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DADOS DE ODINRIGHT

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UM
Uma história em quadrinhos

Contrariamente ao que se poderia temer, dada a fama


dos espanhóis neste sentido, nenhum deles se aproximou
da jovem recém-chegada aos serviços alfandegários do
Aeroporto Transoceânico de Barajas para dizer-lhe chalaças,
nem sequer fazer elogios apaixonados à sua beleza, muito
embora ela bem os merecesse.
Pois era a criatura mais bela que já fora vista ali. Corpo
escultural, longos e naturalmente ondulados cabelos
negros, encantadores lábios róseos e uns olhos azuis
resplandecentes Entretanto, foi atendida com absoluta
seriedade e cortesia, além de um amplo sorriso de boas-
vindas que de nenhum modo excedia os limites da correta
amabilidade. Quando muito, já de saída à vasta sala de
espera, um empregado deu uma cotovelada em outro e um
dos guardas em uniforme cinza olhou o companheiro que
estava mais além e por um instante ergueu os olhos para o
céu.
Isso foi tudo.
Com exceção de um rapaz que, enquanto ela aguardava
imóvel com sua única maleta aos pés e uma graciosa
maletinha vermelha ornada de flores azuis na mão
esquerda, aproximou-se, ficou olhando-a fixamente a dois
passos de distância e, súbito, disse:
— Vou denunciá-la à polícia.
A viajante dos mais belos olhos do mundo olhou o rapaz,
entre surpreendida e sobressaltada.
— Perdão? — murmurou em espanhol.
— Digo que vou denunciá-la à Polícia, miss.
— Não compreendo...
— Eu lhe explico: acaba de chegar à Espanha e já nos
roubou alguma coisa.
— Eu? — pestanejou ela, — Desculpe, mas estará me
confundindo com outra pessoa..
— Não, amiguinha, não... Acaba de chegar e já nos
roubou dois pedaços do céu de Madri! — indicou seus olhos,
acrescentando simplesmente: — Celestiais!
E se afastou, muito tranquilo. Depois de alguns passos,
virou-se sorrindo e piscou um olho.
A viajante também sorria, divertida. Mas seu sorriso
desapareceu quando viu o homem alto, de cabelos louros,
que chegava naquele momento, olhando para lodos os
lados... até que a avistou. Aproximou-se imediatamente,
olhou a maletinha, os olhos azuis únicos no mundo e
perguntou em voz baixa:
— Baby?
— Sim.
— Sou Johnny. Posso levar sua maleta?
Ela assentiu e o chamado Johnny encarregou-se da
maleta da mais fabulosa espiã de todos os tempos.
Abandonaram o edifício do aeroporto e pouco depois,
ambos já no carro, saíam do estacionamento, sem haver
trocado mais nenhuma palavra.
— Torrejón fica bem perto — disse subitamente Johnny,
atento ao volante. — Em direção oposta a Madri, claro.
— Eu sei. Isso tem importância?
— Talvez você gostasse de ver Madri...
— Conheço Madri e, achando-a embora uma cidade
simpática, não tenho nenhum interesse especial em vê-la
neste momento.
— Compreendo. Por sorte, estas coisas não acontecem
amiúde... E talvez seja por isso que quando acontecem nos
sentimos tão tristes... e furiosos. Você traz alguma instrução
especial?
— Não. Segundo entendo, tenho que pôr-me ao corrente
do assunto com o material que vocês me facilitarão. Está
tudo preparado para o transporte?
— Está, O avião parte para Nova York quando você
disser. Bem, desviamos agora. Chegaremos em dois
minutos.
Johnny exibiu o passe e não tiveram a menor dificuldade
em chegar de carro o mais perto possível do avião de carga
do Exército americano, que esperava na extremidade de
uma das pistas. Os dois saltaram ao mesmo tempo, foram
até o aparelho e o oficial que esperava junto a este assentiu
com a cabeça quando Johnny lhe fez um sinal. Este e Baby
subiram ao grande avião de transporte, indo diretamente à
parte destinada à carga. Lá estavam dois homens sentados
sobre uns fardos, fumando. Puseram-se de pé e olharam
com curiosidade para a famosíssima espiã, mas nenhum
disse nada. Sabiam muito bem que estavam sem sorte: pela
primeira vez entravam em contato com Baby. mas em
circunstâncias tais que era muito pouco provável ela lhes
desse uma demonstração de seu simpático humor. Nem
sequer se atreviam a esperar um sorriso. Azar.
Mas sempre há quem tenha pior sorte. E isto se
evidenciou quando Johnny foi até a grande caixa de madeira
e levantou a tampa, colocando-se a um lado. Do outro lado,
de modo a poder ver perfeitamente o conteúdo da caixa,
colocou-se Baby. Os três homens a contemplavam
fixamente, em silêncio. Não viram nenhuma expressão
especial naqueles olhos azuis. Talvez um brilho adicional,
parecendo anunciar a chegada de alguma Lágrima... que
não chegou.
Rosto imperturbável, ela esteve contemplando o cadáver
do homem que havia na caixa. Um homem de
aproximadamente trinta e cinco anos, cabelos
avermelhados, rosto um tanto sardento, queixo forte... Seu
rosto parecia de cera, bem como suas grandes mãos,
cruzadas sobre o ventre.
— Quer ver os ferimentos nas costas? — perguntou
Johnny.
— Não. Deixêmo-lo em paz.
Johnny assentiu com a cabeça. Baby pôs a mão sobre as
do cadáver. Certamente devido à frieza destas, sua mão
estremeceu ligeiramente. Mas acariciou-as durante alguns
segundos, enquanto murmurava:
— Fique em paz para sempre, Johnny... Adeus,
companheiro; adeus, espião...
Afastou-se, fez um sinal e Johnny baixou a tampa.
Consultou seu relógio.
— Meu avião parte dentro de hora e meia, Johnny.
Então, ele — indicou a caixa — já deve estar a caminho
de casa.
— Será como você diz.
— Bem. Que informações têm vocês para mim?
— Na verdade, nenhuma. Estão à sua espera em Veneza,
que foi onde tudo aconteceu. Lá a porão ao corrente do
assunto. Nós, os de Madri, tudo quanto tínhamos que fazer
era esperá-la para satisfazer seu desejo de ver o cadáver.
— Já o vi.
Hora e meia mais tarde, a espiã internacional
empreendia novo voo. Seu olhar estava fixo, perdido no
espaço. Seus pensamentos também estavam fixos. Fixos
naquele homem, aquele Johnny, que morrera assassinado
pelas costas, em Veneza.*
Ao que parecia, nem sempre a morte era doce em
Veneza.
Estava anoitecendo quando a agente Baby foi recebida
por outro Johnny, esta vez no Aeroporto Marco Pólo. Não
houve perguntas a respeito da identidade de miss Brigitte
Montfort, porque o homem que a estava esperando já a
conhecia e, claro, nunca mais a esquecem.
— Sinto muito tornar a vê-la nestas circunstâncias —
murmurou o Johnny de turno, estendendo a mão.
Brigitte assentiu com a cabeça, aceitando-lhe a mão.
— Vocês continuam no mesmo lugar, Johnny?
— Continuamos. Mas esta vez iremos de lancha,
diretamente. Assim, evitaremos atravessar Veneza, coisa
que não precisamos fazer.
— De acordo.
Assim, cruzaram a baía de lancha, chegaram à Ilha de
Santa Elena já noite fechada e, após deixar a embarcação
no canal que tem o nome da ilha, foram obrigatoriamente a
pé até a Calle Sabotino, onde, no número 6, Brigitte
Montfort estivera alguns meses atrás. Na casa esperavam
os outros agentes, que a receberam com sobriedade, mas
sem poder ocultar sua alegria por tomar a vê-la. Tinham
preparado o jantar, à base de pizza e carne assada. E,
lembrando-se das preferências da espiã, havia uma garrafa
de Valpolicella, à temperatura adequada. Seu empenho em
agradá-la era tão grande e evidente que Baby acabou por
sorrir.
— Está certo — admitiu. — Nem podemos salvar nossos
companheiros, portanto, aceitemos os fatos. Não serve de
nada alimentar a tristeza. Só duas coisas podemos fazer por
Johnny. Primeira: saber por que o mataram.
Segunda: esmagar os que o fizeram.
Terminado o jantar, passaram ao pequeno living, onde,
para assombro de Baby, havia um balde prateado contendo
uma garrafa de champanhe Perignon 55 no gelo.
Um dos Johnnies dispôs-se a abri-la, mas erguendo a
mão ela o deteve, movendo negativamente a cabeça.
— Não, Johnny. Deixaremos esta garrafa para quando
tivermos vingado nosso companheiro e concluído o que ele
começou.
— Está bem. Quer ver primeiro as fotografias, ou prefere
escutar a explicação?
— Primeiro a explicação.
— Okay. Encontramos nosso companheiro, já mono,
numa lancha que flutuava na baía, à deriva, não muito
longe daqui. A lancha nos era totalmente desconhecida e
quando tentamos pô-la em marcha, demo-nos conta de que
já não tinha combustível. Johnny estava estendido de bruços
no convés, com o rádio de bolso ainda na mão. Tinha dois
balaços nas costas e ainda estava quente.
— Ele os tinha chamado pelo rádio de bolso?
— Com efeito. Dois de nós estávamos aqui e recebemos
o chamado. Quase não entendemos o que nos dizia. Sua voz
estava fraca e soava rouca, arquejante... Praticamente, já
era um homem morto quando nos chamou. Mas
compreendemos que se encontrava numa lancha, para
nordeste, assim tomamos a nossa e fomos lá. Passava um
pouco das duas horas da madrugada quando ele nos
chamou. Quando o encontramos, era mais de três e meia.
— E o corpo ainda estava quente?
— Um pouco, sim. Quando deixou de dar-nos as
indicações, devia ter perdido os sentidos, mas está claro
que ainda tardou um pouco a morrer, esvaindo-se em
sangue.
— Compreendo. Já averiguaram de quem era a lancha?
— Pertencia a um rapaz, filho de um comerciante de
Veneza, que nela fora com sua noiva a uma festa em
Treporti, a uns dez ou doze quilômetros daqui, para a
esquerda do Lido. No dia seguinte ele deu parte do roubo,
pelo que nos desfizemos dela.
— Afundaram-na?
— Sim. O comerciante é rico: comprará outra para o filho.
Sabemos onde está e podemos alcançá-la de mergulho, se
você quiser, mas no momento qualquer detalhe que possa
indicar Johnny não será visto por ninguém.
— Perfeito. Pensaremos nisso mais adiante. Por
enquanto, podemos pensar que alguém perseguia Johnny,
disparou contra ele, acertou-lhe duas vezes, mas o nosso
companheiro conseguiu saltar para a lancha e escapar.
Pediu ajuda, mas já não foi possível salvá-lo. Isso, já que a
lancha que roubou estava em Treporti, aconteceu lá.
— Exato.
— Bem. Que fazia Johnny em Treporti?
Os agentes da CIA entreolharam-se.
— Não sabemos — respondeu finalmente o que estava
dando as explicações.
— Não sabem?
— Não. Ele não nos tinha dita nada.
— Mas em alguma coisa devia estar ocupado...
— Rotina. Já lhe dissemos que em Veneza não acontecem
coisas de importância.
— Pois aconteceu que o mataram. A propósito: tinha ele
sua arma?
— Tinha.
— Havia atirado com ela?
— Cinco vezes, exatamente.
Brigitte ficou pensativa uns segundos. Por fim, assentiu
com a cabeça.
— De que fotografias vocês me falaram?
— Das que encontramos na microcâmara do isqueiro de
Johnny. Nelas creio que temos uma boa pista. Ao que
parece, ele as estava tirando, quando foi surpreendido, teve
que escapar e... Quer vê-las com o projetor? Poderá apreciar
melhor todos os detalhes.
— Okay.
Poucos segundos depois, as fotos eram projetadas na
parede do living às escuras, destacando-se com
extraordinária nitidez. Primeiro apareceu um pequeno
povoado todo branco, junto ao mar.
— É Treporti — explicou Johnny —, já nos certificamos
disso. E também esta outra... e esta... — foram passadas
mais duas fotos. — A objetiva foi-se deslocando cada vez
mais para a esquerda, acompanhando a costa... E aí tem a
vila.
A quarta fotografia mostrou uma esplêndida vila junto à
praia. Era protegida e separada desta por um extenso gradil
de ferro, dentro do qual via-se um formoso jardim.
— Quem mora aí? Já sabem?
— Jarif Ibn Maula.
— Quem?
Apareceu a foto seguinte. Evidentemente, fora tirada do
outro lado do gradil, diante da entrada da casa, onde estava
parado um grande carro negro. Pela maior longitude das
sombras das árvores, era fácil compreender que fora feita
bem mais tarde. As fatos seguintes mostravam sempre o
carro e, em cada uma delas, uma mulher saía dele. Ao todo,
quatro mulheres, todas elas vestidas à maneira árabe, mas
com o rosto descoberto. O chofer, que mantinha a porta
aberta, também era árabe. Ao saírem do carro, as mulheres
dirigiam-se para a casa. Ao fundo, uma curta escada
branca, no alto da qual estava um indivíduo que, ao ser por
fim enfocado diretamente, revelou-se impressionante. Era
um árabe alto, de belo rosto, nariz aquilino, cabelos longos,
grandes olhos inteligentes. Um tipo atlético. Seus dentes,
entrevistos por entre a espessa barba, eram branquíssimos.
Súbito, o rosto daquele homem apareceu enchendo todo
o quadro da projeção .
— Este é Jarif Ibn Maula.
— Mas, quem é? Vocês sabem?
— É um xeque bastante conhecido. Possui uma boa
quantidade de poços de petróleo em seu país e, certamente
para gastar um pouco do muito dinheiro que ganha
diariamente, costuma passar curtas temporadas na Europa.
Esta vez escolheu Veneza. Está instalado há pouco mais
de uma semana nesta vila, com quatro esposas,
empregados e secretários. Veja-o agora — nova troca de
fotografia — passeando pelo jardim com suas quatro
esposas. Agora, aproxima-se da piscina. Agora passeia pelo
rosal...
— Parece que olha para cima, não?
— Isso logo será explicado... Veja, aqui está Jarif Ibn
Maula enviando suas esposas de volta à casa. E agora —
nova troca de fotografia — ele aparece com um de seus
secretários. Os dois entram na casa. Mas — outra foto —
tornam a sair quando, a julgar pela luz do dia, ainda não
decorreu muito tempo. Nesta outra, ambos estão olhando
para cima e nesta — nova troca — sabemos finalmente por
que: veja o helicóptero.
Com efeito, na foto seguinte um helicóptero. Depois,
outra foto mostrando o mesmo helicóptero já em terra, com
Jarif Ibn Maula e seu secretário junto a ele. Outra foto
mostrava dois homens conversando com o xeque;
indubitavelmente, os que tinham chegado no helicóptero.
Também pareciam árabes, embora vestissem à europeia
com notável naturalidade. Um deles era baixo e grosso. O
outro tinha um enorme nariz de gancho e uma testa tão
estreita que cabia duvidar da existência de um cérebro
humano. Mais duas fotos dos quatro personagens,
conversando junto ao helicóptero. Depois o aparelho
elevando-se. Depois o xeque e seu secretário entrando na
casa. Fim.
— Se aconteceu algo mais — disse Johnny, acendendo a
luz da sala —, Johnny não o pôde fotografar, pois já era
noite. Bem: que acha de tudo isto?
— Parece que Johnny se interessou de um modo especial
por esse Jarif Ibn Maula e o esteve fotografando da praia,
depois de seu próprio jardim. Devem tê-lo visto e ele
escapou, sendo perseguido... Dispunha ele de uma lancha?
— Claro. Em Veneza, quem não possui uma lancha está
perdido.
Por que teve que roubar outra?
— É possível que não tenha podido alcançar a sua.
Devem ter-lhe cortado o caminho, pelo que ele recorreu
à do filho do comerciante veneziano, talvez já feitio — Foi
encontrada a lancha de Johnny em Treporti?
— Sim, nós a encontramos.
Novamente Brigitte ficou pensativa.
— Bom — disse por fim não sabemos nada de nada, mas
pelo menos dispomos de um ponto de partida para nossas
investigações. Está claro que Jarif Ibn Maula tem algo a ver
com a morte de Johnny. É muito possível que este tenha
conseguido algum dado que lhe fizesse suspeitar do árabe.
Afinal de contas, o nosso xeque pode ser um espião.
— Sim — admitiu Johnny. — Mas que faz em Veneza um
espião árabe? A que pode dedicar-se aqui?
Baby moveu negativamente a cabeça.
— Não sei... E o helicóptero? Sabem algo dele?
— Por ora, não. Mas enviamos fotos a companheiros de
outros lugares e temos a esperança de que uni dos nossos
tenha visto esse aparelho, ou um dos indivíduos que iam
nele.
— Seria magnífico. Johnny não lhes disse nada do que
estava fazendo, não os chamou enquanto tirava as fotos, ou
ao dirigir-se a Treporti? Não lhes mencionou Jarif Ibn Maula,
ou...
— Nada, em absoluto.
— Ele era reservado?
Os três agentes ficaram atônitos.
— Reservado com relação a nós?
— Sim.
— Claro que não! Estávamos há tempo trabalhando
juntos. Ele fazia frequentes viagens entre Veneza e Trieste,
servindo de ligação entre os dois grupos quando era
necessário enviar algo importante de um ponto a outro. Eu
julgaria absurdo pensar que ele soubesse algo e nada
Comentasse a respeito. Semelhante tolice ele não praticaria
jamais...
— Exceto esta vez — cortou Brigitte.
— Decerto não lhe foi possível comunicar-se conosco...
— E o fez quando estava moribundo?
Novamente os três espiões se entreolharam. O chefe do
pequeno grupo murmurou:
— Bom, não sei...
— Eu tampouco. E parece-me que o único modo de
inteirar-nos de algo será perguntando-o ao elegante xeque
Jarif Ibn Maula.
Os três Johnnies ficaram de boca aberta, até que
finalmente um deles sorriu.
— Suponho que esta seja uma de suas brincadeiras,
Baby.
— Nada mais longe de meu pensamento que brincar,
Johnny.
— Oh, compreendo... Mas isto é absurdo. Como poderá ir
perguntar-lhe..
— Jarif Ibn Mania tem quatro esposas, não é assim?
— É. Por quê?
— Estava pensando — agora Baby sorriu, parecendo
muito divertida — que um homem capaz de ter quatro
esposas não sofrerá nenhum sobressalto ante a
possibilidade de ter cinco.
*ver DOCE MORTE EM VENEZA
DOIS
Uma tainha disposta a morder a isca
Aquela noite houve inusitada atividade e animação no
restaurante Quadri, de Veneza, possivelmente um dos mais
caros da cidade e, sem dúvida alguma, dos mais elegantes.
Instalado no alto da Piazza, sua situação era privilegiada
para gozar dos mais belos panoramas que possam oferecer
a mundialmente famosa Pérola do Adriático.
O primeiro acontecimento foi a chegada do elegante, viril
e multimilionário xeque Jarif Ibn Maula, que tinha mandado
reservar uma mesa. Uma mesa bem grande, pois
naturalmente não chegou só. Trouxera consigo um séquito
composto de suas quatro esposas, seus dois secretários,
dois forçudos guarda-costas e o que parecia ser seu chefe
de relações públicas, um árabe miúdo e sorridente, de
pequenos olhos astutos e chamado Abdala Ismir, que de
maneira expedita organizou a instalação do chefe
muçulmano e seus acompanhantes, prescindindo com
altivez dos serviços do maitre.
Naquele ambiente elegante, o aparecimento de tais
personagens foi uma novidade não destituída de certo
exotismo, dada a indumentária tipicamente árabe do xeque
e seu séquito. Todos os olhares dos presentes fixaram-se
nos recém-chegados. As mulheres contemplavam com não
pouca admiração aquele gigante barbudo de dentes
branquíssimos e aspecto senhoril, tão atraente e correto. Os
homens dedicaram-se, claro que com grande discrição, a
examinar as quatro belas esposas, que, dispensando o véu,
deixavam ver o rosto com grande recato, olhar sempre
baixo.
O miúdo e ágil Abdala Ismir encarregou-se de tudo:
escolheu os pratos, cuidou do serviço dos garçons, foi
pessoalmente encomendar a fruta na cozinha, certificou-se
de que havia leite de cabra... Claro está, nem o vinho nem
qualquer bebida alcoólica deviam ser mencionados sequer
naquela mesa de crentes maometanos. Mas, sem dúvida,
uma refeição esplêndida pode ser confeccionada sem o
recurso de Baco.
O último a sentar-se à mesa foi Abdala, que logo
participou da conversa do xeque com seus dois secretários,
enquanto os guarda-costas, um a cada extremidade da
mesa, exerciam discreta vigilância a seu redor.
Talvez por isso, por prestar mais atenção ao que ocorria
na vasta sala, foram os primeiros a dar-se conta do segundo
acontecimento. E ficaram literalmente estupefatos de
admiração.
O segundo acontecimento foi uma mulher.
Completamente só, envolta num agasalho de
branquíssimo arminho, em contraste com os negríssimos
cabelos, caminhou até uma pequena mesa, precedida pelo
maitre, tirou o agasalho exibindo um decote sensacional e
sentou-se. Por um minuto, a tensão ambiente pareceu
atingir seu clímax. Depois as conversas retomaram seu
curso normal e os olhares masculinos começaram a desviar-
se da formosa recém-chegada.
Todos, menos um. O do xeque Jarif Ibn Maula. Rosto
inescrutável, lábios apertados, o árabe parecia não poder
afastar daquela mulher seus olhos de ônix. Como se
estivesse distraída, ela dirigiu um olhar à sua mesa. Um
relâmpago azul, que pareceu, por um instante, inundar de
luz a alma do muçulmano. Só um instante. Em seguida,
seus olhos deslizaram pelas esposas do xeque, mostrando
agora uma certa curiosidade talvez misturada de leve
ironia.
Depois se dedicou a examinar o refinado cardápio do
Quadri, enquanto um garçom impecável permanecia a seu
lado como uma estátua. Ela não parecia ter dúvidas a
respeito do jantar, pois o pediu em dois segundos, sem
hesitação. O garçom inclinou-se, disposto a se afastar, mas,
retido por um gesto, olhou um momento a mesa dos árabes
e disse algumas palavras, retirando-se em seguida. Com ar
indiferente, ela acendeu um cigarro, mas enquanto isto,
olhou com rapidez para o xeque.
Este que não a perdera de vista uni momento sequer,
sorriu levemente, ao mesmo tempo em que inclinava a
cabeça.
Uma hora mais tarde, ela terminara o jantar. Jarif Ibn
Maula estava um tanto irritado, pois parecia ter sido
relegado ao esquecimento por aquela beldade do ocidente,
que não o olhara mais nem uma vez sequer.
Por fim, a estupenda criatura fez um sinal ao garçom, pôs
a mão sobre a bolsa dourada... e tornou a fazer um sinal ao
garçom, indicando-lhe que esperasse. Tomou a bolsa e
abandonou a sala. Pouco depois entrava no toalete,
encerrava-se num dos compartimentos e abria a bolsa.
Tirou um maço de cigarros, puxou um deles e murmurou: —
Alô.
— Baby, encontramos o helicóptero.
— Ótimo trabalho, Johnny. Onde está?
— Em Trieste, no aeroporto. Nossos companheiros de lá
também viram os dois caras da foto: o gorducho e o da
testa estreita.
— A que se dedicam eles, Johnny?
— Ainda não se sabe. Estão sendo vigiados, claro. Mas se
você quiser, darei ordem para que os capturem.
— Não. Avise os de Trieste para que nada façam sem
receber instruções minhas. Esse helicóptero veto uma vez a
Veneza e talvez torne a fazê-lo. Esperaremos, pois parece
que minha parte se está realizando de modo aceitável. Seria
capaz de jurar que Jarif Ibn Maula já está pensando naquela
quinta esposa... ou algo parecido. Enquanto isso, que os de
Trieste vigiem esses dois árabes e consigam um helicóptero
para o caso de ter que segui-los. Que também continue sob
vigilância a vila de Jarif. É tudo, por ora.
— Nada mais?
— Nada, Johnny. Chamarei quando acontecer alguma
coisa.
Baixou o cigarro, guardou o maço na bolsa e saiu do
toalete. Pouco depois tornava a sentar-se à sua mesa,
fazendo novo sinal ao garçom, que se aproximou
pressuroso.
— A conta, por favor — pediu em perfeitíssimo italiano.
— Não há nenhuma conta. signorina — sorriu o garçom.
— Como? Não compreendo...
— O xeque Ibn Maula pede licença para pagá-la como
uma pequena homenagem à sua beleza... São suas próprias
palavras, signorina.
A signorina pestanejou lindamente, hesitou... Olhou para
Jarif, que, está claro, tinha os negros olhos fixos nela.
Houve uma nova hesitação... Por fim, ela sorriu, acenou
um leve agradecimento ao xeque e levantou-se.
Quando saiu do restaurante, nem um só homem deixou
de pensar que o ambiente havia perdido todo o interesse.
Todos, sem exceção, teriam saído atrás dela... mas
nenhum teve esta sorte. Quem o fez foi um dos secretários
do xeque, após receber um significativo olhar deste, que
compreendeu imediatamente.

