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Resumo e análise crítica do livro:

Vainer, Ricardo - Anatomia de um divórcio interminável: o litígio como forma de


vínculo Uma abordagem interdisciplinar - São Paulo; Casa do Psicólogo, 1999.

Este livro é produto da dissertação de mestrado do autor em Psicologia Clínica,


Núcleo de família, PUC-SP em 1997 com o título de Anatomia de um “Litígio
Amigável”. Para publicação em livro alterou-se o título conforme indicado acima.
Vainer como psicoterapeuta ao longo dos anos observou a dificuldade de muitos casais
de se separarem e se libertarem de um vínculo indesejado apesar de já o terem feito
oficialmente. Desenvolveu o livro em oito capítulos.

Capítulo I - Histórico do Casamento, do Divórcio e a Evolução do Papel da


Criança e da Família na Sociedade Ocidental

É importante compreender o histórico do casamento, do divórcio e o papel da


criança como partes integrantes, em nível jurídico e social, da complexa trama
psicodinâmica que os conflitos da ruptura do vínculo matrimonial e familiar envolvem
quando pensamos no tema separação.
Na cultura ocidental, a história do sistema jurídico do casamento tem em grande
parte origem no Direito Romano. O casamento romano se definia e tinha três status:
confarreatio – casamento da classe patrícia, casamento religioso onde se oferecia entre
outras coisas um pão de trigo, hoje bolo de noiva; coemptio – casamento da plebe,
casamento civil e usus – aquisição da mulher pela posse, espécie de usucapião. A
mulher passa a pertencer ao marido manus maritalis ou continua a pertencer ao lar
paterno sine manus.
Historicamente chegasse ao casamento livre onde a capacidade, consentimento e
ausência de impedimentos eram requisitados -justae nuptiae. A Igreja católica
reivindica os diretos sobre a instituição matrimonial.
Os Estados ao longo da evolução foram assumindo novamente sua posição e
colocando o casamento religioso à margem e passa a regulamentar inteiramente a
instituição do casamento.
No Brasil a partir do decreto 181, 24/01/1890 se dá a separação do poder
espiritual e temporal e institui-se o casamento civil. O artigo 175 da constituição vigente
declara “família é constituída pelo casamento e terá direito à proteção dos Poderes
Públicos”. O vínculo matrimonial é regulado pela lei em termos inalteráveis ao arbitro
das partes que o formam.
A definição “casamento é um contrato de direito da família que tem por fim a
união indissolúvel do homem e da mulher de conformidade com a lei, a fim de
regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua
assistência”. Incluía o caráter indissolúvel que hoje deixou de ser parte integrante dado a
lei do divórcio.
A natureza do casamento, historicamente, passa pela Igreja e pelo Jurídico. Duas
vertentes em relação à natureza do casamento: 1- A questão de ser instituto de direito
público ou privado e 2- É ou não um contrato? A doutrina mais recente encara o
casamento como contrato, na formação, e instituição, no conteúdo.
Pode-se observar no histórico do casamento o quanto é complexo e
controvertido o tema não só psicologicamente, mas também juridicamente dado
envolver também questões éticas e sociais.

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Em relação ao divórcio também temos as questões da Igreja bem como as
questões no campo do Direito não só no Brasil como em outros vários países.
No Brasil, em 1977, o divórcio seguia os postulados do Direito Canônico isto é,
separação de corpos sem indissolubilidade do vínculo matrimonial e somente nos casos
de adultério, sevícia ou injúria grave, abandono voluntário do domicílio conjugal por 2
anos consecutivos e mútuo consentimento dos conjugues, se fossem casados há mais de
2 anos.
Divórcio e separação judicial devem resultar de uma sentença por causas
determinadas na Lei, em que o denominado processo é necessário para dissolução do
casamento, podendo esta somente ser obtida por órgão judicial.
Na revisão histórico do papel da criança, na cultura ocidental Vainer salienta a
importância da criança como ser social desde a Idade Média até os dias de hoje e que do
ponto de vista jurídico-social culminou no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Capítulo II – O Poder Judiciário e o Casal: Formas de Abordagem

