Você está na página 1de 172

Tamiris Vaz

Francieli Regina Garlet

D
Fábio Purper Machado

L
N
LIVRO DO
PROFESSOR

P
IA
U

ARTES VISUAIS
G

LIVRO DE FORMAÇÃO CONTINUADA


CAMPO DE SABER: ARTES VISUAIS
Área do conhecimento:
Linguagens e suas Tecnologias
G
U
IA
P
N
L
D
Tamiris Vaz

D
Doutora em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (GO),
mestra em Educação e licenciada em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).
Pesquisadora, artista visual e professora do curso de Artes Visuais
na Universidade Federal de Uberlândia (MG).

Francieli Regina Garlet

L
Doutora e mestra em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (RS),
licenciada e bacharela em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).
Pesquisadora, professora e artista.

Fábio Purper Machado


Doutor em Arte e Cultura Visual pela Universidade Federal de Goiás (GO), mestre,

N
licenciado e bacharel em Artes Visuais pela Universidade Federal de Santa Maria (RS).
Pesquisador, professor e artista atuante nos campos da escultura, dos quadrinhos e do cinema.

P
IA

ARTES VISUAIS
U

LIVRO DO PROFESSOR
G

CAMPO DE SABER: ARTES VISUAIS


Área do conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias

1a edição

São Paulo, 2021


Coordenação editorial: José Luiz Carvalho da Cruz
Edição de texto: Angela Maria Montico Cruz, Duda Albuquerque

D
Assistência editorial: Carla Daniela Ribeiro Araújo, Juliana Nozomi Takeda,
Patrícia Santana Tenguan, Vanessa Paulino da Silva
Gerência de design e produção gráfica: Everson de Paula
Coordenação de produção: Patricia Costa
Gerência de planejamento editorial: Maria de Lourdes Rodrigues
Coordenação de design e projetos visuais: Marta Cerqueira Leite
Projeto gráfico: Daniel Messias

L
Capa: Otávio dos Santos, Douglas Rodrigues José
Ilustração: maximmmmum/Shutterstock
Coordenação de arte: Wilson Gazzoni Agostinho
Edição de arte: Glauber Benevenuto
Editoração eletrônica: Teclas Editorial
Edição de infografia: Giselle Hirata, Priscilla Boffo

N
Coordenação de revisão: Elaine C. del Nero
Revisão: Ana Paula Felippe, Márcia Leme, Nair H. Kayo, ReCriar Editorial,
Renato Bacci, Viviane T. Mendes
Coordenação de pesquisa iconográfica: Luciano Baneza Gabarron
Pesquisa iconográfica: Mariana Zanato, Susan Eiko, Daniela Ribeiro, Marcia Sato
Coordenação de bureau: Rubens M. Rodrigues
Tratamento de imagens: Joel Aparecido, Luiz Carlos Costa, Marina M. Buzzinaro

P
Pré-impressão: Alexandre Petreca, Everton L. de Oliveira, Marcio H. Kamoto,
Vitória Sousa
Coordenação de produção industrial: Wendell Monteiro
Impressão e acabamento:
IA

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


U

(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vaz, Tamiris
Reflexões e práticas formação continuada : artes
visuais : livro do professor / Tamiris Vaz, Francieli
Regina Garlet, Fábio Purper Machado. -- 1. ed. --
São Paulo : Moderna, 2021.

"Campo de saber: Artes visuais


G

Área do conhecimento: Linguagens e suas tecnologias".

1. Arte (Ensino médio) I. Garlet, Francieli


Regina.
II. Machado, Fábio Purper. III. Título.

20-49534 CDD-700
Índices para catálogo sistemático:

1. Arte : Ensino médio 700

Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Todos os direitos reservados
EDITORA MODERNA LTDA.
Rua Padre Adelino, 758 - Belenzinho
São Paulo - SP - Brasil - CEP 03303-904
Vendas e Atendimento: Tel. (0_ _11) 2602-5510
Fax (0_ _11) 2790-1501
www.moderna.com.br
2020
Impresso no Brasil

1 3 5 7 9 10 8 6 4 2
Sumário

D
Carta-convite .......................................................................................................................................................................................................... 6
Abordagem teórico-metodológica .................................................................................................................................................. 8
Acerca das dimensões...................................................................................................................................................................... 8
Acerca dos temas abordados ....................................................................................................................................................... 9
Competências e habilidades...................................................................................................................................................... 10

L
Vivências .............................................................................................................................................................................................. 13
Conteúdos multimodais entre texto e imagens .............................................................................................................. 18
Referências bibliográficas comentadas ................................................................................................................................... 19
Referências complementares .............................................................................................................................................................. 26

CAPÍTULO 1

N
DOCÊNCIA E INCERTEZA: PROJETOS DE VIDA PARA FORJAR,
A CADA VEZ, OUTRAS PAISAGENS E JANELAS ............................................................................................................ 28
Sobre paisagens, molduras e janelas ........................................................................................................................................ 29
Uma docência sempre por vir ............................................................................................................................................................. 30
Investigações e aprendizagens de si ..................................................................................................................................... 30
• Encontro com signos...................................................................................................................................................................... 31

P
• Aprender por imprevistos e paradas ........................................................................................................................................ 32
Textualidades e composições para a criação de docências ....................................................................................... 36
• Experiência e espreita .................................................................................................................................................................... 36
• Ferramentas para a criação de docências............................................................................................................................... 38
• Exercícios para a criação de si com os diários visuais e/ou textuais ............................................................................. 41
• Pistas para a produção do seu diário........................................................................................................................................ 43
A criação de espaços para um ”povo docência” ............................................................................................................. 44
• Conversações que forjam coletividades ................................................................................................................................. 44
IA
• Espaços de contato e criação de si ............................................................................................................................................ 45
Espaços de criação na docência ........................................................................................................................................................ 47
Planejamentos e combinações improváveis de uma aula.......................................................................................... 47
• Mobilizando saberes anteriores ................................................................................................................................................. 48
• Produzindo perceptos e afectos em uma aula ..................................................................................................................... 50
Teoria e prática em revezamento ............................................................................................................................................ 51
• Produzindo “entre”........................................................................................................................................................................... 52
Caminhos e encontros na avaliação ..................................................................................................................................... 55
• Avaliar para produzir caminho ................................................................................................................................................... 56
• Avaliar para aliar............................................................................................................................................................................... 57
• Avaliar para aprender a criar ....................................................................................................................................................... 58
U

• Avaliar para produzir multiplicidades ....................................................................................................................................... 59


• Avaliar os critérios de avaliação ................................................................................................................................................. 60

CAPÍTULO 2
TEMPOS E ESPAÇOS DAS ARTES VISUAIS: MOVIMENTOS
E RESISTÊNCIAS CULTURAIS .......................................................................................................................................................... 61
G

Arte e culturas ..................................................................................................................................................................................................... 63


Saberes visuais populares .......................................................................................................................................................... 63
• Artesanato como legado de gerações ..................................................................................................................................... 63
• Múltiplas culturas ............................................................................................................................................................................ 66
• Corpos e culturas em movimento ............................................................................................................................................. 69
O “visual” nas artes visuais ......................................................................................................................................................... 71
• Culturas do ver ................................................................................................................................................................................. 71
• Experimentações que não se restringem ao visual............................................................................................................. 73
Transitando por universos adolescentes ............................................................................................................................ 74
• Alfabetismo da cultura visual ...................................................................................................................................................... 74
• Juventudes na produção de culturas ....................................................................................................................................... 75
Histórias que a história da arte conta, produz, cria ..................................................................................................... 80
Aberturas para outros possíveis em livros e museus ................................................................................................... 80
• Problematizando narrativas dominantes ............................................................................................................................... 80
• Corpo e gênero na arte ................................................................................................................................................................. 82
Lutas e resistências artísticas no cotidiano educativo ................................................................................................ 83
• Entre leis e microações cotidianas ............................................................................................................................................ 84
• Conversações e escutas entre singularidades....................................................................................................................... 85
• Do investimento em narrativas múltiplas .............................................................................................................................. 87
História da arte fora dos trilhos cronológicos.................................................................................................................. 90
• Arquivo e curadoria educativa ................................................................................................................................................... 92

3
Sumário

D
CAPÍTULO 3
A IMAGEM NA VIDA CONTEMPORÂNEA: TECNOLOGIAS, MÍDIAS E COTIDIANO .................. 95
Artes e visualidades no mundo contemporâneo ........................................................................................................... 97
Artistas e produção de imagens ............................................................................................................................................. 97

L
• Imagens em suas distintas eras .................................................................................................................................................. 97
• Artes Visuais e as tecnologias contemporâneas de produção de imagens ............................................................... 98
• Coexistência e contágios entre imagens e tecnologias digitais ................................................................................... 100
• Contágios “entre” linguagens artísticas: e… e… e… ....................................................................................................... 101
• Incorporando o humor no exercício de problematizar ................................................................................................... 103
Artistas e difusão de imagens na era digital ..................................................................................................................103
• Imagens de si nas redes sociais ................................................................................................................................................ 105

N
• Artistas e acesso aos acervos .................................................................................................................................................... 106
Quando a arte se faz vida .........................................................................................................................................................107
• Criações cotidianas ........................................................................................................................................................................107
• Imersões artísticas nos gestos cotidianos ............................................................................................................................ 108
• Arte ativista ...................................................................................................................................................................................... 111
Narrativas visuais no cotidiano juvenil.................................................................................................................................. 113
Entre textos e imagens nas histórias em quadrinhos ................................................................................................113

P
• Relações entre imagem e texto nos quadrinhos ............................................................................................................... 114
• Janelas da história em quadrinhos ......................................................................................................................................... 116
• Publicações artesanais................................................................................................................................................................. 117
Produzindo e pensando com o cinema .............................................................................................................................120
• Encantos e mistérios de uma caixa-preta ............................................................................................................................. 120
• Enquadramentos cotidianos ..................................................................................................................................................... 122
• Escolhas narrativas e políticas na produção de um filme ............................................................................................... 124
• Cinema para movimentar o pensamento............................................................................................................................. 126
IA
Imagens de consumo midiático ............................................................................................................................................127
• Criando [com] vazios .................................................................................................................................................................... 127
• As imagens no cotidiano de consumo .................................................................................................................................. 129
• Visualidades e artefatos culturais ............................................................................................................................................ 129
• Pós-produção educativa ............................................................................................................................................................. 131

CAPÍTULO 4
ENCONTROS: ABRINDO A JANELA PARA OUTRAS CONVERSAÇÕES ..............................................133
Arte e práticas cotidianas ..................................................................................................................................................................... 135
Deslocamentos e guardados ..................................................................................................................................................135
U

• Saindo da escola ............................................................................................................................................................................ 135


• Trabalhando com vestígios ........................................................................................................................................................ 137
• Guardados imateriais ................................................................................................................................................................... 138
Deslocamentos de objetos e ideias .....................................................................................................................................140
• Objetos encontrados.................................................................................................................................................................... 140
• Apropriações de modos de circulação .................................................................................................................................. 141
• Apropriação cultural..................................................................................................................................................................... 143
G

Arte de corpos em deslocamento ........................................................................................................................................144


• Corpo e experiência estética ......................................................................................................................................................144
• Movimentos do corpo na criação artística ........................................................................................................................... 146
• O corpo na sala de aula ............................................................................................................................................................... 147
Linguagens e aprendizagens que se expandem.......................................................................................................... 148
Campo expandido, híbrido, radicante ...............................................................................................................................148
• Quando a arte não cabe em uma única categoria ............................................................................................................ 149
• Do campo que se expande ....................................................................................................................................................... 150
• Multiplicidades que transbordam especialidades ............................................................................................................ 151
Trânsitos Coletivos Transdisciplinares ...............................................................................................................................154
• Coletivos de arte ............................................................................................................................................................................ 154
• Coletividades comunitárias ....................................................................................................................................................... 156
• Impactos ambientais como interesse coletivo ................................................................................................................... 157
Estratégias ativas na educação das artes visuais ..........................................................................................................159
• Criatividade e invenção de problemas .................................................................................................................................. 159
• Projetos de trabalho ..................................................................................................................................................................... 161
• Portfólio enquanto ferramenta para avaliação processual ........................................................................................... 163

CONCLUSÃO
Ao ser experimentado, o livro-mundo se desfaz em outros... ...................................................................... 166

4
Conheça seu livro

D
1
CAPÍTULO
Docência e incerteza: projetos • Que janelas nos compõem?
• Olhos, ouvidos, poros... zonas de contato entre dentro e fora, que a todo momento estão a produzir, um

de vida para forjar, a cada vez,


e outro. Nosso corpo/pensamento pode ser uma janela aberta aos encontros?

Abertura de capítulo
• Como explorar essas trocas para forjar conexões que potencializem nossas capacidades, nossos saberes

outras paisagens e janelas


e nossos desejos dentro dos itinerários atravessados coletivamente no novo Ensino Médio?

Sobre paisagens, molduras e janelas


Na carta de apresentação deste livro falamos em janelas, em molduras, perspectivas pelas quais

© 2020 JOHANNA GOODMAN


vamos produzindo sentidos, ao mesmo tempo que criamos as paisagens provisórias que compõem

L
Cada capítulo apresenta uma
as artes visuais, a educação das artes visuais e as nossas próprias individualidades como docentes.
Nessa perspectiva, nem o fora nem o dentro são fixos; eles estão a todo momento provocando
um ao outro, produzindo outras possibilidades de existência para ambos a cada vez, a cada encontro.
Assim vamos produzindo/criando a nós e ao mundo nesse processo, ao passo que vamos produzindo
zonas de contato, um dentro/fora nunca já dados, mas em constante movimentação e produção/

imagem motivadora, seguida de criação pela experimentação do mundo.


Trata-se, portanto, de caminhos de criação de docências que não acontecem desconecta-
dos do traçado de nossos projetos de vida. Um projeto de vida, como trazido aqui, envolve um
plano de ação que permite que pensemos nossas subjetividades e singularidades em meio aos

questionamentos cujo objetivo


processos profissionais, ao mesmo tempo que criamos estratégias junto do que potencializa
nossos percursos.
Vamos começar construindo uma janela? Pegue um pedaço de papelão e desenhe um retân-
gulo, quadrado, círculo, ou outra forma que preferir. Recorte esse material de modo que sua parte
interna fique com tampas que possam ser abertas e fechadas. Faça algumas fendas nessas aberturas

é posicionar o leitor diante do


para que você possa escolher abrir a janela em diferentes pontos e para diferentes lados, conforme
desejar. Brinque com as possibilidades de abertura e fechamento. Imagine que essa janela é um
“projeto de vida” que você explora em meio à docência. A sua atuação no mundo (na instituição
de ensino e fora dela) como docente é o que faz com que essa janela seja criada, manipulada e

tema norteador do capítulo.


transformada. Escreva algumas palavras relacionadas aos seus percursos no ensino de artes visuais
e veja como elas aparecem e somem conforme você movimenta as fendas. Movimente também
seu corpo em torno da janela, insira uma parte de seu corpo na abertura e veja o que muda a partir
desse gesto. Como seu corpo se adapta a essa janela forjada? Foi preciso rasgar ou cortar algo da
janela de papel para que seu corpo se movimentasse melhor ao atravessá-la?
Nossa docência pode ser experienciada como um “canteiro de obras” junto das relações e cone-
xões que vamos produzindo com cada estudante, com colegas docentes, com o espaço escolar, com
nossos percursos cotidianos, com nossas leituras, com o mundo.

N
Segundo Guattari e Rolnik (1996), podemos vivenciar esse processo de produção da nossa sub-
jetividade por duas vias distintas de relação com aquilo que vemos e ouvimos, junto daquilo com
o que nos encontramos em meio à vida. Uma delas está relacionada a uma relação de “alienação”
ou “opressão”, onde reproduzimos aquilo que nos chega, sem problematizarmos, sem criarmos
estratégias para intervir ou forjar outras alternativas – em suma, sem tornar nosso, ou sem escutar
distintas versões para aquilo que vemos e ouvimos. É quando você cria uma janela de formato e
tamanho padrão, sem permitir nenhuma relação desse elemento com seus pensamentos e movi-
mentos. Ou então quando cria uma forma modelo de olhar através dela, sem se permitir experi-
mentá-la de outras formas.
A outra via diz respeito à possibilidade de criação, ou seja, de um “encontro” com aquilo que
vemos e ouvimos, que nos movimenta e aciona um processo de singularização. É quando seu cor-
GOODMAN, Johanna. Prancha
no 81. 2019. Série Imaginários da po se movimenta junto a essa janela forjada e permite mudanças que atendam aos seus desejos e
Cidade. Colagem, 30 cm × 40 cm. necessidades de movimento, mesmo que isso acabe por provocar algum abalo na estrutura inicial.

28 29

P
Referências bibliográficas comentadas
Podemos tanto explorar expansões de campos quanto hibridações quando realiza-
mos esses processos que não se prendem a uma categoria preestabelecida por algum
sistema. Esses modos de fazer se relacionam diretamente às transdisciplinaridades que

Referências bibliográficas
permeiam as recentes transformações que temos presenciado na educação básica e
nas bases curriculares que embasam o novo Ensino Médio. Produzir arte a partir de A seguir, listamos as referências utilizadas nesse livro, agrupadas OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Diário de aula como instrumento
em função dos assuntos com os quais dialogam. metodológico da prática educativa. Revista Lusófona de
movimentos entre disciplinas e entre outros elementos adisciplinares que compõem
Educação, Lisboa, v. 27, n. 27, p. 111-126, 2014. Disponível em:
a escola e a comunidade faz com que sejam acionados conhecimentos estudados e
Aprendizagem
<https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/
praticados em diversos âmbitos escolares e no próprio cotidiano. view/4833>. Acesso em: 16 set. 2020.

comentadas
OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. O que pode um diário de aula? In:
Trânsitos Coletivos Transdisciplinares
Ellsworth, Kastrup e Gallo falam da aprendizagem a partir de
Competências gerais: 2, 4, 10 MARTINS, Raimundo; TOURINHO; Irene (org.). Processos e
um lugar de estranhamento e problematização, no qual aprender
práticas de pesquisa em cultura visual e educação. Santa

Competências gerais e
Ao tratar de linguagens e suas tecnologias, nos deparamos com conhecimentos he- se distancia de uma ideia de aquisição de informações para se
aproximar de processos em constante invenção de si e do mundo. Maria: Editora da UFSM, 2013. p. 225-236.
terogêneos que possuem em comum uma relação de expressão e criação, seja por meio
Como temos produzido Kastrup conversa também com a noção de experiência estética e PORLÁN, Rafael; MARTÍN, José. El diario del profesor: un recurso
do corpo, do gesto, da fala, da escrita ou das visualidades. São processos que, inevitavel-
conexões e diálogos com questões sobre acessibilidade. para la investigación en el aula. Sevilla: Díada, 1997.
outros campos e com mente, envolvem conexões, exercícios de tocar e se deixar tocar por discursos, sensações,
ideias e informações que perpassam a sociedade e nos permitem produzir cultura. ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture, TOURINHO, Irene. Retomando um tema delicado: avaliação e ensino
outras pessoas que se
pedagogy. New York: Routledge, 2012. de arte. In: Anais do 19o Encontro da Associação Nacional de
dedicam a diferentes
Coletivos de arte Pesquisadores em Artes Plásticas. Cachoeira, Bahia: ANPAP,

habilidades da BNCC
usos da linguagem? GALLO, Silvio. As múltiplas dimensões do aprender... In: Anais do

Apresenta as referências
Congresso de Educação Básica: aprendizagem e currículo. 2010. p. 2094-2106.
O que esse contato pode
O livro Táticas de Artistas na América Latina, de Cláudia Paim (2012), nos convida a Florianópolis: UFSC/PMF, 2012. Disponível em: <http://www. ZABALZA, Miguel. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e
acrescentar aos nossos
fazeres disciplinares? conhecer estratégias de coletivos de artistas que trabalham a autogestão de espaços pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/13_02_2012_10.54.50. desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.
O que esses encontros de arte, atuando fora dos espaços tradicionais de visibilidade da arte, de maneira co- a0ac3b8a140676ef8ae0dbf32e662762.pdf>. Acesso em:

Arte e cidade
podem nos instigar a criar? laborativa e não hierárquica. Paim destaca que os modos de fazer de artistas em um 15 set. 2020.
coletivo são geralmente heterogêneos, e que a amizade exerce um papel aglutinador

bibliográficas que
KASTRUP, Virgínia. A aprendizagem da atenção na cognição
sobre quem participa, formando um tecido afetivo que alimenta desejos de estar-junto. inventiva. Revista Psicologia e Sociedade. v. 16, n. 3, As referências a seguir abordam a cidade como território de
Geralmente esses coletivos se formam como tática de resistência aos sistemas instituídos p. 7-16, 2004. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo. produção e pensamento na arte contemporânea. Em Ramos são

Ao longo da obra, você


php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822004000300002&lng= abordadas contradições, polêmicas e potências da arte urbana.
de arte, atuando em grupos para se fortalecer, formar comunidades artísticas e ampliar
pt&tlng=pt>. Acesso em: 16 set. 2020. Em Careri e Kwon é explorada a relação da arte com os espaços,
a visibilidade de suas produções.
KASTRUP, Virgínia. Experiência Estética para uma Aprendizagem o que envolve o ato de caminhar e interferir artisticamente nas

embasaram a escrita da
Há, nos coletivos, um pensamento político que não se volta apenas ao trabalho Inventiva: notas sobre a acessibilidade de pessoas cegas a paisagens. E na Lei n. 12.408 de 2011 são dispostas questões legais
artístico, mas à vida em comunidade, pela diluição da autoria e a ampliação do foco museus. Revista Informática na Educação: Teoria e prática. sobre a arte urbana.
no processo que frequentemente é narrado por textos escritos pelos próprios grupos. Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 38-45, 2010. Disponível em: <https://

encontra indicações de
seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/article/view/12463>. Acesso CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminho como prática estética.
Outra característica é que geralmente, pela ação coletiva, artistas se descolam dos limites
IA
em: 16 set. 2020. São Paulo: G. Gili, 2013.
das linguagens artísticas, experimentando ações híbridas e de difícil classificação no
KWON, Miwon. Um lugar após o outro: anotações sobre site-specificity.

obra, agrupadas com base


campo das artes, misturando-se aos acontecimentos da vida urbana.
Avaliação
Revista Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 17, p. 166--187, 2008.
O coletivo Cambalache, da Colômbia, é um exemplo dessa mistura. Formado por Disponível em: <https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/
estudantes da Universidad de los Andes, desenvolveu, ao longo de três anos, um projeto uploads/2012/01/ae17_Miwon_Kwon.pdf>. Acesso em: 17 set. 2020.

oportunidades de trabalho
A avaliação é aqui pensada e articulada a partir da proble-
chamado Museo de la Calle (museu da rua), que é um museu portátil que circula pelas matização de heranças que carregamos de uma avaliação RAMOS, Célia Maria A. Grafite & pichação: por uma nova
ruas sobre um carrinho semelhante aos carrinhos usados por profissionais da coleta de tradicional e seletiva, bem como da produção de aberturas e epistemologia da cidade e da arte. In: Anais do 16o Encontro

nos assuntos com os quais


papel. As peças do museu eram objetos de diversas procedências (alguns estragados estratégias para pensar uma avaliação processual e formativa Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes
e aparentemente inúteis) que poderiam ser adquiridos por transeuntes, tendo como na educação das artes visuais. O tema é abordado por Touri- Plásticas. Florianópolis: ANPAP, 2007, p. 1260-1269. Disponível
nho de um modo mais amplo. Algumas ferramentas avaliativas em: <http://anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/127.pdf>.
moeda de troca a entrega de outro objeto de valor similar.

com as competências gerais


processuais, importantes aliadas nos processos de criação de Acesso em: 16 set. 2020.
percursos formativos e de aprendizagem, são abordadas a partir SAVING BANKSY. Direção: Colin Day. Documentário, 80 min, EUA, 2017.
COLETIVO CAMBALACHE

dos diários e portfólios. Você pode investigar mais sobre essas

dialogam.
ferramentas a partir dos escritos de Porlán e Martín, Zabalza,
Oliveira, Cardonetti e Charréu. Campo ampliado da arte/
CARDONETTI, Vivien Kelling; OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Diário de hibridismos

e com as habilidades da área


aula: disparador de problematizações e de possibilidades para
pensar a formação de professores de artes visuais. In: OLIVEIRA, Em escritas sobre a ampliação ou a expansão de campo em
Marilda Oliveira de; HERNÁNDEZ, Fernando (org.). A formação arte, Krauss e Lessing pensam a partir da escultura; Youngblood,
do professor e o ensino das artes visuais. 1. ed. Santa Maria, a partir do cinema; Mello, a partir do vídeo; e Derdyk, a partir do
RS: UFSM, 2015. v. 1, p. 51-74. desenho. Escritas de Platão sobre divisões sociais de trabalho

de Linguagens da BNCC.
CHARRÉU, Leonardo Verde; OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Diários de aparecem como contrapontos da temática. O inventor Buck-
aula e portfólios como instrumentos metodológicos da prática minster Fuller é citado por sua crítica à hiperespecialização nos
Coletivo Cambalache.
Yerbas Del Cambalache. educativa em artes visuais. Revista Cadernos de Pesquisa, (on- diferentes campos do saber. Basbaum e Bourriaud são referências
2007. Bogotá, Colômbia. line) v. 45, n. 156, p. 410-425, 2015. Disponível em: <https://doi. sobre possibilidades de hibridação ao tratar da multiplicidade das
Intervenção urbana. org/10.1590/198053142839>. Acesso em: 16 set. 2020. posturas artísticas contemporâneas.

154 19

sença será apenas de alguém que estuda e CULTIVO


© BÁRBARA WAGNER. CORTESIA DA ARTISTA E FORTES
D’ALOIA GABRIEL, SÃO PAULO/RIO DE JANEIRO

(EM13LGG101) (EM13LGG202)
observa um evento, pois passamos a compor
o público da festa, tornando-nos elementos Imagens e discursos

Cultivo
vivos desse acontecimento. Proponha a observação de fotografias divulgadas para o turismo e elementos coletados
(ou fotografados) por estudantes durante a visita a esses mesmos espaços turísticos. Pode ser
Nesta fotografia que compõe a série
uma festa popular, um bairro de arquitetura histórica, uma paisagem natural, um parque, etc.
A Corte, a artista Bárbara Wagner retrata
• Quais são as aproximações e os distanciamentos entre essas materialidades?
um participante do maracatu de rua, no
carnaval do Recife, pouco antes de desfi-
• A que você atribui as diferenças encontradas entre elas?
lar. Não há como passar despercebido o • Como a elaboração e a organização das imagens e dos discursos nesses materiais interferem
na maneira como o público se relaciona com a cultura local?
contraste entre a indumentária clássica
Oriente essa conversa para que as possíveis diferenças não sejam tratadas, necessariamen-
do personagem e o refrigerante que ele

Aqui são propostas


te, como inverdades manipuladoras, mas como escolhas feitas a partir de interesses especí-
segura na mão esquerda, elemento con-
U

ficos. Conversem sobre quais seriam esses interesses, se são voltados, por exemplo, a atrair
temporâneo que traz para a atualidade determinados públicos com poder aquisitivo para visitar a cidade para turismo ou negócios.
uma fotografia produzida com uma esté- Discutam ainda: Essas estratégias reforçam estereótipos, expõem preconceitos, escondem
tica também peculiar para uma festa de problemas sociais ou ambientais?
rua, remetendo tanto ao barroco (pelo Faça um paralelo com as escolhas feitas por estudantes quando postam conteúdos nas

sugestões de
redes sociais. Proponha que pensem sobre os critérios dessas escolhas, sobre o que desejam
contraste de luz e sombra) quanto às
expor de si e do mundo com o que criam/coletam/divulgam.
imagens contemporâneas de editoriais
de moda, com uma luz bem direcionada
e sem interferências da paisagem. O que CORNELL, Joseph. Arquivo
CAMBRIDGESHIRE, INGLATERRA. HERMIONE BANKS-POPPLE - COLEÇÃO PARTICULAR

aprendemos sobre as manifestações po- Paternal. 2013. Caixa artesanal

experimentações que
WAGNER, Bárbara. feita de fibra de média
A Corte. 2013. Recife. pulares a partir desses contrastes entre
densidade pintada, objetos
Série 12 retratos. tradição e contemporaneidade? O que pessoais coletados (fotografias,
coletamos e produzimos em uma aula cartas, selos, mapas, bilhetes
dada em deslocamento por uma festa popular? O que carregamos dela para seguir trabalhando de viagem, etc.), 40 cm 3 40 cm,

Vivências
Inglaterra.
em sala de aula?
Ideias povoam pensamentos de estudantes enquanto se deslocam de um lugar para outro,
observando e encontrando pessoas, paisagens, acontecimentos cotidianos. Essas ideias não dizem
respeito apenas ao que selecionamos como “conteúdo” a ser abordado em uma aula sobre cultura
popular. Dificilmente estudantes conseguirão (ou desejarão) deixar de fora os vestígios e as forças
podem ser cultivadas junto
a estudantes.
que tocaram seus corpos nos caminhos atravessados do início ao fim do deslocamento. Estudar uma
experiência na qual se veem presentes/participantes envolve distrações, desvios, intensidades que
podem tornar uma aula única, integrada à vida.

Nesta seção, é possível PARA OUTRAS CONEXÕES


Cao Guimarães, artista visual e cineasta brasileiro, em entrevista ao jornalista Claudiney Ferreira, para o
programa Jogo de Ideias (2011), gravado no Quintal de Gibi, em Belo Horizonte, MG, conta das potências do
caminhar como estratégia para ter encontros com ideias para suas produções visuais. Ele faz uma relação do

encontrar sugestões de ações


caminhar com o pensar, “um se perder em função de se encontrar” (2011). Você pode acessar essa entrevista
do artista em: <https://www.itaucultural.org.br/cao-guimaraes-jogo-de-ideias-2011-programa-1-parte-3>.
Acesso em: 23 nov. 2020.
G

para explorar o mundo e


VIVÊNCIA (EM13LGG301) (EM13LGG305)

Uma aula em deslocamento


Faça um deslocamento nas ruas próximas à escola onde você atua. Atente para os elementos presentes
O que trazemos de nossos
em seu percurso e como eles se relacionam com sua aprendizagem em arte. Imagine esse trajeto como o seu Trabalhando com vestígios deslocamentos para dentro
espaço educativo, sua sala itinerante, e planeje uma aula em que se possa aprender caminhando.

ampliar suas relações com o


Sabemos que não nos é possível visitar, com cada turma escolar, todos os lugares que da sala de aula? Como esses
• O que poderia servir para uma escrita (um graveto na terra, uma pedra na calçada…)? elementos podem gerar
• Que elementos se relacionam com o conteúdo que você deseja abordar (padronagens de calçadas, cores, nos possibilitam experiências sobre os temas culturais estudados. Nesses momentos, a
outras relações com os
formas, fachadas…)? presença de elementos matéricos coletados em deslocamentos possibilita experiências espaços e acontecimentos
• O que poderia ser usado como material de trabalho (elementos da natureza, placas, cartazes…)? vividas no ato da aula, trazendo vestígios que ultrapassam a descrição ou o relato e se vividos?
abrem a novas trocas.

tema estudado. 136 137

VIVÊNCIA (EM13LGG202), (EM13LGG602) mentos, observamos que o corpo está presente em cada movimento que realizamos.
Quando nos sentamos em uma cadeira por horas para assistir a uma aula, nosso corpo
Objetos e seus rituais não só está presente (ainda que o ignoremos), como não cessa suas atividades: sentimos
Imagine a seguinte cena: Pessoas dançando Que provocações a arte
Pense nas atividades ritualísticas de que você participa dores nos quadris, formigamento nas pernas, ardência nos olhos, fazendo-nos revirar

Provocações
aleatoriamente, sacudindo suas vestes de tecidos faz sobre os modos
ou já presenciou (cultos religiosos, batizados, festas, aniver-
coloridos para todos os lados, estampando alegria.
de um lado para o outro a fim de melhor acomodar essas inquietações involuntárias. como nos comportamos
sários, casamentos, formaturas...). Descreva os elementos vi- A pesquisadora Luciana Arslan nos apresenta caminhos para pensar estudos do cor-
O que essa descrição lhe parece? Trata-se de uma festa? nos diferentes espaços?
suais que compõem cada uma dessas práticas. O que você
Uma performance? Bêbados animados pela rua? po enquanto metodologia no ensino de artes a partir da perspectiva da Somaestética. Que familiaridades e
sabe sobre eles (seus usos, suas simbologias)? Esses usos e
Que diferentes sensações esse acontecimento aciona como Baseada em Richard Shusterman e John Dewey, ela aborda a experiência estética como estranhamentos as
simbologias permanecem inerentes aos objetos ou apenas
arte, como festa ou como espontaneidade da embriaguez? uma prática que constitui as próprias concepções de arte, em vez de definir a arte em imagens de performances
durante atividades específicas (a exemplo das toras do Xin-
Como atos de alegria podem produzir arte e cultura? nos causam? Por que
gu)? Quem produz esses objetos? Como eles são produzidos? função de seus objetos e produtos. Com isso, a autora fala de uma arte intimamente
algumas roupas e posturas
Que histórias culturais eles carregam? Que outras histórias relacionada a aspectos sensoriais, que nasce de corpos vivos, que agem e sentem em nos parecem naturais
são produzidas hoje com a presença deles? Proponha esse conexão com o mundo. Segundo ela, e outras nos soam
© PROJETO HÉLIO OITICICA - © TATE (IVO GORMLEY) 2007.

Aqui são lançadas


exercício também como um cultivo, com estudantes da es-
como inadequadas?
cola em que você atua. o soma inclui uma ampla compreensão “do corpo” em toda sua extensão, pois
este depende de integração e conexão com o mundo circundante, interação
com a temperatura, o ar, as emoções, as relações e associações sociais e todo
o contexto do seu entorno. A concepção de soma é mais adequada para se re-
Uma presença peculiar de saberes populares na arte ferir a um “corpo vivo”, já que a palavra “corpo” sempre está mais associada

perguntas geradoras de
é a experiência do artista Hélio Oiticica expandindo sua com “carne” ou a um corpo físico que estaria separado das ideias e fantasias
pintura rumo ao espaço tridimensional por meio de vestes (ARSLAN, 2018, p. 571).
coloridas destinadas a ações performáticas. Tanto a criação Para que experiências estéticas aconteçam, não basta o acesso a objetos artísticos,

Para outras conexões


dos chamados parangolés quanto a dança improvisada de é necessário que pratiquemos a capacidade de nos deixar afetar por algo. Isso pode
quem os veste remetem diretamente a fazeres do artesa- se dar tanto com uma obra de arte quanto com acontecimentos que nos interpelam

deslocamentos com base


em nosso cotidiano. “Afinal, quais seriam os critérios para afirmar que prazeres, como Você já observou como
nato (corte e costura) e à corporalidade de manifestações
seu corpo se movimenta
populares como o Carnaval. os de participar de uma cerimônia religiosa, ou assistir a uma partida de futebol, são
quando você vivencia
ilegítimos e superficiais ou que não possuem uma dimensão estética?” (ARSLAN, momentos de felicidade,
“O que podemos pensar com uma arte que cruza essas
2018, p. 572). tristeza, calmaria,
fronteiras, que as questiona de modo irreverente? Expul-
A experiência estética, segundo Kastrup (2010), envolve a incorporação vital das ansiedade? Ele produz

no assunto abordado.
sos do museu, os Parangolés de Oiticica não se abalaram. algum ritmo na forma
experiências, marcada por sensações intensas que não se limitam ao entretenimento.
Em vez disso tornaram-se referência para as quebras de de tiques nervosos, de

Traz diversas sugestões


A percepção, nesse sentido, deixa de ser tomada como mero reconhecimento, como se o
paradigmas que viriam a ser empreendidas na arte contem- caminhadas de um lado
presente fosse rebatido sobre a experiência passada, reafirmando algo que conhecemos.
para o outro da sala, de
porânea. O próprio conceito de artista é assim deslocado do Em vez disso, Kastrup diz que a percepção estética “consiste em se deixar impregnar, desenhos involuntários
pedestal de genialidade que a instituição coloca sob ele e em mergulhar com atenção, evitando uma interrupção precipitada” (KASTRUP, 2010, ao falar ao telefone

Elas aparecerão sempre


passa a dialogar com seu contexto, com as dificuldades e a p. 40). Trata-se de uma presença atenta não só aos conteúdos de mundo, mas a como ou ouvir uma palestra?
nossos corpos se conectam e atuam em meio ao que acontece.

de outros referenciais,
alegria vividas pelo povo. “Deixa de ser o criador de objetos
para a contemplação passiva e passa a ser um incentivador
da criação pelo público” (PARANGOLÉ, 2020). O público em VIVÊNCIA (EM13LGG501) (EM13LGG503)

Corpo presente

com uma cor específica,


ação se transforma e completa o ciclo do Parangolé, pois é
somente quando este está em movimento que a obra de O que lhe provoca

como livros, artigos, sites,


OITICICA, Hélio. Parangolés. Performance realizada em 2007, no Dedique alguns momentos do seu dia para uma atividade de atenção ao corpo. Faça isso
fato acontece. evento The Long Weekend, Tate Modern, Londres. incômodos no cotidiano?
durante a sua rotina (quando se senta planejando uma aula, quando toma banho, quando co- Que sensações lhe causam
zinha, quando senta em um sofá macio ou em uma cadeira dura…). Perceba como seu corpo prazer? Há texturas, cores,
se comporta: Quais são os pontos de pressão, tensão e relaxamento? Quais são as formas que formas que desencadeiam
PARA OUTRAS CONEXÕES

relacionada a cada uma


seu corpo assume junto aos objetos que toca? Que partes de seu corpo se movimentam en- reações agradáveis ou
quanto você respira? Há dores? Há movimentos involuntários? Quais são as posturas e os mo- desagradáveis em seu
Mais informações sobre festas populares e folclóricas vinculadas às raízes indígenas e africanas do Brasil

obras artísticas, etc., que


vimentos recorrentes em cada uma dessas atividades? Faça isso sem se preocupar em corrigir corpo? Por que e quando
podem ser encontradas nos endereços a seguir (acessos em: 22 nov. 2020): ou modificar algo. Apenas exercite a atenção aos movimentos de seu corpo nas atividades da isso acontece? Como você
• No Portal São Francisco, <https://www.portalsaofrancisco.com.br/>, visite, na categoria “História do Brasil”, vida diária, inclusive naquelas que você julga unicamente intelectuais. reage a elas?
a seção “Festas Populares do Brasil”.

das quatro dimensões


• Registros de eventos e materiais didáticos do Projeto Folclore, desenvolvido na Unicamp desde 1992:
<https://www.unicamp.br/folclore/>. A instalação En forma de nosotros, da artista Rita Ponce de Leon, foi produzida e exposta

guardam relação com o


• Jangada Brasil, sobre folclore brasileiro: <http://www.jangadabrasil.com.br>. no pavilhão da 32a Bienal de São Paulo. Com a obra, a artista convida visitantes a explorar
• Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA): <pib.socioambiental.org>. estruturas de argila com seus corpos, buscando encaixes e possibilidades de integração a
• Revista Tellus, sobre as populações indígenas, especialmente sul-americanas, publicada pelo Núcleo de Estudos suas formas e cavidades. Essa estrutura foi produzida com base em movimentos corporais

do aprender.
e Pesquisas das Populações Indígenas (Neppi), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB): <tellus.ucdb.br>. guiados pela bailarina Emilie Sugai, gerando moldes a partir dos corpos de pessoas que
colaboraram participando da ação (Fundação Bienal de São Paulo).

assunto abordado. 70 145

5
Carta-convite

D
Colega docente, receba nossas boas-vindas a este livro-janela para a invenção de
mundos!
Antes de iniciarmos a travessia por esse campo de experimentação, convém pensar-

L
mos o que pode ser e o que podemos fazer com uma janela. Comece olhando diretamen-
te para uma janela próxima de você. Há algo nela que você ainda não tenha reparado?
Na sua materialidade, suas cores e marcas formadas pelo movimento de abrir e fechar,
pelas mudanças climáticas e pelo seu próprio corpo no contato com ela? O que essas
marcas dizem de você, de seus hábitos? O que elas dizem do mundo e da passagem

N
do tempo? Talvez a janela, vista como uma moldura que separa espaços restritos dos
de livre circulação, possa dizer dos fluxos do mundo cotidiano tanto quanto a própria
paisagem que por ela se observa.
Para a geração atual, os limites entre o mundo físico e os espaços digitais já não
parecem tão demarcados, ao passo que as janelas de conexão virtual (tablets, celulares,

P
redes sociais…) já se tornaram elementos pertencentes ao seu próprio corpo, diluindo
fronteiras que delimitam distâncias temporais e espaciais. No próprio computador,
meio no qual se produzem tantas transformações, uma marca de sistema operacional
leva o nome de janela na língua inglesa. Assim como o relógio mudou nossa relação
com o tempo e os veículos sobre rodas mudaram nossas relações com as distâncias e
as paisagens, as mídias digitais têm mudado nossas relações com o ambiente; com elas
IA
podemos estar presentes virtualmente em diversos lugares ao mesmo tempo e fazendo
distintas atividades simultaneamente.
Começar olhando para a própria janela, e não somente através dela, é um importante
deslocamento para experimentarmos as páginas que seguem, entendendo a janela não
apenas como uma moldura que separa nossos corpos do mundo, mas como algo que
também constitui o mundo e se transforma junto a ele. Ao atentarmos para as formas e
as marcas que compõem as janelas, podemos perceber mudanças estéticas entre dife-
rentes épocas, mudanças com relação à segurança das ruas, características climáticas do
local onde se encontram (se a casa fica em região litorânea, por exemplo, pode haver
U

dobradiças corroídas pela umidade salgada do mar), e até mesmo o possível desgaste de
sua superfície, ocasionado por alguém que se debruça com frequência sobre ela.
Essa janela, seja ela pequena, grande, alta, baixa, iluminada, nebulosa, emoldura
mundos quando seu corpo se põe a observar. Essa janela é também um mundo marcado
por movimentos de abrir e fechar quando chove, quando recebe sol, quando venta,
G

quando se quer abafar os sons que vêm de fora ou segredar os sons produzidos dentro.
Você já teve oportunidade de olhar por essa ou outras janelas em tempos diferentes?
Em outras épocas, em outras estações do ano, em dias de chuva ou dias de sol? Talvez
você tenha reparado que essa paisagem nunca permanece a mesma: plantas crescem,
folhas caem, muros se umedecem, terras racham, roupas molhadas secam, terrenos dão
lugar a casas ou prédios… E, mesmo quando pouca coisa mudou, você teve a opor-
tunidade de, em dias de ansiedade pela chegada de alguém, sentir a paisagem mais
monótona, ou ouvir com mais frequência o ronco de motores de carros que passam.
Pense neste livro como uma janela, que também possui marcas próprias, cheiros
próprios, e que também se transformará com os toques de suas mãos, com suas prefe-
rências de leitura, seus movimentos e manuseios. Uma janela não separa dois universos,
ela é uma zona de contato, um dentro e um fora ao mesmo tempo, uma abertura para
possíveis encontros, invenções, criações de mundos que ainda não sabemos exatamente
quais são, mas que poderão atuar como um convite ao pensamento enquanto criação.

6
D
O que podem a arte e a educação das artes visuais para além dos limites das janelas
que as emolduram?
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) surge com a demanda por mudanças

L
na educação, nos modos de olharmos para a organização do pensamento e de nos
relacionarmos com a produção de conhecimentos.
Pensar fora das caixas (ou janelas) das disciplinas nos traz os desafios e as possibili-
dades de trabalhar de forma integrada, colaborativa, menos fragmentada, construindo
estratégias para atuarmos a partir de questões oriundas de nossas necessidades sociais.

N
Tal movimento exige mudanças de postura e de percepção dos lugares que ocupamos
na construção de conhecimento.
Ao olharmos para a juventude, podemos nos atentar para as multiplicidades e os
modos com que cada adolescente lida com seus desafios e dilemas, conhecendo as
marcas que compõem também suas janelas singulares.

P
O que nós, enquanto docentes, podemos aprender na escuta dessas singularidades
que compõem as janelas de cada estudante? O que podemos forjar ao tomarmos a
instabilidade e a incerteza que compõem as paisagens escolares e a vida como veículos
para possíveis criações de outras janelas e como modos de nos relacionarmos com as
janelas da nossa docência? O que há de aprendizagem inventiva nesses movimentos
inerentes à vida, que nos exigem a cada vez que inventamos outros possíveis em nossos
IA
processos?
Diante disso, na educação das artes visuais, podemos pensar não só no mundo da
arte (como se o mesmo estivesse distante de nós, em um universo próprio e apartado
da vida), mas em mundos que podemos ainda construir “com” a arte, povoados por ela
e a povoando, pensando processos que não se dissociam de aprendizagens socioemo-
cionais, fazendo da profissão docente um território fértil para caminhadas singulares de
vida em diálogo com as multiplicidades artísticas, educativas e culturais, reconhecendo
a força de agir em coletivo.
U

Como e com que corpo, transporte, mapa e itinerário percorreremos e produziremos


esses mundos por vir? Que ferramentas escolhemos, criamos e manipulamos para a
construção desses mundos, dessa arte para tempos por vir? Que tal experimentarmos
isso conjuntamente na travessia desse livro-obra?
G

Equipe autoral

7
Abordagem teórico-metodológica

D
Os capítulos deste livro propõem a articulação de referenciais conceituais, teóricos e artísticos,
enfatizando possíveis abordagens desses temas com estudantes do Ensino Médio, e lançando pos-
sibilidades e problematizações para subsidiar estudos a partir das relações desses temas com a vida

L
em sociedade, o que inclui também os percursos de vida de cada docente. Em meio a isso, a expe-
riência de leitura é acompanhada por elementos propositivos de diferentes ordens, que podem ser
identificados por ícones, conforme apresentamos a seguir:
• Vivência: Onde são sugeridas ações a fim de que você explore o mundo e amplie suas relações
com o tema estudado.

N
• Provocações: Nas quais são lançadas perguntas geradoras de deslocamentos a partir do assunto
abordado em cada seção. Elas aparecerão associadas a quatro cores de fundo distintas, que
correspondem a cada dimensão do aprender explorada, conforme detalhamos mais adiante.
• Cultivo: Em que semeamos sugestões de experimentações que podem ser cultivadas junto a
estudantes.

P
• Para outras conexões: Onde oferecemos sugestões de outros referenciais (livros, artigos, sites,
obras artísticas, etc.) sobre o assunto abordado.

• Inter/transdisciplinaridade: O sinal em uma vivência ou cultivo indica que a atividade


envolve possibilidades interdisciplinares ou transdisciplinares.
As concepções de aprendizagem, criação, docência e pensamento que atravessam esse livro são
IA
permeadas pela abordagem das filosofias da diferença. Junto dessas filosofias, buscamos oferecer
um campo de experimentações que não se pauta somente em repertórios conteudistas e didáticos,
mas em pistas para invenções das próprias didáticas e percepções de si nesses territórios movediços.
Assim, organizamos também os caminhos desta obra para construções de si e do mundo por meio
do uso de uma linguagem que convide à invenção, focando em metodologias ativas que se pautem
em abordagens processuais e colaborativas de aprender. Palavras como “transbordamentos”, “hibri-
dismos”, “atravessamentos” e “conexões” são constantemente exploradas como estímulo a posturas
investigativas para além de um campo disciplinar, incentivando a realização de projetos coletivos e
U

transdisciplinares, não mais reservados exclusivamente às delimitações de um campo específico, mas


partindo desse campo para a abertura a outros rizomas.
Esse pensamento rizomático é demarcado por terminologias que indicam movimentos e provisorieda-
des do saber, como “a partir de” (diferente de “com base em”, que é mais estático), “com” (diferente de dizer
“sobre”alguma coisa, supõe conversação, um estar e produzir algo conjuntamente), “possibilidades outras”
G

(diferente de “outras possibilidades”, indica caminhos por se fazerem e não opções a serem escolhidas), “a
cada vez” (diferente da generalização, não busca repetir o mesmo, mas dizer de algo que se torna outra
coisa junto das relações em que se coloca), “problematização” (diferente de “questionar” ou “refletir”, traz
a pergunta como criação de inquietudes e de modos outros de pensar e agir). E termos como “explorar”,
“atravessar”,“através”,“em meio a”trazem uma relação com travessias, aventuras não lineares, que se deixam
transformar pelos caminhos que percorrem ao mesmo tempo que os transformam.

Acerca das dimensões


A obra está organizada em quatro capítulos, que se desdobram cada um em dois subcapítulos.
As seções temáticas exploradas nessa distribuição propõem estudos, vivências, cultivos, provocações
e conexões que visam auxiliar cada docente a explorar caminhos para a docência em artes visuais,
tendo em vista desafios contemporâneos, distribuídos em quatro dimensões do aprender:
1. Conhecimento de si, do outro e do nós (miniprojeto de vida para docentes);
2. O saber disciplinar em xeque (problematização do isolamento disciplinar);
3. Área de conhecimento em foco (problematização da interdisciplinaridade);

8
D
4. Repensando a avaliação (mapeando novos processos de avaliação).
Abrangemos também, no decorrer do texto, questões relativas aos campos de atuação da área
de Linguagens e suas Tecnologias no Ensino Médio segundo a Base Nacional Comum Curricular:

L
• o campo da vida pessoal;
• o campo das práticas de estudo e pesquisa;
• o campo jornalístico-midiático;
• o campo de atuação na vida pública;

N
o campo artístico.
Tais campos de atuação e dimensões do aprender atravessam este livro-obra. Abaixo, em um
breve sobrevoo em torno do que é abordado em cada capítulo, sinalizamos onde cada dimensão e
campo de atuação aparece com mais força:
O capítulo 1, Docência e incerteza: projetos de vida para forjar, a cada vez, outras paisagens

P
e janelas, é dedicado à primeira e à quarta das dimensões do aprender, propondo criações de espa-
ços para pensar a docência e a possível criação de um “povo docência”, a partir de um olhar para os
modos com que se projeta e se avalia uma prática educacional em arte. Nele, abordamos os campos
da vida pessoal e das práticas de estudo e pesquisa.
Chamamos o capítulo 2 de Tempos e espaços das artes visuais: movimentos e resistências
culturais, e nele pensamos o universo da produção de imagens problematizando hierarquias institu-
IA
cionalizadas e a categorização binária que separa erudito e popular. Ao transitarmos “entre” fazeres
e saberes visuais legitimados por sistemas institucionais ou marginais a eles, iniciamos a abordagem
da segunda dimensão do aprender, assim como do campo da atuação da área na vida pública.
No capítulo 3, cujo título é A imagem na vida contemporânea: tecnologias, mídias e cotidia-
no, são destacadas possibilidades de criação e ensino do campo artístico, assim como uma postura
problematizadora em relação ao campo jornalístico-midiático, tomando-se novamente a segunda
dimensão a partir de seus contágios no encontro com as tecnologias que inundam de diferentes
imagens nossas vivências contemporâneas. A terceira dimensão é trazida aqui ao problematizar o
isolamento dos saberes disciplinares, principalmente a partir de abordagens da cultura visual e das
U

Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC).


Apresentado sob o título Encontros: abrindo a janela para outras conversações, o capítulo 4
contempla aspectos da segunda e da terceira dimensões, tecendo problemáticas quanto a uma dada
estrutura disciplinar que isola uns dos outros os saberes de diferentes áreas, e com isso enfraquece suas
possíveis conversações. São focados os hibridismos característicos do campo artístico contemporâneo
G

como resposta a essas estruturas e também como possibilidades a se somarem para o campo das
práticas de estudo e pesquisa. Também são abordadas questões da quarta dimensão, explorando os
projetos de trabalho e os portfólios como ferramentas para aprendizagens e as avaliações processuais.
Como já mencionado anteriormente, as quatro dimensões do aprender são destacadas ao longo
do livro também a partir das provocações lançadas. A partir de quatro cores distintas, sinalizamos
cada uma das dimensões, sendo a dimensão 1 destacada com a cor rosa; a dimensão 2, com a cor
verde; a dimensão 3, com a cor azul; e a dimensão 4, com a cor laranja.

Acerca dos temas abordados


Em consonância com a BNCC, este livro busca trazer uma abordagem que foca não só nos conteú-
dos específicos das artes visuais, mas também em um trabalho com o socioemocional de docentes e
estudantes, ao passo que, mais do que nunca, precisamos trabalhar coletivamente, fortalecendo-nos
mutuamente e encontrando brechas para a criação.
Priorizamos também temáticas relacionadas às tecnologias computacionais e midiáticas, dada
a enorme relevância que estas vêm ocupando em nossos cotidianos atuais e a diversidade de

9
Abordagem teórico-metodológica

D
problemáticas que abrangem o campo da arte nesse contexto. Ademais, é por meio delas que a
comunidade escolar das mais remotas localizações pode ter acesso a uma grande diversidade de
produções artísticas, inseridas ou não em circuitos oficiais. Com isso, caminhamos entre algumas

L
possibilidades de exploração do tema contemporâneo transversal ciência e tecnologia.
Outro tema contemporâneo transversal que exploramos é o meio ambiente, pensando em
estratégias sustentáveis de aprender e fazer arte no mundo, por meio da cooperação e do cuidado
com questões ambientais.
Focamos ainda nas práticas cotidianas, nas imagens que produzimos e consumimos dentro de

N
nossas casas, na atenção para as produções culturais locais e regionais. Voltamos nossa atenção
para uma educação que tem como protagonista o corpo discente, exigindo de docentes uma
postura de orientação, provocação, instigação, que ofereça muito mais disparadores para criação e
problematização do que soluções e dados já formatados.
Também dedicamos atenção a temas e abordagens que se posicionam como questionadores e

P
problematizadores de narrativas hegemônicas que possam alimentar preconceitos étnico-raciais,
de gênero e sexualidade, não só no decorrer dos capítulos, mas também como postura nas esco-
lhas de obras, artistas e referenciais teóricos. Essa escolha passa ainda pela metodologia de escrita,
construída de modo a evitar sexismos de linguagem que costumam priorizar o gênero masculino
como padrão de neutralidade.
Possibilidades de trabalho com pessoas cegas de maneira inclusiva e integrada são também dis-
IA
cutidas, especialmente ao longo do segundo capítulo, trazendo a ausência da visão não como uma
falta a ser resolvida, mas como uma perspectiva para pensarmos sobre as relações de verdade que
construímos através da visão e aprendermos potências outras de relação com o mundo.

Competências e habilidades
No decorrer da obra, foram trabalhadas competências gerais e específicas propostas pela BNCC.
Elas estão demarcadas pelos seus códigos no início de cada seção (competências gerais) e junto às
U

vivências e aos cultivos (competências específicas e habilidades). Listamos a seguir as competências


e as habilidades junto de seus códigos, para você consultá-las sempre que desejar:

Competências Gerais (BNCC, 2018, p. 9-10):


(CG1) Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico,
social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar
G

para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.


(CG2) Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo
a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas,
elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas)
com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
(CG3) Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e
também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.
(CG4) Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal,
visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e cien-
tífica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes
contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.
(CG5) Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma
crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se
comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e
exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

10
D
(CG6) Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos
e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer
escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia,

L
consciência crítica e responsabilidade.
(CG7) Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar
e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos
humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e
global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

N
(CG8) Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na
diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade
para lidar com elas.
(CG9) Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar
e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da di-

P
versidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades,
sem preconceitos de qualquer natureza.
(CG10) Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência
e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos,
sustentáveis e solidários.
IA
Competências e habilidades específicas de Linguagens e suas Tecnologias (BNCC, 2018, p. 481-489)

COMPETÊNCIAS HABILIDADES

1. Compreender o funcionamento (EM13LGG101) Compreender e analisar processos de produção e circulação de discursos,


das diferentes linguagens e práti- nas diferentes linguagens, para fazer escolhas fundamentadas em função de interesses
cas culturais (artísticas, corporais pessoais e coletivos.
e verbais) e mobilizar esses co-
(EM13LGG102) Analisar visões de mundo, conflitos de interesse, preconceitos e ideolo-
nhecimentos na recepção e pro-
gias presentes nos discursos veiculados nas diferentes mídias, ampliando suas possibili-
dução de discursos nos diferentes
dades de explicação, interpretação e intervenção crítica da/na realidade.
U

campos de atuação social e nas


diversas mídias, para ampliar as (EM13LGG103) Analisar o funcionamento das linguagens, para interpretar e produzir cri-
formas de participação social, o ticamente discursos em textos de diversas semioses (visuais, verbais, sonoras, gestuais).
entendimento e as possibilidades
(EM13LGG104) Utilizar as diferentes linguagens, levando em conta seus funcionamentos,
de explicação e interpretação crí-
para a compreensão e produção de textos e discursos em diversos campos de atuação social.
tica da realidade e para continuar
aprendendo.
G

(EM13LGG105) Analisar e experimentar diversos processos de remidiação de produções


multissemióticas, multimídia e transmídia, desenvolvendo diferentes modos de partici-
pação e intervenção social.

2. Compreender os processos (EM13LGG201) Utilizar as diversas linguagens (artísticas, corporais e verbais) em diferen-
identitários, conflitos e relações tes contextos, valorizando-as como fenômeno social, cultural, histórico, variável, hetero-
de poder que permeiam as prá- gêneo e sensível aos contextos de uso.
ticas sociais de linguagem, res-
(EM13LGG202) Analisar interesses, relações de poder e perspectivas de mundo nos
peitando as diversidades e a plu-
discursos das diversas práticas de linguagem (artísticas, corporais e verbais), compreen-
ralidade de ideias e posições, e
dendo criticamente o modo como circulam, constituem-se e (re)produzem significação
atuar socialmente com base em
e ideologias.
princípios e valores assentados na
democracia, na igualdade e nos (EM13LGG203) Analisar os diálogos e os processos de disputa por legitimidade nas práti-
Direitos Humanos, exercitando o cas de linguagem e em suas produções (artísticas, corporais e verbais).
autoconhecimento, a empatia, o
(EM13LGG204) Dialogar e produzir entendimento mútuo, nas diversas linguagens (ar-
diálogo, a resolução de conflitos e
tísticas, corporais e verbais), com vistas ao interesse comum pautado em princípios e
a cooperação, e combatendo pre-
valores de equidade assentados na democracia e nos Direitos Humanos.
conceitos de qualquer natureza.
Continua

11
Abordagem teórico-metodológica

D
Continuação

Competências e habilidades específicas de Linguagens e suas Tecnologias (BNCC, 2018, p. 481-489)

COMPETÊNCIAS HABILIDADES

L
3. Utilizar diferentes linguagens (EM13LGG301) Participar de processos de produção individual e colaborativa em dife-
(artísticas, corporais e verbais) rentes linguagens (artísticas, corporais e verbais), levando em conta suas formas e seus
para exercer, com autonomia e funcionamentos, para produzir sentidos em diferentes contextos.
colaboração, protagonismo e au- (EM13LGG302) Posicionar-se criticamente diante de diversas visões de mundo presentes
toria na vida pessoal e coletiva, nos discursos em diferentes linguagens, levando em conta seus contextos de produção
de forma crítica, criativa, ética

N
e de circulação.
e solidária, defendendo pontos
de vista que respeitem o outro e (EM13LGG303) Debater questões polêmicas de relevância social, analisando diferentes
promovam os Direitos Humanos, argumentos e opiniões, para formular, negociar e sustentar posições, frente à análise de
a consciência socioambiental e o perspectivas distintas.
consumo responsável, em âmbito (EM13LGG304) Formular propostas, intervir e tomar decisões que levem em conta o bem
local, regional e global. comum e os Direitos Humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável

P
em âmbito local, regional e global.
(EM13LGG305) Mapear e criar, por meio de práticas de linguagem, possibilidades de
atuação social, política, artística e cultural para enfrentar desafios contemporâneos, dis-
cutindo princípios e objetivos dessa atuação de maneira crítica, criativa, solidária e ética.
5. Compreender os processos de (EM13LGG501) Selecionar e utilizar movimentos corporais de forma consciente e inten-
produção e negociação de sen- cional para interagir socialmente em práticas corporais, de modo a estabelecer relações
IA
tidos nas práticas corporais, re- construtivas, empáticas, éticas e de respeito às diferenças.
conhecendo-as e vivenciando-as (EM13LGG502) Analisar criticamente preconceitos, estereótipos e relações de poder pre-
como formas de expressão de va- sentes nas práticas corporais, adotando posicionamento contrário a qualquer manifesta-
lores e identidades, em uma pers- ção de injustiça e desrespeito a direitos humanos e valores democráticos.
pectiva democrática e de respeito
à diversidade. (EM13LGG503) Vivenciar práticas corporais e significá-las em seu projeto de vida, como
forma de autoconhecimento, autocuidado com o corpo e com a saúde, socialização e
entretenimento.
6. Apreciar esteticamente as mais (EM13LGG601) Apropriar-se do patrimônio artístico de diferentes tempos e lugares,
diversas produções artísticas e cul- compreendendo a sua diversidade, bem como os processos de legitimação das manifes-
U

turais, considerando suas caracte- tações artísticas na sociedade, desenvolvendo visão crítica e histórica.
rísticas locais, regionais e globais, (EM13LGG602) Fruir e apreciar esteticamente diversas manifestações artísticas e cultu-
e mobilizar seus conhecimentos rais, das locais às mundiais, assim como delas participar, de modo a aguçar continuamen-
sobre as linguagens artísticas para te a sensibilidade, a imaginação e a criatividade.
dar significado e (re)construir pro-
duções autorais individuais e co- (EM13LGG603) Expressar-se e atuar em processos de criação autorais individuais e coleti-
G

letivas, exercendo protagonismo vos nas diferentes linguagens artísticas (artes visuais, audiovisual, dança, música e teatro)
de maneira crítica e criativa, com e nas intersecções entre elas, recorrendo a referências estéticas e culturais, conhecimen-
respeito à diversidade de saberes, tos de naturezas diversas (artísticos, históricos, sociais e políticos) e experiências indivi-
identidades e culturas. duais e coletivas.
(EM13LGG604) Relacionar as práticas artísticas às diferentes dimensões da vida social, cultu-
ral, política e econômica e identificar o processo de construção histórica dessas práticas.
7. Mobilizar práticas de linguagem (EM13LGG701) Explorar tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC), com-
no universo digital, considerando preendendo seus princípios e funcionalidades, e utilizá-las de modo ético, criativo, res-
as dimensões técnicas, críticas, ponsável e adequado a práticas de linguagem em diferentes contextos.
criativas, éticas e estéticas, para (EM13LGG702) Avaliar o impacto das tecnologias digitais da informação e comunicação
expandir as formas de produzir (TDIC) na formação do sujeito e em suas práticas sociais, para fazer uso crítico dessa mí-
sentidos, de engajar-se em prá- dia em práticas de seleção, compreensão e produção de discursos em ambiente digital.
ticas autorais e coletivas, e de
aprender a aprender nos campos (EM13LGG703) Utilizar diferentes linguagens, mídias e ferramentas digitais em processos
da ciência, cultura, trabalho, infor- de produção coletiva, colaborativa e projetos autorais em ambientes digitais.
mação e vida pessoal e coletiva. (EM13LGG704) Apropriar-se criticamente de processos de pesquisa e busca de informa-
ção, por meio de ferramentas e dos novos formatos de produção e distribuição do conhe-
cimento na cultura de rede.

12
D
Vivências
No quadro a seguir, listamos, por subcapítulos, as vivências propostas no decorrer deste livro:

L
Capítulo 1: Docência e incerteza: projetos de vida para forjar, a cada vez, outras paisagens e janelas

Vivências Objetivos Pertinência Materiais Procedimentos e tempo

UMA DOCÊNCIA Experimentar a Esses objetivos 1. Algum meio de 1. Experimentar um modo de

N
SEMPRE POR VIR docência sem estão alinhados deslocamento com o deslocamento novo; pensar e registrar
dissociá-la das com a dimensão: qual você não tenha sensações que são experimentadas
1. Aprendendo emoções, das relações muita aproximação. nesse processo. Tempo sugerido: 2 h
a andar interpessoais, dos 1 - Conhecimento Caderno de anotações. ou mais.
desejos e dos afetos de si, do outro e do
2. Cartografando nós (miniprojeto de 2. Uma folha 2. Conectar palavras para pensar a

P
com o mundo, fazendo
docências dela uma constante vida para docentes) transparente que possa docência junto de distintas conexões.
aprendizagem de si bem como com ocupar o tamanho Tempo sugerido: 30 a 60 min.
3. Experiências no mundo. as competências de uma página desse
cotidianas à espreita e as habilidades livro (pode ser papel 3. Visualizar os dois vídeos sugeridos
Explorar e inventar específicas propostas vegetal, acetato na proposta e fazer um exercício de
4. Construindo um ferramentas para a pela BNCC: ou outro material problematização junto das perguntas
IA
atrator singular para criação de docências transparente); lançadas. Tempo sugerido: 1 h
ficar à espreita atentas ao que (EM13LGG101), canetas ou marcadores ou mais.
aumenta suas (EM13LGG104), permanentes (no caso
5. Cartas para si – potências de agir (EM13LGG201), de optar pela folha 4. Listar afetos e dilemas em meio
cápsula do tempo no âmbito da escola (EM13LGG301), de acetato) com três à docência; recolher em meio ao
e fora dela. (EM13LGG305), cores distintas. cotidiano elementos que se conectem
6. Convite a (EM13LGG503), ao que foi listado. Tempo sugerido
colecionar Exercitar a empatia (EM13LGG604). 3. Dispositivo para para as recolhas: pelo menos uma
banalidades e nas relações com bem visualização de vídeo semana. Tempo sugerido para as
aprender de si comum e alteridades. com internet; caderno composições com os elementos
U

de anotações. recolhidos: 3 h ou mais.


7. Exercício Traçar vias para
biografemático compreender as 4. Um caderninho 5. Fotografar-se e produzir uma
com fotografia próprias emoções pequeno que caiba no escrita para si. Tempo sugerido: para
e exercitar o bolso ou na bolsa, para produção da fotografia e escrita, em
G

conhecimento de levar com você aonde torno de 1 h ou mais; tempo de espera


si como docente, você for. para abrir a carta, um ano.
favorecendo que se
olhe e aja no presente 5. Câmera fotográfica, 6. Realizar um exercício de espreita
e no futuro com papel, caneta, e escrita. Tempo sugerido: para o
coragem e ousadia. envelope. exercício de espreita, pelo menos
um mês; para a escrita, 1 h ou mais.
6. Elementos
corriqueiros 7. Fotografar espaços da escola em
encontrados em diferentes ângulos e perspectivas,
andanças cotidianas. produzir uma escrita como exercício
biografemático. Tempo sugerido:
7. Câmera fotográfica, em torno de 3 h ou mais.
papel ou caderno de
anotações, caneta
ou lápis.

Continua

13
Abordagem teórico-metodológica

D
Continuação
Capítulo 1: Docência e incerteza: projetos de vida para forjar, a cada vez, outras paisagens e janelas

Vivências Objetivos Pertinência Materiais Procedimentos e tempo

L
8. Pistas/provocações Experimentar as Esses objetivos 8. Caderno de 8. Listar pistas para pensar a criação
para a produção de potências coletivas estão alinhados anotações, caneta de espaços de encontro. Tempo
um povo docência em que atravessam os com a dimensão: ou lápis. sugerido: 1 h ou mais. Obs.: esse
espaços de encontros processos singulares é um exercício que pode ser feito
que já existem de formação e as forças 1 - Conhecimento 9. Caderno andarilho. em pequenos intervalos

N
que uma produção de si, do outro e do do cotidiano também.
9. Exercícios com conjunta pode nós (miniprojeto de
biografemas em um mobilizar em vida para docentes) 9. Realizar exercícios de espreita,
caderno andarilho cada docente. bem como com de escrita biografemática e trocas a
as competências partir do caderno andarilho que será
e as habilidades alimentado coletivamente. Tempo

P
específicas propostas sugerido: uma semana para cada
pela BNCC: docente participante. O tempo
de circulação é indeterminado.
(EM13LGG101),
(EM13LGG104),
(EM13LGG201),
(EM13LGG301),
IA
(EM13LGG305),
(EM13LGG503),
(EM13LGG604).

ESPAÇOS DE Desenvolver processos Esses objetivos estão 10. Papel para 10. Observação do fluxo de pessoas,
CRIAÇÃO NA educativos fortalecidos alinhados com a anotações, objetos observação de si no mesmo espaço,
DOCÊNCIA pelas experiências dimensão: coletados no cotidiano. manipulação de objetos, pensando
coletivas dadas nos sobre os automatismos envolvidos
10. Provocando diferentes espaços 1 - Conhecimento de 11. Papel para possíveis no cotidiano. Tempo sugerido: 2 h.
e deslocando si, do outro e do nós anotações.
U

sociais.
comportamentos (miniprojeto de vida 11. Conversa a partir da obra Traverse,
em cotidianos Varrer clichês e para docentes), sendo 12. Papel para de Shannon Rankin. Tempo sugerido:
automatizados automatismos que pertinentes para anotações. 20 min.
enfraquecem em o desenvolvimento
11. Constelações 13. Filme sobre 12. Exercícios de pensamento e de
potência planos das seguintes
dentro-fora artes ou artistas; escrita a partir das noções de teoria
G

de aulas, processos competências


materiais diversos e prática. Tempo sugerido: 30 min.
metodológicos e habilidades:
12. Produzindo para produções visuais
e avaliações.
atravessamentos (EM13LGG201), (fotografia, colagem, 13. Exibições de filmes, debates,
entre práticas Produzir inquietações (EM13LGG501), desenho, performance). produções coletivas e planejamentos
e teorias e trocas com colegas (EM13LGG601), de aulas interdisciplinares a partir
14. Um livro de história de um filme. Tempo sugerido:
docentes, investindo (EM13LGG602),
13. Produzindo da arte. aproximadamente um mês, com
em estratégias (EM13LGG604).
transdisciplinaridades encontros semanais.
avaliativas processuais,
com um filme
que permitam o
14. Debates, experimentações visuais
14. Criando acompanhamento
e discursivas a partir de um livro de
possibilidades das aprendizagens
história da arte. Tempo sugerido:
narrativas para de cada estudante.
1 h 30.
um livro de história
Revisar os próprios
da arte
processos avaliativos
para planejar as ações
de ensino.

14
D
Capítulo 2: Tempos e espaços das artes visuais: movimentos e resistências culturais

Vivências Objetivos Pertinência Materiais Procedimentos e tempo

L
ARTES VISUAIS E Conhecer e explorar Esses objetivos estão 15. Material para 15. Conversas e anotações,
CULTURAS objetos de conhecimento alinhados com a anotações, materiais fazeres artesanais escolhidos.
das artes visuais dimensão: de trabalho artesanal de Tempo sugerido:
15. Partilhando
em perspectivas acordo com as técnicas aproximadamente um mês,
fazeres manuais 2 - O saber
multiculturais, vivenciando escolhidas e em com encontros semanais
disciplinar em xeque
16. Objetos manifestações artísticas quantidade suficiente de, no mínimo, 1 h cada.
(problematização do

N
e seus rituais e culturais brasileiras e para as pessoas
isolamento disciplinar), 16. Anotações e debates, a partir
17. Pergunte aos estrangeiras, garantindo envolvidas, a seu
sendo pertinentes para de objetos. Tempo sugerido:
objetos o respeito e a valorização critério e condições.
o desenvolvimento 1 h 30.
das diversidades, em
18. Explorando das seguintes 16. Material para
consonância com as 17. Entrevistas com objetos
sentidos e sensações competências anotações, objetos
propostas da BNCC. e com as pessoas que os
e habilidades: do cotidiano.
19. Universos possuem, os produzem

P
Propor meios de
culturais que (EM13LGG202), 17. Material para ou os comercializam.
investigar e apropriar-se
nos acompanham (EM13LGG302), anotações, objetos
desses saberes a partir 18. Experimentação de sensações
(EM13LGG305), do cotidiano.
20. Embaralhando de contextualizações com os olhos vendados, sobre
(EM13LGG502),
gerações históricas, estudos de 18. Faixa de tecido para superfícies de desenho e escrita
(EM13LGG503),
artistas e experimentações vendar os olhos (ou e com materiais plásticos. Tempo
(EM13LGG602),
poéticas, conhecendo máscara de dormir), sugerido: 2 h 30.
(EM13LGG603),
como se estruturam superfície para desenho /
(EM13LGG604). 19. Escolha de um artefato
IA
objetos e discursos da papel, lápis, massa
cultural popular, pesquisa na
arte em diferentes épocas de modelar ou argila.
internet, anotações e debates
e contextos. 19. Material com adolescentes sobre ele.
Incentivar o exercício da para anotações. Tempo sugerido: 2 h 30.
pesquisa por meio 20. Material 20. Anotações e debates, a partir
de investigações para anotações, de memórias. Tempo sugerido:
em diferentes fontes, para mais pessoas. 1 h 30.
incluindo os saberes
HISTÓRIAS QUE A comunitários. Esses objetivos estão 21. Livros de história 21. Mapear e problematizar
HISTÓRIA DA ARTE alinhados com da arte. obras e produções artísticas
Desenvolver estratégias
CONTA, PRODUZ E a dimensão: presentes em livros de história
de ensino voltadas à 22. Dispositivo para
U

CRIA da arte e que aparecem com


problematização, à 2 - O saber visualização de vídeos
mais frequência em suas aulas.
21. Histórias e temas experimentação e à disciplinar em xeque com acesso à internet.
Tempo sugerido: 3 h ou mais.
da arte: investigando reordenação das narrativas (problematização do 23. Caderno de
recorrências históricas a que se tem isolamento disciplinar), 22. Visualizar os vídeos
anotações, câmera
e produzindo acesso, tendo em vista as sendo pertinentes para indicados e fazer um exercício
fotográfica (para
problematizações realidades dos contextos o desenvolvimento de problematização acerca
registros e anotações).
e épocas em que atuamos. das seguintes do racismo cotidiano. Tempo
G

22. Problematizando
competências 24. Livros de história sugerido: 1 h 30 ou mais.
com imagens e cenas
e habilidades: da arte e dispositivo
o racismo cotidiano 23. Visitar espaços expositivos ou
com acesso à internet
(EM13LGG101), manifestações visuais e escritas
23. Investigando para pesquisa.
(EM13LGG202), no cotidiano; fazer registros,
espaços
(EM13LGG302), anotações e um exercício de
expositivos locais
(EM13LGG601). problematização com eles.
e manifestações
Tempo sugerido: variável
culturais que
para a visitação nos espaços
permeiam a
expositivos. Pode ser de uma
paisagem cotidiana
semana para as espreitas dos
24. Entre percursos cotidianos e, para
representações e a problematização, em torno
produções artísticas de 1 h ou mais.
indígenas 24. Mapear e problematizar
representações dos povos
originários nos livros de história
da arte, tensionando-as com as
produções artísticas de Denilson
Baniwa. Tempo sugerido: 3 h
ou mais.

