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Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT; 3
Universidad Federal de Mato Grosso (UFMT), Brasil; Nutricionista Dietista
Director do curso de Medicina – UNIVAG, Brasil. da Universidad de Antioquia (UDEA), Colombia.
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Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso,
UFMT, Brasil. *Correspondência: José Eduardo de Aguilar Nascimento
je.nascimentocba@gmail.com
ACERTO
Figura 1. Componentes de um programa multimodal de cuidados peri-operatórios – ACERTO (Aceleração da Recuperação Total Pós-
Operatória)(5)
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Re-alimentação precoce
SNG e drenos
Os resultados iniciais com uso de protocolos multi- mento nesse grupo de pacientes. No Brasil, optamos
modais foram baseados em estudos não randomizados por um protocolo sem custos adicionais de pagamentos
de observação. Atualmente, existem muitos estudos de fees para plataformas que atuam em alguns lugares
randomizados e meta-análises, mostrando a consistên- do mundo. Isso era mais condizente com os gastos em
cia desses programas em auferir melhores resultados, Saúde Pública no Brasil e creio que na América Latina.
especialmente em cirurgias colorretais(5,6). Os resulta- Um ponto crucial para implementação é o conheci-
dos mostram que há significativa redução de morbidade mento epidemiológico local dos resultados. O número
e de custos hospitalares pela adoção desses programas. de procedimentos realizados por mês e ano, a taxa de
Wind et al., em revisão sistemática de seis estudos ran- morbidade e o tempo de internação pós-operatório de
domizados e 512 pacientes, mostraram que pacientes um determinado hospital, por exemplo, não podem ser
submetidos a operações sobre o intestino grosso por de presunção. Um bom sistema é auditar alguns parâ-
protocolos fast track permaneceram hospitalizados 1,5 metros em doentes internados. Saber qual a média de
dias a menos (-1,56 dias, IC 95 %: 2,61 - 0,50 dias) e horas de jejum pré-operatório ou o percentual, do uso
houve redução da morbidade pós-operatória em apro- rotineiro de sonda naso-gástrica. Auditorias prévias
ximadamente 50% (RR= 0,54, IC 95 %: 0,42 - 0,69)(5). devem demonstrar os resultados do serviço e do hos-
pital, apontar as principais operações e preferências da
O PROTOCOLO ACERTO equipe. Essa informação tem que ser divulgada em reu-
niões de serviço, gráficos no centro cirúrgico, newsletter
O número de operações realizadas no mundo é muito do hospital, e-mails, etc. Imaginário e realidade devem
grande. Nos EUA, aproximadamente 30 milhões de ser confrontados, e discussões a partir daí, devem pro-
procedimentos são realizados a cada ano, consumindo duzir mudanças baseadas em fatos e não em presunções
vasta quantidade de recursos gastos em saúde. No (Figura 3). Para exemplificar este ponto importante,
Brasil, em 2017 ocorreram 11.338.039 internações no uma auditoria no nosso serviço com o objetivo de
país, sendo 3.123.517 para procedimentos cirúrgicos avaliar a real quantidade de fluídos infundidos por via
(27,5%), com custo médio de R$ 1184,32 por interna- intravenosa em pacientes submetidos a operações de
ção(7). Estes dados mostram que, em termos nacionais, grande porte, mostrou que entre o 1º e 4° dia de pós-
considerações envolvendo custos e resultados em pro- -operatório infundiu-se 12,8 (6,4 - 17,5) L de soluções
cedimentos cirúrgicos são deveras importantes e, dessa cristalóides. Desse total, 9,5 litros (74,3%) correspon-
maneira, deve haver uma preocupação dos serviços de deram a fluidos prescritos e 3,3 L (25,7%) a diluentes
saúde com gastos e melhoria de resultados no atendi- e medicações venosas. Concluiu-se que a prescrição
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médica não contém o real volume de fluídos cristalói- tituído a partir de relato de casos de aspiração bronco-
des intravenosos infundido. O volume de diluentes e -pulmonar em situações cuja indução anestésica se
medicações intravenosas podem chegar a 25% da carga deu em operações de urgência e emergência. No início
hídrica prescrita(8). do século XIX, pacientes tinham a permissão de fazer
Dentro do protocolo ACERTO (Figura 2), o uso de um pequeno copo de chá, poucas horas antes
paciente logo após a internação recebe informações da operação. Entretanto, a conduta que se popularizou
importantes sobre a sua operação e é instruído sobre foi a de aplicar-se jejum (“nada pela boca”), a partir da
como pode ajudar-se para um rápido retorno ao lar. meia-noite para pacientes que tivessem sua operação
A avaliação do risco nutricional e implementação da marcada para o período matutino, e a permissão de um
INTERNUTI (Intervenção Nutricional Imediata), leve desjejum (chá e bolachas) para pacientes que fos-
se necessária, fazem parte do pré-operatório. O fluxo- sem ser operados no período da tarde(10). No entanto,
grama da INTERNUTI pode ser visto na Figura 3. cirurgias atrasam e o jejum pré-operatório aumenta
Na rotina do protocolo ACERTO, a alta hospitalar, chegando em media a 18 horas (11). Veja no Tabela 3 as
fica condicionada a 4 fatores: 1. o paciente de estar principais razões do atraso de cirurgias.