Às onze e meia da noite o secretário chegou à vila, onde, no


grande living, esperavam-no o xeque, os dois guarda-costas
e o miúdo Abdala Ismir, todos fumando e tomando café.

Jarif Ibn Maula olhou-o vivamente.


— Então? — perguntou.
— Chama-se Monique Lafrance e está hospedada na
suíte 17 do Gritti Palace. É francesa, procedente de Nice,
mas natural de Paris. Viaja sozinha e, ao que parece, por
prazer... E deve ser assim.
— Por que diz isso, Ahmed?
— Porque esteve mais de duas horas passeando de
gôndola pelos canais e detendo-se às vezes em lugares
típicos, onde havia música de guitarras e canções das que
se chamam românticas.
— Compreendo — sorriu o xeque. — Ela percebeu que
você a seguia?
— Claro que não. O senhor bem sabe que sempre faço as
coisas de modo.
— Bem, bem. Amanhã faremos uma surpresa a
mademoiselle Lafrance. E para que tudo seja... segundo o
estabelecido, você se encarregará disso, Abdala.
Abdala Ismir, que tinha a testa franzida, franziu-a ainda
mais.
— Ouça, Ibn Maula, não estamos em Veneza para
dedicar-nos a essas coisas. Se acaso o esqueceu, lembro-lhe
que não sou simplesmente seu encarregado de relações
públicas, mas..
— Sei muito bem que você é um espião e que todos
estamos trabalhando aqui para a causa árabe, Abdala.
Concordei em ajudar o serviço secreto egípcio por
solidariedade árabe e farei o que seja necessário. Tenho
seguido ao pé da letra suas indicações, não é assim?
— É, mas... o momento não me parece conveniente para
procurar mulheres.
— Não creio que uma coisa tenha algo a ver com outra.
Além disso, meu comportamento lógico seria justamente
interessar-me por essa mulher. Deve-se combinar o trabalho
com o prazer.
Ao que parece, Ibn Maula, ainda não compreendeu que a
espionagem não pode ser combinada com coisa alguma.
Meu trabalho...
— Seu trabalho não vai sofrer dificuldades por você
representar a todo o momento o papel de meu encarregado
de relações públicas. Estou fazendo algo para o Egito,
certamente em benefício de todas os árabes. Por isso,
pergunto: um árabe não pode fazer nada por mim?
Abdala Ismir moveu desaprovadoramente a cabeça, mas
disse:
— Que quer que eu faça como seu relações públicas?
— Você fará uma agradável surpresa a mademoiselle
Lafrance. E não tenho a menor dúvida de que ela e eu nos
tornaremos a ver muito em breve...

Possivelmente, Jarif Ibn Maula teria gostado de ver Monique


Lafrance naquele exato momento, quando livre de toda a
roupa abria o armário onde estava seu equipamento recém-
adquirido em Veneza. Escolheu um espetacular baby doll
negro e vestiu-o, dando a impressão de ter ficado mais nua,
ou pelo menos de uma seminudez ainda mais sugestiva.
Após fechar o armário, dirigiu-se para a cama.

Pela janela, embora fechada, chegavam os ruídos do


canal, que a muitas pessoas produziam insônia, mas não a
ela.
Abriu a bolsa em busca de um cigarro e arqueou as
sobrancelhas ao perceber as vibrações do maço idêntico ao
que antes adquirira no Quadri.
— Alô.
— Baby, aqui é Johnny III. Chamei-a antes para dizer que
esse árabe e seu séquito tinham voltado, menos um...
— Oh, sim. Eu lhe disse que ele estava me seguindo,
Johnny, e que não se preocupasse. Acaso aconteceu algo
interessante?
— Não sei. Apenas queria dizer-lhe que ele já voltou.
— Claro. Averiguou onde está hospedada mademoiselle
Monique Lafrance. Vá dormir, Johnny.
— Dormir? — exclamou o agente da CIA.
— E descanse bastante. Eu queria que o xeque me visse
esta noite e, assim, amanhã teria me apresentado em sua
vila, dizendo-lhe que sou jornalista e que gostaria de
escrever algo sobre ele. Mas, no pé em que estão as coisas,
creio que isso não será necessário: ele mandará alguém à
minha procura.
— À sua procura? — assombrou-se Johnny.
— Exato. O ilustre muçulmano pretende pescar-me, como
se eu fosse uma tainha. Pois estou disposta a morder a isca,
seja esta qual for. Boa noite, Johnny.
Fechou o rádio, acendeu um cigarro, apagou a luz e
esteve fumando, sorrindo divertida, Quando terminou de
fumar, aconchegou-se na cama. Cinco segundos de. pois,
tinha adormecido, sem se perturbar absolutamente com os
ruídos do Grande Canal.
TRÊS
Quem nas fauces de quem
Estava olhando uma vez mais seu relógio quando,
finalmente, soou a batida na porta da suíte.
— Puxa... Já era tempo — murmurou — quase meio-dia.
Fechou bem a bata, meteu a mão direita no bolso,
empunhando sua nova pistolinha perfeitamente idêntica à
que perdera duas semanas antes, durante o caso de Rom
Nanticoke*, e foi até à porta, pensando em como era fiel aos
objetos. Perdidas sua pistolinha de coronha de madrepérola
e sua maleta vermelha com toda a parafernália habitual,
nem sequer perguntara se havia algo melhor: pedira
equipamento idêntico ao seu fornecedor da CIA ... e assunto
resolvido.
Com expressão inocente, mas disposta a atirar através
da bata se as coisas não acontecessem como esperava,
abriu a porta. Não se surpreendeu em absoluto, embora
qualquer pessoa fosse capaz de jurar que estava
surpreendida.
Diante dela, o miúdo personagem de olhos astutos que
na noite anterior vira dirigindo o jantar do xeque, no Quadri.
— Que deseja? — pestanejou.
— Bom dia, mademoiselle Lafrance — saudou o
homenzinho, em muito aceitável francês. — Sou Abdala
Ismir. Talvez não se lembre de mim, mas ontem à — Sim,
sim, lembro-me do senhor. Era a pessoa mais ativa do grupo
do xeque, no restaurante.
— Muito amável sua definição. Digamos que sou o
encarregado das relações públicas de meu chefe, o xeque
Jarif Ibn Maula.
— Um cavalheiro muito amável. Segundo creio, não nos
tínhamos conhecido nunca; entretanto, incumbiu-se de
minha despesa... Oh, senhor Ismir: tenha a bondade de
entrar.
— Muito obrigado.
Abdala Ismir entrou na suíte e, após fechar a porta, ela
olhou-o cortesmente, embora não conseguisse ocultar sua
“grande surpresa”.
— Imagino — sorriu o árabe, — que esteja se
perguntando o motivo de minha visita em hora tão matinal.
— Matinal? Mas se já é quase meio-dia... Não repare por
não me encontrar vestida, senhor Ismir. É que sou muito
preguiçosa.
— Privilégio que bem merece desfrutar pessoa tão bela,
mademoiselle.
Monique Lafrance sorriu encantada.
— É sumamente gentil, senhor Ismir. Bom, não quero
parecer-lhe indelicada, mas... Tal como disse, estou me
perguntando realmente a que devo sua visita.
— Venho na qualidade de representante do Grande
Xeque Ibn Maula, claro — Ismir meteu a mão sob sua ampla
veste e Baby colocou a pistolinha horizontalmente no bolso;
em seguida compreendeu que não precisaria atirar, quando
Ismir sacou um estojo de veludo vermelho.
— Sua excelência, com todo o respeito, envia-lhe esta
pequena prova de simpatia.
Mademoiselle Lafrance tomou o estojo, abriu-o... e um
milhão de luzes pareceu brotar de seu interior. Um fabuloso
colar de platina e diamantes brilhava ante seus olhos,
ofuscando-a.
Por fim, quase a ponto de desmaiar, ela balbuciou: —
Mon Dieu... Mas... que é isto, monsieur?
— Como disse: uma pequena prova de simpatia da parte
do xeque.
— Uma pequena prova...! É a coisa mais formosa que já
vi na vida!
— Ao que parece, meu chefe não está de acordo com
isso: para ele, nada existe que possa igualar a formosura de
mademoiselle.
— Oh!
— E suplica-lhe que aceite seu presente.
— Seu presente? — Monique cambaleou e deixou-se cair
sobre o sofá. — O senhor está dizendo que... que isto... é
para mim?
— Naturalmente, mademoiselle.
— Mas... deve haver um erro! Nunca conheci o xeque,
não sei quem e... Nem ele sabe quem sou... O senhor deve
estar fazendo alguma confusão...
— Nenhuma, asseguro-lhe — sorriu o árabe, olhinhos
brilhando. — O colar é seu.
— Não, não... Impossível. Não o posso aceitar! Isto deve
valer uma fortuna!
— Para nós, sim. Para o xeque, é uma bagatela. Ele
possui tantos poços de petróleo em nosso país, que nem
sequer poderia contá-los. E sendo o petróleo uma coisa feia
e malcheirosa, gosta de empregar seus lucros na aquisição
de coisas belas. Meu chefe sofreria um grande desgosto se
mademoiselle não aceitasse esta modesta dádiva.
— Bem, não sei... É que não compreendo por que o faz...
— Talvez ele possa explicá-lo pessoalmente.
— Ele?
— O xeque sabe que mademoiselle gosta de passear de
gôndola, por isso permitiu-se a liberdade de esperá-la numa
delas, aqui mesmo, diante da Praça de São Marcos... Em Il
Molo.
— O senhor Ibn Maula está me esperando... a mim?
— Exato, mademoiselle. Seria uma grande honra para ele
passear em sua companhia, numa gôndola, pelos canais de
Veneza.
— Mas... ainda nem me vesti...
— Nós, os árabes, somos dotados de grande paciência,
mademoiselle. Posso dizer ao meu chefe que irá a seu
encontro quando lhe for possível?
— Sim... Oh, sim! Mas não se vá, senhor Ismir. Estarei
pronta em poucos minutos e, assim, me levará aonde ele
espera... É possível?
— Perfeitamente, mademoiselle.
Monique Lafrance dirigiu-se ao quarto, ainda “aturdida”,
enquanto Abdala Ismir dispunha-se a esperar
resignadamente a longa hora que ela tardaria a considerar-
se preparada para enfrentar o xeque.
E quase deu um salto no sofá quando, apenas três
minutos mais tarde, ouviu-a dizer às suas costas: — Estou
pronta, senhor Ismir.
Ficou estupefato ao vê-la já vestida, com um pequeno
abrigo azul, sapatos da mesma cor, bolsa da mesma cor...
Tudo fazendo jogo com seus fantásticos olhos azuis.
Saíram do hotel, diretamente para a borda do Molo, Ismir
um pouco atrás e à esquerda dela, indicando um grupo de
gôndolas. O canal estava repleto de embarcações de todo o
tipo, desde as clássicas gôndolas esguias, até os pequenos
motoscaji velozes, os traghetti ou gôndolas-balsas e os
vaporetti, grandes, que faziam as funções de ônibus
naquela cidade aquática.
Enquanto parecia admirar tudo isto, ainda um tanto
alheada, mademoiselle Lafrance, realmente, havia olhado
para trás duas vezes... Quando olhou a terceira, sempre tão
discretamente, tornou a ver o mesmo homem, caminhando
atrás deles, com as mãos nos bolsos, cabeça baixa, mas
evidentemente sem os perder de vista. Era alto, de ombros
largos, vestido de modo vulgar, com uma jaqueta de couro,
blue-jeans desbotados e sapatos esporte. Seus cabelos
louros eram crespos, rebeldes...
— Por aqui, mademoiselle.
Finalmente, Abdala deteve-se junto à borda do cais,
indicando uma gôndola em cujo assento esperava o Grande
Xeque Jarif Ibn Maula, rosto impassível em sua expressão
senhoril. Ao vê-la, ergueu-se imediatamente e estendeu-lhe
a mão. Ela saltou a bordo e olhou-o com tímido sorriso. Sem
lhe soltar a mão, ele disse em perfeito francês:
— Alá seja louvado por toda a eternidade... Foi generoso
comigo, atendendo às minhas súplicas.
— Monsieur...
— Já terminei minha oração do meio-dia e, como Alá
concedeu-me um favor, dele desfrutarei: refiro-me à sua
companhia, mademoiselle Lafrance.
— Eu... não sei que dizer...
— Logo teremos muito o que falar — sorriu o xeque; fez
um sinal a Ismir, que inclinou a cabeça e afastou-se para a
Praça de São Marcos, enquanto Monique via o homem dos
cabelos louros ir atrás dele e Ibn Maula, havendo ordenado
ao gondoleiro que se pusesse em marcha, dizia: — Permita-
me ajudá-la.
Ajuda desnecessária. Ela acomodou-se na discretíssima
cabina da gôndola e o árabe, sentando-se a seu lado, olhou-
a sorridente.
— Senhor Ibn Maula, quem...
— Por favor — ele ergueu uma das mãos. — Peço-lhe que
me chame simplesmente Jarif. Posso chamá-la Monique?
— Oh, sim, claro! Mas, como dizia, quero agradecer seu
presente, mas não sei... Pergunto-me se devo aceitá-lo. Não
compreendo por que o fez.
O chefe árabe carregou o cenho.
— Ao que parece, Abdala não soube explicar tudo o que
sinto, Monique. Para que deixemos da falar no meu
presente, direi que é apenas um punhado de estrelas para
adornar a mais bela de todas.
— Não podem ser estrelas... — riu Monique. — Ninguém
pode presentear estrelas, Jarif!
— Eu posso. A você, sim. É bem verdade que você não
precisa de nenhum adorno, nem os usa, como pude verificar
ontem à noite.
— Então, por que me presentear com um colar?
— De algum modo tinha que me apresentar. Há quem
use para tal fim um cartão de visita... Eu, tratando-se de
você, pensei que merecia algo mais. Entretanto, se não
gostou do meu presente, fará muito bem em atirá-lo ao
canal quando regressarmos.
— Mas eu gostei! — Monique abriu seu abrigo,
mostrando o calor. — Gostei muitíssimo, embora me pareça
demasiado... opulento.
— Pois eu acho que está muito bem. E esta mesma noite
tornarei a colher umas quantas estrelas para você.
— Diga-me como as colhe — riu ela. — Se eu aprender
isso, serei a mulher mais rica do mundo!
— Já é muito rica.
— Eu? Pensa isso porque estou no Grioli Palace? Saiba
que...
— Não me refiro a diamantes, nem a rubis. Jovem, culta,
inteligente e formosa como é, acho que já possui todas as
riquezas. Alá foi generoso com você.
— E com você — murmurou ela, rapidamente.
— Sim, não posso me queixar. Ele transformou meus
desertos em mares de petróleo que...
— Não me refiro tampouco a essa riqueza, agora, Jarif.
Ontem perguntei ao garçom quem era você e ele me
disse o que sabia. Se não compreendi mal, aquelas quatro
bonitas jovens são suas esposas.
— Realmente.
— Pois eu diria que Alá foi... excessivamente generoso
com você.
— Quatro esposas é o mínimo que pode ter um homem
como eu, Monique.
— O mínimo? — assombrou-se ela.
— Não é só uma questão de... temperamento, mas de
categoria. Um xeque não pode ter menos de quatro
esposas.
— Espero que seu... temperamento seja tão magnífico
como sua categoria, Jarif. Não deve ser fácil manter
satisfeitas quatro mulheres. Alguns homens consideram
difícil contentar uma única.
— Há homens e homens — sorriu Ibn Maula. — Neste
sentido, ninguém ignora que nós, árabes, fomos...
altamente distinguidos pelos dons de Alá. Por outro lado, as
mulheres árabes não são iguais às europeias ou às
americanas... Estas, especialmente, são algo exigentes.
— Ah... E que pensa das francesas?
— Não são tão submissas como as árabes, mas entendo
que são... muito amorosas. Estou certo?
Monique não respondeu. Ficou olhando os negríssimos
olhos do xeque, os quais pareciam arder. Um raio de sol
chegava, oblíquo, ao rosto de mademoiselle Lafrance.
Talvez por isso, Ibn Maula correu as cortinas laterais.
Depois olhou para a papa, na qual se podia ver a metade
das pernas do gondoleiro, que manejava o grande remo.
Ao redor, o Grande Canal, rodeado de palácios, parecia
vibrar em mil sons diferentes. Para os venezianos, aquilo
era o normal, sua vida, seu costume. Para os visitantes, o
encanto de Veneza tinha que ser forçosamente
impressionante, capaz de influir em seu estado de ânimo.
Assim devia ter acontecido com Ibn Maula, pelo menos.
Seu braço direito deslizou pelo assento, passando por
trás das costas da espiã mais perigosa de todos os tempos.
Olhou seus olhos e ela não pestanejou sequer. Suavemente,
atraiu-a a si. Então ela baixou as pálpebras.
O xeque inclinou-se decididamente sobre sua boca.

Com a boca muito perto do pequeno rádio, Abdala Ismir


falava num sussurro, metido na cabina da formosa lancha
de Jarif Ibn Maula, sozinho.

— Tem certeza? — insistiu.


