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VIAGEM A PARIS (CARLOS

DRUMMOND DE ANDRADE)
Ouvi dizer que vai a Paris.
– Exato.
– A negócio?
– Não.
– Turista?
– Não.
– Missão política reservada?
– Não.
– Tão secreta assim?
– Não.
– Se não sou indiscreto…transa de amor?
– Não.
– Está muito misterioso.
– Não.
– Como não? Saúde, talvez.
– Não.
– Compreendo que não queira alarmar…
– Não.
– Busca apenas repouso.
– Não
– Fugir do trabalho, então.
– Não.
– Capricho do momento.
– Não.
– Tantos não devem significar um sim.
– Não.
– Significam sim. Vou repetir as hipóteses.
– Não.
– Temos pela frente uma indústria nova, de vulto.
– Não.
– De qualquer maneira, é financiamento internacional.
– Não.
– Então a coisa está ficando preta.
– Não.
– Está preta, e há jogadas que só em Paris.
– Não.
– Percebe-se alguma coisa no ar.
– Não.
– Não dá para perceber, mas há.
– Não.
– Mas pode haver a qualquer momento.
– Não.
– Nem hipótese?
– Não.
– Nenhuma nuvem distante, muito distante mesmo?
– Não.
– No ano que vem?
– Não.
– Ouvi mal?
– Não.
– Sendo assim, é segredo pessoal?
– Não.
– O coração é quem dita a viagem… eu sei.
– Não.
– Sim, sim. Pode confessar.
– Não.
– Hoje em dia essas coisas são públicas. Dão até cartaz.
– Não.
– Sei que não precisa disso, mas…
– Não.
– Por que não? Está com medo da imprensa?
– Não.
– Receia perder a situação social?
– Não.
– A situação financeira?
– Não.
– Política?
– Não
– Pois olhe, melhor é preparar o ambiente.
– Não.
– Claro que sim. Insinuar mudança em sua vida.
– Não.
– Discretamente.
– Não.
– De leve, só uma pincelada. Deixe comigo.
– Não.
– Não abro manchete nem boto aquela foto em duas colunas, aquela bacana, lembra?
– Não.
– Só cinco linhas.
– Não.
– Duas.
– Não.
– Mas tenho de dizer alguma coisa.
– Não.
– O senhor é notícia.
– Não.
– Pode dizer que não, mas é sim.
– Não.
– Puxa vida, o senhor hoje está medonho. Resolveu responder não a tudo que é pergunta minha?
– Não.
– Ah, é? Então vamos recomeçar: o senhor vai a Paris?
– Vou.
– E que é que vai fazer em Paris?
– Ver.
– Ver o quê?
– O Último Tango em Paris.
– E por que é que não me disse isso logo, homem de Deus?
– Você não me perguntou, por que eu havia de responder?

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