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UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA

ARTES VISUAIS E TECNOLOGIA DA IMAGEM

DANIELE SUELEM RODRIGUES


NOGUEIRA

RESSIGNIFICANDO OS ANJOS TOCHEIROS A PARTIR DAS


EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS NO MUSEU DE ARTE SACRA DO
PARÁ

BELÉM
2018
DANIELE SUELEM RODRIGUES
NOGUEIRA

RESSIGNIFICANDO OS ANJOS TOCHEIROS A PARTIR DAS


EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS NO MUSEU DE ARTE SACRA DO
PARÁ

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado na Universidade da
Amazônia, como requisito para obtenção
do grau em Licenciatura em Artes Visuais
e Tecnologia da Imagem.
Orientadora: Prof. M.Sc. Simone de
Oliveira Moura.

BELÉM
2018
DANIELE SUELEM RODRIGUES
NOGUEIRA

RESSIGNIFICANDO OS ANJOS TOCHEIROS A PARTIR DAS


EXPERIÊNCIAS EDUCATIVAS NO MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado na Universidade da
Amazônia, como requisito para obtenção
do grau em Licenciatura em Artes Visuais
e Tecnologia da Imagem.
Orientadora: Prof. M.Sc. Simone de
Oliveira Moura.

Banca examinadora

_______________________________________
Prof. Simone de Oliveira Moura
Orientadora – Universidade da Amazônia

_______________________________________
Prof. Renata de Fátima da Costa Maués
Universidade da Amazônia

________________________________________
Prof. Zenaide Pereira Paiva
SIM/SECULT

Apresentado em: ____/____/____


Conceito:________

BELÉM-PA
2018
Dedico este trabalho a quem me
ensinou a acreditar nas flores no
chão vencendo o canhão.
AGRADECIMENTOS

De certo, muitos momentos inesquecíveis se passaram até que eu


pudesse escrever estas palavras, algumas são recordações tristes, com elas
eu aprendi e tentei colocar em prática o aprendizado para não cometer os
mesmos erros; em outras memórias marcantes, vou guardar os sorrisos, as
lembranças da sensação de ter feito a escolha certa.
Mas não se trata apenas de ponto de chegada, essas lembranças são
fortes, mas não significa que foi tudo. Foi no caminho trilhado que ficaram
lágrimas, sorrisos, marcas de esperança que um dia as coisas melhorariam,
descobertas e redescobertas de um mundo já conhecido que adquiriu novos
tons. Entretanto, relembrando para não esquecer, o caminho foi cansativo,
algumas vezes pareceu injusto e que desistir era uma boa opção. Por isso,
gostaria aqui de deixar meus mais profundos agradecimentos a Quem é, que
era e que continuará sendo minha fonte infinita de força e esperança, Deus;
aos meus exemplos mais significativos de união, força de vontade,
inconformismo com este mundo e coração do incentivo em ser melhor: meus
pais, Rosália e Golias. Aqueles que com palavras serão impossíveis de
expressar sentimentos. Assim como my little Holmes, Karina.

Além destes que são minha base, sou profundamente agradecida a


quem esteve em momentos alegres e permaneceu nos difíceis, de mãos
dadas por essa estrada nos últimos quatro anos: Regiane, Steve, Dayana e
Adriana Melo, família de um novo tempo; com quem a amizade nasceu
simples como uma canção, Alriene, Lucas, Ana Raquel, Juliana, Cris, Andrey,
Renan e Jhessica;e como Bianca, Barbarela, Rene, e Thaiza, deram o
incentivo que eu precisava por acharem que o futuro ia ser melhor. Aos
maiores companions da arte alternativa, Luciano, Garcia, Angela e Gabriela.
À Prezada Armada que que proporcionou manhãs mais difíceis de esquecer
e fáceis de perder o compasso do tempo, Gabriela, Beatriz, João Lucas,
Claudyr, Amanda e Catarina. À Natália, fiel do segredo, de ideias e
curiosidades, madrinha de pesquisa do meu primogênito. Agora, oficialmente
historiadora, de qualquer forma não se preocupe, isso é tão normal quanto
eu. À Thiago, Flávia, Márcia, Nazaré e Luciana que nem imaginam o bem
que fizeram com seus incentivos à minha vontade de saber mais. Assim
como minha orientadora Simone Oliveira, que regou as sementes da
curiosidade com seu bom trabalho, sua paciência e confiança, e hoje tem a
forma deste trabalho.
"Se estivesse claro para nós que foi
aprendendo que aprendemos ser possível
ensinar, teríamos entendido com facilidade a
importância das experiências informais nas
ruas." Paulo Freire.
RESUMO

Uma visita a um museu não precisa ser entediante, e de forma alguma é simples,
pelo contrário, envolve além do que os olhos de visitantes podem ver, e do que o
tempo da visita permite contar. Tempos encontram-se e cabe ao educador museal
mediar esta reunião, provocando o interesse e semeando o conhecimento. Neste
trabalho, será analisada a utilização do conceito de objeto gerador na experiência de
mediação dos Anjos Tocheiros do Museu de Arte Sacra do Pará por meio da
experiência como estagiária da Coordenação de Educação e Extensão do Sistema
Integrado de Museus. A partir de uma abordagem qualitativa, utilizará os métodos:
bibliográfico, documental e de relato de experiências. Utilizando como baseos
autores, Gohn (2005), Barbosa (2005), Ramos (2004) e o Caderno da Política
Nacional de Educação Museal (2018).

Palavras-chave: Educação não-formal; Educação museal; Anjos tocheiros; Oficinas


jesuíticas.
RESUMEN

Una visita a un museo no necesita ser aburrido, y de forma alguna es sencilla, al


contrario, envuelve más de que los ojos pueden ver y do que lo tiempo de la visita
permite contar. Tiempos encontran-se y al educador museal cabe mediar esta
reunión, provocando el interese, semejando lo conocimiento. En este trabajo, será
analizado la utilización de lo concepto del objeto gerador en la experiencia de
mediación de los Ángeles Tocheros de lo Museo de Arte Sacra del Pará por medio
de la experiencia como estagiaria da Coordinación de Educación y Extensión de lo
Sistema Integrado de Museos. A partir de un abordaje cualitativo, utilizará los
métodos: bibliográfico, documental y de relato de experiencias. Utilizando como base
los autores,Gohn (2005), Barbosa (2005), Ramos (2004) y el Cuaderno de la Política
Nacional de Educación Museal (2018).