recebendo dieta e estar sem punção IV, 2. a dor deve Em varias circunstancias, o imaginário de uma
estar abolida ou controlada com analgésicos orais, 3. prescrição não é efetivamente cumprido. No perí-
o paciente deve estar deambulando sozinho ou com odo anterior à implantação do Projeto ACERTO, no
pouca ajuda, e finalmente 4. o paciente deve ter o Hospital Universitário Júlio Müller (FCM-UFMT), o
desejo de alta. O protocolo ACERTO foi recentemente tempo preconizado para jejum pré-operatório era de
adotado pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões e pela oito horas. Uma auditoria realizada na implantação do
Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral protocolo ACERTO mostrou claramente que o tempo
como diretriz de cuidados(9). de jejum preconizado e prescrito no pré-operatório
de cirurgias eletivas era muito maior chegando a 16h,
ABREVIAÇÃO DO JEJUM PRÉ-OPERATÓRIO em média(12). Mesmo depois da implantação do jejum
de 2 horas esse tempo, em média, foi maior (4 horas).
O jejum noturno pré-operatório foi instituído quando As razões para essa dilatação do período de jejum pré-
as técnicas anestésicas ainda eram rudimentares para -operatório são o atraso das operações, a mudança de
prevenir complicações pulmonares associadas a vômi- horário delas e aumento do tempo de jejum por parte
tos e aspirações do conteúdo gástrico. A razão dessa do próprio paciente.
rotina é garantir o esvaziamento gástrico e evitar bron- A possibilidade de uso de líquidos claros, até duas
coaspiração no momento da indução anestésica. A revi- horas antes da operação, abriu precedente para alguns
são de livros de texto do século passado mostra que o autores estudarem a possibilidade de que tais soluções
dogma do jejum pré-operatório de 8 - 12 horas foi ins- pudessem ser enriquecidas por substratos energéticos
Tabela 2. Comparação entre o protocolo convencional e o ACERTO num paciente candidato a uma
ressecção de cólon com anastomose primária(5)
Convencional ACERTO
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TRIAGEM
Idoso
Perda de peso
- + Doença maligna
Hiporexia
Albumina < 3 mg/dL
Avaliação do estado
Reavalie em 1 semana Avaliação subjetiva global
nutricional
A B C
INTERNUTI (7 - 14 dias)
Reavalie em 1
Intervenção
semana
nutricional imediata
Figura 3. Fluxograma de intervenção nutricional imediata (INTERNUTI) no paciente cirúrgico candidato a operações de médio e
grande porte(5).
Tabela 3. Razões que prolongam do tempo prescrito de de rápida absorção e que não interferissem com o
jejum pré-operatório(5) esvaziamento gástrico. Trabalhos passaram a ser então
publicados, demonstrando que o uso de uma solução
1. Atraso do cirurgião ou do anestesista
de líquido enriquecida com carboidrato determinava
2. Atraso na burocracia de internação do paciente maior satisfação, menor irritabilidade, aumento do pH
3. Atraso da operação do 1º horário
gástrico e, especialmente, reduzia a resposta catabólica
ao estresse cirúrgico, com consequente melhora da
4. “Aderência” do paciente a recomendação deixando de fazer recuperação pós-operatória(4,12).
refeições antes da operação
Como fundamentação básica para esta mudança
5. Indução anestésica prolongada de paradigma na prescrição de jejum pré-operatório,
6. Re-programação da operação para 2º ou 3º horário devemos considerar que a resposta orgânica ao trauma
cirúrgico possa ser incrementada pela resposta metabó-
7. Re-programação da operação para outro período do dia
lica ao jejum pré-operatório prolongado. Em conjunto,
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esses fatores contribuiriam de forma mais relevante bendo 2 - 3 litros/dia. Essa reposição, associada à difi-
para uma resposta orgânica majorada(13). Após algumas culdade de excreção fisiológica de sódio, de cloro e de
horas de jejum, instala-se uma resistência periférica, a água durante esse período, como resposta fisiológica
insulina e os índices de insulina aumentam por feed- à agressão, determinam uma retenção hídrica impor-
-back. Faria et al. mostraram isso claramente em recente tante, com ganho de peso corporal em torno de 3 - 6
estudo randomizado(14). Além disso, quanto maior a quilos no período pós-operatório(20,21).