Existem exemplos já implantados em muitos países de possibilidades de


trabalhar com casais de separação difícil. A experiência americana em relação à terapia
de casal no Poder Judiciário é uma delas. A presença de terapeutas de casal no processo
de divórcio, nos Estados Unidos, ocorreu em 1933 em Milwaukee e Cincinnati. Casal é
informado e encaminhado para os serviços de atendimento psicoterapeutico. O
atendimento sem custo oferecido pelo Estado para o casal é um estimulo para aqueles
em crise de separação.
Outro aspecto importante na possibilidade de atendimento psicoterápico é o de
se lidar com a agressividade entre o casal para as questões de bens, pensão, visita e
guarda. Segundo Bellenson, esse ódio pode ser chamado de luto patológico onde a má
elaboração do luto da separação o torna prolongado e doentio e que não pode ser
resolvido apenas procedimento legal.
Quanto ao Setor de Psicologia e ao Serviço Social do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo existe a Vara da Família onde o perito age eventualmente como
mediador diante dos conflitos do ex-casal se restringindo a negociações em função do
foco parental que precisam encontrar a melhor forma de cuidar dos filhos. O casal em
separação é percebido sob a ótica marital, mas não é priorizado.
Países como os Estados Unidos, Israel, Porto Rico, Nova Zelândia, França,
Dinamarca e Austrália utilizam a mediação e buscam de forma interdisciplinar encontrar
soluções, instrumentalizando jurídica e psicologicamente as partes para que possam
compor entre si, um acordo que seja favorável a ambos.
Em 1978 Marla B. Isaacs, Bráulio Montalvo e David Abelson, terapeutas
familiares e de casal, desenvolveram um projeto institucional nos Estados Unidos com
famílias em separação – Projeto Famílias em Divórcio. Esse projeto nos leva a pensar
na possibilidade de implantação em nosso país de modelos, sérios e competentes como
esse. Este Projeto dá atendimento e suporte a famílias em vias de se separar ou onde o
divórcio já aconteceu visando elaborar os sentimentos de perda, luto, raiva, culpa, etc.
Esses autores definem divórcio difícil o divórcio interminável e onde os adultos não
conseguem controlar suas disputas e envolvem os filhos para atingir o ex-parceiro.
Isaac, Montalvo e Abelson através do projeto estudam a evidência de que os
esquemas de disputa e discussão não provem de divórcio em si e sim dos antecedentes
matrimoniais. Falam da importância do sistema judiciário ter conhecimento das origens
psicodinâmicas que movem as disputas e não se ater apenas às questões legais em si.

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Esses conflitos cronificados é classificado como colusão que podem ser tratados
com intervenção do psicólogo.
O Projeto Famílias em Divórcio mostra que é possível a implantação de um
trabalho semelhante no Brasil onde se atenderia aos feridos do processo de separação.
Análise crítica
Este livro inicialmente aborda a história jurídica do casamento em Roma e
aponta para a questão do lugar da mulher no casamento e na família. Evoluções têm
acontecido historicamente para as mulheres tanto dentro do casamento, lutas e
conquistas até hoje presentes entre elas, como também em relação à separação.
Bons exemplos de conquistas de outros países temos tido em relação ao divórcio
e as questões jurídicas, psicológicas e sociais ao longo dos tempos com o objetivo de
atender cada vez mais eficazmente às demandas dos conflitos e feridas gerados pela
ruptura.

Capítulo III – Colusão: Conceitos e Fundamentos Teóricos


O principal conceito a orientar este trabalho é o de colusão, criado pelo
Psicoterapeuta e Psiquiatra Jürg Willi.
A escolha do parceiro se dá através de um processo inconsciente onde um
projeta no outro as próprias dificuldades e espera ser curado de seus conflitos
provenientes das relações parentais. Na relação conjugal, porém, esse processo ilusório
gera mais conflitos e aprisiona o casal em uma relação neurótica de repetição dos
conflitos originais. A este jogo conjunto de retroalimentação fundamentado em um
inconsciente comum que une os dois indivíduos, Willi chamou de colusão.
O conceito de colusão deve ser entendido como uma ferramenta de diagnóstico
que permita a compreensão da dinâmica do casal, o papel que cabe a cada um na
configuração do inconsciente comum do casal. No caso da separação, permite
compreender como o jogo colusivo se mantém através do uso dos tribunais. É uma
visão sistêmica, onde ambos os cônjuges são co-responsáveis pela manutenção dos
conflitos.
Ele se apóia nos conceitos da Psicanálise, da Teoria Geral dos Sistemas e da
Teoria da Comunicação.
Psicanálise: parte exclusivamente do indivíduo, buscou a fundamentação nas
fases de desenvolvimento da libido, no desenvolvimento dos processos inconscientes e
relações conflitivas com objetos internalizados.
Teoria Geral dos Sistemas: casamento visto como um sistema integral formado
por dois indivíduos que se relacionam, ou seja, se comunicam. A conduta matrimonial
está determinada pelas experiências individuais anteriores dos cônjuges, porém as
atitudes de cada um influenciam e são influenciadas por atitudes do outro. Em relações
análogas o mecanismo de defesa utilizado é a regressão recíproca e nas relações
complementares, a progressão de um enquanto aparente maturidade e a regressão do
outro enquanto complementar. Independente do tipo de relação estabelece-se um jogo
colusivo.
Os sistemas compostos por humanos é um sistema aberto e possui algumas
propriedades.