Palabras clave: Educaciónformal;Educación non-formal; educación museal; Ángeles


tocheros; Oficinas jesuitas.
LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Anjos Tocheiros durante obras de restauro da Igreja de Santo


Alexandre...................................................................................................................23

FIGURA 2 - Nave da Igreja de Santo Alexandre...................................................25

FIGURA 3 - Jardim do Tempo do Complexo de Santo Alexandre..........................26

FIGURA 4 - Fachada do Museu de Arte Sacra do Pará...........................................28

FIGURA 5 - Escadaria da Igreja de Santo Alexandre..............................................29

FIGURA 6 - Nave da Igreja de Santo Alexandre......................................................30

FIGURA 7 - Corredor lateral à Igreja de Santo Alexandre – Mediação sobre os Anjos


Adoradores produzidos nas Oficinas Jesuíticas........................................................31

FIGURA 8 - Corredor principal do Segundo andar do Museu de Arte Sacra do


Pará...........................................................................................................................32

FIGURA 9 - Mediação no Museu de Arte Sacra do Pará – Pintura de Franco


Velasco: Retrato de Dom Frei Caetano Brandão......................................................33

FIGURA 10 - Sala do acervo jesuítico.......................................................................34


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................12
2 EDUCAÇÃO FORMAL, NÃO FORMAL E A EDUCAÇÃO
MUSEAL................................................................................................................16
3 OS ANJOS TOCHEIROS DO MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ
(MAS/PA)...............................................................................................................21
4 SIGNIFICAÇÕES DO ESPAÇO E OBJETO......................................................28
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................37
REFERÊNCIAS......................................................................................................39
12

1 INTRODUÇÃO
Quando criança, meu maior desejo era “descobrir”, por essa razão eu
passava horas vendo tv ou lendo. Meus desenhos e séries preferidos
costumavam ter relação com mistérios desvendados, e meu maior passatempo
era entender assuntos que eram novos para mim, o que na maioria das vezes,
acontecia por meio de uma enciclopédia velha que meu pai comprou quando eu
tinha cinco anos. Aos seis, logo que aprendi a ler, não a largava, além de ler
qualquer coisa que encontrasse pela frente.
Aos oito anos decidi que seria arqueóloga, isso depois de ver um filme
sobre o Egito antigo. Aliás, daquela enciclopédia velha que eu já havia lido e
relido muitas vezes, o assunto de história sempre foi meu favorito, eu achava
história uma temática fantástica. E aquele mesmo ano, 2003, foi um ano com
muitas descobertas.
Com o passar do tempo meu gosto não desapareceu. Descobri sozinha
novos livros, novos idiomas, novas culturas; todos já existiam mas para mim o
ato de encontrar algo novo para conhecer, era sempre muito empolgante.
No entanto, na adolescência, sendo apenas uma aluna mediana, com a
avalanche de conteúdo e métodos tradicionais em sala de aula, não sentia
minha curiosidade sendo sanada ou incentivada dentro do sistema escolar.
Infelizmente, ela acabou sendo suprimida, meu gosto perdeu um pouco de seu
sabor.
Foi no nono ano, do ensino fundamental, com a entrada de uma
disciplina nova na grade escolar que esse quadro mudou. Com Estudos
Amazônicos, simples, porém, fascinante para mim, aprendi com o Prof. Jeferson
Rafael, fatos e detalhes da história do Pará que eu nunca tinha ouvido falar.
Mesmo o Hino do Estado, que tivemos que decorar para uma apresentação de
trabalho, foi de longe um dos acontecimentos mais marcantes da minha vida
escolar, dada a importância da redescoberta do eu, sendo o estopim para a
exploração que começaria a fazer sobre o assunto a partir daquele momento.
Alguns anos depois, após muito desvendar, eu percebi que gostaria de
compartilhar aqueles conhecimentos. Eu já sabia como era bom saber, e como
era satisfatório passar adiante os aprendizados que eu havia adquirido. E foi
assim que numa atividade da disciplina de Sociologia da Educação, na
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Universidade do Estado do Pará (UEPA), no curso de Pedagogia, construí um


blog para a avaliação da professora sobre sociologia, mas ousando um pouco,
aproveitei para criar um Blog que falasse sobre o assunto que eu tanto amava, a
história da minha cidade.
Possivelmente não haveria muitas visitas, mas eu estava satisfeita de
saber que um dia, com as publicações que eu fizesse, poderia auxiliar algum
aluno a fazer um trabalho de história, quem sabe, sanar a curiosidade de
alguém sobre um fato histórico.
Por falar em fato histórico, eu deveria dizer que um acontecimento muito
importante para mim, ocorreu no ano de 2013, quando tomei a decisão de largar
Pedagogia, que cursava por comodismo, enquanto fazia o vestibular para
estudar história, fui avante, fazendo a escolha em uma das provas para entrar
na universidade, por Artes Visuais e Tecnologia da Imagem.
Com uma bolsa integral, alcançada com muito esforço, a cada aula do
novo curso eu tinha certeza que aquela havia sido a melhor decisão da minha
vida. E entrar na Universidade da Amazônia (UNAMA), me fez ampliar os
horizontes. Eu já não era apenas uma menina curiosa, mas eu poderia fazer
muito mais. Agora, finalizando o curso me reconheço como pesquisadora,
sempre curiosa e disposta a conhecer mais o passado, para entender o
presente.
No decorrer do curso tive muitas oportunidades não apenas como artista
visual, mas como exploradora do mundo, e uma dessas oportunidades, foi o
estágio na Coordenação de Educação e Extensão do Sistema Integrado de
Museus (SIM) da Secretaria Executiva de Cultura do Pará (SECULT/Pa). Ao ter
o privilégio de trabalhar em um ambiente rico, não só em material de pesquisa,
como em patrimônio tanto imaterial quanto histórico-cultural da cidade de
Belém, me fez mais uma vez ampliar meu olhar sobre o mundo em que vivo.
Conhecendo mais profundamente, por meio dos acervos dos museus do
Forte do Presépio, do Círio, do Estado do Pará (MEP), Espaço Cultural Casa
das Onze Janelas (COJAN), especialmente do Museu de Arte Sacra do Pará
(MAS/Pa), no qual encontrei meu objeto de estudo para o meu primeiro trabalho
de conclusão de curso, artigo para obtenção do grau de bacharel em Artes
Visuais, onde estudei e analisei a pintura de Franco Velasco que retrata o 8º
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Bispo de Belém, Frei Caetano Brandão, que em sua representação misteriosa,