resistência à insulina, maior o tempo de internação(15). Tem sido demonstrado que essa sobrecarga causa
Uma revisão da Cochrane(16) identificou e analisou edema generalizado de tecidos, com inúmeras con-
as evidências mais fortes em relação à diminuição do sequências clínicas. Há uma perturbação da função
jejum pré-operatório e sua relação com complicações. cardiopulmonar com consequente diminuição da oxi-
Foram incluídos 22 estudos, nos quais foram aloca- genação sanguínea e deletérias repercussões em todo
dos um total de 2.270 participantes. Não houve caso o organismo. Particularmente, no tubo digestivo há
de aspiração por abreviação do jejum para 2 horas edema esplâncnico, aumento da pressão intraabdomi-
com bebida contendo carboidrato. Consistentemente, nal, diminuição do fluxo mesentérico com manuten-
vários guidelines de sociedades anestésicas, publicados ção do íleo paralítico, aumento da permeabilidade da
antes do estudo da Cochrane, já preconizavam líquidos mucosa e prejuízo do processo cicatricial.
claros até duas horas antes da operação (ASA 1999; Em um estudo multicêntrico, Brandstrup e cols(20)
NNCG 1993; AAGBI 2001) e 150 mL de líquidos compararam dois regimes de reposição peri-operatória
claros até uma hora antes da operação com medicações de líquidos. Concluiu-se que no grupo restrito houve
orais (NNCG 1993). redução significativa de complicações pós-operatórias
Nos últimos anos, houve o desenvolvimento de (33% vs 51%); cardiopulmonar (7% vs 24%) e rela-
novas bebidas para a abreviação do jejum pré-opera- cionadas com cicatrização (16% vs 31%); salientando
tório. Bebidas contendo apenas maltodextrina, novas não ter observado qualquer possível efeito adverso no
soluções com a adição de proteínas, amino-ácidos, regime de restrição (apesar da restrição de fluidos ter
anti-oxidantes, eletrólitos, oligo-elementos e vitaminas implicado em menor débito urinário, nenhum paciente
foram estudadas e estão disponíveis no mercado. A adi- evoluiu com insuficiência renal). Em 2009, foi apresen-
ção de proteínas ou aminoácidos melhora ainda mais a tado um consenso no Reino Unido, o GIFTASUP(21)
resistência insulínica, diminui a perda de massa magra (British Consensus Guidelines on Intravenous Fluid
e, portanto, diminui ainda mais a resposta orgânica ao Therapy for Adult Surgical Patients), que determina
trauma. A segurança do esvaziamento gástrico com condutas para a hidratação peri-operatória. Segundo
uma bebida contendo carboidratos associada a gluta- o consenso, a hidratação restritiva em cirurgias abdo-
mina ou a proteína hidrolisada ocorreu em pelo menos minais de grande porte recebe a classificação IA de
quatro estudos randomizados(17,18). evidência, para cirurgias ortopédicas de grande porte a
classificação IB e o suporte para otimização do débito
RESTRIÇÃO DE FLUIDOS INTRAVENOSOS cardíaco em hidratação restritiva, com o uso de drogas
vasoativas, IB. Fica claro que a tendência de restrição
Líquido e eletrólitos são infundidos, com a finali- hídrica tem sido confirmada com maior força, havendo
dade de repor as perdas ocasionadas durante o ato dados atuais mais determinantes dentro da evidência
operatório, e para manter a homeostasia durante científica.
período de tempo em que a ingesta oral é impossível.
Estas necessidades são diretamente relacionadas ao RE-ALIMENTAÇÃO PRECOCE NO PÓS-
peso do paciente, porte e duração do ato operatório. OPERATÓRIO
Tradicionalmente, o cálculo é realizado baseado em
fórmula empírica, frequentemente favorecendo uma A adoção do jejum após operações com manipulação da
reposição generosa(19). Com essa conduta conven- cavidade abdominal e, em especial, após a realização de
cional, pacientes submetidos a operações colorretais, anastomoses colorretais, vem sendo ensinada a residen-
recebem em média 3,5 - 5 litros de fluido intravenoso tes de cirurgia, há muito tempo. Convencionalmente, o
no dia da operação e são mantidos nos primeiros dias retorno da dieta para pacientes submetidos a anastomo-
de recuperação cirúrgica (3 - 4 dias) com hidratação ses intestinais tem sido prescrita apenas após o regresso
venosa, muitas vezes com “soro fisiológico”, rece- do peristaltismo, caracterizada clinicamente pelo
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