempre fazem atividades voltadas para o estudo
de conteúdos escolares, apresentação de trabalhos, pesquisas, apenas durante o período
da aula. Contudo, essa quantidade de aparelhos não atende à demanda de uma turma
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Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
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inteira, sendo necessário dois ou mais alunos dividirem uma só máquina. Vale salientar
que o ensino médio, na referida escola, funciona no turno matutino, atendendo, ao todo,
800 alunos, divididos em 21 salas de aula, o que configura uma média de 38 alunos por
sala.
Para caracterização da turma com referência à possibilidade de acesso à internet, por
conta própria, foi aplicado um questionário (Apêndice A), a uma amostra de alunos do ensino
médio, com questões de múltipla escolha, respondido no espaço da sala de aula durante uma
aula de Língua Portuguesa.
A resposta à primeira questão permitiu a constatação de que 90% têm acesso à
internet, todos os dias, em casa e na escola, em aparelhos como o celular e o computador,
indicativo que dá sustentação à possibilidade de os professores marcarem atividades
escolares para serem feitas via internet, em casa ou na escola.
Ao enumerarem os motivos que os levam à utilização da internet, 100% assinalaram,
em primeiro lugar, o acesso às redes sociais. Como segunda opção, apareceram estudo e
elaboração de trabalhos escolares (15%), seguida de navegação aleatória sem alguma
finalidade específica (8%) e jogos (5%).
Ficou evidente que os alunos se envolvem com as redes sociais e deixam em segundo
plano as atividades de estudo e elaboração de trabalhos escolares. Vale salientar que eles
ainda não foram motivados, já que a escola pouco incentiva, dada a precariedade do
laboratório, a falta de oportunidade de utilização desse espaço fora dos horários de aula e o
fato de proibir a utilização dos computadores durante as aulas. Sendo assim, é provável que
a maioria ainda não sabe explorar as possibilidades que a rede oferece.
Ao serem questionados sobre a leitura e a escrita, cerca de 60% dos sujeitos disseram
que não têm o hábito de realizar leituras de textos teóricos via internet, e mais de 82% deles
afirmaram que não têm oportunidade de realizar a escrita nesse meio.
Por fim, por meio da pergunta acerca do interesse em utilizar a internet como espaço
para leitura e escrita, obteve-se um posicionamento satisfatório, tendo em vista que 90% dos
questionados demonstraram desejo de utilizar a internet para essa finalidade.
Ficou, pois, constatado, a partir dos dados expostos, que os alunos já utilizam a
internet para outros fins, que não os de estudo sistemático dos conteúdos escolares e, ao
mesmo tempo, que o perfil do aluno de ensino médio possibilita a inserção, pela escola, de
orientações de estudo por meio desse recurso tecnológico.
Sendo assim, tivemos como objetivo geral da intervenção demonstrar essa
possibilidade de forma prática, elaborando e desenvolvendo um plano de ação, referente ao
estudo da História da Literatura, com uma amostra de alunos do ensino médio.
Para o desenvolvimento da proposta, partimos do princípio de que os conteúdos
curriculares são mais bem aprendidos e praticados por alunos do ensino médio se,
paralelamente às aulas teóricas/expositivas, que não perderam seu espaço, forem introduzidas
práticas de estudo via internet e trocas de conhecimentos entre os próprios alunos, sob a
mediação do professor. Consideramos ainda que, conforme Coscarelli e Ribeiro (2011), obras
em formato digital naturalmente incorporam características inerentes às mídias digitais, sendo
assim, pressupõem a formação de letrados digitais.
No que toca ao letramento digital, recorremos a Coscarelli e Ribeiro (2011, p. 9), ao
afirmarem que “letramento digital é o nome que damos, então, à ampliação do leque de
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________
possibilidades de contato com a escrita também em ambiente digital (tanto para ler quanto
para escrever)”.
Importante destacar que, em trabalho anterior, Coscarelli (2005) já havia colocado
em evidência as vantagens de se trabalhar com os recursos digitais nas escolas, desde que
sejam adequadamente conciliados com os objetivos de ensino do conteúdo, não dispensando,
portanto, o planejamento de estratégias direcionadas para o uso do computador. Tanto melhor
que o professor desenvolva suas aulas de forma atrativa, motivadora e, de preferência,
associadas a recursos a que os alunos têm acesso e já utilizam normalmente.
O entendimento foi de que a escola pode, efetivamente, contribuir para a
exploração das potencialidades de seus alunos se for ao encontro do desejado e necessário
para o atendimento das necessidades, anseios e expectativas deles. Consideramos que a
juventude atual está envolvida com os recursos de comunicação proporcionados pela
internet e que, sendo assim, se estes forem disponibilizados como recursos de estudo dos
conteúdos escolares, haverá um envolvimento efetivo de todos, o que proporcionará a
aprendizagem de uma forma agradável e significativa.
Nesse sentido, objetivamos especificamente, proporcionar o estudo da História da
Literatura, mediado pela internet, seguido de debate em sala de aula. Vale salientar que a
proposta inicial era a leitura de textos literários, contudo, a professora regente solicitou
que déssemos continuidade ao estudo dos estilos de época para dar sequência ao seu
planejamento.
O método de pesquisa foi etnográfico já que requereu, inicialmente, a inserção do
pesquisador na escola campo para caracterizá-la como um fenômeno concreto da
realidade educacional, espaço de relações sociais e de poder, imbricada numa rede de
significados socialmente compartilhados entre todos os agentes que nela atuam.
Considerando que os sujeitos envolvidos tinham objetivos e metas comuns, a
opção metodológica foi pela pesquisa-ação. A tentativa foi dar relevância ao ensino da
História da Literatura de forma a associar os interesses dos alunos aos objetivos do
professor regente da disciplina Língua Portuguesa, tendo em vista que, no momento, ele
explorava, conforme seu planejamento, esse conteúdo.
Considerou-se aqui o proposto por Sacristán (1999), quando afirma que a ação
pertence aos sujeitos, é própria dos seres humanos que nela se expressam. Nesse sentido,
o papel do pesquisador consiste em ajudar a escola a problematizar as ações, de forma a
possibilitar a ampliação da consciência dos sujeitos envolvidos, com a finalidade de
planejar as formas de transformação não só das ações, mas também das práticas.
A turma eleita foi o primeiro ano do ensino médio de uma escola pública do
município de Montes Claros – Minas Gerais, na qual fazíamos o estágio de observação
da regência no ensino fundamental e médio. Os alunos estavam na faixa etária
compreendida entre 15 e 16 anos. Essa turma foi indicada pela professora regente de
Língua Portuguesa como sendo desinteressada pelas aulas e adepta do uso do celular na
sala de aula, muito embora essa seja uma prática proibida pela escola.
Para o desenvolvimento das atividades práticas, foi elaborado o seguinte plano de
intervenção:
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Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
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Quadro 1
Plano de Ação
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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PLANO DE AULA
ESTAGIÁRIA PESQUISADORA: Ananda Silva Leite – sexto período do Curso de
Letras/Português
TURMA: Primeiro ano C do ensino médio – Matutino
DISCIPLINA: Língua Portuguesa
UNIDADE: Periodização da Literatura Portuguesa
CONTEÚDO: Literatura/História da Literatura
Era Medieval
Trovadorismo: cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer.
Humanismo: poesia palaciana ou quatrocentista – Teatro popular – Gil Vicente.
Era Clássica
Quinhentismo ou Classicismo: Camões Lírico, Camões Épico – Os Lusíadas.
Seiscentismo ou Barroco: Panorama histórico, Literatura dos padres, Pe. Antônio
Vieira.
Setecentismo ou Arcadismo: Literatura Neoclássica, Árcades e Bocage.
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OBJETIVOS
Geral: Proporcionar a leitura de textos informativos e de obras ilustrativas dos
diferentes períodos para o desenvolvimento de competências tais como:
METODOLOGIA
Leitura na internet e preenchimento do esquema.
Exposição dialogada: apresentação dos resultados e discussão com os colegas, a
professora e a pesquisadora.
Síntese dos principais aspectos.
Realização de novas buscas na internet, se necessário.
LINKS:
http://www.infoescola.com/literatura/classicismo/;
http://www.zun.com.br/classicismo-contexto-historico-e-caracteristicas/;
http://www.soliteratura.com.br/barroco/;http://pt.wikipedia.org/wiki/Barroco;
http://www.infoescola.com/literatura/arcadismo/;
http://www.suapesquisa.com/artesliteratura/arcadismo.htm;
http://educacao.globo.com/literatura/assunto/movimentos-literarios/arcadismo.html;
http://www.coladaweb.com/literatura/trovadorismo;
http://www.brasilescola.com/literatura/trovadorismo.htm;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Trovadorismo;
http://www.brasilescola.com/literatura/humanismo.htm;
http://guiadoestudante.abril.com.br.
https://scholar.google.com.br/scholar?