me instigou a compreender a iconologia e iconografia de seu retrato.
E mais uma vez, durante o estágio, tive a oportunidade de não apenas
aprender, mas partilhar. Por meio dos meus estudos individuais, por vezes
elaborei textos sobre meus novos conhecimentos para compartilhar no meu
Blog, que acabou por se tornar um aliado da educação patrimonial no ambiente
virtual. E que já atingiu o marco de mais de 165 mil visitas, nestes cinco anos no
ar.
Para além da internet e da pesquisa sobre Dom Frei Caetano Brandão,
tive a honra de transpor esses conhecimentos dentro dos espaços do SIM, por
meio da mediação para turmas escolares e público flutuante do MAS/Pa.
Sempre muito empolgante e instigante discutir com os visitantes acerca
das representações iconográficas sacras do museu, terminava por sempre tocar
em alguns assuntos que provavelmente diferenciam o acervo do MAS/Pa de
outros, que é a forma de representar propriamente amazônida, tendo em vista a
grande influência da mão de obra regional nas produções artísticas expostas no
determinado espaço museológico.
E foi nesta conjuntura que iniciaram alguns questionamentos: qual o
papel da educação museal diante da multiplicidade de significações de um
objeto musealizado? Que leituras podem ser feitas dos Anjos Tocheiros do
MAS/Pa a partir de suas funções originária e atual? A partir da experiência de
Estágio na Coordenação de Educação e Extensão do Sistema Integrado de
Museus, que ressignificações foram construídas no processo de mediação dos
Anjos Tocheiros com o público?

À vista disso, este trabalho tem como objetivo geral: analisar a utilização
do conceito de objeto gerador na experiência de mediação do acervo do
MAS/Pa a partir do estudo dos Anjos tocheiros presentes no espaço expositivo.
Para isto, será necessário: compreender a educação museal como parte
da educação não-formal e a metodologia do objeto gerador como capaz de
interligar público, saberes e instituição museológica; estudar as peças dos Anjos
tocheiros e seu contexto de produção, assim como o decorrer da história do
próprio objeto; identificar os Anjos tocheiros dentro do discurso museológico da
exposição em que estão inseridos e suas ressignificações a partir das
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mediações ao público.
Para tanto, este trabalho terá uma abordagem qualitativa, utilizando os
métodos: bibliográfico, documental e de relato de experiências. Realizando uma
análise indutiva, que segundo Lakatos e Marconi (1986, p.47), realiza-se em
três fases, a primeira etapa é a observação dos fatos, na segunda será feita a
comparação entre as evidências, com a finalidade de conseguir descobrir a
relação entre eles. E após isto, na terceira e última fase, será feita a
generalização, para chegar a uma conclusão de acordo com o estudo realizado.
Levando em consideração que,

Indução é um processo mental por intermédio do qual, partindo


de dados particulares, suficientemente constatados, infere-se
uma verdade geral ou universal, não contida nas partes
examinadas. Portanto, o objetivo dos argumentos indutivos é
levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o
das premissas nas quais se basearam. (Lakatos & Marconi,
1982)

A partir disto, no capítulo Educação formal, não formal e a educação


museal, com base nos autores, Gohn (2005), Barbosa (2005) e no Caderno da
Política Nacional de Educação Museal (2018), será tratada a relevância da
Educação não-formal e a consolidação da educação nos espaços de museus.
Levando em consideração o conceito de objeto gerador (RAMOS, 2004) na
leitura de objetos de acervo através da mediação.
Desta forma,no capítulo Os Anjos Tocheiros do Museu de Arte Sacra
do Pará (MAS/Pa) será evidenciado o objeto em si - seu uso de origem,
contextualização do período de produção até sua musealização, assim como
seu significado e necessidades de uso originais - por meio de fontes
bibliográficas diacrônicas a sua manufatura, e dos autores Costa e Arenz
(2014), Renata Martins (2009) e transcrições de Govoni (2009).
E é neste contexto que pode ser feita uma reflexão para as diferentes
significações do objeto por meio da educação museal, por isto, no capítulo
Significações do espaço e objeto, será feita uma análise da utilização dos
objetos nos dias de hoje: emprego dos objetos na exposição de longa duração
do MAS/Pa, contexto dentro da narrativa curatorial e a sua ressignificação
através da mediação por meio da educação museal.
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2 EDUCAÇÃO FORMAL, NÃO-FORMAL E A EDUCAÇÃO MUSEAL

A escola é o primeiro círculo que a criança pertence que está fora do seu
primeiro mundo, o seio familiar. Agora, enfrentando novos desafios do saber,
conhecendo visões diferentes do núcleo familiar, aprendendo a socializar mais
amplamente e a perceber o mundo, são inseridos em um contexto rigoroso e
complexo, algumas vezes não levando em consideração as primeiras
experiências, superlativando os novos aprendizados.
A escola se torna um universo novo a ser descoberto com regras bem
rigidas.Seguido, por vezes, de um método tradicional de ensino, as salas de
aulas tem seus regimentos: carteiras, mesas, quadro de escrever, livros didáticos,
o silêncio exigido e atenção total ao “mestre do saber”: o professor.
Esta forma de ensinar é chamada de Educação formal, “tem objetivos
claros e específicos e é representada principalmente pelas escolas e
universidades” (GADOTTI, 2005, p.2.). Conforme apresenta Moacir Gadotti, a
educação formal é pautada em um conjunto de regras, que guia as diretrizes do
ensino formal. Sempre bastante métodico, para Biesdorf,

a educação formal escolar possui três objetivos básicos: a


formação da pessoa humana, o desenvolvimento da ciência
e o domínio da técnica, sendo estes três fatores
indispensáveis para que o homem consiga se inserir numa
sociedade e viver de acordo com as regras desta sociedade
(BIESDORF, 2011, p.3)

Por esse motivo, no caso do Brasil, é considerada um dos principais


parâmetros de ensino. É a forma principal, em que costumeiramente, é visto pela
população como educação, por isso é encarada como um item de poder e meio
eficaz para se transformar a realidade das vidas árduas em melhorias
econômicas. Provavelmente por este motivo, a educação brasileira ficou por
décadas ligada aos centros de ensino formal, coexistindo outras formas de
educação, exercidas minimamente em relação a ela, muitas vezes sendo
extensão das aulas escolares.
Na década de 1980, “os espaços de educação não-formal ocupavam um
lugar mínimo diante do cenário educacional” (GOHN, 2005 apud ALFAIA;
NOGUEIRA, 2018). Por isso, aos poucos a educação não-formal começou a
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tomar forma e popularidade, hoje entende-se que a educação não-formal “é mais