15
Abordagem teórico-metodológica

D
Capítulo 3: A imagem na vida contemporânea: tecnologias, mídias e cotidiano

Vivências Objetivos Pertinência Materiais Procedimentos e tempo

L
ARTES E Oferecer pistas para Esses objetivos 25. Livro Alice no 25. Após a leitura do livro e
VISUALIDADES experimentações com os estão alinhados País das Maravilhas a exploração de/visitação à
NO MUNDO objetos de conhecimento do com a dimensão: (Lewis Carroll), instalação virtual Immersed in
CONTEMPORÂNEO componente curricular Arte no 2 - O saber dispositivo com wonderland, da artista Alexa
que se refere à Base Nacional - disciplinar em acesso à internet. Meade, debater sobre relações
25. “Entre” arte
Comum Curricular para o Ensino xeque (proble- entre literatura, artes visuais e
e literatura 26. Dispositivo

N
Médio, especialmente às artes matização do vida. Tempo sugerido: uma
com acesso à
26. Planejando visuais em suas conversações isolamento dis- semana para a leitura do livro,
internet, acesso
impressões de si com os contextos cotidianos ciplinar), sendo 30 min. para experimentação
a redes sociais e
e da arte para tecnológicos e com a vida social. pertinente para o da obra; 30 min. para debate.
ferramentas de
as redes sociais desenvolvimento
Dialogar sobre as diferentes edição de imagem 26. Acessar as próprias redes
maneiras de apresentar, formular, das seguintes (no celular ou sociais, postar imagens,
27. Visitando uma
competências

P
exposição virtual criar e expor esses objetos, no computador). dialogar com o público,
abordando processos de e habilidades: pesquisar artistas e pensar
28. Cotidiano 27. Dispositivo
produção e acesso explorados (EM13LGG301), estratégias de publicação de
artístico com acesso à
por artistas de diferentes épocas, (EM13LGG604), imagens. Tempo sugerido:
internet, trena,
entendendo como as mudanças (EM13LGG701), 30 min. diários para
quadro negro
tecnológicas têm impactado (EM13LGG704). cada etapa.
(ou papel).
os pensamentos e os processos
27. Visita ao acervo virtual
artísticos ao longo do século XX 28. Dispositivo
de um museu e exercícios
IA
e início do século XXI. fotográfico (ou
espaciais na sala de aula.
gravador ou papel
Propor diferentes estratégias Tempo sugerido: 1 h para
para anotações).
de encontros e experiências visita e 40 min. para exercícios.
educativas com esses objetos,
28. Observação do cotidiano,
explorando tecnologias
produção visual e conversa a
disponíveis em diferentes
partir de relações entre arte e
contextos, relacionando-
vida. Tempo sugerido: uma
as com práticas e referenciais
semana para produção e 1 h
do cotidiano juvenil.
para conversa e partilha
de produções.
U

NARRATIVAS Tecer relações entre os objetos Esses objetivos 29. Papel, tesoura 29. Práticas compartilhadas
VISUAIS NO do componente curricular arte, estão alinhados ou estilete, cola ou de recorte e colagem
COTIDIANO mais especificamente das artes com as dimen- fita adesiva, caneta recriando páginas escolhidas
JUVENIL visuais, dialogando com objetos sões: e/ou lápis. de quadrinhos, através da
da área de linguagens e suas 2 - O saber disci- substituição dos textos de
29. Quadrinhos 30. Papel, tesoura
tecnologias, especialmente por plinar em xeque umas e das imagens de outras.
sem texto ou estilete, cola ou
G

meio das intersecções possíveis (problematização Tempo sugerido: 3 h.


ou sem imagens fita adesiva,
entre imagéticas e narrativas do isolamento caneta e/ou lápis, 30. Criação de narrativa
30. (Auto) textuais que permeiam disciplinar) e imagens para gráfica (auto)biográfica para
biograficzine o cotidiano.
3 - Área de co- colagens, recurso impressão, encadernação
docente
Pensar e dialogar sobre diferentes nhecimento em para impressão e distribuição local. Tempo
31. Relações maneiras de correlacionar esses foco (problema- gráfica em sugerido: 5 h para a
com filmes objetos, de modo que se tornem tização da inter- preto e branco elaboração do material,
um convite também para que o disciplinaridade), (quantidade a 1 h para sua impressão
32. Pensando arte corpo discente experiencie essas sendo perti- seu critério e e indeterminado para
com elementos relações de uma forma ativa. nentes para o possibilidades), distribuição.
de casa desenvolvimento grampeador.
Propor vias para que cada 31. Listagem de filmes e
das seguintes
escola possa trazer elementos 31. Material para anotações sobre relações
competências
específicos de sua localidade anotações. pessoais com eles. Tempo
e habilidades:
e vivências de sua comunidade sugerido: 2 h.
(EM13LGG101), 32. Objetos do
local para conversar com o
(EM13LGG301), cotidiano, estar 32. Problematização e
componente curricular Arte,
(EM13LGG302), com o corpo experimentação performática
especialmente as artes visuais
(EM13LGG603). minimamente dialogando com elementos de
em suas relações com as
alongado/ espaços cotidianos. Tempo
visualidades cotidianas
aquecido. sugerido: 2 h.
e com as tecnologias visuais.

16
D
Capítulo 4: Encontros: abrindo a janela para outras conversações

Vivências Objetivos Pertinência Materiais Procedimentos e tempo

L
ARTE E PRÁTICAS Propor conversações com objetos Esses objetivos estão 33. Elementos 33. Caminhar pelos entornos
COTIDIANAS de conhecimento da arte por meio alinhados com coletados no da escola e planejar uma aula
33. Uma aula em de diferentes maneiras de nos as dimensões: trajeto. aproveitando visualidades e
deslocamento relacionarmos com conceitos e 2 - O saber 34. Elementos estruturas dos espaços. Tempo
experiências desse componente disciplinar em xeque coletados em sugerido: 1 h 30.
34. Relíquias curricular a partir do corpo, nos
coletadas em (problematização do caminhadas, 34. Escolha de um elemento
objetos e em seus deslocamentos isolamento disciplinar) e dispositivo cotidiano, coleta e produção
uma caminhada

N
contemporâneos, experimentando 3 - Área de fotográfico. visual a partir dele, pensando
35. Colecionando estratégias de ensino que possam conhecimento em foco relações entre espaços,
e criando com envolver o público juvenil, 35. Papel para
(problematização da anotações. materialidades e arte. Tempo
elementos não considerando seus repertórios interdisciplinaridade), sugerido: 1 semana para
armazenáveis e a multiplicidade de realidades que sendo pertinentes para 36. Objetos coleta, 1 h para produção
36. Curto-circuitos envolvem a educação brasileira, o desenvolvimento retornáveis ou visual, 1 h para conversa.
formulando itinerários processuais das seguintes de informações
37. Corpo presente como cartas, 35. Estudos sobre arte efêmera,
compatíveis a cada etapa competências

P
de construção dos saberes. livros de que não pode ser materializada
e habilidades: ou armazenada. Tempo
Mapear o que torna, para o biblioteca ou
(EM13LGG101), garrafas de vidro. sugerido: 20 min.
corpo discente, as relações de (EM13LGG102),
aprendizagens mais instigantes 37. O próprio 36. Produzir mensagens e
(EM13LGG301), fazê-las circular, explorando
e relevantes, tendo em vista (EM13LGG302), corpo na relação
movimentos que expandem a arte com os espaços. esse ato artisticamente. Tempo
(EM13LGG305), sugerido: 2 h para produção e
para a vida cotidiana, hibridizando- (EM13LGG501),
-se com outros campos. tempo variável para circulação.
(EM13LGG503),
IA
(EM13LGG603), 37. Atenção ao corpo e seus
(EM13LGG604). movimentos na relação com
os espaços. Tempo sugerido:
no mínimo 2 h.

LINGUAGENS E Instigar possíveis encontros com Esses objetivos estão 38. Materiais 38. Fazeres artísticos com
APRENDIZAGENS manifestações artísticas e culturais, alinhados com artísticos diversos materiais e ferramentas
QUE SE das locais às mundiais, bem as dimensões: à escolha trocados entre linguagens.
EXPANDEM como a participação em práticas 2- O saber (sugestões: argila, Tempo sugerido: três
38. Misturando diversificadas da produção artístico- disciplinar em xeque tinta, pincel e experimentações de, no
linguagens -cultural, em uma perspectiva (problematização do suporte maior mínimo, 2 h cada.
expandida. isolamento disciplinar); que 1 m2). 39. Exercício de
39. Explorando
U

cultivos como Exercitar um corpo-pensamento 3 - Área de 39. Este livro, problematização a partir de
projetos de curioso e em movimento diante conhecimento em foco material para um sobrevoo pelas vivências e
trabalho dos encontros com o mundo, por (problematização da anotações, cultivos propostos nesse livro.
meio de uma postura investigativa interdisciplinaridade); espaço para Tempo sugerido: 4 sessões
40. Começando e criadora que abre vias para a reuniões. de 3 h cada.
pelo meio invenção de problemas e possíveis 4 - Repensando a
avaliação (mapeando 40. Material 40. Exercício de espreita e
soluções provisórias. para anotações. produção de perguntas e
novos processos de
Utilizar diferentes linguagens para problematizações que possam
G

avaliação), sendo
se expressar e partilhar informações, pertinentes para funcionar como disparadoras
experiências, ideias e sentimentos o desenvolvimento para a produção de um projeto
em diferentes contextos das seguintes de trabalho. Tempo sugerido:
e produzir sentidos que levem competências uma ou mais semanas para
ao entendimento mútuo. e habilidades: o exercício de espreita e uma
Pensar estratégias avaliativas que: ou mais sessões de 2 h para o
(EM13LGG201), exercício de problematização.
Se deem em consonância com (EM13LGG301),
os objetivos de aprendizagem e (EM13LGG305),
critérios avaliativos negociados (EM13LGG603),
entre estudantes e docentes; (EM13LGG604).
Forneçam meios de pensar,
problematizar e reorientar trajetos
de aprendizagem em processo;
Funcionem como uma ferramenta
para pensar, junto ao coletivo,
vias para fomentar as potências
que atravessam o percurso de
cada estudante, bem como buscar
alternativas que contribuam para
pensar e lidar com as dificuldades
que aparecerem.

17
Abordagem teórico-metodológica

D
Conteúdos multimodais entre texto e imagens
Ao longo desta obra, você vai se deparar com ícones, cores, boxes, quadrinhos, imagens de arte,

L
fotografias, links para vídeos e sites, que visam tornar a leitura mais experiencial, permitindo, por um
lado, acesso intuitivo a determinados elementos (conexões, vivências, cultivos, propostas interdisci-
plinares, etc.) e, por outro, possibilidades de estudos não lineares, abertos a interesses, necessidades
e desejos que forem surgindo ao longo de seus processos formativos.
As imagens em meio à obra aparecem articuladas ao texto como convites ao pensamento e a ex-

N
perimentações que somente o texto escrito não daria conta sozinho. Elas estão ali para acionar alguma
faísca e instigar movimentos. Imagem e texto não buscam fechar uma ideia ou uma verdade sobre
algo. Ambos têm sede de contágio. Entre imagem e texto há espaços, intervalos a serem habitados,
vasculhados, ocupados e escavados por quem com este livro se encontrar. Assim, nosso convite é
que você possa se colocar nesse intervalo entre imagem e texto, inventando movimentos singulares

P
a partir do que ambos vão lhe provocando a pensar-criar, e também ao que eles lhe convidam a
explorar fora desse livro, em investigações, nas suas aulas, em meio à vida.
E, por falar em “fora do livro”, oferecemos, no decorrer desta obra, algumas pistas com vistas a
disparar outras investigações e desdobramentos: são bibliografias, sites, obras artísticas, áudios que
funcionam como elementos complementares de pesquisa. Esses momentos são sinalizados como
Para outras conexões. Aproveite esses momentos “fora do livro” para dar-se um tempo para espreitar
IA
também o que essas outras conexões sugeridas vão disparando a investigar. Atente-se para elementos
que lhe convidem a seguir esse movimento investigativo, transbordando o que oferecemos aqui e
produzindo seu percurso singular.
Os cultivos são também um “fora do livro”, que visam um estar e experimentar-cultivar algo junto
a estudantes. Diferentemente de pretender ensinar como trabalhar cada assunto em sala de aula ou
de impor novas demandas ao currículo, os cultivos são propostos como possíveis disparadores para
movimentações de ideias e fazeres artísticos a serem experienciados em conjunto com a comunidade
escolar, podendo compor os planejamentos que você desenvolver.
Uma observação importante aqui é que você não precisa necessariamente aguardar esses mo-
U

mentos no texto para fazer esses movimentos para “fora do livro”, tudo que lhe instigar em meio à
leitura desta obra pode ser uma pista para outras investigações. Aventure-se!

Observação: saúde pública


G

A escrita deste livro aconteceu durante o ano de 2020, e sua finalização foi anterior ao retorno
presencial às atividades acadêmicas e escolares, as quais estavam ocorrendo por vias remotas, já
que, devido à pandemia de covid-19, o distanciamento social era necessário para evitar contágios.
Esperamos que você, ao ler estas palavras, se lembre desse momento como um ciclo já concluído,
já passado. Cabe, contudo, ressaltarmos que as vivências aqui propostas, especialmente as que en-
volvem o contato presencial com outras pessoas ou a exploração de objetos ou ambientes externos,
devem ser realizadas em condições de segurança que não se conflitem com as recomendações
médicas vigentes em seu território no momento de sua leitura. Quaisquer possíveis adaptações que
se percebam necessárias para atender a demandas ou protocolos sanitários devem ser priorizadas.

18
Referências bibliográficas comentadas

D
A seguir, listamos as referências utilizadas nesse livro, agrupadas OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Diário de aula como instrumento
em função dos assuntos com os quais dialogam. metodológico da prática educativa. Revista Lusófona de
Educação, Lisboa, v. 27, n. 27, p. 111-126, 2014. Disponível em:

Aprendizagem
<https://revistas.ulusofona.pt/index.php/rleducacao/article/

L
view/4833>. Acesso em: 16 set. 2020.
OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. O que pode um diário de aula? In:
Ellsworth, Kastrup e Gallo falam da aprendizagem a partir de
um lugar de estranhamento e problematização, no qual aprender MARTINS, Raimundo; TOURINHO; Irene (org.). Processos e
se distancia de uma ideia de aquisição de informações para se práticas de pesquisa em cultura visual e educação. Santa
aproximar de processos em constante invenção de si e do mundo. Maria: Editora da UFSM, 2013. p. 225-236.

N
Kastrup conversa também com a noção de experiência estética e PORLÁN, Rafael; MARTÍN, José. El diario del profesor: un recurso
questões sobre acessibilidade. para la investigación en el aula. Sevilla: Díada, 1997.
ELLSWORTH, Elizabeth. Places of learning: media, architecture, TOURINHO, Irene. Retomando um tema delicado: avaliação e ensino
pedagogy. New York: Routledge, 2012. de arte. In: Anais do 19o Encontro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas. Cachoeira, Bahia: ANPAP,
GALLO, Silvio. As múltiplas dimensões do aprender... In: Anais do
2010. p. 2094-2106.

P
Congresso de Educação Básica: aprendizagem e currículo.
Florianópolis: UFSC/PMF, 2012. Disponível em: <http://www. ZABALZA, Miguel. Diários de aula: um instrumento de pesquisa e
pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/13_02_2012_10.54.50. desenvolvimento profissional. Porto Alegre: Artmed, 2004.
a0ac3b8a140676ef8ae0dbf32e662762.pdf>. Acesso em:

Arte e cidade
15 set. 2020.
KASTRUP, Virgínia. A aprendizagem da atenção na cognição
inventiva. Revista Psicologia e Sociedade. v. 16, n. 3, As referências a seguir abordam a cidade como território de
IA
p. 7-16, 2004. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo. produção e pensamento na arte contemporânea. Em Ramos são
php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822004000300002&lng= abordadas contradições, polêmicas e potências da arte urbana.
pt&tlng=pt>. Acesso em: 16 set. 2020. Em Careri e Kwon é explorada a relação da arte com os espaços,
KASTRUP, Virgínia. Experiência Estética para uma Aprendizagem o que envolve o ato de caminhar e interferir artisticamente nas
Inventiva: notas sobre a acessibilidade de pessoas cegas a paisagens. E na Lei n. 12.408 de 2011 são dispostas questões legais
museus. Revista Informática na Educação: Teoria e prática. sobre a arte urbana.
Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 38-45, 2010. Disponível em: <https://
seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/article/view/12463>. Acesso CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminho como prática estética.
em: 16 set. 2020. São Paulo: G. Gili, 2013.
KWON, Miwon. Um lugar após o outro: anotações sobre site-specificity.
U

Avaliação
Revista Arte & Ensaios, Rio de Janeiro, n. 17, p. 166--187, 2008.
Disponível em: <https://www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/
A avaliação é aqui pensada e articulada a partir da proble- uploads/2012/01/ae17_Miwon_Kwon.pdf>. Acesso em: 17 set. 2020.
matização de heranças que carregamos de uma avaliação RAMOS, Célia Maria A. Grafite & pichação: por uma nova
tradicional e seletiva, bem como da produção de aberturas e epistemologia da cidade e da arte. In: Anais do 16o Encontro
estratégias para pensar uma avaliação processual e formativa Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes
G

na educação das artes visuais. O tema é abordado por Touri- Plásticas. Florianópolis: ANPAP, 2007, p. 1260-1269. Disponível
nho de um modo mais amplo. Algumas ferramentas avaliativas em: <http://anpap.org.br/anais/2007/2007/artigos/127.pdf>.
processuais, importantes aliadas nos processos de criação de Acesso em: 16 set. 2020.
percursos formativos e de aprendizagem, são abordadas a partir SAVING BANKSY. Direção: Colin Day. Documentário, 80 min, EUA, 2017.
dos diários e portfólios. Você pode investigar mais sobre essas
ferramentas a partir dos escritos de Porlán e Martín, Zabalza,
Oliveira, Cardonetti e Charréu. Campo ampliado da arte/
CARDONETTI, Vivien Kelling; OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Diário de hibridismos
aula: disparador de problematizações e de possibilidades para
pensar a formação de professores de artes visuais. In: OLIVEIRA, Em escritas sobre a ampliação ou a expansão de campo em
Marilda Oliveira de; HERNÁNDEZ, Fernando (org.). A formação arte, Krauss e Lessing pensam a partir da escultura; Youngblood,
do professor e o ensino das artes visuais. 1. ed. Santa Maria, a partir do cinema; Mello, a partir do vídeo; e Derdyk, a partir do
RS: UFSM, 2015. v. 1, p. 51-74. desenho. Escritas de Platão sobre divisões sociais de trabalho
CHARRÉU, Leonardo Verde; OLIVEIRA, Marilda Oliveira de. Diários de aparecem como contrapontos da temática. O inventor Buck-
aula e portfólios como instrumentos metodológicos da prática minster Fuller é citado por sua crítica à hiperespecialização nos
educativa em artes visuais. Revista Cadernos de Pesquisa, (on- diferentes campos do saber. Basbaum e Bourriaud são referências
line) v. 45, n. 156, p. 410-425, 2015. Disponível em: <https://doi. sobre possibilidades de hibridação ao tratar da multiplicidade das
org/10.1590/198053142839>. Acesso em: 16 set. 2020. posturas artísticas contemporâneas.

19
Referências bibliográficas comentadas

D
BASBAUM, Ricardo Roclaw. Manual do artista-etc. Rio de Janeiro:
Beco do Azougue, 2013. Disponível em: <https://rbtxt.wordpress. Filmes utilizados como referência
com/manual_do_artista_etc/>. Acesso em: 6 maio 2020. Era uma vez em Tóquio. Dirigido por Yasujiro Ozu. Produção
BOURRIAUD, Nicolas. Radicante: por uma estética da globalização. Shochiku (estúdio Ofuna), P&B, sonoro, 135 min. 1953.

L
São Paulo: Martins Fontes, 2011. VARDA, Agnès. As praias de Agnès. Documentário, 2008. Fala da cineasta
DERDYK, Edith. Disegno. Desenho. Desígnio. São Paulo: Editora Senac citada em: Para Agnès Varda que eternizou o gesto. Disponível em:
São Paulo, 2007. <https://revistacaliban.net/para-agn%C3%A8s-varda-que-eternizou-
FULLER, Richard Buckminster. Manual de instruções para a nave o-gesto-f938548c691e>. Acesso em: 18. set. 2020.
espacial Terra. Porto: Via Optima, 1998.
Coletividades e sociedade

N
GIL, Gilberto. A novidade. Letra para composição musical de
Bi Ribeiro, Herbert Vianna e João Barone. Florianópolis,
São abordadas nestes referenciais questões voltadas à socieda-
1986. Disponível em: <https://gilbertogil.com.br/conteudo/
de como coletivo. Paim e Mesquita trazem temas da arte contem-
musicas/>. Acesso em: 24 ago. 2020.
porânea a partir do engendramento de novos modos de atuação
KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado. In: Revista Arte e articulação de artistas em meio a contextos e pensamentos das

P
& Ensaios, Rio de Janeiro, n. 17, 2008. Disponível em: <https:// últimas décadas. Guattari e Krenak exploram práticas políticas e
www.ppgav.eba.ufrj.br/wp-content/uploads/2012/01/ae17_ ambientais em suas articulações com questões sociais, discutindo
Rosalind_Krauss.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2020. como temos atuado (ou podemos atuar) coletivamente frente a
LESSING, Gotthold Ephraim. Laocoonte ou sobre as fronteiras da interesses humanitários.
pintura e da poesia. São Paulo: Iluminuras, 2011.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução: Maria Cristina F.
MELLO, Christine. Arte nas extremidades. In: MACHADO, Arlindo Bittencourt. Campinas: Papirus, 1990.
(org.). Made in Brasil. Três Décadas de Vídeo Brasileiro. São
IA
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo:
Paulo: Iluminuras/Itaú Cultural, 2007. p. 139-168.
Companhia das Letras, 2019.
MELLO, Christine. Extremidades do vídeo. São Paulo: Editora Senac
MESQUITA, André. Insurgências poéticas: arte ativista e ação coletiva.
São Paulo, 2008.
2008. Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de
PLATÃO. A república. Tradução: Maria Helena da Rocha Pereira. História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. Disponível em: <https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/
YOUNGBLOOD, Gene. Expanded cinema. New York: Dutton, 1970. tde-03122008-163436/pt-br.php>. Acesso em: 17 set. 2020.
PAIM, Cláudia. Táticas de artistas na América Latina: coletivos,
Cinema e educação iniciativas coletivas e espaços autogestionados. Porto Alegre:
Panorama Crítico, 2012.
U

Conversações entre cinema e educação são abordadas em


texto de Ellsworth, em entrevista de Fresquet e Norton e no
livro de Sanjinés e do Grupo Ukamau sobre criações junto ao Manifestações da cultura popular
povo. Implicações filosóficas sobre a imagem fílmica e suas Em dois artigos e um ensaio visual, Freitag pondera sobre suas
relações com sentidos como o tato são debatidas por Deleuze pesquisas entre o artesanato e a arte em Tonalá, México. São
e Val Del Omar. Constam também alguns filmes citados, de também citadas escritas de Guimarães sobre o artesanato de
G

autoria de Taretto, Ozu e Varda. miniaturas do Cerrado.


DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2005. FREITAG, Vanessa. Ser artesão e artista: considerações sobre o
ELLSWORTH, Elizabeth. Modos de endereçamento: uma coisa processo criativo artesanal. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira de
de cinema; uma coisa de educação também. In: SILVA, Tomaz Arte, educação e cultura. 2. ed. revista e ampliada. Santa Maria:
Tadeu. Nunca fomos humanos: nos rastros do sujeito. Belo Editora da UFSM, 2013. p. 57-73.
Horizonte: Autêntica, 2001. p. 9-76. FREITAG, Vanessa. De artesãos a artistas: um estudo com ceramistas
FRESQUET, Adriana; NORTON, Maíra. Entrevista com Adriana Fresquet. de Tonalá, México. In: Revista Sociedade e Cultura, Goiânia,
Revista Poiésis, v. 13, n. 19, p. 63-74, 2012. Disponível em: <https:// v. 18, n. 1, p. 165-175, 2015. Disponível em: <https://www.
periodicos.uff.br/poiesis/article/view/26916>. Acesso em: 18 set. revistas.ufg.br/fcs/article/view/40612>. Acesso em: 17 set. 2020.
2020. FREITAG, Vanessa. Jardim de dentro, jardim de fora. In: Revista
SANJINÉS, Jorge; UKAMAU, Grupo. Teoria e prática de um cinema Visualidades, v. 18, n. 15, 2020. Disponível em: <https://www.
junto ao povo. Goiânia: MMArte, 2018. revistas.ufg.br/VISUAL/article/view/60220>. Acesso em: 18 set.
VAL DEL OMAR, José. Teoría de la Visión Táctil. In: VAL DEL OMAR, 2020.
María José & SÁENZ DE BURUAGA, Gonzalo (org.). Val del GUIMARÃES, Leda. Miniaturas artesanais ou rituais de memórias
Omar, sin fin. Granada, Diputación de Granada, 2012. p. 118- zipadas. In: MARTINS, Raimundo. TOURINHO, Irene (org.).
-121. Disponível em: <http://www.valdelomar.com/pdf/text_ Educação da Cultura Visual: narrativas de ensino e pesquisa.
es/text_5.pdf>. Acesso em: 2 jul. 2020. Santa Maria: Editora da UFSM, 2009. p. 241-258.

20
D
Cultura visual ADICHIE, Chimamanda. Os perigos de uma única história. Tradução:
Erika Rodrigues. TEDGlobal, 2009. Disponível em: <https://www.
Estes textos abordam a educação das artes visuais a partir da ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_
perspectiva da cultura visual. Hernández, Duncum, Martins, Nasci- single_story?language=pt-br#t-399545>. Acesso em: 13 jul. 2020.

L
mento e Sérvio abordam princípios da cultura visual, envolvendo FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução:
diferentes modos de ver e pensar a imagem no cotidiano e na Raquel Ramalhete. Petrópolis: Vozes, 1987.
educação. Tavin, Victorio Filho e Vicci trazem temas das culturas
FOUCAULT, Michel. Os intelectuais e o poder (Conversa entre Gilles
juvenis, a partir de imagens, corpos, músicas e visualidades con-
Deleuze e Michel Foucault). In: FOUCAULT, Michel. Microfísica
sumidas e produzidas por esse público.
do poder. Tradução: Roberto Machado. 13. ed. Rio de Janeiro:

N
DUNCUM, Paul. Por que a arte-educação precisa mudar e o que Graal, 1998, p. 69-78.
podemos fazer. Tradução: Gisele Dionísio da Silva. In: MARTINS, RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível. Estética e política.
Raimundo; TOURINHO, Irene (org.). Educação da Cultura Visual: Tradução: Mônica Costa Netto. São Paulo: Ed. 34, 2009.
conceitos e contextos. Santa Maria: Editora da UFSM, 2011. p. 15-30.

Escrita como experimentação de si


HERNÁNDEZ, Fernando. A cultura visual como um convite à
deslocalização do olhar e ao reposicionamento do sujeito.
Tradução: Danilo de Assis Clímaco. In: MARTINS, Raimundo;

P
TOURINHO, Irene (org.). Educação da Cultura Visual: conceitos A escrita enquanto exercício de experimentação e de criação de
e contextos. Santa Maria: Editora da UFSM, 2011, p. 209-226. si é explorada pelos referenciais aqui mencionados. O biografema,
abordado por Costa, se mostra como uma possível ferramenta
MARTINS, Raimundo. Hipervisualização e Territorialização: questões
para esse exercício. A escuta, a espreita e a conversação que se
da cultura visual. Revista Educação & Linguagem, v. 13, n.
diferem do monólogo são ações importantes nesses processos
22, p. 19-31, 2010. Disponível em: <https://www.metodista.br/
revistas/revistas-ims/index.php/EL/article/view/2437/239>.
de escrita. Essas articulações são exploradas de distintos modos
Acesso em: 17 set. 2020. por Skliar, Dias e Kastrup.
IA
NASCIMENTO, Erinaldo Alves. Singularidades da educação da cultura COSTA, Luciano Bedin da. Biografema como estratégia biográfica:
visual nos deslocamentos das imagens e das interpretações. escrever uma vida com Nietzsche, Deleuze, Barthes e Henry Miller.
In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (org.). Educação da Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio
cultura visual: conceitos e contextos. Santa Maria: Editora da Grande do Sul, Porto Alegre, 2010, 180 f. Disponível em: <https://
UFSM, 2011. p. 209-226. lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/27673/000766488.
SÉRVIO. Pablo Petit. O que estudam os estudos de cultura visual? pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
Revista Digital do LAV, Santa Maria, v. 7, n. 2, p. 197-214, DIAS, Susana Oliveira. Escrever(-se)... da emergência de um
2014. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revislav/ comum e da exacerbação do “nós”. In: PEREIRA, Juliana Cristina,
article/view/12393>. Acesso em: 15 set. 2020. et al. (org.). Des-loucar-se. Campinas: BCCL/Unicamp, 2018.
TAVIN, Kevin. Fundamentos de cultura visual e pedagogia pública na/ Disponível em: <http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/
U

como arte/educação. Tradução: Manoel Neto. In: MARTINS, Raimundo; wp-content/uploads/2016/10/desloucarse-ebook-livro-1.pdf


TOURINHO, Irene (org.). Educação da cultura visual: conceitos e e <http://climacom.mudancasclimaticas.net.br/wp-content/
contextos. Santa Maria: Editora da UFSM, 2011. p. 153-173. uploads/2016/10/desloucarse-ebook-livro-2.pdf>. Acesso em:
TOURINHO, Irene. Educação estética, imagens e discursos: cruzamentos 16 set. 2020.
nos caminhos da prática escolar. In: MARTINS, Raimundo; KASTRUP, Virgínia. Cognição inventiva, deficiência visual e
TOURINHO, Irene (org.). Educação da cultura visual: narrativas de políticas de escrita (conferência). In: Conversando com o
G

ensino e pesquisa. Santa Maria: Editora da UFSM, 2009. p. 189-212.


autor, Instituto Benjamin Constant, 2014, vídeo. Disponível
VICCI, Gonzalo. Imágenes y cuerpos adolescentes. Propuesta de em: <https://www.youtube.com/watch?v=q0O6UPVMu0U>.
abordajes desde la cultura visual. In: MARTINS, Raimundo Acesso em: 6 jul. 2020.
et al. (org.). Educación de la Cultura Visual, tomo II. Acerca
SKLIAR, Carlos. Desobedecer a linguagem: educar. Belo Horizonte:
de las imágenes: desafíos para pensar el arte y la educación.
Montevidéu: UDELAR, 2016. p.179-207. Autêntica, 2014.

VICTORIO FILHO, Aldo. Culturas Juvenis para além dos interditos


culturais: o funk carioca, potência e beleza. In: MARTINS,
Raimundo; TOURINHO, Irene (org.). Pedagogias Culturais.
Experiência estética
Santa Maria: UFSM, 2014. p. 275-290. A noção de experiência é abordada pelos escritos de Larrosa,
como algo da ordem do irrepetível, uma relação com algo que
Discursos e poder nos toca, nos atravessa e que produz inquietudes que nos fazem
colocar em questão aquilo que julgamos ser, instigando-nos a
Os referenciais listados aqui problematizam tradições discursi- nos tornar diferentes do que éramos. É a partir dessa noção de
vas e propõem caminhos menos autoritários nas nossas relações experiência que Ribetto pensa os processos de formação na do-
com o mundo. Rancière trata dos discursos que envolvem a legi- cência, uma docência que não se sabe de antemão, que se produz
timação e o acesso à arte. Adichie nos instiga a pensar os perigos a partir de seu caminhar. A experiência estética de que trata
de uma história única. Foucault, em conversação com Deleuze, Pereira acontece também por essas vias, e não se dá apartada de
instiga a pensar uma não separação entre teoria e prática. uma atitude estética, enquanto uma disponibilidade aos signos

21
Referências bibliográficas comentadas

D
(não necessariamente artísticos) e ao que eles podem nos provo- DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Rio de Janeiro: Graal, 2006.
car, nessa relação singular, a pensar, produzir, criar. Arslan, com a DELEUZE, Gilles. Francis Bacon. Lógica da sensação. Rio de Janeiro:
perspectiva da somaestética, pensa a experiência estética junto Zahar, 2007.
das dimensões sensoriais, corporais, articuladas à vida cotidiana. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia? Tradução: Bento

L
ARSLAN, Luciana. Ensino de arte na perspectiva da Somaestética. Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
Revista GEARTE. Porto Alegre, v. 5, n. 3, p. 563-575, 2018. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Kafka: por uma literatura menor.
Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/gearte/article/view/86517>. Tradução: Cintia Vieira da Silva; Luiz B. Orlandi. Belo Horizonte:
Acesso em: 15 set. 2020. Autêntica, 2014.
LARROSA, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: Capitalismo e

N
In: Revista Brasileira de Educação [on-line] n. 19, 2002, p. 20-28. esquizofrenia. Tradução: Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia
Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_ Leão. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. v. 1.
arttext&pid=S1413-24782002000100003&lng=pt&tlng=pt>. DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. Tradução: Eloisa Araújo
Acesso em: 17 set. 2020. Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998.
LARROSA, Jorge. Experiência e alteridade em educação. Tradução: GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do
Maria Carmem Silveira Barbosa e Susana Beatriz Fernandes. In: desejo. Petrópolis: Vozes,1996.

P
Revista Reflexão e Ação. Santa Cruz do Sul, v. 19, n. 2, 2011, MOSÉ, Viviane; LIMA, Dani. O que pode o corpo? Canal Café filosófico
p. 4-27. Disponível em: <https://online.unisc.br/seer/index.php/ – CPFL, 2009. Disponível em: <https://www.youtube.com/
reflex/issue/view/116>. Acesso em: 16 set. 2020. watch?v=d8kSSGX1Ufw>. Acesso em: 22 set. 2020.
LARROSA, Jorge. Tremores: Escritos sobre experiência. Tradução: SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução: Tomaz Tadeu. Belo
Cristina Antunes, João Wanderley Geraldi. Belo Horizonte: Horizonte: Autêntica, 2016.
Autêntica, 2016.
ZOURABICHVILI, François. Deleuze: uma filosofia do acontecimento.
PEREIRA, Marcos Villela. O limiar da experiência estética:
IA
Tradução: Luiz Orlandi. São Paulo: Ed. 34, 2016.
contribuições para pensar um percurso de subjetivação. In:
Revista Pro-Posições [on-line], v. 23, n.1, 2012, p.183-198.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103- Gênero e sexualidades:
73072012000100012&script=sci_abstract&tlng=pt>. Acesso
em: 16 set. 2020.
problematizações
RIBETTO, Anelice. Pensar a formação de professores desde a experiência Esse referencial nos traz, a partir de diferentes vieses, potentes
e desde o menor da formação. In: Revista Reflexão e Ação, Santa provocações para pensar relações de gênero e sexualidades na
Cruz do Sul, v. 19, n. 2, 2011, p. 109-119. Disponível em: <https:// educação das artes visuais. Loponte e Nunes problematizam como
online.unisc.br/seer/index.php/reflex/article/view/2068>. Acesso as imagens têm conformado relações de gênero e sexualidade,
em: 16 set. 2020. e como essas imagens e discursos que a elas se conectam têm
U

atravessado as relações cotidianas e as experiências educativas,


Filosofias da diferença produzindo modos de existência. As produções do coletivo de
artistas anônimas Guerrilla Girls colocam em questão precon-
As obras filosóficas de Spinoza, Deleuze e Deleuze & Guattari ceitos, estereótipos e desigualdades que envolvem relações de
buscam junto de uma multiplicidade de vias pensar a potência gênero no campo da arte. Rocha e Loponte, a partir da produção
artística de Böttner, convidam a pensar corpos trans na arte e na
G

da diferença enquanto movimento criador. Numa esquiva de um


pensamento representacional – que busca reduzir a multiplicida- educação. Pachamama reúne relatos de mulheres indígenas no
de a um universal e que acaba por excluir a singularidade ao tentar contexto urbano, evidenciando a relevância dos mesmos enquan-
fazê-la caber em uma generalização - esses filósofos buscam ope- to possibilidades de criação de histórias outras, enquanto gesto
rar um pensamento rizomático movido pela conjunção ‘e’, pelos de resistência diante de uma história escrita majoritariamente sob
encontros, pelos contágios, pelo dissenso, numa multiplicidade o ponto de vista branco e masculino. Wichers, Queiroz, Freitas e
Alves abordam as relações de gênero nas produções cerâmicas.
que muda de natureza ao passo que vai produzindo conexões.
Zourabchvilli, Guattari e Rolnik, Mosé e Lima, nessa perspectiva, Guerrilla Girls: Gráfica 1985-2017. Curadoria Adriano Pedrosa;
exploram vias como a produção de subjetividade, corpo, memó- Camila Bechelany. São Paulo: MASP, 2017.
ria e acontecimento. Obs: É importante destacar que boa parte LOPONTE, Luciana Gruppelli. Pedagogias visuais do feminino:
dos referenciais que compõem conosco esse livro são movimen- arte, imagens e docência. Revista Currículo sem Fronteiras,
tados por essa perspectiva filosófica. O que abordamos enquanto v. 8, n. 2, 2008, p. 148-164. Disponível em: <http://www.
noção de aprendizagem, de pensamento, de criação, de docência, curriculosemfronteiras.org/vol8iss2articles/loponte.htm>.
de formação, parte de tais provocações filosóficas. Acesso em: 16 set. 2020.
DELEUZE, Gilles. O abecedário de Gilles Deleuze. Realização de NUNES, Luciana Borre. Incômodos nas salas de aula: cenas
Pierre-André Boutang, produzido pelas Éditions Montparnasse, para pensar discursos de heterossexualidade. Revista
Paris. No Brasil, foi divulgado pela TV Escola, MEC. Tradução e Digital do LAV, Santa Maria - ano VI, n.11, 2013, p. 146-161.
legendas: Raccord [com modificações]. A série de entrevistas, Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/revislav/article/
feita por Claire Parnet, foi filmada nos anos 1988-1989. view/10733>. Acesso em: 16 set. 2020.

22
D
PACHAMAMA, Aline Rochedo. Mbaima Metlon: Narrativas de ANDRAUS, Gazy; SANTOS NETO, Elydio. Dos zines aos biograficzines:
mulheres indígenas em situação urbana. In: Ekstasis: Revista Narrativas visuais no processo de formação continuada de
de Hermenêutica e Fenomenologia, v. 8, n. 2, 2019, p. 134-150. docentes-pesquisadores. In: Anais do IV Seminário Nacional
Disponível em: <https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ de Pesquisa em Arte e Cultura Visual. Ética, estética e

L
Ekstasis/article/view/48528>. Acesso em: 16 set. 2020. metodologia na pesquisa de arte e imagem. Goiânia, 2011.
p. 1457-1461. Disponível em: <https://seminarioculturavisual.
ROCHA, Maria Céu; LOPONTE, Luciana Gruppelli. Lorenza Böttner:
fav.ufg.br/p/9360-2011>. Acesso em: 6 jul. 2020.
a potência de um corpo que perturba. ArteVersa, 2019 [on-line].
Disponível em: <https://www.ufrgs.br/arteversa/?p=1928>. FRANCO, Edgar Silveira. HQtrônicas: do suporte papel à rede
Acesso em: 16 set. 2020. internet. São Paulo: Annablume, 2004.

N
MAGALHÃES, 2012. Biograficzine: fanzine pode ser ainda mais
WICHERS, Camila Azevedo de Moraes et al. Um olhar para as relações
pessoal. In: Jornal A União. João Pessoa: 9 out. 2012, 2o Caderno,
de gênero na produção das coisas de barro. In: Habitus - Revista
p. 7. Disponível em: <https://fanzinesehqtronicas.wordpress.
do Instituto Goiano de Pré-História e Antropologia, v. 16, n. 1,
com/2014/05/29/biograficzine-fanzine-pode-ser-ainda-mais-
2018. Disponível em: <http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/
pessoal/>. Acesso em: 12 jul. 2020.
habitus/article/view/6007/3605>. Acesso em: 16 jun. 2020.
SANTOS NETO, Elydio; SILVA, Marta Regina Paulo (org). História em

P
Quadrinhos & Educação. Formação e Prática Docente. São
História do ensino da arte Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2011.
SANTOS NETO, Elydio. Reinvenção do educador, visualidade e
Nas investigações e escritos de Barbosa e Martins é possível fanzinagem: Autoformação, Rigor e Criatividade na Perspectiva
transitar, a partir de diferentes enfoques, pelos percursos, nomen- do Inacabamento Freireano. In: Revista Debates em Educação.
claturas e perspectivas que atravessaram a educação das artes vi- Maceió, v. 2, n. 3, 2010. Disponível em: <https://seer.ufal.br/index.
suais no decorrer do tempo. No texto de Hernández se encontram php/debateseducacao/article/view/59>. Acesso em: 7 jul. 2020.
IA
potentes problematizações com relação a algumas perspectivas
VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Angela;
que atravessaram nossas relações com a imagem: o autor propõe, VERGUEIRO, Waldomiro; BARBOSA, Alexandre; RAMOS, Paulo;
a partir da cultura visual, a noção de múltiplos alfabetismos visuais, VILELA, Túlio (org). Como usar as histórias em quadrinhos na
tencionando-os com a noção de alfabetização visual. sala de aula. São Paulo: Contexto, 2014.
DIAS, Belidson. O i/mundo da educação da cultura visual. Brasília:
Editora da UNB, 2011. Disponível em: <https://repositorio.unb. Publicações de quadrinhos com somente
br/handle/10482/32087>. Acesso em: 16 set. 2020. imagens citadas
BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte.
ABOUET, Marguerite; OUBRERIE, Clément. Aya de Youpougon.
São Paulo: Cortez, 2002. Tradução: Manel Domínguez. Barcelona: Norma, 2008. v. 2.
U

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018. AVELAR, Humberto. Quadrinhos: guia prático. Rio de Janeiro:
Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/ Walprint, 2011.
BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf>. Acesso em: 16 set. 2019.
EISNER, Will. Quadrinhos e arte sequencial. Tradução: Luis Carlos
HERNÁNDEZ, Fernando. Da alfabetização visual ao alfabetismo da Borges e Alexandre Boide. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
cultura visual. Tradução: Inés Olivera Rodríguez e Danilo de
TAN, Shaun. The Arrival. New York: A. Levine/Scholastic, 2007.
Assis Clímaco. In: MARTINS, Raimundo. TOURINHO, Irene. (org).
G

Educação na cultura visual: narrativas de ensino e pesquisa.


Santa Maria: Editora da UFSM, 2009, p. 189-212. Imagem técnica
MARTINS, Alice Fátima. Da educação artística à educação para a Questões relativas à reprodutibilidade técnica e “perda de aura”
cultura visual: revendo percursos, refazendo pontos, puxando da imagem artística são comentadas por Benjamin em texto de
alguns fios dessa meada… In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, 1937. Outros referenciais mais recentes são as “eras da imagem”
Irene (org). Educação da cultura visual: narrativas de ensino e conceituadas por Brea, as questões filosóficas trazidas por Flusser
pesquisa. Santa Maria: Editora da UFSM, 2009, p. 101-117. ao tratar da “caixa-preta” das máquinas produtoras de imagens,
e também por Flores sobre os paradigmas do ver. As narrativas

Histórias em quadrinhos e Educação


transmídias da cultura hipermidiática são abordadas por Jenkins
e Murray, e as possibilidades da arte nos meios midiáticos são
estudadas na escrita de Machado.
As relações entre histórias em quadrinhos e educação aparecem
em referenciais como Andraus, Santos Neto, Silva e Magalhães, que BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade
tratam sobre práticas de fanzinagem envolvendo exercícios autobio- técnica. Tradução: Gabriel Valladão Silva. Porto Alegre: L&PM, 2013.
gráficos, e também na escrita de Vergueiro sobre possibilidades dos BREA, José Luis. Las tres eras de la imagen: imagen-materia, film,
quadrinhos em sala de aula. Desdobramentos do campo nos meios e-image. Madrid: AKAL, 2010.
digitais são abordados por Franco. Constam também citações de FLORES, Victor. A imagem técnica e as suas crenças: A confiança
imagens de algumas publicações de quadrinhos: manuais de Eisner visual na era digital. Lisboa: Nova Vega, 2012.
e Avelar, e narrativas de Tan, Abouet e Oubrerie. FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

23
Referências bibliográficas comentadas

D
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Tradução: Susana de Kilomba e William, com leis brasileiras de inclusão de temas
Alexandria. São Paulo: Aleph, 2009. da cultura afro-brasileira no ensino escolar.
MACHADO, Arlindo. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
ANJOS, Moacir dos. Local/global: arte em trânsito. Rio de Janeiro:
MURRAY, Janet. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no

L
Jorge Zahar, 2005.
ciberespaço. Tradução Elissa Daher, Marcelo Cuzziol. São Paulo:
AZEVEDO, Nele. Glória às lutas inglórias. 2008. Disponível em:
Itaú Cultural; Unesp, 2003.
<https://www.neleazevedo.com.br/texto-gloria-as-lutas-
inglorias>. Acesso em: 16 set. 2020.

Invenção e criação de si BRASIL. Decreto n. 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõe sobre


a educação especial, o atendimento educacional especializado

N
Rolnik nos provoca a pensar sobre a vida a partir de um processo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 18 de
de descolonização do inconsciente colonial-capitalístico, dando novembro de 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
vazão à criação de si. Corazza e Kastrup abordam a criação de si ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Decreto/D7611.htm>. Acesso em:
em relações com a educação, pensando caminhos para diferentes 16 set. 2020.
tempos do corpo e do mundo. Dias e Gallo exploram relações BRASIL. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394,
entre arte e filosofia para discutir a arte da existência. Barros e de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e

P
Carroll experimentam em literatura e poesia esses atos de inven- bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial
ção de si no mundo. da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História
e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Diário
CORAZZA, Sandra Mara. O que se transcria em educação? Porto
Oficial da União, Brasília, 10 de janeiro de 2003. Disponível
Alegre: Doisa, 2013.
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.
DIAS, Rosa Maria. Arte e vida no pensamento de Nietzsche. In: htm>. Acesso em: 16 set. 2020.
Revista Cadernos Nietzsche, v. 36 n. 1, p. 227-244, 2015.
IA
BRASIL. Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei n. 9.394, de
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei n. 10.639,
abstract&pid=S2316-82422015000100227&lng=pt&nrm=iso&tl
ng=pt>. Acesso em: 17 set. 2020. de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede
GALLO, Sílvio. Infância e resistência – resistir a quê? . In: Revista de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Leitura: Teoria & Prática, Campinas, v. 31, n. 61, p. 199-211, Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União, Brasília, 11
2013. Disponível em: <https://ltp.emnuvens.com.br/ltp/article/
de março de 2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.
view/184>. Acesso em: 16 set. 2020.
br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em:
KASTRUP, Virgínia. Flutuações da atenção no processo de criação. In: 16 set. 2020.
LECERF, Eric; BORBA, Siomara; KOHAN, Walter (org.). Imagens da
CANCLINI, Néstor García. Diferentes, desiguales y desconectados.
imanência: escritos em memória de H. Bergson. Belo Horizonte:
U

Mapas de la Interculturalidad. Barcelona: Gedisa, 2004.


Autêntica, 2007. v. 1. p. 59-71.
KILOMBA, Grada. Memórias da plantação. Episódios de racismo
KASTRUP, Virgínia. Educação e invenção em tempos de incerteza.
cotidiano. Tradução: Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
In: VOLZ, Jochen; PRATES, Valquíria (org.). Incerteza viva:
processos artísticos e pedagógicos. 32a Bienal de São Paulo. São SÁ, Raquel Salimeno de. Reflexões teóricas sobre abordagens da
Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, v. 5, p. 3-32, 2016. cultura e arte na educação. In: SÁ, Raquel Salimeno de (org.).
Educação, arte e cultura: conceitos e métodos. Uberlândia:
ROLNIK, Suely. Cartografia sentimental: transformações contem-
G

Gráfica Composer, 2010.


porâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS,
2006. WILLIAM, Rodney. Apropriação cultural. São Paulo: Pólen, 2019.
(Coleção Feminismos Plurais).
ROLNIK, Suely. Esferas da insurreição: notas por uma vida não
cafetinada. São Paulo: N-1 edições, 2018.
Planejamento de aula e mediação
Obras literárias citadas Os textos trazem temáticas concernentes ao ato educativo,
BARROS, Manoel de. Meu quintal é maior que o mundo. Rio de pensando-o como um lugar de invenção, para além da repro-
Janeiro: Objetiva, 2015. dução de itinerários predefinidos. Corazza fala da aula a partir
CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. Porto Alegre: L&PM, de um trabalho atento aos clichês, demandando aberturas que
2014. deem oportunidades ao improvável. Martins e Grupo de pesquisa
abordam mediação cultural e curadoria educativa para discutir

Multiculturalismo
escolhas, seleções, combinações e ideias no trabalho de docência.
CORAZZA, Sandra Mara. Didaticário de criação: aula cheia, antes da
Diferentes noções de cultura e seus diálogos, pertencimento aula. In: XVI ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Práticas
social e patrimônio imaterial são comentadas por dos Anjos, Can- de Ensino. Campinas: Unicamp, 2012. Disponível em: <https://
clini, Salimeno de Sá e Azevedo. Questões de apropriação cultural www.academia.edu/34926331/DIDATIC%C3%81RIO_DE_
e racismo estrutural e cotidiano são trazidas junto a referências CRIA%C3%87%C3%83O_AULA_CHEIA>. Acesso em: 7 dez. 2021.

24
D
CORAZZA, Sandra Mara. Planejamento de ensino como estratégia Brígida Baltar e Marcelo Campos, 2008]. Disponível em: <https://
de política cultural. In: MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa (org.). www.centrodefortaleza.com.br/Paginas/Destaques.php?titulo_re
Currículo: questões atuais. 11. ed. Campinas: Papirus, 2011. sumo=Arte+visual+da+carioca+Brigida+Baltar#.WJG8L-_SnIU>.
p. 103-143. Acesso em: 22 set. 2020.

L
MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa. Travessia para fluxos HENRIQUE OLIVEIRA. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura
desejantes do professor-propositor. In: MARTINS, Mirian Celeste; Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://
PICOSQUE, Gisa (org.). Mediação cultural para professores enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa279504/henrique-
andarilhos da cultura. São Paulo: Intermeios, 2012. p. 123-131. oliveira>. Acesso em: 18 ago. 2020.
MARTINS, Mirian Celeste. Sala de aula: experiências para além das MEIRELES, Cildo. Entrevista concedida ao curador Guilherme Wisnik.

N
visitas/exposições. In: MARTINS, Mirian Celeste; PICOSQUE, Gisa
In: Ocupação. São Paulo: Itaú Cultural, 2016. Disponível em:
(org.). Mediação cultural para professores andarilhos na
<https://www.itaucultural.org.br/ocupacao/cildo-meireles/
cultura. São Paulo: Intermeios, 2012. p. 47-59.
cildo/>. Acesso em: 21 abr. 2020.
GRUPO DE PESQUISA: Mediação arte/cultura/público. Curadoria
Educativa: uma pesquisa que se aprofunda. In: MARTINS, Mirian PARANGOLÉ. In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura
Celeste (org.). Mediação: provocações estéticas. São Paulo: Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://
Instituto de Artes. Pós-graduação, v. 1, n. 1, 2005a. p. 22-39. enciclopedia.itaucultural.org.br/termo3653/parangole>.

P
GRUPO DE PESQUISA: Mediação arte/cultura/público. Delineando Acesso em: 18 set. 2020. Verbete da Enciclopédia.
um glossário. In: MARTINS, Mirian Celeste (org). Mediação: STRECKER, Marion. Paulo Bruscky: o artista que escreve. In: Revista
provocações estéticas. São Paulo: Instituto de Artes. Pós- Select, n. 37, dez. 2017. Disponível em:<https://www.select.art.br/
graduação, v.1, n.1, 2005b. p. 124-131. paulo-bruscky-o-artista-que-escreve/>. Acesso em: 13 jun. 2020.
TESSITORE, Mariana. Ayrson Heráclito, um artista exorcista.
Pós-produção Entrevista. Arte! Brasileiros, 2018. Disponível em: <https://
IA
artebrasileiros.com.br/sub-home2/ayrson-heraclito-um-artista-
Em Bourriaud, encontra-se a noção de pós-produção enquanto exorcista/>. Acesso em: 25 nov. 2020.
ações que envolvem a apropriação, a reordenação, a composição, a
montagem, com elementos já confeccionados por outros setores ou
outras pessoas. Na arte, podemos pensar a fotomontagem e o recorte Projetos de trabalho
e a colagem (física ou digital), como possíveis estratégias de pós-
-produção. Schenkel traz alguns desdobramentos para pensarmos Hernández, em seu livro, aborda o que denomina projetos de
essas práticas nas experiências artísticas contemporâneas e também trabalho, trazendo elementos para explorar essa perspectiva
naquelas produzidas em outros tempos. Miranda se apropria dessa de aprendizagem ativa. O autor também traz algumas experiên-
noção para pensar uma pós-produção educativa, pensando as po- cias educativas movimentadas por essa abordagem, que não se
tências da pós-produção na educação, enquanto estratégia educativa constitui como uma receita ou um método, mas, sim, como algo
U

nas artes visuais numa perspectiva da cultura visual. que necessita ser forjado na experiência, junto ao coletivo e às
BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o singularidades envolvidas. Nos escritos de Mossi, Nascimento
mundo contemporâneo. Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: e Zordan, encontram-se algumas experiências educativas que
Martins Fontes, 2009. conversam com essa perspectiva.
MIRANDA, Fernando. Pós-produção educativa: a possibilidade das
HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e
imagens. Tradução: Danilo Clímaco. In: MARTINS, Raimundo;
G

projetos de trabalho. Tradução: Jussara Haubert Rodrigues.


TOURINHO, Irene (org.). Cultura das imagens: desafios para a arte
e para a educação. Santa Maria: Editora da UFSM, 2012. p. 75-96. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SCHENKEL, Camila. Fotomontagem: desdobramentos de um MOSSI, Cristian Poletti. Notas disparadoras para a criação de projetos
processo centenário de mestiçagem. In: CATTANI, Icleia Borsa de ensino em educação das artes visuais. Revista Cadernos
(org.). Mestiçagens na arte contemporânea. Porto Alegre: de Pesquisa: Pensamento Educacional. Curitiba, v. 11, n. 29,
Editora da UFRGS, 2007. p. 89-100. p. 133-150, 2016. Disponível em: <https://seer.utp.br/index.
php/a/article/view/455>. Acesso em: 17 set. 2020.

Processos artísticos NASCIMENTO, Erinaldo Alves. Representações da morte para


aproximar a escola da vida: uma experiência com a cultura
Processos de Bruscky são abordados por Strecker, e os Pa- visual no ensino básico. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO,
rangolés de Oiticica e Tapumes de Oliveira são comentados em Irene (org.). Educação da cultura visual: narrativas de ensino e
verbetes da Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasilei- pesquisa. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2009.
ras. Baltar, Meireles e Heráclito falam em entrevistas sobre seus ZORDAN, Paola. Concepções didáticas e perspectivas teóricas para o
fazeres artísticos.
ensino das Artes Visuais. Revista Linhas, v. 6, n. 1, p. 1-11, 2005.
BALTAR, Brígida. Arte visual da carioca Brígida Baltar se mistura ao Disponível em: <https://www.periodicos.udesc.br/index.php/
Brasil das olarias populares do Cariri cearense. [Conversa entre linhas/article/view/1265/1076>. Acesso em: 16 set. 2020.

25
Referências complementares

D
As referências a seguir foram sugeridas no decorrer do livro e podem ser encontradas no boxe Para outras
conexões. Estão organizadas pela ordem dos capítulos.

Capítulo 1

L
Neste capítulo, sugerimos conexões com projetos e pesquisas que ampliem relações com planejamentos de
aula e contextos educativos.
BARBIERI, Stela. Projeto-lugares. 2014-2015. Disponível em: <http://www.stelabarbieri.com.br/arquivos/portfolio_

N
lugares.pdf>. Acesso em: 16 set. 2020.
História do Ensino da Arte no Brasil. Innovatio Laboratório de Artes e Tecnologias para Educação, EBA-UFMG, cor,
20 min, 2012. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=KyjPjAM784o>. Acesso em: 16 set. 2020.

Capítulo 2

P
Neste capítulo, sugerimos conexões voltadas às diversidades culturais, incluindo questões indígenas, afro-
-brasileiras, de gênero e de inclusão de pessoas com deficiência.
ARTESANIA. Direção: Rosa Melo. Cor, 26 min, Documentário. Série Brasil Visual, temporada 1, ep. 6, 2016. Disponível
em: <http://www.brasilvisual.art.br/portfolio/artesania/>. Acesso em: 16 set. 2020.
ALMOFADINHAS. Almofadinhas, s/d. Site do coletivo. Disponível em: <http://almofadinhasbr.blogspot.com/>. Acesso
IA
em: 23 set. 2020.
ACERVO Etnográfico dos Povos Indígenas no Brasil. Tainacan Museu do Índio. Funai, s/d. Disponível em: <http://
tainacan.museudoindio.gov.br>. Acesso em: 13 jul. 2020.
CAO GUIMARÃES. Cao Guimarães, s/d. Página inicial. Disponível em: <http://www.caoguimaraes.com>. Acesso em:
23 set. 2020.
COLETIVO KÓKIR. Sustento/voracidade (Catálogo da exposição do Coletivo Kókir). In: SANTOS, Tadeu dos; SOUZA,
Sheilla et al. (org.). Curitiba: Edição do autor, 2016. 64 p. Disponível em: <http://www.olharcomum.com.br/wp-
content/uploads/2016/10/CATAL-KOKIR-2016.pdf>. Acesso em: 23 set. 2020.
DENILSON BANIWA. Denilson Baniwa, s/d. Página inicial. Disponível em: <https://www.behance.net/denilsonbaniwa>.
U

Acesso em: 23 set. 2020.


DENILSON BANIWA. Prêmio PIPA, 2019. Página de apresentação do artista. Disponível em: <https://www.premiopipa.
com/denilson-baniwa/>. Acesso em: 23 set. 2020.
FÁBIO CARVALHO. Portfólio, s/d. Página inicial. Disponível em: <https://www.behance.net/denilsonbaniwa>.
Acesso em: 23 set. 2020.
G

FESTAS POPULARES DO BRASIL. Festas Populares do Brasil. Seção do Portal São Francisco. Disponível em: <https://
www.portalsaofrancisco.com.br/>. Acesso em: 23 set. 2020.
GAI, Daniele Noal; MIANES, Felipe Leão. Experimentações fotocartográficas e deficiência visual: para pensar contra-
sensos em educação. In: Anais da IX Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação - Região Sul. Caxias do Sul: ANPED SUL / FORPRED / UCS, 2012, 11p. Disponível em: <http://www.ucs.
br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/view/2871/0>. Acesso em: 9 jul. 2020.
GUERRILLA GIRLS. Guerrilla Girls, 2020. Página inicial. Disponível em: <https://www.guerrillagirls.com/>. Acesso em:
23 set. 2020.
ÌROHÌN. Centro de Documentação, Comunicação e Memória Afro-Brasileira, 1996-2018. Página inicial. Disponível em:
<https://irohin.org.br/>. Acesso em: 23 set. 2020.
JANGADA BRASIL. Jangada Brasil: a cara e a alma brasileiras, s/d. Página inicial. Disponível em: <http://www.
jangadabrasil.com.br>. Acesso em: 23 set. 2020.
Los colores de las flores. Direção: Miguel Santesmases, Madri: JWT / Fundación ONCE. Cor, 4 min, 2011. Disponível
em: <https://vimeo.com/18468053>. Acesso em: 6 jun. 2020.
MUSEU DO ÍNDIO. Funai, s/d. Disponível em: <http://www.museudoindio.gov.br>. Acesso em: 23 maio 2020.
PACHAMAMA EDITORA, Aline Rochedo Pachamama. Página inicial. Disponível em: <https://www.pachamamaeditora.
com.br/>. Acesso em: 3 jun. 2020.

26
D
POVOS INDÍGENAS NO BRASIL. Instituto Socioambiental (ISA). Página inicial. Disponível em: <https://pib.
socioambiental.org/pt/P%C3%A1gina_principal>. Acesso em: 23 set. 2020.
PROJETO FOLCLORE. Unicamp. Página inicial. Disponível em: <https://www.unicamp.br/folclore/>. Acesso em: 23 set. 2020.

L
QUEIROZ, Marco Antonio. Percepções de um cego: imagem e beleza. Bengala Legal, áudio, 9 min. 2006. Disponível
em: <http://www.bengalalegal.com/percepcoes#som>. Acesso em: 6 jun. 2020.
ROCHA, Maria Céu; LOPONTE, Luciana Gruppelli. Lorenza Böttner: a potência de um corpo que perturba. Porto
Alegre: ArteVersa, UFRGS, 2019. Disponível em: <https://www.ufrgs.br/arteversa/>. Acesso em: 7 jun. 2020.
TELLUS. Revista Tellus, 2020. Publicações de pesquisas e documentações sobre as populações indígenas. Disponível
em: <https://www.tellus.ucdb.br/tellus>. Acesso em: 23 set. 2020.

N
Capítulo 3
Neste capítulo, sugerimos conexões com imersões tecnológicas e com pesquisas em torno de histórias em
quadrinhos, cinema, educação e culturas juvenis.

P
ALEXA MEADE. Immersed in wonderland, 2020. Página da instalação virtual. Disponível em: <https://www.alexameade.
com/immersedinwonderland>. Acesso em: 23 set. 2020.
ASPAS. Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial. Leopoldina, s/d. Página inicial. Disponível em: <https://
blogdaaspas.blogspot.com/>. Acesso em: 23 set. 2020.
CULT DE CULTURA. Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em Arte Sequencial, Mídias e Cultura Pop, s/d. Programa de
Pós-Graduação em Teologia da Faculdades EST. Disponível em: <https://cultdecultura.wordpress.com/>. Acesso
em: 23 set. 2020.
IA
ERA VIRTUAL. Visitas virtuais imersivas, 2010. Página Inicial. Disponível em: <https://www.eravirtual.org/>. Acesso em:
23 set. 2020.
FRESQUET, Adriana; NORTON, Maíra. Entrevista com Adriana Fresquet. In: Revista Poiésis, v. 13, n. 19, p. 63-74, 2012.
Disponível em: <https://periodicos.uff.br/poiesis/article/view/26916>. Acesso em: 18 set. 2020.
IMAGINÁRIO! s/d. Núcleo de Arte, Mídia e Informação Digital do Curso de Comunicação em Mídias Digitais (Demid/
UFPB). Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). Editora Marca de Fantasia. Disponível em:
<https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/imgn>. Acesso em: 23 set. 2020.
OWW. Occupy White Walls, 2020. Página inicial do jogo. Disponível em: <https://www.oww.io/>. Acesso em: 23 set.
2020.
U

Capítulo 4
Neste capítulo, as outras conexões se voltam a relações da arte com espaços e comunidades, pensando também
em experiências educativas que conversam com projetos de trabalho enquanto estratégia de aprendizagem ativa.
G

CAO GUIMARÃES. Entrevista por Claudiney Ferreira. Programa Jogo de Ideias. Programa 1, parte 2, Belo Horizonte:
Quintal de Gibi, 2011. Disponível em: <https://www.itaucultural.org.br/cao-guimaraes-jogo-de-ideias-2011-
programa-1-parte-2>. Acesso em: 14 maio 2020.
DESCAMINHAR. Salvador: Ecoarte, UFBA, s/d. Página inicial. Disponível em: <http://descaminhar.ecoarte.info>. Acesso
em: 6 jul. 2020.

27
1
CAPÍTULO
Docência e incerteza: projetos

D
de vida para forjar, a cada vez,
outras paisagens e janelas

L
© 2020 JOHANNA GOODMAN
N
P
IA
U
G

GOODMAN, Johanna. Prancha


no 81. 2019. Série Imaginários da
Cidade. Colagem, 30 cm × 40 cm.

28
• Que janelas nos compõem?

D
• Olhos, ouvidos, poros... zonas de contato entre dentro e fora, que a todo momento estão a produzir, um
e outro. Nosso corpo/pensamento pode ser uma janela aberta aos encontros?
• Como explorar essas trocas para forjar conexões que potencializem nossas capacidades, nossos saberes
e nossos desejos dentro dos itinerários atravessados coletivamente no novo Ensino Médio?

L
Sobre paisagens, molduras e janelas
Na carta de apresentação deste livro falamos em janelas, em molduras, perspectivas pelas quais
vamos produzindo sentidos, ao mesmo tempo que criamos as paisagens provisórias que compõem
as artes visuais, a educação das artes visuais e as nossas próprias individualidades como docentes.

N
Nessa perspectiva, nem o fora nem o dentro são fixos; eles estão a todo momento provocando
um ao outro, produzindo outras possibilidades de existência para ambos a cada vez, a cada encontro.
Assim vamos produzindo/criando a nós e ao mundo nesse processo, ao passo que vamos produzindo
zonas de contato, um dentro/fora nunca já dados, mas em constante movimentação e produção/

P
criação pela experimentação do mundo.
Trata-se, portanto, de caminhos de criação de docências que não acontecem desconecta-
dos do traçado de nossos projetos de vida. Um projeto de vida, como trazido aqui, envolve um
plano de ação que permite que pensemos nossas subjetividades e singularidades em meio aos
processos profissionais, ao mesmo tempo que criamos estratégias junto do que potencializa
nossos percursos.
IA
Vamos começar construindo uma janela? Pegue um pedaço de papelão e desenhe um retân-
gulo, quadrado, círculo, ou outra forma que preferir. Recorte esse material de modo que sua parte
interna fique com tampas que possam ser abertas e fechadas. Faça algumas fendas nessas aberturas
para que você possa escolher abrir a janela em diferentes pontos e para diferentes lados, conforme
desejar. Brinque com as possibilidades de abertura e fechamento. Imagine que essa janela é um
“projeto de vida” que você explora em meio à docência. A sua atuação no mundo (na instituição
de ensino e fora dela) como docente é o que faz com que essa janela seja criada, manipulada e
transformada. Escreva algumas palavras relacionadas aos seus percursos no ensino de artes visuais
U

e veja como elas aparecem e somem conforme você movimenta as fendas. Movimente também
seu corpo em torno da janela, insira uma parte de seu corpo na abertura e veja o que muda a partir
desse gesto. Como seu corpo se adapta a essa janela forjada? Foi preciso rasgar ou cortar algo da
janela de papel para que seu corpo se movimentasse melhor ao atravessá-la?
Nossa docência pode ser experienciada como um “canteiro de obras” junto das relações e cone-
G

xões que vamos produzindo com cada estudante, com colegas docentes, com o espaço escolar, com
nossos percursos cotidianos, com nossas leituras, com o mundo.
Segundo Guattari e Rolnik (1996), podemos vivenciar esse processo de produção da nossa sub-
jetividade por duas vias distintas de relação com aquilo que vemos e ouvimos, junto daquilo com
o que nos encontramos em meio à vida. Uma delas está relacionada a uma relação de “alienação”
ou “opressão”, onde reproduzimos aquilo que nos chega, sem problematizarmos, sem criarmos
estratégias para intervir ou forjar outras alternativas – em suma, sem tornar nosso, ou sem escutar
distintas versões para aquilo que vemos e ouvimos. É quando você cria uma janela de formato e
tamanho padrão, sem permitir nenhuma relação desse elemento com seus pensamentos e movi-
mentos. Ou então quando cria uma forma modelo de olhar através dela, sem se permitir experi-
mentá-la de outras formas.
A outra via diz respeito à possibilidade de criação, ou seja, de um “encontro” com aquilo que
vemos e ouvimos, que nos movimenta e aciona um processo de singularização. É quando seu cor-
po se movimenta junto a essa janela forjada e permite mudanças que atendam aos seus desejos e
necessidades de movimento, mesmo que isso acabe por provocar algum abalo na estrutura inicial.

29
A singularização diz também do que movimenta nossos desejos de vida, do que movimenta em
nós uma vitalidade de existir e de fazer existir. Em um mundo repleto de ditos e vistos produtores de

D
uma homogeneização das subjetividades, o processo de singularização pode ser uma maneira de
atentarmos para o que mobiliza, em nós, movimentos de criação de si e do mundo, e também para o
que mobiliza a cada vez essa vitalidade nos coletivos com os quais nos encontrarmos. Esse processo
de singularização torna-se, assim, algo muito importante na criação e operação de nossos projetos
de vida, de um projeto de vida que seja mesmo nosso.

L
Assim, o convite que este capítulo faz é para que possamos investir em projetos de vida em que
tomemos essa posição de quem cria a própria docência. Não intentamos oferecer um modelo nem
receitas de como chegar a um ideal de docente, muitas vezes inalcançável, e que acaba por nos
frustrar por isso. Apostamos aqui nas potências da multiplicidade, da diferença, do diferenciar-se de
si, num processo de produção/criação da docência como uma obra de arte. Nesse processo, cabe a

N
artistas-docentes produzir/criar, estando à espreita daquilo que confere potência e mobiliza fluxos
de criação e junto daquilo que possa funcionar como ferramenta para operar sua docência da forma
mais potente que puder para si e para os coletivos com os quais produz cada aula, cada encontro.
Oferecemos algumas pistas, bem como algumas ferramentas, mas elas não desejam produzir
encaixes perfeitos, nem trazem de antemão um objeto ou um ponto determinado e fixo a se alcançar.

P
Não se querem como molduras fechadas em que a experiência, a vida, devam caber com exatidão.
Essas ferramentas e pistas querem, antes, se aventurar, com cada docente que com elas se encontrar,
por rumos a serem ainda criados, nessa conexão singular. Essas pistas que aqui trazemos estão repletas
de espaços vazios, de reentrâncias, que podem inclusive aumentar de tamanho ao serem remexidas.
Elas são mais afeitas aos encontros, às composições, elas desejam, nesse encontro com cada docente,
produzir outros acontecimentos. Desejam funcionar de outros modos junto ao que podem criar e
IA
movimentar nesse jogo de composições, muito mais do que propriamente ditar as regras do jogo, o
que poderia travar seu movimento.
Essas pistas investem na acolhida da incerteza e no processo improvável que permeia tudo o que
é vivo. Nada querem transmitir ou depositar; em vez disso, desejam produzir contágios e ser conta-
giadas, intentam produzir algo “com”, na relação. É por esse viés que fazemos o convite a explorar as
paisagens que se focam, especialmente, na primeira das quatro dimensões do aprender em arte aqui
abordadas: processos singulares de invenção de si, do outro e do nós (miniprojeto de vida) e na
dimensão 4: mapeamento de processos de avaliação.
U

Uma docência sempre por vir


Abordamos neste subcapítulo o processo de formação docente como uma contínua investigação/
criação de si, trabalhando algumas experimentações/ferramentas que podem ser potentes nesse pro-
G

cesso de investigar-se, pensar-se, criar-se docente. Apostamos também na ideia de “povo docência”
como um espaço de relação e conversação entre docentes.
Pensamos uma formação menor: menor não como algo menos importante, mas como uma po-
tência que é da ordem do singular, de uma formação enquanto experiência e experimentação de si.
Buscamos pensar e articular aqui uma docência não apartada de um movimento investigativo e
criador, uma docência que se coloca à espreita de encontros.
Que elementos poderiam funcionar como aliados para essa criação de si e do mundo?

Investigações e aprendizagens de si Competências gerais: 2, 8

Você já aprendeu algo sem se dar conta, ou sem que alguém lhe ensinasse? Já aprendeu algo a
partir do que alguém lhe apresentou, mas criando conexões totalmente inesperadas e diversas do
ensinado? Com a noção de aprendizagem que trazemos para esta seção, buscamos pensá-la distan-
ciada de uma concepção de transmissão de informações, para operá-la como um processo inventivo,
como encontros com signos que nos instigam a problematizar e criar novos problemas, como um
modo de inventar a si e ao mundo em meio a uma paisagem de incertezas.

30
Encontro com signos

D PICHI CHUANG/REUTERS/FOTOARENA
L
N
P
IA
WEIWEI, Ai. Forever
É na ideia de aprendizagem pelo “encontro com signos” que Gallo (2012), a partir Bicycles. 2011. Taipei Fine
do pensamento do filósofo francês Gilles Deleuze, nos proporá caminhos do aprender Arts Museum.
voltados à criação. Os signos são sinais lançados por tudo aquilo com que nos encon-
tramos no mundo. Aprendemos quando esses sinais nos provocam e movimentam
de algum modo, quando acionam nosso pensar enquanto um movimento de criação.
Segundo Deleuze (2006), o pensamento não acontece de uma forma natural, é sempre
U

a partir de um encontro com signos que ele é forjado.


Para iniciarmos um diálogo sobre essa perspectiva de aprendizagem, imagine-se
aprendendo a andar de bicicleta. Você pode buscar tutoriais na internet, pode rece-
ber todas as orientações possíveis de uma pessoa experiente, mas ainda assim você
dificilmente subirá em uma bicicleta e conseguirá imediatamente começar a pedalar
G

com todo o equilíbrio necessário. Para pedalar, não basta entender as leis físicas que
permitem a um objeto de duas rodas manter-se equilibrado em movimento, ou a
mecânica das rodas impulsionadas pela ação das pernas sobre os pedais. Para andar
de bicicleta você não apenas apreende signos sobre o pedalar, mas promove encon-
tros com eles colocando em diálogo seu corpo e o objeto enquanto se movimentam.
A partir daí, além de aprender a pedalar, você aprende sobre sensações de si e do
mundo ao se deslocar em outras velocidades, ao sentir o vento tocando seu rosto, ao
perceber as oscilações dos terrenos que pesam ou aliviam as forças do pedalar. Isso lhe
traz sensações singulares e diversas de qualquer instrução recebida, ainda que essas
orientações também tenham sido importantes para que esse processo se iniciasse. Você se lembra da última
Assim, aprender não se torna uma apreensão de dados disponíveis no mundo e vez que aprendeu algo?
emitidos por alguém na posição de docente. Aprender se dá na ordem da invenção Em que contexto essa
aprendizagem aconteceu?
de possibilidades para a existência. Pedalar não é a finalidade do aprender, mas a
Como esse processo de
abertura para que outros encontros aconteçam, possibilitando novos movimentos aprender afetou sua relação
para nossas vidas, gerando novas dúvidas, novos desejos e também novos riscos – de com o mundo?
cair, por exemplo.

31
Aprender por imprevistos e paradas

D
Que aprendizagens atravessam nossa formação como docentes? O que se passa quando
nos propomos viver a docência como alguém que, mesmo já tendo diversas experiências
no ambiente educativo, se dedica a aprender outros modos de se deslocar nele?
O que se passa quando pensamos a docência não como uma recognição (es-
tímulo × resposta), ou com uma finalidade idealizada e determinada a se chegar?

L
O que acontece se atentarmos em nossos processos ao que nos instiga à criação de
problemas e não apenas à solução deles? O que acontece se, no lugar de pensarmos
nossas recorrências, pensarmos no que nos faz diferir de nós a cada vez? A partir da
ideia de aprendizagem inventiva, exercitamos algumas ferramentas para operar/
pensar uma docência em constante movimento de investigação/aprendizagem/

N
criação de si.
Virgínia Kastrup é uma das autoras que nos acompanham neste primeiro momento
de travessia: com ela exploramos a noção de aprendizagem inventiva – uma potência
de diferenciação de si. Isso se dá quando não nos restringimos apenas a produzir so-
luções para problemas já existentes, mas quando a invenção de problemas também

P
nos instiga e, com isso, nos deixamos atravessar pela aprendizagem que esse processo
movimenta em nós, constituindo-nos enquanto efeito desse processo. Assim, quando
aprendemos algo, aprendemos também novas formas de nos posicionarmos e produ-
zirmos gestos no mundo.
Cabe mencionar que “problema” não remete aqui a algo propriamente ruim, mas a
algo que é da ordem de uma inquietação, de um movimento que ainda não experimen-
IA
tamos e que, por isso mesmo, necessita ser forjado na própria experiência. Inventar um
problema pode se referir aqui a abraçar algo que pode nos tirar o chão, mas que, nesse
mesmo movimento, pode nos instigar a produzi-lo/criá-lo de outro modo.
Pensamos aqui a aprendizagem como distanciada de uma concepção “que se baseia
na transmissão de informações”; preferimos abordá-la como uma “capacidade de pro-
blematizar, de criar novos problemas” (KASTRUP, 2016, p. 4), de inventar a si e ao mundo.
Invenção, do latim invenire, “significa compor com restos arqueológicos” (KASTRUP, 2004,
Ação artística desenvolvida
por estudantes de Artes
p. 13). Ao cultivarmos algo novo a partir de atualizações do que já existe, produzimos
um jogo de tensões entre as coisas do mundo e o que conseguimos fazer no encontro
U

Visuais da Universidade
Federal de Uberlândia, com elas, considerando que nem elas nem nós sairemos iguais dessa experiência.
em Minas Gerais.