AVALIAÇÃO
Preenchimento de um esquema caracterizando as épocas e os estilos, principais autores
e ilustrando com textos, pinturas, esculturas e outras obras.
Apresentação dos esquemas com ênfase, sobretudo, nas obras lidas.
Conversa informal: levantamento do nível de entendimento do conteúdo e de
satisfação com a metodologia.
Fonte: Dados das autoras.
183
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________
APLICAÇÃO DO PLANO
A ação 3 foi desenvolvida na sala de aula por meio de uma conversa informal com
os alunos, durante a qual foram explicadas a metodologia e as ações, com seus respectivos
objetivos. Essa conversa teve como objetivo motivar a turma para o desenvolvimento da
proposta. Foi criada uma grande expectativa, e os alunos se mostraram entusiasmados e,
ao mesmo tempo, surpresos com a possibilidade de usar o celular, conectado à internet,
como recurso de estudo, pela primeira vez, em sala de aula. Comentaram que era uma
proposta diferenciada das aulas expositivas que tinham e que o celular, até então, era um
instrumento proibido na escola.
O cumprimento da ação 4 “Acesso aos links, leituras e anotações” foi, sem dúvida,
o ponto alto do desenvolvimento do plano de ação. Foi solicitado que os próprios alunos,
em grupos, procedessem à busca em seus celulares e localizassem links referentes ao
assunto em pauta. Alguns links foram sugeridos pela pesquisadora. Foi um momento de
verdadeiro envolvimento com a leitura informativa e de obras referentes ao conteúdo.
Dado o número de endereços que abordam a temática, foi muito intensa a
interatividade. Cada um lia e compartilhava com os demais colegas as informações,
exemplos de textos e de obras ilustrativas dos movimentos literários encontrados. Eles
discutiam exemplos com dedicação, comprometimento e investimento responsável na
tarefa, o que permitia, ao mesmo tempo, a troca de conhecimentos e discussões sobre o
item que estava sendo abordado.
Sobre a natureza dos textos presentes nos sites, vale salientar que, em vários deles,
não há o texto literário disponível na primeira página. São textos informativos. Por
exemplo, o site <http://www.infoescola.com/literatura/classicismo/> possibilita o acesso
a informações sobre o Classicismo ou o Quinhentismo (século XV), explicitando origens,
principais características e autores. À primeira vista, parece simples. Contudo, há palavras
e expressões sublinhadas, que, ao serem clicadas, permitem direta e imediatamente o
acesso a outras páginas, as quais, por sua vez, remetem a outras, que vão complementando
as informações, acrescentando conteúdos, e, principalmente, levando aos autores e às suas
obras, na maioria das vezes ilustradas e discutidas. E não para por aí, já que outros links
estão disponibilizados como que convidando à continuidade do processo de leitura e
consequente à obtenção de novos conhecimentos.
O compartilhamento de dados permitia a seleção de informações relevantes para
o preenchimento do quadro esquemático, sugerido para sintetizar o conteúdo e para
funcionar como suporte para as discussões. Além disso, as discussões suscitavam a
criticidade, no sentido de não apenas reproduzir, mas de produzir sentidos, de forma
autônoma, sobre os conhecimentos acerca do que se lia. Segue exemplo de um quadro
esquemático preenchido.
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Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
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Quadro 3
Quadro esquemático de um tópico da Era Clássica
Gil Vicente: viveu entre 1470 e 1536, período de transição (fim da Era
Medieval e começo da Era Moderna:
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________
Infelizmente o tempo reservado para essa atividade não foi suficiente para ver de
forma aprofundada todos os itens do conteúdo proposto, contudo, uma amostra de cada
um foi obtida. A intervenção do professor é necessária para ajudar no direcionamento das
leituras, pois há o risco de o aluno perder-se na gama de possibilidades disponibilizadas.
Não foi possível, também, dar continuidade à intenção de preenchimento do
quadro esquemático, resumindo todos os tópicos estudados. O assunto delimitado é vasto,
as obras são grandes, as possibilidades de caminhos são muitas e há que ser feita uma
exploração da linguagem para, de fato, proporcionar o enriquecimento do repertório de
conhecimentos dos alunos.
Ao acabar o tempo da aula e encerrarmos as atividades, os alunos protestaram.
Alegaram que estava muito bom e que havia necessidade de continuar para entrar em
contato com os demais itens do conteúdo. Não havia sido previsto, contudo, foi
recomendado que continuassem a atividade em casa. Na aula seguinte, haveria avaliação,
e a professora regente não nos cedeu mais tempo para continuidade da proposta.
É importante salientar que os alunos não demonstraram dificuldades em relação
ao procedimento proposto. Ficou evidente a facilidade com que acessam a rede e com
que encontram os links. Um ou outro teve dúvidas relativas ao movimento literário em si,
e, por isso, a presença da professora fez toda a diferença, ora para explicar a terminologia,
ora para reencaminhar para outro link ou verbete, a fim de que eles próprios pudessem
sanar as dúvidas e mesmo para conduzir o processo de seleção de informações, de forma
a evitar que os alunos ficassem apenas no estudo das características gerais e de fato
chegassem aos textos ilustrativos dos momentos históricos e os lessem, explorando o
autor, seu fazer e os discursos fundantes dos textos literários.
Em se tratando do estudo da História da Literatura, a experiência confirmou que
ela deve ser abordada como produto resultante de uma sócio-história que supõe sujeitos
em interação, durante a qual o texto informativo e a obra são lidos, explicados e
compreendidos, num processo dialógico, do qual o professor é o mediador.
Além disso, ficou explícito que é necessário levar em conta o contexto em que os
textos são produzidos, a relação deles com outros textos, e, ainda, o conhecimento que o
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Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
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leitor precisa ter do contexto de produção. No caso do assunto em questão, pelo fato de
serem autores e obras não contemporâneos, faz a diferença situá-los no tempo para que a
linguagem seja compreendida.
Da forma como foi estudado, o conteúdo não foi abordado apenas como um objeto
para o ensino das características presentes na obra literária, nem apenas como pretexto,
por exemplo, para observação das figuras de linguagem usadas pelo autor. Houve, de fato,
compartilhamento de ideias e envolvimento efetivo, de forma prazerosa, com as
atividades propostas. Consideramos relevante o fato de que, na avaliação final, todos
afirmaram que gostaram de vivenciar a experiência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
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Referências
ALTOÉ, Anair; SILVA, Vera Lucia Pinelli da. Educação e informática: formação de
professores para a educação básica. Maringá: UFPR, 2008.
COSCARELLI, Carla Viana; RIBEIRO, Ana Elisa (Org.). Letramento digital: aspectos
sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
KIRCHOF, Edgar Roberto. Como ler textos literários da cultura digital? Estudos de
Literatura Brasileira Contemporânea, n. 47, p. 203-228, jan./jun. 2016.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Apêndice A
Prezado(a) aluno(a),
Ao responder às questões abaixo você estará contribuindo para o levantamento
de dados referentes à pesquisa proposta pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais – PUC Minas, em parceria com a Universidade Estadual de Montes Claros –
Unimontes, que culminará com a escrita de artigo científico a ser publicado pela
acadêmica do Curso de Letras/Português Ananda da Silva Leite, bolsista do PIBIC no
“Projeto Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação e a formação de
professores, caminhos para novas práticas”, coordenado pela PUC Minas.
Não há necessidade de se identificar.
Questões
1. Você tem acesso à internet? Em que lugares?
( ) Sim ( ) Não
( ) Na escola ( ) Em casa ( ) Lan house ( ) Não tenho acesso
( ) Sim ( ) Não
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Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________
( ) Sim ( ) Não
Em caso positivo, quais textos? ______________________________________
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A cultura digital na escola: o lugar do contraditório
Sandra Cavalcante
Josiane Militão
Daniella Rodrigues
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Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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smart TV, essa interação ocorre pela prática sistemática de ver e ouvir, de ler e
escrever, de tirar fotos, fazer vídeos, editar e arquivar textos em diferentes
modalidades, de comunicar-se, instantaneamente, com pessoas próximas e distantes.