difusa, menos hierárquica e menos burocrática. “ (GADOTTI, 2005, p.2). Podendo
acontecer fora do espaço escolar, em iniciativas, como clubes de escoteiros,
desbravadores ou clubes de ciências, jardins botânicos, centro comunitários,
lugares além da sala de aula que não necessariamente seguem um sistema
sequencial, mas proporcionam processos de ensino e aprendizagem.
Dentro desse amplo e significativo universo da educação não-formal,
encontra-se a educação museal, termo recente que denomina o “processo de
múltiplas dimensões de ordem teórica, prática e de planejamento, em permanente
diálogo com o museu e a sociedade” (IBRAM, 2018, p. 44) e se utiliza do espaço
museal, criando ações educativas para melhor estabelecer este diálogo. Sendo
assim, os museus hoje possuem além de suas equipes de pesquisa e
documentação, direção e logística, também profissionais voltados para a
educação dentro destes espaços.
O espaço museal é em sua essência um espaço de educação não-formal.
Defendendo a importancia do caráter educativo, como o ato educativo dos
espaços museológicos, o historiador Francisco Regis Lopes Ramos, se utiliza da
teoria de Paulo Freire, a partir do conceito de Palavra Geradora, para criar a
noção de Objeto Gerador, reafirmando a importância de tornar o visitante, seja
escolar ou não, muito mais que um mero contemplador de objetos, mas
entendendo sua experiência de vida em relação com o acervo do museu, com os
objetos. A ideia é de se construir problemáticas a partir do tema desenvolvido
desde a sala de aula, propondo indagações específicas sobre as peças em
exposição. Possibilitando assim, formas de comunicação, reflexão e aprendizado.
Segundo Ramos (2004), é necessário “fazer da arte um modo de estudar
a historicidade”, fazendo relação da história com a arte-educação, lendo os
objetos, mas se apropriando do conceito para analisar as mais diversas
significações que o artefato pode adquirir no tempo presente, e nos tempos
passados.
Quando se aproxima os tempos, passado e presente, é mais fácil se
aproximar dos objetos como parte de nossa história, facilitando o entendimento
por parte do aluno ou visitante. Logo, o objeto já não parece tão distante, em um
passado que parece vir de uma ficção, mas entender que, de alguma forma,
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aquele mesmo objeto que fez parte de momentos decisivos para a história da
nossa sociedade, está presente na nossa vida como parte da construção do
presente e tem suas funções repetidas ou modernizadas em um novo utensílio.
“Assim, a criança cria relações cognitivas com o seu passado e seu presente,
interagindo ao mesmo tempo com o museu, a escola, a casa e a cidade”
(RAMOS, 2004, p. 40).
Para fortalecer esse trabalho de reflexão por parte dos educadores
museais, apesar dos museus terem sido consolidados com a participação da
educação desde a Revolução Francesa, o quadro da educação museal no Brasil
é recente. Implementadas em 1927, as ações educativas davam assistência ao
ensino no Museu Nacional, colaborando com o aprendizado e com o currículo
escolar (IBRAM, 2018, p. 13).
Segundo o Caderno da Política Nacional da Educação Museal (PNEM),
em julho de 1956, pela primeira vez foi pautado em um Congresso Nacional de
Museus, promovido pelo Conselho Internacional de Museus brasileiros (ICOM-Br),
o tópico da educação nos espaços museológicos. Mas a consolidação do tema só
aconteceu em 1958, no Seminário Regional Latino-Americano da Unesco, no
Distrito Federal, no qual foi elaborado um documento apresentando a questão dos
profissionais de museus e educação no âmbito da museologia. Este marco
repercurtiu por muito tempo, resultando em publicações e pesquisas sobre a área.

Segundo Frecheiras, o cenário da Educação Museal nesse


período estava relacionado basicamente ao atendimento ao
público, principalmente a estudantes em visitas guiadas (termo em
voga na época), algumas complementadas com projeção de
slides, sessão de cinema ou audição de música, distribuição de
publicações, guias, folhetos ou boletins informativos sobre a
instituição e/ou as exposições, realização de atividades visando à
comemoração de datas históricas e/ou importantes para o
calendário nacional, com a participação de estudantes do que hoje
corresponderia aos ensinos fundamental e médio, capacitação de
funcionários para o aprimoramento e o atendimento das visitas
guiadas e publicação de artigos especializados. (FRECHEIRAS,
2015, p. 57-73. Apud IBRAM, 2018, p. 16)

Por este motivo, foi de fundamental importância a Mesa-Redonda de


Santiago no Chile, sobre o papel da educação em museus no ano de 1972. O
Caderno da PNEM conta ainda que, Paulo Freire foi uma grande influência para a
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renovação da museologia que já se moldava voltada para o homem-sujeito e não


mais o homem-objeto. O filósofo que não compareceu ao evento devido a
situação política que se encontrava a América Latina (IBRAM, 2018, p. 17). No
entanto, apenas na década de 1980 foi criada a primeira política pública
especifica sobre museus no Brasil.
Desde 2010, os educadores museais de todo o Brasil se organizam para
implementar uma Política Nacional de Educação Museal (PNEM). Desta forma,
estão acontecendo encontros dos educadores nas capitais de cada Estado, e
também pela internet, facilitando a conexão da Rede de Educadores Museais
(REM), foi elaborada uma publicação, o Caderno da PNEM, que registra pela
primeira vez, de forma colaborativa, a trajetória e objetivos desta política.
Apoiando o serviço educativo nos mais diversos tipos de museus brasileiros.
Estabelecendo diretrizes, este documento, em um dos eixos discute
Museus e sociedade, relacionando museu, patrimônio e sociedade. Neste
sentindo, é importante destacar que devido à herança brasileira pelo afinco com
relação à educação formal como único padrão admitido como oficial, a educação
não-formal, ainda tem resquícios de desconfiança para aquilo que não segue este
modelo de ensino, por isso, muitas vezes professores e alunos ainda hoje fazem
uma visita a um espaço educativo que não seja o escolar, acreditando que não é
uma aula, mas um simples passeio.
Esta forma de rejeição acontece, devido o histórico desde o tempo
colonial.Com o decreto de ensino obrigatório de arte na colônia pelo rei D. João
VI, Ana Mae Barbosa comenta que, mesmo com a obrigatoriedade do ensino, a
arte era tratada como acessório ainda nos primordios brasileiros, “e não como
uma atividade com importância em si” (BARBOSA, 2005, p. 21), com a vinda da
Missão Francesa, se iniciou um processo de distanciamento das camadas
populares, primeiramente com a ideia de que arte é uma atividade para quem tem
tempo livre de sobra, consequentemente, aos nobres era destinado o fazer
artistico. Com a chegada do neoclassicismo, esta ideia foi reafirmada, sendo os
notáveis representados em pinturas e esculturas, e o povo, mais uma vez
afastado.
Sendo um desafio a ser superado, sobre o ensino em museus, assim
como a arte-educação em geral, acredita-se que o estigma pode diminuir a cada
20

visita realizada e formação de professores promovida pelos espaços museais. Os


capítulos a seguir falam sobre a prática do serviço educativo afim de comprovar a
necessidade e possibilidade de realização de uma visita educativa pensada e
adaptada à realidade dos visitantes, sem desprezar os conhecimentos prévios,
mas reforçando a possibilidade de estabelecer comunicações e realizar o
processo de ensino-aprendizagem dentro do espaço museológico.
21

3 OS ANJOS TOCHEIROS DO MUSEU DE ARTE SACRA DO PARÁ (MAS/PA)

Em mais de 400 anos os Jesuítas tiveram, de certo, muito a contar e


mostrar ao mundo sobre suas contribuições para a arte e formação do Brasil, e o
MAS/Pa traz a público informações pertinentes para isto. No século XVI, quando
chegaram a Colônia, a princípio não foram bem recebidos, atacados por nativos
ainda em águas dos rios, não tiveram sobreviventes. Segundo informações
presentes nos painéis expositivos do MAS/Pa, somente a partir de uma segunda
tentativa em 1653, eles conseguiram se estabelecer na região norte do território.
Na região atual de Belém, foram os terceiros a erguer uma construção para local
de cultos, logo após a Igreja de Nossa Senhora de Belém do Grão e Igreja de
São João Batista.

