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A Artigo de Revisão

Efeitos da imunonutrição enteral em pacientes oncológicos submetidos à cirurgia do trato gastrintestinal

Efeitos da imunonutrição enteral em pacientes oncológicos submetidos


à cirurgia do trato gastrintestinal
Effect of enteral immunonutrition in oncological patients undergoing surgery of the gastrintestinal tract

Renata Costa Fortes1


Dan L Waitzberg2

Unitermos: RESUMO
Nutrição enteral. Neoplasias gastrointestinais. Dietote- Introdução: Pacientes com câncer gastrintestinal frequentemente apresentam desnutrição no
rapia/métodos. pré-operatório, que é agravada durante a internação. As consequências são o elevado índice
de morbidade pós-operatória e longo tempo de permanência hospitalar. Fórmulas enterais
Key words: contendo nutrientes imunomoduladores poderiam auxiliar nos resultados da terapia cirúrgica
Enteral nutrition. Gastrointestinal neoplasms. Diet therapy/
contra o câncer. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi investigar os efeitos da imunonu-
methods.
trição enteral em pacientes oncológicos submetidos à cirurgia do trato gastrintestinal. Método:
Trata-se de revisão da literatura, utilizando-se artigos indexados nas bases de dados Medline,
Endereço para correspondência
Renata Costa Fortes
Lilacs, NCBI, Capes, SciELO, Google scholar e Cochrane, com os seguintes descritores:
QI 14. CJ J. CS 26 – Guará 1, DF, Brasil – CEP: 71015-100. imunonutrição, imunonutrientes, arginina, glutamina, ácidos graxos ômega-3, nucleotídeos,
E-mail: renatacfortes@yahoo.com.br nutrição enteral e câncer gastrintestinal, nos idiomas português, inglês e espanhol, publicados
nos últimos cinco anos (2005-2010). Foram selecionados ensaios clínicos randomizados e
Submissão controlados, metanálise, entre outros, seguidos de tratamento estatístico com significância de
1 de maio de 2010 p<0,05. Resultados: Conforme a nossa revisão da literatura, as fórmulas enterais imunoenri-
Aceito para publicação
quecidas com arginina, glutamina, ácidos graxos ômega-3 e ácido ribonucléico podem prevenir
13 de outubro de 2011 as infecções no sítio da cirurgia; reduzir as complicações infecciosas; exercer benefícios nos
mecanismos de defesa imunitária e na modulação da resposta inflamatória; melhorar a cica-
trização de feridas operatórias, e diminuir o tempo de permanência hospitalar em pacientes
oncológicos submetidos a cirurgias do trato gastrintestinal. Conclusão: Os resultados mostram
que a imunonutrição enteral exerce benefícios na modulação da resposta imunitária e infla-
matória de pacientes submetidos à cirurgia por câncer gastrintestinal, o que repercute na
redução das complicações infecciosas e no tempo de permanência hospitalar pós-operatória.

ABSTRACT
Introduction: Patients with gastrintestinal cancer often present malnutrition in preoperative
period, as well as high incidence of postoperative complications. This increases the hospital
length of stay. Formulas enriched with nutrients with immunemodulatory properties may be
usefull in the peri operative period for cancer patients. Objective: The objective of this review
was to investigate the effects of enteral immunonutrition in oncological patients undergoing
surgery of the gastrintestinal tract. Methods: The methodology consisted of review of literature
using indexed articles in the Medline, Lilacs, NCBI, Capes, SciELO, Google scholar e Cochrane
databases, with key words immunonutrition, immunonutrients, arginine, glutamine, omega-3
fatty acids, nucleotides, enteral nutrition, and gastrintestinal cancer, in the idioms Portuguese,
English and Spanish, published in the last five years (2005-2010). There were selected rando-
mized and controlled clinical trial, meta-analysis, others, followed by treatment with statistical
significance of p<0.05. Results: According to the our review of the literature, immunoen-
riched enteral formulas containing arginine, glutamine, omega-3 fatty acids, and ribonucleic
acid may prevent infections in site of surgery, reduce infectious complications, exert benefits
1. Profa Adjunta da Faculdade de Ciências e Educação Sena
Aires - GO. Coordenadora do Curso de Nutrição da Univer-
in mechanisms of immunological defense and modulation of inflammatory response, improve
sidade Paulista, Brasília, DF. Coordenadora do Programa cicatrization of operative wounds, and reduce extended hospital stay in oncological patients
de Residência em Nutrição Clínica do Hospital Regional da undergoing surgery of the gastrintestinal tract. Conclusion: The results shown that enteral
Asa Norte, Brasília, DF. immunonutrition exerts benefits in modulation of inflammatory and immunological response of
2. Prof. Associado do Departamento de Gastroenterologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – LIM the patients submitted to the surgery for gastrintestinal cancer, with consequent reduction of
35, Diretor do GANEP – Nutrição Humana, São Paulo, SP. infectious complications and time of hospital stay.
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Fortes RC & Waitzberg DL