— Sim. Ela tem que ser a agente Baby.
— Mas você deve estar enganado... Não parece uma
mulher inteligente. Creio mesmo que seja um pouco
estúpida, interesseira... Caiu nos braços do xeque como um
passarinho hipnotizado nas fauces de uma serpente.
— Quem se engana é você, Abdala — replicou seu
interlocutor. — Um engano do qual deve sair o quanto
antes. Não foi ela quem caiu nas fauces de Ibn Maula, mas
sim ele nas dela.
— Vamos, vamos...! — resmungou Abdala.
— Ouça, eu sei muito bem o que estou dizendo. Tenho
informes suficientes sobre essa mulher. Já lhe falei dela... A
única coisa que desconhecia até agora era seu rosto.
Quanto ao resto, tudo encaixa. É ela, e você pode estar
certo de que Ibn Maula meteu-se numa enrascada
definitiva. Quer dizer: exatamente o que queríamos, não?
— Mas... e se ela não fosse Baby, se fosse uma jovem
qualquer que...?
— Tem que ser ela, convença-se! Olhe, quando alguém
mata um agente da CIA pelas costas, sem lhe dar
oportunidade de defender-se, essa mulher intervém, por
assim dizer automaticamente. Não falha. É da e basta.
— Está bem... Que fazemos agora?
— Vamos esperar e ver o que fazem eles dois durante o
dia de hoje. Não temos pressa. Além disso, tudo está em
marcha. Essa mulher já se mobilizou, Abdala: agora, nada a
poderá deter.
— Seria tão fácil matá-la...
— Não! Nada disso! Morta, não nos serviria de nada. E
insisto, Abdala: não se engane com ela, nem lhe torne as
coisas demasiado fáceis, pois se daria conta.
— Você exagera...
— Pensa assim? Muito bem: cometa uma falha, Abdala,
que sua cabeça rolará. Tome muito cuidado. Sabe você o
que fará Ibn Maula no dia de hoje?
— É fácil adivinhar: passeará com ela de gôndola,
almoçará em algum lugar discreto, e depois a levará para
conhecer a vila.
— Então, tudo vai bem de verdade. Você os levará?
— Sim. Tenho ordem de esperar Ibn Maula aqui.
— Ótimo! Faço votos que Baby goste da vila... — ouviu-se
um riso duro, sarcástico. — Afinal de contas, vai ser seu
túmulo.
(*) ver A ÚLTIMA LUZ
QUATRO
Uma mulher, apenas
 
— É muito bonita — sorriu Monique Lafrance. — E tão
grande...! Claro que com toda essa gente que o
acompanha...
Jarif Ibn Maula sorriu amavelmente.
— Está falando de minhas esposas?
— Sim. E também de tantos homens...
— Tantos homens? — o xeque arqueou as sobrancelhas.
— Pareceu-me ver alguns no jardim... Mas não
compreendo o que estão fazendo. Olhe, ali está um... —
mostrou-o. — Não parece jardineiro, nem nada
semelhante... Ah, já sei: são seus guardas!
O xeque mantinha seu ar intrigado. Havia pouco que
tinham chegado à vila e ele a mostrara a Monique pelo
exterior, passeando sob as arvores. Não vira homens,
certamente, mas sabia que estavam lá.
— Você tem muito boa vista — sorriu por fim. — Com
efeito, são meus guardas. Sempre viajo com eles. Mas
sabem muito bem que não me agrada que se deixem ver:
não é... elegante.
— Então, por que os tem? Teme alguma coisa?
— Somente os jornalistas — riu Ibn Maula. —
Compreendo muito bem que um xeque acompanhado de
quatro esposas pode ser uma notícia... exótica, mas não me
agrada tal tipo de publicidade. Em minhas viagens
anteriores à Europa, alguns fotógrafos chegaram ao
extremo de invadir meu jardim para tirar fotos que não
foram de meu agrado. Assim, decidi que mais nenhum
possa obter essa espécie de fotografias. Se quiserem algo
de mim, que venham diretamente à minha presença,
mostrando a cara.
— Sim, compreendo. Às vezes deve ser incômodo
chamar tanto a atenção. Eu também colocaria guardas...
Oh!
— Que foi?
— Ocorre-me que... que devem estar armados! Ou não?
— Abdala cuida desses detalhes. A mim, só me interessa
que ninguém me importune. Se algum intruso chegar aqui,
eles devem expulsá-lo. Como o façam é algo que não me diz
respeito.
— E já apareceu algum intruso?
— Não, que eu saiba. Não admito ser incomodado. Eles
devem cumprir sua tarefa sem importunar-me com
detalhes.
Entremos: quero apresentar-lhe minhas esposas.
— Mas devem estar dormindo a sesta... Você mesmo me
informou sobre isto.
— Elas nunca dormem a sesta sem esperar por num.
Posso querer escolher alguma.
— Escolher? Para quê?
Jarif Ibn Maula pestanejou.
— Para tomar mais doce meu sono — respondeu afinal,
rindo. — Vamos.
Entraram na casa, onde remava um silêncio absoluto. O
mobiliário era europeu, mas tinham sido feitos certos
acréscimos tipicamente árabes: tapetes, coxins, mesinhas
baixas cheias de incrustações, plantas por toda a parte.
— Estão todos dormindo? — murmurou Monique.
Ibn Maula assentiu com a cabeça e indicou a branca
escadaria que levava ao pavimento superior. Subiram em
silêncio, pois Monique procurava não fazer ruído com os
saltos. Chegaram a um amplo corredor contornando o
vestíbulo e o árabe abriu uma das portas.
Monique entrou, com leve hesitação. Ficou como cravada
no solo, enquanto Ibn Maula, após entrar também, fechava
a porta.
Diante deles, sobre um montão de coxins coloridos, as
quatro esposas do xeque estavam-se erguendo, até que
todas ficaram sentadas e com as pernas cruzadas. As
cortinas estavam corridas, de modo que o vasto aposento
mergulhava em penumbra. A temperatura era morna,
devido à calefação, e as quatro beldades vestiam apenas
longas túnicas de gaze. Cada qual mais formosa, todas
fixavam em seu amo e senhor um olhar brilhante, denso.
Ele foi a uma das janelas e abriu a cortina, deixando entrar
luz suficiente para que as quatro aparecessem envoltas em
transparências.
Um perfume adocicado era a nota dominante.
O xeque murmurou algo em sua língua e todas se
levantaram, caminhando sobre os coxins, descalças, até
ficar alinhadas no chão, olhando para Monique Lafrance .
Nenhuma pronunciara uma só palavra.
— Aproxime-se... — sorriu Ibn Maula. — Esta é
Nuranahar, a mais jovem de todas; tem dezesseis anos.
Esta é Aixa, uma bela flor do deserto que encontrei numa
das minhas viagens. Esta é Zeina, filha predileta de um de
meus chefes tribais. E esta é Zubeida, minha favorita
agora... Tem dezoito anos, mas cheios de sabedoria.
— Dezoito anos? Não é muito velha? — deslizou Munique.
— Um pouco, mas sabe conservar-se formosa.
— Não creio que seja difícil, nessa idade... Mas, Jarif, se
ela lhe parece um pouco velha que lhe pareço eu? Uma
múmia egípcia?
— Oh, não! Com as mulheres da Europa é outra coisa.
Você, por exemplo, aos vinte e dois ou vinte e três anos...
— Vinte e cinco — concedeu Monique.
Mas a isto o árabe se espantou.
— Não!
— É verdade, Jarif. Sinto muito, mas parece que, com
minha idade, não me encaixaria no seu harém.
Ibn Maula olhou-a vivamente.
— Você pensou nisso?
— Não, não... Falo por falar.
— Eu sim. Estamos juntos há quatro horas e... Bem,
realmente, não creio que exista no mundo mulher alguma
como a árabe, para o amor, mas, viajando, uma pessoa
aprende muitas coisas. O amor enche momentos da vida e
isso minhas esposas sabem fazer muito bem. Nos outros
momentos elas são... adornos. Você é diferente. Imensa é a
minha surpresa com o fato de uma mulher ter podido
encher quatro horas de minha vida sem o recurso do amor
físico.
— Ah, isso o surpreende?
— Claro que sim. Conheci outras mulheres europeias e
também americanas, mas nenhuma delas pôde evitar que o
tédio me invadisse.
— E eu evitei?
— Completamente. Por isso, penso que...
Não disse mais. Bateu as mãos uma na outra e as quatro
esposas começaram a caminhar para a porta, cabeça baixa.
Só uma delas, a mais jovem, atreveu-se a erguer o olhar
para Munique, um olhar que lançava algo parecido com
dardos envenenados de ódio... Em silêncio, as quatro
saíram. O xeque fechou a porta.
— Estamos sozinhos — murmurou.
Impetuosamente, ele aproximou-se de Monique e,
abraçando-a com força, beijou-a nos lábios. Ela afastou-o —
Não, Jarif, não...
— Já despedi minhas esposas.
— Não. Você está enganado comigo...
— Não me pareceu assim até agora, Monique. Pensei que
tivesse entendido...
— Lamento que tenha interpretado mal minha atitude,
Jarif, mas, quando aceitei seu colar, não imaginava que
você quisesse comprar-me com ele. Aí o tem!
Arrancou o colar e lançou-o ao peito do árabe. A platina e
os diamantes caíram aos pés dele. Durante uns segundos,
atônito, o xeque esteve contemplando a joia no chão.
— Que quer dizer isso? — perguntou.
— Devolvo-lhe sua moeda, Jarif. O preço é baixo para
mim. Quanto a meus beijos, são grátis. Eu não cobro essas
coisas.
Fez meia volta e dirigiu-se para a porta. O xeque reagiu
rapidamente. Precipitou-se, segurou-a por um braço e
obrigou-a a encará-lo.
— Espere..
— Espere, por favor. Falemos de...
— De nada. Você e eu nada temos que falar — umas
bonitas lágrimas, das mais hipócritas do mundo,
apareceram naqueles maravilhosos olhos azuis. — Não
quero vê-lo nunca mais! Oxalá nunca o tivesse conhecido...!
Sua voz partiu-se num mal contido soluço. Jarif abraçou-a
e ela ficou inerte, rosto banhado em lágrimas.
— Perdoe-me... Perdoe-me, Monique. Mas eu pensei...
Na verdade, não é o primeiro colar que dou de presente
a uma mulher e sempre... obtive resultados. Claro que com
você é diferente... Perdoe-me. Afinal, que esperava você de
mim? Simples passeios de gôndola?
— Sim... Bom, não sei... Mas não esperava que você
quisesse comprar-me como... uma escrava. Por que você fez
isso? Por quê?
— Calma... Podemos começar de novo.
— Começar de novo? — ela abriu muito os olhos.
— Por que não? Diga-me: que esperava de mim? —
insistiu ele.
— Não sei. Quando o vi ontem no Quadri, senti... senti
algo tão doce e novo... Depois mal pude dormir: via seus
olhos, sua figura viril... Não sei o que espero de você, mas
não desejaria nunca que pretendesse comprar-me. Talvez
lhe desse tudo se você não mencionasse o colar, mas
agora...
— Repito, Monique: podemos começar de novo.
— Como?
— Não sei. Mas a primeira coisa é que você me perdoe.
Lentamente, ela assentiu com a cabeça.
— Obrigado — murmurou ele. — Agora, diga-me: que
pode haver entre nós senão amor?
— Amor, sim, mas você quis fazer as coisas de um modo
que... que não me pareceu amor. Não como o entendo, Jarif.
— Está bem. Como você o entende?
— Oh, penso que sou muito tola... Afinal, você é um
homem casado... E quatro vezes, nada menos! — riu
nervosamente. — Fui tola, sim. Que podia esperar? Na
verdade, só o que esteve a ponto de acontecer... Não devia
ter culpado você por isso, mas a mim mesma. É que não vi
em Jarif Ibn Maula um homem rico, que dá de presente um
colar e depois desaparece. Penso em você como algo...
definitivo... Oh, só digo tolices!
— Que é para você “definitivo”?
— Nada... Nada! Se nem sequer poderíamos casar,
mesmo que você não tivesse quatro esposas! Sua religião
nos separará sempre...
— Parece-me — sorriu carinhosamente Ibn Maula — que
o que faz você sentir-se separada de mim são minhas
quatro esposas, mais que minha religião... Qual é a sua?
— Nenhuma.
— Como nenhuma! — exclamou o xeque. — Isso é
impossível!
— Sou agnóstica, Jarif. Não professo nenhuma religião...
Mas respeito todas, naturalmente.
— Inclusive a islâmica?
— Sim, claro... Todas. Se fosse para ficar com você, eu
teria que ser também islamita, mas... não é tão fácil. Não
conheço nada de sua religião, nem me agradam suas quatro
esposas.
— Isto de minhas esposas é assunto que pode ser
resolvido, de um modo ou de outro. Mas é assombroso...
Você está dizendo que adotaria minha religião só para
viver comigo?
— Como sua quinta esposa? Creio que suportaria muito
melhor sua religião que suas esposas, Jarif. Embora não
deva ser muito fácil transformar-se em islamita da noite
para o dia.
Ele parecia cada vez mais perplexo.
— É realmente fantástico... Você não está levando as
coisas longe demais, Monique?
— Acha que eu não poderia ser uma boa crente? Oh, já
sei: não apenas uma questão de credo, mas de raça..
— Com efeito. Entretanto, ser islamita não é tão difícil,
bastando para isto observar alguns preceitos básicos: não
comer carne de porco, não tomar bebidas alcoólicas, ser
caridoso para com os mendigos, visitar Meca pelo menos
uma vez na vida e, sobretudo, acreditar que só existe um
Deus e que Maomé é seu profeta. Entregar-se à prece cinco
vezes por dia: ao nascer do sol, ao meio-dia, à tarde, ao pôr
do sol e à noite. Vistas assim as coisas, não é difícil. Mas na
verdade acho que você está levando tudo demasiado longe.
— Que sente você por mim? O mesmo que eu por você?
— Sim, claro.
— Mentira. Eu me retiro, Jarif.
— Não, espere...
— Vou embora. Se você quiser, pode ordenar aos seus
que me detenham e abusar de sua força...
— Não penso fazer semelhante coisa.
— Então, adeus:
— Monique, cometi um erro, admiti-o e você me perdoou.
Pedi-lhe para começarmos de novo. Não agora, de acordo...
Mas dê-me essa oportunidade. Não vá embora.
— Você insiste em que eu fique aqui?
— Não, se não for de sua vontade. Mas fique. Vá
descansar em outro aposento, ou embaixo. Poderá ouvir
música, pensar... Eu farei o mesmo aqui, sozinho. Talvez
assim...
— Posso esperá-lo lá embaixo, ou passeando pelo jardim?
— Faça-o por favor.
— Chamará uma de suas esposas agora, quando eu sair?
— Não.
— Bem, eu estarei lá embaixo, pensando... no que
podemos esperar realmente um do outro.
Beijou-o de leve nos lábios e saiu a toda a pressa. Jarif
Ibn Maula ficou olhando a porta e, pouco a pouco, seu rosto
tornou-se sombrio, quase colérico. Mas sua expressão final,
ao estender-se sobre os coxins para uma tardia sesta, era
de perplexidade.
— Absurdo... — murmurou em árabe. — Deveria ter feito
com ela o que bem quisesse e expulsá-la desta vila a
pontapés... Pergunto-me por que não o fiz. Afinal de contas,
é apenas uma mulher.
CINCO
Nenhuma dúvida a respeito
 