Ainda segundo esses painéis, primeiramente receberam um terreno


próximo a Igreja de São João Batista, entretanto, logo ganharam um novo, ao
lado do Forte do Presépio. Este espaço que em sua construção atual, terceira no
período de domínio da Ordem Jesuíta, datando de cerca de 1719, serviu
primeiramente como Seminário e residência aos Jesuítas. Em um sistema
completo com capelas, salas de aulas, cozinhas, biblioteca, boticário, jardins e
dormitórios, o Complexo sofreu diversas intervenções ao longodos anos.
Antes mesmo do Rei D. João V de Portugal decretar o ensino de artes e
ofícios na Colônia1 (ANAIS, 1998, p.35), iniciando o longo processo de
regulamentação da arte educação no Brasil, a Ordem Jesuíta já oferecia ensino
educacional público, e entre suas áreas de instrução estava o ensino das artes.
No Grão-Pará, os jesuítas ofertavam gratuitamente à toda população o ensino
básico, cobrando apenas para cursos equivalentes ao ensino superior, em Belém.
No livro “Breve História da Companhia de Jesus 1549-1760”, Leite (1993), afirma
que entre os cursos oferecidos estavam os de ler e escrever, estudos de
gramática de latim, humanidades (poesias, peças de teatro em latim e português),
lições públicas de teologia moral (LEITE, 1993, p. 43), ambas realizadas no
Seminário do Colégio de Santo Alexandre.

1
“Carta Régia de Dom João V, Rei de Portugal, a João da Maia da Gama, Governador e Capitão
General do Estado do Maranhão e Grão-Pará, ordenando aos Prelados das Religiões para que
instruam os índios na língua portuguesa e que aprendam ofícios mecânicos. Lisboa Occidental, 12
de setembro de 1727. Rey. 1p. (Publicado nos Anais da BAT, T.2, D.191) ”
22

Fazendo parte do projeto catequizador da referida Ordem e também o


ampliamento e adorno sacro de suas instalações, “encontramos nas igrejas
jesuíticas, diferentes formas de manifestações artísticas” (MARTINS, 2009), pois
os principais colégios não eram apenas escolas de letras e ciências (LEITE SJ,
1943, p. 220), mas mantinham cursos práticosde produção artistica, as chamadas
Oficinas Jesuíticas. O Colégio de Belém, tinha em sua grande parte, nestas
oficinas, participação de índios, escravos e livres, assim também como
possivelmente, negros pertencentes aos Jesuítas do Pará, ambos de “grandes
habilidades” comandados por padres jesuítas que designavam as produções a
serem realizadas.
Segundo o historiador Serafim Leite, a área para produção das oficinas no
Colégio do Paráficava no pátio inferior para o lado do Ver-o-Peso, fora da área de
recolhimento do colégio, onde “se aglomeravam as oficinas, carpintarias, cozinhas
duplas para são e doentes”(LEITE SJ, 1943, p. 213), muito possivelmente nas
proximidades, senão no atual Jardim do Tempo, do Complexo (ver figura 3).
O Padre João Daniel, um dos grandes líderes da Ordem Jesuíta,
escreveu sobre os papéis atuantes dentro das oficinas ao visitar o Colégio de
Santo Alexandre durante sua viagem pela região do Amazonas:

escultor, carpinteiros [,] ferreiro, e alfaiates: insignes imaginários, e


juntamente pintores; e assim trabalham com igual perfeição em
qualquer deles, conforme o empenho da obra. (DANIEL, 2004, p.
342)

Ainda em relação aesta visita ele comenta sobre as primeiras obras


produzidas nas oficinas: os anjos tocheiros, ressaltando que foram feitas “com tal
perfeição, que servem de admiração aos europeus” (DANIEL, 2004, p.342). De
fato, ele confirma a produção destas peças por um dos índios da oficina que
funcionava dentro do Complexo de Santo Alexandre ondesurgiram as peças dos
Anjos Tocheiros:

Figura 1 – Anjos Tocheiros durante obras de restauro da Igreja de Santo Alexandre, 1978.
23

Fonte: Iphan- Acervo Digital

2 anjos de 11 palmos de alto com suas pianhas de 3 palmos e


meia de alto, douradas; os anjos porém estoufados de extrema
beleza colocados no presbitério da capela mor com uso de
tocheiros. (SJ, 2009)

Medindo 141x46x46x34cm, as peças são idênticas, porém, produzidas


para mostrarem-se na direção oposta ao outro, feitas em par, como é possível
ver na Figura 1. As peças são esculpidas como guerreiros (MARTINS, 2009, p.
384), é possível observar também que calçando botas idênticas as esculturas
parecem ricamente ornadas, reproduzem movimento de pano e a dureza de um
couro o sustentando. Suas vestes imitam com perfeição o caimento de um
tecido, incluindo algumas franjas e borlas2 (BORLA, 2018) nos mais diversos
tamanhos. Em espelhamento, e tal qual muitos obras sacras coloniais brasileiras,
carrega um objeto em forma de cornucópia3 com a ponta flamejante e o

2
Borla é um enfeite feito com fita, franja, bordados cuja base possui franjas dependuradas.
(BORLA, 2018).
3
“Vaso em forma de chifre, cheio de frutas e flores que simboliza a fertilidade, a riqueza e a
abundância”. Cibele, Dicionário de Símbolos. Disponível em
https://www.dicionariodesimbolos.com.br/cibele/. Acesso em 19 de dezembro de 2018.
24

comprimento caracteristico de corno retorcido. Destituídos de policromia, ambos


têm marcas do tempo, parte dos dedos dos pés resistem, entretanto, uma das
peças perdeu parte da perna direita. Além disso, é possível ver na área do tronco
de um deles a perda de uma camada de madeira.