Na cibercultura, é impossível conceber isoladamente textos verbais, imagens e sons,
seu arquivo e digitalização. Nesse contexto, nos flagramos, com naturalidade,
exercendo os simultâneos papéis de leitores-espectadores-internautas (CANCLINI,
2008).
Se, por um lado, a “convergência digital” aponta para novos modos de ser e de
(inter)agir socialmente, no ambiente escolar, as potencialidades dessa convergência
contribuem para revelar limitações e restrições de natureza diversa, entre as quais
algumas relativas à formação e à atuação pedagógica do professor. Segundo o
estudioso argentino Néstor Canclini,
195
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________
[...] essa convivência involuntária dos indivíduos faz com que os sistemas
tecnológicos se tornem cada vez mais poderosos, controlando os processos
políticos, driblando as regras do mercado, se necessário, propagando ou
manipulando as necessidades que eles satisfazem e até criando crises para
justificar a sua expansão (CUPANI, 2013, p. 19).
Refletir sobre o lugar da escola na cultura digital (ou vice-versa), significa, por
um lado, refletir sobre quem somos e como (inter)agimos, dentro e fora da escola; por
outro, significa refletir sobre a forma como pretendemos (devemos, podemos)
interagir, cotidianamente, em diferentes espaços sociais, o que inclui os espaços
digitais.
Na cultura digital, a internet é um megaespaço, privilegiado para o exercício
da autonomia e da interação com o outro. Esse exercício se concretiza em estreitas e
criativas “redes de comunicação e de informação interativas”. Nos diferentes
ambientes e espaços pelos quais “navegamos” e (inter)agimos, na internet, passamos a
integrar “movimentos” sociais. Esses movimentos são, por sua vez, um componente
necessário, embora não suficiente, de ação coletiva, de mobilização, de deliberação,
de coordenação e de decisão.
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Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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1 Ferramenta da Web para construção de pesquisas online, desenvolvida por Ryan Finley (1999),
com o objetivo de coletar, tabular e analisar dados de pesquisas do tipo survey. Para mais
informações, consulte <www. surveymonkey.com>.
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Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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opção por essa escala se deu pelo fato de ela propiciar maior precisão na
categorização das análises (DALMORO; VIEIRA, 2008).
Com o questionário validado pelo pré-teste, decidimos, em princípio, que a
aplicação dos questionários seria realizada in loco por via eletrônica, uma vez que a
habilidade de lidar com as tecnologias digitais também era objeto de análise. Porém,
alguns óbices operacionais, tais como a falta, na escola, de um roteador Wi-Fi com
potência suficiente para conectar todos os tablets concomitantemente e a falta de um
laboratório de informática operante, obrigou-nos a alterar essa metodologia. Todos os
questionários gerados no software Survey Monkey foram impressos a fim de que a
equipe os aplicasse in loco e, em seguida, os pesquisadores bolsistas alimentassem
manualmente o programa com as respostas obtidas.
Dividimos o grupo de pesquisadores em equipes. Três professores
pesquisadores foram a campo: uma professora da escola e duas da PUC Minas,
auxiliadas por três bolsistas de iniciação científica. Os questionários foram aplicados
simultaneamente pelos pesquisadores em todas as seis turmas do ensino médio, com a
presença dos professores da turma no momento da aplicação. Os alunos foram
informados de que os dados são anônimos, sigilosos e confidenciais. Assim, poderiam
se sentir mais confortáveis para se expressar livremente. Após respondidos, os
questionários foram agrupados por turma. Os bolsistas então procederam à
alimentação do programa Survey Monkey com as respostas coletadas na aplicação,
orientados pelos pesquisadores. As respostas foram tabuladas pelo programa.
Neste momento, para além da análise dos dados, propomos uma reflexão
crítica que parta da percepção dos estudantes sobre o uso das tecnologias em seu
contexto sociocultural, e que considere as ambiguidades e contradições desse uso na
realidade escolar. Entre essas, está o fato de que a revolução informacional que
estamos vivendo no Brasil e no mundo exige uma contraparte: uma revolução de
natureza pedagógica.
Essa reflexão encontra eco em pesquisas realizadas em nível nacional. Neste
estudo, buscamos realizar análises comparativas entre o cenário revelado pela
pesquisa na EEBM e o cenário que a observação de indicadores semelhantes nos
permite entrever para o Brasil como um todo e também para a região Sudeste, onde se
encontra localizada a escola.
Para tal, baseamo-nos nos dados produzidos pela pesquisa TIC Kids online
Brasil 2013, produzida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), publicada
em 2014. Como descrito em seu relatório geral, essa pesquisa busca subsidiar
anualmente a sociedade com dados confiáveis e atualizados sobre os impactos das
tecnologias da informação e comunicação e, particularmente, da internet, na
sociedade e na economia. A intenção da pesquisa, segundo o comitê, é que os dados
sirvam como base para o desenvolvimento de políticas públicas efetivas e eficazes
para o desenvolvimento da internet no Brasil. Dentre os vários indicadores analisados,
e para os objetivos deste estudo, selecionamos aqueles que apresentam uma
correlação direta com as categorias de análise previstas em nossa pesquisa, a saber:
199
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________
uso de computadores pessoais na escola e fora dela, uso de celular dentro e fora da
escola e tipos de atividades de comunicação e entretenimento realizadas na internet.
A pesquisa TIC Kids online Brasil estratifica os dados de acordo com: região
brasileira, sexo, escolaridade, faixa etária, renda familiar e classe social. A pesquisa
realizada na EEBM não previu essa estratificação, mas alguns desses estratos
correspondem às características dos dados coletados, em particular os estratos que
revelam os dados referentes aos sujeitos na faixa etária entre 15 a 17 anos e aqueles
referentes ao perfil dos respondentes da região Sudeste.
Na EEBM, foram coletadas respostas de 177 questionários de um total de 177
alunos do ensino médio presentes. Portanto, não houve casos de recusa à participação
na pesquisa, embora nem todos os alunos estivessem igualmente dispostos a
responder. É importante dizer que todos os sujeitos participantes responderam às
quatro primeiras questões, mas, a partir da quinta, houve pequenos índices de
abstenção. Em algumas questões esse índice foi maior, o que também será levado em
conta nas análises. Notamos que, em algumas turmas, quando informados de que as
respostas seriam utilizadas para analisar o uso de tecnologias digitais na escola, os
alunos tendiam a responder os questionários com maior disposição.
Ao analisar a questão do uso do computador dentro e fora da escola, podemos
perceber que a grande maioria dos estudantes da EEBM tem acesso a essa tecnologia
fora da escola, em suas casas (82%), o que se mostra superior à média nacional, que é
de 71% de computadores em ambientes compartilhados com os demais moradores da
casa e de 63% no quarto dos adolescentes. No Sudeste, os índices são de 67% e 66%,
respectivamente. Essa facilidade dos estudantes para acesso às tecnologias digitais em
suas próprias casas nos revela uma potencialidade para a qual a escola precisa voltar o
seu olhar.
Como dito na seção anterior, há 50 anos o livro deixou de ser a mais
importante referência orientadora da produção de conhecimento. Houve um momento
em que o próprio desejo humano de criar, inovar para resolver suas questões de
maneira mais célere e dinâmica foram molas propulsoras para novas invenções
tecnológicas. Por paradoxal que isso possa parecer, estamos, cada vez mais,
adaptando nossas necessidades às inovações tecnológicas, impostas pelo mercado, ao
que Cupani denomina “adaptação inversa”.
Nos termos do biólogo chileno Humberto Maturana, em sua “Biologia do
Conhecer” (1995, 2001, 2002), talvez pudéssemos caracterizar essa adaptação como
um “acoplamento estrutural”, uma ação em que a estrutura de um ser vivo (nela
incluem-se as dimensões biofisiológicas e psicossociais) muda de modo contingente
com o fluir de suas ações no mundo fenomenológico. Nessa perspectiva, nossos
desejos são constituintes e, ao mesmo tempo, resultados de nossas interações sociais
com o ambiente que nos cerca. Parece que o “mercado aprendeu” essa lógica, e que a
escola, por sua vez, ainda está por aprendê-la.
Isso explica, também, o fato de, no momento da coleta dos dados, ao saberem
que o tema da pesquisa eram as tecnologias digitais, os alunos que estavam reticentes
prontamente se dispuseram a responder. Talvez seja esse o chamamento que os
200
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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estudantes nos fazem para que possamos finalmente perceber que as escolas
brasileiras que resistem ao uso das tecnologias nadam contra a corrente. Ao seguirmos
o fluxo, em que os jovens navegam sem enfrentar ou oferecer resistências, entramos
em sintonia com seus desejos, e suas habilidades se revelam de maneira mais natural.