Viu-o sair ao terraço, coberto somente por um albornoz.
Na verdade, era um bonito homem, forte, viril. Visto do
jardim, isto é, de baixo para cima, ainda parecia mais alto,
quase gigantesco.
Indiferente a tudo, ao que parecia, Jarif Ibn Maula
ajoelhou-se no terraço, orientado para Meca, e começou
suas orações da tarde. E Monique Lafrance não se
surpreendeu em absoluto ao ver os homens que até então a
tinham estado olhando imitar seu senhor, ajoelhando-se
todos, para depois fazer suas inclinações para frente.
Durante uns segundos, enquanto ela permanecia imóvel
junto àquele florido canteiro, os islamitas estiveram
rezando, sob a direção do Grande Xeque, cuja profunda voz
espalhava-se como um murmúrio por todo o vasto jardim.
Durante aquele momento, ela não existia ali, não era
ninguém. Não a olhavam, não lhe faziam o menor caso.
Por fim, a oração terminou e os árabes tomaram a
levantar-se. Ibn Maula olhou-a um instante do terraço.
Depois, sem ter feito sequer um gesto amistoso,
desapareceu no interior da casa.
Monique continuou ainda imóvel no mesmo lugar,
olhando para a fachada da casa. Tinha finalmente
encontrado a posição correta, a que estivera procurando
boa parte daquele tempo durante o qual o xeque se
dedicara a dormir sua sesta imprescindível.
E algo não estava bem ali.
Quer dizer, algo estava decididamente mal. Mas não
sabia o que era. Tinha estado em toda a casa, descobrira
inclusive o cofre embutido na parede, atrás de um quadro.
Muito vulgar, com efeito, mas aceitável. Tratando-se de
uma vila de aluguel, Jarif Ibn Maula não iria incomodar-se
cm ordenar a construção de nada exótico. O que podia ter
ordenado era a instalação de um sistema de alarma, que
naquelas circunstâncias não interessava a Baby que
funcionasse. Examinara o cofre e compreendera em seguida
que podia abri-lo em menos de três minutos. Também teria
tido tempo de retirar dele o que quisesse e escapar, mas
isso equivaleria a destruir o trabalho realizado até então:
vigiar o xeque, saber que iria ao Quadri, encomendar uma
mesa, fazer seu papel, aceitar o colar de diamantes, deixar-
se beijar, chegar até ali.
Não. Às vezes, por um passo a mais, o espião cai no
abismo. Cada passo deve ser contado, medido.
Deteve-se em seco ao caminhar para a casa. Era isso:
cada passo devia ser contado, medido... As medidas de
longitude não admitem discussão. A maior distância, vê-se
um objeto menor. A maior aproximação, o objeto aumenta
de tamanho. Quase lançou uma exclamação ao
compreender isto. Depois, mudando de ideia, voltou ao
mesmo lugar de onde presenciara as orações dos islamitas.
Com ar distraído, sacou da bolsa o maço de cigarros e o
isqueiro. Acendeu o cigarro e, enquanto o fazia, tirou
rapidamente três fotografias...
As medidas de longitude nunca admitem discussão...
Pelo menos para uma câmara fotográfica.
Guardou o isqueiro e continuou passeando. Viu sair da
casa o miúdo Abdala Ismir, olhando para todos os lados...
até descobri-la. Ele sorriu então e continuou seu trajeto
para a quadra de tênis, enquanto olhava para o céu. Baby
levantou um pouco o braço e olhou o relógio de pulso.
Sim... Por que não? Aquela podia muito bem ser a hora
em que, dias antes, o assassinado Johnny tirara as fotos do
helicóptero que tinha chegado à vila... procedente de
Trieste? Pelo menos, seus companheiros de Trieste tinham-
no visto lá.
Jarif Ibn Maula saiu da casa pouco depois, vestido à
europeia, com um trajo marrom e um jérsei negro.
— Esteve passeando toda a tarde? — sorriu ele, ao
aproximar-se.
— Não. Li um pouco no living... E acho até que cochilei
por um instante. Depois estive passeando pelo jardim... E
pareceu-me que seus guardas não dormem a sesta.
— Não ganham para dormir — disse o árabe, displicente.
— Como é: não dedicou alguns momentos a pensar?
— Sim, estive pensando a maior parte do tempo, Jarif.
— E chegou a alguma conclusão?
— Sim: eu o amo.
O xeque pestanejou.
— Ótimo . Neste caso..
— Espere. Há coisas que... ainda não compreendo muito
bem. Coisas que se referem a mim mesma. Sei o que posso
oferecer-lhe, mas... gostaria de saber o que pensa oferecer-
me você. Um lugar no seu harém?
— Por que não me diz exatamente o que quer?
— Pouco: quero que o homem a quem amo seja só meu.
— Devo repudiar minhas quatro esposas? — sorriu ele,
condescendente.
— Não digo o que você deve fazer, mas o que eu quero.
— Está bem. A propósito, apanhei isto no chão... —
mostrou o colar. — O fecho está consertado e creio que não
será fácil perdê-lo. Vai aceitá-lo?
— Já lhe disse...
— Não o olhe como unia joia. É um punhado de estrelas
para a mais bela estrela. Considere não o que vale por si
mesmo, mas o que representa entre nós.
Monique olhou-o durante uns segundos, depois se virou e
ele colocou-lhe o colar. Em seguida, Ibn Maula inclinou-se
mais e beijou-lhe a nuca. Seus lábios pareciam brasas sobre
a dourada pele da espiã, que estremeceu e afastou-se dele.
— Ficará esta noite? — perguntou Jarif.
— Esta noite, não. Ainda estou confusa... Dê-me mais
tempo, querido.
— Quer retirar-se agora?
— Parece que é você quem quer que eu me retire.
Ele hesitou, embora levemente.
— Não. Eu não, Monique.
— Bem. Tomarei uma xícara de café antes de ir. Esta
noite nos veremos em Veneza?
Jarif tomou-a pelo braço e dirigiram-se para a casa.
— Receio que esta noite não poderá ser — murmurou.
— Por quê? Está aborrecido comigo? Eu o compreenderia,
claro: sei como os árabes se comportam com relação às
mulheres e, segundo o seu ponto de vista, você deve estar
muito zangado. Está, Jarif?
Ibn Maula custou a responder. Estava? Não sabia. Só
sabia que algo novo estava acontecendo. Aquele assunto
teria terminado de modo muito diferente se estivesse
tratando com outra mulher. Mas Monique era algo...
especial. E por sua vez ele sentia algo especial, devido a
ela.
Estava surpreendido com ele próprio, com seus
pensamentos, suas reações. Na verdade, o Grande Xeque
recusava-se a admitir que por aquela mulher estava
disposto a qualquer coisa. A tudo.
— Não... — murmurou. — Não estou zangado com você,
Monique.
— Você é gentil, Jarif.
Ele olhou-a profundamente.
— Não é gentileza — disse com voz velada.
Puxou-a para si e ela ergueu o rosto, disposta a receber o
beijo. E enquanto a beijava, Jarif Ibn Maula teve nova
surpresa: um desassossego, quase uma angústia à ideia de
que pudesse perder Monique. Isto foi algo tão
surpreendentemente novo para o árabe, que ele se afastou,
brusco.
— Que foi? — perguntou a francesinha, docemente.
— Nada...
Tornou a segurar-lhe o braço e reencetaram o caminho
para a casa. Pouco depois, estavam no vasto living semi-
oriental, onde um dos criados serviu-lhes café. As quatro
esposas lá se encontravam também. Elas não tomaram
café.
Permaneceram em silêncio, imóveis, contemplando
friamente a formosa mulher de pele dourada. Entretanto, o
mais sombrio de todos era Ibn Maula. Seu olhar permanecia
fixo em Monique. Talvez estivesse pensando no que tinha de
diferente aquela jovem para fazê-lo sentir algo tão especial.
Absurdo, claro.
— Você me olha como se eu fosse um bicho raro — sorriu
Monique.
— Como? — ele pareceu despertar.
— Você e as suas esposas olham-me de um modo tão
esquisito...
— Quer mais café?
— Não — ela acendeu um cigarro. — Por que não
podemos ver-nos esta noite, Jarif?
— Terei que resolver alguns assuntos aqui mesmo.
— Assuntos de negócios?
— Sim. Meus secretários se encarregam de tudo, mas há
coisas que não podem fazer por mim: assinar papéis, por
exemplo.
— Compreendo... Suas esposas só falam árabe?
— Também um pouco de inglês. Contratei dois
professores, em meu país, para que lhes dessem aulas.
— Oh, eu também falo inglês... Acha que elas se
incomodariam de conversar um pouco comigo?
— Não creio que vocês tenham nada a dizer-se. E já se
vai fazendo tarde, Monique.
— Só uns minutos. Gostaria de fazer-lhes algumas
perguntas, saber como vivem com você, como você as trata
— sorriu deliciosamente. — Talvez possa aprender algo com
elas.
O xeque abriu a beca, mas, naquele mesmo instante,
apareceu Abdala Ismir na porta, fazendo-lhe sinais. Ele
levantou-se.
— Volto já. Depois Abdala levará você a Veneza, — Está
bem.
O xeque abandonou a sala, reunindo-se a Ismir, que
parecia um pouco tenso.
— Que há?
— O helicóptero vai chegar de um momento para outro.
— Vai chegar? Não sabia. Eles chamaram...?
— Eu os chamei para saber se já tinham resolvido algo e
disseram-me que a coisa está-se tornando um pouco difícil.
Ao que parece, os agentes europeus pedem mais
dinheiro.
— Mais dinheiro?
— Sim. Chamei-os enquanto o senhor dormia e por isso
não o avisei, para não despertá-lo. Depois o senhor esteve
com essa mulher... Mas tinha que lhe dar o aviso agora, pois
não tardarão a descer aqui, como das outras duas vezes.
— Devia ter-me dito antes — resmungou Ibn Maula. — A
menos que a despeça imediatamente, ela talvez veja o
helicóptero.
— É... Bem, mas não creio que lhe dê importância.
Afinal de contas, no helicóptero vem dois árabes. Isso
não a surpreenderá.
— Não, pois já lhe disse que tenho alguns negócios a
resolver, pelo que pensará que Giafar e Ahmed são dois de
meus empregados, que vem com alguns papéis para eu
assinar... Mas falemos do dinheiro: quanto pedem agora os
espiões europeus?
— Querem quinhentas mil libras esterlinas além da
quantia combinada.
— Cães malditos... — o rosto de Ibn Mania endureceu.
— Creio que conviria pagar, xeque. Em assuntos desta
espécie, o dinheiro não tem muita importância.
— Não pensaria assim se tivesse que desembolsar você
mesmo essa quantia, Ismir.
— Por que protesta? — perguntou o miúdo e astuto
Abdala. — Já sabe que todo o dinheiro que investir lhe será
devolvido pelo serviço secreto egípcio. Só se trata de que o
Egito não seja mencionado neste assunto, no caso de
ocorrer algum contratempo. Esse foi o trato, quando o
procurei, não é verdade? E o senhor aceitou, por
solidariedade para com a causa árabe. Eu já possuía
informes que revelavam sua disposição a colaborar, por isso
foi escolhido... Quando isto chegar ao fim, quando
conseguirmos a vitória, o xeque Jarif Ibn Maula não será
esquecido, naturalmente.
— Lembro-me de todas essas promessas, Ismir.
— Mas duvida agora que estejamos dispostos a cumpri-
las?
— Não — admitiu Ibn Mania. — Está bem, depois lhe
darei um cheque contra meu banco na Suíça no valor de
quinhentas mil libras... Quer dizer, seu equivalente em
dólares.
Não creio que ninguém no mundo desdenhe a moeda
americana — sorriu Ismir. — Pode fazer o cheque no valor
de um milhão e duzentos e cinquenta mil dólares, uma cifra
redonda. Eu o entregarei a Giafar e Ahmed quando
chegarem... O que será questão de pouco tempo.
— Vou fazer o cheque e mandar mademoiselle Lafrance
de volta a Veneza.
— Bem. Que a leve um de seus criados, esta vez.
Ibn Maula assentiu e voltou ao living. Foi diretamente a
um quadro, mas deteve-se seco ao dar-se conta de que algo
absolutamente inesperado estava acontecendo: suas
esposas e Monique conversavam animadamente e as quatro
jovens árabes sorriam, quase riam. Uma conversa
muitíssimo cordial, que deixou o xeque atônito.
Aproximou-se, cenho carregado.
— Espero que não lhes esteja contando alguma dessas
anedotas francesas cheias de malícia... — disse.
— Não gosto que elas saibam essas coisas. Monique.
— Não se preocupe — riu ela. — Não estou lhes dizendo
nada imoral, Jarif.
— Alegro-me... Mas por que se riem? Como você
conseguiu isso? Normalmente, quando aparece uma nova
mulher que possa ocupar um posto entre elas...
— As mulheres também podem ser amigas — assegurou
Monique. — É difícil, talvez, mas não impossível. Tudo
depende de um pouco de psicologia.
— Psicologia?
— Sim. Interessei-me por elas, pelo amor que lhe
devotam, por seus filhos... Não sabia que você tinha três,
Jarif. Zubeida, sua favorita, está muito contente por lhe ter
dado dois, embora você prefira o menino à menina... Zeina
lhe deu outro filho e isso a torna muito feliz. Ao que parece,
você já teve outras esposas, mas nenhuma pôde dar-lhe
descendência.
— Esteve falando disso com elas?
— Diga-me alguma coisa que interesse mais uma mulher
que seu amor por um homem e seus filhos.
— Você é muito astuta — sorriu o xeque. — Não só se
tomou simpática a elas como obteve informações a meu
respeito. Bem. Já sabe que tenho três filhos..
— Quase quatro.
— Como?
— Parece que a jovenzinha Nuranahar espera poder dar-
lhe em breve uma alegria.
Jarif Ibn Maula dirigiu vivamente o olhar à mais jovem de
suas esposas, a qual apressou-se a baixar a cabeça.
Durante uns segundos, ele permaneceu imóvel,
contemplando-a atônito. Súbito, virou-se e dirigiu-se para o
quadro. Afastou-o, deixando a descoberto o cofre que Baby
já tinha localizado. Abriu-o, tirou um maço de cédulas que
tornou a jogar dentro, com indiferença, depois um talão de
cheques, com o qual se aproximou de uma poltrona.
Sentou-se, abriu o talão sobre os joelhos e escreveu,
rapidamente. Arrancou o cheque, guardou-o num bolso,
tornou a guardar o talão no cofre e fechou este.
Quando se virou, Monique Lafrance estava atrás dele, tão
perto que o sobressaltou.
— Você não foi muito amável com Nuranahar, Jarif —
murmurou ela.
— Por que vai ter um filho? É sua obrigação.
— E você não tem obrigações com elas?
— Não.
— Porquê?
— Assim está escrito.
— São umas jovens encantadoras. Ora, vamos, Jarif, já se
passou o tempo dos califados, dos grandes xeques do
deserto que levantavam suas tendas de pele de camelo
com suas escravas e esposas... Suas esposas não são tolas,
nem antiquadas. Gostam de televisão, de modas europeias,
têm entusiasmo pela pop-music, por tudo quanto é
moderno...
Acha você suficiente permitir que elas não cubram o
rosto com um véu?
— Ao que parece — o xeque arqueou as sobrancelhas,
divertido —, você faria boa amizade com elas. Já se tornou
sua aliada.
— Estava apenas tentando dizer-lhe que...
Monique calou-se de chofre. Ibn Maula olhava-a,
expectante, aguardando o fim da frase. Mas só segundos
depois chegou a seus ouvidos um rumor que logo
identificou... Coisa que, ao que parecia, Monique tinha feito
antes dele.
— Você tem muito bom ouvido — comentou.
— Parece um avião... Não, não é...
— É um helicóptero. E nele chegam dois dos meus
secretários para negócios na Europa... Já lhe disse que ia ter
trabalho.
— Sim. Você disse.
— Um de meus guardas levará você a Veneza, de lancha.
Falaremos de minhas esposas em outra ocasião.
— Amanhã? — perguntou ela.
Ele demorou um pouco a responder. Amanhã? Estava
realmente disposto a separar-se de Monique até o dia
seguinte? A certeza de que pensaria nela todos os
momentos, de que já não a poderia esquecer nunca o
mergulhou num estado de ânimo sombrio.
— Mandarei buscá-la amanhã — assentiu, voz rouca.
Tomando-a pelo braço, levou-a em direção à porta,
enquanto ela se despedia das quatro jovens esposas
agitando a mão, que depois baixou rapidamente para
apanhar sua bolsa sobre uma mesinha.
Quando saíram da casa, o helicóptero estava pousando
diante desta, perto dos primeiros arbustos do jardim, onde a
grama impedia a presença de poeira. Baby não se
surpreendeu absolutamente ao verificar que, com efeito,
aquele aparelho era o que aparecia nas fotos encontradas
na microcâmara do Johnny assassinado. Os dois homens
saltaram em terra e também foram imediatamente
identificados pela espiã internacional: era o gorducho e o da
testa estreita. Vestidos à europeia, nem por isso pareciam
menos árabes, devido a suas feições.
Jarif estava fazendo sinais a um dos guardas que havia
no jardim e afastou-se uns passos de Monique para dar
àquele homem instruções, que foram muito breves. Mas
mademoiselle Lafrance teve tempo suficiente pura afastar-
se mais uns passos. calcular a distância e o ângulo
apropriado... Já estava sacando seu isqueiro e um cigarro e,
quando Jarif regressou junto a ela, não só o cigarro já estava
aceso como havia tirado duas microfotos.
— Ataf vai deixá-la na Praça de São Marcos — disse o
xeque. — Quer dizer, no Molo.
— Obrigada.
Olhou-o e ele tomou-a nos braços, beijando-a. Junto a
eles, Ataf permanecia imperturbável, esperando que seu
amo acabasse de saborear os lábios da formosa mulher
europeia.
— Adeus — murmurou Monique.
Ibn Maula não respondeu. Sentia como uma solidão
inaudita, uma tristeza profunda e absolutamente nova.
Nunca lhe acontecera aquilo, nem sabia se era doce ou
amargo. Verdade que aquelas novas sensações estavam
sendo provocadas por uma mulher?
Assentiu com a cabeça, fez meia volta e dirigiu-se para
onde estava o helicóptero. Abdala Ismir conversava com os
dois recém-chegados, um dos quais tinha na mão direita
uma pequena pasta preta. Ataf colocou-se ao lado de
Monique, indicando a praia, sorrindo obsequiosamente e
dizendo algo em árabe. Naquele momento, Jarif se unia ao
grupo, escutava Abdala Ismir e entregava-lhe o cheque. O
miúdo árabe o passou ao da testa estreita, que, por sua vez,
passou-o ao da pasta. Todos pareciam satisfeitos e o xeque
indicou a casa.
— Andamo? — perguntou Ataf.
Monique olhou-o, divertida.
— Andiamo, não andamo — corrigiu.
— Oui, andiamo — admitiu o árabe, misturando francês e
italiano.
O grupo encaminhou-se para a casa, enquanto Monique
e Ataf o faziam para a praia. Claro, também esta vez foi ela
a primeira a ouvir novo rumor no céu, mas agora fez-se de
surda... Só ergueu a cabeça quando Ataf se deteve,
erguendo a vista: por cima deles, bastante alto, outro
helicóptero passou em direção a Veneza.
Muito bem, Johnnies de Trieste.
Jarif e os outros se tinham detido à entrada da casa para
olhar o helicóptero, mas este desapareceu em seguida,
veloz, e cada um seguiu seu caminho.
O de Monique Lafrance e Ataf levou-os até as grades que
separavam a vila da praia. Nesta, abordaram a lancha e o
árabe instalou-se aos controles. Baby sentou-se à popa,
ainda fumando o cigarro. Na formosa tarde, o sol já
descambava para oeste... Uma brisa úmida, um tanto fria,
fez a espiã estremecer. Gostava de Veneza, mas...
continuava preferindo os trópicos.
O que não lhe agradou em absoluto, no momento, foi a
presença, da Outra lancha. Uma lancha pequena, muito
rápida, que apareceu quando Ataf já governava por diante
de Treporti. Colocou-se atrás deles, conservando a distância.
Baby não podia ver bem o homem que a pilotava, mas
não teve a menor dúvida a respeito de quem era.
SEIS
Não se trata de adivinhar nada
 
