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LEITURA E ESCRITA NA

EDUCAÇÃO BÁSICA E NO
ENSINO SUPERIOR:
pesquisa, formação e atuação de
professores

Belo Horizonte
2016
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Grão-Chanceler: Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Reitor: Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães

Vice-Reitora: Patrícia Bernardes

Assessor Especial da
José Tarcísio Amorim
Reitoria:

Chefe de Gabinete do
Paulo Roberto de Souza
Reitor:

Extensão – Wanderley Chieppe Felippe; Gestão Financeira – Paulo Sérgio


Gontijo do Carmo; Graduação – Maria Inês Martins; Logística e
Infraestrutura – Rômulo Albertini Rigueira; Pesquisa e Pós-graduação –
Sérgio de Morais Hanriot; Recursos Humanos – Sérgio Silveira Martins;
Pró-Reitores: Arcos – Jorge Sundermann; Barreiro – Profa. Lucila Ishitani; Betim –
Eugênio Batista Leite; Contagem – Robson dos Santos Marques; Poços de
Caldas – Iran Calixto Abrão; Praça da Liberdade – Prof. Miguel Alonso de
Gouvêa Valle; São Gabriel – Prof. Alexandre Resende Guimarães;
Guanhães e Serro – Ronaldo Rajão Santiago.

Secretário de
Mozahir Salomão Bruck
Comunicação:

Secretário-Geral: Ronaldo Rajão Santiago

Secretária de Cultura e
Maria Beatriz Rocha Cardoso
Assuntos Comunitários:

Secretário de Planejamento
e Desenvolvimento Carlos Barreto Ribas
Institucional:

Diretora do Instituto de
Carla Santiago Ferretti
Ciências Humanas:

Chefe do Departamento
Jane Quintiliano Guimarães Silva
de Letras:

Coordenadora do
Programa de Pós- Márcia Marques de Morais
-graduação em Letras:

Coordenadora do Centro
de Estudos Luso-afro- Raquel Beatriz Junqueira Guimarães
-brasileiros:
LEITURA E ESCRITA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA E NO
ENSINO SUPERIOR:
pesquisa, formação e atuação de
professores

Organizado por

Adilson Ribeiro de Oliveira


Juliana Alves Assis
Raquel Beatriz Guimarães
Equipe editorial

Editora-Gerente: Raquel Beatriz Junqueira Guimarães


Coordenação editorial: Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
Editora da área de Linguística: Juliana Alves Assis
Revisão e preparação dos originais: Celso Fraga da Fonseca; Adilson Ribeiro de
Oliveira; Juliana Alves Assis; Raquel Beatriz Junqueira Guimarães
Diagramação: Roberto Barcelos
Capa: Jefferson Medeiros

FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

L533 Leitura e escrita na educação básica e no ensino superior: pesquisa, formação e


atuação de professores / Organização: Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis,
Raquel Beatriz Junqueira Guimarães. Belo Horizonte: PUC Minas, 2016. [E-book].
250 p.: il.

ISBN: 978-85-8239-049-8

1. Leitura. 2. Escrita. 3. Professores - Formação. 4. Tecnologia da informação. I.


Oliveira, Adilson Ribeiro de. II. Assis, Juliana Alves. III. Guimarães, Raquel Beatriz
Junqueira. IV. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-
-graduação em ensino de Ciência e Matemática. V. Título.

CDU: 371.13
Sumário

UNIVERSIDADE E EDUCAÇÃO BÁSICA: ENCONTROS NECESSÁRIOS E POSSÍVEIS – PALAVRAS


INICIAIS
Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
........................................................................................................................................ 9

UMA JORNADA DE PESQUISA PARTICIPATIVA: LIÇÕES APRENDIDAS


Laura Scheiber
...................................................................................................................................... 17

ESCREVER NA ESCOLA, ESCREVER NA VIDA


Sibely Oliveira Silva e Rosângela M. Braga Trotta
...................................................................................................................................... 35

A PRODUÇÃO TEXTUAL DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO: REVISITANDO ASPECTOS LIGADOS À


DIMENSÃO ORTOGRÁFICA
Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela B. Rodrigues de Barros
...................................................................................................................................... 49

ALUNOS E PROFESSORA CONECTADOS: O TWITTER COMO POSSIBILIDADE DE RECURSO DE


ENSINO
Alice Botelho Duarte
.......................................................................................................................................87

A UTILIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA EDUCAÇÃO


BÁSICA: MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE EM FOCO
Viviane Raposo Pimenta
.................................................................................................................................... 107

OFICINA DE ESCRITA: UM CIRCUITO DE INTERAÇÃO E PRODUÇÃO DE TEXTOS


Ada Magaly Matias Brasileiro
.................................................................................................................................... 127

MULTILETRAMENTOS E DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS EM LÍNGUA PORTUGUESA:


UMA EXPERIÊNCIA COM A PEDAGOGIA DE PROJETOS E OS USOS DAS TDIC
Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela R. Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
.................................................................................................................................... 141

A REDAÇÃO DO ENEM NA ESCOLA: PERCURSO E RESULTADOS DE OFICINAS DE ESCRITA


Ana Luisa R. Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes
Cunha, Luciana A. de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson S. Fonseca Jr.
.................................................................................................................................... 157
ENSINO E APRENDIZAGEM DE LITERATURA NO ENSINO MÉDIO VIA INTERNET
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães Carvalho
.................................................................................................................................... 177

A CULTURA DIGITAL NA ESCOLA: O LUGAR DO CONTRADITÓRIO


Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Rodrigues
.................................................................................................................................... 193

OFICINAS EDUCATIVAS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: OS DIZERES DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO


SOBRE DIREITOS IGUAIS
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
.................................................................................................................................... 211

LER OU NÃO SER – EIS A QUESTÃO DA LITERATURA NA EDUCAÇÃO BÁSICA


Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
.................................................................................................................................... 225

SOBRE OS AUTORES E ORGANIZADORES


.................................................................................................................................... 243
Universidade e Escola: encontros necessários e
possíveis – palavras iniciais

Adilson Ribeiro de Oliveira


Juliana Alves Assis
Raquel Beatriz Guimarães

Não nos propomos, neste texto, realizar discussão sobre as relações entre universidade
e escola da educação básica de um ponto de vista histórico, embora saibamos seja impossível
apartar a dimensão sócio-histórica e ideológica da essência de toda e qualquer instituição e, por
isso mesmo, das relações que ela possa manter com outra(s).
O olhar por meio do qual se pretende abordar essas relações mistura e intercambia
experiências e referências distintas: a do professor formador de professores para a educação
básica, sobretudo tendo em vista as ações à frente do estágio de docência; a do pesquisador que
se dedica a investigar o processo de formação docente na universidade e as práticas de
ensino/aprendizagem no campo escolar, bem como que ambiciona fomentar mudanças nas
práticas pedagógicas (seja na universidade, seja na escola); por fim, a do professor da educação
básica, com atuação no ensino médio e, ao mesmo tempo, com forte inserção nas práticas
acadêmicas, por via da formação continuada.1
Ainda que as experiências aludidas pressuponham, como se pode depreender de sua
descrição, conhecimento e envolvimento com o universo escolar – o que, como sabemos, pode
ocorrer com maior ou menor grau –, interessa-nos tematizar, nestas palavras iniciais, e com
base nessas mesmas experiências, exatamente as representações (cf. MOSCOVICI, 1961 e
2003) sobre a distância (ou dificuldade de aproximação) entre universidade e escola, aqui
tomadas como fatores que têm, inclusive, ensejado o desenvolvimento de ações que visam à
articulação entre essas duas esferas.
Tais representações se denunciam fortemente, por exemplo, na etapa do estágio docente
para a formação inicial de professores, momento em que, invariavelmente, emerge, seja da parte
do estagiário, seja da parte dos profissionais da escola da educação básica com os quais este
tem contato nesse processo, a ideia da universidade como locus de conhecimentos
especializados, advindos de variadas teorias, mas com pouquíssimas contribuições sobre o que
e como ensinar e, principalmente, sobre os variados desafios envolvidos no exercício da
docência. Sobre isso, caberia também fazer menção a um conjunto de vozes – não raro presentes
nos expedientes de formação nos cursos de licenciatura –, que, com ou sem o apoio de pesquisas
in loco, desenham a escola como espaço de experiências malsucedidas, equivocadas do ponto
de vista teórico e metodológico, enfim indicativas de que à universidade competiria a resolução
dos problemas aí identificados e a “salvação” da educação brasileira. Emerge aí uma
contraposição perigosa entre teoria e prática (por sua vez, entre universidade e escola), entre
campo de formação e campo de atuação profissional, entre natureza de saberes (concebidos de

1
Referimo-nos às diferentes experiências profissionais, articuladas às ações de pesquisa, dos autores
deste texto.
Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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forma hierárquica), que em nada contribui para o enfrentamento dos desafios que
cotidianamente vivemos, seja na formação inicial e continuada de professores, seja na educação
básica.
Do ponto de vista aqui defendido, somente a parceria universidade/escola pode
possibilitar rupturas e deslocamentos nas representações aludidas, assim como potencializar
uma formação docente mais qualificada e engajada nas questões que interessam à sociedade
brasileira, considerada aqui sua pluralidade. E é sobre essa parceria que este e-book se debruça,
deixando à mostra não apenas os ganhos, mas também os conflitos e os dilemas que a
constituem, dada a experiência que vivemos.
Noutros termos, as reflexões com que abrimos este e-book tanto motivaram quanto
resultaram de uma experiência de pesquisa e extensão vivida, em cooperação, de maio de 2013
a maio de 2015, por equipes de trabalho oriundas de diferentes instituições de ensino de Minas
Gerais,2 visando tanto ao aprimoramento das práticas de formação docente, inicial e continuada,
quanto à contribuição para a solução de problemas e demandas da educação básica pública em
Minas Gerais, no que toca, especialmente, ao ensino médio.
Trata-se do projeto Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação e a
formação de professores, caminhos para novas práticas (LEEM), aprovado no âmbito do
Edital 13/2012, Pesquisa em Educação Básica, Acordo Capes/Fapemig. Suas ações deram
continuidade a percurso trilhado, desde 2001, por pesquisadores da PUC Minas, em diálogo
com outros pesquisadores do Brasil e do exterior, as quais visaram, sobretudo, contribuir com
o aperfeiçoamento das práticas formativas, repercutindo, também, na transformação de
determinadas representações acerca da língua e da linguagem, seja na própria universidade, em
suas ações de formação, seja em outros espaços sociais.
Em sua gênese, o projeto foi iluminado pelas discussões nacionais sobre a formação de
professores bem como os documentos normativos3 que as ensejam, os quais apontam a
necessidade de alteração significativa das práticas de formação de professores e, como efeito,
das práticas de ensino e de aprendizagem na educação básica, uma vez que se projetam novos
papéis para alunos e professores, os quais se fundamentam em uma visão de formação, nos
diferentes níveis de ensino, pautada na construção de autonomia dos professores formadores,
dos professores em formação e dos alunos da educação básica.
Desse ponto de vista, tal como defendemos no texto do projeto aprovado pelo edital
citado, cabe ao professor formador e ao professor em formação assumir a postura de aprender
a aprender, aprender a ensinar e ensinar a aprender. Para os estudantes da educação básica
ambiciona-se que estes sejam capazes tanto de aprender a aprender como de se constituírem

2
Além da PUC Minas, que coordenou o projeto, estiveram envolvidas as seguintes instituições de
ensino superior: IFMG/Ouro Preto, Unimontes e Universidade Federal de Viçosa. Em Belo Horizonte,
a Escola Estadual Bernardo Monteiro configurou-se como a escola em que se desenvolveu a maior
parte das ações do projeto.
3
Em se tratando de parâmetros legais, tomam-se como referência fundamental as orientações contidas
no texto Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, documento que
ensejou os Pareceres CNE/CP 9/2001, 27/2001, CNE/CP 28/2001 e as Resoluções CNE/CP 1/2002 e
2/2002, além da Resolução SEE nº 2.030, de 25/1/2012 (Projeto Reinventando o Ensino Médio).

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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como agentes produtores de saberes construídos na escola e fora dela, conscientes de seu papel
como cidadãos críticos de sua potencial contribuição social.
As ações que levamos a efeito no curso do projeto partiram do pressuposto de que a
construção de capacidades/saberes relativos ao saber o que, ao saber fazer e ao saber por que
deve orientar a proposta de formação no sistema educacional.
Em suas diversas frentes, o projeto orientou-se pela defesa de que o desenvolvimento e
o refinamento de saberes necessários à formação inicial (e continuada) do professor não se
efetivam apenas pelo domínio de conhecimentos de natureza teórica nem estritamente por
aqueles de natureza prática, experiencial; antes, formam-se através das ações de construção de
conhecimentos e de um “saber fazer” na prática profissional, fomentadas e estimuladas nas
diferentes atividades de ensino e de aprendizagem, que devem ser fundamentalmente
organizadas na articulação reflexiva e sistemática da teoria e da prática (cf. ASSIS;
MATENCIO; SILVA, 2001, p. 286-299).
Acreditamos que a construção de tais saberes não se faz, portanto, apartada do
conhecimento, ou melhor, da vivência, da realidade da educação básica nacional e, no caso da
proposta ora apresentada, das especificidades previstas para a formação do ensino médio nas
redes públicas mineiras, etapa que deve “garantir ao estudante a preparação básica para o
prosseguimento dos estudos, para a inserção no mundo do trabalho e para o exercício cotidiano
da cidadania, em sintonia com as necessidades político-sociais de seu tempo” (BRASIL, 2006,
p. 18).
Nesse sentido, reafirmamos a necessidade de investimentos em ações de pesquisa e de
intervenção pedagógica4 que, inscritas na área de conhecimento Linguagens – Língua
Portuguesa, possam propiciar ao professor em formação e ao professor formador, em parceria
com o professor do ensino médio, a vivência de estratégias diferenciadas de ensino e de
aprendizagem, considerado, ainda, o papel e as possibilidades de uso de tecnologias na prática
pedagógica.
Tendo em conta esse ponto de vista e consideradas as novas demandas e conhecimentos
para o ensino médio, cujas habilidades encontram-se contempladas em certa medida na matriz
de descritores do Enem (BRASIL, 2013), cabe indagar em que medida as instâncias formadoras,
como no caso das licenciaturas, mostram-se capacitadas para lidar com esses novos saberes e
os necessários deslocamentos que eles demandam, inclusive no que respeita ao uso de
tecnologias.
Enfim, para que a universidade – em especial, as licenciaturas, como no caso do curso
de Letras – assuma de fato o papel de formador do profissional da educação que irá atuar na
educação básica, tomamos como imperativo que ela se aproprie desse lugar de coadjuvante nas
ações de formação, para que a elas sejam atribuídos o mesmo peso e o mesmo valor que se
atribuem às ações de pesquisa e extensão. Certamente, ainda que se reconheça a necessidade
de defender objetivos comuns para instituir uma grade curricular para o ensino médio, essa
apropriação implica considerar a diversidade das práticas de uso da linguagem das comunidades

4
Não desconhecemos a contribuição de vários investimentos nessa direção (KLEIMAN; MATENCIO,
2001; GUIMARÃES; KERSCH, 2005, para mencionar alguns exemplos); apenas acentuamos a
necessidade de maiores investimentos em ações que se voltem para o “fazer”, e não apenas para os
discursos sobre o fazer.
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Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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a que pertencem os agentes envolvidos – no caso aqui previsto, alunos e educadores do ensino
médio.
Para concluir, as bases em que se assentaram as ações levadas a efeito no projeto cujos
resultados se apresentam defendem que o acesso às práticas de letramento equivale a inserir-se
em novas formas sociais de interação, mediadas e constituídas por novos objetos materiais,
simbólicos. Nesse processo mediado pela enunciação escrita, os professores em formação
experienciam (e vão se apropriando de) novos modos de agir, cognitiva, discursiva e
interacionalmente, isto é, aprendem modos de dizer, de significar/interpretar, sistematizar,
intervir, problematizar, se posicionar, enfim, de saber agir e saber como agir, etc., nas práticas
das quais participarem, nessa esfera social e naquela que se afigura como espaço da docência.
Ressalte-se, por fim, que a aprendizagem e a construção de conhecimento são, pois,
concebidas como aspectos integrantes da prática. A prática não fornece apenas o cenário para
essa construção, como se esta fosse um processo independente ou reificável, já que as diversas
práticas sociais, geradas por processos interativos, são também geradoras deles.
Nesse quadro, este volume congrega variados trabalhos que, articuladamente entre si e
aos propósitos aqui delineados, refletem algumas das ações que foram empreendidas ao longo
do desenvolvimento do projeto que resultou nesta coletânea. Trata-se de empreendimento que
visa, portanto, ao alcance do objetivo maior de fomentar uma aproximação entre universidade
e escola, no sentido de que essas duas instâncias formativas, em parceria produtiva, possam
contribuir, cada uma à sua maneira e no limite de suas atuações, mas sempre em atuação
dialógica e interacional, para o desejado desenvolvimento e melhoria da educação básica
brasileira.
Se, por um lado, os trabalhos organizados nesta coletânea apresentam esse viés
articulador e, por isso mesmo, um objetivo comum, por outro, não deixam de angariar, também,
suas particularidades, que são resultado, evidentemente, dos variados caminhos que as ações e
atividades do projeto foram delineando ao longo de sua execução. Da meta mais ampla do
projeto, alicerçada no desafio de implementação de ações, em rede colaborativa, voltadas (i)
para a formação inicial e continuada de professores da área de Letras e (ii), articuladamente,
para as demandas do ensino médio no que toca aos saberes implicados nas práticas de leitura e
de escrita, desdobraram ações de natureza mais específica que acabaram por dar origem aos
variados olhares que se lançaram ao propósito descrito há pouco.
Tais ações foram guiadas pelos objetivos de apoiar, do ponto de vista teórico-conceitual,
metodológico e didático, as práticas de leitura e de escrita no ensino médio – em consonância
com capacidades e saberes descritos na Matriz de Referência do Enem e com os documentos
normativos que orientam essa etapa de ensino (por exemplo, BRASIL, 2000, 2001, 2002, 2006,
2012, 2013),5 bem como o próprio processo de formação inicial e continuada de professores da
área de Letras das IES envolvidas no projeto, a partir dos resultados obtidos nas frentes de
trabalho postas em prática.

5
O novo currículo do ensino médio será definido pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), atualmente em
discussão pelos órgãos competentes. Há, no entanto, aprovada em 2016, nova lei que já determina como a carga
horária do ensino médio será dividida, tendo em vista as diferentes áreas do conhecimento, que vão ensejar os
“itinerários formativos”.
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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Evidentemente, trata-se de desafio que não se vence de forma fácil, explícita e imediata.
No entanto, a despeito das vicissitudes envolvidas em projeto de tão larga abrangência,
acreditamos que as várias frentes a que os grupos de estudo, pesquisadores, professores,
estudantes envolveram-se na execução do projeto tiveram – na medida das possibilidades e da
natureza dos objetos investigados, das atividades propostas, das particularidades que cada uma
apresenta – resultados positivos e motivadores, o que torna essa coletânea um conjunto de
trabalhos que oferecem/instigam reflexões proveitosas e necessárias para aqueles que se
interessam pela melhoria do ensino nas escolas públicas de Minas Gerais.
Com essa tônica, os trabalhos organizados na coletânea, portanto, apresentam desde
reflexões sobre a própria experiência de trabalho em rede colaborativa que a execução do
projeto proporcionou – como é o caso do texto de Laura Scheiber, “Uma jornada de pesquisa
participativa: lições aprendidas”, em que se descreve como os integrantes do grupo lidaram com
a abordagem de pesquisa participativa e as “lições aprendidas” nesse processo – até outras mais
específicas, como é o caso do trabalho de Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela B. Rodrigues de
Barros, “A produção textual de alunos do ensino médio: revisitando aspectos ligados à
dimensão ortográfica”, em que se discutem aspectos relacionados a problemas de ortografia nas
produções escritas de alunos do ensino médio.
No intermeio desses vieses de abordagem, os capítulos da coletânea vão tecendo um
diálogo profícuo entre perspectivas teóricas e possibilidades de intervenção prática, entre os
conhecimentos produzidos na universidade e aqueles mais diretamente envolvidos nos
propósitos de ensino elencados para a educação básica, envolvendo aspectos relacionados à
leitura em geral, à leitura literária, à tecnologia, à escrita, bem como à formação – de alunos e
professores –, enfim.
No campo da produção textual no ensino médio, por exemplo, o capítulo de Sibely
Oliveira Silva e Rosângela M. Braga Trotta, “Escrever na escola, escrever na vida”, como o
próprio título sugere, a partir de uma experiência de pesquisa-ação, procura demonstrar a
necessidade de que os alunos escrevam na escola, para a vida, e que a escola reconheça
urgentemente a escrita como forma de empoderamento e inclusão social, conferindo-lhe o valor
que merece ser cultivado, de fato.
Articuladamente, o capítulo “A redação do Enem na escola: percurso e resultados de
oficinas de escrita”, de Ana Luísa R. Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro,
Leonardo Lopes Cunha, Luciana A. de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson S. Fonseca Júnior,
tendo em vista a proporção que a referida redação tomou na vida dos estudantes secundaristas
– razão natural pela qual se justifica o esforço de muitas escolas na tentativa de oportunizar aos
seus alunos a igualdade de condições de participação no Enem –, apresenta a descrição de uma
experiência com oficinas de redação preparatórias para o Enem. Trata-se de um capítulo que,
para além da descrição e análise da experiência, evidencia, também, o processo de formação
profissional de professores de Português, haja vista os autores serem graduandos em Letras e
aproveitarem a experiência para refletirem sobre sua própria formação.
Paralelamente, apresentando uma experiência no ensino superior, Ada Magaly Matias
Brasileiro, no capítulo “Oficina de escrita: um circuito de interação e produção de textos”, relata
uma experiência exitosa com oficina de escrita, cuja metodologia a autora vem desenvolvendo
há algum tempo. O objetivo do relato centra-se na descrição crítica do método, ultrapassando o

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Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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passo a passo que constitui o processo e sinalizando ao professor-leitor algumas ações pontuais,
características desafiadoras, ganhos e possibilidades do trabalho.
No bojo das discussões a respeito dos avanços tecnológicos e das possibilidades
pedagógicas que eles proporcionam, alguns capítulos inserem-se em perspectivas que procuram
aliar as intervenções didáticas no ensino de língua portuguesa a propostas intervencionistas que
proporcionem aos estudantes a utilização de recursos das tecnologias digitais de comunicação
e informação para o aprendizado.
Nesse viés, no capítulo “Alunos e professora conectados: o Twitter como possibilidade
de recurso de ensino”, Alice Botelho Duarte, descrevendo e analisando um estudo de caso de
uso do Twitter como recurso de ensino na disciplina de Língua Portuguesa, procura mostrar as
interações entre professora/pesquisadora e aluno e, com isso, as ações didático-discursivas dos
alunos e da professora, bem como as estratégias discursivas que focalizam seus papéis sociais
nessa atividade.
Seguindo proposta semelhante, Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela R. Dias e Hércules
Tolêdo Corrêa, no capítulo “Multiletramentos e competências em língua portuguesa: uma
experiência com a pedagogia de projetos e o uso das TDIC”, oportunizam uma incursão em
projeto de ensino e aprendizagem de língua portuguesa que procurou articular atividades
de pesquisa, seleção, leitura, compreensão e capacidade de exposição oral, utilizando-se as
tecnologias digitais de informação e comunicação na sala de aula.
Assim também, o trabalho desenvolvido por Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes
Guimarães Carvalho, “Ensino e aprendizagem de literatura no ensino médio via internet”, ao
relatar uma experiência vivida, no âmbito do estágio docente, em uma escola da educação
básica da cidade de Montes Claros, permite-nos refletir sobre possibilidades do uso da internet
no trabalho com a literatura em sala de aula, em práticas de leitura e escrita.
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniela D. Lopes Ignácio Rodrigues procuram
problematizar o acesso às (e a utilização das) ditas Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação, no capítulo “A cultura digital na escola: o lugar do contraditório”. Trata-se de
estudo em que as autoras apresentam uma discussão sobre como diferentes experiências
socioculturais, subjacentes ao uso das Tecnologias Digitais da Informação e da Comunicação
(TDIC), vêm sendo incorporadas e/ou confrontadas com a (na) realidade da escola de nível
médio brasileira.
Já no texto de Márcia Marques de Moraes e Raquel Beatriz Guimarães, “Ler ou não ser
– eis a questão da literatura na educação básica”, ao narrarem uma experiência de pesquisa
realizada em uma escola pública participante do projeto que resultou nesta coletânea, as autoras
procuram evidenciar o lugar e o papel que a leitura literária ocupa no ensino básico brasileiro.
Revisitando os documentos oficiais norteadores e as práticas de ensino cristalizadas nesse nível
de ensino e exemplificando com uma experiência com um grupo de alunos de escola pública
participante do projeto que deu origem ao estudo, as pesquisadoras provocam o leitor ao mesmo
tempo em que instigam a reflexão acerca do espaço que ocupa a leitura literária em sala de aula,
tendo como fundamento a convicção de que a Literatura, como a arte, em geral, tem papel
formador importante na inscrição identitária, seja da ordem do sujeito, seja da ordem da
sociedade.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Finalmente, mas não menos importante do que as demais discussões, reflexões, análises
e conclusões apresentadas nos demais capítulos, inclusive porque trazem as vozes dos
estudantes de forma explícita, Robson Figueiredo de Brito, Isabela Camargos Ribeiro e
Wemerson Guedes, no capítulo “Oficinas educativas na educação básica: os dizeres de alunos
do ensino médio sobre direitos iguais”, apresentam um estudo que ambiciona estimular o
diálogo necessário para a organização do processo político-pedagógico de convivência
democrática na escola, possibilitando o respeito às diferenças, a promoção da igualdade de
gênero no cotidiano escolar, podendo intervir, por exemplo, no problema da (in)disciplina.
Esperamos que este material, também por seu caráter multifacetado, como se pode notar
pela descrição sumária dos capítulos que compõem o volume, seja pertinente ao enfrentamento
de vários desafios a que professores universitários, professores da educação básica, estudantes
de licenciatura estão submetidos em seu pensar e em seu fazer diário relativamente ao ensino
de língua portuguesa. Como se pode notar, também, não se trata de um compêndio que possa
demonstrar, como num passe de mágica, a resolução dos problemas que enfrentamos
cotidianamente em relação ao ensino e à aprendizagem. Mas esperamos, de fato, seja um
trabalho que incite a reflexão, instigue o debate e proponha caminhos, certos de que estes, para
serem trilhados, pressupõem a ação parceira, colaborativa e engajada dos diferentes atores neles
implicados.

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Adilson Ribeiro de Oliveira, Juliana Alves Assis e Raquel Beatriz Guimarães
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Referências

ASSIS, Juliana Alves; MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles; SILVA, Jane Quintiliano
Guimarães. Formação inicial e letramento do professor: uma proposta em implantação. In:
KLEIMAN, Angela B. (Org.). A formação do professor: perspectivas da Linguística
Aplicada. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001. p. 281-309.
BRASIL. A redação no Enem 2012 – Guia do participante. Brasília, DF: 2012. Disponível
em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/downloads/2012/guia_participante_
redacao_enem2012.pdf>. Acesso em: 8 jul. 2012.
BRASIL. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Secretaria de Educação Média e
Tecnológica. Brasília: MEC; SEMTEC, 2002.
BRASIL. Matriz de Referência do Enem. Brasília, DF: SEB/MEC, 2013.
BRASIL. Matrizes de referência do Saeb. 2001. Disponível em: <http://www.inep.
gov.br/basica/saeb/>0. Acesso em: 8 jul. 2012.
BRASIL. Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas
tecnologias Brasília, DF: 2006.
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Ensino Médio).
Brasília, DF: SEB/MEC, 2000.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 01/2002. Diário Oficial da
União, Brasília, 4 mar. 2002. Seção 1, p. 8. Disponível em: <http://portal.mec.
gov.br/cne/arquivos/pdf/ CP012002.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011.
GUIMARÃES, Ana Maria M.; KERSCH, Dorotea F. Projetos didáticos de gênero na sala de
língua portuguesa. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012.
KLEIMAN, Angela B.; MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles (Org.). Letramento e
formação do professor: práticas discursivas, representações e construção do saber. Campinas,
SP: Mercado das Letras, 2005.

MINAS GERAIS. Secretaria Estadual de Educação. SEE/MG RESOLUÇÃO SEE nº 2.030, de


25/1/2012 (Projeto Reinventando o Ensino Médio).
MOSCOVICI, Serge. La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF, 1961.
MOSCOVICI, Serge. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis:
Vozes, 2003.

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Uma jornada de pesquisa participativa: lições aprendidas
Laura Scheiber

INTRODUÇÃO

Como assinalado na apresentação deste e-book, esta publicação é o resultado de


uma pesquisa colaborativa que envolveu mais de 30 pesquisadores, incluindo professores
universitários, estudantes da educação básica, graduação, mestrado e doutorado, além de
professores do ensino médio. A maior parte dos trabalhos que integram esta coletânea
produziu-se no âmbito do projeto de pesquisa Leitura e escrita no ensino médio:
demandas para a ação e a formação de professores, caminhos para novas práticas (CHE
– APQ-03403).1 No desenvolvimento dessa pesquisa, recorremos a uma abordagem
colaborativa específica, baseada em pesquisa-ação, um método de pesquisa que enfatiza
mudanças em ações de forma que melhorem as práticas de educação (BALL, 2002). Esse
método utiliza abordagens democráticas de forma que a pesquisa seja conduzida pelos e
para os envolvidos, sempre por meio da prática de ações (GREENWOOD; LEVIN,
1998).
Neste capítulo, descrevemos como o grupo que levou à frente esse projeto
desenvolveu a abordagem de pesquisa participativa bem como as “lições aprendidas”
nesse processo. Esperamos que nossas reflexões ofereçam dicas para outros grupos que
desejem viver pesquisas de uma forma democrática, com resultados ativos e visando a
instigar mudanças e melhorias nas vidas daqueles diretamente envolvidos no projeto de
pesquisa.

O QUE É PESQUISA-AÇÃO E POR QUE ELA É IMPORTANTE?

A pesquisa-ação é um termo abrangente que engloba uma série de abordagens


para a pesquisa com a crença fundamental de que a pesquisa social deve ser direcionada
para algum tipo de ação, mudança ou transformação (CHARLES; WARD, 2007). A
principal razão para engajar-se em uma pesquisa-ação é auxiliar os participantes na
melhoria de suas vidas e/ou de suas ações. A pesquisa-ação é definida e realizada de
diferentes formas através das disciplinas, contudo algumas de suas principais
características podem ser descritas como a seguir explicitado (cf. REASON;
BRADBURY, 2001; HERR; ANDERSON, 2005).
● Os participantes da pesquisa são parte do processo de pesquisa e contribuem para
a criação de conhecimento.

1
Trata-se de projeto de pesquisa contemplado pelo Edital 13/2012 – Pesquisa em Educação Básica –
Acordo Capes/Fapemig.
Laura Scheiber
_________________________________

● A pesquisa-ação tem como objetivo democratizar o processo de pesquisa, dando


“peso igual” à participação, conhecimento e intervenções de todos os membros da
equipe, independentemente de título profissional e/ou experiências anteriores.
Isso difere das abordagens tradicionais de pesquisa no ensino superior, em que
existe uma hierarquia clara, e o pesquisador principal (tipicamente conselheiro do
aluno) é considerado o especialista.
● A pesquisa-ação implica um processo reflexivo e uma crítica sistemática.
Geralmente, ela inclui ação, observação e reflexão. O objetivo do processo é
chegar às percepções sobre as práticas individuais e profissionais, que informam
a ação futura.
● Em sua essência, a pesquisa-ação é orientada para a ação. Seu objetivo
fundamental é afetar a mudança ou a ação. O conhecimento é gerado juntamente
com os participantes e pesquisadores, com o objetivo de informar a prática.

VANTAGENS

Por que os educadores envolvem-se em pesquisa-ação? Uma das razões primárias


é o desejo de iniciar mudanças diretas e positivas nas vidas dos participantes de pesquisas
através da resolução de problemas e desafios comuns em suas vidas (CHARLES; WARD,
2007; HERR; ANDERSON, 2005). Enquanto abordagens empíricas tradicionais nas
ciências sociais pretendem desenvolver teoria de modo a entender o mundo social, a
abordagem da pesquisa-ação põe ênfase em ações práticas que possam melhorar as vidas
do alvo principal (REASON; BRADBURY, 2001). Não apenas com relação aos fins, mas
também no que se refere ao processo, a pesquisa-ação é diferente da pesquisa tradicional.
Historicamente, a pesquisa-ação participativa tem sido baseada em princípios igualitários
e de justiça social (GREENWOOD, 1998). Nessa medida, pretende democratizar o
processo de pesquisa por meio do reconhecimento do valor do conhecimento local e
tácito, incluindo-o durante todo o processo de pesquisa. Essa abordagem desafia o
conceito de “pesquisador como especialista”, que tem o risco de implementar um modelo
de cima para baixo e, nessa medida, ainda que sem intenção, de aumentar os problemas
do campo investigado pela falta de entendimento profundo de um contexto.
No âmbito da educação, a pesquisa-ação tem sido uma abordagem de
pesquisa muito utilizada atualmente, uma vez que o professor é visto como um
pesquisador qualificado, ao contrário do que acontece com pesquisas feitas por um
especialista de fora (MCNIFF, 1988). Por colocar o professor no papel dual de
pesquisador e educador, essa abordagem valoriza a interpretação das práticas do
educador, o que tem o potencial de melhorar as práticas educativas.
Na pesquisa em que se desenvolveu a maior parte das ações e estudos retratados
neste livro, abraçamos a perspectiva do professor como pesquisador e incluímos,
intencionalmente, educadores de vários níveis como pesquisadores colaboradores. Como
mencionado, nossa equipe foi formada por alunos e professores de ensino médio,

18
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

professores universitários, doutorandos, mestrandos e graduandos do curso de Letras,


futuros professores. Dessa forma, incluímos as perspectivas e experiências das pessoas
mais qualificadas para compartilhar percepções e reflexões sobre questões educativas
porque estas estão diretamente situadas nos processos de aprendizagem e formação no
ensino médio e universitário (o que será descrito com mais detalhe a seguir). O processo
de pesquisa encorajou os participantes a utilizarem processos de reflexão interativos que
podem informar sobre seu trabalho e suas práticas em situações profissionais futuras.

DESAFIOS

Embora a pesquisa-ação traga muitos benefícios, existem certos desafios quando


se utilizam seus processos e princípios. Por exemplo, projetos de pesquisa-ação requerem
a cooperação de um grande número de pessoas e são frequentemente um desafio para
incluir grupos de difícil acesso (SCHAFFT; GREENWOOD, 2003). Além disso, no
ambiente educacional é difícil alcançar os estudantes que já tenham deixado a escola.
Ademais, é um desafio superar dinâmicas de poder preexistentes. No caso do nosso
estudo, abordamos os desafios de superar dinâmicas de poder tradicionais entre
professores universitários e seus estudantes, e pesquisadores universitários (professores
em formação) e professores da educação básica. Outro desafio é implementar ação ou
mudança baseando-se nos resultados da pesquisa. Finalmente, um obstáculo a ser
considerado advém do fato de que se assume que as pessoas tenham a vontade, o tempo
e a energia para se comprometer com o processo de pesquisa-ação participatória, o que
nem sempre é o caso. Nossa equipe encarou um bom número desses desafios, e esperamos
que as reflexões destacadas neste capítulo ofereçam pistas para futuros grupos de
pesquisa, de forma a superar suas dificuldades.

19
Laura Scheiber
_________________________________

METODOLOGIA DE NOSSA EQUIPE

Uma história

O projeto de pesquisa Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação


e a formação de professores, caminhos para novas práticas foi conduzido pelo Núcleo
de Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação (NELLF),2 do Programa de
Pós-graduação em Letras da PUC Minas. Ao longo dos anos, tem tido uma história rica
em liderar projetos de pesquisas-ações no âmbito do letramento e da educação.
Ao longo de sua história, o NELLF tem sido fiel aos princípios democráticos de
pesquisa-ação participativa3 através da valorização das contribuições de todos os
participantes, independentemente do título profissional ou do nível educacional. Os
alunos universitários são encorajados a contribuir com conversas e perguntas críticas.
Aliás, a equipe de pesquisa intencionalmente incluiu participantes com experiências e
perspectivas diversas para enriquecer o processo de pesquisa e para fazer conexões sociais
com potencial para resultar em projetos futuros de pesquisa. Frise-se, no caso do projeto
em tela, que cada membro da equipe foi responsável por realizar pesquisa sobre assuntos
ligados a sua área de especialização e, ao mesmo tempo, foi encorajado a contribuir com
o projeto coletivo.

A METODOLOGIA DO PROJETO LEITURA E ESCRITA NO ENSINO MÉDIO

O NELLF continuou com sua tradição de pesquisa-ação quando a professora


Juliana Alves Assis se inscreveu, em 2012, no edital FAPEMIG 13/2012 – Pesquisa em
Educação Básica – Acordo CAPES-FAPEMIG, que pretendeu apoiar financeiramente
projetos de pesquisa e de inovação voltados para a criação de estratégias diferenciadas de
ensino e aprendizagem, bem como para o desenvolvimento de políticas de formação
docente relacionadas à educação básica das redes públicas de ensino de Minas Gerais. A
PUC Minas foi a instituição executora do projeto Leitura e escrita no ensino médio:
demandas para a ação e a formação de professores, caminhos para novas práticas, o

2
O Núcleo reúne pesquisadores de diferentes instituições e articula vários grupos de pesquisa
(http://nellf.net). Vincula-se, ainda, a pesquisas que vêm sendo desenvolvidas por membros do Grupo
Letramento do Professor, coordenado pela professora doutora Angela Kleiman (IEL/UNICAMP). Seu
embrião foi o Grupo de Pesquisa Leitura, Produção de Textos e Construção de Conhecimentos
(LePTeCCo), criado em 2001 pela professora Maria de Lourdes Meirelles Matencio. Em sua história,
obteve vários financiamentos de agências nacionais.
3
A primeira vivência de pesquisa-ação participativa de membros do NELLF (à época LePTeCCo) deu-se
no desenvolvimento do projeto temático Processos de retextualização e práticas de letramento,
coordenado pela professora doutora Angela B. Kleiman (IEL/UNICAMP), com financiamento da
FAPESP (02/09775-0). Foi dessa rica experiência, segundo as três pesquisadoras mais antigas do grupo,
que nasceu o desejo de continuar investindo nesse tipo de abordagem.

20
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

qual, sob a coordenação da mesma professora, contou com a participação de integrantes


da PUC Minas e de outras instituições.4
Como o projeto pretendeu apoiar, do ponto de vista teórico-conceitual,
metodológico e didático, as práticas de leitura e de escrita no ensino médio, bem como o
processo de formação inicial e continuada de professores da área de Letras, suas ações
foram baseadas na participação colaboradora de escolas da educação básica. Depois de
contatadas várias escolas, a Escola Estadual Bernardo Monteiro (em Belo Horizonte), a
Escola Estadual Dr. Raimundo Alves (em Viçosa), a Escola Estadual de Ouro Preto (em
Ouro Preto) e a Escola Estadual Professor Alcides de Carvalho (em Montes Claros)
concordaram em participar do projeto. A Escola Estadual Bernardo Monteiro foi
contemplada com uma bolsa para uma de suas professoras,5 que atuou como pesquisadora
colaboradora, participando também das atividades do Núcleo na PUC Minas.
Para recrutar alunos universitários, a equipe do Núcleo colocou anúncios no
Departamento de Letras da PUC Minas. Parte dos alunos selecionados para o projeto foi
também contemplada com quatro com bolsas de iniciação científica, o que lhes permitiu
aprender como fazer pesquisas por meio de práticas colaborativas. O projeto contou
também com bolsistas de iniciação científica da graduação e do ensino médio distribuídas
pelas demais instituições envolvidas na pesquisa-ação: IFMG/Ouro Preto (duas bolsas de
iniciação científica júnior e uma bolsa de iniciação científica), a Universidade Federal de
Viçosa (uma bolsa de iniciação científica) e a Unimontes (uma bolsa de iniciação
científica). Houve ainda uma bolsa de mestrado concedida a estudante do Programa de
Pós-graduação em Letras da PUC Minas. A duração das bolsas variou entre 12 e 36
meses. No total, a equipe de pesquisa incluiu mais de 30 participantes, de níveis diversos,
que contribuíram diretamente com a organização, coleta e análise de dados, bem como
com a disseminação dos resultados. Durante todo o projeto, houve mudanças na

4
A equipe de pesquisadores, ao longo de 2013 até 2015, foi composta por: Adilson Ribeiro de Oliveira
(docente, IFMG/Ouro Preto), Adriana da Silva (docente, UFV), Alice Botelho Duarte (discente,
doutoranda, PUC Minas), Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana (discente, bolsista de iniciação
científica, PUC Minas), Ananda Silva Leite (discente, bolsista de iniciação científica, Unimontes), Arabie
Berzi Hermont (docente, PUC Minas), Daniela de Faria Prado (doutoranda, PUC Minas), Daniella Lopes
Dias Ignácio Rodrigues (docente, PUC Minas), Ev’Ângela Barros (docente, PUC Minas), Fernanda
Aparecida do Amaral (discente, bolsista de iniciação científica júnior, Ouro Preto), Isabela Camargos
Ribeiro (discente, bolsista de iniciação científica, PUC Minas), Janaína Zaidan Bicalho Fonseca (discente,
doutoranda PUC Minas), Jane Quintiliano Guimarães Silva (docente, PUC Minas), Josiane Andrade
Militão (docente, PUC Minas), Juliana Alves Assis (docente, PUC Minas, Coordenadora do projeto),
Karine Correia dos Santos (discente, doutoranda PUC Minas), Laura Scheiber (pós-doutoranda da
Columbia University na PUC Minas), Leonardo Lopes Cunha (discente, bolsista de iniciação científica,
PUC Minas), Luciana Aparecida de Oliveira (discente, graduação PUC Minas), Márcia Marques de
Morais (docente, PUC Minas), Maria Angela Paulino Teixeira Lopes (docente, PUC Minas), Maria de
Lourdes G. Carvalho (docente, UNIMONTES), Raquel Beatriz Junqueira Guimarães (docente PUC
Minas), Robson Figueiredo Brito (discente, mestrado PUC Minas), Rosângela Maria Braga Trotta Soares
(docente, bolsista, Escola E. Bernardo Monteiro – BH), Sandra Carvalho do Nascimento Lessa (Escola
Estadual de Ouro Preto – Ouro Preto), Sandra Maria Silva Cavalcante (docente, PUC Minas), Sibely
Oliveira Silva (discente, bolsista, mestrado PUC Minas), Wemerson Guedes de Souza (discente,
graduação PUC Minas), Wilson Silva Fonseca Júnior (discente, graduação PUC Minas). O projeto incluiu
como instituições parceiras o IFMG/Ouro Preto, a Universidade Federal de Viçosa e a Unimontes.
5
Trata-se de Rosângela Maria Braga Trotta Soares.

21
Laura Scheiber
_________________________________

configuração da equipe porque algumas pessoas tiveram de sair do projeto, enquanto


outras aderiram a ele.
Na descrição a ser apresentada neste capítulo, ater-nos-emos às atividades
desenvolvidas em Belo Horizonte, por meio da coordenação da PUC Minas (instituição
gestora do projeto). Pela mesma razão, será privilegiado o relato das ações referentes à
Escola Estadual Bernardo Monteiro. É importante sublinhar, porém, que a maior parte
dos pesquisadores vinculados às demais instituições do estado de Minas Gerais
(IFMG/Ouro Preto, Universidade Federal de Viçosa e Unimontes) participou também, e
de forma ativa, das etapas desenvolvidas em Belo Horizonte.
As reuniões da equipe se inciaram em maio de 2013 para (re)discutir os objetivos
do projeto e desenvolver um plano de trabalho para o resto do ano. Para propiciar a
fundação de um grupo sólido, os membros da equipe se reuniram inicialmente uma vez
por mês a fim de discutir textos sobre metodologias de pesquisas e outros assuntos
relevantes que poderiam informar o projeto de pesquisa colaborador. Essa abordagem era
especificamente importante porque os participantes tinham níveis diferentes de
experiência em trabalhos de pesquisa. Alguns dos textos discutidos incluíram “Um
discurso sobre as ciências” (SANTOS, 2009), “O professor pesquisador; introdução à
pesquisa qualitativa” (BORTONI-RICARDO, 2008) e “Pesquisa em educação:
abordagens qualitativa” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Para mediar as discussões, a
coordenadora da pesquisa destacou temas ou assuntos dos textos que estavam conectados
com o projeto de pesquisa. Por exemplo, como o grupo se envolveria em métodos
qualitativos, a equipe discutiu “A emergência do paradigma interpretativista, alternativo
ao paradigma positivista”, do livro de Bortoni-Ricardo (2008). Todos os participantes
foram encorajados a participar das discussões em grupo para que o debate fosse animado.
A equipe começou a fazer coleta de dados no início de 2014. Para começar os
trabalhos em Belo Horizonte, em torno de 5 a 10 dos membros da equipe de pesquisa se
reuniram com os funcionários da Escola Estadual Bernardo Monteiro a fim de projetar as
metas e objetivos do projeto de pesquisa-ação colaborador. Nesse encontro, houve cerca
de 10 pesquisadores da PUC Minas e aproximadamente 20 funcionários do colégio,
incluindo a diretora, professores de Português, Matemática e Ciências, entre outros. Os
professores e a administração da escola pareceram entusiasmados, especialmente aqueles
que expressaram frustrações e preocupações em relação às habilidades de leitura e escrita
dos alunos. Eles comunicaram a esperança guardada de que o projeto colaborador
resultasse em projetos inovadores e práticas que, no fim das contas, melhorariam o
desempenho acadêmico dos alunos.
Ao mesmo tempo, a equipe de pesquisa foi dividida em subgrupos para pesquisar
áreas e assuntos específicos do projeto de pesquisa maior. Guiado pelos professores com
especialização em áreas específicas, como formação de docentes, tecnologia e educação,
formação de identidade e ensino de literatura, os pesquisadores discentes escolheram de
quais subgrupos queriam participar. Esses subgrupos se reuniram regularmente ao longo
do ano para coordenar responsabilidades da pesquisa.
Foi agendada então, a cada duas semanas, uma reunião de pesquisa na PUC
Minas, na qual a maior parte da equipe era convidada a discutir sobre o progresso do

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

projeto. As reuniões tinham um programa semiestruturado e foram mediadas num espírito


democrático tendo sido cada membro da equipe encorajado a expressar perguntas,
dúvidas, reflexões e observações relevantes. Uma grande variedade de assuntos foi
discutida durante as reuniões: experiências no campo dos alunos de graduação e pós-
graduação; o desenho de um questionário para alunos; dilemas éticos inevitáveis em
projetos de pesquisas qualitativas e debates animados entre os membros da equipe com
mais experiência de pesquisa sobre as etapas futuras acerca dos processos de pesquisa.
As decisões sobre como fazer avançar a pesquisa foram baseadas em discussões que
incorporaram as perspectivas da equipe inteira, incluindo professores e alunos da
universidade e a professora da Escola Estadual Bernardo Monteiro, bolsista do projeto,
como já assinalado. Depois que a coleta e a análise dos dados tiveram início, os subgrupos
tinham a oportunidade de apresentar seu trabalho para receber feedback da equipe inteira.
As reuniões, nessa etapa, demoraram de três a cinco horas. As anotações realizadas
durante esses encontros eram enviadas pela coordenadora do projeto à equipe inteira,
geralmente dentro de 48 horas, para compartilhar e calibrar as percepções, preocupações
e reflexões de todos os membros da equipe.
Mesmo que os benefícios de pesquisa participativa tenham já sido documentados
por meio de diferentes produtos e resultados divulgados pelo grupo em eventos e
publicações da área,6 é preciso admitir que a coordenação de um projeto de pesquisa com
mais de 30 pessoas com experiências, perspectivas e especializações diferentes não é uma
tarefa fácil. Essa compreensão nos faz investir na defesa da relevância de conhecer
também aquilo que talvez não se revele de forma explícita nos resultados dos projetos,
mas que, certamente, também pode oferecer fortes contribuições a futuras pesquisas. Com
esse espírito, pedimos aos membros da equipe que compartilhassem suas percepções
obtidas por meio da vivência na pesquisa, o que será apresentado na próxima seção.

6
MITCHELL, Sidney M.; REILLY, Rosemary C.; LOGUE, Mary Ellin. Benefits of collaborative action
research for the beginning teacher. Teaching and Teacher Education, v. 25, n. 2, p. 344-349, 2009.

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Laura Scheiber
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REFLEXÕES E DICAS EM RELAÇÃO AOS PROCESSOS DE PESQUISA-AÇÃO

O que deu certo em relação aos processos colaborativos e democráticos?

Ao final do projeto, os pesquisadores foram inquiridos sobre o que deu certo para
eles em relação aos processos colaborativos e democráticos durante o projeto de
pesquisa-ação vivenciado. Foram obtidos cinco resultados principais a partir do exame
de suas respostas.

Reuniões com o grupo de pesquisa

Os pesquisadores de nosso grupo consideraram que as reuniões e encontros


periódicos do grupo foram fundamentais para mediar processos democráticos e
colaboradores. Disseram que essas reuniões ofereceram um espaço de troca de
experiências e um intercâmbio de informações. Entretanto, os encontros não eram o
‘ingrediente mágico’; o mais importante, segundo eles, foi como as reuniões foram
conduzidas, o que criou uma cultura de participação democrática. Especificamente, nosso
grupo pensou que as discussões encorajaram debates em que todos escutaram as
propostas, sugestões e experiências dos outros para que vários olhares pudessem ser
contemplados.

Tomada de decisão democrática

Em extensão à condução das discussões durante os encontros, o processo de


tomada de decisões pretendeu incorporar as vozes da equipe inteira em vez de usar um
modelo descendente, que é sempre, de algum modo, autoritário. A equipe sentiu que as
decisões foram tomadas após terem sido discutidas com o grupo e julgou que isso
encorajou um processo colaborador. Pedimos aos participantes da equipe um exemplo
que ilustrasse esse processo em que todos os participantes tivessem tido a oportunidade
de acrescentar e sugerir melhorias. A equipe descreveu: “…Elaboração e discussão de
instrumento de coleta de dados proposto por uma das fontes do grupo, com possibilidade
de alterações, sugestões e reformulações que ocorreram em três etapas antes da aplicação.
Primeiro o questionário foi apresentado ao grupo para uma primeira rodada de sugestões,
posteriormente socializado por e-mail ainda aberto a alterações e sugestões, e finalmente
reapresentado ao grupo para consolidação e aplicação do questionário. Durante a análise
dos resultados do mesmo instrumento, mais uma vez a oportunidade de repensar o
objeto.” É importante esclarecer que, durante cada etapa do desenvolvimento do
questionário aludido na resposta transcrita, adotou-se uma estratégia de socialização em

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

que interessavam os saberes de todo o grupo. Os processos de ação eram flexíveis e


tinham uma criação de estratégias para a reconstrução contínua do projeto.

Reflexão em grupo sobre os dados

Depois que os dados da pesquisa foram coletados, cada subgrupo teve a


oportunidade de apresentar os resultados, receber feedback e refletir coletivamente sobre
o significado desses dados. Os membros da equipe sentiram que esse processo foi
importante porque deu a oportunidade de corrigir os diagnósticos e oferecer feedback com
vários olhares. Em geral, os subgrupos apresentaram os resultados por meio de uma
apresentação de PowerPoint que demorou cerca de 30 minutos, seguida de uma discussão
aberta, também de 30 minutos, em média. Os membros dos subgrupos manifestaram
terem gostado de receber feedback adicional por e-mail quando o tempo para as
discussões não foi suficiente.

Apoio a nova geração de pesquisadores

Os pesquisadores mais principiantes expressaram a importância do “apoio


incondicional das professoras e pesquisadoras mais experientes”. Quando indagados
sobre como, exatamente, os professores mostraram seu apoio, os alunos sentiram que os
professores realmente escutaram as suas ideias e experiências, e depois ofereceram
feedback proveitoso, que incentivou suas propostas de pesquisa. Também foi
motivacional ter a oportunidade para desenvolver propostas de pesquisa que eram parte
dos objetivos do grupo inteiro. Eles explicaram que a experiência de ser um participante
ativo de uma equipe de pesquisa foi bastante diferente da que se tem nos grupos de
pesquisa tradicionais, em que geralmente só se permite participação aos graduandos dos
últimos períodos.

Colaboração entre escola da educação básica e universidade

A equipe de pesquisa sentiu que a “aproximação contínua” entre a universidade e


a escola de ensino médio deu certo em relação aos processos democráticos e
colaborativos. Os pesquisadores reportaram que o “trabalho de planejamento e avaliação
desenvolvido com integrantes da escola de ensino médio” encorajou interações positivas
e colaboradoras. A equipe de pesquisa também considerou que as oficinas na Escola
Estadual Bernardo Monteiro motivaram práticas de pesquisa colaboradoras porque
possibilitaram a reunião de alunos e professores de especializações diversas, que

25
Laura Scheiber
_________________________________

mergulharam em debates sobre assuntos relevantes aos seus cotidianos.7 Embora muitos
dos membros da equipe estivessem felizes com a aproximação entre as instituições, outros
participantes da pesquisa julgaram que tinham potencial para melhorar a colaboração
entre as escolas, o que será discutido com mais detalhe a seguir.

ENFRENTANDO DESAFIOS

Embora a pesquisa-ação apresente muitos benefícios, existem certos desafios


quando se utilizam seus processos e princípios. Nosso grupo inevitavelmente enfrentou
alguns desses desafios. Perguntamos aos membros quais abordagens, estratégias e
ferramentas eles julgaram terem sido mais eficazes para superar os problemas.

Necessidade de cooperação e coesão de um grande número de pessoas

Quando se lidera um número grande de pessoas com perspectivas diferentes,


corre-se o risco de instigar dispersão no processo de pesquisa, o que, consequentemente,
poderia atrapalhar a cooperação e a coesão do grupo, limitando o alcance dos objetivos
da pesquisa (SMITH; KATZ, 2000). Para enfrentar esse desafio, os participantes
acreditam que a moderação do grupo possibilitou a sua coesão. Especificamente, a
utilização de uma pauta clara, os handouts nas apresentações, os recursos audiovisuais e
os e-mails coletivos mediaram a comunicação de uma forma efetiva e facilitadora da
coesão e da participação do grupo. A equipe também revelou que as reuniões de
subgrupos foram importantes porque forneceram o tempo necessário para focar em
assuntos e objetivos relacionados às metas específicas da pesquisa de cada subgrupo.

Dificuldades para implementação das propostas na escola

No início do projeto de pesquisa, a equipe teve ideias ambiciosas sobre como


recorrer à tecnologia nas abordagens pedagógicas. Contudo, a falta de recursos
tecnológicos na escola em que se dariam as ações do grupo em Belo Horizonte limitou a
implementação desses planos. Aliás, em alguns casos, as ideias não combinaram com as
regras da escola acerca do uso de celulares, computadores e internet. A equipe sentiu que
“muita negociação e adaptação à organização da escola” foram processos fundamentais
para superar esses desafios. Esse aspecto nos mostra que o sucesso de uma pesquisa-ação
depende, em larga escala, da capacidade de escuta e negociação do grupo de

7
Os processos e resultados das oficinas estão descritos, neste livro, nos capítulos de Sant’Ana et al. e de
Brito, Ribeiro e Guedes.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

pesquisadores e colaboradores.

SUPERAÇÃO DE DINÂMICAS DE PODER PREEXISTENTES

Como já assinalado, as dinâmicas de poder tradicional dentro da universidade,


geralmente, significam que os professores dirigem e geram o processo de pesquisa com
o apoio dos alunos de pós-graduação avançados, e os alunos iniciantes têm o papel de
escutar e completar tarefas mandadas pelos professores. Ao contrário disso, nosso grupo
pretendeu incluir e tratar os alunos iniciantes como parceiros iguais. Para superar
dinâmicas de poder que são profundamente institucionalizadas, precisa-se de esforços
conscientes de todos os membros da equipe. Pedimos aos alunos de graduação que
refletissem sobre como a equipe abordou esse desafio e o que eles acharam eficaz. Os
alunos reportaram que, no início do projeto, sentiram certo medo e insegurança, porém
disseram que o convívio fez com que isso fosse superado. Eles também relataram que ver
os outros se posicionando acende a vontade de agir assim. Revelaram ainda que a
dinâmica das reuniões leva à superação da divisão do grupo em várias frentes, incluindo
a acolhida dos professores com afeto e brincadeiras. Além disso, o lanchinho comunitário
(tradição nas reuniões da equipe) também contribuía para um ambiente agradável e social
durante as reuniões.

IMPLEMENTAÇÃO DE AÇÃO OU MUDANÇA BASEANDO-SE NOS RESULTADOS ALCANÇADOS

Nosso grupo achou que um dos desafios constantes para todo e qualquer grupo de
pesquisa-ação é implementar mudanças com base nos resultados alcançados. Talvez seja
o maior desafio. Por outro lado, nossa equipe sentiu que há uma mudança cotidiana por
parte de cada membro do grupo. Isso foi especificamente relevante ao nosso grupo, o qual
incluiu, como sabido, alunos universitários, que são parte da nova geração de futuros
docentes. Uma das pesquisadoras explicou que o processo de trabalhar com professores
e alunos de ensino médio no campo a ajudou a entender as realidades, experiências e
desafios que eles enfrentam, e consequentemente a incentivou a pensar nas estratégias
que ela pode usar no futuro, quando for uma docente, para cobrir as necessidades dos
alunos. Ela também revelou que as reuniões fizeram os participantes do grupo pensar
mais profundamente sobre o que significam os resultados da pesquisa em relação às
práticas de formação docente.

NECESSIDADE DE QUE O GRUPO TENHA A VONTADE, O TEMPO E A ENERGIA PARA SE


COMPROMETER COM O PROCESSO DE PESQUISA-AÇÃO

27
Laura Scheiber
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Pesquisas anteriores sugeriram que um dos principais desafios da pesquisa-ação é


encontrar um grupo de pesquisadores que tenha o tempo, o interesse e a energia para
envolver-se, considerando que a pesquisa-ação demanda mais paciência e tempo do que
as abordagens tradicionais. Felizmente, a grande maioria do nosso grupo foi
profundamente envolvida, mesmo quando houve falta de tempo. Ou seja, a vontade e a
dedicação não faltaram à maior parte das pessoas. Nossa equipe achou que um dos fatores
capazes de assegurar que a equipe ficasse dedicada à pesquisa foram as discussões
explícitas, logo no início do projeto, sobre o nível de dedicação e responsabilidade
exigidos de cada membro da equipe. Essa conversa garantiu que os membros do grupo
entendessem as demandas do projeto e que pudessem confirmar que tinham a capacidade
e o desejo de enfrentar as responsabilidades. Os líderes também tiveram uma
compreensão em relação às necessidades individuas de cada membro da equipe e
cobriram essas necessidades para maximizar a capacidade dos indivíduos de trabalhar em
grupo. Finalmente, uma cultura de respeito e afeto foi criada pela liderança.
Quando se está formando uma equipe de pesquisa-ação, uma pista que
potencialmente pode assegurar um grupo coesivo de indivíduos com o desejo necessário
para dedicar o tempo e o esforço à pesquisa é convidar pessoas com perfil ideal. Pedimos
que a equipe descrevesse um parceiro ideal para um projeto de pesquisa-ação. A
característica mais importante, reportada pelo grupo, foi “proatividade/uma pessoa
participativa”, seguido por “disponibilidade” e “capacidade de escuta”. Outras
características importantes que os membros de nossa equipe recomendaram ao procurar
parceiros potenciais incluíram “interesse, cooperação, humildade, capacidade de
negociação e compromisso, organização, objetividade, paciência, generosidade
intelectual, resiliência, sensatez” e “flexibilidade”. Outro fator importante a considerar ao
se organizar uma equipe é tentar selecionar pesquisadores afetados pelas questões de
pesquisa, porque estes vão ter um entendimento profundo sobre os assuntos aí abordados.

Aprendendo com as experiências

Como em qualquer projeto de pesquisa, aprendemos por meio da experiência. Se


nossa equipe pudesse voltar atrás no tempo, faria alguns processos diferentes, o que se
procura descrever abaixo. Esperamos que nossas “lições aprendidas” possam informar e
ajudar outros grupos.

Mais ação no campo

Alguns dos membros pensaram que a equipe poderia empenhar-se em mais ações
na escola em que se desenvolveu a pesquisa; noutros termos, que atividades e oficinas
deveriam ter começado mais cedo. Na mesma direção, outros membros sugeriram que o

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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grupo deveria diminuir o tempo dedicado ao estudo da parte teórica (cerca de um


semestre) ou, pelo menos, intercalar preparação teórica e ida ao campo.

Aprofundar o conhecimento do campo

Algumas pessoas do grupo acharam que a equipe deveria conhecer melhor o


universo da escola em que atuou; ao mesmo tempo, defenderam que os funcionários da
escola deveriam ter tido mais oportunidades de estarem envolvidos no processo de
pesquisa. Especificamente, acharam que aqueles que conheceram mais de perto a
realidade da escola, na condição de pesquisador e/ou de quem lá atua como funcionário,
poderiam ter socializado mais, com o grupo, a sua percepção da escola. Alguns
pesquisadores também sugeriram que se criassem mecanismos para que “a voz da escola”
fosse mais presente. Uma estratégia para realizar essa meta seria trabalhar em um projeto
com menos frentes de pesquisa e intervenções, para que houvesse mais tempo de
dedicação por parte dos pesquisadores, de modo a qualificar mais a relação com a escola,
aspecto, sem dúvida, muito importante em uma pesquisa-ação inscrita no universo
educacional.

Mais tempo para discussão e análise dos dados

Um número de pesquisadores sugeriu mais tempo para a discussão e análise dos


dados e que o cronograma de atividades do grupo devesse prever momentos específicos
para análise de dados. Outros sugeriram que as reuniões deveriam ter maior objetividade
para evitar dispersões que potencialmente pudessem limitar a produtividade. Uma ideia
para evitar esse problema seria fazer um pacto de condução das reuniões para
cumprimento da pauta e dos tempos definidos para cada apresentação.

DICAS PARA GRUPOS DE PESQUISA-AÇÃO

Pretendemos oferecer dicas para outros grupos que desejem desenvolver


pesquisas de uma forma democrática similar aos resultados da pesquisa-ação, visando
instigar mudança e melhoria nas vidas daqueles diretamente envolvidos no projeto de
pesquisa. Assim perguntamos à equipe quais dicas daria para grupos que queiram
desenvolver pesquisa-ação, tendo em vista a experiência vivida. O grupo apresentou
algumas sugestões, apresentadas a seguir.

29
Laura Scheiber
_________________________________

CLAREZA, DESDE O INÍCIO DO PROJETO, SOBRE PROCEDIMENTOS E AÇÕES ENVOLVIDOS NA


PESQUISA-AÇÃO

Nosso grupo recomenda que se estabeleçam, explicitamente, objetivos e metas


comuns aos membros no início de projeto para assegurar que todos tenham entendimento
do projeto e compromisso com ele. Igualmente importante é explicar os processos e
abordagens envolvidos na pesquisa-ação. Tudo isso foi feito por meio, inicialmente, do
compartilhamento do texto original do projeto aprovado pela Fapemig com os membros
da equipe, momento em que se discutiram e mesmo se redefiniram objetivos específicos
do projeto. Aliás, o grupo teve uma discussão aberta sobre a proposta para esclarecer
quaisquer dúvidas. A seguir, a equipe leu artigos sobre pesquisa-ação para entender a
teoria e os princípios fundamentais dessa abordagem. Nosso grupo também recomenda
selecionar ações em número razoável e envolver nelas todos os segmentos
comprometidos com a “causa da pesquisa”. Depois que as ações foram decididas e a
pesquisa já tenha começado, é importante pesquisar problemas que emerjam em um dado
contexto.

REFLEXÃO CONTÍNUA E SISTEMÁTICA ACERCA DOS SISTEMAS DE VALORES, CRENÇAS E


REPRESENTAÇÕES DO GRUPO/DO INDIVÍDUO E DE SEUS EFEITOS SOBRE O OBJETO/O
FENÔMENO PESQUISA

Reflexão é uma parte fundamental no processo de pesquisa-ação. Não há só uma


forma de envolver-se nos processos de reflexão em pesquisa-ação; na verdade há uma
extensa literatura que descreve abordagens (por exemplo, The Handbook of Action
Research, de Reason e Bradbury, 2006; All You Need to Know About Action Research,
de McNiff e Whitehead, 2006; Participatory Action Research, por Whyte, 1991). Para
nosso grupo, os encontros com objetivos claros, que incluíram um processo reflexivo,
foram eficazes, e recomendaríamos que se usasse uma abordagem parecida para outros
grupos. Aliás, com base em nossas experiências, recomendaríamos que se diagnosticasse
sempre o campo de pesquisa e se elaborassem os processos e atividades em conjunto com
os beneficiários. Além disso, como já foi descrito, prevê-se uma mudança cotidiana por
parte de cada membro do grupo. Para oferecer apoio nesse processo, recomendaríamos
que os pesquisadores fizessem um diário e que tivessem discussões mediadas em grupo
para aprofundar o que estão aprendendo pelo processo de pesquisa e ainda refletir sobre
o que significam essas lições em termos de prática e mudanças pessoais.

30
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Registro de uma memória dos encontros do grupo

Nossa equipe sugere que se crie o registro de uma memória coletiva dos encontros
do grupo para que os objetivos, reflexões e ações sejam resguardados. Nosso grupo fez
isso principalmente por e-mails (uma espécie de ata eletrônica) que resumiram o que
aconteceu durante as reuniões e que esquematizaram anotações dos encontros. Os
membros dos grupos também tiraram fotos e gravaram vídeos para documentar as
atividades que aconteceram no campo de pesquisa. Atualmente, dentro do mundo de rede
de conhecimento, há muitas ferramentas digitais que servem para facilitar redes de
conhecimentos, mediar colaboração e funcionar como um banco para compartilhar dados.
Hackpad, Google docs, Dropbox, One drive e Wikipages são só alguns dos recursos
disponíveis.

Investimentos constantes na interação entre grupos

Com base em nossas experiências, os membros de nossa equipe sentiram que foi
importante investir constantemente e encorajar a interação entre pesquisadores de vários
campos de formação e atuação, com níveis diferentes. Claro que o centro dessa interação
inclui a população-chave ou os beneficiários do projeto. Nosso grupo não poderia
enfatizar suficientemente a importância do diálogo com os beneficiários, que é o mais
importante para fazer com que se sintam parte fundamental do projeto. Nossa equipe
defendeu a inclusão do máximo de participação de indivíduos que poderiam representar
o contexto e a população principais na pesquisa. Uma forma para estimular a participação
de beneficiários é fazer algumas reuniões de pesquisa no campo. Em nosso caso, como já
exposto, foi em uma escola estadual em Belo Horizonte e em outras três cidades do Estado
de Minas. Incluir beneficiários ou a população-chave nas reuniões de pesquisa aprofunda
a possibilidade de incorporar seus conhecimentos e experiências no processo de pesquisa.

31
Laura Scheiber
_________________________________

Criação de modos de mobilização, participação e envolvimento de todos os


participantes

Abrir oportunidades para a participação em projetos colaboradores e


interinstitucionais é um passo importante para a pesquisa-ação no âmbito de educação.
No entanto, isso não é suficiente, de acordo com alguns pesquisadores de nossa equipe.
Estes defenderam o envolvimento ativo de todos os participantes no projeto de pesquisa.
O ingrediente-chave para a participação ativa dos participantes é assegurar, sempre que
possível, que a pesquisa seja diretamente significante nas vidas daqueles que estão
envolvidos no projeto. Aliás, é importante criar constantemente formas que possibilitem
o envolvimento de todos os membros diretamente. Nossa equipe sugeriu “sondar a
aptidão individual dos participantes”.

A importância de uma boa liderança

Embora um projeto colaborador de pesquisa-ação simplesmente não possa


acontecer sem a participação ativa de todos os membros, nossa equipe sentiu que uma
boa liderança é outro ingrediente crucial. Para nossa equipe, uma boa liderança consegue
conduzir de modo adequado uma equipe muito diversa e, ainda assim, alcançar bons
resultados. Pode fazer isso porque tem a capacidade de agregação (de todos os
personagens envolvidos). Além disso, um bom líder também busca planejar as ações com
antecedência.

CONCLUSÃO

No contexto do século XXI, abordagens interdisciplinares de pesquisa


colaborativa são fundamentais para melhorar as práticas no ambiente educativo.
Especificamente, a pesquisa-ação envolve uma abordagem de pesquisa democrática que
pretende melhorar as práticas organizacionais e as vidas dos participantes envolvidos
diretamente na pesquisa. O objetivo deste capitulo foi oferecer percepções e ‘lições
aprendidas’ sobre pesquisa-ação baseadas nas experiências de nossa equipe. Como o
nome sugere, uma pesquisa-ação foca na ação. Os capítulos seguintes descrevem os
vários resultados de nossa pesquisa, incluindo projetos de pesquisa que pretendem
melhorar a capacidade de leitura dos alunos no ensino médio, práticas na universidade
para preparar futuros professores e ações implementadas nas escolas.
Esperamos que as reflexões trazidas neste capítulo contribuam para que outros
grupos envolvidos em processos de pesquisa-ação melhorem seu trabalho e para que seus
resultados produzam um impacto mais poderoso.