Esse seria, na perspectiva do biólogo, um “acoplamento estrutural” entre o fluir das
ações das escolas e as ações dos alunos dentro e fora do ambiente escolar.
Interessante perceber o cenário que podemos desenhar ao voltarmos nossos
olhares para o uso dos computadores no espaço da escola pesquisada. Esse é um
cenário que merece nossa atenção, uma vez que, enquanto na média nacional e na
média da região Sudeste, de forma similar, aproximadamente quarenta por cento dos
adolescentes usufruem do acesso à máquina no ambiente escolar, na EEBM, apenas
por volta de um por cento dos alunos revela ter aceso ao computador na escola. Uma
possível explicação para essa discrepância talvez seja a indisponibilidade desses
equipamentos. Os resultados e as reflexões aqui propostas podem constituir-se em
insumo para a discussão de agendas para as políticas públicas que promovam o uso
pedagógico das TIC. Apontam para a necessidade de disponibilização de recursos
materiais e igualmente para a preparação dos professores em formação contínua de
maneira a desenvolverem competências e habilidades no uso proficiente das novas
tecnologias como objeto de trabalho e de ensino.
Reconhecendo que, na realidade da escola pesquisada, o laboratório de
informática não está em pleno funcionamento, sentimos a necessidade de uma
investigação sobre o uso da internet por via de tecnologias móveis. Ao constatar que
noventa por cento dos alunos pesquisados possuem celular com acesso à internet,
verificamos, em um refinamento desses dados, que a grande maioria (92%) dos
alunos utiliza o celular fora da escola e apenas a metade deles também dentro da
escola. Esse comportamento deve-se à proibição do uso destes dispositivos em sala de
aula.
A frequência de uso da internet no celular é alta entre os alunos pesquisados.
Mais de oitenta por cento dos alunos utiliza sempre ou quase sempre a internet pelo
celular. Em uma dimensão nacional, a pesquisa TIC Kids online Brasil revela que
44% dos brasileiros preferem o acesso à internet via celular. Na região Sudeste, esse
percentual equivale a 47%. Esses dados nos mostram que a tecnologia digital via
dispositivos móveis é quase que plenamente acessível aos estudantes da EEBM, e que
esses utilizam a internet em seus dispositivos móveis em uma proporção muito
superior à média brasileira e à média regional. Assim, o fato de estarmos
inegavelmente conectados em rede, vivenciando novas modalidades de comunicação
e de produção cultural, científica e econômica, pode ser identificado nos resultados
encontrados na pesquisa de nível nacional. Como vimos, esses resultados são
potencializados quando, comparativamente, focalizamos aqueles relatados pelos
alunos da escola pesquisada.
Outro possível local de acesso à internet são as chamadas lan houses ou
cybercafés, em que se aluga um computador por um determinado período. A
tendência, no mundo, do crescimento do uso de dispositivos móveis, do crescimento
201
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________
TABELA 1
Uso de tecnologias – EEBM – Brasil – Sudeste 2014
TIC Kids TIC Kids
Pesquisa
online online
Indicador PUC Minas
Brasil Sudeste
EEBM
2013 2013
Uso do celular
na escola 53%
Uso do celular
fora da escola 92%
Acesso a
redes sociais
na escola 32%
Acessa a
internet pelo
celular 90% 44% 47%
Usa sempre
ou quase
sempre
internet pelo
celular 81% 74% 71%
Usa PC em
casa 82% 71% 67%
Usa PC na
escola 1% 39% 41%
Usa PC em
lan house 7% 23% 19%
Fonte: Dados da pesquisa e TIC Kids online Brasil 2013.
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Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
_________________________________
Vinte e cinco por cento dos adolescentes brasileiros relatam jogar online. Os
alunos da escola que relatam jogar online, por outro lado, apresentam um índice mais
próximo àquele dos alunos do Sudeste do Brasil: 44% e 40%, respectivamente. Esses
dados estão traduzidos na tabela 2, a seguir.
TABELA 2
Acesso à Internet – atividades realizadas – EEBM – Brasil – Sudeste 2014
Indicador TIC
Pesquisa Kids
PUC online TIC Kids
Minas Brasil online
EEBM 2013 Sudeste 2013
Acessa internet para vídeos 39% 76% 78%
Acessa internet para e-mail 20% 49% 48%
Acessa internet para mensagens instantâneas 82% 49% 48%
Acessa internet para Facebook 67% 77%
Acessa internet para jogos 44% 25% 40%
Acessa internet para pesquisa 31% 88% 86%
Fonte: Dados da pesquisa e TIC Kids online Brasil 2013.
203
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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GRÁFICO 1
Recursos mais utilizados no celular
204
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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206
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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c) Propor projetos que permitam aos estudantes utilizar as TICs (em especial os
dispositivos móveis), de maneira protagonista, na realização de traduções
intersemióticas (de textos, informações produzidas em linguagem verbal para
linguagem gráfico-visual, audiovisual, radiofônica e vice-versa). Não estamos
nos referindo aqui, por exemplo, ao uso de redes sociais para práticas de
escrita que já existem no ambiente escolar, ou seja, não se trata, por exemplo,
de solicitar aos alunos que façam resenhas de textos em blogs, conforme
muitas orientações pedagógicas. Nem mesmo a pesquisas sobre o uso da
internet em sala de aula que apenas repetem práticas de letramento já
existentes há muito tempo (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007). Com certeza,
diferentes tecnologias possibilitam formas de textualização diversas.
Entendemos, no entanto, que a convergência tecnológica digital caracteriza-se
como um instrumento potencial para a construção de conhecimentos na sala
de aula. Sob esse ponto de vista, a escola estaria, de fato, oportunizando aos
jovens constituírem-se como sujeitos de práticas letradas diversas.
207
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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208
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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Referências
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209
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Oficinas educativas na educação básica: os dizeres de alunos do ensino
médio sobre direitos iguais
Robson Figueiredo Brito
Isabela Camargos Ribeiro
Wemerson Guedes
INTRODUÇÃO
Em torno da “indisciplina"
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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213
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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Acreditamos que a formação dos jovens no ensino médio deve ser orientada pela
escuta sensível do que acontece no contexto social, emocional e cultural em que eles estão
inseridos e, por causa disso, faz-se necessário construir novas experiências que
possibilitem maior interação entre alunos e entre alunos e professores, o que aconteceu
quando se realizaram as oficinas educativas.
Para caracterizar o que são oficinas educativas, apresenta-se o conceito de Candau
e Sacavino (1995, p. 117), que as estabelecem como um lugar ou mesmo uma prática em
que se dão “a participação, a aprendizagem e a sistematização dos conhecimentos e
também tempo-espaço para a vivência, a reflexão, a conceitualização”; são, como
continuam as mesmas autoras, “como síntese do pensar, sentir e agir”, podendo, por isso,
converter-se em “lugar do vínculo, da participação, da comunicação e da produção social
de objetos”.
Oficinas educativas concebidas como esse lugar do vínculo, da participação, da
comunicação e da produção social de objetos, conforme preconizam as referidas autoras,
podem contribuir significativamente para fortalecer o vínculo e os laços pessoais e
sociais, formar consciência crítica, estimular o diálogo necessário para a organização do
processo pedagógico de convivência democrática e possibilitar respeito às diferenças,
promoção da igualdade de gênero no cotidiano escolar, podendo intervir na (in)disciplina
em sala de aula.
Além disso, trabalhar com oficinas educativas, como estratégia pedagógica, pode
levar os alunos a se constituírem como “um grupo que seja capaz de assumir-se como
sujeitos da sua história, como agentes de transformação de si e do mundo, como fonte de
criação e construção de projetos pessoais e sociais” (GRACIANI, 2005, p. 310),
propiciando, como efeito, mudanças na prática escolar de maneira efetiva e participativa.
O conteúdo de todas as oficinas educativas que foram trabalhadas com os alunos
do ensino médio está embasado no programa Ética e Cidadania – construindo valores na
214
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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1
Esclarecemos que os cinco temas trabalhados nas oficinas educativas foram selecionados e organizados
com base no material educativo dos seguintes órgãos: Secretaria da Educação Básica/Ministério da
Educação, no Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade (2007) e Instituto
Unibanco – Introdução ao Mundo do Trabalho/Identidade: aprendendo a ser (2009). Nas atividades
realizadas durante as oficinas foi utilizado material educativo produzido pelos órgãos indicados acima.