ACERVO PESSOAL
G

32
A todo momento, uma série de discursos nos diz como dade se movimenta. Enquanto algumas pessoas diziam
deve ser uma atuação docente. Discursos que nos levam parar quando se deparavam com algo que lhes provocava

D
a acreditar que, ao concluirmos nossa graduação, teremos curiosidade, que era bonito e inesperado, outras enten-
todas as respostas e seremos capazes de resolver todos diam a parada como indesejada, obrigatória em situações
os problemas. Porém, a aprendizagem não é algo que se extremas de saúde ou desemprego. O ato de parar, para
armazena e se usa como resposta quando um problema algumas pessoas, foi entendido como estagnação, perda
se reapresenta. Aprendemos quando somos capazes de de tempo, enquanto para outras foi imaginado como a

L
seguir explorando novos caminhos, ao experimentarmos possibilidade de descanso ou, ainda, como uma mudança
encontros que alimentam nossas inquietudes. Trabalhar na rotina.
com incertezas pode gerar instabilidade, medo de errar, Como podemos pensar em uma parada que não seja
de expor nossas fragilidades, mas é a partir desse risco que estagnação, mas que seja a vontade de mudar seu ritmo, de
nos deixamos afetar pelo mundo, podendo criar algo nele e se deixar levar pelos convites do acaso? Afinal, para onde

N
em nós em vez de reproduzir as mesmas verdades com os queremos ir quando dizemos que não podemos parar?
mesmos métodos, que nem sempre dão conta de nossas Quando inventamos novos modos de deslocamento,
necessidades, possibilidades e desejos. nossos ritmos mudam. Há paradas, mudanças de postura
A pergunta “O que te faz parar?” foi feita por um grupo e, por vezes, interesses por novas direções. Será que o
de estudantes de Artes Visuais da Universidade Federal aprender precisa estar sempre voltado à chegada em uma

P
de Uberlândia em um exercício poético de diálogo com expectativa futura? Ter um diploma, uma profissão, passar
os transeuntes de uma praça da cidade. Com os corpos em uma universidade etc.? E agora, o que nos move a
pintados, duas estudantes caminhavam entre as pessoas aprender? Poderia ser a vontade de nos inventarmos de
e dialogavam sobre os episódios que as faziam mudar outros modos, de experimentarmos capacidades impen-
seus ritmos, criando pausas em suas rotinas. As respostas sadas, de estarmos em percurso vivendo os prazeres da
recebidas dizem um pouco do modo como nossa socie- mudança constante?
IA

FOTOS: COLEÇÃO PARTICULAR


U
G

MACCHI, Jorge. Buenos Aires Tour. 2004. Livro-objeto, 15,5 cm × 21,5 cm × 6,5 cm.

33
Isso também se relaciona com nossas posturas e gestos como docentes. O que nos
faz parar nossos planejamentos e deixar a aula ser levada por interesses inesperados

D
a partir de uma pergunta, de um comentário, de um acontecimento social importante
para a cidade, para o país, para o mundo ou para um indivíduo, de artefatos culturais
trazidos despretensiosamente por estudantes?
O que somos capazes de aprender com esses encontros e como nos tornamos do-
centes aprendizes de si e do mundo a partir desses imprevistos?

L
A obra Buenos Aires Tour, do artista Jorge Macchi, apresentada na página anterior,
mostra um exercício de atenção e criação com imprevistos. Nessa proposta, ele sobrepõe
uma placa de vidro sobre um mapa da cidade de Buenos Aires (Argentina). Em seguida,
golpeia o vidro, formando nele rachaduras aleatórias que se espalham para diferentes
direções. Sobre o mapa, essas novas linhas se somam a ele, sugerindo outros caminhos

N
para além dos já existentes, mas sobrepostos a eles.
Esse roteiro, nascido do acaso de um vidro trincado, expõe um novo itinerário sobre
o mapa, sem nenhuma regra ou ordenação prévia. Sem criar novas ruas ou paradas, sua
ação faz nascerem caminhos antes inexistentes sobre os trajetos da cidade, os quais
não se prendem aos limites entre espaços públicos ou privados, terrestres ou aquáticos,

P
simplesmente os atravessam.
A partir desses traçados, o artista selecionou seis roteiros e destacou dezenas de
pontos de interesse para serem percorridos, oferecendo informações imagéticas e
escritas sobre eles em um guia impresso.
Perceba que o artista produziu, intencionalmente, uma aleatoriedade para com ela
IA
produzir itinerários organizados. Do imprevisível de um vidro que se racha ele se volta
aos afetos que a experiência já vivida naquela cidade lhe proporciona para sugerir
pontos de parada.
O que acontece se optarmos por seguir esses trajetos aleatórios? Que experiências
inesperadas eles poderão nos trazer?
É quando quebramos os vidros que protegem nossas certezas docentes e orga-
nizamos outros caminhos de atuação que abrimos espaço para aquilo que nos afeta
singularmente, para a aprendizagem de si como docentes, criando itinerários que façam
sentido para nossas vidas e para as vidas de estudantes que nos acompanham, alterando
U

modelos, criando distorções, inserindo atalhos e inventando nossas aprendizagens.

VIVÊNCIA (EM13LGG503)

Aprendendo a andar
G

Experimente se deslocar pelos arredores de sua casa de ção com o espaço. O que você vê? Descubra novos ângu-
uma maneira totalmente nova, manipulando um meio de los de visão, veja se consegue alcançar novas alturas, per-
transporte sobre o qual você ainda não tenha domínio técnico. ceba diferenças nos ângulos do terreno e como isso afeta
Pode ser bicicleta, patins, patinete, skate, carrinho de rolimã… seus movimentos.
Peça a alguém mais experiente que oriente você a usar esse ins- 3. Observe suas relações com o próprio movimento.
trumento novo e aproveite essa oportunidade de explorar um
Sente náuseas? Frio na barriga? Frescor? Suor? Há trepi-
não saber. Durante a experiência, direcione sua atenção para
dações? Em algum momento você sente medo? Como
as orientações a seguir:
lida com esse medo? Escreva como você se sente.
1. Observe sua relação com o instrumento de desloca-
mento. Imagine-se como uma criança que aprende a an- Pense nas inúmeras coisas que envolveram esse processo
dar, buscando pontos de apoio para se equilibrar, calcu- de deslocamento. Que encontros você teve com os signos des-
lando a velocidade para não cair, ajustando seu corpo para se deslocamento? Que perguntas surgiram? O que mudou na
frear, desviar de obstáculos, fazer conversões. Anote todas sua relação com o espaço? Que elementos de seus saberes an-
as descobertas possibilitadas pelas relações entre seu cor- teriores o ajudaram a se deslocar melhor (o conhecimento do
po e o instrumento. terreno, noções de equilíbrio etc.)? Descreva esse percurso des-
2. Quando conseguir se movimentar com mais segurança e tacando os encontros singulares e os pontos de aprendizagem
puder voltar sua atenção para o entorno, observe sua rela- que você construiu.

34
VIVÊNCIA (EM13LGG101)

D
Cartografando docências
Abaixo listamos um conjunto de qualidades que costumam ser atribuídas a diferentes perfis de docentes.
Não defina essas características como boas ou ruins, mas como posturas possíveis à docência em diferentes
situações e contextos, com base em seus saberes, suas subjetividades, seus interesses e suas capacidades.
Sobreponha uma folha transparente a esse conjunto de qualidades. Agora, construa conexões entre essas

L
palavras. Pegue uma caneta e trace linhas entre elas para organizá-las em trios. Não é necessário unir todas as pa-
lavras. Pense: que possíveis docências seriam exercidas por cada conjunto de características que você agrupou?
Com outra cor, pense em novas conexões que componham docências com quatro dessas qualidades.
Trabalhe um pouco com as palavras que você deixou de fora anteriormente. Novamente, converse ou escre-
va sobre essas possíveis docências. Se desejar, insira uma terceira cor e crie conexões da maneira que desejar.
Como essas docências se relacionariam com estudantes, com os espaços e com os conteúdos?

N
Retire a transparência do livro e observe nela os itinerários que você criou. Imagine a docência como uma
cidade ordenada por um mapa que organiza suas distâncias, seus pontos de referência, seus espaços impor-
tantes e desimportantes para visitação. Imagine essas linhas como as rachaduras que você criou ao sugerir
caminhos diversos a serem percorridos. Siga experimentando essa materialidade produzida: você pode preen-
cher com cor algumas combinações geradas, acrescentar outros adjetivos, ver como essas superfícies podem
se atravessar e se superpor. Converse com colegas sobre as relações que você produziu/criou entre esses pro-

P
cessos e os caminhos inventivos de uma docência.

MARCIO LEVYMAN
IA
U
G

Mosaico de qualidades atribuídas a diferentes perfis de docentes.

35
Textualidades e composições para a criação Competências gerais: 4, 8
de docências

D
Se a aprendizagem inventiva nos instiga a pensar o que nos mobiliza a criar em
meio a um processo, que ferramentas poderiam ser potentes para cartografarmos tal
aprendizagem? Tendo em vista essa questão, oferecemos aqui possíveis ferramentas/
estratégias para pensar e operar uma aprendizagem inventiva de si e do mundo.

L
Os biografemas e os diários visuais e/ou textuais, apresentados a seguir, podem
funcionar como vias possíveis, contribuindo para cartografar, “dar língua para afetos
que pedem passagem” (ROLNIK, 2006, p. 23) em nossos processos e corpos docentes,
em meio ao que estamos (docentes e estudantes) vivenciando e experienciando nesse
outro modo de relação com o conhecimento que a BNCC propõe. Nesse contexto

N
de disciplinas integradas por áreas, podemos ir tateando o que for se configurando
como vias potentes para esse processo, bem como criando estratégias para pensar e
articular outras vias com os possíveis desafios que surgirem.

Experiência e espreita

P
Cabe aqui trazermos também para essa conversa outro termo: experiência. Em que
Como produzir um situações costumamos mencionar ou ouvir essa palavra? Nos discursos cotidianos, ela anda
corpo/pensamento mais junto da ideia de uma habilidade em algo ou de um acúmulo de saberes e aprendizados
disponível àquilo que que compõem nossos corpos e pensamentos. Mas e se fizéssemos um giro no modo
não conhece, àquilo
como costumamos nos relacionar com essa palavra, fazendo-a operar de outras maneiras?
que o tira do lugar de
conforto? O que acontece E se ela passasse a operar não mais como um acúmulo, ou habilidade “adquirida”, mas
IA
se deixarmos de tomar como algo da ordem do inaugural, do imprevisível, do irrepetível e do incerto?
a experiência como É por essa janela/perspectiva que o professor e pesquisador Jorge Larrosa
parâmetro ou sentença
(2011, 2016) nos convida a pensar a experiência como um acontecimento da ordem
para vivências docentes
por vir e a tomarmos como do encontro e que, por isso mesmo, não se sabe a priori, não está dado antes que esse
movimento relacional, encontro aconteça.
como um movimento Embora possa acontecer nesses lugares em que atuamos e praticamos a docência,
que vai acionando outros
“a experiência não está do lado da ação, ou da prática, ou da técnica, mas do lado da
possíveis nos encontros
que produzimos? paixão. Por isso a experiência é atenção, escuta, abertura, disponibilidade, sensibilidade,
vulnerabilidade, ex/posição” (LARROSA, 2011, p. 22), e tem a ver, portanto, com nosso
U

grau de abertura e disponibilidade aos encontros e à aventura pelo desconhecido, ao


que nos acontece e nos toca nesses espaços de atuação. É a relação que vai definir que
experiências somos capazes de produzir em cada situação.
A experiência “não pode ser antecipada. Não se pode saber de antemão qual vai
ser o resultado de uma experiência, aonde pode nos conduzir, o que vai fazer de nós”
G

(LARROSA, 2011, p. 19).


VIVÊNCIA (EM13LGG604)

Experiências cotidianas à espreita


CORTESIA DO ARTISTA E DA GALERIA
PETER KILCHMANN

O que as obras El coletor e Zapatos magnéticos, do artista belga


radicado no México Francis Alÿs, nos instigam a pensar sobre expe-
riência, espreita e criação de si na docência? Assista aos registros das
obras em vídeo disponíveis no site do artista: <https://francisalys.
com/the-collector/> e <http://francisalys.com/zapatos-magneticos/>.
Acessos em: 19 nov. 2020.
O que você recolhe em seus percursos cotidianos, na escola e na
vida? O que vai aderindo ao seu corpo/pensamento nessas vivências
cotidianas? Como esses elementos se comportam quando você se mo-
vimenta? O que você perde pelo caminho com o movimento do seu
caminhar? O que esses movimentos dizem de seus processos docen-
ALŸS, Francis. Zapatos magnéticos. 1994. 5a Bienal tes? Que outras perguntas esse vídeo e o texto desta seção lhe convi-
de Havana, Cuba. dam a produzir?

36
Larrosa menciona que muitas coisas passam por nós não se sabe de antemão o que é. Por exemplo, o filósofo
todos os dias, que nunca tivemos tanto acesso a informa- francês Gilles Deleuze menciona, em entrevista concedida

D
ções e também à arte como hoje. Mas, ao mesmo tempo, à jornalista Claire Parnet (1988-1989), que visitava com fre-
quase nada nos toca e nos atravessa como experiência. quência museus de arte e o cinema para ficar à espreita de
Paola Zordan (2005, p. 8) menciona que “a tendência encontros. Ele considerava esses lugares profícuos para ter
contemporânea é que os sujeitos sejam anestesiados [...]. um encontro com uma ideia, com algo que o movimentasse
Anestesiados porque carentes de estesia, ou seja, daquela a criar conceitos (já que o atrator de sua espreita imantava

L
força que movimenta o sentido e o deixa inundar-se pela tudo aquilo que poderia compor com seu exercício criador
qualidade sensível do mundo”. Estaria nosso corpo anes- na filosofia). Então, mesmo sem saber de antemão se esses
tesiado e separado de sua potência de experienciar/sentir encontros aconteceriam, ele partia à espreita deles.
o mundo de outros modos? Dito isso, podemos pensar: qual seria o nosso atra-
tor em um exercício de espreita como docentes? Esses

N
Nas obras El coletor e Zapatos magnéticos, o artista
Francis Alÿs parte da ideia de um objeto magnético que, atratores seriam todos iguais para qualquer docência?
no movimento de seus percursos pela cidade, vai atraindo, Cada pessoa haveria de fabricar seu próprio atrator de
imantando, recolhendo em torno de si fragmentos e restos ideias para a produção de si e do mundo na docência?
metálicos, abandonados, perdidos, esquecidos, que se en- Como produzi-lo?
contram nas ruas da cidade. Entretanto, há na rua diferentes Talvez uma resposta possível seja dar tempo e espaço

P
resquícios de elementos além dos metálicos, que não são para que experiências nos aconteçam, para que nossa
atraídos pelo ímã. Poderíamos pensar, talvez, que o ímã tem atenção possa se voltar para o que nem sempre cabe no
uma matéria específica que é atraída por ele: os signos dos nosso tempo cronológico.
elementos metálicos. Reivindicar um tempo para aquilo que nos afeta,
Essa peculiaridade pode trazer elementos potentes inquieta, perturba, com o que ainda não sabemos dizer,
IA
nas conversações com o exercício de estar à espreita. mostrar, pode ser um meio de criar nosso próprio atrator
Ao estarmos à espreita, ao mesmo tempo que não sabemos de afetos junto da atenção ao que potencializa nosso
com certeza o que vamos encontrar nesse exercício ou que corpo/pensamento nos espaços educativos e também
encontros teremos com ele, há um atrator de algo que fora deles.

VIVÊNCIA (EM13LGG305)

Construindo um atrator singular para ficar à espreita


U

Você vai precisar de um caderninho pequeno, que possa carregar sempre com você, na bolsa
ou no bolso.
1. Comece listando nesse caderninho afetos alegres da docência, coisas que lhe impulsionam e
aumentam sua potência de agir/criar/pensar enquanto docente.
2. Liste também elementos que se configurem como dilemas ou que tenham atuado como entra-
ves, diminuindo sua potência para agir/criar/pensar.
G

3. Reúna nesse caderninho tudo o que puder se conectar de alguma forma a esses elementos/
afetos, lembrando que não é necessário que sejam somente coisas que se relacionem como um
encaixe perfeito ou como representação daqueles afetos, mas que também possam atuar por
tensionamento, desencaixe, disparando vias inusitadas de relação. Recolha o que possa funcionar
como potência junto desses elementos/afetos listados por você – fragmentos de leituras, de mú-
sicas, imagens, falas de estudantes e colegas, gestos, uma brisa, um raio de sol, uma folha caída
no chão... Enfim, tudo o que julgar potente para compor com os elementos/afetos listados por
você. Muitas vezes, esses elementos não têm uma materialidade que possa ser recolhida (como o
vento, o calor do sol, uma brisa, uma sensação). Assim, em alguns momentos você terá o desafio
de criar uma forma de materializá-los.
4. Deixe esses elementos recolhidos descansarem por alguns dias e então reserve um tempo para
perder tempo com eles, um tempo suficiente para que você possa remexê-los a fim de “dar lín-
gua para afetos que pedem passagem” (ROLNIK, 2006, p. 23). Experimente composições com
esses elementos e atente para as inquietações, perguntas, sentido que eles vão produzindo ao
serem movidos de lugar e ao se aproximarem, se sobreporem, se distanciarem uns dos outros.
Que aprendizagens esse processo produz? Como convida a pensar a docência?
5. Encontre um meio de materializar e dar visibilidade ao que eles convidam a pensar.

37
O que importa nesse movimento de escrita e composi- tempo uma ficção, uma memória inventada, podemos
ção é o que se passa conosco ao fazermos essa experiên- pensar que cada fato dito “real” e cada fragmento de vida

D
cia, que sensações perpassam, atravessam nosso corpo vivida são também transformados pela experiência, que
ao escrever e compor algo, como isso nos modifica, nos os rememora e os escreve. Cada retomada é assim, ao
transforma nesse processo... mesmo tempo, uma nova experiência que fazemos do
vivido. É a potência do instante que torna viva, intensa
Ferramentas para a criação de docências essa memória, não como simples rememoração, fato ou

L
verdade, mas como um movimento de criação que é acio-
A seguir oferecemos duas possíveis ferramentas para
nado a cada ocasião.
a criação de docências, as quais foram citadas no início do
tópico: os biografemas e os diários visuais e/ou textuais.
• Biografemática VIVÊNCIA (EM13LGG301)

N
A biografemática, como a própria nomenclatura já Cartas para si – cápsula do tempo
sugere, diz de uma mistura fecunda entre vida e escrita.
Faça uma fotografia sua e a imprima; escreva uma car-
Já vamos adiantar aqui que não é o mesmo que escrita
ta para si, coloque-a em um envelope endereçado a você
biográfica, mas funciona como um vazamento desta, pois, e só abra daqui a um ano. Passado um ano, abra a carta e
diferentemente da biografia, não prioriza uma preocupação responda com outra carta e outra fotografia sua. Você pode

P
com as verdades dos fatos e com uma linearidade narrativa parar por aí ou fazer esse exercício no decorrer dos anos
para dar conta de relatar o vivido como um testemunho seguintes, pelo tempo que quiser ou enquanto funcionar
sobre ele. como potência para você. Se desejar, experimente também
diferentes intervalos de tempo para abrir a carta e respon-
Se acolhermos a provocação da filósofa Viviane Mosé der (meses, anos...).
(2009) de que toda biografia não deixa de ser ao mesmo
IA
CULTIVO (EM13LGG201)

Escritas efêmeras
ACERVO DA ARTISTA

U
G

DARDOT, Marilá. Ir y
volver. 2019. 13a Bienal
de Havana, Cuba.
Performance.

Na obra Ir y volver, a artista mineira Marilá Dardot escreve uma frase com água em um muro da cidade de Matanza, em Cuba. A frase escrita diz
respeito a um verso da poetisa cubana Carilda Oliver Labra, que vivia nessa cidade. A frase, ao passo que é escrita, é também apagada pelo sol, e
então é reescrita pela artista diversas vezes, até que a água chegue ao fim. A cada reescrita da frase, outro conjunto de sons cotidianos atravessa
a passagem do tempo, produzindo outras conexões que tornam cada reescrita única.
Que frase você escreveria e em que superfície? Que frase você desejaria que se apagasse? Qual você desejaria reescrever constantemente na
vida e na docência experimentando-a cada vez de um modo diferente? Escolha uma superfície e experimente esse exercício de escrita com
água (pode ser diretamente com as mãos ou com instrumentos como pincéis, esponjas ou equivalentes). Faça esse convite a estudantes de sua
escola. O que as frases escritas e reescritas, em suas conexões com o cotidiano que cerca essa superfície escolhida, movimentaram a pensar?
O que essa experimentação instigou a pensar sobre memória, vida e escrita?
Escreva algumas linhas por meio desse exercício e convide quem participou da escrita com água a fazer o mesmo. Faça uma roda de conversa
para partilharem as escritas e a experiência vivenciada. O vídeo com a performance encontra-se disponível em: <https://www.mariladardot.
com/2015-now>. Acesso em: 7 dez. 2021.

38
A biografemática pode ser um rastro/escrito desse gesto de vida que se inaugura
a cada vez na própria experiência de escrever a vida. Biografemas são definidos por

D
Roland Barthes como “traços biográficos”. Traços de uma biografia descontínua, feita por
Que frescor um tal exercício
fragmentos e cheia de pontos de dispersão. Escrita que não se dá sobre a vida, mas que biografemático pode trazer
se configura como uma vida-escrita, atuando, assim, não como uma transposição do à vida, à docência e àquilo
vivido, mas tomando a própria escrita como exercício de vida, de fazer viver o instante que recolhemos em nossas
andanças diárias na escola?
em que se escreve.

L
Como pode contribuir
O biografema pode atuar, assim, como um exercício de “fragmentação e pulveriza- para a produção/criação
ção do sujeito” (COSTA, 2010, p. 112), e não como uma sentença sobre um “eu” já dado. de si em meio à docência?
Gesto que insinua a vida, não a limitando com suas linhas de escritas, antes, levando-a O que acontece ao nos
colocarmos disponíveis
até seu ponto de transbordamento. em meio à vida, não

N
A artista carioca Brígida Baltar tem como disparadores de sua poética elementos de testemunhando o vivido,
seu cotidiano e da esfera íntima de suas vivências. Alguns movimentos empregados mas forjando “disparatadas
coleções mundanas”
por ela em sua obra envolvem a questão da coleta de fragmentos de sua própria casa: (COSTA, 2010, p. 113)?
lascas de tinta, poeira, pó de tijolo retirados das paredes de sua casa-ateliê.

P
CORTESIA DA ARTISTA E DA GALERIA NARA ROESLER
IA

BALTAR, Brígida. Abrigo.


Acho que a primeira ação foi transformar o tijolo da casa que eu vivi em pó. 1996. Foto-ação.
U

[...] Foram muitos tijolos e algumas paredes. Isso foi se traduzindo para mim
num sentido de desaparecimento de algo que, a princípio, é bastante sólido.
Afinal a ideia de propriedade pode ser muito fixa e estável. É como se em pó a
casa pudesse viajar para outros lugares. E depois este pó podia também servir
para outros fins, outras construções, outras paisagens.
G

Brígida Baltar (BALTAR, 2008, n/p)


Entrevista concedida a Marcelo Campos, 2008, Centro Cultural Banco do Nordeste.

O biografema não seleciona da vida apenas aqueles fatos “dignos” de uma bio-
grafia. Ele atenta também para as potências das “banalidades” cotidianas. Luciano
Bedin da Costa, em sua tese, fala em uma leitura biografemática que diz respeito
a “colocar-se diante dos signos da vida com paixões e curiosidades” (COSTA, 2010,
p. 123). “Signos” compreendem aqui tudo aquilo que nos chega pelos sentidos do
nosso corpo (visão, audição, tato, olfato, paladar). Signos que podem dizer de fatos e
evidências de uma vida, mas também daqueles traços residuais, considerados muitas
vezes desimportantes.
Susana Oliveira Dias, no prefácio do livro Des-loucar-se (2018), fala de um chamado O que podemos aprender
de docência com o gesto
a escrever. Um chamado que não termina com a escrita, mas que se abre a uma “plu-
da artista Brígida Baltar
ridirecionalidade [...] porque se trata de um convite a uma escuta de si, uma escuta de colecionar
da cidade, do corpo, da Terra”, do que se passa em meio a uma experiência educativa, algo improvável?
“uma escuta da vontade de vida” (DIAS, 2018, n/p). Talvez, o convite que um exercício

39
biografemático nos faz seja este: “exercitar a escrita como arte de pedir licença para
escutar uma vida [e uma docência] em nascença constante, fugidia, desloucada” (DIAS,

D
2018, n/p, acréscimos nossos).
Que signos em meio aos
seus percursos rotineiros
pode produzir esse PARA OUTRAS CONEXÕES
chamado a escrever
e a escutar a si? Indicamos a leitura do poema “O apanhador de desperdícios”, de Manoel de Barros.

L
Você pode pesquisá-lo numa biblioteca ou na internet. (BARROS, 2015)

VIVÊNCIA (EM13LGG301)

Convite a colecionar banalidades e aprender de si

N
Convidamos você a espreitar esses possíveis chamados em seu dia a dia na escola e a fazer
uma leitura biografemática daquilo que permeia seu cotidiano. Você pode começar recolhen-
do banalidades [ou “desperdícios”, como escreve Manoel de Barros (2015, p. 149) no poema
“O apanhador de desperdícios”], que possam acionar fagulhas de escrita… Que banalidades e
desperdícios? Qualquer elemento corriqueiro encontrado em suas andanças cotidianas que possa

P
produzir alguma relação, aparente ou não, com as situações vividas no dia a dia com a docência.
1. Colecione banalidades cotidianas da escola e de suas aulas durante um mês.
2. Disponha essa coleção sobre uma mesa, no chão ou em qualquer superfície que desejar e
remexa esses guardados por alguns instantes… Que forças de vida se agitam ali?
3. Escolha algum desses elementos ou um conjunto deles e inicie uma escrita com “Isto para
mim...” (COSTA, 2010, p. 114).
IA
Não se preocupe em escrever um texto que tenha início, meio e fim, desvie-se de fazer jul-
gamentos sobre o que for escrever, deixe-se levar pela escrita e pelo que ela movimenta
você a pensar. Se preferir escreva por pequenos fragmentos. Não é necessário concluir a
escrita em um único dia, é possível retornar à sua coleção em diferentes momentos, sem-
pre que desejar estar e se deixar dispersar com elas.
4. O que esse exercício lhe permitiu aprender sobre você?

VIVÊNCIA (EM13LGG104), (EM13LGG301)

Exercício biografemático com fotografia


U

Explore com câmera fotográfica diferentes perspectivas e ângulos para olhar para a escola
onde você trabalha. Escolha uma dessas fotografias e escreva algumas linhas, deixando que a
escrita acompanhe os movimentos dos seus pensamentos, experimentando o que esses dife-
rentes ângulos e perspectivas lhe convidam a pensar e aprender sobre esse espaço habitado
cotidianamente por você, buscando pensar também o que ele diz de você.
G

Um biografema é sempre um desdobramento plural. Assim, se considerarmos a


docência algo que não tem um fim ou uma forma correta a chegar, a se formar, mas
sim um processo em constante movimento, o exercício biografemático pode funcionar
como um ensaiar-se de diferentes modos por meio da escrita, um modo de colecionar
pedaços pulsantes de vida, de versões de si. A biografemática pode ser, assim, um
inventário vivo de escritos de vida parciais.
• Diários visuais e/ou textuais
Essa estratégia investigativa de si nasce com as pesquisas desenvolvidas pela pes-
quisadora Marilda Oliveira de Oliveira na Universidade Federal de Santa Maria, junto de
seus estudos em Zabalza (2004) e Porlán e Martín (1997) e em experimentações com
diários produzidas com as turmas de Estágio Curricular Supervisionado do Curso de
Licenciatura em Artes Visuais da instituição: os diários da prática pedagógica – dpps
(OLIVEIRA, 2013, 2014), também conhecidos como diários de aula (OLIVEIRA, 2014) e
diários visuais e/ou textuais (CARDONETTI; OLIVEIRA, 2015).

40
Os diários visuais e/ou textuais operam como um meio de cartografar nossos próprios processos,
acionando problematizações pela articulação das experiências educativas vivenciadas com imagem

D
e escritas, e também com o formato visual que elegemos ou criamos para dar língua aos afetos,
inquietações, desafios e dilemas que pedem passagem em um processo formativo na docência.
Assim, o diário visual e/ou textual pode atuar como um potente exercício para movimentar nosso
corpo/pensamento em uma formação contínua em obra infinita.

L
COLEÇÃO PARTICULAR

COLEÇÃO PARTICULAR
N
P
IA
Diário visual e/ou textual produzido pela estudante Beatriz Naomi Ichiba, do Curso Diário de Psicologia
de Licenciatura em Artes Visuais da Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2018. da Arte produzido
pelas estudantes
Marcia Ramos
COLEÇÃO PARTICULAR

e Ana Maria
Pereira, do Curso
de Licenciatura
em Artes Visuais
da Universidade
U

Federal de
Uberlândia, Minas
Gerais, 2018.

Diário visual e/ou


textual produzido
G

pela estudante
Ana Julia Preza de
Campos, do Curso
de Licenciatura
em Artes Visuais
da Universidade
Estadual de Maringá,
Paraná, 2018.

Exercícios para a criação de si com os diários visuais e/ou textuais


Listamos a seguir alguns motivos que nos levam a lançar esse convite de criação de si com os
diários visuais e/ou textuais:
• Recolher elementos que nos afetam em meio às aulas (e também em meio à vida) pode ser uma
maneira de nos encontrarmos outra vez com eles e de outro modo, produzindo conexões distintas
e inventando outras ressonâncias e encontros com a arte, com estudantes, com a docência.
• Remexer com esses elementos que recolhemos pode ser uma maneira de reivindicarmos e abrirmos
um tempo para nós em meio à correria cotidiana para que, assim, desacelerando, possamos pensar

41
e ter outros encontros com o que nos afetou em meio às da travessia docente (em meio às aulas e aos percursos co-
nossas aulas, pensando estratégias junto dos dilemas e tidianos) e com a materialidade e o formato escolhidos para

D
entraves que se colocam em nosso percurso. a produção do diário. Ela está mais relacionada a articular
• Nesse gesto, podemos recuperar em nós um desses e combinar, ao nosso modo, o que foi colecionado desse
espaços de criação de si. processo nas nossas experiências educativas e do formato
• Ao pensar, em versões textuais e/ou visuais, a experiência escolhido/inventado para abrigar essas articulações.
educativa vivenciada por nós junto a estudantes no espaço Cabe a provocação de que ele não fique amarrado

L
escolar, encontramos outros meios de movimentar o apenas ao formato corriqueiro: um caderno ou livro linear.
pensamento. O pensamento não é natural, não acontece Ele pode se desdobrar em inúmeras formas possíveis, pode
se não for provocado por algo, por algum signo que o ser uma teia, uma performance, uma roupa, uma instalação,
force a pensar (DELEUZE, 2006). Imagens e escritas podem uma história em quadrinhos, um móbile, um jogo, uma
funcionar como esses signos que nos movimentam a forjar intervenção ou mesmo um formato que ainda não tenha

N
um modo singular de pensarmos e criarmos nosso próprio um nome definido.
processo em nossa travessia docente. O formato será forjado nessa lida com os elementos
As narrativas que compõem a produção de um diário recolhidos e nas potências de articulação com o vivido que
visual e/ou textual não são trazidas apenas enquanto um ele propõe. Cada pessoa há de inventar, assim, um meio, um
movimento de relato do que aconteceu, mas dizem respeito formato que converse mais com seu processo, para dizer

P
a outros encontros e caminhos que são disparados pela daquilo que lhe aconteceu e atravessou em meio à sua for-
própria lida com os elementos colecionados no decorrer mação docente, em suas experiências educativas e de vida.

COLEÇÃO PARTICULAR
IA
Diário de Psicologia
da Arte produzido
pelos estudantes
Raquel Lettich e
Marcos Reis, do Curso
de Licenciatura em
U

Artes Visuais da
Universidade Federal
de Uberlândia,
Minas Gerais, 2018.
COLEÇÃO PARTICULAR

COLEÇÃO PARTICULAR
G

Diário visual e/ou


textual em forma de
cordel produzido
pela estudante
Carina Seron da
Fonseca, do Curso
de Licenciatura
em Artes Visuais
da Universidade
Estadual de Maringá,
Paraná, 2018.

42
Embora abarque um processo de criação, algumas pistas e desafios são lançados para
movimentar essa produção. As pistas e desafios listados a seguir partem dos escritos de

D
Cardonetti e Oliveira (2015) – cabe mencionar que originalmente são seis eixos que comportam
a experiência com os diários visuais e/ou textuais na formação inicial na universidade. Fizemos
algumas adaptações e trouxemos aqui quatro pistas que podem ser potentes para operar tal
exercício como uma ferramenta de formação continuada.

Pistas para a produção do seu diário

L
• Dilemas – Os dilemas se configuram como “o conjunto de aspectos que o professor apresenta
como problemáticos e que constroem para ele um foco constante de preocupação, incerteza
ou reflexão” (ZABALZA, 2004, p. 59). Problemático aqui não diz respeito a algo propriamente
negativo; é entendido, sim, como uma potência de inquietude, de uma problematização,

N
de algo que desejamos pensar com mais atenção. Que elementos em minha formação e
em minhas experiências educativas se insinuam como dilema?
• Respingos – É “como” aquilo que recolhemos de nossas experiências educativas e da vida
nos afeta, como respinga em nós. São respingos de leituras, de encontros com imagens (de
arte ou não, fixas ou em movimento), de encontros ou conversas cotidianas com colegas de

P
profissão, das aulas na escola (falas, imagens, gestos de estudantes), de eventos, palestras,
cursos de que tenhamos participado, enfim, tudo o que sentimos que respinga de algum
modo em nossa formação e a afeta. Como o outro afeta minha formação docente?
Que inquietações se produzem? Como instigam a pensar meu processo formativo?
• Desafio 1: Formato não linear e não cronológico – Geralmente “buscamos estruturar nosso
pensamento de forma sequencial, fragmentando-o em gavetas com datas e hora marcada,
IA
esquecendo que as coisas evadem, extravasam e rompem” (CARDONETTI; OLIVEIRA, 2015,
p. 64), escapando ao que uma estrutura busca conformar. Ao fazermos uso da escrita e
da imagem de forma não linear e não cronológica, propomos um giro que nos desafia a
forjar outros modos de organizar o pensamento. Como seria narrar/contar/articular uma
experiência formativa de forma não linear e não cronológica? Que outros movimentos
essa experiência pode acionar em nosso corpo/pensamento?
• Desafio 2: Tensionamento e conversação entre texto e imagem – É comum vermos
a imagem sendo empregada em diferentes meios e lugares como ilustração. Mas como
U

seria se a utilizássemos de outros modos, sem ilustrar ou reforçar o que um texto diz?
É esse o segundo desafio que lançamos com esse exercício, trazer a imagem e a escrita em
suas potências de relação, que convidam uma e outra a outras possibilidades de existir,
observando assim que uma não se sobreponha à outra e que não tenham o objetivo de
representar nem ilustrar uma a outra, mas que atuem, sim, em uma composição na qual
G

ambas necessitem estar ali para produzir sentidos e quem sabe acionar sentidos que ainda
estão por vir, que serão disparados a partir do encontro com quem se deparar com nossa
produção. Como afirmam Cardonetti e Oliveira (2015, p. 59, acréscimos nossos), “a imagem,
quando não tem o propósito de ilustrar a narrativa textual, possibilita [...] [a produção de
outros sentidos], sinalizando outros elementos que talvez fossem imperceptíveis se tivessem
sido apresentados de outra maneira”. Como compor com imagem e texto, sem que um
represente o outro, sem que o texto descreva a imagem e sem que a imagem ilustre
o texto? Como produzir uma relação de tensionamento em que a imagem arraste o
texto e o texto arraste a imagem para outras produções de sentido?

Outra ação potente junto aos diários visuais e/ou textuais é produzir momentos de partilha
deles com um coletivo que esteja vivenciando junto esse processo de produção. Compartilhar
ou apresentar o diário visual em processo a um grupo (que pode ser de colegas de área, colegas
da escola ou estudantes) permite que outros atravessamentos ocorram, e nessa conversação
podemos também movimentar essa produção, tanto do diário como de si. Com esse e com
outros propósitos, na seção seguinte, apresentamos algumas notas sobre a criação de um
povo docência.

43
A criação de espaços para um “povo docência” Competências gerais: 6, 10

D
Com a proposta desta seção, sugerimos a criação de
STELA BARBIERI

um espaço de encontro e conversação entre pares, a fim de


partilhar dilemas, desejos, projetos de vida e de docência.
Um “espaço para criar espaço” enquanto possibilidade de

L
encontros e de criação de um “povo docência”. Um espaço
em que possamos sentir um acolhimento mútuo ao mes-
mo tempo que essa conversação coletiva nos movimenta.
Espaço em que possamos gerar movimentos transversais,
tão necessários também a um trabalho de ensino conjunto

N
da área, como propõe a BNCC.

Conversações que forjam coletividades


É junto da noção de “povo criança” que fazemos
uma torção conceitual para pensar um povo docência.

P
Silvio Gallo fala sobre um povo criança a partir de Alain
(pseudônimo do filósofo francês Emile Chartier). O povo
criança é criado na relação cotidiana, em meio a um existir
junto entre crianças que a instituição escolar aciona, permi-
tindo que “nessa relação entre iguais” (GALLO, 2013, p. 210)
as crianças possam pensar, produzir, criar. Segundo Gallo
IA
(2013, p. 210), “a noção de povo criança pensa a infância
em suas potências e possibilidades próprias”, e não em um
modelo no qual ela deva se encaixar.
Não há um povo docência pronto, é preciso forjá-lo.
Um povo docência não se cria por obrigação ou por bu-
rocracias, mas por afetos e conexões. Zonas de contato,
de escuta, partilhas, conversações, nas quais não há uma
busca por uma homogeneização, padronização ou um
U

BARBIERI, Stela. Lugar para criar espaços. Portfólio Projeto consenso a se chegar; é antes o dissenso que aproxima,
Lugares, 2014-2015, p. 20.
agencia e ao mesmo tempo desloca cada corpo/pensa-
mento nesse coletivo.
Fazer a travessia com alguém que também está passando por processos semelhantes,
conversar sobre dilemas, desafios e desejos pode ser um meio de afirmar as singulari-
G

Com "povo docência", dades de cada pessoa ao mesmo tempo que se partilham e problematizam dilemas e
queremos dizer o que se desafios enfrentados no individual. Ao pensar essas questões no coletivo e colocá-las
cria “entre docências” nesse em conversação, criam-se estratégias, pensam-se [im]possíveis, cria-se um povo do-
espaço de partilhas e de cência, não como massa homogênea, mas como um coletivo que muda de natureza e
conversações entre iguais,
iguais por partilharem configuração ao passo que vão se produzindo conexões (com leituras, textos, imagens,
da mesma profissão e por com quem faz conosco a travessia).
habitarem e dividirem um Criar espaços para conversações é também devolver à conversa o frescor da escuta.
espaço comum: a escola.
Não fazer da conversa um monólogo é estar disponível e se abrir para conversar com
o que não dominamos, com o que ainda não sabemos e também com o que não que-
remos conversar. “Conversar sobre o que fazemos, sobre o que sentimos com aquilo
que fazemos, conversar sobre o ler, o escrever, o pensar, o olhar, o perceber, o imaginar”
(SKLIAR, 2014, p. 206), o educar, o viver.
A artista e curadora educativa Stela Barbieri, com o Projeto Lugares, une arte e expe-
riência educativa no que ela chama de obras-oficinas. Convida-nos, assim, a experienciar
a obra como um processo, disparando também problematizações quanto ao modo
como nos relacionamos conosco e com o mundo na vida contemporânea. Instiga-nos

44
a pensar certa tendência ao automatismo que atravessa nossas ações cotidianas, “au-
tomatismo que nos deixa dispersos” e que faz com que acabemos produzindo “uma

D
ação pensando em outra” (BARBIERI, 2014-2015, n/p), impedindo-nos, muitas vezes, de
Que espaços possíveis
estarmos presentes e incorporados às ações que desenvolvemos. e impossíveis podemos
Nas palavras da artista, as obras-oficinas convidam a constituir “campos de presen- inventar junto da escuta
ça”, esses “espaços que nos fazem estar entregues e presentes [...].” (BARBIERI, 2014- ao que os lugares que
-2015, n/p). Arte é assim “uma das possibilidades para que isso aconteça”, mas também habitamos têm a nos dizer?

L
Que espaços podemos criar
é possível experienciar esses deslocamentos “não exclusivamente com as obras de com quem faz conosco essa
arte, mas com situações cotidianas” (BARBIERI, 2014-2015, n/p), com os movimentos travessia na docência?
que são gerados pelos encontros no nosso corpo/pensamento e que os convidam a
experienciar deslocamentos.

N
PARA OUTRAS CONEXÕES
Você pode acessar mais sobre esse projeto procurando pelo título “Projeto Lugares” nos
canais de vídeo da autora Stela Barbieri e também nos portfólios da artista, disponíveis em
<http://www.stelabarbieri.com.br>. Acesso em: 2 dez. 2020.

P
As obras-oficinas nos convidam a experienciar outra dimensão da arte que não é a
do objeto pronto para ser contemplado. Elas nos convidam a habitar a imprevisibilidade
Que espaços para conexões
de um processo de criação que não está dado de antemão. Um processo de criação
(para acolher outros
coletiva que envolve espaços de escuta e de tato, de contato, que implicam conversa- componentes curriculares
ções, partilhas e trocas. da área) podemos criar
IA
Podemos pensar a docência também por essa dimensão: pela parte em que ainda em meio às artes visuais?
Que espaços podemos
não está pronta, dimensão em que é necessário produzi-la a cada vez. Pelo viés de uma
forjar em meio aos outros
docência que necessita forjar-se e que ao mesmo tempo necessita criar espaços para a componentes curriculares
produção de si. Carlos Skliar (2014, p. 201) nos traz a seguinte provocação: “as escolas não da área para habitar com
estão prontas, é preciso fazê-las”. Com ele, podemos pensar possibilidades de produzir a arte? Que conversações,
escolas, assim, no plural e – por que não? – produzirmos a nós no plural e coletivamente. negociações, escutas,
contatos são possíveis?
Espaços de contato e criação de si
U
STELA BARBIERI

BARBIERI, Stela. Lugar


para criar espaços.
Portfólio Projeto Lugares,
2014-2015, p. 47.

45
Ao propormos nesta seção a “criação de espaços para um povo docência”, não queremos
com isso configurar uma delimitação estritamente fechada e instituída de espaço, pelo

D
menos não de forma definitiva. Intentamos, antes, propor uma abertura de espaços onde
tudo parece já estar saturado. Possibilitar espaços para a criação de espaços, espaços móveis,
provisórios e infinitamente negociáveis. Espaços que não se estabeleçam como barreiras,
mas como membranas de contato, vivas, permeáveis, disponíveis à afetação, que funcionem
como “interfaces membranosas de agenciamento para microeventos” (BASBAUM, 2013, p.

L
151), como um atrator caótico que ao mesmo tempo possa ser aconchego e abrigo para a
criação, para a escuta, para a partilha e para a conversação.
Sugerimos a criação de espaços de contato enquanto um agrupamento de docências
em suas singularidades, apostando “no potencial transformador de tais processos [...]: o
que se quer aqui é o trânsito afetivo como política de alianças entre aqueles que vibram

N
na dimensão de um combate que é aquele da dinâmica produtiva das ações coletivas”
(BASBAUM, 2013, p. 164). Com a noção de povo docência, pretendemos pensar uma
dimensão coletiva de criação de espaços na docência. Um “não estar só” nessa travessia
como docente.

P
GUSTAVO LOWRY/CORTESIA DA ARTISTA E DA GALERIA
IGNACIO LIPRANDI, BUENOS AIRES
O que docentes podem
criar coletivamente em seus
agenciamentos cotidianos?
Seria possível criar espaços-
-tempo na escola para
forjar um povo docência?
IA
U

DE LEON, Rita Ponce. Mesa de Centro Baixo. 2015. Instalação.


G

VIVÊNCIA (EM13LGG305)

Pistas/provocações para a produção de um povo docência em espaços


de encontros que já existem
Em que situações você se encontra com outros corpos docentes na escola? O que geral-
mente ocupa esses espaços de encontro? Liste um conjunto de alternativas possíveis para a
criação de outros espaços dentro desses onde você já encontra essas pessoas (recreio, reuniões,
Como conversar com um corredores...). Por exemplo, em uma reunião burocrática poderiam ser criados espaços para
mesmo lugar de um jeito conversações e partilhas de experiências? Como uma reunião de docentes de área poderia se
diferente? Como criar um tornar um lugar de encontros e de processos de criação de planos de ensino partilhados, jun-
espaço para criar espaços? to daquilo que mobiliza cada pessoa envolvida, junto do que potencializa cada componente
Como produzir um povo da área nesses encontros? Como esse espaço poderia também funcionar como um meio de
docência que abrace e conversação e avaliação contínua e coletiva desse processo? Avaliação como escuta das po-
coloque em conversação tências, potências que não dizem apenas do que “deu certo”, do que funcionou, mas também
docências, assim, no plural, daquilo que se mostra como sem resposta imediata, daquilo que muitas vezes não queremos
a partir da criação de uma partilhar, das fragilidades que fazem parte também desse processo. O que podemos movimen-
zona de contato? tar com aquilo que julgamos uma fragilidade de nosso processo?

46
VIVÊNCIA (EM13LGG201), (EM13LGG301)

D
Exercícios com biografemas em um caderno andarilho
Os diários visuais e/ou textuais e os biografemas, ao serem partilhados, podem funcionar aqui como po-
tentes aliados nesses momentos de conversação, partilha, criação e avaliação contínua.
O exercício a seguir com biografemas e um caderno andarilho propõe a invenção de outras possibilidades de
produção de encontros em espaços de passagem, como recreios e corredores que habitamos entre uma aula e outra.

L
Chamamos aqui de caderno andarilho um caderno que pode circular dentro de um grupo de docentes. A propos-
ta é que a cada semana uma pessoa leve esse caderno para casa e, caso queira, também para outros lugares.

Propomos com o caderno andarilho cinco movimentos (ou mais)


• Movimento 1 – Exercício de espreita: Fique alerta! Escute (com todos os sentidos do corpo) o que se passa
ao seu redor, em seus percursos, em uma aula. Busque em suas andanças e paragens algum pretexto para

N
escrever com a sua docência.
• Movimento 2 – Exercício biografemático: Escreva! Pense essa escrita como um lugar para a experiência de
si, como uma escrita que acontece ao passo que você escreve; não se preocupe em relatar ou contar algo,
mas tome a escrita como um processo de dar passagem, como um modo de fazer existir algo que você
ainda não sabe bem o que é ou aonde vai chegar.
• Movimento 3 – Deixe um presente para a escrita de quem lhe antecedeu (um escrito seu, uma imagem,

P
um trecho de uma música, a indicação de um filme ou de uma produção artística, uma poesia, enfim, o que
você considerar que pode compor com aquilo que essa pessoa escreveu).
• Movimento 4 – Passe o caderno andarilho para a pessoa (colega/docente) seguinte.
• Movimento 5 – Ao receber novamente o caderno andarilho, tente articular algo na sua escrita a partir do
presente que deixaram para você.
Observação: O caderno pode seguir circulando enquanto funcionar como potência para o grupo.
IA
Encontros podem ser agendados de modo que se possa, em alguns momentos, conversar sobre esse processo.
Um caderno andarilho pode funcionar como um veículo disparador de desejos de encontro e de criação de
outros espaços para uma experiência de si coletiva na escola.

A criação de um povo docência não vai funcionar se estiver atuando como uma obrigação, buro-
cracia ou algo que vai sugar nossas potências de agir. Ao propormos forjar espaços para a criação de
um povo docência, sugerimos essa ação como uma reivindicação de um espaço e um tempo para a
produção de encontros potentes entre docências na escola, que possam funcionar como um meio
U

inventivo e potencializador de estar/criar/pensar coletivamente, produzindo assim espaços de partilha


e produção conjunta de estratégias que nos potencializem em nossos espaços de atuação. Cada povo
docência deve ser forjado no coletivo, e cada coletivo é singular. Assim, cada povo docência deve pen-
sar estratégias que acendam e mantenham o desejo de estar junto. Dessa forma, a principal pista que
podemos oferecer é: experimente nos seus coletivos, só você poderá forjar o caminho mais potente!
G

Espaços de criação na docência


Abordamos aqui o que chamamos de espaços de criação na docência trazendo alguns elementos
para pensar o planejamento de ensino e a produção do plano de aula como espaços de criação não
enrijecidos, com aberturas para acolher as imprevisibilidades e singularidades, abertos também às
inserções de estudantes e colegas de área.
A avaliação também aparece aqui como um estímulo a parar, observar o que foi possível de ser
construído, para, assim, rever percursos, planejar desvios e aprender de si em processo.

Planejamentos e combinações improváveis de uma aula Competências gerais: 2, 6

Como você se prepara para preparar uma aula? O que você lê, vê, explora para esse processo
de criação? Você pesquisa materiais pedagógicos específicos com olhar investigativo, observando
estratégias discursivas, efeitos, defeitos e possíveis recombinações? Além do estudo de sequên-
cias metodológicas, didáticas e temáticas de livros sobre docência e ensino de artes, que outros
elementos compõem seus planejamentos?

47
Mobilizando saberes anteriores

D
A partir de Sandra Corazza (2012), podemos olhar para as formações discursivas e não discur-
sivas que ocupam nossos planejamentos, atentando para quando constituem obstáculos, quando
nos ajudam a conectar ideias, quando e como interferem na execução de nossos planejamentos.
Que discursos educativos fazem, por exemplo, que você sinta frustração? Quando e com que finalidade
esses discursos impõem à aula a necessidade de silêncio ou de fala? Como eles demarcam o que e

L
quando ensinar algo? Perguntarmos como utilizar os recursos educativos, mas também como eles
nos atingem, como movimentam diferentes dinâmicas e necessidades ajuda a não acabarmos nos
soterrando na busca de êxito em atividades e recursos idealizados por outrem.
Dando oportunidades às combinações improváveis, vamos tramando desvios, estirando cordas
até seu esgarçamento, remendando estilhaços pelos espaços vazios entre eles, inventando nossos

N
caminhos. Algumas vezes obtemos isso saturando saberes tradicionais, outras vezes esgotando
críticas aos discursos de poder, outras, deixando de lado valores intelectuais em prol dos intuitivos
(CORAZZA, 2012) e outras vezes ainda fazendo exatamente o oposto disso.
O cuidado necessário é não deixar que uma aula singular se perca em idealizações de aulas-clichês,
encaixadas em molduras de “uma educação ideal”. Deleuze (2007) usa como exemplo o movimento de

P
um pintor diante de uma tela branca. Segundo ele, uma tela branca não está vazia, mas saturada de
tudo o que já foi dito e feito em termos de pintura. Para que algo singular possa ser produzido, o pintor
necessita varrer essa tela até o ponto de abrir brechas, fendas para que algo ainda não dito possa aflorar.
Para que consigamos desenvolver uma aula “nossa”, precisamos de um planejamento que não
inclua apenas conteúdos, métodos, objetivos e avaliação, mas que tenha uma postura de pesquisa
de si e do mundo, fazendo que os deslocamentos (nossos e de estudantes), as escutas, os enganos e
IA
as escolhas sejam envolvidos nesse processo.
Lembrando ainda que a aula não se encerra após cumprido o seu horário. Ela continua em forma
de dúvidas, curiosidades, autoavaliações que nos permitem voltar e continuar de outros modos.
Justamente por não haver um acerto pleno é que nos colocamos em processo contínuo. Que bom
que podemos voltar à mesma sala de aula e experimentar outros modos. Essa é uma grande opor-
tunidade que a docência possibilita.

CORTESIA GALERIA VAN GELDER, AMSTERDÃ, HOLANDA


U
G

GUDMUNDSSON,
Sigurdur. Colagem.
1979.

48
Para desenvolver planos de aula que se abram aos processos de produção dos sa-
beres e não apenas ao acesso a discursos prontos, necessito abandonar meus saberes

D
anteriores? Certamente não é na negação de conteúdos construídos historicamente
que nos tornamos artistas da nossa docência, mas no modo como os tomamos como
narrativas possíveis, não maculadas, que podem ser recombinadas, reavaliadas e con-
textualizadas em sua produção de discursos.
Você provavelmente já estudou e desenvolveu projetos e planos de aula baseados

L
na abordagem triangular, elaborada pela pesquisadora brasileira Ana Mae Barbosa.
Essa abordagem surgiu como uma importante mudança nos caminhos percorridos pelo
ensino de artes a partir dos anos 1980, assumindo maior compromisso com a cultura e a
história, associando contextos sociais e estéticos na aprendizagem artística (BARBOSA,
2002), para além do livre fazer, priorizado até então. Essas mudanças abriram espaço,

N
nas décadas subsequentes, para debates sobre multiculturalismo, cultura visual, desco-
lonialismo e diversas outras inserções do social no ensino de artes, lançando desafios
para que a educação das artes visuais priorizasse caminhos mais contextualizados e
integrados aos contextos das comunidades.
Corazza (2011) indica algumas dessas diferentes posturas adotadas pelas pedagogias

P
do século XX para tentar operar em conversação com os contextos vividos: enquanto
teorias reprodutivistas questionaram formas pedagógicas voltadas unicamente à trans-
missão de conhecimentos de geração para geração, passando a defender a investigação
científica no domínio do saber, surgiram também teorias educacionais emancipatórias,
denunciando quanto essas reproduções do saber tendiam a linguagens dominantes
e hegemônicas, exigindo do docente um posicionamento contestatório. Atualmente,
IA
com o pós-estruturalismo, é também enfatizada a necessidade de olhar para a educação
como uma prática de produção cultural (CORAZZA, 2011). Com isso, há um reconhe-
cimento de que os saberes expressos por nossas posturas na vida social carregam em
seus processos visões de mundo respingadas de interesses diversos para além de uma
dicotomia entre bom e ruim, dominador e dominado.
Diante dessas defesas, docentes muitas vezes adotam, equivocadamente, a ideia de que
é melhor abandonar o planejamento por considerá-lo uma forma autoritária de ensinar,
por acreditar que basta olhar para os interesses da turma e segui-los. Isso se dá quando se
U

esquecem de varrer também os clichês do planejamento, buscando posturas que não o


tornem sistemático e técnico em demasia (impossibilitando a entrada das imprevisibilidades).
Planejando, organizamos conteúdos, mas também discursos, experiências, posturas
políticas e sociais, narrativas... Podemos colocar nossos planos em suspeição, entenden-
do que estamos implicados em interesses políticos e fabricações culturais que não são,
G

de forma alguma, naturais. Esse planejamento envolve a manipulação de informações,


mas também um estudo que instiga a produção de sentidos singulares que compõem
com nossas vozes, vidas, histórias, experiências.
A relação com o tempo surge então como um grande desafio. Como organizamos
os tempos de planejamento e de aula a fim de abrir caminhos para pesquisas singulares?
Como inventar outros espaços-tempo, abrir fendas em rotinas sempre preenchidas, em
tempos que não se dão a perder? Como modificar a velocidade, deixar-se afetar por
perguntas sem resposta? Não se trata de diminuir a velocidade, andando mais devagar.
Trata-se de inventar outras velocidades, de estar “entre”. Na sala de aula há um tempo
cronometrado para que uma aula aconteça. Precisamos povoar esses momentos para
que não nos tornemos reféns desse tempo, para que a experiência não se torne acelerada Como planejar uma aula
ou enfadonha, para que, como alerta Larrosa (2002), possamos construir uma educa- que possibilite paradas,
mesmo em um espaço
ção a partir da relação experiência/sentido, condição na qual aprender não é apenas
curto de tempo? Como
sinônimo de adquirir informações, mas também de permitir que algo nos aconteça. fazer que ela dure além de
O excesso de informações, de opiniões, a velocidade e a falta de silêncio, segundo o seu tempo cronometrado?
autor, impossibilitam que a experiência aconteça. É preciso parar para aprender.

49
há um silêncio que demarca a fronteira entre o ensinado e
Produzindo perceptos e afectos em uma aula
o aprendido. A docência traria, assim, uma capacidade de

D
Para que uma aula se faça experiência, não nos basta lançar convites para que estudantes ocupem os intervalos
saber quais conteúdos são importantes, mas encontrar entre uma imagem e outra, entre uma fala e outra, entre uma
modos de envolver as pessoas em nossas proposições. aula e outra, aprendendo coisas que não coincidem com o
Se buscamos saberes que ultrapassam a informação e não que lhes foi ensinado pois se estendem em outras direções.
cabem em uma avaliação numérica, fazemos isso acreditan-
Sugerimos, a seguir, alguns caminhos para a produção

L
do em aprendizagens nascidas de afectos. Deleuze e Guat-
desses ocos, sem nenhuma intenção de que essas ações
tari (1992) trazem os perceptos e os afectos como blocos
sejam tomadas como diretrizes de como produzir uma boa
de sensações produzidos por artistas. Para que uma arte
aula. Pelo contrário, as lançamos justamente nesse convite
passe a existir, é preciso que sua produção seja movimen-
à continuidade, para que você crie suas brechas a partir e
tada para além das percepções individuais e afetividades
para fora das provocações trazidas aqui:

N
de quem a produziu. A obra pode ganhar outras potências
quando se descola de quem a produziu e adquire, assim, • Pense na construção de repertórios heterogêneos,
vida independente, desprendendo-se da materialidade do que não se limitam a conteúdos, linguagens artísticas ou
objeto ou da identidade e se fazendo, desse modo, bloco inserção no campo das artes, mas por zonas de interesse,
de sensações. É por isso que nos deparamos com imagens que podem emergir de lugares, tempos, perguntas. Isso
tão instigantes feitas por artistas que usam objetos banais, vale tanto para você explorar possibilidades diversas no

P
os quais nunca nos atraíram a atenção dentro do cotidiano. campo das visualidades (do artesanato à arte clássica)
Os perceptos não são as percepções de alguém que quanto na área de Linguagens e suas Tecnologias,
escreve ou ensina ou organiza uma aula. Eles são a criação buscando temas culturais que não se limitam a apenas um
na ausência da autoria. Sensações que nascem de nossas conteúdo programático. O que um filme, uma caminhada,
ações, mas que não necessitam de nós para seguir se trans- uma poesia, uma festa produzem no fazer de um plano
formando. Os afectos são a passagem de um estado a outro de aula?
IA
(DELEUZE; GUATTARI, 1992), são devires, movimentos que • Pense nos possíveis ordenamentos entre essas
fazem do saber um acontecimento, e não uma aquisição, materialidades diversas, experimente fazer conexões
pois possibilitam a criação de outros sentidos por aqueles inesperadas, juntando materiais aleatórios e exercitando
que receberam seu toque. Perceptos e afectos acontecem relações entre eles. Por exemplo, em vez de classificar
naquele momento em que a aula perde a autoria, quando pela técnica que tal artista utiliza ou pelo posicionamento
possibilita que estudantes sigam pensando, construindo, da história da arte, organize pelas distâncias que o
olhando para o mundo com outros questionamentos, mes- corpo percorre na produção da obra, pelos odores que
mo quando já não se está na aula nem há uma avaliação seus processos emitem, pelas texturas, pelos veículos
U

em jogo. de difusão etc. Que debates inusitados essas conexões


Como produzir esses blocos de sensações na educação? possibilitam?
Como movimentar perceptos e afectos em uma aula de artes? • Lance perguntas que funcionem como disparadoras
Focar em ações cujos objetivos se voltem à criação de pensamento, e não como coletoras de informações a
coletiva, à experimentação da arte e da educação como respeito das imagens. Isso diz respeito tanto às perguntas
G

provocadora de questionamentos, por meio de imagens, que você leva para a aula quanto às respostas que dará às
escritas, leituras que nos desloquem, pode fazer que o es- dúvidas de estudantes. Perguntas que permitam pensar
tado de dúvida adquira mais importância que a resolução sobre o assunto, investigar possibilidades, explorar
de um problema, abrindo caminhos para a criação. diferentes pontos de vista.
• Evite atuar sempre no mesmo percurso de ação. Evite
reproduzir constantemente sequências que deram
certo. Um dia você leva uma imagem ou vídeo, em outro
O que alimenta em nós o desejo de aprender quando você leva uma pergunta, em outro estudantes levam as
ninguém está nos olhando, nos avaliando, nos julgando?
imagens e perguntas. Em outros ninguém leva nada, e
O que nos faz querer permanecer em uma aula?
O que nos move a seguir pesquisando e produzindo vocês constroem em conjunto o conteúdo por meio de
fora do espaço-tempo escolar? um passeio, de uma meditação, de uma mudança no
espaço. Não se fixe na ideia de que tem de haver uma
teoria a preceder a prática, de que um debate precisa
Elizabeth Ellsworth (2012) é uma pesquisadora esta- resultar em uma produção artística, de que é preciso
dunidense que trabalha questões educativas com base na antes contextualizar para depois acessar uma obra.
ideia de aprendizagem de si em processo. Segundo ela, Cada aula pede um caminho singular.

50
• Abra espaço para outras inserções, trazidas por estudantes. Tenha sempre objetivos, mas que
esses objetivos estejam abertos aos imprevistos, permitindo que o grupo de estudantes se sinta

D
parte do acontecimento de uma aula. Para isso, priorize objetivos que se voltem à criação de
singularidades, e não a expectativas que determinem os limites do correto. Por exemplo, em vez de
ter como único objetivo aprender o que é impressionismo, pense na construção do que pode ser
uma impressão, para além das artes visuais, voltando-se aos usos do termo na contemporaneidade,
acionando mecanismos de interesse e desejo (que pode saltar de uma impressão gráfica ao ato de

L
impressionar alguém) antes de delimitar informações sobre obras e artistas.
• Faça da pesquisa uma prática inerente ao aprender. Não pense que você deve saber tudo e oferecer
todas as fontes necessárias ao saber de cada aula. Incentive que estudantes explorem diferentes fontes,
analisem quais oferecem dados mais interessantes e confiáveis, permitindo que inventem caminhos
diferentes dos seus. Criem conjuntamente diálogos entre o que você leva e o que acessam e criam

N
em outros contextos. Permita que cada aula seja um processo de criação, mesmo aquelas voltadas
apenas ao debate, à leitura ou ao encontro com imagens.

VIVÊNCIA (EM13LGG501)

P
Provocando e deslocando comportamentos em cotidianos automatizados
Sente-se em um local onde seja possível ver o fluxo de pessoas (na sua casa, na sua rua, no supermercado
etc.). Anote como elas se movimentam. Onde elas permanecem por mais tempo? Que ações fazem automa-
ticamente e quais são fruto de planejamento e organização?
Observe isso também em você. Como você se movimenta nesse local, que caminhos percorre nesses
IA
mesmos espaços?
Com essa observação, proponha alguma modificação no espaço – insira um obstáculo, ponha um espe-
lho, mude um objeto de lugar… Note como as pessoas se comportam diante dessa alteração: quem não per-
cebe? Quem se incomoda? Quem busca outras soluções em função da mudança? O que muda nas pessoas e
em você com essa pequena modificação?
Agora pense nos processos das aulas que você desenvolve cotidianamente no ambiente escolar.
Que movimentos já são feitos automaticamente por você e por estudantes? Experimente modificar algo jus-
tamente em meio a esses automatismos e perceba como isso afeta os percursos da aula.
U

CULTIVO (EM13LGG102), (EM13LGG202)

Debates e planejamentos nascidos de uma narrativa inventada


Leve um objeto cotidiano e conte uma história sobre ele para a turma. Convença-a de que se trata de uma
G

obra de arte, ou de um vestígio deixado por alguém com projeção local ou regional no mundo das artes, em
uma performance presenciada por você, ou que é uma memória afetiva guardada de ancestrais de sua famí-
lia. Em seguida, destrua esse objeto e perceba a reação do grupo. Converse sobre os discursos, sensações
que envolvem uma visualidade para além de significados prontos. Depois, atente para os conteúdos que po-
dem emergir dessa experimentação: arte conceitual, fake news, memórias, sonhos, linguagens artísticas etc.
Elabore as próximas aulas tendo em vista as questões emergentes nessa conversa.

Teoria e prática em revezamento Competências gerais: 1, 4

Quem nunca ouviu a frase “na teoria é uma coisa, na prática é outra”? Buscamos problematizar
essa expressão, propondo uma abordagem da teoria e da prática que as tome de forma não apartada
uma da outra na educação das artes visuais. Pensamos na ideia de revezamento entre teoria e prática
como um possível exercício de criação e, portanto, não como meio de “fazer caber” uma instância na
outra, mas como forma de manter viva e em movimento a criação de ambas. Convidamos ainda a
pensar a prática e teoria não como opostos que separam pensamento e ação, mas sim como instâncias
que reverberam uma na outra.

51
O campo da educação das artes visuais no decorrer do tempo passou por diferentes
perspectivas de abordagem. Cabe mencionar que cada perspectiva emerge de solici-

D
tações de seu tempo e é movimentada por problemáticas que acionam sua criação.
O que se produz a cada
Movimentações entre teoria e prática vão, assim, produzindo modos de existência para
vez “entre” teoria e prática
no contexto da educação
a educação das artes visuais e criando, a cada vez, outras problemáticas que garantem
das artes visuais? que seu movimento não cesse.
Que formas de existir a
Produzindo “entre”

L
arte e a educação das artes
visuais foram criando para
si nesse “entre”? Buscamos aqui falar do “entre”, pois pensamos que nele essas perspectivas são ope-
radas em seus encaixes e desencaixes com as experiências cotidianas vivenciadas nas
escolas, produzindo, a cada vez, o que se insinua como o ensino de arte no contexto
educacional, em sua multiplicidade de modos de existir.

N
Em movimentos potentes de revezamento entre teoria e prática, outras problemáti-
cas foram surgindo na educação das artes visuais ao longo das últimas décadas (a busca
pelo aprender técnico, a abertura para o sensível, a necessidade de contextualização
Em um processo cultural, a preocupação com a polivalência etc.), acionando movimentos de criação de
de criação, qual é a outras possibilidades de fazer existir aprendizagens no campo das artes.
importância dos encontros

P
Citamos aqui dois movimentos que sacudiram processos educativos em artes visuais
(contatos e contágios)
com outras produções e que germinaram outras potências no que diz respeito à presença e operação da teoria
visuais, contextuais e e da prática na educação das artes visuais: a livre expressão e a abordagem triangular.
conceituais? Que potências, Movimentos que, como qualquer outra teoria, foram operados de diferentes modos,
que encontros essa acionando potências e também alguns entraves.
“exterioridade”, antes
A livre expressão, defendida pela Escola Nova, que começa a ganhar força na década
renegada pela proposta
IA
escolanovista, pode de 1930 no Brasil, surge como uma reação à noção de cópia de modelos que vinha sendo
acionar? Seria possível uma adotada pela Escola Tradicional até então. A educação das artes visuais passa a abarcar
interioridade imaculada, a experimentação e a subjetividade de estudantes, que até então eram renegadas pela
que não fosse afetada educação disciplinar e autoritária da tendência pedagógica tradicional.
e produzida ao mesmo
A proposta da livre expressão gerou muitas potências, mas acabou gerando tam-
tempo também por
uma “exterioridade”
bém um livre fazer muitas vezes interpretado como um “deixar fazer”, sem nenhuma
e por um “fora”? interferência no processo, nem vinda de docentes, nem de outra referência externa.
Acabavam sendo deixadas de lado, na aula de artes visuais, as possíveis conversações
com produções visuais e conceituais já existentes para não intervir na expressão, na
U

espontaneidade das produções de discentes. O “deixar fazer” acabou então em muitos


casos sendo levado a um extremo em que tudo era permitido sem articular problema-
tizações nesse processo.
SHANNON RANKIN
G

VIVÊNCIA (EM13LGG602)

Constelações dentro-fora
Converse com colegas so-
bre o que a obra Traverse, de
Shannon Rankin, convida a pen-
sar a respeito dos movimentos
entre teorias e práticas. Como
vocês observam tais movimen-
tos em seus planejamentos de
aula? Como a exterioridade
“atravessa” a interioridade, e
vice-versa? Que constelações
e infinitos constituem o den-
tro-fora que compõe vocês e
suas aulas a cada vez?
RANKIN, Shannon. Traverse. 2013. Acrílico e papel.

52
Na década de 1980, no Brasil, “a arte correu o risco de ser extinta do currículo escolar” em função
de seu “contexto bastante desfavorável”, que envolvia “a formação deficitária dos professores, práticas

D
tradicionais de cópias de modelo e desenho geométrico misturadas com a ‘técnica pela técnica’ e o
‘livre-fazer’” (ZORDAN, 2005, p. 4). Iniciaram-se, então, alguns passos, frutos da organização, da luta e
da movimentação de profissionais da arte-educação no Brasil em direção à reivindicação da arte como
uma área de conhecimento com conteúdos próprios. A arte, então, como área de conhecimento,
passou a abarcar concepções que implicam a inclusão do estudo e visualização de obras artísticas.

L
Ana Mae Barbosa teve importância ímpar nessas movimentações e nos estudos pós-modernos
de arte-educação no Brasil, ao dar consistência à Abordagem Triangular numa educação das artes
visuais que implica:
• ver: fazer presentes, nas aulas de artes visuais, imagens de obras artísticas por diferentes meios:
reproduções em livros, slides, proposta de visitas a museus ou outros locais que abriguem

N
obras artísticas;
• contextualizar: pensar o contexto em que a obra foi produzida, bem como instigar conexões e
conversações com o contexto dos estudantes;
• produzir arte: experimentação empírica com o que era suscitado pelas obras vistas.

P
A Triangulação, proposta por Ana Mae, passa então a envolver a presença, nas aulas de artes
visuais, de experimentações de ordem teórico-práticas.

PARA OUTRAS CONEXÕES


Você gostaria de ler/ver mais sobre essas perspectivas e mudanças que permearam o contexto da edu-
IA
cação das artes visuais no decorrer do tempo? Indicamos:
• Vídeo: História do Ensino da Arte no Brasil, com falas de Ana Mae Barbosa, Lúcia Gouvêa Pimentel,
Noêmia Varela. Publicado em 2012 pelo Innovatio Laboratório de Artes e Tecnologias para Educação,
vinculado à Escola de Belas Artes da UFMG. Visite também o item “História do ensino da arte”, na Biblio-
grafia comentada no início deste livro.

A separação entre teoria e prática tem atravessado de diferentes modos as experimentações


educativas com arte nas escolas na contemporaneidade. São recorrentes planejamentos dados
U

em torno de um fazer, muitas vezes desconectado de conceitos, textualidades, leituras e inves-


tigações. Ou então um denso trabalho teórico, que, de tão objetivo, pouco espaço deixa para
experimentações de outras ordens.
É comum haver também certa pretensão de que se um trabalho conjunto entre teoria e prática
acontecer, ele deva promover um encaixe perfeito da teoria na prática ou da prática na teoria,
G

como uma constatação uma da outra, ou uma resposta correta e sem ruídos que fecha os poros
da experimentação e de uma aprendizagem singular que poderia acontecer “entre”. Apostamos
assim, muitas vezes, nas teorias como essas explicações de mundo imaculadas e inequívocas, mas
esquecemos ao mesmo tempo que as realidades, assim no plural, nas quais são operadas estão
em constante movimentação e produção.
Assim, ao se produzir essa lacuna de desencaixe entre o que a teoria diz e os resultados
improváveis que podem se produzir com sua experimentação, muitas vezes consideramos isso
algo negativo, como um erro ou uma falta, e, desse modo, perdemos a oportunidade de habitar
essa brecha de desencaixe entre uma e outra e extrair daí potências de diferenciação de uma e
outra. Perdemos, assim, a possibilidade de fazê-las vibrar e viver de outros modos. Nesse “entre”
produzido pelos ruídos e desencaixes de teoria e prática, produzem-se/criam-se coisas, mundos,
modos de agir e pensar.
Experienciar teoria e prática em revezamento pode ser um modo de nos relacionarmos habitan-
do esse “entre”, tomando o desencaixe não como algo ruim, mas como uma potência, como algo
que nos permite movimentar uma e outra a partir do que elas não são ainda, em um revezamento
que possa acionar faíscas para criação do que ainda não se sabe sobre essas teorias e práticas.

53
Se considerarmos a teoria não uma verdade fechada ou sacralizada, poderemos
entendê-la sempre localizada, tornando-se assim relativa a determinada condição de

D
surgimento que é sempre parcial. Ela pode até ser aplicada em algum outro local (próxi-
Como um revezamento
entre teoria e prática pode
mo ou distante), em outra experimentação, mas essa aplicação não sugere uma relação
acionar uma suspensão apaziguada, de semelhança, entre elas. Como afirma Gilles Deleuze em conversação com
em nossas certezas Michel Foucault no livro Microfísica do poder, a prática se torna, assim, “um conjunto de
e nos automatismos revezamentos de uma teoria a outra e a teoria um revezamento de uma prática a outra.

L
do nosso corpo? Nenhuma teoria pode se desenvolver sem encontrar uma espécie de muro, e é preciso
a prática para atravessar o muro” (FOUCAULT, 1998, p. 69-70).

ACERVO DA ARTISTA
N
EU, Adrianna.
Suspensão. 2007. Taco
de madeira e linha. P
IA
Santa Teresa, RJ.

Podemos tomar a leitura como prática de pensamento, não como um receituário de


como proceder, mas como um convite a pensar e criar nossas próprias estratégias de
ação em meio à vida? Como pôr em jogo a nós e a nossas verdades naquilo que lemos?
Como raspar as palavras do texto para nos colocarmos nele e na experiência da leitura,
praticando nossa singularização naquilo que lemos?
MARILÁ DARDOT - INSTITUTO INHOTIM, MINAS GERAIS
U
G

Como trabalhar uma aula


de artes visuais que envolva
conceitos e elementos de
ordem teórica e prática
sem que haja um momento
só para teoria e um
momento somente para a
experimentação com um
fazer? Como uma pode
acionar movimentos na
outra nesse processo?
DARDOT, Marilá. A origem da obra de arte. 2002-2011. Inhotim, Minas Gerais.

54
VIVÊNCIA (EM13LGG201)

D
Produzindo atravessamentos entre práticas e teorias
Desafiamos você a listar elementos que costuma pensar como algo de ordem prática e outros que costu-
ma pensar como algo de ordem teórica. Como seria operar esses elementos que você colocou como teóricos
de maneira prática, e como seria trabalhar os elementos que você listou como práticos de maneira teórica?
Vamos experimentar?

L
A seguir listamos também algumas palavras, entretanto sem delimitá-las como experimentações práticas
ou teóricas... Caberia pensá-las apenas por um viés? Trace algumas possibilidades de trabalho teórico e práti-
co com essas palavras, pensando como teoria e prática podem arrastar as concepções que essas palavras car-
regam para outros possíveis, ainda não imaginados. Você pode listar também outras palavras que considerar
potentes para pensar e operar esse exercício.
ESCRITA. PESQUISA. PENSAMENTO. ESCULTURA. PINTURA. DESENHO. INSTALAÇÃO. AÇÃO ARTÍSTICA. PERFOR-

N
MANCE. LEITURA. IMAGEM. HISTÓRIA DA ARTE. CRÍTICA. EXPERIÊNCIA ESTÉTICA. PROBLEMATIZAÇÃO. CRIAÇÃO.