32
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Referências

BALL, Arnetha F. Three decades of research on classroom life. Illuminating the


classroom communicative lives of America’s at-risk students. Review of Research in
Education, v. 26, n. 1, p. 71-111, 2002.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Os postulados do paradigma interpretativista. In:
O professor pesquisador: introducão à pesquisa qualitativa. São Paulo: Parábola, 2008.
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BURNES, Bernard. Kurt Lewin and the Planned Approach to Change: a Re-appraisal.
Journal of Management Studies, v. 41, n. 6, p. 977-1002, 2004.
CHARLES, Liz; WARD, Neil. Generating change through research: action research and
its implications. Centre for Rural Economy Discussion Paper Series n. 10, 2007.
GREENWOOD, Davydd James; LEVIN, Morten. Introduction to action research:
social research for social change. Thousand Oaks: Sage Publications, 1998.
HERR, Kathryn; ANDERSON, Gary. L. The action research dissertation. Thousand
Oaks: Sage Publications, 2005.
LÜDKE, Menga. Métodos de coleta de dados: Observação, entrevista e análise
documental. In: LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação:
abordagens qualitativas, São Paulo: EPU,1986. p. 25-44.
MCNIFF, Jean. Action research: Principles and practice. London: Routledge, 1988.
REASON, Peter; BRADBURY, Hilary. Handbook of action research. London: Sage
Publications, 2001.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Todo o conhecimento local é total; Todo o
conhecimento é autoconhecimento: Todo o conhecimento científico visa constituir-se em
senso comum. In: Um discurso sobre as ciências. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2009. p. 73-
92.
SCHAFFT KAI A.; GREENWOOD, Davydd. Promises and dilemmas of participation:
Action research, search conference methodology, and community development. Journal
of the Community Development Society, v. 34, n. 1, p. 18-35, 2003.
SMITH, David; KATZ, J. Sylvan. Collaborative approaches to research. (HEFCE
fundamental review of research policy and funding. Final Report). Higher Education
Funding Council for England (HEFCE), 2000. Disponível em: <http://users.sussex.ac.uk/
~sylvank/pubs/collc.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2015.

33
Escrever na escola, escrever na vida

Sibely Oliveira Silva


Rosângela Maria Braga Trotta

Este capítulo visa a apresentar uma reflexão sobre parte das cenas de uma
experiência de pesquisa-ação1 realizada no âmbito do curso de Mestrado em Língua
Portuguesa e Linguística do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas. A
pesquisa mencionada centra-se nas práticas de ensino da produção escrita, nos anos finais
da educação básica, e foi desenvolvida em uma escola da rede pública estadual, localizada
na cidade de Belo Horizonte, no ano de 2014, por meio de uma parceria entre
pesquisadora e professora colaboradora, ambas integrantes do Projeto “Leitura e Escrita
no Ensino Médio: demandas para a ação e formação de professores; caminhos para novas
práticas” (Edital CAPES/FAPEMIG 13/2012).2 A reflexão, a seguir, afigura-se sob a
lente dos novos papéis projetados para o professor de língua materna e para os alunos,
frente a situações de ensino/aprendizagem da escrita, no cenário da escola, para além da
escola.

MAS ANTES... UM DEDO DE PROSA

O ensino de língua materna tem ancorado discussões sob diversas perspectivas e


diferentes matizes, no cenário atual. Uma das preocupações que ilumina essa pauta, por
exemplo − e que aqui é considerada como ponto de partida para a discussão que se
delineia −, é a necessidade insofismável de se desmistificar e/ou rejeitar, a priori, a
opacidade conferida à produção escrita no contexto de grande parte das aulas de língua
portuguesa, há muito cristalizada, sob pena do ensino rígido de conteúdos e, a um só
tempo, fomentar reflexões sobre as possibilidades ou caminhos que orientem para o
desenvolvimento da competência escrita dos alunos na escola, de modo que os estudantes
tenham a autonomia para agenciá-la em suas práticas sociais cotidianas, amparando-se
em tal competência para legitimarem a sua cidadania.
Dessa perspectiva, parece-nos essencial que os alunos escrevam na escola, para a
vida, e que a escola reconheça urgentemente a escrita como forma de empoderamento e
inclusão social, conferindo-lhe o valor que merece ser cultivado, de fato.

1
Este artigo está articulado à pesquisa desenvolvida no âmbito do curso de mestrado em Língua Portuguesa
e Linguística do Programa de Pós-graduação e Letras da PUC Minas, intitulada “Escrever na escola e
para a vida: a experiência de pesquisa-ação e seus efeitos na aprendizagem da escrita”.
2
Esse projeto é coordenado pela PUC Minas, em articulação com algumas escolas da rede pública estadual
da educação básica e com outras universidades do Estado de Minas Gerais. Volta-se para a formação
tanto inicial quanto continuada de professores e, também, para as questões inerentes à leitura e à escrita
no ensino médio e para a resolução de demandas que se afiguram no cenário escolar da educação básica.
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Desse modo, lançamos o convite à reflexão sobre a alarmante necessidade de se


problematizar as práticas do ensino/aprendizagem da escrita na educação básica, as quais,
em considerável parte, parecem insistir em cultuar modelos fortemente assimétricos às
propostas sedimentadas pelos documentos parametrizadores que prescrevem orientações
para o ensino de língua materna, como os PCN (1997/1998, 2002, 2006) e as Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (2004, 2006), por exemplo. Tais práticas, ao que
parece, acenam para um distanciamento da própria imagem que se projeta tanto para o
professor de língua materna quanto para os alunos da contemporaneidade.
Sim, como professores, somos provocados e convocados a assumirmos esses
novos papéis, que são múltiplos, ainda que, às vezes, conflitantes, os quais, há que se
“aceitar”, tendem, naturalmente, a se (re)atualizarem frente ao contexto político-social de
cada época, mesmo que isso requeira a impositiva ressignificação do nosso próprio papel
de professor, da nossa própria identidade profissional e do nosso próprio modo de
compreender o ensino, em suas maleabilidades e em suas fronteiras.
Nesse contexto, a figura do professor está sendo desafiada a admitir e a
acompanhar, com fôlego, as mudanças que imperam pelo perfil dos alunos com os quais
lida nas situações de ensino, pelos anseios desses alunos frente à escola e, especialmente,
a educar com vozes modernas em tempos modernos, e, não, o contrário. Pensar o ensino
em consonância com as reais demandas exigidas no cenário atual, as quais transcendem
as da escola, é, sem dúvida, ocasião para se considerar o aluno/sujeito em suas dimensões
social, política, identitária e cultural. É, também, enxergar a escola como uma instituição
que se corporifica na/pela sociedade e não como um modelo de instituição à parte.
Perseguir tal compromisso implica que os alunos tenham a oportunidade de
vivenciar eventos e práticas de letramento no âmbito escolar que sirvam à extrapolação
desse universo, isto é, o ideal é que as práticas de escrita vivenciadas no espaço escolar
figurem como uma espécie de credencial para que os alunos, efetivamente, possam agir
socialmente por meio da escrita.
Na realidade, o fato de o domínio da competência discursiva na enunciação escrita
ainda ser uma espécie de “pedra” no caminho de grande parte dos estudantes é, talvez, a
prova mais flagrante de que a escola vem trilhando, ao longo da história, um percurso de
insucesso em relação ao ensino da produção textual, se pensarmos que, ao longo dos
tempos, houve bastante dedicação por parte desta − para não dizer dedicação “visceral” −,
à competência linguística em detrimento da competência discursiva.
Diante desse quadro, existe uma nova performance a ser incorporada pelo
professor − a de ser também um “agente de letramentos” −, como propõe Kleiman (2007),
a quem creditamos um olhar acertado sobre o papel do professor contemporâneo.3
Na visão da autora, o professor que assume o papel de “agente de letramentos”
empenha-se na tarefa de ensinar/estimular os seus alunos a se apropriarem de práticas de
letramento de diversas naturezas, como: avaliar, reivindicar, solicitar, reclamar, justificar
pontos de vista, propor alternativas ou soluções, de forma crítica e reflexiva, quando

3
No Brasil, existem várias possibilidades de leitura sobre o tema Letramento, em publicações de autores
como: Angela Kleiman (1995, 2006, 2007, 2010), Roxane Rojo (2003); Inês Signorini (2007); Magda
Soares (2002, 2004), entre outros.

36
Sibely Oliveira Silva e Rosângela Maria Braga Trotta
_________________________________

confrontados com diferentes situações de comunicação na escola. Aliado a essa


perspectiva, e de forma estreitamente articulada, empenha-se em projetar o
posicionamento discursivo desses alunos, para além da escola, na vida social de que
participam como sujeitos que se enunciam sob diferenciados lugares e assumem variados
papéis sociais: filho, estudante, trabalhador, profissional, crítico, observador,
questionador, etc.
Pensar o ensino da produção textual e a performance a ser adotada pelo professor
contemporâneo pressupõe, ainda, uma outra concepção que, a despeito de ser há muito
preceituada, parece, ainda, ser pouco valorada no encaminhamento de algumas práticas
de ensino da produção escrita, qual seja: a de se considerar que a escrita,
constitutivamente, abriga uma dimensão dialógica, razão especial que justifica a
importância da determinação das condições de produção, de recepção e de circulação dos
textos, quando das práticas de produção textual.4
A esse respeito, é importante que se tenha presente que o aluno precisa saber,
claramente, seu papel social frente ao interlocutor e, do mesmo modo, a que papel social
esse interlocutor será elevado, as finalidades/objetivos subjacentes à interação, o gênero
a ser produzido, isto é, as condições de produção a que está circunscrito o projeto de dizer
do locutor não podem estar à margem, já que funcionam como uma base de orientação
para a produção de todo e qualquer texto.
Ao se pensar nesse aspecto, é oportuno lembrar que, não raro, a ocorrência de
algumas propostas de produção textual utilizadas nas aulas de língua materna e, também,
em outras disciplinas, muitas das vezes, acabam tangenciando, em certa medida, o
potencial de produção dos alunos. Como? Basta imaginarmos, a título de exemplificação,
o fato de que, algumas vezes, a produção escrita surge como uma espécie de alternativa
à resolução de problemas relacionados aos imprevistos corriqueiros do dia a dia de sala
de aula, o que acaba comprometendo, de certo modo, a execução de propostas que,
efetivamente, contribuam para o desenvolvimento das capacidades de escrita dos alunos.
Nessas condições, os esquemas mentais que devem ser mobilizados pelos
alunos/escreventes, intrínsecos às condições de produção textual, não escapam a essa
barreira.
É fundamental não se perder de vista que, ao definir os objetivos, o interlocutor,
o assunto, o papel social do locutor, o gênero do discurso a ser produzido, o professor não
somente contribui para o desenvolvimento da capacidade de ação (adaptar o texto à
situação de linguagem) dos alunos, como, também, pode verificar ou mesmo mapear,
mais precisamente, as nuances do desenvolvimento das outras capacidades de linguagem
(capacidade discursiva e linguístico-discursiva) desses alunos, as quais estão associadas
à primeira. Em outros termos, uma proposta de produção textual, nos moldes do que foi
dito, figura como uma espécie de dispositivo que medeia tanto o desenvolvimento das

4
Para saber mais sobre o assunto, uma boa dica é a leitura do texto “Letramento e suas implicações para o
ensino de língua materna”, de Angela Kleiman. Disponível em: <http://online.unisc.br/seer/
index.php/signo/article/vie/242.w/>.

37
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

capacidades de escrita dos alunos, como possibilita ao professor flagrar mais facilmente
as variações do desempenho da turma em relação às capacidades mencionadas, o que, por
sua vez, viabiliza uma assistência pedagógica mais pontual, inclusive.
Na esteira do que aqui se assume, o esforço em promover a dinâmica de interação
em sala de aula, de formas variadas, é um passo caro às situações de ensino/aprendizagem
da escrita, pois, como sabemos, o sujeito se constitui ser de linguagem socialmente.
Schneuwly e Dolz (2004), a propósito, alertam-nos para a possibilidade de a escola ser
reconhecida como um legítimo lugar de comunicação, e as diversas
circunstâncias/eventos que se afiguram no seu interior, oportunidade para a produção e
recepção de textos.
Em nossa relação de interação com o outro, produzimos textos orais e escritos que
se materializam nos inúmeros gêneros do discurso. E, aí, chegamos a um ponto também
muito especial de nossa discussão: os gêneros do discurso a serem ensinados/apropriados
na escola. Nesse sentido, Bakhtin é categórico ao dizer que “a vontade discursiva do
falante se realiza antes de tudo na escolha de um gênero” (BAKHTIN, 2003, p. 282).
Quando articulamos uma conversa, quer na modalidade escrita, quer na oral,
ajustamos nosso projeto de dizer à imagem do outro, instaurada em uma determinada
situação comunicativa e a partir de um determinado gênero. É justamente essa imagem,
associada a essa situação (condições de produção), que nos possibilita rebuscar mais ou
menos uma fala, por exemplo, escolher uma orientação discursiva particular, ou seja, é
nessa relação dialógica, moderada na/pela interação verbal e nos/pelos gêneros do
discurso que mobilizamos nossas capacidades de linguagem.
Significa dizer que, nas situações de ensino/aprendizagem da escrita, é
interessante que o professor invista no ensino de gêneros do discurso, a partir de práticas
significadas de produção textual, as quais se aproximem5 de situações reais de
interação/comunicação que pressuponham a operação de diferentes capacidades de
linguagem, a depender do gênero discursivo agenciado, o qual poderá exigir operações
menos ou mais complexas.
Considerando-se o sujeito-aluno, que tem uma identidade e uma cultura,
imanentes a um contexto social, é importante que o professor tenha a sensibilidade e a
perspicácia para escolher os gêneros do discurso a serem ensinados/trabalhados,
valorando a possibilidade daqueles que sejam mais significativos para a turma. Dito de
outro modo, é conveniente pensar quais gêneros possibilitarão as práticas de letramento
possivelmente necessárias ou indispensáveis àquele grupo, em especial.
Decerto, o divórcio que sempre reinou entre o que se ensina na escola e as
demandas das práticas de linguagem requeridas na sociedade precisa ser resolvido, ou
melhor, anulado.
Não é novidade que, para muitos alunos, a produção de texto é vista como algo
“difícil ” de se fazer. Como já mencionado, sabemos que grande parte dos estudantes

5
Diz-se “aproximem”, porque o fato de o gênero circular na escola, mesmo que a partir de situações reais
de interação, por si só, confere a ele uma “escolarização”, o que não é problema. O que está em jogo são
as condições de produção e as práticas de letramento que podem emergir ou subsidiar o processo de
produção textual.

38
Sibely Oliveira Silva e Rosângela Maria Braga Trotta
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demonstra dificuldade em relação ao domínio da escrita. Para justificar o problema,


facilmente poderíamos levantar uma série de variáveis, às quais não nos deteremos, neste
momento, mas julgamos necessário trazer à cena pelo menos esta: práticas de escrita
precisam ser significadas pelos alunos, que precisam ter a certeza de que seus textos serão
lidos, de fato. A significação que se menciona, passa, obviamente, pela certeza de que o
texto produzido tem uma função social e que servirá a um determinado propósito.
Quantos de nós, quando crianças, já não fomos convidados a escrever a “velha
composição sobre as férias vivenciadas” ou sobre uma “data”, em especial? É possível
imaginar que grande parte de nós não se identificava com uma ou outra proposta de
produção, por diferentes motivos, e essa não identificação pode ser tomada como pista
para se justificar algumas das barreiras que possivelmente comprometeram a qualidade
das produções feitas.
O que queremos pôr aqui em discussão é a importância de os alunos reconhecerem
a escrita como prática social, necessária às suas vidas, já que, como sujeitos alfabetizados,
recorrentemente lidam diretamente com ela, quer seja em situações que exigem a sua
leitura/compreensão ou discussão, quer seja em situações que requerem a sua produção:
como a escrita de bilhetes, e-mails, cartas, procurações, requerimentos, reivindicações,
reclamações, listas de compras, currículos, redações de vestibular ou para ocupar uma
vaga de emprego, cartas de apresentação, preenchimento de formulários, etc.
É nessa direção que situamos nosso interesse em apresentar parte, ou melhor, um
recorte de uma cena, em especial, de uma experiência de pesquisa realizada com alunos
do 1º ano do ensino médio, de uma escola da rede pública estadual da educação básica,
localizada na cidade de Belo Horizonte.
Essa pesquisa, desenvolvida em parceria entre uma pesquisadora e uma professora
colaboradora da referida escola, surge da preocupação de assegurar a incursão dos alunos
colaboradores em cenas múltiplas de letramentos, legitimadas por novos modos de agir,
cognitiva, discursiva e interacionalmente, na enunciação escrita e oral, na sala de aula,
para além da sala de aula.
O caminho escolhido guia-se pela execução de um projeto intitulado “Assumindo
a Palavra”, implementado ao longo de quatro meses, cujo foco se ajusta ao ensino das
práticas de produção textual nos anos finais da educação básica.
Como se pode inferir do título apontado, houve o esforço para que as diferentes
etapas desse projeto trouxessem impactos positivos nas capacidades de escrita dos alunos,
contribuindo para o alcance e aprimoramento da capacidade de assumirem a palavra,
investindo-se da imagem de sujeitos/ autores, nas diversas situações de interação com que
foram confrontados.
Durante a realização do investimento anunciado, assumimos, além das
concepções desveladas, a concepção de que a apropriação da escrita requer processo, isto
é, processo recursivo que exige planejamento, escrita, avaliação e reescrita. Ao lado dessa
perspectiva, também assumimos que o ensino requer sistematização, sendo esta
necessária ao aprendizado em suas diferentes formas, razão que justifica as diferentes
etapas constitutivas do projeto.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Para contextualizar as ações desenvolvidas, cabe aclarar que o projeto


“Assumindo a Palavra” foi executado em cinco etapas, norteadas pela temática6 “Como
anda a saúde pública em Belo Horizonte?”. Iniciou-se com pesquisa bibliográfica e de
campo (em alguns centros de saúde de BH). Após, os resultados foram analisados e
tabulados em sala de aula, para posterior divulgação na escola.
Na sequência, diante das informações e dos dados coletados com as pesquisas, os
alunos produziram, a princípio, individualmente, uma carta de reivindicação de melhorias
na saúde pública de BH, endereçada ao Secretário Municipal de Saúde atuante à época.
Realizada essa etapa, os estudantes foram agrupados para as práticas de autoavaliação e
coavaliação dos textos produzidos. A partir do amadurecimento das análises e das
reflexões sobre os textos, os alunos reescreveram, coletivamente, uma nova carta (dessa
etapa, surgiram cinco cartas reescritas coletivamente pela turma). Cumprida essa tarefa,
uma carta final foi produzida pela turma, de maneira compartilhada, com a mediação da
professora e da pesquisadora, a partir das informações, dados e argumentos das cartas
produzidas anteriormente. A carta final foi, de fato, enviada em nome da turma, ao
Secretário Municipal de Saúde, através de e-mail, por um aluno escolhido pelo grupo.

UMA CENA PARA ANÁLISE

Sob o lume das considerações previamente suscitadas, seguimos com nosso


propósito central de apresentar algumas reflexões sobre a pesquisa anunciada.
Com essa pretensão, apresentamos, na sequência, um excerto extraído do relato
de uma aluna colaboradora da pesquisa mencionada, no momento em que ela narra para
a turma os desafios encontrados e contornados, juntamente com seu grupo de colegas, na
execução de uma das etapas do projeto “Assumindo a Palavra” − realização7 de pesquisa8
de campo em um centro de saúde pública da cidade de Belo Horizonte. Vejamos:

6
O tema do Projeto nasceu do interesse real dos alunos em pesquisar a qualidade da saúde pública na
cidade de Belo Horizonte, no ano de 2014, momento, inclusive, em que o país vivenciava o período de
eleição presidencial e de governadores estaduais. Acreditamos que o tema foi bastante propício à
problematização de algumas questões político-sociais, em sala de aula, bem como à reflexão acerca do
papel social que os estudantes deveriam assumir frente às questões discutidas.
7
Importa esclarecer que, anteriormente à visita dos alunos ao centro de saúde pesquisado, o grupo teve a
iniciativa de agendar a visita, um dia antes da data de sua realização. Segundo os alunos, havia a
preocupação de se evitarem sobressaltos por parte dos funcionários dos centros de saúde e possíveis
imprevistos que pudessem comprometer a realização do trabalho.
8
Anteriormente à execução da etapa aludida, os alunos produziram instrumentos para a coleta de dados e
informações da pesquisa de campo. Esses instrumentos (questionários para profissionais que trabalhavam
nas unidades de saúde pesquisadas e, também, para os pacientes que utilizavam os serviços do SUS)
foram elaborados em pequenos grupos, sendo estes orientados pela professora e pela pesquisadora a
avaliarem o teor das perguntas produzidas, a fim de que estas permitissem, com maior precisão, a
construção de um quadro de visualização da qualidade da saúde pública na cidade de BH. Nessa etapa do
projeto, os alunos, também, realizaram pesquisa bibliográfica sobre as responsabilidades dos governos
nas esferas federal, estadual e municipal, em relação à saúde pública e fizeram um mapeamento dos
recursos financeiros destinados à prefeitura municipal de Belo Horizonte para as diversas áreas da saúde.
Após a realização da pesquisa de campo, os dados foram tabulados e analisados, coletivamente, em sala
de aula, e, posteriormente, divulgados por meio de um painel temático, denominado

40
Sibely Oliveira Silva e Rosângela Maria Braga Trotta
_________________________________

Aluna- bOm a senhora falou / eu vou falar o que que acontecEu


certo? BOM eu assim... participei... fui lá junto com meu grUpo
nÉ? com o intuito de entrevistar a gerente como combinado aqui
na sala... só que o que que acontecEu... quando a gente chegou
LÁ a gente perguntOu se a gerente tAva l:::á que a gente tava
fazendo uma pesqUIsa... aí me falaram que eu tinha que ver com
uma MÉDICA... AÍ EU FUI LÁ DENTRO falar com a médica...
a médica me empurrou PRA OUTRA PESSOA... falou assim
NÂO isso aQUI é com a tal de LUCRÉCIA ((risos)) fui na
Lucrécia professOra e a LUCRÉCIA disse que não poderia dar a
entrevista porque ela não era gerente... eu perguntei O QUE QUE
FOI QUE ACONTECEU COM A GERENTE... ((tom de ironia))
eu queria saber o que que aconteceu com a gerente que ela não
tAva LÁ... era obrigaçÃO dela tá lá... (( tom de indignação)) ela
falou assim que a gerente não estaria lá nem quArta nem quInta
nem sExta na parte da tarde... eu falei assim ÓTIMO (( tom de
ironia)) pode ser a enfermeira chefe ou uma médica... aí ela falou
assim que ela não tInha autorização pra fazer aqUela pesquIsa...
pra contribuir... aí eu deixei o papel com Ela quarta-feira... falei
assim OLHA... a senhOra deixa na mesa da gerente então porque
eu sei que na parte da manhã ela vai tá aqui e ela... ela vai
respondEr pra MIM ((tom de ordem))... deixei o papel lá e quinta-
feira eu voltei ontem lá né? e a gerente não tava lÁ e também não
respondeu as questão... aí a tal da LUCRÉCIA... NÉ? pegou e
falou assim que era para eu ir lá ué... qUinta-feira duas horas da
tarde eu tava lá pra pegar o papel e tava tendo reunião com os
enfermeiro... aí isso aÍ a Lucrécia me ajudou...foi lá conversou
com os enferm:::eiros... preencheu o questionário tOdo... só que
mais ou MENOS não deu muito detalhes não... foi Isso... assim...
a parte técnica foi Essa
PESQ- então consegUIu a entrevIsta?
Aluna- conseguI... |PESQ- ah...|Aluna- com muita pelEja mais
consegui| PESQ- AH...PARABÉNS/ foi bac:::ana
PROF- é... teve a inciativa de deixaR já que a mOça só vai de
manh:::ã... deixa a f:::olha.

(Trecho transcrito do relato de uma aluna da turma 102 sobre os


desafios encontrados e contornados na execução da atividade de
pesquisa de campo em um dos centros de saúde pública da cidade
de BH, no tocante à obtenção de dados por parte dos funcionários
que trabalham na unidade de saúde).

Referentemente à cena em exame, é interessante destacar, tendo em vista as


discussões precedentes, pelo menos duas questões que nos permitem refletir sobre os

“CURIOSUSDADES”, para toda a comunidade escolar. O painel contou com a produção de vários
gêneros textuais, tais como: placas de conscientização; gráficos contendo a avaliação dos pacientes
entrevistados sobre a saúde pública em BH; síntese dos resultados das pesquisas de campo e bibliográfica.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

impactos da atividade desenvolvida pela turma, na construção do sujeito/aluno, apto ao


exercício de práticas de letramento significativas para a sua vida social.
A primeira diz respeito ao modo de agir diferenciado a que esses alunos foram
estimulados com a atividade de pesquisa de campo. Diz-se diferenciado, porque os
estudantes foram “forçosamente” condicionados, como pode ser comprovado com as
passagens do excerto anterior, a agenciar novos modos de agir cognitiva, discursiva e
interacionalmente, na execução da tarefa.
O relato da aluna possibilita a visualização ou leitura de uma situação bastante
favorável ao desenvolvimento de atitudes caras ao exercício da cidadania (avaliar,
criticar, confrontar ideias, propor soluções).
Tem-se, de um lado, alunos ávidos para a realização de uma pesquisa, cujos
instrumentos de coleta de dados foram produzidos por eles próprios, e, de outro lado, uma
situação desafiadora, já que os estudantes encontram um obstáculo (resistência por parte
dos sujeitos colaboradores/entrevistados) para a coleta de dados.
No contexto em evidência, merece ser observada a assunção do posicionamento
de sujeito crítico e atento à realidade à sua volta, e da própria consciência de seu papel
social no desenvolvimento da tarefa.
Quando a aluna relata “quando a gente chegou LÁ a gente perguntOu se a gerente
tAva l:::á que a gente tava fazendo uma pesqUIsa... aí me falaram que eu tinha que ver
com uma MÉDICA... AÍ EU FUI LÁ DENTRO falar com a médica... a médica me
empurrou PRA OUTRA PESSOA... falou assim NÂO isso aQUI é com a tal de
LUCRÉCIA ((risos)) fui na Lucrécia professOra e a LUCRÉCIA disse que não poderia
dar a entrevista porque ela não era gerente... eu perguntei O QUE QUE FOI QUE
ACONTECEU COM A GERENTE..((tom de ironia)) eu queria saber o que que aconteceu
com a gerente que ela não tAva LÁ... era obrigaçÃO dela tá lá...” é perceptível a sua
perspicácia em enxergar e compreender a encenação do jogo de transferência de
responsabilidades que as pessoas abordadas tentaram forjar, como pode ser apreendido
na escolha lexical da estudante, ao proferir o vocábulo “empurrou”, cujo ato ilocutório
revela crítica à maneira como a aluna e seu grupo de colegas foram, a princípio, tratados
na unidade de saúde pesquisada. Astutamente, a aluna foi capaz de avaliar as fragilidades
do discurso instaurado, como mostra o enunciado “eu queria saber o que aconteceu com
a gerente que ela não tAva LÁ... era obrigação dela tá lá”, para antepor uma confrontação
de ideias.
Relativamente a esse mesmo enunciado, é possível, ainda, entrever a imagem de
uma aluna/cidadã que se posiciona criticamente frente à situação com que é confrontada.
A forma como a estudante se posiciona ao enfatizar “era obrigação dela tá lá”, denota a
sua capacidade crítico-reflexiva quanto à avaliação da suposta ausência da gerente da
unidade de saúde, visto que é dever desta permanecer no recinto (cumprindo determinada
carga horária de trabalho), como bem endossa a estudante.
Decerto, os alunos contornaram uma situação aparentemente complicada,
valendo-se da capacidade inicial de analisá-la e criticá-la, para, assim, discutir e propor
alternativas à solução do problema, amparando-se, de forma bem-sucedida, no
agenciamento da competência discursivo-argumentativa. A título de ilustração, essa visão

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Sibely Oliveira Silva e Rosângela Maria Braga Trotta
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pode ser apreendida no trecho “ela falou assim que a gerente não estaria lá nem quArta
nem quInta nem sExta na parte da tarde... eu falei assim ÓTIMO (( tom de ironia)) pode
ser a enfermeira chefe ou uma médica... aí ela falou assim que ela não tInha autorização
pra fazer aqUela pesquIsa... pra contribuir... aí eu deixei o papel com Ela quarta-feira...
falei assim OLHA... a senhOra deixa na mesa da gerente então porque eu sei que na parte
da manhã ela vai tá aqui e ela... ela vai respondEr pra MIM ((tom de ordem))”, já que a
aluna, incisivamente, encontra meios de mostrar seu poder de persuasão, apropriando-se
da imagem de uma pessoa questionadora e crítica, para obter a adesão de seu interlocutor
e instaurar o diálogo, que culminaria na resolução do impasse levantado, posto que ela
propõe uma negociação com seu interlocutor. Há que se considerar positivamente a
atitude da aluna, que não se esquivou em contra-argumentar o discurso aparentemente
posto.
Em observância do contexto de interação previsto − alunos/locutores que
precisam investir-se da capacidade de convencimento/persuasão do interlocutor para
obtenção do sucesso da tarefa −, não escapa à nossa análise que a atitude destacada,
certamente, contou com uma preparação anterior à situação real de interação, isto é, os
alunos, como todo e qualquer sujeito que vive a tensão de uma interlocução prevista,
incomum à sua rotina, muito provavelmente, ensaiaram ou projetaram um modo de se
enunciar e de se posicionar diante de imprevistos imaginados, o qual, constitutivamente,
passa pela escolha de um discurso que requer, por exemplo, a construção de uma
identidade perante o interlocutor. Essa identidade, construída a partir do lugar social de
onde se fala (alunos de uma escola) e do papel social assumido (pesquisadores/cidadãos
que buscam entender com maior precisão a situação da saúde pública na cidade), exige o
deslocamento do papel exclusivo de aluno para o de pesquisador/cidadão atuante. Por si
só, essa, ao nosso ver, seria uma razão para justificar um dos efeitos positivos da prática
de ensino mobilizada, uma vez que a atitude aludida requer uma elaboração cognitiva
articulada às capacidades de linguagem.
A segunda questão que merece relevo incide na significação atribuída pelos alunos
à prática de escrita com que foram confrontados.
O fato de os estudantes construírem seus próprios instrumentos de coleta de dados
(questionários), com interlocutores definidos, com objetivos preestabelecidos e,
sobretudo, com a função social de realizar uma pesquisa de natureza real, foi determinante
para o envolvimento e engajamento da turma no desenvolvimento da atividade.
Diante do relato exposto pela aluna, deparamo-nos, com efeito, com uma
verdadeira saga da estudante e de seu grupo no cumprimento da tarefa de realizar a
pesquisa, a qual, aliás, prescinde de toda uma preparação anterior (pesquisa bibliográfica,
produção de instrumento de coleta de dados − questionários) e de um planejamento
posterior, qual seja: a tabulação e divulgação, na escola, dos dados obtidos, além da
culminância do projeto, que seria a escrita de uma carta de reivindicação de melhorias na
saúde pública de BH, endereçada ao Secretário Municipal de Saúde.
O exemplo analisado espelha a concepção aqui defendida sobre a necessidade de
que as práticas de escrita ganhem significado na escola.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Quando, ao final do relato da aluna, a pesquisadora a questiona se ela havia


conseguido realizar a pesquisa, em resposta a estudante diz, com bastante propriedade:
“com muita pelEja mais consegui”. Com essa declaração, sinaliza que reconhece, ela
própria, que foi capaz do enfrentamento de uma situação marcadamente desafiadora.
Esse dado é importante não simplesmente do ponto de vista de realização de uma
tarefa que lhe foi dada na escola, mas interessa, principalmente, porque dá indícios de que
a aluna e seu grupo se fortalecem nessa conquista, dito de outro modo, tomam-na como
motivo de mérito e de reconhecimento de sua potencial capacidade de
atuação/participação em práticas sociais que requerem um agir interacionalmente
diferenciado. Trata-se, em outras palavras, de uma representação que reverbera um olhar
sobre si, e isso é, sem dúvida, indispensável nos contextos de interação/comunicação e de
aprendizagem, posto que a tomada de consciência é caminho para todos os avanços.
Obviamente, essa aluna tem consciência de que sua atuação, via posicionamento
discursivo, ou seja, sua capacidade de persuasão e de avaliação crítica foram
determinantes para o alcance do resultado perseguido.
Por último, há que se considerar, a despeito de o gênero do discurso (questionário),
muitas das vezes, escapar ao “radar” dos contextos das aulas de produção textual, quando
não visto nas suas reais potencialidades, que ele pode abrigar significativas práticas de
letramento, se considerarmos que tais práticas se associam aos valores, crenças e
ideologias que os sujeitos atribuem à leitura e à escrita inerentes a um determinado evento
de letramento.
Emprestadas as palavras de Geraldi,
[...] a presença do texto na sala de aula implica desistir de um ensino como
transmissão de um conhecimento pronto e acabado; tratar-se-ia de assumir um
ensinar sem objeto direto; tratar-se-ia de não mais perguntar ‘ensinar o quê’,
mas ‘ensinar para quê’ [...]. (GERALDI, 2006, p. 17).

No caso em questão, o gênero do discurso eleito, além de promover movimentos


epilinguísticos materializados na reflexão e na análise acerca da adequação dos
questionários em relação aos interlocutores previstos (funcionários e pacientes) e dos
objetivos visados com a produção de cada instrumento de coleta de dados; do alcance das
perguntas elaboradas, em vista do propósito da pesquisa e dos objetivos que a ensejavam;
do formato de tais perguntas, a fim de que não se instalasse uma possível orientação de
respostas, uma vez que havia a preocupação de se obter uma pesquisa fidedigna, serviu
para que os alunos fossem a campo e realizassem uma pesquisa que agregou
conhecimento sobre a realidade da saúde pública na cidade de Belo Horizonte, o que
estimulou as capacidades de avaliar, criticar, posicionar-se diante de tal situação. Em
outras palavras, aos alunos foi oportunizada a assunção do papel social de cidadãos
atuantes.

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Sibely Oliveira Silva e Rosângela Maria Braga Trotta
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PARA ENCERRAR A CONVERSA

A temática discutida neste texto, sem dúvida, requer, ainda, ampla reflexão e
discussão, em seus múltiplos aspectos, no cenário educacional.
A escrita é assunto que não pode mais continuar ocupando papel secundário na
escola, já que se trata de uma prática recorrentemente requerida e valorada nas várias
instituições sociais alheias ao universo escolar, mas que, de alguma forma, estão
articuladas a ele, posto que o sujeito que se encontra na escola é o mesmo sujeito que
assume vários papéis fora dela. Em outros termos, qual seria a validade do que se ensina
na escola, se não fosse para que esse conhecimento fosse aplicado na vida?
Diante da gama de aspectos que carecem de atenção em torno da temática
levantada, nosso olhar se voltou para a necessidade de se problematizarem as práticas de
ensino da língua escrita na educação básica, tanto no que concerne à sua opacidade no
âmbito escolar quanto às concepções assumidas.
Nesse sentido, portanto, cabe ser dito que as práticas de escrita a serem
desenvolvidas na escola necessitam ser pautadas e vinculadas às práticas de letramento
indispensáveis ao pleno exercício da cidadania e inclusão social dos alunos.
É importante se ter presente que o trabalho com a escrita precisa ser ampliado e
(re)dimensionado, com vistas à inserção dos alunos em diferenciados “mundos de
letramento”, oportunizando, desse modo, diferentes formas de agir e de vivenciar práticas
sociais de fato significativas para sua vida escolar e também social.
Decerto, dedicar momento especial para as práticas de escrita na escola é
assegurar aos alunos a oportunidade de construírem competências indispensáveis à sua
formação ideológica, política e social.
Por tudo isso, urge escrever na escola, para a vida!

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Referências

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Sibely Oliveira Silva e Rosângela Maria Braga Trotta
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Campinas, 2002. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br.> Acesso em: 10 ago.
2013.

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A produção textual de alunos do ensino médio: revisitando aspectos
ligados à dimensão ortográfica

Arabie Bezri Hermont


Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros

O cenário é conhecido. Professores de Língua Portuguesa, especialmente de


escolas públicas, vivem hoje um dilema: os alunos do ciclo final do ensino fundamental
e os do ensino médio não demonstram as competências necessárias em relação tanto à
leitura quanto à escrita. Ao fim do ensino médio, quando se espera determinada
proficiência por parte dos educandos, muitos professores constatam, estarrecidos, que
alguns alunos trazem dificuldades que remontam a seu período de alfabetização. Notam,
ainda, que outros alunos não têm a habilidade de organizar as informações de forma
coerente quando vão produzir um texto e alguns parecem desconhecer inclusive aquilo
que está sendo solicitado nos enunciados – seja nas atividades de Português, seja nas
tarefas de outras disciplinas! Essas falas são comuns e presentes nos corredores,
sobretudo, de escolas públicas, demonstrando consternação e, ao mesmo tempo,
impotência por parte dos professores.
E assim a história se repete: ano após ano, os alunos saem do ensino fundamental,
passam pelos bancos das escolas de ensino médio e chegam a concluir a educação básica
e a ingressar no ensino superior com consideráveis lacunas em sua formação. Diante de
adversidades que, muitas vezes, vão além do ensino de linguagem, os professores de
língua materna têm que trabalhar a defasagem no campo do ensino linguístico e preparar
alunos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). E o esforço é tão hercúleo que
não se alcançam, de forma satisfatória, os objetivos propostos nem para um trabalho nem
para o outro.
Os problemas de escrita – normalmente, evidenciados em textos pobres na forma
e no conteúdo, em pseudoargumentações – não são enfrentados a contento, posto que
muitos professores, por falta de tempo ou de conhecimento mais aprofundado, acabam
não diagnosticando apropriadamente as dificuldades de cada aluno e turma e, assim,
oferecem um mesmo “remédio” para diferentes “doenças”. E isso ocorre no âmbito da
escrita com desvios gráficos, em que se nota, por parte de muitos professores, a assunção
de uma crença do senso comum: a de que todos os erros de ortografia se inscrevem em
um mesmo patamar de causas. A despeito da variada natureza desses problemas (como
os relacionados à coerência, coesão, informatividade, identificação do gênero requisitado,
etc.), todos são encarados como representativos de uma mesma natureza (como o
desconhecimento de irregularidades do sistema).
Dada a crença de que, supostamente, alunos do ensino médio têm intimidade
maior com o texto, alguns professores não percebem que há problemas de caráter
ortográfico mais recorrentes e que nem todos têm a ver com a necessidade de
memorização. O irônico é que, embora enxerguem os problemas ortográficos como erros
inaceitáveis (sobretudo quando cometidos por alunos da última etapa do ensino básico),
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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muitos desses docentes afirmam “ensinar os alunos a serem leitores e escritores


proficientes”; no entanto, dedicam tempo ínfimo ao trabalho com questões relativas à
fonética e fonologia, ao treino significativo de itens lexicais problemáticos (ainda que
relativamente frequentes, tais como as palavras excursão, exceção, discussão,
adolescência, etc.), e que reiteradamente aparecem com erros nas produções textuais dos
alunos, ou ao trabalho com a semântica (uso de seção/sessão/cessão; por
que/porque/porquê, etc.), abordando-se tópicos que respaldariam a reflexão do aluno e
que poderiam dirimir dúvidas na hora da escrita (casos de parônimos ou de itens
polissêmicos, como os vistos acima, etc.).
Nessa interação complexa constituída por professores (com suas possibilidades e
limitações de formação, de exigências do currículo, de metodologias, etc.), alunos (muitas
vezes mais interessados em outros cenários e circunstâncias externos à sala de aula, porém
altamente interferentes no que ocorre internamente a ela) e o processo de ensino e
aprendizagem da escrita, salientam-se diversos problemas. Entretanto, neste capítulo,
vamos nos ater às questões referentes à ortografia. Buscaremos discutir três importantes
aspectos: (a) nem todos os equívocos de escrita se vinculam puramente à ortografia, como
apregoa o senso comum; (b) os problemas de ortografia são de distintas naturezas, que se
prendem tanto a desconhecimento do funcionamento do sistema linguístico quanto de
idiossincrasias da língua; (c) os professores do ensino médio, muitas vezes, não estão
preparados para lidar com problemas relativos à ortografia, ou dispostos a enfrentar tal
situação, pois isso, em princípio, seria tarefa dos docentes dos ciclos iniciais da educação
básica. Para isso, apresentaremos e discutiremos a análise de desvios de ortografia de
textos escritos por alunos de seis turmas do primeiro ano do ensino médio de uma escola
estadual de Belo Horizonte, diferentes formas de se classificar tais desvios e a indicação
de algumas sugestões de atividades para tentar sanar os problemas detectados.
Este capítulo está organizado da seguinte forma: inicialmente, traremos
considerações sobre produção de texto e ortografia, para, depois, tratarmos de taxonomias
relativas à grafia proposta pela gramática normativa. Em seguida, apresentaremos os
dados coletados para fins deste trabalho, que são ‘as grafias desviantes’ da norma padrão,
e, por fim, apresentaremos algumas propostas pedagógicas relacionadas aos problemas
ortográficos analisados.

PRODUÇÃO DE TEXTO NO ENSINO MÉDIO E ORTOGRAFIA

Para Antunes (2007), a escola básica tem pecado enormemente no que se refere
ao ensino e à avaliação da escrita, à medida que, tacitamente, seus agentes assumiram o
contrato de se fixarem no erro: o aluno espera que o professor corrija seu texto, isto é, já
se pressupõe o erro, e o professor faz exatamente isso, sem, muitas vezes, entrar com
medidas mais preventivas, como as de promover reflexões sobre o sistema da língua e
sobre as possíveis regras daí decorrentes. Nessa dimensão, segundo a autora, perdem
ambos: o docente, que não tem clareza do que foi ensinado de fato, e o aprendiz, que não

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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se apercebe das competências já conquistadas, o que poderia aumentar sua autoconfiança


em relação à escrita.
Antunes (2007) salienta ainda que, se tal tipo de avaliação funcionasse, os textos
dos alunos do ensino médio não apresentariam tantas fragilidades – e não apenas
linguísticas. Agregam-se a isso os agentes escolares e a mídia, que continuam a comentar
que os alunos “não sabem escrever”, que seus textos são vexatórios (e haja “pérolas do
Enem” para confirmar!). Entretanto, as avaliações dos textos não têm servido de fato
como parâmetros para repensar o ensino da escrita. E isso se agrava quando se trata das
avaliações sistêmicas, como Prova Brasil, Enem, etc., pois cada erro pode prejudicar uma
boa classificação do aluno e da escola no ranking nacional.
Uma mudança na forma de avaliar o texto escrito do aluno como instrumento para
realimentar o ensino de língua, tomando-o como “forma particular de atuação social que
inclui o conhecimento de elementos linguísticos, de elementos de textualização, de
elementos da situação em que ocorre (ou o estatuto pragmático do texto)”, conforme
Antunes (2007, p. 171), pressuporia ir além da superfície do texto. Como salientou essa
autora, a produção textual escrita engloba os aspectos formais referentes ao gênero e à
materialização linguística estritamente falando, em que são levadas em conta as escolhas
lexicais, a ordem vocabular, a ortografia, etc. Os elementos de textualização
(informatividade, coesão e coerência, intertextualidade, etc.), bem como os pragmáticos
(intencionalidade, domínio discursivo, gênero textual e suas convenções, condições
materiais, etc.), embora extremamente relevantes, não serão abordados neste estudo, cujo
recorte se prende à ortografia.
Entretanto, reiteramos que há muitos outros aspectos, talvez mais importantes,
para que se analise o texto do aluno. Por isso, com Antunes (2007), insistimos: os
“elementos linguísticos abrangem o léxico (isto é, todo o conjunto de palavras da língua)
e a gramática (ou seja, todo o conjunto de normas que regulam a combinação das palavras
em segmentos maiores, de modo a se expressarem sentidos e intenções)” (ANTUNES,
2007, p. 172). Há inúmeros contextos em que a escolha de uma palavra resulta incoerente
quando inserida ao lado de outra, com a qual não combina semanticamente. Mais do que
uma “correção” da concordância ou da ortografia, um texto, muitas vezes, exige uma
análise feita com o aluno-autor, de modo que este venha a perceber que escrever demanda
mais do que ajuntar palavras: ainda que escrito de forma ortográfica, é preciso perceber
a coerência interna que se cria entre as palavras que são postas em contato num segmento
textual. Da mesma forma, a escolha de itens gramaticais se dá em função do uso que
pretende concretizar com aquela escrita.
A ortografia – tão pouco trabalhada, embora incessantemente cobrada – está
relacionada à forma correta de se escreverem as palavras de uma língua. Origina-se das
palavras gregas orthós (que significa ‘correto’) e graphein (que significa ‘escrever’), às
quais se junta o sufixo -ia, e pode ser considerada sob as perspectivas lexical e gramatical.
No que diz respeito à ortografia lexical, temos aspectos vinculados ao desvio da forma
gráfica, estritamente falando – troca de x por z (seria “exato” ou “ezato”?), ou ch
(“chamou” ou “xamou”?); uso de g ou j (“hoge” ou “hoje”?); uso de h em início de
algumas palavras (“hoje” ou “oje”?), etc., além da questão ligada à escolha lexical (uso
inadequado de algum item, por exemplo, “propício” em vez de “propenso”). No que se

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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refere à ortografia “gramatical”, inserem-se os erros de concordância verbal ou nominal,


de regência, de colocação pronominal, etc. que podem ser atribuídos ao desconhecimento
ou violação de uma regra de estruturação da língua, se tomada como referência a norma
padrão vigente.
Sabemos que muitos textos produzidos por alunos da escola básica apresentam
deficiências em vários níveis – alguns começam abordando um assunto e desviam-se dele;
outros tratam a cada momento de tema distinto, alheio à proposta de escritura; alguns
textos se apresentam sem nenhuma articulação, evidenciando-se, então, problemas sérios
de coesão textual. Em outros textos de alunos, percebemos erros de ortografia que ora
acabam gerando problemas de coesão, ora são simples erros formais que não prejudicam
a compreensão. Independentemente do grau de comprometimento da legibilidade, porém,
ainda há professores que, ao corrigirem textos de alunos, satisfazem-se com a cobrança
da “higienização” do texto.
Conforme Jesus (1997), na maioria das vezes, “os textos são analisados apenas no
nível da transgressão ao estabelecido pelas regras de ortografia, concordância e
pontuação, sem se dar a devida importância às relações de sentido emergentes na
interlocução” (JESUS, 1997, p. 101-2). A “reescrita”, quando solicitada, restringe-se a
corrigir os erros destacados, resultando num texto linguisticamente limpo, correto, porém
sem que esse processo de reescrita/refacção potencialize a criatividade ou aprimoramento
das capacidades de escrita do aluno.
Para autores como Silva et al. (2000), essa forma de avaliação em que meramente
se marcam os erros ortográficos e gramaticais das produções textuais, desconsiderando-se
as ideias e representações de mundo do aluno-autor, transforma o texto num produto
alheio; por outro lado, a impossibilidade de efetiva reconstrução do texto tira-lhe a
possibilidade de constituir-se como sujeito deste processo; uma nota ruim poderá ser-lhe
atribuída e ele continuará sem entender o porquê de certas escolhas terem sido
consideradas inadequadas, ou o modo segundo o qual deveria ter atuado para melhorar a
forma e conseguir êxito. Retomando Antunes (2007), somente uma interação entre
professor e aluno, na qual avaliassem o que foi feito e o propósito a ser alcançado, poderia
levar o aprendiz a um patamar superior de escrita de textos mais elaborados e mais claros.
Assim, podemos enfatizar que a dimensão da ortografia é muito importante,
contudo não podemos nos furtar de dizer, ainda que tratando da importância do ensino
eficaz da dimensão ortográfica, em grande parte das vezes, há muito mais em um texto
que a simples necessidade de se proceder à correção de uma dada grafia. Vejamos uma
produção textual1 em que há várias grafias desviantes em relação à forma padrão, mas
que se destaca por apresentar uma textualidade, evidenciada pela informatividade:

1
As duas produções a serem apresentadas nesta seção fazem parte do corpus usado na pesquisa que
apresentamos neste capítulo. O tema solicitado aos alunos versava sobre a adolescência. O aluno foi
convidado a fazer uma carta para algum parente ou amigo relatando os seus sentimentos sobre a
adolescência.

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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Texto 1

Para YYYY2
De XXXX

Mãe; Bom dia mãe! Só estou aqui para me justificar... Sei que por hora, sou difícil
de entender, mas gostaria de lhe explicar que não gosto de ser o tempo todo assim.
Sei que dentro de mim, há um vulcão em erupção, mas também existe um coração,
que de fato é sombrio e morbido. As vezes dói, e nem sempre passa; é uma
dorzinha como se alguém estivesse te espetando com um alfinete, incomoda e nem
sempre consigo disfarçar. Ora estou revoltada com a vida, ora estou triste, e as
vezes estou sem iniciativa. Mãe, aproveito hoje para lhe escrever em meias linhas
tortas, para explicar que eu não sou assim porque eu quero.

É crise de lagrimas sem motivos, é tempo de refletir o que tem vivido. A unica coisa
que gostaria mesmo era sonhar; sonhar com que eu deixei em meio estrada, sei
que a senhora sabe do que estou falando. Olho pra traz, e me dá uma vontade de
largar tudo e sair correndo sem rumo, só pra ver se encontro com meu antigo ser;
é saudade acumulada, que chega e não vai embora. Só queria levar uma vidinha
tranquila, sem anseios e nem receios. É isso eu sei onde conseguir.
Mãe, não quero ser assim, essa mulher menina que é revoltada! Mãe, eu quero
crescer, entender a razão de viver, - se é que existe uma razão – mas não consigo
com tantos “não”. Querida mãe tomo a liberdade de explicar-lhe que sou
adolescente, e ainda sendo nova, presciso tirar minhas provas.

A senhora vive me sensurando, mas sempre se esquecendo que um dia, essa


“garotinha” vai se soltar. Cedo ou tarde.
Há tempos, que eu quero dizer-lhe isto, mas há tempos que não existe um certo
dialogo sem limites. Quero te ter como mãe, amiga, irmã e cumplisse, mas hoje,
só te tenho como mãe... Desculpe-me meus maus modos, mas as vezes é presciso
quebrar regas – Apesar dos conflitos vividos te amo.

Com muito carinho a sua filha XXXXX

Fonte: Material da pesquisa.

Nesse texto, verificamos algumas grafias desviantes no que diz respeito à falta de
acento, como em “morbido”, “lagrimas”, “unica”, “dialogo”; em relação à marcação da
crase, como em “as vezes”; no que tange ao uso de acento de forma equivocada, temos
“É” para “E”, e no tocante ao uso inadequado de letras como em “traz (para “trás”),
“presciso” (para “preciso”), “sensurando” (para “censurando”) e “cumplisse” (para
“cúmplice”). Entretanto, podemos verificar que, a despeito de tais desvios formais, o texto
da aluna é dotado de informatividade, à medida que apresenta dados sobre a vida e as

2
Nos textos ou fragmentos transcritos, optamos por retirar os nomes de autores e destinatários, como forma
de preservar a identidade dos alunos.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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emoções de uma adolescente, além de uma argumentação para aproximar-se da mãe, sua
interlocutora na carta.
O mesmo não ocorre no texto seguinte:

Texto 2

Esta vai para XXXXX


Ser ou não ser, eis a questão.
A adolescência é tempo de crise sim, tempo de amadurecimento, tempo
de crescer, são as mudanças mais importantes que a adolescência traz
a vida de alguém.
Fonte: Material da pesquisa.

O aluno autor do texto 2, à exceção da ausência de acento grave em “a vida”, não


comete erros de ortografia, mas seu texto não traz informatividade, até porque ele opta
por não escrever muito. O seu interlocutor não é estabelecido de forma adequada. Antes
ele diz: “esta vai para XXXX”. Tal forma não condiz com o gênero carta, solicitado no
enunciado da atividade, o qual é fragilmente construído. Traz, também, uma expressão
curinga, quase um clichê – “Ser ou não ser, eis a questão” – que poderia estar em um texto
como o solicitado, só que deveria ter sido articulado ao restante do corpo textual. Enfim,
o aluno não desenvolve o tema de forma adequada, buscando interessar o interlocutor, e
sequer atende ao requisito do Enem de escrever no mínimo sete linhas. Entretanto, não
apresenta nenhum problema de ortografia!
Com a exposição desses dois textos, buscamos evidenciar que nem todo texto com
problemas formais, em especial problemas de ortografia, pode ser considerado de má
qualidade – e vice-versa. O texto 1 foi avaliado por nós como sendo uma das melhores
dentre as 114 produções analisadas, levando em conta outros fatores, tais como
atendimento da proposta de produção, configuração do gênero solicitado, construção dos
enunciatários previstos para tal gênero, organização das informações, boa articulação
entre as partes textuais. Não se trata, evidentemente, de um texto altamente sofisticado,
mas atendeu à demanda proposta, mesmo com erros de ortografia! Já o segundo texto,
apesar de não apresentar grafias desviantes, não demonstra argumentação ou autoria –
para desincumbir-se da tarefa, o aluno basicamente repete estruturas do enunciado da
proposta.
Dito isso, está claro que desvios que comprometam a legibilidade do texto devem
ser colocados no foco de uma prática de ensino de produção textual que vise ao
desenvolvimento de competências linguísticas imprescindíveis à formação de
“escritores” proficientes. Se, por um lado, há problemas além dos ligados à ortografia, os
quais são, eventualmente, graves, por outro, os desvios de grafias podem comprometer,
em maior ou menor medida, os textos de alunos do ensino médio.
Após essa explanação, passemos à dimensão ortográfica com mais detalhes.
Muitos estudantes ainda se veem inseguros e tendem, naturalmente, a aplicar à escrita
aspectos da oralidade, da própria fala (repetindo comportamentos idênticos aos

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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aprendizes do ciclo inicial), quando deles se esperaria maior autonomia e uma produção
textual mais calcada nas regras formais da escrita. Assim sendo, em muitos textos,
encontramos erros que são frutos da não memorização da forma correta e inadequada
transposição da oralidade para a modalidade escrita, ao lado de erros devidos à ausência
de internalização de regras, ao desconhecimento de regras de flexões da língua, entre
outros.
A seguir, traremos abordagens que visam a explicar a natureza das grafias
desviantes em relação à norma padrão.

EXPLICAÇÕES PARA AS GRAFIAS DESVIANTES EM RELAÇÃO À NORMA PADRÃO.

Trazendo à discussão teóricos como Oliveira (2006) e Morais (2009) em


confronto com dados concretos advindos da análise dos dados da pesquisa implementada
para este capítulo, buscaremos apontar a natureza dos erros3 verificados nos textos dos
alunos de uma escola estadual de ensino médio. Trata-se de profissionais que se dedicam,
entre outros objetivos, a entender e a classificar os tipos de grafias desviantes da norma
padrão que são produzidos por pessoas em processo de aquisição da escrita.
Oliveira (2006) nos apresenta uma taxonomia em que se evidenciam várias
explicações para o que se denomina “erro” ortográfico. O autor salienta que a criança, no
processo de aquisição da escrita, se move de um sistema de representação calcado na fala
para um sistema de representação calcado na língua. No modelo defendido por ele como
o mais adequado, o processo de construção de conhecimento da escrita seria intermediado
pela oralidade.
Oliveira (2006), seguindo os pressupostos do Construtivismo (cf. Ferreiro;
Teberosky, 1999), denomina de escrita pré-alfabética as grafias desviantes em que não se
observa o número de letras e de sílabas nas palavras (tal como ocorre em “amnaeboa”
(para “a minha mãe é boa”) e, ainda, aponta para aqueles erros em que a criança desenha
uma letra de forma não adequada, como sendo “escrita alfabética com correspondência
trocada por semelhança de traçado”. Isso pode ocorrer com o “m” e o “n”, por exemplo,
em que o aprendiz iniciante não sabe desenhar as duas letras e diferenciá-las com
segurança. Para aquelas escritas em que se evidencia o desejo de se escrever uma letra
correspondente a um som sonoro (como [z]), às vezes, a criança escreve a letra
correspondente ao som surdo (como [s]) e vice-versa. A esse tipo de equívoco, o autor
denomina “escrita alfabética com correspondência trocada pela mudança de sons”. Outros
exemplos podem ser citados: p/b; t/d; k/g; f/v.
Em sua taxonomia, são consideradas violações das regras invariantes que
controlam a representação de alguns sons, como o [g] que pode ser grafado com “gu”
antes de “e” e de “i” – como em “gue” (guerra, p. ex.) e “gui” (guitarra, p. ex. – e com

3 Denominaremos “erros”, seguindo a tradição, os desvios gráficos, semânticos, estruturais (sintáticos) que,
no ambiente em foco, constituem inadequações do ponto de vista da norma padrão. Não há, de nossa
parte, nenhuma conotação pejorativa ou estigmatizadora em relação a tais ocorrências.

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“g” em “ga”, “go” e “gu”. Podemos inferir desse raciocínio outros exemplos, tais como
“m” antes de “p” e “b”; “ão” em sílaba tônica e “am” em sílaba átona, “q” em qua, que,
qui, quo, “rr” entre vogais com som de “erre” forte.
Pode haver, ainda, violações da relação entre os sons e os grafemas por
interferência das características estruturais do dialeto do aprendiz – grafias tais como
“mais” (para a palavra “mas”), isto é, o indivíduo fala “mais” e, como transcreve da
oralidade para a escrita, escreve “mais”.
A violação de formas dicionarizadas está relacionada às palavras que apresentam
idiossincrasias, para as quais não há qualquer regra que guie a grafia. Por exemplo: é
“gelo” ou “jelo”? Neste caso, uma das grafias não existe no dicionário. Então, o aprendiz
terá que memorizar a forma correta. Também nessa categoria, Oliveira (2006) inclui
aquelas grafias que existem e que são definidas pelo contexto, como, por exemplo: “cesta”
ou “sexta”?, “cinto” ou “sinto”?.
Outro tipo de problema detectado em textos de pessoas que estão adquirindo a
escrita está relacionado à segmentação de palavras. Oliveira (2006) denomina de violação
na escrita de sequências de palavras escritas, tais como “nolago” para “no lago”,
“casamarela” para “casa amarela”, em que encontramos uma junção entre duas palavras.
Já em “Pro fessora”, temos um caso de cisão, pois uma palavra é segmentada em duas.
Por fim, na classificação “outros erros”, o autor, ao tratar especificamente da
hipercorreção, observa que o aprendiz já reflete sobre algumas regras da língua, mas,
mesmo assim, comete equívocos na escrita de palavras. O autor, naquele texto não dá
maiores explicações, mas podemos trazê-las aqui. Por exemplo: em muitos casos em que
o aprendiz coloca o “u” em final de sílaba, ele é corrigido. Por exemplo, o aprendiz
escreve “sau”, e a professora o corrige, mostrando-lhe a grafia correta com “l”: sal. Há
uma internalização da possibilidade de usar-se o l em final de sílaba com som de “u”.
Assim, ele escreve muitas formas verbais da seguinte forma: pegol, sail, etc. Isso é uma
hipercorreção.
Em síntese, a abordagem das violações, durante a aprendizagem da escrita, na
passagem de uma produção calcada na fala para outra centrada nas regras da língua
seriam:

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Quadro 1: Resumo com a classificação de Oliveira (2006) para “erros” de


alfabetização

Classificação Exemplos
Escrita pré-alfabética mviaemba (= minha vizinha é muito boa)
amnaeboa (= a minha mãe é boa)
Escrita alfabética com m e n, p e q, b e d
correspondência trocada por
semelhança de traçado
Escrita alfabética com s/z/, p/b, t/d, k/g, f/v
correspondência trocada pela
mudança de sons
Violações das regras invariantes “g” antes de “e” e de “i”  gue e gui
que controlam a representação de “rr” entre vogais com som de “erre” forte
alguns sons
Violações da relação entre os sons e “bunito” no lugar de “bonito”
os grafemas por interferência das
características estruturais do
dialeto do aprendiz
Violação de formas dicionarizadas jelo ou gelo
cesta ou sexta
Violação na escrita de sequências opatu (o pato); mileva (me leva); javai (já vai)
de palavras
Fonte: Oliveira, 2006. Elaborado pelas autoras.

Morais (2009) traz em seu livro Ortografia: ensinar e aprender uma organização
para explicar os equívocos de grafia apresentados nos textos de alfabetizandos. Para ele,
há “erros” que podem ser explicados por regularidades diretas, contextuais,
morfológico-gramaticais presentes em substantivos e adjetivos, morfológico-gramaticais
presentes em verbos e, por fim, por irregularidades. Apresentaremos cada uma, de forma
breve, no quadro sinótico a seguir:

Quadro 2: Resumo com as classificações de Morais (2009) para “erros” de


escrita no processo de alfabetização

Regularidades
diretas: não há
letra Exemplos: P, B, T, D, F, V.
“competindo”
para grafar sons.
Exemplos:
O uso do R ou RR.
O uso do G ou GU.

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Regularidades O uso do C ou QU (coisa/quilo).


contextuais: O uso do J diante do A, E e O.
neste tipo de O uso do Z em palavras que começam com o som de Z.
relação entre O uso do S no início das palavras, formando sílabas com A,
letra e som, é o O e U.
contexto dentro O uso de O ou U no final de palavras que terminam com o
da palavra que som de U.
vai definir qual O uso de E ou I no final de palavras que terminam com o
letra (ou dígrafo) som de I.
deverá ser O uso de M, N, NH ou ~ para grafar todas as formas de
usado. nasalização de nossa língua.

– “Portuguesa”, “francesa” e demais adjetivos que indicam o


lugar de origem se escrevem com ESA no final.
– “Beleza”, “pobreza” e demais substantivos derivados de
adjetivos e que terminam com o segmento sonoro /eza/ se
Regularidades escrevem com EZA.
morfológico- – “Português”, “francês” e demais adjetivos que indicam o
-gramaticais lugar de origem se escrevem com ÊS no final.
presentes em – “Milharal”, “canavial” e outros coletivos semelhantes
substantivos e terminam com L.
adjetivos – “Famoso”, “carinhoso” e outros adjetivos semelhantes se
escrevem sempre com S.
– “Doidice”, “chatice”, “meninice” e outros substantivos
terminados com o sufixo ICE se escrevem sempre com C.
– Substantivos derivados que terminam com os sufixos
ÊNCIA, ANÇA e ÂNCIA também se escrevem com C ou Ç
ao final (p. ex.: ciência, esperança, importância).

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– “Cantou”, “bebeu”, “partiu” e todas as outras formas da


terceira pessoa do singular do passado (perfeito do
indicativo) se escrevem com U final.
Regularidades – “Cantarão”, “beberão”, “partirão” e todas as formas de
morfológico- terceira pessoa do plural no futuro se escrevem com ÃO,
-gramaticais enquanto todas as outras formas da terceira pessoa do plural
presentes em de todos os tempos verbais se escrevem com M no final (p.
verbos ex.: cantam, catavam, bebam, beberam).
– “Cantasse”, “bebesse” e todas as flexões do imperfeito do
subjuntivo terminam com SS.
– Todos os verbos terminam com R (cantar, beber, partir),
embora esse R não seja pronunciado em muitas regiões do
País.
– Som do S (seguro, cidade, auxílio, cassino, piscina,
cresça, giz, força, exceto).
– Som do G (girafa, jiló).
– Som do Z (zebu, casa, exame).
– Som do X (enxada, enchente).
– O emprego do H inicial (hora).
– A disputa entre E e I, O e U em sílabas átonas que não
Irregularidades estão no final das palavras (cigarro/seguro; bonito/
tamborim).
– A disputa do L com o LH diante de certos ditongos (Júlio/
julho, família/ toalha).
– Certos ditongos da escrita que têm uma pronúncia
“reduzida” (caixa, madeira, vassoura).
Fonte: Morais, 2009. Elaborado pelas autoras.

Como se pode observar, há pontos de contato entre as análises desses linguistas –


o que Morais denomina percepção de “regularidades contextuais” para uma escrita
correta (por exemplo, o aprendiz compreender e usar o dígrafo intervocálico “rr” na grafia
da palavra “arroz”), tem como contrapartida, na taxonomia de Oliveira (2006),
considerando-se o não acerto, a classificação como “violação das regras invariantes que
controlam a representação de alguns sons” (ou seja, o erro, numa grafia como “aroz” se
dá pela violação a esta regra da representação do fonema /R/ medial).
No entanto, diferentemente de Morais (2009), Oliveira (2006) já apresenta a
percepção das violações a regras que decorrem da interferência do dialeto do aprendiz
(por exemplo, uma grafia desviante como “arroiz”, um aluno de Belo Horizonte que
conhece a regularidade contextual do “rr”, não viola a regra do uso desse dígrafo, porém

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“erra” na representação de uma forma que é pertencente a determinado dialeto não


padrão), o que é nosso ponto de interesse, pois os dados analisados na pesquisa ora
apresentada são prioritariamente decorrentes da influência do dialeto do aprendiz. Assim,
enquanto Morais tem uma visão mais internalista do erro (decorrente de fatores internos,
ligados à morfologia e sintaxe da língua, que se evidenciam durante o processo de
aquisição dos mecanismos da escrita), Oliveira vai além da perspectiva internalista,
permitindo-nos uma abordagem voltada para o externo da língua (variação dialetal) como
interferente na escrita.

REVISITANDO OS PROBLEMAS ORTOGRÁFICOS À LUZ DA SOCIOLINGUÍSTICA

Bagno (2007), em prefácio da obra Nada na língua é por acaso, afirma que uma
das tarefas cruciais do ensino de língua materna, na escola, seria

discutir criticamente os valores sociais atribuídos a cada variante linguística,


chamando a atenção para a carga de discriminação que pesa sobre
determinados usos da língua, de modo a conscientizar o aluno de que sua
produção linguística, oral ou escrita, estará sempre sujeita a uma avaliação
social, positiva ou negativa (BAGNO, 2007, p. 8).

Para que a escola possa cumprir o papel que dela se espera, é imprescindível que
os docentes enfrentem tal questão, saibam identificar os fenômenos linguísticos que se
fazem presentes na sua sala de aula, que reconheçam e compreendam o perfil
sociolinguístico de seus alunos para que, de forma respeitosa em relação aos saberes e às
variações linguísticas que esse grupo de alunos apresenta em suas produções orais e
escritas, possibilitem-lhes alcançar novo patamar em termos de aumento do repertório
verbal, de desenvolvimento de sua competência linguístico-discursiva.
Nesse sentido, Bortoni-Ricardo (2005), tratando do significado das variações
linguísticas que se inscrevem em sala de aula, afirma que, em vez de serem consideradas
simplesmente como rupturas à unidade do sistema, elas, atualmente, são concebidas como
recursos que permitem ao falante cumprir duas finalidades: a) aprimorar a eficácia
comunicativa de seus textos e b) marcar sua identidade social, por meio de aspectos
reveladores de influências ligadas a sexo, idade, antecedentes regionais, inserção (ou
marginalidade) no sistema de produção, relação de pertença a determinado grupo étnico,
profissional, religioso, de rede de relacionamentos, enfim, de inscrição desse sujeito em
um “espaço sociolinguístico multidimensional” (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 176).
Para tanto, os falantes selecionam, dentre os recursos de seu repertório, aqueles que o
vinculam a seu grupo de referência. Citando Le Page (1980), a autora reitera que todo ato
de fala é basicamente um ato de identidade:

A linguagem é o índice por excelência de identidade, mas o uso desse recurso


fica limitado por quatro condições: a) a capacidade do falante de identificar o
grupo modelo ou de referência; b) o acesso às regras sociolinguísticas desse

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grupo; c) o peso de motivações conflitantes; d) a habilidade de modificar seu


próprio comportamento (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 176).

