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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS


HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

KAREN CECILIO TAKAHARA MARCELINO


10328216 - NOTURNO

TRABALHO FINAL DO CURSO DE TEORIA E


MÉTODO EM GEOGRAFIA II
Tendências do Marxismo na Geografia paulistana entre os
anos de 1970 e 1985

Professor: Prof. Dr. César Simoni


Data de entrega: 26/06/2019

SÃO PAULO
2019
PROBLEMÁTICA
Na metade do século XX, com a estagnação do processo revolucionário na União
Soviética, há o avanço do movimento contrarrevolucionário mundial que culmina na fratura
do Marxismo, este que mais tarde definiria divisões em teoria e método de novas vertentes
(ANDERSON, 2004). Dessa forma, o marxismo ortodoxo, vertente teórico-metodológica,
adotada pela III Internacional Comunista, e usada por todos Partidos Comunistas
internacionalmente, incluindo a União Soviética sob o comando de Stalin, a partir da década
de 1940 inicia-se o rompimento na linha de pensamento de diversos autores com os PC’s,
como é o caso de Lukács, Gramsci, Trotsky, LeFebvre, Sartre, entre outros.
Embasada nesses rompimentos é onde se dá as principais polêmicas e debates
entre os marxistas, até o presente. Sendo assim, é notório que essas matizes e interpretações
influenciaram na formação do pensamento da Geografia Crítica paulista, sobretudo dentro da
Universidade de São Paulo, compondo-se, assim, um bloco não monolítico havendo
diferentes tendências do marxismo na Geografia Crítica paulistana, então, é possível que
existam questões de fundo, as quais impulsionam esse trabalho, sendo elas, qual é a tendência
que se sobressai em determinado momento histórico e em função do quê, e como as outras
são trabalhadas e estudadas?
É com base nessas perguntas que este trabalho final - projeto de pesquisa quer se
aprofundar, tendo em vista que a construção do pensamento marxista na geografia dinamizou,
em muitos casos, a interação entre as diferentes vertentes, de tal forma a quebrar com os
esquemas teóricos originais aos quais estavam inseridas.

OBJETIVOS GERAIS
O seguinte trabalho tem como alvo investigar a manifestação das tendências
internas do marxismo dentro do pensamento geográfico e como ocorre a sobreposição de uma
tendências às demais. Mas, também, procurar entender como o pensamento marxista possui
grande influência na construção da Geografia Crítica brasileira e quais acontecimentos - fatos
concretos - levaram a isso.

OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar a produção acadêmica realizada na Cidade de São Paulo, sobretudo na
Universidade de São Paulo, entre 1970 e os anos 1985, com o objetivo de identificar as

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diferentes tendências marxistas que impulsionaram o desenvolvimento do pensamento
geográfico paulistano, sendo assim observar as teorias mais utilizadas e quais as justificativas
disso, sempre tendo no horizonte entender como a Geografia Crítica é construída e como se
dá a escolha por cada geógrafo da teoria lida e estudada.

HIPÓTESE
Sabendo que o pensamento marxista tem grande influência na construção da
Geografia Crítica brasileira e que o marxismo tem uma série de tendências internas, então, de
certa forma foi necessário priorizar uma tendência em contraposição à outras. Dessa forma, a
hipótese desse trabalho é dada pelo fato de que a escolha sobre as tendências, pelo menos
atualmente, não foi feita de forma clara, e sim como um reflexo dos movimentos sociais e dos
partidos que tinham trabalho, isto é, militavam na geografia e na Universidade de São Paulo.