INTRODUÇÃO MÉTODO
O câncer, caracterizado pela perda do controle da Trata-se de uma revisão na literatura sobre o tema “Efeitos
divisão celular e pela capacidade de invadir outras estru- da imunonutrição enteral em pacientes oncológicos submetidos
turas orgânicas 1, constitui a segunda principal causa de à cirurgia do trato gastrintestinal”, por meio de pesquisa de
óbitos por doença no Brasil, subsequentemente às doenças artigos científicos indexados nas bases de dados eletrônicas
cardiovasculares2. Medline, Lilacs, NCBI, Capes, SciELO, Google scholar
Estimativas apontam, para os anos de 2010/2011, no e Cochrane, utilizando-se os descritores: imunonutrição,
Brasil, a ocorrência de 489.270 casos novos de câncer imunonutrientes, arginina, glutamina, ácidos graxos ômega-3,
(236.240 para o sexo masculino e 253.030 para o sexo nucleotídeos, nutrição enteral e câncer gastrintestinal, nos
feminino), sendo que o tipo mais incidente será o câncer idiomas português, inglês e espanhol.
de pele não melanoma, seguido pelos tumores de próstata, Foram selecionados artigos que atenderam aos seguintes
mama feminina, colorretal, pulmão, estômago e colo uterino critérios de inclusão: artigos publicados nos últimos cinco
(Figura 1)3. anos (2005-2010); com pelo menos um dos descritores sele-
O processo de carcinogênese resulta da interação entre cionados; que relataram o uso da imunonutrição no câncer;
fatores endógenos e ambientais, destacando-se a dieta que, ensaios clínicos randomizados e controlados, metanálise, entre
quando inadequada, pode representar cerca de 35% das outros, seguidos de tratamento estatístico com significância
causas de tumores malignos4. Outros fatores incluem: idade, de p<0,05. Os critérios de exclusão utilizados foram: livros,
hereditariedade, inatividade física, tabagismo, etilismo, manuais, monografias, dissertações e teses; artigos em outros
contato frequente com substâncias carcinógenas, sobrepeso idiomas, que não português, inglês e espanhol; estudos que
e obesidade2. não trataram especificamente do tema; artigos anteriores ao
A desnutrição protéico-energética acomete entre 30% ano de 2005.
e 90% dos pacientes oncológicos 5 e está associada ao Os artigos foram analisados e selecionados observando-
aumento da morbimortalidade pós-operatória e menor se: ano de publicação, fonte, objeto de estudo, população
tolerância aos procedimentos cirúrgicos, quimioterápicos estudada, metodologia utilizada, instrumento de avaliação
e radioterápicos2. ou de coleta de dados e análise dos mesmos. Sendo assim,
A desnutrição pode ocasionar efeitos imunitários adversos ao todo, 30 referências foram utilizadas, a saber: 15 (50%)
por meio de diversos mecanismos, tais como: atrofia de artigos originais, 13 (43,3%) artigos de revisão e 2 (6,7%)
linfonodos, redução na contagem de linfócitos, diminuição metanálises.
na produção de imunoglobulina A, supressão da imunidade Em relação ao ano de publicação, 2 (6,7%) artigos cientí-
celular5, o que resulta em alta incidência de complicações ficos foram publicados em 2005; 4 (13,3%) em 2006, 6 (20%)
em 2007; 5 (16,7%) em 2008; 10 (33,3%) em 2009 e 3 (10%)
graves e complicações infecciosas durante o período pós-
em 2010.
operatório precoce e durante a permanência hospitalar6.
O estudo não foi submetido à análise ao Comitê de Ética em
Fórmulas enterais enriquecidas com nutrientes com
Pesquisa em Seres Humanos, por não se tratar de uma investi-
atividade imunomoduladora, como arginina, glutamina,
gação que envolvesse diretamente seres humanos.
ácidos graxos ômega-3, nucleotídeos e antioxidantes, tem
sido associadas a efeitos benéficos em pacientes cirúrgicos,
DESNUTRIÇÃO NO CÂNCER E SÍNDROME DA
com repercussões favoráveis na redução de complicações
ANOREXIA-CAQUEXIA
pós-operatórias e no tempo de permanência hospitalar7.
Pacientes que necessitam de cirurgia eletiva para tratamento
O objetivo da presente revisão foi investigar, na lite-
de neoplasia do trato digestório superior apresentam frequente-
ratura, os efeitos da imunonutrição enteral peri-operatória
mente desnutrição protéico-energética grave no pré-operatório6.
em pacientes submetidos à cirurgia do trato gastrintestinal
A desnutrição também constitui um dos principais fatores rela-
por neoplasias malignas.
cionados ao elevado índice de complicações pós-operatórias
observadas em pacientes hospitalizados8.
Observa-se, atualmente, elevada prevalência de desnu-
Estimativas da incidência de câncer no Brasil - 2010-2011
trição intra-hospitalar, em cerca de 20% a 50% dos pacientes
120
114%
hospitalizados. A ocorrência de desnutrição hospitalar, no
100 Brasil, pode atingir 49% das internações, com impacto na
morbimortalidade2.
Percentual (%)

80

60
Os pacientes que necessitam de cirurgia eletiva por
52% 49% neoplasia maligna do trato digestório destacam-se entre
40
28% 28%
os grupos mais vulneráveis à desnutrição. Esta, por sua
20 21% 18% vez, associa-se à depressão da função imunehumoral e
0
celular, alterações na resposta inflamatória e dificuldades
Pele não Próstata Mama Cólon e Pulmão Estômago Colo de
melanoma feminina reto útero no processo de cicatrização de feridas, com consequente
Figura 1 – Estimativas da incidência de câncer no Brasil para 2010/2011. aumento da incidência de complicações graves no período
Fonte: Adaptado do Instituto Nacional de Câncer (INCA)3. pós-operatório imediato9.
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Efeitos da imunonutrição enteral em pacientes oncológicos submetidos à cirurgia do trato gastrintestinal

O risco aumentado de desnutrição, em pacientes com câncer ALTERAÇÕES METABÓLICAS E IMUNOLÓGICAS