No caso dos adolescentes do ensino médio, cujos textos analisamos neste trabalho,
fica nítida a influência dos comportamentos (sócio)linguísticos de seus pares como forma
de autoafirmação e de reiteração de uma relação de pertença a um grupo. Portanto,
focando na questão da produção escrita e, em especial, dos problemas ortográficos nela
verificados, mais do que simplesmente marcar erros gráficos, é preciso que o professor
problematize a questão da escrita. Mais do que simplesmente se constituírem em desvios
frente à forma padronizada, os alunos devem perceber que seus comportamentos
linguísticos (orais e escritos) são continuamente avaliados pelos interlocutores; que
dominar novas formas de escrita se relaciona a apre(e)nder novas formas de percepção da
realidade social e novas expectativas de participação e de intervenção nessa realidade;
que os conflitos que se reproduzem na língua (oral e escrita) refletem “motivações
conflitantes” que têm dimensões políticas, socioeconômicas, etc. Enfim, seria fazer um
trabalho de escrita/revisão/refeitura textuais nos moldes da práxis freiriana – da ação
seguida de reflexão crítica sobre o próprio ato linguageiro.
Quando se analisam textos de determinado grupo de falantes, como agora o
fazemos, é preciso considerar a frequência e a qualidade do acesso que estes têm a textos
(orais e escritos) construídos na norma culta em seu ambiente, por pessoas distantes e
também por integrantes de sua rede de relacionamentos. Nos erros gráficos que cometem,
a interferência das regras fonológicas e morfossintáticas de seu dialeto de origem é
perceptível, mas também se fazem notar ocorrências que indicam aspirações que os
autores/enunciadores demonstram ter (ou não) de utilizarem a norma padrão, o que pode
evidenciar o desejo de acederem a outros estratos socioeconômicos, ou seja, evidenciam
se têm ou não em vista outros grupos de referência, cujo padrão linguístico servirá como
meta. A grande quantidade de hipercorreções encontradas nos textos nos parece remeter
a esse desejo de alçar a uma nova forma de registro, mais próxima do padrão.
Bortoni-Ricardo (2005, p. 54-58) postula algumas categorias de natureza
sociolinguística para análise dos “erros”, considerando-se variáveis morfofonêmicas,
visando ao ensino da escrita em estilos monitorados:

Quadro 3: Visão sociolinguística dos erros de grafia em textos de aprendizes

1. Erros decorrentes da própria natureza arbitrária do sistema de convenções


da escrita: Erros que resultam do conhecimento insuficiente das convenções
que regem a língua escrita e que decorrem de relações plurívocas entre
fonema e letra. Por exemplo: formas de indicação do uso de sibilantes [s];
diferença ortográfica do sufixo número-pessoal da terceira pessoa do plural
/ãw/, que é grafado “ão” quando é tônico e “am” quando é átono.

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2. Erros decorrentes da interferência de regras


fonológicas categóricas no dialeto estudado:
independem de características sociodemográficas
que identificam o falante e do contexto
situacional.

a) Vocábulos fonológicos constituídos de duas ou


mais formas livres ou dependentes grafados como
um único vocábulo formal. Por exemplo:
“janotei”
b) Crase entre vogal final de uma palavra e vogal
idêntica ou foneticamente próxima da palavra
seguinte. Por exemplo: “Des da adolescência..”
(desde + a)
c) Neutralização das vogais anteriores /e/ e /i/ e
das posteriores /o/ e /u/ . Por exemplo: ficou >
fico; beijo > bejo; pouco > pocu.
d) Nasalização do ditongo em “muito” por
assimilação progressiva. Por exemplo: muito > Erros decorrentes da
muintu. transposição de hábitos
3. Erros decorrentes da interferência de regras da fala para a escrita.
fonológicas variáveis graduais, isto é, aquelas
que, embora destoantes do padrão, por serem
utilizadas por falantes de diversos estratos
socioeconômicos e culturais, nos registros não
monitorados, não geram reação discriminatória.

a) Despalatalização das consoantes sonoras


palatais (lateral e nasal). Por exemplo: olhar >
oliar;
b) Monotongação de ditongos decrescentes. Por
exemplo: outro > otru
c) Desnasalização de vogais em ditongos finais.
Por exemplo: homem > homi; ganharam >
ganharo;
d) Assimilação e degeminação do /nd/: /nd >> nn
>> n/ Por exemplo: mostrando >> mostranu
e) Queda do /r/ final das formas verbais. Por
exemplo: vou ganhar > vô ganhá; vai brincá.

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4. Erros decorrentes da interferência de regras


fonológicas variáveis descontínuas, isto é, aquelas
que, por serem privativas de falantes de
variedades rurais (ou rurbanas, isto é, que vivem
nas periferias dos centros urbanos e, portanto, têm
acesso mínimo ou intermitente a bens culturais e
linguísticos representativos da elite), recebem
forte avaliação negativa.
a) Semivocalização do /lh/. Por exemplo: velho >
veio
b) Epítese do /i/ após sílaba final travada. Por
exemplo: pessoal >> pessuali.
c) Troca do /r/ pelo /l/ – lambdacismo. Por
exemplo: sirva > silva – ou o fenômeno oposto, o
rotacismo – troca do /l/ pelo /r/ – Cláudia >
Cráudia.
d) Monotongação do ditongo nasal. Por exemplo:
“muito” > muntu
e) Supressão do ditongo crescente em sílaba final.
Ocorrem dois casos, com ditongo oral e nasal,
respectivamente. Por exemplo: veio >> vei;
padrinho > padriu > padrim
Fonte: Bortoni-Ricardo (2005, p. 54-58). Elaborado e adaptado pelas autoras.

Em síntese, reforçando o que aponta Bortoni-Ricardo (citando CORDER, 1973),


acreditamos que toda intervenção pedagógica referente à escrita (e não só o ensino de
ortografia) deverá seguir-se num trabalho espiralar (ou cíclico), em que haja uma
realimentação do processo, tal como se apresenta no diagrama a seguir:4

4
O trabalho que esboçamos, adaptando o diagrama de Bortoni-Ricardo (2005, p. 59), considera a
metodologia de sequência didática – conforme Schneuwly e Dolz, 2004 e outros autores – e se opõe à
estratégia usualmente utilizada, denominada ironicamente por alguns autores como “pedagogia de
folhinhas”, em que se dão atividades fragmentárias e desconexas, sem avaliar e retroalimentar o processo
de ensino de qualquer tópico gramatical.

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Fonte: Bortoni-Ricardo (2005). Diagrama elaborado pelas autoras.

Na descrição e análise dos dados obtidos em nosso corpus, os quais serão


apresentados a seguir, consideraremos o quadro teórico aqui esboçado, tendo em conta
trabalhos de Morais, Oliveira e Bortoni-Ricardo.

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Os textos analisados neste trabalho foram resultado de ações de intervenção do


grupo de pesquisa numa escola estadual de Belo Horizonte. Portanto, constituíram o
corpus desta pesquisa os textos de seis turmas de primeiro ano do ensino médio dessa
instituição. Todos os exemplares foram analisados, isto é, não desconsideramos algum
texto em função de o aluno não ter atentado ao propósito solicitado (o gênero pedido na
atividade era carta, mas houve textos em que se observaram poemas, contos, etc.).
Também não eliminamos texto algum seguindo o critério do Enem de haver no mínimo
sete linhas válidas, isto é, sem transcrições de trechos dos textos motivadores.
Constatamos que a maioria dos textos constitui o que Franchi (1984) denomina
“pseudoargumentação”, ou seja, o conteúdo é muito frágil, pouco desenvolvido, mas não
eliminamos o texto em função de seu conteúdo, visto que nos interessava analisar
aspectos formais da consecução da tarefa dada ao aluno participante, que foi convidado a
produzir o texto.
Observamos, nos textos, todas as grafias desviantes da norma padrão e
verificamos a natureza de tal ocorrência, ou seja, procuramos classificar o tipo de
equívoco cometido pelo aluno ao grafar uma palavra destoante da ortografia oficial do
português.

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A seguir, apresentaremos os desvios de escrita encontrados nos textos dos alunos.


No total, verificamos 473 grafias desviantes. Destas, observamos o seguinte: 2,9% eram
correspondentes a palavras em que faltavam sílabas ou letras correspondentes a sons das
palavras escritas. Alguns alunos parecem, ainda, ter conhecimento inseguro acerca da
forma correta de se marcar, na escrita, a vogal nasal, como, por exemplo, um deles
escreveu “enfreta” para “enfrenta”. Isso se deu em 2,7% das vezes. O mesmo percentual
foi observado para problemas de escrita em que o aluno deveria grafar um som surdo e
escreveu a letra correspondente ao som sonoro e vice-versa. Por fim, foi muito baixo o
percentual de erros em relação ao desconhecimento do formato da letra correta: 0,6%.
Esses quatro tipos de erros são considerados como muito comuns no início do processo
de aprendizagem da escrita. No quadro 4, temos os resultados apresentados até agora:

Quadro 4: Desvios de grafia típicos de início da alfabetização: baixo índice de erro

Tipo de desvio de Exemplos Porcentagem


grafia

 Responsabilidda (para
“responsabilidade”),
Falta de sílabas ou  Conher (para
2,9%
letras “conhecer”)

 idenpentemente (para
“independentemente”)
Dificuldade de  desmostra (para
marcar, na escrita, “demonstrar”)
a vogal nasal  pessar (para “pensar”) 2,7%

Grafia de uma  Diverdi (para


letra “diverte”)
correspondente a  Deido (para “deito”)
um som surdo  Decistir (para
quando o correto “desistir”) 2,7%
deveria ser uma
letra
correspondente ao
sonoro (e vice-
-versa)

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 Anadurecer (para
“amadurecer”, em que
houve dificuldade na
distinção do traçado
de “m”)
Dificuldade de  Vários (para “várias”,
desenhar a letra em que o aluno teve
0,6%
correta dificuldade de
escrever “o” cursivo e
desenhou a letra “a”
cursiva.)

Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelas autoras.

Verificamos, com o baixo percentual para as quatro naturezas de desvios de grafia,


que, em seus textos, os alunos do ensino médio não cometem erros semelhantes aos de
uma criança em processo de alfabetização. Assim, podemos afastar de nossas conclusões
que tais alunos são semianalfabetos, conforme muitos poderiam predizer.
Há determinadas grafias que são guiadas por regras. Uma vez internalizadas, as
pessoas não se esquecem. Os alunos, cujos textos foram analisados, apresentam também
baixo índice de desvios de grafia em relação a tal categoria: somente 4,2% do total de
palavras escritas de forma distinta da preconizada pela norma padrão.
Mas há escritas que não se pautam numa regra que as guie. O jeito é perguntar
para alguém que sabe, ou consultar o dicionário ou ainda memorizar a forma ortográfica.
São aquelas escritas em que não sabemos se se escreve com x ou com ch, se é com j ou
com g, se há o h inicial ou não, etc. Para tal categoria, os alunos apresentaram uma
porcentagem bem maior de grafias desviantes do que para as demais categorias: 28, 2%.
Se formos comparar o percentual de grafias desviantes geradas por
desconhecimento ou conhecimento inseguro da regra que guia a escrita correta da palavra
(4,2%) com as grafias desviantes por desconhecimento da forma ortográfica, em que o
que vale é a memória (28,2%), temos uma boa razão para considerarmos que os alunos
do ensino médio já fazem boas reflexões acerca do sistema ortográfico do português. Ou
seja, o que é previsível é fácil para os alunos cujos textos foram analisados. O que exige
uma carga de memória, mais contato com a leitura e com a escrita é mais difícil para tais
alunos. Vejamos esses resultados no quadro 5:

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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Quadro 5: Desconhecimento ou conhecimento inseguro de regras da ortografia e


não memorização da forma correta

Tipo de desvio Exemplo Porcentagem


de grafia
Falta de
conhecimento algem (para “alguém”)
ou Estam (para “estão”)
4,2%
conhecimento Soriso (para “sorriso”)
inseguro de carega (para “carrega”)
regras da
ortografia
Confeço (para “confesso”)
Cresçer (para “crescer”)
Expreçar (para “expressar”)
Adolecente (para “adolescente”)
adolecência e adolecençia (para
Não “adolescência”)
memorização da trás (para “traz”)
28,2%
forma padrão quizer (para “quiser”)
dezafios (para “desafios”)
Abitos (para “hábitos”)
averar (para “haverá”)
regeitar (para “rejeitar”)
geito (para “jeito”)
Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelas autoras.

O que é preocupante, entretanto, é que, nos casos das formas que devem ser
memorizadas e que os alunos escreveram de modo não prescrito, as palavras são bastante
comuns em textos, fato que deveria ser uma forte causa para a memorização de tais
formas.
Acreditamos que, nesses casos, a intimidade com tais grafias depende de contato
significativo, frequente, com tais itens, o que pode decorrer de leituras (escolhidas pelo
aluno ou pelo professor, caso se trate de um conjunto de itens a ser trabalhado de forma
sistemática), de utilização de dicionários (físicos ou eletrônicos, posto que a maioria dos
estudantes do ensino médio tem acesso à internet, seja no celular, no computador – em
casa ou na escola –, seja em outra mídia qualquer).
Há ainda outra categoria de escritas desviantes que denominamos hipercorreção:
a pessoa, refletindo acerca de uma regra existente na língua, escreve de forma equivocada
a palavra. Por exemplo, nos dados analisados para fins desta pesquisa, verificamos:
“emportantes” e “empresionada”, em que o aprendiz, em algum momento da vida escolar,
colocou uma letra “i” para um som de [i], foi corrigido e, ao escrever as palavras
apontadas, erra por colocar a letra “e” no lugar de “i”. Para essa categoria, os alunos do
ensino médio apresentaram 6,6% das grafias desviantes.

67
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Os casos em que os alunos apresentaram erro na segmentação de palavras


totalizaram 12,3% das vezes. Na maior parte das vezes, eles juntam palavras, tais como
“agente” (no lugar de “a gente”) e “porque” (no lugar de “por que”). De forma
interessante, os produtos de tais junções existem como palavras na nossa língua. Em
outros casos, entretanto, ocorre a junção, mas as palavras resultantes são inexistentes,
como em “oque” (no lugar de “o que”), “doque” (no lugar de “do que”), “mavontade” (no
lugar de “má vontade”), “dahora” (no lugar de “da hora”), “atoa” (no lugar de “à toa”),
“amaioria” (no lugar de “a maioria”), “amente” (no lugar de “a mente”) e “poisé” (no
lugar de “pois é”). Em alguns outros casos, os alunos separam palavras em dois
segmentos, tal como ocorreu em “a onde” (no lugar de “aonde”) e “em fim” (no lugar de
“enfim”). Vejamos o quadro a seguir com os dados de hipercorreção e de segmentação
indevida:

Quadro 6: Desconhecimento ou conhecimento inseguro de regras da


ortografia e não memorização da forma correta

Tipo de desvio Exemplo Porcentagem


de grafia
“...ele não te dar a menor bola...” (para “te
dá”)
Hipercorreção Opnião (para “opinião”)
6,6%
Dificieis (para “difíceis”)
Fizer-mos (para “fizermos”)
Encapaz (para “incapaz”)
Junção derivando palavras existentes:
 agente (no lugar de “a gente”)
 porque (no lugar de “por que”)

Junção derivando palavras inexistentes:


Problemas com
 oque (no lugar de “o que”)
segmentação de  doque (no lugar de “do que”) 12,3%
palavras  mavontade (no lugar de “má
vontade”)
 dahora (no lugar de “da hora”)
 atoa (no lugar de “à toa”)
 amaioria (no lugar de “a maioria”)
 amente (no lugar de “a mente”)
 poisé (no lugar de “pois é”).

Cisão:
 a onde (no lugar de “aonde”)
 em fim (no lugar de “enfim”)
 lhe dar (no lugar de “lidar”)
Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelas autoras.

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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Nesse quadro, em que se evidencia a hipercorreção e problemas de segmentação


de palavras, podemos verificar que a cisão, por exemplo, pode ter se dado a partir de uma
hipercorreção, já que “a” de “a onde” e “em” de “em fim” podem ter sido analisadas como
preposições. De forma também interessante, temos a grafia de “lhe dar” (no lugar de
“lidar”), em que a sílaba “li” de “lidar” foi analisada como o pronome oblíquo “lhe”.
Podemos verificar, nos primeiros casos de junção, em que se obtêm palavras existentes
na língua, e nos casos de cisão de uma palavra, resultados de análise da língua. Ou seja,
parece que o aluno, mesmo com menos intimidade com a ortografia de muitas palavras,
tenta acertar na grafia, pois parece ativar algum conhecimento prévio, o que, entretanto,
não lhe garante o acerto.
Por fim, a maior parte das grafias desviantes encontradas nos textos dos alunos do
ensino médio foi decorrente da influência do dialeto do indivíduo. Enfatizamos que esta
categoria representa o maior número de grafias equivocadas por parte dos alunos. É
interessante salientar que, embora tenhamos explicações dentro do sistema linguístico
para todas as grafias equivocadas apresentadas no quadro 5, somente as categorias em
negrito correspondem àquelas previstas por Bortoni-Ricardo (2005). Pode-se, portanto,
concluir que, em se tratando de grafias fora do padrão em função da influência do dialeto,
a melhor forma de garantir-se um ensino eficaz é o professor ter a habilidade de, em
primeiro lugar, separar os diferentes tipos de erros. Em segundo lugar, ter a capacidade
de verificar o que recebe e o que não recebe reação discriminatória por parte da sociedade.

Quadro 7: Equívocos de grafias decorrentes de influência do dialeto do aluno

Tipo de desvio Exemplo Porcentagem


de grafia

Queda do /r/ “Você já começa a ter


final das responsabilidades,
formas verbais compromissos e coisas 20,3%
no infinitivo para cumpri”
(cumprir)
Uso do “pra” “você não precisa
no lugar de mudar pra sentir o 7%
“para” prazer de ser”
Monotongação “Tudo fico grande” 6,4%
(ficou)
Uso de “mais” “Eu não sei, mais
no lugar de tenho medo...” (mas) 30,5%
“mas”
Ditongação “entrar na puberdade é
(inserção do “i” uma coisa boua” (boa)
ou do “u”) “é a maneira de nois 4,8%
encara a realidade”
(nós)

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Alçamento da
vogal [e] (que “saber intender as 6%
passa a [i]) coisa”

Queda da
primeira ou da “Des da adolescência” 5,3%
última sílaba (desde)
átona
Equívocos na “Amigos que você
concordância pode confiar e te faz 8,5%
verbal alegre e te ajuda em
horas difíceis”
Equívocos na “Você aprende na
concordância escola e com os 6%
nominal ensinamento dos
pais.” (os
ensinamentos)
“Para vim” (para vir)
Nasalização “comtidiano” 1%
(cotidiano)
Uso de “pra mim não poder”
estruturas (para eu não poder) 1%
sintáticas não “por causa que”
padrão (porque)

Outros casos “Eu não alguento 3,2%


mais” (Aguento)

Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelas autoras.

Destacamos, no quadro anterior, muitas grafias desviantes em função da


influência direta do dialeto do aprendiz em sua escrita. Vimos, anteriormente, um quadro
que Bortoni-Ricardo apresenta possíveis ‘erros’ decorrentes da influência dialetal. No
entanto, ao compararmos as grafias equivocadas por parte dos alunos cujos textos
analisamos com a taxonomia sugerida por essa sociolinguista, houve pouca coincidência
entre as categorias elencadas, ou seja, há aspectos que não são previstos em sua
classificação. Reiteramos que o professor precisa ter um conhecimento do sistema
linguístico e de padrões da ortografia que são mais passíveis de receber influência da
forma como o aluno fala. No entanto, vale lembrar que, em diferentes
regiões/comunidades de falantes, a interferência dialetal vai se evidenciar de forma
diferente. Um quadro de variações dialetais que vise a englobar todas as diferenças
dialetais (e suas implicações na escrita dos aprendizes) é tarefa para grupos de
pesquisadores (e muito vem se fazendo nesse sentido). Por outro lado, cabe ao professor

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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ter a habilidade de proceder a um diagnóstico eficaz e fiel à realidade dos seus alunos,
das turmas com que trabalha, considerando-se traços não padrão que constituam marcas
específicas daquele grupo e que estejam se infiltrando na escrita.

FORMAS DE INTERVENÇÕES PARA ENSINO DA ORTOGRAFIA: METALINGUAGEM X


EPILINGUAGEM

Diante da constatação dos problemas de escrita dos alunos, de que estratégias pode
lançar mão o professor? Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) reiteram que, na
educação básica, embora não se possam eliminar todas as atividades metalinguísticas (por
meio da tão conhecida tríade: de conceituação de certas categorias, exemplificação por
meio de casos prototípicos e exercitação), visto que há efetivamente algumas
terminologias fundamentais ao prosseguimento dos estudos linguísticos, é crucial que se
priorizem situações que levem a uma reflexão sobre o fenômeno linguístico,
desencadeando, portanto, as denominadas atividades epilinguísticas. Se isso é válido com
relação aos conhecimentos linguísticos a cujo ensino os professores de língua materna
mais tempo dedicam (morfossintaxe), também o é com relação ao trabalho com
ortografia.
Assim, não basta ao professor corrigir os textos de forma indicativa (sublinhar
erros gráficos) ou resolutiva (ele próprio apresentar a forma esperada, sugerir alterações
no texto que o tornem mais eficaz), nem mesmo proceder a uma avaliação classificatória
(indicar os problemas por meio de um código previamente apresentado à turma – cf.
RUIZ, 2001). O mais produtivo seria propor uma forma textual-interativa, isto é, apontar
os problemas ao final do texto, por meio de bilhetinhos em que se questionam os pontos
obscuros ou desviantes em relação à norma padrão e promover um momento de
interlocução com o aluno para tratamento destes.
Costa Val et al. (2009) afirmam que os tipos de correção feitos nos textos
produzidos pelos aprendizes certamente influenciarão na relação destes com a escrita a
partir da educação básica:

um aluno que sempre recebe de volta suas redações apenas com os erros
gramaticais marcados, certamente vai se preocupar com um maior
aprimoramento formal, enquanto que outro aluno que recebe comentários
sobre o conteúdo irá se preocupar com o sentido de seus textos (COSTA VAL
et al., 2009, p. 69).

Se não podemos descuidar tanto do ensino dos aspectos formais quanto dos
relativos ao conteúdo, entendemos que o professor de língua materna não pode parar por
aí: deve-se colocar como leitor preponderante dos textos e como aquele que deve dar um
retorno ao aluno por meio dos bilhetinhos, desencadeando, então, a interlocução
mediatizada pela escrita.
Chamado a reescrever seus textos, a transpô-los para uma versão mais monitorada,
o aluno do ensino médio poderá perceber os impactos dessa retextualização, pois se cria
um novo texto, projetando um novo público leitor, bem como a intencionalidade da
produção, em que é possível identificar aspectos pragmáticos fundamentais, decorrentes

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

de um contexto bastante específico: o texto visa a provocar o humor? Visa a um público


específico, mais próximo de um linguajar rural? Visa a um público infantil? Esses
aspectos delimitam, de certa forma, a reestruturação do próprio texto, e o “erro” de grafia,
dependendo do fim a que se presta o texto, terá sua funcionalidade. Ou seja, se for o caso
de um texto humorístico, uma propaganda ou um poema, por exemplo, o que se denomina
desvio da grafia normativa não será considerado erro.
Julgamos, ainda, crucial que os problemas encontrados de forma mais recorrente
nos textos da turma sejam trabalhados coletivamente. Podem ser usados tanto textos
escolhidos pelo professor, quanto produzidos ou trazidos pelos alunos. O importante é
deixar bem claro que a análise e a correção coletivas têm objetivo de ajudar a melhorar a
produção textual dos alunos, e não de apontar erros, simplesmente, ou incentivar críticas,
discriminação ou bullying.
A escolha de um texto para análise por parte da turma deve excluir o nome do
aluno, a fim de garantir, de fato, um trabalho eficaz, reflexivo e não discriminatório.
Trabalhos de reflexão a partir de textos como os citados acima, problematizados numa
análise coletiva, podem ser instrumento para mostrar que dominar o padrão culto da
língua se prende a uma série de conhecimentos não estritamente linguísticos. Isso pode
levar a uma discussão dos valores que assumem determinados registros linguísticos (que,
embora não padrão, podem até ser ignorados em função de outros interesses, por exemplo,
os econômicos), evidenciando que estes precisam ser entendidos dentro de toda uma
“cena enunciativa”.
Outra forma de interlocução produtiva e possível, a nosso ver, seria a
“textual-interativa coletiva”, isto é, em que haja a previsão de momentos específicos, na
montagem do cronograma semanal, de trabalho sistematizado com a ortografia lexical e
gramatical, a partir de variados textos dos alunos, selecionados e combinados com os
autores-aprendizes.
Atividades de revisão textual, dos próprios textos dos alunos ou de outros – da
mídia impressa ou eletrônica – desde que se tornem frequentes, com a utilização de
dicionários (tradicionais ou eletrônicos), evidenciarão aos alunos que todos têm dúvidas
em relação a um conjunto de itens da língua, o que não é vexatório, mas que precisam
buscar a forma correta, posto que os textos circulam e levam à emissão de julgamentos
relativos a seus autores.
Podem-se utilizar também outros textos, de diferentes gêneros, especialmente
aqueles em que os desvios em relação à norma padronizada possam trazer
incompreensões e comprometer sua comunicabilidade – e mesmo a confiabilidade do
veículo que os publicou. O professor pode solicitar que os alunos tragam textos em que
se verifiquem desvios do padrão (como anúncios e folhetos distribuídos nas ruas,
santinhos de políticos em época eleitoral, etc.) para análise, revisão e reescrita.
Com frequência, encontramos textos divulgados na mídia (notícias, crônicas e até
mesmo editoriais), os quais podem ser utilizados para que os alunos verifiquem que a
falta de revisão acarreta problemas variados, de diferentes níveis de impacto quando da
leitura – alguns passam despercebidos (não deveriam, mas passam) e outros são notórios,
comprometendo a credibilidade de seus autores.

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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A avaliação e a intervenção que se dão de forma reflexiva, abrangendo tanto


aspectos ortográficos como de análise gramatical, podem desenvolver um olhar mais
acurado sobre a ortografia, vista de forma mais ampla. Além disso, é produtivo tematizar
textos de cunho popular – como letras de músicas (“Açum-preto” e “Cuitelinho”, por
exemplo, que mostram variedades dialetais com que os alunos não se identificam, ao lado
de outras mais recentes em que haja mistura de formas de tratamento – “demorei muito
pra te encontrar, agora quero só você” (em que o pronome “te” deveria ser substituído
por “lo/la”, pronome oblíquo corresponde à forma “você”). Há ainda exemplos em que
verificamos usos inapropriados de pronomes, como em “aonde você mora, aonde você
foi morar...” (em que “aonde” só deve ser usado com verbos que exigem a preposição “a”
e são caracterizados por indicarem movimento, tal como “ir a”, “chegar a”). Por fim, o
olhar do professor deve ser atento e sensível aos textos que circulam na sociedade, a fim
de mostrar que são muito relativos os critérios de “correção linguística”.
Importante atividade, também, é trabalhar aspectos semânticos vinculados a
formas parecidas (parônimos, como acender/ascender, eminente/iminente, etc.) ou
idênticas (homônimas – homófonas, como cessão / seção / sessão; ou homógrafas – sede
/ sede), mas de significados distintos, mostrando a correta utilização. Vários desses itens
constituem casos em que somente o significado (plano do conteúdo) será capaz de indicar
a grafia correta.

SUGESTÕES DE TRABALHO COM ALUNOS DO ENSINO MÉDIO: IDEIAS PARA JOGOS


ORTOGRÁFICOS

A seguir, apresentamos algumas sugestões de jogos, os quais foram pensados com


base na análise dos textos dos alunos da escola estadual de ensino médio de Belo
Horizonte. Todos os dados usados no jogo foram retirados de tais textos (ou inspirados
neles).
De posse dos resultados da produção textual dos alunos, e considerando os erros
gráficos mais frequentes, o professor pode elaborar uma lista com ocorrências de itens
que tragam desvios de todas as naturezas (considerando as taxonomias trabalhadas) de
ortografia lexical e gramatical, contextualizados. Essa tabela, conforme modelo a seguir,
será a guia para diversos jogos e, considerando-se a maturidade da turma (ao receber os
textos corrigidos, com a indicação dos problemas detectados pelo(a) professor(a)), pode
ser construída coletivamente, com consulta a dicionários e gramáticas nos momentos de
dúvida – nesse caso, o professor exercerá o papel de mediador, de organizador da pesquisa
realizada pelos alunos.
O quadro com os erros efetivamente encontrados e as explicações podem ter o
formato mostrado abaixo:

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Quadro 10: Dados retirados dos textos dos alunos que podem ser usados na
elaboração/implementação de jogos

Cartas a serem mostradas ao Respostas e explicações


jogador
1 1 O menino foi se confessar com o padre.
O menino foi se confeçar com o
padre. O verbo é escrito com dois “ss”. Neste
***** caso, não há uma regra que guie a
ortografia. O melhor a fazer é
O menino foi se confessar com o memorizar a escrita de “confessar”.
padre.
2 2 O rapaz traz a bolsa para a escola.
O rapaz traz a bolsa para a
escola. Existem as duas formas, mas, nesta
oração, o correto é “traz” porque é uma
***** forma do verbo “trazer”, com “z”. Já
“trás” é um advérbio de lugar, indicando
O rapaz trás a bolsa para a escola. uma situação posterior.
Então: “traz” atua como verbo, e “trás”
atua como advérbio.
3 3 A adolescência é um período da vida
A adolecençia é um período da muito bom!
vida muito bom!
Esta palavra é escrita com o dígrafo
***** “sc”. Não existe uma regra que guie a
ortografia. O melhor a fazer é memorizar
A adolescência é um período da a escrita de “adolescência”. Vale dizer
vida muito bom! que “ç”não existe antes de “i”, já que
temos o som sibilante com a letra “c”
***** diante de “i” (“ci”).

A adolecência é um período da
vida muito bom!

4 4 Eu quero crescer na vida!


Eu quero cresçer na vida!
Esta palavra é escrita com o dígrafo
***** “sc”. Não existe uma regra que guie a
ortografia. O melhor a fazer é memorizar
Eu quero crescer na vida! a escrita de “crescer”. Vale dizer que
“ç” não existe antes de “e”, já que temos
o som sibilante com a letra “c” diante de
“e”(em “ce”).
5 5 Se Deus quiser, vou vencer!
Se Deus quiser , vou vencer!
Esta palavra é escrita com “s”. Não
***** existe uma regra que guie a ortografia. O

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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melhor a fazer é memorizar a escrita de


Se Deus quizer , vou vencer! “quiser”.

6 6 Se eu fizer tudo de forma correta, vai


Se eu fizer tudo de forma correta, dar certo.
vai dar certo.
Esta palavra é escrita com “z”. Não
***** existe uma regra que guie a ortografia. O
melhor a fazer é memorizar a escrita de
Se eu fiser tudo de forma correta, “fizer”.
vai dar certo.
7 Ele tem que manter bons hábitos para
conseguir o que deseja!

7 Esta palavra é escrita com “h” em seu


Ele tem que manter bons hábitos início. Não existe uma regra que guie a
para conseguir o que deseja! ortografia. O melhor a fazer é memorizar
a escrita de “hábito”.
*****

Ele tem que manter bons ábitos


para conseguir o que deseja!
8 8 Eu obtive muito êxito na vida!
Eu obtive muito êxito na vida!
Esta palavra é escrita com “x”, que,
***** neste caso, tem som de “z”. Não existe
uma regra que guie a ortografia. O
Eu obtive muito êzito na vida! melhor a fazer é memorizar a escrita de
“êxito”.
9 9 João não quer hesitar em seu comando!
João não quer hesitar em seu
comando! Esta palavra é escrita com “h” em seu
início e com “s”, que, neste caso, tem
***** som de “z”, Não existe uma regra que
guie a ortografia. O melhor a fazer é
João não quer exitar em seu memorizar a escrita de “hesitar”.
comando!
10 10 Há muitos anos, eu não vejo meus tios
A muitos anos, eu não vejo meus do interior.
tios do interior.
Neste caso, “há” é forma do verbo
***** “haver”, impessoal, que aqui indica
tempo decorrido. Uma boa forma de
Há muitos anos, eu não vejo saber se usamos “há” ou “a” nas
meus tios do interior. expressões indicativas de tempo é
substituirmos “há” por “faz”. Se a
substituição não alterar o sentido real da
frase, a forma correta é “há”.
11
Este menino não toma jeito! 11 Este menino não toma jeito!

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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***** Esta palavra é escrita com “j”. Não


existe uma regra que guie a ortografia. O
Este menino não toma geito! melhor a fazer é memorizar a escrita de
“jeito”.
12 12 A moça era muito jeitosa e generosa.
A moça era muito geitosa e
generosa. “Jeitosa” é com “j”. Não existe uma
regra que guie a ortografia. O melhor a
***** fazer é memorizar a escrita de “jeitosa”.

A moça era muito jeitosa e


generosa.
13 13 O adolescente tem que ter
O adolescente tem que ter compromissos para cumprir.
compromissos para cumpri.
Neste caso, podemos até não pronunciar
***** o som do “r” final, mas ele deve ocorrer
na escrita. Trata-se de um vocábulo
O adolescente tem que ter oxítono, que representa um verbo na sua
compromissos para cumprir. forma infinitiva e, portanto, deve ocorrer
com o “r” final. Se não colocamos a
desinência “r”, a pronúncia passa a ser
a do verbo flexionado na primeira pessoa
do singular do pretérito perfeito do
indicativo: eu cumpri, em que a sílaba
mais forte é “pri”.

14 14 Você não precisa mudar para sentir o


Você não precisa mudar para prazer de ser
sentir o prazer de ser.
“Para” e “pra” são duas formas da mesma
***** preposição. A forma contraída é mais
comum em situações coloquiais distensas,
Você não precisa mudar pra podendo ocorrer também na escrita em
sentir o prazer de ser. textos informais.

15 Tudo ficou grande!


15
Há uma tendência generalizada a não se
Tudo fico grande!
pronunciar o ditongo “ou”. Entretanto,
na forma verbal em questão – 3ª pessoa
***** do singular no pretérito perfeito, o
ditongo deve ocorrer. Em toda e
Tudo ficou grande! qualquer circunstância, em se tratando
de língua escrita, o ditongo “ou” é
grafado (a não ser que a intenção seja

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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justamente reproduzir o uso oral: loco,


poco, lora, etc.).

16 16 Eu não sei, mas tenho medo de fazer


Eu não sei, mais tenho medo de errado.
fazer errado.
“Mas” é uma conjunção adversativa,
******* que tem o mesmo sentido que “porém” e
“entretanto”, portanto transmite a ideia
Eu não sei, mas tenho medo de oposição. “Mais” é um advérbio de
de fazer errado. intensidade, e dá a ideia de maior
quantidade ou intensidade (tem sentido
oposto a “menos”).
17 17 Entrar na puberdade é uma coisa boa.
Entrar na puberdade é uma coisa
boa. Em muitas palavras em que a sílaba
tônica tem a letra “o”, há, na oralidade,
******* uma ditongação (“ou”). Por isso,
dizemos “boua”. Isso ocorre também
com outras palavras, como “patroa”,
Entrar na puberdade é uma coisa “(ele) magoa”, “(ele) coa (o café).
boua. Entretanto, na escrita, não devemos
grafar o ditongo. Daí a grafia da palavra
“boa”.
18 18 Esta é a maneira de nós encararmos
Esta é a maneira de nois encara a a realidade.
realidade.
Em determinados dialetos, diz-se “nóis”,
***** ou seja, acrescenta-se um “i” (epêntese),
ocorrendo um ditongo. Entretanto, na
Esta é a maneira de nós escrita, tal vogal não deve ocorrer. Daí,
encararmos a realidade. a escrita correta ser “nós”.
Note-se, também, a redução do verbo
“encarar”/ “encará” (perda da marca
do infinitivo), bastante comum no
português falado.

19 19 Gosto de você, então, acho que


Gosto de você, então, acho que deveríamos passar mais tempos juntos.
deveríamos passar mais tempos
juntos. Em algumas sílabas átonas, muitas vezes
a letra “e” passa a ter o som /i/.
***** Entretanto, isso é marca de um
determinado grupo de falantes. Na
Gosto de você, intão, acho que escrita, devemos usar a letra “e”.
deveríamos passar mais tempos
juntos.

20 20 Amigos em que você pode confiar e


que fazem você alegre.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Amigos que você pode confiar e


te faz alegre. Neste caso, há duas questões. A primeira
é a necessidade de haver a preposição
***** “em”, que é exigência do verbo
“confiar”. A ideia é “confiar em”. Além
Amigos em que você pode disso, há necessidade de haver a
confiar e fazem você alegre. concordância verbal. Se o sujeito é
“amigos”, portanto, no plural, o verbo
tem que estar no plural.
21 21 Desde a adolescência, eu era assim.
Des da adolescência, eu era
assim. Muitas vezes, na modalidade oral,
omitimos partes de uma palavra. De um
***** modo geral, a parte omitida é uma sílaba
Desde a adolescência, eu era átona (fraca). A palavra “desde” é,
assim. muitas vezes, falada “des”, mas deve ser
escrita em sua totalidade. No exemplo,
houve segmentação incorreta da
palavra, além da fusão das vogais finais
átonas – e / a.

22 22 Você aprende na escola e com os


Você aprende na escola e com os ensinamentos dos pais.
ensinamento dos pais.
Aqui temos que promover a
***** concordância nominal. O artigo “os” já
nos sinaliza que se trata de plural. Por
Você aprende na escola e com os isso, a palavra “ensinamento” deve ser
ensinamentos dos pais. escrita no plural. Na oralidade e em
alguns dialetos, entretanto, é comum
omitirmos o “s” do substantivo.
23 23 Eu arrumei o fogão lá de casa.
Eu arrumei o fogão lá de casa.
Em muitos dialetos, a letra “o” em sílaba
***** átona, é pronunciada como /u/.
Entretanto, na escrita, deve-se preservar
Eu arrumei o fugão lá de casa. a letra “o”, daí “fogão”.

24 24 Eu não entendi se era para eu vir à


Eu não entendi se era para eu vim festa.
à festa.
Veja bem: se substituirmos o verbo “vir”
***** por “fazer”, teremos: Eu não entendi se
era para fazer a festa. O verbo fica no
Eu não entendi se era para eu vir infinitivo. Logo, quando se trata do verbo
à festa. “vir”, ele também deve estar no
infinitivo.
25 25 Eu gostaria de ouvir sua opinião.
Eu gostaria de ouvir sua opinião.

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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A palavra opinião não tem vogal


***** “muda”, ou seja, deve ser escrita com a
vogal “i”, que é presente também no
Eu gostaria de ouvir sua opnião. verbo do qual é derivada, “opinar”.

26 26 Ele não te dá a menor bola.


Ele não te dá a menor bola.
O verbo tem de ser flexionado, por isso a
***** forma “dá” é a adequada. Se pensarmos
em outro verbo, como “fazer”, o que está
Ele não te dar a menor bola. correto: “Ele não te fez o bolo” (com o
verbo flexionado) ou “Ele não te fazer o
bolo” (com o verbo não flexionado)? A
primeira opção, em que o verbo está
flexionado. Daí o fato de “Ele não te dá
a menor bola” ser a alternativa correta.
27 27 Se nós fizermos com cuidado, tudo
Se nós fizermos com cuidado, vai dar certo.
tudo vai dar certo.
Esta é a forma adequada para a
***** conjugação do verbo no futuro do
subjuntivo: se eu fizer, tu fizeres, ele
Se nós fizer-mos com cuidado, fizer, nós fizermos... Existe uma forma
tudo vai dar certo. em que o pronome oblíquo “nos”, em
alguns casos, pode ser colocada junto ao
verbo, como em usarmo-nos,
tocarmo-nos, etc. Mas veja que o
pronome é “nos” e, não, “mos”.
28 28 Ele foi incapaz de me pedir desculpas.
Ele foi incapaz de me pedir
desculpas. Há diversas palavras que são escritas
com “e”, e as pessoas, ao pronunciá-las,
***** o fazem com o som de /i/. Por exemplo,
muitas pessoas, ao pronunciarem
Ele foi encapaz de me pedir “ensino”, dizem /ĩnsino/. Mas, neste
desculpas. caso, “incapaz” é escrito com a letra “i”
e falado com o som /i/.
29 29 A gente só quer ser feliz!
Agente só quer ser feliz!
“Agente” e “a gente” existem na língua
***** portuguesa. Entretanto, seus
significados são distintos. O que vai
definir o uso de uma ou outra grafia é o
A gente só quer ser feliz! contexto. A palavra agente é um
substantivo comum e se refere à pessoa
que faz algo (o agente). A expressão “a
gente” é uma locução pronominal que
equivalente ao pronome pessoal reto nós.
Na sentença em questão, “A gente” pode
ser substituído por “Nós”.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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30 30 Eu gostaria de saber o porquê disso.


Eu gostaria de saber o porque
disso. Esse “porquê” é um substantivo e pode
ser substituído pela palavra “motivo”.
***** Essa palavra é, também, oxítona
terminada em “e”. Por isso tem que ser
Eu gostaria de saber o porquê acentuada.
disso.

31 31 – Por que você fez o bolo?


– Por que você fez o bolo? – Porque eu tive vontade.
– Porque eu tive vontade. A ideia geral é que “por que” é usado em
perguntas e “porque” é usado nas
respostas. Mas podemos ir além nas
explicações. O “por que” é a junção da
preposição “por” + o pronome
***** interrogativo ou indefinido “que”,
expressando a ideia de “por qual
– Porque você fez o bolo? motivo”. Já “porque” é uma
– Por que eu tive vontade. conjunção causal ou explicativa, com
valor aproximado de “pois”, “uma vez
que”, “para que”.

32 32 Ele quer entender o que vai acontecer.


Ele quer entender oque vai
acontecer. “O que” deve ser escrito separadamente.
Sempre!
*****

Ele quer entender o que vai


acontecer.

Fonte: Dados da pesquisa. Elaborado pelas autoras.

A partir do quadro 8, fazemos as seguintes sugestões de jogos:

1) Baralho ortográfico: O professor imprime a listagem acima e são recortadas as peças


(como um baralho) apenas da coluna da esquerda. A coluna da direita, em que há as
respostas e explicações, ficará com um aluno, que será o juiz. Podem jogar dois ou quatro
alunos, os quais devem providenciar uma folha, com o nome de cada um para marcar os
pontos. Com as 32 cartas com o lado escrito voltado para baixo, os alunos se organizam
para o jogo. Um aluno joga. Se acertar, marca um ponto; se errar, passa a vez a outro
jogador. O aluno-juiz, que está com a tabela-guia, lerá as explicações. Ou, então, podem
ser combinadas regras adicionais, como: quem errar deverá consultar um dicionário e
encontrar a forma correta, depois deve criar uma frase inserindo a palavra em questão. O

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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aluno-juiz, além de ler a resposta correta, deve verificar o encadeamento das jogadas,
organizando o jogo.

2) Jogo da memória: Considerando ambas as colunas, o professor poderá imprimir em


cartolina toda a tabela de problemas gráficos, recortá-la ao meio, produzindo duas cartas
que se completam. Deverá ter o cuidado de enumerá-las e evitar um número muito grande
de cartas, a fim de não cansar os alunos ou gerar situação em que o jogo não se conclua
numa aula (usualmente, de apenas 50 minutos):

2 2 O rapaz traz a bolsa para a escola.


O rapaz traz a bolsa
para a escola. Existem as duas formas, mas, nesta
oração, o correto é “traz” porque é uma
***** forma do verbo “trazer”, com “z”. Já
“trás” é um advérbio de lugar, indicando
O rapaz trás a bolsa para a escola. uma situação posterior.
Então: “traz” atua como verbo, e “trás”
atua como advérbio.
3 A adolecençia é um período da 3 A adolescência é um período da vida
vida muito bom! muito bom!

***** Esta palavra é escrita com o dígrafo


“sc”. Não existe uma regra que guie a
A adolescência é um período da ortografia. O melhor a fazer é memorizar
vida muito bom! a escrita de “adolescência”. Vale dizer
que “ç”não existe antes de “i”, já que
***** temos o som sibilante com a letra “c”
diante de “i” (“ci”).
A adolecência é um período da
vida muito bom!

3) Jogo de damas ou xadrez: Providenciado o tabuleiro usual desses jogos, será proposta
a seguinte regra: cada aluno só poderá fazer o movimento se, diante de um desafio
ortográfico (mostra-se a cartinha da esquerda), souber a resposta correta (para isso, um
aluno-juiz ficará com a cartela contendo as respostas – coluna da direita – e fará a
conferência). Se o jogador errar, transfere-se a jogada ao “adversário”. Esse jogo,
inclusive, pode ser jogado de forma colaborativa – numa mesinha, com o tabuleiro, ficam
dois (ou três) jogadores de cada lado, que poderão discutir e decidir conjuntamente a
resposta correta a ser apresentada, a fim de não perderem a jogada. Pode-se, inclusive,
marcar o tempo – por exemplo: 1 minuto – e permitir a consulta ao dicionário para
encontrar a resposta, em caso de dúvida.
Entendemos que esses momentos lúdicos favorecerão a aprendizagem, o gosto
pelo estudo da disciplina, bem como o desenvolvimento de atitudes solidárias entre os
alunos.

81
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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4) Trilha – caminhos da ortografia: Construir, com os erros identificados nos textos


dos alunos (coluna da esquerda), uma trilha numerada, que pode ter, por exemplo, 30
casas. Os próprios alunos poderão construir as trilhas – com casas de premiação e avanço,
que poderão ter perguntas bem simples, aproveitando alguns dos conteúdos vistos pela
turma.
Por exemplo: “Diga uma palavra com o sufixo -OSO” – Acertou? Avance duas
casas. Outro exemplo: “Diga uma palavra que contenha o sufixo -ÍSSIMO e indique o
valor deste sufixo”. Acertou? Avance três casas (já que aqui o acerto foi para duas
perguntas conjugadas em uma só.). Se cair em determinadas casas, haverá retenção. Por
exemplo: fique uma rodada sem jogar. Se cair em outras casas, pode-se pedir que
responda a uma pergunta contida em um baralho. Na casa da trilha, haverá uma
interrogação indicando que é hora de responder à pergunta, que pode ser a que se segue.

Qual é a forma correta?


Eu quero crecer na vida!
OU
Eu quero crescer na vida!

Acertando, após ter jogado os dados, o aluno avançará o número de casas. Se perder,
passa a vez ao oponente.

6) Criando jogos eletrônicos: como os alunos do ensino médio são geralmente curiosos
e normalmente sabem utilizar mídias sociais para seu entretenimento, o(a) professor(a)
poderá utilizar a tecnologia a favor da aprendizagem da ortografia. Diante da tabela de
erros construída a partir dos problemas detectados – impressa e distribuída para cada
grupo (com 4 ou 5 alunos), pode-se propor que eles desenvolvam um jogo eletrônico que
envolva, por exemplo, 10 daquelas dificuldades encontradas nos textos. A vantagem
desse expediente é que os alunos têm a oportunidade de não se fixarem nos erros (coluna
da esquerda), mas nas explicações apresentadas, otimizando sua aprendizagem.
As possibilidades são inúmeras. Com essas sugestões, porém, pretendemos
mostrar que o trabalho com a ortografia, embora feito de forma sistemática, também pode
contar com a ludicidade e deve buscar a adesão dos alunos para a construção de sua
autonomia na escrita. Para isso, são essenciais os momentos em que, a partir de estudo
em materiais de consulta (dicionários e gramáticas), eles próprios poderão construir os
jogos, em parceria com o(a) professor(a).

7) Jogo de dominós: O professor pode eleger uma dada dificuldade encontrada nos textos
dos alunos. A título de exemplo, selecionamos a dificuldade de grafar o som /S/ e criamos

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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as peças do dominó. Nas peças abaixo, podemos verificar que a parte de cima de cada
peça encaixa-se na parte de baixo da peça anterior.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste texto, apresentamos um arcabouço teórico que teve o objetivo de discutir o


processo de aprendizagem da escrita, como subsídio para compreender o ensino de um
conteúdo posterior à alfabetização propriamente dita, porém muito relevante e valorizado
socialmente: a ortografia. Para tanto, apoiamo-nos em Oliveira (2006), Morais (2009) e
Bortoni-Ricardo (2005). Com base no aporte teórico, realizamos análises de 114 textos
produzidos por alunos do ensino médio de uma escola estadual de Belo Horizonte.
Todo esse percurso foi realizado com o objetivo de verificarmos qual é a natureza
dos erros de grafia apresentados nos textos produzidos pelos alunos da escola pesquisada.
Verificamos que os erros ortográficos nem sempre são os maiores vilões da produção
textual: há textos que apresentam muitos erros de grafia e que são dotados de
informatividade; em oposição, há textos que não apresentam erros de grafia, mas não têm
argumentação interessante e, por vezes, não têm coerência. Portanto, salientamos que o
trabalho com a ortografia é um dos aspectos a ser desenvolvido com os alunos. Há outros,
talvez mais importantes, como a organização das informações e a elaboração de um texto
dentro dos expedientes previstos para um determinado gênero textual.
Verificamos ainda que a maior parte dos equívocos de grafia apresentados nos
textos dos alunos não são erros primários, ou seja, aqueles que são bem recorrentes em
textos de crianças em fase inicial de alfabetização. Antes, o tipo de grafia desviante que
mais ficou saliente nos textos analisados é decorrente da influência do dialeto do aprendiz.
Talvez aí esteja uma forte marca de identidade social evidenciada por parte desse grupo
de alunos, sobretudo se considerarmos sua faixa etária (e, possivelmente, até o fato de o
tema que estava sendo discutindo, na produção analisada, ser: “o que é adolescer, se isso
provoca dores, o que isso traz de desafios e conquistas?”, etc.).
Acreditamos firmemente que o professor deve ser capaz de verificar a natureza
dos equívocos de grafia apresentados e ser sensível à busca de uma melhor metodologia
para trabalhar as habilidades ortográficas com seus alunos. Com base na análise dos
equívocos de grafia verificados nos textos dos alunos, apresentamos algumas sugestões
de atividades lúdicas, buscando incentivar práticas pedagógicas que visem ao
desenvolvimento do conhecimento ortográfico sem que isso se transforme em algo
assustador ou desmotivador. Para isso, salientamos que o objetivo de trabalhar de forma
sistemática a ortografia pressupõe que se promova a discussão com os alunos das
(ir)regularidades ortográficas e, quando possível, levar à (re)construção de regras,
despertando-lhes o interesse pela capacidade de se comunicarem de uma maneira correta,
em situações que exijam isso – sem fortalecer a falsa crença de que as normas da
modalidade culta (da ortografia lexical e gramatical) sejam panaceia a ser aplicada
indiscriminadamente para todas as situações.
Não basta ao aluno conhecer, analisar e pensar as regras ortográficas, mas,
sobretudo, desejar usá-las corretamente em práticas de linguagem escrita no seu
cotidiano. Para tanto, é crucial desenvolver nele o senso de que escrever é reescrever e

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Arabie Bezri Hermont e Ev’Ângela Batista Rodrigues de Barros
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revisar, buscando aperfeiçoar sua escrita, através das descobertas feitas sobre as
convenções ortográficas (e outras, como estilo, configuração dos gêneros textuais, etc.).
Torna-se, portanto, urgente a focalização, por parte dos educadores, da sistematização das
regras ortográficas para os alunos da educação básica não como forma de apresentar texto
“higienizado”, mas como um dos aspectos importantes para a consecução de fatores
relevantes da textualidade – como a clareza, a coesão, a coerência.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Referências

ANTUNES, Irandé. Avaliação da produção textual no ensino médio. In: BUNZEN,


Clécio; MENDONÇA, Márcia (Org.). Português no Ensino Médio e formação de
professor. São Paulo: Parábola, 2007. p. 163-180.
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação
linguística. São Paulo: Parábola, 2007.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nós cheguemu na escola, e agora?
Sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2005.
COSTA VAL, Maria da Graça et al. Avaliação do texto escolar: Professor-leitor/
Aluno-autor. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre,
RS: Artmed, 1999.
FRANCHI, Eglê. A redação na escola. E as crianças eram difíceis... São Paulo: Martins
Fontes, 1984.
JESUS, Conceição Aparecida de. Reescrevendo o texto: a higienização da escrita. In:
GERALDI, João Wanderley; CITELLI, Beatriz (Org.). Aprender e ensinar com textos
de alunos. São Paulo: Cortez, 1997, p. 99-117.
MORAIS, Artur Gomes de. Ortografia: ensinar e aprender. 5. ed. São Paulo: Ática, 2009.
OLIVEIRA, Marco Antônio de. Conhecimento linguístico e apropriação do sistema
de escrita. Belo Horizonte: CEALE, 2006.
RUIZ, Eliana. A correção (o turno do professor): uma leitura. In: Como se corrige
redação na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001.
SILVA, E. M. et. al. Leitura, produção de texto e análise linguística: articular para melhor
avaliar. In: CARVALHO, Maria Helena Costa; UYTDENBROEK, Xavier (Org.).
Avaliar com os pés no chão da escola: reconstruindo a prática pedagógica no ensino
fundamental. Recife, PE: Editora da UFPE, 2000. p. 75-117.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares: das práticas de
linguagem aos objetos de ensino. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim (Org.).
Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado das Letras, 2004.

86
Alunos e professora conectados: o Twitter como possibilidade de
recurso de ensino

Alice Botelho Duarte

MOTIVAÇÃO DA PESQUISA E METODOLOGIA

A motivação para a realização desta pesquisa foi a busca pelo entendimento de


dois conflitos que caracterizam a dinâmica do cotidiano das salas de aula da escola 1 foco
deste estudo. O primeiro, mais geral e abrangente, refere-se à organização escolar –
estendendo-se a todas as disciplinas – e inclui as regras de funcionamento da instituição,
sendo que uma delas consiste na proibição do uso do celular na sala de aula.2 No entanto,
essa regra não é cumprida pelos alunos. Ao adentrar em campo, percebi, especificamente
nas aulas de Língua Portuguesa (as quais foram observadas por mim em três turmas do
3° ano do EM), que os estudantes têm o hábito de levar para a escola o celular e outros
aparatos eletrônicos, como tablets, e os utilizar em sala de aula.
O segundo diz respeito à prática docente e ocorre na interação entre professor e
aluno em sala de aula. Por um lado, as vozes dos docentes atuantes na escola evidenciam
o desvio da atenção dos alunos em relação ao processo de ensino/aprendizagem e a
concentração deles no acesso à internet, redes sociais, jogos, trocas de mensagens entre
os colegas etc. Por outro lado, a literatura e a pesquisa lamentam a ausência de formação
docente que explore essas ferramentas e invista nessas interações protagonizadas pelos
jovens.
Nesse contexto, concordo com Gregolin (2009), para quem não há como negar
que uma educação que transcende os muros da sala de aula e se abre para as linguagens
e as práticas do mundo moderno se torna, necessariamente, mais complexa e menos
transparente. Analisar essa complexidade pelos conflitos apontados e vivenciados pela
escola foco deste estudo me permite relembrar que, desde o fim da década de 1970, a
organização das salas de aula e a definição dos papéis de professor e de aluno vem
sofrendo algumas modificações em função da introdução de novas tecnologias digitais.
Com isso, surgiram preocupações em como utilizar esses recursos de maneira mais
eficiente no contexto escolar.

1
É importante destacar que esses conflitos, embora marquem a escola foco deste estudo, também se estende
a diversas instituições de ensino do país.
2
A Lei n° 14.486, de 9 de dezembro de 2002, do Estado de Minas Gerais, determina: “fica proibida a
conversação em telefone celular e o uso de dispositivo sonoro do aparelho em salas de aula, teatros,
cinemas e igrejas.” (MINAS GERAIS, 2002). Vale dizer que, no momento da matrícula do aluno na
escola foco deste estudo, os pais e/ou responsáveis assinam um termo de responsabilidade e
acompanhamento escolar em que se comprometem a zelar pelo cumprimento das normas da escola, sendo
responsáveis por acompanhar a conduta e o desempenho escolar dos filhos. Uma dessas normas diz
respeito ao uso do celular em sala de aula e estabelece que o aluno que a descumprir receberá sanções
previstas no Regimento Escolar. No termo, consta ainda que a escola não se responsabiliza por qualquer
dano causado aos celulares dos alunos.
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Assim, parece-me pertinente a posição de Leal (2007), que assinala que, ao


pensarmos na educação, deparamo-nos constantemente com profissionais que não se
sentem preparados para enfrentar essas modificações e que, por isso, sentem dificuldades
para mudar seu plano de aula, sua metodologia e, inclusive, seu instrumento de trabalho.
Dessa forma, o trabalho com as novas tecnologias é visto como um desafio para grande
parte dos professores.
Refletindo por esse âmbito e tendo por meta desenvolver meu estudo na direção
em que me propus compreendê-lo, elaborei, então, uma proposta de intervenção que
considerou a possibilidade de alunos, professor regente e professora-pesquisadora
atuarem em colaboração com esta pesquisa e com a proposta de intervenção – que se
voltou para a proposição de atividades via Twitter –, de forma que os alunos pudessem
utilizar seus aparatos tecnológicos para a realização das atividades. Assim, o que
denomino intervenção na sala de aula consistiu na realização dessas atividades realizadas
via Twitter. Essas atividades eram uma extensão das aulas de Língua Portuguesa, para
que, juntos, nos apropriássemos do fenômeno da cibercultura e construíssemos novas
estratégias para abarcarmos também as manifestações culturais que circulam na internet
e na rede social Twitter, em busca da extensão das atividades da sala de aula convencional
para essa rede social.
Com a proposta de intervenção almejada, contei com o apoio da escola foco deste
estudo e com os diversos recursos tecnológicos de que ela dispõe, como a sala de
professores, que conta com computadores e acesso à internet; a sala de multimeios; a
biblioteca em rede; o laboratório de informática, com acesso à internet; além de
data-show e computador portátil (notebook), o que concorreu para facilitar este estudo.
Para a realização da intervenção, utilizei como procedimento metodológico a
etnografia virtual, de Hine (2005), ou a netnografia, de Kozinets (1998), uma nova
metodologia qualitativa que permite o estudo de culturas e comunidades que emergem a
partir da comunicação mediada pelo computador. Vale ressaltar que a etnografia virtual
não é o avanço de um novo método para substituir um antigo, e sim, uma forma de
articular tanto os pressupostos nos quais a etnografia3 é baseada quanto as características
que são consideradas especiais no que diz respeito às tecnologias envolvidas (HINE,
2005). São estudos recentes que buscam um caminho para orientar a pesquisa e a
observação da comunicação realizada no ciberespaço.
Para Hine (2005), com o aumento do número de usuários e da complexidade das
relações de comunicação, o ciberespaço tornou-se um ambiente privilegiado para a
pesquisa. Considerando-se que o universo online pode ser definido como um contexto e
um artefato cultural, a etnografia pode ser aplicada a ele, uma vez que esse é um método
para se entender a cultura (HINE, 2005).

3
Originariamente, o estudo etnográfico desenvolveu-se na Antropologia e expandiu-se para a área da
educação, especialmente com os estudos de Erickson (1984; 1986) e sua etnografia escolar, cujo objetivo
era descrever a cultura escolar. Lüdke e André (1986) explicam que, desde então, a aplicação de métodos
de origem etnográfica tem permitido que muitos pesquisadores e educadores compreendam a dinâmica
das relações sociais existentes no ambiente escolar.

88
Alice Botelho Duarte
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Kozinets (2010) apresenta diversas definições de cultura e adota a concepção


antropológica de Geertz (1989), para quem pensar sobre a cultura é pensar sobre o
contexto de significação. As manifestações linguísticas e as manifestações semióticas são
as mais densas manifestações culturais dos espaços virtuais. A partir dessa prática
metodológica e considerando os objetivos deste estudo, optei por observar o universo das
redes sociais online – especificamente, o Twitter4 – em práticas envolvendo um grupo de
alunos (três turmas do 3° ano do EM na disciplina de Língua Portuguesa). Essa rede social
foi proposta como uma forma de interagir com os jovens estudantes, visto que eles são
atraídos pelas redes sociais (como apontam recentes pesquisas e o questionário5 aplicado
aos alunos aqui focalizados).
A partir do problema inicial que me levou ao campo de pesquisa – o uso
indiscriminado de aparelhos eletrônicos pelos alunos na sala de aula –, a intervenção
caracterizou-se por atividades complementares às aulas de Língua Portuguesa, utilizando
como suporte a rede social em foco. As atividades – as quais abordavam os conteúdos do
programa de ensino da professora regente de língua portuguesa – foram propostas como
extensão, sondagem, pesquisa e reforço aos conteúdos/assuntos trabalhados em sala de
aula convencional e, depois, expandidos via Twitter.
Essa imersão no campo proporcionada pela etnografia educacional me permitiu
abrir caminhos para compartilhar e interagir com os alunos no espaço virtual,
especificamente no Twitter. Nesse âmbito, a etnografia virtual se mostrou interessante,
porque auxilia o pesquisador a ser “testemunha de um mundo que também se desenrola
no ciberespaço.” (ROCHA; MONTARDO, 2005, p. 10).
À luz dessas considerações, a investigação aqui apresentada teve como um de seus
objetivos a inserção da professora-pesquisadora em um cenário escolar para que ela
pudesse, a partir do que fosse analisado, refletir sobre o processo de ensino/aprendizagem
de Língua Portuguesa, ampliando e incluindo nesse cenário de aprendizagem as TICs6 e
os usos das novas práticas de linguagem oriundos dessas tecnologias. Enfim, o presente
trabalho investigativo desenvolve-se em conformidade com os princípios que
fundamentam o paradigma da pesquisa qualitativa, mais especificamente, das pesquisas
do tipo etnográfico.

4
O Twitter é uma rede social baseada no conceito de microblog, ou seja, é uma forma de blog que permite
aos usuários fazer atualizações breves de imagens e textos e publicá-las para que sejam vistas pelos
demais usuários em sua timeline.
5
Mais informações sobre o questionário poderão ser obtidas na referida tese de doutorado.
6
TIC – Tecnologias da Informação e da Comunicação.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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A INTERAÇÃO NO ÂMBITO DESTE ESTUDO: EMBASAMENTO TEÓRICO

O enquadramento teórico mais geral em que se inscrevem as reflexões relativas


ao termo interação aqui desenvolvidas segue as orientações propostas pela teoria
dialógica da linguagem, cujo referencial encontro base nos estudos de Bakhtin (2000),
Volochínov (2006), Matencio (2001) e Coracini (1995; 2005).
Ao apresentar os aspectos da interação entre os alunos e a professora-pesquisadora
via Twitter, estou operando com um conceito de interação que pode ser entendido como
um processo de cooperação (CORACINI, 2005), ou seja, como uma ação empenhada em
conjunto pelos participantes da pesquisa – pela PRLP,7 pela professora-pesquisadora e
pelos alunos – que concorreu para o processo de ensino/aprendizagem construído nesses
dois espaços enunciativos: a sala de aula convencional e o Twitter (rede social). Nesse
sentido, também opero com uma visão sociointeracionista8 da aprendizagem, em que se
reconhece a aprendizagem a partir da interação com o outro, o que, segundo Coracini
(2005, p. 201), é uma verdade que não deve ser questionada, principalmente se
reconhecemos que “esse outro poderá ser um livro, um filme, uma música, um amigo, um
professor...”. No caso desta pesquisa, estendo esse outro também ao artefato Twitter, pois
foi através dele que as interações entre a professora-pesquisadora e os alunos se
consolidaram. Noutros termos, no âmbito deste trabalho, temos uma interação entre dois
ou mais interlocutores no Twitter, que, ao se apropriarem da língua(gem), tinham como
objetivo estabelecer a comunicação.
A partir dessa compreensão, a noção de interação me forneceu um recorte teórico
para a análise adotada neste trabalho. Assim, com base na concepção de interação verbal
presente na teoria de Volochínov (2006), que parte de uma compreensão dialógica da
linguagem, poderão ser analisados os mecanismos pelos quais os sujeitos interagem em
suas relações sociais. Em outras palavras, coube uma reflexão teórica sobre as interações
verbais no sentido empregado por Volochínov (2006), ou seja, como um fenômeno social
que constitui fundamentalmente a língua, realizado por meio de enunciações. Nessa
perspectiva, as interações ocorridas no Twitter devem ser tratadas como interações
discursivas (VOLOCHÍNOV, 2006), visto que elas são constituintes do processo de
construção de significados ou entendimento (VOLOCHÍNOV, 2006), que é visto como
uma negociação de novos significados num espaço comunicativo.
Destaco que o Twitter, enquanto rede social, é um espaço comunicativo profícuo
de interações verbais, na medida em que nele se desenvolve a comunicação interativa –
através dos tuítes, retuítes, links, textos verbais e não verbais que seus participantes
compartilham nesse espaço virtual –, frequentemente atravessada pelas palavras do outro,

7
PRLP: Professora regente de língua portuguesa.
8
É sabido que a perspectiva sociointeracionista atua guiando diversos estudos para integrar a análise da
conversação ao contexto da interação social voltado ao contexto das situações de fala em sala de aula
presencial. Justifico isso para mostrar que essa perspectiva pode ser estendida para a comunicação virtual
e, no caso desta pesquisa, para o Twitter.

90
Alice Botelho Duarte
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resgatando-se, assim, vozes sociais, conhecimentos de mundo, experiências, imagens etc.


Essa interação verbal, dentro da concepção bakhtiniana, denota uma construção conjunta
da realidade, atestando que nenhum dos discursos é inédito e produzido apenas por um
falante, mas que há uma produção coletiva de saberes e práticas.
No âmbito desta pesquisa, ao trazer o uso do Twitter como recurso de ensino para
as aulas de Língua Portuguesa, tornou-se necessário compreender as interações entre a
professora-pesquisadora e os alunos nesse ambiente. O Twitter, ao funcionar como um
espaço de interação, propiciou o desenvolvimento de competências intrínsecas ao
processo de ensino/aprendizagem da sala de aula convencional. Isso interferiu na ação
educativa de tal modo que a extensão das temáticas da sala de aula convencional para
essa rede possibilitou a realização das atividades de forma colaborativa, de modo que os
papéis desempenhados pela professora-pesquisadora e pelos alunos puderam ser
redimensionados para privilegiar a interação. Como se verá nas análises, nessas
interações, os papéis sociais ocupados pela professora-pesquisadora e pelos alunos na
construção do processo ensino/aprendizagem dependeram, em larga medida, da forma
como se desenvolveram as ações entre eles.
Para complementar essa discussão, ressalto os estudos desenvolvidos por
Matencio (2001) sobre as interações didático-discursivas realizadas em sala de aula por
professores de língua materna, que me forneceram subsídios importantes – a partir das
noções de lugares, papéis sociais, intervenções e ações didático-discursivas do professor
e do aluno – para analisar a interação estabelecida no Twitter entre a
professora-pesquisadora e os alunos.
Matencio (2001) pontua que a análise das operações didático-discursivas do
professor e do aluno traz informações sobre o gerenciamento da interlocução em relação
à construção do objeto de ensino/aprendizagem ou às funções e lugares dos interlocutores.
Logo, uma análise que contemple a identificação dos segmentos constituintes de uma
intervenção deve procurar entender como eles funcionam para a estruturação do evento
de interação. De acordo com a autora, para que se segmente uma intervenção em
operações didático-discursivas, é preciso uma identificação da coerência tópica e acional
de seus segmentos constituintes.

Esse tipo de análise articula as unidades monologais às unidades dialogais,


esboçando o processo de estruturação do evento de interação, procurando
verificar como o falante vai focalizando diferentes objetos discursivos em
função de sua percepção do que está ocorrendo no evento. É assim que essa
análise pode orientar a compreensão das razões pelas quais uma mesma
intervenção contém segmentos que visam dar início a uma tarefa e finalizar
outra, ou segmentos nos quais o interlocutor que detém a palavra estabelece a
interlocução com diferentes interlocutores (MATENCIO, 2001, p. 138).

A vantagem dessa proposta, segundo a autora, é a possibilidade de estudar as


unidades discursivas monologais mínimas como

[...] operações capazes de representar ao mesmo tempo a dimensão discursiva


– vinculada à assunção de papéis e lugares pelos interlocutores, portanto,
primitivamente ações de informação, de demanda ou de avaliação – e a

91
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

dimensão didática da intervenção – os modos de referenciação ao objeto de


ensino/aprendizagem (MATENCIO, 2001, p. 134-135, grifos da autora).

As operações didático-discursivas realizadas em sala de aula elencadas por


Matencio (2001) foram relacionadas às funções do professor sugeridas por Dabène
(1984), as quais são: informador, animador e avaliador. Tais operações foram
segmentadas em três categorias segundo sua função: de natureza informativa, em que se
encontram as ações de indicação, de informação ou de reiteração; de natureza incitadora,
com as ações de demanda e redemanda; e de natureza apreciativa, relativa às ações de
avaliação ou de ratificação (MATENCIO, 2001). Já a representação tipológica das
operações discursivas dos alunos é baseada nas funções cardinais do professor sugeridas
por Dabène, pois, segundo Matencio (2001, p. 150), “os alunos realizariam suas
intervenções em função daquelas formuladas pelo professor”. A autora ressalta que
constantemente as intervenções dos alunos têm sua força argumentativa menos evidente
que as do professor e, consequentemente, um potencial também menor. Em função disso,
os alunos não utilizam com frequência intervenções de natureza informativa, de incitação
ou de avaliação. Sendo assim, as intervenções dos alunos são orientadas para uma
“indicação em relação às informações e demandas do professor (suas respostas), [...] uma
solicitação de informações (suas perguntas) ou uma sugestão (suas apreciações com
relação ao que é dito/estudado)” (MATENCIO, 2001, p. 150-151, grifos da autora).
Nesse processo, é importante considerar ainda os papéis e lugares definidos para
os professores e alunos, sendo que

[...] estes últimos devem responder às demandas do professor, questioná-lo e


apontar-lhe suas dificuldades; ou seja, devem indicar ao professor o que sabem
e o que não sabem, solicitar que o professor ensine o que eles têm necessidade
de saber e sugerir a pertinência das ações didático-discursivas do professor em
relação à compreensão que eles tenham dessas ações (MATENCIO, 2001, p.
152).