Algumas adaptações foram feitas a esse material, a fim de se ajustarem à realidade do ensino médio e da
escola parceira, dado que o diagnóstico nos deu pistas para a realização dos ajustes.
2
Os alunos que integraram as oficinas levaram para os pais e/ou responsáveis o TCLE (Termo de
Consentimento Livre Esclarecido) e o Termo de Cessão de Imagens para a assinatura/autorização da sua
participação nas oficinas educativas a fim de que pudesse ser feita a publicação dos drops e/ou de outros
possíveis produtos e/ou materiais educativos advindos desse trabalho.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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criativa de todos registros elaborados e que serão transformados em um produto que será
a expressão da síntese da atividade, como por exemplo construção/elaboração de painel,
fôlder e drops.
A condução das oficinas educativas ficou sob a responsabilidade de alunos da
graduação em Letras, juntamente com um doutorando em Letras/Linguística, integrante
do NELLF (Núcleos de Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação), o qual atua
como Psicólogo Clínico e Professor Universitário.
As oficinas educativas contaram com a participação de 46 estudantes do primeiro
ano do ensino médio. Tiveram a duração e 1h e 40min e aconteceram, na Escola Estadual
Bernardo Monteiro, durante os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de
2014, sempre no turno da manhã.
3
Esses são os produtos finais do trabalho com as oficinas educativas: para que se possa ver/ler/ouvir e
perceber as vozes dos colaboradores nas atividades propostas.
4
Trata-se de um procedimento construído para esta modalidade de oficina, que permite aos coordenadores
do trabalho organizarem as etapas/ações que serão realizadas durante o processo de aplicação da atividade
proposta.
217
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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que recebem palavras do enunciado descrito acima. Após essa fase, as duplas
devem dizer o que compreenderam da frase formada.
c) Apresentação da Cartilha sobre os Direitos Humanos pelo coordenador da oficina
– um exemplar fixo extraído do material do Programa Ética e Cidadania –
construindo valores na escola e na sociedade.
d) Leitura individual do texto Afinal, somos todos iguais... (distribuição de cópias
para cada participante), também extraído do material do Programa Ética e
Cidadania – construindo valores na escola e na sociedade.
e) Comentários livres e escritos de palavras no papel Kraft a respeito do conteúdo
do texto lido.
f) Respostas individuais, por escrito, à seguinte pergunta final, feita pelo
coordenador da oficina: Afinal somos todos iguais? Por quê?
218
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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5
Nas considerações de Brito (2016, p. 162), nota-se que esse conceito foi assim tratado: o ato de contar
traz todos os elementos concernentes ao modo de dizer dos sujeitos, porque vem carregado de tensões,
conflitos e contradições, e mesmo significações inconscientes, que se realizam por meio dos efeitos
discursivos sobre a realidade (CHARAUDEAU, 2014).
6
Tomamos como referência Brito (2016, p. 171): “Ancorando-nos em postulados da Análise do Discurso,
entendemos, com Orlandi, que as pistas/marcas não são algo dado a priori ou evidências em si. Elas
indiciam um processo discursivo e enunciativo, a serem significadas pelo analista do discurso à luz de
um aporte teórico. São pistas/marcas, conforme explica Orlandi (2005, p. 30), que o analista aprende a
seguir para compreender os sentidos produzidos no e pelo discurso, pondo em relação ao dizer com sua
exterioridade, suas condições de produção. Dessa perspectiva, ainda com Orlandi, os dizeres não são
apenas mensagens a serem decodificadas, são efeitos de sentido, produzidos em condições determinadas.
Sob esse enfoque, assumimos que, nesse dizer, reflete-se o trabalho do sujeito com e sobre a língua, com
e sobre o discurso. Assim, as pistas, presentes no texto, são vestígios por meios dos quais se pode
apreender o modo como o sujeito constrói discursiva e enunciativamente um posicionamento identitário.”
7
As pistas linguístico-discursivas que serão analisadas neste texto são extraídas dos dizeres pronunciados
dos alunos participantes das oficinas educativas, gravados nos drops já mencionados.
8
Para Bakhtin (2011, p. 348), “a vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo:
interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida:
com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra,
e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal. [...] O modelo reificado
de mundo é substituído pelo modelo dialógico”.
219
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
_________________________________
Bloco I:9 “Ela é uma formação que vai te guiar no futuro, né!”, “Quem faz seu futuro é o
estudo!”, “Se a pessoa quer um sonho alto ele tem que correr atrás daquilo, então,
começa dos estudos!”
Nesse bloco, os alunos que respondem à questão começam a dizer que a educação
é algo que está ligado a sua formação: “ela é uma formação”, com potencial para projetar
o sujeito para um futuro. Eles remetem à educação, em primeiro plano, de maneira
distante, no sentido de uma formação, de uma projeção; para um tempo longe: vai te guiar
e depois colocam o foco no estudo relacionando com o conquistar algo. (Quem faz seu
futuro é o estudo!). Pode-se flagrar aí um atravessamento de uma voz social que entra
nesse dizer indicando/revelando que a educação é formação, juntamente com os estudos,
de algo para o futuro: um bem a ser conquistado, apropriado e alcançado socialmente.
Bloco II: “Estudar, né que é um direito de todo mundo!”, “Eu tenho direito de ter uma
educação, de ter uma educação boa, ter um ambiente de escola bom, com higiene, com
pessoas agradáveis e bons professores!”
Aqui, nesse bloco, os alunos dizem de maneira impessoal (uso da forma verbal no
infinitivo), reconhecendo o estudo como um direito de todo mundo e, posteriormente,
incluem-se nesse Direito: eu tenho direito de ter, e fazem uma lista do que consideram
em seu posicionamento de sujeito: uma educação boa. Conseguem, no nosso modo de
entender, com esse dizer, indicar uma posição como sujeitos de direito, revelando uma
voz social que marca o acesso de pessoa inscrita no ordenamento legal10 no campo do
Direito Civil e Constitucional.
Vejamos agora dados do discurso dos participantes da oficina referentes à segunda
pergunta: Você convive bem com o diferente?
Bloco I: “Eu converso com todas as pessoas e eu tento entender o problema de cada uma
com a outra pessoa. Bom, eu aprendo que é importante trabalhar em grupo, não pensar
em só em si mesmo, pensar na sociedade em geral. E, em todo mundo que convive com
você. Mas eu acho que a pessoa, como se diz, não tem fundamento sem cultura, conhecer
a cultura do povo dela, conhecer a história do povo dela, para poder não repetir os erros
do passado para poder evoluir como pessoa.”
Nesse bloco pode-se notar que os sujeitos revelam o modo de dizer elocutivo,11
uma vez que mostram o seu ponto de vista e expressam uma constatação no tocante ao
9
Usamos as formas bloco I e II para agrupar as vozes dos alunos do ensino médio que participaram dos
dois drops, uma vez que a gravação separou-as em duas sessões (blocos) do dizer na produção desse
material.
10
Na Constituição Federal, encontramos, no capítulo que trata da educação, o art. 205: “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.”
11
Fazemos referência e uso dos procedimentos da construção enunciativa – as categorias modais descritas
por Charaudeau (2014, p. 81-105), quando este se refere ao modo de organização enunciativo, que
“mostra a posição que o sujeito falante ocupa em relação ao interlocutor, em relação ao que se diz em
220
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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respeito com o outro e também com a questão do diferente. Além disso, por meio do
emprego do verbo modal poder, utilizado para indicar um conhecimento sobre esse
assunto, tem-se uma referência à possibilidade de mudança/transformação de um ponto
de vista em direção ao que causa o desrespeito com o diferente, indicando uma voz social
que está marcada e atravessada pela noção da diversidade.
Bloco II: “Julgam você sem saber que você é! Eu já fiz isso também, só que depois você
conversar com a outra pessoa, é aí é o maior diferente... Não tem que necessariamente
gostar, mas pelo menos respeitar o direito do outro, o limite. Eu tenho mais facilidade de
fazer amizade com menino do que menina. Eu acho que em toda escola tem alunos de
diferentes, diferentes modos de pensar ... A questão do desrespeito cultural, por exemplo,
vamos pegar duas classes que gostam de dois times diferentes, os dois desrespeitam a
cultura um do outro, entendee!, Isso não é bacana, tinha que ter que ter mais respeito
entre eles.”