CULTIVO (EM13LGG603), (EM13LGG604)

Revezamento entre teorias e práticas com imagens

P
Selecione algumas imagens (de arte ou não, em movimento ou não) e pense formas de propor encontros
a estudantes que oportunizem experienciá-las tanto de um modo teórico como prático. Atente para o que é
possível criar com essas imagens em meio a essas experimentações.

Caminhos e encontros na avaliação Competências gerais: 6, 9


IA
Abordaremos aqui uma avaliação formativa e processual na qual docentes também se incluem.
Uma avaliação que não se restringe a possíveis instrumentos avaliativos (portfólio, diários, narrativas…),
mas que se expande em um exercício de escuta, de espreita e problematização do que atravessa o
cotidiano docente e discente.
Por que falar em avaliação frequentemente remete ao medo do erro, tanto por quem avalia quanto
por quem tem seu aprendizado avaliado? Talvez porque nos habituamos a uma avaliação tradicional
que destaca os erros e direciona os acertos. Quanto mais você erra, mais se distancia da tão aclamada
nota 10. Os excessos, as diferenças, os desvios não cabem nessa avaliação, não há espaço para se
U

tirar 11 ou se desviar de uma linha reta que oscila entre 0 e 10, inventando outros números possíveis.
Pensar a avaliação como ferramenta produtiva e não niveladora é um passo importante para nos
desprendermos de uma educação hierárquica, em que docentes, que detêm um saber, analisam
quem pode ou não passar para uma próxima etapa. Busquemos, em vez disso, uma avaliação que
nos permita olhar para os processos educativos como um acontecimento orgânico, movimentado
G

por docentes, discentes, escola, conteúdos, e também atento aos contextos sociais e históricos que
fazem que diferentes coisas possam ser ditas e feitas de certas maneiras, onde brechas favoreçam
caminhos singulares, únicos para cada aprendiz.
A pesquisadora Irene Tourinho (2010) propõe, com base em Lúcia Pimentel, algumas características
que envolvem a avaliação. Dentre elas, destacamos:
• ser processual;
• incluir valores éticos e juízos de valor;
• necessitar de cumplicidade e colaboração;
• ser dependente do contexto e das circunstâncias;
• considerar as trajetórias pessoais;
• focar na qualidade da aprendizagem, no desenvolvimento de novas práticas e no acompanhamento
do processo pedagógico.
Tendo em vista esses fatores, organizamos os caminhos a serem percorridos nesta seção, a fim
de tomarmos a avaliação como ferramenta que favoreça a criação de modo colaborativo, sensível
e suave.

55
Avaliar para produzir caminho

D ANNA MARIA MAIOLINO/GALERIA LUISA STRINA


L
N
MAIOLINO, Ana Maria. [Sem título]. Série Interações. 2013.

Uma avaliação formativa nos possibilita um interesse


nos percursos de aprendizagem, e não simplesmente em P
tratégias de sobrevivência na área artística etc. Uma avaliação
tradicional poderia se voltar a uma série de perguntas que
IA
julgamentos de competências. Essa atenção envolve o testassem o conhecimento de estudantes sobre os dados
acompanhamento dos processos de construção de saberes coletados e se encerrar por aí. Já uma avaliação inerente ao
em curso, para que estudantes e docentes tenham a opor- processo poderia se articular para que cada novo achado
tunidade de rever suas escolhas, construir possibilidades, (uma nova referência artística, uma nova problemática, um
refazer o que for necessário, sem a pressão de um número novo local) pudesse gerar outras perguntas e encaminha-
reprovando cada passo de suas condutas ou atestando mentos, fazendo que diferentes estudantes produzissem
seus acertos. conhecimentos diversos sobre a arte local. A partir dessas
diferenças, você poderia discutir o que as gerou, refazer
Para que isso ocorra, precisamos pensar em outras
perguntas, somar possibilidades a partir dos achados e
U

relações entre tempo e avaliação, de modo que esta não


caminhos de colegas. Note que, nesse processo, não há
seja colocada como encerramento de um ciclo, mas possa
uma figura educadora determinando quais conhecimentos
se diluir ao longo dos processos, integrando-se às próprias
devem ser validados, porque, em vez disso, o papel da inter-
dinâmicas de aprendizagem. O que acontece quando pen-
venção docente é indicar discordâncias, sugerir caminhos,
samos uma avaliação que não se exerce como ferramenta
fazer que estudantes construam seus próprios percursos
G

de controle, levando aprendizes ao medo de “pisar em


de aprender. Mesmo que o término desse projeto envolva
ovos”? Apostamos na possibilidade de instigar perguntas
a produção de um mural na escola ou um trabalho visual
sem respostas únicas, convidando à elaboração de outras
individual, este não virá como resposta ou aplicação do que
perguntas, estimulando processos múltiplos de aprender.
se aprendeu, mas como criação a partir de um conjunto de
A avaliação em processo permite acompanhar os cami- saberes e desejos construídos coletivamente.
nhos que nossas escolhas tomaram quando se encontraram
Às vezes as manifestações do aprendido não se dão por
com as diversidades e adversidades da sala de aula e, a par- uma resposta falada ou escrita ou desenhada. Há a chance,
tir daí, tomar decisões sobre suas continuidades. Avaliar e no projeto que abordamos anteriormente, por exemplo, de
avaliar-se, nessa perspectiva, é não se contentar em repetir discentes não conseguirem desenvolver um mural com o
os mesmos caminhos e chegar aos mesmos resultados, é nível técnico desejado. Às vezes é pelo gesto, pela ação,
viver e estar atuante na vida, com atenção ao que acontece pela conversa sobre outro assunto que as reverberações
e fazendo que algo novo aconteça. de um aprendizado ocorrem. Limitar a avaliação do saber
Imagine, por exemplo, que você desenvolve com estu- a uma ferramenta aplicada em um dia específico é uma
dantes um projeto sobre a arte produzida no bairro da es- lógica reprodutivista excludente. Há diferentes tempos para
cola, conhecendo artistas, mapeando locais, reconhecendo o aprender, e esses tempos nem sempre coincidem com o
técnicas, materiais, temáticas, estudando dificuldades e es- tempo cronológico do calendário escolar.

56
Avaliar para aliar

D
Você já notou que o verbo “aliar” habita a palavra “avaliação”? Aproveitando essa coinci-
dência linguística, podemos pensar a avaliação como uma aliada do aprender, num processo
contínuo de formação, como um conjunto de estratégias que podem nos movimentar como
docentes, remexendo as paisagens que nos compõem, abrindo possibilidades para processos
de criação de si na docência. Av[aliar] é acompanhar, em aliança, um processo de aprendizagem.

L
Para isso, é importante que não a façamos operar em um contexto individual, de docente para
estudantes, mas que possibilitemos a ela alianças com os diversos compostos dos processos
de aprendizagem para que se volte a estratégias de potencialização dessas aprendizagens, e
não ao julgamento de seus resultados.
Em vista dessa potencialização, além das ações de estudantes, cabe olharmos para nossa

N
atuação docente, para nossas metodologias, nossos repertórios, nossos discursos e para como
eles chegam a cada estudante, que possui também seus repertórios, seus desejos, dificulda-
des, motivações, posturas. Além disso, uma avaliação como aliada não desconsidera como
essas relações docente/estudante se movimentam tendo em vista a infraestrutura da escola,
o tempo de aula, as ferramentas disponíveis, as diretrizes educacionais etc. Assim, podemos

P
também avaliar os sistemas educativos e suas políticas educacionais para além da constatação
de sua eficácia, mas pensando, processualmente, o que elas potencializam e onde podem ser
ampliadas ou modificadas em vista da educação que desejamos exercer.
Nesse sentido, vale lembrar que, com o novo Ensino Médio, nos deparamos com o desafio
de produzir uma educação integrada com outros campos do conhecimento, dialogando de
IA
maneira menos disciplinar. Quando nos aliamos a colegas de área, precisamos pensar con-
juntamente em ferramentas que favoreçam essa integração. Resolver essa questão por meio
de uma avaliação única que vise somar todos os conteúdos pode tornar essa experiência
densa e difícil para cada aprendiz. Pensar em aliança é buscar a construção de processos
dialogados, em que estudantes debatam quanto os saberes das diversas áreas podem não
só se somar, mas se conectar, se complementar e abrir possibilidades inusitadas de relação
que produzam aprendizados singulares. Partir de uma questão comum, nascida de um filme
ou de uma festa popular, por exemplo, pode ser um caminho de abertura para a inserção de
diversos campos de pesquisa. A avaliação, nesse processo, não será de julgamento individual,
U

mas de como o trabalho coletivo gerou possibilidades de criação com base no problema
proposto, integrando conhecimentos diversos sem, necessariamente, discriminá-los como
de um ou outro campo.
G

VIVÊNCIA (EM13LGG604)

Produzindo transdisciplinaridades com um filme


Escolha um filme que movimente seus pensamentos. Não é necessário ser um filme sobre artes
ou artistas.
Elabore, com colegas de área, uma pergunta em comum para movimentar uma conversa após a
exibição (pode ser uma pergunta que convide ao estabelecimento de relações entre o filme e ques-
tões da vida, da escola, da política, da sociedade). Faça que essa pergunta alimente debates inquie-
tantes sobre a vida contemporânea.
Depois, planeje com colegas de área como realizar produções coletivas que explorem essas in-
quietações por meio dos conhecimentos específicos de cada campo. Em Artes Visuais, dependendo
do tema do debate, podemos pensar na produção de fotografias, na realização de performances, na
produção de panfletos, na criação de cartões-postais etc.
Finalize esse processo organizando uma exibição do filme para a comunidade escolar, acompa-
nhada da distribuição de impressos ou de uma exposição com as materialidades produzidas nas aulas.
Após essa experiência, experimentem desenvolver, cada qual na sua disciplina, planos de aula utili-
zando os materiais produzidos e distribuídos por vocês.

57
Avaliar para aprender a criar

D
zagens?” ou “O que é necessário ainda aprender para
SUSANNA BAUER

podermos contribuir com essa criação?”.


Em vez de cobrar que se saiba responder a questioná-
rios, podemos provocar a dúvida sobre o modo como os
discursos nos chegam. Olhar obras de arte não nos serve

L
apenas como inspiração, como se toda arte precisasse
ser venerada. Podemos questionar verdades do mundo
e da própria arte a partir dos encontros com ela, geran-
do não apenas experimentos plásticos, mas criações de
ideias que modificam nossas posturas sobre as coisas do

N
mundo. Isso torna o revezamento entre teoria e prática,
apresentado anteriormente, algo vivo e diluído ao longo
BAUER, Susanna. Restoration lX. 2020. Folha de magnólia e fio de
algodão. 34 cm × 28 cm. de um mesmo fazer.
Abordamos, assim, a avaliação como possibilidade de
Sem o estabelecimento de respostas absolutas, sem a questionamento, tendo em vista a diferenciação feita

P
dicotomia entre quem avalia e quem é objeto da avaliação, por Deleuze e Parnet (1998) entre a questão e a interro-
o processo de aprender abre possibilidades de criação e gação. Para Deleuze, quando se produzem interrogações,
atravessamentos na produção coletiva. Os desvios, nessas como o que faz a mídia televisiva em alguns programas
perspectivas, não são vistos como erros, mas como desafios de entrevistas, fecha-se na opinião das pessoas, sem res-
a serem repensados ou aproveitados para novos direciona- sonâncias, focando na elaboração de respostas fixadas e
mentos da produção, se assim considerarmos pertinente. preestabelecidas. Já quando se produz questionamento,
IA
Isso significa não olhar sempre para os erros de percurso para além de ouvir opiniões, aproximamo-nos da criação,
como algo a ser corrigido. Quantos trabalhos artísticos e pois podemos provocar a transformação de uma questão
experimentos científicos nasceram de aparentes erros de em outras questões, criando conexões que podem gerar
pesquisa? A mudança nos processos educativos não nasce outros direcionamentos sobre situações, obras de arte,
apenas com o intuito de eliminar um erro, mas também imagens, objetos estudados.
pode decorrer do próprio fluxo de criação, quando percebe- Uma opinião pode se resumir a uma resposta do tipo
mos que os caminhos imprevistos se mostram tão ou mais sim ou não ou se fechar em apenas uma resposta correta,
produtivos e pertinentes do que aqueles que prevíamos fazendo que se busque corrigi-la sempre que assumir
no início do percurso. direções inesperadas. Mas uma avaliação como questio-
U

Pensamos, assim, em uma avaliação que não antecipa namento atua como disparadora de observações e escutas
resultados, mas que se volta às diferenças geradas nos atentas ao dia a dia escolar, incentivando a varredura de
processos. Em vez de perguntas como “O que estudantes clichês que esvaziam a criação e produzem discursos
conseguiram aprender?” ou “O que faltou aprender para endurecidos. O questionamento provoca a inquietude de
completar esse saber?”, voltamos nossas indagações para quem aprende. Aprender torna-se processo de criação,
G

“Que universos conseguimos criar com nossas aprendi- de invenção de possíveis existências para si no mundo.

VIVÊNCIA (EM13LGG601)

Criando possibilidades narrativas para um livro de história da arte


Observe as obras em destaque em um livro tradicional de história da arte e questione: por que elas rece-
bem esse destaque? Que narrativas de sucesso elas expressam? Que perfil de artista elas expõem (homem,
branco, rico)? Que tipo de processo de produção elas envolvem (saber nato, precisão técnica, autoria indivi-
dual)? Que discursos elas legitimam? Esses discursos são expostos pelas obras, por artistas, pelo texto do livro
ou pelo modo como eles me afetam?
Como eu definiria a arte considerando tanto o que o livro expõe quanto o que ele escolhe não priorizar?
Que outras artes poderiam existir na história se essas questões tivessem sido trabalhadas de um modo dife-
rente? Reorganize as narrativas desse livro, mude sua ordem de apresentação, escolha outras obras, artistas e
períodos para destacar e discuta com colegas docentes que outros discursos históricos você conseguiu criar
apenas com essas mudanças de prioridades. Pense a avaliação baseada nessa experiência. Como você avalia-
ria as aprendizagens inventivas que acabou de construir para além do que o livro lhe oferecia?

58
Avaliar para produzir multiplicidades

D KATIA KUWABARA
L
N
P
É difícil pensar a avaliação em uma área de conhecimento que envolve processos
DERDYK, Edith. Metragem. 2011.
Exposição Lições da linha. Sesc
IA
de criação singularizados. Uma avaliação nos moldes tradicionais é a resposta mais Bom Retiro, São Paulo. Instalação.
imediata a ser dada quando nos pautamos na organização historicamente abordada
pelo sistema escolar, organizado por etapas lineares, com um conjunto de conteúdos
a cumprir e uma comprovação numérica do nível de conhecimento alcançado. Ferra-
menta de vigilância e punição. Também meritocrática, com as famosas medalhas dadas
a estudantes com maiores notas.
Pensar a avaliação processualmente é entender que, mesmo dentro desse sistema
aparentemente linear, cada estudante traz a esse percurso determinada bagagem,
composta de linhas vindas de diversas direções, com diferentes espessuras, fragilida-
U

des, marcas e nós. Bagagem que foi revirada e redesenhada a partir das capacidades
e disposições que teve para produzir. Nivelar uma totalidade de estudantes utilizando
um mesmo critério é ignorar essa bagagem. Adotar uma postura que considere o
conhecimento processo único e linear nos levaria a um pensamento de níveis em que
cada estudante iniciaria a aprendizagem em dada classificação, cabendo ao trabalho Os processos
G

docente complexificar ou simplificar exigências a partir dessa variação. Mas e se, em metodológicos que
vez de níveis, pensarmos essas variações como multiplicidades, como os caminhos do desenvolvo permitem
que a avaliação ocorra
saber que seguem linhas diversas, que nem sempre se cruzam nos mesmos pontos?
constantemente?
A partir daí podemos estabelecer, com a educação, diálogos e criações em suas hete- As aulas envolvem
rogeneidades, enriquecendo os processos educativos e orientando estudantes para a problematizações,
atuação e criação de mundos diversos. diálogos, produções,
criações que dialogam com
Algumas ferramentas favorecem esse acompanhamento de maneira mais processual
estudantes e possibilitam
e múltipla. Portfólios, diários e narrativas (que podem ocorrer por falas, escritas, imagens, que exponham suas
vídeos etc.) são elementos selecionados para exploração ao longo deste livro justamente potências e fragilidades?
por serem caminhos inventivos que incluem aprendizes em suas próprias avaliações Como esses processos são
(autoavaliação), além de facilitar avaliações conectadas entre os diversos campos da área sentidos por estudantes?
de Linguagens e suas Tecnologias. São processos que podem possibilitar saberes não Há possibilidades de
continuidade e revisão?
hierárquicos (pois se abrem a produções diversas para além do que foi ensinado), Há espaço para
não lineares (pois cada estudante organiza seu aprender considerando repertórios de argumentações
diversos tempos e lugares) e inventivos (pois cada aprendiz planeja seus próprios modos e mudanças?
de apresentação visual e narrativa).

59
Outras ferramentas mais tradicionais, como seminá- abordagem pode ser encarada como uma oportunidade
rios, entrevistas, questionários, cadernos de arte, também de exercício de argumentação, de troca, de diálogo para

D
podem encontrar espaço nesses caminhos, desde que ampliação dos saberes.
não sirvam somente à constatação do saber, mas se aliem, Tourinho (2010) fala da importância de não reduzirmos
combinados ou alternados, para nos auxiliar no acom- a aprendizagem a apenas uma ação. O trabalho educativo,
panhamento dos processos de aprendizagem, não só de segundo ela, envolve um “conjunto de ações” que passam
cada estudante individualmente, mas tornando viáveis pelo conhecer, pelo avaliar e pelo ajudar. Não apenas co-

L
diferentes rumos para a docência em processo, o que nhecer cada estudante, mas construir uma relação coletiva
inclui metodologias, políticas, organizações curriculares e durante o processo que permita que sejamos capazes de
estratégias inter/transdisciplinares. utilizar e criar as ferramentas que melhor favoreçam uma
orientação de aprendizagens.
Avaliar os critérios de avaliação
Um caminho interessante para uma avaliação mais

N
Os modos como escolhemos avaliar envolvem discur- aberta ao diálogo é a prática constante da autoavaliação,
sos, objetivos, subjetividades. Se nossos objetivos forem tanto por estudantes quanto por docentes. Tourinho (2010,
limitantes, a avaliação também o será. Entendendo nossos p. 2.098) alerta, entretanto, que “a autoavaliação não escapa
propósitos, sabemos para onde olhar para acompanhar a aos mecanismos disciplinares, pois alguém fará a avaliação
aprendizagem. A ferramenta avaliativa, por si só, não indica da autoavaliação”. Com isso, ela lembra que, mesmo na au-

P
o que e como se aprende. Isso depende dos critérios que toavaliação, há mecanismos de poder envolvidos, ao passo
utilizamos, da atenção que dedicamos a cada aspecto e da que nossas subjetividades se compõem por uma série de
maneira como encaminhamos a continuidade. Pensar que crenças, organizações e disciplinas que fazem que, muitas
há sempre continuidade, aliás, é uma postura que torna a vezes, apliquemos em nós alguns critérios que inibem
avaliação menos sentenciosa. nossas capacidades inventivas.
Avaliar faz parte de nossas vidas para além do siste- Não basta inserir a autoavaliação como ferramenta
IA
ma escolar. Como nos lembra Tourinho (2010, p. 2.094), educativa, é importante que essa prática envolva um olhar
“avaliamos nossa imagem – do corpo à roupa – nossa voz, atento sobre si, sobre o que se considera importante apren-
gestos, olhares. Nem sempre somos bem-sucedidos nessa der, sobre quanto somos capazes de revisitar nossos pro-
avaliação e, certamente, a avaliação que fazemos pode cessos e aprender com eles. Avaliar a si é aprender sobre
ser bem diferente da avaliação que fazem de nós”. Isso si em processo, perceber o que podemos fazer diferente
ocorre porque nos pautamos em critérios diversos, que para atender aos objetivos almejados e também reavaliar
podem não ter o mesmo peso para diferentes pessoas nossos objetivos quando necessário, ver se ainda estão
que avaliam. funcionando como potência ou se estão se mostrando
U

Se, por exemplo, solicitamos a estudantes que apre- como entrave para a locomoção. A autoavaliação não
sentem um seminário ou respondam a uma pergunta precisa se tornar uma ferramenta de culpa nem de liber-
em público, essa proposta pode ser feita como um teste, tação, mas uma possibilidade de indagar, problematizar
uma exposição constrangedora de suas dificuldades de e investigar como nossos procedimentos e atitudes se
maneira disciplinadora. Mas, se trouxermos isso junto de reverberaram naquilo que construímos ao longo de um
um trabalho de respeito e aprendizagem colaborativa, essa processo educativo.
G

CULTIVO (EM13LGG204)

Para pensar uma autoavaliação


• Quando senti satisfação com o que aprendi?
• O que aprendi e o que me permite notar esse aprendizado?
• Como o que aprendi se relaciona com as posturas e atitudes que tive no percurso de apren-
dizagem?
• Como minhas ações interferiram na aprendizagem de outras pessoas?
• Que escolhas tive que fazer no desenvolvimento dos trabalhos/processos?
• O que poderia ter sido diferente nesse percurso?
Você pode incluir outras perguntas que se relacionem com observações de si em proces-
so e perspectivas futuras para aprendizagens inventivas, evitando fazer disso um julgamento
sobre o que se é ou o que se deveria ser para atingir um saber preexistente.

60
2
CAPÍTULO
Tempos e espaços das artes visuais:

D
movimentos e resistências culturais

L
© JOHANNA GOODMAN 2019 - COLEÇÃO PARTICULAR
N
P
IA
U
G

GOODMAN, Johanna. Prancha no 90. 2019. Série Imaginários da Cidade. Colagem,


30 cm 3 40 cm.

61
• Que conexões são possíveis entre diferentes tempos e espaços ocupados e produzidos pela arte?

D
• O que a arte de ontem pode dizer sobre o que vivemos hoje?
• Que territórios a arte nos convida a habitar/criar?
• Que deslocamentos podemos produzir nas histórias da arte ao olhá-las por outros vieses?
• Que outras janelas são possíveis de serem forjadas na história da arte e em concepções mais engessadas
de arte junto das movimentações de nossas experiências educativas?

L
• Que histórias outras podemos contar/criar com a arte?
• Que possibilidades outras nascem ao conectarmos distâncias temporais e espaciais das artes visuais?

Ao observarmos algo através de uma janela, essa visualização dependerá muito de nossa posição
em relação a ela. Se tratarmos como janelas os modos como percebemos os movimentos artísticos e

N
culturais que acontecem ao nosso redor, há várias conversações possíveis. Às vezes teremos janelas
altas, um tanto inalcançáveis ou que exigem que subamos em um móvel para enxergar o mundo, ou
melhor, parte dele. Outras se abrem deixando bastante vento passar. Há as que têm um parapeito con-
fortável que convida ao toque ou ao descanso dos braços sobre ele. Há as emperradas, as quebradas,
as que têm um ninho de passarinhos na caixa da persiana... Há a janela do apartamento, do escritório,

P
lá nos últimos andares do prédio, por onde passam as aves, e de onde se vê de longe o mundo passar
em miniatura; há aquela que está no térreo, de frente para a rua, com vasos de flores e uma distância
da calçada que possibilita até mesmo um abraço entre pessoas que estão em cada um dos lados.
São diversas as condições estabelecidas por essas janelas. Essas possibilidades de relação janela/
arte/cultura nos movimentam a pensar em como nossas experiências são parciais e múltiplas. Por mais
que nos debrucemos colocando o corpo para fora da janela o máximo possível, nosso alcance visual
IA
do que está do outro lado estará de algum modo ainda conectado ao que ela oferece, e às paredes
onde ela se encontra. Não é possível abranger um todo, pois qualquer tentativa de determinação de
uma totalidade envolve escolhas, metodologias, processos que talvez deem conta apenas tempora-
riamente de realidades que não cessam de se modificar, pois tanto o modo pelo qual experienciamos
a vista da janela quanto a própria paisagem que enxergamos permanecem em constante variação.
O que podemos fazer a partir daí é forjar outros ângulos, atentando para como essa janela contempla
as necessidades de relações que cultivamos com nosso entorno.
Podemos, também, investigar possibilidades de produzir outras janelas-artes, janelas-culturas.
U

Se as janelas das casas são, em geral, instaladas em um lugar fixo e necessitam de um cuidadoso (e
oneroso) trabalho de reforma para serem transferidas ou reconfiguradas, as que construímos em
nossas relações com o mundo podem ser transformadas todo dia, toda hora. Nem sempre este é um
movimento fácil, mas é o que nos permite inventar e experimentar outras perspectivas, outros modos
de nos relacionarmos. Ao assumirmos essa provisoriedade e flexibilidade, que janelas abrimos em
nossa formação como docentes de arte, com nossos modos de produzir uma aula?
G

Com essas provocações, buscamos pensar vias de abordagem que possam alimentar nossas
relações com imagens de arte de diferentes tempos e espaços. Com elas buscamos também pro-
blematizar algumas visibilidades e invisibilidades produzidas por uma história da arte dita oficial,
pensando também nas visibilidades e invisibilidades que atravessam nosso cotidiano, nossos bairros
e comunidades. Buscamos trazer elementos para pensar a cultura por um viés plural e não apartado
das nossas vivências cotidianas.
Uma experiência educativa em artes visuais que considere influências artísticas enraizadas
culturalmente, e que problematize essencialismos e hierarquias, pode produzir uma relação di-
ferente com os saberes, fazeres e visualidades que fazem parte do cotidiano de estudantes e da
comunidade ou bairro onde vivem. Que experiências artísticas e estéticas podem ser acionadas
ao trazermos para a conversa o espaço e o tempo que muitas pessoas dedicam a uma produção
artesanal, à realização coletiva de um festejo popular, à fruição de uma série, um filme, uma história
em quadrinhos ou um jogo?
Como você percebe essas movimentações de produções visuais e coletivas em seu bairro ou
comunidade? Como elas poderiam permear suas aulas de artes visuais?

62
A organização por áreas da Base Nacional Comum experimentações e saberes da ordem do visual. Como esses
Curricular não exclui as especificidades das disciplinas saberes compõem aprendizagens que integram e atuam

D
e nos lança o desafio de repensar nossos itinerários a na construção do mundo das artes?
partir de processos mais relacionais, tanto na integra- As seções a seguir propõem que consideremos pos-
ção disciplinar quanto no modo como dialogamos com sibilidades de relações entre a atividade educacional
as ferramentas do aprender. Para que essa integração e as visualidades produzidas em diferentes espaços e,
ocorra, podemos investir em conversações problemati- também, que problematizemos as hierarquias que as

L
zadoras, integradas às questões que nos movimentam colocam em posições subalternas às legitimadas por
no mundo, conhecendo e potencializando nossas forças esse sistema.
de produção de culturas. Atentando-nos à segunda di-
mensão do aprender – saber disciplinar em xeque –,
abordamos multiplicidades que poderão ser mais
Saberes visuais populares

N
bem exploradas quando não as separamos das outras Competências gerais: 1, 3, 9
três dimensões. As várias produções do contexto do artesanato, as festas
A janela aberta deste capítulo é atravessada, assim, populares e atividades culturais regionais são atividades
pelos ventos do multiculturalismo, tema transversal artísticas e culturais que compõem nossos processos de
proposto pela BNCC cuja presença busca desalojar al- vida em comunidade. Esses elementos participam da

P
gumas concepções herméticas de cultura, de arte e de construção de uma cultura visual cotidiana e instigam
educação das artes visuais, de modo a abrir vias para experiências próximas e integradas às vivências coletivas,
pensar existências múltiplas e heterogêneas em conexão. sociais e culturais dos diversos territórios.
Essa presença convida a olhar para os desmoronamen- Ao conversarmos com um bordado floral de uma avó
tos e produções de mundos que podem ser acionados artesã com a mesma dedicação que uma educação mais
por conversações, dissensos, encaixes e desencaixes, tradicional nos exige em relação a um Van Gogh, por
IA
negociações e batalhas. Essa presença pode também exemplo, não estamos tentando incluir este artesanato
atuar como instância problematizadora de noções de nas mesmas categorias que a pintura do século XIX, mas
homogeneidade e universalidade perpetradas por muito sim explorando a potência dessas imagens e artefatos
tempo pelo filtro engessado de uma história da arte que, enquanto presenças criadoras e participantes na produção
composta de um discurso único e eurocêntrico, impedia de nossas subjetividades.
a entrada de possibilidades de conversação capazes
de descentralizá-las.
Buscamos, também, pensar uma educação inclusiva
que aconteça por afeto, enquanto inquietude capaz de
U

Que problematizações uma aula de artes visuais


estremecer nosso corpo-pensamento e nossas experiências pode produzir ao tomar a arte como parte da cultura
educativas. Que potências se abrem ao pensarmos uma visual, sem privilégios hierárquicos diante de outras
educação das artes visuais com pessoas cegas? De que produções e imagens? O que podemos produzir
ao trazer para a conversa diferentes visualidades
modo uma educação multicultural gerada com a presença produzidas em nossas culturas?
e as problematizações movimentadas pelas produções
G

artísticas de pessoas negras e indígenas pode abalar as


estruturas que, por muito tempo, ancoraram a história da
arte, as aulas de artes visuais, e tantos preconceitos que Artesanato como legado de gerações
ainda permeiam a sociedade, o bairro ou a comunidade A partir da pesquisa de Vanessa Freitag (2013) com
em que moramos e a escola onde trabalhamos? ceramistas de Tonalá, região metropolitana de Guadalajara,
México, podemos pensar além de definições herméticas

Arte e culturas
de “arte” e “ofício” distinguidas, a princípio, pela presença
ou não de atividade intelectual no fazer manual, de um
O que a legitimação de uma criação visual por sistemas modo que acaba por alimentar uma série de preconcei-
canônicos das artes produz em seus discursos e em nossas tos. A categoria “artista-artesão” abordada pela autora
relações com ela? Quais as diferenças, proximidades e atra- nos lembra que a produção artesanal não é meramente
vessamentos possíveis entre um artefato cultural produzido manual, nem algo que possa ser desenvolvido de modo
por artistas de renome institucional e um que é resultante mecanizado. Assim como em muitos objetos legitimados
de manifestações populares? A própria adolescência, como arte, há no artesanato todo um esforço de diferen-
fase da vida em que se encontram estudantes do Ensino tes âmbitos do pensamento, no diálogo cultural que a
Médio, é permeada por diversas práticas que envolvem pessoa estabelece com seu contexto, com o imaginário e

63
as crenças populares das culturas que povoam seu trabalho. O artesanato é, em geral,
aprendido em ambientes não formais e dispensa a necessidade de formação acadêmica

D
na área. Esse aprendizado se dá no próprio fazer, normalmente um fazer “com” (junto
a) profissionais do artesanato que já experienciam esse fazer há mais tempo, o que
não impede o incentivo à inovação, à exploração de novas formas e novos modos de
se comunicar com seu contexto.

L
CULTIVO (EM13LGG304), (EM13LGG602), (EM13LGG305)

Investigando o artesanato local


Você pode começar fazendo uma sondagem com estudantes sobre como os processos ar-
tesanais estão presentes em sua localidade. Pergunte se conhecem alguém que se dedica ao

N
artesanato ou se já viram alguém vendendo suas produções em sua comunidade. Que tal ini-
ciar uma conversa com essas pessoas, visitar, caso possível, seus locais de trabalho, investigar
como aprenderam esses ofícios? Elabore com estudantes algumas perguntas para iniciar uma
conversa com elas. Descubra se atuam em cooperativa ou outro tipo de associação e qual a
relação que têm com a concorrência que produz peças industriais. E, caso haja recursos, com-
prem algo para si ou para dar de presente a alguém.

P
Essa é uma das muitas formas de acompanhar e incentivar o artesanato local. Há outras
possibilidades de diálogo desse contexto com a escola, por meio de oficinas, de trocas de
experiências relativas aos saberes manuais e culturais envolvidos no artesanato.
IA
Envolvendo um legado passado de geração para geração, o objeto artesanal fre-
quentemente faz parte de um patrimônio familiar ou social. Cabe mencionar que, antes
da separação entre “artesanato” e “arte” que ocorre no período renascentista, ambos
tinham uma conotação comum; a mudança ocorre quando a arte em sua concepção
europeia surge, no século XVIII, como algo separado do utilitário, construído apenas
para contemplação. A imagem que temos de uma obra pertencente ao mundo das artes
frequentemente carrega o senso comum de ser vista como única (enquanto forma ou
como ideia), original, dissociada dos fazeres populares, mas há muitos momentos em
que esses limites se invertem ou se atravessam. Na cidade mexicana de Tonalá, Freitag
U

(2015) localiza diferentes relações das pessoas com o artesanato.


Para se defender da desproporciona-
FERNANDO JIMON MELCHOR

lidade da concorrência com os produtos


industrializados, ceramistas de Tonalá
constantemente inventam novas linhas
G

artesanais, desenvolvendo processos


artísticos que afirmam tanto seu conhe-
cimento técnico quanto seus estilos sin-
gulares impressos em cada peça criada.
“Através do trabalho artesanal, os artesãos
elaboram objetos tanto de caráter deco-
rativo, utilitário e também artístico, con-
densando aspectos econômicos, sociais e
culturais que expressam a visão de mundo
de povos indígenas e mestiços” (FREITAG,
2015, p. 167).

MELCHOR, Fernando Jimon. Processos cerâmicos


em barro brunhido. Objeto em 2 etapas de
produção. Tonalá, México.

64
Discursos que propõem separações hierárquicas entre

FERNANDO JIMON MELCHOR


fazeres artísticos e populares começaram a ser problemati-

D
zados na segunda metade do século XIX, com o Movimento
de Artes e Ofícios, Art Nouveau, Bauhaus, Art Deco e também
pelos outros modernismos que questionavam os preceitos
das Belas-Artes (arte acadêmica que enfatizava também
essa separação), ocasionando alguns rompimentos de

L
barreiras discursivas entre arte e artesanato, arte e indús-
tria, artista e artesão, utilidade e ornamento (DIAS, 2011),
Na contemporaneidade esses limites também se diluem,
produzindo potentes encontros.
Os estudos da Cultura Visual (HERNÁNDEZ, 2009) con-

N
tribuem para o campo do ensino das artes com uma pers-
pectiva que coloca de lado essas hierarquias e propõe que
os artefatos visuais de diferentes origens sejam estudados
não proporcionalmente a seu valor dentro de dado mercado
ou por sua legitimação enquanto arte, mas sim conforme os

P
diálogos que travam com nossas sensibilidades, com nossas
experimentações e produções de mundo, num sentido
social e cultural.
Com os tipos de histórias de cenas cotidianas que pre-
dominam em miniaturas artesanais do estado de Goiás,
Leda Guimarães (2009) nos fala sobre a história e o modo
IA
de colonização da região, voltado principalmente para o
trabalho e com pouca ênfase na festa e no encontro social.
A miniatura é colocada pela autora como um ato de “zipar”, MELCHOR, Fernando Jimon.
de guardar alguma memória de uma forma que ocupe pouco espaço. Mesmo com no- Tradición familiar. Processos
vos equipamentos sendo incorporados aos contextos de trabalho nelas rememorados, cerâmicos em barro brunhido,
59 cm 3 54 cm. Tonalá, México.
ainda segue a ambientação na histórica casinha de paredes de barro e teto de palha,
que remete a um passado cada vez mais distante, mas evoca um laço de pertencimento
do povo do Cerrado. “Na interação com os objetos miniaturizados encontramos um fio
condutor, ou seja, uma poética do cerrado, do viver do cerrado, onde elementos físicos,
U

geográficos e comportamentais servem como pontos de uma possível identificação


cultural” (GUIMARÃES, 2009, p. 255).
A cooperação entre profissionais do artesanato, seus modos de organização cole-
tiva para produzir, expor e comercializar seus trabalhos estão em diversos contextos.
As miniaturas em cerâmica de Mestre Vitalino, ainda renovadas por seus descendentes,
G

fizeram do povoado do Alto do Moura (PE) um polo de cerâmica figurativa de renome


mundial. As cooperativas de ceramistas de diversas localidades no interior do país pro-
movem sustento e trabalho em conjunto para grandes grupos de pessoas, cultivando
fazeres ancestrais, pré-coloniais. A produção de utilitários e imagens religiosas enta-
lhados em pedra-sabão nas cidades mineiras do ciclo barroco, as técnicas de cestaria
e entalhe em madeira que alguns povos indígenas mantêm entre suas atividades, o
deslocamento constante de praticantes do artesanato que se dedicam ao andarilhar, Que miniaturas estão mais
presentes no cotidiano
entre tantos outros exemplos, são elementos culturais a serem considerados quando
adolescente? Há produções
tratamos da presença do erudito e do popular em nossos cotidianos. artesanais ou apenas
O Coletivo Kókir, palavra que na língua Kaingang quer dizer “fome”, desenvolve um objetos produzidos
trabalho em conjunto com o povo indígena Kaingang de Ivaí/PR, que frequenta a Assindi em escala industrial?
Que relações eu faço
(Associação Indigenista de Maringá/PR). Esse projeto pensa em uma fome que não se
entre o meu cotidiano
restringe apenas à necessidade de comida, mas que se estende pela fome de respeito e o contexto por trás de
e de mistura. A exposição, que ocorreu simultaneamente em dois espaços expositivos uma miniatura que retrata
distintos de Curitiba/PR (Galeria Farol Arte e Ação e Museu Paranaense), em 2016, busca culturas regionais?
assim uma conversação entre arte indígena e contemporânea.

65
PARA OUTRAS CONEXÕES
COLETIVO KÓKIR

D
Você pode ter acesso a mais informações e obras que fizeram parte
da exposição no catálogo disponível em: <http://www.olharcomum.
com.br/wp-content/uploads/2016/10/CATAL-KOKIR-2016.pdf>.
Acesso em: 22 nov. 2020.

L
VIVÊNCIA (EM13LGG603)

Partilhando fazeres manuais


Reúna-se com colegas de trabalho e façam uma lista de fa-
zeres manuais conhecidos por cada participante. Conversem so-

N
bre as questões afetivas envolvidas em cada uma dessas práticas.
Como cada pessoa aprendeu essas práticas? Quais envolvem exer-
cícios solitários e quais acontecem em coletivos? O que mudou e o
que se mantém na produção (há produtos industrializados simila-
res?) e distribuição (venda, troca, acesso) dessas materialidades ao
longo dos tempos?

P
Dentre as práticas listadas, selecionem algumas, juntem os ma-
teriais necessários e façam um ou mais encontros para uma produ-
ção coletiva. Nessa produção vocês podem experimentar combinar
elementos aparentemente distantes, como o crochê e a produção de
SILVA, Luiz da; SILVA, pamonha, o origami e a pintura em tecido, etc. O que os processos e
Joanilton. Barão de Antonina. os produtos gerados nessas experiências provocaram na relação en-
tre as pessoas envolvidas e nos elementos culturais experimentados?
IA
2016. Carrinho de mercado e fibra
sintética, 57 cm 3 92 cm 3 105 cm.

Múltiplas culturas
O que é cultura para você? Como você olha – e como convida estudantes a olhar
– para diferentes produções culturais? Esse olhar se dá como uma apreciação de
algo exótico, estanque e preservado? Ou como atividade fluida, viva e presente?
Uma abordagem educacional relacionada a essas questões pode, segundo Raquel
Salimeno (2010), se associar a diferentes concepções de cultura. A autora as agrupa
U

em evolutivas e relativistas. A perspectiva evolutiva tem um modelo de cidade eu-


ropeia, ou europeizada, como auge de uma “evolução”, considerando “atrasadas” as
formas nativas, indígenas, tradicionais de vida. Já as concepções relativistas, mais
características da pós-modernidade, têm a cultura como dinâmica e presença em
diversas relações do micro com o macro, em compartilhamentos, formulações e
G

transformações. Docentes que assumem esta perspectiva produzem, segundo a


autora, ações que oportunizam uma mediação cultural, acompanhando e atuando
na construção de signos culturais.
As culturas não são puras, e com isso elas não se ligam à ideia de identidade imutável.
Como afirma Moacir dos Anjos (2005, p. 13), “antes de ser uma ontologia [...] a identidade
cultural é uma construção fincada em tempo e espaço específicos (todavia moventes) e em
permanente estado de formação”. Assim, as culturas são fluxos sempre em transformação e
têm sua sobrevivência ligada a uma não fixidez e uma abertura ao contato e à interconexão.
É característica das práticas artísticas contemporâneas a incorporação de uma
Como você descreveria a
cultura brasileira? É possível pluralidade de fazeres, entre eles alguns que em outros momentos da história eram
defini-la como “a cultura”, considerados restritos ao meio do artesanato. Observe, por exemplo, as imagens da
no singular, sem cairmos artista Vanessa Freitag a seguir. Que deslocamentos e possibilidades outras elas podem
na armadilha de fixar acionar nas concepções de arte e artesanato que conhecemos?
uma identidade baseada
em formas e práticas Além das pesquisas com ceramistas, citadas anteriormente, Vanessa Freitag produz arte
generalizadas? têxtil, utilizando-se de ações de costurar e preencher volumes que são características da
costura artesanal. “A problematização sobre o saber fazer e o saber pensar; e sobre aquilo

66
que é ‘único’ e/ou ‘repetitivo’, são por mim indagados através da pesquisa plástica” (FREITAG, 2020, p. 15). Suas
peças são “esculturas a partir de restos de tecidos e fios. São formas orgânicas que, por vezes, evocam elementos

D
e motivos que frequentemente adornam, decoram, enfeitam as peças artesanais: a flora e a fauna” (2020, p. 15).
E em relação às imagens das artistas Lorena Rosa (Brasil) e Mana Morimoto (Japão), que outros questio-
namentos podemos produzir para além de delimitações sobre técnicas e linguagens? O que essas produ-
ções convidam a pensar ao trazer o fazer artesanal como elemento constitutivo de seu processo de criação?
As duas artistas, cada uma a seu modo, investem nos fazeres artesanais do bordado como campo para

L
pesquisas artísticas. Ambas demonstram uma atenção para a temática do lugar da mulher na sociedade
contemporânea, associando a uma narratividade crítica técnicas de uma atividade que se constituiu em
tradições patriarcais como um modo de manter a mulher numa posição social ornamental e submissa.
O bordado, apesar de seu uso histórico nessa manutenção de relações de poder, é também um dos modos
pelos quais essas mulheres questionam esses preconceitos socialmente enraizados, produzindo com a arte

N
um modo de resistência em meio às relações de poder que atravessam o cotidiano.
VANESSA FREITAG - COLEÇÃO PARTICULAR

VANESSA FREITAG - SIN TÍTULO GALLERY, SÃO FRANCISCO, CA


P
IA
FREITAG, Vanessa. Raízes. 2019. Crochê e costura com restos de tecido
e cadarços de sapatos, 160 cm 3 180 cm.
FOTOGRAFIA: LORENA ROSA - COLEÇÃO PARTICULAR

FREITAG, Vanessa. Raízes. 2019. Crochê


e costura com restos de tecido e cadarços
de sapatos, 20 cm 3 35 cm 3 40 cm.
U

COLEÇÃO PARTICULAR
G

ROSA, Lorena. Tua Filha. Linha de algodão bordada MORIMOTO, Mana. Girls are evil.
sobre algodão cru. Bordado sobre fotografia.

67
O Coletivo Almofadinhas, formado por três artistas homens (Fábio Carvalho, Rick Rodriguez e
Rodrigo Mogiz), propõe também uma crítica aos estereótipos de gênero em seus fazeres, misturan-

D
do o bordado e outros artesanatos culturalmente considerados femininos a signos de força bélica,
militar, viril, usualmente atribuídos ao masculino. Cada um dos artistas problematiza com os seus
bordados, e por diferentes caminhos, os modos como masculinidades são produzidas nessas culturas,
questionando a preconcepção de que força, poesia, virilidade, delicadeza, vulnerabilidade e fragili-
dade não possam existir ao mesmo tempo, em uma relação não dicotômica, sem serem atribuídas

L
ao masculino ou ao feminino.

PARA OUTRAS CONEXÕES


• Você pode buscar na internet o catálogo da exposição “Almofadinhas”, realizada no Sesc Palladium, em Belo

N
Horizonte. Encontre também outras produções dos artistas nos sites: <almofadinhasbr.blogspot.com> e
<http://www.fabiocarvalho.art.br>. Acessos em: 22 nov. 2020.
• No documentário “Artesania”, que pode ser acessado no site da série “Brasil Visual” (<http://www.brasilvisual.
art.br/portfolio/artesania/>), é possível transitar por mais algumas conversações entre artesania e arte con-
temporânea. Acesso em: 22 nov. 2020.

P
RICK RODRIGUEZ - COLEÇÃO PARTICULAR

COLEÇÃO PARTICULAR
IA
Legenda nono no
nonon
U

MOGIZ, Rodrigo. Don’t hurt me.


RODRIGUEZ, Rick. Série [quase] um lar para habitar. Bordado. Crochê, bordado, roupa reciclada e alfinetes.
COLEÇÃO PARTICULAR
G

CARVALHO, Fábio. Fado


Indesejado. Bordado.

68
Corpos e culturas em movimento

D
Outros saberes tradicionais ou folclóricos, presentes em patrimônios culturais como o Car-
naval, as festas juninas, o Kuarup, a Congada, o Bumba-meu-Boi, a Folia de Reis, a Cavalhada,
o Fogaréu, as danças tradicionais regionais, são baseados na festa, na comunhão, no celebrar
juntos. Eles geram memória coletiva, afetos coletivos que têm função decisiva nos processos de
subjetivação de quem delas participa. São vividos tempos e espaços diferentes dos cotidianos,

L
desde a preparação e a espera coletiva pela sua chegada até a apoteose, o “grande momento”
que, por vezes, dura apenas algumas horas de um ano todo, mas que é pensado e ensaiado com
dedicação meses antes.
Esses tipos de atividade se caracterizam por um trabalho coletivo realizado por parte signifi-
cativa de uma comunidade a partir de uma série de simbologias, elaborando os elementos de um

N
evento em que vai ser contada uma história, geralmente de cunho religioso.
Os ternos de Folia de Reis encenam a narrativa dos Reis Magos que visitam o menino
Jesus. Há canto, organização e diversos elementos visuais, fitas, arcos, bandeiras coloridas,
com a presença de palhaços aludindo aos soldados de Herodes convertidos ao cristianismo.
Os ternos do Congado celebram Nossa Senhora do Rosário, em um diálogo entre narrativas,

P
movimentos corporais e visualidades originadas tanto no cristianismo quanto em religiões
africanas, refletindo o caráter híbrido que, desde a época colonial, caracteriza o processo de
constituição das culturas brasileiras.
A Cavalhada, tradição trazida pelos jesuítas em 1820, acontece anualmente em várias cida-
des de Goiás. Faz alusão às guerras entre cristãos e mouros e pertence ao imaginário popular
do Cerrado. Destacam-se entre as produções visuais da festa as máscaras de personagens que
IA
não participam da encenação de batalha, mas atuam em paralelo a ela em outras atividades e
posturas. A procissão do Fogaréu tem origens também dentro do cristianismo, usando a ico-
nografia da tocha e do manto colorido de capuz pontudo herdados de penitências medievais
portuguesas e espanholas. Neste evento anual, tradicional desde o século XVIII na cidade de
Goiás, os encapuzados, chamados “farricocos”, encenam descalços a busca dos soldados roma-
nos pelo Cristo no ano 33.
Toras Kuarup na
Celebrado por povos indígenas do Alto Xingu, o Kuarup é um ciclo de festas que começa com aldeia Piyulaga da
um ritual de homenagem a pessoas mortas queridas ou ilustres. Parte da cerimônia tem como etnia Waurá, em
Gaúcha do Norte,
destaque uma tora da madeira chamada Kuarup, que, para a cosmologia xinguana, é a substância
U

Mato Grosso,
de onde os povos vieram. em 2019.
Adornada com pertences e com a
RENATO SOARES/PULSAR IMAGENS

pintura corporal da pessoa homena-


geada, durante aquele momento aquela
tora é o centro das atenções e de toda
G

uma reverência com a qual ocorre o


término do período de luto e a liberta-
ção das almas para o mundo espiritual.
No final da celebração, as toras são
depositadas no rio Kuluene, voltando
a ser, no dia seguinte, simples peças de
madeira iguais às outras. É um modo de
se relacionar com os objetos que, em
contraste com “padrões” europeizados,
preza pelo desapego à permanência de
monumentos ou de riquezas materiais,
que se reflete também na alegria e festi-
vidade com a qual essas despedidas são
feitas, a fim de demonstrar para quem
se vai que quem fica se mantém com
firmeza e altivez.

69
VIVÊNCIA (EM13LGG202), (EM13LGG602)

Objetos e seus rituais

D
Imagine a seguinte cena: Pessoas dançando
Pense nas atividades ritualísticas de que você participa
aleatoriamente, sacudindo suas vestes de tecidos
ou já presenciou (cultos religiosos, batizados, festas, aniver-
coloridos para todos os lados, estampando alegria.
sários, casamentos, formaturas...). Descreva os elementos vi-
O que essa descrição lhe parece? Trata-se de uma festa?
suais que compõem cada uma dessas práticas. O que você
Uma performance? Bêbados animados pela rua?
sabe sobre eles (seus usos, suas simbologias)? Esses usos e

L
Que diferentes sensações esse acontecimento aciona como
simbologias permanecem inerentes aos objetos ou apenas
arte, como festa ou como espontaneidade da embriaguez?
durante atividades específicas (a exemplo das toras do Xin-
Como atos de alegria podem produzir arte e cultura?
gu)? Quem produz esses objetos? Como eles são produzidos?
Que histórias culturais eles carregam? Que outras histórias
são produzidas hoje com a presença deles? Proponha esse

© PROJETO HÉLIO OITICICA - © TATE (IVO GORMLEY) 2007.


exercício também como um cultivo, com estudantes da es-

N
cola em que você atua.

Uma presença peculiar de saberes populares na arte


é a experiência do artista Hélio Oiticica expandindo sua
pintura rumo ao espaço tridimensional por meio de vestes

P
coloridas destinadas a ações performáticas. Tanto a criação
dos chamados parangolés quanto a dança improvisada de
quem os veste remetem diretamente a fazeres do artesa-
nato (corte e costura) e à corporalidade de manifestações
populares como o Carnaval.
IA
“O que podemos pensar com uma arte que cruza essas
fronteiras, que as questiona de modo irreverente? Expul-
sos do museu, os Parangolés de Oiticica não se abalaram.
Em vez disso tornaram-se referência para as quebras de
paradigmas que viriam a ser empreendidas na arte contem-
porânea. O próprio conceito de artista é assim deslocado do
pedestal de genialidade que a instituição coloca sob ele e
passa a dialogar com seu contexto, com as dificuldades e a
U

alegria vividas pelo povo. “Deixa de ser o criador de objetos


para a contemplação passiva e passa a ser um incentivador
da criação pelo público” (PARANGOLÉ, 2020). O público em
ação se transforma e completa o ciclo do Parangolé, pois é
somente quando este está em movimento que a obra de OITICICA, Hélio. Parangolés. Performance realizada em 2007, no
G

fato acontece. evento The Long Weekend, Tate Modern, Londres.

PARA OUTRAS CONEXÕES


Mais informações sobre festas populares e folclóricas vinculadas às raízes indígenas e africanas do Brasil
podem ser encontradas nos endereços a seguir (acessos em: 7 dez. 2021):
• No Portal São Francisco, <https://www.portalsaofrancisco.com.br/>, visite, na categoria “História do Brasil”,
a seção “Festas Populares do Brasil”.
• Registros de eventos e materiais didáticos do Projeto Folclore, desenvolvido na Unicamp desde 1992:
<https://www.unicamp.br/folclore/>.
• Jangada Brasil, sobre folclore brasileiro: <https://web.archive.org/web/20200919022611/http:/www.
jangadabrasil.com.br/>.
• Povos Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA): <https://pib.socioambiental.org/pt/
P%C3%A1gina_principal>.
• Revista Tellus, sobre as populações indígenas, especialmente sul-americanas, publicada pelo Núcleo de Estudos
e Pesquisas das Populações Indígenas (Neppi), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB): <https://tellus.ucdb.
br/tellus>.

70
VIVÊNCIA (EM13LGG202), (EM13LGG302), (EM13LGG602)

D
Pergunte aos objetos
Procure em seus pertences, ou nos de pessoas conhecidas que autorizarem, três artefatos
artesanais com idades diferentes, entre eles pelo menos um utilitário. Investigue que histórias
cada objeto pode contar enquanto narrativa e enquanto relação afetiva. Procure montar uma
conversa com esses objetos, um de cada vez. Você pode partir das perguntas abaixo e também
produzir outras para movimentar essa conversação:

L
• Quem o fez foi alguém de seu convívio próximo? É possível conversar com essa pessoa?
• O artesanato era o trabalho principal dessa pessoa, ou um passatempo?
• Há como conhecer a história do objeto, como e quando foi feito, a quem pertenceu antes,
por onde passou?

N
• Qual é o material com que ele foi feito?
• Caso não haja acesso à autoria da peça, é possível deduzir, pelas marcas de ferramentas
ou outras pistas, como foi seu processo de produção?
• Esse processo e materiais ainda são hoje utilizados da mesma forma?
• Que ligação esse objeto tem com a sua história de vida?

P
• Que ligação esse objeto tem com culturas regionais, tanto do seu contexto quanto do
dele mesmo?
• Que conexão é possível estabelecer entre esse objeto e estudantes do Ensino Médio? (Pensar
questões além do “abismo entre gerações”.)

Faça aos seus objetos essas perguntas e outras que forem sendo suscitadas no momen-
to. Agradeça aos objetos pelas respostas que eles lhe tenham dado, cada um a seu modo.
IA
Agradeça mesmo se você não obteve nenhuma resposta, pois isso pode movimentar você a
criar sua própria versão delas. Por fim, pense também em outras relações que esses objetos
possam ter uns com os outros e com a sua história de vida e o seu contexto cultural.
Elementos dessa vivência podem também ser estendidos à prática com estudantes e ao
diálogo com profissionais do artesanato, relacionando-se, assim, ao cultivo “Investigando o
artesanato local”.

O “visual” nas artes visuais Competências gerais: 3, 4, 10


U

Em que pensamos quando ouvimos falar em “artes visuais”? Em que lugares e com que
atitudes vamos em busca do contato com essas produções? Seriam as artes visuais apenas
visuais? E o próprio visual, seria ele uma experiência a ser vivenciada apenas pelos olhos?
G

Culturas do ver
Foi na academia, já no século XX, que a ideia de “artes plásticas” passou a ser difun-
dida, caracterizando uma produção mais intelectualizada ao mesmo tempo que ligada
à materialidade. Essa ênfase no termo “plásticas” restringia o campo aos trabalhos que
envolvem o ato de dar forma a uma matéria-prima física. Ela foi, no fim do século XX,
gradualmente dando lugar, em estudos e departamentos acadêmicos, ao termo “artes
visuais”, categoria que abrange a anterior e outras que não lidam diretamente com O que chamamos de visual
materialidades plásticas. A fotografia encontra ali um lugar mais confortável, espe- nas produções artísticas ao
cialmente em seu processo de migração para os meios digitais. A arte do vídeo e a da longo dos tempos
que nos permite associar
informática em geral são contempladas, mas o termo “visual” surge para priorizar um uma pintura neoclássica,
sentido que já vinha sendo demarcado ao longo dos tempos – a visão. um estatuário barroco, uma
Culturalmente, o verbo “ver” é usado como sinônimo de compreender, elucidar. imagem digital e uma arte
conceitual a um mesmo
Essa noção traz concepções que remetem ao Iluminismo, já que seu próprio nome campo de estudo –
já associa à razão um atributo predominantemente visual. O pesquisador português artes visuais?
Victor Flores (2012) trata dessas questões a partir da categoria da crença, uma criação

71
de realidade que é útil ao sujeito em sua experiência com o mundo. Um tipo de busca
por equilíbrio pela confiança. Ao devotarmos nossas crenças de que a verdade pode

D
ser alcançada pelo sentido da visão, direcionamos inclusive nosso vocabulário a essa
Que visão seria essa capaz
de apresentar verdades valorização do visual: “ver para crer”, “ter uma visão deturpada”, “a luz da razão”, entre
ou enganar o saber? diversas outras figuras de linguagem.
Seria do sentido fisiológico Alguns discursos “antioculares” (FLORES, 2012) podem estar no Impressionismo e
da visão que se estaria no Cubismo, que questionaram a verdade daquilo que o olho vê e as próprias filosofias

L
falando? Que força teria
que se voltam mais à experiência, como a de Merleau-Ponty, que pensa a experiência
a arte na construção
desses conhecimentos? do mundo como vivida a partir de um corpo aberto e sensível. Para ele, a percepção
é anterior à reflexão, não se submetendo aos modelos de representação e auxiliando
o conhecimento. Seria desse modo necessário à visão se integrar aos outros sentidos.
É possível então dizer que o “ver” tem sido uma escolha social para definir verdades

N
sobre o mundo. Mas há muitos discursos que compõem nossas capacidades de dizer,
entender e criar algo sobre o que vemos, sobre o que sentimos, sobre as relações que
temos com uma situação, seja por meio de que sentido for.
Como podemos A respeito desta temática das visões, cabe aqui relembrarmos a importância de
experienciar o ver
o Estado promover uma educação que acolha estudantes com diferentes caracte-
independentemente

P
da percepção visual
rísticas cognitivas e sensoriais. É previsto no Decreto no 7.611/2011 que o Estado
possibilitada pelos olhos? “deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que
O que e como uma possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, trans-
pessoa cega vê? tornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (Art. 2o).
Esse compromisso, tendo o Atendimento Educacional Especializado (AEE) como auxi-
liar, é diretamente endereçado às necessidades específicas de estudantes e preza por
IA
sua iniciação na linguagem de sinais e no uso de tecnologias assistivas; é, portanto,
algo cuja implantação e manutenção são direitos da escola pública, que deve lutar
PARA OUTRAS CONEXÕES por eles e também pela constante construção coletiva de uma conduta cotidiana que
• Cada pessoa tem seus modos possa evitar situações excludentes.
de sentir o mundo, de percebê- Como temos abordado essas questões em nossas práticas docentes? O paradigma
lo e de ser afetada por ele. da “inclusão” tem como possível consequência incluir pessoas que tenham potenciali-
Escute este áudio, de Marco
dades, capacidades, complexidades distintas em uma proposta que nem sempre está
Antonio de Queiroz (2006),
sobre a beleza para um cego: preparada para contemplar suas necessidades. Podemos pensar as singularidades
<http://www.bengalalegal. nos modos de relação com o mundo e com a aprendizagem como algo que pode nos
U

com/percepcoes#som>. mover também a aprender de modos diferentes. Ao não focarmos nas necessidades de
Acesso em: 22 nov. 2020. cada pessoa como uma falta, mas naquilo que pode ser construído a partir do que essa
• Continue a pensar sobre necessidade produz a cada vez, em uma conversação que nunca está dada antes do
essas relações de uma encontro, podemos abrir vias para outros modos de aprender e aprender sobre outros
criança cega com o mundo, sentidos de que dispomos.
buscando na internet o
G

curta-metragem espanhol Como nos instiga a pensar Spinoza (2016), em obra publicada originalmente no
Los colores de las flores, de século XVII, não podemos definir de antemão o que um corpo pode; somente o encon-
JWT/ Fundación ONCE, 2011. tro, as composições nas quais esse corpo entra, é que dirão o que ele pode a cada vez.
• No texto “Experimentações O que uma pessoa com deficiência visual tem a ensinar sobre a visão? Como ela experi-
fotocartográficas e deficiên- menta processos de aprendizagem em arte por meio do toque, da audição, das partilhas
cia visual: para pensar con- entre colegas, da atenção dedicada ao mundo a partir de suas experiências singulares?
tra-sensos em educação”,
Daniele Noal Gai e Felipe
Falar sobre cegueira tendo a visão como base ou como primeiro tema abordado,
Leão Mianes (2012) propõem por exemplo, seria subordinar toda uma gama de características a serem estudadas
experimentações com a ma- à comparação com uma normalidade construída por discursos hierarquizados de
terialização de conceitos sentidos. Virgínia Kastrup (2014) propõe que essa concepção de estudos sobre edu-
junto da produção de fo- cação inclusiva, que enfatiza seus esforços em torno da falta, possa dar lugar a uma
tografias, para um grupo concepção que procura conhecer e potencializar os elementos que fazem parte do
composto de pessoas cegas
universo dessas pessoas – que é o caso de sua abordagem de aprendizagem chamada
e videntes. O texto busca
pensar a produção de sen- “Cognição Inventiva”. Quando pensamos a aprendizagem sob a ótica da invenção de
tidos entre visão, cegueira e problemas, explorada por Kastrup, podemos tomar a ausência da visão não como um
[in]visibilidade. problema a ser resolvido para que estudantes atinjam plenas condições de acesso ao
saber, mas como um caminho para que outros problemas sejam inventados, como

72
problematizadores das próprias relações de verdades que construímos com o mun-
do por meio da visão. No campo da educação das artes visuais, podemos passar da

D
pergunta “O que você vê?” para outras como “O que a ênfase na visão produz nas suas
relações com o mundo?”, “De que outras maneiras podemos experimentar e produzir
arte sem a necessidade da visão?”.

VIVÊNCIA

L
(EM13LGG503), (EM13LGG603)

Explorando sentidos e sensações


De olhos fechados ou vendados:
• Registre, através da escrita a lápis, o que consegue perceber em seu entorno. Procure fazer

N
que esse registro seja de sensações, e não de representações (por exemplo, não desenhe
um carro, mas as sensações de movimento/vibração que o som de seu motor lhe faz sentir).
• Trabalhe com as intensidades do lápis sobre um papel. Experimente o movimento, a textura,
o som emitido...
• Aperte entre os dedos algum material plástico, como massa de modelar, argila ou mesmo
massa de pão no processo de sova. Preste atenção à textura, à resistência que ela oferece ao

P
seu esforço, à troca de umidade entre sua pele e o material, ao que acontece com sua pele
quando são deixados restos do material secando sobre ela e a quaisquer outras sensações
que vierem. Anote-as.

Estas vivências não são para videntes (termo utilizado para definir pessoas não cegas)
“simularem” a cegueira, pois isso seria incorrer em uma lógica impossível para quem tem a
visão como principal via de percepção de mundo. Seria comparar a cegueira a uma situação de
IA
apenas privação de um sentido do qual videntes normalmente dependem muito, sem pensar
quanto uma vida pautada por outros sentidos traz outro rumo às aprendizagens perceptivas
da pessoa cega.

Experimentações que não se restringem ao visual

MOMA, NY, EUA. AGRADECIMENTO - ASSOCIAÇÃO CULTURAL “O MUNDO DE LYGIA CLARK”


REPRODUÇÃO. AGRADECIMENTO - ASSOCIAÇÃO CULTURAL “O MUNDO DE LYGIA CLARK”
U
G

CLARK, Lygia. Máscaras Sensoriais. 1967.

CLARK, Lygia. O Eu e o Tu.


1967. Borracha, espuma, vinil,
acrílico, zíper, água e tecido.

73
No amplo universo da arte contemporânea, há uma gama de experiências que envolvem sentidos
que não se restringem aos da visão e da audição. Em algumas experiências sensoriais de Lygia Clark,

D
o sentido da visão é obstruído, sendo priorizados outros menos comuns, como tato, audição e olfato.
A participação do público se dá em processos de vestir acessórios, manipular texturas, habitar am-
bientes. Ainda que haja uma plasticidade única sendo explorada, por exemplo, nas formas, texturas
e cores vibrantes das vestes de O Eu e o Tu, como se vê na página anterior, estas atuam apenas como
elementos de uma experiência que tem foco em outros sentidos que não o visual.

L
Se, em um trabalho feito dentro do campo das artes visuais, o visual é suprimido, o que acontece com
esse campo? Para pessoas videntes, vivenciar um tipo de proposta que exclua o sentido da visão acaba
sendo, de certo modo, um fenômeno que também é da ordem do visual, dado o impacto dessa ausência
de um estímulo que é tão cotidiano. E essas propostas sensoriais de Lygia Clark nos instigam a pensar,
através de um extremo, quanto não são apenas “visuais” essas artes na contemporaneidade, dado que é

N
característico do fazer artístico questionar seus meios, explorar seus limites e extremidades. Ou, ainda, nos
faz ampliar o conceito de visual e visualidade para fora de questões puramente fisiológicas.
“O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê, é preciso transver o mundo” (BARROS,
2015, p. 102). O pensamento que “transvê” o mundo, como na poesia de Manoel de Barros, vê em
trânsito, atravessa e conecta visões, criando outras possibilidades. Não se apega apenas àquilo
que atinge o olho, mas se entrega a essas misturas, movimentos, associações entre diferentes

P
perceptos e afectos que se refletem em sua construção de mundos. A experiência estética se
produz junto aos estranhamentos e vias problematizadoras que se inauguram em nossas relações
com o mundo através dos nossos sentidos. Não se trata de recognição, mas de sensações que
são atualizadas/criadas ao deixarmos nossos sentidos disponíveis aos encontros.
Marcos Villela Pereira (2012) nos convida a pensar no que ele chama de atitude estética, a qual diz
respeito a essa abertura e disponibilidade para os efeitos que aquilo com que nos encontramos produz
IA
em nós, na nossa percepção, no nosso modo de sentir o mundo.
Cao Guimarães, na obra Histórias do não ver, se propõe a experienciar a fotografia sem ser comandado
pela visão, que, segundo ele, sempre lhe pareceu tirânica em relação aos outros sentidos. Entre 1996 e
1998, em diferentes partes do mundo, ele propõe a algumas pessoas que o sequestrem e o levem com
os olhos vendados para aonde quiserem, desde que ele pudesse levar consigo sua câmera fotográfica. As
fotografias e as escritas a partir dos sequestros compuseram um livro e uma videoinstalação.

PARA OUTRAS CONEXÕES


U

Você pode acessar parte da obra Histórias do não ver, bem como outras produções do artista Cao
Guimarães, em sua página: <http://www.caoguimaraes.com>. Acesso em: 22 nov. 2020.

Transitando por universos adolescentes Competências gerais: 3, 6


G

O confronto com as imagens e seu consumo nos possibilita apropriações e criações, atravessan-
do a produção de subjetividades, especialmente na adolescência. Cabe, portanto, entendermos
que não há uma “juventude” ou uma “adolescência” essencial, estereotipada a partir de conflitos
já dados, mas sim um universo de possíveis adolescências, cada uma com suas características,
mas que têm em comum serem afetadas diretamente por seu entorno imediato (família, colegas,
amizades, redes, imagens...).
E se aproveitarmos os diversos contextos culturais dentro dos quais jovens fazem seu habitat
como lugares instigadores de debates sobre criação e coletividade? A possibilidade de experimentar
novos modos de se portar, de se expressar, de pensar caracteriza esse momento como fértil para que
a juventude possa problematizar a construção de sua subjetividade e dos diferentes laços de perten-
cimento que ela cria em diversas situações (em casa, com amizades, na escola, em uma festa etc.).

Alfabetismo da cultura visual


Nossos cotidianos estão cada vez mais encharcados de imagens, e “as imagens estão encharcadas
de valorações sociais” (MARTINS, 2010, p. 27). Muito já foi dito e realizado pensando em como jovens
podem criar ferramentas para ver essas imagens de um modo questionador, sem que elas promovam

74
enganos. A “alfabetização visual” foi uma teoria educacional que, a partir dos anos 1950,
se preocupou com a influência da televisão na educação. Tal mídia era recente e gerava

D
preocupações sobre como as informações que circulavam por ela poderiam ser recebidas
O que as imagens que
passivamente se não houvesse uma aprendizagem que subsidiasse o contato das pessoas
me cercam dizem de mim,
com essas visualidades. Essa alfabetização visual era baseada em uma decodificação de da sociedade onde vivo,
significados associados a diferentes imagens, cores e sinais (HERNÁNDEZ, 2009), mas dos meus repertórios, dos
sofria de uma certa fixidez para esses significados. Entendia-se a imagem como algo conceitos e preconceitos

L
que poderia ser lido como um texto, a partir da decodificação de seus códigos visuais. que carrego? Que respostas
Conhecimentos sobre padronagens visuais são úteis para melhorar certas relações práticas alternativas podemos
do nosso dia a dia, como as diversas formas de sinalização de locais públicos, de trânsito, inventar na nossa relação
mas não servem para a necessária tarefa de pensarmos nossas relações com as construções com elas?
sociais. A perspectiva de estudos da cultura visual se endereça a essas relações, em como
as imagens fazem parte de nossa experiência no mundo e a transformam.

N
Você já experimentou descrever em palavras uma imagem para alguém? E produzir
uma imagem através de uma descrição? É possível produzir esses movimentos com
decifrações exatas, sem provocar a geração de novos textos e novas imagens? Tendo em
vista esse caráter múltiplo das experiências sociais do visual, Fernando Hernández (2009)
propõe uma problematização quanto à alfabetização visual e à leitura analítica e formal

P
da imagem como se fosse um texto visual. O autor enfatiza que a imagem não pode
ser lida da mesma forma com que se lê um texto, ao passo que há uma espacialidade e
simultaneidade na imagem que envolve outra relação com ela. Propõe um alfabetismo
da cultura visual que envolve uma “diversidade de práticas e de interpretações críticas,
a respeito das posicionalidades subjetivas e das práticas sociais do olhar” (HERNÁNDEZ,
2009, p. 207). Ao colocarmos em conversação formas alternativas de relação com a ima-
IA
gem na educação das artes visuais, podemos acionar com isso vias de experiência com as
imagens, que possam atuar na produção de respostas alternativas e singulares a esquemas
reprodutivos e homogeneizadores de subjetividades e de relações com o mundo cotidiano.
Nessa perspectiva é possível estudar a produção de sentidos no diálogo com as imagens,
sejam elas pertencentes ao que se denomina artes visuais ou não, focando-nos menos na
aquisição de uma gramática para acesso a signos visuais e mais em como realidades podem
ser pensadas e criadas com imagens, negociando e produzindo sentidos. Isso faz com que
estudantes se sintam atuantes não apenas quando experimentam materialidades artísticas,
U

mas também quando tecem conexões entre objetos e temáticas que perpassam as produ-
ções culturais. “As construções são múltiplas e se alimentam de contradições constantes.
Cada indivíduo arma processos e experiências, atravessa diversos lugares e seleciona histórias
para construir seu próprio itinerário” (VICCI, 2016, p. 186).

Juventudes na produção de culturas


G
FOTO: BARRY KITE - ABERRANT ART GALLERY, FLÓRIDA, EUA.

KITE, Barry. Bikers


sur l’herbe. 2014.
Colagem.

75
Os movimentos culturais da etapa da vida que compreende a adolescência são por excelência
espaços de construção de saberes visuais: as culturas dos diversos contextos da cidade (inclusive o

D
escolar), as comunidades formadas dentro de universos ficcionais online, as culturas de fãs, as intera-
ções em redes sociais etc. O fato de esses contextos não estarem vinculados à narrativa oficial da arte
não quer dizer que os estudos empreendidos em arte no âmbito escolar devam também se manter
afastados deles. É característica desse contexto adolescente uma busca por participação em redes e
grupos, mas também por singularidades, sem a necessidade de fixação de identidade.

L
CULTIVO (EM13LGG601), (EM13LGG603), (EM13LGG604)

Entre o passado e o presente das imagens

N
Convide estudantes a procurar imagens canônicas da História da Arte que são constantemente explora-
das em imagens comerciais, clipes, produtos, releituras (alguns exemplos mais recorrentes são a “Mona Lisa”
e a “Última Ceia”, de Leonardo da Vinci). Peça que imprimam ou, quando possível, levem imagens digitais de
obras clássicas em seus formatos originais. Proponha, com isso, a produção de colagens (com papel ou digi-
talmente) que as coloquem em outras situações contemporâneas.
Em um segundo momento, proponha um movimento oposto, com um exercício imaginativo em que ima-

P
gens produzidas na atualidade voltem no tempo e sejam adaptadas para os contextos das épocas canônicas
utilizadas no momento anterior (no exemplo, a Renascença). Como isso ocorreria? O que essa conexão pode
produzir ou instigar a pensar?
Esse exercício imaginativo nos aproxima das práticas culturais, tecnologias e crenças que permeiam a criação
de imagens. Ele pode ganhar novas dimensões se experienciado junto a docentes de História, Literatura e Lín-
gua Portuguesa, estudando costumes e linguagens das diferentes épocas na elaboração dessas materialidades.
IA
Jovens são, para Canclini (2004), quem pode mudar a escola por dentro, necessitando, para isso,
que ela lhes escute e se proponha ao que ele chama de “rejuvenescer”, que podemos pensar aqui como
um devir-jovem, que não pretende regressar a uma juventude já vivida, mas que inventa juventudes
possíveis no agora, um devir-jovem da escola.
A escola devém juventude quando entende como pode, ao mesmo tempo, dar conta de ensinar
e de ser um espaço de sentidos singulares para a experiência estudantil. Assim, enquanto docentes,
temos como possibilidade “colocar em jogo nosso papel, que ocupamos no momento de nos vin-
cularmos aos jovens, [...] para tentarmos nos colocar em um espaço de colaboração” (VICCI, 2016,
U

p. 194). É nesse movimento que podemos atuar instigando uma produção conjunta de caminhos
para que essas produções culturais sejam abordadas de modos problematizadores e inventivos,
abrindo possibilidades para criações de si e do mundo na nossa relação com imagens da arte e de
outras instâncias de produção imagética. Diversos mundos estão sendo criados durante essa etapa
da vida. Em diferentes contextos – urbanos, rurais, centrais, periféricos, escolares, não escolares – há
G

elementos visuais, sonoros, comportamentais, que vão sendo cultivados por jovens coletivamente.
É um fenômeno bem diferente do pertencimento a uma seita, em vez disso é a construção, maleável
e em conjunto, de comunidades aglutinadas pelo interesse em elementos culturais comuns.
Entre as pesquisas que nos ajudam a pensar relações entre adolescência, visualidade e escola,
está o estudo de Aldo Victorio Filho (2014) sobre adolescentes e culturas da periferia, onde se dão
produções em diversos âmbitos, como o grafite, o rap, o funk, as danças de rua e uma série de
outros modos coletivos de criação. Embora o funk carioca escandalize certos setores da sociedade
(especialmente quando faz uso de vocabulário considerado obsceno e quando aborda temáticas
em torno de uma realidade permeada por diversos tipos de violência), é um contexto em que se
constroem muitos dos imaginários juvenis de periferias urbanas. Em torno do funk, toda uma esté-
tica é elaborada em roupas, cortes e cores de cabelo, músicas, modos de falar e de se movimentar,
imagens, memes... Todo um pertencimento é forjado a cada vez nas formas “de ver e criar o mundo,
de ensiná-lo ao mesmo tempo que o aprende” (VICTORIO F., 2014, p. 275). As produções que giram
em torno da festa, que envolvem afeto, comunidade, e esses lugares nos quais são produzidos entre
jovens diferentes laços de pertencimento são propícios a um tipo de relação com diversos conhe-
cimentos importantes para suas vidas que muitas vezes são ignorados pelas disciplinas escolares.

76
CESAR DINIZ/PULSAR IMAGENS

D
L
N
Estudantes na Escola
Municipal Polo
Indígena MBO’eroy
Guarani Kaiowá,

P
em Amambai, Mato
Grosso do Sul,
em 2018.