Em função da compreensão das ações didático-discursivas do professor é que se


define a ação discursiva dos alunos, que pode ser “unicamente informativa,
informativo-incitadora ou, então, informativo-apreciativa”, pois eles estão
constantemente “informando ao professor o que sabem e o que querem saber, o que
entenderam ou deixaram de entender, o que querem ou não fazer” (MATENCIO, 2001,
p. 152).
No âmbito desta pesquisa, entender as ações didático-discursivas da
professora-pesquisadora e as ações discursivas dos alunos, bem como seus papéis sociais,
que são, pela perspectiva de Matencio (2001), inerentes ao gênero aula, permite a
compreensão de como eles interagiram em um espaço enunciativo diferente do tradicional
(da sala de aula) – o Twitter –, mas ligado a ele, e de como essas ações podem ser
favoráveis ao processo de ensino/aprendizagem, tendo em vista a configuração da
organização social da interação, isto é, “o estabelecimento de lugares e papéis para os
interlocutores –, enfim, a co-construção de sentidos na interação” (MATENCIO, 2001,
p. 174, grifos da autora). Assim, é possível também investigar a organização acadêmica,

92
Alice Botelho Duarte
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ou seja, “a referenciação dos objetos discursivos de ensino/aprendizagem.”


(MATENCIO, 2001, p. 174).
Nessa organização da interação, Matencio (2001) procurou indicar algumas
estratégias discursivas importantes para o estudo da aula. Retomar essas estratégias é de
meu interesse, pois elas me permitiram articular as dimensões discursiva e didática das
interações entre a professora-pesquisadora e os alunos no Twitter. Em outras palavras, as
atividades direcionadas via Twitter manifestaram diferentes estratégias discursivas da
professora-pesquisadora e dos alunos.
Assim, as reflexões apresentadas servirão como conceitos operativos para a seção
de análise, de maneira que a compreensão desses aspectos pode ajudar a explicar: a) como
o Twitter como recurso de ensino/aprendizagem pode ou não flexibilizar e ampliar os
modos de participação e as interações entre professor/aluno marcados por padrões
tradicionais de sala de aula; e b) quais são as potencialidades e as possíveis limitações do
uso dessa ferramenta como recurso de ensino, tendo em vista sua relação com propostas
que se aproximam dos novos modos de construir significados constitutivos dos
letramentos atuais, vivenciados pelos estudantes fora da escola (MOITA LOPES, 2012).

AS AÇÕES, PAPÉIS E ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DOS ALUNOS E DA


PROFESSORA/PESQUISADORA NO TWITTER

O recorte que fiz do corpus, com a finalidade de observar as ações


didático-discursivas dos alunos e da professora-pesquisadora, bem como suas estratégias
discursivas que focalizam seus papéis sociais, constitui-se essencialmente de um conjunto
de tuítes postados no Twitter pelos alunos e pela professora-pesquisadora sobre os
tópicos: intertextualidade, gêneros textuais e tipologias, propostos como atividades
estendidas da sala de aula (tradicional) para essa rede, a fim de mostrar os mecanismos
de gerenciamento dessas interações em relação à construção do processo de
ensino/aprendizagem no Twitter.
É importante destacar que estou tomando aqui essas atividades como uma das
etapas instrumentais de uma aula tradicional estendida para outro espaço enunciativo: o
Twitter. Disso decorre a importância de se considerar nessas análises as finalidades e
objetivos dessas atividades, que interferem e propiciam diferentes modos de interagir
entre a professora-pesquisadora e os alunos, e as funcionalidades do suporte Twitter que
possibilitam a realização dessas atividades. Em outras palavras, embora essas atividades
se confundem com atividades clássicas de uma aula tradicional, elas ganham
especificidades ao serem realizadas no Twitter.
Cabe-me ainda ressaltar que as ações didático-discursivas dos alunos e as ações
didático-discursivas da professora-pesquisadora muitas vezes se engendram, por isso as
analiso conjuntamente. Outro fator que precisa ser destacado é que os exemplos que serão
apresentados estão representando parte das ocorrências do corpus.

93
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Para início dessa análise, é importante destacar que os recortes 9 1 e 5, que


compõem parte da atividade de pesquisa que envolveu o tópico intertextualidade. Nessa
atividade, foi solicitado aos alunos que pesquisassem na internet e em outras páginas do
Twitter o assunto intertextualidade: estratégias (citação, epígrafe, alusão, referência,
paráfrase, paródia). Em seguida, foi pedido a eles que postassem no Twitter links para
textos, imagens e vídeos que reforçassem o tópico sugerido. Os alunos podiam também
conceituar o tópico e trocar ideias com os colegas e com a professora-pesquisadora
através do Twitter.
Os recortes 2 e 3 são referentes a uma atividade em que se pediu aos alunos que
pesquisassem na internet o assunto gêneros textuais e tipologias e postassem no Twitter
em formato de um ou mais tuítes, comentários, links de textos, vídeos e imagens sobre o
assunto. E o recorte 4 consistiu no seguinte: Os alunos deveriam criar uma manchete para
o vídeo “Os melhores do mundo. Um teatro cômico sobre o uso correto da língua
portuguesa em situação comunicativa” utilizando o suporte Twitter. E deveriam fazê-la
como se fossem enviá-la para um jornal online de grande circulação.
Vejamos o primeiro recorte que traz uma operação didático-discursiva de natureza
incitadora com a ação de perguntar:

Recorte 1 – Pergunta

A1-T1

9
As letras utilizadas na primeira coluna do quadro dos referidos recortes foram uma forma que utilizei
para simplificar as palavras. Elas significam: “A” = aluno, “P” = professora-pesquisadora, “T” = tuíte.
O número na frente da letra “A” foi colocado para organizar os envolvidos na interação, ou seja, aluno
1, aluno 2; e o número na frente da letra “T” refere-se à ordem do tuíte disposto nas postagens.

94
Alice Botelho Duarte
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P-T2

A1-T3

A2-T4

P-T5

A2-T6

A1-T7

Fonte: Dados da pesquisa.

Nesse recorte, o aluno, através de uma operação discursiva de natureza incitadora,


solicita diretamente à professora-pesquisadora uma resposta para a pergunta: “essas
imagens seriam além de intertextualidade uma metalinguagem?”. Nota-se que, junto à
sua pergunta, o aluno traz um link – como forma de exemplificar sua dúvida –, por meio
do qual é possível à professora-pesquisadora visualizar as pinturas sobre as quais ele
demonstra dúvida.
Devemos considerar que essa pergunta do aluno engendra um processo complexo
de semiotização. Nas palavras de Adami (2011, p. 28), “o mesmo artefacto desloca
gêneros, é reaproveitado e é dado um novo significado apenas em virtude da sua nova
relação com o novo contexto”, isso porque o par pergunta/resposta representa esse novo
significado das “imagens”, sobre o qual está alicerçada a interação entre professor e aluno.
A pergunta surge como uma estratégia, um processo metalinguístico para se colocar em
prática esse novo significado das pinturas. Ao endereçar sua pergunta à
professora-pesquisadora, o aluno traz outras “vozes” (pinturas) ao seu questionamento,
criando espaços para outras ideias, respostas, compartilhamentos, entre outros. Além
disso, em sua pergunta, o aluno apresenta indícios de que domina o assunto tratado e
formula sua pergunta sustentada por uma resposta coerente com relação à própria dúvida.
Disso decorre que, ao interpelar a professora-pesquisadora, o aluno o faz com o
sentido de afirmar e/ou confirmar algo. A pergunta do aluno, na verdade, não é uma mera
pergunta, mas uma reflexão metalinguística, principalmente porque ele faz uma
comparação entre duas pinturas. Logo, as estratégias discursivas desse aluno se

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

sobrepõem e se confundem, pois ele, na construção coletiva do conhecimento, solicita um


esclarecimento. Ao mesmo tempo, entretanto, esse aluno suscita questões, o que o coloca
na posição de um sujeito dotado de autonomia para a construção de um conhecimento
coletivo.
Verifica-se, no recorte 1, que a professora-pesquisadora interage com o aluno a
respeito da “dúvida” levantada, a fim de deixar a dificuldade sanada. Diante da dúvida
levantada pelo aluno, a professora-pesquisadora se propõe a ajudar. Ela inicia sua resposta
com o marcador discursivo “Sim”, o que denota uma ação de ratificação dela à dúvida do
aluno e aos exemplos trazidos por ele.
No tuíte 3, seguinte, o aluno, ao escrever “Ok Lembrarei disso!”, ratifica a
resposta da professora-pesquisadora (tuíte 2), ou seja, a resposta dela parece ter produzido
o efeito esperado pelo aluno sobre o fato de as pinturas serem também uma
metalinguagem, ou seja, “o artista (pintor) ‘fala’ da própria arte”. Essa ratificação do
aluno funciona também – como já assinalado no recorte 36 – como um feedback em
resposta ao tuíte da professora-pesquisadora.
Tendo em vista a natureza do recurso tecnológico em questão, é importante
destacar que a professora-pesquisadora não é a única que pode atuar mediando o processo
de construção do conhecimento. Um exemplo disso é a manifestação de outro aluno (tuíte
4), que entendeu que o aluno do tuíte 1 tinha dúvidas sobre o assunto
(intertextualidade/metalinguagem), o que o fez interagir, a partir de uma compreensão
responsiva ativa, com a professora-pesquisadora e com aluno que fez a pergunta,
posicionando-se sobre ela. Sua resposta é iniciada por um marcador discursivo de direção,
“Olha...”, seguido por um link com uma sugestão de um site, a fim de colaborar para o
esclarecimento da dúvida do colega. O uso do imperativo pelo aluno parece lembrar uma
ação que geralmente é realizada pelo professor: “Olha”. Em seguida, o aluno age
autonomamente ao enviar um link de um site, que, em sua opinião, poderia ajudar a
esclarecer a dúvida do colega. Esse tuíte (4) expressa não só a vontade do aluno de
contribuir para a compreensão do colega, como também o fato de que ele se sente à
vontade para responder a um questionamento direcionado à professora-pesquisadora.
Vale destacar também que, ao procurar ajudar o colega a esclarecer sua dúvida,
indicando-lhe um site, o aluno o faz com base em sua própria compreensão sobre o
assunto, o que indica que ele já havia pesquisado sobre a temática – é por isso que sua
contribuição é subsidiada por uma indicação de um site. Essa contribuição do colega, a
meu ver, funcionou também como um importante recurso pedagógico.
Observa-se nitidamente nesse caso – assim como em vários outros momentos da
experiência vivida na pesquisa – a troca de lugares e de papéis (o papel social de aluno
para o de professor): o aluno indica (via Twitter) um site que, segundo ele, poderia
esclarecer a dúvida do colega, o que normalmente é um papel comunicativo do professor
(o de esclarecer a dúvida de um aluno), papel este que passa a ser praticado, naquele
momento, pelo aluno. Para isso, ele pesquisa e seleciona um site, exemplifica e retoma
conceitos previamente abordados sobre o tópico. Vejo que essa troca promove a
emergência de traços de didaticidade nas intervenções dos participantes, o que
possivelmente gerou a compreensão do aluno (tuíte 4) sobre o assunto proposto, bem

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Alice Botelho Duarte
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como sua iniciativa de ajudar o colega no esclarecimento de sua dúvida. Há, portanto,
como denuncia o exemplo, a preocupação do aluno em registrar uma participação que
extrapola o comando da atividade, atuando de forma colaborativa no processo de
aprendizagem do colega. Observa-se ainda que essa intervenção do aluno do tuíte 4
também suscita, da parte da professora-pesquisadora e do aluno do tuíte 1, uma solicitação
de resposta, já que o tuíte 4 foi direcionado a eles.
Na sequência, no tuíte 5, a professora, por meio de uma ação de ratificação (“muito
bom!”), responde ao aluno quanto à sua indicação do site. Veja que a
professora-pesquisadora elogia o site sugerido pelo aluno, deixando-o mais confortável e
confiante para postar e interagir, o que é confirmado através da própria contribuição do
aluno no tuíte 4.
No tuíte 7, a contribuição do aluno do tuíte 4 é reconhecida como algo que
provavelmente foi importante para o aluno do tuíte 1, que lançou inicialmente a questão,
uma vez que este fez um agradecimento e/ou deu um feedback ao aluno que contribuiu
com a indicação do site, compartilhando-a com os colegas em rede: “super indico,
gente!”.
Outro aspecto a ser observado nesse recorte (1) e que, é claro, está ligado à
tecnologia em uso, é que o aluno não precisa esperar as regras de tomada e entrega de
turno, como nas conversações tradicionais de sala de aula, para fazer uma pergunta. Com
isso, os alunos têm um papel mais ativo na condução da interação, o que acredito estar
relacionado ao redimensionamento da posição da professora-pesquisadora, uma vez que
ela não parece ser tomada como eixo central de condução do evento interacional e único
detentor do conhecimento.
O recorte 2, abaixo, também nos permite perceber esse papel mais ativo e mais
autônomo do aluno ao conduzir sua interação, assim como o recorte 3, a seguir, que, do
mesmo modo, busca validar essa maior autonomia e também a coconstrução de
conhecimentos e a colaboração. Veja-se o recorte 2:

Recorte 2 – Indicação e avaliação

A1-T1

A1-T2

Fonte: Dados da pesquisa.

No tuíte 1, o aluno utiliza uma estratégia de retomada da proposta da atividade:


“Pesquisando sobre gêneros e tipologias textuais”. Essa retomada pode ser considerada
como metacomunicativa, pois ela incide diretamente sobre o comando da atividade. A

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

análise do segmento metacomunicativo é importante, porque indica uma tentativa de


enquadre da própria atividade. Além disso, deve-se perceber os efeitos do segmento
metacomunicativo para a estruturação do evento didático. Nesse caso, o aluno ocupa o
lugar de informador, função esta que caberia ao professor. Assim, ele contribui para a
organização da atividade (MATENCIO, 2001). Nas interações via Twitter, essas
estratégias de retomada são uma forma de situar os seguidores no contexto enunciativo,
tendo em vista que as interações postadas não obedecem a uma ordem, e sim, a uma
cronologia de acordo com o que vai sendo postado pelos demais participantes. Em virtude
disso, os movimentos de retomada são importantes para que os seguidores estejam sempre
situados em relação ao desenvolvimento e andamento da discussão como um todo,
embora eles sejam dispensáveis, pois, ainda que os tuítes tragam elementos novos em
cada postagem, eles estão de alguma forma conectados (mesmo que isso não seja
evidente), visto que os participantes já têm conhecimento do que vão encontrar nas
postagens pelo comando das atividades.
Ao retomar a proposta de atividade, o aluno expandiu o assunto, pois
posteriormente ele selecionou dois sites (tuítes 1 e 2) e disponibilizou seus links no tuíte,
possibilitando à professora-pesquisadora, aos colegas e aos demais seguidores ampliarem
seus conhecimentos sobre o tópico proposto. Realizando uma ação avaliativa do conteúdo
dos sites indicados, o aluno informa aos seguidores o que motivou sua escolha dos sites.
Na primeira avaliação (tuíte 1), o aluno expressa seu ponto de vista dizendo: “gostei do
modo cm eles exemplificam. ;)”. Ao avaliar positivamente o site, o aluno informa ao
leitor o que ele poderá encontrar ali, ou seja, uma exemplificação sobre gêneros e
tipologias textuais. Nota-se que, ao final do enunciado, o aluno mobiliza um marcador
discursivo não verbal através do emoticon;), que representa um sorriso e uma piscadinha
de um dos olhos. Esse emoticon pode ser considerado como uma estratégia discursiva que
contribuiu para essa avaliação positiva do aluno, ou seja, ele demonstra estar satisfeito
com o que foi encontrado no site pesquisado. Além disso, o emoticon indicia uma
proximidade com a professora-pesquisadora.
Na segunda avaliação (tuíte 2), o aluno menciona que o site selecionado por ele é
“tbm legal” (tuíte 2), pois “explica a diferença entre gênero e tipologia”. Em seguida, o
aluno utiliza um operador discursivo (“já q”) com o objetivo de justificar aquilo que ele
informa sobre o site e mostrar que este pode ajudar outros colegas que têm dificuldade
com relação ao assunto gêneros e tipologias, como ele próprio: “já q mtosconfudem assim
cm eu! kkBjos.”. É importante destacar que o sinal de exclamação ao final do enunciado
procura enfatizar “surpresa”, no sentido de que ele (aluno) também se inclui como um
desses “mtos” que confundem o assunto. No entanto, o uso de “kk” (risos) após o sinal
de exclamação é uma estratégia utilizada pelo aluno para indicar uma reflexão sobre
aquilo que ele próprio diz e deixar clara sua avaliação sobre o enunciado, bem como a
maneira como seu seguidor deve entendê-lo, ou seja, é preciso desconsiderar essa
“surpresa”, já que os risos sinalizam descontração e naturalidade com relação ao fato de
ele também confundir o assunto.
É importante observar que a interação, nesse caso, ocorre à medida que o aluno
assume a voz no evento e, com isso, expressa suas dúvidas, seus conhecimentos, em um

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Alice Botelho Duarte
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processo não somente de perguntas e de respostas, mas de tentativa de compreensão e


análise do assunto (gêneros e tipologias).
Na sequência desse mesmo recorte (2), podemos perceber que há uma
continuidade na discussão proposta pelo aluno. Ele inicia seu tuíte com um link que
direciona o leitor a um site e, em seguida, por meio da demonstração do seu ponto de
vista (“eu gosto de estudar resolvendo questões q já caíram no ENEM”), socializa com
os demais seguidores a estratégia discursiva que utilizou para obter uma melhor
compreensão sobre o assunto proposto pela pesquisa. Nota-se que ele ainda ratifica a
própria estratégia: “estimula o raciocínio!”. Ao compartilhar com os colegas uma de suas
estratégias para a aprendizagem sobre o assunto, esse aluno colabora para orientar os
demais colegas a seguir sua estratégia e ainda os motiva a partilhar as próprias
experiências. Assim, vê-se que o aluno, como em muitas outras situações flagradas nos
dados da pesquisa, não se prende ao comando das atividades, realizando ações que
extrapolam o assunto. Veja-se:

Recorte 3 – Exemplificação com avaliação

A1-
T3

P-
T4

A1-
T5

P-
T6

A1-
T7

Fonte: Dados da pesquisa.

Pode-se inferir por esse recorte que os sites selecionados por ele (tuítes 4 e 5) são
uma forma de complementar sua compreensão sobre outros sites indicados (tuítes 1 e 2),
os quais teriam sido mais teóricos (exemplificativos e explicativos). Nota-se que o próprio
aluno demonstrou confundir o assunto: “já q mtosconfudem assim cm eu!” (tuíte 2).
Assim, a escolha por dois sites que lhe possibilitem aprender gêneros e tipologias
resolvendo questões do Enem coloca em prática aquilo que possivelmente ele aprendeu

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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nos sites selecionados nos tuítes 1 e 2. O aluno, então, avalia o site (tuíte 3) como uma
possibilidade de “estimular o raciocínio”. Percebe-se que esse aluno tem autonomia para
dirigir sua própria aprendizagem; ele consegue definir e selecionar sites que possibilitam
sua compreensão sobre gêneros e tipologias. Ele primeiramente seleciona sites com
conteúdos mais teóricos e, depois, sites de natureza mais prática, com “questões q já
caíram no ENEM”, o que lhe permite colocar em prática o que aprendeu teoricamente.
Dessa forma, ele concilia a atividade de pesquisa (proposta pela professora-pesquisadora)
com sua aprendizagem, e mais, com seu próprio “gosto”.
A seleção do outro site pelo aluno (tuíte 5) é disponibilizada após o uso do
marcador de direcionamento “@” para a professora-pesquisadora. Observe-se que ele
apenas disponibilizou um link que direciona seus seguidores para o site proposto, sem, no
entanto, escrever qualquer comentário, ou seja, o leitor precisa estar a par da situação
enunciativa para compreender que esse site é uma exemplificação e uma reiteração do
que o aluno propôs no tuíte 5, uma forma que utilizou para reiterar seu tuíte 3.
No Twitter, há uma necessidade de acompanhamento gradual e constante por parte
dos envolvidos nas interações. Se os alunos 10 (principalmente) não acompanhassem
diariamente os tuítes em suas timelines, ou se não tivessem conhecimento sobre alguma
atividade demandada para o Twitter, a compreensão de cada tuíte poderia ficar
comprometida, pois a ação pela linguagem manifestada nos tuítes é sempre situada em
um contexto sócio-histórico e cultural. Sem o acompanhamento gradual dos tuítes pela
timeline do Twitter, a compreensão pode ficar subjugada a diferentes conteúdos.
Considero relevante enfatizar também nesse recorte (3) que o aluno utiliza o
espaço do Twitter não somente para copiar e colar sites que abordam a temática proposta
pela pesquisa sobre gêneros e tipologias, mas também para avaliar o conteúdo desses sites
e ainda compartilhar com seus seguidores suas estratégias de aprendizagem. Essa posição
do aluno revela um sujeito social produtor de opiniões, construtor e responsável pela
própria aprendizagem.
É interessante perceber também que a postagem de links demonstra que o aluno é
consciente de que pode deslocar-se para outros ambientes, além de fazer uso de outros
gêneros. Como se pode perceber no recorte acima, o link permitiu que o aluno tivesse
acesso a diferentes sites. A esse respeito, cabe lembrar Xavier (2002, p. 163), para quem
o hiperlink “funciona, originalmente, como um apontador enunciativo, e, por essa razão,
é também um focalizador de atenção [...]” (grifos do autor).
Notam-se, a partir daí, as diversas possibilidades que o aluno tem para ampliar seu
papel na interação, sendo responsável pela própria aprendizagem, afinal, pode selecionar
sites, blogs, entre outros recursos, e ainda avaliar criticamente aquilo que considera
melhor, ou seja, ele não só se informa, mas avalia, amplia e compartilha aquilo que lê
com outros colegas da mesma esfera de atividade, que podem, cada um a seu tempo,
visitar esses sites e blogs, numa compreensão responsiva ativa. Disso resulta a

10
A professora-pesquisadora geralmente recuperava os tuítes através das menções, tendo em vista que os
alunos estabeleciam com ela uma comunicação direta através do marcador de direcionamento “@”.

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Alice Botelho Duarte
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coconstrução de conhecimentos, o surgimento de uma maior maturidade e autonomia na


interação, e também a construção da identidade de todos os envolvidos.
A ocorrência de tuítes como esse é prova de que todos os envolvidos se beneficiam
da interação – no que diz respeito à construção da aprendizagem –, pois os alunos que
visualizam essas indicações de sites são auxiliados sobre o que provavelmente
encontrariam nesses sites (tuítes), o que contribui para o direcionamento da aprendizagem
deles. É também um indício de que a professora-pesquisadora se beneficia dessas
sugestões, isso porque o aluno que postou a indicação dos sites permite que a
professora-pesquisadora compreenda que ele entende sobre o assunto, logo, que ele
também aprendeu.
Aproveito o final do recorte 3 para explicar como foi realizada a ação de
agradecimento e despedida dos alunos em resposta a um tuíte da professora-pesquisadora.
Nessas situações, principalmente no fechamento dos tuítes, a afetividade se revelou como
uma despedida e/ou um feedback à resposta da professora-pesquisadora. No recorte 3,
acima, tuíte 7, a palavra “Beeijos!” sinaliza isso e também demonstra uma proximidade
com a professora-pesquisadora, revelando uma interação mais informal entre os
envolvidos.
Vejamos o próximo recorte:

Recorte 4 – Solicitação de feedback

A1
-T1

P-
T2

A1
-T3

Fonte: Dados da pesquisa.

Esse recorte demonstra a necessidade por parte do aluno de obter uma avaliação
ou feedback da professora-pesquisadora com relação a uma atividade em que se pedia a
produção de uma manchete sobre um vídeo assistido em sala de aula presencial. Esse tuíte
(1) do aluno revela ainda uma visão tradicional de que, na interação entre professor e
aluno, é papel do professor avaliar, corrigir e responder ao aluno. Assim, era importante
para o aluno receber a avaliação e/ou feedback da professora-pesquisadora. Percebo que
esse retorno aos alunos dava aos tuítes um caráter pedagógico, o que é natural, se se
considera a natureza da atividade.
Neste momento, passo a discutir as ações, papéis e estratégias da
professora-pesquisadora que marcaram essas interações. Sendo assim, mostrarei quais

101
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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foram as ações didático-discursivas, os papéis sociais e as estratégias discursivas


desempenhados pela professora-pesquisadora nas retomadas das respostas dos alunos às
propostas de atividades via Twitter, o que direcionou o processo interacional,
configurando a organização acadêmica e social para a coconstrução de sentidos nessas
interações. É importante destacar que, para chegar às ações, estratégias discursivas e
papéis sociais da professora-pesquisadora, considerei, tal como procedi com relação aos
dados dos alunos, seu grau de reincidência nas interações entre os envolvidos e, após a
interpretação de todos os tuítes, cheguei a uma recorrência dessas ações, estratégias e
papéis, o que apresento a seguir, com suas respectivas exemplificações, seguidas de
comentários, extraídas do corpus aqui analisado.
Vejamos:

Recorte 5 – Avaliação seguida de indicação

A1
-T1

P-
T2

A1
-T3
Fonte: Dados da pesquisa.

No tuíte 1, o aluno, através de uma ação explicativa, antecipa ao leitor o que ele
provavelmente vai encontrar no link apresentado em seu tuíte (“Intertextualidade com a

102
Alice Botelho Duarte
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pintura de Vincent van Gogh”). A professora-pesquisadora, no tuíte 2, retoma, sem


repetir, a fala do aluno, isso porque ela recorre a uma ação avaliativa sobre a pesquisa
postada por ele (“Boa pesquisa”). Essa avaliação da professora-pesquisadora é seguida
por uma sugestão de um site ao aluno, no qual ele poderá encontrar mais informações
sobre Van Gogh, promovendo, assim, a expansão do foco discursivo, no caso, o pintor
Van Gogh.
É importante notar que a sugestão dada pela professora-pesquisadora decorre de
uma relação hierárquica oferecida por seu papel social, que passa pela função, dentre
outras, de sugerir e/ou indicar aos alunos seu desempenho e encaminhamento nos estudos.
Esse papel social, comumente encontrado na aula tradicional, foi verificado também no
Twitter, embora esteja ao lado de ações e estratégias que parecem, de algum modo,
relativizar essa hierarquia. Essa sugestão parece redimensionar o rumo da postagem, a
fim de apontar para a necessidade de o aluno expandir mais o conhecimento sobre o pintor
(trazido em uma das pinturas no tuíte 1), e não apenas deixá-lo se restringir às pinturas
trazidas por ele no tuíte 1. É preciso ter em conta que a professora-pesquisadora, segundo
mostram os dados, não dá respostas prontas, definitivas, mas oferece ao aluno “direções”,
como, por exemplo, a sugestão do site, para que ele amplie e construa seu próprio
conhecimento. Com isso, ela demonstra que se preocupa com a aprendizagem do aluno.
Gostaria de mencionar que o recorte 5 em foco apresenta uma ação (avaliativa,
seguida da indicação de um site), ou seja, a professora-pesquisadora direcionou o site
apenas ao aluno com quem interagia, sem utilizar outros recursos do Twitter para ampliar
essa informação aos demais alunos.
O que se verifica é que as potencialidades oferecidas pelo Twitter permitem aos
demais seguidores visualizarem determinado diálogo. É o que ocorre no recorte 5, pois
os seguidores podiam também “visitar” o site sugerido pela professora-pesquisadora ao
aluno (tuíte 2). Sendo assim, fica evidente sua ação, por meio do recurso em questão, de
compartilhar e socializar a informação sobre o site (recorte 5) com os demais alunos,
como uma alusão ao próprio contexto da sala de aula presencial, em que o professor
geralmente interage com o grupo. Nesse caso, pode-se dizer que se aproveita o recurso
do Twitter para ampliar a informação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelas análises dos recortes 1 a 5, verifiquei uma maior liberdade e informalidade


nas interações entre a professora-pesquisadora e os alunos, bem como uma menor
assimetria entre eles. Como é possível observar em muitas postagens, os alunos
escreveram tuítes que se aproximaram da oralidade, o que é típico no espaço do Twitter.
Além do mais, não houve um acompanhamento rígido, com cobranças da
professora-pesquisadora, pelo contrário, houve uma cooperação entre os envolvidos, e os
alunos demonstraram ser mais maduros, autônomos e responsáveis pela própria
aprendizagem. Outro aspecto que precisa ser considerado é o fato de que os alunos não

103
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

se prenderam aos comandos das atividades; em muitas postagens, eles extrapolaram o


assunto. Acredito que essa ultrapassagem se deveu ao fato de o Twitter ser um espaço
híbrido, com funcionalidades que permitem a circulação de vídeos, imagens, textos e
diferentes formas de interagir.
Cabe ainda destacar que as ações didático-discursivas dos alunos via Twitter
ampliaram significativamente as temáticas vistas em sala de aula presencial, pois, nesse
ambiente, eles puderam utilizar a linguagem em diferentes ações, como de avaliação,
explicação, informação, demanda, reiteração e compartilhamento ampliando,
redimensionando as ações elencadas por Matencio (2001, p. 150-151), que assevera que

[...] os alunos não utilizam frequentemente intervenções de natureza


informativa de incitação ou de avaliação. Sendo assim, as intervenções dos
alunos são orientadas para uma “indicação em relação às informações e
demandas do professor (suas respostas), [...] uma solicitação de informações
(suas perguntas) ou uma sugestão (suas apreciações com relação ao que é
dito/estudado). (Grifos da autora.)

As ações descritas realizadas nas atividades via Twitter ensejaram um grande


envolvimento dos alunos, condição diferente de atividades feitas em sala de aula
presencial, embora se deva ter em conta que a interação vivida por meio do Twitter foi
emoldurada pelas práticas escolares, considerados os papéis sociais ali inscritos. Por outro
lado, há que se frisar, com base no exame dos dados, as ações recorrentes em práticas de
novos letramentos, que preconizam um uso criativo e diferenciado do espaço virtual. Isso
vem ao encontro do que tenho defendido neste trabalho, ou seja, de que a escola, de
acordo com sua realidade, pode contemplar um ensino pela perspectiva dos novos
letramentos, integrando à prática da sala de aula novas maneiras de lidar com o
conhecimento. Como visto, as análises das próprias ações dos estudantes indicam a
possibilidade de integração das aulas presenciais e a extensão delas através de atividade
via rede social, o que vem integrando cada vez mais a vida social dos jovens e condiz
com a perspectiva dos novos letramentos defendida neste estudo.

104
Alice Botelho Duarte
_________________________________

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105
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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106
A utilização das tecnologias digitais da informação e comunicação na
educação básica: meio ambiente e sustentabilidade em foco
Viviane Raposo Pimenta

APRESENTAÇÃO

As atividades que apresentaremos neste texto visam auxiliar o professor na


tarefa de refletir sobre novas possibilidades de desenvolver os multiletramentos com
uma prática de leitura e produção de textos que envolva as multissemioses e os
letramentos crítico-protagonistas. Tal proposta é pertinente se considerarmos a
necessidade de promovermos na escola, além do letramento escolar, os
multiletramentos, como forma de possibilitar aos alunos o enfrentamento (cf.
CANCLINI, 2008, p. 12) das semioses emergentes nos diversos textos que circulam nas
diferentes esferas sociais. Assim, combinamos a leitura do cotidiano com leituras de
música, de fotografia, de imagens, de vídeos e de sons que poderão auxiliar os alunos a
desenvolver competências básicas para lidar com a leitura de maneira crítica e
protagonista.
A proposta está direcionada a alunos do ensino médio, mas pode ser adaptada
para ser trabalhada com alunos de qualquer segmento do ensino básico.
Concebemos a escola uma das agências mais importantes de letramento e, por
isso mesmo, a leitura é vista como o eixo norteador de todo processo de ensino e
aprendizagem. Nesse sentido, tomamos a leitura como uma prática voltada para a
formação de leitores e não de “alfabetizados”, e, em função disso, o aluno precisa ser
visto, da perspectiva bakhtiniana, como “responsivo”, ou seja, como aquele que
“concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para
executar” (BAKHTIN, 2000, p. 291), e cumpre com sua função protagonista de sujeito
que interage e se comunica. Portanto, uma proposta de trabalho que tenha como pano de
fundo uma “pedagogia do pluralismo” (COPE; KALANTZIS, 2006) poderá colaborar
para que o professor auxilie seus alunos no desenvolvimento de habilidades e
competências outras relacionadas à leitura multimodal e à utilização de diferentes
semioses na produção textual, mas principalmente para que ele propicie aos seus alunos
o contato com os letramentos na perspectiva da sustentabilidade. Para isso, partiremos
da elaboração de uma sequência didática que tem como tema o meio ambiente
sustentável para trabalharmos com o gênero documentário.
É oportuno esclarecer que os temas propostos aqui constituem sugestões dentre
uma gama infindável de textos disponíveis na internet e que podem ser selecionados
utilizando-se um bom site de buscas. Assim cabe ao professor adequar os temas a sua
dinâmica escolar e escolher, dentro do imenso repertório textual, aqueles que melhor
atendem à faixa etária dos alunos e ao contexto sócio-político-cultural da escola.
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

PROPOSTA DE TRABALHO COM LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS MULTIMODAIS: POR UM


MEIO AMBIENTE SUSTENTÁVEL

Um dedo de prosa

Nosso objetivo é apresentar algumas considerações acerca da estreita relação


existente entre a formação crítico-cidadã, a utilização de aparelhos móveis digitais na
escola e o trabalho com a temática sobre o meio ambiente e o desenvolvimento
sustentável. Sabemos que numa sociedade saturada de textos, porém cada vez mais
grafocêntrica, estamos expostos a práticas de leitura a todo momento.
Na contemporaneidade, com o advento das tecnologias digitais da informação e
comunicação (TDICs), mesmo antes de conhecer a tecnologia da escrita, nossas
crianças já realizam práticas de leitura multissemiótica. Nossos jovens alunos já
conseguem construir sentido a partir de textos multimodais – presentes nas telas do
computador, em celulares, tablets, palms, laptops, video games, e na tela da televisão –
que mesclam palavras, elementos pictóricos, sonoros, numa mesma superfície. Inseridos
nesse contexto dos letramentos multissemióticos, ao chegarem à escola, não se sentem
motivados para a aprendizagem dos conteúdos escolares baseados na escrita e leitura de
textos escritos tradicionais.
Assumimos que é possível desenvolver neles o gosto e o interesse pelo trabalho
com conteúdos transversais, como o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável,
por meio da motivação e de uma abordagem significativa dos gêneros textuais
utilizados pela escola para a sua formação, e assim promover os letramentos
crítico-cidadãos. Nessa perspectiva, apresentamos a proposta do Grupo de Nova
Londres (GNL) de uma pedagogia dos multiletramentos, entendida como uma
pedagogia da diversidade cultural e da diversidade de linguagens e mídias que
constituem os discursos multiculturais, tendo como objetivo atender à necessidade de
transformação dos alunos de receptores passivos em criadores de sentidos, analistas
críticos, capazes de transformar os discursos e significações. Os autores propõem quatro
movimentos pedagógicos denominados prática situada, instrução aberta, enquadramento
crítico e prática transformada. Acredita-se que esses movimentos podem substituir “o
paradigma de aprendizagem curricular que assume que alguém decidirá o que você
precisa saber e planejará para que você aprenda tudo em uma ordem fixa e em um
cronograma fixo, e assim constituir o paradigma da aprendizagem interativa” (LEMKE,
1994, s/p).

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Viviane Raposo Pimenta
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Conversando

O que é ser educador neste novo milênio? O que se espera de um estudante ao


final de sua escolarização? Como se preparar para os desafios da sociedade
contemporânea desencadeados pela aceleração global das mudanças nas escalas
regional, nacional e internacional, que incluem, simultaneamente, fragmentações
políticas, uniões econômicas e articulações em redes sociais, entre as inúmeras
transformações presentes no cotidiano do aluno do século XXI?
Para responder a esses questionamentos precisamos repensar o papel da escola
básica hoje e as maneiras como os estudantes vêm sendo encaminhados, tanto para um
aprendizado permanente como para a participação na comunidade e no exercício
competente de suas funções sociais.
Busca-se desenvolver um protagonismo responsável, cujos direitos possam ir
muito além da representação política tradicional: emprego, qualidade de vida, meio
ambiente saudável, igualdade de direitos, ideais para a vida pessoal e para a
convivência. Tal articulação entre o mundo escolar e as práticas sociais dos alunos
faz-se cada vez mais necessária, devendo ser incentivada por meio de projetos e
especialmente de ações conjuntas voltadas a construir, reconstruir, mobilizar
conhecimentos, consolidando valores que promovam a igualdade e a cooperação entre
os estudantes, instigando-os a proposições criativas no tratamento com o diferente e o
imprevisível com que se depararem no dia a dia.
A formação do aluno cidadão, para os últimos anos da educação básica – o
ensino médio – deve ser construída paulatinamente, em todas as etapas da escolarização,
e o ensino de leitura e produção textual pode contribuir efetivamente para esse objetivo.
Nesse sentido, apresentamos a proposta de produção de conteúdos e objetos
digitais de aprendizagem que possibilitem ao professor de Língua Portuguesa, dos
diferentes níveis de ensino, a construção gradual de outras dinâmicas no interior da sala
de aula para a promoção da cidadania – por um meio ambiente sustentável,
considerando: a) o papel das tecnologias digitais de informação e de comunicação na
elaboração de conteúdos de ensino e na modificação das dinâmicas em sala de aula e no
ambiente escolar; b) o papel da linguagem e dos conhecimentos em ciências humanas,
ciências da natureza e linguagens e códigos nas práticas sociais; c) a possibilidade de
promoção do trabalho com temas transversais concomitantemente com os conteúdos
escolares nas aulas do ensino médio; d) a utilização do aparelho celular nas aulas de
língua portuguesa do ensino médio. Para tanto, propõe-se o trabalho com temas
relacionados à sustentabilidade na produção de “documentários”. Essa proposta está
direcionada aos professores de língua portuguesa, no entanto acreditamos que pode ser
realizada de forma interdisciplinar.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Discutindo

Assim, as TDICs e, em particular, a internet vêm possibilitando novas práticas


de multiletramentos bastante diversas das práticas tipográficas da era pré-internet. Isso
vem acontecendo, sobretudo, após o advento da Web 2.0, em que novos mecanismos
vêm sendo criados, possibilitando novas condições técnicas e socioculturais para a
ampliação de práticas comunicativas no mundo digital, nas quais as pessoas não apenas
recebem, mas também publicam informações no sistema, desconstruindo-se, assim, as
próprias categorias tradicionais de autor e de leitor.
Contudo, mesmo diante dessas transformações nas práticas de letramento, que
trazem em seu bojo transformações sociais, culturais e tecnológicas, a escola, na
contramão, parece ser uma das poucas instituições que ainda resistem a essas
transformações, pois opera com práticas de escrita que, em geral, não refletem essas
mudanças. Por isso, a instituição escolar se encontra diante da necessidade de repensar
sua funcionalidade, reavaliar suas estratégias e (re)inventar suas práticas, com o fito de
tentar responder às exigências multifacetadas dessa nova era digital, que se reorganiza
de forma cada vez mais dinâmica e redefine novos papéis institucionais cada vez mais
inter-relacionados com os usos das TICs que emergem no cenário atual do mundo
globalizado.
Neste sentido, é preciso que o professor, ao conhecer e discutir as relações que
se verificam entre letramentos escolares grafocêntricos e letramentos hipermidiáticos no
ensino básico, seja capaz de analisar e propor a elaboração de projetos de ensino que
possam fomentar e estimular a construção de práticas multiletradas dos alunos no
contexto escolar.
O termo “multiletramentos” se apoia em dois principais argumentos: “o primeiro
está relacionado à crescente multiplicidade e integração de modos de construção de
significado, em que o textual está integrado ao visual, ao áudio, ao espacial e ao
comportamental, etc. Isso é particularmente importante na mídia de massa, na
multimídia e na hipermídia eletrônica” (GRUPO DE NOVA LONDRES, 2006, p. 64).
Assim, os significados hoje passam a ser construídos de maneira multimodal, podendo
vir da internet, dos vídeos, da multimídia ou dos textos escritos do cotidiano como de
lojas e de placas, pois, como apontam Cope e Kalantzis (2006, p. 29) “em um profundo
sentido, toda construção de significado é multimodal”.
O segundo argumento se apoia nas diferenças culturais e linguísticas da nossa
sociedade cada vez mais globalizada. Segundo os pesquisadores do grupo, “lidar com as
diferenças linguísticas e culturais tornou-se central para a pragmática de nossas vidas
profissionais, cívicas e privadas. Uma efetiva cidadania e um trabalho produtivo
requerem que possamos interagir efetivamente usando múltiplas linguagens, em
múltiplos “portugueses” [no original, os autores se referem a “ingleses”] e padrões de
comunicação que cruzam fronteiras nacionais, culturais e comunitárias” (GRUPO DE
NOVA LONDRES, 2006, p. 64).

110
Viviane Raposo Pimenta
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É preciso, de fato, ter um olhar atento para as TDICs, pois a velocidade dos
meios de comunicação e de produção, a volatilidade do capital e o acesso aos estoques
mundiais de informação, possibilitados pela inserção das TDICs, veem exercendo,
conforme apontam Cope e Kalantzis (2006), grandes mudanças nas mais variadas
instâncias da vida social. Dentre essas TDICs, um destaque especial deve ser dado à
internet, que tem se tornado um elemento cada vez mais marcante na vida cotidiana de
milhões e milhões de pessoas, mormente dos adolescentes. Isso porque muitos desses
adolescentes já estão imersos na “era digital” e, por isso, não conseguem simplesmente
conceber o mundo sem a existência da internet; preferem “a informação imediata,
gráficos, animações, áudio e vídeo ao texto simples, linear, e interagem naturalmente
com outros enquanto realizam multitarefas. Para eles, fazer é mais importante do que
saber, e aprender tem que ser algo divertido e imediatamente relevante”
(FIELDHOUSE; NICHOLAS, 2008, p. 60 – itálico no original).
Com efeito, a internet tem sido usada por um número cada vez maior de
usuários, sobretudo por adolescentes, que, em geral, são os que mais dominam – e se
sentem atraídos por – essa tecnologia. No entanto, ainda existe uma enorme defasagem
entre a escola pública e o dia a dia de muitos alunos, decorrente do “fato de que a
primeira parou no tempo e não tem conseguido acompanhar as constantes modificações
impostas pelo desenvolvimento científico e tecnológico” (AMARAL et al., 2009, p. 7).
Isso, por si só, já seria um motivo bastante razoável para a inclusão da internet nas
escolas brasileiras, que, em geral, ainda se encontram na era “pré-virtual”.
Temos hoje, por um lado, milhares de escolas equipadas com laboratórios de
informática, com computadores ligados à internet banda larga, todavia, por outro lado,
muitos professores que sequer conseguem ver a internet como algo que possa ser, de
fato, integrado às suas aulas. Isso, é claro, está relacionado à formação e capacitação
docente, mas passa também por outras questões, como o receio, e até o preconceito, de
lidar com o novo – no caso, a internet. Essa postura dos docentes mostra que, para que
se possa contemplar um ensino a partir de práticas multiletradas, é preciso considerar,
portanto, que a pura e simples inserção das TDICs na escola, por si só, não é capaz de
responder às necessidades e exigências de um trabalho bem-sucedido que articule o uso
da internet e as práticas de escrita escolares.
Nota-se que a escola, com suas práticas tradicionais de letramento, ainda se
encontra muito distante das múltiplas experiências de leitura e escrita que proliferam
cada vez mais em ambientes da Web 2.0, como em blogs e redes sociais da internet.
Mas há uma outra questão importante que se antepõe aqui: por que a leitura e a escrita,
antes tidas como algo pouco atraente – e, por isso, distante dos alunos –, passaram a se
tornar algo a que a maioria deles mais dedica seu tempo na internet?
Nesse caso, dois pontos centrais, a nosso ver, conspiram a favor da internet. O
primeiro está relacionado a algo que é muito anterior ao surgimento das novas TICs,
mas que se potencializou e tomou proporções nunca experimentadas na história da
humanidade com o advento da internet. Estamos nos referindo ao fato de cada vez mais
blogs, sites de relacionamento e o Youtube se tornarem um lócus de autopromoção, em

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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que milhões de adolescentes (e também adultos) no mundo inteiro exibem seus “perfis”
para os outros na tentativa de se tornar celebridades.
A Web 2.0 democratizou a fama na internet com a cultura do broadcast yourself,
através de milhares de vídeos que são diariamente postados no Youtube por pessoas que
desejam se tornar famosas ou pelo menos reconhecidas.
O segundo ponto diz respeito ao caráter, em geral, libertário do espaço virtual. A
internet, sobretudo com o advento da Web 2.0, tornou-se, em grande parte, aberta e com
muito pouca regulação, possibilitando a publicação sem que seja preciso sofrer alguma
sanção organizacional, institucional ou editorial. Assim, qualquer pessoa é
potencialmente um famoso autor de um bestseller virtual. Isso, por conseguinte, altera
as relações tradicionalmente hierárquicas entre autor e editor e entre autor e leitor.
Essa transformação das relações entre autor e leitor significa que qualquer
pessoa no ciberespaço pode ser, ao mesmo tempo, produtor, difusor e consumidor de
textos, levando à inexistência de centros exclusivos de difusão textual, uma vez que
qualquer um pode ter hoje o seu blog ou a sua página na internet. O ciberespaço, nesse
caso, é, antes de tudo, um espaço democrático, que oferece lugar a todos, a todas as
culturas e a todas as singularidades (LÉVY, 2003). Destarte, pode-se dizer que essa
possibilidade de atuação direta dos usuários na rede cria novos espaços de atuação na
esfera pública.
Se a internet potencializa esses dois pontos – a possibilidade de ser um “autor”,
atuando, inclusive, na esfera pública de forma democrática, e de ser (re)conhecido por
muita gente –, então, por que não explorar esse potencial na escola para a promoção dos
letramentos crítico-cidadãos?
Se nossos alunos já transitam, inadvertidamente, por textos multimodais
enquanto navegam fora da sala de aula, é preciso que a escola insira em seu currículo
práticas pedagógicas que possam sistematizar o que o aluno já faz, pois assim ela
promove a abordagem colaborativa dos discursos, fortalecendo o posicionamento crítico
dos alunos para que possam “explorar e analisar, pensar e refletir, propor e agir”.
Nessa perspectiva, podemos utilizar as tecnologias para promover os letramentos
para a cidadania e, assim, desenvolver estratégias que possibilitem ao alunado
interpretar o que é visto e ir além: saber perceber o valor do que foi omitido ou
silenciado, apontar motivos, avaliar e perceber intenções, enfim, atingir o estágio de
letramento crítico, que, para Morrell (2002), é a habilidade não somente de ler e
escrever, mas também de avaliar textos a fim de entender a relação entre poder e
dominação que subjaz a esses textos e os inspira. Ora, o aluno criticamente letrado pode
entender o significado socialmente construído embutido nos textos, como também os
contextos político e econômico nos quais os textos estão inseridos. Em última instância,
os letramentos para o exercício da cidadania podem levar a uma visão de mundo
emancipadora e até a uma ação social transformadora.

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Viviane Raposo Pimenta
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O APARELHO CELULAR COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO PARA A PROMOÇÃO DOS


MULTILETRAMENTOS

A escola como espaço social e instrucional tem a finalidade de apresentar e


desenvolver atividades que possam conduzir seus alunos à autoria e à interação,
promovendo, assim, a circulação de discursos polifônicos. Nesse sentido, o uso do
aparelho celular na sala de aula pode levar à formação de leitores e produtores de
hipertextos que integram várias semioses num mesmo ciberespaço. Essas práticas de
letramentos na hipermídia, conforme Rojo (2013), não são simplesmente consequências
de avanços tecnológicos, trata-se de práticas relacionadas a uma nova mentalidade.
Assim, é preciso que a escola busque preparar nossos jovens alunos para uma
sociedade cada vez mais digital, bem como para buscar no ciberespaço um lugar para se
encontrarem, de maneira crítica, com diferenças e identidades múltiplas. Ora, afirma
Rojo (2013), se os textos mudaram, as competências/capacidades de letramentos
exigidas para participar de práticas letradas não podem continuar as mesmas. Na
contemporaneidade, nossos alunos nativos digitais não podem mais ser olhados de
forma inocente, pois vivemos a era das linguagens líquidas, do networking, na qual o
aluno como nativo digital é um construtor, colaborador das criações conjugadas.
Esses jovens já constroem produções como AMVs, resultado de ressignificações
e reenquadramentos de referências, e objetos culturais diversos. O professor deve,
então, propor atividades que envolvam ferramentas tecnológicas que despertem
interesse nos alunos e que reflitam sobre o impacto que as novas tecnologias trazem
para a educação formal institucionalizada.
Como sabemos, a aprendizagem pode ocorrer de várias formas: as pessoas
podem usar aparelhos móveis para acessar recursos educacionais, conectar-se a outras
pessoas ou criar conteúdos, dentro ou fora da sala de aula. Assim, a aprendizagem
móvel também abrange esforços para apoiar metas educacionais mais amplas, como a
administração de sistemas escolares, a melhor comunicação entre escolas e famílias,
integrar e aproximar os conteúdos curriculares à realidade dos alunos, estimular a
participação dos alunos nas atividades escolares, criar oportunidades para que os
professores trabalhem com o uso da tecnologia, fomentar a conscientização e integração
dos alunos à sua realidade local.
As tecnologias móveis estão em constante evolução: a diversidade de aparelhos
atualmente no mercado é imensa e inclui, em linhas gerais, telefones celulares, tablets,
leitores de livros digitais (e-readers), aparelhos portáteis de áudio e consoles manuais
de video games. No futuro, essa lista poderá ser diferente. Para evitar o terreno
pantanoso da precisão semântica, a UNESCO opta por adotar uma definição ampla de
aparelhos móveis, reconhecendo simplesmente que são digitais, facilmente portáteis, de
propriedade e controle de um indivíduo e não de uma instituição, com capacidade de
acesso à internet e aspectos multimídia, e podem facilitar um grande número de tarefas,
particularmente aquelas relacionadas à comunicação.

113
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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A UNESCO divulga atualmente um rico material sobre a aprendizagem móvel,


incluindo orientações sobre a aplicabilidade de aparelhos celulares na educação. Esse
material pode ser baixado gratuitamente a partir do link
<http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002277/227770por.pdf>.
O primeiro, que trata das políticas da UNESCO para a aprendizagem móvel,
fornece um roteiro e uma exposição de motivos para formuladores de políticas públicas
e outras pessoas que buscam transformar os aparelhos móveis, cada vez mais presentes
em todos os lugares, em ferramentas na área da educação. Estas diretrizes descrevem os
benefícios específicos da aprendizagem móvel e articulam estratégias para desenvolver
ambientes de políticas que permitam que esses benefícios possam criar raízes e crescer.
As tecnologias móveis alteraram fundamentalmente a forma de vida das pessoas.
Assim, com decisões políticas sólidas, elas também poderão melhorar o modo como as
pessoas aprendem.
O segundo é um relatório que ajuda a orientar a forma de destacar assuntos e
questões sobre o que se pode fazer com a aprendizagem móvel nos próximos 15 anos ou
mais. A publicação apresenta uma visão geral da situação atual da aprendizagem móvel,
descrevendo recentes desenvolvimentos na educação formal e informal, aprendizagem
inovadora e tecnologia educacional. Baseado nas tendências atuais, o relatório faz
previsões para o futuro da aprendizagem móvel, prevendo avanços tecnológicos nas
áreas específicas relacionadas a esse tipo de aprendizagem. As demais seções
apresentam discussões sobre a aprendizagem à luz das metas da Educação para Todos
(EPT), tanto agora quanto no futuro, e identifica as primeiras possibilidades para a
aplicação da aprendizagem móvel, bem como as principais barreiras para seu
desenvolvimento. Finalmente, o relatório apresenta os desafios a serem enfrentados nos
próximos 15 anos para que as conquistas de educadores e pesquisadores em
aprendizagem móvel sirvam de base para aumentar a qualidade da educação e assegurar
oportunidades sustentáveis de aprendizagem para todos. Este relatório pode ser
acessado em <http://unesdoc.unesco.org/images/0022/002280/228074POR.pdf>.
Como se pode observar, o uso do aparelho celular pode facilitar o trabalho que
alguns professores já realizam com a utilização de filmes, vídeos, propagandas
televisivas, mídia de massa, cultura popular, etc. na sala de aula. Geralmente os alunos
dominam os celulares melhor do que seus professores, e aprendem rapidamente a
usá-los, por isso é uma boa ideia deixar que eles ensinem e aprendam a usar seus
recursos entre eles mesmos. (O professor pode aproveitar para aprender também!)
O professor pode, ainda, aproveitar para discutir as questões éticas relacionadas
ao uso dos celulares e outros equipamentos de forma indevida pelos alunos bem como
em relação ao uso de registros, imagens disponibilizadas na Web sob a licença creative
commons.
No planejamento de cada atividade, é importante estabelecer, de forma clara,
bem como apresentar uma descrição detalhada dos objetivos relacionados ao uso do
aparelho celular nessas atividades. É importante lembrar que sempre há aqueles que
podem se sentir indignados com o uso do celular nas suas aulas. Outra questão que deve
ser apresentada e discutida com muita clareza são as regras gerais estabelecidas sobre o

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Viviane Raposo Pimenta
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uso do aparelho celular na escola, principalmente nos momentos em que o aparelho não
estiver sendo utilizado para as atividades da aula. Assim, as regras de uso do celular
devem ser claramente estabelecidas, tal como as estabelecemos quando utilizamos
outros recursos didáticos como o baralho, os jogos de tabuleiro, os recortes de papel
como aviõezinhos, etc.
Para Rojo (2012), antes de nos perguntarmos sobre como disciplinar os usos das
TDICs, é preciso pensar um pouco sobre como essas TDICs podem transformar nossos
hábitos institucionais de ensinar e aprender. Para Lemke (1994),

há dois paradigmas de aprendizagem e educação em disputa em nossa


sociedade hoje e as novas tecnologias vão, acredito, mudar o equilíbrio entre
eles significativamente [...] o paradigma de aprendizagem curricular: aquele
que assume que alguém decidirá o que você precisa saber e planejará para
que você aprenda tudo em uma ordem fixa e em um cronograma fixo [...] e o
paradigma de aprendizagem interativa (LEMKE, 1994, s/p).

Diante desse cenário, podemos discutir nossas práticas, lançar mão dessas
interfaces presentes nas mídias digitais e assim desenvolver nesses adolescentes o gosto
pelas atividades escolares por meio da motivação e de uma abordagem significativa dos
gêneros textuais digitais que, se bem utilizados pela escola, podem promover os
letramentos requeridos para o trato ético dos discursos, pois, embora as TDICs possam
fazer circular a informação, não garantem a formação desse alunado. Com o
reconhecimento do aspecto motivacional, podem-se evidenciar questões inerentes ao
leitor como: interesse pelo processamento da memória, objetivos, crença na própria
eficácia, as próprias regulações e participações ativas na leitura, dentre outras.

MOVIMENTOS PEDAGÓGICOS NA PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS

Mas, como colocar em prática uma pedagogia dos ‘multiletramentos’? Para


responder a essa pergunta, os autores do Grupo de Nova Londres buscam inspiração na
sua compreensão sobre como a mente humana funciona na sociedade e na sala de aula,
assim como na natureza do ensino e aprendizagem. Para eles a sua compreensão sobre a
mente, a sociedade e a aprendizagem, está baseada na ideia de que a mente humana está
em um corpo, é situada e social, ou seja, o conhecimento humano está ligado ao seu
contexto social, cultural e material. Com base neste entendimento, os autores chegam à
conclusão de que a pedagogia é uma integração complexa de quatro fatores: prática
situada, instrução explícita, enquadramento crítico e prática transformada.
A seguir um quadro explicativo proposto pelo Grupo de Nova Londres:

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Quadro 1 – Quadro explicativo proposto pelo GNL

Prática Situada: imersão na experiência e no uso dos Projetos disponíveis de


significado, incluindo aqueles advindos dos mundos da vida dos alunos e da simulação
de situações que podem ser encontradas no âmbito do trabalho e dos espaços públicos.
Instrução Explícita: compreensão sistemática, analítica e consciente dos Projetos de
significado e processos dos Projetos. Na perspectiva dos ‘Multiletramentos’, isto requer
a introdução explícita da metalinguagem, que descreve e interpreta os elementos do
Projeto dos diferentes modos do sentido.
Enquadramento Crítico: a interpretação do contexto social e cultural de Projetos de
sentido particulares. Isso significa que os alunos devem analisar novamente o que estão
estudando com uma visão crítica em relação ao seu contexto.
Prática Transformada: aqui há a transferência na prática de construir sentidos, o que
faz com que o sentido transformado (o projeto redesenhado) funcione em outros
contextos ou lugares culturais.
Fonte: Grupo de Nova Londres (2006, p. 35).

Esses autores alertam que as Práticas Situadas no processo de aprendizagem


envolvem o reconhecimento de que as diferenças são críticas no campo do trabalho, nos
espaços públicos, e nos mundos da vida multifacetados. Assim, o espaço da sala de aula
e o currículo devem estar comprometidos com as experiências e discursos dos alunos,
que são fortemente definidos pela diversidade cultural e de linguagens e pelas práticas
advindas com essa diversidade. A instrução explícita significa que os alunos podem
desenvolver uma metalinguagem que considere as diferenças de Projetos, o que não
quer dizer que o aluno, em relação à ‘gramática’, possa criar uma forma própria de
linguagem. Cabe ao Enquadramento Crítico ligar essas diferenças de Projetos aos
diferentes objetivos culturais, enquanto que a Prática Transformada envolve o
movimento de um contexto cultural para outro, por exemplo, a reprojeção das
estratégias de construção do sentido para que possam ser transferidas de uma situação
cultural para outra (GRUPO DE NOVA LONDRES, 2006, p. 36).
A proposta de ‘Projetos’ reconhece os diferentes Projetos Possíveis de
construção do sentido, localizados, uma vez que estão inseridos em contextos culturais
diferentes. Assim, para os autores,

a metalinguagem dos ‘Multiletramentos’ descreve os elementos do Projeto,


não suas regras, mas sim como um projeto heurístico que leva em
consideração a infinita variedade de formas diferentes de construção do
sentido em relação às culturas, e identidades multifacetadas a que servem. Ao
mesmo tempo, a Projeção restaura a agência humana e o dinamismo cultural
ao processo de construção de sentido. Todo ato de significação se apropria de
Projetos Possíveis e o recria na Projeção, assim, produz novos sentidos na
forma de ‘Reprojeção’ (GRUPO DE NOVA LONDRES, 2006, p. 36.).

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Viviane Raposo Pimenta
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MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE

Muitos autores estabelecem que a sustentabilidade tem cinco dimensões


principais. Sachs (1993) refere-se a seis dimensões: sustentabilidade social, econômica,
ecológica, espacial/geográfica, cultural e política, essa última dimensão foi acrescentada
pelo autor. A sustentabilidade social está relacionada com a construção de uma
civilização que permita uma distribuição mais equitativa da riqueza, ou seja, o principal
objetivo da sustentabilidade social é reduzir as diferenças sociais. A sustentabilidade
econômica refere-se à melhor alocação dos recursos e a uma gestão eficiente por um
fluxo regular do investimento público e privado. A eficiência econômica deve ser
medida com o equilíbrio macrossocial e não com a lucratividade microempresarial. A
sustentabilidade ecológica é destinada ao uso consciente dos recursos esgotáveis e sua
substituição por recursos renováveis, usar de forma limitada os ecossistemas e
minimizar sua deterioração. Devem-se promover técnicas de produção limpa,
racionalizar o consumo, preservar fontes de recursos naturais e energéticos, criar
programas de proteção ambiental. A sustentabilidade espacial/geográfica busca evitar
a concentração geográfica de populações, de atividade e de poder. Tem como foco a
busca de um equilíbrio rural/urbano que possibilite sustentabilidade espacial. Já a
sustentabilidade cultural procura a defesa dos processos que respeitem cada
ecossistema, de cada cultura, de cada local, promovendo soluções e valorização das
diferentes culturas. Para Sachs (1993) a sustentabilidade política baseia-se na
democracia no âmbito nacional, na capacidade do Estado de desenvolver e implementar
um projeto nacional em parceria com a iniciativa privada de forma coesa. Para o autor,
trata-se da apropriação universal dos direitos humanos. Em termos internacionais,
advoga o autor que a sustentabilidade política torna-se eficaz com a garantia da paz, a
promoção da cooperação internacional, a aplicação do princípio da precaução na gestão
dos recursos naturais, a proteção da biodiversidade e da diversidade cultural, a proteção
do patrimônio global por meio de uma gestão que promova a cooperação científica e
tecnológica internacional, e da prevenção de guerras.
Por fim, alguns autores acrescentam uma sétima dimensão, a dimensão
psicológica. Esses autores relacionam o ser humano às dimensões culturais, sociais,
políticas e econômicas. Conforme Sillamy (1998), essa dimensão está relacionada à
sensação de bem-estar que vai transcender o aspecto social por tratar-se de emoção.
Trata-se de um atributo do inconsciente do indivíduo, interna e inerente a ele, pois
depende da sua percepção que, para o autor, organiza suas sensações e lhe permite
conhecer a realidade.
Marrul Filho (2000) e Jacobi (2003) compreendem que, ao abranger as
dimensões psicológica, social e cultural, a prática da educação ambiental deve tomar por
base a necessidade da compreensão da cultura e da realização do bem-estar individual
como elementos constituintes do desenvolvimento sustentável.
A busca da sustentabilidade parte da incorporação da participação pública em
processos de gestão dos recursos ambientais. Nesse sentido, três parâmetros devem ser

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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seguidos para a obtenção do desenvolvimento sustentável, quais sejam: educação,


gestão participativa e o constante diálogo entre as partes envolvidas.
Mudanças no padrão de produção e consumo são um ponto-chave rumo ao
desenvolvimento sustentável. Não existem meios para se solucionar a escassez dos
recursos sem mudar hábitos e culturas de consumo. Assim, devemos procurar
conscientizar a população para a economia de água e energia, para o uso do transporte
público e de veículos que não poluem, como a bicicleta. Sabemos que, para isso,
precisamos de políticas públicas voltadas para o incentivo desse uso e, nesse último
caso, da construção de ciclovias.
Além dos governos e das empresas, cada vez mais instituições e pessoas devem
procurar orientar suas atividades cotidianas com base em princípios, atitudes e
comportamentos sustentáveis. Esses comportamentos, muitas vezes, simples, podem
fazer bastante diferença quando se trata de preservar o meio ambiente para as gerações
futuras, o que nos leva ao confronto com o desafio de universalizarmos os princípios,
atitudes e procedimentos para alcançarmos um estágio de sustentabilidade.
Acredita-se que a saída seria reconhecer que as verdadeiras mudanças começam
em cada cidadão, em cada um de nós, ou, como disse Gandhi, “devemos ser a mudança
que queremos ver no mundo”. Para isso, a instituição escolar tem papel fundamental na
formação de cidadãos críticos e comprometidos com o meio ambiente sustentável.

PEDAGOGIA DOS MULTILETRAMENTOS, MEIO AMBIENTE, SUSTENTABILIDADE: UTILIZANDO


O CELULAR NA SALA DE AULA

Para a o trabalho com os alunos dos anos finais da educação básica, o ensino
médio, a proposta é trabalhar com o gênero “documentário”, pois este envolverá o
trabalho com textos orais, escritos, imagéticos e sonoros, ou seja, os alunos devem
produzir um texto multissemiótico, que será publicado na rede social da escola.
O objetivo é auxiliar os alunos para que eles possam se familiarizar com os
temas transversais relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável por
meio da elaboração e produção de um vídeo de, no máximo, 90 segundos. Acredita-se
que, quando os alunos produzem “pequenos filmes” para documentar questões
relacionadas ao meio ambiente sustentável, eles podem demonstrar sua compreensão
dos conceitos estudados, e se conscientizam do processo de criação e produção de textos
multimodais.
Os alunos também terão a oportunidade de lidar com as atribuições relacionadas
à composição de textos multimídia, como, por exemplo, o porquê de um projeto de
vídeo incluir tanto estruturas fixas quanto a liberdade de criação. É importante que o
professor fique atento a todas as fases da criação de um vídeo, pois assim ele pode
despertar nos alunos sua curiosidade intelectual. Outro aspecto interessante no momento
da criação de um videodocumentário é o fato de que o professor pode ter que trabalhar
com possibilidades de ensino não previstas inicialmente. Podem surgir, por exemplo,

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Viviane Raposo Pimenta
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momentos nos quais o professor deverá trabalhar questões relacionadas às escolhas


éticas e à responsabilidade social. Nesses momentos, os alunos devem ser encorajados a
trazerem para o interior do documentário, de forma ética, o desenvolvimento autêntico
de sua autoria.
O desenvolvimento e a edição de vídeos sobre a comunidade onde vivem pode
ser divertido para os alunos, além de permitir-lhes a socialização de conceitos e
explicações científicas sobre o meio ambiente.
Na Prática Situada, o professor deve apresentar aos alunos alguns exemplos de
vídeos de baixa qualidade, nos quais a câmera está simplesmente disposta sobre um
pedestal e as imagens não possam ser facilmente compreendidas. Assim, eles poderão
trabalhar de forma colaborativa para planejar suas próprias estratégias para a produção
de um filme com uma qualidade maior.
É importante que os alunos compreendam que um objetivo muito
bem-estabelecido, a descrição de materiais e processos, uma observação cuidadosa e
conclusões claramente estabelecidas são necessárias para que um videodocumentário
sobre o meio ambiente possa alcançar seus objetivos. Referimo-nos à Instrução
Explícita. Os alunos vão perceber que o local onde a câmera é colocada, os materiais
dispostos no plano de fundo, as palavras utilizadas para descrever as imagens, assim
como a forma como as sequências são editadas vão contribuir para uma melhor ou pior
qualidade do seu vídeo, bem como para a forma como os sentidos são construídos. O
público tende a lembrar-se mais dos conceitos trabalhados quando metáforas e textos
engraçados são utilizados de forma estratégica.
Alguns dos melhores projetos que envolvem o desenvolvimento de atividades
com os novos meios são aqueles que permitem aos alunos a combinação de estruturas
fixas e liberdade de criação, pois assim eles podem desenvolver suas habilidades de
comunicação e exercitar sua criatividade de forma combinada com algumas restrições
que limitam e condicionam o seu trabalho.
Quanto ao Enquadramento Crítico, a proposta é que os alunos produzam
videodocumentários sobre o ecossistema no seu município. Os alunos devem escolher
para discussão e trabalho uma questão ambiental que seja de relevância cultural. O
próximo passo é encontrar textos que noticiam a questão e também vídeos para que
possam visualizar a temática desenvolvida para uma audiência mais ampla.
Os alunos devem ter um cronograma para a conclusão desses projetos, que inclui
o trabalho em sala de aula e trabalhos de casa, o tempo para a discussão de suas
produções de mídia, desenvolvimento das ideias principais, elaboração do roteiro,
gravação e edição.
O professor pode propor que os alunos formem grupos de quatro ou cinco alunos
em cada grupo. Cada aluno deve realizar suas filmagens com o uso do seu aparelho de
celular. Eles podem escolher dentre uma variedade de temas como reciclagem,
ciclovias, reutilização da água, sistema de drenagem de água, poluição das lagoas e rios
no seu município, consumo excessivo, descarte de material eletrônico, etc. Com as
imagens de cada aluno em mãos, o grupo deve se reunir para editar um único vídeo a
partir do roteiro previamente estabelecido.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Nesse momento, uma questão ética pode surgir. Sabe-se que o gênero
documentário sempre foi apreciado pela veracidade dos seus dados e por ser
compreendido como um gênero que é capaz de capturar e representar de forma apurada
a realidade. Assim, é importante que os alunos sejam alertados sobre as questões éticas
envolvidas quando se simula uma situação. Sabemos que nossos jovens alunos
cresceram assistindo a todo tipo de documentários e que a internet permite que sejam
divulgados documentários falsos, assim como todo tipo de textos, há até programas que
ensinam como um documentário pode ser facilmente simulado. Esse fato pode levar à
subversão do status especial conferido aos documentários enquanto gêneros que
procuram retratar a realidade. Afinal, até mesmo documentaristas do núcleo duro podem
manipular muitos aspectos da realidade (através da edição, por exemplo) para atender às
necessidades de sua ideia principal ou argumento central. Nesse caso, diante de uma
situação como essa ou se perguntado sobre a possibilidade de simulação de uma
situação, a melhor solução, se queremos formar cidadãos comprometidos com as
questões éticas que envolvem todo e qualquer trabalho – toda e qualquer escolha, é
levar a questão para discussão em sala de aula. A simulação em um vídeo instrucional
pode prestar um desserviço para a sociedade em geral, mesmo que os fins sejam bons.
Nesse sentido, como estão aprendendo sobre o gênero documentário, os alunos
podem ser encorajados a pesquisar o tema no Google. Nesse caso, basta que eles
digitem as palavras “falsas imagens” e “documentário” para verem o que encontrarão.
Provavelmente, vão descobrir que vários documentários sobre a natureza utilizam-se de
edição criativa e outros artifícios para transformar o vídeo em uma apresentação mais
interessante e informativa. Muitos documentários usam técnicas como reencenação de
testemunhos orais para representar visualmente cenas que não conseguem filmar. No
entanto, é muito importante que fique claro que tais práticas podem estender o vínculo
entre a representação e a realidade de maneira a enganar e desinformar os
telespectadores.
Assim, os alunos devem estar em constante estado de vigilância para perceberem
a diferença entre ficção científica, ciência no senso comum e pesquisa científica
envolvendo o gênero documentário. Ao separar um determinado tempo da aula para a
realização da discussão sobre a ética no gênero documentário, o professor poderá
observar a estreita relação entre o desenvolvimento sustentável, a ‘falsa’ ideia de
sustentabilidade e a conscientização sobre os pequenos gestos e atitudes positivas que
podemos tomar em relação ao meio ambiente sustentável, como por exemplo, a
utilização de garrafas de água em vez dos copos descartáveis, tanto na escola quanto em
outros locais públicos, chegamos à Prática Transformada.
Para que o estudo ganhe espaço e os alunos assumam seu papel de protagonistas,
a culminância do trabalho poderá ser a realização de um festival de vídeos. Os alunos
podem ser encorajados a enviar seus vídeos pelo WhatsApp para todos os seus contatos,
e convidá-los para o evento na escola. Assim, promove-se o necessário enfrentamento
entre os conteúdos escolares e a comunidade.