gastrintestinal, ocorre em decorrência de diversos fatores, tais EM PACIENTES ONCOLÓGICOS
como: obstrução mecânica, limitação da ingestão alimentar, Em pacientes oncológicos, as alterações metabólicas
caquexia induzida pelo tumor, obstrução pancreaticobiliar, induzidas pelos tumores nos estádios avançados incluem:
má-absorção, perda sanguínea, uso de drogas antibacterianas, intolerância à glicose, redução da secreção de insulina, resis-
técnica asséptica, tipo de cirurgia, dentre outros10. tência periférica à insulina, aumento na síntese e no turnover
Waitzberg et al. realizaram, no Brasil, o Inquérito Brasi- de glicose, maior atividade do ciclo de Cori, aumento do
leiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (IBRANUTRI) turnover protéico, aumento na síntese hepática de proteínas,
com a participação de 4 mil pacientes hospitalizados e cons- aumento no catabolismo protéico muscular, redução plasmá-
tataram que pacientes oncológicos possuem três vezes mais tica da concentração de aminoácidos ramificados, depleção dos
chances de desnutrição quando comparados aos pacientes não depósitos lipídicos, aumento da lipólise, aumento do turnover
oncológicos2. de glicerol e ácidos graxos livres, redução da lipogênese e
Um estudo multicêntrico com mais de 3 mil pacientes hiperlipidemia1,11.
constatou perda de peso significativa em mais de 50% desses Os mecanismos relacionados ao processo de oncogênese
pacientes. A maior frequência e gravidade foram observadas envolvem, entre outros, a secreção de citocinas, como FNT-α
em indivíduos com câncer do trato gastrintestinal. Identificou- IL-1, IL-6 e IFN-γ (Tabela 1)1,11. Além de provocar hiporexia,
se perda ponderal em 60% dos pacientes com câncer de pulmão o FNT-α e as IL-1 e IL-6 instigam as respostas metabólicas de
e 40% com câncer de mama feminino1. fase aguda, com consequente incremento de proteínas positivas,
A prevalência de desnutrição, em pacientes cirúrgicos, como PCR e diminuição de proteínas negativas, como albumina,
oscila entre 19% e 80%8. A caquexia, desnutrição grave pré-albumina e transferrina2.
acompanhada de astenia e anorexia, é comum em pacientes As citocinas produzidas pelo tumor e pelo hospedeiro são
oncológicos e difere da desnutrição simples pelas alterações também responsáveis pelas alterações metabólicas em pacientes
metabólicas e inflamatórias1,11. A anorexia-caquexia no câncer oncológicos, visto que estimulam a depleção progressiva de
é uma síndrome metabólica que consiste de um dispêndio massa magra e podem causar alterações no metabolismo de
progressivo de energia e perda de massa magra, com ou sem carboidratos e ácidos graxos, o que resulta, principalmente, em
perda de tecido adiposo, sendo a perda ponderal considerada perda de massa corporal magra1.
o principal indicador para a caquexia em adultos12. Pacientes oncológicos sofrem a interferência de hormônios
Atualmente, a caquexia pode ser definida por meio de três como: glucagon, cortisol, catecolaminas, hormônio de cresci-
variáveis pré-seletivas: perda de peso e/ou ingestão alimentar mento, leptina, neuropeptídeo Y, grelina, insulina, fator de mobi-
reduzida e/ou proteína C-reativa (PCR). Outros estudos ainda lização lipídica, fator indutor de proteólise (Tabela 1), dentre
incluem alterações em: tecido adiposo, massa magra, albu-
outros que, quando desregulados, contribuem para estabelecer
mina sérica, insulina, ingestão energética diária, fator 1 de
a síndrome da anorexia-caquexia, resultando em progressão
crescimento tipo insulina, gasto energético, leptina, grelina,
da doença, aumento nas taxas de morbidade e mortalidade, e
hormônio tireoidiano, fator de necrose tumoral-alfa (FNT-α),
diminuição da qualidade de vida11.
interleucina (IL)-6 (IL-6), e interferon-gama (INF-γ)12,13.
A utilização de nutrientes imunomoduladores tem sido
As principais manifestações ou alterações presentes nessa
sugerida para promover a restauração da homeostase normal
síndrome incluem: anorexia, astenia, náusea crônica, modifica-
pós-operatória e a redução de mediadores pró-inflamatórios,
ções na imagem corpórea, disfagia, saciedade precoce, fadiga,
como IL-6 e FNT-α6.
falta de energia, náuseas, vômitos, perda involuntária de peso,
depleção progressiva de massa magra12, alterações na sensi-
bilidade do paladar, atrofia muscular esquelética e de órgãos I M U N O N U T R I Ç Ã O V E R S U S P R I N C I PA I S
viscerais, miopatia, anemia, hipoalbuminemia, lactacidemia, IMUNONUTRIENTES NA PRÁTICA CLÍNICA
hiperlipidemia e intolerância à glicose2,11. Desde 1990, a nutrição padrão tem sido modificada pela
A caquexia pode resultar de causas multifatoriais decor- adição de imunonutrientes10. Os imunonutrientes mais inves-
rentes de alterações metabólicas, baixa ingestão e/ou má tigados e de interesse são arginina, glutamina, ácidos graxos
absorção de nutrientes, aumento do gasto energético ou ambos. ômega-3, antioxidantes e nucleotídeos, como o ácido ribonucléico
Essas alterações, por sua vez, compreendem a resposta infla- (ARN)5,10,14. Entende-se por imunonutrição, as fórmulas enterais
matória sistêmica e o aumento da síntese hepática de proteínas padrão suplementadas com imunonutrientes que possuem a habi-
de fase aguda, culminando com depleção significativa de lidade para melhorar a defesa imunológica, a função da barreira
aminoácidos indispensáveis, com consequente aumento do intestinal e atenuar a resposta inflamatória9,15,16.
risco de infecções, deterioração física geral, letargia, perda Diversos estudos têm demonstrado que a terapia de nutrição
ponderal, entre outros13. enteral ou parenteral no período pré-operatório melhora signifi-
Além de esses fatores, cabe ressaltar o impacto da desnu- cativamente o prognóstico de pacientes gravemente desnutridos
trição e suas repercussões sobre os custos hospitalares. Um candidatos à cirurgia do trato gastrintestinal9. A terapia de nutrição
estudo realizado por Correia & Waitzberg demonstrou supe- enteral parece ser mais efetiva que a terapia de nutrição parenteral
ração de 309% em relação ao custo normal com pacientes em pacientes com desnutrição grave9,16, por estar associada a
desnutridos em hospitais brasileiros8. menor taxa de complicações16,17, e ser economicamente viável15.
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Tabela 1 – Mecanismo de ação de algumas substâncias envolvidas na caquexia do câncer.