CULTIVO (EM13LGG601), (EM13LGG602), (EM13LGG603)

Exercício para introduzir uma aula sobre cultura de fãs


IA
Imagine a sensação de vazio no cotidiano quando uma série ou livro de que você gosta muito chega ao
fim. É como se essas personagens, que fizeram parte de sua rotina, compartilhando com você um momento
importante do dia ou da semana, fossem embora de repente. E se, em vez de partir para outra narrativa, você
optasse por dar continuidade a essas vidas ficcionais queridas, imaginando a continuidade de seus conflitos,
relacionamentos, trajetórias? Ou ainda, ao inconformar-se com o rumo que a história de um livro tomou, você
decidisse reescrevê-la, dando às personagens um universo paralelo de existência? No decorrer dessa experi-
mentação, proponha que esse exercício de continuidade narrativa seja feito por meio de escritas, fotografias,
vídeos, histórias em quadrinhos, etc.
U

É em uma situação similar ao exercício do cultivo “Exercício para introduzir uma aula sobre cultura
de fãs” que fãs de determinadas produções ou personalidades do cenário cultural têm construído
comunidades de criação. Acentuado pela internet, esse fenômeno chamado fandom consiste na co-
nexão entre pessoas que se dedicam a colecionar, apoiar e acompanhar aquilo que um determinado
G

objeto de devoção produz. Mas não se trata apenas de um consumo acrítico, como se pressuporia pela
origem da palavra fã, radical de fanatismo. Há a produção de fãs, especialmente nas categorias fanfic
(ficção de fã) e fanart (arte de fã), em que são inventadas continuações, cenas ou rumos alternativos
para as narrativas tomadas como referência.
Essas experiências já foram compartilhadas de diversos modos, como por carta entre fãs no for-
mato de fanzine, publicação artesanal independente impressa e encadernada geralmente com baixo
orçamento, que teve seu auge em tempos anteriores à popularização da internet e hoje em dia segue
coexistindo entre os meios impresso e digital.
Ainda que haja o encontro presencial, a festa, show, espetáculo, feira, etc. onde as pessoas se encon-
tram para apreciar o objeto de interesse em comum, comemorar uma data importante relativa a esse
objeto, conversar sobre ele e até fazer circular suas produções tem sido uma ação frequente, contando-se
também com o uso da internet para esses fins. Vastas redes de fãs se reúnem em redes sociais e fóruns da
internet para conversar sobre episódios da série a que estão assistindo, sobre o próximo clipe da banda
favorita que têm em comum, sobre o livro que determinada autora está escrevendo ou o próximo filme
de uma franquia específica, mas também muitas vezes para apreciar imagens ou histórias alternativas,
não oficiais, de criação própria, envolvendo esses universos ficcionais.

77
REPRODUÇÃO/FRASERS CENTREPOINT MALLS
D
L
N
P
O maior encontro
de fãs de Guerra nas
Estrelas, Guinness
Book, em Cingapura,
em 2017.

Esses locais de fandom são então comunidades onde pessoas de diversas idades e origens debatem
IA
sobre artefatos culturais de sua preferência, algumas colecionando suvenires e edições raras, outras
comentando a biografia das pessoas admiradas, outras divulgando suas produções inspiradas nessas
pessoas ou em sua obra.
Ao produzir ficções de fã, essas pessoas estão propondo contribuições ou distorções alterna-
tivas para o universo ficcional no qual se passa a obra original. Estão trabalhando e exercitando
questões relativas à construção narrativa, a modos de ambientação em uma pintura, ao caimento
de materiais para cosplays (fantasiar-se como personagens) e figurinos para teatro, foto ou filme,
a enquadramentos e montagem, e estão também imergindo e estudando detalhadamente o fun-
U

cionamento de um universo ficcional e criando a partir desses parâmetros (seja respeitando-os ou


transgredindo-os).
Esse conceito de universo ficcional tem funcionado, em produções realizadas a partir da
segunda metade do século XX, na composição do que chamamos narrativa transmídia, ou seja,
uma história cujos desdobramentos se dão em mídias ou plataformas diferenciadas que têm um
G

tipo de “pano de fundo” geral (MURRAY, J., 2003). Mundos desenvolvidos pela publicação em
conjunto de produções de histórias em quadrinhos realizadas por diversas equipes de artistas,
especialmente nos gêneros do humor, da aventura e de personagens heroicas e míticas, acabaram
fundando franquias de amplo alcance comercial, que estabeleceram bases para narrativas em
uma multiplicidade de mídias, não apenas em adaptações das mesmas histórias, mas também no
preenchimento de lacunas narrativas deixadas entre as diferentes instâncias. Guerra nas Estrelas,
de George Lucas, e Matrix, das irmãs Wachowski, são exemplos de universos ficcionais iniciados no
cinema e continuados ou complementados em diversas mídias, como a história em quadrinhos, a
animação, a literatura e os videogames.

Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de universos, à medi-
da que artistas criam ambientes atraentes que não podem ser completamente explorados ou
esgotados em uma única obra, ou mesmo em uma única mídia. O universo é maior do que
o filme, maior, até, do que a franquia – já que as especulações e elaborações de fãs também
expandem o universo em várias direções (JENKINS, 2009, p. 161-162).

Entendendo então a narrativa como algo construído em diversos momentos e com diversas vias
de entrada, é comum a vontade de fãs de participar dessa construção.

78
VIVÊNCIA (EM13LGG305)

D
Universos culturais que nos acompanham
Pense em objetos ou produtos que exploram universos ficcionais consumidos pelo público ado-
lescente. Talvez você os encontre em vitrines, nas roupas, na publicidade, na banca de revistas, nos
materiais escolares, na livraria, no circo, no teatro, no cinema, no show, na decoração da sorveteria...
Como esses imaginários se relacionam com os movimentos, posturas, linguagens, interações das pes-
soas que os consomem? Que impressões você tem sobre suas personalidades e hábitos antes de as

L
conhecer? Algo dessas impressões pode ser fruto de preconceitos e estereótipos alimentados pela
cultura na qual você se insere? Experimente conversar com adolescentes sobre isso, compartilhando
seus próprios referenciais de juventude, de modo a abrir caminhos para aprendizagens mútuas a par-
tir dos interesses culturais de cada geração.

N
CULTIVO (EM13LGG201), (EM13LGG603)

Um passeio com personagens


Que situações e narrativas poderiam ser criadas ao levar nossas personagens favoritas para “pas-

P
sear” em algum momento ou situação trazida por uma imagem da história da arte? Que aventuras,
problematizações e narrativas outras esse encontro pode produzir? Proponha esse exercício através
da escrita, do desenho, da colagem, da performance, da história em quadrinhos, da produção de vídeo
ou de qualquer outra linguagem que permita a criação de narrativas.
IA
Tendo ou não a intenção de produzir algo a partir das narrativas que apreciam, é comum
que jovens de diferentes contextos se percebam conhecendo mais de uma dessas instâncias
nas quais as histórias são apresentadas (filmes, jogos, séries, animações, ilustrações, etc.).
E, a partir delas e das discussões que têm com seus pares em torno dos assuntos a elas relati-
vos, criam-se coletivos, que produzem em suas conversações, no seu existir juntos (física ou
virtualmente), conhecimentos e experimentações artísticas.
A exemplo dessa produção de fãs, como podemos explorar a criação permeada por esses
universos? Interessa a um processo de aprendizagem que eles sejam consumidos de maneira
problematizadora: que, mesmo admirando suas referências, se possam perceber nelas a even-
U

tual presença de discursos reducionistas, preconceituosos.


Essa experiência lida com a potência para pensarmos essas questões em outras situações
em meio à vida. Ao produzirmos nossas próprias narrativas, pensamos nossas relações com
tais produções, sendo possível com elas a abertura de caminhos para outras criações, paralelas,
transversais, pensando o que essas narrativas dizem de nós e o que nós somos capazes de
G

dizer a partir dos nossos encontros com elas.

VIVÊNCIA (EM13LGG202), (EM13LGG604)

Embaralhando gerações
Pegue uma folha de papel e anote uma série de produções culturais que você consome. Podem ser
filmes, músicas, obras de artistas visuais, programas de televisão, alimentos etc. Não se preocupe em
ser coerente, inclua elementos heterogêneos, conflitantes, de diferentes épocas e destinados a gêneros
e idades diversos. Peça a uma pessoa de idade diferente da sua que faça o mesmo. Recorte essa lista
e embaralhe com as preferências da outra pessoa. Vá sorteando as palavras em pares e converse com
sua dupla sobre possíveis diálogos entre elas:
• Que multiplicidades nos compõem?
• Como elas se modificam a partir dessas novas combinações?
• Como essas multiplicidades nos afetam e geram diferentes pensamentos com esse embaralhamento?
• Como elas nos afetaram e geraram diferentes pensamentos ao longo da vida?

79
CULTIVO (EM13LGG202), (EM13LGG604), (EM13LGG704)

D
Investigando universos fandom
• Pergunte a um grupo de estudantes, de alguma turma na qual você atua, se são fãs de algo, e, caso positivo,
do quê. Anote as respostas.
• Pesquise na internet as personalidades e os artefatos citados.
• Se for musical, permita-se experienciar a escuta de pelo menos uma música até o fim, e, se possível, leia a letra.

L
• Por meio dessas informações e de uma nova conversa com os estudantes, investigue a importância desse
artefato em suas vidas.
• Tente descobrir com quem conversam sobre o assunto, se acessam grupos na internet relacionados a ele.
• Investigue se há produções de discentes (texto, imagem, etc.) que se relacionam com essa experiência de fã.
• A partir delas e de diálogos com os estudantes, pense como se percebem nesses referenciais e que tipo de

N
efeito eles têm como motivadores de suas produções.
• Pense em como suas propostas de ensino podem se alimentar, se conectar e se transformar com o que essa
investigação permitiu produzir.

Esse exercício pode ser construído com uma turma inteira, com um questionário físico ou por meio de
conversas em que se possam pensar aproximações e distanciamentos entre colegas a partir dos gostos indi-

P
viduais. Podem também ser investigadas que aproximações o próprio distanciamento pode produzir (numa
conversação pelo dissenso) e que singularidades podem ser exploradas no que se aproxima (diferentes modos
de relação com o que é comum ao grupo).

Histórias que a história da arte conta, produz, cria


IA
Como produzimos em nós concepções sobre arte e história da arte? Que lugares ditos e vistos
contribuíram para essas concepções? Que lugares, discursos e visibilidades legitimam o que cada
pessoa chama de arte e história da arte?
Convidamos você a explorar, nas próximas seções, narrativas e produções artísticas que escapam
às histórias que por muito tempo costumamos ouvir e ver em museus, em galerias de arte, nos livros
de história da arte, nas aulas de artes visuais.
São referenciais que trazem importantes problematizações para sacudir aquilo que por uma
perspectiva eurocêntrica foi construído como versão universal da história da arte.
U

Aberturas para outros possíveis em livros e museus Competências gerais: 1, 2, 9

Em que imagens você pensa quando falamos em história da arte? Que obras (anônimas ou de au-
toria reconhecida) e artistas (atuais ou de outros tempos) compõem essa paisagem de suas memórias?
G

Essas obras foram produzidas em que locais? Na sua cidade, no seu bairro, no seu país, fora dele? Foram
produzidas na contemporaneidade ou em outro tempo histórico? Essas obras são figurativas/representacio-
nais ou abstratas? Quantas dessas imagens foram produzidas por artistas mulheres? Quantas delas foram
realizadas por artistas negros e negras? E quando falamos em arte indígena, que imagens lhe ocorrem?
Feito esse mapeamento da paisagem que compõe memórias singulares da história da arte, po-
demos pensar nos caminhos que nos levaram à formação dessa paisagem a partir dessas imagens
e não de outras, e podemos ainda nos perguntar: Quantos mundos coexistiram com esse mesmo
mundo delimitado pelo recorte de uma história da arte contada por um livro, ou pelo recorte que
compõe a história da arte que nos vem à memória? Quantas formas artísticas coexistiram com o que
conhecemos hoje da história da arte? Quantas histórias foram invisibilizadas em função das relações
de poder e saber que predominavam em cada época?

Problematizando narrativas dominantes


Ao pensarmos em uma história da arte, após essas perguntas iniciais, é impossível não pensarmos
também no que teria escapado de seus registros e da janela, perspectiva, mundo pelos quais olha
quem organiza e produz essas narrativas. Assim, podemos pensar que as definições que colocamos na

80
arte, na história da arte e em tudo o que delineamos sempre deixam escapar algo. Qualquer recorte
que fizermos implicará deixar algo de fora; mas por que percebemos algumas recorrências naquilo

D
que escapa e naquilo que compõe a história da arte que conhecemos?
Grada Kilomba, escritora, psicóloga, teórica e artista interdisciplinar portuguesa, traz algumas
problematizações em sua obra sobre formas dominantes de conhecimento que permeiam a história e
os currículos oficiais. No livro Memórias da plantação – episódios de racismo cotidiano, ela traz algumas
perguntas: “Qual conhecimento está sendo reconhecido como tal? [...] E qual conhecimento não?

L
De quem é esse conhecimento?” (KILOMBA, 2019,p. 50). Tais questões nos instigam a pensar tam-
bém que as imagens do passado podem nos ajudar “a compreender como a nossa subjetividade foi
modelada e consolidada ao longo do tempo”. Elas podem nos “oportunizar um exercício de suspeita
a respeito de como passamos (e de como também as coisas passaram) a ser de um jeito e não de
outro” (NASCIMENTO, 2011, p. 218). Nesse sentido, poderíamos pensar também com relação à arte:

N
Que produções escapam ao discurso ou a locais que legitimam a arte? Que inquietudes e provo-
cações essas produções artísticas acionam em nós? E de que modo elas podem nos convidar a
problematizar nossas certezas?
Aby Warburg foi um historiador da arte e teórico alemão do início do século XX que desenvolveu
uma proposta de narrar a história da arte com constelações de imagens, organizadas em 63 painéis.
Nessas constelações, chamadas de Atlas Mnemosyne, Warburg não se preocupou com uma organi-

P
zação linear (por movimentos ou mesmo por procedências artísticas das imagens) mas buscou criar
conexões de sentidos a partir das experiências geradas pelo contato de uma imagem com a outra.
Essa obra inacabada instiga até hoje profissionais da história da arte a investigar os caminhos de
pensamento propostos pelo autor ao abdicar do uso de palavras, suscitando sempre novas interpre-
tações e recriações da história.
IA
ART IMAGES/HERITAGE IMAGES/GETTY IMAGES

U
G

WARBURG, Aby. Atlas Mnemosyne (painéis 79, 45 e 46), 1924-1929. Universidade Cornell, Instituto Warburg.

VIVÊNCIA (EM13LGG101), (EM13LGG601)

Histórias e temas da arte: investigando recorrências e produzindo problematizações


Mapeie algumas obras e produções artísticas que aparecem com mais frequência em suas aulas e tam-
bém nos livros de história da arte. Feito esse exercício, que perguntas lhe surgem diante desse conjunto de
obras? Que outras obras (e imagens cotidianas) poderiam passar a fazer parte das discussões sobre os temas
que essas obras propõem?

81
CULTIVO (EM13LGG101), (EM13LGG601), (EM13LGG603)

D
Mapeando histórias e temas da arte para produzir ações artísticas problematizadoras
no espaço escolar
Você pode convidar estudantes a fazer um mapeamento de trabalhos artísticos (pensando nas vivências
que tiveram com a arte e nas imagens que costumam ver nos livros de história da arte) e propor um espaço
de tempo para que possam compartilhar suas produções. Pode, ainda, com suas turmas, pensar e elaborar

L
alguma ação artística no espaço da escola, que possa convidar a comunidade escolar a pensar sobre as ques-
tões que surgiram com essa pesquisa e partilha.

Corpo e gênero na arte

N
COURTESY, © GUERRILLA GIRLS
P
IA

Guerrilla Girls. As mulheres precisam estar nuas para entrar no Museu de Arte de São Paulo?
São Paulo, 2017. Cartaz.
U

O questionamento que o grupo Guerrilla Girls lança com o cartaz As mulheres precisam estar nuas
para entrar no Museu de Arte de São Paulo?, exposto em 2017 no próprio museu a que se refere (Masp),
nos instiga a pensar como as imagens acabam conformando certos modos de ver o feminino. Luciana
Loponte (2008), nessa esteira, chama a atenção para a forma recorrente com a qual a imagem do corpo
da mulher se faz presente nas mídias visuais e também em como aparece nas representações visuais
da arte ocidental. Se esse corpo feminino sempre esteve presente, cabe, talvez, que nos perguntemos
G

de que forma ele aparece e de que forma tem contribuído para reforçar determinados discursos sobre
o feminino (LOPONTE, 2008). Podemos nos perguntar ainda: O que temos aprendido com as imagens
visuais do feminino e do masculino que compõem nossos repertórios imagéticos? Como isso rever-
bera em nossos modos de estar no mundo? Por quem e para quem essas imagens são produzidas?
E, ainda, o que podemos aprender com as visualidades que escapam a essa suposta binaridade?

PARA OUTRAS CONEXÕES


Guerrilla Girls é um coletivo de artistas ativistas de Nova Iorque que atua desde 1985 através de ações
de rua, cartazes, adesivos centrando suas problematizações e provocações diante de preconceitos e de-
sigualdades que envolvem questões étnico-raciais e de gênero. É recorrente em suas obras a luta pela
igualdade de gênero no campo da Arte. Mais de 55 pessoas já fizeram parte do Guerrilla Girls até o mo-
mento, e o anonimato atua como um modo de voltar as atenções para as problemáticas lançadas pelo
grupo. Como o próprio coletivo expõe em seu site: “Podemos ser qualquer uma. Nós estamos por toda
parte”. Você pode encontrar mais informações e outras produções das Guerrilla Girls no seguinte ende-
reço: <https://www.guerrillagirls.com/>. Acesso em: 22 nov. 2020.

82
COLEÇÃO PARTICULAR

D
L
N
P
IA
BÖTTNER, Lorenza; KOCH,
Maria Céu Rocha e Luciana Loponte, ao apresentarem a produção artística de Lorenza Johannes. Sem título. 1983.
Fotografia.
Böttner, trazem questões potentes para pensarmos e problematizarmos algumas vias
em educação, especialmente as das artes visuais:
PARA OUTRAS CONEXÕES
Quais corpos e quais vidas a escola tem abrangido dentro do seu projeto
pedagógico de “inclusão”? É possível a existência de corpos trans e com fun- Você pode acessar mais
U

cionalidades corpóreas diversas em espaços escolares sem que ocupem o lugar informações sobre Lorenza
de “incluído” onde esse mesmo lugar se sustenta carregado de estereótipos, Böttner e as problemáticas le-
marcas, limitações que dificultam a sobrevivência desses corpos nesse espaço? vantadas por Rocha e Loponte
(ROCHA; LOPONTE, online). na página Arte Versa, que teve
início com a pesquisa “Docência
Tais questionamentos instigam a pensar o que estamos produzindo com o que aten- como campo expandido: arte
contemporânea e formação es-
G

de ao nome de inclusão na educação e na educação das artes visuais e em que medida


tética”, financiada pelo CNPq, sob
essa inclusão pode gerar outros modos de exclusão na tentativa de incluir todos os a coordenação da Professora Dra.
estudantes. A presença é um passo importante, mas como essa presença é escutada ao Luciana Grupelli Loponte, da Fa-
estar ali? Que referências essas pessoas encontram no currículo escolar que fazem que culdade de Educação da Univer-
seus universos sejam reconhecidos e explorados como campos de relevância cultural sidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS). O projeto apresenta
e científica? Que estímulos as convocam a atuar e produzir saberes em vez de apenas
um universo composto de dife-
ocupar um espaço de visitante nesses meios? rentes artistas e produções artísti-
cas contemporâneas, bem como
Lutas e resistências artísticas no cotidiano
problematizações que disparam
Competências gerais: 1, 3, 9
a pensar o campo expandido tan-
educativo to da arte quanto de possíveis
para a docência em arte. Você
No território do ensino da arte ainda podemos perceber resquícios de uma visão pode passear por esse univer-
eurocêntrica, cujos padrões culturais e artísticos hegemônicos permeiam a maioria das so disponibilizado pelo projeto
imagens de arte que são levadas para as escolas. Outro fator preocupante é a aborda- neste endereço: <https://www.
ufrgs.br/arteversa/>. Acesso em:
gem muitas vezes folclorizada e estereotipada de culturas que escapam a um “padrão” 22 nov. 2020.
ocidental, europeu. Vivemos no Brasil um cenário multicultural em que os diferentes

83
grupos étnico-raciais não têm usufruído dos mesmos direitos e reconhecimento.
A evidência de uma diversidade cultural ainda não conseguiu diluir padrões hege-

D
mônicos que se impõem e se infiltram nas microações cotidianas, invisibilizando
as contribuições de distintas matrizes culturais produtoras da nossa sociedade.

Entre leis e microações cotidianas


Em termos de lei, podemos citar duas grandes conquistas que percorreram

L
trajetórias e contextos diferentes, envolvendo esforços de duas vertentes de luta:
o Movimento Negro e o Movimento Indígena. Em um primeiro momento é san-
cionada a Lei Federal no 10.639/2003, que institui a obrigatoriedade do estudo da
História e Cultura da África e Afro-Brasileira no âmbito dos sistemas de ensino da
educação nacional; cinco anos depois, a Lei no 11.645/2008 passa a incluir também

N
o estudo da História e Cultura Indígenas. A lei passa a determinar, portanto, que os
estudos da História e Cultura da África, Afro-Brasileira e Indígena permeiem todo
o currículo escolar, especialmente nas áreas de educação artística e de literatura e
história brasileiras.

P
As leis são sempre resultantes de muitas lutas, mas as lutas não acabam quando
as leis são sancionadas. Uma lei por si só não garante mudanças nem sua efetiva e
qualitativa abordagem. Uma lei requer também ações que potencializem sua efe-
tivação, requer que as pessoas envolvidas nas experimentações cotidianas estejam
abertas e atentas às urgências que elas vão suscitando (e produzindo também) em
meio a sua efetivação.
IA
A BNCC (2018, p. 15), ao defender uma educação que abrigue igualdade, di-
versidade e equidade, também busca garantir esse direito conquistado, direito à
presença que desde sempre deveria ter sido parte integrante do currículo escolar.
Como afirma Grada Kilomba (2019, p. 21), “não há nada mais urgente do que
começarmos a criar uma nova linguagem, um vocabulário no qual possamos to-
das/xs/os nos encontrar, na condição humana”. Um vocabulário que permita uma
conversação em educação que possa partir da “igualdade como primeiro gesto” e
que possa ir em direção à singularidade de cada pessoa de modo a potencializá-la,
U

e não o contrário, pois o contrário disso seria partir da diferença como sujeito para
uma homogeneização em que todas as pessoas chegariam “ao mesmo lugar”, e
muitas seriam excluídas nesse processo por não caber, ou não se encaixar, nesse
lugar já definido a se chegar.
Na perspectiva de Carlos Skliar (2014, p. 201), essa igualdade seria uma espécie de
G

“amor à primeira vista que considera qualquer um, sem exceção, igual a outro qualquer.
Assim, a igualdade não pode ser uma coisa que acontece depois, por efeito de certo
tipo de proposta educativa, mas deve surgir de imediato, como um primeiro gesto”.
Que ações, gestos, imagens, É a partir dessa igualdade primeira, que se põe à escuta, que podemos sair de
discursos alimentam uma lógica de sentido único e padronizado, indo em direção à multiplicidade,
padrões majoritários? esquivando-nos assim de noções estereotipadas que nos colocam em caixinhas es-
Como você percebe isso
em seu cotidiano (na tanques que nos impedem de sentir as variações a que a vida nos convida e não nos
escola, na família, em seu permitem a escuta dos afetos e inquietudes que nos atravessam e pedem passagem.
corpo, nas mídias etc.)?
O que pode contribuir [...] nos discursos atuais, o apelo à diferença está se tornando quase um
para que nossas ações, lugar-comum (o que já nos leva a sermos cautelosas/os, desconfiando de seu
gestos, relações em meio uso irrestrito). Importa saber quem define a diferença, quem é considerado
à docência e em meio à
diferente e o que significa ser diferente. Nesse jogo de poder negociam-se
vida não reproduzam esses
discursos que naturalizam desigualdades [...]. Respeitar as diferenças não implica somente aceitar o
a segregação? outro, o que ele tem ou o modo como pensa, mas legitimá-lo e compreender
suas “versões de realidade” (NUNES, 2013, p. 156).

84
Skliar (2014) nos traz também algumas provocações ao abordar a questão da dife-
rença. Ele menciona que, ao colocar algumas e não outras pessoas como diferentes,

D
isso implica, desde já, uma violência: “quando a diferença se torna sujeito, existe ali
uma acusação falsa, e sem testemunho, de desvio, de anormalidade, do incompleto,
castigada de discursos autorizados, renovados, sempre atuais, sempre vigilantes e
tensos” (SKLIAR, 2014, p. 156). Isso não implica querer negar as diferenças enquanto
singularidades, mas nos alerta a não fazermos da diferença uma sentença a partir

L
da qual se olha, com olhos reguladores, vigilantes e acusadores, para os desvios em
relação a um dito padrão construído historicamente (do “diferente” em comparação
a: um homem, branco, rico, heterossexual...), tornando-a identificável na medida
em que se distancia de uma referência majoritária. Referência majoritária se refere
aqui ao que Deleuze menciona como maioria. Segundo ele:

N
as minorias e as maiorias não se distinguem pelo número. Uma minoria
pode ser mais numerosa que uma maioria. O que define a maioria é um mo-
delo ao qual é preciso estar conforme: por exemplo, o europeu médio adulto
macho habitante das cidades [...] ao passo que uma minoria não tem modelo,
é um devir, um processo (DELEUZE, 1992, p. 214).

Conversações e escutas entre singularidades

P
Grada Kilomba, ao tratar sobre o racismo cotidiano, traz problematizações que
conversam com as que são trazidas por Skliar. Ao se referir à “outridade”, a autora
escancara dinâmicas do racismo produzidas por meio de discursos, olhares, ges-
IA
tos, ações e imagens cotidianas. A autora menciona: “Toda vez que sou colocada
como ‘outra’, estou experienciando o racismo” (KILOMBA, 2019, p. 80). Ao abordar
o racismo cotidiano, o expõe não como “um ‘ataque único’ ou ‘evento discreto’, mas
sim como uma ‘constelação de experiências de vida’, uma ‘exposição constante ao
perigo’, um ‘padrão contínuo de abuso’ que se repete incessantemente ao longo
da biografia de alguém – no ônibus, no supermercado, em uma festa, no jantar, na
família” (KILOMBA, 2019, p. 80, grifos no original). Não há ali, conforme ela indica,
a liberdade humana de ser quem se é, pois há uma série de fatores que a colocam
U

como “outra” antes mesmo de qualquer ação; há nesses fatores, que produzem essa
“outridade” de antemão, a atuação de uma violência que um padrão majoritário
impõe por meio de gestos, olhares e ações cotidianas.
A outridade, a alteridade, quando aparece como sentença, separação, e não como
escuta, não permite conversação entre diferenças, produz apenas um monólogo
G

que se repete do que uma pessoa tem como sentença da outra. Segundo Skliar “as
relações de diferenças nada têm a ver com inclusão ou exclusão: trata-se de uma
necessidade de conversar, de usar as palavras para poder estar e talvez fazer coisas
juntos”. O autor sinaliza ainda que “estar juntos não significa estar à vontade” (2014,
p. 157), é também se deixar tombar, deixar-se arrastar pelo que ouvimos, pelo que
vemos, pelo modo como isso que ouvimos e vemos nos atravessa, afirmando a in-
quietude que se produz ao olhar olhos que não nos olham ou “que olham em uma
direção que não conhecemos” (SKLIAR, 2014, p. 158).
Junto da escuta é necessário tempo, pois, “quando não existe tempo, existe norma.
Quando não há tempo julgamos” (SKLIAR, 2014, p. 158). Como inventar dentro do tem-
po que temos em educação, na aula de artes visuais, espaços para estar, conversar e
produzir coisas conjuntamente, para que possa nascer uma conversa entre diferenças,
diferenças não sentenciadas de antemão, mas produzidas na relação? Relação que não
se dá pela comparação entre uma e outra pessoa, mas pelo que nasce “entre” uma e
outra, no dissenso, ao acontecer uma escuta, um deixar-se afetar por imagens e pala-

85
vras, ao dar-nos tempo para que desmoronem as camadas estereotipadas construídas
pela normatização de um “outro” para que, dessa relação, possa sair um fluxo capaz de

D
produzir alterações naquilo que julgamos “ser”.
No capítulo anterior falamos em limpar os clichês (CORAZZA, 2013) para produzir
uma aula que fosse realmente nossa. Talvez aqui caiba varrermos também os clichês
que se colocam antes de uma conversa iniciar, para que uma conversa possa efetiva-
mente acontecer. Conversar como cavar o que conhecemos até sair daí um pouco de

L
desconhecido. Desconhecido não a ser conhecido, sobrecodificado, nomeado, mas a
ser experienciado a cada vez. “Porque o desconhecido traz uma voz nova, uma irrupção
que pode mudar o pulso da terra, um gesto nos faz rever o já conhecido, a palavra antes
ignorada” (SKLIAR, 2014, p. 150). Isso supõe cavar o que temos como naturalizado na
nossa fala, naquilo que vemos e ouvimos, no modo como sentimos o mundo.

N
Supor a diferença enquanto relação, como propõe Skliar, implica “relações entre
Como problematizar
diferenças”, significa não definir de antemão “quem” é diferente em detrimento de
estereótipos e preconceitos
a partir de conteúdos que alguém que não é. Assim, a “relação” entre diferenças não supõe inclusão ou exclusão
trabalhamos em nossas – como a sentença que admite a diferença como já dada e anterior à relação –, mas a

P
aulas de artes visuais, bem necessidade de conversação, de escuta, de estar e fazer coisas em conjunto (SKLIAR,
como ditos e vistos que 2014), conversação que não presume calmaria, implica antes a abertura para o que
circulam nas manifestações
visuais e discursivas que pode tombar, desfazer e arrastar quem se envolve de seus lugares de conforto, o que
permeiam nosso cotidiano? pode produzir inquietudes quanto às categorias nas quais a sociedade nos fixa e nas
quais nos fixamos.
IA
VIVÊNCIA (EM13LGG202), (EM13LGG302)

Problematizando com imagens e cenas o racismo cotidiano


Na obra Plantation memories, Grada Kilomba dirige uma performance em que atrizes e ato-
res negros contam episódios de racismo cotidiano. Registros dessa performance estão disponí-
veis em vídeos na internet. Procure pelos títulos “Plantation Memories, Grada Kilomba, Trailer I”
e “Plantation Memories, Grada Kilomba, Trailer II”. Como esses trechos dos vídeos de Grada Ki-
lomba lhe afetam? Eles lhe inquietam de algum modo? Que perguntas lhe instigam a fazer?
Você já ouviu algo semelhante em seu cotidiano? E as imagens das obras da artista Rosana
Paulino, a seguir, de que modo conversam com o que abordamos nesta seção?
U
ROSANA PAULINO - COLEÇÃO PARTICULAR

ROSANA PAULINO - ATELIÊ ROSANA PAULINO, SÂO PAULO


G

PAULINO, Rosana. Série Bastidores. 1997. Imagens PAULINO, Rosana. Série Bastidores. 1997. Imagens
transferidas sobre tecido, bastidor e linha transferidas sobre tecido, bastidor e linha
de costura, 30 cm de diâmetro. de costura, 30 cm de diâmetro.

86
VIVÊNCIA (EM13LGG202), (EM13LGG302), (EM13LGG601) PARA OUTRAS CONEXÕES

D
Investigando espaços expositivos locais e manifestações culturais Acesse o Centro de
que permeiam a paisagem cotidiana Documentação, Comunicação
e Memória Afro-Brasileira
Na localidade ou proximidades de onde sua escola se situa, há algum espaço expositivo de Ìrohìn (Salvador, BA): <https://
arte? Se sim, que tal investigar as produções que compõem o acervo desse espaço tendo em vis- www.fundobrasil.org.br/
ta as manifestações e problematizações culturais das chamadas minorias? Caso não haja espaços projeto/irohin-centro-de-

L
expositivos, como as ruas da cidade e seus monumentos, grafites e pichações lhe convidam a documentacao-comunicacao-
pensar as questões apresentadas nesta seção? Que problemáticas/perguntas/conversas podem e-memoria-afro-brasileira/>.
ser levantadas/geradas com os estudantes a partir do que essa investigação local lhe proporcio- Acesso em: 7 dez. 2021.
na? Aproveite para consultar os docentes de História sobre possíveis relações entre arquitetura,
paisagismo e estatuária de sua cidade (ou de sua região e estado) com seu passado escravocra-
ta de colonização. Que respingos desse passado prevalecem nas práticas atuais desses lugares?

N
MARCOS GORGATTI

P
IA
MARCOS GORGATTI

AZEVEDO, Néle. Glória às lutas inglórias. 2007. Pátio do Colégio, São Paulo.

Do investimento em narrativas múltiplas


U

Conversar e abrir-se à escuta da multiplicidade, das “versões de realidade” compostas


de lutas, dores e sabores de cada pessoa pode ser um caminho profícuo para desnaturalizar
desigualdades, problematizar visibilidades e invisibilidades históricas e cotidianas, bem Que tensionamentos e
como para desbancar preconcepções que permeiam aquilo que se diz e se vê na superfície problematizações podem
G

cotidiana. No cenário do ensino de arte, supor uma conversação “entre” diferenças pode ser levantados com essa
ação urbana de Néle
abrir possibilidades de ruptura quanto às exclusividades e cânones hegemônicos que por Azevedo? O que ela nos
tanto tempo restringiram essas conversações a um monólogo eurocêntrico, abrindo outras convida a pensar quanto
vias de possibilidades que podem nos instigar a uma descolonização do pensamento, às histórias (assim no
desalojando certezas e chacoalhando zonas de conforto já arraigadas. Ao nos subsidiar- plural) que coexistem
em nosso cotidiano?
mos pela perspectiva da cultura visual, podemos contar com diferentes visualidades Quais os perigos de uma
cotidianas como disparadoras de problematização na sala de aula, colocando diferentes única história (ADICHIE,
perspectivas para conversar e problematizando o modo como essas visualidades nos 2009, online)? Como não
produzem, como elas contribuem junto aos discursos para a produção de estereótipos e unificar o que é composto
de uma multiplicidade?
preconceitos e como podemos, conjuntamente, desconstruí-las, abrindo vias para outros Ao pensarmos o termo
possíveis potencializadores de vida e do existir em sua singularidade. “indígena”, por exemplo,
Em contraposição ao obelisco“Glória imortal aos fundadores de São Paulo”, a ação urbana quantos povos, línguas,
costumes e modos de vida
Glória às lutas inglórias, produzida por Néle Azevedo, oportunizou um espaço de convivência distintos compõem essa
formado por duzentos caixotes de frutas que desenhavam no chão um grafismo guarani. multiplicidade móvel?
Segundo a artista, essa ação se dá enquanto um antimonumento que celebra a “memória

87
da vida aqui e agora. [...] não existe representação do corpo, é a celebração do corpo pre-
sente na história” (AZEVEDO, 2008, online). Durante a ação urbana, o público foi convidado

D
a celebrar junto e saborear as frutas. O título da ação é um trecho de uma música de Aldir
Blanc e João Bosco e convida a pensar o que não é celebrado oficialmente.
Aline Rochedo Pachamama traz algumas problematizações sobre multiplicidades
móveis da história, e uma delas é a desmistificação do termo “índio”, que, por muito
tempo e ainda hoje, vemos sendo utilizado em referência aos povos originários.

L
Nas palavras de Pachamama (2019, p. 136), os

Povos Originários referem-se às 305 etnias no Brasil atual (que já foram mais
de 1.000 na época da invasão europeia). A palavra índio, empregada no século XV
aos Povos Originários, tem origem no nome do rio INDU, do sânscrito Sindhu,
como era conhecido um dos sete rios sagrados da Índia. Acredito que o termo

N
tenha sido usado por conta do fenótipo (cor de pele, cabelo, etc.). Enfim, o nome
índio não nos representa. Reduziram a diversidade de povos em apenas uma
palavra que não tem referência em nenhuma das Línguas dos Povos Originários.

Ou seja, o termo “índio” é uma invenção do colonizador, não tem nenhuma relação
com os idiomas nativos locais. Outra questão que a autora problematiza é a forma

P
estereotipada com que os povos originários são muitas vezes trabalhados na escola:
como algo do passado, com imagens estanques e estereotipadas, que não condizem
com a multiplicidade viva de povos, etnias, línguas, grafismos (todos no plural) e suas
conexões com o mundo, com as novas tecnologias, com a cidade e com suas lutas que
seguem pulsantes no agora. Como menciona Pachamama (2019, p. 141):
IA
COLEÇÃO PARTICULAR

Os atos de violência, nos dias atuais, em


relação aos povos originários, podem ter a
conotação de algo que ocorreu no passado.
Mas não. Acontecem agora: invasão e apro-
priação de território; assassinatos; apropriação
de conhecimento cultural; a não aceitação do
originário como cidadão; a desvalorização de
nossa sabedoria; a imposição de religiões em
relação à nossa cultura, que não contemplam as
nossas crenças, cosmologia e ritos; a exigência
U

de um perfil de “índio”, que traduz uma ima-


gem cristalizada do século XVI; a mídia, que
deturpa nossos valores e luta; as ofensas ditas;
a escola, que ensina que o “índio” está extinto;
o 19 de abril, que não é homenagem; o “índio”,
que virou adereço e não nos representa. Tais
G

pejorativos, muitas vezes, são alimentados pela


própria escola.

Galdino Jesus dos Santos, líder indígena da etnia Pataxó


Hã Hã Hãe, foi brutalmente assassinado por cinco
jovens de classe alta que atearam fogo em seu corpo
enquanto ele dormia em uma parada de ônibus no dia
20 de abril de 1997. Galdino estava em Brasília para
reivindicar a demarcação do território Pataxó, que havia
sido invadido por fazendeiros.

BANIWA, Denilson. Galdino Pataxó. 2017.


Acrílica sobre tela, 32 cm 3 33 cm.

88
PARA OUTRAS CONEXÕES

D
A historiadora, ilustradora e escritora Aline Rochedo Pachamama, pertencente ao
povo Puri, é doutora em História Cultural pela Universidade Federal Rural do Rio de Em um mundo em
Janeiro (UFRRJ) e idealizadora do Instituto de Conservação e Restauro PACHAMAMA que quase perdemos
(<https://icrpachamama.com.br/>). Participante dos Movimentos dos Povos Originários, a capacidade de ouvir
desenvolve ações com vistas à valorização e preservação de Línguas dos Povos outras vozes e as nossas
Originários, e também à divulgação de suas Culturas a partir da História Oral de próprias, o que podemos

L
Mulheres Originárias. aprender da nossa história,
No site do Museu do Índio/RJ (<http://www.museudoindio.gov.br>), você pode acessar de nós e da vida, ao
alguns vídeos produzidos por Aline Pachamama, em que ela problematiza algumas disponibilizarmos tempo
concepções engessadas reproduzidas até hoje sobre os povos originários – concepções e ouvidos às histórias
que não levam em consideração a multiplicidade de suas vozes, culturas, línguas e saberes. contadas pelos povos
originários através das suas
Você pode encontrar também outros materiais, como o Acervo Etnográfico dos Povos

N
línguas, dos grafismos –
Indígenas no Brasil, vídeos, textos, exposições com visitas virtuais, projetos desenvolvidos produzidos por suas mãos
pela instituição etc. Disponível em: <tainacan.museudoindio.gov.br>. e nas pinturas corporais
Acessos em: 1o fev. 2022. de suas peles vivas – e da
tradição oral, que mantém
uma história pulsante

P
Denilson Baniwa é um artista visual pertencente ao povo Baniwa, natural do Rio Negro, e viva por gerações?
O que podemos aprender
interior do Amazonas, que reside atualmente no Rio de Janeiro. Suas obras são atravessa-
com suas línguas, com
das por suas vivências como indígena no tempo presente e exploram uma mistura entre suas produções artísticas,
referências tradicionais e contemporâneas indígenas. filosóficas, medicinais
Ao se apropriar de ícones de culturas hegemônicas, Baniwa traz problematizações e literárias?
e tensionamentos que estão presentes na luta dos povos originários. Na obra Curumim,
IA
guardador de memórias ele se apropria da imagem de Steve Jobs com um modelo
de computador presente na capa da revista Times e cria outras relações ao trazer um
protagonista indígena na imagem junto de elementos dos povos originários e de um
computador. O que tais tensionamentos podem produzir? Que estereótipos convidam
a desfazer? Que problematizações e outras versões de mundo as obras de Denilson
Baniwa produzem ao se tensionarem com versões imagéticas que a história da arte
dita “oficial” conta/mostra dos povos originários? PARA OUTRAS CONEXÕES
Você pode visitar
VIVÊNCIA (EM13LGG202), (EM13LGG302)
digitalmente as obras do
U

artista Denilson Baniwa em


Entre representações e produções artísticas indígenas seu site (<denilsonbaniwa.
com.br>) e também pelo
Convidamos você a fazer um passeio por livros de história e história da arte, atentando para site do Prêmio PIPA, prêmio
o modo como aparecem representados os povos originários. Feito esse mapeamento, que tal com o qual o artista foi
investigarmos agora produções de artistas indígenas na contemporaneidade, bem como ou- contemplado em 2019
tras obras do artista Denilson Baniwa?
G

(<https://www.premiopipa.
Que perguntas as imagens produzidas por artistas integrantes dos povos originários fazem com/denilson-baniwa/>).
às imagens dos livros de história e de história da arte? Acessos em: 27 nov. 2020.

Suely Rolnik (2018), no prelúdio de seu livro Esferas da Insurreição – Notas por
uma vida não cafetinada, fala em “palavras-alma” a partir do seu encontro com a
língua guarani.

Os guaranis chamam a garganta de ahy’o, mas também de ñe’e rayti, que


significa literalmente “ninho das palavras-alma”. É porque eles sabem que
embriões de palavras emergem da fecundação do ar do tempo em nossos cor-
pos em sua condição de viventes e que, nesse caso, e só nele, as palavras têm
alma, a alma dos mundos atuais ou em gérmen que nos habitam nesta nossa
condição. Que as palavras tenham alma e a alma encontre suas palavras é tão
fundamental para eles que consideram que a doença, seja ela orgânica ou men-
tal, vem quando estas se separam – tanto que o termo ñe’e, que eles usam para
designar “palavra”, “linguagem” e o termo anga, que utilizam para designar
“alma”, significam ambos “palavras-alma”. Eles sabem igualmente que há um

89
tempo próprio para sua germinação e que, para que esta vingue, o ninho tem
que ser cuidado. Estar à altura desse tempo e desse cuidado para dizer o mais

D
precisamente possível o que sufoca e produz um nó na garganta e, sobretudo,
o que está aflorando diante disso para que a vida recobre um equilíbrio – não
será esse o trabalho do pensamento propriamente dito? Não estará exatamente
nisso sua potência micropolítica? Não será isso o que define e garante sua ética?
E, mais amplamente, não será nisso afinal que consiste o trabalho de uma vida?
(ROLNIK, 2018, p. 26-27, grifos no original).

L
Pachamama menciona que a “palavra que tem alma é como uma flecha. Causa
Que palavras-flechas as algo que realmente se sente. E esse sentir gera movimento” (PACHAMAMA, 2019,
produções visuais que p. 137). A autora nos convida a pensar estratégias que nos permitam produzir, nas
escapam à história da arte aulas de artes visuais, “palavras-flechas” capazes de atravessar o corpo-pensamen-
dita “oficial” nos lançam?

N
to de quem faz conosco essa travessia, produzindo inquietudes, desestabilizando
Que inquietudes
estereótipos e preconceitos que saturam poros e ouvidos e que os impedem de
e movimentos acionam
em nós? Que outras sentir a potência dessas presenças capazes de germinar outros mundos dentro
versões de mundo e de de nós e dentro desse mundo.
humanidade nos convidam

História da arte fora dos trilhos cronológicos


a produzir e habitar?

P
Competências gerais: 1, 3, 9

Como contamos/produzimos/criamos histórias com a arte? O que acontece se


tirarmos a história da arte da linha, do modo linear de abordagem pelo qual nos acos-
tumamos a abordá-la? O que acontece à história da arte quando a tiramos dos trilhos
cronológicos de sua produção? Os estudos da cultura visual podem instigar esse outro
movimento, ao propor que pensemos com a história da arte, e não apenas sobre ela.
IA
O exercício de uma curadoria educativa que ative culturalmente imagens que não
costumamos trabalhar, ver, pensar, pode ser também um meio profícuo para produzir
outras conexões que tirem a história da arte de seu caminho costumeiro.
Ao olhar para a história, não como algo que
COLEÇÃO PARTICULAR

temos de “decifrar” sob um único modo de “vê-la”,


e ao nos permitir tecer com ela conexões imprevis-
tas a partir de aproximações ou distanciamentos
com o que vivenciamos no presente, a cultura
U

visual abre uma passagem para que possamos


pensar uma história da arte fora dos trilhos. Essa
postura investigativa nos faz atentar para cone-
xões possíveis com diferentes e singulares modos
de ver estudantis. Propõe uma escuta, no lugar
de transmitir um modo de olhar igual a todas as
G

pessoas. Conforme sinaliza Nascimento (2011,


p. 213, acréscimos nossos),

é possível presumir que o interesse principal [da


cultura visual] é tentar confrontar diferentes mo-
dos de ver, dizer, pensar e fazer veiculados pelas
imagens. Questionar as interpretações existentes,
atentando para as condições históricas que contri-
buíram para tornar uma determinada afirmação
aceitável, e criar possibilidades para que outras
possam surgir.

BANIWA, Denilson.
Gioconda Kunhã//
Mona Lisa Kunhã.
2016. Infogravura,
tamanhos variáveis.

90
Assim, o modo como a cultura visual se relaciona ou dialoga com a história da arte
“não comunga com uma concepção linear, cronológica, formalista e evolutiva da pro-

D
dução artística. Tampouco se satisfaz com biografias de artistas ou com uma história
De que maneira podemos
sucessiva dos ‘estilos’ ou dos ‘movimentos estilísticos’” (NASCIMENTO, 2009, p. 46). favorecer que nossas
Não tem como objetivo produzir uma familiarização artística ou cultural, embora ela histórias se cruzem
possa acontecer nesse processo; antes, intenta “gerar desconfianças interpretativas com as histórias que
na maneira com que estamos acostumados a ver, pensar, fazer e dizer” (NASCIMEN- contam as imagens de

L
TO, 2011, p. 214). outras temporalidades
(HERNÁNDEZ, 2011)?
Na contemporaneidade, artistas também têm explorado em suas obras essa Que aproximações e
não linearidade do tempo, tornando vivos elementos de outras temporalidades distanciamentos podemos
a partir do modo como elas são colocadas em conexão com o presente. A histó- estabelecer com imagens
ria é assim “sacudida”, produzindo outras problematizações e possibilidades de produzidas em outros

N
períodos históricos?
produção de sentidos.
Como imagens de outros
Na videoinstalação Os sacudimentos, do artista Ayrson Heráclito, ocorrida no Mu- períodos atravessam a
seu de Arte de São Paulo (Masp), em 2018, são projetadas, simultaneamente e frente contemporaneidade
a frente, as gravações de duas performances: uma realizada na Casa da Torre (Bahia/ e o que produzem?
Brasil) e a outra na Maison des Esclaves (Ilha de Gorée/Senegal). A ação desenvolvida

P
nas performances, o “sacudimento”, é um ritual de matriz africana que, no contexto do
Candomblé, é voltado para limpeza espiritual e cura de ambientes. A performance é
realizada pelo artista e por mais dois homens iniciados no Candomblé.
AYRSON HERÁCLITO

IA

HERÁCLITO,
Ayrson. O
U

Sacudimento
da Maison
des Esclaves.
2015. Ilha de
Gorée, Senegal.
Performance.
G

Ambos os locais onde a performance acontece estão relacionados com o sistema PARA OUTRAS CONEXÕES
colonial português e a escravização de povos africanos. A Casa da Torre funcionava
como espaço administrativo do sistema colonial português no Brasil, e a Maison des Ayrson Heráclito é artista
visual e professor da
Esclaves era um dos centros de comércio de escravos. Sendo, assim, testemunhos da
Universidade Federal do
escravidão. Segundo o artista, em entrevista a Mariana Tessitore no portal ARTE!Bra- Recôncavo da Bahia (UFRB).
sileiros, ele “queria voltar física e poeticamente a esse passado colonial e à própria Sua pesquisa poética é
história do escravismo para refletir sobre as condições sociais do nosso presente” permeada por elementos
(2018, n/p). A entrevista foi realizada no período em que essa mesma obra foi exposta da cultura material afro-
na Bienal de Veneza de 2017. -brasileira e também
por problematizações
O público, ao visitar a videoinstalação, diferentemente de uma experiência no cinema, relacionadas a heranças da
onde permanece sentado e de frente para a tela, é convidado a adentrar o ambiente e escravização na sociedade
se posicionar em meio a essas duas projeções, entre imagens dos sacudimentos e sons brasileira. É possível encontrar
(de mar e das folhas que varrem e limpam os ambientes). O público é convidado a fazer outras produções do artista
em suas redes sociais e
parte desse ritual e da atualização da história que esses lugares evocam. O que esse também em outros sites.
ritual pode convidar a varrer na contemporaneidade?

91
Arquivo e curadoria educativa

D
Ao nos esquivarmos de um princípio arquivista de história da arte, que sedimenta a
memória como uma verdade imune ao tempo – junto de um princípio organizador (e
classificador), com suas verdades e certezas, ignorando o que escapa a ela –, podemos
permitir, a ela e a nós, tempo e espaço para encontros singulares, produzindo outros
sentidos junto daquilo que as imagens de obras de arte de diferentes tempos e espaços

L
podem acionar ou fazer pensar e criar no presente.
No projeto artístico Outings (passeios), o artista e cineasta francês Julien de Casa-
bianca fotografa, imprime e insere nos espaços públicos das ruas, por meio da técnica
de lambe-lambe, personagens anônimas e esquecidas de obras que ele encontra em
museus de arte. O artista tem também um site no qual incentiva as pessoas a fazerem

N
o mesmo procedimento e também propõe parcerias com museus. Você pode acessar
esse projeto pelo endereço <https://www.outings-project.org/> (acesso em: 22 nov.
2020). Tal ação possibilita a essas imagens outros encontros que as conectam com o
imprevisível e o efêmero do espaço da rua, um encontro entre personagens anônimos
e transeuntes que circulam nesses espaços. Outros fatores, como a superfície em que
é fixada e o que coexiste ali, acabam também ocasionando recombinações no espaço

P
e no tempo de sua existência efêmera.

JULIEN DE CASABIANCA
IA
U
G

CASABIANCA, Julien de.


Outings Project. 2014. Illinois, Enquanto docentes, que histórias queremos contar, produzir, criar junto a
Estados Unidos. grupos de estudantes com os quais nos encontramos nas aulas de artes visuais?
Através das nossas escolhas e do que envolve nossa curadoria educativa, po-
demos ativar culturalmente imagens que escapam à história da arte oficial e ao
conjunto de imagens que comumente vemos circular nas aulas de artes visuais.
A concepção de curadoria educativa de Luiz Guilherme Vergara nos permite pensar
que uma simples seleção de imagens abarca também, de alguma forma, um “trabalho
de seleção que lida com ênfases e exclusões, de combinações e de recorte” (GRUPO
DE PESQUISA: MEDIAÇÃO ARTE/CULTURA/PÚBLICO, 2005b, p. 125). Tal recorte também
implica o modo como vamos abordar um conteúdo ou um tema que desejamos ex-
plorar. Ativar culturalmente produções artísticas a partir dessa curadoria educativa diz

92
respeito, assim, a fazer circular, a abrir possibilidades

JULIEN DE CASABIANCA
de acesso, a aproximar e “impulsionar a potencialidade

D
de obras e artistas submersos nos livros, nos museus,
nos sites, nas reproduções esquecidas que fazem parte
do nosso acervo de professores, para além daquelas
sempre escolhidas” (MARTINS; PICOSQUE, 2003 apud
GRUPO DE PESQUISA: MEDIAÇÃO ARTE/CULTURA/

L
PÚBLICO, 2005a, p. 28). A questão proposta por Mirian
Celeste Martins que paira aqui é: Escolhemos “apenas
obras com as quais sabemos lidar, ou a ativação cultural
nos impulsiona a colocar aos alunos obras e produções
culturais que também nos inquietam?” (MARTINS,
2012, p. 64).

N
Hernández, ao abordar a cultura visual, fala dessa
importância em “estar disposto a aprender do emer-
gente, do que está passando, e não apenas do estabele-
cido e reconhecido” (MARTINS; TOURINHO, 2011, p. 47).
Tal apontamento nos permite pensar que talvez seja

P
também necessário escolhermos obras artísticas ou
mesmo outras visualidades com as quais não temos um
pleno saber ou aproximação, mas que nos inquietam
de algum modo e nos provocam a pensar. E, para isso,
também outro tempo nos é solicitado, ou pelo menos
outra concepção do que seja perder tempo.
IA
CASABIANCA,
Julien de. Outings
Project. 2014.
Memphis, Estados
Unidos.
JULIEN DE CASABIANCA

U
G

CASABIANCA, Julien de. Outings Project. 2014. Córsega, Itália.

93
Quando Martins e Picosque afirmam que “há que se querer perder tempo em processos educa-
tivos em arte” (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 127), convidam-nos a pensar nesse tempo necessário

D
a cada aprendizagem de maneira singular, um tempo necessário para que algo aconteça, para que
um encontro que dispare o pensamento aconteça. Um espaço para “mover uma outra intimidade
com os saberes por meio de uma mudança de foco: das respostas para as perguntas, da certeza para
a dúvida, da prescrição para a problematização” (MARTINS; PICOSQUE, 2012, p. 129).

L
CULTIVO (EM13LGG203), (EM13LGG302), (EM13LGG305)

Criação de uma história da arte afetiva


Esse exercício pode começar por elementos visuais e inquietações que compõem o cotidiano de estu-
dantes e se estender com pesquisas que esses elementos vão instigando a produzir. Abaixo sugerimos duas

N
possibilidades que podem funcionar como disparadoras para iniciar essa investigação:
1. Há alguma produção visual, entre as que permeiam os percursos cotidianos ou estão presentes na casa
ou comunidade de cada estudante, que possa lhes provocar interesse e desejo de investigação? Se sim,
solicite que fotografem essa produção visual e que investiguem artistas e imagens que possam se rela-
cionar, por aproximação e/ou tensionamento, com ela. Solicite também que pensem em um formato
(digital ou físico) que possa acolher esse arquivo de imagens, bem como informações sobre elas, escritos/

P
anotações e problematizações que forem surgindo nessa investigação. Não é necessário adotar um for-
mato linear, a não linearidade pode ser um desafio interessante para pensar outras configurações para a
produção dessa história da arte afetiva.
2. Há alguma inquietação ou desconforto cotidiano que gostariam de abordar, alguma forma de preconcei-
to que tenham vivido na escola, na comunidade ou que tenham presenciado entre amigos ou familiares?
Se sim, comece solicitando um pequeno relato escrito dessa situação vista ou vivida. A partir desse relato,
solicite uma pesquisa de artistas (de diferentes tempos e espaços) e de imagens que problematizem ou
IA
que acabam reforçando esses preconceitos e junto desses tensionamentos e conversações proponha
que tracem suas próprias problematizações. Assim, como na sugestão anterior, solicite que pensem em
um formato que possa acolher essas imagens, relatos e questionamentos, criando, dessa forma, uma his-
tória da arte afetiva, gerada pelas inquietações que esses preconceitos produzem e pelas problemáticas
que forem sendo acionadas junto à investigação.

Finalizamos esta seção com algumas palavras-flechas lançadas por Ailton Krenak. Intentamos,
junto das provocações trazidas por ele, deixar alguns fios soltos para outros mundos e histórias por vir.
U

Nosso tempo é especialista em criar ausências: do sentido de viver em sociedade, do pró-


prio sentido da experiência da vida. Isso gera uma intolerância muito grande com relação a
quem ainda é capaz de experimentar o prazer de estar vivo, de dançar, de cantar. E está cheio
de constelações de gente espalhada pelo mundo que dança, canta, faz chover. [...] Então pre-
gam o fim do mundo como uma possibilidade de fazer a gente desistir dos próprios sonhos.
G

E a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar mais
uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim (KRENAK, 2019, p. 26-27).

Contar mais uma história, e outra, e outra… histórias no plural, sem pretensão de universali-
dade. Contar, produzir, criar histórias menores – não no sentido de menos importantes, menores
porque têm a potência de desestabilizar versões majoritárias, menores porque cheias de potên-
cias de vida (DELEUZE; GUATTARI, 2014). Menores porque produzidas desde nossas experiências
com o que investigamos, lemos, ouvimos, vemos, sentimos. Produzidas de encontros e escutas.
De dentro de uma aula, da vida, sem a pretensão de produzir-se enquanto história única (uma
história “maior” que se pensa como a única possível). Contar histórias, histórias que possam ser
nossas, “sujas” de nós e de nossos encontros com a vida, problematizadoras da violência empre-
gada por uma história única.
As palavras finais desta seção deixam, assim, um convite em aberto: Tome a história da arte
como uma geografia (DELEUZE; GUATTARI, 1997) a ser experimentada, produzida, cartografada
ao passo que se caminha nela, tendo em vista também uma escuta das versões e caminhos pro-
duzidos por quem faz com você essa travessia e que pode conferir a ela possibilidades distintas e
potentes de existir.

94
3
CAPÍTULO
A imagem na vida contemporânea:

D
tecnologias, mídias e cotidiano

L
©JOHANNA GOODMAN 2020
N
P
IA
U
G

GOODMAN, Johanna.
Prancha no 107. 2019.
Série Imaginários da Cidade.
Colagem, 30 cm 3 40 cm.

95
• Como artistas atuam nesse momento histórico em que as redes sociais se fazem tão presentes

D
cotidianamente?
• Como utilizam essas plataformas para divulgar seus processos artísticos ou mesmo como o próprio meio
para a realização de suas obras?
• Como podemos aproveitar a internet para investigar processos artísticos e a arte produzida em diferentes
lugares do mundo?
• Que outros fenômenos permeiam as produções artísticas atualmente para além dos universos tecno-

L
lógicos digitais?
• Que possibilidades essas questões abrem para pensar a educação em artes visuais hoje?

Lembra-se de quando você planejava sair de casa no dia seguinte e aguardava o horário do

N
noticiário para saber a previsão do tempo? Hoje basta consultar a tela do celular para saber como
está o clima em qualquer lugar do mundo no momento em que você desejar e usando a fonte que
você considerar mais confiável. Essa janela de acesso rápido às informações mudou o modo de nos
relacionarmos com o conhecimento e nos delegou muito mais autonomia e responsabilidade com
a manipulação dos dados que temos à mão.

P
Da tela da televisão para o computador e, em seguida, para o smartphone, cada vez mais as
distâncias e os acessos se resumem a um simples toque, abrindo-nos múltiplas janelas cheias de
imagens, informações de diversas fontes e pontos de vista. Diante de um universo tão vasto, apenas
abrir a janela não nos basta mais. Desejamos construir as paisagens constantemente, imergindo em
universos muito mais fluidos de cenários passageiros. A sensação é como se tivéssemos passado da
janela de casa para a janela de uma locomotiva ou um automóvel em alta velocidade, e as paisagens
IA
se misturam e, por vezes, até nos causam náuseas, com seus ruídos sonoros e visuais.
Nosso cotidiano hoje é permeado por relações com as mídias informáticas e a internet. A virada
do século XX para o XXI testemunhou a substituição da televisão como principal meio de veiculação de
informações. Para sobreviver nesse cenário, os jornais impressos e as emissoras de rádio migraram
para a leitura e a audiência através dessas redes. Governantes passaram a utilizar as redes sociais para
se comunicar com suas populações. Grandes mudanças sociais e políticas se pautam em informações,
muitas vezes questionáveis, que circulam na internet. Já vemos chegar à vida adulta pessoas que
nasceram e foram criadas nessa era digital em que quase toda informação pode ser rapidamente
acessada de um celular ou computador.
U

Neste capítulo, vamos pensar como fenômenos contemporâneos de produção, acesso e distri-
buição de dados impactam os modos de pensar e produzir arte na contemporaneidade e os modos
como trabalhamos com as artes visuais na escola.
Vamos discutir ainda como diversas produções culturais contemporâneas, para além das digitais,
G

podem ser importantes aliadas para um ensino de artes mais integrado ao universo adolescente,
abordando temas contemporâneos, políticos e sociais por meio de narrativas, especialmente das
histórias em quadrinhos e do cinema. A criação de narrativas se torna, assim, processo de ver, pensar
e produzir mundos enquanto arte, mas também enquanto estratégia de ação na vida cotidiana.
Que personagens, cenários, temas atravessam nossas histórias cotidianamente? Poderíamos pensá-las
também como processos de criação, onde sejamos artistas de nossas próprias vidas? Que espécie de
criação de vida se faz possível, necessária pela arte (feita por artistas ou não) nos contextos atuais?
Que dilemas, desejos, necessidades perpassam a vida e a arte de hoje?
Explorando visualidades oriundas de diversos meios, pensamos em nossas relações com as pro-
duções culturais midiáticas, atentando-nos para as maneiras como elas nos afetam e para os modos
como nos construímos a partir da crescente proliferação de possibilidades de acesso e produção de
imagens. O que essas produções dizem de nós? De nossos modos de ser e estar no mundo atual?
Como isso afeta a experiência estética de adolescentes e seus projetos de vida?
Os encontros hoje promovidos em nossas relações com as imagens já não são mais exclusivos
de um ou outro campo de conhecimento. Estudar arte não se resume a conhecer obras clássicas
narradas pelos movimentos artísticos, mas também abrange pensar como a imagem, seja ela de arte

96
ou não, está presente em nossas vidas e interfere nas nossas produções de mundo. Essa diluição de
fronteiras do saber tem muito a contribuir para os processos educativos empreendidos na área

D
de linguagens e suas tecnologias, especialmente ao considerarmos quanto ela é permeada pelo tema
contemporâneo transversal Ciência e tecnologia.
As janelas moventes deste capítulo abordam aspectos das dimensões 2, “o saber disciplinar em
xeque”, e 3, “área de conhecimento em foco”, problematizando o isolamento dos saberes disci-
plinares, principalmente a partir de abordagens da cultura visual, da produção de narrativas visuais

L
e das tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC). Buscamos pensar e oferecer, assim,
pistas para explorar caminhos interdisciplinares na educação das artes visuais.

Artes e visualidades no mundo contemporâneo

N
À medida que ferramentas informáticas vão ficando disponíveis a uma parcela cada vez maior da
população, artistas visuais (e qualquer pessoa que produza imagens) se valem delas para desenvolver
seus processos, tanto num sentido mais artesanal, explorando digitalmente linguagens tradicionais como
o desenho e a escultura, quanto num aspecto mais conceitual, apropriando-se de imagens, discursos e
modos de fazer desses meios – como a inserção nas redes sociais e a exploração de ferramentas interativas.

P
Ao abordar processos de produção de imagens por artistas junto a estudantes de Ensino Médio,
podemos relacionar essas práticas com os modos como produzimos imagens em diferentes épocas
e para diferentes finalidades.
Fazeres que remontam a tecnologias ancestrais coexistem, e até mesmo se misturam com outros
que se dão diretamente no contexto computacional. O contato entre elementos de diferentes culturas,
IA
outrora dificultado por distâncias geográficas, se amplifica de forma proporcional à popularização
dos meios de comunicação, especialmente aqueles hoje incluídos na categoria TDIC.

Artistas e produção de imagens Competências gerais: 3, 5

Imagens... conseguimos nos lembrar de algum espaço das nossas vidas em que elas não estejam
presentes hoje? Difícil imaginar, pois sua produção, sua circulação e o acesso a elas estão ao alcance
das nossas mãos, em dispositivos móveis que carregamos conosco para onde vamos. Se no passado
a arte (pintura, escultura, desenho...) era o único meio de produção imagética, tendo artistas (geral-
U

mente homens brancos) como responsáveis pela produção simbólica de seu tempo e a produção
artesanal da imagem como único meio técnico de produção, hoje podemos considerar que essa
produção simbólica é compartilhada, já que é produzida por qualquer pessoa que tenha em mãos
um telefone celular com câmera e uma rede social.
Em termos de comunicação, transmissão de dados, pesquisa por informações de toda parte e
G

mesmo de criação de novos artefatos culturais, temos na contemporaneidade a chance de explorar


possibilidades que eram inimagináveis até os não tão distantes anos 1990 (começo da popularização
do computador e do celular). Isto está longe ainda de ser, evidentemente, um acesso plenamente de-
mocratizado, havendo consideráveis defasagens entre as diferentes classes econômicas. No entanto,
já é perceptível uma mudança no contato que adolescentes de diferentes contextos sociais e culturais
têm com uma fotografia, por exemplo, dado que ao observá-la é bem maior a chance de já terem rea-
lizado pelo menos uma na vida, por meio de câmeras atualmente presentes na maioria dos celulares.

Imagens em suas distintas eras


José Luis Brea, no livro Las tres eras de la imagen – imagen-materia, film, e-imagen, aborda como a
tecnologia empregada em cada uma dessas três eras – que ele define como imagem-matéria, ima-
gem-fílmica e imagem-digital – interfere nos modos de produção, distribuição e recepção da imagem.
Na era da imagem-matéria (que compreende as imagens que antecedem a invenção da fotografia),
as imagens eram presenças raras, incrustadas em seu suporte matérico, “destinadas a mover-se unica-
mente no registro do escasso, nutrindo-se deste domínio singular” (BREA, 2010, p. 114). Diferente da
imagem-fílmica (película química) e da imagem-digital, que abrigam possibilidades de reprodução.

97
Se a imagem-matéria envolvia um tempo de produção e sua memória estaria rela-
cionada ao suporte físico e a materiais que garantiriam sua permanência, na imagem-

D
-fílmica não é o objeto (eternizado) que aparece com mais ênfase, mas sim a captura
ou o corte, por meio de uma “máquina de ver”, de um pedaço de tempo pertencente
a um fluxo em constante movimentação, um testemunho de algo em vias de desapa-
recimento (BREA, 2010).
A fotografia e a imagem fílmica se mostravam assim como testemunhos, registros ou

L
partes (cortes) de uma passagem temporal que não garante a eternidade de algo, mas
que escancara sua efemeridade: um vídeo, por exemplo, oferece ao público um tempo
determinado para ser visto, diferentemente de uma pintura, que pode ser observada pelo
tempo que desejarmos. Esse fluxo pode ser pensado também pela narrativa temporal
que a imagem-fílmica implica, um conjunto imagético em movimento. A experiência de

N
recepção de tais imagens se dá a partir de uma superfície plana (superfície da tela) e seu
consumo, sua contemplação, dá-se de forma massiva e coletivizada (seja em uma sala
De que modo a presença de cinema ou transmitida para milhares de televisores). Tudo isso implica outra relação
ubíqua das imagens e com a imagem, distinta daquela propiciada pela imagem-matéria.
as novas tecnologias de Com possibilidades mais recentes, abertas pela imagem digital e pela popularização

P
produção, distribuição
da informática, “o visual se converte em habitante naturalizado do nosso mundo, em
e recepção da imagem
reverberam na arte? elemento habitual da nossa paisagem cotidiana” e, portanto, passa a ter “crescente im-
O que ocorre quando a arte portância nos processos contemporâneos de socialização e subjetivação” (BREA, 2010,
se apropria de aparatos p. 114-115, tradução nossa). Fantasmagóricas, as imagens digitais estão em distintos
e meios de produção e lugares ao mesmo tempo, justapostas, sobrepostas, em fragmentos, em conexões...
disseminação de imagens Assim, é como se elas nunca morressem. Apesar de não ter a carga de eternidade que
IA
concebidos a partir
de um princípio de
a imagem-matéria carregava em seu suporte matérico, elas se fazem eternas não por se
produtividade industrial? manterem as mesmas, mas justamente pela possibilidade de retornarem sempre outras,
de recuperarem a vitalidade, a pulsação da diferença a cada conexão com outras coisas.

Artes Visuais e as tecnologias contemporâneas de produção de imagens


Arlindo Machado, no livro Arte e mídia, traz algumas problematizações a respeito do
que o encontro entre a arte e as novas tecnologias de produção de imagens tem pro-
duzido na contemporaneidade. Com as questões trazidas pelo autor, podemos pensar
U

também quais seriam as possibilidades de experimentações no contexto da produção


de imagens mediada pelas TDIC, pensando nas potencialidades que esse encontro entre
arte e mídia abre também no contexto da educação das artes visuais.
Artemídia, traduzido do termo em inglês media arts, designa, segundo Machado
(2007, p. 7, acréscimos nossos), “formas de expressão artística que se apropriam de re-
G

cursos tecnológicos das mídias e da indústria do entretenimento em geral, ou intervêm


em seus canais de difusão, para propor [outras] alternativas” de experimentação para
essas formas, seja em seu conteúdo, seja em seus meios. Ainda segundo o autor, esse
termo abarca e transborda termos adotados anteriormente, como “arte e tecnologia”,
“artes eletrônicas”, “arte-comunicação” e “poéticas tecnológicas” (MACHADO, 2007).
Cabe mencionar que o uso do termo “arte e tecnologia” como referência a produ-
ções artísticas desenvolvidas por meio das TDIC é uma imprecisão, pois, como vimos
anteriormente, toda a história da arte é permeada por fazeres assistidos por tecnologias
disponíveis em cada momento histórico. A arte sempre está relacionada às condições
de seu tempo e com as invenções tecnológicas das épocas em que é produzida.
No decorrer do tempo, distintas tecnologias foram aparecendo e sendo incorporadas
à produção artística, o que não indica necessariamente um progresso ou evolução, até
porque esses termos são relativos (evolução e progresso com relação a quê?), pois, ao
mesmo tempo que as tecnologias produzem potências e facilidades, também acionam
pontos que podem ser problematizados. Cabe observar também que o surgimento de
determinada tecnologia não necessariamente exclui as existentes até então, nem institui

98
o uso de tecnologias ancestrais como algo ultrapassado, principalmente no meio artís-
tico. A velocidade de produção possibilitada por uma tecnologia de impressão 3D, por

D
exemplo, pode ser muito bem aproveitada em diversos processos, mas não se torna um
substituto necessário para os meios anteriores de se realizar uma escultura. Ela não os torna
obsoletos, mas se une a eles como mais uma alternativa a ser explorada. Ou seja, em sua
coexistência, diferentes tecnologias podem produzir outros possíveis, uma com a outra.
Tendo isso em vista, por que artistas não utilizariam esses recursos que emergem em

L
nosso tempo, como computadores, internet, vídeo, fotografia, programas de edição de
imagens etc., para produzirem suas obras? E, ainda, por que não se utilizariam desses
recursos também para problematizarem o meio no qual essas tecnologias surgem e
são operadas, bem como o que produzem nesse tempo em que vivemos e do qual
somos contemporâneos?

N
Ao produzir artisticamente, desde dentro dessas tecnologias e das mídias operadas
com elas, são possíveis algumas fissuras que fazem com que esses recursos e seus discur-
sos deixem de funcionar por um momento na lógica que habitualmente se espera deles.
Já pensou na possibilidade de, ao caminhar pela rua, se deparar com alguém entre-
gando panfletos que não se destinam a uma finalidade comercial ou propagandística,

P
mas que, pelo contrário, têm inscrita uma frase disparadora do pensar? O que você faria
ou pensaria ao receber um panfleto com os dizeres “perca tempo” ou ainda sugerindo
formas incríveis de perder tempo?
Essa é uma das propostas da dupla de artistas em uma das obras da série Perca tempo.
Tal proposta, desenvolvida pelo Poro como panfletagem nas ruas, aproveita também
o uso das possibilidades da internet. No site do grupo, podemos ter acesso ao mesmo
IA
panfleto de forma virtual, que pode ser partilhado em redes sociais (em uma panfleta-
gem eletrônica) ou, por meio do download gratuito, ser impresso para desenvolvermos
a ação artística na localidade onde moramos.
PORO (BRÍGIDA CAMPBELL E
MARCELO TERÇA-NADA)

O que essa obra do Poro


nos convida a pensar sobre
U

o tempo? Tendo em vista


as tecnologias digitais de
informação e comunicação,
que experiências com o
PORO. Panfleto tempo temos produzido
eletrônico da série com elas?
Perca tempo.
G

CULTIVO (EM13LGG503)

Tempos para o tempo em nossos projetos de vida


Que tal escolher uma ou mais dessas maneiras de perder tempo sugeridas pelo Poro para
vivenciar em alguma aula com a turma? Você pode imprimir os panfletos disponibilizados pelo
Poro em: <https://poro.redezero.org/ver/downloads/page/2/> (acesso em: 22 nov. 2020) e es-
colher com a turma uma das experiências para vivenciarem conjuntamente.
Após essa vivência, em uma roda de conversa, você pode propor problematizações so-
bre que outras relações com o tempo essa experiência produziu. Você pode pensar junto
com o grupo o lugar que o “perder tempo” ocupa em nossos processos de formação e apren-
dizagem: Qual seria a importância da perda de tempo nesse processo? Tendo em vista nos-
sos projetos de vida, que maneiras de perder tempo não poderiam faltar na nossa lista?
Convide cada estudante da turma a listar possíveis experiências de “perda de tempo” du-
rante seu itinerário formativo, experiências que possam abarcar tanto relações consigo quanto
com o mundo e com outros seres. Pense com a turma que experiências com o tempo as tec-
nologias digitais de informação e comunicação nos convidam a produzir.

99
Coexistência e contágios entre imagens e tecnologias digitais

D
A tecnologia digital favorece que imagens de diferentes temporalidades coexistam
e contaminem umas às outras. Imagens ícones da história da arte (como a Monalisa, de
Leonardo da Vinci, O grito, de Edvard Munch etc.), por exemplo, nunca estiveram tão
presentes e conversaram tanto com a contemporaneidade como agora. Por meio de
colagens e memes, há versões bem-humoradas dessas imagens que conversam com

L
diversos dilemas contemporâneos.
Artistas visuais também têm se utilizado da apropriação de imagens da história da
arte para propor outras problemáticas no presente. A artista argentina Nicola Costan-
tino faz uso dessa possibilidade para explorar e atualizar, por meio da fotografia e de
processos de edição de imagens, obras e temas de outros períodos históricos.

N
REMBRANDT VAN RIJN/MAURITSHUIS - HAIA, HOLANDA

NICOLA COSTANTINO
P
IA
REMBRANDT. A lição de anatomia do dr. Tulp. 1632. Óleo sobre COSTANTINO, Nicola. A lição de anatomia da dra. Nicola Costantino.
tela, 169,5 cm 3 216,5 cm. 2015. Fotografia.