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Viviane Raposo Pimenta
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CONSIDERAÇÕES FINAIS – PARA NÃO CONCLUIR

A educação, de todos os ícones da alta modernidade, é algo que as pessoas


inequivocamente desejam, pois ela é vista como uma forma de promessa de mudanças e
melhorias na qualidade de vida das pessoas. Promessa de oportunidades no jogo da
mobilidade social, tais como: maior acesso aos bens materiais que podem ser obtidos
com a oportunidade de melhores empregos e melhores salários; mais oportunidades de
participação ativa dos processos democráticos, e possibilidade de acesso a um mundo
mais amplo por meio do conhecimento.
Os letramentos ocupam lugar central nas promessas da educação. De todos os
objetivos da educação, a leitura e a escrita sempre estiveram em sua base fundamental.
O letramento é a primeira maior função da educação formal, e representa um tipo de
capital simbólico em dois sentidos, como forma preeminente de manipulação simbólica
e como marca simbólica que designa o “ser educado”, símbolo de educação.
O problema da educação institucionalizada e o problema do ensino e
aprendizagem dos letramentos é que os alunos trazem para o âmbito da escola diferentes
experiências de vida. Certamente o que cada aluno sabe, quem ele sente que seja, como
ele se orienta em relação à educação são questões individuais e não serão
compartilhadas da mesma forma porque os modos de vida dos alunos variam; porque
suas vidas como experiência subjetiva variam radicalmente. Assim, cada indivíduo vive
a experiência da educação diferentemente dos outros, e seus resultados também são
diferentes.
As linguagens necessárias para produzir significados estão mudando
radicalmente três realidades específicas: nossas vidas profissionais – no âmbito do
trabalho –; nossas vidas públicas – cidadania –; nossas vidas pessoais – modos de vida.
Essas linguagens podem ser trabalhadas por meio da pedagogia dos ‘Multiletramentos’.
Na atualidade, quando a complexidade da “cultura sensitiva” entra em ação, o
visual, o espacial, o gestual, o sonoro, o imagético, o pictórico, as imagens estáticas e
em movimento, a bricolagem são colocados em formas multimodais e multissemióticas
de representação. Pode-se dizer, então, que nem o mundo da representação poderia ser,
em hipótese alguma, fixo.
O advento das TDICs parece envolver, em princípio, um mero salto tecnológico
que nos traz questões relacionadas aos meios de informação e formas de comunicação.
No entanto, essas mudanças relacionadas aos ambientes de comunicação envolvem,
mais profundamente, um salto cultural no qual a questão da sustentabilidade pode ser
crucial.
As novas exigências que o mundo apresenta para a escola acabam por
multiplicar as práticas letradas que devem ser abordadas nas escolas. Torna-se
necessário, então, ampliar e democratizar as práticas e eventos de letramentos que têm
lugar na escola assim como o universo de textos que nela circulam.
Acreditamos que uma adequada abordagem da aprendizagem significativa e
colaborativa pode levar nossos jovens alunos ao gosto pelo trabalho com as questões

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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ambientais, o que os motivará a aventurarem-se em novos desafios, novas descobertas,


além de demonstrar-lhes que o ambiente escolar pode ser um lugar agradável, capaz de
prover-lhes com o capital simbólico da escrita, da leitura e dos letramentos críticos
protagonistas para o exercício da cidadania.

122
Viviane Raposo Pimenta
_________________________________

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Oficina de escrita: um circuito de interação e produção de textos
Ada Magaly Matias Brasileiro

“Escrever é tomar consciência


de que se está vivo.”
(CALKINS, 1989, p. 15)

CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTEXTO E A PROPOSTA

A formação da competência textual-discursiva dos alunos tem sido uma das grandes
preocupações dos educadores e estudiosos da linguagem, especialmente nas últimas décadas,
quando constatamos que o domínio da escrita alfabética não garante ao nosso aluno a
competência de produzir textos em linguagem escrita. Tal averiguação pôs em xeque os
modelos de aulas puramente metalinguísticas e nos convocou a desenvolver um trabalho mais
funcional, que privilegiasse a leitura e a produção de textos.
Diante disso, muitos foram (e são) os esforços para que sejam desenvolvidas estratégias
tanto convincentes ao público nativo digital, quanto eficientes no tocante ao resultado esperado:
o domínio de uma variedade de gêneros discursivos que circulem socialmente.1 Essa
inquietação provocou a difusão dos saberes, antes restritos ao meio acadêmico-científico, para
os ambientes escolares, alcançando os professores da educação básica e conferindo-lhes
segurança no processo de ensino/aprendizagem da língua materna.
Sustentando tais estudos e práticas, destaca-se a abordagem sociointeracionista
discursiva, cujas correntes se disseminaram, alcançando eco no Brasil, dentre os que concebem
a língua como uma atividade de interação entre sujeitos sociais, visando à realização de
determinado fim. Isso gerou uma mudança radical na prática escolar, antes calcada apenas no
discurso como produto, e encontrou dificuldades e um grande mal-estar entre muitos
profissionais, especialmente, aqueles cuja formação previa uma ação tradicionalista. Havia a
expectativa de uma fórmula de ação, pois se o que fazíamos não estava alcançando o resultado
pedagógico esperado, como proceder então?
Concomitantemente com isso, os avanços tecnológicos e todas as suas peculiaridades
trazem para o cenário escolar, com uma rapidez incomum, a geração de alunos digitais, com
novas demandas de letramento na hipermídia, com linguagens, estilos e artefatos específicos,
os quais não podem ficar ausentes da aula de língua materna.

1 Koch (2008, 2003), Marcuschi (2002, 2011, 2012), Ribeiro et al. (2010a, 2010b), Rojo (2013), Schneuwly e
Dolz (2004) e Bronckart (2006), dentre outros, são estudos de referência para o trabalho de ensino da leitura e
da escrita pelo professor.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Sendo a perspectiva de ensino interacionista endossada pela Lei nº 9.394/96 (LDB) e


pelos PCN (1998), os professores se viram, cada vez mais, incomodados a construir um trabalho
capaz de promover o diálogo entre escola e prática social. Tal incômodo foi importante vetor
para impulsionar os saberes rumo às possibilidades da ação docente, a fim de agenciar o
desenvolvimento da linguagem escrita na sala de aula concatenada com a realidade vivida.
Aliados a essa problematização, hão de se destacar, ainda, dois fatores: o primeiro é que,
cada vez mais, os alunos têm demonstrado desinteresse pelo ensino mecanizado e valorizam as
atividades contextualizadas como promotoras da construção de um conhecimento significativo;
o outro fator diz respeito ao despreparo (e por que não dizer renúncia) desses alunos para o
emprego da variante culta da língua materna nas situações em que esta se faz necessária. Em
contraponto a isso, vê-se uma crescente valorização das habilidades de leitura e escrita,
impulsionada pelos vestibulares convencionais, Enem, ou processos de seleção para empregos.
Nessas situações de concorrência, passou-se a exigir, efetiva competência comunicativa,2 pois,
além do conhecimento das estruturas e funções características dos tipos e gêneros discursivos,
espera-se um conhecimento amplo de mundo, que permita ao sujeito discutir assuntos,
relacionar ideias e fatos, posicionar-se diante da realidade circundante, bem como revelar o
domínio de estratégias linguísticas que lhe garantam originalidade e, por conseguinte, um ponto
diferencial relativamente aos demais.
Diante desse quadro, algumas instituições e profissionais passaram a realizar
experiências, tendo o texto como objeto de trabalho e a leitura e produção como os objetivos.
Nesse percurso, entretanto, muitas vezes, os procedimentos operacionais e as ferramentas de
avaliação fugiam ao controle do professor, que, ao fim da etapa, não sabia verificar o que havia
trabalhado ou avaliar o que o aluno havia aprendido. Aos poucos, alguns procedimentos, como
oficinas, circuitos, workshops, foram ganhando visibilidade. Tais práticas, que consideram o
discurso como atividade de interação, pressupõem o encontro dos sujeitos sociais (autor/leitor)
por meio do texto para que dele se produza um sentido, atrelado aos diversos fatores
contextuais.
Apesar desse redirecionamento, muitas escolas de educação básica (da educação infantil
ao ensino médio) ainda não assumiram esse novo olhar e insistem em trabalhar com a redação
de maneira artificial, levando, por exemplo, os alunos a reproduzirem modelos de textos
escolares, cuja função e alcance social são extremamente limitados (Figura 1). Isso sem falar
nas instituições que promovem o seu treinamento e exercício praticamente no 3º ano do ensino
médio, quando os alunos sentem, na pele, as exigências dos vestibulares e, vitimados pela
ansiedade, encontram ainda mais dificuldade na tarefa de produção textual que lhes é exigida.

2 Competência comunicativa é saber mobilizar os conhecimentos gramaticais (pronúncia, ortografia, pontuação,


vocabulário, formação das palavras, concordância, tempos verbais), sociolinguísticos (adequação às situações
sociointeracionais, consideração das variedades da língua e as modalidades oral e escrita), discursivos (gêneros
e elementos de textualidade) e estratégicos (uso de dicionários, recursos verbais e não verbais, figuras de
estilo...) em função da eficácia de um evento comunicativo (BORTONI-RICARDO, 2004).
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Ada Magaly Matias Brasileiro
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Figura 1 – A produção de texto nas escolas

Maior peso instrucional. Menor peso instrucional.


Espaço de circulação: sala de aula. Espaço de circulação: comunidade.
Público-alvo: o professor. Público-alvo: a comunidade.
Gêneros e tipos textuais produzidos: Gêneros e tipos textuais produzidos: variedades
variedades restritas. irrestritas.
Motivação: situações artificiais. Motivação: situações reais cotidianas.
Resultado: pouca alteração nas competências Resultado: maior domínio comunicativo e
comunicativas e linguísticas. linguístico.

Fonte: BRASILEIRO (2003).

Considerando a carência particular de registros pertinentes das práticas de sala de aula


que verifico, especialmente, com o ensino da escrita, tenho como objetivo, neste capítulo,
proceder ao relato de uma experiência exitosa com oficina de escrita, cuja metodologia venho
desenvolvendo desde 1996. A intenção foi fazer uma descrição crítica do método, ultrapassando
o passo a passo que constitui o processo e sinalizando ao professor-leitor algumas ações
pontuais, características desafiadoras, ganhos e possibilidades do trabalho.

A OFICINA DE ESCRITA E O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA

A proposta da oficina de escrita orienta-se pelos pressupostos sociointeracionistas


discursivos, os quais concebem a língua como atividade de interação, e está comprometida com
o processo de construção, leitura, reflexão e reconstrução textual. Em virtude disso, pressupõe
o trabalho com os domínios e gêneros discursivos, que organizam e, por que não dizer,
viabilizam as várias áreas de atividades sociais (Quadro 1).
Quadro 1 – Domínios discursivos e gêneros textuais

DOMÍNIOS DISCURSIVOS GÊNEROS TEXTUAIS (OU DISCURSIVOS)


Práticas discursivas de situações Cada uma das estruturas textuais convencionais, relativamente
cotidianas, relacionadas a instituições estáveis, que circulam na sociedade são formas de uso da língua,
e saberes de conhecimento social. construídas à luz das intenções dos usuários e do contexto.
Jornalístico Notícia, entrevista, reportagem, artigo, editorial, carta à redação...
Literário Conto, crônica, lenda, fábula, apólogo, novela, romance, poema...
Religioso Rezas, sermão, textos sagrados, orações...
Acadêmico-científico Resumo, resenha, ensaio, monografia, artigo, dissertação...
Pessoal e íntimo Bilhete, cartão, carta, telegrama, diário...
Pedagógicos Prova, textos didáticos, estudo dirigidos, exercícios...
Documental e jurídico Procuração, ofício, declaração, requerimento, contrato, recibo, lei...
Instrucional Manual de instruções, receitas, regras de jogos, bula...
Publicitário Propaganda, anúncio, classificados, panfletos, folders...
Fonte: Baseado em Marcuschi (2002).

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Tal trabalho visa à autonomia do aluno de educação básica na produção de texto e é


realizado pelo aluno, na sala de aula, sob a orientação do professor, cujos objetivos são: buscar
constantemente a motivação e a melhoria do desempenho linguístico do aluno/autor,
desenvolver a competência de produção de variados gêneros textuais, dentro das necessidades
cotidianas reais, buscando a conscientização de que tais produções são instrumentos
comunicativos, além de construir um circuito de produção, leitura, reflexão e reconstrução
textual.
Além disso, o aluno deve considerar as condições de produção e de circulação dos textos
que produz. Assim, antes de iniciar o trabalho de escrita, ele precisa refletir e decidir sobre
quem é o público que se interessa pelo que ele tem a dizer e como este terá acesso a seus textos,
ou seja, que portadores ele vai utilizar para que o texto alcance o leitor: uma revista? Um
diário? Um jornal? Um livro? Um cartaz? Outro fator importante é pensar na linguagem
adequada ao leitor pretendido e em um cronograma possível para realizar o trabalho. São
conceitos e instrumentos construídos na própria atividade de escrita, que possibilitam ao aluno
o desenvolvimento da autonomia no que faz, a percepção de autoria do que escreve e a
construção de uma identidade autora. Para que isso ocorra, entretanto, o aluno deve ser apoiado
pelas ações do professor e pela própria confiança na proposta da oficina.
Esse processo principia com a discussão com os alunos sobre os significados de cinco
termos, cuja compreensão é essencial aos envolvidos: oficina, projeto, processo, pessoal e
escrita.
Oficina –> lugar de trabalho, fazimento, refazimento e conserto. Essa acepção é
transferida para a escrita, uma vez que um texto não fica pronto no momento em que
colocamos um ponto final. É preciso dar atenção a ele, aperfeiçoá-lo, lapidá-lo. A
desordem que parece existir em tal ambiente nada mais é do que parte do processo;
Projeto –> diz respeito ao planejamento que o autor deve fazer antes de começar o
trabalho. É necessário pensar sobre o que vai escrever, quem pretende alcançar, como
levar o resultado até o leitor etc. Para isso, utiliza-se um formulário próprio que pode
ser alterado de acordo com as intenções do projeto.
Processo –> remete ao caminho a ser percorrido, às etapas que cumprimos até
chegarmos ao produto final, mas também se refere ao fato de que o domínio da escrita
não acontece da noite para o dia, com apenas um investimento de escrita, mas com um
esforço contínuo e determinado.
Pessoal –> a discussão desse termo visa à tomada de consciência sobre a
individualidade de quem escreve, pois se tudo passa pelas suas escolhas e habilidades
pessoais, o resultado revelará a identidade do próprio autor.
Escrita –> é necessário discutir a escrita como um processo de autoria sério. Entender
que tal atividade se realiza por meio de gêneros discursivos, que merecem especial
atenção por parte de quem escreve.
Esses termos devem ser trabalhados sem pressa, pelo professor, pois são essenciais para
que os alunos compreendam a proposta e confiem no processo a ser vivenciado por eles.

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Ada Magaly Matias Brasileiro
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O PROCESSO VIVENCIADO E UM POUCO DE HISTÓRIA

A oficina de escrita é uma proposta vivida por mim, desde 1996, quando me foi
apresentada pela instituição na qual atuava. Na época, trabalhei com a disciplina da 5ª série do
ensino fundamental (atualmente, 6º ano) até o 3º ano do ensino médio, alcançando uma adesão
acima das expectativas, o que rendeu, naquele período, a publicação de dois livros dos alunos,
várias exposições, premiações em concursos locais e nacionais, resultados favoráveis nos
vestibulares, encontros de autores com convidados externos à sala de aula e efetiva circulação
dos textos produzidos.
De 2001 a 2003, realizei o mestrado e tomei as produções dissertativo-argumentativas
de alunos de 3º ano do ensino médio como meu objeto de estudo. Naquela oportunidade,
comparei as produções de um grupo preparado para a escrita nos modelos convencionais com
outro que vivenciou o processo de oficina de escrita desde o 7º ano do ensino fundamental, e
pude constatar uma superioridade no desempenho linguístico-textual dos alunos da oficina de
escrita, pois, apesar de não terem sido treinados especificamente para o texto dissertativo, eles
se sobressaíram em relação aos demais.
Os ganhos observados, na ocasião, referiram-se, principalmente, aos aspectos da
Linguística Textual, relativos à organização tópica linear e hierárquica do texto, ao domínio da
norma culta, articuladores discursivos, pontuação e vocabulário, utilizados em favor da
estrutura argumentativa, além do domínio do gênero.
Em 2002, iniciei minha trajetória no ensino superior, para onde tenho levado a proposta
sempre que percebo a necessidade e condições de produção propícias. Os resultados na
melhoria da produção escrita dos alunos e da consciência que tomam sobre o ato de escrever
são muito favoráveis, motivando-os a prosseguirem no desenvolvimento da competência
comunicativa escrita. Tendo situado você, leitor, no caminho percorrido por mim com a
proposta da oficina de escrita, é tempo de apresentá-la mais objetivamente.

O FUNCIONAMENTO DA OFICINA DE ESCRITA: O MÉTODO

A partir da reflexão sobre os novos objetivos do ensino de Língua Portuguesa e as


possibilidades de implantação dessa nova proposta, por meio de uma metodologia eficiente no
que diz respeito ao despertar dos alunos para a escrita, chegamos à experiência da pesquisadora
americana Lucy Calkins (1989), descrita na obra “A arte de ensinar a escrever”, cujo trabalho
altera as práticas convencionais da sala de aula e gira em torno de uma pergunta básica: o que
é essencial no ensino da escrita? Tal questão é respondida no percurso de sete etapas
vivenciadas pelos sujeitos do processo alunos e professor.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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O PLANEJAMENTO

Nesta primeira etapa, o aluno decide o assunto, o gênero e o modo de veiculação do seu
texto; define os objetivos que pretende alcançar, o material que irá utilizar e as datas das
produções, registrando suas decisões em folha específica, fornecida pelo professor. Trata-se de
um momento difícil, especialmente, se se tratar da primeira experiência da turma, pois é comum
que os alunos não confiem que terão condições de prever o que irão escrever no futuro. E se
eles mudarem de ideia? E se não derem conta de produzir o que pretendiam?
Essas questões e angústias demandarão muito empenho e tranquilidade do professor,
pois é ele quem poderá transmitir a segurança da qual o aluno carece. Ele deve circular pela
sala, opinando, questionando, orientando... Alcançar o engajamento da turma talvez seja o
principal desafio do professor com a oficina, mas os primeiros resultados já são suficientes para
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Ada Magaly Matias Brasileiro
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os alunos mudarem a atitude. É importante destacar que, no planejamento, há espaço reservado


para a assinatura do professor e do aluno, como um compromisso que está sendo firmado entre
ambos e do aluno consigo próprio. Essa é também uma ação avaliativa, já que, na oficina,
valorizamos mais o processo do que o produto final. Ressalto, ainda, que todas as produções
devem ser guardadas na pasta individual do autor, que também pode conter objetos e materiais
didáticos que ele julgar úteis ao projeto.
Na medida em que o projeto for se repetindo, o professor poderá selecionar alguns
alunos que mais se destaquem na escrita para auxiliá-lo nessa tarefa. Há ainda a possibilidade
de contar com um auxiliar de sala em algumas instituições, profissional esse bastante solicitado
nessa fase.

A PRODUÇÃO

Concluído o planejamento, o aluno passa a produzir aquilo que planejou. Nos primeiros
textos, é comum que ele se sinta mais inseguro quanto à linguagem, o gênero escolhido, o
conteúdo, as estratégias para chamar a atenção do leitor em seus manuscritos, fatores inerentes
ao desenvolvimento da competência comunicativa (BORTONI-RICARDO, 2004). Nessa
etapa, é importante que o professor oriente sobre a necessidade de o aluno pesquisar acerca das
características dos gêneros discursivos que serão desenvolvidos. Se houver demanda sobre
pesquisa, é importante liberar os alunos para tal atividade. É um momento, também, em que o
professor poderá ir com a turma para o pátio ou outro ambiente mais inspirador e favorável à
produção escrita.
Ao final da produção, o aluno apresenta o rascunho ao professor, que visará o texto e
fará constar essa produção em seus instrumentos de registro avaliativo. O texto vai para a pasta
do aluno, que o entregará ao colega responsável pela guarda desta.

REVISÃO, CÍRCULO DE AUTORES, CONFERÊNCIAS INDIVIDUAIS E MINILIÇÕES

Após ter escrito, no mínimo, dois textos, os alunos revisarão as suas produções e,
posteriormente, trocarão os textos com os colegas, a fim de ouvir deles uma opinião de leitor.
Um dos colegas deverá registrar no campo “observações” um comentário sobre o trabalho lido.
Este é um momento especial da oficina, em que o aluno internaliza o sentido de autoria, uma
vez que o contexto é totalmente interacional, de leitura, diálogos, retornos. Quebra-se, com isso,
uma prática comum das aulas convencionais de redação, em que apenas um leitor (o professor)
lê o texto do aluno, com o fim específico de avaliá-lo. Tal prática tem sido veementemente
criticada por linguistas, tais como Geraldi (1996), que a consideram uma violência contra a
linguagem e a pessoa do aluno.
A partir desse momento, o professor iniciará um círculo de conferências individuais e
também registrará seus comentários no campo “observações”. Tais comentários devem permear

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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entre o incentivo e os pontos que podem ser melhorados no texto. Ele deve fazer, também,
anotações, em seus documentos de registros, para identificar as principais dificuldades comuns
à turma no domínio da norma culta e demais aspectos da competência comunicativa. Na medida
em que achar necessário, o professor oferecerá pequenas lições para toda a turma, esclarecendo
dúvidas comuns.
Nesse momento da interação individual, o professor encontra oportunidades
privilegiadas de se aproximar de cada aluno e de conhecer suas limitações e potencialidades. É
comum, por exemplo, que eles comentem que sabem o que querem escrever, mas não
conseguem passar para o papel, assim como explorou Assis (2015) em estudo realizado sobre
o desenvolvimento da escrita acadêmica. A esse respeito, as recomendações que a autora deixa
ao final do seu artigo são bem aplicadas na proposta da oficina de escrita. Defende a autora a
necessidade de se “buscar compreender as condições de emergência [do discurso], tendo em
vista o que isso permite informar sobre o processo de ensino/aprendizagem em foco e os déficits
e conflitos vividos pelos estudantes” (ASSIS, 2015, p. 447).
Além disso, detectados os textos mais comentados pelos colegas, alguns deles podem
ser lidos em voz alta, estimulando, ainda mais, o processo de produção. Diante dos retornos dos
leitores, os autores deverão fazer os ajustes que acharem convenientes, reforçando, assim, o
aspecto de oficina.
Nessa fase, a sala de aula se evidencia como um ambiente genuinamente interativo, e
aquela disciplina convencional (alunos sentados, calados, produzindo) não deve ser perseguida
pelo professor. Ele deve se esforçar para construir uma relação de confiança e produtividade
com a turma, já que todos sabem dos seus objetivos, e tentar não se inquietar com a aparente
“bagunça”.

RELEITURA DO PROJETO E AJUSTES FINAIS

Com base nos objetivos que o aluno/autor pretendia alcançar, bem como em todos os
outros aspectos do planejamento, ao final da elaboração de todos os textos, ele deverá reler suas
produções, dessa vez, com um olhar mais rigoroso, a fim de fazer os ajustes que ele achar
cabíveis. Esse é um momento especial para o processo de ensino/aprendizagem da escrita, pois
o aluno, já com maior domínio de suas produções, exercita uma perspectiva mais crítica em
relação ao que fez, tendo em vista os fins globais e específicos pretendidos.
O professor deve estimular a realização dessa tarefa e orientar os alunos para os aspectos
que, normalmente, carecem de alterações, como: a adequação da linguagem ao público
pretendido; as estratégias para alcançar o leitor; os objetivos pessoais registrados para a oficina
etc. Nessa fase, começam as discussões sobre as possibilidades de elaboração da arte final.
A quantidade de textos a serem produzidos pelos alunos é variável! Depende do tempo
disponível para isso. A quantidade não é o mais importante, mas o trabalho dispensado pelo
autor em cada texto. Normalmente, a rodada de dois circuitos de produção, círculo de autores
e releitura, cada um com dois textos, já é suficiente para a vivência do processo.

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Ada Magaly Matias Brasileiro
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ARTE FINAL

É uma fase lúdica em que o aluno põe a serviço da oficina outras habilidades que ele
tem desenvolvidas. Além de passar o trabalho a limpo e dar a ele o formato que havia sido
planejado, ele poderá exercitar a criatividade e/ou desafiar-se ao desenvolvimento de outras
habilidades. Por exemplo, se o que se pretende é fazer uma revista, nesta etapa, irá produzir a
capa, o índice, as manchetes etc. e inserir os textos que produziu. Se ele planejou um
jornalzinho, ele pode trabalhar com folhas de tamanhos maiores e passar os textos a limpo,
obedecendo ao formato próprio de um jornal. Se planejou criar um blog, é momento de criar a
sua página com todas as características inerentes a ela. Se vai produzir um livro, deve pensar
nas capas, ilustrações, formatos, dedicatória, enfim, todos os aspectos que configuram esse
portador. Se pretendeu criar uma campanha publicitária do negócio da sua família, é momento
de pensar em todas as nuanças dessa arte final (cores, formas, materiais etc.).
A construção dessa etapa é muito instigante para a turma. Muitas vezes, outros
personagens, alheios à sala de aula, são envolvidos para fazer um prefácio, auxiliar em
ferramentas tecnológicas, montar determinada estrutura que foge ao domínio do aluno/autor.
Essas propostas devem ser encaradas com naturalidade pelo professor, afinal, na vida fora da
escola, não fazemos nada sozinhos, estamos sempre em busca dessas parcerias.

AUTOAVALIAÇÃO

Antes de considerar o trabalho pronto, o aluno deve confrontar tanto o processo que
percorreu, quanto o produto final e registrar, no campo específico do projeto, a avaliação do
seu trabalho. É importante que o professor estimule os alunos a fazerem o registro com
honestidade, independentemente, de terem ou não alcançado os objetivos pretendidos com a
plenitude desejada. Lembro, ainda, que os rascunhos e a folha com o planejamento devem ser
entregues ao professor, juntamente com a versão final do trabalho, pois são a materialidade do
processo vivido. As avaliações finais perpassam desde a melhoria na habilidade de escrita, até
as questões de relacionamento interpessoal, como exemplifico com alguns fragmentos
transcritos a seguir, retirados das autoavaliações de alunos da educação fundamental, ensino
médio e ensino superior:

F1- Gostei muito da Oficina, pois descobri que gosto de criar histórias e que posso
melhorar cada vez mais. (Fragmento de autoavaliação – aluno ensino fundamental)
F2- Na oficina, pude conhecer melhor os meus colegas, a partir dos seus trabalhos.
(Fragmento de autoavaliação – aluno do ensino médio)
F3- Cresci muito com a Oficina, melhorei a minha escrita, as minhas ideias se
desenvolveram mais. (Fragmento de autoavaliação – aluno do ensino superior)
F4- É bom ter um roteiro a seguir, isso nos incentiva a ter mais responsabilidade.
(Fragmento de autoavaliação – aluno do ensino médio)
F5- Ao mesmo tempo esse trabalho é prazeroso e educativo. (Fragmento
autoavaliação – aluno do ensino superior)
F6- É trabalhoso, mas é mais prazeroso do que antes. (Fragmento de autoavaliação –
aluno do ensino médio)

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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F7- Achava que era ótimo na escrita, mas vi que posso melhorar muito. (Fragmento
de autoavaliação – aluno do ensino superior)

Dentre as observações que podem ser destacadas desses fragmentos, é possível realçar
o prazer pela escrita, enfatizado nos fragmentos F1, F5 e F6; a tomada de consciência da escrita
e a confiança no autodesenvolvimento processual, presentes em F1, F3 e F7; a interação e a
aproximação dos colegas, a partir do que escrevem, em F2; bem como, de um modo geral, o
engajamento e compromisso com o que foi planejado.
Ao longo de todos esses anos trabalhando com a oficina de escrita, tenho entrado em
contato com os meus alunos de maneira mais próxima e testemunhado o prazer que sentem ao
verificar que são capazes de escrever, de ter leitores e de melhorar sempre. Que escrever não é
fácil, como diz F5, mas pode ser uma tarefa prazerosa, até mesmo na escola. Revela-se, nesse
processo, a consciência da autoria.

ENCONTRO DE AUTORES

Essa última etapa do processo consiste na reunião de todos os alunos, para a exposição,
uma breve apresentação e circulação dos trabalhos produzidos. O encontro pode ser planejado
pela turma como um evento festivo ou uma confraternização. Oportunamente, e respeitando as
regras institucionais, o professor e os alunos podem trazer convidados para fazerem alguma
apresentação adequada às propostas desenvolvidas pela turma ou apenas apreciarem as
produções dos alunos.
Após esse momento, o professor recolhe os trabalhos para avaliação final. A esta,
pode-se seguir uma exposição para toda a escola, por exemplo, na biblioteca. Isso amplia o
horizonte de circulação dos textos, cujos autores têm a tendência de se sentirem
mais valorizados. Na próxima oficina, com certeza, os alunos iniciarão com maior autonomia
e mais bem preparados do que estavam na primeira experiência.

OS PAPÉIS SOCIAIS DOS SUJEITOS ENVOLVIDOS

O relato que fiz até o momento traz as especificidades do processo, o trabalho


desempenhado pelos sujeitos nele envolvidos, evidenciando a simplicidade da proposta, sem
negar que se trata de algo comprometido com muita energia e atitude por parte dos envolvidos.
Para que os objetivos pedagógicos sejam alcançados, contudo, é essencial que os sujeitos
constitutivos do processo compreendam as relações, os lugares e os papéis estabelecidos no
espaço sala de aula, a fim de que todos possam exercê-los com eficiência e contribuir para o
êxito da aula.
Assim, nesse espaço, caberá ao professor de oficina de escrita as funções de orientador,
estimulador, informador e avaliador dos alunos nos processos construídos. Além disso, cabe-lhe
o gerenciamento da interlocução, intervindo na disciplina do grupo, gerenciando conflitos,
organizando as tarefas e definindo as funções dos envolvidos no trabalho (MATENCIO, 2001).

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Ada Magaly Matias Brasileiro
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Especificamente no que se refere ao trabalho, o professor: auxilia a turma na elaboração


dos planejamentos, define o cronograma das atividades, faz conferências individuais e
registra-os no projeto, monitora e registra a produtividade de cada aluno, realiza minilições,
mantém a postura de um leitor crítico, considera o que o aluno escreveu, dá sugestões, faz
elogios, lê os produtos finais, pontua conforme programa da escola e emite um parecer escrito
ao aluno.
Por sua vez, para que a aula realmente funcione, caberá aos alunos informar ao professor
o que sabem, dar continuidade à interação, manifestando-se quanto ao que é dito/estudado
(MATENCIO, 2001). Eles também precisam entender as rotinas, as normas, os rituais da escola
e saber lidar com os instrumentos ali utilizados (livros, cadernos, lápis e outros) e com a
organização de tempos e espaços da instituição (CASTANHEIRA, 2007).
No caso da aula de Oficina de Escrita, caberá aos alunos: tomar decisões quanto ao
assunto, gênero, modo de veiculação do trabalho e linguagem, convertendo essas decisões em
planejamento; providenciar o material necessário para a execução da ideia; identificar os pontos
que devem ser melhorados para aprimorar a habilidade de escrita; executar o planejamento
conforme cronograma; fazer autoavaliações; ler o seu trabalho e reescrevê-lo, de acordo com
as necessidades, bem como ler os trabalhos dos colegas, emitindo suas opiniões de leitor.
Ao assumir e exercer seus papéis sociais, professor e alunos são capazes de transformar
a sala de aula em um espaço de genuína interação, produção e desenvolvimento autoral.

O QUE E COMO AVALIAR

Avaliar é sempre uma atividade docente melindrosa. No caso da oficina, caberá ao


professor verificar a construção do percurso, valorizando-o mais do que o próprio produto final.
Esse procedimento, condizente com a avalição formativa e democrática (LUCKESI, 2011),
pretende desenvolver nos alunos a consciência de que o caminho percorrido e o modo como
isso se deu tem mais importância do que o resultado alcançado, ou o produto final apresentado.
Além disso, considera o erro como uma oportunidade de aprendizagem.
Assim sendo, e adequando-se às normas institucionais, uma proposta avaliativa coerente
com a oficina é que, no processo de desenvolvimento, sejam distribuídos 60% dos créditos e os
outros 40%, no produto final. Torna-se, portanto, objeto de avaliação no processo: o
planejamento, a elaboração de cada texto no prazo acordado, a participação dos circuitos de
leitura, com os respectivos comentários, a elaboração da arte final, a postura participativa e
comprometida durante todo o processo e mais os aspectos que cada professor puder observar
em sua realidade.
No produto final, é importante o professor verificar a qualidade do texto nos aspectos
sociolinguísticos, gramaticais, discursivos e estratégicos, bem como a autoavaliação do aluno
e a qualidade da apresentação final ao leitor.
Ao avaliar o resultado pretendido, é essencial que o professor tenha em mente que,
embora, na maioria das vezes, os alunos apresentem feedbacks positivos do trabalho realizado,
isso não significa que a construção da autonomia do autor será alcançada da primeira vez que

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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ele participar da oficina, pois isso é processual e leva mais tempo. Esse olhar demandará maior
flexibilidade do professor na ferramenta de avaliação.

ALGUNS APONTAMENTOS FINAIS

O trabalho com a oficina de escrita compromete-se com a ideia de que, quando


desartificializamos a prática do modelo redacional escolar, dando-lhe significado, destino
social, gênero, veiculação, linguagem adequada, público-alvo e um projeto de escrita do
interesse individual, alcançamos um desempenho melhor do aluno, não apenas de um texto
isolado.
A proposta revela-se igualmente eficiente e desafiadora. O desafio principal está na
postura do professor perante o trabalho a ser realizado, que, além de volumoso, convoca-o a
alterar as práticas tradicionais da sala de aula e a exercer uma liderança democrática, sem
colocar em risco o seu papel hierarquicamente superior em relação aos alunos. Por outro lado,
o prazer proporcionado pela oficina gera um efeito positivo também no professor, que passa a
se envolver com os projetos individuais dos alunos. Além disso, os alunos se conscientizam de
suas próprias dificuldades, buscando saná-las e dando lugar ao autor independente, autônomo.
Essa situação também proporciona ao aluno tempo e oportunidade, na escola, de
desenvolver suas habilidades de escrita, de descobrir empiricamente o que funciona e o que não
funciona nas estratégias discursivas que emprega ao escrever, de interagir com a realidade, de
ler e produzir textos, atendendo a demandas sociais reais e, principalmente, de motivar-se para
tal, já que não escreve para um leitor único, o professor, mas para além da comunidade escolar.
Outras possibilidades são vislumbradas com a metodologia da oficina de escrita. Dentre
elas, destaco trabalhos pontuais relativos às temáticas e aos conteúdos a serem desenvolvidos
em cada série. Por exemplo, propor uma oficina somente de poemas ou de gêneros de narração
fictícia, no 6º ano; ou gêneros publicitários ou jornalísticos, no 7º ano; ou uma produção de
crônicas, seguida de um concurso, no 8º ano; ou gêneros mais comprometidos com a
argumentação, no 9º ano. É possível, também, optar por temas específicos à série, ou mesmo,
propor um desafio linguístico pontual sinalizado como ponto frágil da turma. Enfim, é possível
desenvolver trabalhos mais específicos, criando situações de aprendizagem comprometidas
com o contexto da oficina, sem deixar de lado os objetivos definidos.
Em síntese, ciente de que não se trata de nenhuma novidade para o professor, neste texto,
pretendi trazer como contribuição a descrição analítica do método oficina de escrita, permeada
pela visão de quem já o vivencia há quase duas décadas e teve a oportunidade de testemunhar
inúmeros ganhos relativos à competência comunicativa dos seus alunos. A par dos benefícios,
busquei destacar, também, os pontos desafiadores para a construção do trabalho. Espero que
este texto possa alcançar os colegas, professores de língua materna, auxiliando-os, de algum
modo, em sua prazerosa e árdua tarefa de ensino/aprendizagem da produção de textos.

138
Ada Magaly Matias Brasileiro
_________________________________

Referências

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140
Multiletramentos e desenvolvimento de competências em língua
portuguesa: uma experiência com a pedagogia de projetos
e os usos das TDIC

Adilson Ribeiro de Oliveira


Daniela Rodrigues Dias
Hércules Tolêdo Corrêa

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este capítulo relata a experiência e os resultados obtidos no desenvolvimento de


um projeto intitulado LET – Linguagem, Educação e Tecnologia, realizado no âmbito
da Disciplina de Língua Portuguesa, com alunos do 3º Ano do Curso Técnico Integrado
do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais – IFMG –
Campus Ouro Preto.
O IFMG – Campus Ouro Preto – exerce influência em municípios situados, na
maioria, dentro de um círculo imaginário, com raio de 200 km, tendo como centro a
cidade de Ouro Preto, Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade, situada a 100
km a sul/sudeste da capital de Minas Gerais, Belo Horizonte. Esse círculo engloba a
Microrregião Metropolitana de Belo Horizonte, onde se concentra o maior Parque
Industrial do Estado, cujas atividades de indústria, comércio e serviços centralizam a
principal atividade econômica do Estado de Minas Gerais (PDI, 2009-2013).
O campus Ouro Preto conta com as seguintes modalidades e cursos presenciais:
Técnico Integrado (Administração, Automação Industrial, Edificações, Metalurgia e
Mineração); Técnico Subsequente (Edificações, Meio Ambiente, Metalurgia, Mineração
e Segurança do Trabalho); Proeja Integrado (Joalheria e Manutenção e Suporte em
Informática); Graduação (Licenciatura em Física, Licenciatura em Geografia,
Tecnologia em Conservação e Restauro, Tecnologia em Gastronomia e Tecnologia em
Gestão da Qualidade) e Pós-Graduação (Especialização em Educação Matemática).
O Projeto LET – Linguagem, Educação e Tecnologia teve como objetivo
articular atividades de pesquisa, seleção, leitura, compreensão e capacidade de
exposição oral, utilizando-se as tecnologias digitais de informação e comunicação na
sala de aula.
Justifica-se a escolha por essa temática tendo em vista o contexto tecnológico
em que a sociedade atual está inserida e a introdução das TDIC nos espaços
educacionais, em que observamos a criação de novas possibilidades de expressão, o que
nos faz refletir sobre as exigências dos multiletramentos no mundo contemporâneo.
Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa que
utiliza o estudo de caso como procedimento metodológico e como instrumento de coleta
de dados, observação em sala de aula, entrevista semiestruturada com os professores e
alunos participantes e aplicação de questionário aos alunos.
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA CONTEMPORANEIDADE

Arruda-Fernandes e Rocha (2014, p. 11) afirmam que, na sociedade


contemporânea, letrada, somos bombardeados por uma diversidade de textos: fôlderes,
cartazes, anúncios, notícias, e-mails, chats, reportagens, outdoors, poemas, canções,
telenovelas etc., e também somos compelidos a mobilizar as nossas experiências em
leitura e escrita para participar dessas atividades.
A exigência do domínio da Língua Portuguesa “pressupõe, fundamentalmente, a
capacidade de construir sentidos, sempre negociados e compartilhados em nossas
interações” (ARRUDA-FERNANDES; ROCHA, 2014, p. 14). Nesse sentido, pode-se
concluir (e a bem da verdade, reafirmar) que dominar língua e linguagens implica o
domínio de competências que não se circunscrevem apenas a conhecimentos e
informações estanques relativos à língua.
É por meio do desenvolvimento de competências e habilidades que o indivíduo
poderá avançar em níveis mais completos de estudos; integrar-se ao mundo do trabalho,
com condições para prosseguir, com autonomia, no caminho de seu aprimoramento
profissional e atuar de forma ética e responsável, na sociedade, tendo em vista as
diferentes dimensões da prática social.
De acordo com Perrenoud1 (apud ARRUDA-FERNANDES; ROCHA, 2014, p.
15), “competência é a faculdade de mobilizar um conjunto de recursos cognitivos
(saberes, capacidades, informações etc.) para solucionar com pertinência e eficácia uma
série de situações”.
Para Perrenoud (2004), é papel da escola oferecer ferramentas para que os
estudantes possam dominar a vida e compreender o mundo. Nesse sentido, a meta da
escola não pode ser apenas transmitir conteúdos, mas desenvolver nos alunos suas
competências individuais.
No que se refere à Língua Portuguesa, três eixos de competências e habilidades
são propostos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – PCNEM:

a) Eixo 1: Representação e comunicação (utilizar linguagens nos três níveis de


competência: interativa, gramatical e textual; ler e interpretar; colocar-se como
protagonista na produção e recepção; aplicar tecnologias da informação em situações
relevantes);
b) Eixo 2: Investigação e compreensão (analisar e interpretar no contexto de
interlocução; reconhecer recursos expressivos das linguagens; identificar manifestações
culturais no eixo temporal, reconhecendo os momentos de tradição e os de ruptura;
emitir juízo crítico sobre essas manifestações; identificar-se como usuário e interlocutor
de linguagens que estruturam uma identidade cultural própria);

1
Construindo competências – Entrevista com Philippe Perrenoud, Universidade de Genebra – Paola
Gentile e Roberta Bencini. Disponível em: <http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud>.
Acesso em: 1. dez. 2014.

142
Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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c) Eixo 3: Contextualização sociocultural (usar as diferentes linguagens nos


eixos da representação simbólica: expressão, comunicação e informação e nos três
níveis de competência; analisar as linguagens como geradoras de acordos sociais e
fontes de legitimação desses acordos; identificar a motivação social dos produtos
culturais na sua perspectiva sincrônica e diacrônica; usufruir dos patrimônios culturais
nacional e internacional; contextualizar e comparar esses patrimônios, respeitando as
visões de mundo neles implícitas; entender, analisar criticamente e contextualizar a
natureza, o uso e o impacto das tecnologias de informação).

Por sua vez, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) lida com cinco
competências gerais:
a) dominar diferentes linguagens, desde idiomas até representações matemáticas e
artísticas;
b) compreender processos, sejam sociais, naturais, culturais ou tecnológicos;
c) diagnosticar e enfrentar problemas reais;
d) construir argumentações; e
e) elaborar proposições solidárias.

“Ambas as propostas possibilitam a aprendizagem significativa e se articulam em


torno de eixos bastante próximos” (ARRUDA-FERNANDES; ROCHA, 2014, p. 16).

PROJETOS DE TRABALHO EM LÍNGUA PORTUGUESA

Para o desenvolvimento de uma prática pedagógica com os usos das tecnologias


digitais na educação, uma das possibilidades tem sido os projetos de trabalho. Nessa
perspectiva, o aluno aprende realizando o projeto, pesquisando e filtrando as
informações importantes, acima de tudo utilizando a criatividade e os seus
conhecimentos.
Em se tratando da aprendizagem por projeto, Prado (2005) enfatiza a sua
importância pelo fato de o aluno poder aplicar aquilo que sabe de forma intuitiva,
estabelecendo relações entre os seus conhecimentos, ressignificando os conceitos e as
estratégias utilizadas, ampliando-se, dessa forma, o seu escopo de análise e
compreensão. Entretanto, essa abordagem pedagógica requer do professor uma postura
diferente daquela habitualmente utilizada no sistema da escola mais tradicional, ou seja,
requer uma postura que concebe a aprendizagem como um processo em que o aluno
constrói o conhecimento “como produto do processamento, da interpretação, da
compreensão da informação” (VALENTE, 2003, p. 20).
A aprendizagem baseada em projetos considera a autonomia e a criatividade dos
alunos, visto que o professor passa a ter uma nova função, mediando os conhecimentos,
interagindo com os seus alunos na busca e na troca de conhecimentos, permitindo a
construção de valores, atitudes e habilidades que lhes permitam desempenhar
influências construtivas na sociedade, tornando-se cidadãos éticos, críticos e

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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conscientes. Isso significa que, seja qual for o tema e o objetivo do projeto, ele
necessariamente será analisado e avaliado pelo professor conforme o seu potencial para
mobilizar conhecimentos, experiências, capacidades, estratégias, recursos, materiais e
tecnologias de uso da língua escrita, oral, digital e impressa.
Nesse sentido, o professor, em meio a tantas tecnologias e conhecimentos, não
pode se esquecer da especificidade humana presente no ato de educar, como destaca
Paulo Freire: “Educar não é só transferir conhecimentos, mas levar bom senso,
humildade, alegria, esperança e curiosidade aos educandos” (FREIRE, 1996, p. 47-86).

MULTILETRAMENTOS E USOS DAS TDIC NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Segundo Soares (2002), letrar é mais que alfabetizar, é ensinar a ler e escrever
dentro de um contexto onde a escrita e a leitura tenham sentido e façam parte da vida do
aluno. Afinal, a autora defende que, para a adaptação adequada ao ato de ler e escrever,
é preciso compreender, avaliar e apreciar a leitura e a escrita. Para a pesquisadora,
existem modalidades diferentes de letramento, o que sugere que a palavra seja
pluralizada: há letramentos, e não letramento, isto é, diferentes espaços de escritas e
diferentes mecanismos de produção, reprodução e difusão da escrita, o que resulta em
diferentes letramentos.
Dos letramentos múltiplos, chega-se aos “multiletramentos”. Para Rojo (2012),

trabalhar com Multiletramentos pode ou não envolver (normalmente


envolverá) o uso de novas tecnologias de comunicação e informação (“novos
letramentos”), mas caracteriza-se como um trabalho que parte das culturas de
referência do alunado (popular, local, de massa) e de gêneros, mídias e
linguagens por eles conhecidos, para buscar um enfoque crítico, pluralista,
ético e democrático – que envolva agência – de textos/discursos que ampliem
o repertório cultural, na direção de outros letramentos, valorizados [...] ou
desvalorizados [...] (ROJO, 2012, p. 8).

Nesse contexto, o uso da tecnologia digital vem se solidificando e se destaca


como condição necessária para acesso à informação e para a melhoria do campo da
comunicação mundial. A aplicabilidade das TDIC ao campo educacional tem sido
vista, por uma parcela considerável de educadores e instituições educacionais, como
uma possibilidade de modernização para o sistema escolar (FRADE, 2010).
No desenvolvimento dos argumentos a favor dos multiletramentos, Rojo (2012)
inicialmente localiza a origem histórica desse conceito, que procura cobrir dois “multi”:
multiculturalidade, ou seja, a variedade cultural das populações presentes na sociedade,
principalmente nas áreas urbanas, na contemporaneidade, e multimodalidade, ou seja, a
variedade semiótica de constituição dos textos por meio dos quais a multiculturalidade
comunica e informa.
A pesquisadora enfatiza que, ao considerar esses dois “multi”, o conceito de
multiletramentos avança em relação ao de letramento, pois, segundo seus argumentos,
aponta para a multiplicidade e variedade das práticas letradas. Para Rojo, o mundo
contemporâneo é caracterizado pela multiplicidade cultural que se expressa e se

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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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comunica por meio de textos multissemióticos, que podem ser impressos ou digitais, e
que se constituem por meio de uma multiplicidade de linguagens (fotos, vídeos e
gráficos, linguagem verbal oral ou escrita, sonoridades) e que fazem significar esses
textos (ROJO, 2012).

TRABALHANDO NA PERSPECTIVA DA PEDAGOGIA DE PROJETOS

O Projeto LET – Linguagem, Educação e Tecnologia foi desenvolvido no


âmbito da disciplina Língua Portuguesa, com trinta alunos do 3º Ano do Curso Técnico
Integrado do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Minas Gerais –
IFMG – Campus Ouro Preto e teve como objetivos articular atividades de pesquisa,
seleção, leitura, compreensão e capacidade de exposição oral e ler e produzir textos em
diferentes linguagens, a partir da linguagem verbal escrita, usando as tecnologias
digitais de informação e comunicação.
O tema norteador do projeto foi a Matriz de Referência para Redação do Exame
Nacional do Ensino Médio – Enem –, que apresenta as cinco competências a serem
avaliadas na redação, cujo objetivo é explicitar os critérios de avaliação, de modo a
ajudar na preparação para o Exame.2 As competências são definidas conforme o Quadro
1, a seguir:
Quadro 1 – Matriz de Referência para a redação Enem
Competência Descrição
Competência 1 Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua
Portuguesa.
Competência 2 Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das
várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro
dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em
prosa.
Competência 3 Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações,
fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
Competência 4 Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos
necessários para a construção da argumentação.
Competência 5 Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado,
respeitando os direitos humanos.
Fonte: BRASIL. Ministério da Educação. A redação no ENEM 2013: Guia do participante.
Brasília: INEP, 2013.3

2
À época da elaboração do projeto, os alunos foram consultados e elegeram como tema de interesse os
critérios de avaliação da redação do Enem. Na mesma direção, o professor de Língua Portuguesa vinha
já se debruçando sobre estratégias que permitissem aos alunos um conhecimento amplo sobre a
temática, já que percebia a necessidade de que os alunos lessem os documentos oficiais que delineiam o
exame para, então, sentirem-se mais preparados.
3
Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/
2013/guia_participante_ redacao_ enem_2013.pdf>. Acesso em: 7 ago. 2014.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Os alunos foram divididos em equipes e orientados a pesquisar, estudar e


apresentar à classe, em seminário, uma das competências expressas pelo Enem (cada
equipe ficou com a responsabilidade de trabalhar com uma competência) de modo a
construir um conhecimento sólido e sistemático sobre o assunto, de forma original e
criativa.
O professor ficou encarregado de proporcionar um estudo sobre a introdução ao
Guia do Participante do Enem, em que são apresentados, entre outras coisas: a Matriz de
Competências para avaliação da redação Enem; sistema e critérios de avaliação das
redações; motivos que levam à nota zero; exemplos de redações.4
Feito isso, em um primeiro momento, as equipes deveriam produzir uma
apresentação em algum software de computador, explicando a Competência do Enem e
procurando realizar uma apresentação multissemiótica com imagens significativas que
representassem a temática, com introdução, desenvolvimento e conclusão. Os alunos
foram orientados também a apresentar sugestões de aprofundamento no tema específico
da competência com links para sites, redes sociais, softwares simuladores, jogos digitais
etc., inserindo todas as fontes de pesquisa (incluindo fontes das imagens, sites etc.).
Em um segundo momento, os alunos foram orientados a usar a criatividade e
produzir uma arte visual que representasse o tema da competência (linguagem não
verbal), explicando em seguida a utilização das cores, símbolos, figuras, fontes etc.
Em um terceiro momento, os alunos foram orientados a realizar uma entrevista
com professores e/ou estudantes universitários que já realizaram a redação do Enem,
com o intuito de narrar a experiência significativa referente à competência abordada ou
um vídeo final que representasse o tema da competência. Os alunos poderiam utilizar
exemplos, tutoriais, figuras representativas, animações, músicas, instituição e legenda
com os nomes dos componentes das equipes.
Os alunos foram orientados, também, no sentido de que todas as equipes
deveriam entregar no dia da apresentação os arquivos digitais com toda a produção do
projeto e realizar a apresentação multissemiótica em sala de aula. Para tanto, levaram-se
em consideração os seguintes critérios de avaliação: organização da equipe e respeito ao
tempo estipulado para apresentação; clareza, objetividade e pertinência da apresentação;
organização da apresentação (capacidade de síntese, objetividade, correção linguística);
relação da teoria com a prática (exemplos, ilustrações etc.); trabalho em equipe,
colaborativo e participativo; criatividade, respeito e cordialidade na apresentação;
utilização das tecnologias digitais de informação e comunicação e a multiplicidade de
recursos (textos, vídeos, imagens, sons, gráficos); recursos audiovisuais utilizados de
forma a facilitar o entendimento da explanação, tornando a apresentação dinâmica e
interessante.
A seguir, apresentamos as produções finais elaboradas pelos alunos e,
separadamente, resgatamos parte dos relatos dos discentes durante a apresentação do
seminário.

4
Convém lembrar que todo esse estudo sobre a Matriz de Referência para Avaliação das Redações Enem
sucedeu os estudos sobre o tipo textual exigido na Redação Enem: dissertativo-argumentativo.

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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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FIGURA 1 – Produções dos alunos no Projeto LET – Equipe 1


EQUIPE 1
Competência 1  Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da Língua
Portuguesa.

Fonte: Elaborado pelos discentes – Equipe 1


Para a elaboração da apresentação referente à Competência 1, os alunos
realizaram duas apresentações em Power Point, uma para explicação da competência e
outra com dicas para obter uma boa pontuação na redação. Apresentaram um exemplo
prático de uma redação nota 1000, realizando a análise.5 Quanto à arte visual,

5
A redação utilizada foi cedida por um ex-aluno da escola, colega dos estudantes, que já se encontra na
universidade.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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representada por um homem com um terno, os alunos disseram que representa a


formalidade, ou seja, a importância da linguagem formal. Em relação ao vídeo, os
alunos não o apresentaram, relatando problemas técnicos que ocorreram na conversão
do arquivo.

FIGURA 2 – Produções dos alunos no Projeto LET – Equipe 2


EQUIPE 2
Competência 2  Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas
de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto
dissertativo-argumentativo em prosa.

Fonte: Elaborado pelos discentes – Equipe 2

Para a elaboração da apresentação referente à Competência 2, os alunos


realizaram uma apresentação em PowerPoint. Apresentaram um exemplo prático de
uma redação vencedora do concurso de um blog para redações do Enem, realizando a
sua análise. Quanto à arte visual, representada pelo hemisfério do cérebro e dentro dele
um quebra-cabeça com as cores azul (cor fria, que transmite calma) e laranja (que
destaca, enfatiza), os alunos procuraram demonstrar na arte a importância de se aplicar
os conceitos das várias áreas de conhecimento. Em relação ao vídeo, os alunos

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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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apresentaram uma montagem com a entrevista, realizada por eles utilizando o celular,
com uma professora que leciona aula particular em casa. O vídeo foi uma remixagem
com imagens, sons e textos.

FIGURA 3 – Produções dos alunos no Projeto LET – Equipe 3


EQUIPE 3
Competência 3  Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões
e argumentos em defesa de um ponto de vista.

Fonte: Elaborado pelos discentes – Equipe 3

Para a elaboração da apresentação referente à Competência 3, os alunos


realizaram uma apresentação em PowerPoint. Apresentaram exemplos práticos de
redações e ilustraram com aplicativos que oferecem dicas para uma boa redação.
Quanto à arte visual, representada por duas pessoas conversando e acima delas os balões
com as cores azul (cor fria, que transmite calma) e vermelha (cor que transmite
agressividade), visto que a pessoa com a cor do balão azul teria bons argumentos em
defesa de um ponto de vista e conseguiria, assim, convencer a outra, por isso a cor azul
do balão se sobrepõe em relação ao balão vermelho. Em relação ao vídeo, os alunos
realizaram uma remixagem com imagens, sons, textos e uma entrevista realizada por

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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eles, utilizando o celular, com uma estudante, constando nas imagens a legenda do
roteiro de entrevista elaborado e preservando a identidade da entrevistada.

Figura 4 – Produções dos alunos no Projeto LET – Equipe 4


EQUIPE 4
Competência 4  Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para
a construção da argumentação.

Fonte: Elaborado pelos discentes – Equipe 4

Para a elaboração da apresentação referente à Competência 4, os alunos


realizaram uma apresentação em PowerPoint. Apresentaram um exemplo prático de
uma redação nota 1000, realizando a análise. Quanto à arte visual, foi representada
pelas engrenagens no cérebro com as cores azul, vermelho, laranja e verde, que, no
dizer dos alunos, representavam os mecanismos linguísticos necessários para a
construção da argumentação. Em relação ao vídeo, os alunos relataram haver realizado
entrevistas com discentes do IFMG – Campus Ouro Preto, porém não conseguiram
convertê-lo para apresentar durante o seminário em sala, mas disponibilizaram os vídeos
no CD que foi entregue posteriormente ao professor.

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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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Figura 5 – Produções dos alunos no Projeto LET – Equipe 5


EQUIPE 5
Competência 5  Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado,
respeitando os direitos humanos

Fonte: Elaborado pelos discentes – Equipe 5

Para a elaboração da apresentação referente à Competência 5, os alunos


realizaram uma apresentação em PowerPoint, com grande destaque para os links
vinculando as fontes dos textos e figuras. Apresentaram um exemplo prático de uma
redação com uma proposta de intervenção, realizando a análise. Apresentaram também
exemplos práticos de redações, sites, jogos e aplicativos que oferecem dicas para uma
boa redação. Quanto à arte visual, os alunos relataram que a arte representa um punho
fechado na cor vermelha significando poder, os bonecos nas cores preta e branca
representando as relações étnico-raciais, e destacaram a relevância da cidadania,
respeito aos direitos humanos e intervenção social. Em relação ao vídeo, os alunos
relataram dificuldade de elaboração e apresentaram dois vídeos da internet (entrevistas
com jornalistas) e dicas para uma boa redação, entretanto os vídeos não foram
disponibilizados.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência de desenvolvimento do Projeto LET – Linguagem, Educação e


Tecnologia mostrou-se desafiante e enriquecedora, no sentido de que os alunos
tornaram-se protagonistas na construção de significados e produtores de textos em
diferentes linguagens.
Através das estratégias didáticas adotadas, a disciplina de Língua Portuguesa
potencializou as oportunidades para aproximar os alunos das competências e
habilidades exigidas pelos PCNEM, como também a articulação de atividades
de pesquisa, seleção, leitura, compreensão e capacidade de exposição oral e leitura e
produção de textos em diferentes linguagens, a partir da linguagem verbal escrita,
usando as tecnologias digitais de informação e comunicação.
Em um momento em que muitas possibilidades tecnológicas emergem na
educação, consideramos a importância das modalidades linguísticas em sala de aula
com os usos das TDIC, ampliando-se a competência comunicativa dos alunos. Segundo
Arruda-Fernandes e Rocha (2014),

os alunos do Ensino Médio já dominam a linguagem oral, interagem tanto em


instâncias particulares como em algumas instâncias públicas como a escola e,
em alguns casos, o trabalho [...]. É preciso considerar também que o uso
eficiente da linguagem, tanto escrita como oral, é uma necessidade dos
alunos, como futuros cidadãos. Para ter uma intensa participação social é
fundamental que eles tenham a maior eficiência possível na busca de
informações pertinentes aos seus propósitos, na defesa de seus pontos de
vista, na produção ou transmissão de conhecimentos (ARRUDA
FERNANDES; ROCHA, 2014, p. 187).

Corroborando com as pesquisadoras, a ideia do projeto de trabalho é justamente


buscar a aproximação da escola com o aluno, vinculando-se à pesquisa sobre algum
assunto emergente, ou seja, a uma questão surgida em meio ao diálogo entre professores
e alunos, levando-se em consideração as dimensões profissional, pessoal e de
participação social.
Nesse contexto, o uso eficiente da linguagem, tanto escrita como oral, é uma
necessidade do aluno do ensino médio, como cidadão, sendo um importante instrumento
de participação social, busca de informações pertinentes aos seus objetivos pessoais,
defesa dos seus pontos de vista, produção, construção e transmissão de conhecimentos
(ARRUDA-FERNANDES; ROCHA, 2014, p. 188).
Consideramos que o nível dos trabalhos atendeu plenamente às expectativas e
houve um grande destaque para as apresentações desenvolvidas em softwares de
apresentação, artes visuais em diversos softwares de editoração eletrônica, entrevistas e
vídeos com usos dos celulares e softwares de edição de vídeo, exemplos práticos de
redações e sugestões de aprofundamento nos temas. Por meio da observação
participante, desde a elaboração do projeto até a apresentação final, foram observados

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Adilson Ribeiro de Oliveira, Daniela Rodrigues Dias e Hércules Tolêdo Corrêa
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vários aspectos comportamentais dos alunos tais como: iniciativa, persistência, busca de
informações, dinamismo e perspectivas positivas em relação ao exame.
Acreditamos, não sem uma visão crítica, que as tecnologias digitais da
informação e comunicação podem criar oportunidades de estabelecer relações
diferenciadas entre professores, alunos e sociedade, diversificando os espaços de
compartilhamento do conhecimento, ao reconsiderar certas metodologias de
ensino/aprendizagem mais tradicionais e ao proporcionar a todos os envolvidos um
diálogo integrado, colaborativo e interativo de forma local, digital e global.
Nesse contexto, consideramos que o objetivo do Projeto LET foi atingido, pois
proporcionou desenvolver algumas habilidades de produção multissemiótica dos alunos,
levando-os à elaboração de textos em diferentes linguagens e a se tornarem usuários
funcionais, criadores de sentidos, analistas críticos e transformadores.
Tal prática proporcionou ao professor a efetividade de se trabalhar um conteúdo
importante da Língua Portuguesa e aos alunos a autonomia e a criatividade,
desenvolvendo-se por meio de trabalhos em equipe, pesquisando, selecionando e
filtrando as informações. Esperamos que essa experiência seja uma referência para
futuros trabalhos com as tecnologias digitais de informação e comunicação, adaptadas
para o uso na educação.

153
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Referências

ARRUDA-FERNANDES, Vania M. B.; ROCHA, Maura A. F. Linguagens: múltiplos


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155
A redação do Enem na escola: percurso e resultados de oficinas de escrita

Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana


Isabela Camargos Ribeiro
Leonardo Lopes Cunha
Luciana Aparecida de Oliveira
Wemerson Guedes
Wilson Silva Fonseca Júnior
“[...] antes de servir para comunicar,
a língua serve para viver”
(Émile Benveniste)

PALAVRAS INICIAIS: LUZES SOBRE O EXAME NACIONAL DO ENSINO MÉDIO E SEU IMPACTO NA
ESCOLA

Com ampla notoriedade, nos dias de hoje, o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem), sem dúvida, passou a fazer parte do sonho da grande maioria dos estudantes e tem
ganhado, por isso, cada vez mais espaço nas escolas da educação básica e nas universidades
do país.
Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio foi a primeira iniciativa ampla
de avaliação do sistema de ensino implantada no Brasil. Inicialmente, a prova do Enem era
aplicada aos alunos do ensino médio em todo o país para auxiliar o Ministério da Educação na
elaboração de políticas pontuais e estruturais de melhoria do ensino brasileiro.
Entre 1998 e 2008, o Enem era constituído de 63 questões aplicadas em apenas um dia
de prova. Até então, o Exame não se caracterizava, necessariamente, como um mecanismo
para o ingresso em cursos superiores, e apenas algumas poucas universidades utilizavam
porcentagem da nota obtida neste em alguma das etapas do vestibular. Em 2009, um novo
modelo de prova para o Enem foi lançado, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), com 180 questões objetivas e uma questão de redação,
e, com ele, a proposta de unificar o vestibular das universidades federais brasileiras,
respeitando, é claro, a autonomia destas para aderirem ao novo Enem, conforme julgassem
melhor.
Na realidade, tamanho foi o seu alcance que o Enem foi se constituindo, ao longo dos
anos, em mais do que um aporte à avaliação do desempenho escolar e acadêmico ao final do
ensino médio, mas, também, numa espécie de “passaporte” para o acesso do participante à
seleção de importantes programas governamentais, a exemplo do Programa Universidade para
Todos (PROUNI), do Sistema de Seleção Unificada (SISU), do Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES), tendo passado também a ser utilizado como certificação de conclusão do
ensino médio para pessoas maiores de 18 anos de idade e como um dos critérios para a
participação do Programa Ciência sem Fronteiras.
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Com ampla projeção e impacto nacional, pode-se dizer que o Exame, de certa forma,
tem afetado algumas das concepções que orientam as práticas de ensino de muitos
professores, na contemporaneidade, ou, pelo menos, acendido um alerta.
É importante lembrar, aqui, dentre outros, dois aspectos que iluminam a asserção
precedente: (i) em tese, historicamente, a escola sempre valorizou o ensino dos conteúdos
(cada um em sua “caixinha”) em detrimento do estímulo ao desenvolvimento de competências
e habilidades − preocupação esta central para o Exame, o qual avalia, sobretudo, a capacidade
de leitura e de interpretação do aluno/participante, em vez de analisar, pontualmente, um
conteúdo específico; (ii) à escola não é recomendável o distanciamento ou “estrangulamento”
das demandas de seus alunos, e, não se pode negar, o Exame Nacional do Ensino Médio
ganhou essa tônica no quadro das expectativas dos estudantes.
O Enem também avalia a competência escrita do aluno − que, aliás, é o foco da
discussão deste capítulo −, por meio da prova de redação, parte fundamental do Exame, por
interferir diretamente na nota final ou mesmo por poder determinar a desclassificação do
candidato, no processo seletivo. A redação do Enem tem o valor de mil pontos, atribuídos a
partir dos parâmetros definidos por uma matriz de competências.
Nessa medida, é exigida do participante a produção de um texto em prosa do tipo
dissertativo-argumentativo a partir de textos-base acerca de um tema de ordem social,
científica ou política.
Importa mencionar que o Exame Nacional do Ensino Médio está estribado em
documentos parametrizadores, a exemplo dos PCNEM (2006), e, nessa perspectiva, orienta-se
pela concepção de que
há uma estreita e interdependente relação entre formas linguísticas, seus usos
e funções, o que resulta de se admitir que a atividade de compreensão e
produção de textos envolve processos amplos e múltiplos, os quais
aglutinam conhecimentos de diferentes ordens (BRASIL, 2006).

Fato é que, guardadas e reconhecidas as potencialidades do Exame, é preciso ainda se


ter presente, de outro lado, a existência de algumas críticas “ruidosas” que recaem sobre ele,
já que muitas escolas públicas e particulares o têm encarado como uma espécie de “matriz” −
numa perspectiva mais radical − que direciona e regimenta o ensino, e, portanto, a formação
ou “formatação” dos alunos.
E aí reside o perigo, isto é, há uma forte tendência para uma preocupação exacerbada,
muitas das vezes, com a preparação meticulosa dos alunos para o alcance exclusivo da
excelência de uma “boa nota” no Exame, especialmente, na famosa “redação do Enem”.
No que respeita ao caso a que se remete, a crítica recai sobre o suposto efeito
retroativo do Exame, como advoga Vicentini (2015), para quem o “Enem pode influenciar as
práticas dos professores; podendo provocar um efeito negativo como o de estreitamento de
currículo, ou seja, podendo sinalizar para um ensino estritamente destinado ao treinamento
para a prova” (p. 2) ,e, especialmente, para o treinamento de modelos e estruturas textuais, já
que, no Exame, há a valorização predominante da noção da tipologia textual.
Essa defesa vai ao encontro da opinião de Pereira (2013), a qual chama atenção para o
fato de que a proposta do Enem está escorada na produção de uma “redação escolar,
materializada em modelos ‘praticamente estáveis’ e não em uma produção de texto situada e

158
Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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orientada pelas concepções que engendram a perspectiva dos gêneros do discurso, entendidos,
inclusive, como ‘relativamente estáveis’ ”.
Sobre a questão discutida vale ressaltar que
“a avaliação dos textos, no ENEM, tem por objetivo verificar competências
linguísticas na dimensão textual. Isso implica considerar o desempenho
linguístico do participante quanto às habilidades de demonstrar
conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para seleção,
organização e interpretação de informações, estruturando-as em um texto
dissertativo-argumentativo” (BRASIL, 2013).