Substâncias Mecanismo de Ação
Leptina Atua por meio da redução do apetite, aumento do gasto energético, ativação de circuitos
catabólicos e supressão de circuitos anabólicos
Grelina Promove diminuição do apetite, devido ao bloqueio na resposta adaptada ao jejum
por redução da expressão do ácido ribonucléico mensageiro (ARNm) da grelina no
estômago
Fator mobilizador de lipídeos (FML) Atua no tecido adiposo por meio da hidrólise de triglicérides a ácidos graxos livres e
glicerol, devido ao aumento da adenosina monofosfato cíclico (AMPc), de forma aná-
loga aos hormônios lipolíticos, com consequente mobilização e utilização lipídica
Fator indutor de proteólise (FIP) Induz a degradação protéica e inibe a síntese protéica no músculo esquelético
Fator de necrose tumoral-alfa (FNT-a) Diminui a ingestão alimentar, induz balanço nitrogenado negativo, lipólise e proteó-
lise, reduz a atividade da enzima lipase lipoprotéica, promove aumento de cortisol e
glucagon, reduz a insulina, conduz à resistência à insulina, anemia e febre, aumenta
o gasto energético
Interleucina-1 (IL-1) Induz saciedade, suprime a ingestão alimentar, reduz a atividade da enzima
lipase lipoprotéica, aumenta a lipólise e a proteólise, dentre outros efeitos
semelhantes ao FNT-a
Interleucina-6 (IL-6) Reduz a ingestão alimentar, promove a perda de peso em pacientes com linfoma,
câncer de pulmão e colorretal, apresenta efeitos semelhantes a IL-1, porém de forma
menos potente
Interferon-gama (IFN-g) Potencializa o efeito do FNT-a, aumenta a expressão do ARNm, diminui a ingestão
alimentar, inibe a enzima lipase lipoprotéica nas células adiposas
Fonte: Adaptado de Silva11.

Porém existem controvérsias, como aponta o estudo de Klek das células natural killer (NK) e na geração de células killer
et al.7, que avaliou os efeitos clínicos da terapia de nutrição ativadas por linfoquina10.
enteral e da nutrição parenteral imunoestimulatórias em A arginina pode ser metabolizada em óxido nítrico e citrulina,
pacientes eutróficos submetidos à ressecção por câncer gastrin- pela enzima óxido nítrico sintase, e em ureia e ornitina, pela
testinal. Os autores não encontraram discrepâncias entre essas enzima arginase. A ornitina conduz a produção de hidroxiprolina,
modalidades terapêuticas, pois ambas apresentaram eficácia, que pode melhorar a síntese de colágeno9 e o óxido nítrico conduz
tolerância e efeitos na síntese protéica similares, exceto em a melhoria dos efeitos de macrófagos e da atividade bactericida10.
relação ao custo inferior observado com o uso da terapia enteral. Dietas enriquecidas com arginina são capazes de reduzir as
Fórmulas contendo nutrientes imunomoduladores podem taxas de infecções no pós-operatório de pacientes oncológicos20,
melhorar a resposta imunológica pós-operatória e atenuar a melhorar o estado nutricional e a função imune celular de
reação inflamatória e, consequentemente, reduzir as compli- pacientes críticos21, a produção de tumores colorretais e a prolife-
cações infecciosas graves em pacientes submetidos a diversos ração celular das criptas em ratos20; promover aumento no volume
tipos de intervenções cirúrgicas17-19. do timo e na função de macrófagos e células NK5; melhorar a
cicatrização de feridas, reduzir a excreção de nitrogênio e a perda
Arginina de peso, com melhora significativa do balanço nitrogenado8.
A arginina é considerada um aminoácido semi-essencial,
pois, em determinadas condições catabólicas, deixa de ser sinte- Glutamina
tizada pelo organismo em quantidades suficientes para suprir A glutamina, aminoácido mais abundante no corpo que
as suas necessidades14,20. Estimula a secreção de vários hormô- exerce papel vital no transporte de aminoácidos e no balanço
nios, como hormônio de crescimento, glucagon e insulina, que nitrogenado10, é tida como não-essencial, porém, em situações
possuem efeito modulatório na resposta imunitária, além de ser críticas, como cirurgia, trauma e exercício extenuante, torna-se um
precursora da síntese de poliaminas e ácidos nucléicos, ambos aminoácido essencial, visto que a sua síntese não supre as neces-
indispensáveis para a proliferação e diferenciação celular5,15,17. sidades orgânicas. As principais funções da glutamina incluem:
Esse aminoácido pode reduzir a produção de mediadores proliferação e desenvolvimento de células imunitárias, equilíbrio
pró-inflamatórios, como IL-1, IL-6 e FNT-α, no sítio da injúria, ácido-básico, transporte de amônia entre os tecidos, doação de
e melhorar a imunidade celular (linfócitos CD4, CD8), bem esqueletos carbonados para a gliconeogênese, dentre outras22.
como acelerar o crescimento tecidual após trauma ou infecção17. Esse aminoácido é sintetizado a partir do glutamato pela
Outros estudos comprovam a sua ação na estimulação da proli- enzima glutamina sintetase e degradada a glutamato pela enzima
feração das células T, na síntese de IL-2, nos efeitos citotóxicos glutaminase. Células imunes, renais e intestinais apresentam
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Efeitos da imunonutrição enteral em pacientes oncológicos submetidos à cirurgia do trato gastrintestinal