DESENVOLVIMENTO DA HIPÓTESE
A década de 1960, a nível internacional foi marcada por insurreições dos
movimentos sociais, como Maio de 68 na França ou Front de Libération du Québec no
Canadá, articulados pelo movimento estudantil. Gerando, assim, um momento de inflexão
das hierarquias e padrões de valores estabelecidos, o que consolida os anos 60 como um
momento de ruptura na história do século XX (CARDOSO, 2005). Adiante, há a crise do
petróleo de 1973, seguida por instabilidades políticas e econômicas mundiais, o que dará o
fim aos anos dourados do capitalismo (HOBSBAWM, 1997). Em consonância a isso, a
organização produtiva e a estrutura de acumulação capitalista nos países centrais
modificam-se, inaugurando o período da acumulação flexível (HARVEY, 2014). Em
decorrência dessas mudanças, houveram rupturas significativas em análises epistemológicas
realizadas por autores das ciências humanas, como é o caso da Geografia, que entra em crise
durante as décadas de 1970 e 1980 e rompe teoricamente e metodologicamente com a
Geografia Tradicional, dando início a construção da Geografia Crítica, Gonçalves (1978),
explica aquele momento histórico de crise como:
A crise que ora atravessamos não é, portanto, somente da Geografia ou de uma
determinada “visão” ou postura teórico-metodológica, mas se inscreve em uma crise
mais geral, cujos sintomas começaram a vir à luz com a derrota norte-americana no
Vietnam. Este fato deve ser retido por todos aqueles geógrafos que se propõem a
uma produção científica comprometida com uma perspectiva transformadora, com
um espaço que seja o da liberdade dos homens e não um espaço do capital. (p. 22)

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Dito isso, a leitura das rupturas e das descontinuidades é a base para o
entendimento da história da ciência, porém o fundamental é o contexto histórico-social no
qual se situa a sua produção. É nesse sentido que Vesentini (1987) caracteriza a crise da
Geografia Tradicional como resultado de uma expressão de mudanças sociais, e em segundo
plano como consequência de polêmicas metodológicas e questionamentos internos.
No Brasil, a construção da Geografia Crítica ocorreu na Ditadura Militar, em
conjunto à reorganização do movimento operário e das tendências de esquerda (SILVA,
1986), o que acabou por constituir as bases para o desenvolvimento de uma geografia
marxista ligada diretamente aos movimentos sociais e à realidade concreta do país, estando a
serviço de uma transformação da sociedade (MARTINEZ, 2007), ou seja, tendo como eixo de
superação a geografia feita para os interesses da academia e da dominação. Desta maneira,
como diz Andrade (1977),
Poderíamos perguntar: deve a Geografia desenvolver-se para o mero devaneio
intelectual dos cultores dessa ciência ou deve a Geografia desenvolver-se visando a
fornecer condições para a racionalização da organização do espaço brasileiro e,
consequentemente, para fornecer uma contribuição à solução dos principais
problemas que freiam o desenvolvimento da nossa sociedade? Claro que a resposta
será dada por cada um, conforme as suas concepções e os seus interesses políticos
(p. 20)

Ao mesmo passo que a Geografia Crítica brasileira estava em uma ascendente,


com o processo de movimento de renovação de cunho principalmente marxista, o Brasil,
como dito anteriormente, estava na Ditadura Militar, um período de repressão política, social
e intelectual, em que muitos professores foram cassados como, por exemplo, o professor
Florestan Fernandes da ciência política. No Departamento de Geografia, isso não se deu da
mesma forma, uma vez que percebemos que grande parte da resistência à ditadura vinha do
movimento estudantil, e não da instituição, e que os militantes contra o regime, que inclusive
foram presos, eram os alunos e não os professores (BENEDITO, 2008), com uma exceção do
geógrafo Milton Santos que foi perseguido politicamente; por esse motivo é notável que o
departamento não contava com docentes marxistas e que travam uma luta anti sistêmica, e
por isso a construção da Geografia Crítica ligada ao marxismo não pode ter perpassado
diretamente pelos docentes.
Em 1978, há o Encontro Nacional de Geógrafos, ocasião em que se consolida um
grupo de pessoas com atuação militante e interesse em criar uma Geografia diferente,