Como já sinalizado, o Enem está para a escola, como a escola está para os alunos.
Noutros termos, a relação que se menciona, ao nosso ver, é natural e legítima, claro, desde
que a escola saiba dosar e refletir de forma consciente sobre o nível de influência do Exame
nas concepções e propósitos que devem nortear, de fato, a formação integral dos seus alunos.
Pode-se inferir, inclusive, que a prova de redação do Enem está fortemente ancorada
em uma concepção de letramento autônomo, isto é, o que se avalia são habilidades cognitivas
dos alunos em relação às expectativas do domínio da escrita do texto
dissertativo-argumentativo. E, na verdade, o investimento da escola, nesse sentido, deve ser
sempre maior, ou seja, o letramento escolar/autônomo deve ser apenas um dos muitos e
múltiplos letramentos a serem mobilizados na ambiência da escola. O ideal é que, na sala de
aula, por exemplo, as práticas de escrita estejam associadas aos vários papéis sociais que os
alunos irão assumir em sua vida cotidiana.
Apesar da existência de críticas como as anteriormente aqui levantadas, não se pode
negar que o Exame Nacional do Ensino Médio se consolidou como uma iniciativa
bem-sucedida do Governo Federal, o qual, de fato, é hoje o maior exame seletivo do Brasil.
Razão natural que justifica o esforço de muitas escolas na tentativa de oportunizar aos seus
alunos a igualdade de condições de participação do Enem.
Nessa direção, destacamos nosso interesse em apresentar, neste capítulo, aspectos
relevantes que nortearam o planejamento, a realização e a avaliação de uma Ação1 (oficinas
de preparação para redação do Enem/2014), vinculada ao Projeto “Leitura e Escrita no Ensino
Médio: demandas para a ação e formação de professores; caminhos para novas práticas”,
desenvolvida em uma escola da rede pública estadual de ensino, em Belo Horizonte, com a
participação de alunos dos 2º e 3º anos do ensino médio, por meio de parceria firmada entre
estudantes de graduação do Curso de Letras da PUC Minas, e a escola contemplada no
referido projeto, a Escola Estadual Bernardo Monteiro (EEBM).

1
A ação mencionada foi planejada e executada pelos autores, à época graduandos do Curso de Letras da PUC
Minas, a partir de uma demanda da própria escola, que, por meio de sua representante, professora de Língua
Portuguesa, também, integrante do Projeto, formalizou o pedido para que as oficinas de preparação para o
Enem acontecessem na escola, coordenadas pela equipe do projeto. O desejo era o de que tais oficinas
auxiliassem os alunos para a preparação para a prova de redação do Enem 2014, e, de igual modo, servissem à
formação continuada dos docentes da escola, os quais, uma vez interessados, poderiam também participar do
processo.
159
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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OS BASTIDORES DAS OFICINAS

Como antecipado, a escola EEBM foi contemplada no projeto “Leitura e escrita no


ensino médio: demandas para a ação e formação de professores; caminhos para novas
práticas”. Essa condição viabilizou a realização de várias ações conjuntas entre a instituição e
a equipe do projeto. Foi assim que, para o alcance dos objetivos pretendidos, isto é, contribuir
para o processo de formação docente inicial/continuada e oferecer ao público do ensino médio
da Escola Estadual Bernardo Monteiro subsídios para a produção do gênero redação do Enem,
dedicamo-nos à preparação das oficinas.
Essa preparação se constituiu em momentos muito produtivos de estudo,2 junto à
equipe do projeto, os quais visavam a assegurar não somente uma conduta adequada ao
comando das oficinas, mas, também, a propiciar um conhecimento, por parte dos oficineiros,
acerca do processo de avaliação e das diretrizes contidas nos documentos utilizados na
correção do texto obrigatório a ser redigido pelo candidato inscrito no Exame Nacional do
Ensino Médio, sendo eles: o manual de capacitação para as avaliações do Enem 2014 e a
Matriz de Referência para Redação do Enem (competências e níveis).
Sem dúvida, esse processo de formação, para nós, graduandos, foi extremamente
relevante, uma vez que possibilitou, de certa maneira, um nivelamento do grupo, já que os
envolvidos na preparação e futura execução das oficinas estavam em fases distintas da
formação acadêmica. Além disso, propiciou-nos a aquisição de um saber mais consistente e
necessário ao esclarecimento de possíveis questionamentos a serem levantados pelos alunos
da EEBM sobre os instrumentos de avaliação aos quais estariam submetidos, na condição de
participantes das oficinas.
Esse processo, também, foi necessário para a reflexão sobre as estratégias a serem
adotadas na reavaliação de metodologias de ensino/aprendizagem, de forma a sistematizar
hipóteses para o sucesso, ou insucesso, na aplicação das propostas de escrita.
A preparação e execução das oficinas, assim, colocou-nos em contato mais próximo
com o métier do professor da educação básica, e, sem dúvida, convocou-nos a um
reposicionamento identitário, legitimado pela assunção da identidade do professor de Língua
Portuguesa da educação básica.

2
Dois desses momentos, por exemplo, aconteceram com a coordenação de dois integrantes da equipe do projeto,
os quais promoveram i) uma capacitação, na própria EEBM (com a participação, inclusive, de professores de
várias áreas, que se interessaram pela temática), onde houve um estudo criterioso da Matriz de
Referência/Competências que orienta a atribuição de valores e critérios para a (des)classificação do candidato
ao Enem; ii) como complemento desse treinamento, em um outro momento, contou-se com um estudo
minucioso do Guia do participante do Enem.
160
Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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AS OFICINAS: PANORAMA GERAL

Trilhado o caminho a ser percorrido no investimento da ação anunciada, dedicamo-nos


a concentrar esforços na divulgação3 das oficinas, após toda a nossa preparação/formação para
implementação destas, na escola.4 Merecem ser destacados, inclusive, o interesse e o
empenho da Direção da EEBM e dos professores em assegurar aos alunos a participação em
tais atividades e, de igual modo, o interesse e a motivação demonstrados pelos estudantes.
Concluída a fase de divulgação das oficinas, registrou-se um total de 111 inscritos, que foram
distribuídos em cinco turmas distintas.
A ideia era a de que, no espaço dessas oficinas, os alunos tivessem a oportunidade de
se familiarizarem com as práticas discursivas requeridas no expediente da prova de redação
do Enem − aqui entendidas, principalmente, como aporte para a formação
discursivo-argumentativa dos alunos − e, também, a oportunidade de tomarem conhecimento
sobre documentos que orientam a respeito das competências e níveis a serem atingidos para a
excelência dos resultados.
Dessa maneira, as oficinas funcionaram tanto como um espaço de produção de texto
nos moldes do Exame Nacional do Ensino Médio, como, também, e/ou, mais que isso −
espaço de construção de um ethos legitimado pela identidade de sujeitos-autores ávidos por se
reconhecerem como aptos a participarem do exame, com igualdade de condições em relação a
outros participantes. E, sobre isso, vale a pena frisar que a vontade dos alunos em superar as
dificuldades sobre as quais eles demonstravam ter certa consciência era bastante flagrante.
As oficinas aconteceram em cinco encontros, sedimentados por propostas de produção
de texto diferentes, as quais serviram de estímulo para o posicionamento
discursivo-argumentativo dos alunos, em sala de aula. A expectativa era a de que os alunos
fossem provocados a fundamentarem seus posicionamentos diante das questões/temas que
lhes fossem apresentados e a de que conseguissem articular e confrontar ideias e opiniões,
dialogando com teóricos ou críticos sobre assuntos do cotidiano e da atualidade − como
pressuposto, a partir de textos motivadores que legitimaram o formato da proposta de redação
do Enem.
Um dado importante a se observar é que, embora muito interessados em participar das
oficinas de preparação para a redação do Enem, de um modo geral, os alunos demonstraram
desconhecimento sobre informações importantes a respeito da metodologia de correção da
redação e sobre o que se espera do participante em cada uma das competências discretizadas
na matriz de referência do exame.

3
Convidamos um grupo de alunos da própria escola e registramos uma fotografia destes, a qual foi utilizada na
produção do cartaz-convite que anunciava o “Evento”. Consideramos que a ação foi positiva, já que os alunos
mencionados demonstraram uma alegria contagiante quando se viram nos vários cartazes espalhados pela
escola, o que acabou, também, despertando o interesse e a curiosidade dos demais colegas em participarem das
oficinas.
4
A direção da escola, juntamente com os professores de todas as disciplinas, organizou-se de modo a
disponibilizar os dois últimos horários das aulas para a realização das oficinas, as quais aconteceram nas
próprias salas de aula das turmas dos 2º e 3º anos do ensino médio. Cumpre destacar, desse modo, o caráter
colaborativo em que se deu a ação.
161
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Essa observação nos sinalizou para a importância de dedicarmos a primeira oficina ao


esclarecimento de dúvidas dessa natureza, por entendermos que tal medida seria mais do que
um ponto de partida para a continuação das atividades, mas, necessária, visto que havia a
preocupação de que os alunos se sentissem partícipes conscientes de todo o processo que
envolve o Enem.
Dito de outro modo, consideramos que os alunos precisam saber, efetivamente, quais
são as “regras do jogo”, para, então, “jogarem o jogo” − do contrário, o resultado do “jogo”
sempre será injusto. Sobre o que se põe em pauta, podemos dizer que a ação desenvolvida, na
escola, trouxe resultados importantes para alunos e professores, se pensado for que os alunos
tiveram acesso e refletirem sobre conhecimentos significativos relacionados às competências
exigidas para a produção do texto dissertativo-argumentativo e, de outro lado, os próprios
professores tiveram a oportunidade, ou melhor, foram provocados a repensar o lugar e o papel
que a escrita, de fato, ocupa na escola.
Os temas motivadores para as produções textuais foram estes, respectivamente: “Os
limites do humor”; “Os desafios da era do lixo”; “Manifestações populares no Brasil: deve
existir limites para as manifestações?” e “O câncer na fila de espera”.
Houve um cuidado da equipe para que os alunos tomassem ciência da importância da
compreensão do “tema” solicitado para a produção do texto, de modo que não houvesse “fuga
ao tema”, mas que, de fato, eles construíssem uma base argumentativa adequada − capaz de
revelar, no texto, as marcas de autoria/posicionamento na defesa de seus pontos de vista, isto
é, construíssem a imagem de um sujeito-autor. Do mesmo modo, chamamos a atenção dos
alunos para a questão da importância da progressão textual (a ser articulada de forma coerente
e coesa) e de demostrarem domínio da modalidade culta da língua.
No segundo momento, instanciado pelas práticas de produção textual, as demais
oficinas foram organizadas, sempre a partir da apresentação, aos alunos, de uma proposta de
redação, nos moldes semelhantes às propostas do Enem − apoiando-se em textos motivadores
e diagramadas de forma a que se adequassem aos padrões que constam no exame. A partir
daí, então, seguidas de breves debates mediados pelos monitores, nos quais os alunos eram
motivados a levantarem argumentos − que poderiam compor o seu repertório argumentativo −
aos quais poderiam recorrer durante a defesa do ponto de vista, no momento da produção do
texto.
Aliás, desses debates que se menciona, surgiram esquemas5 interessantes para a
produção do texto dissertativo-argumentativo, pensados a partir do posicionamento dos
próprios alunos, que, num movimento de reflexão sobre o processo da escrita e sobre as suas
próprias dificuldades em relação a esta, foram indiciando “ensaios” para a construção dos
textos.

5
Esses esquemas eram registrados no quadro, por nós, à medida que os alunos iam expondo seus pontos de vista
a respeito das temáticas debatidas. Considerávamos importante a reflexão, junto aos alunos, sobre quais
argumentos, por exemplo, eram mais consistentes para a defesa da tese dos textos, e, também, víamos, nestes
momentos, a oportunidade de discutir e refletir sobre a estrutura composicional do texto
dissertativo-argumentativo. Além do registro de esquemas no quadro, a primeira atividade de escrita das
oficinas também contribuiu para a formulação, por parte dos alunos, do que nomeamos pré-texto. Trata-se de
uma estratégia para demonstrar, de forma clara e objetiva, aspectos composicionais que tocam a estrutura do
texto dissertativo-argumentativo: introdução, desenvolvimento e conclusão.
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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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Além dos debates mencionados, cada uma das oficinas foi dedicada à exploração de
aspectos importantes relacionados às cinco competências descritas na Matriz de Referência da
Redação do Enem. A quarta oficina, por exemplo, tratou dos articuladores textuais e
demonstrativos, e distribuímos um material com o intuito de elucidar tal conteúdo e mostrar
aos alunos a finalidade que tais elementos cumprem nos textos.
Após a realização das oficinas, organizávamos encontros,6 entre nós, com o propósito
do estudo e da discussão do redirecionamento de ações de natureza pedagógica, a partir da
análise diagnóstica do nível de proficiência dos alunos em relação às competências avaliadas,
segundo a Matriz de Referência do Enem. Dessa forma, a cada nova oficina, retomávamos,
em sala de aula, de modo geral, as observações levantadas, no momento da correção das
produções dos alunos, na tentativa de reforçar e esclarecer a eles, pontos passíveis de
aprimoramento nelas detectados.
Além disso, os alunos recebiam a correção dos seus textos, nos quais havia o registro
das observações feitas e orientação para a reescrita de uma nova versão.
Para maior compreensão do nível de proficiência dos alunos participantes das oficinas,
e do impacto da dinâmica metodológica adotada, no processo de escrita/reescrita dos alunos,
apresentamos, em breve seção, a seguir, algumas considerações, tomando-se, como ponto de
partida, comentários gerais acerca de um texto produzido por um dos alunos, o qual será
analisado em sua primeira e segunda versões.

O QUE AS PRODUÇÕES TEXTUAIS NOS CONTAM

Conforme já antecipado ao longo da discussão ora tecida, adotamos como parâmetro


para a análise das produções feitas pelos alunos, durante as oficinas, a matriz de competências
que sedimenta a avaliação/correção da prova de redação do Enem: 1) demonstrar domínio da
modalidade escrita formal da língua portuguesa; 2) compreender a proposta de redação e
aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos
limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa; 3) selecionar, relacionar,
organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de
vista; 4) demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção
da argumentação; 5) elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando
os direitos humanos.
Na sequência, apresentamos duas versões de um dos textos produzidos nas oficinas.
Embora tenham sido transcritos, respeitamos integralmente a versão original dos textos,

6
Após a execução de cada oficina, eram realizadas reuniões internas de partilha das experiências entre os
monitores e a coordenadora do projeto, professora Juliana Alves Assis, para a discussão dos aspectos positivos,
ou seja, daquilo que foi previamente programado e que funcionou conforme o previsto e daquilo que exigia
uma reformulação para que a eficácia fosse conseguida, como, por exemplo, propor soluções para problemas
detectados no processo de mapeamento das produções dos alunos, o qual indicava, dentre outras, dificuldades
relacionadas aos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
163
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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inclusive no que toca à utilização do espaço da folha7 entregue aos estudantes para a escrita.
Destaque-se que a correção dos textos produzidos nas oficinas guiou-se pelas competências
descritas acima.
Texto 1 (Primeira versão)

FOLHA DE REDAÇÃO
1 Quando um humorista como Rafinha Bastos vai para a frente das câmeras, o esperado
é que
2 aja um belo processo judicial contra ele por que suas piadinhas são muito bestas
3
4 Ele se acha no direito de invadir a vida das pessoas e acaba arrumando polêmicas com
5 pessoas famosas
6
7 O público não presta atenção nas coisas que ele fala, mas o que está em jogo e a
integridade
8 das pessoas.
9
10 Uma boa solução para esse problema è acabar com esse tipo de programa de vez
11
12
13
14
15
16
17
18

7
Na folha de redação utilizada nas oficinas, havia, abaixo das linhas destinadas à escrita do texto, as seguintes
instruções:
1. Preencha o cabeçalho corretamente;
2. Transcreva sua redação com caneta esferográfica de tinta azul ou preta;
3. Escreva a sua redação com letra legível, risque, com um traço simples, a palavra, a frase, o trecho ou sinal
gráfico e escreva, em seguida, o respectivo substituto;
4. Não será avaliado texto escrito em local indevido. Respeite rigorosamente as margens;
5. Utilize os textos motivadores como material de apoio, mas não os copie.
Bom Trabalho!

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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
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Fonte: Dados das oficinas.

A respeito do texto 1, importa dizer, a princípio, que se trata de uma primeira versão
produzida pelo aluno, a partir do tema “Os limites do humor”, conforme proposta anexa.
De saída, embora o expediente em cena (folha de redação) não estipule o número
mínimo de linhas para a produção do texto, uma vez que essa orientação já havia sido
discutida quando do estudo das diretrizes da proposta original do Enem − “Guia do
participante” − e retomada oralmente, no momento de execução da oficina em destaque,
observa-se que o aluno, autor do texto 1, não atentou para essa questão, inclusive, saltou
linhas ao longo da escritura do texto, atitude passível de desclassificação, fosse na prova de
redação do exame. Além disso, o texto também não apresenta um título. Ainda que essa não
seja uma exigência obrigatória, no exame, pode-se dizer que a ausência do título, no texto, em
certa medida, nos dá pistas sobre a dificuldade do aluno de construir interpretações sobre
aquilo que ele mesmo escreve, ou seja, a produção do texto não lhe possibilitou ter uma visão
geral de um título que pudesse remeter ao assunto abordado.
Ainda sobre o número de linhas preenchido, vale dizer que este denuncia a ausência de
argumentos e informações, por parte do escrevente, para fundamentar, em linhas gerais, a sua
tese de que “quando um humorista como o Rafinha Bastos vai para a frente das câmeras, o
esperado é que aja um belo processo judicial contra ele por que suas piadinhas são muito
bestas”. É bastante evidente que a capacidade de selecionar, relacionar, organizar e interpretar
informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista, aparenta
comprometimento, na produção em exame.
Como se pode ver, o texto não apresenta estratégias argumentativas, a título de
exemplificações ou citações, por exemplo, para defesa do ponto de vista. O que se flagra são
asserções de natureza “subjetiva” a respeito da tese posta. Observa-se que o aluno
compreende a proposta do tema, mas demonstra dificuldade em instituir um nível de
informatividade ao texto.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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No plano do conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção


da argumentação, o texto revela, do mesmo modo, uma falta de destreza do escrevente para
organizar suas ideias de modo a garantir a progressão textual, e, embora a produção, com suas
poucas linhas, tenha certa coerência, os aspectos responsáveis pela coesão deixam muito a
desejar.
É possível notar que os parágrafos, curtos, são organizados apenas com uma ideia
principal, não dando, assim, margem para a continuidade de ideias secundárias, que poderiam
ser desdobradas. Veja-se, por exemplo, o trecho “Ele se acha no direito de invadir a vida das
pessoas e acaba arrumando polêmicas com pessoas famosas”, que poderia ser estruturado de
uma forma melhor, se o escrevente tivesse lançado mão de fatos e /ou dados, exemplos, que
fundamentassem sua ideia de que o “Rafinha Bastos arruma polêmicas com pessoas
famosas”.
A conclusão sinaliza a tentativa de se apresentar uma sugestão de intervenção para a
situação-problema colocada em tela − “Uma boa solução para esse problema è acabar com
esse tipo de programa de vez.” Nela, há desvios relacionados à referenciação, já que a
expressão “esses programas” foi utilizada pela primeira vez. Embora a parte final do texto
traga uma ideia que remete à intervenção exigida, no Exame, o parágrafo de conclusão é
muito curto, quando poderia apresentar possibilidades para uma discussão consistente e mais
detalhada.
Por último, é visível a ocorrência, no texto, de desvios de natureza do domínio da
norma culta, ainda que estes não aconteçam em grande quantidade. São desvios relacionados
à pontuação, haja vista que, em nenhum momento, o escrevente utilizou ponto final nos
parágrafos; há a ocorrência de desvios ortográficos como “aja”, “por que” e a acentuação
equivocada da palavra “é” (è), como, também, a própria ausência de acentuação desta no
excerto “[...] o que está em jogo e a integridade moral das pessoas”. Há que considerar, por
outro lado, que como o texto tem poucas linhas, é natural que a incidência desses desvios do
domínio da norma culta seja mesmo menor. Passemos, a seguir, à segunda versão do mesmo
texto.
Texto 2 (Segunda versão do Texto 1)
FOLHA DE REDAÇÃO
1 Quando um humorista como Rafinha Bastos vai para a frente das câmeras, o esperado

2 é que, no dia seguinte, haja um processo contra ele, porque suas piadas provocam
3 muito mais polêmicas do que risos.
4 Ele se acha no direito de falar o que quiser e de invadir a vida das pessoas por que tem a

5 proteção do canal de televisão. Ele se esqueci de que as críticas não serão bem aceitas, e
que
6 muitos se sentirão ofendidos e por esse motiva, é que acaba arrumando polêmicas com
pessoas

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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
_________________________________

7 famosas.
8 O público que assite a esses programas também não presta atenção na gravidade das
coisas
9 que ele fala e, na maioria das vezes, não intende que o que está em jogo é a integridade
moral
10 das pessoas. Isso nos leva a pensar em até que ponto esse humor que usa a vida particular
das
11 pessoas para fazerem outras rirem deve ser considerado engraçado ou criminoso.
12 Defender a censura não é a melhor solução, entre tanto, deixar de punir também não é.
13 Não estamos mais vivendo a época da ditadura, por isso, a liberdade de expressão deve ser
14 garantida do mesmo jeito que deve ser respeitado o direito de qualquer cidadão.
15 Uma solução para esse problema é a punição para o humorista e para o canal de
televisão
16 que aceita que essas piadas continuem acontecendo e permindo que o desrespeito aumente.

17 Isso poderia impedir que tudo fosse transformado em piada e contribuir para uma reflexão
sobre
18 o que deve e o que não deve virar motivo de riso.
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30
Fonte: Dados das oficinas.

167
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

De início, registre-se que a segunda versão apresenta avanços significativos em relação à


primeira. É flagrante que, nesse segundo texto, o aluno-escrevente lança mão de mais
informações sobre o assunto, a julgar, por exemplo, pelo fato de o número de linhas
preenchidas ter aumentado bastante. O problema notado (linhas saltadas), na versão 1 do
texto, não ocorre na versão 2, embora, ambas as versões continuem apresentando a ausência
do título.
Relativamente à estrutura do texto dissertativo-argumentativo, observa-se que o texto
2 é constituído de introdução, onde a tese continua sendo a mesma evidenciada no texto 1:
“Quando um humorista como Rafinha Bastos vai para a frente das câmeras, o esperado é
que, no dia seguinte, haja um processo contra ele, porque suas piadas provocam muito mais
polêmicas do que risos”. Observe-se, porém, que a expressão “piadinhas muito bestas” (texto
1) é substituída pela expressão “suas piadas provocam muito mais polêmicas do que risos”,
alteração esta que sinaliza para a tomada de consciência do escrevente sobre o efeito de
nossas escolhas lexicais. No Enem, inclusive, não se permitem palavras de baixo calão ou
ofensas que venham a ferir os direitos humanos.
Na sequência, o desenvolvimento é organizado a partir de três parágrafos, que,
visivelmente, aparentam reformulação bem-sucedida em relação aos parágrafos da primeira
versão do texto.
O parágrafo 2 é organizado na tentativa de se explicar por que Rafinha Bastos provoca
polêmicas entre os famosos, sendo, portanto, um desdobramento da tese anunciada na
introdução.
No parágrafo 3, o aluno se posiciona contrariamente à atitude daquelas pessoas que
acabam assistindo ao programa de humor mencionado e, mais que isso, apresenta, ainda, uma
estratégia argumentativa sofisticada, ao problematizar a questão do humor, a saber: “[...] Isso
nos leva a pensar em até que ponto esse humor que usa a vida particular das pessoas para
fazer outras rirem deve ser considerado engraçado ou criminoso”. Nesse mesmo parágrafo,
vale-se, também, do conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção
da argumentação, ao usar a expressão modalizadora “a maioria das vezes”, no excerto “[...]
na maioria das vezes (o público que assiste ao programa de humor aludido), não intende que
o que está em jogo é a integridade moral das pessoas”. Opção que revela a sua tentativa ou
consciência da importância de se preservar a sua face diante da afirmação feita − trata-se de
uma manobra discursiva para não se comprometer demais naquilo que enuncia.
No 4º parágrafo, o aluno demonstra avanços em relação à capacidade de relacionar
fatos, organizar e interpretar informações, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de
vista, ao relacionar a questão da censura com o episódio da Ditadura, no nosso país, para
asseverar que a primeira não é a melhor solução para a questão exposta, já que não vivemos
no período ditatorial. “Defender a censura não é a melhor solução, entre tanto, deixar de
punir também não é. “Não estamos mais vivendo a época da ditadura, por isso, a liberdade
de expressão deve ser garantida do mesmo jeito que deve ser respeitado o direito de qualquer
cidadão.”
No 5º e último parágrafo, conclusão do texto, o aluno apresenta uma proposta para a
solução do problema sobre o qual discorre − “Uma solução para esse problema é a punição
para o humorista e para o canal de televisão que aceita que essas piadas continuem
acontecendo e permindo que o desrespeito aumente. Isso poderia impedir que tudo fosse
168
Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
_________________________________

transformado em piada e contribuir para uma reflexão sobre o que deve e o que não deve
virar motivo de riso”.
Observe-se que, na versão 1, o aluno sugeriu a proibição de programas de humor que
adotem a conduta já mencionada. Em contrapartida, na segunda versão do mesmo texto,
demonstra repensar tal sugestão, já que sugere apenas a punição do humorista e do canal de
televisão. Esse posicionamento é bastante coerente com as ideias defendidas no parágrafo
precedente, no qual o escrevente remete à questão da liberdade de expressão do cidadão.
Cumpre dizer que, embora a segunda versão do texto seja, ainda, passível de
aprimoramentos no que se refere aos aspectos do domínio da norma culta e aos mecanismos
linguísticos necessários à construção e fundamentação da argumentação, como estratégias
argumentativas e outros, é visível que a atividade de reescrita do texto foi bem-sucedida.
E, mais, consideramos que essa prática foi significativa tanto para os alunos, que
tiveram a oportunidade de repensarem/refletirem sobre as suas produções textuais, por meio
de uma ação epilinguística necessária à apropriação da escrita, quanto para nós, que fomos
formadores e mediadores do processo e, como tais, pudemos flagrar os impactos da prática da
reescrita nos avanços demonstrados pelos alunos.

PALAVRAS FINAIS: ENTRE A PRÁTICA E A FORMAÇÃO DOCENTE

A escola, como espaço dinâmico, povoado de concepções, anseios, perspectivas,


valores, incrustados e cindidos pelo caráter histórico-social que afeta os sujeitos que nela
transitam, deve, sem dúvida, constituir-se como espaço de/pela ação/reflexão,
constantemente.
Pensar o que se assevera na esteira do que neste texto discutimos significa dizer que a
ação desejada/demandada pela EEBM, e por nós realizada, por meio da parceria empreendida,
foi produtiva.
Arriscamos dizer que o interesse da escola em ofertar a seus alunos uma preparação
mais sistemática para a participação na prova de redação do Enem revela a
consciência/compreensão de que ações voltadas para as necessidades e expectativas dos
alunos são passíveis de serem implementadas no espaço escolar e de que este é, efetivamente,
um caminho promissor para o sucesso das práticas de ensino/aprendizagem − o que é muito
bom.
Acreditamos, também, ter licença para aqui mencionar que as oficinas de preparação
para a redação do Enem desenvolvidas na escola figuraram como espaço legítimo de
construção de saberes. De um lado, vale lembrar que os alunos não eram obrigados a delas
participarem, em outras palavras, o fato de eles, por iniciativa própria, desejarem participar
das oficinas já se configurou como aspecto positivo, e foi possível perceber o modo diferente
como os alunos participantes mergulharam e se inseriram de maneira integral nas práticas
propostas.
Verdade é que, durante o processo, os estudantes tiveram a oportunidade, de forma
sistematizada, de revisitarem suas produções, num movimento importante de reflexão sobre o
169
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

texto produzido, o que lhes possibilitou flagrar suas dificuldades e potencialidades, para, a
partir da consciência destas, atuarem como protagonistas de seus aprendizados, na prática de
reescrita − ação constitutiva da escrita, a qual, nem sempre, é validada no trabalho com a
escrita na escola.
Noutros termos, preservamos a inserção dos sujeitos-alunos no processo de produção,
correção e refacção textual. E, nesse sentido, há que se ressaltar que a interação entre os
alunos e nós, oficineiros, foi construída, de modo que os estudantes tivessem sempre o
feedback sobre a correção das suas produções e se sentissem à vontade e provocados a nos
questionarem sobre quaisquer aspectos dessa correção. Esse “retorno/feedback” tomou forma,
inclusive, a partir da projeção de uma resposta/correção discursiva em que não privilegiamos
as “chamadas notas”, mas investimos na projeção de uma conversa orientadora, apontando
aspectos positivos e passíveis de melhoria, para a escrita de uma segunda versão dos textos.
Sem dúvida, tal ação se delineou para os alunos como motivação para as práticas de
escrita e reescrita. Essa ideia pode ser fortalecida, por exemplo, ao se pensar nos avanços
flagrados nos textos analisados, na seção anterior, os quais demonstram o esforço do aluno no
investimento da ação de reescrita. Ao nosso ver, trata-se de um dado bastante significativo,
que nos dá pistas sobre os impactos das oficinas na/para a formação de alunos-sujeitos
escritores.
Outra questão que consideramos importante evocar foi o fato de que, nas oficinas, os
alunos tiveram a oportunidade de discutirem e se posicionarem sobre fatos e assuntos da
atualidade − ação necessária e significativa à construção de sujeitos conscientes, e, portanto,
capazes de se posicionarem tanto na enunciação oral quanto na escrita. A escola, com efeito,
não deve ser uma instituição à parte da sociedade e /ou dos acontecimentos da sociedade;
estes devem, sim, constituir pauta na agenda escolar.
De outro lado, ao julgar que as oficinas de preparação para a redação do Enem 2014
foram projetadas, executadas e refletidas por pessoas de diferentes níveis de formação e que,
também, permitiram vivenciar a experiência ensino/pesquisa e extensão, cabe salientar o
quanto todas as partes integrantes do projeto, inclusive, nós, formaram e foram formadas em
diferentes situações de interações interpessoais. Essa formação escapa aos livros didáticos,
teóricos por se materializar, indiscutivelmente, na/pela prática.
Como professores em formação inicial, portanto, fomos provocados a repensar e
(re)direcionar práticas face à realidade plástica e sensível a que os alunos, com suas demandas
singulares, foram nos desafiando ao longo do processo. Sem dúvida, para que os resultados
sejam efetivamente alcançados é preciso um olhar atento para o aluno e para as respostas que
ele oferece a cada nova metodologia aplicada.
É preciso dizer, nessa medida, que o planejamento, preparação e execução das oficinas
nos fez atentar para o fato de que muito mais que uma necessidade, há que se ter uma
exigência e/ou ação maior e mais consistente, nos cursos superiores de licenciatura, no sentido
de que a formação de profissionais da educação seja orientada para o contato cada vez mais
próximo com o ambiente escolar, de forma a permitir que tais profissionais possam,
efetivamente, assumir, pela prática, a identidade de professor.
Para nós, o exercício da atividade docente, tal qual como buscamos viver nas oficinas,
implica reconhecer e respeitar a diversidade dos alunos, entender que os tempos de
aprendizagem não são os mesmos, construir o conhecimento coletivamente, trabalhar
170
Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
_________________________________

potencialidades, apontar possibilidades futuras, o que se apreende, mesmo, na vivência do


âmbito escolar.

171
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Referências

BRASIL. Guia do participante: A redação no Enem 2013. Disponível em:


<http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2013/guia_participan
te_redacao_enem_2013.pdf>. Acesso em: set. 2015.

BRASIL. Manual de capacitação para avaliação das redações do Enem 2013. Disponível
em: <http://oglobo.globo.com/arquivos/manual-avaliadorENEM2013.pdf>. Acesso em: abr.
2016.

BRASIL. Matriz de Referência para o Enem. Brasília, DF: SEB/MEC, 2013. Disponível
em: <http://download.inep.gov.br/download/enem/2009/Enem2009_matriz.pdf>. Acesso em:
abr. 2016.

BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros curriculares nacionais do ensino médio.


Brasília: SEMTEC, 2006.

PEREIRA, Camila Dalla Pozza. Gêneros do discurso e a prova de redação do Enem.


Disponível em: <https://www.infoenem.com.br/generos-do-discurso-e-a-prova-de-redacao-
do-enem/>. Acesso em: abr. 2016.

VICENTINI, Monica Panigasse. O efeito retroativo da redação do Enem: uma análise das
práticas de duas professoras do terceiro ano do Ensino Médio. Disponível em:
<http://www.ileel.ufu.br/anaisdosielp/wp-content/uploads/2014/11/208.pdf>. Acesso em: abr.
2016.

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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
_________________________________

ANEXO A

PUC Minas
Escola Estadual Bernardo Monteiro

OFICINA DE PREPARAÇÃO PARA A REDAÇÃO DO ENEM (2014)

Tema para elaboração de pré-texto


TEMA 1
Os limites do humor

Até onde o humor pode ir? Vale gozar da religião dos outros? E quanto a piadas
francamente racistas, sexistas e homofóbicas? Sou da opinião de que, enquanto o alvo das
pilhérias são instituições e mesmo grupos, vale tudo. Balanço um pouco quando a vítima é
uma pessoa física específica, hipótese em que talvez discutir alguma forma de indenização.
(Limites do humor, Hélio Schwartsman, em 22/1/2014.)
Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2014/01/1400716-
limites-do-humor.shtml>. Acesso em: 2 set. 2014.

O que está faltando em nossa atribulada modernidade é compreender a essência do


humor, tanto do bom como do mau humor, já que no fundo eles são contíguos. Este é um
segredo ao qual só os grandes humoristas têm acesso.
(Alberto Dines, editorial do Observatório da Imprensa na TV, nº 615, exibido em
18/10/2011.)
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_caso_rafinha_
bastos_e_os_limites_do_humor>. Acesso em: 2 set. 2014.

Sobre o episódio envolvendo o ex-apresentador do CQC, Ziraldo disse que não deve
haver censura. A liberdade de expressão é garantida na Constituição. Para ele, cada um deve
fazer o que quiser, mas terá que pagar pelo que disse. O chargista classificou Rafinha Bastos
de “doente” porque o comentário sobre Wanessa Camargo era ofensivo – e nem foi
engraçado. Ziraldo considera que a emissora deveria, sim, ter punido Rafinha pelo “nível da
grosseria”. No entanto, o canal poderia ter oferecido direito de defesa ao apresentador.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

(O caso Rafinha Bastos e os limites do humor, por Lilia Diniz em 20/10/2011, na edição 664.)
Disponível em: <http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_caso_rafinha_
bastos_e_os_limites_do_humor>. Acesso em: 2 set. 2014.

Figura 1

Figura

Disponível em: <http://oeremitadoiceberg.blogspot.com>. Acesso em: 2 set. 2014.

Mãos à obra!

Agora que já conhecemos as competências e outros critérios de avaliação da sua


redação, vamos fazer uma atividade juntos!
Uma das grandes dificuldades que temos na hora de fazer um texto
dissertativo-argumentativo é organizar as etapas que esse tipo de texto exige, então vamos
fazer um pré-texto que consiste em 3 etapas. Trata-se do planejamento.

1º) Introdução (o que você defende): [É a ideia que será defendida no texto; ela deve estar
relacionada ao tema e apoiada em argumentos ao longo da redação.]

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Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana, Isabela Camargos Ribeiro, Leonardo Lopes Cunha,
Luciana Aparecida de Oliveira, Wemerson Guedes e Wilson Silva Fonseca Júnior
_________________________________

Na introdução você deverá escrever, de forma sintética, a tese principal do texto que irá
escrever, com base nos textos motivadores que são apresentados na prova. Escreva então uma
frase que resuma a tese que você defenderá:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

2º) Desenvolvimento (por que você defende): [É a justificativa para convencer o leitor a
concordar com a tese defendida. Cada argumento deve responder à pergunta “Por quê?” em
relação à tese defendida.]
No desenvolvimento temos que convencer o leitor a concordar com a tese defendida. O
desenvolvimento deve responder à pergunta “por quê?”. Escreva, a seguir, dois ou três
argumentos que serão usados no seu texto:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
[Lembrar os alunos que, na hora da escrita do texto, os argumentos serão desenvolvidos por
meio de exemplos, dados estatísticos, pesquisas, fatos comprováveis, citações ou depoimentos
de pessoas especializadas no assunto, alusões histórias, comparações entre fatos, situações,
épocas ou lugares distintos.]

3º Conclusão/Encaminhamento (como o que você defende pode ser alcançado):


Na conclusão você deve trazer soluções para o problema em discussão. A conclusão deve
responder às perguntas “o que fazer?” e “como fazer?”. [Trata-se de trazer ao texto os meios
pelos quais o que você defende poderá ser desenvolvido, poderá ocorrer.]
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

175
Ensino e aprendizagem de literatura no ensino médio via internet

Ananda da Silva Leite


Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho

APRESENTAÇÃO

Neste capítulo, apresentamos os resultados de uma pesquisa interventiva realizada


com alunos do ensino médio de uma escola pública de Montes Claros/MG, que teve como
objetivo geral descrever não só a predisposição e o interesse dos alunos, mas também as
possibilidades e a importância de se trabalhar conteúdos escolares, especificamente no
campo da literatura, por meio de recursos tecnológicos em sala de aula.
Partimos do princípio de que os recursos tecnológicos fazem parte, cada vez mais,
da vida social das pessoas; ninguém tem dúvidas de que o homem, como ser social, deve
utilizar esses recursos a favor das atividades educacionais. Conforme Altoé e Silva
(2008),

a informática adentra cada vez mais na sala de aula. Alunos e professores não
são indiferentes ao seu uso nas atividades da e para a escola. A ampliação do
uso dessa ferramenta na mediação do conhecimento pode contribuir para o
processo de ensino e da aprendizagem, principalmente em se tratando do
computador e da internet, tendo em vista as vantagens que oferece (ALTOÉ;
SILVA, 2008, p. 25).

As autoras defendem o papel do professor nesse processo de mediação, pois é


imprescindível que ele faça emergir novas oportunidades e novos meios de
aprendizagem. Em suas palavras, “o professor mediador é aquele que colabora para que
o aluno avance em seus processos de aprendizagem. É aquele que busca novos
instrumentos, construindo oportunidades significativas de aprendizagem” (ALTOÉ;
SILVA, 2008, p. 25). É nesse sentido que os recursos tecnológicos podem ser utilizados
como meios de intervenção e apreensão de conteúdos de forma a proporcionar uma maior
viabilização do saber no espaço interescolar, bem como, fora dele. Ademais, a
incorporação de novos modelos educacionais suscita a curiosidade e o anseio pelo novo,
de modo que atividades escolares cotidianas, como o estudo dos conteúdos escolares, a
leitura e a escrita, ganham novos rumos e olhares.
Também nos apoiamos em Correia (2008), para quem

a tecnologia associada à educação traz para a discussão a importância de se


“adequar” aos novos tempos. A Internet compete, relevantemente, com outros
meios de aprendizagem tradicional e desperta um interesse pelo “novo”. Não
se trata, apenas, de um novo modismo ou uma nova influência passageira. A
rede interligada de computadores traz para a pauta outra maneira de trabalhar
a leitura e escrita dentro dos ambientes virtuais causando um grande impacto
na vida social e na linguagem (CORREIA, 2008, p. 2).

Sobre isso, o CBC/LP/MG (2005, p. 49), documento oficial de parametrização do


ensino da Língua Portuguesa, prevê que a internet é uma sugestão de suporte, e a escola
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

pode, assim, planejar atividades em que o aluno faça uso dela em busca de
conhecimentos, atividades, enfim, como fonte de estudo.
Quanto à Literatura, objeto caro a este capítulo, percebe-se que a midiatização de
textos literários tornou o acesso a eles mais democrático. Há alguns anos, a produção
literária era destinada apenas à nobreza. Hoje, vemos que mesmo pessoas que têm mínimo
acesso a bibliotecas podem ler, pesquisar e até baixar obras, desde as mais recentes até as
canônicas, já que há sites e blogs que fornecem links de pesquisa e downloads gratuitos
de obras literárias. Sobre isso, assim se pronuncia Correia (2008):

Através da internet, produziu‐se uma maior democratização no que concerne


à aprendizagem de literatura no âmbito educacional. O que antes só era
possível ler numa biblioteca, hoje pode ser encontrado na rede não só para
leitura, mas também para download. Essa democratização do conhecimento
literário tornou‐se possível graças à internet e sua vantagem de conexão que
não está centrada apenas num determinado grupo social (CORREIA, 2008,
p. 3).

Evidentemente que, da mesma forma como é oneroso obter livros impressos, há


casos em que o mesmo ocorre com o acesso a obras por meio da internet. Sabe-se que o
mundo empresarial lança mão de diferentes mídias e suportes para vender e promover
seus livros, também em formato digital, evidenciando que o mercado editorial não só
aprendeu a conviver, mas também a tirar vantagens das transformações proporcionadas
pelo universo digital.
Por outro lado, conforme lembra Kirchof (2016),

[...] o surgimento do ciberespaço, onde estão situados virtualmente todos os


textos digitais, propiciou grande liberdade para a produção e a divulgação de
textos literários, pois, além de não acarretar custos significativos na maior
parte dos casos, não há qualquer regulação ou controle editorial para se
publicar uma obra em blogs ou em sites da internet (KIRCHOF, 2016, p. 223).

É importante salientar que há, ainda, a publicação em sites e blogs com resultados
de pesquisas e textos informativos que, se não substituem, pelo menos reforçam e/ou
complementam as informações sobre os diferentes assuntos relativos à literatura, dentre
eles estudos sobre a História da Literatura, como é propósito deste trabalho evidenciar.
Um dos entraves que pode se interpor entre a possibilidade de estudo via internet
e o acesso, de fato, a ela, é que nem todas as escolas da rede pública disponibilizam
laboratório com computadores conectados, suficientes para uso dos alunos.

A EXPERIÊNCIA NA ESCOLA

Na escola em que se deu a prática interventiva cujos dados trazemos a este texto,
há um laboratório com 21 computadores novos e modernos. Os alunos têm aulas da
disciplina optativa “Tecnologia”, na qual sempre fazem atividades voltadas para o estudo
de conteúdos escolares, apresentação de trabalhos, pesquisas, apenas durante o período
da aula. Contudo, essa quantidade de aparelhos não atende à demanda de uma turma

178
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________

inteira, sendo necessário dois ou mais alunos dividirem uma só máquina. Vale salientar
que o ensino médio, na referida escola, funciona no turno matutino, atendendo, ao todo,
800 alunos, divididos em 21 salas de aula, o que configura uma média de 38 alunos por
sala.
Para caracterização da turma com referência à possibilidade de acesso à internet, por
conta própria, foi aplicado um questionário (Apêndice A), a uma amostra de alunos do ensino
médio, com questões de múltipla escolha, respondido no espaço da sala de aula durante uma
aula de Língua Portuguesa.
A resposta à primeira questão permitiu a constatação de que 90% têm acesso à
internet, todos os dias, em casa e na escola, em aparelhos como o celular e o computador,
indicativo que dá sustentação à possibilidade de os professores marcarem atividades
escolares para serem feitas via internet, em casa ou na escola.
Ao enumerarem os motivos que os levam à utilização da internet, 100% assinalaram,
em primeiro lugar, o acesso às redes sociais. Como segunda opção, apareceram estudo e
elaboração de trabalhos escolares (15%), seguida de navegação aleatória sem alguma
finalidade específica (8%) e jogos (5%).
Ficou evidente que os alunos se envolvem com as redes sociais e deixam em segundo
plano as atividades de estudo e elaboração de trabalhos escolares. Vale salientar que eles
ainda não foram motivados, já que a escola pouco incentiva, dada a precariedade do
laboratório, a falta de oportunidade de utilização desse espaço fora dos horários de aula e o
fato de proibir a utilização dos computadores durante as aulas. Sendo assim, é provável que
a maioria ainda não sabe explorar as possibilidades que a rede oferece.
Ao serem questionados sobre a leitura e a escrita, cerca de 60% dos sujeitos disseram
que não têm o hábito de realizar leituras de textos teóricos via internet, e mais de 82% deles
afirmaram que não têm oportunidade de realizar a escrita nesse meio.
Por fim, por meio da pergunta acerca do interesse em utilizar a internet como espaço
para leitura e escrita, obteve-se um posicionamento satisfatório, tendo em vista que 90% dos
questionados demonstraram desejo de utilizar a internet para essa finalidade.
Ficou, pois, constatado, a partir dos dados expostos, que os alunos já utilizam a
internet para outros fins, que não os de estudo sistemático dos conteúdos escolares e, ao
mesmo tempo, que o perfil do aluno de ensino médio possibilita a inserção, pela escola, de
orientações de estudo por meio desse recurso tecnológico.
Sendo assim, tivemos como objetivo geral da intervenção demonstrar essa
possibilidade de forma prática, elaborando e desenvolvendo um plano de ação, referente ao
estudo da História da Literatura, com uma amostra de alunos do ensino médio.
Para o desenvolvimento da proposta, partimos do princípio de que os conteúdos
curriculares são mais bem aprendidos e praticados por alunos do ensino médio se,
paralelamente às aulas teóricas/expositivas, que não perderam seu espaço, forem introduzidas
práticas de estudo via internet e trocas de conhecimentos entre os próprios alunos, sob a
mediação do professor. Consideramos ainda que, conforme Coscarelli e Ribeiro (2011), obras
em formato digital naturalmente incorporam características inerentes às mídias digitais, sendo
assim, pressupõem a formação de letrados digitais.
No que toca ao letramento digital, recorremos a Coscarelli e Ribeiro (2011, p. 9), ao
afirmarem que “letramento digital é o nome que damos, então, à ampliação do leque de

179
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

possibilidades de contato com a escrita também em ambiente digital (tanto para ler quanto
para escrever)”.
Importante destacar que, em trabalho anterior, Coscarelli (2005) já havia colocado
em evidência as vantagens de se trabalhar com os recursos digitais nas escolas, desde que
sejam adequadamente conciliados com os objetivos de ensino do conteúdo, não dispensando,
portanto, o planejamento de estratégias direcionadas para o uso do computador. Tanto melhor
que o professor desenvolva suas aulas de forma atrativa, motivadora e, de preferência,
associadas a recursos a que os alunos têm acesso e já utilizam normalmente.
O entendimento foi de que a escola pode, efetivamente, contribuir para a
exploração das potencialidades de seus alunos se for ao encontro do desejado e necessário
para o atendimento das necessidades, anseios e expectativas deles. Consideramos que a
juventude atual está envolvida com os recursos de comunicação proporcionados pela
internet e que, sendo assim, se estes forem disponibilizados como recursos de estudo dos
conteúdos escolares, haverá um envolvimento efetivo de todos, o que proporcionará a
aprendizagem de uma forma agradável e significativa.
Nesse sentido, objetivamos especificamente, proporcionar o estudo da História da
Literatura, mediado pela internet, seguido de debate em sala de aula. Vale salientar que a
proposta inicial era a leitura de textos literários, contudo, a professora regente solicitou
que déssemos continuidade ao estudo dos estilos de época para dar sequência ao seu
planejamento.
O método de pesquisa foi etnográfico já que requereu, inicialmente, a inserção do
pesquisador na escola campo para caracterizá-la como um fenômeno concreto da
realidade educacional, espaço de relações sociais e de poder, imbricada numa rede de
significados socialmente compartilhados entre todos os agentes que nela atuam.
Considerando que os sujeitos envolvidos tinham objetivos e metas comuns, a
opção metodológica foi pela pesquisa-ação. A tentativa foi dar relevância ao ensino da
História da Literatura de forma a associar os interesses dos alunos aos objetivos do
professor regente da disciplina Língua Portuguesa, tendo em vista que, no momento, ele
explorava, conforme seu planejamento, esse conteúdo.
Considerou-se aqui o proposto por Sacristán (1999), quando afirma que a ação
pertence aos sujeitos, é própria dos seres humanos que nela se expressam. Nesse sentido,
o papel do pesquisador consiste em ajudar a escola a problematizar as ações, de forma a
possibilitar a ampliação da consciência dos sujeitos envolvidos, com a finalidade de
planejar as formas de transformação não só das ações, mas também das práticas.
A turma eleita foi o primeiro ano do ensino médio de uma escola pública do
município de Montes Claros – Minas Gerais, na qual fazíamos o estágio de observação
da regência no ensino fundamental e médio. Os alunos estavam na faixa etária
compreendida entre 15 e 16 anos. Essa turma foi indicada pela professora regente de
Língua Portuguesa como sendo desinteressada pelas aulas e adepta do uso do celular na
sala de aula, muito embora essa seja uma prática proibida pela escola.
Para o desenvolvimento das atividades práticas, foi elaborado o seguinte plano de
intervenção:

180
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________

Quadro 1
Plano de Ação

Período de realização: Outubro e novembro de 2014


Objetivo da intervenção: Proporcionar a utilização de recursos tecnológicos (blogs
e sites), como ferramentas interativas para o estudo de conteúdos da História da
Literatura.

AÇÕES OBJETIVOS RECURSOS DETALHAMENTO ENVOLVIDOS


1) Levantamento Colher Conversa Escolha e Pesquisadora
do conteúdo subsídios para a com o delimitação do e professora
elaboração do professor assunto regente
plano de aula regente
2) Escrita do Instrumentali- Internet Planejamento de Pesquisadora
plano de aula zar para a atividades: obje- e orientadora
atividade tivos, e seleção de
prática blogs e sites
3) Apresentação Motivar a Conversa Apresentação dos Pesquisadora,
da proposta turma para a informal objetivos, metas e professora
participação com os solicitação dos regente e
nas atividades alunos recursos alunos do EM
4) Acesso aos Proporcionar a Telefone Leitura em voz alta Pesquisadora,
links, leituras e leitura dos conectado à em pequenos professora
anotações textos e o internet grupos regente e
registro alunos do EM
sistematizado Preenchimento do
dos dados esquema
5) Discussão em Socializar o Esquemas Leituras Pesquisadora,
sala de aula assunto preenchi- professora
conforme o en- dos pelos Debates regente e
tendimento de alunos alunos do EM
cada um (internet se Conclusões
necessário)
Fonte: Dados das autoras.

Para o cumprimento da ação 1 foi definido, em parceria com a professora regente,


o conteúdo eleito para a intervenção. Conforme solicitação dela, o assunto delimitado foi
na área de História da Literatura, mais especificamente os assuntos: (a) Era Medieval
(Trovadorismo e Humanismo) e (b) Era Clássica (Quinhentismo ou Classicismo,
Seiscentismo ou Barroco e Setecentismo ou Arcadismo). Conforme explicitado
anteriormente, esses temas estavam sendo explorados, e a professora os sugeriu como
forma de não sair de seu planejamento. Ademais, são temas específicos do ensino médio,
conforme os documentos parametrizadores do ensino, sendo constantemente abordados
nos exames seletivos para ingresso no ensino superior.

181
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Conforme informações da professora regente, esse conteúdo já havia sido


introduzido em sala de aula, por meio de aulas expositivas, com apoio do livro didático,
que normalmente constitui a única referência de leitura complementar às aulas. Segundo
ela, foi abordada a diferença entre a Literatura e a História da Literatura, tendo sido
demonstrado que o estudo desses conteúdos, na escola, tem como principal objetivo a
leitura de textos literários, de forma a não só aprimorar a capacidade de reconhecer e
apreciar seus usos estéticos e criativos, mas também de relacioná-los a outros movimentos
sociais, inerentes às épocas em que ocorreram, com a finalidade de preparação para
responder a questões do vestibular e de concursos públicos, após o ensino médio.
A professora informou, também, que já havia sido abordada a ideia de que estudar
a História da Literatura implicava a divisão desta em períodos históricos e que, nesse
momento do curso, deveriam dar especial atenção às eras medieval e clássica da
Literatura Portuguesa. Sendo assim, a sugestão foi o desenvolvimento de atividades de
estudo dos aspectos historiográficos dessa sequência periodológica da Literatura
Portuguesa, sem deixar de lançar mão, em primeiro plano, de uma obra literária ilustrativa
da época.
A ação 2 foi desenvolvida na universidade, em parceria com a professora
orientadora, momento em que, para instrumentalização da prática, foi elaborado o plano
de aula.
Quadro 2
Plano de aula

PLANO DE AULA
ESTAGIÁRIA PESQUISADORA: Ananda Silva Leite – sexto período do Curso de
Letras/Português
TURMA: Primeiro ano C do ensino médio – Matutino
DISCIPLINA: Língua Portuguesa
UNIDADE: Periodização da Literatura Portuguesa
CONTEÚDO: Literatura/História da Literatura
Era Medieval
 Trovadorismo: cantigas de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer.
 Humanismo: poesia palaciana ou quatrocentista – Teatro popular – Gil Vicente.

Era Clássica
 Quinhentismo ou Classicismo: Camões Lírico, Camões Épico – Os Lusíadas.
 Seiscentismo ou Barroco: Panorama histórico, Literatura dos padres, Pe. Antônio
Vieira.
 Setecentismo ou Arcadismo: Literatura Neoclássica, Árcades e Bocage.

182
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________

OBJETIVOS
Geral: Proporcionar a leitura de textos informativos e de obras ilustrativas dos
diferentes períodos para o desenvolvimento de competências tais como:

 Caracterizar estilos e formas de composição de textos literários de diferentes épocas.


 Conhecer autores, obras, temas e motivos recorrentes na Literatura Portuguesa.
 Compreender o texto literário como lugar de manifestações ideológicas.
 Relacionar diferentes abordagens da vida social e política com contextos
histórico-literários.
 Conhecer formas de representação do amor, da mulher, do índio, do negro e do
imigrante na literatura.

METODOLOGIA
 Leitura na internet e preenchimento do esquema.
 Exposição dialogada: apresentação dos resultados e discussão com os colegas, a
professora e a pesquisadora.
 Síntese dos principais aspectos.
 Realização de novas buscas na internet, se necessário.

LINKS:
http://www.infoescola.com/literatura/classicismo/;
http://www.zun.com.br/classicismo-contexto-historico-e-caracteristicas/;
http://www.soliteratura.com.br/barroco/;http://pt.wikipedia.org/wiki/Barroco;
http://www.infoescola.com/literatura/arcadismo/;
http://www.suapesquisa.com/artesliteratura/arcadismo.htm;
http://educacao.globo.com/literatura/assunto/movimentos-literarios/arcadismo.html;
http://www.coladaweb.com/literatura/trovadorismo;
http://www.brasilescola.com/literatura/trovadorismo.htm;
http://pt.wikipedia.org/wiki/Trovadorismo;
http://www.brasilescola.com/literatura/humanismo.htm;
http://guiadoestudante.abril.com.br.
https://scholar.google.com.br/scholar?
AVALIAÇÃO
 Preenchimento de um esquema caracterizando as épocas e os estilos, principais autores
e ilustrando com textos, pinturas, esculturas e outras obras.
 Apresentação dos esquemas com ênfase, sobretudo, nas obras lidas.
 Conversa informal: levantamento do nível de entendimento do conteúdo e de
satisfação com a metodologia.
Fonte: Dados das autoras.

183
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

APLICAÇÃO DO PLANO

A ação 3 foi desenvolvida na sala de aula por meio de uma conversa informal com
os alunos, durante a qual foram explicadas a metodologia e as ações, com seus respectivos
objetivos. Essa conversa teve como objetivo motivar a turma para o desenvolvimento da
proposta. Foi criada uma grande expectativa, e os alunos se mostraram entusiasmados e,
ao mesmo tempo, surpresos com a possibilidade de usar o celular, conectado à internet,
como recurso de estudo, pela primeira vez, em sala de aula. Comentaram que era uma
proposta diferenciada das aulas expositivas que tinham e que o celular, até então, era um
instrumento proibido na escola.
O cumprimento da ação 4 “Acesso aos links, leituras e anotações” foi, sem dúvida,
o ponto alto do desenvolvimento do plano de ação. Foi solicitado que os próprios alunos,
em grupos, procedessem à busca em seus celulares e localizassem links referentes ao
assunto em pauta. Alguns links foram sugeridos pela pesquisadora. Foi um momento de
verdadeiro envolvimento com a leitura informativa e de obras referentes ao conteúdo.
Dado o número de endereços que abordam a temática, foi muito intensa a
interatividade. Cada um lia e compartilhava com os demais colegas as informações,
exemplos de textos e de obras ilustrativas dos movimentos literários encontrados. Eles
discutiam exemplos com dedicação, comprometimento e investimento responsável na
tarefa, o que permitia, ao mesmo tempo, a troca de conhecimentos e discussões sobre o
item que estava sendo abordado.
Sobre a natureza dos textos presentes nos sites, vale salientar que, em vários deles,
não há o texto literário disponível na primeira página. São textos informativos. Por
exemplo, o site <http://www.infoescola.com/literatura/classicismo/> possibilita o acesso
a informações sobre o Classicismo ou o Quinhentismo (século XV), explicitando origens,
principais características e autores. À primeira vista, parece simples. Contudo, há palavras
e expressões sublinhadas, que, ao serem clicadas, permitem direta e imediatamente o
acesso a outras páginas, as quais, por sua vez, remetem a outras, que vão complementando
as informações, acrescentando conteúdos, e, principalmente, levando aos autores e às suas
obras, na maioria das vezes ilustradas e discutidas. E não para por aí, já que outros links
estão disponibilizados como que convidando à continuidade do processo de leitura e
consequente à obtenção de novos conhecimentos.
O compartilhamento de dados permitia a seleção de informações relevantes para
o preenchimento do quadro esquemático, sugerido para sintetizar o conteúdo e para
funcionar como suporte para as discussões. Além disso, as discussões suscitavam a
criticidade, no sentido de não apenas reproduzir, mas de produzir sentidos, de forma
autônoma, sobre os conhecimentos acerca do que se lia. Segue exemplo de um quadro
esquemático preenchido.

184
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________

Quadro 3
Quadro esquemático de um tópico da Era Clássica

Site: <http://www.infoescola.com/literatura/classicismo/ Acesso em: 25 nov. 2016


Responsável: Cristina Gomes
Assunto Classicismo ou Quinhentismo
Época Período literário originado na época do Renascimento – Séculos XV e
XVI
Final da Idade Média
Caracterís- Gênero literário inspirado pela cultura greco-latina
ticas Racionalismo: Predominância da razão sobre os sentimentos.
Universalismo: Prioridade para as verdades universais sobre os assuntos
pessoais.
Perfeição das formas: Maior preocupação com a métrica, as rimas e a
correção gramatical.
Presença da mitologia greco-latina.
Humanismo: Preocupação pessoal e com a terra (capacidade de produzir
e conquistar).
Antropocentrismo: Homem como centro e não Deus
Informações Surgiu por causa das grandes transformações políticas e culturais e
históricas econômicas:
Reforma protestante, surgimento da imprensa.
Decadência do sistema feudal (exploração da mão de obra).
Principais Luís Vaz de Camões:
autores e suas  sua obra-prima – Os Lusíadas: narrativa da viagem de Vasco da Gama
obras às Índias. <http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/
analises_completas/o/os_lusiadas>.
Bernardim Ribeiro: Menina e Moça, Cancioneiro Geral, Ao Longo de
uma Ribeira.

Francisco Sá de Miranda: Cleópatra (obra dramática); Vilhalpandos;


Estrangeiros.

Gil Vicente: viveu entre 1470 e 1536, período de transição (fim da Era
Medieval e começo da Era Moderna:

 O Velho da Horta: <http://professorandersonluiz.blogspot.com.br/


2012/11/o-velho-da-horta-gil-vicente.html> e
<http://www.passeiweb. com/estudos/livros/o_velho_da_horta>;
 Farsa de Inês Pereira: <http://www.infoescola.com/livros/a-farsa-de-
ines-pereira/> e http://www.infoescola.com/livros/a-farsa-de-ines-
pereira/;
 Auto dos Reis Magos;

185
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

 Auto da Barca do Inferno.

Pré-requi- O que é uma narrativa; narrador onisciente e narrador observador


sitos Características de uma epopeia.
Observações Importante: o site permite a leitura de todas as obras, normalmente
comentadas e ilustradas.
Seria importante que toda a turma entrasse para adquirir os
conhecimentos e para fazer um debate na classe.
Avaliação da Pouco tempo para estudar esse assunto.
atividade Um assunto tão chato e difícil ficou fácil.
Não dá para explicar cada obra.
As obras estavam todas disponibilizadas e devem ser lidas por todos.

Fonte: Resultado do desenvolvimento do plano de ensino.

Infelizmente o tempo reservado para essa atividade não foi suficiente para ver de
forma aprofundada todos os itens do conteúdo proposto, contudo, uma amostra de cada
um foi obtida. A intervenção do professor é necessária para ajudar no direcionamento das
leituras, pois há o risco de o aluno perder-se na gama de possibilidades disponibilizadas.
Não foi possível, também, dar continuidade à intenção de preenchimento do
quadro esquemático, resumindo todos os tópicos estudados. O assunto delimitado é vasto,
as obras são grandes, as possibilidades de caminhos são muitas e há que ser feita uma
exploração da linguagem para, de fato, proporcionar o enriquecimento do repertório de
conhecimentos dos alunos.
Ao acabar o tempo da aula e encerrarmos as atividades, os alunos protestaram.
Alegaram que estava muito bom e que havia necessidade de continuar para entrar em
contato com os demais itens do conteúdo. Não havia sido previsto, contudo, foi
recomendado que continuassem a atividade em casa. Na aula seguinte, haveria avaliação,
e a professora regente não nos cedeu mais tempo para continuidade da proposta.
É importante salientar que os alunos não demonstraram dificuldades em relação
ao procedimento proposto. Ficou evidente a facilidade com que acessam a rede e com
que encontram os links. Um ou outro teve dúvidas relativas ao movimento literário em si,
e, por isso, a presença da professora fez toda a diferença, ora para explicar a terminologia,
ora para reencaminhar para outro link ou verbete, a fim de que eles próprios pudessem
sanar as dúvidas e mesmo para conduzir o processo de seleção de informações, de forma
a evitar que os alunos ficassem apenas no estudo das características gerais e de fato
chegassem aos textos ilustrativos dos momentos históricos e os lessem, explorando o
autor, seu fazer e os discursos fundantes dos textos literários.
Em se tratando do estudo da História da Literatura, a experiência confirmou que
ela deve ser abordada como produto resultante de uma sócio-história que supõe sujeitos
em interação, durante a qual o texto informativo e a obra são lidos, explicados e
compreendidos, num processo dialógico, do qual o professor é o mediador.
Além disso, ficou explícito que é necessário levar em conta o contexto em que os
textos são produzidos, a relação deles com outros textos, e, ainda, o conhecimento que o

186
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________

leitor precisa ter do contexto de produção. No caso do assunto em questão, pelo fato de
serem autores e obras não contemporâneos, faz a diferença situá-los no tempo para que a
linguagem seja compreendida.
Da forma como foi estudado, o conteúdo não foi abordado apenas como um objeto
para o ensino das características presentes na obra literária, nem apenas como pretexto,
por exemplo, para observação das figuras de linguagem usadas pelo autor. Houve, de fato,
compartilhamento de ideias e envolvimento efetivo, de forma prazerosa, com as
atividades propostas. Consideramos relevante o fato de que, na avaliação final, todos
afirmaram que gostaram de vivenciar a experiência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível descrever que os recursos tecnológicos podem contribuir para o


trabalho com a leitura e a escrita de modo a associar os objetivos da escola aos interesses
de alunos do ensino médio. Ficou, também, evidente que, para levar adiante boas
propostas de ensino e aprendizagem, a escola deve conhecer os entraves que se interpõem
entre aquilo de que ela dispõe e o que é desejado para atender as necessidades de seu
público. Só assim ela poderá, efetivamente, contribuir para a realização de suas
potencialidades.
Vale salientar que, independentemente da metodologia utilizada nas atividades de
ensino e aprendizagem, a participação de um professor, de forma objetiva e responsável,
é necessária e desejável, sob pena de se perder o controle das atividades. Há necessidade
de um planejamento prévio, com estabelecimento de ações, objetivos e recursos,
detalhamento das ações e delimitação do conteúdo.
Entendemos que os resultados dessa proposta poderão conduzir ações da escola
para a construção efetiva de novas práticas de ensino, já que poderão influenciar as ações
dos professores no sentido de buscar novas formas de inclusão de seus alunos no atual
contexto digital, tão emergente em nossa atualidade e que requer a criação e ampliaçaõ
de situações de ensino inovadoras, bem como a realizaçaõ de um trabalho educativo
diferenciado, que inclua a pesquisa.
Os resultados podem, ainda, influenciar novos modos de formação dos
profissionais da educação, principalmente nos cursos de licenciatura em Letras. Já que a
tecnologia disponível possibilita diferentes formas de acesso ao saber, é necessário
relacionar e dar sentido a esses meios em que os alunos já se encontram imersos e
considerar que as experiências incorporadas por eles podem fornecer o ponto de partida
para ações que, ainda assim, precisam ser flexíveis.
Finalmente, deixamos claro nosso posicionamento de que a pesquisa na formação
inicial de professores é uma forma de proporcionar as condições necessárias para a
atuação em uma sociedade que se nos apresenta cada vez mais complexa. É um meio de
promover o desenvolvimento da autonomia intelectual, da capacidade de
problematização das ações e, sobretudo, de proporcionar práticas inovadoras,
interventivas e críticas.

187
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

A experiência valeu, também, como importante fator de aprimoramento da


formação profissional, proporcionada pelo Curso de Letras/Português.

188
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________

Referências

ALTOÉ, Anair; SILVA, Vera Lucia Pinelli da. Educação e informática: formação de
professores para a educação básica. Maringá: UFPR, 2008.

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola


Editorial, 2003.

BRASIL. MEC/SEF. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa.


Secretaria de Educação Fundamental. Brasília, 1998.

CORREIA, Romualdo dos Santos. Leitura e downloads: contribuições da internet para


a aquisição do saber literário. Recife: UEPB, 2008.

COSCARELLI, Carla Viana. Novas tecnologias, novos textos, novas formas de


pensar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

COSCARELLI, Carla Viana; RIBEIRO, Ana Elisa (Org.). Letramento digital: aspectos
sociais e possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

KIRCHOF, Edgar Roberto. Como ler textos literários da cultura digital? Estudos de
Literatura Brasileira Contemporânea, n. 47, p. 203-228, jan./jun. 2016.

MINAS GERAIS/CEE/CEB. Conteúdos básicos comuns – CBC. Proposta Curricular


de Português. Belo Horizonte, 2005/2007.

SACRISTÁN, José Gimeno. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: ArtMed,


1999.

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Apêndice A

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais


Universidade Estadual de Montes Claros
Centro de Ciências Humanas
Curso de Letras/Português

Prezado(a) aluno(a),
Ao responder às questões abaixo você estará contribuindo para o levantamento
de dados referentes à pesquisa proposta pela Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais – PUC Minas, em parceria com a Universidade Estadual de Montes Claros –
Unimontes, que culminará com a escrita de artigo científico a ser publicado pela
acadêmica do Curso de Letras/Português Ananda da Silva Leite, bolsista do PIBIC no
“Projeto Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação e a formação de
professores, caminhos para novas práticas”, coordenado pela PUC Minas.
Não há necessidade de se identificar.

Questões
1. Você tem acesso à internet? Em que lugares?

( ) Sim ( ) Não
( ) Na escola ( ) Em casa ( ) Lan house ( ) Não tenho acesso

2. Qual o tipo de aparelho você mais utiliza para o acesso?


( ) Computador ( ) Celular ( ) Outros: __________

3. Com que frequência você acessa a internet?


( ) De uma a duas vezes por semana
( ) Todos os dias
( ) Só quando tem trabalho escolar

4. Marque os motivos que o leva a acessar a internet? Em caso de mais de uma


alternativa, coloque a ordem de preferência (1º, 2º e 3º ...).

( ) Conversar nas redes sociais. ( ) Jogar.


( ) Fazer trabalhos escolares. ( ) Estudar.
( ) Navegar aleatoriamente. Outros. Cite:________________________ .

5. Você tem o hábito de fazer leituras de textos teóricos e literários na internet?

( ) Sim ( ) Não

6. Você tem oportunidade de escrever textos escolares na internet?

190
Ananda da Silva Leite e Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho
_________________________________

( ) Sim ( ) Não
Em caso positivo, quais textos? ______________________________________

7. Você gostaria de utilizar a internet como espaço de leitura e produção de textos


escolares? ( ) Sim ( ) Não

Obrigada por sua contribuição.

191
A cultura digital na escola: o lugar do contraditório
Sandra Cavalcante
Josiane Militão
Daniella Rodrigues

Neste capítulo, pretendemos apresentar uma discussão sobre como diferentes


experiências socioculturais, subjacentes ao uso das Tecnologias da Informação e da
Comunicação (TIC), vêm sendo incorporadas e (ou) confrontadas com a (na)
realidade da escola de nível médio brasileira. Para fundamentar essa discussão,
adotamos duas perspectivas. Em primeiro lugar, estabeleceremos um diálogo com
estudos realizados nos campos da Filosofia da Cultura (TAPIAS, 2006), da
Antropologia Cultural (CANCLINI, 2008), da Filosofia da Tecnologia (CUPANI,
2013) e da Sociologia (CASTELLS, 2003, 2013), com o objetivo de caracterizar a
cultura contemporânea a partir do reconhecimento da dinâmica, de valores e de
princípios que a definem em termos de cultura digital. Com base nessa discussão, em
um segundo momento, apresentamos os resultados de uma pesquisa, de natureza
empírica, realizada com um grupo de 177 estudantes do ensino médio de uma escola
pública estadual do município de Belo Horizonte, no ano de 2014. Com base em uma
análise qualitativa e quantitativa dos resultados dessa pesquisa e, contrastivamente,
com análise dos dados identificados na pesquisa TIC Kids online Brasil 2013,
realizado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), pretendemos contribuir
para o aprofundamento de discussões que apontam para a necessidade, a urgência e as
possibilidades da adoção de práticas pedagógicas que, no ambiente escolar,
incorporem as TIC. Isso, por reconhecermos o impacto das TIC – sua potencialidade e
suas restrições – nas experiências socioculturais juvenis contemporâneas, dentro e
fora do ambiente escolar.