Saltou ao embarcadouro, despediu-se de Ataf com um
gesto e um sorriso, e ficou ali uns segundos, contemplando
o regresso da lancha a Treporti. Enquanto isso, a outra
lancha chegava ao Molo. Seu ocupante amarrou -a e,
quando ele saltou ao cais, Baby convenceu-se de que não
se havia enganado: era o mesmo homem que, pela manhã,
estivera seguindo Abdala Ismir, o da jaqueta de couro, blue-
jeans desbotados e sapatos de lona.
Claro, faltava-lhe certa habilidade. Estivera vigiando
Ismir e agora queria saber coisas a respeito dela.
A espiã mais perigosa do mundo quase sorriu ao pensar
nisto.
“Muito bem, amiguinho... — pensou. — Vamos ao meu
hotel.”
Efetivamente. Quando entrou no hotel e voltou-se com
muito mais habilidade do que a empregada pelo sujeito
louro, ele deteve-se em seco, simulando contemplar as
pombas que, aos milhares, revoluteavam pela zona da
Praça de São Marcos, Só que, como já era praticamente
noite, nem voavam as pombas nem era fácil que ele as
pudesse ver, se estivessem voando.
Na portaria, nenhum recado para mademoiselle Lafrance.
Ela subiu à sua suíte e, sem esperar mais, chamou pelo
rádio de bolso.
— Johnny?
— Baby, estive chamando-a para...!
— Já sei que o helicóptero voltou a Veneza e que nossos
companheiros de Trieste o seguiram. Eu estava na vila de
Jarif Ibn Maula quando ele chegou.
— Você está bem? Começávamos a recear...
— Tranquilize-se. Pode pôr-se em contato com os do
helicóptero?
— Sim, claro.
— Bem. Diga-lhes que fiquem em Veneza. Já não devem
seguir os homens que estiveram vigiando em Trieste.
Mas que lhe facilitem um informe completo das pessoas
que durante o dia de hoje entraram em Contato com eles.
— Não estiveram em contato com ninguém.
— Tem certeza?
— Tenho, pois isto me foi dito pelos de Trieste. eles
vigiaram durante todo o tempo os do helicóptero, mas estes
não falaram com ninguém. Não houve o menor contato.
Simplesmente, dormiram numa pensão, passearam...
Nada.
E à tarde vieram para Veneza. Só isso.
— Não pode ser... Encontraram-se com alguém que lhes
entregou uma pasta.
— Os de Trieste dizem que não se comunicaram com
pessoa alguma. Claro, puderam fazer e responder
chamados pelo rádio do helicóptero, mas quanto a contatos
pessoais, diretos, nada.
— Então... quem lhes entregou a pasta?
— Que pasta?
— Naturalmente — reconsiderou Baby, falando mais para
si mesma —, podiam já tê-la com eles e não a trazer até
que os avisaram de que Jarif estava disposto a pagar seu
preço... De um ou de outro modo, os dois já não interessam.
O que interessa é Jarif... Ou melhor dito, essa pasta.
— Baby, eu não estou entendendo nada..
— Depois explicarei. Por ora, ratifico minha ordem: que o
helicóptero e os dois agentes que nele vieram fiquem em
Veneza. É possível que venhamos a necessitar deles. E
agora, outra coisa, Johnny: um cavalheiro está me seguindo.
— Não! — riu o agente.
— Pois está — riu também ela. — Hoje de manhã seguiu
Abdala Ismir, o relações públicas de Jarif Ibn Maula.
Mas agora me dedica toda a sua atenção.
— Quer que lhe demos um susto?
— Mmm... Algo parecido, Johnny. Ouça...
Dez minutos mais tarde, mademoiselle Lafrance,
havendo mudado de toalete, saía do Gritti Palace, O abrigo
que usava agora era branco, de arminho. Ou seja, o menos
conveniente para uma pessoa que não deseja ser seguida.
Em compensação, o mais próprio para ser distinguido
muito bem num lugar medianamente escuro.
Com o ar de quem se dispõe a fazer um passeie,
introduziu-se pelas ruelas do centro de Veneza, por trás e à
esquerda da Praça de São Marcos. Parecia um pouco
indecisa, já que vez por outra consultava as indicações.
Por fim, quinze minutos mais tarde, detinha-se numa
travessa em cujo centro, por entre as estreitas calçadas,
corria um canal. Foi a uma porta, bateu uma, depois duas,
depois três pancadas. A porta se abriu e ela entrou na casa.
Fechada novamente a porta, acendeu-se uma luz e
Johnny 1 sorriu.
— Olá. Tudo bem? — interessou-se.
— Claro. Foi muito conveniente que a CIA concordasse
em manter este local em Veneza. Vocês estiveram alguma
vez aqui, desde então?
— Não houve necessidade.
— Bem.
Subiu a estreita escada, chegou ao patamar e entrou
numa sala. Apenas uma lâmpada de pé estava acesa e, ao
contemplar a sala, ela teve uma sensação penosa. Tudo
continuava igual: através da janela, via a parte posterior do
Ca Foscari, um dos mais belos palácios de Veneza. E todas
as luzes da cidade podiam ser vistas dali, sobretudo as do
Grande Canal. Tênue, chegava o som das sirenas dos
vaporetti.. Tudo igual. Inclusive o violino. Estava sobre uma
mesinha e Baby aproximou-se dele, permanecendo alguns
segundos absorta, olhando-o. Havia uma leve camada de pó
sobre o instrumento.
Johnny, em silencio, contemplava aquela mulher querida
e admirada por todos os agentes da CIA. Imaginava o que
ela estaria pensando e não seria ele quem perturbasse suas
recordações de Jefferson Conrad, o homem que morrera
docemente em Veneza3... Baby pousou o polegar sobre a
primeira corda do violino e arrancou-lhe uma vibração
suave, que custou a se extinguir. Quando soou a batida na
porta, ela virou-se para Johnny.
— Vá abri-la — murmurou.
O espião assentiu com a cabeça e desceu a escada.
Voltou poucos segundos depois, precedendo o homem de
jaqueta de couro. Atrás deste, revólver na mão e sorrindo
friamente, chegavam Johnny II e Johnny III.
Este último comentou:
— Obrigado por me fazer vir. Estou certo de que isto será
mais interessante que o que possa ocorrer naquela vila.
— O helicóptero já partiu? — perguntou Baby.
— Já.
— Bem — o olhar azul desviou-se, indiferente, para o
mal-humorado indivíduo que Johnny II e Johnny III tinham
tão facilmente detido, — E você quem é, amiguinho?
— Meu nome é Alfredo Corazzi e denunciarei vocês à
Polícia quando...
— Ele trazia isto — disse Johnny II, jogando para Brigitte
uma pistola que ela apanhou no ar. — Com silenciador,
claro. Fabricação russa.
Baby lançou um olhar indiferente à pistola e deixou-a
sobre sua maletinha, na poltrona. Seu olhar, voltou, sereno,
para o tal Alfredo Corazzi.
— Por que me esteve seguindo? — perguntou de súbito,
em russo.
O homem abriu a boca, expressão estupefata.
— Quê? — resmungou.
— Não fala russo?
— Russo? Claro que não! Eu sou italiano. E se você é
russa, previno-a...
Ela fez um sinal a Johnny, que o interpretou de imediato,
colocou-se rapidamente diante de Corazzi e aplicou-lhe,
com o revólver, um violento golpe em pleno estômago. O
homem emitiu um gemido, encolheu-se... e recebeu uma
tremenda cotovelada no queixo, que o atirou de bruços no
chão. Tentou levantar-se, mas o pé do agente da CIA desceu
sobre suas costas, imobilizando-o.
— Eu já imaginava que ia me divertir — disse este. —
Mas você não se divertirá nada, se não responder, amigo.
Esteve seguindo a nossa companheira e nós pensamos
que para nada de bom. A menos que nos convença do
contrário, vamos fazer você em pedaços... E não lhe estou
falando em sentido figurado. Okay?
— Alfredinho — disse amavelmente Baby —, meu amigo
está falando a verdade. Será melhor que você nos convença
do contrário. Quando necessário, somos gente muito má.
Eu, por exemplo, gosto de colecionar olhos humanos... E os
seus me agradam muito.
— Quer que os arranque? — sorriu Johnny II.
— Que ele o diga — ela indicou Corazzi com um dedo.
O homem da jaqueta de couro estava muito pálido e sua
voz soou ronca:
— Eu a segui porque você é amiga de um agente secreto
egípcio.
— Ah, isso é conversar, Alfredito. O agente secreto de
que fala é Jarif Ibn Maula ou, talvez, Abdala Ismir?
— Abdala Ismir.
— Bem. E você... quem é realmente?
— Chamo-me Levi Cohen.
— Judeu? — Baby arqueou as sobrancelhas.
— Israelense — replicou acremente Cohen.
— Israelense... Sim, claro. E a pistola russa?
— Consegui-a faz um ano, em Tel Aviv. Pertencia a um
agente do MVD.
— Compreendo. Diga-me exatamente por que está
vigiando Abdala Ismir.
— Não posso dizer-lhe exatamente, pois não sei. Ismir
chegou há duas semanas a Veneza, com Jarif Ibn Maula. Sei
que estão tramando alguma coisa, mas ignoro o que seja.
Se o soubesse, não o vigiaria: teria pedido ajuda para
acabar com eles.
Baby esteve pensativa um instante, mão no queixo.
— Pode servir-lhe de alguma coisa saber que, esta tarde,
eles receberam uma pasta das mãos de dois árabes que
têm um helicóptero e que fazem viagens entre Trieste e
Veneza?
Por sua vez, Ibn Maula entregou-lhes um cheque, mas
não sei o seu valor.
— Não deveria falar tanto, Baby — murmurou Johnny I.—
Este...
— Baby? — sobressaltou-se Levi Cohen. — Você é a
agente Baby, da CIA?
— Ao que parece — disse ela amavelmente a Johnny — ,
não fui eu quem falou demais, hem?
— Sinto muito... — ele mordeu os lábios. — Agora
teremos que eliminar este homem, senão.
— Mas não devem me eliminar! — quase gritou Cohen.
— Ouçam, nós estamos do mesmo lado! Eu... eu sou
agente do serviço secreto israelense, juro! Somos amigos!
— Aliados — retificou amavelmente Baby. — Além disso,
senhor Cohen, deverá convencer-nos de que é um agente
israelense.
— Convencê-los? E como? Meus documentos estão em
nome de Alfredo Corazzi, italiano... Mas sou israelense, sou
amigo de vocês! Inclusive fiz alguns trabalhos para a CIA,
em certas ocasiões. Conheço vários agentes na Europa e no
Oriente Médio... Podem chamar pelo rádio qualquer um
deles, perguntando por Levi Cohen!
— Calma. E sente-se nessa poltrona... — Baby
indicou-a. — No momento, inclino-me a acreditar em
você.
E interessa-nos saber se a pasta que mencionei lhe diz
alguma coisa.
— Não... Mas seria interessante dar-lhe uma olhadela.
— Não me diga! — exclamou Baby, alegremente.
— É esperto o rapaz — sorriu Johnny I. — Como lhe terá
ocorrido tão brilhante ideia?
— Estão zombando de mim...
— E que esperava? Você nem sequer sabe seguir uma
pessoa. Baby o viu esta manhã seguindo Ismir, depois você
seguiu-a como um tolo, metendo-se na ratoeira que lhe
armamos... Aposto que até se surpreendeu quando meus
dois companheiros o ameaçaram com suas armas,
enquanto estava pensando como poderia ver Baby aqui
dentro.
Pretende que o consideremos um gênio da espionagem?
— Deixe-o em paz, Johnny — sorriu Baby. — Os
israelenses não são muitos e, além disso, têm trabalho
bastante no Oriente Médio. É natural que não possam
mandar para a Europa mais que uns poucos agentes finito
espalhados... e não dos melhores, claro. Bem, Cohen, aceita
que unamos nossas forças, por enquanto?
— Nossas forças! — espantou-se Johnny I. — Que forças
pode trazer ele?
Levi Cohen, vivamente, virou-se para Johnny, como
picado por uma vespa.
— Ouça, pode ser que eu não seja tão esperto como
vocês, mas até agora tenho prestado bons serviços ao
meu...
— Calma, calma — tornou a cortar Baby. — Nada de
discussões. Vamos deixar as coisas claras. Você está
interessado em Abdala Ismir, nós também e,
evidentemente, somos aliados, já que os Estados Unidos
estão do lado de Israel nesta guerra árabe-israelense. De
acordo?
— De acordo — assentiu Cohen.
— Ótimo. Ao que parece, tudo está concentrado agora
numa só coisa: uma pasta que os dois homens do
helicóptero trouxeram de Trieste. Se chegarmos a ver o
conteúdo dessa pasta, saberemos tudo. Com o que, tanto
você como nós ficaríamos muito satisfeitos. Pelo menos,
saberíamos quem matou Johnny e por quê.
— Mataram um companheiro de vocês? — perguntou o
israelense.
— Assim é. Sabe algo sobre isso?
— Não. Mas deve ter sido Ismir, ou Ibn Maula...
— Essa é uma suspeita já velha — resmungou Johnny III.
— Se quer demonstrar que é um pouco esperto, procure
dizer coisas mais interessantes, Cohen.
— Já não creio que existam perguntas interessantes
neste assunto — disse Baby. — Pelo menos, não serão
perguntas novas. Exceto uma: que contém a pasta?
— Vocês que são tão capazes — alegou Cohen —,
adivinhem.
— Não há nada que adivinhar — contrapôs Baby. —
Parece-me muito mais prático abrir essa pasta e examinar
seu conteúdo.
Levi Cohen riu com sarcasmo.
— Ouvi falar muito de você! — exclamou. — E se tudo é
verdade, deveríamos poder examinar o conteúdo dessa
pasta antes de uma hora.
— Dê-me um pouco mais de tempo — sorriu Brigitte.
O espião de Israel franziu a testa.
— Ora, vamos... O momento não é para brincadeiras,
Baby. Essa pasta...
— Cale a boca, você — interveio Johnny III. — Se Baby diz
que vamos ver o que há nessa pasta, não há dúvida que
veremos. Que é preciso fazer, Baby?
Sob o olhar expectante dos quatro homens, a espiã
mundialmente famosa esteve refletindo por um momento.
Por fim, levantou-se, abriu sua maletinha e sacou uma
pequena cápsula de plástico, que atirou às mãos de Johnny
I.
— Ocupe-se em revelar esse microfilme o quanto antes,
Johnny. Você — indicou Johnny II — ficará aqui, com Cohen.
E Johnny III, que já conhece a vila e aquela praia, me levará
lá com sua lancha. À medida que formos concluindo nossos
diferentes encargos, voltaremos aqui.
Alguma dúvida?
— Não vão precisar de mim? — perguntou Levi Cohen.
— Não se ofenda, Levi — sorriu gentilmente Baby — mas,
na verdade, prefiro que você fique aqui quietinho.
— Sou muito inábil, não? — disse o israelense, murcho.
— Já que você pergunta, meu filho, eu lhe direi que não é
exatamente um lince nestes assuntos. E acho que, como
estamos mais bem treinados, não vale a pena correr
riscos...
Que acha?
— Não sou tão imbecil para deixar de compreender que
você tem razão — admitiu Cohen. — Ficarei aqui.
— Perfeito. E como eu já decidira dar uma olhadela a
essa pasta, e vim preparada — sorriu encantadoramente —,
que tal se nos pusermos em marcha, Johnny?
SETE
Um rio que não é um rio
Fazia mais de uma hora que se apagara a última luz na
vila de Jarif Ibn Maula, quando finalmente Baby se moveu,
fazendo balançar de leve a lancha, que estivera todo aquele
tempo entregue à quase imperceptível marota da baía.
— Já? — perguntou Johnny.
Ela assentiu com a cabeça e o agente começou a remar
para a pequena orla arenosa. A noite era escura. mas as
luzes de Treporti e principalmente as de Veneza, a uns dez
quilômetros, proporcionavam uma claridade aceitável.
As pás dos remos habilmente manejados por Johnny iam
impulsionando a lancha para a costa. Enquanto isso, ele
dirigia olhares inquietos à esbelta figura completamente
vestida de negro, que, dando-lhe as costas, fixava toda a
sua atenção na praia. Não era absurdo supor que Jarif Ibn
Maula houvesse ordenado vigilância noturna ali... E não
exatamente pela possível intrusão de fotógrafos.
Finalmente, sem nenhuma dificuldade, a lanchinha se
deteve, tocando a areia com a quilha. Baby tomou sua
maletinha e virou a cabeça.
— Máximo, uma hora, Johnny. Se eu não voltar, já sabe o
que tem a fazer.
— Eu poderia acompanhá-la, para...
— Não.
A negra figura saltou agilmente da lancha caiu sobre a
areia seca e desapareceu rapidamente terra adentro. Johnny
também desembarcou, segurou a anilha de proa e puxou a
lanchinha até deixá-la a seco. Cobriu-a com o plástico negro
e sentou-se na areia, dirigindo unia olhadela ao seu relógio
de mostrador luminoso. Certo: estava tratando com Baby”,
nem mais nem menos.. . Mas aquela ia ser a hora mais
longa e angustiante de sua vida. E se ela não voltasse...
“Se não voltar — pensou — Deus tenha piedade de todos
eles.”
Enquanto isso, Baby tinha chegado diante do gradil.
Podia saltá-lo com toda a facilidade, mas em lugar de
fazê-lo imediatamente, esperou, dirigindo olhares a seu
relógio, também de mostrador luminoso.
Exatamente às duas da madrugada, realizou-se a
rendição que estivera esperando. Houve um leve
movimento nos jardins, mas os olhos pouco menos que
nictalopes da espiã captaram o suficiente: uni movimento,
uma sombra... Seus apurados ouvidos perceberam também
todos os sons, como um sonar infalível: ruído de arbustos,
passos, vozes em surdina... Depois, tudo novamente em
silêncio: tinha-se efetuado a rendição noturna da guarda.
Três homens tinham ido dormir e outros três ficavam
ocupando seus lugares.
Cinco minutos mais tarde, Baby saltava o gradil. Sem o
menor esforço. Ficou agachada no chão, olhando para onde
sabia que estava um dos guardas de Jarif Ibn Maula.
Em completo silêncio, foi deslizando para lá, até que
chegou a ver o homem. Cinco minutos mais tarde, este
começou a caminhar, naturalmente para encontrar-se com
o mais próximo e certificar-se de que não existia novidade
alguma.
E enquanto ele se afastava, a esbelta figura negra
passou entre os arbustos, chegou a um lado da casa, saltou
ao terraço da planta baixa e ficou encolhida junto à porta-
janela. A maletinha foi aberta e gazuas tilintaram
levemente... Forçada em poucos segundos a porta-janela, a
sombra esguia penetrou no living. Tinha perfeito
conhecimento da distribuição de todos os móveis e, em
pouquíssimo tempo, estava diante do quadro. Afastou-o,
deixou o cofre a descoberto, tirou a luva negra da mão
direita e pôs-se a manipular o disco de segredo, enquanto
aplicava a orelha esquerda à grossa porta de aço. Clique...
dique-dique... Clique-dique-dique.
Em dois minutos e meio a combinação foi vencida.
Depois, muito devagar, temendo ouvir a todo o momento
um sinal de alarma, Baby abriu a grossa porta. Não
aconteceu nada. Introduziu a mão no cofre, tateou e deteve-
se de súbito ao sentir aquela forma rígida. Tirou-a e,
ajoelhando-se rapidamente, depositou-a no chão.
Abriu a maletinha, tirou sua pequena lanterna e enfocou
aquilo. Era a pasta, de couro negro, forte. Tinha um
pequeno mas muito forte fecho metálico, que fez sorrir a
espiã que vinha de abrir um cofre em menos de três
minutos. Uma simples gazua em forma de vareta com um
diminuto gancho na ponta foi suficiente para abrir o fecho
da pasta.
Em poucos segundos, uns quantos papéis ficaram no
chão. Logo após brilhou uma luz intensa, branca,
rigorosamente centrada nos papéis. Aquela luz tornava mais
densa a sombra ao redor dos mesmos. Por cima deles
começou a soar um levíssimo dique-dique-dique-dique.
Eram oito folhas ao todo. E oito vezes soou o dique.
Depois tudo tornou a ficar como antes: os papéis dentro
da pasta, esta fechada e dentro do cofre, este fechado e
escondido atrás do quadro.
A figura negra regressou ao terraço e a porta-janela foi
fechada. Um trabalho perfeito... Só que ali adiante estava o
guarda daquela parte do jardim, imóvel. O relógio luminoso
ficou visível. Havia tempo. Não muito, mas havia.
Dez minutos mais tarde, o tempo já era bem pouco.
Baby meteu a mão num vaso dos que ornavam o terraço,
apanhou um punhado de terra e atirou-a para sua direita,
contra uns arbustos. Imediatamente soou a voz: uma
palavra árabe que ela não entendeu... O guarda moveu-se.
Tornou a dizer alguma coisa. Mais além, respondeu-lhe outra
voz. Os dois homens aproximaram-se do lugar onde tinha
caído o punhado de terra. E a sombra saltou do terraço,
desapareceu entro os arbustos, chegou ao gradil, saltou-o...
Uma luz se acendeu na casa. Outra luz. Agora ouviam-se
mais vozes, claramente.
Mais além, Johnny saltou de pé ao ver a primeira luz.
Em sua mão direita apareceu o revólver e seu rosto
crispou-se.
— Vamos, Johnny! — ouviu. — A lancha, depressa!
Baby apareceu, correndo. Ele já removera o plástico que
cobria a lancha e, depois de atirar dentro dela a maletinha,
Baby ajudou-o a empurrar a embarcação para a água.
Entrou quando já começava a flutuar, Johnny empurrou
um pouco mais, entrou em seguida e empunhou os remos.
— Para o norte — disse ela, num murmúrio. Um remo
mergulhou na água, depois o outro, novamente o primeiro,
o outro... O atlético Johnny punha toda a sua energia
naquele esforço contido, duro, retesando todo o corpo.
— Está bem — disse por fim Baby. — Reme agora
tranquilo durante uns minutos. Depois poderemos utilizar o
motor.
— Okay.
O motor foi posto em marcha cinco minutos mais tarde,
quando já estavam bastante afastados da vila. Baby
colocou-se junto a Johnny, sorrindo.
— Não me pergunta se consegui? — perguntou.
— Só um boboca perguntaria isso — riu o espião.

— Conseguiu? — perguntou Levi Cohen.

Baby sorriu e olhou para Johnny III, que deu uma risada,
encolhendo os ombros. Dedicou-se a acender um cigarro,
enquanto mademoiselle Lafrance abria sua maletinha,
tirava a câmara fotográfica e, desta, extraía o microfilme,
que atirou às mãos de seu companheiro.
— Já estão prontas as outras? — perguntou.
— Logo estarão — Johnny I consultou seu relógio.
— Achei melhor vir aqui que ficar esperando no
laboratório.
— Vá buscar as anteriores. E que estas sejam reveladas
agora mesmo. Só volte aqui quando puder trazer tudo,
Johnny. São... três e vinte. Acha que todas as fotos poderão
estar prontas pelas sete horas?
— Acho que sim. Já disse a meu... sócio que havia pressa.
Faremos tudo de uma vez.
— Bem. Até logo.
— Volto para lá? — perguntou Johnny III.
— Sim — assentiu Baby. — Não creio que notem nada,
portanto permanecerão tranquilos na vila. Um falso alarma.
Mas, se perceber que eles tentam partir, chame pelo rádio.
— Está bem.
Johnny 1 e Johnny III abandonaram a sala, enquanto Levi
Cohen olhava para um e outro, evidentemente atônito com
a rapidez de ações, decisões e entendimento entre os
agentes da CIA. Por fim, olhou para Baby, que se instalara
numa poltrona e estava acendendo um cigarro.
— Que... que faremos nós? — indagou.
— Sugiro-lhe que durma.
— Que durma? Agora?
— Amigo Levi, não creio que seja o momento de apanhar
sol.
— Cabe-me o segundo turno? — perguntou Johnny II,
sorrindo.
— De acordo — assentiu Baby.
Continuou fumando, pensativa. Muito pensativa, pois,
enquanto tirava as fotografias, estivera olhando o conteúdo
daqueles papéis. Também, por outro lado, conhecia as
primeiras fotos que entregara a Johnny I para que as
revelasse. Aquelas primeiras fotos possivelmente lhe fariam
compreender o que até o momento não compreendia,
aquela coisa estranha... Quanto às segundas, só tinha que
pensar naqueles mapas com linhas que, sem dúvida
alguma, representavam rios... Parecia, pelo menos. Mas,
além disso, tinha visto claramente desenhados uns
projéteis. Tinham a forma comum, normal, mas certamente
não deviam ser normais. Curioso, sobretudo, era que
aqueles projéteis estavam desenhados na corrente do rio
principal... O rio principal desembocava em Trieste e parecia
nascer no centro da Alemanha.
E de uma coisa tinha certeza a agente Baby: não havia
nenhum rio que nascesse na Alemanha e desembocasse,
por Trieste, no Mar Adriático. Nenhum. Mesmo porque, seria
totalmente absurdo: como um curso de água poderia subir
pelos Alpes para chegar ao Adriático? Os rios descem, não
sobem. Sempre o caminho fácil, de cima para baixo.
Lógico.
Johnny parecia ter adormecido. Levi Cohen olhava
fixamente para Baby, expressão quase aparvalhada.
Tinha sono, mas recusava deixar-se vencer por ele.
Além disso, estava muito nervoso. Certamente demoraria
a adormecer...

— Vá abrir.

