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Imunonutrição oral perioperatória em pacientes com câncer de ovário desnutridas

avaliadas pela triagem de risco nutricional

Resumo
Objetivos: O objetivo deste estudo foi determinar se a imunonutrição perioperatória pode
reduzir as complicações e o tempo de internação (LOS) em pacientes com câncer de ovário
desnutridas.
Delineamento do estudo: Pacientes com suspeita de câncer de ovário avançado antes do
diagnóstico histopatológico e uma triagem de risco nutricional (NRS) ≥ 3 receberam dietas
imunomoduladoras (IMD) orais por 5 dias pré-operatório e pelo menos 5 dias pós-operatório.
Os parâmetros para o desfecho clínico foram complicações infecciosas e não infecciosas
durante a internação e tempo de internação. Os resultados foram comparados com pacientes
com câncer de ovário desnutridas de um estudo anterior, sem qualquer suporte nutricional
aditivo (dieta/nutrição clínica padrão).
Resultados: A taxa de complicações infecciosas e não infecciosas no grupo de intervenção (GI)
N = 28 foi de 42,9%, semelhante ao grupo controle (GC) N = 19 com 42,1%, enquanto a taxa de
complicações infecciosas no GI (21,4% ) foi um pouco menor em relação ao GC (26,3%). A
mediana de tempo de internação do GI foi de 18 dias e, portanto, maior que o tempo de
internação do GC (15 dias). Em relação à conformidade dos pacientes no pré-operatório, 78,6%
dos pacientes utilizaram o IMD em quantidade ideal e suficiente. Considerando após a cirurgia,
apenas oito (28,6%) pacientes foram capazes de tomar IMDs em quantidade ideal e suficiente.
Conclusões: O presente estudo não mostrou melhora na taxa de complicações nem no tempo de
internação devido à imunonutrição perioperatória adicional em pacientes com câncer de ovário
desnutridas. No entanto, uma tendência para a redução de complicações infecciosas pôde ser
vista no GI.

Introdução
Mulheres com câncer de ovário demonstraram risco significativo de desnutrição, com
taxas de incidência entre 28% e 70% [1-4]. A desnutrição relacionada à malignidade
pode causar alterações na função imunológica. Isso poderia prejudicar a resposta do
paciente ao estresse cirúrgico e colocar pacientes cirúrgicos desnutridos em risco
aumentado para o desenvolvimento de infecções do campo cirúrgico [5]. Para melhorar
o sistema imunológico, “imunonutrientes” - arginina, glutamina, ácidos graxos ômega-3
e nucleotídeos - foram adicionados aos suplementos entéricos e mostraram ter um
impacto positivo em pacientes com malignidade gastrointestinal [6, 7]. O início precoce
da imunonutrição enteral em pacientes com cirurgia abdominal de grande porte diminui
as complicações infecciosas pós-operatórias e o tempo de internação [8,9]. O melhor
efeito sobre as complicações pós-operatórias e LOS foi visto no grupo que recebeu
imunonutrição antes (5-7 dias no pré-operatório) e após a cirurgia em pacientes com
doenças gastrointestinais malignas [10].
No entanto, dentro do setor cirúrgico ginecológico, existem poucos estudos sobre essa
questão [11, 12]. Para nosso conhecimento, este é o primeiro estudo a avaliar o efeito da
imunonutrição perioperatória, especialmente em pacientes desnutridos com câncer de
ovário.