Já nesse bloco, os alunos deixam, em seu modo de dizer, marcas discursivas que
podem revelar, com o uso do verbo julgar na terceira pessoa do plural (julgam você...),
indicando indeterminação, uma visão negativa sobre a ação em foco, da qual o sujeito se
diz afastar em seguida (Eu já fiz isso também, só que depois você conversar com a outra
pessoa é aí é o maior diferente...). Em seguida, manifesta-se outro modo de dizer, em que
se desvela um ponto de vista por meio da constatação (não tem que necessariamente...
mas pelo menos...), própria do modo elocutivo, para poder enfim ser afirmada e defendida
a existência de diferentes maneiras de pensar (enfatizando a palavra diferentes, ela é
enunciada três vezes).
Os dados deixam pistas de que, em certas ocasiões, enquanto estudantes, sujeitos
sociais, em convivência com os outros, estes não são capazes de respeitar todos, o que se
manifesta, por exemplo, por meio da interpelação materializada pela interjeição
(entendee!). Emerge aí uma voz social que mostra o conflito como parte integrante da
convivência em sociedade, com destaque para as ações em sala de aula, posto que os
estudantes têm de lidar em seu cotidiano escolar com os professores, os outros colegas,
que são, pensam e agem de diversas maneiras, ocasionando tensões que podem ser
expressas na escola, em especial por meio de atos de (in)disciplina e também da voz da
diferença.12
relação ao que outro diz”. Esse autor trabalha com os três modos: alocutivo (posição de agente por parte
do locutor em relação ao interlocutor), elocutivo (ponto de vista o locutor sem que o interlocutor esteja
presente) e delocutivo (o locutor apaga o seu ato de enunciação e não implica o interlocutor).
12
A noção de diferença que está sendo tomada aqui, por nós, está embasada nas pesquisas de identidade
dos estudos culturais, em especial no que Silva (2014) postula quando afirma: “o poder de definir a
identidade e de marcar a diferença não pode ser separado de relações mais amplas de poder. A identidade
e a diferença não são, nunca, inocentes. [...] são outras tantas marcas da presença do poder:
incluir/excluir; demarcar fronteiras, classificar e normalizar.” [...] como vimos, dizer “o que somos”
significa também dizer “o que não somos” (SILVA, 2014, p. 81-82).
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Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
222
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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223
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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224
Ler ou não ser – eis a questão da Literatura na educação básica
1
Para consultar os Parâmetros Curriculares Nacionais, acessar <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/
pdf/blegais.pdf>.
Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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2
A etimologia de “tradição” faz ler: “tra” + “dicção” = fazer passar (tra) + outras vozes (dicções) entre
gerações.
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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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3
Citem-se “Renúncia ao prazer”, entrevista publicada em O Globo de 24/1/2009, cuja chamada é “Em
novo livro, Tzvetan Todorov diz que críticos e professores afastam leitores da literatura” e entrevista
dada a Jorge Coli, na coluna “Ponto de Fuga” do “Caderno Mais!”, da Folha de S.Paulo de 18/2/2007,
quando do lançamento de La Littérature en Péril, na França, em que se lê: “O romance, o poema
passaram a ser pretextos muito secundários, trampolins para exercícios mentais altamente sofisticados.”
e “Há algum tempo que, na escola, pararam de refletir sobre o sentido dos textos e passaram a estudar
de preferência os conceitos e métodos de análise. Nesse sentido, é possível dizer que se estudam as
teorias dos críticos, e não as obras dos autores.” (TODOROV, 2007, p. 2).
4
PERRONE-MOISÉS, em artigo já citado, também recorre a “Retorno à Literatura”, mas escolhe um
outro excerto.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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recuperar a Literatura e sua função na formação do ser humano, por acreditarmos na sua
importância na escola, na sociedade e no mundo.
Supomos que certa direção que se tem dado ao ensino da literatura, concretizado
na leitura do texto literário esteja, de fato, contaminada pelo caráter político-ideológico
com que a legislação de ensino opera o conceito de “linguagem e suas manifestações”,
caracterizando-as “como fontes de legitimação de acordos e condutas sociais”. Se se
percebe, pois, um caráter tendencioso de se julgar a linguagem apenas como lugar de
embate, e esse embate apenas como luta de classes, a conduta das aulas de literatura,
inúmeras vezes, ecoa essa postura, quando nelas o texto literário é apenas “comentado”,
supostamente “analisado” e “interpretado”, com base em outros saberes, como, por
exemplo, o histórico, o sociológico, o político, o psicanalítico etc. que, embora digam
respeito, sim, à literatura, correm o risco de, pela imediatez de sua colagem ao literário,
calar outras vozes que precisam ser perscrutadas nos textos.
Nessas vozes, operadas pelo dialogismo e pela polifonia e tecidas em uma
organização estética, certamente, estão mediadas, as vozes sociais que clamam por
serem escutadas. É no parturejamento delas, através da velha “maiêutica” socrática,5
que tais vozes se farão ouvir, na leitura intersubjetiva em classe, que reafirma e
comprova a linguagem como interação, conceito bem mais dilatado que “fonte de
legitimação de acordos e condutas sociais”. Leituras processadas com vistas a essa
metodologia – a maiêutica, antiga, mas tão jovem – são oportunidades de viver a
experiência estética de reorganizar um caos, subjetivo e social (CANDIDO, 2004), e
vivenciar os paradoxos que nos constituem, como sujeitos societários. Ler literatura é
praticar o exercício democrático de acolhimento das diferenças, das diversidades
responsáveis pelas inscrições identitárias; é atuar naquela arena de vozes, em tensão,
pinçando-as numa enunciação privilegiada onde se acham condensadas numa Gestalt.
Se o texto literário, se tece de e com outros saberes, sejam eles antropológicos,
filosóficos, históricos, sociológicos, filosóficos, psicológicos; se o texto literário
estabelece diálogos multidisciplinares e multiculturais, ele não se reduz a isso: sua
especificidade literária faz que tais saberes nele estejam mediados; nele estejam, por
engenho e arte, organizados em forma(s) estética(s), cuja leitura pede, exige, a mediação
da escola, do professor, do agente de leitura, para alimentar habilidades e promover
atitudes inerentes à função leitor.
O processo da leitura literária, então, faz dialogarem múltiplos sujeitos em coro
polifônico: autor, narrador, leitor, personagens, suscitando o exercício da(s)
identidade(s) e alteridade(s) de modo que essa leitura – leitura sui generis, pois suscita
conhecimentos, habilidades e atitudes peculiares a ela – é, ela mesma, um exercício da
crítica social que, organizada, atravessada por recursos estéticos e, portanto, mediada,
torna imprescindível a função leitor, a atuação de leitores, que, nela e através dela,
5
Nome dado por Sócrates à sua dialética. Método socrático que consiste na multiplicação de perguntas,
induzindo o interlocutor a duvidar de seu próprio saber sobre determinado assunto e a vislumbrar novos
conceitos, novas opiniões sobre o assunto em pauta, estimulando-o a pensar por si mesmo.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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6
A pesquisa proposta no Projeto Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação e a formação
de professores, caminhos para novas práticas estava organizada em vários subprojetos: Escrever na
escola e para a vida: a experiência de pesquisa-ação e seus efeitos na aprendizagem escrita; O uso das
tecnologias digitais na escola; Oficinas educativas sobre convivência democrática na escola; Leitura e
escrita no ensino médio: desafios para o professor de Português; Significando o uso da internet na sala
de aula: desafios e possibilidades; Movimentos argumentativos em textos de alunos do ensino médio –
algumas propostas; Oficina de preparação para a redação do Enem; Aspectos ortográficos nos textos
de alunos do ensino médio. Este relato trata especificamente do que foi desenvolvido no subprojeto
Leituras literárias: Aquisição e aprimoramento de habilidades leitoras – a criação de grupos de leitura
no espaço da Escola Estadual Bernardo Monteiro e na PUC Minas.
7
CAMÕES, Luiz Vaz de. Os Lusíadas, no episódio do Velho de Restelo, Canto IV, Estrofe 94, onde se
lê: “Mas um velho d'aspeito venerando, / Que ficava nas praias, entre a gente, / Postos em nós os olhos,
meneando / Três vezes a cabeça, descontente, / A voz pesada um pouco alevantando, / Que nós no mar
ouvimos claramente, / C'um saber só de experiências feito, / Tais palavras tirou do experto peito:”
(negrito nosso).
232
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________
8
A equipe de trabalho do projeto aqui descrito era formada pelas autoras deste artigo, pelos bolsistas de
iniciação científica – Leonardo Cunha, Luciana Oliveira, Wemerson Guedes – e pela professora da
EEBM Rosângela Maria Braga Trotta.