O QUE É A CULTURA DIGITAL?

Vivemos em um mundo marcado pela experiência de novos e dinâmicos


tempos e espaços. Algumas das experiências sociais que vivíamos há duas décadas,
hoje, nos parecem distantes e muito diferentes daquelas que, pelo uso de “novas”
tecnologias nos é possível vivenciar. Em um curto espaço de tempo, estamos todos
imersos em novos modos de ser, de dizer e de fazer no nosso dia a dia.
Como sabemos, o uso de computadores e de sistemas de interação entre
computadores, a digitalização de informações, a comunicação via satélite, a telefonia
móvel, os recursos audiovisuais, além de tudo o que já existe e do que está por vir
com base na tecnologia de fibra ótica, da computação em nuvem, aprofundam as
possibilidades (e as necessidades) humanas de produzir e de compartilhar
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

informações e saberes em uma dimensão global e em fração de segundos. As


tecnologias digitais nos permitem processar, acumular e transmitir informações que,
como ‘impressões digitais’, nos levam a ver e viver um novo horizonte sociocultural.
(TAPIAS, 2006).
Nesse contexto, em concordância com o trabalho desenvolvido por Tapias,

optamos por nos referir à cultura contemporânea, através da expressão


cultura digital conscientes de que não se trata de uma forma de cultura que
acaba com a anterior ou que a absorve até anulá-la, mas sabendo que a
tecnologia digital, além da novidade que oferece, modifica tudo o que
existe até qualificar a cultura em seu conjunto. O resultado de tudo isso é o
que também vem sendo designado de cibercultura, que pode ser concebida
como a complexa realidade que progressivamente vai substituindo as
transformações tecnológicas atuais, cujos efeitos vão-se ampliando
reticularmente por todos os âmbitos de nossa vida (TAPIAS, 2006, p. 16).

As tecnologias digitais nos permitem interagir, portanto, com base em uma


densa rede de relações. No âmbito dessas relações, vivenciando novas modalidades de
comunicação e de produção cultural, científica, econômica, (re)construímos a nossa
realidade e o nosso horizonte sociocultural em uma grande e dinâmica “rede de
redes”. Todos os avanços tecnológicos que já conhecemos e aqueles que,
potencialmente, estão a caminho colocam em cena, no entanto, uma dupla e
controversa face. Na história da evolução humana, os recursos técnicos e tecnológicos
podem servir tanto para humanizar como para desumanizar o homem que os
protagoniza e a sociedade que os ‘incuba’ (TAPIAS, 2006, p. 20).
Frente a essa realidade, somos convidados, por um lado, a reforçar um olhar
crítico que nos permita incorporar, em nossas ações cotidianas, as conquistas e
inovações forjadas na e pela cibercultura, por outro, reconhecer as ambiguidades, as
contradições, os riscos que nela se inscrevem. Entre as inovações, além dos novos
modos de interação e de produção, devemos reconhecer as experiências e os valores
em torno dos quais indivíduos e grupos sociais constroem a sua identidade. Na
contramão de uma tecnologia humanizada e humanizadora, devemos reconhecer os
excessos de uma lógica que privilegia a técnica, a racionalidade e a
instrumentalização do conhecimento (inclusive científico) e que essa lógica mobiliza,
no contexto capitalista, a prevalência do interesse econômico e da dinâmica de um
mercado que se pretende global (TAPIAS, 2006, p. 23).
A constituição identitária de indivíduos e grupos sociais, no contexto da
cibercultura, reflete essas contradições. A escola, compreendida como um espaço
social privilegiado para a produção e compreensão de diferentes tipos de saber e de
diferentes culturas, de diferentes práticas de leitura e de escrita, é, por conseguinte,
um espaço privilegiado para a vivência, a identificação e a análise dessas
contradições.
Na cibercultura, instituímo-nos sujeitos que interagem e, portanto, constituem
a sua identidade, na convergência e na integração de tecnologias e de mídias. A
integração multimídia permite ao cidadão (inter)agir, todo o tempo, de forma
mediada. Seja no celular, no tablet, em um computador de mesa ou pelo acesso a uma

194
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
_________________________________

smart TV, essa interação ocorre pela prática sistemática de ver e ouvir, de ler e
escrever, de tirar fotos, fazer vídeos, editar e arquivar textos em diferentes
modalidades, de comunicar-se, instantaneamente, com pessoas próximas e distantes.
Na cibercultura, é impossível conceber isoladamente textos verbais, imagens e sons,
seu arquivo e digitalização. Nesse contexto, nos flagramos, com naturalidade,
exercendo os simultâneos papéis de leitores-espectadores-internautas (CANCLINI,
2008).
Se, por um lado, a “convergência digital” aponta para novos modos de ser e de
(inter)agir socialmente, no ambiente escolar, as potencialidades dessa convergência
contribuem para revelar limitações e restrições de natureza diversa, entre as quais
algumas relativas à formação e à atuação pedagógica do professor. Segundo o
estudioso argentino Néstor Canclini,

os professores continuam falando de um divórcio ou curto-circuito entre,


de um lado, escola e leitura e, do outro, o mundo da televisão, cinema e
outros passatempos audiovisuais. Essa visão antagônica entre leitura e
tecnologias midiáticas vem sendo recolocada há vários anos, tanto nos
estudos sobre cultura como nos que são feitos sobre comunicação. Os
saberes e o imaginário contemporâneos não se organizam, faz meio século,
em torno de um eixo letrado, nem o livro é o único foco orientador do
conhecimento (Martin Barbero, 2001). Muitos, porém, relutam em traduzir
essas mudanças no conceito de uma escola que admita a interação da
leitura com a cultura oral e audiovisual-eletrônica (CANCLINI, 2008,
p. 33).

As mudanças promovidas pela convergência digital, nos processos de


interação humana, em diferentes espaços sociais e, em particular, na escola, exigem
que coloquemos em cena, reflexões que ecoam, de forma vigorosa, em diferentes
campos do saber, entre estas, reflexões identificadas no campo da filosofia da ciência
e da tecnologia.
Segundo Cupani (2013, p. 218-19), hoje, estamos imersos na ideia de que a
tecnologia (em suas diferentes versões) é autônoma. Como cidadãos, não somos
capazes de projetar, construir, reparar ou até operar a maioria dos dispositivos de que
depende a nossa vida. Frente à complexidade da sociedade tecnológica e das
convergências tecnológicas que caracterizam a cultura digital, os seres humanos
“aceitam com fé” as aparentemente infindas possibilidades tecnológicas e, assim,
submetem-se a uma “sorte de destino”. Por uma espécie de “adaptação inversa”, na
contemporaneidade, os fins, as necessidades, os desejos humanos são crescentemente
adaptados às possibilidades tecnológicas (e não o contrário).
Nesse cenário, em que “a possibilidade de dirigir os sistemas tecnológicos
para fins claramente percebidos, conscientemente escolhidos e amplamente
compartilhados, torna-se cada vez mais duvidosa” (CUPANI, 2013, p. 218), podemos
nos deparar com duas consequências imediatas. Na primeira, perdemos o senso de
responsabilidade pessoal frente ao mundo tecnológico (ao mundo digital). Na
segunda, os problemas do nosso cotidiano, dos mais diversos tipos, passam a ser
definidos instrumentalmente. Assim, apenas problemas instrumentais passam a ter

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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importância. Nos termos de Cupani, “o ‘ego tecnológico’ passa a dominar a fantasia,


a criatividade e os sentimentos do ser humano” (CUPANI, 2013, p. 219).
Experienciamos, atualmente, uma convivência involuntária com os sistemas
tecnológicos. Esse é um aspecto da cultura digital que também merece ser objeto de
reflexão e análise. A nossa identidade, parcialmente revelada em nossos dados
pessoais, nossos “perfis”, ações e atitudes sociais, estão, por integração e
convergência tecnológico-digital, disponíveis em diferentes plataformas, para
diferentes objetivos instrumentais (legais, comerciais, institucionais, jurídicos), em
alguns casos, a despeito da nossa ciência, vontade e, mesmo, concordância.
Nos termos de Cupani, poderíamos afirmar que o caráter essencialmente
político da convergência tecnológico-digital justifica-se pela capacidade que essa
convergência tem de “impactar formativamente toda a vida humana”. Esse caráter,
objeto de reflexão em diferentes espaços sociais, deve passar a ser objeto de análise
crítica, também e especialmente, na escola. Em paralelo às potencialidades, às
vantagens, aos avanços conquistados na e pela cultura digital, nossa convivência
involuntária através das tecnologias digitais e com essas tecnologias revela (e
esconde) diferentes tipos de contradição.

[...] essa convivência involuntária dos indivíduos faz com que os sistemas
tecnológicos se tornem cada vez mais poderosos, controlando os processos
políticos, driblando as regras do mercado, se necessário, propagando ou
manipulando as necessidades que eles satisfazem e até criando crises para
justificar a sua expansão (CUPANI, 2013, p. 19).

Refletir sobre o lugar da escola na cultura digital (ou vice-versa), significa, por
um lado, refletir sobre quem somos e como (inter)agimos, dentro e fora da escola; por
outro, significa refletir sobre a forma como pretendemos (devemos, podemos)
interagir, cotidianamente, em diferentes espaços sociais, o que inclui os espaços
digitais.
Na cultura digital, a internet é um megaespaço, privilegiado para o exercício
da autonomia e da interação com o outro. Esse exercício se concretiza em estreitas e
criativas “redes de comunicação e de informação interativas”. Nos diferentes
ambientes e espaços pelos quais “navegamos” e (inter)agimos, na internet, passamos a
integrar “movimentos” sociais. Esses movimentos são, por sua vez, um componente
necessário, embora não suficiente, de ação coletiva, de mobilização, de deliberação,
de coordenação e de decisão.

Ao longo da história, os movimentos sociais são produtores de novos


valores e objetivos em torno dos quais as instituições da sociedade se
transformaram a fim de representar esses valores criando novas normas
para organizar a vida social. [...] Como os meios de comunicação de massa
são amplamente controlados por governos e empresas de mídia, na
sociedade em rede, a autonomia da comunicação é basicamente construída
sem fio. As redes sociais digitais oferecem a possibilidade de deliberar
sobre e coordenar as ações de forma amplamente desimpedida
(CASTELLS, 2013, p. 14).

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Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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É por meio das redes de comunicação digital que os movimentos sociais, de


natureza diversa, se configuram e atuam hoje. E isso ocorre, certamente, de forma
integrada com a comunicação face a face. Nesse sentido, consideramos importante
reconhecer que, frente às diferentes demandas sociais e culturais, que lhe são
impostas, protagonizando movimentos sociais em diferentes países do mundo, a
juventude, na era digital, vem revelando ser possível ultrapassar os limites da
instrumentalidade, reconhecidamente inscrita na cibercultura.
Nos termos de Castells (2013, p. 167), os movimentos sociais protagonizados,
em rede, pela juventude “comungam de uma cultura específica, a cultura da
autonomia, e essa é a matriz cultural básica das sociedades contemporâneas”.
Segundo o pesquisador,

os movimentos sociais em rede [...] trazem a marca de sua sociedade. São


amplamente constituídos de indivíduos que convivem confortavelmente
com as tecnologias digitais no mundo híbrido da realidade virtual. Seus
valores, objetivos e estilo organizacional referem-se diretamente à cultura
da autonomia que caracteriza as novas gerações de um novo século. Mas
seu significado é muito mais profundo. Eles são talhados para o papel de
agentes da mudança na sociedade em rede, num contraste agudo com as
instituições políticas obsoletas herdadas de uma estrutura social
historicamente superada (CASTELLS, 2013, p. 170-71).

Por fim, se a vida social, os movimentos sociais e, nesse contexto, as práticas


sociais de leitura e de escrita são, efetivamente, mediadas pelas tecnologias digitais,
não há como compreender o papel da escola, na sociedade contemporânea,
desconsiderando o uso dessas tecnologias e exercícios de reflexão crítica sobre esse
uso, como um objetivo da escola.
No Brasil, no entanto, a interação mediada por tecnologias digitais e a reflexão
crítica sobre esse uso parecem ocorrer, prioritariamente, fora da escola. Enquanto a
vida social organiza-se com base em novos tempos e espaços e em práticas sociais de
leitura e de escrita, fortemente marcadas pela cultura oral e audiovisual-eletrônica, a
vida escolar ainda se organiza com base em modos de ser, de interagir e de viver
distantes no tempo.
Algumas das contradições apontadas nesta seção se desenham na percepção de
estudantes de ensino médio de uma escola pública brasileira do município de Belo
Horizonte, que descreveremos na seção a seguir.

QUE PERGUNTAS PODEMOS FAZER NA E PARA A ESCOLA?

A pesquisa que orienta a discussão ora proposta, realizada em uma perspectiva


quantitativa e qualitativa, caracteriza práticas e habilidades de leitura, de escrita e de
uso de tecnologias digitais, de um grupo de 177 estudantes de uma escola pública
brasileira. Esse grupo, cursando o nível médio de ensino, revela, pelo instrumento, a
própria percepção sobre o uso de tecnologias digitais dentro e fora do ambiente

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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escolar. Como veremos a seguir, os dados apontam as potencialidades e as


fragilidades dessas práticas e habilidades. Esperamos que sua análise possa
contextualizar mais concretamente as discussões anteriormente realizadas. Nesse
sentido, pretendemos contribuir para a (re)orientação das práticas pedagógicas no
universo escolar. Como veremos, a análise dos dados aponta para a necessidade, a
urgência e as possibilidades da adoção de práticas pedagógicas que incorporem as
TIC.
A pesquisa analisou o perfil social, econômico, cultural e tecnológico dos
alunos de uma escola estadual, localizada em um bairro central do município de Belo
Horizonte (doravante EEBM). Para esse levantamento, foi criado um instrumento de
coleta de dados primários. Esse instrumento, um questionário, foi elaborado com o
propósito de mapear aspectos sociais, culturais e econômicos envolvidos na
experiência interacional desse grupo de estudantes, frente ao uso de tecnologias
digitais.
O processo de construção do instrumento foi pautado pelo diálogo constante
entre professores pesquisadores, bolsistas de iniciação científica, mestrandos,
doutorandos e membros da comunidade escolar, todos esses participantes do grupo de
pesquisa que, nesta obra, busca caracterizar as práticas e habilidades de leitura e
escrita do grupo de estudantes dessa escola.
Os objetivos da pesquisa balizaram a construção das perguntas constantes no
instrumento, a fim de que esse fosse eficaz em coletar os dados relevantes para o que
pretendíamos observar. O questionário passou por um pré-teste, com uma pequena
amostra de sujeitos, com o propósito de minimizar as dificuldades que pudessem
surgir na etapa de aplicação. Isso nos permitiu avaliar se a metodologia utilizada na
construção do instrumento foi eficaz em contribuir para atingir os objetivos da
pesquisa, observar a necessidade de alteração, de inclusão e de exclusão de questões e
também verificar o tempo de resposta, a fim de se estabelecer uma logística ótima
para a coleta e análise de dados. Segundo Aaker e outros (2001), o pré-teste é
especialmente importante para a antecipação e correção de possíveis problemas na
aplicação e na coleta dos dados.
Dada a necessidade de minimizar impactos decorrentes da complexidade do
processo de análise de um instrumento aberto, o questionário elaborado é de natureza
objetiva, de múltipla escolha. A opção por essa natureza de instrumento deve-se,
principalmente, à possibilidade de um processamento mais dinâmico e preciso do
processo de análise dos dados a partir de objetivos específicos.
Utilizamos a ferramenta online Survey Monke1 para a construção, diagramação
do instrumento, coleta e tratamento estatístico dos dados. As opções de resposta
foram otimizadas pela utilização de uma escala de Likert de cinco alternativas. A

1 Ferramenta da Web para construção de pesquisas online, desenvolvida por Ryan Finley (1999),
com o objetivo de coletar, tabular e analisar dados de pesquisas do tipo survey. Para mais
informações, consulte <www. surveymonkey.com>.

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Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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opção por essa escala se deu pelo fato de ela propiciar maior precisão na
categorização das análises (DALMORO; VIEIRA, 2008).
Com o questionário validado pelo pré-teste, decidimos, em princípio, que a
aplicação dos questionários seria realizada in loco por via eletrônica, uma vez que a
habilidade de lidar com as tecnologias digitais também era objeto de análise. Porém,
alguns óbices operacionais, tais como a falta, na escola, de um roteador Wi-Fi com
potência suficiente para conectar todos os tablets concomitantemente e a falta de um
laboratório de informática operante, obrigou-nos a alterar essa metodologia. Todos os
questionários gerados no software Survey Monkey foram impressos a fim de que a
equipe os aplicasse in loco e, em seguida, os pesquisadores bolsistas alimentassem
manualmente o programa com as respostas obtidas.
Dividimos o grupo de pesquisadores em equipes. Três professores
pesquisadores foram a campo: uma professora da escola e duas da PUC Minas,
auxiliadas por três bolsistas de iniciação científica. Os questionários foram aplicados
simultaneamente pelos pesquisadores em todas as seis turmas do ensino médio, com a
presença dos professores da turma no momento da aplicação. Os alunos foram
informados de que os dados são anônimos, sigilosos e confidenciais. Assim, poderiam
se sentir mais confortáveis para se expressar livremente. Após respondidos, os
questionários foram agrupados por turma. Os bolsistas então procederam à
alimentação do programa Survey Monkey com as respostas coletadas na aplicação,
orientados pelos pesquisadores. As respostas foram tabuladas pelo programa.
Neste momento, para além da análise dos dados, propomos uma reflexão
crítica que parta da percepção dos estudantes sobre o uso das tecnologias em seu
contexto sociocultural, e que considere as ambiguidades e contradições desse uso na
realidade escolar. Entre essas, está o fato de que a revolução informacional que
estamos vivendo no Brasil e no mundo exige uma contraparte: uma revolução de
natureza pedagógica.
Essa reflexão encontra eco em pesquisas realizadas em nível nacional. Neste
estudo, buscamos realizar análises comparativas entre o cenário revelado pela
pesquisa na EEBM e o cenário que a observação de indicadores semelhantes nos
permite entrever para o Brasil como um todo e também para a região Sudeste, onde se
encontra localizada a escola.
Para tal, baseamo-nos nos dados produzidos pela pesquisa TIC Kids online
Brasil 2013, produzida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), publicada
em 2014. Como descrito em seu relatório geral, essa pesquisa busca subsidiar
anualmente a sociedade com dados confiáveis e atualizados sobre os impactos das
tecnologias da informação e comunicação e, particularmente, da internet, na
sociedade e na economia. A intenção da pesquisa, segundo o comitê, é que os dados
sirvam como base para o desenvolvimento de políticas públicas efetivas e eficazes
para o desenvolvimento da internet no Brasil. Dentre os vários indicadores analisados,
e para os objetivos deste estudo, selecionamos aqueles que apresentam uma
correlação direta com as categorias de análise previstas em nossa pesquisa, a saber:

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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uso de computadores pessoais na escola e fora dela, uso de celular dentro e fora da
escola e tipos de atividades de comunicação e entretenimento realizadas na internet.
A pesquisa TIC Kids online Brasil estratifica os dados de acordo com: região
brasileira, sexo, escolaridade, faixa etária, renda familiar e classe social. A pesquisa
realizada na EEBM não previu essa estratificação, mas alguns desses estratos
correspondem às características dos dados coletados, em particular os estratos que
revelam os dados referentes aos sujeitos na faixa etária entre 15 a 17 anos e aqueles
referentes ao perfil dos respondentes da região Sudeste.
Na EEBM, foram coletadas respostas de 177 questionários de um total de 177
alunos do ensino médio presentes. Portanto, não houve casos de recusa à participação
na pesquisa, embora nem todos os alunos estivessem igualmente dispostos a
responder. É importante dizer que todos os sujeitos participantes responderam às
quatro primeiras questões, mas, a partir da quinta, houve pequenos índices de
abstenção. Em algumas questões esse índice foi maior, o que também será levado em
conta nas análises. Notamos que, em algumas turmas, quando informados de que as
respostas seriam utilizadas para analisar o uso de tecnologias digitais na escola, os
alunos tendiam a responder os questionários com maior disposição.
Ao analisar a questão do uso do computador dentro e fora da escola, podemos
perceber que a grande maioria dos estudantes da EEBM tem acesso a essa tecnologia
fora da escola, em suas casas (82%), o que se mostra superior à média nacional, que é
de 71% de computadores em ambientes compartilhados com os demais moradores da
casa e de 63% no quarto dos adolescentes. No Sudeste, os índices são de 67% e 66%,
respectivamente. Essa facilidade dos estudantes para acesso às tecnologias digitais em
suas próprias casas nos revela uma potencialidade para a qual a escola precisa voltar o
seu olhar.
Como dito na seção anterior, há 50 anos o livro deixou de ser a mais
importante referência orientadora da produção de conhecimento. Houve um momento
em que o próprio desejo humano de criar, inovar para resolver suas questões de
maneira mais célere e dinâmica foram molas propulsoras para novas invenções
tecnológicas. Por paradoxal que isso possa parecer, estamos, cada vez mais,
adaptando nossas necessidades às inovações tecnológicas, impostas pelo mercado, ao
que Cupani denomina “adaptação inversa”.
Nos termos do biólogo chileno Humberto Maturana, em sua “Biologia do
Conhecer” (1995, 2001, 2002), talvez pudéssemos caracterizar essa adaptação como
um “acoplamento estrutural”, uma ação em que a estrutura de um ser vivo (nela
incluem-se as dimensões biofisiológicas e psicossociais) muda de modo contingente
com o fluir de suas ações no mundo fenomenológico. Nessa perspectiva, nossos
desejos são constituintes e, ao mesmo tempo, resultados de nossas interações sociais
com o ambiente que nos cerca. Parece que o “mercado aprendeu” essa lógica, e que a
escola, por sua vez, ainda está por aprendê-la.
Isso explica, também, o fato de, no momento da coleta dos dados, ao saberem
que o tema da pesquisa eram as tecnologias digitais, os alunos que estavam reticentes
prontamente se dispuseram a responder. Talvez seja esse o chamamento que os

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Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
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estudantes nos fazem para que possamos finalmente perceber que as escolas
brasileiras que resistem ao uso das tecnologias nadam contra a corrente. Ao seguirmos
o fluxo, em que os jovens navegam sem enfrentar ou oferecer resistências, entramos
em sintonia com seus desejos, e suas habilidades se revelam de maneira mais natural.
Esse seria, na perspectiva do biólogo, um “acoplamento estrutural” entre o fluir das
ações das escolas e as ações dos alunos dentro e fora do ambiente escolar.
Interessante perceber o cenário que podemos desenhar ao voltarmos nossos
olhares para o uso dos computadores no espaço da escola pesquisada. Esse é um
cenário que merece nossa atenção, uma vez que, enquanto na média nacional e na
média da região Sudeste, de forma similar, aproximadamente quarenta por cento dos
adolescentes usufruem do acesso à máquina no ambiente escolar, na EEBM, apenas
por volta de um por cento dos alunos revela ter aceso ao computador na escola. Uma
possível explicação para essa discrepância talvez seja a indisponibilidade desses
equipamentos. Os resultados e as reflexões aqui propostas podem constituir-se em
insumo para a discussão de agendas para as políticas públicas que promovam o uso
pedagógico das TIC. Apontam para a necessidade de disponibilização de recursos
materiais e igualmente para a preparação dos professores em formação contínua de
maneira a desenvolverem competências e habilidades no uso proficiente das novas
tecnologias como objeto de trabalho e de ensino.
Reconhecendo que, na realidade da escola pesquisada, o laboratório de
informática não está em pleno funcionamento, sentimos a necessidade de uma
investigação sobre o uso da internet por via de tecnologias móveis. Ao constatar que
noventa por cento dos alunos pesquisados possuem celular com acesso à internet,
verificamos, em um refinamento desses dados, que a grande maioria (92%) dos
alunos utiliza o celular fora da escola e apenas a metade deles também dentro da
escola. Esse comportamento deve-se à proibição do uso destes dispositivos em sala de
aula.
A frequência de uso da internet no celular é alta entre os alunos pesquisados.
Mais de oitenta por cento dos alunos utiliza sempre ou quase sempre a internet pelo
celular. Em uma dimensão nacional, a pesquisa TIC Kids online Brasil revela que
44% dos brasileiros preferem o acesso à internet via celular. Na região Sudeste, esse
percentual equivale a 47%. Esses dados nos mostram que a tecnologia digital via
dispositivos móveis é quase que plenamente acessível aos estudantes da EEBM, e que
esses utilizam a internet em seus dispositivos móveis em uma proporção muito
superior à média brasileira e à média regional. Assim, o fato de estarmos
inegavelmente conectados em rede, vivenciando novas modalidades de comunicação
e de produção cultural, científica e econômica, pode ser identificado nos resultados
encontrados na pesquisa de nível nacional. Como vimos, esses resultados são
potencializados quando, comparativamente, focalizamos aqueles relatados pelos
alunos da escola pesquisada.
Outro possível local de acesso à internet são as chamadas lan houses ou
cybercafés, em que se aluga um computador por um determinado período. A
tendência, no mundo, do crescimento do uso de dispositivos móveis, do crescimento

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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do uso de celulares para o acesso à internet, e a ampliação do acesso gratuito às redes


Wi-Fi tem levado a uma diminuição desse tipo de comércio. Esse fator pode ser lido
em consonância com os dados da pesquisa, senão vejamos: constatamos que os alunos
da EEBM têm pleno acesso à internet pelos dispositivos móveis, acima da média
nacional. Pois bem, esses também são os que menos acessam a internet em lan
houses: apenas 7%. No Brasil e no Sudeste, 23% e 19%, respectivamente, frequentam
esse local de acesso à internet.
Os dados aqui relatados podem ser observados na tabela 1, a seguir.

TABELA 1
Uso de tecnologias – EEBM – Brasil – Sudeste 2014
TIC Kids TIC Kids
Pesquisa
online online
Indicador PUC Minas
Brasil Sudeste
EEBM
2013 2013
Uso do celular
na escola 53%
Uso do celular
fora da escola 92%
Acesso a
redes sociais
na escola 32%
Acessa a
internet pelo
celular 90% 44% 47%
Usa sempre
ou quase
sempre
internet pelo
celular 81% 74% 71%
Usa PC em
casa 82% 71% 67%
Usa PC na
escola 1% 39% 41%
Usa PC em
lan house 7% 23% 19%
Fonte: Dados da pesquisa e TIC Kids online Brasil 2013.

Ao qualificar os resultados relativos ao acesso à internet no celular, buscamos


analisar os objetivos pelos quais os adolescentes acessavam a rede de dados. Previmos
seis categorias de análise, a saber: trocar mensagens instantâneas, assistir a vídeos
online, enviar e receber e-mails, acessar redes sociais (Facebook), jogar e pesquisar.
Todas essas categorias foram igualmente contempladas pela pesquisa TIC Kids online
Brasil, o que nos garantiu uma análise contrastiva, embora essa última tenha
pesquisado o objetivo de uso da internet acessada indiscriminadamente por
dispositivo móvel ou por computador de mesa.

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Os adolescentes da EEBM acessam a internet do celular eminentemente para


trocar mensagens instantâneas (do tipo veiculado pelo aplicativo WhatsApp), em
nível superior à média nacional e à do Sudeste, o que pode ser verificado na tabela 2.
Porém, em relação à troca de e-mails, apenas 20% dos alunos da EEBM relatam o
fazer, enquanto que a média nacional é de 49% e do Sudeste de 48% dos internautas.
O acesso às redes sociais pelo celular (mais especificamente o Facebook)
pelos estudantes da EEBM foi apontada como a segunda atividade mais realizada na
Web. Comparativamente, em nível nacional, essa é a rede social mais acessada pelos
adolescentes (BRASIL, 2014, p. 25).

Vinte e cinco por cento dos adolescentes brasileiros relatam jogar online. Os
alunos da escola que relatam jogar online, por outro lado, apresentam um índice mais
próximo àquele dos alunos do Sudeste do Brasil: 44% e 40%, respectivamente. Esses
dados estão traduzidos na tabela 2, a seguir.

TABELA 2
Acesso à Internet – atividades realizadas – EEBM – Brasil – Sudeste 2014
Indicador TIC
Pesquisa Kids
PUC online TIC Kids
Minas Brasil online
EEBM 2013 Sudeste 2013
Acessa internet para vídeos 39% 76% 78%
Acessa internet para e-mail 20% 49% 48%
Acessa internet para mensagens instantâneas 82% 49% 48%
Acessa internet para Facebook 67% 77%
Acessa internet para jogos 44% 25% 40%
Acessa internet para pesquisa 31% 88% 86%
Fonte: Dados da pesquisa e TIC Kids online Brasil 2013.

Os dados nos revelam que os recursos mais utilizados no celular são


mensagens instantâneas – WhatsApp (82%), aplicativos para ouvir música (77%) e a
rede social Facebook (66%). O recurso menos usado é o aplicativo para assistir a
filmes e seriados de TV Netflix (6%). Em outros recursos acrescentados pelos alunos
constam Snapchat (2 alunos), Tumblr, Twitter (3 alunos), mensagens e fotos. Todos
esses dados podem ser observados no gráfico 1, a seguir:

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GRÁFICO 1
Recursos mais utilizados no celular

Fonte: Dados da pesquisa.

Assim, parece evidente que os alunos da EEBM, em sua quase totalidade,


acessam frequentemente a internet fora do ambiente escolar. Realizam, na internet, as
mais variadas atividades. Utilizam muito pouco a rede para pesquisas escolares ou
para troca de mensagens via correio eletrônico. E sim, mais frequentemente, para a
troca de mensagens instantâneas, o acesso a músicas e a redes sociais. Isso não
significa que não conheçam ou não se interessem pela pesquisa online, uma vez que
quase a metade dos alunos declara que já baixou livros pela internet.
Frente a essa realidade, somos convidados a reforçar um olhar crítico que nos
permita reconhecer as conquistas forjadas na e pela cibercultura. Entre essas
conquistas, os dados, tanto os da pesquisa realizada na EEBM como os da TIC Kids
online Brasil nos mostram que o acesso à Web pelas tecnologias móveis e pelos
computadores pessoais tem se popularizado, o que nos revela o quanto os
adolescentes brasileiros estão, cada vez mais, inseridos no horizonte da cultura digital.

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A despeito dessas conquistas, as respostas dos alunos da EEBM nos apontam


que o uso da internet, seja nas tecnologias móveis, seja no computador pessoal no
espaço da escola, é restrito ou quase inexistente, contraditoriamente ao que ocorre
fora dela. Tais constatações indicam-nos o quanto é necessária uma discussão sobre o
uso das TICs dentro e fora da escola. Várias pesquisas recentes contribuem, do ponto
de vista pedagógico, para discussões relativas ao uso das ferramentas digitais na sala
de aula e aos processos de letramento digital ou ao que se denomina multiletramentos;
confiram-se, entre outros, Coscarelli e Ribeiro (2005), Araújo e Biasi-Rodrigues
(2005), Rojo (2009), Novais, Ribeiro e D´Andréa (2011); Ribeiro (2012); Rojo e
Barbosa (2015). Neste estudo, propomos um olhar que, diferentemente daqueles que
devemos lançar, convictamente, frente às possibilidades pedagógicas de TICs, nos
permita refletir criticamente sobre as potencialidades e as contradições que a cultura
digital coloca em cena. Os dados em análise nos permitem pensar sobre os efeitos
dessas contradições na esfera escolar. As transformações tecnológicas atuais, que se
ampliam progressiva e reticularmente por todos os âmbitos das práticas sociais, ainda
não se refletem na realidade escolar. Dito de outra forma, é como se a escola se
organizasse em um universo paralelo.
Uma potencialidade se revela quando nos debruçamos sobre os dados relativos
ao uso do correio eletrônico e da pesquisa pela internet. Considerando que a escola é a
principal agência de letramento, e que as TICs são uma dimensão constitutiva do
mundo do trabalho, cabe à instituição escolar: incorporar o uso das tecnologias e
refletir criticamente sobre o uso em suas práticas pedagógicas.
Esses resultados apontam para um caminho a ser explorado, que, consideradas
suas potencialidades e fragilidades, revela-se como um desafio para as práticas
pedagógicas: o uso da tecnologia digital como parceira do processo de
ensino/aprendizagem, o que passaremos a discutir na próxima seção.

QUE POSSIBILIDADES TEMOS NOS LIMITES DA ESCOLA?

Diante do contexto descrito, consideramos importante enfatizar que o Brasil


vem construindo um consistente percurso em termos de pesquisas que apresentam as
possibilidades de uso das tecnologias digitais na ambiência escolar. Conforme já dito,
pesquisas recentes contribuem, do ponto de vista didático, para o uso das ferramentas
digitais como instrumento para a aprendizagem. Neste estudo optamos por
problematizar o uso das TICs com base em um olhar que, diferentemente de suas
possibilidades didáticas, nos permita refletir criticamente sobre as potencialidades e as
contradições que a cultura digital coloca em cena.
Ao assumir o valor do uso sistemático das TICs na escola, consideramos que
outra questão a ser focalizada, além das potencialidades didáticas, é o exercício de
reflexão crítica sobre a dinâmica, os princípios e a dimensão política da cultura digital
na vida contemporânea. Os resultados da pesquisa descritos, neste trabalho, parecem

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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nos apontar para a necessidade e a urgência de que essa reflexão ocorra, na


comunidade, no ambiente escolar, de forma a contribuir para o aprofundamento de
discussões que acontecem em outros espaços sociais. Não assumindo com convicção
e empenho essa pauta, estamos contribuindo para fazer da escola um palco sem luz,
com um cenário disforme, sem atores sociais que possam assinar e protagonizar, de
forma crítica e criativa, em novas linguagens, os novos textos, as novas atitudes e
ações que o país e o planeta, no nosso tempo, exigem de nós. Como nos lembra
Morais (2012, p. 134), “se alguma coisa pode ser feita, ela deve partir primeiro de
uma crítica projetante da realidade tal como se apresenta”.

ALGUNS RUMOS POSSÍVEIS

Neste momento, optamos por compartilhar com o leitor ações que


consideramos possíveis e necessárias de serem implementadas para o uso das TICs
em escolas que, em termos de limitações e de possibilidades, apresentem uma
realidade semelhante àquela descrita neste artigo. Não temos como pretensão oferecer
modos de fazer e/ou de tratar a questão, mas contribuir para o debate ora proposto.
Entre essas ações, consideramos importante refletir sobre as que se seguem.

a) Abrir a escola para o uso da tecnologia digital, de forma democrática e


negociada com os estudantes, tendo em vista que a educação pressupõe o risco
e a aceitação do novo (FREIRE, 1996). Nessa perspectiva, não faria mais
sentido a proibição do uso das tecnologias móveis na sala de aula ou solicitar
aos alunos que façam seus trabalhos a mão, na ilusão de que tal prática
evitaria a cópia na Internet. Vemos tais ações como completamente
incongruentes com a realidade tecnológica de nossos estudantes de nível
médio ou de qualquer outro nível. Não podemos nos esquecer de que os
adolescentes de hoje já nasceram na cultura digital, o que obriga a escola a
refletir sobre um de seus princípios: o da autonomia. Nesse cenário, a
informação e os conteúdos transbordam na forma de novos textos, novas
linguagens e novas formas de interação. Aí entra o nosso papel na escola, uma
vez que não deveríamos deixar de incorporar, em nossas práticas pedagógicas,
a discussão sobre as novas formas de leitura e de escrita realizadas na
chamada Web 2.0. Essa geração tecnológica aboliu, entre outras coisas, a
cisão produtor/leitor, colocando em cena a possibilidade de todos publicarem
na rede e exercerem concomitantemente os papéis de leitores e autores. Tal
questão não deve prescindir do debate escolar.

b) Propor o uso da tecnologia digital, em diferentes mídias, em projetos


realizados em uma perspectiva disciplinar e interdisciplinar. Estamos cada vez
mais conscientes de que a mídia imprime características aos conteúdos que

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veicula, comandando os usos e as leituras que deles podemos fazer. Temos,


portanto, um desafio: colocar em discussão as mudanças e movimentos sociais
que têm ocorrido neste século. Diversas e variadas formas de comunicação
comprovam a transformação da sociedade moderna implicada nos usos da
Web. Essas vão de “consultórios” virtuais, que orientam as pessoas sobre os
mais diversos assuntos, desde questões econômicas a sentimentais, passando
por campanhas políticas, reações sociais, como a intitulada “Somos todos
macacos”, promovida pelo jogador Neymar, cujo objetivo foi protestar contra
a atitude racista sofrida por um de seus colegas de profissão até as relações
com amigos, família e escola construídas pelos jovens por meio das redes
sociais. Tais transformações deveriam estar em pauta nas discussões que
realizamos na escola da educação básica, a fim de qualificar e compreender os
usos que fazemos das TICs.

c) Propor projetos que permitam aos estudantes utilizar as TICs (em especial os
dispositivos móveis), de maneira protagonista, na realização de traduções
intersemióticas (de textos, informações produzidas em linguagem verbal para
linguagem gráfico-visual, audiovisual, radiofônica e vice-versa). Não estamos
nos referindo aqui, por exemplo, ao uso de redes sociais para práticas de
escrita que já existem no ambiente escolar, ou seja, não se trata, por exemplo,
de solicitar aos alunos que façam resenhas de textos em blogs, conforme
muitas orientações pedagógicas. Nem mesmo a pesquisas sobre o uso da
internet em sala de aula que apenas repetem práticas de letramento já
existentes há muito tempo (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007). Com certeza,
diferentes tecnologias possibilitam formas de textualização diversas.
Entendemos, no entanto, que a convergência tecnológica digital caracteriza-se
como um instrumento potencial para a construção de conhecimentos na sala
de aula. Sob esse ponto de vista, a escola estaria, de fato, oportunizando aos
jovens constituírem-se como sujeitos de práticas letradas diversas.

d) Realizar com os estudantes discussões e reflexão que lhes permitam reforçar o


olhar crítico sobre o uso das tecnologias digitais, em particular, das redes
sociais, no Brasil contemporâneo, focalizando aspectos como o processo de
humanização e/ou desumanização subjacente ao uso das tecnologias em
diferentes contextos culturais. O acesso dos jovens e adultos aos meios
tecnológicos, aliado ao seu uso inadequado, pode, por exemplo, colaborar para
a incidência de práticas de discriminação de qualquer natureza, como ocorre
em sites produzidos para fins de bullying – os chamados cyberbullying –,
identificados e noticiados com frequência. Esse comportamento de
discriminação e agressão verbal não é novo entre os jovens, mas assistimos a
um “sentimento moderno” de disseminação do ódio pela internet que deve ser
discutido na sala de aula, afinal ela é um dos espaços legítimos para isso.

207
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

e) Realizar com os alunos exercícios de pesquisa que lhes permitam investigar


diferentes fenômenos (de natureza artística, literária, linguística, geográfica,
histórica, ideológica, etc.), na internet, com base em princípios básicos da
etnografia digital (RECUERO, 2012; FRAGOSO; RECUERO; AMARAL,
2011). Como nos alerta Freire (1996, p. 32), “não há ensino sem pesquisa e
pesquisa sem ensino”. A pesquisa existe para se conhecer o que ainda não se
conhece. Pensar de forma crítica é uma exigência que o ciclo gnosiológico vai
pondo e impondo à curiosidade humana (FREIRE, 1996). Desse modo, a
internet, fonte inesgotável de informação, deve ser vista como um dos
instrumentos (e não o único, é claro!) que permite acessar a informação em
qualquer espaço e tempo, inclusive os escolares.

É preciso considerar, por fim, que cabe à escola adotar as orientações de


documentos que parametrizam as ações escolares, conforme sinalizam as Diretrizes
Curriculares para o Ensino Médio:

Concretamente, o projeto político-pedagógico das unidades escolares que


ofertam o Ensino Médio deve considerar: VIII – utilização de diferentes
mídias como processo de dinamização dos ambientes de aprendizagem e
construção de novos saberes (BRASIL, 2011, p. 38).

Sabemos que a concretização de tal proposta pode se constituir em mais uma


exigência para o professor que já é demais sobrecarregado. Mas se queremos, de fato,
mudar uma realidade ou, pelo menos, propor uma discussão sobre as possibilidades
de mudança, acreditamos que não deveríamos deixar de fora do debate as
modificações pelas quais a sociedade passa diante dos usos das TICs nas diversas
formas de interação social. A escola, como uma das principais agências de letramento,
não pode deixar de ocupar o seu papel social frente ao uso das tecnologias digitais e,
nesse sentido, também frente ao reconhecimento e à discussão das contradições
próprias da cultura digital. Isso significa que a escola não pode se restringir ao lugar
de um espectador, ao lugar de alguém que, frente a esse cenário socioistórico e
cultural, opta por observar “os cães ladrarem enquanto a caravana passa”.

208
Sandra Cavalcante, Josiane Militão e Daniella Lopes
_________________________________

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209
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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210
Oficinas educativas na educação básica: os dizeres de alunos do ensino
médio sobre direitos iguais
Robson Figueiredo Brito
Isabela Camargos Ribeiro
Wemerson Guedes

“A teoria sem a prática vira ‘verbalismo’, assim como a prática


sem teoria, vira ativismo. No entanto, quando se une a prática
com a teoria tem-se a práxis, a ação criadora
e modificadora da realidade.”
(FREIRE, 2013).

INTRODUÇÃO

Este capítulo descreve uma atividade pedagógica vivida no âmbito do projeto


Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação e a formação de professores,
caminhos para novas práticas (doravante LEEM), que ensejou a escrita deste livro.
Trata-se da realização de oficinas educativas concebidas como espaço do vínculo, da
participação, da comunicação e da produção e interação social entre alunos do ensino
médio, professores de Língua Portuguesa da escola pública parceira, estudantes da
graduação e do mestrado/doutorado em Letras – Linguística e Língua Portuguesa – da
PUC Minas.
O dizer de Freire (2013) escolhido para ser a epígrafe do capítulo revela o sentido,
nossa intenção e também nosso comprometimento na escrita deste trabalho e no
desenvolvimento da atividade pedagógica a ser narrada. Noutros termos, a parceria com
diferentes atores que marca a prática a ser descrita configura-se como ação criadora, por
meio da qual se experienciou a relação política profícua entre a teoria e a prática, longe
do verbalismo e do ativismo.
Com tal compromisso, este trabalho ambiciona estimular o diálogo necessário
para a organização do processo político-pedagógico de convivência democrática na
escola, possibilitando o respeito às diferenças, a promoção da igualdade de gênero no
cotidiano escolar, podendo intervir na (in)disciplina na sala de aula. De forma específica,
busca-se registrar os dizeres e as vozes dos estudantes do ensino médio, representados
pelos estudantes da Escola Estadual Bernardo Monteiro em relação à importância da
igualdade de direitos e do direito fundamental à educação previstos na Constituição
Federal/1988 e no ECA/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Como assinalado em outros capítulos deste livro, o projeto Leitura e escrita no
ensino médio: demandas para a ação e a formação de professores, caminhos para novas
práticas teve por finalidade desenvolver ações de cooperação com instituições de Minas
Gerais (no caso de Belo Horizonte, com a referida escola estadual) “visando tanto ao
aprimoramento das práticas de formação docente, inicial e continuada, quanto à
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
_________________________________

contribuição para a solução de problemas e demandas da educação básica pública, no que


toca ao ensino médio” (ASSIS et al., 2012, p. 3).
No primeiro semestre de 2014, os integrantes do Grupo de Pesquisa efetuaram
visitas (observação participante, acompanhamento das aulas, conversa com os
professores, alunos e a direção) à Escola Estadual Bernardo Monteiro, com o intuito de
mapear “as habilidades de leitura e escrita de estudantes de ensino médio e sua relação
com as práticas de letramento vivenciadas dentro e fora do espaço escolar” (ASSIS et al.,
2012, p. 17).
Durante este mapeamento, estabeleceu-se um diálogo com a diretoria, com a
coordenação pedagógica, com professores e alunos da Escola com vistas a conhecer os
diversos atores que compõem esse espaço institucional e sua realidade escolar.
Em conversa com a Diretora e a Coordenadora Pedagógica da Escola, foi narrada
aos pesquisadores a ocorrência de situações de indisciplina por parte dos estudantes do
ensino médio, dentro e fora da sala de aula.
Essas situações foram descritas como dificuldades concernentes ao cumprimento
de regras, ao saber se comportar em sala de aula, a certo desinteresse e apatia no tocante
às atividades escolares, dificuldade de escuta do que o outro tem a dizer, possível falta de
limites denotando conflito nas relações pedagógicas e na convivência entre todos os que
participam desse espaço escolar e o integram.
Após a descrição das situações de indisciplina, a Diretora solicitou a colaboração
dos pesquisadores no sentido de se fazer uma intervenção de natureza “psicológica” com
esses estudantes. E, ademais, para que se pudessem dirimir os problemas de indisciplina,
em sala de aula e no cotidiano escolar.

Em torno da “indisciplina"

Sabemos que o fenômeno da indisciplina não é algo novo no espaço escolar.


Estudiosos do assunto ressaltam que a existência de conflitos entre alunos, entre alunos e
professores, e entre professores é própria desse espaço, uma vez que a escola reflete as
tensões vividas pelos alunos e professores (atores nesse ambiente) e são expressas com
toda a radicalidade, pois concentram problemas das esferas econômica, social, política,
cultural, educacional e afetiva de nossa sociedade, como argumenta Justo (2010).
O relatório do PISA (Programme for International Student Assessment –
Programa de Avaliação Internacional de Estudantes), segundo a Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2009, p. 10), expressa que “as salas
de aula brasileiras são mais indisciplinadas do que a média de outros 66 países avaliados”.
O trabalho de Santos e Rosso (2012) indica-nos que o desinteresse, o desrespeito e a
indisciplina são os elementos que mais causam desgaste na docência e interferem no
desenvolvimento da aprendizagem em sala de aula e na organização das relações
pedagógicas.

212
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

Em outro estudo, foi possível identificar que a noção de indisciplina estaria


vinculada ao processo de desorganização das relações pedagógicas na escola, que
basicamente acontece quando há quebra de regras. Essa ruptura de acordos, de
cumprimento de regras que se instaura no cotidiano escolar impede os alunos e mesmo
os professores de construírem aprendizagens coletivas, explica Estrela (2002).
Acredita-se que o fenômeno da indisciplina escolar está relacionado à construção
de relações que acontecem não somente na escola, mas que passa por outros segmentos
sociais e, por essa razão, está ligado às relações de grupo que se originam, principalmente,
no âmbito familiar.
A partir do momento que indivíduos estabelecem qualquer relação, inicia-se um
grupo. Eles passam a ter algo em comum e fazem laços, ou seja, criam um vínculo e, por
conseguinte, estabelecem uma rede de relações de diversos tipos. É nesse sentido que a
definição de grupo, para a Psicologia Social e Comunitária, concentra-se em torno da rede
de relações interpessoais estabelecidas entre os indivíduos, num determinado contexto
sociocultural e histórico. Por esse motivo, essa abordagem da Psicologia concebe e define
o grupo como sendo a existência, ou não, de relações entre os indivíduos, afirma
Guareschi (2007).
Para Guareschi (2007), se se quiser mudar e ou transformar um grupo, deve-se
começar a transformar as relações existentes nele. O autor defende ser necessário
reconhecer como ocorre a vida em relação em um grupo, identificando como se estabelece
a relação de poder entre os sujeitos que estão inseridos nesse meio.
A relação de poder pode ser caracterizada sob dois modos, segundo Guareschi
(2007, p. 90-97): um deles, chamado de relação de dominação, estabelece-se entre as
pessoas em um grupo quando uma das partes se expropria do poder/capacidade do outro;
o segundo é denominado relação comunitária, a qual se faz entre os membros do grupo
quando todos têm uma identidade, e se respeita sua singularidade. Diante disso, a
Psicologia Social postula que essa última relação realiza-se porque os sujeitos são
chamados e (re)conhecidos pelo seu nome e, por esse motivo, são considerados pessoas
para estarem iguais em relação umas às outras. Portanto, a partir desse argumento de
identificação, pode-se representar nesse exemplo de relação o binômio pessoa = relação
(construto teórico da psicologia social).
Em um grupo em que as relações são comunitárias, a igualdade deve ser o centro
organizador dos vínculos que se formam entre os indivíduos, ou seja, todos os membros
devem ter vez e voz e serem respeitados em suas diferenças constituindo, por assim dizer,
uma política de igualdade.
Freud (2006) escreve em seu texto Psicologia de Grupo e Análise do Ego que um
indivíduo só pertence a um grupo quando entra num processo de identificação com os
outros, ou seja, quando constrói laços afetivos, com base em objetos reais ou simbólicos
compartilhados, que perpassam toda a coletividade e todas as etapas da vida.
Na adolescência, esse processo de identificação é muito nítido, pois um dos
aspectos marcantes desse período é a vivência em grupo. Portanto, o adolescente, para se
afirmar, se aproxima, reconhece e cria laços com vários grupos, inclusive para constituir
o seu eu com os outros. Por essa razão, trabalhar com oficinas educativas com

213
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
_________________________________

adolescentes e jovens é algo propício, posto que fomenta e possibilita a vivência em


grupo.

A CONSTRUÇÃO DAS OFICINAS EDUCATIVAS

É com base nos pressupostos apresentados acima e na solicitação da diretora da


escola parceira que nasceu a possibilidade de desenvolvimento de Oficinas Educativas de
Convivência Democrática na Escola, que foram também embasadas nas defesas
emanadas do projeto maior em desenvolvimento:

“A formação dos jovens matriculados no ensino médio passa a se pautar não


somente pela preparação para o trabalho e a cidadania, mas, sobretudo para o
desenvolvimento do educando como ser humano que precisa compreender e
interagir com os avanços tecnológicos e científicos e com as exigências dos
novos modos de interação da sociedade contemporânea” (ASSIS et al., 2012,
p. 13).

Acreditamos que a formação dos jovens no ensino médio deve ser orientada pela
escuta sensível do que acontece no contexto social, emocional e cultural em que eles estão
inseridos e, por causa disso, faz-se necessário construir novas experiências que
possibilitem maior interação entre alunos e entre alunos e professores, o que aconteceu
quando se realizaram as oficinas educativas.
Para caracterizar o que são oficinas educativas, apresenta-se o conceito de Candau
e Sacavino (1995, p. 117), que as estabelecem como um lugar ou mesmo uma prática em
que se dão “a participação, a aprendizagem e a sistematização dos conhecimentos e
também tempo-espaço para a vivência, a reflexão, a conceitualização”; são, como
continuam as mesmas autoras, “como síntese do pensar, sentir e agir”, podendo, por isso,
converter-se em “lugar do vínculo, da participação, da comunicação e da produção social
de objetos”.
Oficinas educativas concebidas como esse lugar do vínculo, da participação, da
comunicação e da produção social de objetos, conforme preconizam as referidas autoras,
podem contribuir significativamente para fortalecer o vínculo e os laços pessoais e
sociais, formar consciência crítica, estimular o diálogo necessário para a organização do
processo pedagógico de convivência democrática e possibilitar respeito às diferenças,
promoção da igualdade de gênero no cotidiano escolar, podendo intervir na (in)disciplina
em sala de aula.
Além disso, trabalhar com oficinas educativas, como estratégia pedagógica, pode
levar os alunos a se constituírem como “um grupo que seja capaz de assumir-se como
sujeitos da sua história, como agentes de transformação de si e do mundo, como fonte de
criação e construção de projetos pessoais e sociais” (GRACIANI, 2005, p. 310),
propiciando, como efeito, mudanças na prática escolar de maneira efetiva e participativa.
O conteúdo de todas as oficinas educativas que foram trabalhadas com os alunos
do ensino médio está embasado no programa Ética e Cidadania – construindo valores na

214
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

escola e na sociedade, produzido pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da


Educação (BRASIL, 2007, p. 6), que considera “importante a apresentação de propostas
que promovam o convívio democrático, dentro das instituições escolares. O trabalho deve
ser voltado à promoção do protagonismo dos jovens (homens e mulheres, entre 15 e 24
anos de idade), visando à construção da Cidadania”.
Esse Programa deixa explícito que a construção da cidadania envolve a discussão
sobre o direito à igualdade de gênero, sobre o respeito à diversidade, ao pensamento
divergente, ao direito de livre expressão, sobre a atuação a favor de uma convivência não
discriminatória entre homens, mulheres, negros, índios, homossexuais (BRASIL, 2007).
Além disso, enfatiza que “articular em tais propostas os princípios de igualdade
entre as pessoas, reconhecendo que somos, ao mesmo tempo, diferentes, em deveres e
responsabilidades, pode contribuir para a democratização real das relações humanas no
interior das escolas” (BRASIL, 2007, p. 7).
Sob esse ponto de vista, entendemos que, para que haja democratização das
relações humanas na escola, é necessário que se criem e se empreguem instrumentos de
intervenção psicológica e educativa que oportunizem a possível transformação das
representações individuais de gênero, a fim de que se superem as desigualdades entre
homens e mulheres, brancos e negros/índios, heterossexuais e homossexuais, conforme
também propõe o Programa Ética e Cidadania.
Outro documento que também fundamenta o conteúdo das oficinas educativas
desenvolvidas é o Caderno Introdução ao Mundo do Trabalho, do Instituto Unibanco
(2009), e em especial o tema ligado à Identidade como possibilidade de ajudar o jovem a
aprender a ser no sentido de “identificar em si interesses, habilidades e vocações para a
construção de seu projeto de vida” (INSTITUTO UNIBANCO, 2009, p. 19).
A questão do tema da Identidade enfocada nesse documento relaciona-se com os
aspectos ligados à formação da personalidade entendida como reconhecimento de si na
convivência com as pessoas que se encontram mais próximas em seu cotidiano
(INSTITUTO UNIBANCO, 2009).
Seguindo as considerações/diretrizes estabelecidas pelo marco
teórico- metodológico do LEEM, cabe salientar que a organização das oficinas educativas
se fundamenta nas orientações para as práticas pedagógicas, que são:

 “a aprendizagem supõe ações de elaboração próprias, estímulo à autonomia e


reflexão sobre a atividade em que o sujeito se engaja;
 os conhecimentos são elaborados em atividades de linguagem – nessa medida,
coletivas –, as quais tanto organizam e medeiam as interações entre o sujeito e a
realidade quanto constituem o espaço de interação do sujeito com outros (cf.
VYGOTSKY, 1989, 1991);
 a realização de operações linguísticas, nas atividades de leitura e produção de
textos, é concebida como um trabalho na/para a interação, na/para a
coconstrução de atividades de linguagem, o que envolve tanto a produção de
sentidos como o estabelecimento de relações sociais;
 a compreensão da literatura como fator indispensável de humanização, na
acepção de Antonio Candido (1995), uma vez que leva ao exercício da reflexão,
à conquista de saberes, à experiência estética, ao refinamento das emoções,
dentre outros requisitos importantes para a vida em sociedade.” (ASSIS et al.,
2012, p. 13.)

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Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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O fio condutor dessas oficinas educativas foi sustentado pela premissa


político-pedagógica de que os estudantes da educação básica devem, “encarando a
condição de cidadãos críticos de sua potencial contribuição social, constituir-se como
agentes produtores de saberes construídos na escola e fora dela” (ASSIS et al., 2012,
p. 5).
Os assuntos que foram abordados e desenvolvidos nas oficinas educativas estão
ligados ao tema geral – Convivência Democrática na Escola – tema gerador do Programa
Ética e Cidadania – construindo valores na escola e na sociedade, estabelecido pelo
Ministério da Educação (BRASIL, 2007, p. 16), que assevera que “a construção de
sociedades e escolas inclusivas, abertas às diferenças e à igualdade de oportunidade para
todos é o objetivo prioritário da educação nos dias atuais.”
Esse Programa ressalta, ainda, que o trabalho pedagógico e de intervenção
psicológica e social deve considerar que
“o convívio com a diversidade humana e com as diferenças sociais,
econômicas, psíquicas, físicas, culturais, religiosas, raciais, ideológicas e de
gênero, ao mesmo tempo em que gera conflitos, pode servir de matéria-prima
para a construção da convivência democrática” (BRASIL, 2007, p. 6).

O tema da Convivência Democrática na Escola foi o primeiro a ser trabalhado


com o grupo no âmbito das oficinas desenvolvidas. O segundo tema – Construção da
Identidade – liga-se ao desenvolvimento/valorização da identidade pessoal. O terceiro
tema – Diversidade/Igualdade – diz respeito às diferentes formas de pensar e agir nas
relações de convivência. Relações Étnico-Raciais e de Gênero, quarto tema, remete às
formas de as pessoas se relacionarem em sociedade com as diferenças dos povos negros
e indígenas, os movimentos da diversidade sexual, os gêneros masculino e feminino. O
quinto e último tema – Inclusão e Exclusão Social – liga-se à construção de valores de
ética e cidadania, pautada em ações de participação e cooperação entre todos os membros
da comunidade escolar.1
Todas as oficinas apresentaram uma sequência de desenvolvimento constituída
das seguintes etapas: (i) reflexão individual: momento em que o aluno participante2 lê,
reflete e escreve o que está sendo proposto nas atividades das oficinas; (ii) reflexão
grupal: momento em que acontece uma partilha entre os alunos sobre o que foi construído
na etapa anterior; (iii) síntese individual: etapa de organização e síntese das ideias
partilhadas no grupo e (iv) construção de um produto: etapa final registro e produção

1
Esclarecemos que os cinco temas trabalhados nas oficinas educativas foram selecionados e organizados
com base no material educativo dos seguintes órgãos: Secretaria da Educação Básica/Ministério da
Educação, no Programa Ética e Cidadania: construindo valores na escola e na sociedade (2007) e Instituto
Unibanco – Introdução ao Mundo do Trabalho/Identidade: aprendendo a ser (2009). Nas atividades
realizadas durante as oficinas foi utilizado material educativo produzido pelos órgãos indicados acima.
Algumas adaptações foram feitas a esse material, a fim de se ajustarem à realidade do ensino médio e da
escola parceira, dado que o diagnóstico nos deu pistas para a realização dos ajustes.
2
Os alunos que integraram as oficinas levaram para os pais e/ou responsáveis o TCLE (Termo de
Consentimento Livre Esclarecido) e o Termo de Cessão de Imagens para a assinatura/autorização da sua
participação nas oficinas educativas a fim de que pudesse ser feita a publicação dos drops e/ou de outros
possíveis produtos e/ou materiais educativos advindos desse trabalho.

216
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

criativa de todos registros elaborados e que serão transformados em um produto que será
a expressão da síntese da atividade, como por exemplo construção/elaboração de painel,
fôlder e drops.
A condução das oficinas educativas ficou sob a responsabilidade de alunos da
graduação em Letras, juntamente com um doutorando em Letras/Linguística, integrante
do NELLF (Núcleos de Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação), o qual atua
como Psicólogo Clínico e Professor Universitário.
As oficinas educativas contaram com a participação de 46 estudantes do primeiro
ano do ensino médio. Tiveram a duração e 1h e 40min e aconteceram, na Escola Estadual
Bernardo Monteiro, durante os meses de setembro, outubro, novembro e dezembro de
2014, sempre no turno da manhã.

A ATIVIDADE EDUCATIVA: UM EXEMPLO

Para os propósitos deste capítulo, limitar-nos-emos ao relato do desenvolvimento


do primeiro tema, por meio do qual refletiremos sobre o efeito das oficinas educativas
como suporte orientador da convivência democrática na escola.
Trata-se de um tema diretamente ligado à convivência democrática na escola.
Apresentaremos o passo a passo da oficina: objetivo, sua estratégia facilitadora e a
apresentação/indicação de dois drops na internet (Universidade Escola/igualdade e
/educação – youtube/EsEJBH5XI9E e SYX2b64GxlO),3 produtos finais das atividades
realizadas nas oficinas.

1º tema: Convivência democrática na escola


Objetivo: Apresentar e discutir o tema sobre a convivência democrática na escola
relacionada à igualdade de gênero, ao respeito à diversidade com alunos.
Estratégias facilitadoras:4
a) Roda de conversa: os alunos são convidados a formarem um círculo na sala da
oficina para marcar o início de uma conversa. O coordenador faz a pergunta
geradora: Para vocês, o que significa afirmar que todas as pessoas são iguais
perante a lei no nosso País? Em seguida, prevê-se um momento de reflexão
individual, seguido do debate entre os participantes sobre possíveis respostas
dadas a essa pergunta.
b) Distribuição das palavras-chave para formar frase: “Todos têm direito a ser
diferentes sem preconceitos e sem discriminação!”. O grupo é dividido em duplas

3
Esses são os produtos finais do trabalho com as oficinas educativas: para que se possa ver/ler/ouvir e
perceber as vozes dos colaboradores nas atividades propostas.
4
Trata-se de um procedimento construído para esta modalidade de oficina, que permite aos coordenadores
do trabalho organizarem as etapas/ações que serão realizadas durante o processo de aplicação da atividade
proposta.

217
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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que recebem palavras do enunciado descrito acima. Após essa fase, as duplas
devem dizer o que compreenderam da frase formada.
c) Apresentação da Cartilha sobre os Direitos Humanos pelo coordenador da oficina
– um exemplar fixo extraído do material do Programa Ética e Cidadania –
construindo valores na escola e na sociedade.
d) Leitura individual do texto Afinal, somos todos iguais... (distribuição de cópias
para cada participante), também extraído do material do Programa Ética e
Cidadania – construindo valores na escola e na sociedade.
e) Comentários livres e escritos de palavras no papel Kraft a respeito do conteúdo
do texto lido.
f) Respostas individuais, por escrito, à seguinte pergunta final, feita pelo
coordenador da oficina: Afinal somos todos iguais? Por quê?

Produto: Com a contribuição de todos os participantes da oficina foram montados


dois drops, com duração de 2 minutos cada um (gravação com depoimento dos alunos, a
respeito do artigo 5º da Constituição Federal e do artigo 53 do Estatuto da Criança e do
Adolescente sobre o direito à educação, cujo conteúdo expressa: Somos todos iguais e
todos têm os mesmos Direitos!. Cabe salientar, na construção desses drops, a importância
de os alunos participantes da oficina dialogarem com os documentos/discursos oficiais
sobre a igualdade de direitos, tomando-se aqui como referência o pensamento bakhtiniano
acerca da característica dialógica da linguagem e da interação verbal, entre atores sociais,
num determinado contexto.
A organização dos drops tem a seguinte composição:

a) o primeiro drops anuncia na Introdução: “A criança e o adolescente têm


direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em
processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e
sociais garantidos na Constituição e nas leis.” Logo após, vem a pergunta –
Você convive bem com o diferente? – seguida da resposta dos alunos
participantes das oficinas e da narração do artigo 5º da Constituição Federal
de 1988.
b) o segundo drops repete o mesmo dizer contido na introdução do anterior e traz
a pergunta: O que é educação para você? Após a resposta dos alunos
participantes das oficinas, tem-se a narração do artigo 53 do ECA (Estatuto da
Criança e do Adolescente) de 1990.

218
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

OS DIZERES DOS ALUNOS DO ENSINO MÉDIO – AS VOZES SOBRE A EDUCAÇÃO E A IGUALDADE


DE DIREITOS: UMA ANÁLISE LINGUÍSTICO-DISCURSIVA

Nossa intenção é analisar, sob o ponto de vista teórico-metodológico da Análise


do Discurso, os modos de dizer5 dos alunos ao serem indagados por meio das seguintes
questões: O que é educação para você? Você convive bem com o diferente? Para essa
tarefa, tomaremos pistas linguístico-discursivas6 flagradas em seus dizeres.7
As pistas discursivas que selecionamos para analisar esses dizeres são as vozes
que atravessam todo ato de dizer de um sujeito em situação de diálogo, em interação e
relação com o outro, posto que assumimos a noção de dialogismo, no campo do
pensamento bakhtiniano.8 Em razão disso, as vozes se constituem como possíveis marcas
que atravessam esse dizer e são pronunciadas/discursivizadas no momento em que os
alunos respondem às questões propostas para a gravação dos drops.
Fundamentados nos pressupostos teóricos de Bakhtin (2011, p. 350): “o homem
entra no diálogo como voz integral [...] e se exprime exteriormente (e, por conseguinte,
para o outro) do corpo à palavra [...]”, pode-se compreender que há uma dinamicidade
semiótica inerente ao diálogo e, por esse motivo, as vozes sociais se entrecruzam nesse
processo, dado que todo dizer é inteiramente dialogizado e se estabelece como uma
articulação de múltiplas vozes socais, como assevera Faraco (2009, p. 60) em seus estudos
sobre o plurilinguismo dialogizado em Bakhtin.
Encontramos pistas/marcas linguístico-discursivas interessantes na resposta dos
participantes da oficina em relação à primeira pergunta: O que é educação? Ressaltamos
os seguintes dizeres:

5
Nas considerações de Brito (2016, p. 162), nota-se que esse conceito foi assim tratado: o ato de contar
traz todos os elementos concernentes ao modo de dizer dos sujeitos, porque vem carregado de tensões,
conflitos e contradições, e mesmo significações inconscientes, que se realizam por meio dos efeitos
discursivos sobre a realidade (CHARAUDEAU, 2014).
6
Tomamos como referência Brito (2016, p. 171): “Ancorando-nos em postulados da Análise do Discurso,
entendemos, com Orlandi, que as pistas/marcas não são algo dado a priori ou evidências em si. Elas
indiciam um processo discursivo e enunciativo, a serem significadas pelo analista do discurso à luz de
um aporte teórico. São pistas/marcas, conforme explica Orlandi (2005, p. 30), que o analista aprende a
seguir para compreender os sentidos produzidos no e pelo discurso, pondo em relação ao dizer com sua
exterioridade, suas condições de produção. Dessa perspectiva, ainda com Orlandi, os dizeres não são
apenas mensagens a serem decodificadas, são efeitos de sentido, produzidos em condições determinadas.
Sob esse enfoque, assumimos que, nesse dizer, reflete-se o trabalho do sujeito com e sobre a língua, com
e sobre o discurso. Assim, as pistas, presentes no texto, são vestígios por meios dos quais se pode
apreender o modo como o sujeito constrói discursiva e enunciativamente um posicionamento identitário.”
7
As pistas linguístico-discursivas que serão analisadas neste texto são extraídas dos dizeres pronunciados
dos alunos participantes das oficinas educativas, gravados nos drops já mencionados.
8
Para Bakhtin (2011, p. 348), “a vida é dialógica por natureza. Viver significa participar do diálogo:
interrogar, ouvir, responder, concordar, etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida:
com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos. Aplica-se totalmente na palavra,
e essa palavra entra no tecido dialógico da vida humana, no simpósio universal. [...] O modelo reificado
de mundo é substituído pelo modelo dialógico”.

219
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
_________________________________

Bloco I:9 “Ela é uma formação que vai te guiar no futuro, né!”, “Quem faz seu futuro é o
estudo!”, “Se a pessoa quer um sonho alto ele tem que correr atrás daquilo, então,
começa dos estudos!”

Nesse bloco, os alunos que respondem à questão começam a dizer que a educação
é algo que está ligado a sua formação: “ela é uma formação”, com potencial para projetar
o sujeito para um futuro. Eles remetem à educação, em primeiro plano, de maneira
distante, no sentido de uma formação, de uma projeção; para um tempo longe: vai te guiar
e depois colocam o foco no estudo relacionando com o conquistar algo. (Quem faz seu
futuro é o estudo!). Pode-se flagrar aí um atravessamento de uma voz social que entra
nesse dizer indicando/revelando que a educação é formação, juntamente com os estudos,
de algo para o futuro: um bem a ser conquistado, apropriado e alcançado socialmente.

Bloco II: “Estudar, né que é um direito de todo mundo!”, “Eu tenho direito de ter uma
educação, de ter uma educação boa, ter um ambiente de escola bom, com higiene, com
pessoas agradáveis e bons professores!”