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 Globalidade – um sistema é um todo coeso e inseparável onde a
mudança de uma parte provoca mudanças em todas as outras partes e no sistema
como um todo.Na família todo indivíduo influencia e é influenciado pelos
demais.
 Não-somatividade – um sistema não é a soma das partes. A
análise da família não é igual à análise individual de cada um de seus membros
 Retroalimentação – as partes de um sistema estão relacionadas de
forma circular. Na família, as ações ou modificações de um indivíduo provocam
uma cadeia de sequências de interações com os demais subsistemas e voltam a
influir no indivíduo.
 Eqüifinalidade – os sistemas abertos podem manter seu estado
constante independente da condição inicial. Na família, as modificações
circulares podem manter um estado constante por novas interações, baseadas no
estado anterior.
 Homeostase enquanto a busca de estabilidade e equilíbrio. Na
família a homeostase pode ser uma resistência à mudanças (retroalimentação
negativa) ou a busca de um novo equilíbrio em um nível mais eficiente de
relação (retroalimentação positiva).
Teoria da Comunicação: Comunicação transmite uma informação e ao mesmo
tempo impõem um comportamento, é ação e reação, portanto é impossível não
comunicar. A comunicação digital é a que faz uso da palavra e das coisas que ela
representa. A comunicação analógica é toda comunicação não verbal.
Todas as permutas comunicacionais ou são simétricas, baseadas na igualdade ou
minimização das diferenças; ou são complementares, baseadas na maximização das
diferenças.
Estes são os princípios que servem de base para Willi elaborar seu conceito de
colusão, ou seja, os conflitos inconscientes individuais são projetados na escolha
inconsciente do parceiro o que possibilita um inconsciente comum na medida em que os
conteúdos recalcados são complementares ou simétricos. Essa relação constitui um
sistema que sofre influências recursivas que o mantêm ou modificam continuamente.
Colusão – Conceitos e Classificação
Willi apresenta temas de esquemas de colusão aos quais deu os mesmos nomes
da teoria psicanalítica.
 Colusão Narcisista – busca de um parceiro que o idealize e adore
e a identificação com a imagem idealizada que o outro projeta sobre ele. O
parceiro, por sua vez, renuncia à aspiração de uma identidade própria e idealiza
ser absorvido pelo outro. O narcisista complementar encontra no narcisista
idealizado sua própria identificação. Estabelece-se um jogo de projeção e
introjeção onde ambos sentem-se aprisionados. A colusão narcisista pauta-se na
ambivalência, pois a harmonia primitiva da fusão gera uma expectativa de
relação ideal, porém a fusão assusta e ameaça sucumbir os dois egos.