— Há? Quê...? — tartamudeou Levi Cohen, endireitando-


se na poltrona e pestanejando rapidamente.
— Johnny já voltou: desça você mesmo para abrir-lhe a
porta.
— Ele já...? Que horas...?
— Sete menos dez.
— Sete...? Mas... quer dizer que dormi!
— Irei eu — disse Johnny II, levantando-se pesadamente.
— Por que não me chamou para o segundo turno?
— Eu estava sem sono — sorriu Brigitte.
Johnny II desceu para abrir. Voltou acompanhado de
Johnny I, que trazia um envelope na mão.
— Ampliadas e tudo — disse, muito ufano. — Demoramos
um pouco mais porque preferi que fosse um trabalho
esmerado, Baby.
— Fez bem. Vejamos essas fotos.
— As da vi...
— Sem comentários, Johnny. Não quero ouvir
absolutamente nenhum comentário. De acordo?
— Sim... Não estava querendo ser mais esperto que
você.
Brigitte dirigiu-lhe um olhar estranho, tomou o envelope,
abriu-o e começou a examinar as fotografias, todas tiradas
por ela. Foi passando-as sem pressa, rosto inexpressivo. Por
fim, tornou a metê-las no envelope, deixando Johnny II
pasmo.
— Não posso vê-las? — perguntou ele, incrédulo.
— Não, Johnny.
— Por quê? Ouça: o que é que há? Somos...
— Deixarei vocês verem algumas delas. Olhem bem e
depois estejam atentos, pois farei uma pergunta básica.
Johnny II e Levi Cohen examinaram as fotos que “Baby’’
lhes facilitou. A testa do primeiro franziu-se.
— Que idiotice... Um rio que sobe pelos Alpes...
— Não é um rio — afirmou Levi Cohen.
— Essa era minha pergunta — disse Baby. — Que lhes
parece que possa ser isso?
— Parece um rio — insistiu Johnny.
— Não é — insistiu por sua vez Cohen; e olhou para
Brigitte. — Você sabe que não é um rio.
— Creio que sei, Levi. Mas diga-o você, que assim ambos
teremos mais certeza. Que é?
— O TAL.
— O quê? — exclamou Johnny II.
— O TAL... — murmurou Johnny I. — Claro!
Johnny II ficou estupefato. Súbito, empalideceu.
— Mas...!
— Calma — aconselhou Baby. — Acho que não podemos
ter a menor dúvida a respeito, mas tenhamos calma.
Segundo todo o traçado deste... rio, só pode ser o TAL, isto
é, o Oleoduto Transalpino, que vai de Trieste a Ingolstadt. na
Alemanha. Este oleoduto cruza parte da Itália, a Áustria e
parte da Alemanha, não é, Levi?
— Parece-me que sim.
— Que mais sabe você sobre o TAL?
— Praticamente, nada mais. Creio que foi construído com
financiamento de doze ou quatorze companhias petrolíferas
de vários países, entre os quais os Estados Unidos, a França,
a Itália... Não me lembro bem. Custou algo assim como
duzentos ou duzentos e cinquenta milhões de dólares. É só
o que sei.
— E vocês? — Baby olhou para os dois Johnnies.
Ambos moveram negativamente a cabeça.
— Agora que já sabemos do que se trata, naturalmente
lembraremos esse oleoduto europeu, mas não sabemos
mais que Cohen no que se refere a detalhes. Nunca nos
interessamos por... — estava dizendo Johnny I.
— Nosso helicóptero ainda está em Veneza?
— Está. Claro. Você determinou.
“Baby’ indicou Johnny II.
— Vá lá e que nossos companheiros levem você a Trieste.
Tem que regressar, com o máximo de informação possível
sobre o TAL, antes do meio-dia.
— Escrita? — perguntou o agente.
— Não diga tolices — riu ela. — Vou dormir algumas
horas no hotel. Vocês — indicou Johnny I e Cohen — ficarão
aqui. E você, que já dormiu — tornou a indicar Johnny II —,
trabalhe. E quando voltar me chame pelo rádio. Até logo,
queridos.
Saiu da sala. Ouviram-se seus passos na escada...
— É verdade que ela vai dormir agora? — perguntou
Cohen.
— Deixe de perguntas idiotas! — grunhiu Johnny 1, ainda
zangado com a atitude bastante incompreensível de Baby
no assunto das fotografias, que afinal de contas ele já tinha
visto. — E você: que espera para se largar? — interpelou
Johnny II. — Apresse-se: nossa querida boneca não parece
muito bem-humorada esta manhã. Eu não gostaria de estar
na sua pele se você só a chamar pelo rádio depois das
doze...
OITO
Mas que diabo estava acontecendo?
 
Bip-bip-bip.
Tomou o radinho, colocando-o sobre o peito, e abriu a
comunicação, ao mesmo tempo em que fixava os olhos no
teto.
— Alô — murmurou, erguendo o braço para olhar a bom:
onze e quarenta e nove minutos.
— Baby, é o Johnny II. Acabo de voltar de Trieste, onde
obtive a inf..
— Adiante com ela. E não se afobe: fale claro, sem
esquecer nada. Escuto.
— O TAL foi construído com financiamento de
companhias de petróleo da Alemanha Ocidental, Inglaterra,
Holanda, França, Itália e Estados Unidos. Seu custo
ultrapassou duzentos e cinquenta milhões de dólares e para
sua construção foi necessário vencer toda uma longa série
de dificuldades técnicas, climatológicas e outras que...
— Sem dificuldades, Johnny.
— De acordo. Vejamos... Esse Oleoduto Transalpino
bombeia diariamente nada menos de trezentos mil barris de
óleo cru para Ingolstadt, na Alemanha. Durante o percurso,
cuja extensão é de aproximadamente quinhentos
quilômetros, há várias estações de bombeamento, serviços
de reparação e segurança, assim como de manutenção. Foi
necessário construir três túneis fantásticos nos Alpes para
instalar as tubulações de aço, cujo diâmetro é de quase um
metro. Esses túneis ficam nas bases dos picos Plocken,
Felbertauen e Hahnkamm. Este é o mais curto, mas saiba
que sua longitude quase atinge sete quilômetros. Muito
bem, os construtores...
— Não. Não quero nomes. Só dados específicos do
oleoduto.
— Ah... Refere-se especificamente a quê?
— E vulnerável o TAL?
— Vulnerável? Eu diria que não muito. Esse conduto de
tubos de aço está enterrado e protegido por uma série de
revestimentos de fibra, ou algo assim... Além da terra que
tem em cima, naturalmente. Se o que pergunta é se pode
ser explodido, acho difícil, a menos que sejam utilizadas
cargas poderosíssimas que...
Johnny caiou-se de súbito e, não menos subitamente.
Baby sentou-se na cama, tensa.
— Johnny II — murmurou.
Silêncio.
— Johnny! Diga-me o que...
— Não, não... Acalme-se, Baby. Estou bem e continuo
contemplando Veneza de minha janela. Ouça: vou dizer-lhe
somente mais uma coisa sobre o TAL e, se você não
compreender de imediato porque me calei, sugiro-lhe que
se dedique a cultivar orquídeas.
— Boa ideia — ela sorriu aliviada — pode dizer, querido.
— Preste atenção: periodicamente, de Trieste, os técnicos
de manutenção do oleoduto enviam por este, flutuando
sobre o petróleo, que viaja à razão de quatro quilômetros
por hora, uns... tubos metálicos com a forma de projéteis.
Esses tubos contêm mecanismos de escuta, espécie de
ouvidos eletrônicos capazes de captar a menor fuga de óleo
durante o trajeto. Se houver essa fuga por alguma fenda ou
junta da tubulação, um transmissor especial que viaja
também por ela envia o sinal de alarma aos instrumentos
de controle. Isso é tudo. Como é: vai dedicar-se às
orquídeas?
— Quando estiver velhinha — murmurou Baby. — Por
enquanto, continuarei com a espionagem. Agora, Johnny,
escute... Um momento. Não desligue.
— O telefone está tocando, não?
— Sim. Espere um momento.
Deixou o rádio de lado e desenganchou o telefone da
mesinha de cabeceira.
— Alô.
— Oh, bem. Obrigada. Diga-lhe que descerei dentro de
cinco ou dez minutos.
Reenganchou o telefone e tornou a falar pelo radinho.
— Johnny?
— Sim, sim... Estão à sua espera?
— É Ismir. Veio buscar-me da parte de Ibn Maula,
naturalmente. Ouça bem, Johnny.
Dez minutos mais tarde, mademoiselle Lafrance aparecia
no vestíbulo do Gritti Palace e Abdala Ismir levantava-se
rapidamente, sorrindo. Aproximou-se dela, obsequioso.
— Bom dia, mademoiselle. Tal como ontem, o xeque
pensou que não devíamos incomodá-la até o meio-dia e
suplica-lhe que aceite seu convite para ir vê-lo na vila.
Esperamos que tenha passado bem a noite.
— Muito bem, senhor Ismir, obrigada. Podemos ir para a
vila quando lhe aprouver.
— Mademoiselle é quem manda — Abdala ampliou o
sorriso.
— Neste caso — sorriu ela, encantadoramente —, creio
que podemos partir agora mesmo.
Pouco depois, Abdala Ismir punha a lancha em marcha,
afastando-se do Molo, Canal de São Marcos acima. Não
demoraram muito a passar por diante da Ilha de Santa
Elena e Monique Lafrance sorriu ao pensar que ali, no
número 6
da Calle Sabotino, uma garrafa de champanhe a
esperava.
Minutos mais tarde, passaram diante da boca de saída ao
Adriático, formada por diques acoplados ao Lido e a
Cavallino. Ao longe, o mar e o céu juntavam-se num mesmo
tom luminoso... Subia o mar ou baixava o céu?
— Mon Dieu... — murmurou de súbito mademoiselle
Lafrance.
Ismir virou-se imediatamente, olhando-a sobressaltado.
— Que...?
— Oh, estou me sentindo mal... — disse ela, levando
ambas as mãos ao ventre. — Bastante mal! Por favor, pare!
Alarmado, Abdala Ismir parou o motor da lancha, que
Continuou suavemente seu caminho, cada vez mais
devagar. O árabe aproximou-se de Monique e segurou-a por
um braço, solícito.
— Que está sentindo, mademoiselle? Permita-me ajudá-
la...
— Leve-me... Leve-me para dentro, por favor... Estou em
jejum e sinto... Oh, meu Deus, que sensação horrível...
— É só um pouco de enjoo. Vou levá-la para dentro, sim.
Quase sustentando-lhe o peso, o miúdo árabe
acompanhou Monique ao interior da lancha, a pequena
cabina onde havia três beliches de armar, agora levantados.
— Segure-se aqui — aconselhou Ismir. — Baixarei um
beliche para que se estenda...
— Não, não — disse ela, alegremente. — Que coisa! Já
me sinto bem!
Ismir ficou espantado.
— Passou o incômodo?
— Passou. E estou-lhe tão agradecida, Ismir, que vou lhe
mostrar minhas pernas.
Dito e feito. Mademoiselle Lafrance levantou a saia,
mostrando suas sensacionais pernas ao atônito Abdala...
que abriu a boca numa expressão de alarma quando ela
arrancou da coxa esquerda, à qual aderia por meio de duas
tiras de esparadrapo cor de carne, a pistolinha de coronha
de madrepérola. Quando esta ficou apontada para sua
cabeça, Abdala Ismir estava ainda petrificado.
— Saudações da CIA — disse ‘‘Baby”.
O rosto moreno do árabe adquiriu um tom lívido, suas
feições se alteraram.
— Que... que...? — tartamudeou.
— Ora, vamos, Abdala — sorriu ela, friamente. — Está
terminado o jogo. Você sabe muito bem que sou Baby, da
CIA, não é assim? Agora, diga-me qual o verdadeiro objetivo
de tudo isto.
— Mademoiselle... Juro-lhe por Alá... Não sei do que está
falando! Não entendo nada, nada... Que Alá me castigue
se...!
— Vamos deixar o bom Alá no seu delicioso paraíso,
Abdala. Falemos de nós. Dois espiões frente a frente. Gato e
rato. Até agora, tenho sido o rato, mas depois que você for...
sincero comigo, as coisas mudarão.
— Mas, signorina, eu não...
Um erro frequente em muitos homens: crer que, como
quem os ameaça é uma mulher, podem resolver o assunto
sem a menor dificuldade. E, com esta convicção, Abdala
Ismir abalançou-se contra a espiã mais mortífera de todos
os tempos, adiantando a mão, disposto a arrebatar-lhe a
pistola.
O golpe que recebeu justamente com a pistola em pleno
nariz, além de detê-lo em saco, atirou-O de costas no chão,
quase aturdido, enquanto um duplo jorro de sangue brotava
de suas fossas nasais. Sentou-se rapidamente, sacudiu a
cabeça, fixou o olhar naqueles perfeitos joelhos femininos e
dispôs-se a saltar contra eles para agarrá-los, empurrar com
os ombros, fazer Baby cair de...
Mal tinha iniciado o movimento, Abdala Ismir recebeu,
agora no queixo, um elegantíssimo pontapé. Sentiu que sua
cabeça estalava, seu pescoço se estirava e todo ele tornava
a cair de costas... Já não se moveu.
— Oh!... — lamentou Baby. — Que contratempo!
Revistou Ismir, encontrou seu revólver, sacou sua
carteira... e sorriu muito, muito alegremente ao ver o
cheque no valor de um milhão e duzentos e cinquenta mil
dólares, efetivamente assinado por Jarif Ibn Maula, contra
um banco suíço. A jogada estava clara: primeiro, Abdala
tinha entregado aos homens do helicóptero o cheque de
Jarif, diante deste; mas depois, antes que o gorducho e o da
testa estreita partissem, tinha-o recuperado. Por quê? Por
que enganar assim o xeque?
Embora, na verdade, as coisas estivessem ficando tão
claras, que já não era preciso pensar muito. Ela, pelo
menos, não precisava. Portanto, voltou ao convés, sorriu ao
ver a lancha que se aproximava velozmente, apanhou sua
maletinha e voltou à cabina. Baixou um beliche, sentou-se
nele e acendeu um cigarro.
Dois minutos mais tarde, Johnny I, Johnny II e Levi Cohen
entravam na cabina da lancha. Todos olharam o
desacordado Abdala, depois para Baby, que, pernas
cruzadas, fumava sorridente.
— Bem-vindos a bordo.
— Que aconteceu? — perguntou Levi Cohen.
— Veja se acorda, colega — disse Johnny I. — Não está
vendo? Um tolo que não quis aceitar a situação... Ele
morreu, Baby?
— Claro que não — respondeu esta. — Ainda tem que
contar-nos uns segredinhos.
— Não creio que reste muita coisa a explicar.
— Pois esteja certo de que se engana.
— Por quê? Tudo está bem claro: esta gente pretende...
— Johnny, lembra-se de mim?
O agente da CIA olhou assombrado para Baby.
— Se me lembro de você? Não estou entendendo...
— Alguma vez eu disse “branco” e aconteceu ser
“preto”?
— Claro que não! Mas o que eu...
— Alguma vez fui... antipática com algum Johnny? Tem
você notícia disso?
Johnny I estava absolutamente desconcertado.
— Não, não... não... Claro.
— Vamos aceitar, então, que quando eu faço uma coisa é
porque tal coisa deve ser feita?
Olhou-o fixamente. Johnny pestanejou. Durante uns
segundos foi evidente que não estava entendendo nada de
nada. Mas, pouco a pouco, começou a aparecer em seu
rosto uma expressão nova. Primeiro de assombro, de
incredulidade em seguida e, quando a máscara da cólera
começava a fixar-se em suas feições viris, Baby ergueu a
mão, sorrindo.
— É tudo. Acalme-se.
— Bem — grunhiu Johnny I.
— Que diabo está acontecendo aqui? — interveio Johnny
II. — Seja o que for, tenho o direito de...
— Querido — Brigitte olhou-o docemente —, quer chamar
o nosso companheiro que vigia a vila de Ibn Maula?
Diga-lhe que venha ao nosso encontro. E estou certa de
que você não tem mais nenhuma pergunta a fazer.
Também Johnny II pestanejou. Depois sacou o radinho.
— Que há com vocês? — perguntou Levi Cohen. — Para
mim, é como se estivessem falando uma língua
desconhecida...
Baby não respondeu. Sempre sorridente, olhou para
Johnny II, que já entrara em contato com Johnny III.
— ... Justamente. A caminho da vila — estava dizendo.
— Baby terá que fazer o transbordo durante a marcha.
Ela lhe explicará. É só.
Fechou o rádio, guardou-o e olhou para sua companheira.
Cohen também a olhava, um tanto enfarruscado.
— Já sei que vocês são mais espertos — resmungou —
mas gostaria de saber o que estamos fazendo.
— Levi, você está à procura de uma peça chamada
Abdala Ismir para saber o que está tramando... Certo?
— Claro. Sendo um árabe, com certeza esta preparando
algo contra Israel. Não adivinho o que possa ser, mas...
— Olhe, nós vamos resolver este assunto segundo meu
estilo. E quando tudo estiver solucionado, esteia certo de
que lhe darei o que por justiça lhe pertença. Nunca ninguém
sai prejudicado em seus negócios com Baby. E agora
prosseguiremos a viagem, para que Johnny me recolha em
sua lanchinha. Vocês dois ficarão aqui dentro, vigiando
Ismir, sem se deixar ver no convés. Você e eu subiremos,
Johnny.
Johnny I subiu atrás de Baby. Esta se colocou diante dos
controles, pôs a lancha em marcha e reencetou a Curta
viagem, levando a reboque a lancha em que tinham
chegado seus companheiros. Virou-se um instante para
olhá-la, indicando-a.
— Deixem-na em qualquer parte antes de chegar à vila,
Johnny.
— Está bem.
Baby olhou-o atenta.
— Entendeu tudo, de verdade?
— Creio que sim.
— Posso estar enganada.
Johnny I refletiu um segundo.
— Sim... — admitiu. — Você pode estar enganada.
Mas... duvido.
— Eu também. Mas se estou certa, terei que contar com
você... Aposto que aquela lancha que se aproxima é a de
Johnny.
Era. Minutos depois, a agente Baby, com sua maleta
famosa, saltava para a lancha de Johnny III, agitava a mão
para Johnny I e apontava para Treporti.
— Outra vez para lá, Johnny — disse.
— Okay. Ouça: não poderia eu saber o que esta
ocorrendo?
— Vou lhe explicar o suficiente para que você esteja
tranquilo. Enquanto isso, leve-me a um lugar adequado para
que eu desembarque.
NOVE
Sugestão à distância
 
Em pleno sol, tranquilamente, mademoiselle Monique
Lafrance chegou afinal, já a pé, ao lugar que lhe pareceu
adequado e conveniente. Olhou o pinheiro diante dela,
olhou para a vila de Jarif Ibn Maula, que distava dali uns
duzentos metros, depois outra vez o pinheiro. Muito bem:
tinha que fazê-lo, era tudo.
Passou a alça da maletinha pelo pulso, com toda a
comodidade, pois fora calculada especialmente para isto.
Avaliou a distancia até o galho mais baixo do pinheiro,
flexionou as pernas e saltou... Só foi necessário aquele
salto.
Suas mãos pareceram cravar-se no galho, balançou duas
vazes e depois, com hábil impulso, encontrou-se apoiando o
ventre sobre o mesmo. Ergueu o braço, agarrou outro galho,
outro em seguida.... Em poucos segundos, estava
confortavelmente instalada entre os galhos superiores do
pinheiro.
Magnífico observatório. A distância era talvez um tanto
excessiva, mas tinha algo a seu favor, que remediaria
aquele pequeno inconveniente: uma pontaria magnífica.
Abriu a maletinha, tirou o tripé de alumínio, desprendeu
as três pernas ocas e pôs-se a enroscá-las uma na outra, até
conseguir o tubo do fuzil, ao qual acoplou depois a culatra,
que para todos os efeitos era um secador de cabelo... Vez
por outra, erguia os olhos azuis, sérios, expectantes, para a
vila. À direita, o mar próximo lançava suas calmas ondas
para a areja, que reluzia ao sol. Era um bonito dia
primaveril.
De um pote de creme facial, cujo fundo foi desenroscado,
retirou as pequenas ampolas de gás, que ficaram na palma
de sua mão. Após hesitar um instante, tirou da maletinha
uma gaze, colocando-a diante da boca e do nariz. Teria sido
estúpido que uma daquelas ampolas se partisse e ela
adormecesse por duas ou três horas.
Mas nenhuma se partiu, de modo que ficaram
cuidadosamente guardadas no bolso superior da blusa.
Finalmente, Baby fechou a maletinha, deixou-a pender
de um galho quebrado, introduziu uma ampola no tubo de
alumínio e dirigiu um olhar para a casa, para os jardins...
Não se via ninguém. Aos da casa, muito logicamente, já
que seu olhar não era capaz de atravessar paredes. Aos
guardas do jardim, porque as árvores e os arbustos
ocultavam-nos. Só tinha que esperar... Havia seis guardas
lá. Durante a noite, três dormiam e três vigiavam, por
turnos. Durante o dia, estavam os seis, aparentemente
ocupados em diversas coisas. Com seis homens passeando
pelos jardins, as probabilidades de ver algum, sabendo que
estavam lá, não eram remotas, absolutamente. Além disso,
tinha muito boa vista...
Tão boa, que identificou imediatamente o homem que
apareceu num terraço: Jarif Ibn Mania. Compreendeu que o
xeque olhava para a praia. Dada a posição do terraço, ele
veria a praia de lado, mas poderia ver uma extensão
suficiente de mar para olhar com impaciência, à espera da
lancha que devia trazer mademoiselle Monique Lafrance à
vila.
Sé que não veria ainda a lancha.
Súbito, Jarif Ibn Maula prostrou-se, virado para Meca, e
iniciou sua prece, enquanto Baby consultava seu relógio.
— Você está um pouco atrasado hoje, querido — sorriu.
Seu olhar desceu rapidamente ao jardim. Sem dúvida, os
guardas também estavam orando, mas continuavam
ocultos.
E ainda não tinha visto nenhum quando a oração
terminou.
Jarif Ibn Maula desapareceu no interior da casa, lento,
majestoso... após dirigir outro olhar ao mar.
Nova consulta ao relógio.
Ah, o tempo... E súbito, tornando a olhar o jardim, viu um
dos guardas a caminho da quadra de tênis. Esplêndida sua
posição. Baby ergueu o fuzil, apontou-o um instante e
apertou o gatilho.
Bfff.
O vigia árabe, a quase duzentos metros, deteve-se de
imediato, baixou a cabeça, olhou para o peito... e caiu,
brandamente. Enquanto, a toda a pressa, Baby tirava mais
duas cápsulas do bolso e fazia-as deslizar pelo tubo
municiando novamente o fuzil.
Exato. Não podia falhar: outro guarda apareceu, correndo
para o companheiro, revólver na mão. Chegou junto a ele,
ajoelhou-se, virou-o. Seu rosto levantou-se, sua boca
moveu-se... Como um filme de cinema mudo, Baby
via o árabe chamar. Em poucos segundos, mais dois
guardas chegaram junto a este... Seu dedo crispou-se sobre
o gatilho.
Um pouco mais de paciência... Perfeito: os dois guardas
restantes apareceram também dentro da pequena lente
circular da mira telescópica.
Bfff.
Um dos guardas levou a mão ao ventre, disse algo, seus
companheiros olharam-no.. já tombando uns sobre os
outros.
Sempre a toda a pressa, mas com movimentos seguros,
Baby tornou a carregar o fuzil, agora com uma só ampola.
Em seu rosto não havia expressão alguma, suas mãos
estavam firmes, seus lábios não se contraíam.
Poucos segundos após, Jarif Ibn Maula saía da casa,
correndo. Tinha uma pistola na mão e olhava para todos os
lados... Valente. Assombrosamente valente. Pelo menos,
muito mais que seus secretários e criados, que não
pareciam dispostos a sair. Algo estava acontecendo e não
seriam tão tolos a ponto de se expor ao perigo, claro.
A espiã eficientíssima recorreu ao rádio, rapidamente.
— Johnny?
— Ouvindo.
— Agora.
— Okay.
O radinho regressou a seu decote. O fuzil ergueu-se de
novo, seu olho direito olhou através do visor telescópico. Lá
estava Jarif Ibn Maula examinando, com ar de grande
perplexidade, seus guardas inanimados. Endireitou-se,
olhando para a casa. Seu rosto, crispado pela cólera,
contorceu-se no grito de chamado... mas ninguém saiu da
casa. Os negros e severos olhos do xeque giraram para
todos os lados, em busca de uma explicação... a qual só lhe
podia dar a formosa mulher que, encarapitada num
pinheiro, sorridente, o contemplava através da mira de seu
improvisado fuzil de alumínio.
— Tome as coisas com calma, querido... — murmurou ela.
— Não se descontrole. O que você tem a fazer é olhar para
a praia... Para a praia... Para a praia...
A cabeça de Ibn Maula virou-se para a praia. No mar,
ainda longe, aparecia sua bonita lancha branca. Para lá
Baby desviou a mira, enfocando Abdala Ismir aos controles,
rígido. Não viu ninguém mais.
— Muito bem, Johnny — tornou a murmurar; olhou outra
vez para Ibn Maula. — Vamos. Que está esperando?
Você tem que ir até a praia, avisar Ismir, contar-lhe o que
ocorre... Vamos! Isso mesmo! Isso!
Jarif Ibn Mania já caminhava velozmente para a praia, ao
encontro de sua lancha. Não era sugestão a distância.
Não havia truque nenhum por parte de Baby. Era
simplesmente lógico. Tudo tinha sido pensado e tudo
acontecia de acordo com a lógica. Exceto, possivelmente,
quanto à considerável e inesperada coragem do xeque. Ao
que parecia, era homem capaz de olhar de frente o perigo.
Mais que depressa, Baby desceu do pinheiro, correu para
o gradil da vila, saltou-o, atravessou o jardim, chegou ao
terraço do living, saltou a este, empurrou a porta-janela e
suspirou quando esta cedeu. Não dispunha propriamente de
muito tempo.
Atravessou o vasto living, saiu ao vestíbulo, desviou-se
rapidamente para a cozinha... Com um pé, empurrou a
porta, enquanto erguia o fuzil à altura do quadril. Num
canto, três servos árabes, duas mulheres e um homem,
encolhidos, olharam de olhos arregalados para a mulher que
usava uma pequena máscara de gaze. O dedo desta
apertou o gatilho e os três servos tombaram. Ela regressou
ao vestíbulo, atravessou-o e lançou-se escada acima, a toda
a velocidade. Tinha-se preocupado em conhecer bem a casa
durante sua visita na tarde anterior, assim foi diretamente
até a porta do quarto de Jarif. Deixou o fuzil apoiado à
parede e sacou três pequenas cápsulas de gás. Só lhe ficava
uma...
Colocou-se a um lado da porta, empurrou-a com força...
e dentro soaram vários tiros com silenciador. As balas,
sibilando, passaram pela porta e foram cravar-se na parede
fronteira. Baby lançou as três cápsulas dentro do quarto.
Esperou quinze segundos.
Quando olhou para dentro, o quadro era na verdade
interessante: duas das esposas do xeque estavam
praticamente nuas, pois deviam ter sido surpreendidas pela
veloz entrada dos dois secretários e, em sua excitação, em
seu medo, tinham esquecido de cobrir-se imediatamente...
O dedo de Baby agitava-se graciosamente no ar, à
medida que ela ia contando todos os que dormiam: as
quatro jovens, os dois secretários, mais dois servos, o que
podia ser definido como o mordomo da vila... Uma
recontagem final de todas as pessoas que ela contabilizara
na tarde anterior deixou-a satisfeita: com exceção de Jarif
Ibn Maula, todo o mundo dormia placidamente na vila.
— Não é formoso? — murmurou, sorrindo — a vitória sem
mortes... Vejamos se no final só mato a quem seja
imprescindível matar. Gostaria disso.
DEZ
O colar de estrelas
 
