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"Quando o mundo estiver unido na busca do

conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e


poder, então nossa sociedade poderá enfim

evoluir a um novo nível."


Prólogo

Voar é próprio dos anjos


Charles Pitzer, chefe do Setor Nova Iorque da CIA,
consultou mais uma vez seu relógio, com visível
impaciência. Haviamais de dez minutos que chegara o avião
procedente de Washington, de modo que...
— Aí vem ela — murmurou Johnny. Acompanhou o aviso
com uma cotovelada, que esta vez seu chefe não
considerou impertinente, limitando-se a recomendar: — As
rosas.
Johnny levantou o ramo de esplêndidas rosas vermelhas:
duas dúzias, exatamente. Como sempre. Ambos desceram
dos banquinhos que ocupavam junto ao balcão do bar da
sala de espera dos voos internacionais, dirigindo-se para a
pessoa que tinham estado aguardando.
Pessoa pela qual, certamente, valia muitíssimo a pena
esperar. Jovem, elegante, formosa, cabelos louros,
estupendos olhos azuis... Trazia uma pequena maleta
vermelha na mão esquerda; na direita, o talão para a
retirada da bagagem. Olhava ao redor de si com um doce
sorriso, como se estivesse encantada com a vida. Afinal de
contas, voltava para casa mais uma vez. E voltar mais uma
vez para casa, tendo em conta sua profissão, era-lhe motivo
suficiente para sorrir.
Viu-os de imediato, claro. Parecia ver tudo, na verdade.
Seus belos olhos moviam-se para todos os lados, sem
pressa, mas... Sim: eram capazes de ver tudo. E quando os
dois homens já quase a alcançavam, arqueou as
sobrancelhas, entreabriu os róseos lábios numa expressão
de surpresa e, finalmente, sorriu-lhes como o poderia fazer
um anjo.
— Tio Charlie! — exclamou, quando os teve à sua frente.
— Como foi gentil vindo receber-me! E com rosas
vermelhas...! Alô, Johnny.
— Alô — limitou-se a dizer o normalmente risonho
espião.
— Que há? — ela entrecerrou as pálpebras. — Não está
contente por ver-me?
— Bem...
— Já sei! O nosso odioso chefe fez você passar algum
mau pedaço. Não foi isso, tio Charlie?
— Eu, não — resmungou Pitzer.
— Ah... Bom, suponho que tenham trazido um carro.
Vejamos se consigo retirar logo minha bagagem e...
— Poderíamos tomar alguma coisa, antes — propôs
Pitzer.
— Ha? Agradeço-lhe, tio Charlie, mas estou querendo
chegar em casa para lavar a cabeça. Esta tintura loura é
uma afronta aos meus cabelos negros tão bonitos. Imagino
que da Central lhes tenham avisado que eu chegaria neste
avião...
— Claro, fomos avisados. Sabemos que você terminou
tão eficazmente como sempre uma difícil missão em
Gutemágua.
— Oh, até que não foi difícil... Mas que lindas rosas!
Vou colocá-las imediatamente naquele Jarrão que...
— Está, recusando nosso convite? — cortou Pitzer.
Brigitte Montfort olhou-o, depois olhou para o
macambúzio Johnny... Por suas pupilas azuis passou um
clarão de inteligência.
— Creio que a hora é boa para um martini — disse.
Dirigiram-se para o bar, ocupando uma mesinha
afastada. O relógio que estava mais perto marcava
exatamente meio-dia e seis minutos. Pediram um martini,
água mineral e suco de tomate. Johnny ofereceu-lhe um
cigarro, que ela aceitou de boa vontade. Pitzer olhou para o
céu, através das amplas janelas e pigarreou. Brigitte tomou
um pequeno gole do seu martini e mordeu a azeitona
fincada no palito. Johnny, que parecia não fazer caso do seu
suco de tomate, olhava com obstinação a brasa do cigarro
que tinha entre os dedos.
Pitzer tornou a pigarrear.
— Bem... Na verdade, Brigitte, não viemos esperá-la...
— Oh, que tremenda desilusão! Mas por que as rosas
vermelhas? Vão me dizer que têm outra espiã à qual
costumam dá-las de presente?
Os dois homens se entreolharam.
— Claro que não é isso! — exclamou vivamente Johnny.
— Para nós, você é única, Baby.
— Obrigada, querido.
— O fato — esclareceu Pitzer — é que viemos esperar
outra pessoa aqui mas sabíamos que você chegava neste
avião e nos adiantamos um pouco... E por isso trouxemos as
rosas.
— Que são sempre bem recebidas — sorriu Baby.
— Vai demorar muito essa pessoa que estão esperando?
— O avião chegará dentro de vinte minutos. Vem de
Lisboa.
— Encantadora cidade... — Vem de lá essa pessoa?
— Não exatamente. Vem de Tânger. Pelo voo Tânger-
Lisboa-Nova Iorque. É um agente nosso.
— Ah, sim? Um dos meus queridos Johnnies vai
regressar? — Súbito, seu rosto se tornou sombrio. — Espero
que não esteja ferido.
— Não, não... — balbuciou Pitzer. — Não...
— Está morto — disse, quase brutalmente, Johnny.
O chefe do Setor Nova Iorque da CIA mordeu os lábios e
baixou a cabeça. Brigitte ficou imóvel, enquanto seu rosto
perdia visivelmente a cor. Tirou uma longa baforada de seu
cigarro.
— Ele sofreu um acidente? — quis saber, por fim.
— Meteram-lhe três balas no coração, pelas costas...
Um acidente, sem dúvida: um acidente profissional.
— Foi assassinado em Tânger?
— Exato.
— Por quem?
— Não sabemos... ainda. Estão acontecendo coisas
estranhas por lá. Os nossos outros agentes parece que não
compreendem muito bem a situação. Têm um suspeito sob
vigilância, ao que parece, mas não sabem o que fazer para
que sua ação resulte em alguma coisa. Pediram instruções a
Washington.
— Esta manhã, às oito, despedi-me de MT. Cavanagh...
Ele já tinha conhecimento deste assunto?
— Naturalmente.
— Pois não me disse nada.
— Não quis aborrecê-la, por certo. Todos sabemos quanto
você sente a morte de um de seus rapazes. Bem, na
verdade, nós devíamos fazer como Cavanagh: não tocar no
fato. Mas, como você compreende, não lhe poderíamos
sorrir enquanto esperamos o cadáver de um companheiro.. .
— Compreendo muito bem, tio Charlie. Sem dúvida,
vocês não vão deixar as coisas assim, terão pensado em
fazer algo... Que instruções a Central enviou a Tânger?
— Nenhuma, ainda. Como você sabe, quando se trata de
um assunto desta espécie, só podemos lançar mão de
pessoal especializado. Nos sós agentes em Tânger são bons
mas nada têm de notável. Precisam de alguém que os
dirija... Sim, alguém como... como...
— Como eu? — sorriu levemente Baby.
— Sim, justamente! Oh, mas não pode ser... Você tem
estado sobrecarregada ultimamente, Brigitte. Não creia que
tenhamos pensado em enviá-la a Tânger, quando ainda nem
sequer chegou em casa... Seria o cúmulo!
— Claro, seria o cúmulo... Mas suponhamos que eu me
ofereça voluntariamente: você se oporia, tio Charlie?
— Não, é lógico. Mas você deve estar cansada. Será
melhor enviarmos outro agente...
— Eu gostaria de ir. Vejamos quando sairá o primeiro
avião para Lisboa e...
— Mmm... Pois casualmente tenho aqui... — sacou um
envelope do bolso. — Sim, casualmente, tenho aqui uma
passagem para o próximo voo Nova Iorque-Lisboa-Tânger...
— E em que nome está, casualmente?
— Pois... em nome de Brigitte Lamartine...
— Oh, mas é a própria casualidade! Foi com esse nome
que realizei minha última missão... E de cabelo louro, coisa
que me aborrece. A que horas tem início esse voo para
Tânger?
— Dentro de oitenta minutos.
— Não me sobra muito tempo, hem? De acordo: tomarei
o tal avião. E você sabia perfeitamente disso, tio Charlie.
Pitzer e Johnny trocaram um olhar, depois ambos
suspiraram ao mesmo tempo.
— Tínhamos certeza, mas também não queríamos
abusar... Juro, Baby, que gostaria de dar-lhe um ano inteiro
de férias.
— Que horror! — exclamou ela. — Eu morreria de tédio.
Estarão à minha espera em Tânger?
— Avisaremos imediatamente de sua chegada e alguém
irá buscá-la no aeroporto, certamente. Johnny vai
encarregar-se de levar sua bagagem para o outro
avião. Enquanto isso, você terá tempo de vir dar uma
olhadela ao nosso companheiro. O avião está para chegar.
Brigitte Montfort moveu negativamente a cabeça.
— Não... — murmurou. — Prefiro não o ver. Isso me
abalaria os nervos, o que não me convém. Vão vocês
esperá-lo. Eu me ocuparei de minhas maletas e do
resto. Avisaram Peggy?
— Avisamos... Quer dizer: dissemos à sua empregadinha
que talvez você tornasse a viajar...
— Bem, até à volta, então.
Levantou-se. Os dois homens imitaram-na rapidamente.
— Mas — objetou Pitzer — há certos detalhes que...
— Os rapazes de Tânger me porão ao corrente. Não se
esqueça de anunciar-lhes minha chegada, tio Charlie. Ah:
obrigada pelo martini. Adeus.
— Boa viagem — murmurou Pitzer. — E breve regresso.
Brigitte já se afastava, quando Johnny a chamou,
erguendo o ramo de rosas.
— Baby, as suas flores...
— Leve-as para o nosso companheiro, Johnny. E, mesmo
julgando que ele não o escuta, diga-lhe que eu o vingarei...
antes que essas rosas tenham murchado em sua sepultura.
Os dois espiões ficaram sozinhos à mesa, silenciosos.
Momentos depois ouviram o avião procedente de Lisboa,
que estavam esperando. Johnny moveu o ramo de rosas
vermelhas.
— Estou certo de que ela fará o que prometeu —
murmurou.
— Claro. Mas creio que estamos abusando de Baby...
Sempre viajando, sempre voando...
Johnny sorriu, assentindo com a cabeça.
— Mas está muito certo: afinal, voar não é o destino dos
anjos?

Primeiro

Um homem dedica-se a passear...


As dez e meia da manhã seguinte, após haver
descansado toda a noite em Lisboa, miss Brigitte Lamartine
chegava ao aeroporto de Tânger. Como todos os seus
documentos eram uma verdadeira obra-prima de
falsificação, não teve a menor dificuldade em entrar no país.
Uma vez mais, Marrocos seria o palco de uma
sensacional aventura da agente Baby.
Quando, já terminados todos os trâmites, surgiu na sala
dos voos internacionais um homem alto, sardento, de
expressão um tanto séria, olhou-a fixamente, esmagou o
cigarro com o pé e aproximou-se dela.
— Baby? — perguntou em voz baixa.
— Alô, Johnny.
— Estávamos à sua espera... Seja bem-vinda.
— Obrigada. Alguma novidade?
— Nenhuma. Tudo continua na mesma. Avisaram você
que estamos vigiando um suspeito?
— Sim. Ele continua sob vigilância, espero.
— Está cercado. Embora não saiba, claro. Deixamos que
se mova por Tânger com toda a facilidade.
— Resultados satisfatórios?
— Até agora, nenhum. Não se comunicou com ninguém...
Quero dizer, fisicamente, pessoalmente, embora não esteja
sozinho, de modo que deve dispor de um rádio de bolso.
— É o comum, não? Esclareçamos uma coisa, Johnny:
vocês suspeitam que esse homem tenha assassinado nosso
companheiro?
— Exato.
— Qual é sua nacionalidade?
— Hum... Eu diria que é russo. Mas não dê muita
Importância a isso. Estive algum tempo na Rússia e agora,
cada vez que acontece alguma coisa estranha, vejo russos
por toda parte.
— Compreendo — sorriu levemente Brigitte. — Decerto,
você fala o russo muito bem.
— Não tive outro remédio que aprendê-lo tão bem como
o inglês. Mas aqui isso não me serve de nada.
— Quem sabe?
— Vou encarregar-me de sua bagagem.
Dez minutos mais tarde, já colocada a bagagem no
porta-malas do carro, Johnny sentava-se ao volante, tendo
Brigitte à sua direita. Saíram do estacionamento e, durante
alguns segundos, nenhum dos dois disse nada, até que
Johnny, franzindo a testa, murmurou: — Antes, quando lhe
disse que não havia novidade, referia-me ao caso desse
suspeito. Mas creio que me expressei mal.
— Quer dizer que há algo novo, em outro aspecto do
assunto?
— Bem... Mais ou menos isso. Embora não saibamos se
uma coisa está relacionada com outra.
— A que se refere?
— Em Tânger somos três agentes, secundados por
pessoal marroquino de relativa confiança. Um desses
elementos locais chama-se Mordecai e você logo o verá. Ele
costuma incumbir-se de pequenos serviços de apoio; um
auxiliar, numa palavra. Procuramos mantê-lo não muito ao
corrente de tudo.
— Acho lógico.
— Há um outro elemento chamado Muley Hassim, que
tem uma pequena villa no Monte.
O Monte, ou Montagne, como o chamam aqui, é uma
colina que domina a cidade e na qual moram as pessoas
endinheiradas, de modo que em sua maioria as residências
são suntuosas. Lá costumavam viver alguns sultões e é
onde está o formoso palácio do Governador.
— Conheço alguma coisa de Tânger. Que há com Muley
Hassim?
— Desapareceu.
— Assassinado?
— Desapareceu. Não sabemos nada dele. Costumava
comunicar-se conosco quando a importância do caso o
requeria, utilizando para isso um pequeno transmissor,
Segundo Mordecai, o outro marroquino, nosso companheiro
morto recebeu uma comunicação de Muley Hassim, que o
fez ir a certa casa, onde o assassinaram.
— E vocês não puderam estabelecer contato com Muley
Hassim, para que lhes desse uma explicação.
— Justamente. Não sabemos nem sequer por que nosso
companheiro foi àquela casa. Temos apenas conhecimento
de que o fez devido à comunicação de Muley Hassim.
— compreendo. Mas deste não há sinal. De onde surgiu a
pista que os levou ao suspeito que estão vigiando?
— Não sei se devo pensar que foi pura sorte, ou que
Mordecai é mais esperto do que imaginávamos. Veja como
ocorreram as coisas: nosso companheiro foi à casa em
questão, com Mordecai...
— Por que ele sozinho?
— O outro Johnny e eu estávamos fora da cidade,
resolvendo certo assunto com os colegas de Rabat. Quando
voltamos, quer dizer, quando já nos encontrávamos a
distância de alcance do rádio de bolso, Mordecai nos avisou
do ocorrido, por meio do radinho que trazia. Disse-nos onde
estava morto o nosso companheiro e fomos lá.
Conseguimos retirá-lo em sigilo, enviando-o de volta à
pátria pelo conduto habitual. Sabemos que já chegou.
— Sim, e quase pude vê-lo... — murmurou Brigitte. — Por
que esse Mordecai lhe parece agora mais esperto que
antes?
— Bem... Ele ficou na rua, dentro do carro, esperando
Johnny. Este entrou na casa e, poucos segundos depois,
Mordecai viu entrar o suspeito. Dois minutos mais tarde,
viu-o sair com cautela.., e precipitação. Alarmado,
pressentindo qualquer coisa, foi atrás do homem, a pé; mas,
na próxima esquina, o suspeito entrou num pequeno carro e
se foi. Mordecai anotou o número da placa, depois dirigiu-se
à casa e encontrou o cadáver de Johnny.
— Qual era o número da placa?
— CE-9768. De Ceuta. Era um desses carrinhos
espanhóis da fábrica SEAT, modelo 600-D. Cor verde.
— Encontraram o carro e por meio dele localizaram o
suspeito?
— Exatamente. E agora está vigiado, como lhe disse.
Mas enquanto nossos auxiliares marroquinos procuravam
o carro e o homem que o usava, tentamos estabelecer
contato com Muley Hassim, naturalmente, pois Mordecai
nos dissera que dele Johnny recebera o Informe que o fizera
ir àquela casa... Muley Hassim não respondia aos nossos
chamados, por isso fomos procurá-lo em sua casa do Monte.
Não estava. Nem ele, nem seus criados, nem as três
esposas que tem apareceram em parte alguma.
— E o transmissor?
— Nós o encontramos, claro. Estava em seu esconderijo,
intacto. Ali parecia não haver ocorrido nada, como se Muley
Hassim e os seus fossem voltar de um momento para outro.
Não levaram malas, nem o carro... Tudo tão tranquilo, que
resolvemos nos instalar lá provisoriamente, à espera de
acontecimentos. Enquanto isso, Mordecai deu ordem para
que nossos auxiliares marroquinos procurem Muley Hassim.
— Vamos agora a essa vila do Monte?
— Sim, se você está de acordo.
— Estou, embora deva admitir que Isso não me agrada
muito. Poderia ser uma armadilha... E entendo que, no
momento, só estão em Tânger você e outro companheiro.
— Sim, só nós dois — sorriu Johnny. — E você. Isso
aumenta um bocado o nosso número, não acha?
— Você é gentil, Johnny. Uma última pergunta: quem
morava na casa onde mataram o nosso companheiro?
— Ninguém. É uma casa grande, velha, que
possivelmente será demolida para dar lugar a um edifício
novo. Por isso nos foi tão fácil retirar Johnny sem que
ninguém visse. A gente da vizinhança não notou nada,
tenho certeza.
— Quero também ver essa casa, Johnny.
— Perfeito. Mas vamos primeiro ao Monte?
— Sim... Ah, mais uma pergunta ainda: até que ponto
vocês confiam nesse Mordecal?
— Bom... Sempre tem sido fiel e eficiente em seus
pequenos trabalhos. Não nos inspira desconfiança, embora
estejamos sempre dispostos a admitir que qualquer um
pode vender-se.
— E ainda nada sabem sobre a verdadeira natureza do
assunto?
— Nada. Esperamos que Manuel Ortega possa esclarecer-
nos muitas coisas, quando finalmente o agarrarmos.
— Manuel Ortega é o nome utilizado pelo suspeito que,
segundo você, parece russo?
— Oh, sim... Esqueci de mencionar isto. Ele está
registrado como Manuel Ortega, de nacionalidade
espanhola, no hotel onde se hospeda.
— Que hotel?
— O “Tânger”, número 16, Rue Delacroix. É bastante
confortável... Apartamento 412, o que não deixa de ser
curioso.
— Curioso?
— É que comunica com o 411 por meio de um banheiro.
Não... — sorriu. — Não há ninguém ocupando o 411.
— Ah. Mas talvez alguém logo o ocupe, não?
— É possível. Está reservado.
— Por quem?
Johnny pestanejou.
— Não averiguamos isso... ainda.
— Um pequeno descuido, Johnny.
— Sim... Bom, talvez não seja tão pequeno — resmungou
o espião. — Vou me ocupar disso enquanto...
— Esqueça. Eu o farei. Mas, no momento, iremos a essa
villa do Monte.