É importante ressaltar que apesar da possibilidade dos Anjos tocheiros


fazerem referência aos costumes indígenas na talha da vestimenta, se tratando
dos aspectos culturais de batalhas entre os grupos indigenas, deve-se levar em
consideração que nesta fase da história colonial era comum encontra-los nas
igrejas. Eles “funcionavam simbolicamente como guardiões do espaço sagrado
da capela-mor” (MARTINS, 2009, p. 384), pois suas vestes fazem alusão à
função de atalaia do lugar4 como um guerreiro celeste, visando representar o
trabalho dos arautos das boas novas.

Quando a Ordem Jesuíta foi expulsa pelo Rei Dom José dos reinos e
dominios de Portugal, promulgada pela lei de 3 de setembro de 1759, teve seus
bens confiscados e catalogados. No Catalógo do Inventário Jesuítico do Pará
feito em 1760, transcrito pelo Pe. Ilário Govoni SJ rememorando os 250 anos de
expulsão da Ordem, traz a informação que o lugar de uso dos Anjos tocheiros
após sua produção era a Capela Mor.

Após a expulsão em 1759, o prédio ficou sob a guarda da então Diocese


do Pará, sendo Palácio Episcopal até o final do século XX.Neste período, no
século XVIII, com a Cabanagem, serviu de hospital aos cabanos, provavelmente
por este motivo, sofreu bombardeios em alguns confrontos (COSTA & ARENZ,
2014, p. 24). Em 1903, segundo registra uma das colunas da Igreja de Santo
Alexandre, próxima a Capela-mor, a igreja passou por uma reforma. Neste
mesmo período - reforçam os educadores do espaço museal durante as
mediações - uma das ações marcantes foi a cobertura das composições em
madeira do Altar-mor com um tipo desconhecido de pigmentação branca, não
mais podendo recuperá-las, fazendo-as perder suas características iniciais de

4
“Los ángeles visten como los soldados del virrey o del imperador porque ellos son los guardianes
custódios del Império (...) Anuncián, además, la naturaleza de la guerra a pelearse. Um angel es
ante todo um mensajero; um mensajero es un predicador. Así, el angel guerrero es la imagen in
divinis del misionero (...) Los misioneros al predicar, imitan la actividad de los ángeles...”.
(PINILLA, 1992 apud MARTINS, 2009, p. 384).
25

folhagem a ouro. Também no início do século XX, a Diocese foi elevada a


Arquidiocese e ganhando umanova sede, o Complexo perdeu então a atenção
de seus administradores, sem suas finalidades rituais, entretanto, manteve sua
função de moradia do arcebispado até a segunda metade do século XX.

Figura 2 – Nave da Igreja de Santo Alexandre.

Fonte: Iphan - Acervo Digital

Subsistiam ainda muitas lembranças do período jesuítico,


remanescentes da era de ouro do espaço arquitetônico, no complexo seguiam
26

sendo mantidos as várias peças escultóricas produzidas e arrecadadas durante


esta fase, além dos objetos, obras e indumentárias que chegaram durante o
tempo de administraçãoda Diocese de Belém.

Por este motivo, durante o inicio do século XX, muitas obras


desapareceram, outras foram danificadas com manipulação inadequada e muitas
mais se deterioraram em razão do clima e as infiltrações do teto. Apenas na
década de 1940, os olhares se voltaram para o edifício novamente, e iniciou-se
um longo processo de restauro (ver Figura 2). Entretanto, na década de 1990,
ocorreu o restauro voltado para a adaptação do local para espaço museológico,
acontecendo em 1998 a inauguração do Museu de Arte Sacra.

Figura 3 – Jardim do Tempo do Complexo de Santo Alexandre, 2017.

Fonte: Acervo da autora.

Hoje, o complexo de Santo Alexandre faz parte do Sistema Integrado de


Museus da Secretaria Executiva de Cultura do Estado do Pará, nele estão
abrigados nas antigas dependências do Colégio jesuíta, o Museu de Arte Sacra e
no andar superior, a direção do SIM/Secult e do MAS/Pa; a Igreja de Santo
Alexandre já não possui função litúrgica, e compoe o percurso do espaço
museal, desempenhando também funções de realização de eventos:
27

casamentos, aniversários eatividades culturais; a capela particular sobre a


sacristia e o conjunto de salas próximas que antes serviam à biblioteca jesuíta,
hoje dão espaço ao miniauditório e salas adjacentes ao Museu da Imagem e do
Som e ligadas ao casario ao lado da igreja, a Coordenação de Educação do
SIM/Secult.

As peças que estavam presentes no Complexo durante o período de


restauro na década de 1940, parte estão em exposição, outras estão
salvaguardadas nas reservas técnicas do SIM: no Museu do Estado do Pará e
em uma sala adjacente à Igreja de Santo Alexandre. Entre os grandes feitos das
oficinas jesuíticas que podem ser visitados hoje, estão os púlpitos laterais da
Igreja de Santo Alexandre; o par de Anjos Adoradores e o par de Anjos tocheiros,
assim como outras obras de reprodução de santos, que estão no segundo andar
do Museu de Arte Sacra.

4 SIGNIFICAÇÕES DO ESPAÇO, OBJETO E A EDUCAÇÃO MUSEAL


28

A educação é uma “ferramenta de construção de identidade, cidadania


e transformação social” (IBRAM, 2018, p. 17), por este motivo, usá-la dentro dos
espaços museais é essencial, podendo aliá-la aos mais diversos objetos de
acervo que rememoram muitos períodos e significações tanto ideológicas
quanto culturais. Tornando, por meio das ações educativas, uma ferramenta
capaz de conectar saberes inerentes ao indivíduo visitante, conhecimentos
advindos do educação formal de ensino e os mediados pelo educador museal.
Como forma de pôr em prática os conhecimentos adquiridos durante a
graduação, tive a oportunidade de atuar como estagiária do setor educativo do
SIM de fevereiro de 2017 a dezembro de 2018. Como parte daformação inicial,
os estagiários recebem material de estudo para ter informações sobre a
arquitetura, história e o acervo do MAS/Pa. Na prática, como mediadores de
conhecimentos, buscamos adequar o conteúdo ao objetivo que os professores
buscam com a visita, conciliando com os conhecimentos prévios dos alunos.
Quando o público não é escolar, mas flutuante, ou seja, público não
advindo de agendamento, a conversa flui mais informalmente, sem objetivo pré-
estabelecido, como mediadores, buscamos em uma conversa rápida, conhecer
a origem dos visitantes e o motivo que os levou a visitar o museu, e de acordo
com a faixa etáriaapresentar não apenas o acervo, mas também o sentido
cultural, histórico e social da importância daquele espaço museológico.

Figura 4 – Fachada do Museu de Arte Sacra do Pará.