Jarif Ibn Maula deteve-se em seco quando, ao entrar no
living, viu mademoiselle Monique Lafrance sentada
comodamente numa poltrona, fumando, contemplando-o
sorridente.
— Monique! — exclamou, atônito.
— Olá, querido. Meus rapazes lhe trataram bem? Oh,
vejo que não muito... Desviou o olhar da mancha de sangue
que o xeque tinha no braço direito, acima do cotovelo, e
dirigiu-o a Johnny I, que encolheu os ombros.
— Sinto muito... — disse este. — Quando ele se deu
conta de que Ismir não estava só, quis atirar. Pareceu-me
que uma bala no braço impediria maiores dificuldades.
— Você fez bem — aceitou Baby. — Quanto mais que Jarif
é um homem forte e uma ferida assim não representa
grande coisa para ele. Quem me parece bastante debilitado
é o nosso amigo Abdala — olhou-o com expressão
sarcástica. — Na verdade, pensou que podia vencer-me,
Ismir? Ou estava. . . brincando?
Abdala Ismir, sombrio, rosto todo manchado de sangue
seco, não se dignou responder. Estava junto de Jarif Ibn
Maula, que parecia ter dificuldade em sair de sua surpresa.
Atrás dos dois, estavam os três Johnnies e Levi Cohen,
apontando-lhes suas armas.
— Segundo parece, o senhor Ismir não tem vontade de
conversar. Entretanto, como eu tenho e quem manda aqui
sou eu, conversaremos. Sentem-se, se quiserem.
Abdala Ismir permaneceu de pé. Jarif Ibn Maula foi
sentar-se diante de Baby, em outra poltrona. Seus olhos
negríssimos, cheios de fogo, pareciam querer abrasar a
belíssima espiã. Por fim, a surpresa, a perplexidade tinham
cedido.
— Quem é você? — perguntou.
— Ora vamos, Jarif...
— Quem é?
— Baby.
— Baby?
— Da CIA.
O xeque pestanejou.
— Você é uma espiã americana?
Johnny III soltou uma exclamação, no que foi secundado
por Johnny II. Entretanto, Johnny I permaneceu
imperturbável. Por sua parte, Baby limitou-se a arquear as
sobrancelhas, revelando amável surpresa.
— Nunca ouviu falar de mim?
— Nunca.
— Ele está mentindo! — excitou-se Levi Cohen. — Esse
maldito árabe.
— Tenha a bondade de calar-se, Levi — cortou secamente
Baby. — Aqui sou eu quem fala. Eu e aquele a quem eu fizer
perguntas.
— Oh... peço desculpas, mas...
— Silêncio.
O israelense afundou num silêncio torvo. Na verdade.
aquela mulher não parecia simpática. Ibn Maula estava
olhando atentamente para ele e, súbito, indicou-o.
— Esse não é americano.
— Não. Não é. Apresento-lhe o senhor Levi Cohen, do
serviço secreto israelense. Os Outros são: Johnny, Johnny e
Johnny. E agora que já nos conhecemos todos, a conversa
será mais fácil. A que horas foram enviados os torpedos, ou
o que sejam, pelo oleoduto?
A boca de Ibn Maula se abriu numa expressão de
assombro.
— Os quê? — exclamou.
— Os torpedos, ou algo parecido. Se me disser a que
horas foram enviados pela tubulação, e calculando que
viajam a uns quatro quilômetros por hora sobre o petróleo,
poderemos saber, aproximadamente, onde se encontram
agora, a fim de que, para evitar acidentes, a zona seja
evacuada.
O Xeque parecia pouco menos aniquilado pela surpresa
e, sobretudo, pela incompreensão.
— Que Alá me valha... — murmurou. — De que está
falando, Monique?
Esta entrecerrou as pálpebras um instante. Depois
apagou o cigarro contra o cinzeiro, pôs-se de pé, abriu sua
maletinha e tirou o envelope com as fotografias, que
espalhou por sobre a mesinha redonda.
— Aproxime-se e veja isto — disse.
Ibn Maula obedeceu. Foi até lá, esteve uns segundos
olhando as fotos e terminou movendo negativamente a
cabeça.
— Não sei... Parecem mapas... Mapas do centro da
Europa até o Adriático, não?
— Sim.
— Mas... este rio não existe... O TAL! É o TAL?
— Ah... Conhece este oleoduto?
— Naturalmente, Mas que tem a ver o oleoduto com tudo
isto?
— Não sei. Explique-o você.
— Eu? Que posso explicar-lhe sobre o TAL?
— Bom... Diga-me, pelo menos, por que tem estes mapas
em seu cofre, Jarif.
— Eu não tenho nenhum mapa deste em lugar nenhum!
— explodiu Ibn Maula, enfurecendo-se finalmente.
Baby tomou a olhá-lo com as pálpebras semicerradas.
Não disse mais, no momento. Foi até o quadro, afastou-o
e, esta vez num minuto e meio apenas, para espanto e
terror do árabe, abriu o cofre. Dele tirou a pasta e, com toda
a naturalidade, recorrendo à sua gazua em forma de
gancho, venceu o fecho metálico. Extraiu os papéis,
regressou para junto do xeque e estendeu-os a ele. No auge
do assombro, este os tomou, olhou-os e lançou lima
exclamação.
Imediatamente, virou-se para Abdala Ismir.
— Que significa isto? Escute, Abdala, você me disse...
— Em árabe, não — cortou Baby. — Falem em inglês,
francês ou italiano, mas nem uma só palavra mais em
árabe. Creio que todos sabemos francês, portanto,
utilizaremos esta língua. De acordo? Prossigamos, então.
Que estava dizendo a Ismir?
— Que não foi isto o que ele me disse que a pasta
continha.
— Disse-lhe que continha o quê?
Ibn Maula apertou os lábios, com o que ganhou um olhar
amável por parte de Baby. Mas a amabilidade desapareceu
de sua expressão quando desviou o olhar para Abdala Ismir.
— Que lhe disse você, Abdala?
O miúdo agente árabe franziu a testa.
— Não vou revelar nada a ninguém se não chegarmos a
um acordo, Baby.
— Que espécie de acordo?
— Minha vida em troca das respostas a todas as
perguntas.
— Sua vida! — exclamou Johnny III. — Deixe-o comigo,
Baby, e verá como em poucos minutos eles se conformam
com muito menos!
— Embora os árabes sejam muito de regatear, creio que
este não é o momento — sorriu ela. — Assim, e embora eu
já saiba do que trata todo este assunto, há detalhes que não
poderei saber sem a colaboração do colega Abdala, de
modo que... o trato está aceito.
— Minha vida em troca de minhas respostas? — insistiu
Ismir.
— Sim.
— Pode perguntar, então.
— Você não acha que está confiando demais em mim?
— Ibn Maula não tinha ouvido falar de você, mas eu sim
— sorriu astutamente o espião árabe. — Sei que, se eu
cumprir minha palavra, você cumprirá a sua.
— Com efeito. Primeiro, exporei o que sei e você me dirá
se estou certa ou errada. Vejamos... Apesar de tudo o que
você tenha podido dizer a Jarif, o que realmente está
tramando é destruir o Oleoduto Transalpino, que começa em
Trieste, cruza a Itália, a Áustria e vai terminar na Alemanha
Ocidental, exatamente em Ingolstadt. O meio a ser utilizado
para essa destruição consiste numa espécie de torpedos,
como eu dizia antes. Todos sabemos que, pelo oleoduto, são
enviados artefatos que têm a forma de projéteis, contendo
sistemas de escuta para detecção de alguma possível fenda
pela qual o óleo bruto esteja vazando. Assim, um sinal de
alarma chega imediatamente aos controles e procede-se ao
reparo dessa fenda. Estou indo bem, Abdala?
— Está.
— Você tem estado trabalhando para conseguir que
vários desses projéteis, em lugar de mecanismo de escuta,
levem poderosas cargas explosivas, que podem funcionar
unicamente por meio de dois sistemas. Um: mecanismo de
tempo. Outro: controle remoto. Pergunto quantos projéteis
com carga explosiva foram enviados pelo oleoduto e que
sistema de explosão contêm.
— Doze projéteis, com sistema de explosão por controle
remoto.
Jarif Ibn Maula, lívido, contemplava Abdala Ismir com
olhos arregalados.
— Ele está louco! — arquejou. — Se fizer isso...!
— Silêncio — cortou Baby. — Já disse que aqui só quem
pode falar sou eu e aquele que estiver respondendo minhas
perguntas. Bem... Doze projéteis que explodirão por meio
de controle remoto. Quando foram colocados no oleoduto?
— Desde as vinte horas de ontem até às oito de hoje,
com intervalos de uma hora.
Baby consultou os mapas, fez rápidos cálculos mentais e
foi marcando pequenas cruzes ao longo de traçado do
oleoduto.
— Aproximadamente, estas são as posições que ocupam
os doze projéteis. Mas imagino que vão esperar até que
estejam mais no centro do TAL para fazê-los explodir. Uma
boa hora, já que terão chegado às montanhas e túneis,
seria... às duas ou às quatro da madrugada de amanhã.
Correto?
— Três da madrugada foi a hora escolhida.
— Confere. Quem está cuidando desse controle remoto
que fará explodir as cargas?
— Giafar e Ahmed... São os dois homens que suponho
tenha visto chegar de helicóptero, ontem à tarde. Mantém-
se à espera no aeroporto de Trieste. O dispositivo de
controle remoto está no helicóptero.
Baby assentiu com a cabeça.
— Outro ponto importante. Naturalmente, sem a ajuda
de empregados do Oleoduto Transalpino, não teria sido
possível introduzir no mesmo essas cargas explosivas.
Portanto, um ou vários empregados do TAL, trabalhando
em horário noturno, ao que parece de doze horas com
direito a cochilar a intervalos, foram comprados por você
por quantias que imagino não desprezíveis. Pergunta:
quantos são esses homens, quais são seus nomes e quanto
você pagou a cada um?
— São três: Luigi Ponti, Carmello Falconi e Giuseppe
Silventi. Paguei um milhão de dólares a cada um deles.
— Fugiram depois de colocar as cargas?
— Não. Fazem sua vida normal, O contrário seria
denunciar-se.
— Lógico — Baby escreveu os nomes num pedaço de
papel, aproximou-se de Johnny II e introduziu-o no bolso
superior de seu paletó. — Você está se saindo muito bem,
Abdala.
— Um trato é um trato.
— Claro. Entretanto, enganou Jarif... como posso saber
que não está me enganando?
— Não estou louco.
— Boa resposta. Que disse você a Jarif?
— Fui procurá-lo, disse-lhe que podia fazer algo pela
causa árabe e convenci-o. Veio para cá, trazendo-me como
seu encarregado de relações públicas, acreditando que o
que estávamos fazendo era muito diferente: subornar vários
agentes secretos europeus a fins de que trabalhassem para
nós e, ao mesmo tempo, adquirir a primeira informação que
eles obtivessem de seus respectivos serviços sobre
assuntos americanos relacionados com a guerra entre nós e
os israelenses — olhou friamente para Levi Cohen. — O
primeiro pagamento que Ibn Mania fez, pois não convinha
que aparecesse dinheiro nem pessoal egípcio em parte
alguma, foi de três milhões de dólares. Depois, disse-lhe
que esses agentes pediam mais meio milhão de libras
esterlinas.
— Oh, sim... Tenho conhecimento desse cheque, mas em
dólares. E o outro cheque?
— Foi utilizado para pagar os três homens do TAL.
— Claro. Que fizeram eles com esse dinheiro?
— Creio que se apressaram a depositá-lo num banco
suíço. Quer dizer, efetuaram uma transferência tríplice
que...
— Sim, sim, compreendo. Só que não vão poder desfrutar
de seu respectivo milhão de dólares. Bem... — olhou para
Johnny II — que estão esperando vocês?
Os três agentes trocaram um olhar.
— A que se refere? — perguntou Johnny I.
— Já têm os nomes desses três homens que se venderam
aos árabes para sabotar o TAL. Sabem também onde estão
esperando a hora H, ou seja, as três da madrugada, os
amigos Giafar e Ahmed. Tratem de ir ver se eles
permanecem em seus postos.
— Só isso?
— Por enquanto, sim. Basta que os tenhamos sob
controle. Irei reunir-me com você esta tarde, pois teremos
que aguardar a noite para atacar. Se o fizermos de dia, se
Ahmed e Giafar virem que nos aproximamos do helicóptero
e suspeitarem alguma coisa, poderão fazer funcionar o
controle remoto e explodir essas doze cargas, com
consequências nada agradáveis. Portanto, temos que fazer
as coisas bem feitas e com muita calma.
— Tampouco incomodaremos os do TAL?
— Tampouco. Chamem o nosso helicóptero, sigam todos
para Trieste e repartam a vigilância aos dois árabes e aos
três italianos. Quando eu chegar, chamarei vocês pelo rádio,
nos reuniremos e terminaremos o assunto. Boa viagem.
— Mas se nós levamos o helicóptero...
— Irei de carro.
— Não me parece prudente deixá-la sozinha...
— Não estou sozinha, querido. Levi fica comigo. E se
alguém no mundo souber vigiar estreitamente dois árabes,
não tenhamos dúvida de que esse alguém será um
israelense. Certo, Levi?
— Você nunca disse nada mais certo — afirmou Levi
Cohen, num tom repassado de ódio, olhos fixos em Jarif e
Abdala.
— E além disso — Baby sorriu como um amo —, eu não
sou das que se deixam surpreender. Sempre tenho as
costas bem guardadas. Não está de acordo, Johnny?
— Assim deve ser, se você o diz — resmungou Johnny I.
— Adeus.
— Adeus. E repito: boa viagem.
Johnny I dirigiu-se para a porta, mas os outros dois ainda
hesitavam.
— Que vai fazer com eles? — perguntou Johnny III.
— Tenho em minha maletinha umas ampolas de gás
narcotizante cujo efeito é de vinte e quatro horas. Uma vez
todos adormecidos, terei tempo de ir a Trieste, dormir e
voltar. Enquanto isso, nesta vila todo o mundo dormirá
docemente... Está discutindo minhas ordens, Johnny?
— Um de nós, pelo menos, devia ficar aqui — murmurou
Johnny II.
— Levi é um excelente cão de guarda.
— Além disso — insistiu Johnny III — ainda não sabemos
quem foi exatamente que matou.
— Querem fazer o favor de partir de uma vez? — Cortou
Baby, num tom extremamente imperioso.
Johnny I saiu e os outros dois, após olhar entre
surpreendidos e ofendidos para sua famosa companheira,
foram atrás dele. Levi Cohen, pistola na mão, instalou-se no
sofá, sem perder de vista Jarif e Abdala. Parecia hipnotizado.
Vez por outra olhava para Baby, que permanecia de pé, com
a pistolinha, como uma joia, entre os elegantes dedos. Na
mesma posição estiveram todos por uns quinze minutos,
até que Baby sentou-se.. Ninguém havia dito uma palavra,
nem se tinha movido.
Por fim, a espiã consultou seu relógio.
— Continuemos a conversa — disse de súbito. — Ficamos
em que você, Jarif, acreditava estar comprando uns
traidores que se limitariam a espionar a favor dos árabes,
não?
— Sim. Abdala já lhe explicou isso muito bem.
— Diga-me uma coisa: você matou meu companheiro?
— Que companheiro?
— O que dias atrás foi encontrado numa lancha, na baía,
por esses outros meus companheiros que partiram há
alguns minutos.
— Eu não matei ninguém.
— Entretanto, meu companheiro esteve aqui, tirou
fotografias de você e do helicóptero, da vila... Essa foi a
pista que eu segui, Jarif. É fácil compreender que ele foi
surpreendido e morto.
— Eu não matei ninguém, repito. Nem sei de nenhum de
meus guardas que o tenha feito. Nem tenho notícias de que
ninguém tenha estado aqui tirando fotografias...
— Bem, bem, bem. Acredito em você. E, assim sendo,
perdoo-o.
— Perdoa-me’? — sorriu acremente Ibn Maula. — Muito
obrigado.
— Estou falando sério, Jarif — sorriu ela. — Não é fácil
conseguir o meu perdão. Sou capaz de perdoar muitas,
muitas coisas, mas nunca, nunca, o assassinato de um de
meus companheiros... Repare bem que digo “assassinato”,
não morte. A mim me parece lógico que um agente inimigo
mate um de meus companheiros quando se trata de uma
vida contra outra. Eu faria o mesmo... Venho fazendo isso há
anos. Mas o que não posso suportar é que os assassinem.
Às vezes, o assassinato se justifica... Refiro-me aos que se
cometem naquelas pessoas que não merecem viver, pois
são daninhas a seus semelhantes. Eu já ... executei alguns
tipos dessa espécie. Mas a espiões como eu, que fazem seu
trabalho como um honrado padeiro faz o seu, não os
assassinaria nunca. Lutar contra eles e matar ou morrer,
sim. Assassiná-los, não. Mais ainda: de muitos. muitos já
salvei a vida, inclusive.
— Parece que seu perdão é algo realmente sério — sorriu
o Xeque.
— Sobre isto, não tenha a menor dúvida. O melhor que
você pode fazer é voltar para seu país, ocupar-se com seus
poços de petróleo, suas esposas, seus filhos, e deixar a
espionagem para os profissionais. Fará isso, Jarif?
— Você e eu... não mais nos veremos?
— Antes eu achava o mundo muito grande. Agora sei que
é muito pequeno... Por que não nos tornaremos a ver
alguma vez? Mas, se tal acontecer, peço-lhe que se esqueça
de mim.
— Esquecer-me de você? — disse sentidamente Ibn
Maula. — Peça-me o que quiser, Monique... Inclusive um
colar de estrelas verdadeiras. Mas não me peça para
esquecê-la, pois não o conseguirei jamais. Venha comigo...
— Como sua quinta esposa?
— Como a única, se assim o desejar. Repudiarei as
outras, que deixarão o meu palácio, com seus filhos, com
seus parentes... Venha comigo, que a tornarei a mulher
mais rica e amada do mundo!
— Agradeço-lhe, Jarif, mas não... Meu caminho é outro,
meu homem é outro... Siga seu próprio caminho, como até
agora, e eu seguirei o meu. Você poderia presentear-me
com esse colar de estrelas verdadeiras, mas eu o
desdenharia para ir atrás do homem que amo, descalça,
faminta, enferma... Mas agradeço-lhe de coração. Volte para
o seu palácio, ame suas jovens e belas esposas, tenha
muitos filhos como convêm a um Grande Xeque, seja
honesto e nobre como até agora... e esqueça-me. Para
sempre.
Jarif Ibn Maula esteve ainda uns segundos olhando
fixamente aqueles olhos azuis que, decerto, nunca mais
poderia esquecer. Por fim, inclinou a cabeça. Foi tudo.
Após um instante de silêncio, Baby tornou a falar,
dirigindo-se agora a Abdala Ismir.
— Gostaria de ver umas fotos, Abdala? — perguntou-lhe.
— Não sei... O que você quiser...
— Quero que as veja.
— Nesse caso — sorriu o espião árabe, obsequioso —,
gostarei de vê-las.
Ela tirou do envelope as fotografias que fizera
pessoalmente da vila, do helicóptero, de Ibn Maula, do
próprio Abdala Ismir... Este foi passando-as devagar,
olhando com relativa curiosidade. Por fim, virou-se para ela.
— Suponho que sejam as fotos feitas por esse seu
companheiro que disse que mataram... Não?
— Não. Eu mesma as fiz, Abdala. E a maior parte delas
com vocês perto de mim, vendo-me claramente. Quero
dizer que não estava escondida entre os arbustos, nem
trepada numa árvore, nem sequer fora da vila e utilizando
uma teleobjetiva.
— Parece um bom trabalho.
— É, em seu aspecto fotográfico; embora nem sequer
nisso o mérito seja meu, pois sempre tenho comigo umas
microcâmaras que duvido existam melhores no mundo. A
CIA facilita-me sempre um equipamento de primeiríssima
qualidade. Cada vez que Baby se põe em movimento, há
cem mil dólares de gastos iniciais na conta dessa operação.
Às vezes ocasiono gastos que ultrapassam o milhão de
dólares, mas também às vezes saem praticamente grátis
meus trabalhos. De qualquer modo, sou uma espiã
importante, de alta categoria...
— Ao que parece, a modéstia não é unia de suas virtudes
— quase riu Abdala.
— Só são modestos os que devem ser — quase riu
também a mais cara espiã do mundo. — Mas continuemos
falando das fotografias. Dizia-lhe eu que o trabalho é
aceitável em seu aspecto fotográfico. E... surpreendente em
seu aspecto profissional, para um espião.
— Não compreendo.
— Não? Olhe — tirou da maletinha outro envelope, do
qual extraiu outras fotografias, que entregou a Ismir —
estas são as fotos feitas pelo meu companheiro
assassinado.
Compare-as com as que eu fiz.
Abdala esteve comparando-as durante alguns segundos.
Finalmente, encolheu os ombros.
— Parecem quase idênticas.
— Sim, porque procurei colocar-me o mais exatamente
possível no mesmo lugar de onde meu companheiro
assassinado teve que fazer as fotografias. E acontece,
Abdala, que esse lugar fica junto a uns arbustos floridos,
diante da casa, completamente a descoberto... Quer dizer
que, para que fosse possível a meu companheiro fazer suas
fotografias, ele teve que estar onde estive eu: a descoberto,
diante da casa, à Vista de todos vocês... E não o viram?
Você não o Viu? Não viu um agente americano
fotografando tudo, Abdala?
O rosto de Ismir tinha perdido a cor.
— Não... Não o vi...
— Ninguém o viu?
— Não... Ninguém.
— Ora, vamos... Não compreende? Meu companheiro
tinha que estar bem diante de seu nariz, Abdala. Bem à
vista, como o mais completo imbecil do mundo... E você não
viu um americano imbecil, no meio da esplanada, fazendo
fotografias? Você é cego, Abdala? E você, Jarif? É cego?
Estavam cegos os seis guardas? Também estavam cegos
Giafar e Ahmed, seus amigos do helicóptero...? Ou quem
sabe se meu companheiro tinha encontrado a fórmula para
transformar-se em homem invisível?
— Não vimos ninguém... — ofegou Ismir. — Ninguém!
— Que coisas acontecem na vida... Mas, só agora reparo,
Abdala: em nenhuma das fotos de meu companheiro
aparece você. É curioso... Nas minhas você aparece, mas
não nas de meu companheiro... Não é extraordinário? Não
estava você sobre o gramado quando chegou o helicóptero
aquela tarde?
— Não... Não sei. Não devia estar, claro...
Jarif olhou-o vivamente.
— Estava sim... — disse. — Você esteve presente sempre
que o helicóptero chegou... Sempre. Como é possível que
não apareça nessas fotografias?
— Não sei... Não compreendo...
— Eu sim — disse Baby, com uma frieza que fez o miúdo
árabe estremecer. — Eu compreendo, Abdala. Você estava
lá, mas não diante da câmara de meu companheiro: estava
atrás dela.
— Não... Não...
— Sim. E estava atrás da câmara pela simples razão de
que já havia capturado meu companheiro, tinha-lhe tirado a
câmara, fez você mesmo essas fotografias, depois levou
meu companheiro numa lancha até o centro da baía,
assassinou-o, pôs-lhe a câmara no bolso e, após servir-se de
seu rádio para balbuciar em inglês pedindo ajuda, como se
fosse ele, você partiu, deixando a ratoeira preparada para
nós.
— Não é verdade... Não é verdade! Por Alá, você está
louca...!
— Uma ratoeira que não compreendo — prosseguiu
Baby, sem lhe fazer o menor caso. — Não compreendo. É
você quem está louco, Abdala? Que pretendia? Que nós o
encontrássemos, que chegássemos a descobrir todo o plano
de sabotar o TAL? Por quê? Para quê? Eu creio que é você
quem está louco, ou então agiu de acordo com o mais
desconcertante esquema de que até hoje tenho
notícia... Desejava que a CIA chegasse a saber que os
árabes planejavam explodir o Oleoduto Transalpino. Por isso,
assassinou meu companheiro e deixou a pista das
fotografias.. Um esquema assombroso... e estúpido. Não
compreendeu que se nós descobríssemos tudo, seria
inevitável que as autoridades italianas, austríacas e alemãs
se inteirassem do que tinham planejado os árabes? Na
verdade, toda a Europa se inteiraria, pois, ao serem detidos
os três italianos empregados no oleoduto, diriam
tudo. Diriam que tinham feito a sabotagem pagos por um
agente secreto árabe. Que pretendia você? Que toda a
Europa tomasse posição contra o bloco árabe? Era isso? E
nada menos que utilizando a CIA...? E até é possível que
pensasse em utilizar a mim, a agente Baby, e por isso
matou meu companheiro pelas costas... Era a melhor isca
que me podia lançar: se matasse um Johnny, Baby se
mobilizaria, descobriria tudo, toda a Europa saberia o que
tinham tentado os árabes... e toda a Europa levantaria sua
voz e empregaria seus recursos Contra o mundo árabe. Mas
como você é árabe, eu não entendo isto, Abdala. Não
consigo entender...
— Fantástico... — disse de súbito Levi Cohen. —
Absolutamente fantástico! — a admiração vibrava em sua
voz. — Nunca teria acreditado no que ouvi a seu respeito, se
você mesmo não acabasse de demonstrá-lo, Baby!
Esta olhou para ele e viu-o sorridente. Um sorriso seco,
frio, que não tinha nada de estúpido. A imponente pistola de
fabricação russa, com silenciador, apontava diretamente
para seu peito.
— Por que me aponta essa pistola, Levi — perguntou ela.
— É o que se faz antes de atirar, não?
— Atirar? Você contra mim?
— Exato. Sua pistolinha pode chegar a ferir-me, mas
nada mais que isso. A minha lhe tirará a vida com um só
balaço.
— Levi... Não compreendo... Que há com você?
— Estou admirado, quase diria estupefato. Sua
inteligência é... fenomenal. Funciona com a infalibilidade de
um computador. De posse dos dados, dá a resposta correta.
Quer dizer... quase correta.
— Oh, então... falamos claro, por fim?
— Não me diga que conhece a verdade autêntica?
— Conheço-a, claro. Como seria absurdo que Abdala
Ismir estivesse atirando pedras em seu próprio telhado,
quer dizer, predispondo os ânimos de toda a Europa contra
o mundo árabe ao destruir o TAL, tenho que pensar que
essa ideia foi de Israel. Você subornou Ismir para que ele e
outros quantos árabes muito mais ingênuos fizessem o
trabalho. Assim, ao ser destruído o Oleoduto Transalpino,
você se encarregaria de que a Polícia italiana soubesse que
tinham sido os árabes... A Europa em peso contra o mundo
islâmico. Um formidável plano israelense, Levi.
— Você é extraordinária... Logo em seguida compreende
as coisas.
— Logo em seguida? Não, não... Há horas que sei disso.
Primeiro, comecei a pensar nesta solução quando
compreendi que as fotos não tinham podido ser feitas por
meu companheiro, e que Ismir era a pessoa mais indicada
para fazê-las. Isto me deu o que pensar. E finalmente
cheguei a outra conclusão: Ismir fora quem fizera as fotos,
mas... tinha assassinado meu companheiro? A resposta foi:
não.
— Por que não?
— Porque Ismir não o conhecia. Entretanto, um agente
israelense, um... aliado, podia conhecê-lo. Você mesmo
disse conhecer vários agentes da CIA. Assim tinha que ser.
Enganou meu companheiro, capturou-o, esperou que
Ismir lhe entregasse as fotos e fez com que estas e o
cadáver fosse por nós encontrados Assim saberíamos que
os árabes queriam destruir o TAL. Toda a Europa também o
saberia.
Depois você mataria o único homem que podia dizer a
verdade: isto é, Abdala Ismir. E deste modo o serviço
secreto israelense teria utilizado a Europa e a CIA em seu
benefício. Naturalmente, vocês não podiam dizer à CIA o
que pretendiam, pois nós nos teríamos negado, já que as
coisas não precisam ser pioradas no Oriente Médio. Os
Estados Unidos estão tratando de evitar isso. Mas vocês...
Vocês queriam toda a Europa contra os árabes. Certo,
Levi?
— Certo.
— Bem. Agora, só tem que matar a nós três, dar um jeito
para que pareça ter havido uma luta entre Jarif, Abdala e
eu... e todos os seus planos se realizarão.
— Assim é. Só tenho que matar você. Afinal, não se
revelou muito esperta ficando aqui sozinha comigo.
— Azar. Entretanto, se eu escapasse desta, diria, a você
o que ia fazer.
— Oh, diga, por favor!
— Em primeiro lugar, iria ao aeroporto de Trieste,
disfarçada de loura, e eliminaria rápida e discretamente
Giafar e Ahmed, antes que pudessem fazer explodir essas
doze cargas. Inutilizaria o dispositivo de controle remoto.
Iria ver esses três italianos e pedir-lhes os três milhões
de dólares, com o que já teria reunido quatro milhões e um
quarto, e lhes diria que tal pagamento mais a retirada
discreta das cargas explosivas e o abandono de seus
empregos sem dizer nada a ninguém eram o preço de suas
vidas. Depois, com os quatro milhões de dólares e um
quarto em meu poder, perguntaria a Jarif se estava disposto
a me dar a metade, já que são dele. E com essa metade
faria feliz meus amigos da UNICEF em sua luta contra a
fome e o analfabetismo, Ninguém contra os israelenses,
ninguém contra os árabes... Não teria acontecido nada...
Exceto que você teria assassinado um companheiro meu.
— Pelo que você deveria matar-me.
— Com efeito. Nunca perdoo isto, como já disse.
— Mas esta vez terá que se resignar a... passar por alto o
delito — sorriu Levi Cohen.
— Não vejo por quê?
— Porque, evidentemente, não tenciono deixar que você
me mate. Se dispararmos os dois ao mesmo tempo, você
levará a pior.
— Mas, Levi, eu não preciso recorrer à minha pistolinha
para matar você. Bastaria que eu estalasse os dedos.
— Não diga tolices — resmungou o israelense. — Vamos
fazer..
— Não é tolice. Olhe... Está vendo? Deixo a pistolinha
sobre esta mesa, afasto-me dois passos... Estou
desarmada?
— Parece que sim — Cohen ergueu sua pistola.
— Pois olhe...
Baby estalou os dedos e, imediatamente, Johnny I
apareceu na porta-janela que dava para o terraço, arma na
mão.
Plop.
Levi Cohen recebeu a bala em plena testa, lançou um
grito, ergueu-se, saltou para trás, passou por cima do sofá e
caiu de cabeça... Já não se moveu, nem se moveria nunca
mais. Ficou com os olhos fixos no teto, arregalados,
espantados, aterrados...
Enquanto isso, Abdala Ismir precipitava-se para a pistola
que havia escapado da mão do israelense... A arma ainda
não tinha chegado ao chão, quando ele a alcançou,
empunhando-a fortemente, virando-se para Baby e
apertando o gatilho... Mas Jarif Ibn Maula estava também
em movimento: sua atlética figura se interpôs no caminho
da bala destinada a Brigitte Montfort. Emitiu um gemido ao
recebê-la no ombro esquerdo, com tão tremendo impacto,
que girou sobre si mesmo e chocou-se contra a espiã... Esta
o afastou rapidamente, saltando para sua pistolinha.
Plop.
O balaço de Johnny acertou Ismir então no ventre, e o
miúdo árabe, gritando, deixou escapar a arma e caiu de
joelhos. Com ambas as mãos sobre o ferimento, olhou para
Baby, que já lhe apontava a pistolinha.
— Não... — gemeu. — Não, não... Eu só... lutava por
minha vida... E você disse antes...
— Eu perdoo meus inimigos, Abdala — disse friamente
Baby. — Mas você não é meu inimigo, pois não é nem
sequer amigo de seus amigos. Você é apenas um traidor. E
os traidores não são necessários a ninguém... quando a
traição já está terminada. Saúde Alá de minha parte.
Plop.
— Não precisava ter se incomodado.. — disse Johnny.
— Eu também gosto de fazer alguma coisa.
— Já o fez. Continuo parecendo-lhe antipática por não lhe
ter deixado ver as fotos da vila, nem lhe permitir que
falasse delas diante de Levi?
O agente da CIA pôs-se a rir.
— Não! — afirmou.
— Pois se continuamos sendo amigos — sorriu Baby,
indicando o telefone —, chame o nosso médico de Veneza.
Ela aproximou-se de Jarif, que se levantara e olhava-a
fixamente. Manchado de sangue, o bonito rosto
desfigurado, ainda assim o Xeque mantinha seu aspecto
atraente e viril.
— Você é americana... — murmurou ele. — E está
lutando pelos árabes.. . Se o plano desse homem tivesse
dado resultado, toda a Europa odiaria para sempre os
árabes, pois teriam havido catástrofes, mortes... Não
entendo... Você é americana, mas...
— Jarif, não é isso. Não insista. Eu não lute! pelos árabes,
nem pelos israelenses, nem pelos americanos... Vim aqui
apenas para saber quem havia assassinado um
companheiro e por quê. Ele esta vingado e sei que, com
minha atuação, impedi que as coisas piorassem muito para
todos. Só isso, Jarif.
— Só isso... — riu Ibn Maula. — Bem, não conheço
ninguém que mereça mais que você esse colar de estrelas.
— Refere-se ao que me deu?
— Sim. Gostaria que você o conservasse como um.
Johnny enganchou o telefone e disse: — Estará aqui
dentro de meia hora, Baby.
— Bem ela tornou a olhar para Ibn Maula. — Tenho que ir
agora, Jarif. Virá um médico que tratará de seus ferimentos
e, dentro de duas horas, quando seus amigos despertarem,
quero que você regresse ao seu país. Esqueça para sempre
a espionagem. Quanto ao seu colar de... de estrelas, peço-
lhe um favor: você se importa que eu o dê também à
UNICEF?
Ibn Maula pestanejou.
— Não. Desde o primeiro momento, compreendi que
você não precisava de adornos... Nem sequer de estrelas.
— Obrigada. E... adeus, Jarif.
— Vai terminar de resolver as coisas em Trieste, tal como
disse?
— Vou.
— Que Alá seja contigo, Monique — disse ele,
empregando a fórmula árabe.
A mais perigosa espiã de todos os tempos sorriu.
— E que ele seja contigo para sempre, Jarif Ibn Maula.
 