Finalmente o carro deteve-se e Brigitte desceu.

Contemplou um instante a casa, branca, de telhado


escuro.
Havia palmeiras no jardim, não muito grande. Flores,
arbustos... Quando se virou, viu as outras casas da
Montagne, todas cercadas de jardins. Ao fundo, Tânger. A
estrada até ali, bastante íngreme, oferecia entretanto
segurança e comodidade.
Um marroquino tinha aberto a porta e olhava em silêncio
para os dois.
— Vá avisar Michael, Mordecai — disse-lhe Johnny.
O árabe desapareceu no interior da casa e o espião
virou-se para Brigitte.
— Ele está junto ao transmissor... Que é, Baby?
— Não gosto de ouvir nomes, Johnny. Embora tão comum
e inexpressivo como o de Michael.
— Oh... Sinto muito.
— Você será Johnny I e ele será Johnny II. Só isso. Há
muitos anos que evito saber os nomes de meus
companheiros.
— Bem, não tornará a acontecer. Entramos?
Havia um formoso vestíbulo, com flores. Pelas janelas,
via-se o jardim. Os móveis eram europeus... até que
entraram numa sala com tapetes nas paredes, divas cheios
de almofadões, panóplias exibindo armas. Johnny I correu a
cortina da ampla janela. Mal terminava de fazê-lo,
apareceram Johnny II e Mordecai, silenciosamente. O
primeiro colocou-se diante de Brigitte, contemplando-a com
risonha curiosidade, enquanto lhe estendia a mão.
— Como vai? — saudou.
— Bem... — sorriu Baby. — Nada de novo no transmissor?
— Nada. Mudamo-nos para cá depois de receber em
Tânger a notícia de sua próxima chegada. Agora que você
veio, já não precisamos contatos com ninguém. Apenas com
Muley Hassim, mas parece que já o devemos esquecer.
— Talvez. Têm certeza de que não está na villa?
— Claro... — Johnny n pestanejou. — Revistamos tudo,
naturalmente.
— Posso fazê-lo eu?
— Sem dúvida! Sabemos muito bem que, a partir deste
momento, é você quem manda, Baby. Vou lhe mostrar o
esconderijo do transmissor, depois examinaremos
novamente toda a casa... — sorriu esperançado. — Oxalá
você seja mais esperta que nós.
Mas não.
Aparentemente, Baby não era mais esperta que os
Johnnies, que já tinham demonstrado sê-lo descobrindo o
transmissor, embutido na parede, por trás de um grande
armário, num quarto. Fechada uma portinhola que se
confundia com a parede e colocado o armário em seu lugar,
o esconderijo podia considerar-se quase perfeito. A villa
tinha mais cinco quartos, um deles enorme, com leitos
formados por almofadões em reentrâncias retangulares nas
paredes. No centro havia um espesso tapete, que parecia
de pelo de camelo. Nas janelas, de bonitos arcos árabes,
viam-se vasos de flores. Dali se avistava o jardim, a
garagem e, ao longe, Tânger. Sempre Tânger à vista.
— Bem — murmurou Brigitte —, parece que nesta casa
só podemos esperar. Entretanto, acho que já esperamos
bastante. A que se dedica o tal Manuel Ortega?
— A passear... — murmurou Johnny II. — Todos os
comunicados que recebo são nesse sentido. Já esteve na
Kasbah, visitou o palácio do sultão, foi de carro até o Cabo
Espartel, passeou pela Avenida de Espanha, pelo Boulevard
Pasteur, pelo Mirante, pelo Zoco... Passeia. É tudo o que faz.
— Ainda não fez nenhum contato?
— Nenhum. Está sempre só. Claro que não me fiaria
muito nos amigos de Mordecai que o vigiam. Sabemos que
um profissional da espionagem como... como nós mesmos,
pode falar com alguém sem que os menos avisados se
deem conta.
— Sim. Pode ter falado com alguém, em qualquer café;
no hotel, num esbarrão casual em plena rua... Acho que já
esperamos bastante.
— Vamos deitar-lhe as garras? — sorriu Johnny I.
— Claro. Já passeou muito.

Segundo

Inutilidade de um ciclo defensivo


Por volta das sete e meia da noite, Manuel Ortega
regressou ao seu hotel. Pediu a chave e meteu-se no
elevador, cuja porta lhe foi aberta pelo próprio encarregado
da portaria, um berbere de pele escura e grandes olhos
injetadas de sangue, que usava bombachas, jaqueta
vermelha, meias e turbante brancos. Media pelo menos um
metro e noventa de altura.
Nisto, entretanto, Manuel Ortega não tinha muito que lhe
invejar, pois media um metro e oitenta, no mínimo.
Largo de ombros, esbelto, mas musculoso, ele produzia à
passagem uma curiosa sensação de surpresa e ameaça.
Sério como um morto, de inexpressivos olhos escuros e
lábios sempre apertados numa linha reta, era um tipo
impressionante. Mais de uma camareira havia quase gritado
ao tropeçar com ele nos corredores, pois o homem surgia
inesperadamente, como se transportado até ali por uma
dessas misteriosas máquinas do tempo que aparecem nos
contos fantásticos.
Quando introduziu a chave na fechadura, destacou-se
sua mão, grande, pálida, fortíssima. Abriu, entrou, acendeu
a luz, tornou a fechar e encaminhou-se diretamente para o
quarto, deixando à sua esquerda a porta do banheiro.
Acendeu a luz do quarto... e ficou como que cravado no
chão.
— Olá — saudou amavelmente a loura, em russo. —
Como vai, senhor Ortega?
Estava sentada na pequena cama suplementar que havia
a um canto, que podia servir de sofá. Apoiada nos
almofadões, cruzadas as pernas sensacionais, tinha uma
pequena pistola na mão direita. Junto a ela, sobre a cama,
estava uma graciosa maletinha vermelha adornada de
minúsculas flores azuis.
— Como disse? — murmurou por fim Ortega, em
espanhol.
— Disse “olá” — repetiu a loura, agora em perfeito
espanhol.
— Olá, então... Enganou-se de apartamento?
— Parece que não dá importância à minha pistola, senhor
Ortega.
— Não creio que tenha muito que roubar aqui. Mas como
não penso discutir com quem empunha uma arma, veja se
algo lhe agrada e retire-se em seguida.
— Ora, sejamos consequentes, senhor Ortega. Não me
enganei de apartamento e se estou aqui é porque o procuro.
— Pois já me encontrou. Que quer?
— Está armado?
— Talvez.
— Neste caso, sugiro-lhe que saque sua arma, com dois
dedos, deixando-a cair a seus pés sem ruído desnecessário.
Depois empurre-a para mim, sempre evitando
movimentos bruscos.
— Não estou armado. Que diabo deseja exatamente?
— Faremos uma viagem juntos. E quando estivermos
num lugar tranquilo, o senhor me dirá por que matou um
homem com três balaços pelas costas, há poucos dias,
numa casa praticamente em ruínas.
— Está louca? — sorriu Ortega. — Nunca matei ninguém.
Asseguro-lhe que não uso armas.
— Eu creio que sim, pois revistei toda a sua bagagem e
não encontrei nenhuma. De modo que deve tê-la consigo.
Por favor, siga minhas indicações.
— Não estou armado.
— Isso já veremos. Por enquanto, lhe direi exatamente o
que vamos fazer. Vi que deixou seu carro nesse pequeno
estacionamento diante do hotel... Um carrinho com placa de
Ceuta. Como vê, não estou enganada a seu respeito.
Agora, depois de me entregar sua arma, sairemos ambos
daqui, como bons amigos. Ninguém se surpreenderá, pois
esta tarde hospedei-me no hotel. Todos pensarão que
vamos jantar por aí. O senhor estará sorridente e...
— Não costumo sorrir quando não tenho vontade.
— Fará um esforço. Mas continuo: desceremos pelo
elevador, atravessaremos o vestíbulo, iremos ao
estacionamento e entraremos no carro. Eu atrás, sempre lhe
apontando tão discretamente minha pistolinha que ninguém
se dará conta... Quando estivermos dentro do carro,
chegará um amigo meu, que se sentará a seu lado. Então
sairemos do estacionamento, iremos ao Boulevard Pasteur,
subiremos até a Praça de França c, a partir desse momento,
meu amigo irá lhe indicando o caminho até nosso destino.
Entendido?
— Perfeitamente. Mas não vou fazer nada disso.
— Fará. Pois do contrário, senhor Ortega, eu o matarei
agora mesmo. Pensa que não sou capaz? Trata-se apenas de
apertar o gatilho.
Manuel Ortega contemplou-a turvamente durante uns
segundos.
— De acordo... — murmurou por fim. — Irei com você.
— ótimo. Continua negando que porta uma arma?
— Naturalmente.
— Vire-se. Com as mãos sobre a cabeça. Não estou
brincando.
Ele encolheu os ombros, pôs as mãos sobre a cabeça e
girou sobre si mesmo, ficando de costas para Brigitte. Esta
levantou-se. A ponta de sua pistola se apoiou nas costas de
Ortega, enquanto sua mão esquerda explorava-lhe o peito
deste lado. Seu sorriso esfriou ao tocar a arma que ele tinha
sob a axila.
— De modo que não estava...?
Não terminou a sarcástica frase. O homem baixou
velozmente o braço, lançando um golpe para trás, em
direção ao ponto onde se apoiava a pistola. Era a saída
clássica desta espécie de apuro: desviar a arma, virar-se,
lançar um, tremendo golpe e inverter os trunfos.
Mas não foi assim daquela vez.
O braço de Ortega não chegou a tocar a pistola, pois a
loura retrocedera um passo com rapidez fantástica. Já
impulsionado, ele completou mecanicamente a ação de
virar-se, lançando o punho direito... Tudo calculado e
realizado em fração de segundo. Por isso, embora sem
nenhuma vantagem a seu favor, ele cumpriu todo o ciclo
defensivo, mas falhando o golpe contra a pistola e contra o
rosto da loura, que quando o teve cambaleante à sua frente
recuou outro passo, ergueu a perna direita e aplicou-lhe
uma violenta joelhada em pleno ventre.
Gemendo, Ortega curvou-se, enquanto ela girava sobre
um pé, descrevia uma volta completa e, sempre com a
perna levantada, atingia-lhe agora o queixo, atirando-o de
costas sobre a cama, de onde caiu de bruços no chão.
Levantou-se rapidamente, olhos muito abertos, lançando-se
outra vez contra a desconhecida, que se agachou diante
dele, endireitando-se justamente quando teve seu abdome
sobre os ombros. Projetado para cima e para adiante, ele
tombou agora sobre a pequena cama suplementar, da qual
resvalou no chão, ficando estirado de costas esta vez.
Levou a mão direita à axila esquerda, mas o agudo salto
de um dos sapatinhos da loura cravou-se em sua garganta,
enquanto a pistolinha apontava-lhe firmemente a cabeça.
— Vamos... — ofegou ela. — Jogue fora essa arma,
depressa, do contrário eu lhe estouro os miolos.
Lentamente, ele retirou a mão, que já empunhava o
revólver, deixando-o cair. A loura apanhou-o. Depois
apanhou também a maletinha vermelha, abriu-a e nela
guardou a arma.
— Levante-se, Ortega. Se tornar a fazer-se de esperto
comigo, eu o matarei. Está claro?
— Está.
— Vamos então.
Enquanto ele ajeitava suas roupas, Brigitte cobriu a mão
armada com um grande lenço que encontrou nas costas de
uma cadeira, ocultando a pistolinha. Depois, com a canhota,
tomou a maleta.
— Pronto? Podemos ir. Vejamos se é um homem
inteligente ou um suicida.
Ele revelou, afinal de contas, ser um homem inteligente.
Saíram sem novidade do hotel, sorrindo, conversando em
espanhol sobre uma possível ida ao Cassino Municipal.
Dirigiram-se ao estacionamento, e o marroquino que
estava cuidando dos veículos aproximou-se
pressurosamente para dirigir a manobra de saída, um tanto
difícil dadas as reduzidas proporções do local.
Primeiro entrou Brigitte, após afastar o assento dianteiro
para ter passagem. Depois entrou Ortega, colocando-se ao
volante. Em seguida apareceu um homem, que bateu no
vidro da porta oposta. Ortega inclinou-se para aquele lado,
abriu a porta e o homem entrou, sentando-se junto a ele.
— Tudo bem aqui fora, Baby — disse. — Vamos.
— Em marcha, Ortega — sorriu a loura. Abandonaram o
estacionamento, sobressaltando o marroquino que
pretendia dirigir a operação. Percorreram as estreitas ruas
até sair no Boulevard Pasteur, seguiram por este acima,
cruzaram a Praça de França, seguiram pela Rue de Belgique,
depois pela Saint François... Estavam quase chegando a Sidi
Amar, quando Johnny ordenou: — Encoste à direita e pare,
Ortega.
Este obedeceu. Deteve o carro à borda da calçada
solitária, começou a virar-se para Johnny... e recebeu na
cabeça o tremendo golpe que o agente americano desferiu-
lhe com a pistola. Sem um gemido sequer, Manuel Ortega
perdeu os sentidos, tombando contra seu agressor, que o
empurrou rudemente para o outro lado.
— Não era necessário — murmurou Brigitte.
— Este homem é um assassino... — resmungou Johnny.
— Não serei eu quem se arrisque com ele. E muito
menos penso admitir que seja você quem corra os riscos.
Assim está bem.
Saiu do carro, abriu a outra porta, empurrou Ortega e
colocou-se ao volante.
— Quando voltar a si, já não poderá tentar nada... E
parece-me que não vai gostar da situação.