Fonte: Site Janela Urbana.

O Complexo de Santo Alexandre, local em que está situado o objeto


29

deste estudo, é dividido em dois grandes espaços abertos para a visitação:


Igreja de Santo Alexandre e Arcebispado: o Museu de Arte Sacra (ver Figura 4),
Galeria Fidanza e o Jardim Padre Antônio Vieira. Divididos desta forma, a
visitação costuma iniciar pela Igreja de Santo Alexandre e seguir para a parte
superior do edifício, primeiramente indo ao Coro, passando pelo corredor de
galerias seguindo para o Museu de Arte Sacra, finalizando no Galeria Fidanza e
Jardim Padre Antônio Vieira.

Figura 5 – Escadaria da Igreja de Santo Alexandre, 2018.

Fonte: Acervo da autora.

Ao adentrar o Museu de Arte Sacra do Pará, a grande porta de madeira


revela a simples e delicada recepção, com o piso revestido de pedras de
30

mármore, e na parede sobre um aparador de madeira, um mural adorna a


parede esquerda contando alguns dos costumes religiosos indígenas da
pajelança. À direita, encontramos na parede um painel celebrando a
inauguração do espaço em 1998, logo abaixo, um sino marcado com o ano em
que foi produzido, 1864. Ao centro, a grande escada em madeira de cedro
chama atenção, voltando nossos olhos para o vitral logo acima dela (ver Figura
5).

Figura 6 – Nave da Igreja de Santo Alexandre.

Fonte: Site Paratur.

A visitação, como indicado pelos recepcionistas inicia pela Igreja de


Santo Alexandre, à direita. Passando pela porta, nos deparamos com a
arquitetura barroca que a um olhar mais atento, pode-se notar a mistura de
fases do movimento, ainda sim, a impressão que se tem, seja quem for, é a
imponência do local (ver Figura 6). Cada detalhe revela atenção minuciosa dos
trabalhadores e mentores envolvidos na construção da Igreja. São peças em
madeira, metal e gesso que contam uma história e demonstram cenas de uma
cultura religiosa.
31

Do outro lado da história e um pouco mais acostumada ao local, é fácil


notar o encanto, às vezes assombro, dos visitantes dentro do museu pela
primeira vez, mas após uma conversa na Igreja, ajudando os visitantes a
conhecer mais o período histórico e cultural da cidade em que ela se insere.
Levamos o visitante a conhecer um pouco mais dos costumes religiosos
católicos ao longo do tempo, revelando também os fatos importantes pelos
quais o museu passou, e hoje, serve para contar aos jovens e relembrar os mais
adultos, da presença de vidas e influências dos diversos povos, indigenas e
negros, que passaram ali e hoje resistem através de traços e formas que
escreveram com suor e sangue a própria história do Pará.

Voltando à recepção, subindo pela escada de madeira, temos acesso ao


segundo andar, após transpassar as grandes portas duplas de madeira vemos
uma grande escultura de Nossa Senhora da Piedade, uma versão de Pietà de
Michelangelo de autor desconhecido. A visita no andar superior costuma iniciar
pelo lado, à esquerda, a área superior com vistas para a Igreja (ver Figura 7).
Nele estão abrigadas representações sacras de santos católicos de procedência
da Igreja de Santo Alexandre durante as Oficinas Jesuíticas do século XVIII. Na
ala direita à entrada do pavimento superior, no corredor de acesso às galerias
que dão vista para a igreja, também estão obras provenientes das oficinas
jesuíticas estabelecidas no local durante as primeiras décadas do século XVIII.

Figura 7 – Corredor lateral à Igreja de Santo Alexandre – Mediação sobre os Anjos Adoradores
32

produzidos nas Oficinas Jesuíticas

Fonte: Acervo da autora.

Voltando para as próximidades da grande escadaria de madeira, está o


pavimento superior do Museu de Arte Sacra. Divididas em duas grandes salas,
com um corredor ao centro(ver Figura 8), cada espaço mantém o padrão de
expor objetos sacros de procedência da região norte, alguns tem o estilo
europeu de produção, contrastando com outros bastantes diversificados em
estética, entretanto mantendo o estilo barroco em suas cores e formas.

Figura 8 – Corredor principal do Segundo andar do Museu de Arte Sacra do Pará.

Fonte: Acervo da autora.


33

Enquanto isso, no corredor que divide estas salas, estão em exposição


pinturas e algumas poucas peças escultóricas. Entre elas, a pintura da Santa
Ceia de autor desconhecido, mas que data do século XVIII e segundo o
Catálogo de bens jesuítas de 1757, ficava localizada na cozinha dos jesuítas.
Estão no corredor, assim como o único retrato, de Dom Frei Caetano
Brandão(ver Figura 9) e outras pinturas.

Figura 9 – Mediação no Museu de Arte Sacra do Pará – Pintura de Franco Velasco:


Retrato de Dom Frei Caetano Brandão.

Fonte: Acervo da autora.

Entretanto, é na sala lateral à direita que está localizado o objeto de


estudo deste trabalho, os Anjos tocheiros. Durante todo o trajeto, mesmo sem
perceber, os visitantes passam a reparar em detalhes das obras que não
conseguiam no início da visita. Seus olhos já estão atentos às esculturas, em
sua forma do corpo sinuosa, aos olhos amendoados e rosto alargado. Até às
34

vestes, por vezes, imitando os movimentos de tecido, já são distinguindas pelas


cores da policromia costumeiramente usados em peças do barroco: o azul,
vermelho e dourado. Mesmo as particularidadesdos cabelos e o tamanho do
braços e pernas em relação ao corponão são mais imperceptíveis.

Figura 10 – Sala do acervo jesuítico.

Fonte: Site Viagem e Turismo – Marcelo Soares

Por isso, conforme a visita é realizada, o olhar está sendo treinado


minimamente para entender os objetos do acervo, e a criticidade o acompanha.
Por isso, quando chegamos a sala dos Anjos Tocheiros, os visitantes costumam
perceber rapidamente os permenores da peça, notando as singularidades da
escultura, às vezes, como são parecidos de alguma forma com as peças dos
Anjos Adoradores.

Entretanto, quando fazemos todo este trajeto, acabamos por trocar


muitas experiências com os visitantes, e como já sabemos,o papel do serviço
educativo nos museus não é celebrar personagens, mas fazer análises
reflexivas com aqueles com quem mediamos (RAMOS, 2004, p.20), então, já
35

entendendo um pouco das técnicas artísticas empregadas, ver os Anjos


Tocheiros não é apenas identificar sua função de candeeiro de grande porte em
um lugar público, mas exercitar a construção de questões que nos façam refletir
sobre o uso de mão de obra escrava indígena, o talento advindo dos costumes
manuais dos indios aliado às novas funções atribuídas pelos colonos, pensar
mesmo sobre a necessidade de serem os índios os construtores. Porque não
negros? Porque não os portugueses especialistas treinados no Velho Mundo?