elevada atividade de glutaminase, ao passo que músculo esque- angiogênese; influência na atividade do fator de transcrição nuclear,
lético, pulmões, fígado, cérebro e, possivelmente, tecido adiposo na expressão gênica e nas vias de transdução de sinais; alteração no
possuem alta atividade de glutamina sintetase22. metabolismo do estrogênio; aumento ou diminuição da produção
A glutamina é o principal combustível para linfócitos e de radicais livres; e envolvimento em mecanismos relacionados à
macrófagos. É precursora da síntese de nucleotídeos e age como sensibilidade à insulina e à fluidez das membranas24.
precursora da glutationa, responsável pelo sistema de defesa
antioxidativa. Linfócitos podem ter alta atividade de glutami- Nucleotídeos
nase e elevada utilização de glutamina, ambos aumentados após Os nucleotídeos, representados pelas purinas e pirimidinas,
estímulo mitogênico, sendo assim, a função dos linfócitos pode são responsáveis pela síntese ARN e ADN (ácido desoxirribo-
ser afetada pela deficiência de glutamina15. nucléico)19,25. Efeitos potentes têm atribuídos aos nucleotídeos
Experimentos in vitro mostram que a glutamina é necessária em estudos experimentais, incluindo a promoção do crescimento
para fagocitose, produção de ARN e secreção de IL-1 pelos macró- da mucosa intestinal, o aumento das células ósseas marrons e
fagos. Células polimorfonucleares após injúria possuem função a contagem de neutrófilos periféricos em ratos infectados26.
bactericida mais efetiva na presença de glutamina15. Indivíduos Os nucleotídeos são derivados de ARN na dieta e sua
suplementados com glutamina após cirurgia abdominal apresentam restrição está associada com o aumento significativo na
atenuação da depleção de glutationa muscular, com benefícios mortalidade em modelos murinos de sepse por Candida spp14.
na recuperação dos mesmos22. Em pacientes queimados ou com Também possuem provável ação na melhoria da síntese protéica
pancreatite aguda, a suplementação com glutamina é capaz de e no aumento nas funções das células T, bem como redução da
aumentar as concentrações de transferrina e transtiretina, associada incidência de infecções fúngicas5.
à redução de PCR8. Em pacientes críticos, estudos apontam que a O ARN é imprescindível para a maturação normal dos linfó-
glutamina é capaz de melhorar o balanço nitrogenado, reduzir a taxa citos10 e para a proliferação de células imunitárias envolvidas no
de complicações infecciosas e o tempo de permanência hospitalar23. processo de cicatrização de feridas17, além de promover melhora
da imunossupressão em estudos experimentais conduzidos em
animais de laboratório10.
Ácidos Graxos Ômega-3
Os ácidos graxos ômega-3 possuem funções importantes na
EFEITOS DA IMUNONUTRIÇÃO ENTERAL EM
estrutura das membranas e nos processos vitais, visto que são
PACIENTES COM CÂNCER GASTRINTESTINAL
capazes de melhorar a flexibilidade da membrana celular. Eles
A disponibilidade de dietas enterais imunoenriquecidas com
têm atividade no processo de fagocitose e para a expressão dos arginina, glutamina, nucleotídeos e ácidos graxos ômega-325, 27
receptores de IL-215, e de sub-regularem a resposta imune por tem estimulado a realização de estudos comparativos entre as
meio da modulação da síntese de eicosanoides e da regulação dietas padrão e as fórmulas imunomoduladoras27.
das membranas celulares10. Chen et al.15 avaliaram a influência da imunonutrição pós-
Os ácidos graxos ômega-3 competem com os ácidos graxos operatória nos mecanismos de defesa e na resposta inflamatória
ômega-6 pelo metabolismo da ciclooxigenase na membrana de pacientes com carcinoma gástrico submetidos à cirurgia de
celular e pela produção de eicosanoides; aumentam a produção grande porte. Pacientes (40 indivíduos), com idade média de
de prostaglandinas da série 3 e leucotrienos da série 5 com 59±12 anos, foram randomizados em dois grupos: imunonutrição
potencial redução pró-inflamatória e; inibem a produção de pros- (n = 20) e nutrição padrão (n = 20). Os pacientes pertencentes ao
taglandinas da série 2 e leucotrienos da série 4 que deprimem grupo imunonutrição receberam no 2º dia pós-operatório (DPO)
a citotoxidade de macrófagos, linfócitos e células NK17, com uma fórmula enteral enriquecida com arginina, glutamina e ácidos
consequente redução da síntese de IL-1, IL-6 e FNT-α 9. graxos ômega-3 (Stresson®, Nutricia China, Shangai, China), ao
A suplementação com ácidos graxos ômega-3 diminui a passo que o grupo nutrição padrão recebeu uma fórmula enteral
síntese de prostaglandinas (PG) e tromboxanos A2 (TXA2); padrão (Nutrison®, Nutricia China), ambos por um período de sete
aumenta a substância antiagregatória tromboxano A3 e inibe a dias. Os níveis séricos de albumina, pré-albumina e transferrina
resposta inflamatória excessiva. Evidências clínicas e experi- foram avaliados nos dias 0, 5 e 9 e; IgA, IgG, IgM, contagens
mentais demonstram que a administração intravenosa de ácidos celulares de CD4 e CD8, razão CD4/CD8, IL-2, IL-6 e FNT-α,
graxos ômega-3 reduz significativamente a produção de citocinas nos dias 0, 1 e 9. Todos os pacientes apresentaram características
pró-inflamatórias, como IL-1, IL-2, IL-6, IL-8 e FNT-α15,17. similares no perfil clínico pré-operatório e no manejo pós-opera-
Estudos demonstram efeitos favoráveis após a suplemen- tório, excetuada a fórmula de nutrição enteral acima descrita.
tação com ácidos graxos ômega-3 em pacientes submetidos a Observou-se, no grupo imunonutrição, aumento significativo de
cirurgia de grande porte, por minimizar a magnitude da resposta pré-albumina e transferrina no nono dia; incremento significativo
inflamatória e pela modulação da resposta imune6, além de de imunoglobulinas, CD4, CD4/CD8, IL-2 e redução significa-
promoverem a redução da agregação plaquetária, atividade de tiva de IL-6 e FNT-α no sétimo dia, quando comparado ao grupo
coagulação e produção de citocinas17. nutrição padrão. Ambos os grupos apresentaram boa tolerância às
Os principais mecanismos dos ácidos graxos ômega-3 no fórmulas enterais, ausência de fístula intestinal, falência respiratória
processo de carcinogênese propostos incluem: supressão da bios- e disfunção hepática após o procedimento cirúrgico. Não houve
síntese dos eicosanoides derivados do ácido araquidônico; impacto alterações, em ambos os grupos, nos níveis de albumina durante
na proliferação celular, apoptose, disseminação de metástases e o pós-operatório. Os autores concluíram que a imunonutrição
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enteral exerce benefícios nos mecanismos de defesa imunitária e na menor no grupo imunonutrição (12,5±3,8 dias) quando compa-
modulação da resposta inflamatória após cirurgias de grande porte rado ao controle (14,0±7,2 dias). Apesar de a contagem de células
por carcinoma gástrico, evidenciando a superioridade das dietas brancas no pós-operatório não ter alterado em ambos os grupos,
imunoenriquecidas em relação às fórmulas padrão. observou-se valores significativamente maiores nos níveis séricos
Um estudo prospectivo, randomizado e duplo cego, com de albumina, três dias após a cirurgia, no grupo imunonutrição.
o objetivo de avaliar os efeitos da imunonutrição enteral pós- Esses achados sugerem que a imunonutrição enteral pré-operatória
operatória precoce no processo de cicatrização de feridas e na pode ser efetiva para prevenir a infecção no local da cirurgia em
ocorrência de complicações infecciosas, foi realizado em 66 pacientes eutróficos com câncer colorretal (Tabela 2).
pacientes (32 homens e 22 mulheres), idade média de 68±11 Uma metanálise de 17 ensaios clínicos randomizados (14
anos, com diagnóstico histológico de câncer gástrico, candidatos à publicados, n = 2.102 e 3 não publicados, n = 203), envolvendo
cirurgia abdominal. Os pacientes foram separados em dois grupos: 2.305 pacientes internados submetidos à cirurgia eletiva de grande
imunonutrição, n = 30, suplementado com fórmula contendo porte e suplementados via enteral e/ou oral com uma dieta imuno-
arginina, ácidos graxos ômega-3 e ARN (Impact®, Novartis, enriquecida com L-arginina, nucleotídeos (ARN) e ácidos graxos
Espanha) e; nutrição padrão, n = 30, fórmula padrão isocalórica ômega-3 (Impact®, Novartis, Espanha), antes e após a cirurgia, foi
e isonitrogenada (Isosource®, Novartis, Espanha). Ambas as conduzida por Waitzberg et al.29 com o intuito de examinar a relação
fórmulas foram administradas via jejunostomia, com início entre entre o suporte nutricional especializado com imunonutrientes nos
12 e 18 horas após procedimento cirúrgico, com duração de sete períodos pré, peri e pós-operatório, bem como a morbidade em
dias. A avaliação do processo de cicatrização de feridas foi reali- pacientes submetidos à cirurgia de grande porte. Observou-se, por
zada por meio da quantificação do depósito de hidroxiprolina no meio da análise combinada dos resultados, redução significativa
cateter inserido subcutaneamente e pela ocorrência de complica- das morbidades perioperatórias em cirurgia eletiva; diminuição
ções na cicatrização de feridas operatórias. Observou-se, no grupo da taxa de complicações infecciosas no pós-operatório; redução
imunonutrição, maiores níveis de hidroxiprolina local; menores do tempo de estadia hospitalar em, pelo menos, dois dias, além
episódios de complicações pós-operatórias, menor diminuição e de redução de infecções de feridas, abscessos abdominais e deis-
recuperação mais rápida de linfócitos, proteínas totais, albumina cências com a utilização dessa formulação enteral. Os autores
e pré-albumina e, menor tempo médio de permanência hospitalar, também observaram, de acordo com os resultados dessa pesquisa
de forma significativa, quando comparado ao grupo controle. que, embora no pós-operatório a taxa de complicações infecciosas
Dezessete pacientes experimentaram algum tipo de intolerância à tenha se mostrado significativamente menor do que a de pacientes
fórmula, como náuseas, seguidas de vômitos, distensão abdominal pertencentes ao grupo controle (aqueles que receberam fórmulas
e diarreia, porém com menor frequência no grupo imunonutrição padrão isentas de nutrientes imunomoduladores), o período ótimo
(n = 5) quando comparado ao grupo controle (n = 12). Esses para administração da dieta enriquecida com imunonutrientes é
resultados apontam que a administração de fórmulas enterais o pré-operatório, especificamente entre cinco e sete dias antes da
suplementadas com arginina, ácidos graxos ômega-3 e ARN, intervenção cirúrgica e na dosagem de 0,5 a 1,0 litro por dia.
no período pós-operatório precoce, em pacientes gastrectomi- Xu et al.30 realizaram um estudo com 60 pacientes (36
zados por câncer gástrico, pode melhorar significativamente a homens e 24 mulheres), idade entre 40 e 72 anos, com câncer
cicatrização de feridas operatórias, com consequente redução da gastrintestinal para avaliar os efeitos da imunonutrição enteral
morbidade e do número de infecções pós-operatórias9 (Tabela 2). pré-operatória acrescida de L-arginina, ARN e ácidos graxos
Horie et al.28 realizaram um estudo prospectivo para averiguar ômega-3 (Impact®, Novartis, China) (n = 30) e de uma dieta
os efeitos da imunonutrição enteral pré-operatória no processo de enteral padrão (n = 30) sobre o estado nutricional e a imunidade
infecção cirúrgica em pacientes com câncer colorretal (43 homens desses pacientes, e a influência dessas dietas na incidência de
e 24 mulheres), idade média de 66±10 anos, randomizados em complicações pós-operatórias. Tanto a dieta imunomoduladora
dois grupos: grupo imunonutrição (n = 33), que recebeu uma quanto a dieta enteral padrão foram administradas sete dias antes
dieta enteral suplementada com arginina, ácidos graxos ômega-3 e da intervenção cirúrgica. Não houve diferença significativa nas
nucleotídeos (Impact, versão japonesa, Ajinomoto, Tóquio, Japão) variáveis imunológicas e nutricionais entre os dois grupos no pré-
e grupo controle (n = 34), ambas administradas cinco dias antes da operatório. Observou-se, no pós-operatório, menor incidência de
intervenção cirúrgica. A idade média foi significativamente maior complicações, menor tempo de permanência hospitalar, maiores
no grupo imunonutrição (69±9 anos) quando comparado ao grupo níveis séricos de pré-albumina, transferrina, IgG e CD4/CD8 no
controle (63±11 anos), porém não foram averiguadas diferenças, grupo imunonutrição quando comparado ao grupo que recebeu
em ambos os grupos, em relação a sexo, distribuição da doença, dieta enteral padrão. Todos os resultados foram estatisticamente
peso, altura, IMC, estado nutricional, anemia, proteínas totais, significativos, o que demonstra os reais efeitos benéficos da
albumina, hemoglobina, métodos cirúrgicos, tempo de operação imunonutrição em comparação às formulações padrão.
e volume sanguíneo intraoperatório. Nenhuma infecção pós- Um ensaio clínico, retrospectivo e controlado, teve como
operatória foi averiguada no grupo imunonutrição, ao passo que objetivo comparar os efeitos de fórmulas enriquecidas com
esta esteve presente significativamente no grupo controle (5 casos). imunonutrientes no pré-e/ou pós-operatório com fórmula enteral
Observou-se, também, no grupo controle, a presença de 1 caso de controle no pós-operatório. Um total de 40 pacientes (37 homens e
pneumonia e 1 caso de infecção do trato urinário após cirurgia, 3 mulheres) diagnosticados com carcinoma de células escamosas
fatos não observados no grupo imunonutrição. O tempo médio de esôfago, submetidos à esofagectomia transtorácica entre 1998
de permanência hospitalar pós-operatória foi significativamente e 2005, idade mediana de 64 anos, foi separado em três grupos:
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Efeitos da imunonutrição enteral em pacientes oncológicos submetidos à cirurgia do trato gastrintestinal