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 Colusão oral – deriva da relação mãe-filho, onde um ocupa o
lugar da mãe que cuida e o outro o do filho desamparado a ser cuidado. O jogo
estabelecido é o de que aquele que cuida deve fazê-lo incondicionalmente e de
forma inesgotável e aquele que é cuidado deve abdicar de crescer. Estas relações
são estabelecidas na tentativa de resolução das fixações de ambos na fase oral.
Como filho, um se coloca numa posição regressiva-passiva na tentativa de
resgatar a satisfação oral, como mãe, o outro se coloca numa posição progressiva
antifóbica por medo de sua própria regressão e dependência. Esta relação
inicialmente dá a ilusão da possibilidade de cura, mas, na medida em que vão
convivendo, cada um acirra no outro os conflitos internos. O filho se mostra
cada vez mais insaciável e mal-agradecido, a mãe passa a cobrar e desaprovar as
atitudes do filho. Ficam presos a uma relação que temem perder e ao mesmo
tempo não os satisfaz.
 Colusão anal-sádica – na medida em que há a dissociação entre
sujeito e objeto, abriga o problema de até onde se podem tolerar aspirações
autônomas do cônjuge, sem por em risco a relação e como fazer para controlar e
dirigir a subordinação mútua, para se sentir seguro nessa associação. Nesta fase
de desenvolvimento, um dos aspectos mais marcantes é a ambivalência que se
expressa pelas polarizações que determinarão a forma de interação que, por sua
vez, fará parte na relação matrimonial futura. Numa relação de caráter anal os
conflitos ambivalentes de dependência-independência, atividade-passividade,
rebeldia-submissão e outros, são comuns. O dominante ativo tenta dominar seu
próprio desejo de dependência através da dominação. O passivo tenta manter o
poder e o controle da relação através da obediência e tolerância. Este jogo de
poder, quando extremado, pode levar à colusão sadomasoquista. É uma simétrica
onde cada cônjuge busca deter o poder para se afastar do risco de ser dominado.
Ambos precisam um do outro para a manutenção da briga pelo poder e para
manter-se numa posição de autonomia via essas polarizações.
 Colusão fálico-edipal – para Willi, o complexo de Édipo pode
converter-se em um verdadeiro conflito entre consortes, em um jogo conjunto
neurótico, no sentido de uma colusão. A superação do complexo edipiano está
diretamente relacionada à conduta dos pais que podem ajudar a resolvê-lo ou
podem dificultá-lo. Filhos que não rompem com seus pais acabam incluindo-os
nas relações maritais.
O melhor exemplo deste tipo de colusão é o casamento histérico. A
mulher histérica idolatra a figura paterna sedutora que por sua vez ofusca a
figura materna fraca e ausente com a qual a filha não se identifica. O marido da
mulher histérica possui uma figura materna forte e dominadora e uma figura
paterna fraca e desvalida.
Numa formação reativa, na tentativa de libertar-se da figura materna, no
casamento o homem é aquele que se sacrifica pela família, sendo o pai e marido
provedor e único responsável pelo êxito do casamento. Já a mulher projeta no
homem suas expectativas quanto ã masculinidade ao mesmo tempo, o inveja
esperando e cobrando dele tudo o que for possível. Assume uma passividade
feminina. A relação projetiva da mulher complementa a necessidade do marido
de receber essas projeções como a auto-afirmação de que necessita. Passado
algum tempo, porém, os conflitos de ambos são potencializados. O homem

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busca na mulher suprir sua necessidade de proteção passiva e não é por ela
correspondido. A mulher por sua vez cobra do marido o fracasso de suas
expectativas. Ela se torna cada vez mais potente na medida em que se percebe
controlando a masculinidade do marido e ele torna-se cada vez mais passivo
adotando uma postura de vítima, embora ainda cuide dela e lhe coloque limites
através da culpa.
Para finalizar, a visão psicanalista do indivíduo isolado é ampliada pelos
conceitos sistêmicos que permite integrar os processos intrapsíquicos aos interpsíquicos.

Capítulo IV – Da Teoria à Prática


Para o presente trabalho foi utilizado o método de pesquisa qualitativa analítica e
descritiva o que facilitou a compreensão da psicodinâmica que envolve o litígio e
permitiu o contato com a estrutura funcional envolvida no laudo.
Os pesquisadores estiveram sempre atentos aos aspectos éticos e cientes das
possíveis distorções próprias da metodologia.
Os sujeitos dividiram-se em dois grupos. O primeiro composto por profissionais
das áreas de psicologia, assistência social e jurídica. O segundo composto por 11 casais
em separação ou já separados consensual ou litigiosamente, que ainda mantinham ações
em Juízo referentes ã separação.
Os pesquisadores optaram pelos laudos periciais do Serviço Social por serem
mais descritivos e não conterem uma leitura psicológica que pudesse influenciá-los no
momento da análise.
Para permitir o estudo das interfases foram usados os seguintes instrumentos:
1. Dados estatísticos solicitados ao Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo.
2. Roteiro utilizado nas entrevistas com os técnicos.
3. Entrevistas individuais e de grupo com os técnicos do Setor de
Psicologia e do Serviço Social.
4. Questionário aplicado de forma aberta pelos técnicos do Serviço
Social, durante as entrevistas destes com os casais sujeitos da perícia.
5. Laudo pericial confeccionado pelos técnicos do Serviço Social do
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
6. Entrevista direta com o técnico do Serviço Social.
7. Remontagem dos laudos.