Ao se apropriar de elementos da obra do artista holandês barroco Rembrandt e


do filme Metropolis (Fritz Lang, 1927), a artista os atualiza em uma outra situação, na
qual é a imagem de si própria que é replicada por meios digitais para compor a cena.
U

Nas fotografias que a artista produz com as apropriações de obras da história da arte,
ela é sempre personagem na cena fotografada.
O trabalho de Nicola Costantino nos instiga a pensar também no que se tem chama-
do de fotoperformance, processo de produção de imagens de maneira programada,
Que provocações nos faz em que o corpo atua, inventa movimentos e verdades provisórias sobre si. A fotoper-
G

a fotografia produzida por formance não consiste em uma fotografia de uma performance, mas sim em uma cena
Nicola Costantino a partir
produzida especificamente para ser fotografada. Quando fazemos uma fotografia como
das obras de Rembrandt
e Lang? O que dizem registro de um acontecimento, podemos incorrer na ideia de que essa imagem se faz
de nosso tempo? memória de um fato ocorrido, mas, no caso da fotoperformance, a ação fotografada
pode ser vista como processo, etapa para chegar à imagem desejada.
FOTOS: PAULO NAZARETH/MENDES WOODS DM

NAZARETH, Paulo. Série


Objetos para tampar o
Sol de seus olhos. 2010.
Fotografia.

100
Nas fotografias da série Objetos para tampar o Sol de seus olhos, o artista Paulo
Nazareth improvisa diferentes elementos da natureza para utilizá-los em sua cabeça.

D
Um detalhe que chama a atenção é que seu rosto, na fotografia, parece queimado pelo
Você consegue imaginar
sol, o que justificaria a necessidade do uso do objeto de proteção. O trabalho de Nazareth o contexto de produção
remete a uma necessidade de muitos habitantes do interior do país que precisam se das fotografias de Paulo
deslocar por longas distâncias, improvisando ferramentas de proteção e produzindo Nazareth? Estaria o
outros sentidos para o uso de objetos diversos. artista realmente se

L
deslocando pelo sol, como
Essas produções visuais nos instigam a pensar também como a fotografia e a imagem di- costuma fazer em outras
gital têm atravessado nossas experiências cotidianas. No que se refere à experiência educativa performances? Parece uma
em artes visuais, Alice Fátima Martins (2009) chama a atenção para a grande familiaridade fotografia montada ou
que estudantes têm com as tecnologias e com os ambientes virtuais, mencionando também espontânea? Já aconteceu
a potencialidade do ambiente virtual para o desenvolvimento de projetos em educação. de você produzir uma série

N
de fotografias simulando
Tendo em vista a facilidade com que produzimos e colocamos hoje em circulação espontaneidade até
diferentes imagens e micronarrativas cotidianas relacionadas ao “trabalho, estudo, família, chegar a um resultado
relações amorosas, fantasias, ficções, transgressões...”(MARTINS, 2009, p. 113), a aula de artes que gostasse para postar
visuais parece ser um “ambiente profícuo para a discussão sobre a natureza destas imagens, em uma rede social?
seu potencial expressivo e estético”, configurando-se também como um espaço em que

P
podemos pensar, a partir da cultura visual, o modo com que nossas imagens e micronar-
rativas entram em conexão ou tensionamento com imagens e micronarrativas produzidas
pelo outro e de que modo contribuem para reforçar ou desconstruir determinadas ideias.

Contágios “entre” linguagens artísticas: e… e… e...


Como as linguagens tradicionais têm inventado novas existências na contempora-
IA
neidade? Assim como a pintura precisou produzir outros sentidos de existência com
a invenção da fotografia, e a gravura encontrou outros caminhos com a invenção da
imprensa, as mídias digitais têm provocado artistas contemporâneos a pensarem novas
possibilidades para seguir trabalhando com processos antes exclusivamente manuais.
Como a arte tem construído outros caminhos para suas linguagens por meio do acesso
a mídias digitais, ao computador e à internet?
Arlindo Machado (2007, p. 69) diz de uma impossibilidade de seguir “pensando os
meios como separados e independentes” em suas categorias (como pintura, escultura,
U

desenho, cinema etc.); assim, “em lugar de pensar os meios individualmente, o que
começa a interessar agora são as passagens que se operam entre” um recurso e outro.
Por vezes as fronteiras estão diluídas, tamanhas as mestiçagens entre os materiais e os
meios utilizados em uma mesma obra.
ALEXA MEADE, RISEN BEHIND THE SCENES (2012)

MEADE, Alexa. Risen.


2012. Instalação.

101
Nas obras de Alexa Meade, por exemplo, poderíamos delimitar os meios de sua produção em
uma única categoria? São pinturas, fotografias, performances ou instalações? Se retirarmos o “ou” da

D
pergunta e colocarmos em seu lugar um “e”, talvez nos aproximaremos mais do que esse processo
implica. Enquanto o “ou” produz uma exclusão (uma possibilidade “ou” outra), o “e” propõe uma con-
junção, um encontro, uma coexistência (ZOURABICHVILI, 2016): pintura e fotografia e instalação e
performance e... e... e... O que se passa nesse “e”, nesse “entre”?

L
VIVÊNCIA (EM13LGG301)

“Entre” arte e literatura


Acesse o site <https://www.alexameade.com/immersedinwonderland> e conheça a instalação Immersed in
wonderland, da artista Alexa Meade, inspirada na obra de Lewis Carrol, Alice no país das maravilhas, em uma pro-

N
posta que aconteça “entre” artes visuais e literatura. Convide colegas docentes responsáveis por esse componente
curricular na sua escola para produzir um trabalho conjunto, pensando o que a obra da artista convida a explorar
na sua conexão com a literatura e o que a literatura convida a explorar na sua relação com a obra da artista. Vocês
podem partir da leitura do livro para estudar como os elementos visuais são descritos pelo autor, observando como
a artista explora visualmente e espacialmente essas narrativas. Esse estudo pode envolver não só as visualidades,
mas também as sensações que esses ambientes imersivos nos provocam, ora nos encantando, ora nos confundin-
do, ora fazendo que nos imaginemos menores ou maiores, assim como no mundo de Alice.

P
Pensem conjuntamente: como as mídias tecnológicas são exploradas na obra e como poderiam ser tam-
bém experimentadas em outras conexões entre artes visuais e literatura? Que relações com a vida poderiam
ser produzidas nesse “entre” que perpassa as imagens que produzimos, os ambientes visuais que percorremos
e as narrativas que contamos-criamos de nós e do mundo?

Outro artista que experimenta conexões entre diferentes recursos e meios para produzir suas obras
IA
é Alexandre Orion. Na obra Metabiótica, ele trabalha com uma simbiose entre grafite e fotografia.
O grafite é produzido pelo artista no espaço urbano e, a certa distância, ele fica com a câmera à espreita
de situações cotidianas que possam compor com a imagem do grafite. Isso acaba intrigando quem
visualiza o trabalho: Seria uma montagem, uma edição de imagens, uma fotografia tomada ao acaso?

FOTOS: ALEXANDRE ORION


U
G

ORION, Alexandre. Série Metabiótica. 2003. Intervenção. ORION, Alexandre. Série Metabiótica. 2003. Intervenção.

Se a fotografia, inicialmente, funcionava como testemunho inquestionável, ou como “tecnologia


a serviço da verdade” (SCHENKEL, 2007, p. 89), desde seu surgimento no século XIX até as experi-
mentações digitais contemporâneas, esse caráter vem perdendo sua credibilidade, pois as “verdades”
que produzem são múltiplas. Desde as experimentações com colagens do surrealista alemão Max
Ernst, artistas vêm descobrindo possibilidades de subversão desse caráter documental da fotografia,
experimentando outras relações que propiciam a produção de outros sentidos.
A facilidade de produzir, desfazer (ctrl+z) e tornar invisível esse processo de montagem, que pro-
gramas digitais de edição de imagens (simples e sofisticados) têm permitido na contemporaneidade,
levanta com mais frequência essa suspeita sobre a imagem que vemos. Entretanto, fictícia ou factual,
a imagem em sua gama de possibilidades de edição, de um simples filtro a processos mais complexos
de fotomontagem, tem produzido realidades e diferentes mundos dentro do mundo.

102
Incorporando o humor no exercício de problematizar

D
As imagens, por si só, sejam elas fictícias ou factuais, não são mocinhas “ou” bandidas;
é na relação que a imagem vai tateando o que pode e que vamos tateando também
o que podemos com ela. É na “relação” com ela que podem ser instauradas tanto pro-
blematizações e processos de criação quanto reproduções de estereótipos. É possível,
quando se oferta tempo nos espaços educativos para pensar/criar com as imagens,

L
gerar uma fissura no circuito naturalizado de reprodução de discursos e visibilidades
que as tecnologias digitais de informação e comunicação muitas vezes têm propiciado,
abrindo espaço para que a criação de problemas possa acontecer.
Paul Duncum (2011, p. 26), ao tratar da cultura visual a partir da cultura popular,
principalmente aquela atrelada à questão do consumo, menciona a importância do

N
humor, da transgressão e de “incorporar prazer e crítica” em problemáticas produzi-
das em meio às nossas experiências educativas. Um apropriar-se dos mecanismos de
funcionamento do consumo, mas sem perder de vista a problematização de posturas
que muitas vezes esses meios veiculam e naturalizam com esses mesmos mecanismos:
sexismo, homofobia, racismo...

P
Esse espaço para o pensamento que possa ser permeado também pelo humor não
está dado, é necessário criá-lo enquanto uma abertura à conversação, em que possa-
mos nos permitir rir de nós mesmos, mas que possa ser também, antes de tudo, um
espaço de respeito às concepções e narrativas de cada pessoa envolvida. E esse respeito
à narrativa de outrem perde sua principal potência se acontecer como mera regra de
convivência escolar ou como uma moral a ser reproduzida. É preciso criar meios para
IA
que escutas, conversações e atravessamentos ocorram, para que inquietações possam
atravessar o corpo/pensamento e para que uma mudança de posicionamento não se
dê em nome de uma regra ou moral, mas que possa acontecer como uma ética e uma
estética de existência capazes de nos fazer diferir de nós a partir do que nos potencializa
sem despotencializar a existência de quem faz conosco a travessia.

Artistas e difusão de imagens na era digital Competências gerais: 3, 5

Desde o final do século XX e, especialmente no século XXI, passamos a uma relação


U

intensificada com as imagens produzidas digitalmente, a partir das quais já não há se-
quer um original. A imagem nasce e circula na web de forma onipresente em inúmeros
dispositivos, sem limite de tiragem, podendo ser acessada simultaneamente em dife-
rentes lugares. Nesses casos, já não observamos imagens apenas como reproduções de
algo existente em algum espaço físico, mas também como a própria produção artística,
G

produzida para a circulação digital. O meio acaba sendo o próprio suporte, aproveitando
suas potencialidades e limitações.
Dependendo do dispositivo de acesso, as dimensões e cores da imagem podem se
alterar, sem que isso caracterize um equívoco, como o seria no caso da reprodução de
uma obra física.
Os aparatos digitais e o uso da internet trouxeram mudanças não apenas nos mo-
dos como acessamos conteúdos, mas também interferindo em nossas concepções de
mundo, nas percepções de distâncias entre lugares e entre pessoas, nos modos como
aprendemos (hoje dependemos muito menos da memória do que em tempos em que
não tínhamos acesso rápido a dados factuais), em nossas relações com o tempo e a
O que muda nas nossas
espera e em nossa capacidade de manter a concentração em meio a tantas informações
relações de produção
que nos interpelam a todo momento. e seleção de imagens
Se antes artistas buscavam disputados espaços institucionais para expor seus tra- quando migramos dos
balhos em museus e galerias, hoje um novo desafio é conseguir visibilidade para sua álbuns de fotografias para
as postagens de imagens
produção em meio a tantas imagens que circulam pela internet. E, mais do que isso, como
nas redes sociais?
fazer com que seus trabalhos ganhem potências singulares com essas ferramentas?

103
Para que nos desloquemos entre diferentes contextos aos quais associamos a fotogra-
fia, dos álbuns e porta-retratos até o meio das redes sociais, é preciso que aprendamos os

D
signos dessas novas maneiras de existir coletivamente, como quem aprende a explorar
as especificidades de um local expositivo de modo a tornar seu trabalho interessante
no diálogo com o entorno, ou, ainda, como quem realiza um site specific.
O conceito de site specific tem sido utilizado na arte para abordar trabalhos que
passam a considerar as relações estabelecidas com os espaços, os contextos, os públicos

L
e as paisagens onde acontecem, fazendo que sua remoção ocasione a destruição da
própria obra. Essa atenção aos espaços passa por um debate que ultrapassa questões
espaciais e envolve problematizações sobre os discursos dos próprios museus como
instituições que atenderiam a interesses historicamente localizados e culturalmente
determinados (KWON, 2008).

N
Quando artistas escolhem produzir sua arte em espaços cotidianos que não foram
de antemão preparados para uma exposição artística, deles é exigida uma atenção ao
funcionamento da vida nesses locais, às estruturas físicas, às interferências visuais que
podem prejudicar ou potencializar seus trabalhos, a como o material vai se comportar,
por exemplo, com o vento, a chuva, a poluição. É preciso dialogar com os fluxos da vida

P
social sem a proteção das paredes brancas e das luzes de um museu.
De maneira similar, podemos pensar em todo o estudo necessário para que um
trabalho artístico seja experimentado por um público inesperado que acessa a internet.
Como dialogar com os tempos, os ritmos, as técnicas das mídias digitais para dar visi-
bilidade a um trabalho artístico? Como estimar o comportamento do trabalho nesses
VILLEFORT, Wisrah. Projeto
territórios em que as informações fluem tão rapidamente?
IA
Mercado Livre.
Redes sociais de compartilhamento de imagens possuem
características próprias de uso, como filtros de edição, possibili-
dades de agrupamentos em colunas ou sequências e acréscimos
de textos sobre a imagem ou como legenda. Essas características
da ferramenta acabam influenciando na estética de produção das
imagens – quadradas ou retangulares, acompanhadas por textos
e postadas com um marcador (hashtag) que facilita o acesso em
dispositivos de busca por uma temática específica.
U

Artistas que optam por utilizar essas redes geralmente se abrem


ao diálogo com seu público, rompendo com a visão clássica que
temos da arte que distancia quem produz de quem experimenta.
As redes sociais podem funcionar também como um laboratório
de experiências em processo, permitindo que tenhamos acesso à
G

“cozinha” de alguns projetos artísticos, especialmente pelo uso de


postagens efêmeras características de alguns desses espaços, que
se apagam após 24 horas.
O Projeto Mercado Livre, do artista mineiro Wisrah Villefort,
por exemplo, é uma produção que se integra às dinâmicas de
funcionamento de um site de vendas pela internet. Em um pri-
meiro momento, o trabalho nos leva a pensar que estamos de
fato diante de mais uma opção de compra de produtos, mas, ao
acessar suas imagens, alguns estranhamentos vão provocando
nossa suposta relação de compra. O artista busca produtos es-
tranhos vendidos em sites e os posta em uma rede social sem
qualquer legenda ou informação de uso. Com isso, ele provoca
WISRAH VILLEFORT

diversas reações nas pessoas que se deparam com as imagens


– especulações sobre a utilização, interesse de compra ou co-
mentários denunciando a criação de necessidades de consumo
de nossa sociedade. Esse artista olha para as características das

104
ferramentas de que dispõe, escolhe as que o atendem e, nos pequenos detalhes, in-

NARO PINOSA
venta outros usos, traindo as ferramentas. Depois de postadas, as imagens adquirem

D
outras dimensões, que ultrapassam as funções para as quais foram produzidas, em
uma espécie de ready-made da era digital (você pode buscar mais sobre o conceito
de ready-made e apropriações no último capítulo deste livro).
Ao pensarmos no trabalho com esse contexto de difusão de imagens através das
redes sociais, não estamos tratando nem de adequar a arte às ferramentas nem de fa-

L
zer que as ferramentas se tornem suportes artísticos. O que ocorre é a criação de algo
que não está nem na arte nem na comunicação, mas no encontro entre elas. Deleuze e
Guattari (1997) abordam o conceito de devir como alianças entre corpos que se afetam
(não em um sentido de afetividade, mas, sim, afeto enquanto contágio), movimentan-
do a produção de outras forças, que não coincidem com um ou outro, mas que abrem

N
PINOSA, Naro. Sem Título. 2019.
novos caminhos. Arte e internet – que, em um primeiro momento, ocupavam discursos
Colagem digital.
e lugares distintos –, ao se encontrarem, passam a gerar outros modos de vermos e
pensarmos cada uma delas.

Imagens de si nas redes sociais

IMAGEM POSTADA POR CINDY SHERMAN EM REDE SOCIAL


EM 26 DE JUNHO DE 2019. CAPTION: ❤ NATURE
A artista estadunidense Cindy Sherman encontra um modo de integrar seu olhar
artístico às ferramentas atuais de produção e compartilhamento de selfies. Em 2017
ela tornou pública uma conta pessoal em uma rede social e passou a postar foto-
grafias nas quais se apropria de filtros de correção facial para levar sua imagem a
deformações extremas.
IA
Essa produção gerou grande interesse do público, parte dele já familiarizado com a
extensa carreira da artista, consolidada no mundo das artes por suas fotografias produzi-
das desde os anos 1970, nas quais ela monta cenários e interpreta personagens diversas
com o uso de recursos como maquiagens, roupas, perucas e máscaras, levando-nos a
pensar sobre estereótipos sociais. Essa adaptação de seu processo artístico para as redes
sociais acaba impulsionando discussões sobre a potencialidade desses meios para um
novo modo de produzir e acessar arte nos tempos atuais, bem como problematiza o
modo com que usufruímos esse espaço e como nos produzimos nele.
SHERMAN, Cindy. Nature. 2019.
U

Fotografia e edição digital.


VIVÊNCIA (EM13LGG701)

Planejando impressões de si e da arte para as redes sociais


Abra seu perfil em uma rede social e observe quais imagens postadas por você se relacionam
com as impressões de si listadas abaixo. Quando me pareço uma pessoa: bonita; ocupada; cria-
G

tiva; insegura; inteligente; triste; jovem; natural; sociável; saudável; diferente (ou outra pessoa).
• Observe quais dessas impressões são mais recorrentes em suas postagens. Pense em algo
cotidiano que você nunca postou. Por que isso acontece?
• Experimente produzir e postar algumas fotografias incomuns ao seu perfil. Utilize imagens
banais de sua vida cotidiana ou invenções que intensifiquem alguns estereótipos (use como
apoio as impressões de si sugeridas no início desta vivência). Atente para as estratégias que
você utiliza para produzir essas postagens – pode ser a exploração de filtros de edição, o
uso de legendas com citações e/ou frases (clichês ou não), a escolha de imagens com outras
autorias, citadas da internet etc.
• Poste algumas produções inéditas e observe a reação das pessoas a essas postagens inco-
muns. Quais recebem mais curtidas e comentários?
• Anote tudo o que lhe foi exigido planejar para o desenvolvimento e postagem dessas
fotografias, desde os materiais, o figurino, o cenário, as edições de imagens e textos até as
maneiras de oferecer respostas aos comentários. Como você seleciona/avalia
• Busque nas redes sociais perfis de artistas visuais (você pode começar pelas referências o que produz e compartilha
trazidas nesta seção) e observe em que as estratégias de artistas para a criação e divulgação imageticamente, seja com
de suas imagens se aproximam ou se distanciam das utilizadas por você. intuito artístico ou não?

105
É especialmente por meio da internet que os trabalhos
ANAMORPHIC MURALS (JUANDRES VERA, PETER WESTERINK, DAZER RAMÍREZ)

do artista mexicano Juandres Vera ganham visibilidade nos

D
diversos cantos do mundo. E isso acontece sem que ele próprio
necessite fazer as publicações. Ocorre que o próprio formato
de seus trabalhos faz que o público deseje fotografar e acabe
compartilhando as imagens produzidas.
Esse artista realiza grafites hiper-realistas no chão e nas

L
paredes de espaços urbanos. São imagens que produzem uma
ilusão de tridimensionalidade quando vistas de determinados
ângulos que podem ser mais bem percebidos através da fo-
tografia. O acesso aos efeitos de seu trabalho acaba se dando
pelas imagens produzidas pelo próprio público e, frequente-

N
mente, divulgadas nas redes sociais. Fotografar, nesse caso, é a
prática mais recorrente de quem deseja experimentar os efeitos
de imersão de seu corpo na obra.

Artistas e acesso aos acervos

P
Em tempos em que o ato de fotografar se torna prática
corriqueira em nossas experiências de mundo, os próprios
museus e galerias têm mudado suas relações com a produção
de imagens das obras em suas exposições. Alguns oferecem
acesso a imagens, áudios e informações extras sobre as obras
no ato da visitação por meio de QR codes que podem ser aces-
IA
VERA, Juandres. Sem título.
sados pelos aparelhos celulares de cada visitante, buscando
2014. Mural.
tornar a visita mais dinâmica, contextualizada e acessível a pessoas com deficiência.
Outros investem em ferramentas de realidade aumentada e até mesmo recorrem à
produção de cenários exclusivos para a realização de fotografias do público.
Museus digitais e galerias virtuais são estratégias que nos possibilitam acessar de
Como você experimenta casa (ou da escola) imagens de obras e também ter algum contato com o contexto em
a arte para além da que elas são expostas fisicamente, possibilitando uma imersão que pode nos trazer
observação? O que
outras relações com as dimensões e materialidades das obras. Esses lugares também
diferentes produções
U

convidam você nos permitem discutir os contextos de legitimação da arte, as posturas exigidas de
a também produzir? nossos corpos em diferentes espaços, além de nos fazer pensar sobre os diálogos entre
imagens e espaços arquitetônicos.

ROBSON FERNANDO © SALVADOR DALÍ, FUNDACIÓN GALA-SALVADOR DALÍ/


AUTVIS, BRASIL, 2020 - INSTITUTO TOMIE OHTAKE, SÃO PAULO
G

DALÍ, Salvador. O quarto de Mae


West. 2015. Réplica da instalação
Salvador Dalí. Cenário montado
com espelho do lado oposto para
que o público possa se fotografar
dentro da obra. Instituto Tomie
Ohtake, São Paulo.

106
PARA OUTRAS CONEXÕES

D
Para conhecer outras possibilidades de acessos virtuais a museus, visite o site do Projeto
Era Virtual (<https://www.eravirtual.org/>, acesso em: 22 nov. 2020), que possibilita visitações
virtuais a diversos museus brasileiros e seus acervos, visando a ampla divulgação e promoção
do patrimônio cultural brasileiro desde 2008.
Outro modo de experienciar digitalmente a elaboração de uma exposição de arte é o jogo de
computador gratuito Occupy White Walls (disponível em: <https://www.oww.io/>, acesso em: 22

L
nov. 2020), onde é possível visitar e criar espaços expositivos virtuais e preenchê-los com a apro-
priação de reproduções digitais de diversas obras (com foco entre os séculos XVIII e XIX) e também
com criações próprias (estas mediante pagamento).

VIVÊNCIA

N
EM13LGG704

Visitando uma exposição virtual


Visite o acervo virtual de um museu e realize alguns exercícios relacionados a questões vi-
venciadas nesses ambientes.
• Dimensões: Anote as dimensões de algumas obras que lhe despertem interesse.

P
Pegue uma trena e marque essas dimensões no quadro de giz ou em um papel colocado na
parede. Compare com o tamanho de referências que você tem ao seu dispor, como livros,
mobiliários e cartazes.
• Curadoria: Observe a disposição das obras no espaço. Como elas se relacionam entre si?
Como são organizadas em cada ambiente (por temáticas, técnicas, artistas, cronologia etc.)?
• Arquitetura: Como as obras ocupam o espaço? Qual é a distância entre elas? Como suas
IA
molduras e pedestais dialogam com o ambiente arquitetônico simulado na página? Há um
direcionamento de passagem de um espaço a outro ou de uma obra a outra? É preciso voltar
em algum momento? Desenhe essa movimentação em um papel. Experimente reproduzir,
com seu corpo, essa movimentação em um espaço físico.

Quando a arte se faz vida Competências gerais: 3, 6

Há um mito, alimentado pela modernidade, de que artistas seriam pessoas isoladas


da sociedade, produzindo em seus ateliês, sem contato e diálogo com os acontecimen-
U

tos públicos. Artistas sem voz – que falam somente por meio de suas obras, as quais
seriam traduzidas pela crítica de arte, depois de serem patrocinadas por marchands e
avaliadas por grandes galerias –, são personagens de uma narrativa departamentária
que alimentou ideias de uma arte produzida por genialidades natas e raras nascidas em
famílias abastadas. Questionar esse mito é crucial para que possamos traçar diálogos
G

mais horizontais que aproximem estudantes desses universos, que são tão diversos e
que não passam imunes às dinâmicas da vida social.

Criações cotidianas
Nem toda experimentação artística envolve criação. Muitas vezes, o que propomos
a estudantes é a reprodução do mesmo por meio de cópias, releituras, exercícios me-
cânicos ou mesmo intelectuais que não incentivam o risco, a incerteza que faz gerar
diferenças.
É do filósofo Friedrich Nietzsche que pegamos emprestada a ideia de tomar a vida
como obra de arte. Segundo Rosa Dias (2015), Nietzsche investe seu saber no exercício de
inventar novas formas de vida, “convida o ser humano a participar de maneira renovada
na ordem do mundo, construir a própria singularidade, organizar uma rede de referências
que o ajude a se moldar na criação de si mesmo. E tudo isso só pode ser feito contra o
presente, contra um ‘eu’ constituído” (DIAS, 2015, p. 13). Para o filósofo, a pergunta “o que
é arte?” coincide com a questão filosófica “qual o sentido da vida?”, isso porque, segundo
seu pensamento, a vida se justificaria apenas como fenômeno artístico.

107
Com isso, ele não quer dizer que a arte, dentro de seus sistemas, esteja acima de
outras atividades, mas que qualquer atividade, inclusive a artística, necessita de pro-

D
cessos de criação para acontecer de modo potente enquanto vida. Criar seria, assim, a
Que atividades de seu
dia envolvem processos capacidade também de destruir, em um movimento constante de inquietação diante
de criação? Quais desses do já estabelecido.
processos acontecem Exercícios que envolvam a dúvida como postura de inquietação, problematizando
na escola?
o mundo ou buscando ampliar possibilidades, podem ser atos de criação, ao passo

L
que seu uso da pergunta não é para encontrar respostas que preencham lacunas pre-
determinadas do saber.
Quando vemos um filme e tecemos relações de seus acontecimentos com nossos
dilemas, podemos estar criando. Quando ouvimos uma música e começamos a dançar,
podemos estar criando. Quando vemos um chão forrado de flores de ipê e nos deita-

N
mos nele para fotografá-las, podemos estar criando. Quando pegamos um meme da
internet e o recontextualizamos, relacionando com nossas vidas, pode ser uma criação.
Quando dizemos, sentimos, pensamos, produzimos, movimentamos algo para além
da mera apreensão de informações, há uma grande probabilidade de estarmos nos
envolvendo em um processo de criação, fazendo do cotidiano obra de arte. Não são

P
os padrões estéticos que fazem que a arte componha nossos caminhos de existência,
mas os desvios, as combinações inesperadas.
Com essa postura de atenção às próprias sensações, passa a fazer mais sentido
observarmos como artistas têm investido em produções que ultrapassam o terreno
da linguagem artística para assumir a criação em diversos âmbitos da vida, fazendo
IA
disso sua obra.
Ricardo Basbaum escreve, em seu Manual do artista etc. (2013), sobre alguns desses
lugares explorados por artistas na atualidade. No livro, ele aborda situações diversas
em que artistas escrevem, participam de coletivos, pesquisam, atuam como docentes
ou ativistas e fazem que a arte atravesse todos esses campos e se deixe contaminar
por eles. As ações de tais artistas, por vezes, não tratam apenas da soma de funções,
mas também da ampliação do perfil do próprio gesto poético, o que pode nos levar a
pensar em possibilidades ampliadas para a arte.
U

Imersões artísticas nos gestos cotidianos


Uma referência para pensarmos nessa imersão da arte na vida pode ser a obra
do sergipano Arthur Bispo do Rosário. Esse artista, diagnosticado com esquizofrenia
paranoica após alguns anos trabalhando como soldado da Marinha, acabou internado
G

no hospital psiquiátrico Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro, em 1939, para


onde retornou diversas vezes até o ano de sua morte, em 1989. Nesse período de
internação, começou a colecionar objetos cotidianos e a produzir instalações por meio
de coleções e bordados, que combinavam objetos, frases, nomes de pessoas e toda
uma série de elementos que narravam sua contemporaneidade. Desfiando lençóis
e roupas, geralmente de fios azuis (por se tratar da roupa do uniforme do hospital),
realizava suas produções autoproclamando-se representante da humanidade para o
juízo final, e para isso organizava materialidades e memórias do mundo, catalogan-
do-as para a apresentação diante de Deus, chegando ao ponto de se autoproclamar
O que separa ações do
o próprio Cristo.
cotidiano banal dos Retirando objetos e ideias de seus lugares banais, Bispo do Rosário nos faz pen-
processos de criação de sar sobre o que é nossa sociedade e faz disso uma atividade vital. A “loucura” foi um
artistas? O que aproxima
acontecimento em sua vida que desencadeou a entrega plena à invenção de si no
aquilo que você cria no seu
cotidiano de um processo mundo. O que permitiu potência em sua vida, mesmo com todo o sofrimento de
de criação? ser submetido a um isolamento psiquiátrico, foi justamente o fato de sua vida ter se
tornado processo de criação.

108
Em Bispo do Rosário essa imersão inventiva se deu por país a pé, de avião, de carroça, de bicicleta, frequentando
meio de uma situação psiquiátrica, no entanto são diver- feiras, praias, ruas, casas, banheiros, nas mais variadas e

D
sos os modos como ela pode ser acionada. Essa entrega corriqueiras atividades.
é uma condição artística contemporânea que pode ser Nesse processo fica difícil dizer se é a vida de Alvarenga
explorada, de diferentes maneiras, por artistas a partir de que se vê invadida, todos os dias, por uma performance
propostas deliberadamente poéticas. É o caso do artista
artística, ou se é a própria arte que se contamina por per-
mineiro Ricardo Alvarenga, que também experimenta essa
cursos da vida, que ora podem ser forjados pelo artista,

L
associação da arte imersa aos acontecimentos do próprio
ora exigidos por seus deveres e necessidades da vida
cotidiano vivido, vestindo-se de personagem bíblico, em
em sociedade.
um projeto que, diferente de Bispo do Rosário, expunha
desde o início sua intencionalidade artística, com horário Essa prática de fotografias diárias trabalhada por Alva-
e período definidos para acontecer e findar. Ao completar renga tem ressonâncias com o modo como as pessoas

N
33 anos – idade bíblica em que Jesus Cristo teria sido compartilham suas vidas diariamente nas redes sociais.
crucificado –, Alvarenga inseriu em seu cotidiano diário, O que envolve essas escolhas imagéticas diárias? Como es-
sempre às 15h30, a ação de vestir-se de Jesus para seguir sas cenas e enquadramentos podem compor processos de
sua rotina. Assim, ao longo de 365 dias, ele registrou fo- criação de si? O que escolhemos mostrar, esconder, forjar de
tografias inusitadas de um Cristo que percorre as ruas do nossas vidas através dessa produção e difusão imagética?

P
PAULA CARNEIRO

IA
U

ALVARENGA, Ricardo.
Jesus 3:30 pm. 2012-2013.
Performance.
RICARDO ALVARENGA

ALVARENGA, Ricardo.
Jesus 3:30 pm. 2012-2013.
Performance.

109
VIVÊNCIA (EM13LGG604)

D
Cotidiano artístico
• Pense em quais situações de sua vida cotidiana você se deparou com algo que te fez pensar: Isso parece
um filme! Esse lugar parece uma pintura! Esse objeto parece uma obra de arte! Esse acontecimento
parece uma performance!
• Lembre-se também de momentos em que, ao observar uma obra artística, você falou ou ouviu de alguém:

L
Isso não parece arte, está mais para um objeto banal! Não é arte, visto que até eu sei fazer! Essa obra parece
ter sido feita por uma pessoa comum!
A que referências de arte estes questionamentos remetem? Que ideia de vida cotidiana carregam ao di-
zer que algo se parece ou não com ela?
Recorte situações que você vivencia em seu cotidiano (por meio de fotografias, gravações, anotações, co-
leta…) e imagine que elas são proposições artísticas de sua autoria. Repita esse recorte por um período de

N
tempo e produza uma série dessa proposição. Dê um título para sua obra. Pense em como essa experiência
possibilita outros olhares sobre si, sobre a arte e sobre a sociedade contemporânea.

Viver em sociedade envolve uma série de atividades necessárias à sobrevivência do corpo e do fluxo

P
social. Para grande parte dessas atividades, necessitamos de dinheiro. Seria possível ter experiências
estéticas em situações de compra e venda? Que espécie de criação é possível? Um dos papéis que a
arte sempre desempenhou foi de questionar as dinâmicas de mundo, o que, na atualidade, inclui as
esferas de produção e de consumo capitalistas.
O Coletivo Filé de Peixe desenvolveu uma proposta de borramento de fronteiras entre arte e vida
quando produziu um acervo de videoarte e vendeu tiragens em DVD dessas obras na mesma dinâmica
IA
do comércio ambulante de mídias piratas. A ação performática, chamada de Piratão Gentil, consistiu
no ato de gravar, montar encartes, precificar e sair à rua oferecendo o material produzido, fazendo que
a inserção em um mercado informal se tornasse parte do trabalho artístico, o qual não se reduz aos
objetos, mas a toda a dinâmica de produção e venda, em um ato performático misturado à vida banal.
A reprodução de mídias na era digital se torna uma prática relativamente barata. No caso dos
DVDs produzidos pelo coletivo, foi necessária a aquisição de uma copiadora de mídias digitais e dos
próprios discos para gravação. Hoje esse ato se apresenta ainda mais simples, já que as cópias físicas
têm dado lugar ao acesso imediato por meio da própria internet, prática realizada cada vez menos de
forma ilegal, pois podem ser acessadas gratuitamente ou mediante pagamento de uma mensalidade
U

em plataformas de streaming (tecnologia que permite o acesso a transmissões de músicas, filmes e


séries realizando-se um cadastro com senha).

COLETIVO FILÉ DE PEIXE


G

Coletivo Filé de
Peixe. Projeto
Piratão. 2009.

110
Arte ativista

D FOTOS: PETER MACDIARMID/GETTY IMAGES


L
N
P
WEIWEI, Ai. Sementes de girassol. 2010. Instalação. Tate Museum, Londres.

Há situações em que as problematizações de mundo se tornam tão intensas que


acabam alimentando interesses por mudanças efetivas e imediatas nas políticas sociais.
IA
É aí que a arte, que nunca deixou de ser política, ocupa um espaço ainda mais atuante
em ações que visam a mudanças sociais, sendo chamada, muitas vezes, de arte ativista.
A instalação Sementes de girassol, do artista chinês Ai Weiwei, envolveu a produção
de cem toneladas de réplicas de sementes de girassol de porcelana, modeladas e pin-
tadas a mão por 1.600 pessoas da região de Jingdezhen, na China. Cada semente foi
pintada com muito cuidado por pessoas experientes que habitam o primeiro centro de
porcelana do mundo, utilizando-se de técnicas primitivas manuais, tradicionais na região.
Para além da beleza estética de cada semente e do efeito de seu imenso volume
U

quando agrupadas, o trabalho impressiona pela capacidade de mobilização coletiva.


Durante dois anos e meio de produção, ele se tornou o principal meio de subsistência
da população, que sofria com a falta de trabalho causada pela queda da indústria de
porcelana.
O que essa obra nos leva a pensar sobre o funcionamento de nossa sociedade, as
G

relações de trabalho, de hierarquia, de coletividade e de criação? Que alterações ela pode


causar na vida de diferentes pessoas que participam de seus processos ou os acessam?
Essa produção contrasta com as facilidades tecnológicas atuais de fabricação de
objetos. Por que escolher mobilizar tantas pessoas em um trabalho oneroso e demorado
quando se pode criar uma fôrma e reproduzir massivamente as sementes desejadas em
poucos dias? Que lugares o fazer artesanal ocupa neste mundo das facilidades tecno-
lógicas? Como essa obra de Ai Weiwei, produzida com o trabalho minucioso dessa
comunidade, que tem perdido tanto espaço para a produção industrial, nos provoca a
pensar sobre os rumos que a sociedade vem tomando?
Obras que abordam uma espécie de denúncia poética sobre condições vividas por
diferentes pessoas na sociedade exploram um ativismo que nem sempre acontece como
denúncia explícita, exigindo do público a capacidade de empatia e contextualização Que tipo de denúncia a arte
pode realizar utilizando
para conectá-las a diferentes acontecimentos da vida. O pesquisador André Mesquita
temas, culturas, espaços
diz que a arte ativista “é também uma resposta crítica ao culto modernista do artista físicos, tecnologias e
individual e de sua separação social, suprimindo a contemplação passiva e estritamente linguagens de um local?
espetacular de uma obra” (MESQUITA, 2008, p. 12).

111
Para abordar questões de ativismo pela arte, Mesquita ressalta uma série de episódios artísticos
desenvolvidos com os movimentos de moradia do Edifício Prestes Maia, em São Paulo, que abrigou,

D
desde 2002, 468 famílias, constantemente ameaçadas de despejo. Segundo ele, “a ação de dezenas
de coletivos, como Esqueleto, BijaRi, Centro de Mídia Independente, Contra-Filé, Experiência Imersiva
Ambiental, Elefante, Catadores de Histórias e A Revolução Não Será Televisionada […] constitui uma
das realizações mais importantes dessa atual convergência artística com o ativismo social” (MESQUITA,
2008, p. 6). As intervenções artísticas desses diversos coletivos deram visibilidade para debates so-

L
bre especulação imobiliária e desigualdade social, ainda que nem todas tenham atuado de maneira
sensível, filantrópica e integrada às necessidades das famílias moradoras.

BIJARI
N
BIJARI. Lar. 2006. Balões
com a impressão da palavra
“Lar”, distribuídos para
crianças moradoras da P
IA
Ocupação Prestes Maia.

CULTIVO (EM13LGG304) (EM13LGG603)

Arte política na vizinhança


1. Convide estudantes para uma caminhada pelos territórios da escola ou arredores. Proponha que conver-
sem com a população sobre situações sociais incômodas no dia a dia. Você pode produzir um breve ques-
tionário para fomentar essa conversa. Sugerimos aqui algumas questões: Há quanto tempo você reside
no bairro? Que lugares costuma frequentar? Que mudanças você acompanhou ao longo desse tempo?
U

A que motivos você atribui essas mudanças? Quais dessas mudanças lhe agradam e quais causam incô-
modo? O que é possível fazer para alterar essas situações desagradáveis ou intensificar as agradáveis?
2. Em sala de aula, observem as situações mais recorrentes entre as respostas e pesquisem artistas (na inter-
net, na cidade, em livros etc.) que abordem esses temas ou temas semelhantes, dando preferência para
trabalhos que envolvam a participação da comunidade. Façam um estudo das materialidades, lingua-
gens, técnicas e abordagens dessas proposições, criando repertórios para a criação.
G

3. Proponham vivências artísticas que envolvam a participação da comunidade em algo capaz de melhorar
a relação das pessoas com os problemas discutidos. Exemplos: mutirão de limpeza de uma praça, refeição
coletiva, estratégias de vigilância e cuidado com as casas da vizinhança, produção de uma horta coletiva,
organização de um espaço coletivo de trocas, realização de exercícios físicos etc. Chame docentes de
outros campos disciplinares para participar desse processo e desenvolver um trabalho coletivo.

Lembrem-se de tomar cuidado com os direitos de imagem: se optarem por fotografar pessoas, levem um
termo de consentimento solicitando sua autorização para utilizar a imagem para fins educativos.

PARA OUTRAS CONEXÕES


Você pode encontrar outras referências dentro desse campo de arte e vida em movimentos artísticos do
século XX, como o Dadaísmo, o Surrealismo, a Internacional Situacionista, a arte neoconcreta, a contracultu-
ra dos anos 1960. São artistas que atuaram de modo a diluir relações diretas entre arte e objeto, fazendo que
suas ações acontecessem na vida, em percursos pela cidade ou enquanto experimentações do corpo, geral-
mente voltadas a produções coletivas com autorias não muito demarcadas.

112
Narrativas visuais no cotidiano juvenil

D
Convivemos com uma juventude acostumada a produzir imagens, a elaborar publicações para
suas redes sociais, com uma série de práticas de pós-produção na escolha de filtros e sobreposição
de informações. Estão com isso trabalhando questões pertinentes à arte. As produções narrativas
impressas e audiovisuais que acessam, e também produzem, povoam seus imaginários e exploram
diferentes relações entre visualidades e as linguagens faladas e escritas.

L
Já é presença comum, praticamente obrigatória, nos modelos de telefone celular de hoje em
dia a câmera frontal, que possibilita que visualizemos em processo as fotografias e filmagens que
fazemos de nossos próprios corpos. Para além de propósitos narcisísticos que possam ter motivado
sua criação e adesão em massa, ela se tornou forte aliada também das comunicações por vídeo,
já que possibilita a simultaneidade do envio de sua imagem e a visualização da imagem de quem

N
está do outro lado da linha. Além dessa comunicação, que chamamos “síncrona”, pois as partes
envolvidas interagem na mesma ocasião e “em tempo real” (com atrasos que são cada vez menos
relevantes conforme as velocidades de conexão aumentam), temos também todo o esforço de
elaboração de publicações em redes sociais (algumas permanentes, outras efêmeras) e aí se dá
um salto na relação das pessoas conectadas à rede, especialmente adolescentes, com ferramentas

P
de edição audiovisual.
De que modo experiências com produções culturais como as histórias em quadrinhos, o cinema,
a publicidade, entrecruzadas às tecnologias digitais da informação e comunicação, poderiam ser pro-
blematizadas e incorporadas à educação das artes visuais? Como visualizamos, criamos e colocamos
em circulação nossas produções nesse cenário contemporâneo? Nesta seção buscamos trabalhar vias
de problematização e de criação com imagens e narrativas visuais cotidianas.
IA
Entre textos e imagens nas histórias em quadrinhos Competências gerais: 1, 4

Elemento fortemente presente nas culturas ocidentais, em diversas ocasiões considerado “arte
menor” ou “influência nociva”, a história em quadrinhos (HQ) articula um pensar imagético-textual que
pode ser chave para uma compreensão de mundo que contemple os modos como as experiências
culturais acontecem na atualidade. No âmbito da educação, suas possibilidades de contribuição vão,
então, muito além da distração, do descanso ou mesmo da ilustração.
U

© LAERTE COUTINHO
G

COUTINHO, Laerte. Sem título. 2020. Tira.

Desde que a história em quadrinhos tomou a forma que conhecemos hoje, no fim do século XIX,
diversas foram suas relações com a educação. Foram aproveitadas até os anos 1940 no ensino de
conhecimentos técnicos, de doutrinas ideológicas e religiosas. Foram queimadas em praça pública
e censuradas nos anos 1950 por ideias conservadoras iniciadas nos Estados Unidos, que as asso-
ciavam à preguiça mental e à delinquência juvenil. Passaram por uma diversificação de assuntos
e abordagens tanto dentro quanto fora dessa censura e foram aos poucos sendo implementadas
em sala de aula.
Tal prática se iniciou na França nos anos 1970, em um momento de grandes investimentos na
publicação de coleções de quadrinhos sobre a história do país, religião, filosofia, psicologia e outros
estudos culturais e científicos. As citações de quadrinhos (de diversos gêneros, não apenas educativos)

113
em material didático começaram após essas experiências e após décadas de pesquisas acadêmicas
que vieram a se interessar por esse tipo de narrativa, chegando ao Brasil nos anos 1990. Um ponto

D
culminante dessas relações em território brasileiro foi a implantação de leis (PNBE a partir de 2008,
segundo o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE) de aquisição de histórias em
quadrinhos, especialmente nacionais, em bibliotecas escolares.

Relações entre imagem e texto nos quadrinhos

L
São característicos do campo dos quadrinhos alguns elementos estéticos cuja compreensão é útil
para as páginas a seguir. Os mais conhecidos são os balões – formas que contêm falas, sussurros, gritos,
pensamentos, geralmente arredondadas e com uma extensão ou seta que aponta para as persona-
gens com que se associam. Os recordatários são caixas de texto geralmente retangulares utilizadas
para narração e explicações que não são falas de personagens. Os requadros são as “molduras” que

N
delimitam o contorno de cada cena, e as sarjetas são os espaços “em branco” entre elas. Na vivência
a seguir, alguns desses elementos já estão presentes.
HUMBERTO AVELAR

REPRODUÇÃO
Requadros e sarjetas, com setas P
Balões comumente usados nas histórias em quadrinhos para fala normal,
IA
indicando a ordem ocidental de pensamento e fala emitida por máquina, respectivamente (EISNER, 2010, p. 25).
leitura de quadrinhos (AVELAR,
2011, p. 11).

VIVÊNCIA (EM13LGG301)

Quadrinhos sem texto ou sem imagens


Procure histórias em quadrinhos, de preferência impressas, de revistas, livros, jornais, ou mesmo da inter-
net. Escolha uma página que você ainda não tenha lido e, principalmente, que conte com o uso de balões de
U

fala e/ou recordatários com textos em seu interior. Recorte as formas destes elementos em outro papel, opaco.
Não precisa ser exatamente igual, basta que elas possam impedir a visualização do texto se colocadas sobre ele.
Coloque as formas sobre os textos, de modo que sua leitura seja obstruída, e tente imaginar a narrativa
se desenrolando sem eles. Fotografe ou digitalize a página com esta intervenção e apresente o resultado
para outra pessoa que não conheça a versão original, procurando fazê-la expressar que relações teve com
a página, que textos imaginou etc.
G

Agora, com outra página de história em quadrinhos, faça o contrário: recorte formas que ocultem as ima-
gens e deixe apenas os textos expostos. Nesse ponto é interessante que o máximo de informação desenhada
esteja coberto, o que faz que o recorte seja um pouco mais demorado que o da primeira etapa. Repita o exer-
cício anterior, se possível solicitando à mesma pessoa que faça nova leitura, agora dessa HQ sem imagens.
Conversem sobre as narrativas que vocês inventaram com as informações incompletas e depois retirem as
obstruções e conversem sobre as aproximações e distanciamentos entre suas leituras e a narrativa original.
Como última proposta desta vivência, aproveite as formas de papel recortadas para escrever novos tex-
tos para os balões da primeira página e elaborar novas imagens para a segunda. Você pode propor que a
pessoa escolhida nas etapas anteriores também realize essa criação ou contribua para a sua.
Perceba como as imagens e as palavras contribuem de modos distintos e complementares para uma
construção narrativa na história em quadrinhos.
Observações: Evite danificar publicações originais de quadrinhos intervindo diretamente nelas com
tesoura, cola, fita, etc. Use fotocópias ou decalques das páginas escolhidas para realizar essa vivência. Tudo
isso pode também ser feito por meios digitais, com programas computacionais de edição de imagem gra-
tuitos facilmente encontrados na internet, caso haja restrição de acesso a materialidades impressas. Outra
opção, caso você tenha interesse em promover um exercício de desenho, é redesenhar as páginas escolhi-
das inteiras, a primeira sem texto e a segunda sem imagens.

114
É numa lógica de complementaridade entre signos de diferentes naturezas que
opera o campo dos quadrinhos. Enquanto a literatura é um domínio que tem a palavra

D
como elemento principal, sendo suas ilustrações muitas vezes um recurso opcional,
a história em quadrinhos tem a imagem como elemento constituinte da narrativa.
Tanto as práticas de criação quanto as de leitura/experimentação de histórias em qua-
drinhos acontecem nessa articulação, entrecruzando intimamente as sensações vividas
entre imagem e texto.

L
O quadrinista e pesquisador Gazy Andraus (2011) se baseia em estudos neuro-
lógicos que atestam que nosso desenvolvimento cerebral é impactado de maneiras
diferentes e complementares por estímulos aos âmbitos do racional e do sensível,
sendo aconselhável um balanço entre ambos para uma formação alimentada por
múltiplas perspectivas e tomadas conscientes de decisões. Tanto suas escritas quanto

N
as de Elydio dos Santos Neto e Marta Regina dos Santos (2011) contribuem para a
construção de um paradigma que valoriza uma integração entre razão simbólica e
razão sensível.
Ainda hoje se ouve que os quadrinhos “emburrecem” porque entregam uma ima-
gem que deveríamos criar ao ler. Mesmo sabendo ser incontestável a importância

P
que a leitura de textos literários sem imagens tem para uma formação intelectual,
é impossível ignorarmos quanto nosso cotidiano tem mudado nesta era da hiper-
-reprodutibilidade técnica da imagem (BENJAMIN, 2013). Impressa, magnética ou
digital, a imagem está em toda parte e é
usada para diversos fins, como instrução,
propaganda, diversão, comunicação,
IA
entre muitos outros. Isso atesta a perti-
nência de se trabalhar com as questões
de imagem, especialmente as imagens
dos quadrinhos, berço de elementos
visuais que se espalharam e passaram a
ser usados em outros meios, a exemplo
da publicidade e do movimento artístico
Pop Art. Quantas vezes você já se depa-
rou com peças publicitárias utilizando
U

balões de fala, linhas de movimento,


onomatopeias, sequências de imagens
que denotam movimento, e a própria
estética do desenho em cores chapadas
e pontilhadas remetendo aos modos
G

iniciais de impressão colorida?


Considerando a imensa variedade
de temas, estéticas, públicos aos quais a
produção de quadrinhos é hoje endere-
çada, a história em quadrinhos se mostra
uma mídia culturalmente relevante para
os processos de construção de subjetivi-
dades em meio às vivências juvenis.

TAN, Shaun. The


Arrival (A Chegada).
SHAUN TAN

Nova Iorque: A. Levine/


Scholastic, 2007, p. 41.

115
Janelas da história em quadrinhos

D
As histórias em quadrinhos são compostas em geral por sequências de imagens
Se pensarmos cada que narram algo. Ao lermos uma história em quadrinhos não estamos apenas tendo
quadrinho da história
uma experiência contemplativa, passiva, receptiva, estamos também a todo momento
em quadrinhos como uma
janela, cujas esquadrias e os nos instigando a criar e movimentar nosso pensamento em relação ao que acontece
espaços/paredes entre elas, “entre” um quadrinho e outro, na sarjeta que existe entre cada uma das imagens que

L
além de servirem como compõem a história em quadrinhos.
moldura para as imagens,
Podemos nos debruçar por longos períodos de tempo sobre a janela que é um
têm o papel de propor uma
experiência de contato/ único quadrinho – e há vasta produção de obras que incentivam isso, com planos
leitura com o mundo gerais de paisagens distantes ou de cenas coletivas em que várias ações ocorrem
visível, como seu olhar ao mesmo tempo, ou planos mais fechados que exploram minúsculos detalhes de

N
participa da construção uma pequena quantidade de objetos-chave, ou mesmo em composições abstratas
da narração?
destinadas muito mais a provocar sensações do que a comunicar algo. Mesmo assim,
exceto em obras de uma só imagem (como as charges), a experiência geralmente
proposta por uma história em quadrinhos é que, após esse tempo que escolhemos
dedicar a um quadro, passemos para o próximo. Essa “sarjeta” é o intervalo entre as

P
janelas, as bordas de suas esquadrias, a parede, o momento em que nossa visão do
que há do outro lado é obstruída e podemos assim ocupar o intervalo e adentrar a
narrativa, instaurando, desde nossa experiência, possibilidades de criação no que
acontece entre as imagens.
Esse jogo de ritmos com imagens em
MARGUERITE ABOUET E CLÉMENT OUBRERIE

sequência está presente nas culturas ociden-


IA
tais, em diversos modos de comunicação, e,
por isso, é familiar ao contexto adolescente.
Em publicação de 2008, o professor Wal-
domiro Vergueiro, coordenador do Obser-
vatório de Quadrinhos da USP, listou essa
familiaridade como uma das razões para
se trabalhar com quadrinhos na educação.
Entre os outros motivos estão uma ampliação
de possibilidades de comunicação, vocabulá-
U

rio, leitura e acesso a informações, assim como


os recém-comentados exercícios de associação
entre imagem e texto e de pensamento, criação
no espaço entre os quadros. Soma-se a isso a
existência, a custos relativamente baixos, de
G

publicações que podem ser consideradas ade-


quadas para todas as idades e níveis escolares,
ressaltando-se a atenção especial que deve ser
dedicada a essa escolha e seus critérios.
Vergueiro propõe alguns quesitos práti-
cos para nos ajudar nessa escolha, entre eles
ter alguma conexão com os conteúdos da
disciplina, qualidade gráfica e um tema que
julguemos capaz de manter o interesse do
público. No entanto, ressalta que os principais
critérios serão aqueles que pensaremos a
partir de nossas próprias experiências como
docentes, daquilo que nossos processos vão
exigindo e das problematizações, criações e
ABOUET, Marguerite; OUBRERIE, Clément. Aya de Youpougon. v. 2.
conversações que desejamos movimentar em
Barcelona: Norma, 2008. p. 42. nossas experiências educativas.

116
Assim como qualquer produção artística, a história em quadrinhos não é uma comunicação uní-
voca, com apenas um modo de dizer, de fazer e de ser acessado. Sua própria criação pode ocorrer de

D
modo coletivo, sendo comumente dividida entre roteiro (elaboração da história), desenho, arte-final,
cor, caligrafia e outros trabalhos. Esse fazer coletivo é outra característica da história em quadrinhos
que pode ser trabalhada em sala de aula.

Publicações artesanais

L
Você já pensou nas inúmeras aprendizagens que a produção imagética de estudantes pode-
ria promover se pudesse circular e ser acessada por públicos da escola, família e comunidade?
O trabalho com quadrinhos em sala de aula pode passar por um processo de publicação por meios
caseiros, artesanais. Podem ser histórias escolhidas entre as produzidas em certo período de aulas, ou
oriundas de uma única proposta de criação, podem ter temáticas ficcionais/imaginárias ou baseadas

N
em fatos da realidade cotidiana, havendo uma infinitude de referenciais a serem explorados tanto por
docentes quanto por estudantes.
Na espreita por elementos e estratégias narrativas acessíveis ao cotidiano escolar, o fanzine se
apresenta como uma possibilidade de criação autoral e de compartilhamento que pode ser explorada
nas aulas de artes. Esse tipo de publicação artesanal fora de circuitos oficiais, segundo os professores

P
Gazy Andraus e Elydio dos Santos Neto (2011, p. 1.458),

tem uma história longa que vai das actas diurnas romanas, passando pelos menestréis e bar-
dos medievais, trabalhos do artista, do século XVIII, William Blake, bem como as cartas lidas
e copiadas no Renascimento, encontrando os primórdios dos jornais e, por fim, chegando à
criação de jornais, revistas e fotocopiadoras que baratearam e facilitaram esse desenvolvimento,
até culminar nos fanzines (ou zines), mídias paratópicas e revistas temáticas independentes
IA
extremamente diversificadas e criativas.

A popularização do acesso a formas de impressão gráfica na década de 1980 proporcionou a toda


uma geração de quadrinistas as possibilidades de fazer sua produção circular de forma independente.
É grande nesse período a produção de fanzines vinculados ao movimento punk, e dentro destes a
divulgação de um conjunto de ideias intitulado do it yourself (DIY), inicialmente pensado como um
questionamento social, mas que, com sua ampla difusão, abrange hoje, de um modo mais geral, a
priorização de soluções caseiras ou artesanais para atender a necessidades cotidianas.
Embora seja comum a prática de o fanzine ser estudado junto a questões da história em quadrinhos,
U

ele pode ter outros formatos, outras visualidades. São comuns justaposições entre textos e imagens
autorais, colagens envolvendo elementos apropriados de diversas fontes, assim como a presença da
ficção de fãs (ver capítulo 2), seja em prosa, quadrinhos ou ilustração. Outras características do fanzine
são o baixo custo e o interesse pela circulação de saberes diversos e coletivos, sem a necessidade de
lucro. Artistas dos quadrinhos de diversos lugares começaram suas carreiras nesse meio.
G

Entre as possibilidades de trabalhar com esse tipo de produção artesanal está uma proposta
desenvolvida entre 2008 e 2012, em cursos de mestrado e formação continuada em Educação, por
Elydio dos Santos Neto e Gazy Andraus, chamada por seus autores de “Biograficzine”.

O Biograficzine é um fanzine que articula duas necessidades formativas: retomar a trajetória


formativa pessoal, com a provocação da pergunta “Como me tornei o ser humano profissional
que sou hoje?”; partilhar, utilizando imagens e a linguagem das histórias em quadrinhos, a
reflexão sobre a própria trajetória com outras pessoas envolvidas no mesmo tipo de processo
formativo (SANTOS NETO, 2010, p. 11).

Ao mesmo tempo uma possibilidade de proposta de aula e um tipo de jornada entre suas vivências, os
biograficzines são experiências que partem da escolha de situações ou recortes dentro de nossa biografia
como docentes ou mesmo nas nossas relações com a biografia de nossos referenciais de pesquisa. Nas
imagens a seguir, temos exemplos dessas diferentes abordagens, sendo a primeira, de autoria de Maria
Helena Negreiros, um comentário sobre dilemas da docência no Brasil decorrente de uma vivência pes-
soal no meio. Já a segunda imagem é de Elydio, explorando a publicação artesanal como meio de pensar
relações entre sua história e algumas de suas leituras no campo da psicologia (Freud, Jung e Grof).

117
© MARIA HELENA NEGREIROS

© ELYDIO DOS SANTOS NETO


D
L
N
P
IA
NEGREIROS, Maria Helena; JUNIOR, José Luis O. E a história NETO, Elydio dos Santos. Biograficzine: Histórias de
continua... Sempre! Mestrado em Educação da Universidade vida, arte, HQ e Educação. n. 2 (MAGALHÃES, 2012).
Metodista de São Paulo, 2009 (ANDRAUS; SANTOS NETO, 2011).

Com a proposição de atividades de construção imagético-textual em que voltamos nossas atenções


a nossas próprias experiências pessoais e profissionais e projetos de vida, a proposta de Andraus e
Santos Neto nos encoraja a um processo de invenção de si.

Como a narrativa visual pode servir não apenas aos processos de elaboração integradora
U

das experiências vividas no campo profissional, no exigente caminho de profissionalização


da carreira docente, mas também para retomar, de maneira expressivamente estético-
-prática, na formação continuada de professores, que “é impossível separar o eu pessoal do
eu profissional” (ANDRAUS; SANTOS NETO, 2011, p. 1460).
G

VIVÊNCIA (EM13LGG603)

(Auto)biograficzine docente
Agora chegou o momento de você partir para a produção A quantidade de (auto)biograficzines que você pode fa-
do seu biograficzine. Dentro dele você pode articular práticas de zer é livre, mas para este momento dedique pelo menos um
desenho, colagem e apropriação – tanto artesanalmente quan- deles a algo que você gostaria de compartilhar de seus per-
to com o uso de ferramentas computacionais (ou misturando cursos, experiências e dilemas da docência com docentes ao
ambas) – a um comentário sobre um momento escolhido de seu redor. E, se possível, faça isso distribuindo sua produção
sua própria vida. para quem você deseja que leia, por fotocópia, mimeógrafo
Há na internet inúmeros tutoriais de encadernação, cortes e ou e-mail. Sem pressão ou obrigatoriedade, tente obter um
dobraduras, dentre os quais você pode escolher o formato que retorno dessas pessoas sobre o assunto abordado e sobre a
preferir adotar para o seu zine. O formato de história em qua- própria experiência com a leitura, e também tente encorajá-
drinhos é opcional, mas ajuda se sua escolha for narrar uma his- -las a viver esta prática (tais convites podem estar presentes
tória. Esses processos podem se entrelaçar com a proposta de por escrito no próprio material distribuído).
biografemas do capítulo 1. Busque articular imagem e escrita Esses momentos são uma experiência de criação de si, com
de um modo que essa integração promova diálogos potentes, grande potência para construirmos novos modos de nos perce-
não apenas como complemento ou ilustração uma da outra. bermos como docentes.

118
A história em quadrinhos e a produção de fanzines se valem atualmente das pos-
sibilidades das tecnologias computacionais. As primeiras histórias em quadrinhos

D
feitas para o meio digital foram chamadas de webcomics em sua divulgação e foram
abordadas por diversas pesquisas acadêmicas. Entre elas, destaca-se o conceito de
HQtrônicas, elaborado pelo professor da UFG Edgar Franco (2004) para se referir a
produções que aproveitam recursos digitais como o som, a animação, a interatividade
e telas geralmente horizontais ou de rolagem “infinita”, que se diferenciam da página

L
vertical predominante no campo da história em quadrinhos impressa. Ao adentrar
o ciberespaço, a história em quadrinhos pode absorver elementos de outros meios,
como o cinema, quando a obra “se folheia sozinha” e por vezes dita seu próprio ritmo,
diferentemente do possibilitado pela escolha de quando virar uma página impressa, e
também o videogame, quando propõe ao público escolhas e interferências na própria

N
sequência narrativa. É ainda restrito o acesso a ferramentas que nos possibilitem criar
narrativas com tantos recursos; no entanto, há múltiplas possibilidades para o que pode
ser feito com tecnologias cotidianas. A produção de quadrinhos a partir de colagens,
de apropriações de referenciais encontrados na internet, assim como os trabalhos de
diagramação e de divulgação, todos estes podem ser realizados em computadores dos

P
laboratórios de escolas, ou em celulares aos quais estudantes tenham acesso.
Podemos pensar na similaridade entre a produção de uma revista impressa – que Que possibilidades as
também exige escolhas e edições – e uma atividade a que cada vez mais adolescentes ferramentas de edição
se dedicam: elaborar e publicar suas fotografias, filmagens, memes, textos, desenhos e compartilhamento de
imagens nas redes sociais
e colagens digitais na internet. Por meio dessas tecnologias que permeiam todos es-
trazem para o trabalho com
ses fazeres cotidianos de adolescentes em redes sociais, é possível explorar criações histórias em quadrinhos e
IA
narrativas que aproveitem recursos estéticos tanto da história em quadrinhos quanto fanzines no Ensino Médio?
do cinema.

CULTIVO (EM13LGG301) (EM13LGG603)

Criação de quadrinhos como atividade interdisciplinar


É possível promover diálogos entre diversos componentes curriculares escolares no de-
senvolvimento de atividades de criação de histórias em quadrinhos, tanto utilizando essas
publicações como consulta de conteúdos (históricos, geográficos, físicos etc.) quanto criando
U

quadrinhos que abordem saberes entre as artes visuais e outros componentes curriculares.
Integrando-se a aulas de matemática e física, você pode propor a estudantes a criação de se-
quências narrativas de passagem do tempo, baseadas, por exemplo, no tempo de queda de
uma gota de água ou no deslocamento de um veículo.
São possíveis ainda estudos de medidas, ângulos e formas geométricas das composições na
página ou na tela e as relações dessas medidas com o tipo de atmosfera ou de ritmo narrativo
G

ali trabalhados, que podem nos conduzir aos campos da geometria e da música (por exemplo,
relacionando quadros mais largos com notas musicais mais graves ou longas).
Junto com docentes de língua portuguesa e literatura, você pode desenvolver roteiros e
trabalhar modos de construção narrativa utilizando fotografias (de paisagens, pessoas, ob-
jetos, cenários montados), colagens de revistas, desenhos, frames de filmes ou de jogos etc.
Nessa associação entre fazeres artísticos, também podem ser trabalhadas composições de
cenas e expressões corporais, características dos estudos de teatro.
REPRODUÇÃO

Uma medida de tempo. Comparação dos modos de construção de ritmo de


quadrinhos com o código Morse e com uma passagem musical (EISNER, 1989, p. 28).

119
PARA OUTRAS CONEXÕES

D
• A Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial tem sede em Leopoldina, Minas Gerais, e reúne entu-
siastas dos quadrinhos e de outras modalidades narrativas contemporâneas de todo o Brasil, buscando
diálogos entre suas pesquisas no meio acadêmico. Registros das atividades da associação se encontram
em: <blogdaaspas.blogspot.com>.
• Grupo de pesquisa interdisciplinar em arte sequencial, mídias e cultura pop, vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Teologia da Faculdades EST. Disponível em: <cultdecultura.wordpress.com>.

L
• Imaginário! Revista eletrônica semestral que divulga estudos de cultura pop e artes visuais, vinculada ao
Núcleo de Arte, Mídia e Informação Digital do Curso de Comunicação em Mídias Digitais (Demid/UFPB) e
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB), produzida pela editora Marca de Fantasia.
Disponível em: <periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/imgn>. Acessos em: 22 nov. 2020.

N
Produzindo e pensando com o cinema
elaboradas, que manipulações técnicas e discursivas
são operadas, a que tipo de montagem são submetidas,
Competências gerais: 3, 5 e como discursos e ideias estão sendo expressados

P
A presença adolescente nas redes sociais tem como através delas.
característica comum trocas efetuadas por meio de pu- Essa noção de caixa-preta, onde acontecem processos
blicações e compartilhamentos de fotografias, áudios e que não dominamos, é abordada por Vilém Flusser (1985)
vídeos. São comuns rituais cotidianos envolvendo a popular em suas escritas sobre a imagem técnica, em alusão à caixa
selfie. Maquiam-se, armam o cabelo, vestem suas melhores que grava as informações de funcionamento de uma aero-
roupas e acessórios para, em vez de ir a uma festa, ficar em nave, armazenando de forma sigilosa registros de conversas
IA
casa. Ali preparam com seus objetos cotidianos uma com- e de atividades técnicas relativas ao voo. Quando apenas
posição digna de um cenário de filme e executam vários apertamos os botões de uma máquina colocada em nossas
testes fotográficos até chegar à pose e à cena consideradas mãos, sem saber o que acontece ali dentro, somos, segun-
as melhores para serem publicadas. E muitas vezes não para do o autor, “funcionários” do aparelho. Já à medida que
por aí: após escolherem a melhor fotografia ou filmagem, buscamos conhecimentos sobre esses processos e usamos
realizam edições nela por meio de recursos disponíveis essa aprendizagem para manipular a máquina, podemos
no próprio celular que fez a captação, aplicando filtros, alargar, ou mesmo quebrar as regras que esse jogo com o
mudanças de cor, brilho, contraste, e incluindo escritas, aparelho (ou contra ele) nos proporciona.
ícones animados, figurinhas, fantasias de cachorrinho,
Você provavelmente já ouviu falar da sensação “má-
U

links, músicas, etc.


gica” proporcionada por séries de fotografias projetadas
Todo esse trabalho, tendo ou não intenções artísticas, em sequência e suas resultantes ilusões de movimento –
pode produzir relações com práticas que são comuns a como a de um trem, que, segundo relatos, causou alvoroço
alguns processos artísticos. A escolha de cores que fun-
em parte do público de suas primeiras apresentações.
cionarão como elementos compositivos para uma pintura,
Projetadas há pouco mais de um século, essas imagens,
G

as associações conceituais com a escrita, a colocação de


captadas por processos químicos e mecânicos, tornaram-
objetos em diferentes planos de um enquadramento para
-se sinônimos de “representação” fiel à realidade para as
compor uma cena (mise-en-scène), fundamental nos cam-
gerações que a viram nascer. Sem a ação direta da mão
pos da fotografia, do teatro, dos quadrinhos e do cinema,
humana pintando aquele trem, aqueles trilhos e aquelas
todas são práticas comuns aos fazeres estéticos que são
pessoas, criava-se a sensação de se tratar de uma ima-
cotidianamente trabalhados nesse meio.
gem neutra, com um estatuto de “descoberta” científica.
Tendo isso em vista, é possível a promoção de uma Uma descoberta que construiu e fixou verdades e dis-
educação das artes em que estudantes se valham desses cursos por todo o século XX, sendo apresentada como
conhecimentos que já vêm exercitando para desenvolve- comprovação científica, e mesmo criminalística, função
rem um olhar problematizador em relação às imagens ao que o século XIX havia delegado à fotografia. Isso não
seu redor. impediu que as possibilidades do cinematógrafo dos
Lumière fossem exploradas com engenhosidade por
Encantos e mistérios de uma caixa-preta artistas como Georges Méliès, ainda hoje referência com
Quando temos alguma prática com as “caixas-pretas” suas fábulas construídas em requintadas cenografias, e
da produção de imagens, temos mais preparo para sa- especialmente com os “truques” de montagem com os
ber como as imagens que chegam até nós estão sendo quais fazia aparecerem na tela oníricos disparates.

120
LUMIERE PICTURES/ALBUM/ FOTOARENA

REPRODUÇÃO/GEORGES MÉLIÈS
D
L
N
Cena de A chegada de um trem na estação. Direção: Auguste e Cena de O homem com a cabeça de borracha. Direção: Georges
Louis Lumière. França, 1895. Filme (50 s), mudo, p&b. Méliès. França, 1901. Filme (3 min), mudo, p&b.

Situações mágicas como as dos filmes de Méliès e do espanhol Segundo de Chomón

P
foram pioneiras, no início do século XX, da extrapolação do real, do rompimento de um
compromisso então atribuído à imagem técnica. Uma surrealidade é experimentada Que relações podemos
através de imagens que, a princípio, parecem não trair o que temos por real, mas aos construir entre os recursos
poucos se fazem perceber como elementos de situações impossíveis que, por meio técnicos do cinema e
os recursos comuns no
de recursos de montagem e animação, proporcionam a seu público a sensação de ter
contexto adolescente,
aquela realidade, com a qual se sentia confortável, questionada, revirada ao avesso.
IA
como a criação de memes,
Por meio dos recursos de filmagem presentes nos celulares e demais dispositivos gifs, postagens de vídeos
aos quais estudantes tenham acesso, torna-se possível elaborar, em aula, cenas insólitas e outros formatos, que
contam com o uso de
curtas, utilizando-se a função de pausa de filmagem e/ou uma edição posterior, e com
truques, por vezes muito
isso se pode discutir o quanto as imagens técnicas podem estar a serviço não apenas simples, de corte de cena?
da documentação, mas também do assombro e da fantasia.

CULTIVO (EM13LGG603)
U

Dando vida a objetos


Questões da animação em stop-motion podem ser trabalhadas, especialmente com a mo-
dalidade do pixilation, que promove a ilusão de movimento de objetos cotidianos por meio
de sequências de fotografias disparadas como se fossem uma filmagem. Para isso, primeiro po-
sicione uma câmera ou celular em um lugar fixo, de modo que o aparelho não sofra oscilações
durante a realização das fotografias. Depois, escolha um objeto de seu cotidiano e coloque-o
G

em uma superfície em frente à câmera, em uma extremidade do enquadramento. A princípio,


mantenha esse enquadramento sob uma iluminação que não sofra grandes mudanças, se
possível tendo a luz artificial como principal. Fotografe. Vá movendo o objeto aos poucos e, a
cada movimento, faça uma fotografia. Dependendo do objeto escolhido, você pode explorar
diferentes movimentações, abrindo e fechando, girando, tombando, fazendo que ele execute
movimentos improváveis. Feito isso, insira todas as fotografias em sequência em uma ferra-
menta de edição de vídeo e manipule a velocidade. Alguns aplicativos de celular produzem
essas edições automaticamente.
Incentive estudantes a criar narrativas para esses objetos, imaginando personalidades, con-
flitos, poderes, necessidades de movimento. A escrita de um roteiro e o desenho de quadros
com as sequências visuais a serem criadas para o vídeo (chamados storyboard, intimamente
relacionado ao campo da história em quadrinhos) são recursos processuais interessantes de
trabalhar juntamente com docentes de língua portuguesa.

Na virada do século XIX para o XX, era uma experiência rara, por vezes única em uma
vida, assistir a uma projeção de imagens em movimento, e com o passar das décadas
as tecnologias tanto de reprodução quanto da própria produção audiovisual foram se

121
democratizando, a ponto de hoje ser possível alguém carregar uma tela interativa co-
nectada na internet em sua mão o dia inteiro e consultá-la grande parte de seu tempo

D
livre, seja para fins de comunicação, leitura ou jogos e vídeos. Nossa atenção e os modos
como percebemos e nos relacionamos com produções em vídeo no cotidiano são bem
diferentes daquelas primeiras testemunhas do cinematógrafo, que se assustaram com o
trem captado e projetado pelos irmãos Lumière em 1895 por terem a sensação de que
se tratava da presença física dos elementos que se movimentavam na tela.

L
Enquadramentos cotidianos
Nossa experiência com o campo do cinema, cada vez mais acessível nos tempos
atuais, também pode ser relacionada à ideia de janela, pois, tanto em uma sala de pro-
jeção quanto em uma tela particular, ao assistirmos a uma narrativa audiovisual nos

N
debruçamos sobre uma realidade outra. Nela, nossa participação como público ocorre
de diversas formas, muitas vezes criando por conta própria aquilo que não aparece no
enquadramento, intuindo possibilidades para o que foi deixado de fora e criando outras
vias junto das lacunas narrativas.

P
EVERETT/ FOTOARENA
IA
U
G

Cena de Moonrise Kingdom. Direção: Wes Anderson. Estados Unidos, 2012.


Filme (94 min), son., color.

Assim como a fotografia é tratada por Flusser como uma série de decisões, o enquadra-
mento do filme é também um processo formado por escolhas. Mesmo quando filmamos
algo cotidianamente sem prestar atenção ao que estamos mostrando do ambiente ao
redor, estamos fazendo uma escolha de não nos preocuparmos com isso, conscientes de
que ruídos e toda sorte de imprevistos podem ocorrer no processo. Quando montamos
um cenário para uma atuação ou performance e queremos que todos os seus elementos
apareçam na filmagem, estamos fazendo, ainda que de outro modo, essa mesma escolha
do que se gravará e, com isso, do que se excluirá, o que ficará de fora. Algo ou alguém
que não está no enquadramento pode ser até mesmo protagonista de um filme, tendo
sua importância salientada por essa própria ausência, que por sua vez vai estar marcada
de alguma forma naquilo que se mostra.

122
CULTIVO (EM13LGG301) (EM13LGG603)

D
Criando outros mundos em um minuto cotidiano
Essa proposta se baseia em um exercício chamado “Minuto Lumière”, que foi idealizado
enquanto experiência educativa na escola por Alain Bergala (professor, cineasta e crítico de
cinema). “Minuto Lumière” é um exercício que se aproxima da forma como os irmãos Lumière
realizavam suas primeiras imagens fílmicas.

L
O exercício consiste em gravar uma cena durante um minuto com a câmera fixa.
“A câmera tem que ficar estática [em uma única cena] e o plano [tempo da filmagem] deve
durar até um minuto” (FRESQUET; NORTON, 2012, p. 68-69, acréscimos nossos). Embora tenha-
mos condições de prever alguns acontecimentos que possam surgir naquele enquadramento
escolhido, nem tudo pode ser calculado.
Que tal experimentar essa proposta com as suas turmas? Você pode solicitar a cada estu-

N
dante que escreva algumas linhas sobre seu processo e o que a captura de um minuto pode
instigar a pensar. Podem ser organizadas sessões de cinema com os filmes produzidos e ofe-
recidos espaços de partilha, durante os quais se pode conversar sobre o que essa experiência
proporcionou, como, por exemplo, as diferentes sensações de tempo que um minuto filma-
do pode gerar, ou outras experiências com o espaço cotidiano que essa filmagem permitiu
explorar. Adriana Fresquet, em entrevista concedida a Maíra Norton, conta um pouco dessa

P
experiência que ela tem produzido junto ao “Cinead – Cinema para Aprender e Desaprender”,
programa de extensão coordenado por ela na Faculdade de Educação da UFRJ.
Percebemos que há minutos longuíssimos e há minutos que terminam em um segundo.
É um aprendizado valioso pensar quais elementos permitem criar essa sensa-
ção de encurtar ou alargar o tempo. Muitos professores e alunos, ao fazerem
os minutos, trazem um retorno em relação a essas descobertas. Lembro de
uma professora de Educação Física que filmou a piscina na hora do pôr do sol.
IA
Ela ficou encantada com o sol espelhando a água, deixando-a branca, e, ao
mesmo tempo, espantada porque nunca tinha percebido esse efeito. Havia mais
de vinte anos que a professora dava aula de natação naquela mesma piscina.
Esse é um tipo de reflexão que surge e que não temos dimensão – perceber aquilo
que vemos todos os dias sem perceber (FRESQUET, 2012, p. 68).