grupo A (n = 20, 1998-2001) recebeu dieta enteral controle significantes em relação a sexo, idade, peso corporal, localização e
(Erental®, Ajinomoto Pharma, Tóquio, Japão) via jejunostomia estadio tumoral, duração do terapia nutricional e tempo de perma-
durante os primeiros 14 DPO; grupo B (n = 6, 2001-2002) recebeu nência hospitalar. A fístula faringocutânea foi menos frequente no
dieta enteral suplementada com substratos imunomoduladores grupo III; as infecções das feridas foram menos prevalentes nos
(Impact®) contendo arginina, ácidos graxos ômega-3 e ARN grupos I e III; houve apenas 1 caso de pneumonia após cirurgia e no
após a cirurgia durante os primeiros 14 dias e; grupo C (n = 14, grupo II; a diarreia foi similar entre os grupos; não houve diferença
2002-2005) recebeu dieta imunoenriquecida (Impact®) 5 dias significativa nos níveis séricos de proteínas, linfócitos, IL-6, PCR
antes da cirurgia por via oral e, durante os 14 primeiros dias após e FNT-α nos grupos I, II e III, porém no 14º DPO, os níveis de
procedimento cirúrgico. Observou-se os seguintes resultados: a FNT-α aumentaram significativamente no grupo II, o que sugere
contagem de linfócitos no grupo C, no 7º DPO, foi significati- melhores resultados com o uso de fórmulas enterais contendo
vamente maior que no grupo B e não significativamente maior imunonutrientes comparadas às fórmulas padrão (Tabela 2).
que no grupo A; a incidência de infecção da ferida operatória foi Gunerhan et al.5 conduziram um ensaio clínico randomizado
significativamente menor no grupo C quando comparado ao grupo e controlado em 42 pacientes (17 homens e 25 mulheres),
A e; a duração da síndrome da resposta inflamatória sistêmica foi idade média de 63,42±13,32 anos, com câncer gastrintestinal.
significativamente menor no grupo C comparado ao grupo A. A O objetivo principal foi avaliar os efeitos da imunonutrição
mortalidade foi de 0% em cada grupo. Os resultados sugerem que pré-operatória sobre parâmetros imunitários celulares antes da
fórmulas enriquecidas com nutrientes imunomoduladores no peri- intervenção cirúrgica. Foram excluídos do estudo: pacientes com
operatório são superiores a fórmulas enterais padrão, visto que são diabetes mellitus, falência renal, falência hepática e infecção
capazes de reduzir as taxas de infecções nas feridas incisionais e ativa; aqueles com história do uso de drogas imunossupres-
a síndrome da resposta inflamatória sistêmica no pós-operatório soras ou com sinais clínicos de deficiência vitamínica e/ou de
em pacientes submetidos a esofagectomia17 (Tabela 2). elementos-traço. Os pacientes foram alocados aleatoriamente
Zheng et al.10 realizaram metanálise com 13 ensaios clínicos em três grupos: grupo 1 - imunonutrição (recebeu fórmula
randomizados e controlados envolvendo 1269 pacientes adultos enteral contendo arginina, ácidos graxos ômega-3 e ARN -
com câncer abdominal submetidos à cirurgia gastrintestinal, Impact®), n = 16; grupo 2 – nutrição normal planejada por
incluindo gastrectomia, duodenopancreatectomia e colec- um nutricionista, n = 13 e; grupo 3 – nutrição enteral padrão
tomia, que receberam dieta imunomoduladora perioperatória (Fresubin®), n = 13. Todas as dietas foram administradas sete
suplementada com dois ou mais nutrientes, incluindo arginina, dias antes do procedimento cirúrgico. Não foram observadas
glutamina, ácidos graxos ômega-3 e ARN, comparando-a diferenças significativas, em ambos os grupos, em relação a
à dieta padrão. Observou-se, por meio da combinação dos idade, sexo, albumina, pré-albumina, contagem de linfócitos e
resultados, que a imunonutrição apresentou efeito positivo
índice de massa corporal. Observaram os seguintes resultados:
significativo na taxa de infecção pós-operatória e no período
os níveis séricos de pré-albumina foram baixos em todos os
de permanência hospitalar, bem como na melhoria da função
grupos, porém com melhora significativa após instituição do
imune, por aumentar significativamente a contagem total de
protocolo de nutrição apenas no grupo 1; CD4, CD16/56,
linfócitos, os níveis de CD4 e IgG, e reduzir os níveis de IL-6.
CD69 foram similares, em todos os grupos, antes do protocolo
Em relação à mortalidade pós-operatória, a imunonutrição não
nutricional; ao passo que CD8 foi mais elevado no grupo 3
teve efeito significativo. Não foram encontradas diferenças
comparado ao grupo 1. Entretanto. com a administração da
significativas nos níveis de CD8, IL-2 e PCR. Não foram
terapia nutricional, nenhum dos grupos apresentou aumento nas
encontrados efeitos adversos graves, visto que alguns estudos
subpopulações de linfócitos; não foram observadas diferenças
reportaram a vigência apenas de vômitos, diarreia, caimbras e
nas complicações e duração do período de internação hospitalar
edema. Dois estudos comprovaram menor custo hospitalar em
no pós-operatório entre os grupos. Os autores concluíram a
pacientes com imunonutrição em comparação ao grupo controle.
necessidade de estudos controlados adicionais para averiguar
Os resultados evidenciam que a dieta perioperatória enriquecida
com imunonutrientes é efetiva e segura por reduzir a infecção os efeitos da imunonutrição na resposta imune antitumoral,
pós-operatória e o tempo de permanência hospitalar. visto que o presente estudo identificou apenas incremento
Casas-Rodera et al.14, com o intuito de comparar duas fórmulas significativo nos níveis de pré-albumina com a suplementação
enterais imunomoduladoras com uma fórmula padrão na frequência de fórmulas enriquecidas com arginina, ácidos graxos ômega-3
de infecções pós-operatórias, tempo de estadia hospitalar e marca- e ARN (Tabela 2).
dores inflamatórios, conduziram um estudo com a participação
de 44 pacientes com câncer de cabeça e pescoço (42 homens e CONSIDERAÇÕES FINAIS
2 mulheres), e idade média de 54±11 anos. Os pacientes foram Os estudos analisados indicam que a terapia nutricional enteral
alocados aleatoriamente em três grupos: grupo 1 – fórmula enteral suplementada com nutrientes imunomoduladores, como arginina,
enriquecida com arginina (n = 15), grupo 2 – fórmula enteral glutamina, ácidos graxos ômega-3 e nucleotídeos, é capaz de
polimérica padrão (n = 15) e grupo 3 – fórmula enteral contendo exercer efeitos positivos na modulação da resposta imunitária
arginina, ácidos graxos ômega-3 e ARN (n = 14), ambas iniciadas e inflamatória de pacientes submetidos à cirurgia por câncer
12 horas por sonda nasogástrica após procedimento cirúrgico. As gastrintestinal. A redução das complicações infecciosas e o tempo
características dos grupos de estudo foram similares, refletindo de permanência hospitalar pós-operatória evidenciam a vantagem
homogeneidade da amostra. Não foram observadas diferenças das fórmulas imunomoduladoras em relação às fórmulas padrão.
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Fortes RC & Waitzberg DL