9
A proposta geral incluiu a criação de dois Grupos de Leitura do Texto Literário: um na PUC Minas,
voltado para os licenciandos em Letras, e este aqui relatado, na Escola Estadual Bernardo Monteiro. A
proposta de criar os dois grupos se baseou no princípio de que, na formação dos professores, é
importante que se dediquem espaços e tempos voltados para a preparação do estudante de Letras para a
leitura do texto literário e para as reflexões sobre os métodos de ensino de Literatura.
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Os textos selecionados pelo grupo foram, para uma primeira etapa (os quatro
encontros iniciais), o poema narrativo “Caso do Vestido”, de Carlos Drummond de
Andrade (DRUMMOND, 1945), para dialogar com o texto em prosa O vestido, de
Carlos Herculano Lopes (LOPES, 2006) e com o filme, também intitulado O vestido,
de Paulo Thiago Barbosa e Haroldo Marinho, filmado em 2003 e veiculado em 2004.
As razões da escolha, como podem ser supostas, foram: lidar com formas
variadas do gênero narrativo, ou seja, poema, novelas, conjugando letra e imagem, para
estar em consonância com a atração que a imagem exerce sobre nós, na
contemporaneidade, mormente se tratando de adolescentes e, mais, com a possibilidade
de reflexão com o Grupo da assincronia entre o tempo mais dilatado da leitura e o
tempo comprimido e mais rápido da imagem. Essa assincronicidade seria, e o foi,
operada em favor de nossa experiência: exercitar a slow-reading,10 com a consciência
de sua importância na leitura de textos literários, em que o detalhe pode fazer a
diferença dos sentidos, contribui, em tese, para a escuta do tom do texto, para o
processamento de mais sentidos (vide a polissemia) e a detecção de mais vozes
(polifonia) no texto. O casamento entre a slow-reading e a leitura intersubjetiva, feita
com e entre os que a conduzem e os que a praticam, inicialmente em voz alta, constitui
o desejado processo, na leitura do texto literário. As hierarquias se neutralizam na busca
intersubjetiva do sentido, os a prioris caem por terra, instalam-se um espaço e um
tempo mais democráticos, sem censura(s), logo, sem medos e com possibilidade de
fazer aflorar desejos (de participação, mas não só), (re)instaurando um ambiente de
afeto (= sentir-se afetado por, tocado) em relação ao texto literário e, pois, à literatura.
Esse processo de leitura foi o que direcionou nosso trabalho entre os estudantes
do ensino médio. Para o primeiro encontro fomos muito animados porque havia trinta
(30) inscritos, o que foi considerado surpreendente, em virtude da espontaneidade para a
inscrição e de o encontro ser no contraturno.
Vale frisar que, tendo-se iniciado as reuniões do GLTL, na EBBM, no dia 11 de
setembro de 2014, portanto data alusiva ao ataque às Torres Gêmeas, em 11 de
setembro de 2001, optou-se por, antes, apresentar o poema “Elegia”, do próprio
Drummond, para enfatizar a capacidade de o texto literário de antecipar-se a seu tempo,
em virtude, exclusivamente, do trabalho que faz com a linguagem e que dilata o alcance
do que narra. Indiretamente, pois, já se registra característica importante do texto
literário – o de certa intemporalidade que o faz sempre contemporâneo, atravessando
épocas e séculos e merecendo leitura sempre atual e atualizada. Esse registro aqui, neste
relato de experiência, objetiva mostrar como, em interação, se podem apreender, por
serem vivenciadas, características da literatura que, tantas vezes, são “transmitidas” de
forma só teórica e informativa.
10
O exercício de uma leitura lenta, voltada para a percepção dos detalhes.
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priori, mas aberto a desvios de rota, em função das leituras dos participantes, claro, se
forem constatadas no e pelo texto.11
O primeiro estímulo para os sentidos do texto advém da coleta de suposições
sobre o que seria aquele “Caso do Vestido”, ao que se ouviu: seria uma “intriga”; um
problema por causa de um vestido; um sonho; uma mulher que “causou” ao usar um
vestido; um vestido de alguém que se casou. Aqui não só aparece a oportunidade de
falar sobre “gêneros”, considerados como uma primeira relação de sentido com o texto,
em virtude de se estabelecer um pacto do leitor com a “intenção” do texto e, logo, seu
tom – intriga?, caso?, sonho?, realidade?, fantasia? –, mas, muito nitidamente,
percebe-se a determinação do contexto social na possível atribuição de sentido
subjetivo, sentido sempre pasteurizado: o desejo, expresso na competição; no consumo,
no status social e no estado civil.
Importante perceber isso na experiência de campo com a leitura, pois reafirma a
necessidade de o trabalho com a literatura quebrar expectativas com relação a um
mesmo, para acolher o diferente, a surpresa sempre criativa e, logo, formadora. Nessa
direção, pois, a partir dos comentários iniciais, a refletirem sempre uma leitura intuitiva
e muito eivada de projeções subjetivas, como é de esperar, ouvimos sobre o texto falas
como: “É de emudecer, pois tem em comum com muita gente. Tem a ver com a
condição humana”; “A esposa não abre mão do marido. O amor não existe, prevalece a
dor da traição”. Assim, um outro ponto marcante se constata aqui: a direção de leitura
da literatura implica um julgamento de valor, uma moralidade – costumeira direção de
sentido dada, na escola, a textos de literatura. Vê-se, pois, que, “num primeiro
momento, os participantes se envolvem com o drama da esposa, que seria vítima do
machismo do marido e da sua condição de mulher e mãe, preocupando-se, também, em
julgar o comportamento do homem” (CUNHA, 2014), como sintetiza um dos
pesquisadores, licenciando em Letras, no seu relatório.
A segunda etapa, a analítica, propôs estímulos aos leitores, que foram surgindo,
também dialeticamente, isto é, a partir de perguntas de ambas as partes e, algumas,
provocadoras de “embates” de sentidos. Depois de se ater ao mais explícito do texto
(referimo-nos àquelas questões iniciais típicas da abordagem de leitura nos manuais
didáticos), objetivando participação efetiva e de todos, através da proposição de
perguntas de resposta quase apenas parafrásica, levando a turma a explicitar, por
exemplo, que a narrativa tratava de uma “ história de família” e “catando” no poema as
características das personagens, do vestido, os pesquisadores pediram aos leitores que
percebessem estranhamentos no texto. Esse desafio dá ânimo aos debates e instiga a
curiosidade, tecendo já a rede de leitores e sentidos.
A partir daí, surgiram “intuições” importantes, tendo em vista que tais
estranhamentos poderiam vir a ser estratégias do autor para envolver o leitor,
solicitando-lhe a participação, no sentido de buscar no texto, através dos elementos
manifestos, sentidos latentes. Estranharam, por exemplo, a ausência de nomes das
11
Sobre a leitura literária por meio de comentário, análise e interpretação Cf. O estudo analítico do
poema, de Antonio Candido (1996, p. 17-20).
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o momento para falar de eufemismo...); “dona soberba”; “mofina”; “ao depois amor
pegou”; as marcas da “hierarquia”, da distância doméstica e social entre a mulher e o
homem: “vosso marido”; “vosso pai” ou “Minhas filhas, boca presa. / Vosso pai evém
chegando ou “Minhas filhas, vosso pai. / chega ao pátio disfarcemos.” (...) e disse
apenas: – Mulher, / põe mais um prato na mesa. / Eu fiz, ele se sentou”.
E continuando no parturejamento dos sentidos, pedimos para explorarem o texto,
objetivando perceber a passagem do tempo cronológico, o que foi indiciado não só
pelos verbos no passado – pretéritos perfeito e imperfeito, como, ainda, pelo ir e vir do
pai e da mulher; pela decadência física da mulher (“quede os olhos cintilantes?”; “quede
o colo de camélia?”; “quede aquela cinturinha?”; “quede pezinhos calçados com
sandálias de cetim?” e da mãe/esposa; “fiquei de cabeça branca”; “perdi meus dentes,
meus olhos” e pela degradação econômica da família: “costurei, lavei, fiz doce, / minhas
mãos se escalavraram, / meus anéis se dispersaram, / minha corrente de ouro / pagou
conta de farmácia.”).