Sabendo que as visitas educativas são mais que narrações do passado,


os visitantes geralmente contribuem com as perguntas não feitas pelo mediador,
mas que permeiam o trajeto percorrido. Manifestando espontaneamente várias
ressignificações, a exemplo de como os Anjos Tocheiros, diversas vezes são
tomados como desnecessários pelos visitantes: umexcesso ou excentricidade
dos jesuítas portugueses que mandavam executarem alguma obra sem pensar
no trabalho penoso dos escultores. É claro que estes trabalhos faziam parte de
um cenário histórico e cultural bem diferente do que vivemos hoje, ainda sim, as
indagações e ligações que trazem os visitantes em breves comentários sobre a
escravidão moderna e falta de valorização do trabalho índigena, continuam
sendo feitas.

Na maioria dos casos, os visitantes revelam que não sabiam ser


possível ou não atentavam para o saber indígena, e mesmo os que cheragam
comum pré-conceito, onde tinham uma imagem do índio pescador e caçador
vivendo em meio a selva, mas ferozmente destruída com tantas evidências no
espaço museológico sobre o talento que eles possuíam e que resistem até hoje.
Adquirindo uma concepção mais ampla e humanizada dos índios que
vigorosamente trabalharam nas oficinas jesuíticas.

Estas ressignificações do objeto vão sendo reveladas aos poucos pelos


próprios visitantes, significados que vão sendo atribuídos com os
conhecimentos prévios e os adquiridos durante a visitação não tendo apenas o
significado devocional, mas também o museal. Chagas diz que uma visita ao
museal “tanto poderá estar voltada para o diálogo, para a reflexão, para a
transformação da realidade social, quanto para o monólogo, para a
36

domesticação e para a conformação social." (2009, p. 57). E neste sentido,


conhecer os objetos que compôem o acervo não se trata apenas de saber o que
os antepassados produziram, mas de preservar os testemunhos de uma cultura,
estabelecendo as múltiplas relações que se podem compor entre passado,
presente e futuro. (RAMOS, 2004, p.28).

Por isso, o ato de envolver-se em uma visita educativa a um museu,


além de tornar o ato mais prazeroso para todos os participantes, auxilia na
compreensão de mundo, procurando novas leituras não apenas dentro do
espaço do museu em seus objetos, mas fora dele, aguçando o sentindo
reflexivo do visitante explorando o mundo, também perpertuando as
comparações com objetos e realidades do passado. Corroborando assim, a
própria teoria do objeto gerador, aprofundando o debate educativo e histórico
sobre os museus. Modificando os estigmas, criando recepções favoráveis ao
ensino não-formal e perpertuação de saberes e testemunhos de uma cultura.
37

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após um longotempo, porém, agradável, estudando o tema, foi


possível compreender a educação museal, traçando seu histórico no Brasil,
sua participação ativa e essencial dentro do âmbito da educação não-formal
e suas diferenças da educação formal, a partir do estudo e análises
referentes aos Anjos Tocheiros do MAS/Pa e a aplicação da teoria do
objeto gerador como ferramenta para contribuir com a exploração
intencional do acervo museal.
Apesar de caminhar a passos lentos, foi mostradocomo a educação
museal vem se tornando cada vez mais consolidada com a participação dos
profissionais dos serviços educativos, por meio das Redes de Educadores
Museais de todo o Brasil. Este é um passo importante para a
regulamentarização da profissão que ainda não é reconhecida oficialmente
mas que é essencial para o trabalho que já vem sido desenvolvido. Estes
que por meio da pesquisa e planejamento de atividades didáticas,
promovem ações para comunicar e lançar reflexões sobre o conteúdo
presente nos espaços museológicos.
É claro que estas ações, para serem desenvolvidas, envolvem
pesquisas aprofundadas sobre seus conteúdos, por este motivo afim de
contribuir, foi apresentado uma pesquisa sobre os Anjos Tocheiros, sua
manufatura, função de criação e contexto histórico no qual foi construído,
tal como uma rápida análise iconográfica do objeto e sua trajetória até a
musealização do espaço no qual está inserido desde sua produção.
Para além da teoria, na prática, é importante adequar estes
conteúdos, transmitindo-os de acordo com o público-alvo, e ainda assim,
não deixar de ser o agente transformador suscintando questões que
provoquem nos visitantes inquietações e reflexões. Por este motivo, foi
apresentado um relato sobre o funcionamento e trajeto de uma visita
educativa, ressaltando comentários e conversas vivenciadas por mim,
enquanto estagiária mediadora em museu, envolvendo a participação ativa
38

do público.
Finalmente, pode-se concluir que ao serem alcançados os objetivos
de compreender a educação museal como peça da educação não-formal;
conhecer a importância do estudo das peças como elementos iconográficos
importantes para a o entendimento do funcionamento pretérito e atual do
espaço museológico, ao utilizar a ideia do objeto gerador na ação prática
educativa, conseguiu-se notar algumas das ressignificações do objeto que
apesar de ter sido criado com uma finalidade, após sua musealização
passou a ser passível de interpretações diferentes daquelas com o intuito
de que foi criado. Eventualmente, passando por análises e comparações a
temas atuais.
Apesar disto, ainda há um longo caminho a ser trilhado, pois além
dos preconceitos existentes para com os museus que até então, são tidos,
na maioria dos casos como espaços esvaziados de sentido para a maioria
dos visitantes, há a falta de formação dos próprios professores para saber
como utilizar da melhor forma os espaços, pois os mesmos, nem sempre
conhecem os espaços culturais da própria cidade. Como pude comprovar
em meu período de estágio, em que tive contato com muitos educadores
que buscavam fazer agendamento de visitas educativas, que no entanto,
não conheciam o espaço adequadamente.
Contudo, em minha experiência como mediadora, vi muitos visitantes,
adultos e crianças, deixando cansados o espaço, mas com a certeza de que
possuíam uma noção mais humanizada dos índios, antes escravos sem nomes,
agora artistas impressionantes capazes de criar impensáveis formas, ainda assim
quase não registrados nos livros de história. É notável perceber a distância entre
povos de tempos tão diferentes ser diminuída. Perpetuar memórias, unir pessoas
e dar a chance de cidadania a todas as pessoas por meio da cultura.
39

REFERÊNCIAS

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Estado do Pará / Arquivo Público do Estado do Pará, v.3, t.2, p.35. 1998.

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escola e na sociedade. In: Revista eletrônica do curso de pedagogia do Campos
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Janeiro: Contraponto Editora. v.1, p. 342. 2004.

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