Tabela 2 – Estudos em pacientes oncológicos submetidos à cirurgia do trato gastrintestinal em uso de imunonutrição enteral.
Autor (Ano) Tipo de estudo População-alvo Imunonutrição Resultados
Farreras Ensaio clínico Pacientes adultos Fórmula enteral contendo ar- Melhores níveis de hidroxiprolina,
et al. (2005)9 prospectivo, com câncer gástrico ginina, ácidos graxos ômega-3 linfócitos, proteínas totais, albumina
randomizado, submetidos à gastrec- e ácido ribonucléico (ARN), e pré-albumina; menores compli-
duplo cego tomia via jejunostomia, por sete dias cações e menor tempo de estadia
após a intervenção cirúrgica hospitalar pós-operatórias, melhor
tolerância à fórmula enteral
Horie et al. Ensaio clínico Pacientes adultos Fórmula enteral contendo ar- Ausência de infecção pós-ope-
(2006)28 prospectivo, com câncer colorretal ginina, ácidos graxos ômega-3 ratória, menor tempo de estadia
randomizado, submetidos à colec- e nucleotídeos, via oral, cinco hospitalar pós-operatória, maiores
controlado tomia dias antes da cirurgia níveis sérica de albumina
Takeuchi Ensaio clínico, Pacientes adultos Fórmula enteral contendo argi- Maior contagem de linfócitos; me-
et al. (2007)17 retrospectivo, com câncer esofágico nina, ácidos graxos ômega-3 e nor incidência de infecção da feri-
controlado submetidos à esofa- ARN, via oral, cinco dias antes da operatória; menor duração da
gectomia da cirurgia, e via jejunostomia síndrome da resposta inflamatória
14 dias após a cirurgia sistêmica
Casas-Rodera Ensaio clínico, Pacientes adultos Fórmula enteral contendo argi- Menor frequência de fístula farin-
et al. (2008)14 prospectivo, com câncer de ca- nina, ácidos graxos ômega-3 e gocutânea; menores infecções das
randomizado, beça e pescoço sub- ARN administrada, via sonda feridas operatórias; ausência de
controlado metidos à cirurgia de nasogástrica, 12 horas após infecções gerais e diarreia; meno-
boca e laringe intervenção cirúrgica, permane- res níveis de FNT-α
cendo por 14 dias
Gunerhan Ensaio clínico Pacientes adultos Fórmula enteral contendo ar- Melhora significativa dos níveis
et al. (2009)5 randomizado, com tumores gastrin- ginina, ácidos graxos ômega-3 séricos de pré-albumina
controlado testinais submetidos e ARN administrada sete dias
à cirurgia abdominal antes da intervenção cirúrgica