A questão econômica vai se realçando no texto, à medida que ele vai sendo
“desbastado” dos sentidos que se evidenciam, passo-a-passo, com a leitura
intersubjetiva. Chega a hora de perguntar sobre a classe social, do ponto de vista de
posses desse marido e pai, que oferece à mulher desejada muitos bens. Pediu-se, então
que se os enumerassem, e, de pronto, os leitores buscaram no texto referências a
apólice, fazenda, carro, ouro, lembrando, inclusive, que a esposa tivera anéis e corrente
de ouro, o que mereceu, por parte dos condutores da leitura, comentários sobre “bens
empenhados”. Isso posto, volta-se ao texto para buscar reiterações lexicais dessa
categoria “econômica”: posses, bens, bens dispersados (vide “meus anéis se
dispersaram”), o que prontamente acharam.
Esse caminho suscitou testar um nível “mais sofisticado” de leitura, qual seja,
buscar em outras palavras do texto um sema do campo semântico do dinheiro, ainda
que, no texto, a palavra esteja sendo usada em direção mais “denotada". Exemplos?
“Renda” em “Nossa mãe, esse vestido / tanta renda, esse segredo!”, como tecido e que
suporta também a acepção de “dinheiro”, “ganho”; em “vestido no prego”, em que
“prego”, além de denotar uma peça metálica pontiaguda que se usa para fixar ou segurar
algo, figura em expressão que significa “empenho”, “empenhar”, dar como garantia,
“pôr no prego”. “Como assim?”, a turma estranhou. Mostrou-se a possibilidade também
de o vestido no prego, para além de ser um objeto com que se desculpa e se retrata a
mulher amante, poder ser, metaforicamente, a representação de uma dívida, um
empenho.
Certamente, que, por intervenção das docentes que conduziam a leitura,
aventou-se para um outro nível de processamento de significados para o qual os
estudantes olharam com certa desconfiança. Aqui, mais um momento de ensino-
aprendizagem recíprocos: ficamos cientes de que há momentos de condução de leitura
em que não se pode “forçar a barra” e impingir algo que pode soar delírio ou
superinterpretação, no conceito de Umberto Eco (2012). Por outro lado, abrem-se
horizontes para operações no texto que, deslinearizando-o, exercitam a leitura literária;
para além disso, crê-se que, no momento da leitura, algo de seu processamento reste
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como incompreendido, mas os sentidos de uma leitura, inúmeras vezes, retornam por
insight, reiterando-se e acumulando-se no acervo de habilidades de leitura. Solicitados
para que buscassem, no poema, versos que soassem estranhos sobre o vestido,
descobriram: Que vestido é esse vestido?, percebendo, por intervenção de uma
professora, a questão do gesto, da gestualidade, categoria importantíssima a se
considerar na leitura do texto literário, que é encenação, por atualizar, em enunciação
privilegiada, a narrativa; O vestido está morto, sossegado., quando se levou a turma a
perceber a personificação do vestido por se lhe atribuírem características de pessoa
(morto e sossegado) e, logo, sua função de metáfora, apontando para algo que “já era”,
já passou, morreu e resta sem dizer nada, mas significando muito; Mas o corpo ficou
frio e não o veste..., em que também a morte metafórica é aludida num “corpo frio”,
impróprio para “aquele” vestido, o que alude ao desenlace da relação entre o homem e a
mulher, pontuando-a como uma relação mais física (o corpo [que era quente] ficou frio)
e que, segundo o ponto de vista da enunciadora/narradora, também denota morte de
sentimentos e desagregação familiar. Registre-se que essas duas últimas interpretações
foram dos próprios estudantes (nas palavras deles: “morte do calor do sentimento, morte
do amor e da família”), que, diga-se de passagem, têm mais facilidade em conduzir as
interpretações para valores socialmente privilegiados e, muitas vezes, dão às
interpretações uma direção moralista, completamente avessa à literatura, em grande
parte de cunho ideológico e religioso – houve, inclusive, nessa experiência de leitura
narrada, associação do prego que prende o vestido com a crucificação de Cristo, o que,
parece-nos, não encontra qualquer respaldo no texto.
“Parturejados”, pois, sujeitos e tempos do texto, faltaria uma alusão ao espaço,
considerando-se os três elementos constitutivos do gênero narrativo.
Observou-se o movimento, muito sutil e interessante, da saída do marido, na
lembrança da mulher, à sua volta; de um movimento de queda à ascensão, pois se faz
referência aos ruídos de sua chegada, subindo degraus, do pátio até a sala de jantar. O
ambiente é doméstico, de dentro, enquanto a dona é “de longe”, de fora, o que corrobora
outra tensão do texto, que, em sendo literário, tem como fórmula o resultado de tensões.
A paisagem se caracteriza como espaço provinciano, rural: cinco ruas, uma ponte, um
rio, oferecendo elementos para um espaço imaginário meio desolado, pois encarna o
sofrimento da esposa traída que o enuncia.
A leitura vai se dirigindo para seu término, como objeto dos encontros, pois,
pela perplexidade despertada, tem grande chance de ecoar na vida de leitores. Extraídos
os sentidos, lentamente, o passo-a-passo foi ensejando interpretações, como se viu, e
ouve-se intervenção de uma estudante, cuja leitura ultrapassa o espaço textual e se
projeta na cultura: “A esposa tem uma história de vida ‘marcante’ e faz questão de
guardá-la, por esse motivo não se desfaz do vestido. É de emudecer, pois tem em
comum com muita gente. Tem a ver com a condição humana.” Lugar de projeções e,
pois, de transformação, a literatura, como saber formador, tem papel importante na
escola como se vem insistindo. Parafraseando Candido (2004) que, por sua vez,
refere-se a Otto Rank, a literatura é o sonho acordado das civilizações e, assim como o
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ser humano morreria, se não sonhasse, também a sociedade não resiste à privação da
fantasia e da imaginação.
Interessante, ainda, que o término da leitura do poema trouxe ao grupo a história
de Ulisses, de Homero. Uma participante fez menção à volta para a casa – motivo
recorrente na literatura ocidental –, referindo-se a livro que lera na biblioteca e com que
trabalhara. Esse texto que chama outro que, por sua vez, chama um outro, pareceu ser
de interesse dos leitores. Seria uma semiose literária infinita, numa alusão a Eco.
Nessa direção de escuta das vozes literárias que a escola tem trabalhado, às
vezes muito mecanicamente, nomeando o recurso de “ intertextualidade”, apresentamos
outras textualizações do poema “Caso do vestido”, em outras formas narrativas: o
romance “O vestido”, de Carlos Herculano Lopes, e o filme que o adapta.
Esse longo relato se fez não para cumprir o ritual de uma pesquisa com
financiamento público, mas para dizer a nós mesmos, pesquisadores, e a nossos leitores,
que, embora haja uma distância sempre previsível entre intenção e gesto, como já nos
adiantaram Chico Buarque e Rui Guerra, no espaço que medeia a intenção literária e o
gesto de ensinar, a escola e a sociedade contam com o trabalho do professor de leitura e
de literatura que nelas crê.
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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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Referências
ANDRADE, Carlos Drummond de. Elegia 1938. In: ANDRADE, Carlos Drummond
de. Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: Record, 1945.
BARBOSA, Thiago, P.; MARINHO, Haroldo (Rot.). O Vestido. Color. Son., 2004.
Brasil. 121min. (CD ROOM).
CAMÕES, Luiz Vaz de. Os lusíadas. Canto IV, Estrofe 94. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 20 dez. 2016.
LIMA, Paulinho (Prod.). Carlos Drummond de Andrade por Paulo Autran. São
Paulo: Luz da cidade, 1999. Coleção poesia falada. v. 130, 1 disco sonoro.
SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 26. ed. Tradução de Antônio
Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix: 1995.
TURNER, Mark. The Origin of Ideas: Blending, Creativity and the Humam Spark.
New York: Oxford University Press, 2014.
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DADOS DOS AUTORES E ORGANIZADORES
Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues é docente da PUC Minas, atuando no Programa
de Pós-graduação em Letras e na licenciatura. Possui doutorado em Linguística Aplicada
pelo LAEL (PUC/SP/2010) e mestrado em Língua Portuguesa (PUC Minas/2001).
Participa do Núcleo de Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação da PUC Minas
– NELLF.
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Isabela Camargos Ribeiro é estudante de Graduação em Letras da PUC Minas.
Luciana Aparecida de Oliveira possui graduação em Letras pela PUC Minas e pela
Universidade de Coimbra, no âmbito do Programa Licenciaturas Internacionais.
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Rosângela Maria Braga Trotta Soares é docente da rede pública estadual em Belo
Horizonte, no ensino médio. Possui especialização em Literatura Brasileira. Foi
professora bolsista do projeto Capes/Fapemig (Edital nº 13/2012), em que se
desenvolveram os trabalhos deste livro.
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