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Capítulo V: O setor técnico dos assistentes sociais e psicólogos do Tribunal de
justiça do estado de São Paulo
O cargo de psicólogo na instituição judiciária é recente. Os processos que
correm nas Varas de Infância dispensam a atuação de advogado. A representação é feita
por meio de relatórios do assistente social e do psicólogo e em seguida encaminhada ao
Juízo e à Promotoria. Essa atuação se dá devido a urgência da resolução dos casos.
Esses profissionais atuam como peritos e tem a função de descrevera situação e
apresentar laudos com sugestões para facilitar a decisão judicial. Ressalta-se que nos
casos de litígio conjugal busca-se resguardar o interesse dos filhos.
Segundo o autor, a perícia possui três momentos básicos: 1. Estudo – coleta de
dados, visita domiciliares, testes, exames e outros 2. diagnóstico – análise dos dados
obtidos e reflexão diagnóstica 3. Laudo – exposição formal do estudo diagnóstico da
situação e do parecer técnico do perito.
O Juiz não é obrigado a aceitar as conclusões técnicas, pois o parecer é mais uma
das provas dos autos. O trabalho do técnico não é padronizado, tendo cada profissional
liberdade de exercer seu próprio estilo e escola.
Percebe-se que essa prática profissional é atravessada por pressões de todos os
lados, tanto que o Conselho Regional de Psicologia mesmo com pouco tempo de prática
da categoria da psicologia na atuação no contexto jurídico, faz ressalvas e críticas a uma
atuação subordinada ao saber jurídico, porém não tinha na época um posicionamento
por meio de diretrizes construídas para esse campo de trabalho.

Capítulo VI: Estudos e análise dos laudos periciais


Esse capítulo do livro apresenta onze laudos e suas análises como exemplos da
prática do psicólogo nessa interface psi-jurídica. As ações são oriundas de conflitos
conjugais e familiares, tais como: execução da pensão alimentícia, guarda de “menor”,
separação litigiosa, alimentos, regulamentação de visitas, modificação de guarda,
separação de corpos. Os laudos de fato como apresentando no capítulo anterior seguem
a estrutura básica de apresentação da situação em conflito, depois uma produção técnica
sobre o caso em questão com uma sugestão sobre o caso feito pelo profissional.
Considero que cabe citar alguns exemplos de referências discursivas localizadas
nos laudos apresentados neste livro: Casal imaturo, o pai mai fraco, a mãe assume
papéis mais masculinos – ambivalências, Casal despreparado e imaturo. Nenhum dos
dois tem noção de realidade e limites, Família emaranhada, Existirá de fato a intenção
de se separar, Pai omisso e fraco, Não tem modelo parental adequado, Pobreza do papel
paterno.
Diante dessa breve referência aos laudos, chama atenção um discurso do saber
psi com interferência por julgamentos morais sobre as pessoas implicadas em conflitos
conjugais e familiares. Outra questão a ser analisada é o processo de judicialização que
essas famílias vivenciam com as tomadas de decisões que muitas vezes poderiam ser
construídas pelos próprios protagonistas dessas histórias. Por fim, o papel do psicólogo
clama por ser analisado, principalmente sobre quem é o seu cliente: será o judiciário
com seus sujeitos jurídicos, ou o sujeito psicológico que demanda promoção de saúde.

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Capítulo VII – Resultados e reflexões

- O tempo de duração das ações no sistema judiciário, em média, atinge quase a metade
do tempo de casamento de cada casal.

- A dificuldade na separação vem se refletir nas dificuldades da própria relação, e como


são continuidade de histórias de vida abrangendo modelos trans-geracionais e legados
familiares, que ultrapassam em muito a simples história jurídica descrita no processo.

- Colusão: complementaridade, cumplicidade e manutenção do litígio – depende da


escolha da parceria em função da história individual e familiar.

- Fora do contexto psicológico de compreensão, esses atos são lidos como insensatez,
teimosia e má fé, tendendo-se a vitimizar um dos cônjuges em detrimento do outro. O
conceito colusivo permite enxergar a co-responsabilidade ao se alimentar o jogo do
conflito.

- Colusões do tipo anal-sádico: lutas e disputas – com maior predomínio.

- Colusões narcisista e oral – na média.