Materiais e métodos
Pacientes
Pacientes com suspeita de estágio avançado de câncer de ovário antes da cirurgia foram
avaliados usando a pontuação de risco nutricional (NRS) 2002 em um estudo
prospectivo de um único centro em um centro terciário de câncer ginecológico no
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade de Munique entre maio
2014 e agosto de 2016. Os pacientes tinham que ter pelo menos 18 anos de idade, estar
dispostos e ser capazes de dar seu consentimento por escrito e mostrar um NRS ≥ 3. O
estudo foi aprovado pelo comitê de ética local (nº 545-13). A arginina e o óleo de peixe
são considerados os componentes mais importantes da imunonutrição. O Impact®
(Nestlé Health Science) foi usado como o estudo de IMDs, pois contém arginina,
nucleotídeos dietéticos e ácidos graxos ômega-3 combinados com uma fórmula de alta
caloria em uma porção pronta para beber. Ele foi recomendado pelas diretrizes
nacionais (DGEM) e internacionais (ESPEN) e usado em vários outros estudos com
populações pré e pós-operatórias [13-15]. Uma porção de Impact® (237 ml) contém 4,3
g de arginina, 430 mg de nucleotídeos e 1,2 g de ácidos graxos ômega-3
eicosapentanóico / docosahexanóico. De acordo com uma revisão sistemática de
pacientes cirúrgicos de alto risco, instruímos os pacientes a tomar os IMDs começando
5 dias antes e continuando por pelo menos 5 dias após a cirurgia, tomando três porções
por dia, conforme recomendado pela informação do produto Impact® [13]. O tempo de
internação, assim como o número de complicações infecciosas e não infecciosas durante
esse período, foram extraídos dos prontuários dos pacientes. Os resultados deste grupo
de intervenção (IG) foram comparados com os resultados de pacientes desnutridos com
câncer de ovário de um estudo anterior do nosso grupo de estudo [4] que foram tratados
sem qualquer suporte nutricional aditivo (dieta/nutrição clínica padrão) avaliado entre
dezembro de 2011 e março de 2013. Desde então, a cirurgia e os padrões de cuidados
pós-operatórios não mudaram. Também não houve alteração na equipe de cirurgiões
realizando os procedimentos. Para pacientes desnutridos, recomenda-se a realização de
IMDs antes das grandes cirurgias gastrointestinais, segundo as Diretrizes da Sociedade
Alemã de Medicina Nutricional [16]. Procedimentos cirúrgicos em estágios avançados
do câncer de ovário são, na medida do possível, comparáveis às principais cirurgias
gastrointestinais. Portanto, um estudo randomizado com nutrição com placebo não
estaria sujeito à pesquisa ética.

Triagem de risco nutricional (NRS) 2002


A ferramenta de rastreio utilizada neste estudo baseou-se na NRS 2002, estabelecida
pela Sociedade Dinamarquesa para Nutrição Parenteral e Enteral [17] e pela Sociedade
Europeia para Nutrição Clínica e Metabolismo (ESPEN). Kondrup et al. descreveu esta
ferramenta para a avaliação do risco de desnutrição em detalhe [18]. O escore de risco
nutricional caracteriza os pacientes, acrescentando dois componentes diferentes, o
“estado nutricional prejudicado” e a “gravidade da doença”. Para avaliar com precisão o
componente “Gravidade da doença”, utilizou-se uma adaptação mínima da NRS em
relação às questões ginecológicas (Tabela 1). Esta versão adaptada foi criada para um
estudo anterior [4] (Tabela 1). Cada um dos dois componentes envolve quatro
categorias de pontuação (ausente: 0 ponto; leve: 1 ponto; moderado: 2 pontos; e
grave/severo: 3 pontos); apenas a pontuação mais alta por componente é contada. Para
cada componente, o paciente pode ter uma pontuação de 0 a 3 pontos, resultando em
uma pontuação total de 0 a 6 pontos para a soma de ambos os componentes. Um ponto
extra é adicionado à pontuação total de ambos os componentes se o paciente tiver ≥ 70
anos devido à fragilidade dos pacientes idosos. Qualquer paciente com um escore total
de NRS ≥ 3 é considerado em risco nutricional grave de acordo com a publicação de
Kondrup et al. [18] As três variáveis a seguir são usadas para avaliar o estado
nutricional: índice de massa corporal (IMC), porcentagem de perda de peso recente e
mudança recente na ingestão de alimentos. Dentro do componente “Gravidade da
doença”, as categorias de pontuação foram definidas por estudos mostrando um efeito
do suporte nutricional em pacientes que estavam bem nutridos antes de ficar gravemente
doentes (escore 3) e por estudos sugerindo que o efeito observado do suporte nutricional
era dependente da coexistência de grau moderado ou leve de desnutrição (escore 2 e
escore 1) [18]. No estudo de Kondrup et al. são apresentadas informações mais
detalhadas sobre o desenvolvimento e validação da NRS [18].
Análise estatística
Para avaliar as características do paciente, foram consideradas a mediana, o intervalo e
as proporções das variáveis. O teste de Kruskall-Wallis e o teste T de amostras
independentes foram usados para estabelecer comparações entre os grupos. Variáveis
categóricas foram analisadas com o teste do χ2. P <0,05 foi considerado significativo. A
análise estatística foi realizada utilizando o software SPSS statistics 23.0.