Terceiro

Planos de sabotagem 
De fato a situação não podia agradar a Manuel Ortega
nem a ninguém. Quando, após piscar algumas vezes, ficou
afinal com os olhos abertos e tomou contato com o
ambiente, encontrou-se atado de pés e mãos a uma
cadeira, entre decoração marroquina. Sentada diante dele,
a loura olhava-o friamente, tendo de cada lado um homem
que o olhava mais friamente ainda. As janelas de estilo
árabe estavam ocultas por cortinas de vermelho intenso.
— Sabe onde está, Ortega? — perguntou-lhe Baby.
— Não.
— Na villa de Muley Hassim.
— Ignoro de quem fala.
— Não sabe quem é Muley Hassim?
— Não.
— Tampouco sabe nada sobre um homem que foi
baleado pelas costas numa casa desabitada da rua
Hasnona?
— Tampouco.
Ela virou-se para o marroquino que estava diante da
porta.
— É este homem, Mordecai? — perguntou.
— É. Sem a menor dúvida. Foi ele quem entrou atrás
de... de Johnny e saiu dois ou três minutos depois.
— Bem. Quer um drinque, Ortega? Virou-se para a
mesinha de madeira de cedro com incrustações de marfim e
levantou ostensivamente uma garrafa de vodka. Junto a ela
havia um copo. Ficou olhando para o prisioneiro, à espera
de sua resposta, para servir ou não a bebida. Como ele não
respondesse, arqueou interrogativamente as sobrancelhas.
Manuel Ortega passou a língua pelos lábios.
— Não — disse finalmente.
— Como queira. Eu, entretanto, que adoro o penso que
vou me permitir um pequeno Serviu-se meia polegada,
tomou um gole e sorriu. Mas o sorriso não agradou nada a
Manoel Ortega.
— Bem, a fim de não cometermos erros, falarei em
primeiro lugar, bem claramente. Meu nome de guerra é
Baby. Da CIA. E estou certa de que já o ouviu muitas vezes.
Temos certeza que você não é espanhol e quase certeza de
que é russo. Uma diferença muito grande, não parece?
Agora, preste atenção: seja você espanhol ou russo, o certo
é que está fichado como responsável pelo assassinato de
um de meus companheiros, coisa que jamais perdoo.
Jamais, todas estas circunstâncias, só podem ocorrer duas
coisas. Primeira: você me explica o que aconteceu, para ver
se pode convencer-me a ser indulgente com você. Segunda:
se não me convencer, ou não me responder, eu o matarei.
Tem três segundos para começar a falar. Empunhou a
pistolinha e ficou olhando fixamente para Ortega, que
tornou a passar a língua pelos lábios.
Somente um louco faria caso omisso do olhar daqueles
maravilhosos olhos azuis.
— Sergei Savoritchenko... — murmurou subitamente ele.
— Do MVD soviético.
— Assim está melhor — suspirou Brigitte. — Vejamos
agora se...
— Mas eu não matei seu companheiro.
— Não? Quem o matou?
— Outro homem.
— Que homem?
— Não sei.
— Ora vamos, camarada Sergei... Não é suficiente dizer
que não o fez, compreenda. Existe um culpado e só temos
você à mão. Se não se estender mais em suas declarações,
receio que não lhe daremos crédito.
— Quando entrei naquela casa, seu companheiro
acabava de morrer.
— E não viu ninguém lá, salvo o cadáver?
— Ninguém.
— Está querendo zombar de nós? — interveio Johnny I.
— Têm apenas de confrontar as balas de meu revólver
com as que mataram seu amigo, para verem que estou
falando a verdade.
— Que está dizendo? — perguntou Brigitte.
— Refiro-me à arma do morto... Ele foi assassinado com
ela. Não o sabia?
Sobrancelhas contraídas, Baby virou-se para os Johnnies.
Ambos pareciam estupefatos.
— Sabíamos? — perguntou-lhes secamente.
— Não... Bom, quando chegamos junto a ele, Mordecai
estava nos esperando lá. Disse que não havia tocado em
nada... Ele estava caído de braços, com três balaços nas
costas, tendo ao lado sua pistola...
— Tinha disparado com ela?
— Sim, sim... Tinha disparado.
— Quantas vezes?
Johnny I e Johnny II trocaram um olhar.
— Três vezes, — disse o segundo, por fim.
— Mas nós pensamos que ele tentara defender-se, ou
algo assim — acrescentou rapidamente Johnny I. — Não nos
ocorreu que o tivessem baleado com sua própria arma...
Ora vamos, isso seria impossível!
— Por que impossível? — retrucou Savoritchenko. —
Quando eu cheguei, estava morto, com a pistola ao lado. E
quando olhei seu rosto, vi neste as marcas de dois golpes...
A coisa está bem clara: golpearam-no, tiraram-lhe a
pistola e mataram-no com ela.
— É uma explicação muito conveniente... para você,
claro.
— Não tenho outra.
— Pois essa não nos satisfaz em absoluto — afirmou
Johnny II.
— É verdade que Johnny tinha marcas de golpes no
rosto? — perguntou Brigitte.
— Bom... Sim, é verdade...
— Onde está sua pistola?
— Nós a enviamos com ele, bem como todas as suas
coisas, para os Estados Unidos.
— Teremos de perguntar à Central se as balas que ele
tinha no corpo eram de sua própria pistola...
— Que provaria isso? — atalhou Johnny I. — Eu posso
golpeá-la, aturdi-la e matá-la com sua própria pistola, não é
assim? Significaria que eu não a tinha assassinado o fato de
você estar morta por balas de sua própria pistola?
— Não — admitiu Brigitte. — Mas pediremos esse
esclarecimento à Central. Enquanto isso, é claro, o
camarada Sergei nos dirá como sabia que Johnny se dirigiria
àquela casa e por que o estava esperando. De acordo,
Sergei?
— Eu não sabia que seu companheiro iria lá.
— Compreendo. Isso significa que você estava à espera
de outra pessoa, pois não vai me dizer que foi lá por simples
casualidade.
— Não.
— Ah... Diga-me: que motivo o levou àquela casa?
— Estava vigiando um homem que entrou lá.
— O homem que, segundo você, matou o nosso
companheiro?
— Sim.
— Vejamos, camarada Sergei: nosso companheiro Johnny
recebeu um chamado pelo rádio e foi àquela casa.
Tratava-se, evidentemente, de um encontro com alguém.
Alguém que primeiro tinha conseguido comunicar-se com
Muley Hassim, o dono desta villa. Hassim transmitiu a
comunicação a Johnny, o qual deve ter considerado muito
importante o assunto. Tão importante, que compareceu ao
encontro sem esperar por seus companheiros de Tânger...
— indicou os dois Johnnies. — Muito bem, mas aconteceu
que, ao chegar lá, o homem que com ele marcara encontro
por intermédio de Muley Hassim o matou, simplesmente.
Isto lhe parece razoável? Você marcaria encontro com
um agente qualquer da CIA apenas para matá-lo numa casa
abandonada?
— Não.
— Então, por que aquele homem matou meu
companheiro, se antes havia marcado encontro com ele?
Por gosto? Esse tipo de espionagem já pertence ao passado,
Savoritchenko. Agora os espiões geralmente se dedicam a
vigiar outros espiões apenas isso. E só matam quando é
inevitável. Por motivos importantes ou por segurança
pessoal, o que me parece compreensível. Acha você que
meu companheiro atacou o homem que marcara encontro
com ele?
— Não sei.
— Eu sei que não o fez. Se aquele homem o chamou, é
que nada receava da CIA. E Johnny foi ao seu encontro
convencido disso. Então, por que o matou? Ficamos em que
não foi por gosto, por segurança pessoal... Que outra razão
pode restar?
— Temo que, de certo modo, tenha sido eu o causador de
sua morte.
— Sim? De que modo?
— Quando entrei atrás do seu amigo, o outro pode ter-se
assustado ao ouvir-me, imaginando tratar-se de uma
armadilha... E por isso o matou, depois de golpeá-lo,
escapando em seguida.
Os espiões americanos trocaram olhares de
perplexidade.
— Parece-me que você não está se explicando muito
bem, Savoritchenko — murmurou Brigitte.
— Penso que sim. Eu estava vigiando o homem que
marcou encontro com seu companheiro e ele tinha medo.
Quando me ouviu chegar, ele ficou convencido de que
tudo era uma cilada... Por outro lado, duvido muito que ele
soubesse que o homem com quem marcara encontro fosse
da CIA.
Os americanos tornaram a entreolhar-se, perplexos.
— Agora, sim, é que não entendemos mais nada —
resmungou Johnny I.
— Nem eu — admitiu Baby. — Se o homem que esperava
Johnny marcara encontro com ele através de Muley Hassim,
tinha que saber que era da CIA.
— Não creio que as coisas tenham acontecido assim.
— Não? Será interessante ouvir sua versão dos fatos, já
que parece disposto a colaborar.
— Digamos — sorriu o soviético — que acabo de ter uma
boa ideia e que por meio dela talvez nos transformemos em
aliados.
— É pouco provável — comentou Johnny II. — Muito
pouco provável.
— Por quê? — duvidou Brigitte. — Se o camarada Sergei
diz isso, deve ter muito sólidas razões. E talvez as possamos
compreender se ele nos der sua própria versão.
Está disposto, Sergei? Prossiga, então.
— Começarei por dizer que, há duas semanas, três
agentes do MVD escaparam da Rússia levando uma pasta.
Três traidores, claro. Imediatamente, o MVD lançou uma
ordem de captura contra eles. Estivemos seguindo-os por
toda a Europa, até que finalmente vieram parar em Tânger.
Cheguei em seguida, localizei um deles e fiquei à espera,
pois o que primordialmente interessa não é matá-los, mas
recuperar a pasta.
— Que contém essa pasta?
— Depois chegaremos a isso. Por enquanto, digo apenas
o seguinte: seu conteúdo é tão interessante que, posto à
venda num mercado de espionagem, não duvido que
alcançasse o preço de cinco milhões.
— De rublos?
— De dólares.
— Johnny I emitiu um assobio.
— Acha que esses três traidores vieram a Tânger para
vender o conteúdo dessa pasta?
— Evidentemente. Todos sabemos que há um mercado
muito bom para estas coisas aqui. Certo?
— É o que se diz... — sorriu Brigitte. — E então?
— Eles chegaram a Tânger, fizeram correr a voz de que
tinham algo muito bom e, de um ou de outro modo, é
evidente que esse amigo de vocês, Muley Hassim, veio a
saber. Sendo um árabe, é muito possível que se tenha posto
em contato com os três traidores, ou com um deles, ou com
um intermediário. Conseguiu um encontro... e enviou seu
companheiro Johnny como comprador do conteúdo da
pasta, mas sem informar que tal comprador era da CIA. De
modo que um dos traidores, o único que eu havia localizado
e que estava vigiando, dirigiu-se ao local do encontro.
Entrevistou-se com o companheiro de vocês e, quando
me ouviu chegar, receou alguma coisa, golpeou-o e
escapou.
Enquanto isso, eu, que estivera justamente esperando
que meu perseguido se pusesse em contato com alguém,
pois isso significaria que tinha conseguido o conteúdo da
pasta, ainda que microfotografado, imaginei que chegara o
momento e subi disposto a tudo... Infelizmente, fiz mais
ruído do que pensava, o traidor assustou-se, matou o
companheiro de vocês e escapou. Retirei-me logo em
seguida, naturalmente, para evitar complicações comigo.
— Muito lógico. De onde se depreende que quem matou
Johnny não foi você, mas um dos traidores da Rússia e do
MVD.
— Sim. Só pode ter sido ele.
— Qual é o seu nome?
— Bom... — hesitou Savoritchenko.
— Se vamos colaborar, você deverá ser bastante claro e
explícito, não?
— Ele se chama Igor Fiodorovitch.
— E os outros dois?
— Georgi Vlady e Ivan Ovanikov — disse Sergei, com
evidente má vontade.
— Está bem. Esses três homens têm algo que está dentro
de uma pasta e pode valer até cinco milhões de dólares. Por
que não haviam de oferecê-lo à CIA? Não somos
exatamente um serviço de espionagem pobre. E pagamos
muito mais pontualmente que vocês, por exemplo.
— Não creio que eles se atrevessem a vendê-lo à CIA.
Francamente, não creio. O encontro entre Johnny e
Fiodorovitch naquela velha casa só significa que Muley
Hassim conseguiu uma boa informação e passou-a
imediatamente ao primeiro. Só isso. Mas sei que os três
traidores não se atreverão a tratar com a CIA. Preferirão
vender o conteúdo da pasta a um agente de qualquer outro
país. À China, possivelmente. Com maior certeza, ao
Vietnam... Não sei. A única coisa que sei é que tenho que
recuperar essa pasta antes que se realize a venda, ou que
seu conteúdo passe ao conhecimento de alguém.
— E você espera que nós o ajudemos a recuperar a
pasta?
— Espero.
— Acaso está sozinho em Tânger, Sergei?
— Claro que não. Mas só localizamos Fiodorovitch e
talvez seja justamente ele quem não tenha a pasta. Com a
ajuda da CIA, tudo seria mais fácil. Poderíamos apanhar os
três traidores entre dois fogos.
— Vocês já poderiam ter agarrado Fiodorovitch e fazê-lo
confessar onde estão os outros dois e a pasta.
— Se pusermos a mão em Fiodorovitch, os outros dois
desaparecerão. Eu sei. Por isso, antes de agir, queremos
saber onde está a pasta. Não podemos permitir que
ninguém dela se apodere.
— Compreendo. Bem, pode-se saber agora o que contém
essa pasta?
— Planos de sabotagem.
— Contra quem?
— Contra os Estados Unidos.
Brigitte olhou fixamente o espião russo.
— Neste caso, creio que seus colegas traidores poderiam
oferecer com grande vantagem esses planos à CIA, que
pagaria um bom preço por eles.
— Não o farão. Primeiro, porque esperam conseguir mais
dinheiro no mercado de espionagem de Tânger, ao que
supomos. Segundo, porque sabem muito bem que os
primeiros que vigiaremos serão os agentes da CIA.
Terceiro, porque sabem perfeitamente que, se fizerem
um trato com vocês, terão que viajar para os Estados
Unidos e, lá, nossos companheiros acabariam com eles.
Não, não...
Preferem um país que possa dar-lhes proteção muito
mais segura que os Estados Unidos durante algum tempo. A
CIA, como o MVD, é demasiado conhecida. Coisa muito
perigosa para eles. E poderá provar o acerto desta minha
teoria o fato de Fiodorovitch ter assassinado Johnny, que
talvez tenha começado por dizer-lhe que era da CIA e que
estava disposto a pagar-lhe multo bom preço. Ou foi Isso, ou
ele me ouviu subir a escada e assustou-se, julgando tratar-
se de um amigo de Johnny que fazia parte da armadilha.
Brigitte esteve pensativa quase meio minuto, antes de
assentir gravemente.
— Sua história convence, Sergei. E enquanto não
encontrarmos Muley Hassim, que é o único que sabe por
que Johnny foi à velha casa da rua Hasnona, não posso
contestá-la. Contudo, continuo pensando que seus três
traidores teriam feito bom negócio vendendo o conteúdo
dessa pasta à CIA.
— Sei que não o fariam. Com absoluta certeza.
— Está bem. Que espécie de sabotagem estão
planejadas em tal conteúdo?
— São cinquenta e duas, ao todo. Foram planejadas
durante o bloqueio de Cuba e, exceto três ou quatro, são
perfeitamente viáveis. Estavam arquivadas, claro, já que a
Rússia não pensava fazer uso das mesmas... por enquanto.
— Compreendo — sorriu Brigitte. — Mas se as coisas
piorassem entre vocês e nós, tais planos poderiam ser
postos em prática num curto espaço de tempo, não é
assim?
— Exato.
— E sem dúvida, se caírem nas mãos de alguém que não
vocês ou nós, poderão ser levados a efeito sem necessidade
de nenhuma declaração de guerra.
— Você bem sabe — sorriu também Savoritchenko — que
vários países pagariam muito dinheiro para poder agir na
sombra contra os Estados Unidos. E estou certo de que
estes acusariam o golpe, Baby.
— Naturalmente. Pode mencionar-me algumas dessas
sabotagens?
— Oh... A represa Hoover, centrais elétricas, fábricas de
armamento pesado, portos, aeroportos, centrais nucleares,
bases de investigação espacial... Tudo está calculado para
que, num só dia, à mesma hora, após três dias de
preparação apenas, todos esses atos de sabotagem possam
ser realizados simultaneamente.
Brigitte contraiu as sobrancelhas. Estava algo pálida,
mas disposta a não demonstrar ao agente russo o quanto a
perturbava aquela revelação.
— Há cópias desses atos de sabotagem planejados em
Moscou?
— Sim, naturalmente.
— Mas se chegarmos a recuperar as que os três traidores
roubaram, poderemos encontrar meios de prevenir todos
esses atos, não é assim?
— É, penso eu — resmungou Savoritchenko.
Brigitte disfarçou um suspiro de alívio, enquanto
permanecia sorridente.
— Nós o ajudaremos, Sergei.
— Poderiam começar por soltar-me. Não estou em
posição muito confortável.
— Oh... Eu suponho que quererá também sua arma, bem
como o rádio de bolso que lhe confiscamos.
— Bom, somos aliados, estou sozinho e vocês são quatro.
— Mas ainda não temos plena certeza de que você esteja
dizendo a verdade, Sergei. Creio que só a saberemos depois
de comunicar-nos com Washington e verificar se as balas
que mataram Johnny partiram de sua própria pistola. Se
assim foi, eu acreditarei em você.
— Posso ir a Tânger e fazer o chamado — propôs Johnny
I. — Antes de...
— Não, não. Eu me encarregarei disso, Johnny. Irei ao
hotel, apanharei algumas coisas e falarei pelo telefone. Será
mais rápido e menos comprometedor, se pedir um certo
número que sei. Quer que lhe traga alguma coisa do hotel,
Sergei?
— Vai me deixar aqui?
— E ainda amarrado e bem guardado, querido colega.
Bem... Trago-lhe alguma coisa?
— Encontrará uma carteira dentro do colchão da cama
que não utilizo, em meu apartamento. Muito lhe agradeceria
que a trouxesse. Apenas isso.
— Assim farei. Não fique zangado. Talvez ainda
cheguemos a ser bons amigos. Tudo depende da veracidade
de suas palavras. Fique prevenido se as balas que mataram
Johnny não foram de sua própria pistola, tornaremos a
começar... e de outro modo, compreende?
— Ouvi falar de você... — murmurou Savoritchenko.
— Suponho que, se algo não lhe agradar a meu respeito,
saberá demonstrá-lo cabalmente.
— Disso não tenha dúvida. Entretanto, como no
momento nossas relações estão... em suspenso, e quase
acredito completamente em sua soa intenção de evitar
contratempos aos Estados Unidos...
— E à Rússia — interpôs o soviético.
— Certo — sorriu Baby. — E à Rússia. Porque se algum
desses atos de sabotagem for posto em prática e pudermos
conseguir os planos traçados pela Rússia, não
acreditaríamos que tivessem sido roubados e que vocês não
estivessem envolvidos no fato. Isso criaria uma enorme
série de dificuldades, que agravaria muitíssimo a já
complicada situação mundial.
— Não se pode dizer que ele esteja completamente
desinteressado — resmungou Johnny II.
— Não — admitiu Brigitte. — Mas, seja como for, Johnny,
as circunstâncias nos obrigam a colaborar com o MVD e
reconhecer que, à sua maneira e ainda que por sua própria
conveniência, este nos beneficia... Ou tenta beneficiar-nos,
pelo menos. Soltem-no.
Os dois agentes da CIA ficaram estupefatos.
— Como? — perguntou Johnny I, por fim.
— Soltem-no, foi o que eu disse. Não percamos a
cortesia. O camarada Sergei Savoritchenko ganhou uma
trégua, o direito a certa comodidade e até um pouco de
vodka... Ou continua não o aceitando, colega?
— Tomarei o vodka com muito gosto — sorriu o russo.
— Embora esteja bastante aliviado, cheguei a sentir a
boca um tanto seca, Baby.
— Acredito. Você sabe muito bem que sua negativa em
colaborar conosco lhe teria trazido desastrosas
consequências. Não sou das que brincam quando matam
um de meus companheiros, Sergei.
— Mas devemos soltá-lo mesmo? — hesitou Johnny I.
— Eu já o disse duas vezes.
Com evidente má vontade, o agente da CIA desamarrou
o do MVD, que esfregou os pulsos e os tornozelos, sorrindo.
Brigitte empurrou para ele a garrafa de vodka e o copo.
Servindo-se uma dose generosa, Sergei bebeu-a de um
trago e estalou a língua, satisfeito.
— Suponho que não acreditarão nisto, quando o contar
em Moscou.
— Ainda não o contou — murmurou Baby. — Por
enquanto, deixaremos as coisas assim, Sergei.
Naturalmente, não lhe devolveremos ainda seu revólver
nem seu rádio de bolso...
— Deveriam devolver-me o rádio — sugeriu o russo. — Se
meus companheiros me chamarem para dar notícias sobre o
paradeiro dos traidores que estamos procurando, ficarão
alarmados ao não receber resposta... E é muito possível que
tudo seja posto a perder.
— Ouça — resmungou Johnny II — , se você...
— Vamos devolver-lhe o rádio — cortou Brigitte. — Ele
tem razão, Johnny. O que menos interessa neste momento é
alarmar alguém. Quero que isto fique bem claro. — Tirou o
rádio ao russo da maletinha, entregando-o a este. — Tome
cuidado com o que disser por este rádio, Sergei, pois meu
companheiro fala o russo tão bem como você e eu.
— Estou jogando limpo — protestou Savoritchenko.
— Melhor. Levem-no para um quarto, lá em cima.
Amarrem-no, só pelos pés, a uma cama e permaneçam
com ele até que eu regresse, vigiando-o por turnos, já que
um de vocês deverá estar sempre atento ao rádio de Muley
Hassim, pois pode chegar alguma notícia. Quanto ao resto,
peço-lhes que tratem com consideração o nosso colega.
— Parece-me consideração demais... — reclamou Johnny
I. — Afinal de contas, o mais provável é que tenha sido ele
quem matou nosso companheiro e que nos esteja fazendo
de tolos.
Brigitte Montfort olhou-o inexpressivamente.
— Será melhor para ele que nos tenha dito a verdade.
Levem-no para cima. Mordecai.
O marroquino aproximou-se, enquanto os dois Johnnies
levavam o soviético.
— Às suas ordens.
— Passe uma revista no carro do russo, com muita
atenção. Lembra-se do número da casa onde mataram
Johnny, na rua Hasnona?
— Lembro-me.
Brigitte desdobrou um mapa da cidade de Tânger e
estendeu-o sobre a mesa.
— Mostre-me onde está essa rua e anote o número. Vá
em seguida revistar o carro. Fico à sua espera aqui.
Mordecai obedeceu ponto por ponto. Quando regressou à
sala, Baby estava fumando, muito pensativa. Levantou a
cabeça, olhou-o e sorriu amistosamente.
— Algo interessante? — perguntou.
— Veja por si mesma.
O marroquino depositou sobre a mesinha o que havia
encontrado no carro de Savoritchenko: luvas, cigarros
marroquinos, documentos do carro, uma pequena lanterna,
uma chave de fenda, um estojo com pequenas ferramentas
de emergência, uma planta de Tânger... Nada que valesse a
pena, evidentemente.
— Quanto ao próprio carro — murmurou Brigitte, olhando
a documentação —, é alugado, em Ceuta. Bem... Ponha-se à
disposição de meus amigos, Mordecai.
— Tenho algo para lhe dizer — murmurou este.
— Sim? — olhou-o, interessada.
— Eu deveria atender ao rádio de Muley. Se algum de
meus amigos chamar e não lhe responderem em árabe,
cortará a comunicação.
— Compreendo... E é muito razoável. Quantos deles
dispõem de rádio de bolso?
— Seis. Podem chamar a qualquer momento, se
chegarem a saber algo interessante. Estão desnorteados,
mas farão alguma coisa, espero. De qualquer modo, estão
também assustados, portanto, depois do desaparecimento
de Muley Hassim, é possível que não queiram saber nada do
assunto se eu não lhes falar. Isso os tranquilizaria.
— De acordo. Diga isso a Johnny. E que os dois fiquem
vigiando o russo. Espero estar dê volta — consultou o
relógio — entre a meia-noite e a uma da madrugada. Muito
cuidado. E não tenha contemplações com ninguém, se as
coisas se complicarem. Até logo.