PARA OUTRAS CONEXÕES


U

Você pode acessar a entrevista concedida por Adriana Fresquet a Maíra Norton, sobre seu
trabalho com o Minuto Lumière, no seguinte endereço: <https://periodicos.uff.br/poiesis/
article/view/26916/15624%EF%BB%BF>. Acesso em: 22 nov. 2020.

A cena de revelação do filme de suspense nos instiga, causa espanto e curiosidade,


G

mas é cortada, passando para outras pessoas conversando, despreocupadamente, em Você já ficou pensando,
outro lugar. Um balde de água fria? Ou um recurso de linguagem que vai nos prender ao ver uma cena de filme
mais ainda à narrativa, fazendo que esse suspense se sustente nos minutos seguintes, de horror, o que foi que
ou dias, ou até meses, se falamos de séries? Ficamos nos perguntando se vamos che- aquela personagem viu
gar a ver aquilo que foi visto na cena, ou se caberá a nós criarmos possíveis desfechos. que a assustou tanto,
que a deixou de boca
As tiras de quadrinhos seriadas, publicadas a cada domingo em pequenos episódios,
aberta e olhos arregalados
como comentado na seção anterior, foram o laboratório desse “gancho” narrativo, hoje e estava fora daquele
fartamente usado tanto na crescente indústria das séries e novelas televisivas quanto enquadramento?
em sequências de filmes de cinema que continuam uma mesma história, ou mesmo
dentro da própria estrutura de um filme. Trabalha-se aí o limiar entre um “arrastar” que
arrisca perder o interesse de seu público e uma condução narrativa que nos mantenha
no anzol: o que vem depois?
O tempo é aliado nessa construção. E sua manipulação é uma característica do
cinema, abordada por Gilles Deleuze (2005) tanto a partir das possibilidades de ilusão
de movimento do cinema quanto dentro de seu conceito de “imagem-tempo”, em que
as imagens e os sons exibidos na tela, em vez de obrigatoriamente narrar uma história,

123
nos levam a vivenciar diferentes ambientes e materialidades. Em vários locais do mundo,
no começo da segunda metade do século XX, emergiram experiências em cinema que

D
exploram elementos do cotidiano, como as cenas urbanas do japonês Yasujiro Ozu, e
as “visões tácteis” do espanhol José Val Del Omar, destinadas a tocar, além da visão e da
audição, também outros sentidos, especialmente o tato.

Escolhas narrativas e políticas na produção de um filme

L
A produção de um filme conta com a articulação de fazeres oriundos de diversos
meios profissionais contribuindo para um todo. Tanto para atividades de criação fílmica
em aula quanto para estudos a partir de filmes assistidos, podem-se pensar relações entre
as artes visuais e diferentes componentes curriculares escolares: língua portuguesa para

N
os roteiros, literatura para as falas, teatro para atuação, narração, maquiagem, cenografia,
figurinos e para o próprio ritmo narrativo, com o qual também contribui a música. A
física participa com questões de iluminação e som, conhecimentos de fotografia são
úteis para as captações, de informática para edição/pós-produção, sem contar a vasta
gama de conteúdos do próprio currículo escolar que podem ser problematizados junto

P
à imagem fílmica.
Propondo-se o filme como surreal, descolado do mundo cotidiano, ou como
espelho da realidade, sua criação conta com algo que será contado – alguma ação
que se desenrolará na tela (dimensão denotativa) – e algo que será intuído, esse algo
que estará fora da tela, fora da caixa de som. Longe de ser uma “mensagem oculta”
por trás da tela, esse recurso é uma proposta de criação de possibilidades por quem
IA
assiste ao filme.
As experiências de Jorge Sanjinés e grupo Ukamau, com oficinas de cinema junto
ao povo boliviano na década de 1970, nos fazem perceber quanto a produção audio-
visual pode se vincular a anseios da ordem do político e do social. “Um filme sobre o
povo feito por um autor não é o mesmo que um filme feito pelo povo por intermédio
de um autor; como intérprete e tradutor desse povo [quem faz o filme] se converte em
veículo do povo. Ao se trocar as relações de criação, dar-se-á uma troca de conteúdo e
paralelamente uma troca formal” (SANJINÉS, 2018, p. 44, acréscimo nosso).
U

Um cinema então chamado revolucionário era realizado por essas pessoas que não
contavam com os recursos de grandes estúdios, mas tinham como público pares por
toda a América Latina, em uma época assolada por ditaduras. Uma das características
marcantes desse cinema era a supressão de uma característica comum do circuito
fílmico comercial, o protagonismo de uma só personagem – já que o objetivo dessas
G

produções era abordar temáticas de interesse muito mais coletivo do que individual.
Questões do coletivo se expressam quando, como docentes, nos propomos a escutar
também a comunidade, tanto discentes e profissionais da escola quanto suas famílias
e demais contextos.
O recorte da classe trabalhadora que fazia filmes com Sanjinés tinha causas comuns
com o povo que constituía o público de suas produções. Ao realizarmos com estudantes
uma experimentação audiovisual na intenção de que ela ultrapasse os muros da escola,
é interessante que consideremos essa noção. Como nos fanzines abordados na seção
anterior, essas produções tocam de algum modo a sensibilidade das pessoas com quem
são compartilhadas, sendo por isso necessário um exercício de escolhas cuidadosas em
relação a abordagens e temáticas que podem se relacionar com diferentes contextos
culturais de maneiras diversas e por vezes imprevisíveis. Temas como sexo, violência,
preconceitos, religiosidade e política podem apresentar certa volatilidade, mas não
devem ser tratados como tabus, e sim como motivador de conversa, de um debate
necessário ao espaço educativo.

124
CULTIVO (EM13LGG701)

D
Diferentes posturas para o planejamento de um filme
É possível propor uma construção fílmica de curtas-metragens (filmes com duração
máxima de 15 minutos, segundo classificação da Ancine, Agência Nacional do Cinema) em
aula, em grupos (de preferência em quantidade par). Para isso serão necessários recursos
de captação de áudio e vídeo (que pode ser um celular com câmera) e de edição (compu-
tador com algum programa de edição de vídeo), assim como os conhecimentos básicos

L
para operar esses dispositivos. Dependendo da quantidade de discentes envolvidos, esse
trabalho pode ser concluído num prazo entre quatro e dez aulas, alternando-se as que se-
rão filmagens, em espaço externo à sala, e as que serão edições, em local da escola que
disponha de computadores.
• Estipule uma janela de duração para os curtas-metragens (um tempo mínimo e um máximo).

N
Pense diferentes prioridades a serem escolhidas por diferentes grupos. Por exemplo:
a) Na primeira aula, o grupo 1 planejará seu curta-metragem em detalhes antes da filma-
gem, elaborando um roteiro por escrito e esboços das cenas (storyboard). Enquanto isso,
o grupo 2 filmará no improviso.
b) Na segunda aula, enquanto o grupo 1 filma, o 2 edita as imagens captadas, decidindo
coletivamente nesse momento o que fará com elas, já que não possui um roteiro prévio.

P
Essa escolha pode envolver o uso de todo o material filmado ou apenas partes dele, edi-
tando na ordem em que foi filmado ou a partir de outras conexões, o que pode incluir
mudanças de velocidade, edição de trás para frente e vários outros recursos pensados
em processo.
• Procure saber como estão ocorrendo esses processos e, se possível, acompanhe-os de perto.
• Ambos os filmes serão editados com o mesmo prazo e, após isso (terceira ou quarta aula),
IA
exibidos e debatidos. O foco do debate não é descobrir qual método foi melhor, mas sim
trocar relatos sobre suas especificidades e o que permitiram experienciar.
Referenciais podem ser adicionados a esse debate. O cinema dos grandes estúdios
estadunidenses é, desde princípios do século XX, planejado em detalhes, característica
que lhe rende fluidez narrativa. Já alguns movimentos da França e Itália dos anos 1950 e
1960, como a Nouvelle Vague e o Neorrealismo, flexibilizam esse roteiro, prezando, diver-
sas vezes, por um deixar fluir e uma naturalidade narrativa menos editada, mais próxima
de nossa experiência cotidiana.
• Por fim, cada grupo experimentará um segundo curta, invertendo os métodos: o grupo 1
improvisa e o 2 planeja antes de filmar. Pode ser estabelecido para essa etapa um prazo
U

semelhante ao da primeira.
• Em nova exibição dos filmes, se possível aberta à comunidade escolar, debatam novamente,
abordando novas questões surgidas com a segunda produção.
G

Além de questões relativas à própria linguagem específica do cinema, podemos tra-


balhar o ensino das artes numa perspectiva da cultura visual, a partir de suas inúmeras O que o filme diz de
contaminações e influências em diversos outros fazeres imagéticos que fazem parte mim? Como a construção
de nossos cotidianos e que reverberam na construção de nossas visões de mundo. de minha subjetividade
se relaciona com essa
A pesquisadora Elizabeth Ellsworth (2001) estuda os modos de endereçamento com narrativa e os modos
os quais um filme é pensado para um público. Esse estudo diz respeito a algo que está como a experiencio?
no filme e que age sobre quem o acessa. Sejam eles reais ou imaginários, tais modos
atuam em um espaço entre o filme e os usos que se faz dele.
Esse público imaginado e desejado pelo filme nunca é idêntico às suas pretensões.
Por exemplo, o menino branco de classe média, mesmo sendo considerado “público-
-alvo” de certo tipo de filme, pode não ter seu interesse despertado por ele, ou pode se
interessar nele por causa de outras relações, outros esforços e rearranjos segundo suas
singularidades. Essas negociações podem ser exploradas no campo educativo das artes
como lugar de pensamento sobre processos culturais, históricos, sociais que permeiam
a criação tanto de quem produz quanto de quem assiste a um filme.

125
VIVÊNCIA (EM13LGG302)

D
Relações com filmes
Faça uma lista de cinco filmes ou séries de que você gosta. Essa lista pode conter animações e documen-
tários também, e deve ser pensada independentemente de você usá-los (ou pretender usá-los) em aula.
A proposta é que, com ela e com suas lembranças de como foi assistir a esses filmes, você se pergunte sobre
cada um deles:
• O que atraiu você nesse filme? Personagens? Ambientação? Ritmo da história? Trilha sonora? Uma perso-

L
nalidade específica da qual você é fã no elenco ou atrás das câmeras?
• Você faz parte do “público-alvo” desse filme, ou fazia quando o assistiu pela primeira vez? Ou seja, você sabe
dizer se ele foi feito pensando em pessoas de sua idade, gênero, contexto social etc.?
• Você se vê nesse filme? À parte as semelhanças mais diretas com personagens ou situações específicas
narradas, que diálogos você vê entre seus modos de pensar as coisas da vida e aqueles que transparecem

N
nesse filme?
• A experiência com esse filme teve alguma influência direta em suas decisões desde que assistiu a ele?
Ele transformou você de alguma forma?

TCD/PROD.DB/ALAMY/FOTOARENA
P
IA

Cena de A onda.
Direção: Dennis
Gansel. Alemanha,
U

2008. Filme (107


min), son., color.

Os universos ficcionais frequentados na adolescência estão presentes, em larga escala, na pro-


dução atual dos estúdios de cinema de maior porte. Histórias criadas inicialmente nos quadrinhos e
na literatura saltam para as telas, na composição de narrativas transmídia, como vimos no segundo
G

capítulo deste livro.


Vários referenciais trazidos na bagagem adolescente podem ser levados em consideração, pois
estão presentes em seus cotidianos e fazem parte de seus imaginários. É, porém, interessante que
haja variação nas temáticas e formas de filmes a serem estudados, e que os filmes de maior apelo
popular não sejam escolhidos apenas por causa desse apelo, mas sim por conterem elementos que,
em sua abordagem, possam contribuir para algum estudo ou aprendizagem.

Cinema para movimentar o pensamento


Que aprendizagens podem ser acionadas ao assistirmos a um filme? Ao ser perguntada sobre
o que o cinema tem de pedagógico, Adriana Fresquet toma esse termo como algo mais amplo, re-
lacionando o pedagógico não apenas com o que nos produz subjetivamente, mas também com o
que nos instiga a criar e a produzir uma escuta para diferentes perspectivas. O cinema permite esse
encontro com diferentes visões “de mundo através do conhecimento de outras culturas, através do
olhar de outros diretores. Trata-se de uma possibilidade de ver o mundo de diferentes pontos de vista”
(FRESQUET, 2012, p. 65). A autora fala ainda que o cinema possibilita ver “algo que já está posto e,
ao mesmo tempo, do que pode ser criado, produzido, reinventado”. Isso supõe uma abertura para

126
que possamos, nesse encontro com a narrativa fílmica, adentrar suas brechas e fazer
um movimento de saída de nós, deixando que algo nos atravesse e nos movimente.

D
Marilda Oliveira de Oliveira (2014) tem incluído em suas disciplinas, voltadas para
a formação inicial na docência em artes visuais e também junto a discentes da Pós-
-Graduação em Educação na Universidade Federal de Santa Maria, a imagem fílmica
como modo de oferecer signos para movimentar o pensamento a pensar a docência
e a pesquisa. Oliveira trabalha com filmes tendo como base a noção de cinema como

L
“máquina de pensar”, apropriada dos estudos de Gilles Deleuze. A autora tem apostado
em imagens que não propriamente abordam em sua narrativa o exercício da profissão
docente, mas que possam ser potentes para disparar o pensamento para pensar a do-
cência. O cinema passa a ser articulado, assim, como um campo de experimentação do
pensar, como um produtor de realidades, pois, ao assistirmos a um filme, sensações nos

N
atravessam, vivemos a ficção, que produz efeitos em nossos corpos. Nossa inserção nas
histórias narradas ocorre ao mesmo tempo que elas nos narram, seja por aproximação
ou distanciamento com nossos traços biográficos.
Cada experiência com a imagem fílmica é singular. Isso nos faz pensar que um mesmo
filme pode gerar distintos efeitos no encontro com diferentes pessoas. Na experiência

P
educativa, essa questão é muito potente, pois permite que em uma conversação dis-
Que espaços a imagem
tintas perspectivas possam ser articuladas e colocadas em relação, sem nos trazer para fílmica tem ocupado na
um consenso de qual perspectiva é melhor ou mais correta, mas abraçando a potência escola? Como ela tem nos
desses dissensos para alimentar problematizações. movimentado a pensar?
Nenhum encontro é igual. Isso diz respeito também ao fato de que, ao assistirmos a
IA
um mesmo filme repetidas vezes, cada experiência é também única. Outras coisas po-
dem atrair nossa atenção a cada vez, elementos que talvez em outro momento tenham
passado despercebidos ou que foram ignorados, por estarmos com outros interesses
e desejos naquele momento.
Na esquiva de uma abordagem instrumentalizadora que culmina em uma moral a
ser apreendida ao final do filme, ou na ilustração de algum conteúdo a ser trabalhado,
podemos pensar o cinema como um disparador do pensamento que, pela aproximação
ou tensionamento com nossas experiências de vida, pode acionar potentes proble-
matizações e produções de sentidos. E que, em sua conexão com conteúdos a serem
U

trabalhados, ao não atuar como mera ilustração, funciona como conexão potente, como
inquietude disparadora de problematizações e de um pensar da ordem da criação.

Imagens de consumo midiático Competências gerais: 5, 6


G

Nossas experiências cotidianas são atravessadas por uma infinidade de imagens e


discursos, que estão presentes em nossas mãos (aparelhos celulares), em nossos percur-
sos e até mesmo no modo de organização dos espaços de consumo que frequentamos:
lojas, lanchonetes, shopping centers, etc. De que modo podemos produzir sentidos e criar
com essa saturação de imagens e discursos já prontos que circulam em nosso cotidiano?
Essa seção destina-se a pensar essas vias a partir da abordagem da cultura visual, tra-
zendo para a conversa produções artísticas que se apropriam de elementos já existentes
e a noção operativa de pós-produção.

Criando [com] vazios


Ao caminhar pelas ruas da cidade, o que costuma atrair o seu olhar? O que costuma
ficar ao alcance mais direto dos seus olhos? Como a cidade se organiza para conversar
visualmente com quem se desloca por suas vias? Como ambulantes, lojas locais e de cor-
porações disputam de modo sonoro e visual as atenções nesses espaços? Ao caminhar
pelas ruas, o que acontece se pararmos alguns segundos e olharmos acima ou abaixo
dessa linha que costuma atrair nosso olhar e nossa atenção cotidiana?

127
A presença de aparente propaganda

PORO (BRÍGIDA CAMPBELL E MARCELO TERÇA-NADA)


se justifica de acordo com o parecer

D
CNE/CEB nº 15/2000, que diz que
“o uso didático de imagens
comerciais identificadas pode ser
pertinente desde que faça parte
de um contexto pedagógico
mais amplo, conducente à
apropriação crítica de múltiplas

L
formas de linguagens presentes
em nossa sociedade, submetido
às determinações gerais da
legislação nacional e às específicas
da educação brasileira, com
comparecimento módico e variado”.

N
Faixas de
antissinalização.
2009. Poro,

P
Fortaleza, Ceará.

Thomas Lamadieu parece fazer esse exercício de olhar acima dessa linha costumeira,
para produzir uma série de obras que ele denominou SkyArt (arte do céu). O processo
do artista funciona assim: primeiramente ele produz fotografias da arquitetura da ci-
dade, no ângulo de visão que temos ao caminhar pelas ruas e olhar em direção ao céu.
IA
Ele registra, em meio aos prédios e construções da cidade, pedaços de céu contornados/
desenhados pela arquitetura. Esses espaços vazios ocupados pelo céu são tomados como
possibilidade formal para compor os desenhos de personagens que são produzidos por
ele em um programa de computador.

FOTOS: THOMAS LAMADIEU


U
G

Thomas Lamadieu nos


instiga a perguntar: que
outros espaços vazios ou
aberturas para a criação LAMADIEU, Thomas. Série SkyArt. 2012. Desenho digital sobre fotografia. Avignon, Paris.
poderíamos forjar em meio
Em um percurso cotidiano, há pontos de partida e de chegada que costumam tornar
aos nossos deslocamentos
cotidianos já tão saturados invisível pela pressa o que se passa “entre” , no decorrer desse trajeto, mas há também
de tudo? diferentes artifícios e artefatos nesse “entre” aparelhados para capturar, por segundos
ou minutos, nosso olhar e nossa atenção. Há nessas situações o poder de germinar em

128
nós um desejo de retornar para usufruir com mais tempo, ou de levar para casa e para a vida, colado
em nosso corpo e subjetividade, aquilo que é oferecido em imagens e palavras por meio de materiais

D
gráficos e de outras tecnologias.

As imagens no cotidiano de consumo


Em um cenário contemporâneo em que as imagens nos interpelam a todo instante em todos os lugares,
Kevin Tavin (2011) nos convida a olhar para as visualidades do cotidiano de consumo de maneira a estudar

L
suas relações de poder e produção de conhecimento. Segundo ele, grandes corporações materializadas
por estabelecimentos comerciais de consumo de produtos culturais “produzem conhecimento sobre o
mundo, distribuem e regulam informações, ajudam a construir identidades e promovem o consumo”
(2011, p. 154). Com isso podemos pensar nos espaços que estudantes costumam frequentar em suas horas
de lazer. Que visualidades se apresentam nas lojas, lanchonetes, shoppings, clubes que atraem o público

N
jovem? Que estilos de vida lhes são vendidos juntamente com seus produtos? Como diferentes corpos e
culturas se reconhecem nos modos de existir oferecidos por esses espaços?
Tavin utiliza como exemplo uma loja de bonecas dos Estados Unidos que vende seus produtos
com o slogan “Bonecas como você”, exibindo bonecos de diferentes tempos e contextos, criados com
inspiração em personagens históricos, mas que, em sua maioria, representam personagens de vida

P
simples, inocente e feliz. A única exceção teria sido um boneco negro que, em vez de contextualizar
questões raciais, era exposto como personagem exótico. Mais do que vender objetos, lojas como
essa oferecem experiências, discursos materializados nas

MARIEL CLAYTON
personagens exibidas, nos slogans e na organização do
espaço, os quais podem ser pensados no ensino de artes
de modo a promover questionamentos sobre o quanto
IA
podemos nos deixar seduzir por essas identidades que
nos são vendidas ou nos posicionar de maneira a pro-
blematizar, questionar e experimentar de outros modos
essas relações de consumo.
Mariel Clayton, artista sul-africana que vive e trabalha
no Canadá, faz uso de um brinquedo bastante conhecido
e desejado por crianças de diferentes gerações, a boneca
Barbie, para construir cenas fotográficas bastante distan-
U

tes das narrativas de beleza e sucesso que costumam


acompanhar os discursos de venda desse produto. Em
suas fotografias, ela monta um universo repleto de con-
flitos, violências e vícios que abordam questões da vida
contemporânea de maneira provocativa e contrastante
G

com o imaginário infantil. Com isso, ela usa um humor


sarcástico para questionar a ideia de mundo perfeito e
bondade plena vendidos com a boneca, subvertendo os CLAYTON, Mariel. Sem título. 2011. Série Barbie na vida
discursos iniciais atribuídos a ela. contemporânea. Fotografia.

Visualidades e artefatos culturais


Para pensar as relações com as imagens que permeiam nosso cotidiano e o modo com que estas
nos produzem subjetivamente, podemos nos aproximar do conceito de visualidade, abordado por
Pablo Sérvio (2014), a partir de Hal Foster. Para tratar de imaginários visuais que produzem sentidos
culturais coletivos, o autor faz uma distinção entre visão e visualidade: a visão, segundo ele, seria
composta pela percepção física, enquanto a visualidade derivaria de percepções sociais, culturais,
desenvolvidas ao longo da história.
Imagine, por exemplo, o quarto de uma menina adolescente. Que cores predominam neles?
Que tipos de objetos o compõem? Você imagina pôsteres? Há uma escrivaninha? Um mural de fotos?
Todo esse imaginário é composto pela imagem de inúmeros quartos que você já viu, pelos estereótipos,
pelos hábitos juvenis com os quais você tem contato, e pelos diversos conceitos e preconceitos presentes

129
em seu repertório sobre a cultura de uma menina adolescente na sociedade contemporânea.
Não é preciso falar de uma menina específica para que esse imaginário apareça, pois ele se

D
relaciona com práticas coletivas.
Ao conceito de visualidade podemos somar o de artefato cultural para falar de
objetos que carregam consigo afetos que ultrapassam sua materialidade, fornecendo
informações sobre a cultura de quem os criou. Os objetos que compõem o quarto de
uma menina hoje são diferentes dos objetos que compunham o quarto de uma menina

L
dos anos 1990, por exemplo. Eles mudam porque nossos hábitos, interesses estéticos,
tecnologias de produção vão se alterando ao longo dos tempos. Para além da utilidade,
um objeto pode trazer informações e pistas sobre as práticas culturais de uma sociedade.
Pensar o cotidiano a partir de suas visualidades e artefatos culturais é um caminho
para explorar relações afetivas, sociais e subjetivas nas relações de estudantes com o

N
mundo. As coisas que vemos e como nos relacionamos com elas, os modos como nos
Como nos apresentamos comportamos, as maneiras como nos organizamos nos espaços, tudo isso tem a ver
nos diversos espaços que com culturas do olhar que não são individuais e que envolvem conceitos e preconceitos
frequentamos (com a roupa, que se constroem a partir de nossas ações e relações com o mundo.
as crenças, a postura etc.)?
As visualidades e os artefatos culturais permeados pelos estudos da cultura visual
Que artefatos e visualidades

P
acompanham nossos podem acionar problematizações que nos instiguem a pensar como nossas experiên-
corpos? cias cotidianas são afetadas pelas imagens, pelas tecnologias do olhar e pelos distintos
modos como vemos e somos vistos.

VIVÊNCIA (EM13LGG101)

Pensando arte com elementos de casa


IA
Quantas coisas existem em nossa casa sem nenhuma finalidade prática? Que coisas com
finalidade prática foram adquiridas também por interesse estético (a cor, a forma, o tamanho,
a combinação com outros elementos do mesmo ambiente)? O que os objetos da minha casa
dizem dos meus interesses, das minhas preferências, do meu modo de agir? Em que aspectos
eles se relacionam com outras pessoas que ocupam os mesmos lugares sociais que eu (profis-
são, gênero, idade...) e em quais eles se diferenciam?
Imagine seus movimentos cotidianos como uma performance artística e procure modu-
lar seus gestos para provocar algum estranhamento nas pessoas que convivem com você.
Faça isso em sala de aula, perceba a reação de estudantes e inicie uma conversa sobre perfor-
mance e visualidades a partir disso.
U

CULTIVO (EM13LGG202)

Visitando espaços culturais


G

Organize a turma em grupos e proponha que cada grupo visite um espaço cultural/comer-
cial que costuma ser frequentado por adolescentes. Esse espaço pode ser uma loja de roupas
ou acessórios voltada ao público jovem, um local de festas, uma lanchonete etc.
Nessa visita sugira a observação dos discursos utilizados por esses locais (a produção de foto-
grafias pode ser uma aliada na partilha dessa observação): as imagens e visualidades do espaço,
da arquitetura, dos produtos, o comportamento de quem trabalha ali. Por exemplo, há alguma as-
sociação (proposta pelo espaço) entre consumir um produto e ser uma pessoa mais bonita, mais
descolada, mais inteligente, mais alegre? A experiência de consumo é individual ou convida a
agrupamentos com mesas grandes, cadeiras próximas? Há referências a produtos culturais, como
personagens de filmes ou quadrinhos? Há um incentivo à diversidade cultural por meio de suas
publicidades? Que corpos, sexualidades, gêneros, idades, etnias são destacados nesses espaços?
A partir disso, promova uma conversa sobre quanto esses discursos afetam o comporta-
mento das pessoas que frequentam esses lugares, desde suas vestimentas até o modo de falar
e se relacionar, entendendo que essas relações são processos de produção de si, que podem
ser pensados e transformados constantemente.
Uma continuidade dessa experiência pode ser a produção de colagens com as fotografias
produzidas ou a produção de maquetes que exercitem a criação de um local cultural imaginá-
rio capaz de expressar os sentidos de juventude singulares a cada estudante.

130
A cultura visual nos instiga a pensar também de que modo, enquanto docentes,
podemos fazer uso dessa abundância de materialidades, visibilidades e discursos “já

D
prontos” para criar outras possibilidades de vida que tornem possíveis narrativas sin-
gulares e respostas não reprodutivas aos modelos dominantes, vias que possam ser
problematizadoras e propositoras de outras alternativas.

Pós-produção educativa

L
Pós-produção é um termo técnico apropriado do campo da televisão, do cinema
e do vídeo, que diz respeito a um conjunto de ações como montagem, acréscimo ou
Como fatores que
subtração de elementos visuais ou sonoros, efeitos especiais etc., ou seja, algo que tra-
remexem com a noção
balha, reconfigura, reordena e compõe com elementos já produzidos por outros setores. de originalidade na
Sua operação nas artes visuais acontece devido tanto “a uma multiplicação da oferta produção artística,

N
cultural quanto [...] à anexação ao mundo da arte de formas até então ignoradas ou forçando-a a experimentar
as possibilidades da
desprezadas” (BOURRIAUD, 2009, p. 8). Isso permite que se dilua aos poucos a premis-
pós-produção, podem
sa de que artistas devem “elaborar uma forma a partir de um material bruto” abrindo afetar e instigar potências
vias para que possam se aventurar a “trabalhar com objetos atuais em circulação no em uma educação das
mercado cultural, isto é, que já possuem uma forma dada por outrem. Assim, as noções artes visuais que aposta

P
de originalidade (estar na origem de…) e inclusive de criação (fazer a partir do nada) na pós-produção
esfumam-se” (BOURRIAUD, 2009, p. 8, destaques no original). educativa?

As tecnologias digitais da informação e comunicação propiciam acesso a imagens de


diferentes contextos e temporalidades e também possibilidades de criação e conexão
que podem gerar reconfigurações ao propor conversações entre elementos de distintas
ordens. Isso possibilita o surgimento de outras narrativas e composições, arrastando
IA
até mesmo imagens icônicas da história da arte para outras possibilidades de existir
no presente.

FOTOS: ALBANO AFONSO - CASA TRIÂNGULO, SÃO PAULO


U
G

AFONSO, Albano. Autorretrato com Rembrandt: Jovem, Meia-idade, Velho. 2001-2014.


Fotografias perfuradas sobre fotografias. Tríptico, 90 cm 3 76 cm cada.

Fernando Miranda (2012, p. 75) fala em uma pós-produção educativa “como uma
oportunidade de alcançar novas situações e realidades a partir dos repertórios visuais
com os que habitualmente nos relacionamos de maneira incidental ou provocada”.
Isso implica trazer para nossas experiências educativas a possibilidade de utilizar e
reconfigurar imagens, situações e materiais de modo a produzir narrativas próprias
e possibilidades singulares de existência para eles nessa relação. Assim, segundo Mi-
randa (2012, p. 80),

“a pós-produção educativa há de pôr à disposição os conteúdos da cultura vi-


sual e as artes, não para provocar aquele ajuste de sentido, mas para ampliar
os sentidos possíveis e enriquecer a experiência estética a partir dos diversos
repertórios visuais e do que acontece em torno a estes”.

131
A onipresença das informações digitais nos possibilita que criemos coleções de
imagens que podem ser usadas tanto como referência para outras produções quanto

D
em colagens, em que seus fragmentos apareçam diretamente em composições com
outras imagens. Especialmente no segundo caso, há de se ter o cuidado para que a
apropriação resultante não seja indevida, ocasionando uma violação de direitos de uso.
Ao nos apropriarmos de uma imagem, texto ou som para finalidades artísticas, mesmo

L
quando estas não visam lucro, é sempre recomendável citar nossas fontes, havendo casos
em que se faz necessária a autorização da pessoa autora ou detentora de seus direitos.

CULTIVO (EM13LGG603)

N
O que as imagens podem dizer de nossos desejos e projetos de vida?
Agnès Varda, cineasta e fotógrafa belga radicada na França, ao se referir ao seu filme auto-
biográfico As praias de Agnès (Les Plages d’Agnès, França, 2008), assim menciona: “Se você abrir
uma pessoa, irá achar paisagens, se abrir a mim, encontrará praias” (VARDA, on-line). Com a ci-
neasta, convidamos a pensar: qual seria a paisagem imagética que nos compõe?

P
• Solicite à turma que selecione individualmente (pode ser por uma semana, ou um mês),
imagens que digam algo sobre suas vidas: de diferentes ordens (publicitárias, artísticas,
fotografias produzidas em meio ao cotidiano); que digam daquilo que lhes potencializa
e movimenta, mas que possam dizer também daquilo que lhes inquieta.
• Com as imagens recolhidas, convide cada estudante a compor a “sua paisagem” com elas,
recortando, justapondo, sobrepondo, intervindo. Pensando a paisagem como algo não
IA
fixo, o exercício não precisa necessariamente culminar em uma colagem, mas pode se abrir
a distintas composições provisórias sobre uma superfície, que podem ser registradas com
um dispositivo fotográfico.
• Outro movimento possível é um trabalho em pequenos grupos (com cinco ou seis partici-
pantes) em que, em revezamento, cada estudante possa fazer uma produção da paisagem
imagética que lhe compõe, e também remexer as paisagens produzidas por colegas ao
passar por elas. É importante que as modificações que cada estudante fizer nessa paisagem
sejam registradas.
U

• Algumas questões podem ser pensadas em uma roda de conversa e/ou em uma escrita in-
dividual, a partir dessa proposta: O que as diferentes paisagens compostas com as imagens
permitiram aprender de si nessa relação com outras pessoas? Que pistas as paisagens pro-
duzidas trazem para pensar seu projeto de vida? O que dizem da sua relação com o mundo
e sobre possibilidades de intervir nele e problematizá-lo? O que sua relação e intervenção
G

no trabalho de colegas diz sobre você? Houve algum desconforto em mexer na paisagem
de colegas ou no momento em que colegas intervieram na sua paisagem? Que perguntas
e inquietações surgiram ao remexer as imagens e colocá-las em relação?

Apostar nos dissensos, naquilo que prolifera faíscas de problematização, é ‘molecar’


com as imagens e com os discursos que nos rodeiam para que eles não adoeçam de
clichês (TOURINHO, 2009). Se “mil palavras não valem uma imagem”, ou seja, textos e
imagens não se esgotam em si mesmos, nem mesmo esgotam um ao outro, sempre
se pode dizer, mostrar, fazer, articular, cortar, compor algo mais “com” eles (TOURINHO,
2009). Se tudo já foi dito e visto, talvez nos caiba ainda, nas paisagens da educação
das artes visuais, remexer o que já está dito e visto. Recortar, realojar, compor, colocar
diferentes narrativas para conversar pode instigar, enquanto processo de pós-produção
educativa. Espera-se que fragmentos de imagens, discursos e narrativas de diferentes
ordens possam produzir outras faíscas e sentidos ao serem colocados em relação entre si.

132
4
CAPÍTULO
Encontros: abrindo a janela

D
para outras conversações

L
© 2020 JOHANNA GOODMAN
N
P
IA
U
G

GOODMAN, Johanna.
Prancha no 96. 2019.
Série Imaginários da Cidade.
Colagem, 30 cm 3 40 cm.

133
• Que deslocamentos as imagens, as visualidades e os fenômenos contemporâneos nos convocam a fazer?

D
• O que criamos na arte e na educação quando investimos em trocas, atravessamentos e misturas que
deslocam as linguagens de seus lugares demarcados de atuação?
• Que mundos somos capazes de criar quando agimos coletivamente?
• O que acontece quando transbordamos as molduras disciplinares e ampliamos as janelas e passagens
de ar?

L
Há momentos em que produzir aberturas e olhar através das janelas não nos basta. Desejamos
pular para fora delas e também dos muros que demarcam limites entre nossos territórios e os de nossa
vizinhança, entre nosso espaço privado e os terrenos de circulação pública. Quando a janela não nos
basta é porque desejamos outros encontros, outras combinações de ferramentas capazes de ampliar

N
as potencialidades dos nossos saberes. Intentamos, então, estabelecer pontes entre uma janela e
outra, ou, ainda, fazer dessas janelas vias que nos conectem e façam que, de territórios isolados entre
vizinhanças, nos tornemos comunidade, coletivo, rede, pluralidade constituída por heterogeneidades
em constantes reinvenções de si pelos saberes que se atravessam em meio a essas aberturas de ar.
Neste capítulo trataremos dos encontros da arte com elementos e acontecimentos que a expan-

P
dem, a modificam, a ampliam e a fazem existir para além das linguagens demarcadas tradicional-
mente. Também buscaremos abordar por esse viés a experiência educativa em artes visuais, de forma
expandida – não se restringindo a um lugar, a uma forma de ser experienciada ou a um componente
curricular, mas, sim, por suas conexões e contágios, experimentando e transitando por diferentes
regiões e paisagens, conforme aquilo que potencializa seu movimento.
Em conexões com atividades e conceitos da vida em sociedade, discutiremos alterações que esses
IA
encontros produzem tanto nos fazeres e discursos artísticos quanto nos próprios acontecimentos
sociais. A vida em comunidade, a escola, o trabalho, o lazer, as festas (tradicionais e contemporâneas)
são práticas coletivas que nos possibilitam explorar a arte integrada ao cotidiano. O universo das
artes visuais muitas vezes é visto por estudantes com distância e desconectado de seus interesses.
Explorar conceitos e práticas desse universo a partir de seus encontros cotidianos é uma forma de
convidar estudantes a exercitar a produção de ideias e discursos inerentes às diversas produções
culturais, até mesmo em contextos em que não tenham acesso a obras que circulam dentro dos
sistemas de arte.
U

Pensemos a arte, e também a experiência educativa em artes visuais, como algo que não é fixo,
mas que atua como prática viva, fluida, elástica, que se transforma junto com o mundo. Pensemos na
arte como algo que não existe isoladamente, mas que intimamente se relaciona com os pensamentos
e acontecimentos de cada época e lugar. Pensemos em nossos encontros com a arte e no que esses
encontros produzem.
G

Abordamos aqui tanto a dimensão dos saberes específicos quanto suas conexões com outras
linguagens. Exploramos o que acontece com a arte a partir de conexões com a vida corriqueira, com
questões políticas e de trabalho, com linguagens e pensamentos diversos no próprio universo artístico,
focando-nos, com isso, na segunda dimensão do aprender – o saber disciplinar em xeque. Assim,
pensamos questões e estratégias discursivas que possam levar a arte para as atividades exercidas por
estudantes nos diversos territórios que atravessam, da casa à rua, do trabalho ao lazer, da escola ao
museu. Queremos, com isso, propor espaços para experiências com a arte para além de seus limites
dentro da grade curricular (na disciplina de Artes) e dos sistemas de artes (nos espaços expositivos),
tornando-a mais próxima e integrada às questões da vida cotidiana.
Esse movimento ativa nossa capacidade de olhar para os processos de aprendizagem de maneira
mais contextualizada, entendendo o quanto outras áreas do conhecimento podem potencializar nossa
produção de saberes, ao passo que ampliamos o campo de atuação para uma docência mais coletiva
e partilhada, o que nos leva à terceira dimensão do aprender – área de conhecimento em foco.
No investimento nesses diálogos, abordamos também o tema contemporâneo transversal Meio
Ambiente, explorando como a educação em artes pode acontecer por meio de uma atenção ao con-
sumo consciente, atentando para os impactos de nossas escolhas e ações no cuidado com o planeta.

134
Tendo em vista essas intenções, oferecemos algumas pistas para a produção de
estratégias ativas de aprendizagem e ferramentas avaliativas que possam ser aliadas

D
em um processo de aprendizagem contínua. Faremos isso a partir da abordagem
dos projetos de trabalho e dos portfólios, continuando a abordagem da terceira
dimensão e também trabalhando aspectos da quarta dimensão do aprender – re-
pensando a avaliação.
Pela conversação, pela atenção e pela escuta, fazemos da educação em artes vi-

L
suais um território de encontros, capaz de transitar pelos mais diversos assuntos e não
apenas pela representação visual. A possibilidade de nos lançarmos em outras pers-
pectivas permite-nos fazer da banalidade algo grandioso, e dos grandes temas, algo a
ser visto com olhos questionadores, dispostos a investigar suas estruturas discursivas
de maneira provocadora, inesperada e, por que não, fabuladora. Fabuladora não por

N
fugir da realidade, mas por entender a própria versão que criamos e tomamos do que
chamamos de realidade como algo também inventado. Por acreditar que podemos,
assim, desfazer algumas verdades estanques, investindo em outros mundos possíveis,
os quais adquirem ainda mais força quando promovidos coletivamente, em coletivos
artísticos, educativos ou comunitários.

Arte e práticas cotidianas

P
Que rituais realizamos no dia a dia e como isso nos conecta a práticas de uma so-
ciedade? Não escolhemos a mesma roupa para ir à escola e a uma festa de casamento.
Não nos comportamos da mesma maneira quando sentamos no sofá de casa e em uma
IA
sala de cinema. Todos os dias, cada lugar que frequentamos – festas, cinema, museus,
espaços culturais, shows... – envolve escolhas estéticas e performances corporais.
Neste subcapítulo consideramos adaptações e transformações realizadas por artistas
em meio às dinâmicas de deslocamento que envolvem práticas sociais (comunicações,
viagens, transportes, trabalho...), com atenção às relações entre lugares/paisagens e os
movimentos de seus corpos e objetos através deles.
Que deslocamentos podemos operar em nós ao nos deslocarmos em nosso
cotidiano? Como a arte produz deslocamentos nas nossas percepções de mundo?
U

O que isso convida a pensar-criar na arte e na educação?

Deslocamentos e guardados Competências gerais: 3, 7


Podemos elaborar criações
Quando estamos em deslocamento, nossa relação com o mundo também se desloca.
educativas e artísticas dadas
Não é por acaso que estudantes se animem tanto com a possibilidade de sair da escola em movimento? O que
G

para alguma atividade de campo, mesmo que o lugar a ser visitado não lhes despertasse o deslocamento provoca
grande interesse até então. Nessas situações, o deslocamento não é apenas intervalo em nossos pensamentos?
entre um lugar e outro, mas a convocação a um estado de presença, uma sensação de Que itens carregamos para
explorar essas jornadas?
aventura, de novidade, que pode fazer com que as aprendizagens acionadas nesse
O que fazemos com o que
processo se tornem inesquecíveis. achamos nessas andanças?

Saindo da escola
Que questões podem emergir de um deslocamento da escola até uma festa popular
da cidade? Podemos pensar sobre as distâncias e os acessos entre periferia e centro,
sobre como diferentes paisagens e terrenos ressaltam as multiplicidades culturais de
uma cidade ou mesmo as desigualdades sociais e a gentrificação implicadas nelas.
Podemos, ao chegar à festa, observar o que a alimentação, a dança, as trocas dizem
de nossas crenças, memórias e heranças, mas também podemos nos indagar sobre o
quanto somos capazes de modificá-las, adaptá-las ao mundo atual e, ainda, perceber
como há pessoas, posturas e atos que divergem das definições prévias que tínhamos a
respeito desse evento. Além disso, em uma situação como essa, dificilmente nossa pre-

135
A presença presença será apenas de alguém que estuda e

© BÁRBARA WAGNER. CORTESIA DA ARTISTA E FORTES D’ALOIA GABRIEL, SÃO PAULO/RIO DE JANEIRO
de aparente
observa um evento, pois passamos a compor o

D
propaganda se
justifica de acordo público da festa, tornando-nos elementos vivos
com o parecer CNE/ desse acontecimento.
CEB nº 15/2000, que
diz que Nesta fotografia que compõe a série
“o uso didático de A Corte, a artista Bárbara Wagner retrata um
imagens comerciais
participante do maracatu de rua, no carnaval

L
identificadas pode
ser pertinente do Recife, pouco antes de desfilar. Não há
desde que como passar despercebido o contraste entre
faça parte de
um contexto a indumentária clássica do personagem e o
pedagógico mais refrigerante que ele segura na mão esquer-
amplo, conducente

N
da, elemento contemporâneo que traz para
à apropriação crítica
de múltiplas formas a atualidade uma fotografia produzida com
de linguagens uma estética também peculiar para uma festa
presentes em de rua, remetendo tanto ao barroco (pelo
nossa sociedade,
submetido às contraste de luz e sombra) quanto às imagens
determinações contemporâneas de editoriais de moda, com

P
gerais da legislação
uma luz bem direcionada e sem interferên-
nacional e às
específicas cias da paisagem. O que aprendemos sobre
da educação as manifestações populares a partir desses
brasileira, com
comparecimento
contrastes entre tradição e contemporaneida-
módico e variado”. de? O que coletamos e produzimos em uma
IA
WAGNER, Bárbara. aula dada em deslocamento por uma festa
A Corte. 2013. Recife. Série 12 retratos. popular? O que carregamos dela para seguir
trabalhando em sala de aula?
Ideias povoam pensamentos de estudantes enquanto se deslocam de um lugar para outro,
observando e encontrando pessoas, paisagens, acontecimentos cotidianos. Essas ideias não dizem
respeito apenas ao que selecionamos como “conteúdo” a ser abordado em uma aula sobre cultura
popular. Dificilmente estudantes conseguirão (ou desejarão) deixar de fora os vestígios e as forças
que tocaram seus corpos nos caminhos atravessados do início ao fim do deslocamento. Estudar uma
experiência na qual se veem presentes/participantes envolve distrações, desvios, intensidades que
U

podem tornar uma aula única, integrada à vida.

PARA OUTRAS CONEXÕES


Cao Guimarães, artista visual e cineasta brasileiro, em entrevista ao jornalista Claudiney Ferreira, para o
G

programa Jogo de Ideias (2011), gravado no Quintal de Gibi, em Belo Horizonte, MG, conta das potências do
caminhar como estratégia para ter encontros com ideias para suas produções visuais. Ele faz uma relação do
caminhar com o pensar, “um se perder em função de se encontrar” (2011). Você pode acessar essa entrevista
do artista em: <https://www.itaucultural.org.br/cao-guimaraes-jogo-de-ideias-2011-programa-1-parte-3>.
Acesso em: 23 nov. 2020.

VIVÊNCIA (EM13LGG301) (EM13LGG305)

Uma aula em deslocamento


Faça um deslocamento nas ruas próximas à escola onde você atua. Atente para os elementos presentes
em seu percurso e como eles se relacionam com sua aprendizagem em arte. Imagine esse trajeto como o seu
espaço educativo, sua sala itinerante, e planeje uma aula em que se possa aprender caminhando.
• O que poderia servir para uma escrita (um graveto na terra, uma pedra na calçada…)?
• Que elementos se relacionam com o conteúdo que você deseja abordar (padronagens de calçadas, cores,
formas, fachadas…)?
• O que poderia ser usado como material de trabalho (elementos da natureza, placas, cartazes…)?

136
CULTIVO (EM13LGG101) (EM13LGG202)

D
Imagens e discursos
Proponha a observação de fotografias divulgadas para o turismo e elementos coletados
(ou fotografados) por estudantes durante a visita a esses mesmos espaços turísticos. Pode ser
uma festa popular, um bairro de arquitetura histórica, uma paisagem natural, um parque, etc.
• Quais são as aproximações e os distanciamentos entre essas materialidades?

L
• A que você atribui as diferenças encontradas entre elas?
• Como a elaboração e a organização das imagens e dos discursos nesses materiais interferem
na maneira como o público se relaciona com a cultura local?
Oriente essa conversa para que as possíveis diferenças não sejam tratadas, necessariamen-
te, como inverdades manipuladoras, mas como escolhas feitas a partir de interesses especí-
ficos. Conversem sobre quais seriam esses interesses, se são voltados, por exemplo, a atrair

N
determinados públicos com poder aquisitivo para visitar a cidade para turismo ou negócios.
Discutam ainda: Essas estratégias reforçam estereótipos, expõem preconceitos, escondem
problemas sociais ou ambientais?
Faça um paralelo com as escolhas feitas por estudantes quando postam conteúdos nas
redes sociais. Proponha que pensem sobre os critérios dessas escolhas, sobre o que desejam

P
expor de si e do mundo com o que criam/coletam/divulgam.

CORNELL, Joseph. Arquivo


CAMBRIDGESHIRE, INGLATERRA. HERMIONE BANKS-POPPLE - COLEÇÃO PARTICULAR

Paternal. 2013. Caixa artesanal


feita de fibra de média
densidade pintada, objetos
pessoais coletados (fotografias,
IA
cartas, selos, mapas, bilhetes
de viagem, etc.), 40 cm 3 40 cm,
Inglaterra.
U
G

O que trazemos de nossos


Trabalhando com vestígios deslocamentos para dentro
Sabemos que não nos é possível visitar, com cada turma escolar, todos os lugares que da sala de aula? Como esses
elementos podem gerar
nos possibilitam experiências sobre os temas culturais estudados. Nesses momentos, a
outras relações com os
presença de elementos matéricos coletados em deslocamentos possibilita experiências espaços e acontecimentos
vividas no ato da aula, trazendo vestígios que ultrapassam a descrição ou o relato e se vividos?
abrem a novas trocas.

137
Podemos pensar sobre a criação com vestígios guar- Francesco Careri, no livro Walkscapes: o caminhar como
dados de deslocamentos a partir do trabalho do artista prática estética (2013), aborda o deslocamento como uma

D
Richard Long. necessidade que acompanha a humanidade desde os seus
primórdios, sendo, segundo ele, a primeira ação estética que
MAX MCCLURE

penetra o caos e constrói certas ordens para o desenvolvi-


mento dos objetos, trazendo em seu seio o menir (conjunto
de pedras erguidas e cravadas de forma organizada na

L
paisagem, datadas do período neolítico), a escultura, a ar-
quitetura e a paisagem. Construímos o mundo quando nos
deslocamos, quando nos apropriamos e recombinamos os
elementos existentes nele. Isso se dá, primeiramente, como
necessidade de sobrevivência (encontrar alimento, encontrar

N
abrigo para o frio…), para então constituir práticas culturais
(peregrinações religiosas, formação de comunidades…) e, no
século XX, acompanhar interesses exclusivamente poéticos
e conceituais, como as caminhadas dadaístas e surrealistas, a
LONG, Richard. Boyhood Line. 2015. Inglaterra. deriva situacionista e as ações da Land Art (forma de arte “da

P
terra” trabalhada por Richard Long).
BEAUMONT FRÉDÉRIC/ALAMY/FOTOARENA

VIVÊNCIA (EM13LGG603) (EM13LGG604)

Relíquias coletadas em uma caminhada


Dedique uma semana para selecionar e coletar algum tipo
de elemento comum nos percursos que você realiza cotidiana-
IA
mente (podem ser galhos, tampas de garrafa, cascas de parede,
etc.). Escolha apenas um tipo de elemento e faça dele sua meta
de coleção durante esse período.
Ao final da semana, experimente unir esses materiais,
criando uma organização visual com eles para, em seguida,
fotografá-los. Escreva ou converse com colegas sobre sua co-
leção: O que essa materialidade diz de você? O que ela diz dos
LONG, Richard. White Rock Line. 1990. Terraço do Museu espaços percorridos? Que sensações ela provoca? O que mu-
de Arte Contemporânea de Bordeaux, França.
dou na sua relação com o espaço percorrido após essa cole-
ta? O que mudou nos sentidos dados a essa materialidade a
U

Em sua obra, Long percorre longas distâncias enquanto partir dessa outra relação com ela?
coleta elementos da natureza, como pedras, lama, areia,
que, posteriormente, são reordenados para compor es-
culturas em galerias ou na própria paisagem. Note que o PARA OUTRAS CONEXÕES
interesse do artista não está na transformação da maté- Conheça o jogo de tabuleiro Descaminhar, desenvolvido
G

ria-prima, mas na coleta e organização, como se quisesse pelo grupo de pesquisa Ecoarte, do Instituto de Humanidades,
deixar uma marca de sua passagem ou expor uma coleção Artes e Ciências da Universidade Federal da Bahia, que tem
de elementos para recordar um percurso vivido. Tanto na como proposta experimentar a cidade de Salvador como arte:
paisagem quanto na galeria, a organização das pedras <descaminhar.ecoarte.info>. Acesso em: 23 nov. 2020.
se dá de maneira diferente da encontrada na natureza,
envolvendo linhas, círculos, geometrias que evidenciam a
interferência humana na paisagem. Guardados imateriais
Por mais que desejemos guardar objetos para recordar
momentos vividos, esses materiais nunca dariam conta
de armazenar nossas experiências, pois, ao retornarmos
O que o material coletado por Richard Long diz dos a eles, é sempre uma outra experiência que se produz.
espaços por onde ele andou, do clima, da geografia? É importante atentarmos para não priorizarmos o arma-
Que marcas deixamos nos lugares por onde passamos
zenamento em detrimento da entrega às experiências de
e o que guardamos dessas passagens? Existe algum lugar
em nossa casa onde organizamos objetos adquiridos um encontro, seja ele com pessoas, coisas, leituras, luga-
em viagens e passeios? res, pensamentos. O que fazemos com as fotografias que
guardamos de viagens, festas, exposições que visitamos?

138
A artista Brígida Baltar explora essa relação impossível

GALERIA NARA ROESLER


de armazenamento de experiências efêmeras desenvol-

D
vendo uma ação artística em que coleta neblina da região
serrana do Rio de Janeiro em garrafas de vidro e tubos
de ensaio. A coleta acontece e pode ser constatada pelos
registros em fotografia e vídeo que ela expõe. No entan-
to, o que podemos acessar como resultado matérico da

L
tentativa de armazenamento são garrafas vazias, que não
conseguem comportar a efemeridade do acontecimento
vivido. Sabemos que o vazio na garrafa é uma porção de
ar úmido coletada no momento registrado, e é esse saber
que faz a garrafa remeter ao momento, mesmo não se

N
percebendo mais neblina nenhuma dentro dela. BALTAR, Brigida. Coleta da neblina. 1998-2005. Projeto Umidades.

A presença de aparente propaganda se justifica de acordo com o parecer CNE/CEB nº 15/2000, que diz que “o uso didático de imagens
comerciais identificadas pode ser pertinente desde que faça parte de um contexto pedagógico mais amplo, conducente à apropriação
crítica de múltiplas formas de linguagens presentes em nossa sociedade, submetido às determinações gerais da legislação nacional
e às específicas da educação brasileira, com comparecimento módico e variado”.

P
CULTIVO (EM13LGG304) (EM13LGG604)

Sobre embalagens e outros descartes

CORTESIA FORTES D’ALOIA GABRIEL


IA
U
G

LEIRNER, Jac. Nomes. 1989. Colagem.

A artista Jac Leirner coleciona objetos inusitados, em sua sobre as possíveis histórias dessas embalagens. Para isso, inspe-
maioria relacionados a produtos de consumo. Nessa obra, da cionem detalhes que possam contar algo (corte, rasgo, esgarça-
série Nomes, ela expõe uma espécie de manta costurada com mento, manchas, cheiros…). De onde vieram? O que carregaram?
sacolas plásticas coletadas de diversos museus e livrarias de Você pode ainda encaminhar a conversa para questões
arte do mundo. ambientais de descarte e reciclagem com perguntas como:
Sacolas, normalmente, são elementos que servem para ar- O que os resíduos que descartamos dizem de nós? O que diz de
mazenar algo, embalagens que facilitam o manuseio de nossas nossa cultura e de nossa sociedade? Como poderíamos minimi-
compras. O que você imagina que a artista teria carregado em zar os problemas ocasionados pelo descarte excessivo e inade-
cada uma dessas sacolas? quado dos resíduos?
Solicite que estudantes de uma turma em que você atua le- Proponha a criação de objetos, esculturas ou a coleta de ou-
vem embalagens que tenham em casa (faça essa solicitação com tros elementos que se adequem ao tamanho e à estética de cada
antecedência para que possam colecioná-las). Inicie uma conversa embalagem, inventando novos usos para elas.

139
VIVÊNCIA (EM13LGG503) (EM13LGG603)

D
Colecionando e criando com elementos não armazenáveis
Baseando-nos no trabalho de Brígida Baltar, selecionamos aqui uma lista de coisas
que não podemos armazenar:
• a cor da Lua;
• o cheiro de um livro;

L
• a sensação da textura de uma parede;
Que cheiro você guarda da • o calor de um abraço;
infância? Que sensações um
determinado lugar provoca
• o sabor da comida de casa;
em você? Algum sabor remete • a adrenalina de andar em uma montanha-russa;
a uma experiência vivida? • o frescor de uma madrugada de outono.

N
Continue essa lista a partir de suas vivências; que outras coisas não é possível ar-
mazenar? Experimente e trace possibilidades de “materialização” ou “armazenamen-
© ASSOCIATION MARCEL DUCHAMP/AUTVIS,
BRASIL, 2020 -GRANGER, NYC. ALAMY/
FOTOARENA – TATE MODERN, LONDRES

to” de algum desses elementos listados. Permita-se explorar e pensar também o que
considera “impossível” nessa experimentação. Escreva o que essa experiência for lhe
convidando a pensar nesse processo.

P
Deslocamentos de objetos e ideias Competências gerais: 1, 3 e 6

Quando artistas utilizam em seus trabalhos imagens ou objetos produzi-


dos por outras pessoas, é possível classificar esse ato como uma apropriação.
O exemplo mais citado na história da arte são os ready-mades de Marcel
Duchamp, objetos de fabricação industrial, como um urinol, uma roda de bici-
IA
DUCHAMP, Marcel. Fonte. 1917. cleta e um porta-chapéus, que foram deslocados de seus contextos originais e
Ready-made.
renomeados pelo autor a partir de alguma relação conceitual por ele forjada.
O ato de apropriação envolve guardar, colecionar, reorganizar, inventariar,
AGRADECIMENTO - ASSOCIAÇÃO
CULTURAL “O MUNDO DE LYGIA CLARK”

recombinar, criar novas associações, fragmentar outras, quebrar, colar, pintar.


Nesta seção abordaremos artistas cujas produções transitam por essa ação.
O que o deslocamento de funcionalidade de objetos cotidianos para a po-
sição de objetos artísticos provoca em nossas relações com eles e com a arte?
Que outras mudanças acontecem neles além da forma?
U

Objetos Encontrados
CLARK, Lygia. Estrutura de Caixas A categoria conhecida em francês como objets-trouvés (objetos encontrados)
de Fósforos. 1964. Escultura. abrange essa gama de experiências de alteração na visualidade e/ou nas implica-
ções culturais que os objetos carregam, sendo inúmeras as possibilidades de inter-
COLEÇÃO PARTICULAR, RIO DE JANEIRO

venção sobre eles. Eles podem estar próximos de como vieram ao mundo, como
a Fonte de Duchamp, uma louça sanitária industrial renomeada, virada e assinada
(com o pseudônimo R. Mutt e o ano, 1917), mas também podem estar pintados,
colados em conjuntos, desmontados, misturados ou associados uns aos outros.
Esse deslocamento pode se dar de forma sutil, como as “Estruturas de caixas
de fósforos” de Lygia Clark (1964), esculturas abstratas compostas por colagens
de caixas de fósforos pintadas, geralmente, de preto, branco ou vermelho.
Algumas abertas, outras fechadas, as caixas se configuram como módulos, for-
mas básicas que, em sua característica repetição, são utilizadas para uma série
de experimentações com o espaço tridimensional, com questões de simetria,
altura, equilíbrio, caras ao campo da escultura.
Alguns oratórios produzidos pelo artista mineiro Farnese de Andrade envolvem
também a experimentação destas ações de apropriação. Suas explorações de ele-
mentos cotidianos, embebidas em questionamentos sobre religiosidade, infância,
ANDRADE, Farnese de. Angelus. sexualidade, cultura, entre outros assuntos, são povoadas de objetos produzidos
1966-1971. Assemblage. em série (ou fragmentos destes), a maioria artesanais, e de outros em estado mais

140
bruto (ossos, pedras). O modo com que ossos de diferentes Qual seria sua reação se, ao abrir uma garrafa de refrige-
animais são conjugados com cabeças de bonecas e peças rante, percebesse que, logo abaixo do logotipo da bebida

D
torneadas de marcenaria, as cores terrosas da madeira e dos ou das listas de ingredientes e dados sobre a fabricação,
objetos envelhecidos, os eventuais usos de cor vermelha, constasse a receita de uma bomba incendiária? Ou uma
todos constituem uma ambientação sombria e o imaginário mensagem de protesto? Em dado momento da década de
grotesco de um claustro medieval. 1970, Cildo Meireles desenvolveu o projeto Inserção em Cir-
cuitos Ideológicos, imprimindo, em garrafas de refrigerante
Apropriações de modos de circulação

L
retornáveis, mensagens críticas a acontecimentos políticos
Quando falamos em apropriação, não precisamos nos que fervilhavam naquele momento, e inserindo-as de volta
referir apenas a objetos que, após alguma intervenção, no mercado, utilizando-se de um método de circulação de
passam a compor propostas artísticas. Os movimentos produtos próprio de sua época. Outra ação dentro desse
de invenção de mundos empreendidos por um grupo mesmo projeto foi a produção de carimbos questionando

N
considerável de artistas da contemporaneidade contam, a morte do jornalista Vladimir Herzog, noticiada como sui-
em sua constituição, com atos de apropriação de outros cídio, após ser preso pela ditadura, apesar de as evidências
elementos culturais, de situações, eventos, sistemas e seus técnicas comprovarem que ele havia sido assassinado.
funcionamentos. Podemos perceber isso em artistas que Carimbando cédulas de dinheiro e colocando-as de volta à
se utilizam das potencialidades de meios já existentes de circulação, o artista faz uso de uma ferramenta do mercado

P
circulação de palavras, produtos ou imagens. capitalista para gerar outro tipo de troca, voltada não ao
consumo de produtos, mas sim ao de ideias.
Observe este anúncio de jornal. O que há de incomum
nele? A “obra de arte”, nesse caso, não está em um objeto.
As cédulas e garrafas de refrigerante que costumam ser
expostas pelo artista funcionam apenas como um registro
REPRODUÇÃO

do ato principal do trabalho, que era fazer circular, “infil-


IA
trar” essas mensagens inesperadas dentro de um meio
que não era originalmente destinado a elas. Ao mesmo
tempo é uma apropriação dos objetos garrafa e cédula e
também dos próprios sistemas de bebidas retornáveis e
de circulação monetária, ambas instâncias que até então
não dialogavam com a arte, tampouco esperavam que
esse diálogo ocorresse desse modo. Considerando que o
Brasil dos anos 1970 foi marcado por uma ditadura que
estabelecia no país relações de submissão a mercados
U

externos, percebe-se o quão pertinente e necessário foi


BRUSCKY, Paulo. Classificado de Máquina Tradutora esse uso de um produto como a bebida, que é considerada
no Jornal de Anúncios de Recife. 1984. Recife. símbolo de uma hegemonia econômica em prol da qual
tal regime demonstrava trabalhar. “Eu sempre pensei o
Trata-se de uma ação realizada pelo artista Paulo
Inserções como uma espécie de grafite em coisas móveis.
Bruscky. Como você imagina que as pessoas que leram
G

Em vez de ser um grafite fixo, era um grafite que se deslo-


o jornal se relacionaram com a possibilidade de comprar
cava, aproveitando a mobilidade existente em diferentes
uma máquina que traduz a fala de bebês e animais? O que
tipos de circuitos” (MEIRELES, 2016, online).
diferencia uma ação artística de uma atividade cotidiana
quando inserida em um circuito de comunicação?
CORTESIA DO ARTISTA - GALERIA LUISA STRINA,
SÃO PAULO

Muitas dessas ações não são assinadas, ou se apre-


sentam com pseudônimos, dispensando identificações
para atuarem como ruídos anônimos nas dinâmicas de
comunicação. Quando temos acesso a sua autoria, é porque
os registros das ações as tornaram conhecidas através de
outros meios. Tais produções são tomadas por um interesse
de quem as produz por fazer circular ideias diversas dos
discursos hegemônicos dos canais de comunicação oficiais.
São ações de protesto, denúncia ou recusa em aceitar os
discursos que essas mídias comunicativas fazem circular
na sociedade. São invenções de outros modos de estar no MEIRELES, Cildo. Inserções em circuitos ideológicos. 1970.
mundo, aproveitando as ferramentas já existentes. Escultura. Projeto Cédula.

141
VIVÊNCIA (EM13LGG101) (EM13LGG102) (EM13LGG302)

D
Curtos-circuitos
Que circuitos ou sistemas de circulação de informação existem hoje e como podemos explorá-los artisti-
camente? Pense nas possibilidades existentes de circulação de materialidades hoje – a biblioteca da escola, os
correios, as garrafas retornáveis. Que tal enviar uma carta ou cartão-postal para alguém de quem você gosta
e vivenciar o tempo de espera até que a pessoa receba e responda, pelo mesmo meio?

L
Experimente com estudantes a inserção de ideias nesses circuitos. Note que, para se integrar à seção de
classificados, artistas utilizam a mesma estrutura e linguagem dos anúncios de produtos reais. Aproveite para
desenvolver um trabalho integrado com o componente curricular de Língua Portuguesa, explorando essas
estruturas baseado em práticas artísticas.
Pensem no que será enviado e por que vocês desejam fazer essas mensagens circularem.

N
Há artistas do grafite que operam também com a apropriação de sistemas de circulação, além dos
muros, inserindo clandestinamente suas pinturas nos trens que circulam em suas regiões, fazendo
suas imagens circularem e serem vistas em diversos pontos e cidades. Entretanto, aqui se trata de
uma apropriação de superfícies que, dada sua utilidade como lataria de um meio de transporte,

P
se conectam profundamente ao cotidiano de grande parte da população trabalhadora da cidade.
Já que os trens se locomovem o dia inteiro cobrindo grandes distâncias, ter uma imagem de sua
autoria estampada sobre um deles confere a artistas do grafite um efêmero poder sobre o que alguma
parte da população da cidade vai ver, talvez por uma fração de segundo, no seu dia. Num contexto
urbano que se estrutura sobre desigualdades, poder expor em um espaço destinado à arte ou veicular
uma produção sua pela televisão são privilégios para poucas pessoas, mas superfícies como essas e os
IA
próprios muros das cidades acabam sendo um espaço receptivo à arte e a artistas que muitas vezes
não têm lugar nos meios oficiais. Atuam assim como uma ferramenta de resistência, promovendo
diálogos com as culturas periféricas e conexões com os fluxos da cidade de um modo que a mesma
arte, se exposta em um museu, não contemplaria.

HULTON ARCHIVE/GETTY IMAGES


U
G

Vagão de trem
pintado por Lee
Quinones na década
de 1970. Nova York,
Estados Unidos.

Os grafites e pichações, que nasceram de uma postura de resistência e de expressão junto às dinâmicas
da cidade, têm proliferado e abarcado uma heterogeneidade de modos de se fazer existir, misturando-se
a outras manifestações cotidianas, que vão desde a publicidade até os “recados de amor e/ou palavras e
imagens consideradas obscenas” (RAMOS, 2007, p. 1260). Há diferentes discursos em torno das diferen-
ciações e aproximações entre o grafite e a pichação. Há, por exemplo, as leis que legalizam uma determi-

142
nada prática e criminalizam outra, como o caso da lei brasileira no 12.408 de 2011, que altera o art. 65 da Lei
no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, descriminalizando o ato de grafitar e dispondo sobre a proibi-

D
ção de comercialização de tintas em embalagens do tipo aerossol a menores de 18 anos. Segundo o
§ 2o da lei:

Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patri-
mônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo
proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso

L
de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas
municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preser-
vação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional (BRASIL, 2011, online).

Há também discursos que são tensionados com essas leis e que instigam a pensar a pichação como

N
uma forma de arte, principalmente por seu caráter subversivo. O repórter fotográfico João Wainer
(2005) menciona, em entrevista concedida à revista SuperInteressante, que

a definição do que é arte tem algo de relativo e abstrato. O que é arte para uns, pode não ser
para outros. Tudo depende das informações que cada um tem, onde e como vive, como cres-
ceu e que tipo de formação educacional teve. É verdade que a ação dos pichadores desagrada

P
e é condenada pela maioria das pessoas que vivem em São Paulo. Mas grandes artistas do
último século usaram a arte para reverter conceitos estabelecidos e provocar mudanças de
comportamento. Para isso, precisaram incomodar o establishment. Toda arte que se preze
tem de incomodar, causar no espectador algum tipo de reação à qual ele não está acostuma-
do. A pichação é um bom exemplo de como cumprir bem este papel (WAINER, 2005, online).

Apropriação cultural
IA
Há também o mercado, que tem se apropriado de grafites produzidos no espaço público por nomes
reconhecidos do meio, desvirtuando as condições que fizeram essa forma de arte nascer como uma
prática subversiva e de resistência ao próprio sistema. Um exemplo disso é o que vem acontecendo
com grafites do artista britânico Banksy, famoso por suas intervenções com cunho social e por seu
anonimato. Banksy tem tido vários de seus grafites deslocados (com todo um aparato para recortar
e manter intactas as paredes no deslocamento) dos espaços públicos onde originalmente foram
produzidos, com o intuito de “preservação” por parte do sistema das artes, e também leiloados sem
a sua autorização. O artista tem buscado meios de problematizar essa prática crescente. Em 2018,
U

inseriu um triturador na moldura de uma versão a tinta acrílica e spray de uma de suas mais famosas
obras, Girl With Baloon, a qual estava sendo leiloada pela casa de leilões Sotheby’s House, em Londres.
O triturador foi acionado no exato momento em que a obra foi vendida

TRISTAN FEWINGS/GETTY IMAGES


por 1 milhão de libras, destruindo-a parcialmente. Um vídeo com o registro
desse momento pode ser acessado no canal The Guardian News: <https://
G

www.youtube.com/watch?v=ynHl7bU_aPU>. Acesso em: 7 dez. 2021.


No documentário Saving Banksy (2017, dirigido por Colin Day), é
possível transitar por algumas considerações a respeito do crescente
interesse em preservar os grafites de nomes famosos como Banksy para a
posteridade, e também das apropriações pelo mercado, que tem leiloado
obras que se encontram no espaço público, retirando-as do contexto onde
foram programadas para acontecer e onde eram vistas de forma gratuita.
O grafiteiro italiano Blu também tem realizado algumas reações a
atitudes do mercado imobiliário, que tem se utilizado da presença dos
grafites para suas campanhas de marketing. Blu tem apagado vários de
seus murais em Bolonha, em protesto a essa especulação imobiliária e
à atitude da cidade de tomar a estética de resistência dos grafites como
forma de campanha publicitária. Essa ação do artista, junto de pessoas
voluntárias e coletivos que o têm auxiliado a remover, apagar ou cobrir
com tinta seus murais, busca reivindicar a função social de suas inter-
venções artísticas. BANKSY. Girl With Baloon. 2018.

143
Os grafites apropriados pelo capital apontam para outro debate bastante necessário
no contexto atual: quando, em vez de uma cultura marginalizada se apropriar dos meios

D
de circulação hegemônicos, esses meios é que se apropriam de visualidades e práticas
culturais, tornando-as produtos de consumo descontextualizados de seus processos
de luta e resistência.
Para a perspectiva pós-colonial em que se baseia o cientista social Rodney William, o
fenômeno da “apropriação cultural é um mecanismo de opressão por meio do qual um

L
grupo dominante se apodera de uma cultura inferiorizada, esvaziando de significados
suas produções, costumes, tradições e demais elementos” (2019, p. 23). O turbante,
o acarajé, a capoeira e as religiões de matriz africana são transformadas em produ-
tos “palatáveis” e têm seu caráter de resistência desrespeitado e esvaziado, quando
processos que se apropriam deles contribuem para lógicas discriminatórias, racistas.

N
Com isso, não está sendo dito que pessoas que não participam dessas culturas não
podem comer acarajé ou fazer parte de atividades de terreiros, rodas de samba e de
capoeira, mas sim que é necessário cultivar o respeito por esses elementos como símbo-
los que não servem apenas como acessórios para alimentar modas, mas que envolvem
ou envolveram ritos, crenças, atos de sobrevivência, comunhão.
Quantas vezes você já
O autor contribui para esse debate tratando dos elementos das culturas negras

P
viu escolas fantasiando
estudantes com elementos brasileiras como exemplos não de identidade (pois as culturas não são fixas), mas sim
de culturas indígenas de resistência. Considerando a origem europeia de diversas figuras “santas” católicas
no “Dia do Índio”? Tal apropriadas pelo povo negro, esses símbolos se somaram a essa resistência. A partir de
prática acompanha uma outro exemplo: “Um indígena que usa calça jeans ou boné de baseball não está agredin-
contextualização respeitosa do ninguém, pois, além de a cultura branca norte-americana ser dominante, um jeans
à população originária não é nem nunca foi um símbolo de resistência” (WILLIAM, 2019, p. 162).
IA
de seu território ou é
apenas uma distração, As diferentes apropriações experimentadas em processos artísticos podem contri-
uma diversão que buir para profícuas trocas culturais, no entanto é necessário observar se essas trocas
acaba estereotipando não estão sendo desproporcionais ou se não estão contribuindo para processos
essas culturas? de segregação.

CULTIVO (EM13LGG102) (EM13LGG303) (EM13LGG704)

Mapeando e pensando a apropriação cultural


Proponha que estudantes busquem na cidade, na internet, na televisão, em panfletos, jor-
U

nais, revistas, ou mesmo em produtos que consomem, imagens que sejam apropriação de re-
ferências culturais ou artísticas.
Feito esse mapeamento, conversem sobre os contextos e maneiras como essas referên-
cias são utilizadas: se demonstram respeito aos contextos originais, se mencionam a autoria
e abrem espaço para que suas vozes sejam ouvidas, se carregam estereótipos, se distorcem
características culturais ou visuais, se convidam à problematização ou se estão ali para “em-
G

belezar” ambientes, etc.


A partir disso, experimentem a produção de visualidades que exponham os resultados desse
debate, por meio de panfletos, cartazes ou outras produções que dialoguem com os referen-
ciais coletados ou lhes proporcionem novas relações com os elementos culturais apropriados.

Arte de corpos em deslocamento Competências gerais: 3, 7, 8

Como a arte se coloca atenta às possibilidades do corpo e experimenta diferentes


modos de produção, tendo ele como ferramenta? E nossos corpos, como habitam os
ambientes e participam dos processos educativos?

Corpo e experiência estética


Algumas etiquetas sociais nos fazem esconder reações que revelam fragilidades
em nossos corpos, dizendo, por exemplo, que homem não pode chorar, que docentes
não podem demonstrar sono, que uma pessoa fazendo um trabalho pesado não pode
transpirar. Ao discutirmos, por meio da arte, como nosso corpo reage aos aconteci-

144
mentos, observamos que o corpo está presente em cada movimento que realizamos.
Quando nos sentamos em uma cadeira por horas para assistir a uma aula, nosso corpo

D
não só está presente (ainda que o ignoremos), como não cessa suas atividades: sentimos
Que provocações a arte
dores nos quadris, formigamento nas pernas, ardência nos olhos, fazendo-nos revirar
faz sobre os modos
de um lado para o outro a fim de melhor acomodar essas inquietações involuntárias. como nos comportamos
A pesquisadora Luciana Arslan nos apresenta caminhos para pensar estudos do cor- nos diferentes espaços?
po enquanto metodologia no ensino de artes a partir da perspectiva da Somaestética. Que familiaridades e

L
Baseada em Richard Shusterman e John Dewey, ela aborda a experiência estética como estranhamentos as
uma prática que constitui as próprias concepções de arte, em vez de definir a arte em imagens de performances
nos causam? Por que
função de seus objetos e produtos. Com isso, a autora fala de uma arte intimamente
algumas roupas e posturas
relacionada a aspectos sensoriais, que nasce de corpos vivos, que agem e sentem em nos parecem naturais
conexão com o mundo. Segundo ela, e outras nos soam

N
como inadequadas?
o soma inclui uma ampla compreensão “do corpo” em toda sua extensão, pois
este depende de integração e conexão com o mundo circundante, interação
com a temperatura, o ar, as emoções, as relações e associações sociais e todo
o contexto do seu entorno. A concepção de soma é mais adequada para se re-
ferir a um “corpo vivo”, já que a palavra “corpo” sempre está mais associada
com “carne” ou a um corpo físico que estaria separado das ideias e fantasias

P
(ARSLAN, 2018, p. 571).

Para que experiências estéticas aconteçam, não basta o acesso a objetos artísticos,
é necessário que pratiquemos a capacidade de nos deixar afetar por algo. Isso pode
se dar tanto com uma obra de arte quanto com acontecimentos que nos interpelam
em nosso cotidiano. “Afinal, quais seriam os critérios para afirmar que prazeres, como Você já observou como
seu corpo se movimenta
IA
os de participar de uma cerimônia religiosa, ou assistir a uma partida de futebol, são
quando você vivencia
ilegítimos e superficiais ou que não possuem uma dimensão estética?” (ARSLAN, momentos de felicidade,
2018, p. 572). tristeza, calmaria,
A experiência estética, segundo Kastrup (2010), envolve a incorporação vital das ansiedade? Ele produz
experiências, marcada por sensações intensas que não se limitam ao entretenimento. algum ritmo na forma
A percepção, nesse sentido, deixa de ser tomada como mero reconhecimento, como se o de tiques nervosos, de
caminhadas de um lado
presente fosse rebatido sobre a experiência passada, reafirmando algo que conhecemos.
para o outro da sala, de
Em vez disso, Kastrup diz que a percepção estética “consiste em se deixar impregnar, desenhos involuntários
em mergulhar com atenção, evitando uma interrupção precipitada” (KASTRUP, 2010, ao falar ao telefone
U

p. 40). Trata-se de uma presença atenta não só aos conteúdos de mundo, mas a como ou ouvir uma palestra?
nossos corpos se conectam e atuam em meio ao que acontece.