Resultados
Características dos pacientes
No grupo de intervenção (GI), 35 pacientes foram incluídos com suspeita de câncer de
ovário antes da cirurgia. Após a cirurgia, sete pacientes foram excluídos devido a
resultados histopatológicos que não o câncer de ovário, deixando 28 pacientes com
câncer de ovário primário para se qualificarem para o GI. A Tabela 2 mostra as
características dos pacientes em relação à idade, IMC, escore/pontuação NRS, estágio
FIGO e status do tumor residual entre o GI e o GC. Os pacientes do GI apresentaram
uma mediana de idade de 70 anos (variação de 51 a 81) sendo em média 2 anos mais
velhos do que os pacientes do GC com uma mediana de idade de 68 anos (variação de
36 a 77). Em relação ao escore NRS, o GI apresentou pior estado nutricional,
apresentando um escore maior que o GC (GI, NRS mediana: 5; GC, NRS mediana: 4).
Além disso, a proporção de cirurgias R2 (tumor residual macroscópico) de status
tumoral residual entre os GI (GI, R2: 42,9%) foi maior que entre o GC (GC, R2:
26,3%).

Tempo de permanência e complicações


Na Tabela 3, são mostrados os resultados do tempo de internação (LOS) e a taxa total
de complicações. No GI, o tempo de internação foi de 18 dias, indicando uma
permanência mais longa que no GC (15 dias). Em relação ao número de complicações
totais (infecciosas e não infecciosas) durante a internação, a taxa de complicações no GI
(N = 12, 42,9%) foi aproximadamente a mesma do GC (N = 8, 42,1%). Nós nos
concentramos no número de complicações infecciosas na Tabela 4, pois há um efeito
positivo pela imunonutrição esperado. A tendência a menor taxa de complicações
infecciosas pode ser observada no GI (21,4%) em relação ao GC (26,3%), porém não
foi significativa (p = 0,7).

Conformidade da ingestão de IMD


A quantidade ideal de porções de Impact ® foi no total 15 doses únicas pré e 15 pós-
operatórias (≈ 3 vezes por dia, uma única porção contendo 237 ml) de acordo com
outros estudos [13]. Definimos “ótima” sendo 12 a 15 porções do Impact®; como
“suficiente” sendo 8 a 11 porções e “insuficiente” sendo sete porções e menos. A Tabela
5 mostra a adesão do GI aos pacientes quanto à ingestão de Impact®. Antes da cirurgia,
17 pacientes (60,7%) foram capazes de ingerir o Impact® na quantidade “ótima”, cinco
pacientes (17,9%) em quantidade “suficiente”. Resumindo, pelo menos 78,6% dos
pacientes foram capazes de tomar a imunonutrição em quantidade ótima e suficiente
antes da cirurgia. Infelizmente, no pós-operatório, apenas seis (21,4%) pacientes
conseguiram tomar o Impact® na quantidade “ótima” e dois (7,1%) na quantidade
“suficiente”. Dos seis pacientes pós-operatórios “ótimos”, cinco tomaram o Impact® na
quantidade “ótima” e um paciente na “suficiente” antes da cirurgia. Um dos pacientes
com a quantidade “suficiente” de Impact® pós-operatório estava no grupo “ótima” e um
no grupo “suficiente” pré-operatório. As principais razões para interromper a ingestão
de pós-operatórios de IMDs foram “problemas de motivação” (52,6%) e “náusea ou
vômito” (36,8%). Outras razões para descontinuar a ingestão de IMDs foram “falta de
apetite” (5,3%) e “muito doce” (10,5%). Em caso de problemas graves de subíleo, a
aplicação oral de IMDs teve que ser interrompida e alterada para nutrição parenteral.