Quarto

Vantagem de ser bonita 


Ela regressou à villa de Muley Hassim exatamente às
duas menos vinte minutos da madrugada. Da janela de
onde vigiava, Johnny viu-a chegar no carro, convenceu-se
de que era ela e foi abrir a porta.
— Alguma novidade? — perguntou Baby.
— Não. Nenhuma. Encontrou alguma coisa interessante?
— Interessantíssima, Johnny. Vamos ver Savoritchenko.
Quando entraram no quarto, Johnny II guardou a pistola e
relaxou-se na cadeira. Savoritchenko estava na cama, com
os pés amarrados a ela, tal como indicara Brigitte. Vendo-a
entrar, ele saudou com a mão.
— Resolveu algum problema? — interessou-se
amavelmente.
— Por enquanto, não — sorriu Brigite, sentando-se num
lado da cama. — Estive naquela velha casa e, efetivamente,
é muito possível que as coisas tenham acontecido como
você disse, Sergei. Não há nenhuma dificuldade em escapar
de lá por vários outros lugares que a porta da rua. De modo
que, enquanto não se demonstre o contrário, vamos acusar
o traidor Igor Fiodorovitch do assassinato de meu
companheiro.
— Obrigado. Trouxe a minha carteira?
— Claro — Brigitte tirou-a da maletinha, entregando-a ao
russo.
— Não me diga que não a examinou.
— Que acha você? — sorriu ela.
— Seria absurdo que não o fizesse. O dinheiro inglês,
assim como meu falso passaporte dessa nacionalidade,
prevê o caso de se tornarem feias as coisas em Marrocos
para Manuel Ortega, compreende?
— Dessas coisas não tenho nada que aprender, Sergei.
Vamos ao que interessa.
— Sim — o russo tirou três pequenas fotos da carteira e
estendeu-as. — Imagino que também as tenha visto, Baby.
— Claro. São os três traidores?
— São. Este é Igor Fiodorovitch. Este é Georgi Vlady, e
este é Ivan Ovanikov. Espero que já esteja convencida de
que colaboro sinceramente. Sem estas fotografias, não lhe
seria fácil encontrá-los.
— Tem razão.
— Meus amigos e eu fizemos algumas cópias delas, para
que nossos colaboradores daqui possam procurá-los com
certa comodidade. Mas acontece que nossos colaboradores
não são muitos em Tânger, pois tivemos que deslocar
alguns para a Argélia, a Líbia e o Egito.
— O mesmo fizemos nós — sorriu Brigitte. — Está de
acordo em que eu também obtenha umas quantas cópias e
as distribua entre os colaboradores da CIA, para que os
procurem... com certa comodidade?
— Não me havia ocorrido isso — sorriu também
Savoritchenko.
Johnny I interveio: — Diabo! — resmungou. — Você está
nos utilizando, soviético. Naturalmente entregou essas fotos
a Baby para que ela obtivesse cópias! Assim, a CIA ajuda
vocês a encontrar os traidores.
— Não pode negar que a ideia é boa, ianque — retorquiu
Sergei.
Johnny lançou uma imprecação e acendeu um cigarro.
Brigitte riu em silêncio, enquanto guardava as fotos na
maletinha vermelha.
— A astúcia russa é admirável. Mas, como esta vez nos
serve muito bem, nada tenho a opor. Faremos as cópias e
amanhã começará a busca, a sério. Recebeu algum
chamado, Sergei?
— Não.
— Bem... Nesse caso, você chamará agora. Diga aos seus
amigos o que ocorre, que a CIA também vai procurar os três
traidores, que nada de violências ou jogo sujo.
Termine avisando que, se forem eles que encontrem os
traidores, deverão comunicá-lo a você antes de tudo. Está
claro?
— Está. Posso falar em russo?
— Naturalmente.
Savoritchenko fez a chamada com seu rádio de bolso.
Ponto por ponto, obedeceu às instruções de Brigitte, que
ia assentindo com movimentos de cabeça. Por fim, olhou-a
interrogativamente e ela fez sinal para fechar o rádio.
— De acordo, Sergei. Agora, Johnny, seria conveniente
que um de vocês fosse a Tânger levar estas fotos a um de
nossos colaboradores, para que tire as cópias e as, distribua
entre os outros.
— Acontece — observou Johnny II — que esses
colaboradores não nos conhecem. Somente a Mordecai, que
é o elemento de ligação. Mas como ele tem que ficar
atendendo ao rádio, o melhor seria que os avisasse, para
que algum nos espere em nossa base na cidade.
— Está bem. Assim será feito.
— Por que não se ocupam antes de Fiodorovitch? —
sugeriu Sergei.
— De Fiodorovitch? — surpreendeu-se Brigitte.
— Claro. Sei onde se aloja. Creio que se o vigiarem a
coisa se simplificará.
— É uma brincadeira, Sergei? Não acredito que, depois
do que ocorreu, ele continue no mesmo lugar.
— Pois está enganada. Eu sei que voltou lá, pois
continuei vigiando-o para ver se Ovanikov e Glady reuniam-
se a ele.
— Esse Fiodorovitch deve estar doido — murmurou
Johnny I.
— Não — discordou Brigitte. — O fato de ter comparecido
a um encontro não significa que tenha dito onde está
alojado, de modo que, depois de ver-se em perigo ou
acreditar em tal, deve ter regressado a seu esconderijo.
Isso forma sentido.
— Garanto-lhe que ele voltou lá — disse Savoritchenko.
— Depois do que aconteceu na Rua Hasnona, eu pude
verificar isso. Quando você me visitou no hotel, minha
intenção era jantar rapidamente e continuar vigiando o local
durante toda a noite.
— Bem. De modo que temos um localizado... Isso vai
facilitar muito as coisas. De qualquer maneira, Johnny, direi
a Mordecai que chame pelo rádio, para que um dos
colaboradores nos espere na base da cidade. Volto já.
Regressou cinco minutos depois, satisfeita a respeito do
trabalho feito por Mordecai.
— Assunto resolvido. Iremos entregar as fotos, depois
faremos uma visita a Igor Fiodorovitch. Oxalá ainda esteja
em seu alojamento.
Sergei Savoritchenko olhou-a, sobressaltado.
— Uma visita? Mas isso seria um erro!
— Por quê?
— Se os outros souberem que Igor está localizado,
levantarão voo! Devem ter algum meio de comunicar-se
com ele, naturalmente. E vice-versa.
— Não lhe daremos tempo.
— É arriscar muito... Temos que esperar que se reúnam,
para apanhar os três! Se Igor der o alarma, tudo irá por
água abaixo.
— Ele não dará alarma nenhum, Sergei. O que fará,
garanto-lhe, é dizer-nos onde estão os outros dois. E sabido
isto, teremos essa pasta.
O russo moveu negativamente a cabeça.
— Sairá mal... — pressagiou. — Sairá mal, eu sei. E se
você insiste em seu projeto de visitar Fiodorovitch, saiba
que declino de toda responsabilidade quanto ao fracasso da
recuperação desses planos de sabotagem.
— Por que há de sair mal? Tenho apenas que agarrar
Fiodorovitch e asseguro-lhe que ele me dirá tudo quanto eu
queira.
— Você não o conhece. Ainda que o mate, não lhe dirá
nada. É melhor esperar... Penso que, ao querer enfrentar-se
com ele, você está se deixando levar mais pelo empenho
em vingar a morte de seu companheiro que pelo de concluir
adequadamente este trabalho. E de uma coisa pode estar
certa: se você lhe disser que é agente da CIA, Fiodorovitch
já não quererá ouvir nada mais.
— Terá que me ouvir enquanto eu quiser. Diga-me onde
está.
— É uma loucura...
— Quero saber onde está, Sergei. Do contrário, nosso
trato fica automaticamente desfeito.
Sergei Savoritchenko respirou profundamente.
— Pois seja: Rua Mulein, 22... Perto da Kasbah. Mas não
lhe será fácil encontrar essa rua, portanto, irei com você
para...
— Não se incomode — cortou sarcasticamente Johnny I.
— Conheço Tânger como a palma da minha mão. Eu irei
com Baby.
— Vocês vão estragar tudo.
— Eu lhe provarei o contrário. Vamos, Johnny. Ah, Johnny
II — dirigiu-se ao outro. — Se Sergei quiser alguma coisa,
sirva-lhe. Inclusive vodka. Ele está fazendo jus...
embora a contragosto.
— Assim farei. Tomem cuidado.
— Fique tranquilo: voltaremos.
Saíram do quarto. Pouco depois, Sergei e Johnny II
ouviram o motor do carro, afastando-se. Em seguida o
agente da CIA deixou a janela, olhando com expressão
inquieta para o soviético.
— Não é tão esperta como dizem — resmungou. — Vai
estragar tudo, se não fizermos alguma coisa.
— Sossegue — sorriu o homem do MVD. — Estou certo
de que ele me entendeu. Sinto por Fiodorovitch.

Igor Fiodorovitch despertou de súbito, sobressaltado.


Abriu os olhos, quis soerguer-se na cama... e uma
pequena mão impediu-o. Ao mesmo tempo, sentia na
garganta a pressão inconfundível do cano de uma pistola.
— Fala francês? — perguntou-lhe uma voz feminina,
nesta língua.
— Que...?
— Fala francês?
— Um pouco...
— Pois bem. Vai ficar quieto na cama... Completamente
quieto, Fiodorovitch. Compreende?
— Sim.
— A luz, Johnny.
Ela afastou-se da cama, enquanto se acendia a luz do
quarto. O russo pestanejou, protegeu os olhos com a mão e
só alguns segundos mais tarde pôde enfrentar a claridade.
Então, viu Johnny junto à porta. Empalideceu e desviou o
olhar para a mulher, que o contemplava friamente.
— Creio que você tem algo que está disposto a vender,
Fiodorovitch — prosseguiu ela, sempre em francês. — Qual é
o preço?
— Não... não tenho nada para vender...
— Não? Nesse caso, talvez um de seus companheiros o
tenha. Refiro-me aos dois outros traidores, os camaradas
Ivan e Georgi... Onde estão eles?
— Não sei de que está falando... Nem me chamo
Fiodorovitch... Quem é você?
— Uma espiã que pode pagar muito bem por certa pasta.
Diga-me o preço.
Igor passou a língua pelos lábios e olhou novamente para
Johnny, que tinha a pistola na mão e não o perdia de vista.
Por fim, moveu negativamente a cabeça.
— Não tenho nenhuma pasta.
Baby não se perturbou. Com a pistolinha, indicou a seu
redor todo aquele sórdido aposento.
— Fiodorovitch, você está numa casa asquerosa, perto da
Kasbah, perto do mar, cheia de ratos e podridão. Imagino
que algum velho amigo daqui tenha-lhe proporcionado este
esconderijo, e você deve-lhe ser grato por isso. Sim: como
esconderijo, está bem... Mas não como túmulo.
Compreende? Como túmulo, é simplesmente infame.
Vamos fazer o negócio, depois falaremos de outras
coisas.
Afinal de contas, você está suportando tudo isto para
realizar o negócio. Qual o seu primeiro preço pela pasta?
Cinco milhões de dólares americanos?
— Não tenho nada para vender.
— Seja razoável, já que estou tentando sê-lo... Seis
milhões?
— Não.
— Olhe, não abuse demasiado de minha bondade... Seis
milhões é um bom preço. Tem o rádio à mão?
— Que rádio?
— O que utiliza para comunicar-se com Ovanikov e Vlady.
Chame-os e diga-lhes que uma espiã francesa está
oferecendo sete milhões de dólares pela pasta... com seu
conteúdo, naturalmente.
— Você não é francesa.
— Não sou? Qual lhe parece que seja minha
nacionalidade?
— Russa.
— Oh... Compreendo. Você acha que somos russos, que o
estamos enganando, não é assim? Asseguro-lhe que não é o
caso. Só queremos a pasta e estou lhe oferecendo um bom
preço. Não lhe parece bom? Acaso espera conseguir mais?
Igor Fiodorovitch não respondeu. Seus lábios apertaram-
se com a expressão característica de quem se nega
absolutamente a falar. E assim o compreendeu Baby, que
franziu a testa. Por um instante, pensou na conveniência de
apresentar-se como agente da CIA, mas descartou a ideia.
Se aquele homem assassinara um Johnny, ainda teria
mais motivos para permanecer em silêncio diante de dois
agentes americanos.
— Talvez a pasta esteja escondida aqui — disse Johnny I,
em inglês.
— Duvido... — murmurou Brigitte. — Mas não perdemos
nada a procurando. Não o perca de vista, Johnny.
Tornou a olhar para o russo, que parecia apavorado.
Talvez por tê-los ouvido falar em inglês? Olhou a seu
redor.
Na verdade, pouco havia o que olhar ali. Nem sequer um
armário. Somente a cama, duas cadeiras, uma mesa
empoeirada... O resto da casa estava ainda em piores
condições, pois inclusive se ouvia a bulha dos ratos no
aposento vizinho e no corredor. Aquele quarto era o único
lugar habitável, e isto até certo ponto...
— Cuidado! — gritou Johnny.
Plop, plop, plop!
Brigitte saltara para um lado, virando-se como um raio
para a cama, apontando sua pistolinha, enquanto os três
tiros com silenciador eram nitidamente ouvidos no quarto
em ruínas.
Em seguida viu Fiodorovitch com a cara e o pescoço
cheios de sangue, estirado na cama, olhos arregalados de
espanto. Diante da porta, ainda encolhido e como a ponto
de continuar, disparando, Johnny, feições crispadas,
empunhara a pistola, da qual saía um delgado fio de
fumaça... Brigitte aproximou-se rapidamente de Fiodorovitch
e um só olhar bastou-lhe para compreender que estava
morto. Virou a cabeça para Johnny, que permanecia na
mesma atitude, como petrificado.
— Você enlouqueceu? — perguntou-lhe asperamente.
— Ele era a nossa única pista e você o matou!
Johnny endireitou-se com lentidão.
— Ele... ele ia disparar contra você...
— Disparar contra mim? Com quê? Com o dedo?
— Vi quando se virou... para meter a mão debaixo do
travesseiro...
Ela levantou o travesseiro, mostrando o espaço vazio.
Não havia ali nenhuma arma. Quando tornou a olhar para
Johnny, este se encontrava a seu lado, mordendo os lábios.
Diante dos olhos da espiã mais astuta de todos os
tempos, ele baixou a cabeça.
— Sinto muito... — balbuciou. — É a primeira vez que
cometo uma tolice tão grande, Baby. Se pudesse...
— Ressuscitá-lo?
— Acho que estraguei tudo...
— Está -bem, Johnny... Não se culpe demais. Creio que eu
teria feito o mesmo. Suponho que não lhe agradou a ideia
de que um tipo semelhante pudesse liquidar com Baby.
— Você está tentando suavizar, meu erro, eu sei... Mas é
que ele se moveu e pensei que queria sacar uma arma...
— Vamos dar por terminado este assunto. Afinal de
contas, ele não era nada mais que um traidor.
— Savoritchenko vai ficar furioso quando souber.
Parece-me que compliquei muito seu trabalho, Baby.
— Sim — admitiu ela. — Mas não contaremos a
Savoritchenko o ocorrido. Nem sequer a nosso companheiro.
Diremos que Igor Fiodorovitch já não estava aqui. De
acordo?
— Você não tem obrigação de arcar com a
responsabilidade disto. A culpa...
— Vamos, vamos... — sorriu ela. — Esqueça-o. Você sabe
muito bem que eu faria qualquer coisa pelos meus queridos
Johnnies. No fundo, — Que lhes faça bom proveito. Embora,
talvez, se arrisquem a uma indigestão... Os traidores não
são bons nem para os ratos. Vamos à base.