Aqui, nesse bloco, os alunos dizem de maneira impessoal (uso da forma verbal no
infinitivo), reconhecendo o estudo como um direito de todo mundo e, posteriormente,
incluem-se nesse Direito: eu tenho direito de ter, e fazem uma lista do que consideram
em seu posicionamento de sujeito: uma educação boa. Conseguem, no nosso modo de
entender, com esse dizer, indicar uma posição como sujeitos de direito, revelando uma
voz social que marca o acesso de pessoa inscrita no ordenamento legal10 no campo do
Direito Civil e Constitucional.
Vejamos agora dados do discurso dos participantes da oficina referentes à segunda
pergunta: Você convive bem com o diferente?
Bloco I: “Eu converso com todas as pessoas e eu tento entender o problema de cada uma
com a outra pessoa. Bom, eu aprendo que é importante trabalhar em grupo, não pensar
em só em si mesmo, pensar na sociedade em geral. E, em todo mundo que convive com
você. Mas eu acho que a pessoa, como se diz, não tem fundamento sem cultura, conhecer
a cultura do povo dela, conhecer a história do povo dela, para poder não repetir os erros
do passado para poder evoluir como pessoa.”
Nesse bloco pode-se notar que os sujeitos revelam o modo de dizer elocutivo,11
uma vez que mostram o seu ponto de vista e expressam uma constatação no tocante ao

9
Usamos as formas bloco I e II para agrupar as vozes dos alunos do ensino médio que participaram dos
dois drops, uma vez que a gravação separou-as em duas sessões (blocos) do dizer na produção desse
material.
10
Na Constituição Federal, encontramos, no capítulo que trata da educação, o art. 205: “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho.”
11
Fazemos referência e uso dos procedimentos da construção enunciativa – as categorias modais descritas
por Charaudeau (2014, p. 81-105), quando este se refere ao modo de organização enunciativo, que
“mostra a posição que o sujeito falante ocupa em relação ao interlocutor, em relação ao que se diz em

220
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

respeito com o outro e também com a questão do diferente. Além disso, por meio do
emprego do verbo modal poder, utilizado para indicar um conhecimento sobre esse
assunto, tem-se uma referência à possibilidade de mudança/transformação de um ponto
de vista em direção ao que causa o desrespeito com o diferente, indicando uma voz social
que está marcada e atravessada pela noção da diversidade.

Bloco II: “Julgam você sem saber que você é! Eu já fiz isso também, só que depois você
conversar com a outra pessoa, é aí é o maior diferente... Não tem que necessariamente
gostar, mas pelo menos respeitar o direito do outro, o limite. Eu tenho mais facilidade de
fazer amizade com menino do que menina. Eu acho que em toda escola tem alunos de
diferentes, diferentes modos de pensar ... A questão do desrespeito cultural, por exemplo,
vamos pegar duas classes que gostam de dois times diferentes, os dois desrespeitam a
cultura um do outro, entendee!, Isso não é bacana, tinha que ter que ter mais respeito
entre eles.”

Já nesse bloco, os alunos deixam, em seu modo de dizer, marcas discursivas que
podem revelar, com o uso do verbo julgar na terceira pessoa do plural (julgam você...),
indicando indeterminação, uma visão negativa sobre a ação em foco, da qual o sujeito se
diz afastar em seguida (Eu já fiz isso também, só que depois você conversar com a outra
pessoa é aí é o maior diferente...). Em seguida, manifesta-se outro modo de dizer, em que
se desvela um ponto de vista por meio da constatação (não tem que necessariamente...
mas pelo menos...), própria do modo elocutivo, para poder enfim ser afirmada e defendida
a existência de diferentes maneiras de pensar (enfatizando a palavra diferentes, ela é
enunciada três vezes).
Os dados deixam pistas de que, em certas ocasiões, enquanto estudantes, sujeitos
sociais, em convivência com os outros, estes não são capazes de respeitar todos, o que se
manifesta, por exemplo, por meio da interpelação materializada pela interjeição
(entendee!). Emerge aí uma voz social que mostra o conflito como parte integrante da
convivência em sociedade, com destaque para as ações em sala de aula, posto que os
estudantes têm de lidar em seu cotidiano escolar com os professores, os outros colegas,
que são, pensam e agem de diversas maneiras, ocasionando tensões que podem ser
expressas na escola, em especial por meio de atos de (in)disciplina e também da voz da
diferença.12

relação ao que outro diz”. Esse autor trabalha com os três modos: alocutivo (posição de agente por parte
do locutor em relação ao interlocutor), elocutivo (ponto de vista o locutor sem que o interlocutor esteja
presente) e delocutivo (o locutor apaga o seu ato de enunciação e não implica o interlocutor).
12
A noção de diferença que está sendo tomada aqui, por nós, está embasada nas pesquisas de identidade
dos estudos culturais, em especial no que Silva (2014) postula quando afirma: “o poder de definir a
identidade e de marcar a diferença não pode ser separado de relações mais amplas de poder. A identidade
e a diferença não são, nunca, inocentes. [...] são outras tantas marcas da presença do poder:
incluir/excluir; demarcar fronteiras, classificar e normalizar.” [...] como vimos, dizer “o que somos”
significa também dizer “o que não somos” (SILVA, 2014, p. 81-82).

221
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que as oficinas educativas foram desenhadas como estratégias


facilitadoras para se fazer uma intervenção psicológica, social, político-pedagógica na
escola, especificamente no ensino médio, esperava-se que os alunos que participaram
desse trabalho construíssem os produtos com o intuito de comunicar e registrar o que seja
a convivência democrática na escola, por meio da sua leitura e escrita sobre os temas
discutidos e trabalhados em cada momento das oficinas. Entendemos que o resultado
obtido foi bastante significativo, uma vez que os estudantes realizaram a ação criativa,
defendida por Freire (2013), conseguindo atuar quando foram chamados a participar
como agentes e atores, construindo seus depoimentos para a construção dos drops e
expressando em seus dizeres vozes sociais que atravessam a sua língua(gem) quando
dizem sobre a igualdade de direitos na convivência com o diferente e no acesso à
educação, como bem social.
Em cada oficina, a construção de produtos como painéis, desenhos e drops pode
servir de instrumento de reflexão e mobilização para a feitura de novas práticas de leitura
e escrita, que possam servir como motivadores de novos posicionamentos dos estudantes
e que deem continuidade ao desenvolvimento de assuntos ligados à igualdade de gênero,
respeito à diversidade, ao direito à livre expressão. Trata-se, enfim, de ações que podem
atuar a favor de estabelecimento de relações não discriminatórias por raça, cor e ou opção
sexual, funcionando como temas geradores e de debates em Língua Portuguesa, Filosofia,
História e outras disciplinas de Humanidades, na escola, bem ao modo de Soares (2016),
quando aduz que não há possibilidade de neutralizar conteúdos e atividades, nesse
cenário, dado que os alunos estão em relação, em convivência com os seus professores,
que manifestam seu modo de ser, agir, comportar e dizer verbal e não verbalmente.
Cabe salientar que um projeto de pesquisa dessa natureza, capaz de integrar
ensino, pesquisa e extensão, permitindo a interação entre aluno da formação básica,
graduandos, mestrandos e doutorandos em Letras, assim como os professores efetivos do
ensino médio, é um mecanismo político-pedagógico conveniente para tornar esses atores
agentes e modificadores da realidade escolar.
Frise-se que as oficinas e os drops produzidos pelos alunos nos deixaram com a
convicção de que é possível criar espaços de diálogo entre alunos e professores, no âmbito
da educação básica, no que diz respeito à construção de relações comunitárias, reflexões
a respeito dos direitos, deveres do ser cidadão e, principalmente, ressaltar a importância
de cada um para se posicionar politicamente como um sujeito atuante na constituição de
uma sociedade democrática dentro e fora da escola, posto que educar é efetivamente
conviver democraticamente na escola: eis aqui a nossa opção.

222
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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Referências

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a formação de professores, caminhos para novas práticas. PUC Minas/Fapemig: Pesquisa
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relações étnico-raciais e de gênero / organização FAFE – Fundação de Apoio à Faculdade
de Educação (USP), equipe de elaboração Ulisses F. Araújo... [et al.]. – Brasília, DF:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007. v. 4, 5 e 6.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei federal nº 8.069, de 13 de julho de
1990. Rio de Janeiro: Imprensa Oficial, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado
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BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. 6. ed. Tradução de Paulo Bezerra,
São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BRITO, Robson Figueiredo. Um estudo da construção de posicionamentos
identitários assumidos por estudantes pibidianos em relatos orais sobre a temática
do tornar-se professor. Belo Horizonte, 2016. 296 f.: Dissertação (Mestrado). Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Letras, 2016.
CANDAU, Vera Maria; SACAVINO, Susana (Org.). Educar em direitos humanos:
construir democracia. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. Tradução e
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2014.
ESTRELA, Maria Teresa. Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. 4. ed.
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FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e diálogo: as ideias linguísticas do círculo de
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 47.
ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013.
FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud: Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros
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GRACIANI, Maria Stela Santos. Pedagogia social de rua: análise e sistematização de
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Regina Helena de Freitas. Psicologia social comunitária: da solidariedade à autonomia.
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223
Robson Figueiredo Brito, Isabela Camargos Ribeiro e Wemerson Guedes
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INSTITUTO UNIBANCO. Introdução ao mundo do trabalho. Livro do professor. São


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ORLANDI, Eni Pulcinelli. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 6. ed. São
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<http://www.ceale.fae.ufmg.br/pages/view/escola-sem-partido-2.html>. Acesso em: 20
dez. 2016.

224
Ler ou não ser – eis a questão da Literatura na educação básica

Márcia Marques de Morais


Raquel Beatriz Guimarães

“Somos feitos da matéria de


que tecemos nossos sonhos.”
(W. Shakespeare)
LER LITERATURA: SER LEITOR

A leitura do texto literário na educação básica é questão bastante instigante,


considerando que, no contexto educacional em que nos situamos hoje, no Brasil, essa
prática caracteriza-se, basicamente, por ser um locus de resistência. Ela resiste diante de
muitos impasses.
Para listá-los, segundo um critério “hierárquico” de razões, vamos começar pelo
tratamento que essa prática de leitura recebe dos parâmetros que norteiam a educação
básica, com um recorte no ensino médio,1 que vai interessar a este texto, cujo objetivo é
refletir, inicialmente, sobre uma experiência de pesquisa que se atreveu a observar e
propor a condução de atividades de leitura de literatura para alunos do ensino médio e, a
partir daí, refletir sobre a experiência, analisá-la e interpretá-la, à luz de possíveis
proposições em relação à leitura de literatura no ensino, sublinhadamente, na educação
básica.
Assim sendo, a sondagem do tratamento que a leitura literária recebe nos
documentos que normatizam o ensino leva-nos a perceber que se esvazia neles a até
então chamada Literatura como disciplina e, em seu lugar, aparece a possibilidade de se
lerem textos literários como uma das práticas de leitura dentre outras de diversos
gêneros. Num primeiro momento, basta uma rápida olhada e percorrer a linha do tempo
dos documentos que regem seu ensino para, nos darmos conta disso. Vejamos. Desde os
anos 70 do século passado, em plena ditadura – frise-se –, o ensino da língua portuguesa
e suas literaturas, quando se consideravam ainda apenas a brasileira e a lusitana, fica
diluído na nomenclatura “Comunicação e Expressão”, rigorosamente nome de uma área
de conhecimento. Para essa área convergiam o ensino de língua e, consequentemente,
de sua literatura, pois que a literatura era contemplada por ser considerada, então, a mais
alta manifestação de uma língua natural; as manifestações e práticas artísticas (educação
musical, dança, desenho, por exemplo); a educação física. Na chamada disciplina
“Língua Portuguesa”, no antigo ginásio (hoje, as quatro últimas séries do ensino
fundamental), havia atividades com espaço próprio no horário de aulas para estudo de
conhecimentos gramaticais; expressão oral; leitura de textos literários, com incursões
frequentes de outros do suporte jornalístico, como, por exemplo, tirinhas, charges e
textos publicitários; redação.

1
Para consultar os Parâmetros Curriculares Nacionais, acessar <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/
pdf/blegais.pdf>.
Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
_________________________________

No que correspondia ao hoje chamado ensino médio, havia, formalmente,


horários dedicados à Literatura como área de conhecimento, demarcando-se, inclusive,
para cada uma das três séries, conhecimentos literários mais específicos: para a 1ª,
Teoria Literária; para a 2ª, Literatura Portuguesa e para a 3ª, Literatura Brasileira, tudo
encaminhado para o estudante prestar o então valorizadíssimo vestibular. Portanto, já se
insinuava uma direção bem informativa para a condução da disciplina e, de certa forma,
se replicava para o estudante, sem qualquer mediação, o conteúdo ministrado ao
professor que se licenciara em Letras na universidade. A leitura do texto literário, no
nosso entender, era parcamente recuperada pela leitura compulsória de obras literárias,
ainda com vistas ao vestibular, inúmeras vezes pirateada pela leitura de resumos,
resenhas e ensaios críticos das mesmas obras. Se se apuram as antenas, captam-se já os
desvios sofridos pela literatura ou a ela impostos. Seria o começo do fim? Seria o
anúncio de um estado terminal? Seria já o aceno da morte? Ou seria uma crise, mais
uma como outras, já experimentadas por outros saberes também, e, nesse sentido,
oportunidade para uma sábia mudança de paradigma? Deixemos, por ora, essas
perguntas sem resposta e continuemos a narrativa do percurso do ensino da literatura,
pulando dos anos 80 e 90 para o início do século XXI.
Perrone-Moisés (2006), em seu texto “Literatura para todos”, constata que, em
2001/2002, desaparece a disciplina “Literatura” no ensino médio, em vários estados
brasileiros e acrescenta que a literatura teria se diluído na fórmula “Comunicação e
Expressão”. Assim, parece-nos, essa diluição da literatura, já experimentada pelo ensino
fundamental, atinge o ensino médio.
Dando um pulo histórico, a partir dessas constatações, vamos chegar aos dias de
hoje e perceber que “Língua(s) e Literatura(s)” já mudaram, novamente, de área, ou,
pelo menos, a área a que pertenceriam também muda de nome. Vivemos um tempo em
que Literatura, muito palidamente, pertence à área a que se nomeou, nos discutidos
Parâmetros Curriculares Nacionais, “Linguagens, Códigos e suas Tecnologias”. Em
brevíssima leitura dessa nomenclatura, fica claro o privilégio de uma visão tecnológica
com que se avaliam os códigos e, nesse sentido, o esmaecimento formalizado dos
códigos verbais. Certamente, não se pode fugir à contemporaneidade nem fazer ouvidos
moucos aos novos tempos multimidiáticos e virtuais. Certamente, não se pode fugir da
própria história da humanidade e perceber que “revoluções” nas formas de comunicar e
expressar têm efeito direto sobre a organização do mundo e dos saberes e dos gêneros
(literários ou não, textuais e discursivos) que os mimetizam. Basta voltar no tempo e
refletir sobre as repercussões do surgimento da escrita, na cultura e, por espelhamento,
examinar também as mudanças de paradigma trazidas pelas novas tecnologias que,
parece, instalam na sociedade um híbrido que faz conversarem, de maneira bem
concreta, a oralidade e a escrita, o que, sem dúvida, tem reflexos nos modos de ensinar e
aprender e nos próprios suportes para/de textos, inclusive, dos literários. O que se
advoga aqui não seria a não assunção de uma visão, também, tecnológica dos códigos e
das linguagens. O que nos parece estranho é o não privilégio, nas escolas, instituições

226
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

por natureza centrípetas e, logo, tradicionais,2 do ensino do código verbal e suas


realizações, mormente artísticas, considerando a necessidade de que isso se dê numa
direção intersubjetiva, interativa, o que se atualiza, de maneira eficaz e eficiente, na
leitura do texto literário. O conceito dilatado de “linguagem/linguagens”, sobre o qual se
constroem tais documentos, esmaecendo a força da linguagem verbal, é patente nas
orientações exaradas pelo MEC para a condução da educação básica: o termo
“linguagem” figura, no Documento, como objeto de oito “ciências” e, estranhamente, a
Linguística está citada em penúltimo lugar, sendo omitida a Literatura, integrada apenas
à área de leitura.
É certo que esse deslocamento da literatura como conhecimento à leitura como
habilidade pode ser lido, positivamente, por fazer convergir para o texto literário as
práticas de leitura, sem circunscrevê-lo, aprioristicamente, a um critério “exógeno”, isto
é, sem submetê-lo ao conteúdo ou aspecto informativo do “conteúdo” literatura. Assim,
ler um texto literário, sem “contextualizá-lo” numa área de conhecimento, sem
conectá-lo a um saber previamente construído, sem reconhecer-lhe parte de um sistema
e extrair dele marcas dos sujeitos, espaços e tempos que o constituíram e constituem-no,
cifradas na forma estética, teria, por um lado, seu aspecto positivo. Seria negativo, de
outro lado, por esmaecer a ideia de pertencimento a um sistema não só
estético-estilístico, mas histórico.
Mas parece ser essa condução das aulas de leitura a única e parca possibilidade
de se trabalhar literatura na educação básica. Certamente, o tratamento que esse
conteúdo recebe hoje reflete condições perversas da contemporaneidade, em que se
decreta a morte de muitos saberes que, em geral, figuram num nicho reflexivo e
humanístico – seguem-se à morte da Literatura, a da História, a da Psicanálise e outras.
Roland Barthes, há quase meio século, já prenunciava a morte próxima da literatura
(BARTHES apud PERRONE-MOISÉS, 2006, p. 17). André Green, talvez se
reportando a Barthes, pois, em sincronia, fala em morte da literatura em consonância
com a morte da Psicanálise (GREEN, 1995, p. 11-35).
E, dando um salto de quase cinquenta anos, Todorov (2010), em seu livro A
literatura em perigo, insinua seu desaparecimento, mas, rapidamente, credita esse
perigo a seu ensino. No entanto, segundo o autor, esse ensino, responsabilizado pelos
riscos que a literatura corre, estaria menos no modo de ensinar literatura que no
desprestígio que marcam, na sociedade, a função do professor de Literatura e a própria
Literatura.
Contemporaneamente ao texto de Todorov, é flagrante a preocupação da
universidade brasileira em relação ao tema “Literatura e seu ensino”. Recorrentemente,
a imprensa estampa, em seus artigos de opinião, debates sobre a importância da
literatura; a crise da literatura; os equívocos na sua condução como disciplina escolar.
Talvez se possa debitar ao pré-lançamento de A literatura em perigo o vir a lume
essa polêmica questão sobre os percalços da literatura na contemporaneidade. Os jornais

2
A etimologia de “tradição” faz ler: “tra” + “dicção” = fazer passar (tra) + outras vozes (dicções) entre
gerações.

227
Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
_________________________________

de maior circulação no país noticiaram o lançamento do livro de Todorov,3


entrevistando-o e reservando-lhe muito espaço na mídia.
Para ouvir um brasileiro que já se pronunciara sobre o assunto cinco anos antes
das entrevistas de Todorov, destacamos um outro trecho4 de “Retorno à Literatura”, de
João Cezar de Castro Rocha, professor de Literatura da UERJ, publicado na Folha de
S.Paulo de 28/11/2004, não apenas pela objetividade com que o pesquisador diagnostica
a condição de leitor dos que pretendem formar-se professores de Literatura para a
educação brasileira, como, principalmente, porque acena com um futuro para a
Literatura, neutralizando, assim, o tom pessimista que vaticinava sua morte:
(...) em primeiro lugar, alunos de letras precisam se familiarizar com a
própria literatura. Sem dúvida, a reflexão teórica sobre o fenômeno literário é
indispensável, mas se torna ociosa se não estiver associada à leitura dos
textos. Em geral, a prática analítica e o ensino reduziram a literatura ao papel
de confirmação de teorias. O futuro dos estudos literários encontra-se no
retorno à literatura. (ROCHA, 2004, p. 4).

A polêmica sobre a alegada crise da literatura e seu lugar na escola e, por


consequência, na sociedade, acaba sendo pautada pela comunidade das Letras,
motivando reflexões e debates sobre o assunto e incitando-a a buscar razões para ela.
Este início de texto que pretende narrar uma experiência de pesquisa, debruça-se
sobre reflexões que precederam nossa proposta de investigação e, nelas, o levantamento
de possíveis causas para ela. Seria necessário e prudente perceber a ressonância dessas
“razões” tanto na realidade de ensino perscrutada quanto nas propostas feitas por nós,
pesquisadores, para atividades de leitura do texto literário, com vistas a instaurar uma
“nova velha” dinâmica pedagógica, relativamente à leitura do texto literário.
Perrone-Moisés (2006), cujo texto aqui se destacou e a quem homenageamos,
por sua propriedade, pertinência e pela recensão atenta que faz do assunto tanto em
termos de uma bibliografia que trata da “crise” quanto, ainda, do exame da matéria pela
leitura cerrada dos documentos que norteariam a “leitura literária” na educação básica
brasileira, destaca, no mínimo, quatro razões responsáveis pela decantada “crise no
ensino da literatura”, que enumeramos:

1ª – As deficiências do ensino básico, comprovadas, pelos resultados de


avaliação da leitura em instrumentos de alcance nacional e/ou internacional.
2ª – As orientações do MEC em relação à “disciplina”, exaradas nos famosos
PCNs.

3
Citem-se “Renúncia ao prazer”, entrevista publicada em O Globo de 24/1/2009, cuja chamada é “Em
novo livro, Tzvetan Todorov diz que críticos e professores afastam leitores da literatura” e entrevista
dada a Jorge Coli, na coluna “Ponto de Fuga” do “Caderno Mais!”, da Folha de S.Paulo de 18/2/2007,
quando do lançamento de La Littérature en Péril, na França, em que se lê: “O romance, o poema
passaram a ser pretextos muito secundários, trampolins para exercícios mentais altamente sofisticados.”
e “Há algum tempo que, na escola, pararam de refletir sobre o sentido dos textos e passaram a estudar
de preferência os conceitos e métodos de análise. Nesse sentido, é possível dizer que se estudam as
teorias dos críticos, e não as obras dos autores.” (TODOROV, 2007, p. 2).
4
PERRONE-MOISÉS, em artigo já citado, também recorre a “Retorno à Literatura”, mas escolhe um
outro excerto.

228
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

3ª – A releitura das orientações dos PCNs, interpretada em manuais ou livros


didáticos, muitos chancelados pelo MEC, através de análises de especialistas, que se
multiplicam pelo país e são um manancial no mercado editorial brasileiro.
4ª – O discurso entediado e até arrogante dos que ensinam Letras (línguas e
literaturas) em relação ao que Perrone-Moisés chama “didática do ensino da(s) língua(s)
no básico e no secundário.” (PERRONE-MOISÉS, 2006, p. 18-19).

Perrone-Moisés aponta a primeira razão como a causa da crise, ressalvando que


tal pensamento fica apenas como uma constatação dos que ensinamos Literatura em
nossas universidades, pois, frequentemente, eximimo-nos de qualquer responsabilidade
em relação a esse estado de coisas. É como se a educação básica (ensinos fundamental e
médio) não nos dissesse respeito e, portanto, não nos responsabilizássemos por,
parodiando expressão tão cara às pesquisas, esse “estado de desastre”.
A primeira razão se conjuga à quarta, pois aponta uma atitude, uma postura na
formação do professor e que pode repercutir no que se constata diante dos
“conhecimentos”, “habilidades” e “atitudes” frustrados em relação à formação do
discente-leitor. Aí, parece-nos estar um apertado nó da questão.
Vale a pena reler o excerto do texto “Literatura para todos”:

Há um abismo vertiginoso entre as especulações dos pós-graduandos e dos


pós-doutores, informados de sofisticadas teorias internacionais, ocupados
com termos refinados e confinados, e os conteúdos didáticos ou as práticas
cotidianas do básico e do secundário (sic). (PERRONE-MOISÉS, 2006,
p. 18).

Isso se reitera na citada publicação de Todorov que, no entanto, desloca esse


abismo entre “o que” ensinar e o “como” ensinar literatura para o “em que”,
verdadeiramente, se constitui o ensino da literatura hoje, nos cursos formadores de
professores.
O estudo e o ensino da literatura, como frisa Todorov, endossando ponto de vista
de Harold Bloom (2001), acham-se circunscritos a conhecimentos sobre ela, em
detrimento dos saberes advindos dela mesma, de leituras de literatura. Para elucidar
essa questão, lembremo-nos de exemplo dado por Todorov (2007), em entrevista à
Folha de S.Paulo, quando do lançamento de A literatura em perigo: o excessivo número
de leituras citadas da tradução de texto teórico de Walter Benjamin sobre o barroco
alemão, em dissertações e teses brasileiras e, paradoxalmente, a inexistência de textos
de literatura do barroco alemão traduzidos para o português, fato constatado em buscas
em bibliotecas e livrarias do Brasil.
Tendo comungado da angústia de diversos teóricos, críticos, docentes de
Literatura, estrangeiros e brasileiros, concordes em que há, na contemporaneidade,
riscos e perigos iminentes para a Literatura e nos perguntando sobre nossa
responsabilidade de docentes, tendo em vista o levantamento das razões que destacamos
como subjacentes a essa situação de impasse, buscamos extrair da situação que se nos
apresenta, possibilidades de, efetivamente, experimentar caminhos que pudessem

229
Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
_________________________________

recuperar a Literatura e sua função na formação do ser humano, por acreditarmos na sua
importância na escola, na sociedade e no mundo.
Supomos que certa direção que se tem dado ao ensino da literatura, concretizado
na leitura do texto literário esteja, de fato, contaminada pelo caráter político-ideológico
com que a legislação de ensino opera o conceito de “linguagem e suas manifestações”,
caracterizando-as “como fontes de legitimação de acordos e condutas sociais”. Se se
percebe, pois, um caráter tendencioso de se julgar a linguagem apenas como lugar de
embate, e esse embate apenas como luta de classes, a conduta das aulas de literatura,
inúmeras vezes, ecoa essa postura, quando nelas o texto literário é apenas “comentado”,
supostamente “analisado” e “interpretado”, com base em outros saberes, como, por
exemplo, o histórico, o sociológico, o político, o psicanalítico etc. que, embora digam
respeito, sim, à literatura, correm o risco de, pela imediatez de sua colagem ao literário,
calar outras vozes que precisam ser perscrutadas nos textos.
Nessas vozes, operadas pelo dialogismo e pela polifonia e tecidas em uma
organização estética, certamente, estão mediadas, as vozes sociais que clamam por
serem escutadas. É no parturejamento delas, através da velha “maiêutica” socrática,5
que tais vozes se farão ouvir, na leitura intersubjetiva em classe, que reafirma e
comprova a linguagem como interação, conceito bem mais dilatado que “fonte de
legitimação de acordos e condutas sociais”. Leituras processadas com vistas a essa
metodologia – a maiêutica, antiga, mas tão jovem – são oportunidades de viver a
experiência estética de reorganizar um caos, subjetivo e social (CANDIDO, 2004), e
vivenciar os paradoxos que nos constituem, como sujeitos societários. Ler literatura é
praticar o exercício democrático de acolhimento das diferenças, das diversidades
responsáveis pelas inscrições identitárias; é atuar naquela arena de vozes, em tensão,
pinçando-as numa enunciação privilegiada onde se acham condensadas numa Gestalt.
Se o texto literário, se tece de e com outros saberes, sejam eles antropológicos,
filosóficos, históricos, sociológicos, filosóficos, psicológicos; se o texto literário
estabelece diálogos multidisciplinares e multiculturais, ele não se reduz a isso: sua
especificidade literária faz que tais saberes nele estejam mediados; nele estejam, por
engenho e arte, organizados em forma(s) estética(s), cuja leitura pede, exige, a mediação
da escola, do professor, do agente de leitura, para alimentar habilidades e promover
atitudes inerentes à função leitor.
O processo da leitura literária, então, faz dialogarem múltiplos sujeitos em coro
polifônico: autor, narrador, leitor, personagens, suscitando o exercício da(s)
identidade(s) e alteridade(s) de modo que essa leitura – leitura sui generis, pois suscita
conhecimentos, habilidades e atitudes peculiares a ela – é, ela mesma, um exercício da
crítica social que, organizada, atravessada por recursos estéticos e, portanto, mediada,
torna imprescindível a função leitor, a atuação de leitores, que, nela e através dela,

5
Nome dado por Sócrates à sua dialética. Método socrático que consiste na multiplicação de perguntas,
induzindo o interlocutor a duvidar de seu próprio saber sobre determinado assunto e a vislumbrar novos
conceitos, novas opiniões sobre o assunto em pauta, estimulando-o a pensar por si mesmo.

230
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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exercitam o que lhes é eminentemente humano – a postura dialética e a habilidade


dialógica.
Assim, muito mais que “disciplina” e muito mais que “disciplina informativa”,
item de grade curricular, Literatura é disciplina formativa, lugar de formação e, logo, de
transformação, que deveria dialogar com outros saberes curriculares, com um mínimo
possível de aprisionamento a tempos e espaços. Se isso soa à utopia e, de fato o é, pois o
ensino formal não pode prescindir de cronogramas e organogramas, pensar o lugar da
Literatura na Escola, com alguma liberdade, é ecoar sua própria natureza. Tal lugar,
menos fixo e mais móvel, também se reiteraria pelo próprio nicho a que pertence a
literatura: literatura é também arte no ensino.
Sob essa óptica é que, sendo ou não politicamente correto, há uma peculiaridade
intrínseca ao texto literário, ao texto artístico, que é seu caráter de “coisa organizada”.
Essa “organização” sui generis, insistimos, instiga o leitor a seu deslinde, sua
desconstrução, sua análise, buscando a “superação de um caos”, figurado em sua
imediaticidade. É a mediação do leitor que estabelecerá o elo entre esse aspecto
manifesto e sua latência onde a polissemia aguarda vir à luz; aguarda, maieuticamente,
ser parturejada.
Acatada a ideia de que esse texto com sua peculiaridade literária é, sim, o objeto
primordial da Literatura como “disciplina”, e se sua leitura acontecer sem “a prioris”
interpretativos, quer sejam eles dos grandes críticos, quer sejam eles do professor ou dos
manuais de leitura orientada; se essa literatura, pois, acontecer na interatividade e
intersubjetividade dos momentos de leitura em sala (leitura com e não para ou pelos
alunos), ela será ocasião, de fato, de encenar práticas sociais, de exercitar o jogo das
identidades e alteridades, de apostar exercício da liberdade.
É certo que, mal-interpretada, essa afirmativa poderá induzir ao espontaneísmo,
ao achismo, a julgamentos de valor, a projeções “interpretativo-delirantes”. É por isso
que essa prática de leitura do texto literário supõe a formação docente nos cursos de
graduação e de pós-graduação em que conhecimentos literários específicos –
historiográficos e relativos às teorias críticas literárias – municiam o processamento das
análises e interpretações dos textos de literatura. Preparar os futuros docentes da
educação básica, no entanto, implica mais que isso; implica trabalhar, interativa e
intersubjetivamente, as leituras de textos literários, sublinhando uma atitude aberta ao
acolhimento das surpresas que se dão quando a prática da leitura é, de fato, dialógica.
A reflexão sobre tudo isso – impasses e dificuldades; crenças e esperanças;
teorias e práticas; estudos e procedimentos – municiou-nos na proposta do subprojeto
Leituras literárias: Aquisição e aprimoramento de habilidades leitoras – a criação de
grupos de leitura no espaço da Escola Estadual Bernardo Monteiro e na PUC Minas,
cuja execução passa a ser exposta e comentada num segundo momento deste artigo.

231
Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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UM CASO DE LEITURA NO ENSINO MÉDIO

Eu gosto de leitura e achei interessante,


diferente do meu dia a dia,
jovens juntos lendo.
(Aluno da EEBM)

Vivenciando o cenário descrito na parte anterior deste artigo e em contexto de


pesquisa mais abrangente sobre o ensino médio,6 propusemo-nos a trabalhar
“Literatura” com um grupo de estudantes formados por alunos das três séries do ensino
médio, da Escola Estadual Bernardo Monteiro (EEBM), em Belo Horizonte.
Buscávamos, em experiência o quanto possível concreta, constatar uma certa realidade,
atuarmos nela, propondo atividades que pudessem incrementar o ensino da literatura e,
quem sabe, a retomada da Literatura como disciplina que fora um dia. Contávamos com
nossa experiência, claro e antes de tudo, de leitores de literatura; com nossa vivência em
sala de aula como professores universitários de cursos de licenciatura em Letras; com
nossas observações cotidianas de habilidades e atitudes leitoras, na sociedade em geral;
com nossas pesquisas pregressas e nossa formação teórica bebida em textos de
historiografia, teoria e crítica literárias, mas fortemente imbuídas da crença de que o
saber que buscávamos seria, sobretudo, de experiência feito, como lemos, certo dia, em
Camões.7
Nossas propostas de ação se sustentaram, portanto, na convicção de que a
literatura, como a arte, em geral, tem papel formador importante na inscrição identitária,
seja da ordem do sujeito, seja da ordem da sociedade; a literatura, ainda que sob a forma
(forma imprescindível a ela, diga-se de passagem) de leitura de textos literários, é
atividade (também) da escola; a natureza da literatura solicita que seu tratamento
contemple flexibilidades, nem sempre previstas pela legislação de ensino, pelos
currículos escolares e pela oferta e grade curriculares; a “crise” que vivemos com a
“literatura em perigo”, expressão aqui parafraseada da obra de Todorov, mais que ser
denunciada, clama por ações decorrentes das reflexões que se tem feito sobre ela.

6
A pesquisa proposta no Projeto Leitura e escrita no ensino médio: demandas para a ação e a formação
de professores, caminhos para novas práticas estava organizada em vários subprojetos: Escrever na
escola e para a vida: a experiência de pesquisa-ação e seus efeitos na aprendizagem escrita; O uso das
tecnologias digitais na escola; Oficinas educativas sobre convivência democrática na escola; Leitura e
escrita no ensino médio: desafios para o professor de Português; Significando o uso da internet na sala
de aula: desafios e possibilidades; Movimentos argumentativos em textos de alunos do ensino médio –
algumas propostas; Oficina de preparação para a redação do Enem; Aspectos ortográficos nos textos
de alunos do ensino médio. Este relato trata especificamente do que foi desenvolvido no subprojeto
Leituras literárias: Aquisição e aprimoramento de habilidades leitoras – a criação de grupos de leitura
no espaço da Escola Estadual Bernardo Monteiro e na PUC Minas.
7
CAMÕES, Luiz Vaz de. Os Lusíadas, no episódio do Velho de Restelo, Canto IV, Estrofe 94, onde se
lê: “Mas um velho d'aspeito venerando, / Que ficava nas praias, entre a gente, / Postos em nós os olhos,
meneando / Três vezes a cabeça, descontente, / A voz pesada um pouco alevantando, / Que nós no mar
ouvimos claramente, / C'um saber só de experiências feito, / Tais palavras tirou do experto peito:”
(negrito nosso).

232
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
_________________________________

O grupo de trabalho proponente desse projeto8 delineou ações concretas de


intervenção no campo da leitura, e se propôs a implantar, na Escola Estadual Bernardo
Monteiro, um grupo de leitura de textos literários, em turno diferente daquele em que o
aluno estudava, buscando a participação dos estudantes em atividades que se
configurassem como trocas verbalizadas sobre práticas leitoras, levando-os a ler e a
interpretar o mundo sob novas formas e, consequentemente, manifestar-se sobre elas em
contexto de produção oral e escrita. O trabalho do grupo se dividiu em duas importantes
frentes: uma delas voltada para a mobilização dos docentes e discentes com o objetivo
de constituição do grupo, usando, inclusive, cartazes (FIG. 1) e flyers, a outra, implicada
na formação e preparo dos pesquisadores para desenvolver as atividades dos encontros
de leitura.9

FIGURA 1 – Cartaz de divulgação da criação do Grupo de Leitura do Texto Literário

Fonte: Material elaborado pelo grupo de pesquisa.

8
A equipe de trabalho do projeto aqui descrito era formada pelas autoras deste artigo, pelos bolsistas de
iniciação científica – Leonardo Cunha, Luciana Oliveira, Wemerson Guedes – e pela professora da
EEBM Rosângela Maria Braga Trotta.
9
A proposta geral incluiu a criação de dois Grupos de Leitura do Texto Literário: um na PUC Minas,
voltado para os licenciandos em Letras, e este aqui relatado, na Escola Estadual Bernardo Monteiro. A
proposta de criar os dois grupos se baseou no princípio de que, na formação dos professores, é
importante que se dediquem espaços e tempos voltados para a preparação do estudante de Letras para a
leitura do texto literário e para as reflexões sobre os métodos de ensino de Literatura.

233
Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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Depois de um tempo de divulgação, os alunos interessados se inscreveram na


atividade que ocorreria fora do turno das atividades curriculares. Essa escolha pelo
horário do contraturno se deu para salvaguardar uma certa liberdade do aluno.
Pensávamos em, de certo modo, garantir que sua ida ao grupo fosse um ato voluntário,
o que, gostaríamos, fosse marca da participação nas leituras.
Quanto à formação e preparo dos pesquisadores, o que se deu em simultaneidade
com o trabalho de mobilização, tratou-se, inicialmente, de eleger o repertório de
leituras, dando prioridade, como critério inicial, à questão do gênero. Para o início das
leituras, priorizou-se o gênero narrativo, em prosa ou verso, considerando-se, inclusive,
as últimas pesquisas da neurociência (TURNER, 2014) quando, ao tratar da cognição,
constata que a mente humana é, por natureza, narrativa.
A ideia da formação de grupos de leitura surgiu não com intenção meramente
didática, mas almejou formalizar encontros de leitura conjunta, leitura com os
estudantes, para esmiuçar os textos literários, extraindo-lhes vozes e sentidos que
desafiassem os estudantes, de modo que suas descobertas lhes trouxessem o prazer
criativo, ao mesmo tempo que se trabalhavam alguns elementos teóricos, necessários ao
encontro dos sentidos e sua reiteração e à argumentação analítica e interpretativa.
Em síntese, com o intuito de preparar os bolsistas e organizar melhor a
articulação entre os professores envolvidos no processo, houve várias reuniões para:
decidir sobre os textos narrativos a serem lidos, analisados e interpretados, cumprindo
assim os passos inerentes à leitura crítica; pensar procedimentos para atrair e acolher os
estudantes do ensino médio; preparar o espaço para as atividades; criar e triar material
audiovisual que viesse não apenas reiterar as leituras feitas, mas marcasse a presença da
imagem, pelas tecnologias midiáticas, cientes do papel delas na contemporaneidade e,
logo, no processo de ensino-aprendizagem; balizar o andamento da condução da
pesquisa, avaliando cada encontro e corrigindo rumos; enfim, vivenciamos, na pesquisa,
uma condução também processual em que as próprias leituras fossem, elas mesmas,
oferecendo-nos os sentidos para sua condução – essa direção nos faria, nos fez
experimentar, na forma de conduzir os trabalhos, a mesma forma que se pretende do
trabalho de leitura em si, ou seja, uma preparação que garanta, de um lado, o foco no
processo e, de outro, que o processo esteja aberto a surpresas e acolhedor delas.
Tentávamos todo o tempo isso, para buscar questionar, na experiência leitora, práticas
de condução de leituras com seus sentidos apriorísticos bebidos na fortuna crítica dos
autores dos textos, nas produções veiculadas nas redes e, até, nas leituras privilegiadas
pelos manuais didáticos que, mesmo considerados um suporte pragmático para as aulas,
são, de qualquer modo, processamentos requentados de sentidos.
Isso posto, vamos à narrativa das atividades em si, de novo em movimento
reflexivo, optando por narrar, principalmente, a leitura de uma das narrativas, como
amostragem da pesquisa de campo e, dela extraindo, em procedimento metonímico,
respostas (ou outras perguntas) sobre o ensino de Literatura na educação básica.

234
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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COSTURAS DO VESTIDO, ALINHAVOS DE LEITURAS

Os textos selecionados pelo grupo foram, para uma primeira etapa (os quatro
encontros iniciais), o poema narrativo “Caso do Vestido”, de Carlos Drummond de
Andrade (DRUMMOND, 1945), para dialogar com o texto em prosa O vestido, de
Carlos Herculano Lopes (LOPES, 2006) e com o filme, também intitulado O vestido,
de Paulo Thiago Barbosa e Haroldo Marinho, filmado em 2003 e veiculado em 2004.
As razões da escolha, como podem ser supostas, foram: lidar com formas
variadas do gênero narrativo, ou seja, poema, novelas, conjugando letra e imagem, para
estar em consonância com a atração que a imagem exerce sobre nós, na
contemporaneidade, mormente se tratando de adolescentes e, mais, com a possibilidade
de reflexão com o Grupo da assincronia entre o tempo mais dilatado da leitura e o
tempo comprimido e mais rápido da imagem. Essa assincronicidade seria, e o foi,
operada em favor de nossa experiência: exercitar a slow-reading,10 com a consciência
de sua importância na leitura de textos literários, em que o detalhe pode fazer a
diferença dos sentidos, contribui, em tese, para a escuta do tom do texto, para o
processamento de mais sentidos (vide a polissemia) e a detecção de mais vozes
(polifonia) no texto. O casamento entre a slow-reading e a leitura intersubjetiva, feita
com e entre os que a conduzem e os que a praticam, inicialmente em voz alta, constitui
o desejado processo, na leitura do texto literário. As hierarquias se neutralizam na busca
intersubjetiva do sentido, os a prioris caem por terra, instalam-se um espaço e um
tempo mais democráticos, sem censura(s), logo, sem medos e com possibilidade de
fazer aflorar desejos (de participação, mas não só), (re)instaurando um ambiente de
afeto (= sentir-se afetado por, tocado) em relação ao texto literário e, pois, à literatura.
Esse processo de leitura foi o que direcionou nosso trabalho entre os estudantes
do ensino médio. Para o primeiro encontro fomos muito animados porque havia trinta
(30) inscritos, o que foi considerado surpreendente, em virtude da espontaneidade para a
inscrição e de o encontro ser no contraturno.
Vale frisar que, tendo-se iniciado as reuniões do GLTL, na EBBM, no dia 11 de
setembro de 2014, portanto data alusiva ao ataque às Torres Gêmeas, em 11 de
setembro de 2001, optou-se por, antes, apresentar o poema “Elegia”, do próprio
Drummond, para enfatizar a capacidade de o texto literário de antecipar-se a seu tempo,
em virtude, exclusivamente, do trabalho que faz com a linguagem e que dilata o alcance
do que narra. Indiretamente, pois, já se registra característica importante do texto
literário – o de certa intemporalidade que o faz sempre contemporâneo, atravessando
épocas e séculos e merecendo leitura sempre atual e atualizada. Esse registro aqui, neste
relato de experiência, objetiva mostrar como, em interação, se podem apreender, por
serem vivenciadas, características da literatura que, tantas vezes, são “transmitidas” de
forma só teórica e informativa.

10
O exercício de uma leitura lenta, voltada para a percepção dos detalhes.

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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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Feitos esses registros, passamos à leitura do poema “Caso do Vestido”, de


Carlos Drummond de Andrade. Com o auxílio de áudio do poema, Paulo Autran (1999),
munidos de cópias individuais do texto, pesquisadores e estudantes, juntos (com),
procederam a sua leitura: o primeiro leitor, naquele momento inicial, foi um docente,
para dar o tom e repassá-lo, como um maestro, a cada voz que se sequenciava, lendo as
partes do poema narrativo. Antes de iniciar a leitura, os jovens estranharam o fato de o
poema ser longo. Iniciada a leitura, todos se concentraram e a acompanharam.
O silêncio que se seguiu à leitura sugeriu o quanto os jovens leitores estavam
envolvidos pela trama do texto, como foram capturados pelas teias e o tecido do vestido
daquelas mulheres – mãe, filha e amante –, passando a viver, no imaginário, seus
dramas. O silêncio se desfez com a voz de uma leitora que afirmou: “aconteceu isso
com minha mãe”, numa evidente adesão ao texto drummondiano e reconhecimento de
que o poeta fala da vida. Interpelada para o diálogo, a jovem contou a história da mãe
que, perceptivelmente, não era a mesma vivida pela ‘nossa mãe’ em seu encontro com a
‘dona de longe’. Isso nos faz pensar nos modos como o leitor se projeta no texto. Não
era o fato de a esposa ter ido pedir à amante para ficar com o seu marido que se
destacava no depoimento da leitora adolescente, mas o fato de haver uma amante na
relação conjugal e de a mulher aceitar o marido de volta. Então, há como que uma
adesão metonímica do leitor ao texto, uma vez que, de posse de uma parte dele, o leitor
preenche a sua parte.
Seguindo-se a esse primeiro diálogo, a conversa recaiu no estranhamento diante
do vocabulário (enamorou, febre terçã, quede, escalavraram, apólice, evém chegando,
aplacar, sumidouro etc.), dirimido com esclarecimentos ou buscando o contexto das
palavras “difíceis”, para, sub-repticiamente, mostrar a importância de todo um contexto,
texto, período, frase para atribuir significado(s) à palavra (na teoria linguística
saussuriana (SAUSSURE, 1995), estaríamos sustentados pelo conceito de valor
sígnico).
A seguir, pediu-se aos estudantes uma paráfrase do texto, recordando-lhes a
noção de paráfrase e dizendo-lhes que esse é o primeiro passo na leitura do texto
literário – o sujeito diz para si mesmo ou para o outro, com suas próprias palavras, o que
acabou de ler. Essa etapa que já representa uma primeira leitura do texto, juntamente
com sua exploração com procedimentos extratextuais (consulta a dicionários para saber
das palavras, a enciclopédias para buscar outras informações, à obra do autor para
perceber tempo de sua produção, enfim, ao google que, nesse sentido, é ferramenta
inovadora.) constitui para o professor a etapa chamada “comentário” e pela qual
iniciamos a leitura do texto literário.
A ela se segue a “análise”, que será concretizada através também da
“maiêutica”, quando, direcionando as leituras para alguns momentos textuais, através de
estímulos – sugestões, observações e perguntas –, se percorrerá um texto em busca de
uma interpretação que, a princípio, seria dos condutores da leitura, portanto, seria um a

236
Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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priori, mas aberto a desvios de rota, em função das leituras dos participantes, claro, se
forem constatadas no e pelo texto.11
O primeiro estímulo para os sentidos do texto advém da coleta de suposições
sobre o que seria aquele “Caso do Vestido”, ao que se ouviu: seria uma “intriga”; um
problema por causa de um vestido; um sonho; uma mulher que “causou” ao usar um
vestido; um vestido de alguém que se casou. Aqui não só aparece a oportunidade de
falar sobre “gêneros”, considerados como uma primeira relação de sentido com o texto,
em virtude de se estabelecer um pacto do leitor com a “intenção” do texto e, logo, seu
tom – intriga?, caso?, sonho?, realidade?, fantasia? –, mas, muito nitidamente,
percebe-se a determinação do contexto social na possível atribuição de sentido
subjetivo, sentido sempre pasteurizado: o desejo, expresso na competição; no consumo,
no status social e no estado civil.
Importante perceber isso na experiência de campo com a leitura, pois reafirma a
necessidade de o trabalho com a literatura quebrar expectativas com relação a um
mesmo, para acolher o diferente, a surpresa sempre criativa e, logo, formadora. Nessa
direção, pois, a partir dos comentários iniciais, a refletirem sempre uma leitura intuitiva
e muito eivada de projeções subjetivas, como é de esperar, ouvimos sobre o texto falas
como: “É de emudecer, pois tem em comum com muita gente. Tem a ver com a
condição humana”; “A esposa não abre mão do marido. O amor não existe, prevalece a
dor da traição”. Assim, um outro ponto marcante se constata aqui: a direção de leitura
da literatura implica um julgamento de valor, uma moralidade – costumeira direção de
sentido dada, na escola, a textos de literatura. Vê-se, pois, que, “num primeiro
momento, os participantes se envolvem com o drama da esposa, que seria vítima do
machismo do marido e da sua condição de mulher e mãe, preocupando-se, também, em
julgar o comportamento do homem” (CUNHA, 2014), como sintetiza um dos
pesquisadores, licenciando em Letras, no seu relatório.
A segunda etapa, a analítica, propôs estímulos aos leitores, que foram surgindo,
também dialeticamente, isto é, a partir de perguntas de ambas as partes e, algumas,
provocadoras de “embates” de sentidos. Depois de se ater ao mais explícito do texto
(referimo-nos àquelas questões iniciais típicas da abordagem de leitura nos manuais
didáticos), objetivando participação efetiva e de todos, através da proposição de
perguntas de resposta quase apenas parafrásica, levando a turma a explicitar, por
exemplo, que a narrativa tratava de uma “ história de família” e “catando” no poema as
características das personagens, do vestido, os pesquisadores pediram aos leitores que
percebessem estranhamentos no texto. Esse desafio dá ânimo aos debates e instiga a
curiosidade, tecendo já a rede de leitores e sentidos.
A partir daí, surgiram “intuições” importantes, tendo em vista que tais
estranhamentos poderiam vir a ser estratégias do autor para envolver o leitor,
solicitando-lhe a participação, no sentido de buscar no texto, através dos elementos
manifestos, sentidos latentes. Estranharam, por exemplo, a ausência de nomes das

11
Sobre a leitura literária por meio de comentário, análise e interpretação Cf. O estudo analítico do
poema, de Antonio Candido (1996, p. 17-20).

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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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personagens, caracterizadas apenas em relação ao desenho familiar: pai/ mãe/ filha/


outra filha/ “aquela mulher”. Usaram, na resposta, a “dicção” do texto, no “tratamento”
dado às personagens; significa dizer que não só perceberam a lacuna dos nomes, mas,
mais ainda, usaram a própria forma do texto para provar seu estranhamento. Esse
“reflexo”, essa intuição confirmou para os pesquisadores que a forma literária tem efeito
importantíssimo de sentido, e ela acontece para o leitor, como “organizadora” de
significados, num primeiro momento, caóticos. Desse estranhamento da ausência de
nomes à possibilidade de se exprimir essa constatação com o tratamento que mereceram
as pessoas da família e a “outra”, o próximo passo foi aludir aos pronomes que, embora
não substituam os nomes, referem-se a eles – momento importante de condução da
leitura, para enfatizar o código linguístico, como única possibilidade de um texto verbal
– e à sua função gramatical na tessitura do sentido. Dado esse passo, foi-lhes feita a
pergunta sobre quem narraria aquele caso e, “escutando” o texto (ou relendo-o ou
examinando-lhe a escrita ou reencenando-o no imaginário), sem qualquer dificuldade,
apontaram que o caso é lido pelo leitor a partir da fala da mãe, pontuada por perguntas
das filhas. – Que nome se dá, pois, a esse recurso de perguntas e respostas entre
pessoas?, perguntou-se, ao que tranquilamente se respondeu: – “Diálogo”.
Levou-se então a turma a perceber que, diferentemente da prosa, o diálogo, no
poema de Drummond, se fazia com dísticos (dois versos para a pergunta, e os dois
seguintes para resposta), sem travessões como de costume. Diante, então, da observação
de que o ponto de vista seria o da esposa que conta o caso, da mãe que conta seu
passado às filhas, focalizando uma traição conjugal, os estudantes foram levados a
perceber que o caso respondia à pergunta: “Nossa mãe, o que é aquele / vestido naquele
prego?” e daí à observação das expressões de tratamento: nossa mãe; minhas filhas (em
primeira pessoa) e vosso pai (tratamento de segunda pessoa no possessivo relativo à
ligação entre pai e filhas e de terceira pessoa, por ser referido e não chamado).
O pai está fora da cena da enunciação – o pai é o ele, assim como ela é a mulher,
a amante. Essa mulher, segundo os leitores do Grupo de Leitura, buscando no texto, por
sugestão dos que conduzíamos a leitura, foi referida como: “dona de longe”; “a dona”;
“aquela mulher do demo”; “pecadora”; “dona soberba” e, ao comparar as duas
mulheres, a esposa e a amante, embora as vissem como diametralmente opostas,
conseguiram observar que tanto o homem como a mulher devassa dependeram da
atuação da esposa: ele, implorando à esposa, quando da sedução, que convencesse a
“dona de longe” para aceitá-lo como amante; ela, pedindo à esposa que aceitasse de
volta o marido. Esse foi ponto nevrálgico no texto, no sentido de ser percebido por
todos como o mais estranho, porque inusitado. Motivo de boa discussão, viram nele, já
num ângulo interpretativo, “uma traição consentida”; “a submissão da mulher” e “o
machismo”. Daí a trabalhar a questão do tempo, no poema, foi caminho natural.
Rapidamente viram que, embora, na primeiríssima leitura, houvesse gente que projetou
sua própria casa e família no “caso do vestido”, foi unânime a opinião de que o caso se
dera no passado. E as marcas textuais dessa “dedução”, onde estariam, sabendo-se que
toda interpretação pede a comprovação do texto? Enumeraram: o vocabulário e/ou
expressões meio antigas, tipo: “dona”; “sobejo”; “as partes” da pecadora (aproveitou-se

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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o momento para falar de eufemismo...); “dona soberba”; “mofina”; “ao depois amor
pegou”; as marcas da “hierarquia”, da distância doméstica e social entre a mulher e o
homem: “vosso marido”; “vosso pai” ou “Minhas filhas, boca presa. / Vosso pai evém
chegando ou “Minhas filhas, vosso pai. / chega ao pátio disfarcemos.” (...) e disse
apenas: – Mulher, / põe mais um prato na mesa. / Eu fiz, ele se sentou”.
E continuando no parturejamento dos sentidos, pedimos para explorarem o texto,
objetivando perceber a passagem do tempo cronológico, o que foi indiciado não só
pelos verbos no passado – pretéritos perfeito e imperfeito, como, ainda, pelo ir e vir do
pai e da mulher; pela decadência física da mulher (“quede os olhos cintilantes?”; “quede
o colo de camélia?”; “quede aquela cinturinha?”; “quede pezinhos calçados com
sandálias de cetim?” e da mãe/esposa; “fiquei de cabeça branca”; “perdi meus dentes,
meus olhos” e pela degradação econômica da família: “costurei, lavei, fiz doce, / minhas
mãos se escalavraram, / meus anéis se dispersaram, / minha corrente de ouro / pagou
conta de farmácia.”).
A questão econômica vai se realçando no texto, à medida que ele vai sendo
“desbastado” dos sentidos que se evidenciam, passo-a-passo, com a leitura
intersubjetiva. Chega a hora de perguntar sobre a classe social, do ponto de vista de
posses desse marido e pai, que oferece à mulher desejada muitos bens. Pediu-se, então
que se os enumerassem, e, de pronto, os leitores buscaram no texto referências a
apólice, fazenda, carro, ouro, lembrando, inclusive, que a esposa tivera anéis e corrente
de ouro, o que mereceu, por parte dos condutores da leitura, comentários sobre “bens
empenhados”. Isso posto, volta-se ao texto para buscar reiterações lexicais dessa
categoria “econômica”: posses, bens, bens dispersados (vide “meus anéis se
dispersaram”), o que prontamente acharam.
Esse caminho suscitou testar um nível “mais sofisticado” de leitura, qual seja,
buscar em outras palavras do texto um sema do campo semântico do dinheiro, ainda
que, no texto, a palavra esteja sendo usada em direção mais “denotada". Exemplos?
“Renda” em “Nossa mãe, esse vestido / tanta renda, esse segredo!”, como tecido e que
suporta também a acepção de “dinheiro”, “ganho”; em “vestido no prego”, em que
“prego”, além de denotar uma peça metálica pontiaguda que se usa para fixar ou segurar
algo, figura em expressão que significa “empenho”, “empenhar”, dar como garantia,
“pôr no prego”. “Como assim?”, a turma estranhou. Mostrou-se a possibilidade também
de o vestido no prego, para além de ser um objeto com que se desculpa e se retrata a
mulher amante, poder ser, metaforicamente, a representação de uma dívida, um
empenho.
Certamente, que, por intervenção das docentes que conduziam a leitura,
aventou-se para um outro nível de processamento de significados para o qual os
estudantes olharam com certa desconfiança. Aqui, mais um momento de ensino-
aprendizagem recíprocos: ficamos cientes de que há momentos de condução de leitura
em que não se pode “forçar a barra” e impingir algo que pode soar delírio ou
superinterpretação, no conceito de Umberto Eco (2012). Por outro lado, abrem-se
horizontes para operações no texto que, deslinearizando-o, exercitam a leitura literária;
para além disso, crê-se que, no momento da leitura, algo de seu processamento reste

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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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como incompreendido, mas os sentidos de uma leitura, inúmeras vezes, retornam por
insight, reiterando-se e acumulando-se no acervo de habilidades de leitura. Solicitados
para que buscassem, no poema, versos que soassem estranhos sobre o vestido,
descobriram: Que vestido é esse vestido?, percebendo, por intervenção de uma
professora, a questão do gesto, da gestualidade, categoria importantíssima a se
considerar na leitura do texto literário, que é encenação, por atualizar, em enunciação
privilegiada, a narrativa; O vestido está morto, sossegado., quando se levou a turma a
perceber a personificação do vestido por se lhe atribuírem características de pessoa
(morto e sossegado) e, logo, sua função de metáfora, apontando para algo que “já era”,
já passou, morreu e resta sem dizer nada, mas significando muito; Mas o corpo ficou
frio e não o veste..., em que também a morte metafórica é aludida num “corpo frio”,
impróprio para “aquele” vestido, o que alude ao desenlace da relação entre o homem e a
mulher, pontuando-a como uma relação mais física (o corpo [que era quente] ficou frio)
e que, segundo o ponto de vista da enunciadora/narradora, também denota morte de
sentimentos e desagregação familiar. Registre-se que essas duas últimas interpretações
foram dos próprios estudantes (nas palavras deles: “morte do calor do sentimento, morte
do amor e da família”), que, diga-se de passagem, têm mais facilidade em conduzir as
interpretações para valores socialmente privilegiados e, muitas vezes, dão às
interpretações uma direção moralista, completamente avessa à literatura, em grande
parte de cunho ideológico e religioso – houve, inclusive, nessa experiência de leitura
narrada, associação do prego que prende o vestido com a crucificação de Cristo, o que,
parece-nos, não encontra qualquer respaldo no texto.
“Parturejados”, pois, sujeitos e tempos do texto, faltaria uma alusão ao espaço,
considerando-se os três elementos constitutivos do gênero narrativo.
Observou-se o movimento, muito sutil e interessante, da saída do marido, na
lembrança da mulher, à sua volta; de um movimento de queda à ascensão, pois se faz
referência aos ruídos de sua chegada, subindo degraus, do pátio até a sala de jantar. O
ambiente é doméstico, de dentro, enquanto a dona é “de longe”, de fora, o que corrobora
outra tensão do texto, que, em sendo literário, tem como fórmula o resultado de tensões.
A paisagem se caracteriza como espaço provinciano, rural: cinco ruas, uma ponte, um
rio, oferecendo elementos para um espaço imaginário meio desolado, pois encarna o
sofrimento da esposa traída que o enuncia.
A leitura vai se dirigindo para seu término, como objeto dos encontros, pois,
pela perplexidade despertada, tem grande chance de ecoar na vida de leitores. Extraídos
os sentidos, lentamente, o passo-a-passo foi ensejando interpretações, como se viu, e
ouve-se intervenção de uma estudante, cuja leitura ultrapassa o espaço textual e se
projeta na cultura: “A esposa tem uma história de vida ‘marcante’ e faz questão de
guardá-la, por esse motivo não se desfaz do vestido. É de emudecer, pois tem em
comum com muita gente. Tem a ver com a condição humana.” Lugar de projeções e,
pois, de transformação, a literatura, como saber formador, tem papel importante na
escola como se vem insistindo. Parafraseando Candido (2004) que, por sua vez,
refere-se a Otto Rank, a literatura é o sonho acordado das civilizações e, assim como o

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Leitura e escrita na educação básica: pesquisa, formação e ação de professores
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ser humano morreria, se não sonhasse, também a sociedade não resiste à privação da
fantasia e da imaginação.
Interessante, ainda, que o término da leitura do poema trouxe ao grupo a história
de Ulisses, de Homero. Uma participante fez menção à volta para a casa – motivo
recorrente na literatura ocidental –, referindo-se a livro que lera na biblioteca e com que
trabalhara. Esse texto que chama outro que, por sua vez, chama um outro, pareceu ser
de interesse dos leitores. Seria uma semiose literária infinita, numa alusão a Eco.
Nessa direção de escuta das vozes literárias que a escola tem trabalhado, às
vezes muito mecanicamente, nomeando o recurso de “ intertextualidade”, apresentamos
outras textualizações do poema “Caso do vestido”, em outras formas narrativas: o
romance “O vestido”, de Carlos Herculano Lopes, e o filme que o adapta.
Esse longo relato se fez não para cumprir o ritual de uma pesquisa com
financiamento público, mas para dizer a nós mesmos, pesquisadores, e a nossos leitores,
que, embora haja uma distância sempre previsível entre intenção e gesto, como já nos
adiantaram Chico Buarque e Rui Guerra, no espaço que medeia a intenção literária e o
gesto de ensinar, a escola e a sociedade contam com o trabalho do professor de leitura e
de literatura que nelas crê.

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Márcia Marques de Morais e Raquel Beatriz Guimarães
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Referências

ANDRADE, Carlos Drummond de. Caso do vestido. In: ANDRADE, Carlos


Drummond de. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1945.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Elegia 1938. In: ANDRADE, Carlos Drummond
de. Sentimento do mundo. Rio de Janeiro: Record, 1945.

BARBOSA, Thiago, P.; MARINHO, Haroldo (Rot.). O Vestido. Color. Son., 2004.
Brasil. 121min. (CD ROOM).

BLOOM, Harold. Leio, logo existo. Veja n. 1.685, 31/1/2001, p. 11-15.

CAMÕES, Luiz Vaz de. Os lusíadas. Canto IV, Estrofe 94. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br>. Acesso em: 20 dez. 2016.

CANDIDO, Antonio. O estudo analítico do poema. São Paulo: Humanitas


Publicações, 1996.

CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos.


São Paulo; Rio de Janeiro: Duas Cidades; Ouro Sobre Azul, 2004. p. 169-191.

CUNHA, Leonardo. Relatório de pesquisa. Belo Horizonte: PUC Minas, 2014.

ECO, Umberto. Interpretação e superinterpretação. Tradução de MF; revisão da


tradução e texto final de Monica Stahel. 3. ed. São Paulo; Editora WMF; Martins
Fontes, 2012.

GREEN, Andre. O desligamento. In: GREEN, Andre. O desligamento. Psicanálise,


Antropologia e Literatura. Tradução de Irène Cubric. São Paulo: Imago, 1995. p.11-35.

LIMA, Paulinho (Prod.). Carlos Drummond de Andrade por Paulo Autran. São
Paulo: Luz da cidade, 1999. Coleção poesia falada. v. 130, 1 disco sonoro.

LOPES, Carlos Herculano. O vestido. 2. ed. São Paulo: Geração, 2006.

PERRONE-MOISÉS, Leyla. Literatura para todos. Literatura e sociedade –


Departamento de Teoria Literária e Literatura Comparada, USP FFLCH/DTLLC, São
Paulo, n. 9, p. 17-29, 2006.

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 26. ed. Tradução de Antônio
Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix: 1995.

TODOROV, Tzvetan. A literatura em perigo. Tradução de Caio Meira. Rio de


Janeiro: Difel, 2010.

TURNER, Mark. The Origin of Ideas: Blending, Creativity and the Humam Spark.
New York: Oxford University Press, 2014.

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DADOS DOS AUTORES E ORGANIZADORES

Ada Magaly Matias Brasileiro é docente da Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte. É


Doutora em Letras: Linguística e Língua Portuguesa (PUC Minas) e mestre em Língua
Portuguesa (PUC Minas). Participa do Núcleo de Estudos em Linguagens, Letramentos
e Formação da PUC Minas – NELLF.

Adilson Ribeiro de Oliveira é docente do IFMG – Campus Ouro Branco. Possui


doutorado em Letras (PUC Minas) e mestrado em Pedagogia Profissional
(ISPETP/Cuba). É membro do Geali (Grupo de Estudos sobre Ensino e Aprendizagem de
Língua Portuguesa), do IFMG – Campus Ouro Preto, e do Núcleo de Estudos em
Linguagens, Letramentos e Formação da PUC Minas – NELLF.

Alice Botelho Duarte é docente do UNILESTE MG. Possui doutorado e mestrado em


Linguística e Língua Portuguesa (PUC Minas).

Ana Luisa Ribeiro Rodrigues de Sant’Ana é graduanda em Letras – Português/Inglês


na PUC Minas, bolsista de iniciação científica do CNPq. Participa do Núcleo de Estudos
em Linguagens, Letramentos e Formação da PUC Minas – NELLF.

Arabie Bezri Hermont é docente da PUC Minas, atuando no Programa de


Pós-graduação em Letras e na licenciatura. Possui doutorado em Linguística (UFRJ) e
mestrado em Linguística (UFRJ). É uma das líderes do grupo de pesquisa Estudos em
Linguagem e Cognição – eLinC –, da PUC Minas.

Daniela Rodrigues Dias é professora substituta da UFOP, Campus João


Monlevade. Possui mestrado em Educação pela UFOP. É membro do Grupo de Pesquisa
Multiletramentos e usos das TDIC na Educação – MULTDICS.

Daniella Lopes Dias Ignácio Rodrigues é docente da PUC Minas, atuando no Programa
de Pós-graduação em Letras e na licenciatura. Possui doutorado em Linguística Aplicada
pelo LAEL (PUC/SP/2010) e mestrado em Língua Portuguesa (PUC Minas/2001).
Participa do Núcleo de Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação da PUC Minas
– NELLF.

Hércules Tolêdo Corrêa é docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da –


Universidade Federal de Ouro Preto e professor do CEAD-UFOP. Possui doutorado em
Educação pela UFMG e mestrado em Letras: Estudos Linguísticos pela UFMG. É líder
do Grupo de Pesquisa Multiletramentos e usos das TDIC na Educação – MULTDICS.

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Isabela Camargos Ribeiro é estudante de Graduação em Letras da PUC Minas.

Josiane Andrade Militão é docente da PUC Minas, atuando na graduação e na


pós-graduação lato sensu. Possui doutorado e mestrado em Linguística pela UFMG. É
membro dos grupos de pesquisa Estudos em Linguagem e Cognição – eLinC – e Complex
Cognitio, do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas.

Juliana Alves Assis é docente da PUC Minas, atuando no Programa de


Pós-graduação em Letras e na licenciatura. Possui doutorado em Linguística e mestrado
em Estudos Linguísticos pela UFMG. É uma das líderes do Núcleo de Estudos em
Linguagens, Letramentos e Formação – NELLF –, da PUC Minas.

Laura Scheiber possui doutorado pelo Teachers College (Columbia University), no


Programa de Pós-graduação em Educação Comparada e Sociologia do Departamento
da Educação Internacional e transcultural. Realizou estágio de pós-doutorado no Brasil,
no Programa de Pós-graduação em Letras da PUC Minas. É diretora do programa de New
Media Arts no Educational Video Center, em Nova Iorque.

Leonardo Lopes da Cunha é graduando em Letras – Português/Inglês na PUC Minas e


bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID.

Luciana Aparecida de Oliveira possui graduação em Letras pela PUC Minas e pela
Universidade de Coimbra, no âmbito do Programa Licenciaturas Internacionais.

Márcia Marques de Morais é docente da PUC Minas, atuando no Programa de


Pós-graduação em Letras e na licenciatura. Possui doutorado em Teoria Literária e
Literatura Comparada (USP/1999) e Mestrado em Língua Portuguesa (UFMG/1993).

Maria de Lourdes Guimarães de Carvalho é docente da Unimontes, atuando no


Mestrado Profissional em Letras – ProfLetras – e na graduação. É doutora em Letras:
Linguística e Língua Portuguesa (PUC Minas/2013) e mestre em Letras: Estudos
Linguísticos (UFMG/1999).

Raquel Beatriz Junqueira Guimarães é docente da PUC Minas, atuando no Programa


de Pós-graduação em Letras e na licenciatura. É doutora e mestre em Estudos Literários
pela UFMG. Atualmente coordena o grupo de pesquisas Versiprosa, no Programa de Pós-
graduação em Letras da PUC Minas, e o Centro de Estudos Luso-afro-brasileiros.

Robson Figueiredo Brito é docente da PUC Minas, atuando na graduação e na


pós-graduação lato sensu. É doutorando do Programa de Pós-graduação em Letras da
PUC Minas. Possui mestrado em Letras: Linguística e Língua Portuguesa (PUC Minas).
Participa do Núcleo de Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação, da PUC Minas
– NELLF.

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Rosângela Maria Braga Trotta Soares é docente da rede pública estadual em Belo
Horizonte, no ensino médio. Possui especialização em Literatura Brasileira. Foi
professora bolsista do projeto Capes/Fapemig (Edital nº 13/2012), em que se
desenvolveram os trabalhos deste livro.

Sandra M. S. Cavalcante é docente da PUC Minas, atuando no Programa de


Pós-graduação em Letras e na licenciatura. Possui doutorado em Linguística
(UFMG/2008) e mestrado em Língua Portuguesa (PUC Minas/2003).

Sibely Oliveira Silva é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Letras da PUC


Minas (bolsista CNPq). Possui mestrado em Língua Portuguesa e Linguística (PUC
Minas) e participa do Núcleo de Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação da
PUC Minas – NELLF.

Viviane Raposo Pimenta é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Letras da


PUC Minas (bolsistsa FAPEMIG e apoio CAPES para PDSE na Universidade de
Lorraine/França). Possui mestrado em Direito (UNIFRAN). Participa do Núcleo de
Estudos em Linguagens, Letramentos e Formação da PUC Minas – NELLF.

Wemerson Guedes é estudante da graduação em Letras da PUC Minas e participante do


Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID (Letras).

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Esta obra foi composta com fonte Times New Roman 12
Editoração InDesign

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