- Colusões fálico-edipal – em menor número e dificilmente de forma pura.

- As ações mais comuns se concentram na regulamentação de visitas e guarda que são


geralmente os pontos mais vulneráveis nos antigos parceiros, e que se prestam com mais
facilidade para que um convide o outro a continuar jogando.

- Seria importante que o Poder Judiciário tivesse ciência da psicodinâmica em jogo no


processo e, quando falamos em processo, estamos falando tanto em nível jurídico como
emocional. Ainda não se observa a existência de um modelo de atuação padronizado nas
varas de família.

Um melhor aparelhamento estrutural e profissional dos serviços de psicologia e social –


por meio de cursos de psicodinâmica do casal e família, por qualquer construção teórica
que privilegie a compreensão do litígio sob o ponto de vista emocional - enriqueceria
em muito a atuação desses profissionais.

- Outra verificação obtida no contato com os serviços de Psicologia e do Serviço Social


é a de que os adultos, marido e mulher, não são devidamente vistos e cuidados. A
prioridade é para crianças, pois o casal parental é atendido sob o foco dos filhos. Isto é,
os pais precisam resolver seus conflitos para não prejudicar o interesse das crianças.
Mas os pais – um homem e uma mulher, um marido e uma esposa, cegos pelas
vicissitudes da separação – não serão capazes de enxergar-se parentalmente ou de zelar
pelo interesse de seus filhos, se não forem cuidados primeiramente como casal ou ex-
casal marital.

- Se tivéssemos uma política de saúde mental nesses casos, com equipes especializadas,
dentro ou fora do sistema judiciário, que se debruçasse sobre esses temas, o Poder

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Judiciário poderia dividir a sobrecarga de trabalho com os profissionais especialistas na
área.

- O esclarecimento dos profissionais de Direito sobre psicologia de casal e família, com


a instituição de uma cadeira de Psicologia Familiar, na Faculdade de Direito, poderia
ampliar a visai desses futuros profissionais sobre a questão. Da mesma forma, a
familiarização com o Direito, mais especificamente Direito de Família, pelos
profissionais de psicologia, serviço social e psiquiatria, externos ao Poder Judiciário,
poderia evitar muitos equívocos na lida com os casais e famílias, de modo geral, e mais
especificamente nos casos de litígio.

Capítulo VIII – Considerações finais

- A participação interdisciplinar efetiva e atuante é a forma mais concreta de assegurar à


família e à justiça um papel modificador no sentido de cuidar dos membros da
sociedade que a ela recorram, mesmo que sem a consciência explícita do que estejam
esperando de si mesmos e do sistema judiciário.

- Muitas questões foram feitas em relação a como atuar em conjunto sobre o divórcio
difícil, como seriam necessários novos paradigmas no enfoque da separação, o quanto o
ato casamento é pessoal e o quanto o ato divórcio necessita de ajuda externa passando a
ser de domínio público, em como determinar regras para o divórcio, como se tivéssemos
um vencedor e um perdedor em um jogo, etc.

- As leis acabam por prover muito mais a disputa do que os acordos. Quando o casal
quer seguir novos rumos, rompendo o vínculo, os problemas legais são quase que
totalmente prescindíveis. O que mantém um casal em luta não é a questão dos interesses
conflitantes em nível legal e sim seu medo, sua raiva, sua dor, em suma a sua colusão,
pois, do divórcio, como evento legal, sobraria muito pouco.

- A análise da família de origem, pelo casamento e pela dinâmica inter-relacional


demonstrada nos relatórios das entrevistas do serviço Social do Tribunal de Justiça do
estado de São Paulo, que as colusões estabelecidas inconscientemente pelos casais
estruturam não só os conflitos conjugais, como também os da separação. São pessoas
em extremo sofrimento, atadas ao litígio como a uma tábua de salvação, para que não se
afoguem completamente em seus próprios conflitos inconscientes, projetados na figura
do ex-parceiro ou da relação. Incapazes de enxergar as próprias feridas, seguem ferindo-
se mais e mais, sem que os esforços efetuados pelo Tribunal de Justiça ou por muitos
advogados das partes surtam qualquer efeito.

- Felizmente, estamos começando a tomar consciência e a procurar entender os


mecanismos que levam esses casais, essas pessoas, a se perderem nesse labirinto de
ações e processos, pois só assim poderemos fazer por elas mais do que temos
conseguido até aqui.

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