A “base” estava situada numa pequena oficina mecânica


cujo proprietário, segundo constava da tabuleta, era
francês.

Ficava numa viela por trás da Rua Moussa. Tiveram que


deixar o carro meio montado numa das estreitas calçadas e,
quando saltaram, um homem saiu do lôbrego portal da
oficina. Vestia camisola, calçava babuchas e cobria-se com
um fez. Tinha uma barbicha e seus olhos cintilavam na
escuridão.
Gesticulando com impaciência, dizia qualquer coisa em
árabe e só uma palavra foi inteligível para Brigitte: dirhan.
— Está bem, amigo — impacientou-se. — Não lhe vamos
dar nenhuma esmola: vimos da parte de Mordecai.
O marroquino calou-se, olhando atentamente de um para
outro. Seu rosto nada tinha de tranquilizador.
— Ele nunca nos tinha chamado aqui — disse em bom
francês.
— Onde então?
— Em outros lugares.
— De acordo, mas estão acontecendo muitas coisas, eu
não conheço Tânger muito bem e suponho que ele tenha
querido facilitar meus momentos.
Enquanto falava, Brigitte compreendeu que aquele
homem, como os outros colaboradores de Mordecai às
ordens da CIA, não tinha a menor ideia de que ali, naquela
oficina, estavam o Transmissor e demais instalações da
Agência Central de Inteligência em Tânger. Melhor. E não
seria ela quem revelaria esses detalhes.
— Está bem, terei isto em conta na próxima vez. Como é
seu nome?
— Abdel.
— Vou lhe entregar as fotos de três homens, Abdel, para
que você se encarregue de obter algumas dezenas de
cópias, o quanto antes. Depois as distribuirá entre seus
companheiros e todos se dedicarão a procurar esses
homens.
Entendido?
Abdel olhou fugazmente para Johnny, antes de
murmurar: — Queremos ver Mordecai.
— Poderão vê-lo quando não estiver ocupado. Que há
com você? Não quer ganhar trinta mil dólares?
Ele pareceu ficar petrificado.
— Trinta... mil dólares? — balbuciou.
— Foi o que eu disse. Dez mil é o preço de cada um
desses homens. Pouco me importa como depois você faça a
partilha, Abdel. Tem apenas que, ao serem encontrados os
três, chame: Mordecai pelo rádio... Ou talvez seja eu mesma
quem responda à chamada. Tudo entendido — Nunca nos
pagaram tanto... Faremos como diz. Mas, se os
encontrarmos, queremos ver Mordecai. Só a ele
conhecemos.
— Quando chegar o momento, Mordecai virá comigo,
fique tranquilo. Está bem assim?
O marroquino hesitou visivelmente.
— Está bem — murmurou por fim. Guardou as fotos entre
as dobras de sua camisola e, segundos depois, tinha
desaparecido nas sombras. Johnny indicou o portal.
— Entramos?
— Para quê? Já vimos o elemento de ligação. Não creio
que entrar aí nos sirva de nada. Já avisei pelo telefone do
hotel que este transmissor fica neutralizado, por enquanto;
só utilizaremos nossos rádios de bolso e o da villa de Muley
Hassim. Vamos.
Entraram no carro e Johnny pôs o motor em marcha,
pensativo.
— Já que mencionou o telefone, disseram-lhe de
Washington que a pistola que matou Johnny era a sua
própria, a que foi enviada para lá com o cadáver?
— Sim. Já tinham verificado isso. Acha que se fosse de
outro modo o camarada Savoritchenko ainda estaria vivo?
— Compreendo... — sorriu Johnny. — Diabo, você dispõe
de recursos que não podemos utilizar, Baby.
Refiro-me a esse número de Washington. Um telefonema,
uma conversa em código e pronto. Nada de transmissor,
nenhum perigo de que seja interceptada a comunicação...
Eu poderia saber esse número?
Brigitte olhou-o com simpatia.
— Talvez eu o diga quando isto terminar, Johnny.
— Bom. Esperarei. Não tenho pressa, mas pergunto-me
por que não nos são dadas as mesmas facilidade que a
você.
— Porque sou mais bonita — riu ela.

Quinto

Podendo ser às oito, por que às nove? 


— Não me agrada isto — disse Sergei Savoritchenko. —
Se Fiodorovitch abandonou seu alojamento, talvez se tenha
dado conta de que o estávamos vigiando. Mas é
surpreendente... Quando fui ao hotel, deixei-o lá, parecendo
bastante tranquilo.
— É muito possível que ele tenha percebido sua
vigilância, Sergei. E deve ter aproveitado para escapar
quando você foi ao hotel.
— Isso significa que o perdemos completamente. E sabe
de quem é a culpa? — perguntou o russo em tom áspero.
— Claro — sorriu Baby. — Minha, por ter trazido você
para cá em lugar de deixá-lo prosseguir tranquilamente com
sua vigilância.
— Exato.
— Bom, tomemos as coisas com calma. Você comunicou-
se com seus amigos, de modo que eles e os árabes que
trabalham para vocês estão à procura desses traidores.
Nosso pessoal está fazendo o mesmo, portanto já são
muitos e todos conhecem bem a cidade. Eles serão
encontrados. Temos apenas que esperar.
— E depois?
— Depois? A que se refere?
— Que acontecerá se os encontrarem?
— Seremos avisados e lançaremos uma redada perfeita.
Que outra coisa poderia acontecer?
— Isso eu sei. Refiro-me ao conteúdo da pasta... Ficará
com você Ou comigo?
— Oh... Creio que deveria ficar comigo.
— Sim? E por quê?
— Porque vocês já têm cópias desses planos de
sabotagem, segundo me disse. E nós não temos cópia
alguma.
— Você está querendo divertir-se à minha custa... —
resmungou Savoritchenko. — Parece que todas as
vantagens vão ser para a CIA É verdade que não ficaríamos
comprometidos como aconteceria se esses planos caíssem
em outras mãos, porém não é menos verdade que vocês
sairão muito mais beneficiados.
— Por que negá-lo? O conhecimento desses planos de
sabotagem nos permitirá tomar as medidas necessárias
para torná-los inservíveis. Jamais poderão ser utilizados por
vocês. Mas admita: melhor assim que permitir que gente
desconhecida os utilize e inteirar-nos depois de sua
procedência.
— Já se inteiraram — comentou o soviético — Sim. Mas
não podemos culpar o MVD ou a Rússia pelo uso que três
traidores russos deem a esses planos.
— Que fique isto bem claro — enfatizou Savoritchenko.
— Se não recuperarmos os planos, a Rússia não será
culpada do que outros possam fazer com eles nos Estados
Unidos.
— Não se preocupe — sorriu friamente Brigite. — Eu me
encarregarei de que a informação nesse sentido chegue ao
meu Governo. Bem, creio que por hoje desenvolvemos
atividade suficiente. São cinco e dez minutos da
madrugada, cavalheiros. Que tal se descansarmos um
pouco?
— Aqui? — espantou-se Sergei.
— Claro. Por enquanto, considero este um lugar seguro...
com todo o desaparecimento de Muley Hassim e dos seus.
— Mas você e eu teríamos que voltar ao hotel.
— Avisei que tínhamos sido convidados para passar dois
dias com uns amigos — tornou a sorrir Baby. — Não se
preocupe. Nunca me escapam os pequenos detalhes,
camarada.
— Eu sei — sorriu também o russo. — Ah, obrigado por
permitir que me dessem mais vodka.
— Espero que também lhe tenham servido um jantar.
Irei agora ver Mordecai para dar-lhe as últimas
instruções.
Uma coisa, Sergei, sinto muito, mas terá que dormir
amarrado na cama. E poremos caçarolas nas cordas, de
modo que, se tentar soltar-se, será ouvido.
— Pensei que não me considerasse um prisioneiro, mas
um colaborador...
— Assim é. Mas já lhe disse que nunca passo por alto os
pequenos detalhes. Até amanhã.
Foi encontrar Mordecai diante do rádio, em outro quarto.
— Alguma novidade? — perguntou-lhe.
— Nenhuma.
— Suponho que esteja cansado, mas seus amigos são
teimosos. Só querem falar com você. Assim, terá que ficar
atento ao rádio... Mas pode ir dando seus cochilos.
— Farei assim.
— Sobretudo, não se afaste desse aparelho. A qualquer
momento pode chegar algum chamado interessante. Se
tivéssemos certeza de que esses três homens estão em
Tânger, todos nós ficaríamos também à escuta com nossos
radinhos de bolso, mas se chamarem de mais longe...
— Compreendo. Não me moverei daqui.
— Obrigada. Esteve neste quarto toda a noite?
— Estive.
— Sem se mover para nada?
— Absolutamente para nada. Sou dos que gostam de
fazer um bom trabalho.
— Sim, parece. Boa noite, Mordecai... Ou talvez seja
melhor dizer bom dia.
Saiu do quarto, procurou outro pequeno para ela e
aproximou-se da cama. Tocou-a e sorriu ao encontrá-la
bastante macia. Fechou a porta, aproximou uma cadeira e
deixou-a quase tocando nesta. Depois colocou na borda da
cadeira um jarrão de porcelana, em tão precário equilíbrio,
que bastaria encostar um dedo na cadeira para que ele
caísse no chão... Com mais motivo cairia se alguém abrisse
aquela porta.
Voltou à cama, abriu a maletinha e tirou um frasco de
lavanda. Desenroscou o fundo falso, extraindo duas das
quatro diminutas cápsulas de vidro que continham gás.
Deixou-a na cabeceira da cama, presas por uma curta
tira de esparadrapo cor de carne. Em seguida meteu a
pistolinha no decote, colocou-se vestida sobre a cama e
adormeceu imediatamente.

Às sete horas da noite seguinte, Mordecai apareceu na sala,


excitadíssimo.

— Foram encontrados! — anunciou.


Sergei Savoritchenko levantou-se de um salto,
assustando Johnny I, que sacou precipitadamente a pistola.
— Os três? — quase gritou.
— Só dois, dizem. Mas, se encontraram dois, o terceiro
não deve estar longe!
— Calma — recomendou Brigitte. — Johnny, guarde a
pistola, por favor. E você, Sergei, não perca o controle, coisa
que não combina com nossa profissão.
Ele resmungou alguma coisa e guardou a arma. O russo
tornou a sentar-se, lentamente.
— Assim... — aprovou Brigitte. — Muito bem, Mordecai:
onde estão esses homens que estivemos procurando?
— Não me disseram.
— Como?
— Querem que eu vá lá.
— Lá? Onde é “lá”?
— No fim da Avenida de Espanha.
— Bem. Abdel já me disse que queria vê-lo. E, na
verdade, não me ocorre nenhum motivo pelo qual não
devamos satisfazer o seu amigo.
— Terei que abandonar o transmissor?
— O assunto está praticamente resolvido, se de fato
foram encontrados dois dos russos. Por outro lado, se já o
chamaram à Avenida de Espanha, não creio que tornem a
utilizar o rádio. É, portanto, desnecessário que você
permaneça em seu posto.
— Suponho que me deixará tomar parte nessa caçada,
Baby — disse Savoritchenko.
— É uma falsa suposição, Sergei.
— Mas, nosso trato...
— Nosso trato não inclui um comportamento de imbecil
por minha parte. E creio que você pode compreender
perfeitamente minha atitude. Afinal de contas a missão de
você e seus companheiros é evitar que essa pasta caia em
mãos de pessoas que poderiam utilizar os planos de
sabotagem a qualquer momento, com grave
comprometimento para a Rússia, talvez. Minha missão e a
de meus companheiros consiste em evitar o mesmo, porém,
além disso, não vamos desdenhar a oportunidade de
conhecer cinquenta e dois planos de sabotagem soviética
nos Estados Unidos.
— Isso é uma sujeira!
— Não diga tolices, Sergei. Você faria o mesmo em meu
lugar. Que mais quer? Nós o ajudemos a encontrar esses
traidores e possivelmente não teremos mais remédio que
eliminá-los, já que não se entregarão sem luta... Ainda
deseja receber mais serviço por parte da CIA?
— Esse camarada é bastante “cara de pau” — riu Johnny
II.
Savoritchenko dirigiu-lhe um olhar assassino.
— Pelo menos, deixem-me avisar meus companheiros de
que vocês localizaram os traidores. Não há razão para que
continuem perdendo tempo.
— Não seja tão atencioso... Afinal, tempo é o que não nos
falta a todos, neste momento. Quer dizer, a todos menos
Mordecai e eu.
— E nós? — perguntou Johnny I.
— Ficarão aqui, com o colega Sergei. E dadas as
circunstâncias, peço-lhes encarecidamente que não o
percam de vista. O melhor será que o levem novamente
para seu quarto e o amarrem, à cama.
— Mas não convém que acompanhemos você? — sugeriu
Johnny II.
— Prefiro mantê-los como reserva, pois algum imprevisto
pode impedir que eu consiga essa pasta. Johnny I conhece
Abdel e, se Mordecai e eu sofrermos algum contratempo,
poderia procurá-lo e orientar o assunto de outro modo,
contanto que, fosse como fosse, conseguisse a pasta. Mais
alguma dúvida?
— Bom... Que fará você uma vez com a pasta em seu
poder? Não a tornaremos a ver?
Brigitte arqueou as sobrancelhas, assombrada.
— Claro que sim, querido. Virei aqui, para que Sergei
examine os planos, pois seus compatriotas traidores podem
ter cometido a esperteza de alterá-los. Bem, levem Sergei
para cima. Ah... E tirem-lhe o rádio de bolso, já não vai
precisar dele.
— Claro que não — sorriu Johnny I. Aproximou-se do
russo, que o olhou turvamente, ainda sentado na poltrona.
Inclinou-se, estendendo a mão esquerda para tirar-lhe o
rádio. Recebeu uma violenta cabeçada no queixo, que o
atirou para trás, de encontro à mesinha onde estava a
garrafa de vodka. Derrubou-a e a garrafa caiu, fazendo-se
em pedaços, mas ninguém prestava atenção a tais
minudências.
Johnny II tinha sacado rapidamente a pistola, mas
Savoritchenko, com o mesmo impulso com que se
levantara, avançou para ele como uma locomotiva, dando-
lhe um esbarrão que o fez dar uma volta completa no ar
antes de cair de costas, perdendo a pistola.
Aos tropeços, a ponto de tombar para frente a cada
passo, o russo chegou até a arma e sua mão crispada
fechou-se sobre ela... Mas então a agente Baby já estava ao
seu lado e, com um pontapé, arrancou-lhe a pistola dos
dedos. Com outro, no ventre, arrancou-lhe um grito de dor e
raiva impotente. Contudo, ele conseguiu endireitar-se,
saltou sobre ela e seus braços fortíssimos cingiram-lhe o
dorso, obrigando-a a dar uma volta e colocando-a à sua
frente como um escudo protetor contra as balas que
pudessem disparar contra eles os Johnnies, ambos já
bastante recuperados e o segundo já recolhendo sua arma.
— Se atirarem...! — começou ele a avisar. Baby baixou
bruscamente o ombro esquerdo, escapando à presa por
aquele lado. Levantou Imediatamente o braço direito e sua
mão pareceu cravar-se no de Sergei, enquanto a esquerda
agarrava a manga de seu outro braço.
Simultaneamente, seu joelho esquerdo se dobrava, sua
perna direita estendia-se para um lado e ela puxava com os
dois braços para frente, girando um pouco à direita... A
execução da quarta chave de ombro do judô foi impecável:
Sergei Savoritchenko, com todo seu peso e envergadura, foi
arremessado por cima do ombro da mais perigosa espiã do
mundo.
Lançou um grito enquanto cruzava o ar, caiu sobre a
poltrona e pelas molas desta foi projetado contra Mordecai,
que abriu a boca com expressão de espanto, vendo-o
chegar...
— Não ati...! — começou Brigitte.
Plop, plop, plop, plop...
Johnny I e Johnny II já estavam disparando contra o
russo, que havia tropeçado antes de atingir o marroquino. E
enquanto Sergei caía de braços, as quatro balas seguiam
seu caminho... em direção a Mordecai, que estremeceu e
saltou a cada impacto, recuando para o fundo da sala, onde
caiu morto.
Todos ficaram imóveis então.
Brigitte já empunhava sua pistolinha, apontava-a para
Savoritchenko, que permanecia estendido de bruços,
erguendo apenas a cabeça. Após um profundo suspiro,
Johnny II balbuciou.
— Por Deus... Nós o matamos...
— Estão satisfeitos? — perguntou friamente Brigitte.
— Satis...? Mas... foi uma fatalidade...
— Que espécie de espiões são vocês? — perguntou ela,
com clara irritação. — Não se tratava de atirar, isso eu
poderia ter feito desde o primeiro momento.
— Mas o russo... ia fugir...
— Não teria fugido. E vocês não deveriam esquecer de
que o necessitamos vivo, para que identifique os planos
contidos na pasta. Cuidem dele.
Levem-no para cima e amarrem-no de maneira que nem
em mil anos possa soltar-se. Está claro? Os dois Johnnies
trocaram um olhar consternado. Assentiram com a cabeça e
aproximaram-se do soviético. Johnny I lançou-lhe um
tremendo pontapé nas costas, fazendo-o soltar um grito e
encolher-se.
— Para cima, russo! — ordenou. — E se tentar alguma
coisa, não atiraremos para matar, mas será -pior para você.
Vamos!
Brigitte, que se tinha ajoelhado junto a Mordecai, deixou
de contemplar aqueles olhos escuros, arregalados pelo
espanto. Franzindo a testa, olhou seus companheiros, que
vigiavam atentamente Savoritchenko, sem o ajudar a
levantar-se. O russo conseguiu-o finalmente, lívido, e
começou a caminhar torpemente, mas Johnny II sorriu com
sarcasmo hostil.
— Caminhe direito e deixe-se de truques, Sergei!
Este se endireitou e os três saíram da sala. Cinco
minutos mais tarde, regressaram os dois Johnnies. Sua
expressão não podia ser mais desolada.
— Está amarrado como um fardo — resmungou Johnny I.
— Não conseguirá soltar-se.
Ficaram ambos olhando para Brigitte, que se instalara
numa poltrona e fumava tranquilamente.
— A reação de Sergei Savoritchenko — disse por fim —
foi um tanto temerária, mas absolutamente normal. Não o
podemos culpar de nada.
— Parece que a culpa foi nossa — murmurou Johnny II.
— Não devíamos ter perdido o controle.
— Este assunto nos mantém demasiado tensos — disse
Johnny I. — Também me ocorreu algo parecido com relação
a Fiodorovitch.
— Fiodorovitch? — Johnny II olhou-o vivamente.
— Eu o matei.
— Como?! — Johnny II estava estupefato. — Pareceu-me
que tinha uma arma debaixo do travesseiro. Baby lhe virara
as costas e ele se moveu... — explicou brevemente o
ocorrido. — Enfim, não se pode dizer que nossa atuação
tenha sido feliz.
— Pelo contrário... — sorriu Baby. — Ao menos, foi
providencial no que se refere a Igor Fiodorovitch, Johnny.
Vejamos: efetivamente, seus companheiros de fuga e
traição, isto é, Ivan Ovanikov e Georgi Vlady, estavam em
contato com ele por meio do rádio de bolso. Enquanto não
houve perigo direto, cada qual permaneceu em seu
esconderijo, esperando... não sei que coisa. Podiam ter
vendido essa pasta cem vezes desde que chegaram a
Tânger, Entretanto, os três mantiveram-se escondidos,
esperando algo. Mas, quando os outros dois chamaram e
não obtiveram resposta de Igor Fiodorovitch,
compreenderam que as coisas começavam a complicar-se.
Talvez, inclusive, tenham podido ver o cadáver de Igor na
casa da rua Mulein... Talvez. De qualquer modo,
assustaram-se com o silêncio do companheiro e, a
conclusão só podia ser uma: algo lhe havia acontecido. E
justamente isso foi o que os assustou, a ponto de se
mobilizarem procurando, segundo presumo, escapar de
Tânger o mais depressa possível. De onde se depreende,
Johnny, que você foi feliz ao atirar contra Igor Fiodorovitch.
— Puxa! É um consolo saber disso. Entretanto, não creio
que surja outro imprevisto capaz de consolar-me da morte
de Mordecai. Era um bom sujeito, estava há bastante tempo
trabalhando conosco... E nós mesmos o matamos.
— Não se atormente; já não tem remédio.
— Eu sei... E há o caso do encontro na Avenida de
Espanha com o tal Abdel. Esta madrugada ele disse que só
queria falar com Mordecai... E nada de rádios: queria vê-lo
pessoalmente. Como você sabe, ele nem sequer lhe quis
dizer pelo rádio onde estão os dois russos... Que faremos
agora? Abdel não nos revelará em que local se encontram
Ovanikov e Vlady.
— Terei que convencê-lo... — murmurou Brigite. — Claro,
a morte de Mordecai é um grave contratempo para a
conclusão deste assunto. E o pior é que nem sequer tenho
disponíveis os trinta mil dólares que prometi a Abdel. Se
agora, além de apresentar-me sem Mordecai, apresento-me
também sem o dinheiro, calculo que inclusive rirá de mim.
— Poderíamos convencê-lo de alguma forma — sugeriu
Johnny II.
— Está brincando? — replicou asperamente Baby. —
Abdel trabalha para a CIA e não merece maus tratos. Por
minha parte, compreendo muito bem sua atitude, ele
sempre recebeu ordens por intermédio de Mordecai. Por que
vai confiar agora no primeiro que se apresente dizendo-se
da CIA? Vocês o fariam?
— Não... Claro que não.
— Menos mal — suspirou Brigitte, tentando sorrir. —
Bem, queridos, temos a informação a nosso alcance, o que
é tanto quanto ter a pasta, pois esses russos não me
escapariam. Mas, sem Mordecai e sem os trinta mil dólares
em dinheiro, tudo se torna difícil. A menos que vocês
tenham algum, meio de obter essa importância em uma ou
duas horas... Podem fazê-lo? Conviria inclusive que fossem
cinquenta mil, para... deslumbrar Abdel. Os árabes adoram
dinheiro. Vocês podem fazer alguma coisa? Os dois Johnnies
trocaram um olhar.
— Bem... — murmurou Johnny I. — Não sei... Poderia
tentar, claro. Mas, no caso de conseguir essa quantia, não
seria em dólares, seria em dirhans.
— Não creio que Abdel desdenhasse — fez rapidamente
o cálculo — duzentos e cinquenta mil ãirhans, mais ou
menos.
— Conhecemos uma pessoa em Tânger que talvez possa
dispor desse dinheiro em menos de duas horas, Baby.
— Pois recorramos a essa pessoa. Você — dirigiu-se a
Johnny II — ficará aqui vigiando Savoritchenko. E remova o
cadáver de Mordecai. Enterre-o no jardim. Vez por outra, vá
ao rádio. Podem chegar notícias sobre Hassim. Nós —
indicou Johnny I — iremos a Tânger agora mesmo. Você irá
em seu carro. Eu irei no de Sergei e darei uma volta pela
Avenida de Espanha, pois talvez por lá exista algo que não
me agrade. Dentro de duas horas — consultou seu relógio
—, tenha você conseguido o dinheiro ou não, vá à Avenida
Espanha, passando por ela devagar. Então, veremos o que
se pode fazer. Entendido?
— Entendido.
— Pois mãos à obra.
— Que farei se os amigos de Savoritchenko o chamarem
pelo rádio? — perguntou Johnny II.
— Simples: receba o chamado e diga ao bom Sergei que
responda no sentido de que, por nossa parte, ainda não
temos nenhuma informação sobre o paradeiro da pasta. Em
compensação, deixe que seus amigos deem todas as
informações que tenham podido conseguir.
— Compreendo... — sorriu Johnny II. — E se
Savoritchenko se negar?
Baby sorriu gelidamente.
— Estou certa de que você saberá convencê-lo a
colaborar, Johnny.
— Okay — sorriu novamente o espião. — Conte comigo.
— Pois nada mais temos a dizer. Vamos, Johnny I, e seja,
rápido em seus entendimentos: se puder conseguir esse
dinheiro para as oito horas, não espere pelas nove.