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politizada e de esquerda (MORAES, 2000), essa sendo a Geografia Crítica. Sendo assim, o
avanço do marxismo na geografia, e o avanço de fato na Geografia Crítica, é dado pela
influências da militância partidária e espectro das leituras acadêmicas do marxismo. Tendo
isso em vista, na construção da Geografia Crítica, os geógrafos uspianos que participaram
ativamente, eram aqueles que militavam em alguma organização política-partidária, ou em
grupos de estudos independentes com tendências marxistas diversas, isso se auto explica no
levantamento das figuras públicas do curso de geografia feito por Pedrosa (2015), dado por
Antônio Carlos Robert Moraes, Wanderley Messias da Costa, André Martin e Armando
Corrêa da Silva serem todos filiados ao PCB e formavam um núcleo do partido na USP, já
Armando e Moraes dialogaram com José Chasin (MORAES apud SCARIM, 2000, p. 129).
Vesentini tinha influências diretas de Gramsci. Armando C. da Silva e Odette Seabra foram
militantes da Polop. Ariovaldo Umbelino de Oliveira era filiado a Ação Popular. Carlos
Walter, trotskista da Convergência Socialista. Ana Fani A. Carlos junto à Amélia Daminani e
Odette Seabra dirigiam um grupo de estudos sobre o Capital e estudos sobre as obras de
Henri Lefebvre.
Sendo assim, é inegável que para o estudo do pensamento geográfico seja
analisado, em conjunto, o que é/ foi o movimento estudantil, uma vez que este mostrou-se
como um laboratório para testar outros métodos que possam a vir renovar tanto a geografia,
mas a política como um todo; esse caráter fica claro quando o movimento estudantil funda a
Geografia Crítica na USP e a nível nacional.

BIBLIOGRAFIA
ANDERSON, Perry. Considerações sobre o marxismo ocidental. In: ANDERSON, Perry.
Considerações sobre o marxismo ocidental; Nas trilhas do materialismo histórico. São
Paulo: Boitempo, 2004.

ANDRADE, Manuel Correia de. O Pensamento Geográfico e a Realidade Brasileira. In:


Boletim Paulista de Geografia, nº 54, Associação de Geógrafos Brasileiros, São Paulo, 1977.

BENEDITO, Mouzar. 1968, por aí... memórias burlescas da ditadura. 1 ed. São Paulo:
Publisher Brasil, 2008.

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CARDOSO, Irene. A geração dos anos de 1960: o peso de uma herança. Tempo Social,
revista de sociologia da USP, São Paulo, v.17, n.2, 2005.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. A geografia está em crise. Viva a geografia! In:
Boletim Paulista de Geografia, Nº 55, Associação de Geógrafos Brasileiros, São Paulo, 1978.

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. São Paulo: Loyola, 2014. Capítulos 9: “Do
Fordismo à Acumulação Flexível”.

HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Extremos: O Breve Século XX: 1914-1991. Trad. de
Marcos Santarrita; São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

MARTINEZ, Paulo Henrique. O Partido dos Trabalhadores e a Conquista do Estado:


1980-2005. In: RIDENTI, Marcelo; REIS, Daniel Aarão (orgs.). História do Marxismo no
Brasil, v. 6. Campinas: Unicamp, 2007.

MORAES, Antônio Carlos Robert. Entrevista. In: SCARIM, P. C. Coetâneos da crítica:


uma contribuição ao estudo do movimento de renovação da geografia brasileira. 2000.
Dissertação (Mestrado) em Geografia Humana, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas/USP. São Paulo, 2000.

PEDROSA, Breno Viotto. A controvérsia da Geografia Crítica no Brasil. Partes I e II.


Geosul, Florianópolis, v.30, n.59, jan/jun 2015.

SILVA, Antonio Ozai da. História das Tendências no Brasil. São Paulo: Dag, 1986. 2. ed.

VERDI, Elisa Favaro. Produção geográfica e ruptura crítica: a Geografia uspiana entre
1964 e 1985. Dissertação (Mestrado) em Geografia Humana, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas/USP. São Paulo, 2016.

VESENTINI, José W. O método e a práxis (notas polêmicas sobre Geografia Tradicional


e Geografia Crítica). São Paulo: Revista Terra Livre, n. 2, 1987.

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