Porém, as diferenças metodológicas dos estudos analisados, a 6. Okamoto Y, Okano K, Izuishi K, Usuki H, Wakabayashi H, Su-
falta de um tratamento estatístico para comparação dos resultados zuki Y. Attenuation of the systemic inflammatory response and
encontrados e a ausência de um método padrão para a identifi- infectious complications after gastrectomy with preoperative oral
cação de materiais não publicados constituem algumas limitações arginine and omega-3 fatty acids supplemented immunonutrition.
World J Surg. 2009;33(9):1815-21.
deste estudo. Nesse sentido, novos estudos prospectivos multicên-
7. Klek S, Kulig J, Sierzega M, Szybinski P, Szczepanek K, Kubisz
tricos controlados e randomizados são necessários para confirmar
A, et al. The impact of immunostimulating nutrition on infectious
a utilidade clínica de fórmulas enterais imunoenriquecidas nos complications after upper gastrointestinal surgery: a prospective,
períodos pré e pós-operatório e nas diversas fases de vida, bem randomized, clinical trial. Ann Surg. 2008;248(2):212-20.
como estabelecer a dose terapêutica utilizada para os pacientes 8. Mota JF, Venâncio LS, Burini RC. Cirurgia e terapia nutricional
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Local de realização do trabalho: Curso de Especialização em Nutrição Clínica (GANEP), Brasília, DF, Brasil.

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