Sexto

Mãe de quatro filhos belíssimos 


Os dois carros se cruzaram na Avenida Espanha
exatamente às oito e vinte. O menor deteve-se rente ao
meio-fio, perto da vala que separava a praia da avenida.
O outro fez a volta, parou atrás e Johnny saltou, trazendo
uma grossa pasta. Subiu à calçada e entrou no carro
pequeno pela frente. Sentada ao volante, Brigitte Montfort
olhou com ar de absoluta aprovação.
— Suponho que não sejam sanduíches o que na nessa
pasta, Johnny — sorriu.
— Não — sorriu também ele. — Duzentos e cinquenta mil
dirhans.
— Ótimo.
— Viu Abdel?
— De longe. E mais três marroquinos que não me
inspiraram muita confiança.
— Irei com você e já veremos...
— Não, não. Ao dizer que não me inspiram confiança,
referia-me à sua catadura. Mas, evidentemente, são amigos
de Abdel e devem estar protegendo-o. Assim, são
companheiros nossos.
E como Abdel me conhece, não haverá problema. Irei
sozinha.
— Mas é uma loucura...
— Receia por mim? — riu Baby.
— Oh, seria uma tolice, eu sei. Uma mulher como você
não é presa fácil. De qualquer modo...
— Agradeço seu interesse, Johnny, mas não se preocupe.
Uma feiticeira negra vaticinou certa vez que serei mãe de
quatro filhos belíssimos. Ora, como ainda não tenho
nenhum, não penso em morrer. Chegarei aos noventa e
tantos, talvez ultrapasse os cem... E terei netos, bisnetos...
— Não duvido. Sei que você é uma mulher
extraordinária, Baby.
— Bem. Aqui nos despedimos, por enquanto. Vá apoiar
nosso companheiro. E esteja atento ao rádio de bolso.
Quando eu souber algo de concreto, farei uma chamada.
— Você escorrega entre minhas mãos como uma
enguia... — comentou Johnny. — Acaso não tem confiança
em mim?
Ela sorriu docemente.
— Quer saber qual o segredo de meu êxito como espiã,
Johnny?
— Claro! Qual é esse segredo?
— Nunca confiar em ninguém. Por isso, ainda não nasceu
o homem que cortará minha cabeça.
— Bem... Espero que demore bastante a nascer. Não
esqueça de se comunicar conosco.
— Não esqueça. Ciao, Johnny.
O agente da CIA saiu do carrinho, meteu-se no seu e
afastou-se. Brigitte esperou até vê-lo desaparecer. Então
pôs em marcha o seu, fez a volta e dirigiu-se para o fim da
avenida. Logo avistou dois dos três amigos de Abdel...
O terceiro... Finalmente, o próprio Abdel. À sua esquerda, a
praia parecia negra, tenebrosa. Quando saltou do carro, o
vento envolveu-a numa nuvem de areia. Não lhe agradava
Tânger... Nem um pouco.
— Olá, Abdel.
O marroquino, que parecia uma sombra entre as
sombras, moveu seus olhos cintilantes.
— E Mordecai? — perguntou.
— Não poderá vir. Ao que parece, sabe obedecer melhor
que vocês às ordens da CIA e, como está fazendo
precisamente isso, não virá. Agora, ouça-me bem: tenho
nesta pasta cinquenta mil dólares... Quer dizer, duzentos e
cinquenta mil dirhans. Diga-me onde estão os homens das
fotografias e o dinheiro será seu.
— Posso tirar-lhe esse dinheiro sem lhe dizer nada — os
dentes do marroquino brilharam na escuridão.
— Melhor diria que pode tentar — sorriu Baby; — O que é
muito diferente, Abdel. Não sou o que pareço, ou seja, uma
jovem indefesa. Será melhor que pense nisso. Duzentos e
cinquenta mil dirhans... ou nada.
— Quero ver o dinheiro.
— Como não?
Estendeu-lhe a pasta, que ele abriu, colocando-a de
modo a receber as luzes da avenida. Pouca luz, mas
suficiente para uma olhadela ao interior da pasta.
— Por que paga mais do que ofereceu?
— Porque assim você poderá ficar com uma boa parte
sem lesar demasiado seus companheiros que estiveram
trabalhando neste assunto.
— Sua língua corta como faca. — Onde estão os dois
homens?
Abdel hesitou, olhando aqueles olhos que brilhavam mais
que os seus e que se fixavam nele de um modo inquietante.
Via com clareza que aquela mulher de aparência frágil não
tinha o menor medo dele ou de seus amigos.
— Estão escondidos atrás do Café Espartel, no Cabo.
Alugaram uma barca de pesca e sabemos que tencionam
partir esta noite, por volta das doze, rumo à Espanha.
— Do Cabo Espartel?
— Sim.
— É uma mentira absurda, pois lá existe um farol.
Seriam vistos imediatamente.
— E daí? Eles irão vestidos de pescadores marroquinos e,
para todos os efeitos, serão isso: pescadores. Têm tudo
preparado. A barca passará perto da praia, à esquerda do
farol, e eles a alcançarão a nado. Vestirão roupas secas
marroquinas e sairão para alto mar. Antes do amanhecer
estarão perto da Baía de Algeeiras, onde tornarão a saltar
na água para chegar a nado à costa espanhola.
— É uma informação completa e perfeita — comentou
Brigitte.
— Não lhe agrada?
— Agradaria mais se tivesse certeza de que é correta.
— Pois não tenho outra. Pode aceitá-la ou
não. Descuidamos todo o resto para dedicar-nos a isto, dei-
lhe um resultado e nada mais tenho a dizer. Agora, quero o
dinheiro.
Brigitte pôs-lhe a pasta nas mãos, sorrindo secamente.
— Uma última coisa, Abdel: se me mentiu, asseguro-lhe
que não chegará a desfrutar este dinheiro. Boa noite.
Segundos depois, afastava-se com o carro, guiando com
uma das mãos, enquanto com a outra acionava o radinho.
— Johnny.
— Eu. Ainda não cheguei à villa de Hassim.
— Foi o que imaginei. Tudo pronto.
— Já?
— Já. Acho que poderei me arranjar sozinha. De modo
que pelas duas da madrugada estarei aí com a pasta.
— Mas nós deveríamos ajudá-la...
— Não é necessário. Vai ser muito fácil, acredite.
Sobretudo, não se movam dessa villa, pois não quero
estar só quando isto termine.
— Ficaremos à sua espera, não se preocupe. Mas creio
que não deveria ir sozinha. Por que arriscar-se...?
— Insisto em que não preciso de ajuda. Não haverá
dificuldade. Mas, por favor, esperem-me aí. Levarei a pasta,
que devolveremos a Savoritchenko... vazia, claro, pois
ficamos com os planos de sabotagem.
— Boa brincadeira! — riu Johnny.
— Não é? Bem, até logo, Johnny.
Fechou o rádio, deixou-o no assento contíguo e tornou a
olhar pelo retrovisor para o carro que a estava seguindo
desde que deixara Abdel, na Avenida de Espanha.

Sétimo

"O Mirante"
Finalmente, parou o carro num estacionamento que
encontrou por acaso atrás do Boulevard Pasteur, bem perto
do “Hotel Tânger”. Saltou, dirigiu-se a pé para o bulevar e
prosseguiu até a praça onde estava “O Mirante”, fazendo
caso omisso dos olhares com que a seguiam os homens
sentados nos cafés, que ocupavam boa parte da calçada.
Súbito, dobrou a esquina, rapidamente, como se
estivesse disposta a correr. Ficou colada à parede, imóvel, e
três segundos mais tarde sorriu para o homem que
apareceu apressado, olhos muito abertos. Ele petrificou-se
ao vê-la, tão surpreendido que não houve lugar para
dissimulação.
— Posso servi-lo em alguma coisa? — perguntou ela, em
francês.
O marroquino, vestido à europeia, olhou para todos os
lados e passou a língua pelos lábios.
— Perdão, madame... — balbuciou.
— Está me seguindo desde a Avenida de Espanha. Por
quê?
— Não, madame, não...
— Vamos, não seja idiota. Se quisesse fazer-me algum
mal, não teria esperado chegar até aqui, eu sei. Não deseja
atacar-me, mas quer algo de mim... De que se trata?
— Mas, madame, asseguro-lhe...
— Que tal mil dólares? — interrompeu-o Brigitte.
O homem engoliu em seco.
— Estava seguindo-a, madame, com efeito.
— Já nos vamos entendendo. Por quê?
— Pensei que me pagaria certa informação sobre os
homens que está procurando.
— Agora, nos entendemos melhor... — sorriu Brigitte.
— Tem essa informação?
— Oui, madame.
— Como soube que me interesso por esses homens?
— Bom... É a concorrência, madame.
— A concorrência?
— Sim... Nós sabemos que Abdel e outros fazem alguns
trabalhos... estranhos. Nós também fazemos. Correu o
rumor, eu vigiei Abdel depois de averiguar onde estão esses
dois homens e assim quem lhe pagava para conseguir essa
informação.
— Compreendo. Mas sinto por você: Abdel já me passou
a informação.
— Ah! Tive pouca sorte... — sorriu o marroquino. — Fica
para outra vez, madame. Desculpe se a incomodei, mas
meu trabalho...
— Não se preocupe — quase riu Baby. — Os espiões de
araque como você não me incomodam.
— Cada um vive como pode, madame.
— Sem dúvida. Compreendo isso e lamento que sua
informação já não me seja necessária. Entretanto, gostaria
de... confirmar a informação de Abdel. Embora, claro —
acrescentou rapidamente —, isso não valha mil dólares.
— Quanto vale? — perguntou o marroquino.
— Mmm... Cem dirhans?
— Madame...
— Está bem: quinhentos.
— Posso vê-los, madame?
Brigitte abriu a maletinha, sacou sua carteira, separou
cinco cédulas de cem dirhans e estendeu-as ao homem, que
de imediato fê-las desaparecer.
— Por esta quantia, madame, só lhe posso dizer que
tome muito cuidado se for à Kasbah. Especialmente à noite.
— A Kasbah? — ela pestanejou. — Por que hei de ir lá?
— Não está procurando esses dois homens?
— Estão na Kasbah?
— Claro. Sei disso muito bem e... — o homem mordeu os
lábios. — Não foi o que lhe disse Abdel?
— Não.
Agora foi o marroquino quem pestanejou, desconcertado.
— Bom, não sei... Asseguro-lhe que não a estou
enganando, madame. Dizem meus informantes que há dois
homens na Kasbah... Dois homens brancos, bem entendido.
Estão lá há alguns dias, escondidos, ao que parece.
— Exatamente onde, na Kasbah? Sabe?
— Sei, sei... — o homem pôs-se a rir. — Mas madame não
os encontraria lá!
— Você sim?
— Claro que sim!
Ela o olhou atentamente, antes de falar.
— Antes lhe ofereci mil dólares... Quer ganhar dez mil?
— Posso vê-los?
— Não os tenho aqui, mas isto não é problema.
Precisará apenas seguir-me, sem me perder de vista,
como esteve fazendo. Compreende?
— Oui, madame.
Brigitte assentiu com a cabeça, consultou o relógio e
regressou à calçada do Boulevard Pasteur, agora sem se
virar, pois sabia perfeitamente que o marroquino não a
perderia de vista. Pouco depois, chegou a “O Mirante”, o
bonito café cujo andar superior tem as paredes de vidro.
Subiu, sentou-se a uma mesa junto às vidraças e
acendeu um cigarro. Nem sequer piscou quando o
marroquino apareceu, ocupando outra mesa. Olhou para a
pequena praça onde se amontoavam dezenas de famílias
marroquinas, sentadas no chão, nos bancos, sobre a
balaustrada que permite ver o mar, com uma formosa vista
sobre o porto e a praia.
Quase meia hora mais tarde, quando ela já tinha fumado
três cigarros e bebidos duas xícaras de chá com menta,
apareceu um homem branco, de elevada estatura e
corretamente vestido. Trazia uma pasta de couro na mão
esquerda. Olhou ao redor, viu Brigitte e aproximou-se
lentamente.
— Baby? — perguntou.
— Está vinte minutos atrasado, Johnny.
— Desculpe. Houve uma pequena contrariedade no
aeroporto de Madri. Contudo, você deve admitir que
trabalhamos depressa.
— Receberam os dados que pedi a Washington?
— Recebemos. Por curiosidade: como se arranjou para
enviar o pacote à Central?
— Ontem à noite estive no aeroporto, procurei um piloto
que fosse para Nova Iorque e entreguei-lhe o pacote e um
bilhete, tudo muito bem embrulhado. Disse-lhe que no
aeroporto Kennedy estariam à sua espera e que teria
apenas que entregar o pacote para receber mil dólares.
Depois telefonei ao meu chefe, disse-lhe que fosse esperar
o piloto e enviasse o pacote à Central, ou que o levasse
pessoalmente, com a máxima urgência. Uma vez obtidos os
dados que pedia, deviam enviá-los pelo rádio a Madri para
que um de nossos agentes os trouxesse aqui no “O
Mirante”, esta noite às nove... São nove e vinte.
— Sinto muito, mas não foi culpa minha. Quer os dados
agora?
— Por favor. Trouxe dinheiro?
— Também. E não foi fácil. Johnny-Madri abriu a pasta e
sacou uma bem menor, que entregou a Brigitte. Esta abriu-a
e, no mesmo instante, pareceu esquecer-se do homem que
tinha à sua frente. À medida que ia vendo, seu rosto perdia
a cor. Depois examinou mais, fotos obtidas pelo rádio.
— Você está bem? — perguntou-lhe Johnny.
— Não... Para falar a verdade, sinto-me bastante mal. Já
suspeitava disto, inclusive muito mais do que consta aqui,
mas... Não me agrada este tipo de verdade.
— Gostaria de poder ajudá-la em alguma coisa.
— Conhece Tânger?
— Bem pouco. Só estive aqui rapidamente, uma vez.
— Bem... Está armado?
— Mão me atrevi a trazer uma arma. Já era suficiente o
dinheiro.
— Sim, claro... Quanto trouxe?
— Vinte e cinco mil. Mas, se precisarmos mais,
conseguirei.
— Temos o suficiente. Não se ofenda, Johnny, mas que
espécie de agente é você? De ação ou dos outros?
— Você bem sabe que quando Baby pede apoio nunca
lhe mandam agentes dos outros, salvo recomendação
expressa. Digamos — ele riu — que sou dos que estão
dispostos a tudo. Mesmo sem armas.
Brigitte virou-se, fez sinal ao marroquino, que os
observava atentamente, e ele se aproximou, sentando-se
na cadeira que ela lhe indicou.
— Como é seu nome?
— Moussa, madame.
— Está bem, Moussa eu lhe pagarei dez mil dólares, se
me puder conseguir em menos de meia hora o seguinte: um
carro, um revolver, roupas marroquinas para mim e dois
homens com enxadas e pás. Além disso, você me levara a
Kasbah, exatamente à casa onde estão esses dois homens.
Pode?
— Oui, madame.
— Em meia hora?
— Oui, madame. Venho apanhá-la aqui?
— Estarei esperando na rua, dentro de trinta minutos
exatamente.