VIVÊNCIA (EM13LGG501) (EM13LGG503)

Corpo presente
G

O que lhe provoca


Dedique alguns momentos do seu dia para uma atividade de atenção ao corpo. Faça isso incômodos no cotidiano?
durante a sua rotina (quando se senta planejando uma aula, quando toma banho, quando co- Que sensações lhe causam
zinha, quando senta em um sofá macio ou em uma cadeira dura…). Perceba como seu corpo prazer? Há texturas, cores,
se comporta: Quais são os pontos de pressão, tensão e relaxamento? Quais são as formas que formas que desencadeiam
seu corpo assume junto aos objetos que toca? Que partes de seu corpo se movimentam en- reações agradáveis ou
quanto você respira? Há dores? Há movimentos involuntários? Quais são as posturas e os mo- desagradáveis em seu
vimentos recorrentes em cada uma dessas atividades? Faça isso sem se preocupar em corrigir corpo? Por que e quando
ou modificar algo. Apenas exercite a atenção aos movimentos de seu corpo nas atividades da isso acontece? Como você
vida diária, inclusive naquelas que você julga unicamente intelectuais. reage a elas?

A instalação En forma de nosotros, da artista Rita Ponce de Leon, foi produzida e exposta
no pavilhão da 32a Bienal de São Paulo. Com a obra, a artista convida visitantes a explorar
estruturas de argila com seus corpos, buscando encaixes e possibilidades de integração a
suas formas e cavidades. Essa estrutura foi produzida com base em movimentos corporais
guiados pela bailarina Emilie Sugai, gerando moldes a partir dos corpos de pessoas que
colaboraram participando da ação (Fundação Bienal de São Paulo).

145
de sexualidade, de família, de sucesso, etc.) e como podem
ILANA BAR/ESTÚDIO GARAGEM/
FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO

fazer uso dos meios existentes para construir experiências

D
que problematizem a suposta naturalidade dessas ativi-
dades padronizadas.
A Cia. Willi Dorner é um grupo de artistas da Áustria
que também realiza performances por meio da adaptação
de seus corpos a ambientes arquitetônicos. Criando outras

L
relações com os ambientes, convidam-nos a perceber
formas, cores e usos dos espaços que talvez passassem
despercebidos nas atividades diárias.

LISA RASTL/CIEA. WILLI DORNER


N
LEON, Rita Ponce de. En forma de nosotros. 2006. 32a Bienal
de São Paulo.
ILANA BAR/ESTÚDIO GARAGEM/
FUNDAÇÃO BIENAL DE SÃO PAULO

P
IA
LEON, Rita Ponce de. En forma de nosotros. 2006. 32a Bienal
de São Paulo.

Explorar o deslocamento de corpos como produção de


arte é pensar o próprio corpo no espaço como processo
artístico. Com isso, podemos exercitar a atenção sobre
U

como nossos corpos se movimentam também na socie-


dade, como se adaptam aos moldes existentes (de beleza, Cia. Willi Dorner. Corpos em Espaços Urbanos. 2007. Performance.

CULTIVO (EM13LGG501) (EM13LGG502)


G

Encaixes e desencaixes entre corpo e paisagem


O que é possível perceber do corpo a partir dos encaixes e desencaixes dele nas obras de Rita Ponce de
Leon e da Cia. Willi Dorner? Proponha a estudantes que procurem elementos de seu cotidiano e observem
como seus corpos se relacionam com eles. Inicie essa prática pela arquitetura e pelo mobiliário, mas parta
também para discussões sobre roupas, sapatos, padrões de beleza, de gênero e de sexualidade, entendendo
que os desencaixes fazem parte dos movimentos de vida, sendo que cada corpo é singular em suas formas
e trejeitos. Experimentem também sustentar os corpos em posições em que eles ficariam no encontro com
objetos e façam fotografias com as poses inusitadas que se criam.

Movimentos do corpo na criação artística


A performance é uma linguagem artística que tem o corpo como matéria. O Grupo EmpreZa (que
utiliza propositadamente a letra Z na grafia da palavra empresa) é um coletivo de artistas originado
em Goiânia e que tem como foco a realização de performances que chocam o público pela ousadia
de atingir limites do corpo.

146
Ações como deixar pingar parafina de vela sobre a barba, liber-

VICTOR TAKAYAMA
tar-se de uma parede que lhe prende pelos cabelos, arrastar uma

D
pedra pelo pescoço, regurgitar uma sopa de letrinhas são algumas
performances que levam artistas aos limites do corpo. O incômodo
é uma sensação inevitável para quem acompanha as ações desse
coletivo, pois, de alguma forma, ele aborda questões sobre nossa
condição humana, como dores, cansaços, cheiros e fluidos, nem

L
sempre desejáveis de serem expostos em nossas práticas sociais.
A performance não envolve apenas uma prática física, mas exige
também uma preparação mental para a interação com ambientes
e públicos em tempos, ritmos e movimentos de maneira planejada
e singular, tendo que lidar com possíveis imprevistos tanto do

N
espaço quanto de seu próprio corpo. Produzir uma performance é
Grupo EmpreZa. Serão
colocar conscientemente seu corpo em ação. Mas e quando produzimos um desenho, Performático. 2017.
uma pintura, uma fotografia, como nosso corpo participa desse processo? E quando Performance.
visitamos uma exposição? Observe seu corpo nessas situações e veja como isso contribui
para pensar relações entre corpo e arte.

P
O artista Vik Muniz, no documentário Lixo Extraordinário (2011, direção de Lucy
Walker), fala do movimento de aproximação e distanciamento do corpo para observar
uma obra. Segundo ele, esse movimento de ir e vir do corpo permite que, de perto,
possamos ver a matéria, enquanto de longe observamos o cenário que ela compõe; de
perto acessamos o detalhe, enquanto de longe nos relacionamos com a ideia. Esse exer-
cício faz com que nossos corpos participem da experiência de ver, traçando conexões.
IA
Há uma similaridade quando olhamos uma imagem em uma mídia digital, mas nesse
caso o que se põe em maior movimento é a imagem ao darmos zoom para acessar seus
detalhes ou reduzirmos suas dimensões para observá-la por inteiro.
O artista estadunidense Jackson Pollock, referência do impressionismo abstrato,
desenvolveu, entre os anos 1940 e 1950, pinturas utilizando uma técnica que punha seu
corpo todo em movimento – o dripping, em que fazia furos em uma lata e deixava a tinta
gotejar na tela. Eram experiências performáticas que envolviam telas de grandes dimen-
sões dispostas horizontalmente sobre o chão, exigindo do artista uma movimentação
corporal em torno da tela, método que ficou conhecido como action painting, fazendo
U

com que as composições visuais atuassem como rastros dos movimentos do artista.

CULTIVO (EM13LGG301) (EM13LGG603)

Fotografia e movimento
G

Produza fotografias tendo como foco os movimentos de seu corpo fotógrafo. Que imagens
são produzidas nas pontas dos pés? Em desequilíbrio? Deitando-se? Agachando-se? Pulando?
Chame uma pessoa para ser modelo de suas fotografias e façam experimentações: as duas pes-
soas em movimento; apenas quem fotografa em movimento; apenas modelo em movimento.
Proponha a estudantes essa experimentação e conversem sobre os processos e resultados.

O corpo na sala de aula


Colocar-se em pé, sentar, caminhar, aproximar-se para falar a um grupo menor, Como nossos corpos
docentes se movimentam
afastar-se para que a turma toda lhe ouça melhor, estes são alguns dos movimentos
em sala de aula? O que
que acompanham a atuação docente. Essas dinâmicas de aula compõem nossos nossas posturas dizem
planejamentos ou acontecem por acaso? Elas permitem que docente e estudantes de nós e de nossas
experimentem seus corpos em diferentes amplitudes e espaços? abordagens? Como
permitimos que os corpos
Como lidamos com cansaços, medos, ansiedades, alegrias, desejos nossos e de
de estudantes participem
estudantes? Será que observamos as manifestações dessas sensações pelos corpos ao das produções nas aulas
avaliarmos o andamento de nossas aulas, criando estratégias para manter a atenção, a de artes?
integração, a atuação discente?

147
O filósofo francês Michel Foucault, no livro Vigiar e Punir (1987), utiliza o termo “docilização dos
corpos” para tratar de uma sociedade de controle que se organiza por meio da conformação dos

D
corpos aos espaços. Ele usa como exemplo as estruturas arquitetônicas dos presídios, hospitais,
escolas, fábricas, que têm em comum a vigilância e a obediência. Quando adotada uma rotina
rígida de disciplinamento, é possível que corpos se façam mais fortes e produtivos em um sentido
econômico, mas, isso faz com que essas mesmas forças sejam diminuídas em termos de criação.
Esses processos de vigilância são nossos “velhos conhecidos” quando adentramos estruturas

L
escolares que incentivam processos avaliativos para medir qualidades e méritos baseando-se
na capacidade de adaptação de estudantes a um padrão de produtividade. Para que servem os
ritmos impostos por sinais, apitos, comandos se não para “acelerar o processo de aprendizagem
e ensinar a rapidez como uma virtude” (FOUCAULT, 1987, p. 149)? Segundo Foucault, essa pos-
tura, quando adotada, estimula em estudantes a aceleração, diminuindo ao máximo a suposta

N
perda de tempo (tão necessária à arte e a uma aprendizagem inventiva) dada pela passagem de
um saber ao outro.
A organização dos ritmos corporais fez parte de um projeto educativo que tem suas marcas ainda
vigentes em nosso cotidiano. As escolhas que fazemos de como explorar essas forças emanadas de
nossos movimentos dizem muito das potências que queremos ampliar. Toda escolha envolve potên-

P
cias, cabe a nós pensar quais delas queremos intensificar e com que interesses.
Propomos, assim, que façamos o exercício de pensar os movimentos do corpo como resistências,
potências para além de conformações à produtividade mecânica. Para isso, cabe-nos atuar numa
experimentação de si, aprendendo a mover nossos corpos, experimentando outros movimentos,
outras posturas, e discutindo quando, por que, para que e como nos movimentamos nos espaços
que atravessamos.
IA
Linguagens e aprendizagens que se expandem
Neste subcapítulo, nos dedicamos inicialmente aos transbordamentos das linguagens artísticas
dentro do universo das artes visuais, para, na sequência, pensar como esses fenômenos podem favo-
recer conversações, tornando a educação das artes visuais menos fechada em sua caixinha disciplinar.
Abordando processos artísticos que carregam elementos de outros campos de saber, exploraremos
também algumas estratégias ativas de aprendizagem, atreladas principalmente à abordagem por
U

projetos de trabalho de Fernando Hernández (2000). O portfólio e também os diários visuais (já
abordados no primeiro capítulo) são trazidos como ferramentas avaliativas que funcionam como
aliadas no processo singular de aprendizagem de cada estudante.

Campo expandido, híbrido, radicante Competências gerais: 3, 10


G

A hibridação é uma característica que permeia diversos campos do nosso cotidiano: nas com-
binações de diferentes elementos que formam nossas culturas, nos diferentes modos através dos
quais produzimos nossas relações com outros seres vivos, nas artes e na relação delas com o mundo.
Podemos pensar esse conceito usando uma metáfora culinária proposta por Gerardo Mosquera (apud
ANJOS, 2005) – o prato cubano moros con cristianos, ao qual Moacir dos Anjos associa a receita brasi-
leira baião de dois. Nesse prato, o arroz e o feijão, ao passarem juntos pelo cozimento, se tornam um
terceiro elemento híbrido, dentro do qual, quando finalizada a receita, ainda podemos discernir um
do outro, mas o arroz ali presente terá em si entranhado algo do feijão, e vice-versa. Um transformou
o outro, doando-lhe um pouco de sua cor e de seu sabor. Processo semelhante ocorre com práticas
artísticas, e mesmo com culturas, quando se hibridam umas com as outras (ANJOS, 2005).
Historicamente, sabemos que muitos desses processos ocorrem acompanhados da dominação
violenta de uma cultura sobre a outra, como nos mostra o controverso legado das colonizações das
Américas pelas nações europeias que clamam tê-las “descoberto” há alguns séculos. Esses espaços de
encontro de diferentes culturas, seja de modo pacífico ou não, favorecem a criação de novas culturas
híbridas, formadas pela convivência de elementos de diferentes origens que acabam, de algum modo,
se harmonizando, como o arroz e o feijão do baião de dois.

148
As diversas culturas regionais brasileiras, por exemplo, são caldeirões de costumes,
idiomas, músicas, pratos, cultivos, fazeres diversos oriundos de povos indígenas nativos,

D
de Portugal, de várias nações da África e do Oriente Médio, mais Holanda, Espanha,
Em sua formação
Inglaterra, Itália, Alemanha, China, Japão e muito mais. Com o crescente fenômeno da superior, como foram
globalização, esses trânsitos de pessoas e de informações ocorrem em crescimento abordadas as linguagens
exponencial, sendo comuns preocupações com um possível apagamento das culturas artísticas? Em que medida
que se tornam minoritárias ou menos favorecidas nessas trocas. Enquanto híbridos, ainda eram demarcados as

L
é possível reconhecermos as procedências geográficas e influências que compõem os particularidades e os
aprofundamentos de
contextos culturais, mesmo após se consolidarem como tradição local. Assim ocorre
cada uma? Quando
também quando desenvolvemos poéticas artísticas num encontro entre campos. havia o investimento
em movimentos,
Quando a arte não cabe em uma única categoria compreendendo e

N
incentivando o estudo
O modo disciplinar com que sistemas educacionais mais tradicionais historicamente de diálogos possíveis
têm formado docentes de arte se caracteriza pelo estudo das práticas artísticas divididas entre elas?
entre linguagens como pintura, escultura, desenho, gravura, cerâmica, performance,
fotografia, colagem, videoarte, instalação, objeto-arte, etc. Tais categorias formam um
corpo útil de estudos para que possamos escolher as que mais nos interessam e nos

P
aprofundar nelas – no entanto, a defesa de uma pureza já se faz anacrônica. É comum
pensarmos as artes visuais segundo essas demarcações, mas, quando entramos em
contato com obras de arte contemporâneas, é mais comum ainda que se crie uma
confusão sobre as fronteiras entre elas. Seria possível, por exemplo, identificarmos
tranquilamente os processos artísticos descritos ao longo deste livro, cada um dentro
de uma única categoria estanque?
IA

RICE GALLERY, EUA, 2009. FOTOGRAFIA: NASH BAKER


U
G

OLIVEIRA, Henrique.
Ao olhar os Tapumes do artista Henrique Oliveira, com qual linguagem poderíamos Tapumes l. 2009. Rice Gallery,
associá-los? À primeira vista, a certa distância ou por reproduções fotográficas, podería- Estados Unidos. Instalação.
mos até dizer que são pinturas, pois o artista trabalha composições e formas usando cores
diversas que se espalham e se encontram em diferentes direções. No entanto, quanto
mais nos aproximamos da imagem, mais percebemos que essa pintura é tridimensional,
e que seus diferentes elementos de cor são uma colagem de fragmentos de tapumes
descartados de construções, compondo formas que ocupam o espaço para além do
plano. Isso pode nos levar a associar os Tapumes não mais à linguagem da pintura, mas
à da escultura ou à da instalação, ou mesmo percebê-los como elementos da própria
arquitetura dos espaços onde são montados.

149
Isso ocorre porque a produção desse artista não se baseia em uma solução dentro
de uma linguagem especializada, mas em um desejo de disparar algo, como uma ideia,

D
uma sensação, um questionamento. Baseado nisso é que ele encontra as ferramentas
capazes de dar vazão ao seu projeto. E, dentro dessas ferramentas e materialidades, novas
possibilidades são exploradas – como o próprio desafio técnico de manter curvadas e
fixas chapas que foram produzidas industrialmente como planas.
No caso de Oliveira, essa ideia nasce de experimentações com questões pictóricas

L
e se expande para o espaço: começam como pinturas, mas se aventuram em fazeres
que são típicos da escultura. Os Tapumes são então, segundo o próprio autor, uma
“pintura no campo expandido” (HENRIQUE OLIVEIRA, 2020, n/p). Mas o que seria esse
tal campo expandido a que ele e uma diversidade de artistas se referem quando falam

N
sobre seu trabalho?

Do campo que se expande


As escritas da historiadora Rosalind Krauss são referenciais no estudo desses transbor-
damentos de fronteiras, especialmente em um artigo publicado em 1979, com o título

P
original Sculpture in the expanded field, que tem tido o termo expanded traduzido para
a língua portuguesa tanto como “expandido” quanto como “ampliado”, como na versão
da revista Gávea (PUC-Rio, 1984) – A escultura no campo ampliado. No artigo a autora
trata de fazeres artísticos que, a partir da segunda metade do século XX, expandem o
campo da escultura, adentrando áreas como a arquitetura e o paisagismo.
IA
Portanto, o campo estabelece tanto um conjunto ampliado, porém finito, de
posições relacionadas para determinado artista ocupar e explorar, como uma
organização de trabalho que não é ditada pelas condições de determinado meio
de expressão. [...] a lógica do espaço da práxis pós-modernista já não é organi-
zada em torno da definição de um determinado meio de expressão, tomando-se
por base o material ou a percepção deste material, mas sim através do universo
de termos sentidos como estando em oposição no âmbito cultural (KRAUSS,
2008, p. 136).

Em Expanded Cinema, de Gene Youngblood (1970), o primeiro livro a tratar das


U

possibilidades do vídeo no campo da arte, já eram abordadas produções e projeções


fílmicas que acontecem para além da tela plana e das convenções então atribuídas
ao cinema. As considerações tecidas por Youngblood e Krauss sobre essas expansões
(ou ampliações) de campo estabeleceram um modo de tratar processos semelhan-
tes não só em suas áreas de concentração (escultura e cinema), mas também em
G

outros campos.
Outro artista que nos levou a atravessar fronteiras entre a pintura e o espaço é Hélio
Uma pintura (ou desenho,
Oiticica, com suas instalações denominadas Penetráveis. Nelas são dispostas no espaço
ou gravura, ou qualquer
criação bidimensional) placas e paredes de diversos materiais, cores, formas, cheiros, sons, fazendo-nos adentrar
deixa de ser pintura labirintos sensoriais, promovendo uma relação imersiva do público com a obra.
porque ocupa o espaço
A pesquisadora e artista Edith Derdyk nos ajuda a pensar sobre a expansão dos
tridimensional? Ou com
isso ela expande os limites limites de uma linguagem artística com o livro Disegno. Desenho. Desígnio (2007), no
do que pode ser essa qual organiza uma série de textos de artistas que exploram as diversas possibilidades do
linguagem artística? desenho na arte contemporânea. Um exemplo está nos registros dos desenhos-escul-
tura de Arnaldo Battaglini, que parte de questões do desenho para explorar situações
tridimensionais. Nas palavras do artista, “Desenhos-concretos ou esculturas-desenho,
essas obras falavam da escultura como construção linear no espaço, não como retirada
ou agregação de matéria” (2007, p. 113). Uma poética que expande o campo desenho,
fazendo-o ocupar um espaço que é por excelência da escultura, por meio de linhas
desenhadas por vergalhões no espaço e por suas sombras na parede plana.

150
SESC SANTANA, SÃO PAULO

EDMOND TERAKOPIAN/AFP

D
L
N
BATTAGLINI, Arnaldo. Cubo sombra linear. 2005. Ferro
e pintura automotiva, 305 cm 3 305 cm 3 170 cm.
Sesc Santana.
P
SALCEDO, Doris. Shibboleth. 2007. Tate Modern Galery,
Londres.
IA
Imagine ainda uma escultura que, em vez de ocupar o espaço, cria vazios! É o que propõe a artista
colombiana Doris Salcedo com a obra Shibboleth, que produziu, em 2007, uma longa rachadura no
chão da Galeria Tate Modern, em Londres, como uma forma de nos provocar a pensar sobre as vio-
lências promovidas por conflitos históricos entre fronteiras.

VIVÊNCIA (EM13LGG301) (EM13LGG603)

Misturando linguagens
Pegue um material e/ou ferramenta que você costuma utilizar em uma linguagem artística específica e
U

experimente utilizá-lo de maneira diferente. Como seria fazer uma escultura com tinta e pincel? Como seria
desenhar com os movimentos do corpo? E performar com argila? Faça isso sem a preocupação de produzir
uma obra de arte, apenas experimente o que essas alterações provocam em você e nas noções que você tem
sobre os limites das linguagens artísticas. Pesquise obras de arte contemporânea e atente para como artistas
extrapolam as fronteiras tradicionais das linguagens artísticas e do uso de materiais e técnicas. Experimente
propor esses deslocamentos também como cultivo para estudantes, explorando materiais diversos e deba-
G

tendo sobre as possibilidades inesperadas que surgirem.

PARA OUTRAS CONEXÕES


No vídeo Museu Vivo: Edith Derdyk, disponível na internet, é possível ouvir a artista e transitar por um con-
junto de suas obras que ela traz para pensar o desenho em sua poética, que transita entre o bidimensional e
o tridimensional.

Multiplicidades que transbordam especialidades


Os tempos hipermidiáticos que vivemos tornam propício a artistas o investimento em uma carreira
que se poderia chamar multimídia. A chamada “pós-modernidade” se caracteriza por essa pluralidade
de modos de se produzir arte, mas ainda assim não desconsidera a escolha por um só campo artístico,
questionando uma preocupação que foi tão presente nos modernismos do início do século XX, de
que algum tipo de fazer ou de forma seja considerado ultrapassado.

151
Na obra A República, elaborada por Platão no século IV de narrativas populares da cultura, tendo como exemplos
a.C., era defendido que as pessoas se dedicassem a uma mais conhecidos suas obras de 2005 dedicadas à Ondina

D
só profissão durante toda a vida, para contribuir para (sereia do folclore brasileiro) e ao personagem Homem-
sua comunidade com a harmonia de um coro coletivo. -Aranha (Stan Lee, 1963). Mas seu trabalho não é apenas
A partir dessa linha de raciocínio, quem se dedica a apren- desenhar essas figuras; no processo ele empreende toda
der mais de um ofício tem historicamente convivido com uma pesquisa sobre elas, através de consultas tanto a
o questionamento sobre o quanto estaria cobrindo essas pessoas que relatam ter visto alguns desses seres quanto

L
habilidades, se não seria apenas superficialmente, de ma- a profissionais de ciências, como a saúde e a zoologia, e,
neira “rasa”. No século XX, o inventor Richard Buckminster com as informações então apuradas, realiza ilustrações
Fuller, conhecido pela criação do domo geodésico em científicas de como seria a anatomia desses seres, com a
arquitetura, se destaca como um referencial tanto em maior precisão que lhe é possível.
questões ecológicas quanto na crítica à hiperespeciali- Corrêa transborda então pelo menos três fronteiras

N
zação. No livro Manual de Instruções para a Nave Espacial culturalmente estabelecidas: entre anatomias humanas e
Terra, publicado em 1969, comenta:
animais, entre arte e ilustração científica, entre informações
A especialização intelectual não passa na realidade que são cientificamente comprovadas e relatos fantasiosos.
de uma forma requintada de escravatura, em que o Suas ilustrações seguem o padrão de traço, cor e diagra-
‘perito’ é enganadoramente levado a aceitar sua es- mação de um atlas de anatomia, com os desenhos das

P
cravatura, fazendo-o sentir que, como recompensa, figuras dissecadas cercados por informações textuais sobre
se encontra numa situação social e culturalmente
o funcionamento de seus organismos e outros desenhos
privilegiada, ou seja, altamente segura, para o resto
da sua vida (FULLER, 1998, p. 17).
de detalhes com informações complementares, como os
lançadores de teia dos pulsos do Homem-Aranha e o co-
Séries de desenhos do brasileiro Walmor Corrêa são ração da Ondina, para o qual cruzou informações de um
dedicadas a criaturas híbridas do folclore, de mitologias ou pescador e de um cardiologista.
IA

FOTOS: COLEÇÃO PARTICULAR


U
G

CORRÊA, Walmor. Ondina. 2005. Acrílica e grafite sobre tela, CORRÊA, Walmor. Homem-Aranha. 2005. Acrílica e grafite
195 cm 3 130 cm. Série Unheimlich, Imaginário Popular Brasileiro. sobre tela, 195 cm 3 130 cm. Série Super-Heróis.

152
CULTIVO (EM13LGG201) (EM13LGG302) (EM13LGG602)

D
Criaturas fantásticas
A novidade veio dar à praia
Na qualidade rara de sereia
Metade, o busto de uma deusa maia
Metade, um grande rabo de baleia

L
A novidade era o máximo
Do paradoxo estendido na areia
Alguns a desejar seus beijos de deusa
Outros a desejar seu rabo pra ceia

N
[...]
(GIL, 1986).

Pergunte a estudantes se já escutaram relatos de contatos com figuras folclóricas ou que fossem difíceis
de serem explicadas, ou se já tiveram a impressão de vê-las. A partir dessas histórias, proponha em aula a cria-

P
ção de figuras formadas por híbridos entre seres humanos, animais e vegetais, e mesmo outros elementos ou
objetos de seu cotidiano. Aproveitando as possibilidades de hibridações aqui debatidas, essa proposta pode
contar com diferentes fazeres artísticos para ser realizada. Por exemplo, o desenho, a colagem, a escultura com
objetos e mesmo a mistura entre estes (um desenho ou colagem que conte com a presença física de um ob-
jeto tridimensional em sua composição, uma escultura que tenha partes desenhadas, etc.).
Pensando os fazeres do artista Walmor Corrêa, proponha um diálogo com docentes das ciências naturais
e sociais para elaborar modos com os quais as criaturas poderiam sobreviver no mundo atual: Como seriam
IA
seus processos básicos de alimentação, respiração, locomoção, obtenção de energia? Em que habitat se adap-
tariam melhor com as características para elas inventadas? Que problemas teriam ao tentar conviver em um
grande centro urbano ou em uma pequena comunidade rural? Como se relacionariam com problemas sociais,
como o desemprego, os preconceitos, a violência das cidades? Com esse exercício, além do desenvolvimen-
to de critérios de verossimilhança, é possível pensar, com o distanciamento próprio da narrativa de fantasia,
questões importantes de nossas realidades cotidianas.

A compreensão de processos artísticos em movimento entre diversas disciplinas, especialmente


nos contextos da pós-modernidade, pode passar pelo conceito de radicante, adaptado da botânica
U

por Nicolas Bourriaud (2011): uma planta radicante, como a hera, se expande sem a necessidade de
uma raiz única e profunda, mas criando pequenas raízes a cada novo substrato que vai encontrando
em seu caminho. A trajetória comum a artistas modernistas é comparada pelo autor às plantas radicais,
que dependem de uma raiz com uma anatomia centralizada, cravada em um único solo, enquanto
os processos vividos na arte contemporânea abrigam em si a possibilidade de serem radicantes, de
G

não se prenderem a apenas um campo ou tradição, podendo, em vez disso, explorar até o nível de
profundidade que interessa a seus projetos no momento, fazeres e ideias relacionados a diferentes VARDA, Agnès.
áreas do conhecimento e diferentes contextos culturais. Patatutopia.
2003. Instalação.
Com a pesquisadora brasileira Christine Mello, podemos
PASCAL GUYOT/AFP/GETTY IMAGES

pensar numa arte nas “extremidades” (2007), que seriam os


pontos mais distantes do centro de cada campo, onde é mais
potente a chance de ocorrerem encontros com outras moda-
lidades expressivas. Como foco de seus estudos, a autora se
dedica às extremidades do vídeo (2008) como agregadoras
e promotoras de intersemioses entre linguagens artísticas.
Um exemplo desse trabalho com extremidades está
nas produções da cineasta Agnès Varda, que trabalha com
composições de imagens fixas e em movimento, fazendo
também instalações com vídeos e elementos reais, como
Patatutopia (2003), que ela fez a partir do documentário Os
catadores e eu, também de sua autoria.

153
Podemos tanto explorar expansões de campos quanto hibridações quando realiza-
mos esses processos que não se prendem a uma categoria preestabelecida por algum

D
sistema. Esses modos de fazer se relacionam diretamente às transdisciplinaridades que
permeiam as recentes transformações que temos presenciado na educação básica e
nas bases curriculares que embasam o novo Ensino Médio. Produzir arte a partir de
movimentos entre disciplinas e entre outros elementos adisciplinares que compõem
a escola e a comunidade faz com que sejam acionados conhecimentos estudados e

L
praticados em diversos âmbitos escolares e no próprio cotidiano.

Trânsitos Coletivos Transdisciplinares Competências gerais: 2, 4, 10

Ao tratar de linguagens e suas tecnologias, nos deparamos com conhecimentos he-


terogêneos que possuem em comum uma relação de expressão e criação, seja por meio

N
Como temos produzido
do corpo, do gesto, da fala, da escrita ou das visualidades. São processos que, inevitavel-
conexões e diálogos com
outros campos e com mente, envolvem conexões, exercícios de tocar e se deixar tocar por discursos, sensações,
outras pessoas que se ideias e informações que perpassam a sociedade e nos permitem produzir cultura.
dedicam a diferentes
usos da linguagem? Coletivos de arte

P
O que esse contato pode
O livro Táticas de Artistas na América Latina, de Cláudia Paim (2012), nos convida a
acrescentar aos nossos
fazeres disciplinares? conhecer estratégias de coletivos de artistas que trabalham a autogestão de espaços
O que esses encontros de arte, atuando fora dos espaços tradicionais de visibilidade da arte, de maneira co-
podem nos instigar a criar? laborativa e não hierárquica. Paim destaca que os modos de fazer de artistas em um
coletivo são geralmente heterogêneos, e que a amizade exerce um papel aglutinador
sobre quem participa, formando um tecido afetivo que alimenta desejos de estar-junto.
IA
Geralmente esses coletivos se formam como tática de resistência aos sistemas instituídos
de arte, atuando em grupos para se fortalecer, formar comunidades artísticas e ampliar
a visibilidade de suas produções.
Há, nos coletivos, um pensamento político que não se volta apenas ao trabalho
artístico, mas à vida em comunidade, pela diluição da autoria e a ampliação do foco
no processo que frequentemente é narrado por textos escritos pelos próprios grupos.
Outra característica é que geralmente, pela ação coletiva, artistas se descolam dos limites
das linguagens artísticas, experimentando ações híbridas e de difícil classificação no
U

campo das artes, misturando-se aos acontecimentos da vida urbana.


O coletivo Cambalache, da Colômbia, é um exemplo dessa mistura. Formado por
estudantes da Universidad de los Andes, desenvolveu, ao longo de três anos, um projeto
chamado Museo de la Calle (museu da rua), que é um museu portátil que circula pelas
ruas sobre um carrinho semelhante aos carrinhos usados por profissionais da coleta de
papel. As peças do museu eram objetos de diversas procedências (alguns estragados
G

e aparentemente inúteis) que poderiam ser adquiridos por transeuntes, tendo como
moeda de troca a entrega de outro objeto de valor similar.
COLETIVO CAMBALACHE

Coletivo Cambalache.
Yerbas Del Cambalache.
2007. Bogotá, Colômbia.
Intervenção urbana.

154
Outra versão desse trabalho foi chamada de Yerbas del Cambalache, e propunha trocar plantas,
juntamente com receitas caseiras, simpatias, rezas e conhecimentos sobre elas, por qualquer coisa que

D
se quisesse oferecer. Essa proposta permite que, por meio da arte, sejam promovidos encontros tanto
entre artistas quanto entre arte e comunidade, compartilhando saberes populares que ultrapassam
limites disciplinares da formação universitária.

L
CULTIVO (EM13LGG103) (EM13LGG301)

Museu das Linguagens


O que há para trocar entre as materialidades produzidas nos diversos campos que compõem as Lingua-
gens e suas Tecnologias? Em comum acordo previamente estabelecido em sua escola, proponha a estudan-

N
tes que entrem em contato com docentes que integram essa área para a realização de trocas de elementos
estudados em cada disciplina.
Comece selecionando com a turma materialidades e visualidades já estudadas em artes visuais (textos,
imagens de obras, objetos e imagens produzidos, etc.). Cada estudante ou grupo de estudantes escolherá
um conjunto de materiais e os ofertará para docentes de Língua Portuguesa, Línguas Estrangeiras, Educação

P
Física e demais áreas artísticas (quando houver). Cada docente, por sua vez, escolherá um ou mais materiais
e, como moeda de troca, devolverá outra materialidade que possa se relacionar com o que foi recebido, seja
em temática, forma, contexto ou outro critério acordado.
De posse dos materiais trocados, proponha ao grupo um estudo desses elementos, conversando sobre
como percebem que os mesmos se conectam. É possível notar essas conexões também na vida cotidiana?
Produzam uma experimentação artística (fotografias, colagens, desenhos, esculturas, performances, etc.) uti-
IA
lizando os materiais coletados ou tomando-os como disparadores de ideias.
Aproveite a oportunidade para conversar com colegas docentes sobre uma maneira de aproveitar essas
trocas nos planejamentos das diferentes disciplinas e, talvez, também em um trabalho integrado.

A experiência artística coletiva se alimenta de imprevisibilidades, pois atua, normalmente, em


ambientes não planejados para o acontecimento artístico, deparando-se com públicos que muitas
vezes nem reconhecem prontamente essas produções como arte. Esse interesse pelos espaços não
institucionais possibilita uma maior diluição entre arte e vida, entre autoria e público e também entre
U

campos do saber, agregando ao fazer artístico aspectos dos pensamentos da educação contemporâ-
nea, em que estudantes e docentes produzem conjuntamente as aprendizagens por meio de debates,
questionamentos, pesquisas, experimentações e avaliações do próprio processo.

PARA OUTRAS CONEXÕES


G

O projeto Autoria Compartilhada, da artista Mônica Nador, propõe experiências junto a comunidades da Zona
Sul de São Paulo por meio de oficinas de produção de estêncil e pintura, em que os participantes desenvolvem
estampas para grandes faixas de tecido e as expõem no Pavilhão de Culturas Brasileiras, localizado no Parque do
Ibirapuera. Conheça mais sobre esse processo no blog do projeto, disponível em: <https://autoriacompartilhada.
wordpress.com/>. Acesso em: 11 dez. 2020.

Nessas diluições coletivas, que possibilidades encontramos (ou forjamos) para pensar a arte junto
a um campo do saber como o da Educação Física, por exemplo? O Grupo de Interferência Ambiental
(GIA), de Salvador, nos mostra essa possibilidade quando propõe uma experiência artística por meio
de um jogo de futebol, que traz como regra acontecer em um terreno íngreme.
Na ação chamada Baba na Ladeira, o coletivo coloca duas equipes para jogar em condições total-
mente desiguais, tendo como placares temas cômicos, políticos, ou sociais, como “Israel 3 Palestina”
ou “Gás Lacrimogênio 3 Vinagrete”, evidenciando as condições de desigualdade da equipe que ocupa
o lado mais baixo do terreno. O que há de arte em uma proposta como a Baba na Ladeira? Que pensa-
mentos e movimentos ela provoca que fazem a ação do GIA se diferir de um jogo de futebol comum?

155
PARA OUTRAS CONEXÕES

D
Muitos coletivos de artes visuais foram criados e atuam no cenário artístico brasileiro das
últimas décadas. Listamos na sequência alguns deles para que você possa pesquisar mais:
Frente 3 de Fevereiro; Poro; Manga Rosa; 3NÓS3; Coletivo Pi;
Imaginário Periférico; Atrocidades Maravilhosas; Desvio Coletivo
Conheça também o projeto CORO – Colaboradores em Rede e Organizações, que realizou

L
um levantamento de coletivos brasileiros e iniciativas autônomas reunindo essas informações
no seguinte endereço: <https://poro.redezero.org/novidades/exposicao-do-acervo-coletivos-
em-rede-e-organizacoes/>. Acesso em: 23 nov. 2020.
Mais relações entre arte, coletivos e cidade são abordadas no e-book Arte para uma cidade
sensível, de Brígida Campbell, disponível em: <https://brigidacampbell.art.br/Arte-para-uma-
cidade-sensivel>, e também na dissertação da mesma autora, Canteiro de Obras: deriva sobre

N
uma cidade-pesquisa habitada por práticas artísticas no espaço público, disponível no reposi-
tório da UFMG: <https://www.ufmg.br/online/arquivos/anexos/Brigida_Campbell.pdf>. Aces-
sos em: 23 nov. 2020.

Coletividades comunitárias

P
As referências artísticas trazidas até então são possíveis pontos de conexão para
pensarmos caminhos para a articulação coletiva entre docentes, para desenvolver
projetos de atuação conjunta, em que as fronteiras entre linguagens possam ser ora
diluídas, ora transformadas, para ampliar os modos de acessar saberes específicos
do ensino de artes. Quantas práticas culturais que já são corriqueiras ao cotidiano
estudantil envolvem a cooperação, a troca, a ludicidade, perpassando diferentes
IA
linguagens e tecnologias? A partir de um problema ambiental, de uma atividade
esportiva, de escambos de objetos e saberes na vizinhança, podemos desenvolver
projetos que não se fixam em uma fragmentação curricular.
Mais do que buscar temas em comum, pensemos novos rumos que os saberes
disciplinares podem ganhar com uma integração entre si. Uma arte que se torna ati-
vidade física (como no trabalho do GIA ou em uma performance), que ensaia escritos
(como no concretismo ou na publicidade), que se faz unicamente discurso (como na
arte conceitual), tem condições de dialogar mais diretamente com a comunidade
U

e com as famílias, exercitando discursos, modos de dizer, de propor e de mostrar o


que produz.

CULTIVO (EM13LGG201) (EM13LGG604)

Interdisciplinaridade na vida em família


G

Proponha a estudantes que investiguem junto de suas famílias atividades que costumam
ser desenvolvidas coletivamente em suas vivências.
Após listar essas atividades, reúna-se com colegas docentes da área de Linguagem e suas
Tecnologias e observem que conteúdos de cada uma de suas disciplinas podem aparecer di-
reta ou indiretamente nesses fazeres cotidianos. Por exemplo, uma reunião de família para
tomar um banho de rio pode: envolver a prática de natação, de caminhadas, de superação
de obstáculos; exigir a leitura de placas indicativas para chegar até o local, para saber dos cui-
dados com o espaço; contar com preparativos como a escolha de alimentos, roupas e outros
objetos a serem levados. Dependendo do turismo do local, é possível que se encontrem escri-
tos em língua estrangeira, ou mesmo que esses outros idiomas apareçam nas embalagens de
produtos consumidos. As placas indicativas podem envolver questões estéticas, como cores,
formas e imagens. Outras experiências estéticas podem surgir pela observação da paisagem,
pela fotografia do pôr do sol, etc.
Depois de listadas, pensem no tipo de aprendizagem que essas ações exigem e em como
é possível aprender e avaliar esses saberes para organizar propostas educativas coletivas vol-
tadas a práticas coletivas familiares.

156
PARA OUTRAS CONEXÕES

D
Trazemos aqui algumas sugestões de artistas e diálogos com outros campos do saber, es-
pecialmente dentro das Linguagens e suas Tecnologias, para que possam atuar como dispara-
dores para aprendizagens menos disciplinares, ampliando possibilidades de interlocução com
questões estudadas em outras disciplinas.
Arnaldo Antunes. Transbordamentos com palavras, música e vídeo.
Marilá Dardot. Conexões com a literatura por meio de intervenções em materiais impressos

L
e também em paisagens de parques e espaços urbanos.
Grada Kilomba. Videoinstalações que recriam a tradição africana da contação de histórias – a
artista toma a palavra como materialidade e como modo de tecer problematizações com sua
obra artística.
Jorge Macchi. Trabalhando com jornais, mapas e músicas, o artista subverte esses elementos

N
por meio de recortes e fragmentações que distorcem seus sentidos iniciais.
Jenny Holzer. Frases (em língua inglesa) projetadas na cidade.
Claudia Fontes. Relação com a literatura. Palavras recortadas de uma ficção e presas a cacos
de cerâmica.
Livro de Rua Cidade Iracema. Publicação/intervenção urbana que ocupa muros e paredes
da cidade de Fortaleza com grafites literários, convidando a uma leitura em derivas urbanas.

Impactos ambientais como interesse coletivo


Os estudos de processos artísticos coletivos abrem caminho
P Mochila produzida de material
utilizado na intervenção urbana
Pets, de Eduardo Srur.

EDUARDO SRUR
para pensarmos acerca de questões de interesse coletivo na so-
IA
ciedade por meio de ações e posturas que impactam a vida como
um todo, como é o caso das questões ambientais. Para onde vão
os materiais artísticos de um trabalho efêmero, após ser finalizado?
Eduardo Srur é um artista que evidenciou essa questão do descarte
com a intervenção urbana Pets, realizada em 2008 nas margens
do Rio Tietê, em São Paulo. A intervenção foi composta por vinte
garrafas PET gigantes e infláveis, feitas de vinil. Além de chamar a
atenção para a poluição do rio, o artista expõe, nos próprios pro-
cessos de produção de seu trabalho, a preocupação com o destino
U

do material utilizado. Após a desmontagem do trabalho, 2.500 mo-


chilas foram produzidas com a reciclagem do material empregado
nas esculturas e doadas para crianças de escolas públicas e ONGs.

EDUARDO SRUR
G

SRUR, Eduardo. Pets. 2008. São Paulo, SP. Intervenção urbana e reciclagem do material utilizado.

157
Observe também a imagem da intervenção urbana Ossário, do artista Alexandre
Orion. Nela, o artista realiza uma espécie de grafite ao avesso, pois, em vez de inserir

D
tinta, ele retira, limpando com um pano, a fuligem que se acumula no interior de túneis
na cidade de São Paulo. O trabalho, que atua como um alerta para os riscos da poluição na
cidade, deixa como resíduo o pó de fuligem retirado durante a ação. Com esse resíduo o
artista cria uma tinta, que é usada posteriormente em pinturas de sua autoria, também
tratando de temas ambientais.

L
ALEXANDRE ORION
N
P
IA
ORION, Alexandre. Ossário.
2006. São Paulo, SP. O cuidado com o meio ambiente é um tema contemporâneo transversal previsto
Intervenção urbana. na Base Nacional Comum Curricular. Para além da abordagem desse tema a partir do
uso de materiais recicláveis, convém desenvolver com estudantes percepções mais am-
plas sobre nossa responsabilidade com os ciclos de vida no planeta e, ainda, tratar dos
desequilíbrios ecológicos influenciados pelos modos de vida humanos em seu diálogo
U

com a política. É, como nos diz Félix Guattari (1990), uma relação da subjetividade com
sua exterioridade, seja ela social, vegetal, animal ou cósmica. Ou seja, o modo como
nossa cultura se desenvolve ao longo dos séculos está diretamente relacionado com
questões ambientais, desde a exploração dos recursos naturais para a produção de tinta
até o uso de transportes aéreos, terrestres e aquáticos na mobilidade de artistas e obras.
G

Para onde vão os resíduos A atenção aos ambientes que atravessamos e o envolvimento nos processos que
de experimentações que antecedem e sucedem os movimentos de experimentação artística em uma aula são
realizamos em sala de aula? maneiras de fazer com que estudantes participem desses planejamentos, reconhecendo
Como acontece a seleção,
sua importância na construção de processos de existência coletiva. Pensar a constru-
o descarte e a reciclagem
nas comunidades ção de nossas subjetividades nessas pequenas atitudes e como elas são influenciadas
onde vivemos? por discursos e práticas de nossa sociedade é um caminho para uma abordagem mais
contextualizada sobre os impactos de nossas ações no desenvolvimento do mundo.

CULTIVO (EM13LGG304) (EM13LGG604)

Arte com consciência ambiental


Convide estudantes a investigar materiais utilizados na produção de diversas obras artísti-
cas. Busquem informações sobre os riscos de impactos ambientais de cada material (atue com
docentes de Biologia, Geografia e Química nesta experimentação). Proponha a produção de
trabalhos plásticos atentos aos processos de produção e destinação de cada elemento após
a finalização da experiência.

158
Estratégias ativas na educação das artes visuais Competências gerais: 2, 4

D
Você se lembra como eram as aulas que frequentava na adolescência? Havia pos-
sibilidade de interlocução com docentes e colegas? O posicionamento de docentes Que memórias de suas
experiências como discente
convidava a interagir, a falar, a questionar, ou se dava mais em forma de inibição e de
na escola são ainda
solicitação de silêncio? Como ocorria a avaliação? Você sentia medo dos momentos acionadas em você
avaliativos? Havia proposições de trabalhos coletivos? Seu cotidiano era convidado a no dia a dia?

L
adentrar a escola e a conversar com os conteúdos curriculares? Ou era tratado como
uma conversa paralela e sem importância diante dos conteúdos?
Na educação das artes visuais, concepções situadas em diferentes tempos, espaços,
discursos e práticas, de certa maneira, persistem e coexistem em meio ao cenário da
educação das artes que habitamos hoje, produzindo diferentes maneiras de nos relacio-

N
narmos com a arte e com as imagens em nossas experiências educativas. Abordaremos
nesta seção algumas pistas relacionadas a uma aprendizagem inventiva e ativa, bem
como a uma avaliação formativa e processual, faremos isso a partir dos projetos de
trabalho e dos portfólios.

Criatividade e invenção de problemas

P
A criatividade, termo fortemente presente na educação das artes visuais, ganhou
consistência a partir dos estudos do psicólogo estadunidense Joy Paul Guilford, forta-
lecendo-se na década de 1960, enquanto resolução criativa de problemas. A partir das
filosofias da diferença, Virgínia Kastrup (2007) tece algumas problematizações sobre
esse termo, afirmando que a criatividade seria apenas uma parte de um processo de
IA
criação, o qual, por sua vez, seria algo mais amplo, que envolveria também a invenção
de problemas, não apenas a sua resolução. Como já comentamos em outra seção deste
livro, a autora pensa a aprendizagem numa perspectiva inventiva, que não se resume,
portanto, a um processo de recognição.
A aprendizagem se dá, assim, como processo de

PAULO BRUSCKY - “O QUE É ARTE? PARA QUE SERVE?” (1978)


criação. Criação de mundos, criação de si. Como a autora
afirma, “a criação (invenção de problemas) é sempre um
processo de autocriação, ou seja, a criação de uma obra
ou de um novo objeto é também, ao mesmo tempo,
U

um processo de criação de si” (KASTRUP, 2007, p. 60).


A aprendizagem como processo de criação de si e do
mundo é algo que interessa muito quando pensamos
em estratégias ativas de aprendizagem, pois a criação
de problemas se dá nessas relações que vamos produ-
G

zindo com o mundo, com uma atenção ao que pode nos


instigar a produzir problematizações, e é sempre pela
problematização que nos encontramos em vias de criar
algo, seja uma experiência artística ou um projeto de vida.
As problematizações não nos esperam prontas em algum
lugar, é preciso forjá-las, produzi-las paulatinamente, e
talvez nunca as considerar encerradas, concluídas. Pois a
problematização não busca um fechamento único, mas
sim, outras formas de se manter viva. Ela produz soluções
apenas provisórias, estas também muito necessárias, mas
sua maior potência está em se manter atuante, como uma
inquietude a produzir movimentos investigativos.

BRUSCKY, Paulo. O que é Arte?


Para que Serve? 1978.
Recife, PE. Performance.

159
A problematização reivindica a importância de forjar perguntas, enquanto in-
quietudes. Não perguntas que se fecham em opiniões ou respostas definitivas ou

D
esperadas, mas sim perguntas que abriguem uma rajada de vento que desaloja,
que tira algumas coisas de seu lugar de costume. Perguntas que não se contentam
com uma opinião, mas que, antes, transformam a questão inicial em outras questões
ou, então, fazem conexões com outras questões que possam dialogar com elas e
produzir um campo de problematização. A problematização, assim, não se resume

L
a uma solução. Age antes como um disparador que, diante das possíveis soluções
que produz em meio ao seu movimento, mantém seu fôlego para produzir ainda
outras questões.
Com a abordagem da cultura visual – campo emergente que não possui os
limites claros de uma disciplina, tal como poderíamos delimitar as artes visuais, a

N
biologia, a geografia, etc. – a educação das artes visuais passa a incorporar imagens
de distintas ordens, não apenas artísticas, em seu campo de problematização.
Por permitir conversações transversais, a cultura visual pode ser profícua em estra-
tégias ativas de aprendizagem que envolvam o contexto de estudantes (imagens
que circulam em seu dia a dia), pois instiga a pensar o modo como nos relaciona-

P
mos com as imagens e os efeitos que elas produzem em nós. Conforme menciona
Paul Duncum (2011),

acredita-se que as imagens influenciem umas às outras, que sejam intertextuais.


[...] Uma imagem está conectada a outra, que por sua vez está conectada a
uma terceira; imagens associam-se à literatura, poemas, letras de canções e
filosofias de vida. [...] a cultura visual não detém um centro ou uma estrutura
IA
linear. [...] a cultura visual dissemina-se por associação [e poderíamos acres-
centar aqui tensionamento], de uma ideia, imagem, tópico, texto, etc., para
outro. Uma coisa conduz a outra e mais outra. Assemelha-se mais à grama
que à árvore (DUNCUM, 2011, p. 21, acréscimos nossos).

Como imagens de A cultura visual transita por diferentes áreas a partir de problematizações que
diferentes ordens podem podem ser acionadas pelas imagens levadas para a sala de aula, seja por docentes
se entrelaçar aos temas ou discentes. Nessa perspectiva, o enfoque não se dá em descobrir algo que supos-
de trabalho e conteúdos
tamente esteja oculto nas imagens e que seria revelado, pois supõe-se que não há
curriculares de modo
nada escondido nas imagens: as imagens, sim, produzem sentidos na multiplicidade
U

a aproximar a escola da
vida e a vida da escola? de suas relações, ao entrar em contato com outras imagens, com textos, ou mesmo
com quem as visualiza.

FOTOS: COLEÇÃO PARTICULAR


G

DARDOT, Marilá. O livro de areia. 1999. Livro produzido com páginas de espelhos, 24 cm 3 16,3 cm 3 3,4 cm.

Com a perspectiva da cultura visual, a educação das artes visuais pode também
confrontar diferentes modos de ver, dizer e pensar uma mesma imagem, traçando
vias de problematização, não apartadas por fronteiras disciplinares, proporcionando,
assim, vias para a criação de estratégias ativas de aprendizagem.

160
Projetos de trabalho

D
Ao pensar a aprendizagem como um processo contínuo e inventivo, que permeia
processos não somente estudantis, mas também de docentes que fazem a travessia
com estudantes em seus processos de criação de si e do mundo, cabe explorarmos a
perspectiva dos projetos de trabalho. A abordagem educativa por projetos de trabalho
na educação das artes visuais é apresentada no livro Cultura Visual: mudança educativa

L
e projetos de trabalho, do pesquisador espanhol Fernando Hernández. Segundo o
autor (2000),

Quando falamos de projetos, o fazemos pelo fato de imaginarmos que pos-


sam ser um meio de ajudar-nos a repensar e a refazer a escola. Entre muitos
motivos, porque, por meio deles, estamos reorganizando a gestão do espaço,

N
do tempo, da relação entre os docentes e os alunos, e, sobretudo, porque nos
permitem redefinir o discurso sobre o fazer escolar (aquilo que regula o que
se vai ensinar e como devemos fazê-lo) (HERNÁNDEZ, 2000, p. 179).

Docentes, neste sentido, se colocam mais como quem aprende e pesquisa do


que como quem é especialista ou detém um saber sobre determinado conteúdo.

P
O processo que envolve os projetos de trabalho convida a inventar desconfianças
quanto a verdades estanques, e com isso abre vias para a escuta, favorecendo
também conversações entre uma multiplicidade de possibilidades de se pensar
sobre um mesmo assunto, dando espaço para que diferentes tempos e estilos de
aprendizagem possam acontecer.
Os projetos de trabalho, enquanto estratégia de aprendizagem ativa, visam
IA
envolver estudantes na autoria da produção de conhecimentos, entendendo este
conhecimento como algo não restrito ao conteúdo curricular e disciplinar, mas sim
algo que, por conexões inusitadas e investigativas, pode produzir possibilidades de
criação e problematização. Instigando estudantes a pensar e agir em seu próprio
entorno, esse processo envolve também outros componentes curriculares, outras
áreas de conhecimento, abrindo vias de participação à família e à comunidade.
Os projetos de trabalho são formas de organização do currículo que partem mais
de um problema que aciona vias investigativas do que propriamente de um itinerário
U

prévio de conteúdos a serem estudados em uma determinada sequência. Ou seja,


ele inicia com a problematização de algo, que pode partir do próprio cotidiano de
estudantes, e é a partir dessas exigências investigativas do processo que ele vai se
conectando a conteúdos curriculares. Ou então pode partir de algum elemento
curricular, mas, em vez de obedecer propriamente a um percurso já preestabeleci-
G

do de conteúdos, estende-se pelas vias em que for ganhando mais potência e de


modo não apartado de conexões com o cotidiano de estudantes e da comunidade
onde se inserem.
A ênfase da aprendizagem está no processo, no modo com que cada estudante
vai se relacionando com signos que encontra em seu caminho investigativo e em
meio à vida, bem como o modo com que, ao mesmo tempo, vai produzindo sentidos
com eles de forma ativa, atentando para o que é possível pensar, criar, problematizar,
investigar, produzir a partir desses encontros singulares.
Ao nos atentarmos para
Cabe ressaltarmos aqui que a experiência educativa por projetos de trabalho não os contextos aos quais
possui um método fixo a ser reproduzido; ela se mostra, antes, como uma estratégia a juventude se dedica
que é forjada na própria experiência, na singularidade dos encontros e conversações no cotidiano, que vias
entre docentes e estudantes, baseada naquilo que se oferece em meio a esses encon- podem instigar pesquisa
e uma experiência ativa
tros como um convite à experimentação e à investigação na construção conjunta de
de estudantes sobre
experiências educativas. Mesmo partindo de uma problemática inicial, os projetos seus processos de
podem se modificar em meio aos seus caminhos, tendo em vista os encontros que aprendizagem?
vão se produzindo ao longo do próprio caminhar.

161
VIVÊNCIA (EM13LGG201) (EM13LGG305) (EM13LGG604)

D
Explorando cultivos como projetos de trabalho
Ao longo deste livro você se deparou com uma série de vivências e cultivos volta-
dos a experiências a partir de conexões com o cotidiano e com os universos artísticos.
Alguns deles convidam a experiências mais demoradas que podem servir como ponto de par-
tida para o desenvolvimento de projetos de trabalho. Sugerimos aqui alguns caminhos para
esse processo. Observe, entre os temas, conteúdos e experimentações explorados no livro:

L
• O que provocou mais questionamentos, interesses, desejos?
• O que se conecta com acontecimentos emergentes (questões políticas, sociais, ambien-
tais, emocionais, culturais, etc.) a partir – e além – dos conteúdos disciplinares?
• Que estudos geraram recolhas e produções de elementos (materialidades, histórias,
gravações, imagens, escritos, etc.) para além do que foi possível explorar em sala de aula

N
e que poderiam gerar novas conexões?
A partir dessa avaliação das experiências educativas vividas, organize, junto de estu-
dantes e, quando possível, de docentes de outras áreas, um cronograma de trabalho que
acolha seus interesses investigativos.

P
Hernández (2000) sinaliza algumas ações que podem ser potentes em um projeto
de trabalho, mas podemos perceber que em cada uma delas entra o elemento da
imprevisibilidade e das relações que vão permitir que cada experiência seja per-
meada de escolhas e movimentações singulares. Os efeitos dessas ações dependerão
muito do envolvimento e da participação ativa de cada estudante e da orientação
e conversação oportunizadas por docentes durante o processo. O “como” cada um
IA
desses tópicos será explorado é forjado conjuntamente na própria experiência.

• Parte-se de um tema ou problema negociado com a turma.


• Inicia-se um processo de pesquisa.
• Buscam-se e selecionam-se fontes de informação.
• São estabelecidos critérios de organização e interpretação das fontes.
• São recolhidas novas dúvidas e perguntas.
• São estabelecidas relações com outros problemas.
U

• Representa-se o processo de elaboração do conhecimento vivido.


• Recapitula-se (avalia-se) o que se aprendeu.
• Conecta-se com um novo tema ou problema.
(HERNÁNDEZ, 2000, p. 182).
G

Podemos pensar, a partir da perspectiva dos projetos de trabalho, em uma


docência que aconteça de forma não apartada da pesquisa, o que se distancia
da ideia de uma docência que possui todas as respostas para todas as perguntas.
ENTRE, POEMA-OBJETO, 1974. FONTE: POEMÓBILES,
DE AUGUSTO DE CAMPOS E JULIO PLAZA. SÃO PAULO:
SELO DEMÔNIO NEGRO, 2010

Ao nos permitirmos transitar também por uma região de não saber, onde não
temos respostas para tudo, nos permitimos apostar em aprendizagem e formação
contínuas, nunca prontas em definitivo, pois como já mencionamos aqui as paisa-
gens mudam, nossos atratores investigativos e de espreita também. Isso possibilita
que nos aventuremos por caminhos desconhecidos, os quais, mesmo que não nos
sejam confortáveis, nos permitem novos encontros, acionando nossas potências
investigativas e de criação na docência e na vida.
Esse gesto de se permitir transitar por uma zona de não saber envolve também
estar presente na experiência educativa, instigando cada estudante, problema-
tizando, investigando junto ao grupo e atentando para os processos singulares
de aprendizagem que vão se produzindo nesse processo. Como afirma Zordan,
CAMPOS, Augusto de; PLAZA,
Julio. Poemóbile. 2010. Livro
“o caráter investigativo não isenta [...] o professor de seu papel estratégico no que
contendo 12 poemas-móbiles. tange à formulação de problemas e à constituição de desafios” (ZORDAN, 2005, p. 6).

162
Essa postura não exige de nós que tenhamos um domínio sobre determinado
saber, mas que nos preparemos para estar sempre aprendendo, cultivando um corpo-

D
-pensamento curioso e atento aos encontros com o mundo (e com a multiplicidade
de mundos que o compõe a cada vez). Ao tomar nossa docência como um processo
constante, sempre em vias de se produzir e em constante aprender, podemos também
contagiar estudantes para esse movimento contínuo de aprendizagem, de investigação
e criação de si e do mundo.

L
VIVÊNCIA (EM13LGG305)

Começando pelo meio


Movimento 1: Como você começaria um projeto de trabalho nas turmas com as quais

N
atua? A provocação que vem como título desta vivência traz algumas pistas, pois esse iní-
cio estará em meio a muitas outras coisas que já estão ali se movimentando e acontecendo.
Na docência não estamos apenas entre estudantes e objetos de aprendizagem, estamos
entre muitos, como menciona Miriam Celeste Martins (2012) acerca da mediação cultural.
Estamos entre estudantes, colegas docentes, a escola e seus espaços e tempos, a comunidade,
o bairro, o que nos chega por meio de diferentes mídias, etc.

P
Tendo em vista esse estar entre muitos, e um começar pelo meio, fornecemos abaixo algu-
mas palavras-pistas, destinadas a funcionar como disparadoras para algumas perguntas-má-
quina que possam acionar esse início pelo meio:
Escuta. Conversa. Negociação. Investigação. Problematização. Contexto. Conexão.
Currículo. Comunidade. Família. Escola. Imagens. Mídias. Autoria. Encontro.
Movimento 2: Visite o site do projeto ArteVersa e transite pelos depoimentos de diferentes
IA
docentes em torno da pergunta “Como começar uma aula?”, disponíveis em: <https://www.
ufrgs.br/arteversa/?p=1830>. Acesso em: 23 nov. 2020.
De que modo esses diferentes depoimentos podem nos instigar a pensar sobre como co-
meçar um projeto de trabalho? Escreva, mapeie algumas vias que você tomaria para iniciar um
projeto de trabalho nas turmas com as quais você trabalha.

PARA OUTRAS CONEXÕES


U

No texto “Representações da morte para aproximar a escola da vida: uma experiência com
a cultura visual no ensino básico”, de Erinaldo Alves do Nascimento (publicado em 2009 no livro
organizado por Raimundo Martins e Irene Tourinho, Educação da cultura visual: narrativas de
ensino e pesquisa), é possível transitar por algumas experiências e estratégias educativas que
conversam com a proposta de projetos de trabalho. Na bibliografia comentada, há também
uma seção destinada aos projetos de trabalho; lá você pode encontrar outras referências que
operaram com os projetos de trabalhos em suas experiências educativas.
G

Portfólio enquanto ferramenta para avaliação processual


No trabalho por projetos, a avaliação não fica restrita ao final do processo: é impor-
tante que ela permeie todo o percurso experienciado. Como menciona Mossi (2016),
a avaliação atua como uma dimensão transversal, estando presente a todo momento,
contribuindo para movimentar e problematizar o processo vivenciado. Um projeto de
trabalho não acontece apartado de sua dimensão avaliativa, e essa avaliação não se
dá apenas na perspectiva pela qual docentes veem o processo, mas se dá em conjun-
to, a partir de cada estudante e nas trocas com o coletivo que compõe essa travessia.
A avaliação é entendida como uma estratégia para potencializar e forjar caminhos ao
passo que se transita, se cria e se experiencia um projeto de trabalho.
Uma ferramenta potente nesse sentido, para uma avaliação formativa, processual
e contínua, é o portfólio. Instrumento muito comum no campo das artes visuais, ele
atua nesse contexto como um meio pelo qual artistas dão a conhecer mostras de seus

163
trabalhos e de seus processos de criação, quando querem apresentar sua produção
artística. Seu uso como ferramenta nos processos educativos vem sendo efetuado já

D
há algum tempo, e tem sido um meio profícuo para pensar e problematizar os cami-
nhos pelos quais estudantes e docentes têm produzido suas experiências educativas
e criado seus percursos de aprendizagem. Uma perspectiva singular, que, apesar
de ser vivida individualmente, é atravessada a todo momento pelas coletividades.
Hernández define o portfólio como

L
um continente de diferentes tipos de documentos (anotações pessoais, experiências
de aula, trabalhos pontuais, controles de aprendizagem, conexões com outros
temas fora da escola, representações visuais, etc.) que proporciona evidências
dos conhecimentos que foram sendo construídos, as estratégias utilizadas
para aprender e a disposição de quem o elabora para continuar aprendendo

N
(HERNÁNDEZ, 2000, p. 166).

Produzir um portfólio é, assim, um meio de visitar o processo vivenciado e pensar


com ele. Nessa visita podem surgir outras possibilidades de problematização que nem
sempre surgem quando estamos vivenciando nossos percursos. É um meio de pensar
e dar a ver não apenas “o que” foi possível aprender em nossos processos educativos-

P
-investigativos, mas também pensar quais caminhos criamos para produzir nossas
aprendizagens, pensar em “como” aprendemos.

ERIKA MAYUMI - GALERIA NARA ROESLER, SÃO PAULO


IA
U

VINCI, Laura. Onde estamos? 2017. Vidro borosilicato serigrafado,


latão banhado a ouro, 21 cm 3 13 cm 3 13 cm.
G

Apesar de qualquer material ter potencial para compor um portfólio (CHARRÉU;


Que recolhas (de afetos, OLIVEIRA, 2015), é necessário que haja um critério por parte de cada estudante, de
fragmentos, falas, modo que não se acumule tudo nele e para que seja possível articular algo com aquilo
inquietudes, anotações, que se recolheu. Critérios iniciais podem auxiliar a traçar um fio condutor, um “atra-
produções, esboços, tor” para recolher aquilo que funciona como potência junto dos caminhos traçados
etc.) vamos fazendo em e criados pelo projeto de cada estudante. Isso envolve uma postura criadora, autoral
meio ao nosso caminhar
e autoavaliativa do processo, permitindo que estudantes participem de forma ativa
por uma experiência de
aprendizagem (que não se da elaboração de seus objetivos de aprendizagem, da seleção de elementos que lhes
restringe ao espaço escolar, são potentes em suas experiências educativas, em seu cotidiano e na partilha desse
mas que pode conectar processo junto ao coletivo.
vivências de outros lugares Hernández (2000) sinaliza alguns pontos que podem ser levados em consideração
pelos quais transitamos)?
na produção de um portfólio. Tanto docentes que vão propor a produção de portfólios
De que modo essas
recolhas podem vir quanto estudantes que vão produzi-los necessitam negociar inicialmente os propósitos
a compor nosso portfólio? para esta produção e traçar de forma nítida alguns critérios iniciais, mesmo que saibamos
que é bem provável que eles venham a se modificar no processo. A partir de Hernández,

164
elaboramos uma constelação de vias, que podem funcionar como potência para pensar
junto a estudantes alguns critérios para a produção e avaliação de portfólios:

D
Propósitos: São os objetivos de aprendizagem. Que experiências podem ser vivencia-
das junto ao tema que se está sendo investigado e o que se busca aprender com elas?
Escuta e espreita: Dizem respeito aos critérios de seleção de elementos que vão compor
o portfólio. Os elementos recolhidos em meio ao processo permitem pensar e proble-
matizar a experiência vivenciada? O que convidam a pensar, compor, criar?

L
Tornar visível, fazer existir: Como operar as ações de escrita e composições enquanto
movimentos de pensamento e aprendizagem e não apenas como descrições ou ilustra-
ções do vivido? Que aprendizagens podem acontecer ao escrevermos e compormos com
os elementos que recolhemos para nossos portfólios? Como o formato e a linguagem

N
empregados na produção do portfólio conversam com o processo e os caminhos de
aprendizagem experienciados? O que a produção do portfólio pode fazer existir com
mais intensidade?
O formato do portfólio pode ser tanto físico quanto digital (há uma infinidade de
vias que podem ser exploradas e forjadas em cada uma dessas opções). É o processo de

P
cada estudante que definirá qual formato será mais potente em sua experimentação.
Abraçar o imprevisível: Que mudanças de rota aconteceram durante o processo viven-
ciado tendo em vista os objetivos de aprendizagem traçados inicialmente? Que outras
variações aconteceram?
Autoavaliação e problematização: O que (e de que maneira) foi possível produzir, criar
e aprender nesse processo? O que poderia ser mais explorado, quais potencialidades,
IA
desafios e fragilidades puderam ser sentidos em meio aos processos de aprendizagem
e na produção do portfólio?
Partilha: A partilha, a apresentação, a socialização dos portfólios no coletivo é um mo-
mento muito profícuo. É importante que ela não aconteça apenas no final de um ciclo
avaliativo ou ano letivo, pois esses momentos instigam a pensar outras vias durante o
percurso, vias que, num processo solitário, talvez não conseguíssemos vislumbrar do
mesmo modo. A partilha no coletivo pode contribuir para produzir alternativas, junto
das fragilidades e dos desafios encontrados em meio aos processos de aprendizagem.
U

O portfólio também pode ser uma ferramenta interessante se produzido por você,
em meio às suas experiências educativas.
Os diários visuais e/ou textuais, já apresentados no primeiro capítulo, podem também
ser estratégias potentes para uma avaliação formativa e processual junto a estudantes,
com algumas adaptações que possam trazer os processos e dilemas vivenciados por
G

discentes em seus caminhos de aprendizagem.


É possível encontrarmos muitas semelhanças entre essas duas ferramentas, já que
ambas buscam tornar visíveis e fazer existirem formas de partilhar elementos que nos
afetam em nossas experiências educativas e aprendizagens. Entretanto, cada uma possui
sua singularidade. Charréu e Oliveira (2015) mencionam que o diário visual e/ou textual
atua como uma lente micro, que explora com mais atenção aquilo que nos atravessa
em meio ao percurso, sem uma preocupação em abarcar uma totalidade. Já o portfólio
atuaria em uma lente macro “que procura abranger todo um horizonte de formação
elaborado em determinado momento cronológico” (CHARRÉU; OLIVEIRA, 2015, p. 414).
Há ainda outras singularidades que envolvem cada uma dessas ferramentas: o port-
fólio tem uma forma mais cronológica de olhar e produzir o percurso, demonstrando
o trajeto realizado de forma mais linear, enquanto o diário visual não se prende a uma
linearidade ou cronologia, tornando impossível identificarmos um início e um fim. Em
vez disso, é composto por um emaranhado de elementos e problematizações produ-
zidos por afetos e inquietações, no qual quem visualiza é que definirá o modo como
fará seu percurso por ele.

165
CONCLUSÃO

D
Ao ser experimentado, o livro-mundo
se desfaz em outros...

L
ANDRÉ AZEVEDO/SIMÕES DE ASSIS
N
P
IA
U
G

AZEVEDO, André. O mundo que eu conheço já não existe mais. s.d. Datilografia sobre tecido de algodão cru desfiado, 33 cm 3 23 cm.

166
Chegamos às palavras finais deste livro com sede de encontros com a heterogeneidade de
docências que compõem nosso país. Esta obra não foi produzida com a intenção de terminar por

D
aqui, ela se deseja obra não finalizada: quer brotar pelo meio, junto de cada encontro que possa
operar, e anseia que se forje com ela um caminho singular. Esta obra se deseja viva: um campo
de experimentação que possa ser transformado – ou mesmo desfeito, se a criação com ele assim
exigir –, aproveitando seus fios soltos para tramar outros possíveis na vida, na docência, na arte e
na experiência educativa em artes visuais.

L
Com este livro não tivemos a pretensão de dizer o que você deve conhecer da arte e da educa-
ção. Procuramos, sim, lançar provocações, convites a viver e a cultivar docências, aprendizagens,
saberes, mundos sempre por vir – sementes ao vento que, na composição com diferentes solos
e ambientes, possam germinar de modos distintos e imprevisíveis. E é aí que reside a beleza e a
potência desse processo: nos encontros.

N
Falamos em uma invenção de mundos, mas não propomos esse gesto como algo a ser feito se-
gundo uma receita. Em vez de ensinar como inventar mundos a partir de passos, tempos e medidas
estanques, priorizamos a sua experimentação, os seus encontros, traçados a partir dos modos com
que você relaciona seu contexto, escola e comunidade com a seleção aqui apresentada de rumos,
gestos e articulações da educação em artes visuais.

P
Ou seja, não buscamos oferecer apenas mecanismos de abrir e fechar janelas; o que intenciona-
mos foi propor ferramentas para experimentação, para forjar novas janelas e, quando pertinente,
desfazer as próprias paredes de janelas que não nos bastam mais. Para isso, em sintonia com as
quatro dimensões do aprender, propomos:
• projetos de vida como meio para inventar a profissão a partir de nossos afetos-inquietações sem
IA
limitar nossos corpos a estruturas endurecidas em um enraizamento profissional;
• estudos do campo que se movimentam por entre os universos do saber e do fazer sem se fixar
em limites disciplinares e hierarquizações culturais;
• linguagens que exploram especificidades artísticas sem o afã de classificar (e com isso
despotencializar) modos diversos de dizer;
• possibilidades de avaliação que não se pautem em julgamentos e classificações, mas no que
podem fazer funcionar, enquanto aliadas das nossas experiências educativas.
Sabemos que as condições estruturais de grande parte das escolas hoje se encontram aquém
U

das necessárias: as políticas e os recursos públicos que garantem o espaço, o tempo e a quali-
dade de formação e atuação de docentes têm, em uma maioria de contextos, deixado a desejar.
O que faz com que continuemos? O que move nosso desejo de aprender junto de cada estudante?
Talvez uma força nascida da alegria de ver pequenos cultivos germinarem, adquirindo formas e
movimentos que já não dependem de nós para seguir, e que, nos mínimos gestos, tornam esse
mundo mais prazeroso de viver.
G

Estudar arte não é apenas aprender uma técnica ou um fazer. É aprender também a sentir os
movimentos dos mundos que compõem aquilo que nos chega. É tomar o mundo como algo não
a ser conhecido, mas, sim, forjado, criado nos nossos encontros com ele, com o que ele pode se
tornar a partir de nossas microações cotidianas. Não se trata do que eu sou capaz de dizer, mas de
como aquilo que eu digo pode tocar diferentes vidas que se cruzam com a minha, me ensinando
também a escutar.
Isso tudo diz de uma abertura para, no encontro com os saberes, pensar sobre as vidas e vozes
que podem ter sido sacrificadas para que esses saberes se legitimassem. De usar as forças que
temos, por menores que elas pareçam, para respeitar e criar espaços para o legado dessas vozes
silenciadas e, a partir disso, escolher e também criar caminhos mais heterogêneos e transversais,
descolando-nos de hierarquias impostas pela violência e discriminação de povos, etnias, culturas,
corpos e pensamentos.
As imagens que abrem os quatro capítulos que compõem esta obra, produzidas pela artista
Johanna Goodman, representam essas aberturas para a criação de mundos que desejamos instigar
nos processos de movimentar uma formação continuada na docência em artes visuais. Em suas

167
montagens visuais, Goodman recorta, cola, combina elementos muitas vezes desproporcionais
entre si, através de misturas que fazem com que os corpos se tornem a própria paisagem, ao mes-

D
mo tempo em que provocam desvios à naturalização que a banalidade cotidiana nessas paisagens
poderia trazer. São corpos que se deixam contaminar pelo entorno, e que transformam o próprio
entorno ao existir junto dele. Corpos porosos, corpos pichados, corpos de palavras, de papéis pico-
tados, misturando cores, matérias e culturas diversas. O que pode uma docência assim? Atravessada
por heterogeneidades, fragmentos de distintas paisagens e afetos-inquietações que ela é capaz

L
de acolher junto aos encontros? O que pode uma docência que inventa a si própria enquanto se
relaciona com o mundo ao seu redor?
O mundo que eu conheço já não existe mais, frase que intitula e atravessa a obra do artista
André Azevedo, é trazida aqui para tramar e desfazer essas linhas finais, trazendo-nos como
provocação um não bastar do que já está dado, construído, tramado, firmado, já dito e já visto.

N
Abrimos, assim, a possibilidade de ação, de desfazermos um pouco dessas tramas que já estão
dadas, para que outras vias possam ser tramadas, unindo-se quem sabe a outros fios, a outras
formas de tramar, a outros possíveis que ganhem fôlego nos encontros com um mundo em
constante movimentação e produção de si. Um mundo que nunca está pronto em definitivo e
que pede a cada vez outros modos de relação. Um mundo que não é um, mas que se compõe por

P
multiplicidades. Mundos por vir que podem ser muitas coisas, mas nunca iguais ao mundo que
conhecíamos – àquele que já não existe mais, ou que segue existindo em pequenos fragmentos
na composição desses outros.
Isso nos instiga a perguntar: como estudar e aprender com algo composto de multiplicidades
em constantes vias de se produzirem e também de se desfazerem? Essa pergunta talvez nos leve
a outras formas de movimento, que não dependem mais de conhecer o mundo, mas de experi-
IA
mentá-lo em sua multiplicidade e de produzir sentidos com aquilo que nos chega, nos colocando
também em constante movimento com ele, compondo com os seus signos.
Desejamos que a experimentação deste livro tenha lhe possibilitado alguns desses movimentos
e siga instigando a criação de muitos outros. Que você possa produzir outras tramas, que não obe-
deçam a uma forma predefinida de compô-las. Que você possa se aventurar pelos afetos-inquie-
tudes de seus encontros com o mundo, e que as tramas que vão também sendo desfeitas nesses
encontros possam compor outros possíveis entrefios, fragmentos e restos de mundos. Que você
possa compor tramas-ninhos sempre singulares, afeitas e atentas ao que é solicitado pelo próprio
movimento de compor. Que possa escutar o que germens de mundos por vir (ROLNIK, 2018) soli-
U

citam a cada vez como ninho para poder ganhar potência e germinar.
A janela está aberta! Nós nos vemos por aí, em meio à multiplicidade de mundos que serão desfeitos,
forjados e gestados nos pequenos e potentes gestos de cada experiência educativa em artes visuais.

ARQUIVO PESSOAL
G

Ninho produzido por passarinhos com fios plásticos azuis, em Faxinal do Soturno (RS), 2014.

168
G
U
IA
P
N
L
D
D
L
N
P
IA
U
G

ISBN 978-65-5779-550-7

9 786557 795507

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

Você também pode gostar