O MICROFONE INENCONTRÁVEL
 
— Já não há mais... Sinto muito... — tartamudeou Johnny.
— Não faz mal — Baby levantou bem alto sua taça, virou-
a e recolheu com a ponta da língua a última gota de
champanhe. — De qualquer modo, estava muito bom e bem
geladinho. Obrigado pelo convite, queridos.
— Posso ir buscar mais — prontificou-se outro Johnny.
— Não, não... Do que é bom nunca se deve abusar. Uma
garrafa de champanhe, umas cerejas, bons
companheiros... Pedir mais seria demasiado. — Olhou seu
relógio. — Oh! Não creio que o avião vá esperar por mim.
— Ah! Pois isso demonstraria muita inteligência por parte
do piloto.
— Você já vai? — reclamou Johnny II. — É cedo...
— Não me agrada correr quando posso ir passeando.
Tudo terminou bem, nada mais tenho a fazer em Veneza
e talvez o terrível tio Charlie esteja à minha espera para
enviar-me a outro Continente. Assim, queridos meus, até...
sempre.
— Poderíamos acompanhá-la ao Marco Pólo — Não, não,
não... Quero saborear minhas boas recordações de Veneza
sozinha. Deixarei para vocês a lancha em que Johnny me
recolheu. Irei só pelo Grande Canal, darei uma volta... É
sempre agradável ter tempo de sobra... — foi beijando os
agentes da CIA em ambas as faces, depois sorriu. — não me
esqueçam, espiões.
Antes que eles pudessem reagir, já tinha saído da casa
da Cofie Sabotino, número 6. Só passados alguns segundos,
os três agentes pareceram cair em si, suspirando.
— Se houvesse mais champanhe — murmurou Johnny III
— ela teria ficado mais alguns minutos... Oxalá volte logo a
Veneza!
— Tenho uma ideia! — exclamou Johnny II. — Podemos
comprar umas vinte ou trinta garrafas de Perignon 55 e
assim, na próxima vez, ela permanecerá muito mais tempo
em nossa companhia!
Bip-bip-bip-bip...
Os radinhos continuaram chamando nos bolsos dos três,
até que, velozmente, Johnny I sacou o seu.
— Alô! — atendeu, quase num grito.
— Alô, Johnny. Aqui é Baby. Desistam da ideia.
— Que... que ideia...?
— A de comprar muito champanhe para a próxima vez.
Eu estou sempre de passagem... e nem sequer o
Perignon 55
poderia reter-me mais tempo que o necessário. Ciao,
amore!
A comunicação foi cortada. Os três espiões ficaram
petrificados durante tanto tempo que a situação pareceu
eternizar-se. Por fim, Johnny II soltou uma gargalhada.
— Ah-ah-ah...! Foi uma brincadeira... Uma brincadeira
que ela fez conosco, claro. Deve ter colocado um microfone
aqui!
— Isso seria muito próprio de sua engenhosidade... Além
disso, de que outro modo poderia saber o que estávamos
falando?
— Procuremos esse microfone.
Vinte minutos mais tarde, três hábeis agentes da CIA
olhavam-se uns aos outros, confusos, desorientados,
desalentados. Não tinham podido encontrar nenhum
microfone... Nem o encontrariam nunca.
Pela simples razão de que ali, na Calle Sabotino número
6, Veneza, não havia microfone algum.
 
 
© 1970 – LOU CARRIGAN
400909 - 411124
 

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