Oitavo

A branca aparição...
O carro passou diante do letreiro que, em letras brancas
sobre fundo azul, indicava o caminho para Kasbah.
Continuou, para deter-se depois do fim da Rue de la
Kasbah, bem perto do Instituí Pasteur.
— Aqui está bem, madame?
— Está.
Moussa virou-se e olhou fixamente aquela jovem
belíssima, que sem a menor inibição havia tirado suas
roupas europeias, ficando com as duas diminutas peças
íntimas. Ela abriu então sua maletinha e tirou um pequeno
pote no qual introduziu dois dedos de cada mão,
começando a esfregar o rosto. Em poucos segundos esse
escureceu, enquanto o atônito marroquino se perguntava
como era possível que seus cabelos loiros se tivessem
tornado pretos.
Naturalmente não lhe poderia ocorrer que a madame
tivesse lavado a cabeça com seu shampoo especial,
Assombrou-se mais ainda quando a viu colocar aqueles
pequenos vidros nos olhos e, envolvendo-se no branco
manto marroquino que ele lhe proporcionara, ficar
transformada numa nativa, sobretudo após haver ocultado
com o véu branco a metade inferior do rosto. A última coisa
que ela fez foi cobrir a maletinha com uma capa preta,
antes de ocultá-la sob o manto e olhou para ele.
— Em marcha — disse-lhe. — Até logo, Johnny... Fique
atento.
— Você é absurda... — murmurou Johnny-Madri. — Eu é
que deveria ir.
Brigitte não lhe fez caso. Saltou do carro; Moussa fez o
mesmo. Caminharam pela rua um tanto sinuosa e cada vez
mais estreita, até chegar a um pequeno arco a partir do
qual se encontrariam na Kasbah propriamente dita.
Atingiram, uma pequena praça, onde havia um formoso
bazar brilhante de luzes. Em frente, a prisão de La Medina.
Ao lado, o palácio do sultão. Quando penetraram em ruas
mais estreitas, ainda pareceu que o mundo escurecia mais e
mais. Logo adiante, já não podiam caminhar lado a lado, tal
a estreiteza das ruas, de modo que Moussa seguiu na
frente.
O mau cheiro era quase insuportável. .
Dois homens cruzaram com eles, colando-se à parede.
Seus olhos cintilavam, mas Moussa grunhiu algo em
árabe e sua atitude um tanto provocante desapareceu.
Finalmente, talvez na mais miserável e tortuosa das ruas,
o marroquino deteve-se diante de uma porta, que indicou
com o polegar. Toda a luz que ali havia provinha de uma
lâmpada situada na esquina.
— Vigie — sussurrou Brigitte. — Quando eu entrar, faça-o
também, mas fique junto à porta.
Tirou da maletinha a mais grossa de suas gazuas, pois
tinha visto que a fechadura era grande, arcaica. Apesar
disto, não tardou mais de dez segundos para abri-la.
Guardou a gazua, empunhou a pistolinha e entrou,
seguida do marroquino, ao qual entregou a maleta. A porta
ficou fechada atrás deles e a escuridão era total. Um
delgado feixe de luz brotou da mão esquerda de Baby, como
um raio perfurando as trevas. Ao mesmo tempo ela
avançava... e seu joelho chocou-se contra alguma coisa. Um
som de madeira ao ser arrastada pelo chão.
E em seguida uma voz, no interior, perguntando algo em
árabe. Depois se acendeu uma luz (...) que se aproximavam,
Brigitte colocou-se rapidamente ao lado do arco que tornava
mais escura a estrada para a vivenda depois do corredor.
Acendeu-se outra luz, muito mais perto de modo que
Moussa ficou completamente iluminado. Sua expressão era
de puro pavor.
Os passos aproximavam-se, devagar. Uma sombra
projetou-se no corredor e Baby se encetou mais à parede.
Pela expressão de Moussa compreendeu que o perigo
estava muito perto...
Aconteceram várias coisas ao mesmo tempo ouviu a
exclamação de um homem que sem dúvida acabava de ver
Moussa, apareceu um braço com uma pistola na mão e o
braço direito de Baby moveu-se velozmente, de modo que
sua pistola golpeou aquela mão... Tudo isso num segundo.
No segundo seguinte, enquanto o homem deixava
escapar um grito abafado e soltava a pistola, ela deslizava
para suas costas e aplicava-lhe uma violenta joelhada nos
rins, derrubando. Mas antes que ele chegasse ao chão,
sentiu-se agarrado pelo pescoço. Quis desvencilhar-se, mas
a pressão, aumentou.
Crac.
Com o pescoço partido e solto por Brigitte, o árabe caiu
de bruços, morto instantaneamente.
Ela empurrou sua pistola para Moussa, que (...) se
inclinando, o marroquino apanhou a arma — Mohamed? —
ouviu-se, mais no interior da casa.
Brigitte quase saltou sobre Moussa.
— Responda que já vai — sussurrou-lhe.
Vez rouca, Moussa pronunciou algumas palavras em
árabe, enquanto ela avançava para o interior da casa.
Quando deixou para trás o que parecia sala de jantar e
cozinha ao mesmo tempo, encontrou-se em outro corredor,
a cuja direita havia luz. Procurando fazer com que suas
pisadas fossem claramente ouvidas, dirigiu-se para lá,
enquanto tornava a soar a voz do mesmo homem, em
árabe, certamente perguntando alguma coisa.
Apareceu de súbito na entrada daquele cubículo.
A surpresa foi mútua.
O homem que esperava ver surgir Mohamed viu chegar
uma branca aparição desconhecida. E Baby, que contava
encontrar outro árabe, viu, sentado num catre, um homem
branco, atlético, ruivo, nu da cintura para cima.
Os dois saíram ao mesmo tempo de sua surpresa. E ao
mesmo tempo reagiram. O homem saltou para o tamborete
onde estava um coldre que continha uma pistola e seus
dedos cravaram-se em sua culatra. Baby encontrou muito
menos dificuldade em sua reação; teve apenas que apertar
o gatilho.
Plop.
Ele recebeu a bala na têmpora esquerda, caiu sobre o
tamborete e ficou estendido de costa. Durante uns
segundos, Brigitte permaneceu imóvel, olhos fixos no
cadáver.
Finalmente aproximou-se e fixou aqueles olhos azuis,
arregalados numa expressão de imensa surpresa.
Estava certa de que não havia mais nenhum inimigo
naquela casa, de modo que chamou: — Moussa... Moussa!
— Di-diga, madame... — o marroquino apareceu no
umbral.
— Procure os outros dois pela casa. Vamos.
— Oui-oui, madame!
Ele desapareceu do umbral e Baby foi até o tamborete,
onde estavam as roupas do homem branco. Desdenhou a
pistola e dedicou-se a procurar nos bolsos. As roupas eram
de má qualidade e velhas, como convinha a quem não
quisesse chamar muita atenção, se frequentasse a Kasbah.
Encontrou o rádio de bolso, dinheiro, alguma munição,
cigarros, fósforos, documentos com o nome de Pierre
Latour... Documentos falsos, naturalmente. Ela podia farejar
um agente do MVD de Washington a Moscou.
— Madame, eu... eu encontrei.
Virou-se como um raio e Moussa tornou a sobressaltar-se.
Viu apontar para a direita e caminhou para lá, atrás dele.
Ao fundo, havia uma porta muito grossa, que
evidentemente o marroquino havia aberto.
Quando entrou, encontrou-se num quarto de quatro
escassos metros quadrados. Em frente à entrada,
amarrados a grossas pranchas sujas de sangue, como
animais imundos, viu dois homens. Estavam quase nus e
tinham sangue seco por toda parte. Seus cabelos formavam
uma pegajosa massa devido aos coágulos de sangue e seus
rostos tumefactos estavam cheios de equimoses. Tinham os
olhos quase fechados. Uns olhos que brilhavam mortiços,
através das pálpebras inflamadas, fixos naquela branca
aparição. Uns olhos que mal se viam, mas o suficiente para
poder distinguir-se no fundo de suas pupilas a expressão de
terror, de espanto infinito.
Brigitte aproximou-se lentamente, ajoelhou-se diante
deles e retirou o véu que ocultava a metade de seu rosto.
Depois tirou o capuz e, por último, as lentes de contato.
Então o azul maravilhoso de seus olhos resplandeceu.
Os dois homens viram o belíssimo rosto moreno diante
deles. E ouviram a doce voz: — Que tal se formos dar um
bonito passeio, rapazes?
Uma luz de esperança apareceu naqueles olhos que a
fitavam.
— Baby? — murmurou una deles, num tom de absoluto
assombro.
— Você não deveria surpreender-se, Johnny... — sorriu
ela. — Desde quanto eu abandono meus rapazes?

Johnny-Madri tinha levado o carro para perto da saída da


Kasbah, de acordo com as instruções de Baby, e quando viu
aparecer quatro pessoas em vez de duas, lançou uma
exclamação de incredulidade. Pôs o motor em marcha e,
apeando rapidamente, foi ao encontro dos que chegavam
Duas daquelas pessoas já conhecia, certamente. As outras
duas vestiam velhas camisolas muito pequenas para sua
estatura, mas que arrastavam pelo, chão, pois curvavam-se
muito para frente, parecendo que só se podiam conserva:
de pé devido à ajuda que recebiam. E quando viu os rostos
daqueles dois, ao ajudá-los a entrar no carro, sentiu um
arrepio percorrer-lhe a coluna vertebral.

— Santo Deus... — murmurou.


— Os médicos da CIA os deixarão novos outra vez,
Johnny — disse Baby. — O importante é tirá-los daqui. E
quanto antes nos afastarmos da Kasbah, melhor... — Cheira
mal.
Johnny-Madri pôs-se ao volante, Moussa sentou-se a seu
lado e Brigitte ocupou o assento traseiro, entre os dois
agentes resgatados.
— Dê-me sua carteira, Johnny — pediu Brigitte.
Ele estendeu-a para trás, sem desviar a atenção do
trajeto. Brigitte abriu-a, separou uns maços de cédulas e
entregou-os ao marroquino.
— Dez mil dólares, Moussa.
— Merci, madame! — ele embolsou-os mais que
depressa. — Merci!
— Você saltará na Rua Josaphat, pois não iremos agora
para o centro de Tânger. Amanhã poderá apanhar seu carro,
ou talvez esta mesma noite. Tem os dois homens prontos,
com as pás e enxadas, como lhe pedi?
— Oui, madame.
— Então, já sabe aonde deve ir com eles, e a que horas.
Com certeza poderei devolver-lhe o carro então.
— Oui, madame. Mas está confiando muito em mim: já
me pagou...
— O que realmente valia a pena já está feito. E você fez
a sua parte. O resto, pode fazer ou não, mas espero que
faça... Não gostaria de me aborrecer com você, Moussa.
— Non, madame... — sobressaltou-se o marroquino. —
Não gostaria que se aborrecesse comigo!
— Estamos chegando ao cruzamento de Josaphat —
avisou Johnny-Madri.
Brigitte assentiu com a cabeça.
— Até logo, Moussa.
Este saltou e, em seguida, o carro prosseguiu, afastando-
se efetivamente do centro da cidade.
— Bastam-lhe quinze mil dólares, Johnny. Creio que isso
será o suficiente.
— Mais que o suficiente — afirmou Johnny-Madri. — Não
se preocupe: encontrarei uma avioneta, ou um helicóptero...
Esteja certa de que não tardaremos muito a chegar à nossa
base de Rota.
Um dos homens do banco traseiro tinha tombado, de
súbito, sobre Brigitte, que o amparou, levando depois a mão
ao seu pescoço cheio de crostas de sangue e soltando um
suspiro de alívio.
— Está morto? — alarmou-se o outro espião — Desmaiou
apenas — disse Brigitte, mantendo abraçado o corpo inerte
de seu companheiro. — Este eu não vou perder, Johnny.

Nono

O mesmo que apanhar água com peneira 


Johnny II olhou o relógio e franziu a testa.
— A que horas ela disse?
— Às duas.
— Tem certeza?
— Claro. Que há com você?
— São quase duas e um quarto.
— Ela disse que voltaria às duas... — resmungou Johnny
I. — E conhecemos bem essa mulher: nada poderá detê-la.
Seria demasiado casualidade que fracassasse justamente
nesse trabalho.
— Pois está se atrasando.
— Ela disse: por volta das duas horas...
— Não discutam mais! — protestou Sergei Savoritchenko.
— Seria estúpido perder a paciência a esta altura.
Johnny I e Johnny II olharam-no com certa irritação. A
conversa entre eles desenrolava-se em russo.
— Nem todos temos sangue de peixe como você, Sergei.
— Pois deveriam ter.
— Talvez. Mas parece que você está esquecendo uma
coisa: trata-se da agente Baby.
Savoritchenko sorriu ironicamente.
— É uma pobre idiota... — opinou. — Pergunto-me como
pôde sobreviver até agora. É absurdo. Só posso pensar que
teve como inimigos agentes ainda mais idiotas do que ela.
— Será melhor que você não se faça de esperto, Sergei
— murmurou Johnny I. — Essa mulher exerce a espionagem
há quinze anos. Já interveio em casos da maior
envergadura. Nós o sabemos melhor do que ninguém. E se
pensarmos nesses quinze anos de espionagem...
— Pura sorte.
— Parece-me sorte demais: quinze anos atuando com
absoluto sucesso em todo o mundo. Ela me disse que gosta
de ter a cabeça sobre os ombros e devemos reconhecer que
conseguir isso durante tanto tempo, não pode ser uma
questão de sorte. Para lhe ser mais sincero, fiquei gelado
quando soube que ela seria enviada a Tânger. Acho-a um
pouco demais para nós.
— É apenas uma mulher — contrapôs Savoritchenko.
— E não das mais espertas, tenho certeza. É fantástico
que tenha conseguido escapar de todas as armadilhas que
lhe preparamos durante todos estes anos. A última foi
inegavelmente a mais sutil. E também escapou.
— À qual se refere?
— Vocês não estavam em Moscou, naturalmente. E não
foi dada publicidade ao assunto. Imagino, entretanto, que
tenham ouvido falar de Val Angelof.
Os dois olharam-no espantados.
— Quem não ouviu falar do camarada Angelof? É o
melhor homem que temos, sem sombra de dúvida.
— Talvez os nossos chefes já não pensem assim e
atribuam o qualificativo de melhor a outro, depois disto.
— Refere-se a você mesmo? — sorriu ironicamente
Johnny II.
— Claro. Baby zombou da maneira mais fantástica de Val
Angelo*. Neste momento, ele está no Havaí “desfrutando”
as férias de três meses que pediu para meditar e refazer-se
do choque mental que seu fracasso lhe produziu. Quanto '-
mim, não creio que me aconteça nada parecia'-e, quando
regressar a Moscou...