Discussão
Sabe-se que a desnutrição no momento da cirurgia é um importante contribuinte para a
morbidade perioperatória [19-21]. Em relação às pacientes oncológicas ginecológicas,
no total, 24% são desnutridas [2]. Entre todos as pacientes de oncologia ginecológica,
aquelas com câncer de ovário apresentaram a maior taxa de desnutrição no momento do
diagnóstico, sendo 67-70% [2, 4]. Focamos o presente estudo apenas em pacientes
diagnosticados com câncer de ovário primário, pois esta parece ser a população mais
vulnerável à desnutrição. Em vários estudos anteriores, um efeito positivo sobre a
morbidade pode ser visto devido à adição perioperatória de imunonutrição em cirurgias
de grande porte [6–9, 13]. As principais cirurgias abdominais levam a uma resposta
inflamatória generalizada acompanhada de vazamento capilar. Isso geralmente resulta
em pacientes que sofrem de íleo apresentando náusea como um dos sinais clínicos.
Essas circunstâncias nos levaram a considerar que a aplicação da imunonutrição oral
(Impact®) antes e após a cirurgia poderia ser mais efetiva do que no pós-operatório.
O objetivo do presente estudo, sendo a redução da taxa de complicações por
imunonutrição, não foi alcançado. A taxa de complicações dentro do IG foi de 42,9%,
quase o mesmo que dentro do GC foi de 42,1%. Entretanto, em relação ao subgrupo de
complicações infecciosas, uma pequena melhora pôde ser encontrada no GI (IG 21,4%
versus GC 26,3%).
Em relação ao objetivo de menor tempo de internação no GI pela adição de
imunonutrição, isso também não pôde ser demonstrado (GI 18 dias, GC 15 dias). A
adesão pré-operatória dos pacientes à ingestão de imunonutrição foi de 78,6% (ótima e
suficiente), refletindo uma ingestão satisfatória dos IMDs. Os pacientes poderiam ser
facilmente motivados a tomar IMDs antes da cirurgia para melhorar seu sistema
imunológico na preparação do próximo procedimento. No entanto, a adesão do paciente
à ingestão do Impact ® no pós-operatório foi com 28,6% (ótima e suficiente) não
satisfatória. No total, apenas 8 dos 28 (28,6%) pacientes receberam a quantidade
ótima/ideal ou suficiente de bebidas imunonutricionais. As principais razões para
interromper a imunonutrição pós-operatória foram baixa motivação, náusea e vômito.
36,8% dos pacientes sofriam de náuseas e vômitos causados principalmente por subíleo
devido a procedimentos abdominais extensos, incluindo cirurgia intestinal. No estudo de
Chapman 2015, a conformidade pós-operatória do consumo do Impact ® foi de 75% na
mesma faixa da conformidade pré-operatória observada em nosso estudo (78,6%) [11].
No entanto, o estudo de Chapman incluiu pacientes com outras doenças ginecológicas
malignas, além do câncer de ovário [11]. Parece ser o problema especial das grandes
cirurgias extensas no câncer de ovário que uma imunonutrição oral pós-operatória
suficiente é difícil de realizar. Uma possível razão para os resultados decepcionantes em
relação à taxa de complicações é devido ao pequeno número de pacientes em cada
grupo. Uma tendência à redução da taxa de complicações infecciosas pode ser
observada no GI, enquanto na verdade apenas a imunonutrição pré-operatória ocorreu.
Se o número de pacientes do estudo fosse maior e a adesão da imunonutrição pós-
operatória melhor, maiores efeitos sobre a taxa de complicações poderiam ser
esperados.

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