*Ver UM TIRO NA ALMA, vol. 139 desta coleção.


Calou-se de súbito. Todos olharam para a janela. Fora,


ouviu-se com toda a clareza a chegada de um carro, Johnny
I correu à janela, olhou o exterior e virou-se, rosto tenso.
— É ela... — murmurou. — E traz a pasta: — Tratem de ir
recebê-la, depressa. E se dentro de um minuto vocês não
tiverem subido até aqui, é que a pasta que ela traz é s.
nossa...

A porta se abriu e Baby entrou na casa. Olhou para Johnny I,


sorrindo alegremente.

— Olá, Johnny! Tudo bem por aqui?


— Tudo bem... Você conseguiu?
— Com efeito — Brigite levantou ao mesmo tempo a
pasta e sua maletinha vermelha ornada de flores azuis. —
Aqui está tudo.... Olá, Johnny.
Johnny II aproximou-se, sorrindo com expressão jubilosa.
— Sabíamos que você não podia falhar... — afirmou. —
Mas estava se atrasando e pensamos...
— Tolices — riu ela. — Como você bem disse, eu nunca
falho. Mas estou cansadíssima. Vamos sentar-nos
comodamente, por favor... Não lhes surpreende o fato de
que já não sou loura?
— Nada nos surpreende, a esta altura! — riu Johnny I.
— Vamos ver esses planos!
Entraram na sala e ela deixou-se cair numa poltrona,
soltando um suspiro. Tirou os sapatos e moveu os dedos dos
pés, ronronando de prazer.
— Estavam cheios de areia. Gosto de areia, mas quando
estou de biquíni... Que tal se celebrarmos nosso êxito?
— Com quê? — sorriu Johnny I. — Em casa de um árabe é
pouco provável que se encontre algo decente para beber e
a garrafa de vodka se quebrou.
— Eu penso em tudo — afirmou Brigitte. — Vejamos...
Abriu sua maletinha, após colocá-la sobre a mesa. Sacou
uma garrafa de vodka e um copo. Depois ergueu as
sobrancelhas, com ar aborrecido.
— Diabo! — riu Johnny II. — Isto é formidável...
— Não muito. Comprei outra garrafa de vodka, mas sou
tão egoísta que só pensei num copo para mim. Vocês se
importam de beber diretamente da garrafa?
— Preferiríamos uísque, mas, enfim...
— Pois eu adoro vodka... — riu Baby. — Quase se poderia
pensar que sou russa!
Riram os três. Johnny I tomou a garrafa e bebeu um
longo trago, com evidente prazer. Depois a passou ao seu
companheiro, que se apressou a imitá-lo. Enquanto isso,
Brigitte abrira a pasta e estava examinando um montão de
papéis escritos em russo.
— Isto parece interessante... — murmurou. — Mas não
posso garantir que sejam os planos verdadeiros. Chamem
Savoritchenko, por favor.
— Não é necessário que se incomodem — disse o russo,
aparecendo na porta, sorridente.
Baby virou-se para ele, que a olhava com uma expressão
levemente zombeteira. Ela virou a cabeça para os dois
Johnnies e mordeu os lábios, ao ver que ambos lhe
apontavam suas pistolas.
— Mas que... que...? — balbuciou.
— Poupe-se o assombro — disse Savoritchenko. — Você é
nossa prisioneira.
— Ma-mas... não entendo... Eles...
— Eles são tão russos como eu mesmo.
— Não! — gritou Brigitte. — Mentira!
— Vamos, vamos... Deve-se saber perder com
esportividade, Baby. Todos temos a nossa hora. Chegou o
fim da carreira da agente Baby. Espero que se dê conta de
que não sou como Val Angelof... Não a percam de vista.
Aproximou-se e tomou a pasta, enquanto os Johnnies
cobriam Brigitte com suas armas. Após uma breve olhadela
aos documentos, moveu a cabeça, satisfeito.
— Ótimo! — exclamou. — São os planos
autênticos. Obrigado por tê-los conseguido para nós, Baby.
Durante uns segundos, esta olhou de um para outro, no
auge da perplexidade. Por fim, murmurou: — Não
compreendo nada...
— Pois não é muito difícil — riu Savoritchenko.
— Vocês me enganaram... Por Deus, não entendo como
isto pôde acontecer... Parece impossível...
— Tudo é possível em espionagem.
— Vão me matar?
— Infelizmente, teremos que fazê-lo. Seria muito
complicado levá-la viva para Moscou. Levaremos apenas
sua linda cabeça.
Brigitte tinha os lábios trêmulos.
— Sempre temi a chegada deste dia... — murmurou. —
Espero saber perder, Sergei. Mas gostaria de saber como
isso foi possível...
Sergei Savoritchenko tocou a testa com um dedo.
— Inteligência pura e simples. Capacidade de
improvisação. Astúcia, audácia, coragem... Enfim, todas
essas coisas que fazem um bom espião. Posso começar por
dizer-lhe que não foi Igor Fiodorovitch quem matou seu
companheiro na velha casa da rua Hasnona: fui eu.
— Você? Mas...
— Ora vamos... Aconteceu assim: os três traidores
conseguiram chegar a Tânger e, por meio de um cúmplice
que já os esperava, obtiveram a onda em que operavam os
rádios da CIA na cidade. Chamaram Muley Hassim e
ofereceram-lhe os planos de sabotagem. Hassim chamou
Johnny e este, apesar de encontrar-se sozinho em Tânger,
achou que o assunto era demasiado bom para esperar, indo
ao encontro de Fiodorovitch. A essa altura nós já tínhamos
localizado este e, como receávamos que se o agarrássemos
os outros dois sumissem, ficamos à espera. Mas eram muito
espertos. Cada um estava escondido em um lugar diferente.
— Que aconteceu com Johnny?
— Bom, ele foi àquela casa e, enquanto meus
companheiros — indicou Johnny I e Johnny II — ficavam
embaixo, eu subi cautelosamente... Por infelicidade, fiz
barulho e, quando cheguei em cima, compreendi o que
acontecera: Fiodorovitch, ao me ouvir, suspeitou de uma
cilada, golpeou Johnny e fugiu. Encontrei este tentando
levantar-se, pelo que lhe apliquei um pequeno golpe nos
rins, derrubei-o novamente, tirei-lhe a pistola e matei-o com
ela.
Sorriu, serviu-se de vodka no único copo, bebeu um trago
e estalou a língua, antes de prosseguir.
— Depois desci, meti-me no meu carro e então meus
companheiros me chamaram avisando que o marroquino
me tinha visto. Assim, afastei-me e deixei ali meus
companheiros, à espreita. E aconteceu que, horas depois,
chegaram outros dois agentes da CIA, que se reuniram com
Mordecai junto ao cadáver de Johnny. Estivemos vigiando-
os, inclusive quando remeteram o corpo de Johnny para os
Estados Unidos, muito discretamente. Em seguida Mordecai
e os dois agentes vieram a esta vila e nós os seguimos. Era
claro que os da CIA estavam pedindo uma explicação a
Hassim. Ignoro que explicação este lhes deu, pois, quando
os vimos sair daqui, resolvemos atacá-los. Mordecai morreu
de dois balaços, o carro foi de encontro a uma árvore e nós
retiramos os dois da CIA, que estavam sem
sentidos. Metemos os três em nosso carro e voltamos à villa
para esperar que os agentes americanos tornassem a si e,
todos bem dominados, nos dissessem tudo quanto sabiam
sobre o paradeiro de Fiodorovitch... Quer dizer, dos outros
dois... Foram muito teimosos.
— Você matou todos eles? — perguntou Brigitte.
— Somente Muley Hassim, seus criados e esposas. Os
cadáveres, juntamente com o de Mordecai, repousam no
jardim, sob bonitas flores. Não lhe ocorreu isso?
— Não... Mas havia aqui um Mordecai...
— Era um amigo nosso, que se fez passar por Mordecai
quando soubemos que você ia chegar.
— Impossível... Abdel devia conhecer a voz de
Mordecai...
— O nosso amigo não dizia a Abdel e aos outros
colaboradores da CIA que ele era Mordecai, mas um amigo
deste, e alegava que Mordecai não podia comunicar-se com
eles. Por isso insistiam tanto em vê-lo.
— Compreendo... e quando já parecia inevitável que
Abdel visse o falso Mordecai quando este fosse comigo,
vocês simularam toda aquela luta para matá-lo.
— Exato. Lamentável, mas necessário.
— E que... que se passou com os outros dois agentes da
CIA? Também os mataram?
— Não. Neste momento ainda devem estar vivos, bem
vigiados por outro companheiro, em lugar seguro. Eles
resistiram bastante, mas conseguimos "convencê-los" a nos
dizer tudo o que sabiam, já senhores do transmissor de
Tânger, para nos mantermos ao corrente do que se decidia
nos Estados Unidos, soubemos que seria enviada a agente
Baby. Tive então uma grande ideia: prosseguirmos com o
controle da situação. Meus dois companheiros, que como eu
falam perfeitamente o inglês, ocuparam o lugar dos dois
agentes americanos. Quanto a mim, tinha apenas que
deixar-me capturar, para explicar a você como ia o assunto
e convencê-la de que os três traidores não queriam
negociar com a CIA, quando, pelo contrário, sua intenção
era justamente esta, coisa que naturalmente eu não podia
permitir. Assim, quando você foi se avistar com Fiodorovitch,
dei a entender a Johnny — indicou o sorridente Johnny I —
que devia impedir qualquer conversa entre os dois. Por isso
Johnny o matou. Queríamos apenas que você encontrasse
os outros dois, utilizando todos os colaboradores da CIA.
Estes o que realmente fizeram foi trabalhar para nós. Mil
vezes obrigado, Baby!
— Agora compreendo por que os três traidores se
escondiam: estavam convencidos de que vocês dominavam
completamente a situação em Tânger.
— Claro. E tudo graças a você. A propósito, ainda não me
interessei pelos dois traidores Ivan Ovanikov e Georgi
Vlady... Que é feito deles?
— Estão bem.
— Bem? — Savoritchenko arqueou as sobrancelhas.
— Sim. Amanhã, eles e eu partiremos para Washington,
num avião especial.
Os três russos trocaram olhares de perplexidade.
— Está louca? — perguntou Johnny I.
— Não, não creio — sorriu Brigitte. — Depois de libertar
meus dois autênticos Johnnies daquela pocilga da Kasbah,
fui ao Cabo Espartel, às doze em ponto, convenci os dois
traidores de que era da CIA e podíamos fazer um trato.
Assim, chegamos a um acordo, eles me entregaram a pasta
e já não escaparão na barca de pesca para a Espanha, mas
viajarão comigo para Washington amanhã cedo. Quer dizer
— olhou seu relógio —, dentro de quatro ou cinco horas.
Sergei Savoritchenko e os outros dois estavam como se
lhes tivesse caído em cima um tonel de água gelada.
— De que está falando? — perguntou finalmente o
primeiro.
— De minha própria jogada, Sergei... Vocês sentem
alguma coisa?
— Mas... Que está dizendo realmente? — insistiu Johnny
II.
— Está louca, se pensa mesmo tomar esse avião... —
murmurou Johnny I.
— Em absoluto. Eu nunca perdi um avião. Sobretudo, de
regresso à casa. A propósito, espero que vocês não tenham
ainda comprado passagem para Moscou. Seria um gasto
inútil.
— Vou lhe...! — investiu Johnny II.
— Espere! — deteve-o Savoritchenko. — Ela está falando:
deixemos que termine.
— Muito obrigada — sorriu Baby. — E quero também
agradecer-lhes pelos duzentos e cinquenta mil dirhans que
me conseguiram para Abdel. Deseja que eu continue
falando, Sergei? Pois aí vai: está vendo este copo de vodka?
— Que tem o copo?
— Não é o mesmo em que você bebeu a outra vez... Não:
não porque se quebrou com a garrafa. Aquele primeiro copo
simplesmente desapareceu.
— Desapareceu?
— Quando saí ontem à noite, levei-o comigo. Por meu
próprio sistema velocíssimo, enviei-o a Washington. E esta
noite, às nove, tive a resposta quanto às impressões digitais
que nele havia: eram idênticas às encontradas na pistola de
Johnny, segundo foi meticulosamente comprovado. Essa
notícia, remetida a Madri, foi-me enviada diretamente ao “O
Mirante”. Vão compreendendo, colegas? Assim se trabalha
em alta espionagem.
— Você... sabia que eu matei Johnny?
— Soube-o com certeza há algumas horas. Mas,
enquanto isso, já tinha suspeitado que algo não ia bem:
perguntas indiscretas dos Johnnies, menção ao nome de um
companheiro diante de mim, certo sotaque russo de Johnny
I, que o tentou justificar por uma prolongada permanência
na Rússia... Por outro lado, Johnny II comprometeu-se a
vigiar a conversa entre você e qualquer companheiro seu
que o chamasse pelo rádio. Como o poderia fazer, se
ignorava o russo? Depois a precipitada morte de
Fiodorovitch, a comédia encenada para eliminar
Mordecai... Ora vamos, cavalheiros: estavam tratando com
a agente Baby!
— Eu bem disse! — exclamou Johnny I. — Não seria
normal ter tanta sorte durante quinze anos de espionagem!
— Calma... — atalhou Savoritchenko. — Calma. Ela
demonstrou que é muito esperta, de acordo. Mas nós temos
os planos de sabotagem e...
— Certo — concordou Brigitte. — Vocês têm os planos,
mas umas microfotos dos mesmos já saíram para a Rota e
de lá irão diretamente a Washington. Sergei ia dizer que
vocês também têm a mim. Ora, isso é o mesmo que
pretender apanhar água com uma peneira... Bem, o
trabalho foi bom, colegas: vocês utilizaram a CIA, mas é
esta quem leva as vantagens, ou melhor, levo-as eu, Baby.
Mas vejo que são na verdade fortes! Fisicamente, pelo
menos — consultou seu relógio... Ah! Parece que chegou o
momento: sente-se mal, Johnny I?
Este se havia crispado bruscamente e seu rosto estava
lívido. Soltou a pistola, levou as mãos ao ventre e dobrou os
joelhos, caindo depois de bruços. Ainda não havia chegado
ao chão, quando Johnny II seguiu o mesmo processo de
crispar-se, empalidecer, cair de joelhos, depois de bruços:
Tão lívido como seus dois companheiros, Sergei
Savoritchenko conseguia ainda reagir. Olhou para Baby, que
o contemplava inexpressivamente.
— Veneno — explicou ela. — Um pouco de excelente
veneno no vodka, Sergei. Dentro de duas horas, uns
homens virão aqui com pás e enxadas para enterrá-los no
jardim.
Os olhos do russo cravaram-se na pistola de Johnny I,
caída no chão, bem perto dele. Com um movimento rápido,
apanhou-a, apontando-a para Brigitte.
Plop.
Durante uns segundos ela permaneceu imóvel,
empunhando a pistolinha que retirara da maleta. Depois
tornou a guardá-la, enquanto Sergei Savoritchenko tombava
de costas, um orifício vermelho bem no centro da testa.
Ela se levantou da poltrona. Com uma das mãos,
apanhou a maletinha e a pasta. Com a outra, o copo vazio
de vodka. Aproximou-se do cadáver de Sergei e disse em
voz alta: — Eu o prometi sobre rosas vermelhas, colega:
quem mata um Johnny, jamais terá meu perdão.
Deixou cair o copo. Acabou de esvaziar a garrafa de
vodka sobre os cadáveres dos três russos, depois a atirou a
um canto. Teria sido uma brincadeira de mau gosto deixar
aquela bebida envenenada ali para Moussa e seus amigos...
De muito mau gosto, com efeito.

Epílogo

Nenhum avião com carga especial...


Charles Pitzer, chefe do Setor Nova Iorque da CIA, olhou
uma vez mais seu relógio, com visível impaciência.
Havia já dez minutos que tinha chegado o avião
procedente de Washington, de modo que...
— Aí vem ela — anunciou Johnny.
E embora lhe desse uma cotovelada, Pitzer não
reclamou, limitando-se a recomendar: — As rosas.
Johnny tomou o magnífico ramo de rosas vermelhas:
exatamente duas dúzias. Desceram dos banquinhos que
ocupavam diante do balcão do bar da sala de espera dos
voos internacionais e dirigiram-se para a pessoa que tinham
estado guardando.
— Tio Charlie! — exclamou ela, quando ambos chegaram
à sua frente. — Como foi gentil vindo receber-me! E com
rosas vermelhas... Olá, Johnny!
— Olá — sorriu o espião. — Você está lindíssima.
— Eu sei, querido... Foram avisados de Washington de
que eu chegava neste avião?
— Realmente.
— Bem... Mas por que essa cara séria, tio Charlie?
— Ele ainda está preocupado — murmurou Johnny. —
Você não vai acreditar, mas tem sofrido de pesadelos por
causa de você.
— Como? Eu produzo pesadelos, Johnny?
— Bem... Quis dizer que todas as noites tinha pesadelos
nos quais você lhe aparecia em terríveis perigos...
— Oh, que tolice! Nunca me acontece nada, só com
meus queridos Johnnies... — seu rosto tornou-se sombrio.
— Tio Charlie, quem você está esperando aqui?
— Você.
— Somente a mim? Nenhum outro avião com... carga
especial?
— Nenhum, Brigitte, tranquilize-se.
— Puxa! Cheguei a ficar assustada... Aposto como vão
me levar para casa em seu carro. Eu lhes pagarei
oferecendo-lhes um pouco de vodka. Sim, é uma boa ideia:
estou precisando de um pouco de vodka. É algo que sempre
me faz muito bem...

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